José Eduardo Soares de Melo - Curso de Direito Tributário_

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CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO JOS EDUARDO SOARES DE MELO CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO 3 edio (revista e atualizada de conformidade com as Emendas Constitucionais, inclusive as de ns. 32 e 33, de 2001, e 37, de 12 de junho de 2002) So Paulo - 2002 by Jos Eduardo Soares de Melo 1 edio, Dialtica, 1997; 2 edio, Dialtica, 2001; 3 edio, Dialtica, 2002 DIALTICA marca registrada de Oliveira Rocha - Comrcio e Servios Ltda. Todos os direitos desta edio reservados Oliveira Rocha - Comrcio e Servios Ltda. Rua Sena Madureira, 34 CEP 04021-000 - So Paulo-SP e-mail: [email protected] Fone/fax (0xx11) 5084-4544 www.dialetica.com.br ISBN ~S 85-7500-059-4 Projeto (mioio)/Editorao Eletrnica Mars Fotolito da Capa Duble Express Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Melo, Jos Eduardo Soares de Curso de direito tributrio / Jos Eduardo Soares de Melo. - 3. ed. - So Paulo : Dialtica, 2002. Bibliografia. 1. Direito tributrio 2. Direito tributrio Brasil 3. Direito tributrio - Legislao - Brasil 4. Tributos - Brasil 1. Ttulo. CDU-34:336.2 02-2976 ndices para catlogo sistemtico: 1. Direito tributrio 34:336.2 Apresentao Este Curso de Direito Tributrio foi elaborado segundo os programas bsicos institudos nas Faculdades de Direito e de Administrao de Empresas, para os cursos de bacharelado, ps-graduao e especializao, tendo por finalidade possibilitar aos estudantes e profissionais, militantes nesta rea jurdica, o conhecimento dos aspectos fundamentais das atividades tributrias. Trata do sistema tributrio, mediante a anlise dos princpios e normas da Constituio Federal, do Cdigo Tributrio Nacional e da legislao correlata, analisando seus institutos e preceitos segundo a doutrina e a jurisprudncia. Considerando a edio de diversas Emendas Constitucionais, Leis Complementares, e alterao na sistemtica de diversos tributos nos ltimos trs anos, tomou-se imprescindvel a elaborao de uma nova edio deste livro, com o objetivo de permitir o conhecimento da legislaao atualizada, os entendimentos doutrinrios e a atual postura dos tribunais, que implicam a adoo de novos procedimentos por parte do binmio fisco-contribuinte e dos demais operadores do direito. A matria atinente s contribuies de seguridade social (item

3.5) fora detidamente analisada, mediante estudos especficos a respeito da Cofins, PIS, folha de salrios e rendimentos do trabalho, lucro, trabalhadores e segurados da Previdncia, atividades rurais e pesca artesanal, CPMF, Servio Social Rural e Seguro de Acidente do Trabalho (itens 3.5.4.1 a 3.5.5) A recente norma antieliso (item 9.3.3) recebeu especfico exame, face sua introduo no CTN, pela Lei Complementar 104/ 2001, o mesmo ocorrendo com a medida liminar ou tutela antecipada em outras espcies de ao judicial, e parcelamento (itens 13.5, e 13.6), e tambm com a dao em pagamento (item 14.1.5), inseridos nos mbitos da suspenso e extino da exigibilidade do crdito tributrio (captulos 13 e 14). O tpico referente administrao tributria (captulo 17) sofrera substancial modificao no que conceme ao dever de informao, e ao sigilo (itens 17.3 e 17.4), para adequar-se s regras dispostas nas Leis Complementares 104/2001 e 105/2001, e legislao decorrente. Toda a matria pertinente aos impostos federais, estadua is, distritais e municipais (captulos 1 8, 19 e 20) fora objeto de exame especfico de cada um de seus elementos componentes, passando a analisar as materialidades, sujeitos ativos, contribuintes e responsaveis, alquotas, progressividade no-cumulatividade, segundo legislao, doutrina e jurisprudncia atualizadas. Esta nova edio procura seguir o mesmo esprito e a diretriz que norteara a edio anterior, no sentido de possibilitar sua utilizao terica e prtica. Sumrio 1. Fundamentos Bsicos do Direito Tributrio 11 2. Conceito de Tributo 42 3. Espcies e Classificaes de Tributos 53 4. Competncia Tributria e Partilha das Receitas 105 5. Imunidades 110 6. Fontes do Direito Tributario 124 7. Vigncia, Eficcia e Aplicao da Legislao Tributria 144 8. Interpretao e Integrao da Legislao Tributria 157 9. Obrigao Tributria e Fato Gerador 177 10. Sujeitos Ativo e Passivo da Obrigao Tributria 194 11. Responsabilidade Tributria 204 12. Constituio do Crdito Tributrio 220 13. Suspenso da Exigibilidade do Crdito Tributrio 239 14. Extino do Crdito Tributrio 249 15. Excluso do Crdito Tributrio 273 16. Garantias e Privilgios do Crdito Tributrio 279 17. Administrao Tributria 285 18. Impostos Federais 302 19. Impostos Estaduais 333 20. Impostos Municipais 348 ndice Sistemtico 369 ndice Alfabtico de Assuntos 374 Bibliografia 378 1. Fundamentos Bsicos do Direito Tributrio Sumrio: 1.1. Atividade financeira do Estado. 1.2. A posio constitucional do direito tribttt rio. 1.3. A inexistncia de autonomia do Direito Tribut rio e seu relacionamento com os demais ramos do Direito. 1.4. Princpios constitucionais. 1.4.1. Princpio federativo. 1.4.2. Princpio republicano. 1.4.3. Princpio da legalidade. 1.4.4. Princpio da

anterioridade. 1.4.5. Princpio da irretroatividade. 1.4.6. Princpio da igualdade. 1.4.7. Princpio da capacidade contributiva. 1.4.8. Princpio da vedao de confisco. 1.4.9. Princpio da liberdade de trfego. 1.4.10. Princpio especflcos para determinados impostos. 1.1. Atividade Financeira do Estado O pas necessita de recursos para poder atingir seus objetivos fundamentais, consistentes na construo de uma sociedade livre, justa e solidria, no desenvolvimento nacional, na erradicao da pobreza e marginalizao, na reduo das desigualdades sociais e regionais, bem como na promoo do bem estar da coletividade (art. 1~, 30, da Constituio Federal). A Unio, Estados, Distrito Federal, Municpios e Territrios executam inmeras e diversificadas atividades, como se colhe do simples exame de matrias previstas na Constituio Federal, concernentes aos Poderes Legislativo, Executivo, Judicirio (arts. 44/153); Foras Armadas e Segurana Pblica (arts. 142/144); Seguridade Social (arts. 194/204); Educao, Cultura e Desporto (arts. 205/217); Cincia e Tecnologia (arts. 218/219), Meio Ambiente (art. 225); Famlia, Criana, Adolescente e Idoso (arts. 226/230). So, ainda, dotados de competncia constitucional para participar da ordem econmica, e das polticas urbanas, agrcola e fundiria (arts. 170/ 19 1). As entidades governamentais tambm podem atuar em setores dedicados atividade privada, despindo-se de privilgios, prerrogativas e exclusivos interesses pblicos, como ocorre no exerccio 12 CURSO DE DIRErTO TRIBUTRIO

de inmeras atividades, como compra, alienao, locao de quaisquer espcies de bens etc. A execuo de todas essas atividades (de natureza pblica e privada) implica a utilizao de pessoal (funcionrios pblicos, autnomos), aquisio de bens (veculos, materiais, imveis, mobilirio etc.) realizao de investimentos (estradas, hospitais, escolas, imveis destinados aos Ministrios e Secretarias de Governo), demandando a imprescindvel obteno e manuseio de valores, atinentes a receitas, despesas, elaborao de oramentos, significando um procedimento de autntica gesto financeira. Determinados valores pecunirios, compreendendo receita derivada do patrimnio das pessoas privadas (naturais e jurdicas) tm a caracterstica de tributos, consoante sistemtica constitucional, regrados por peculiar regime jurdico, e que constituem objeto de exame nos demais itens deste Curso. 1.2. A Posio Constitucional do Direito Tributrio O sistema tributrio, constitudo por princpios e normas especficas, encontra-se expressamente disciplinado em captulo prprio da Constituio Federal (arts. 145 a 156), e em demais dispositivos esparsos (arts. 195, 212, 50, 239, ~ j0 e 40 e 240). Os lineamentos, os contornos, as balizas e os limites de tributao esto previstos na Constituio. O exame da matria tributria impe, necessariamente, a anlise e a compreenso dos postulados e regras hauridas na Constituio, como lei fundamental e suprema do Estado, conferindo poderes, outorgando competncias e estabelecendo os direitos e garantias individuais. Dispe a Constituio sobre as espcies tributrias (impostos,

taxas, contribuies de melhoria, emprstimos compulsrios e contribuies sociais); estabelece as competncias das pessoas jurdicas de direito pblico para promover a sua instituio, de conformidade com especficas materialidades; contempla princpios genricos e peculiares para a criao e aplicao das normas tributrias; alm de tratar da previso de diplomas normativos (lei complementar, lei ordinria, medida provisria, convnios e resolues) para sua implementao e operacionalizao. Depreende-se que o Direito Tributrio possui efetiva dignidade constitucional devido ao significativo, peculiar e minucioso traJOSE EDUARDO SOARES DE MELO 13 tamento que lhe foi conferido pelo constituinte, o que tem o condo de revelar sua considervel importncia no ordenamento jurdico, pela circunstncia especial de, por um lado, representar fonte de receita para o poder pblico, e de outro, acarretar ingerncia no patrimnio dos particulares. A Constituio contm conceitos e diretrizes bsicas que devem ser rigorosamente obedecidas por todos seus destinatrios, e perseguidas at suas ltimas conseqncias, sendo inadmissvel ao intrprete e aplicador do Direito tomar como ponto de partida norma infraconstitucional (a lei, ou o regulamento), uma vez que esta deve sempre estar fundamentada em norma de escalo superior (como se categoriza a Constituio). Assim, as entidades governamentais no podem instituir ou exigir tributos movidos por meros interesses pessoais, discricionrios e arbitrrios, segundo procedimento que lhe parecer mais conveniente e oportuno, uma vez que devem estrita obedincia aos superiores postulados da Constituio Federal. 1.3. A Inexistncia de Autonomia do Direito Tributrio e seu Relacionamento com os Demais Ramos do Direito O Direito constitui um sistema integrado por diversificadas normas que se encontram vinculadas, de modo horizontal e, vertical, observando coerncia e harmonia, em razo do que as classificaes, ou divises operadas pelos legisladores, ou intrpretes, tm como objetivo bsico oferecer apenas um carter utilitrio. Sob esse prisma, as normas sero consideradas pblicas na medida em que consubstanciarem a predominncia do interesse coletivo, enquanto tero natureza privada no caso de positivar-se o interesse particular, inspirado no princpio da autonomia da vontade. Esta classificao meramente utilitria porque nem sempre h possibilidade de sustentar e manter uma rgida e dogmtica diviso entre direito pblico e privado. Sob esse aspecto, constata-se que, embora as normas de direito penal tenham por finalidade primordial a preservao de valores de superior interesse para a Sociedade, como a vida, a liberdade, a sade, tambm contemplam regras de interesse particular, como o caso dos crimes contra a honra (calnia, difamao e injria), cuja ao encontra-se condicionada representao por parte do particular ofendido. O mesmo ocorre com o direito 14 CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO do trabalho, direcionado na relao empregador e empregado, mas que contm normas inderrogveis pelas partes, como o caso do salrio mnimo, dcimo-terceiro salrio, salrio-famlia (previstos nos incisos IV, VIII e XII do art. 70 da Constituio Federal). Portanto, a classificao do Direito Tributrio como ramo do Direito Pblico, em realidade, objetiva apenas assinalar que suas normas revelam carter obrigatrio, insuscetveis de serem alteradas ou suprimidas pela vontade dos particulares, em razo do que o vendedor de uma mercadoria no pode combinar com o comprador

a desobrigao de emitir nota fiscal ainda que no aja sob o pretexto de eliminar a incidncia de imposto. Tambm o contribuinte de qualquer espcie tributria no poder fazer acordos com a fiscalizao para efetuar pagamento parcelado, ou ver-se desonerado de juros, multa, se inexistir lei tratando dessas matrias, em obedincia ao princpio da indisponibilidade do crdito tributrio. O estudo, a compreenso e a aplicao do Direito Tributrio no podem ser realizados de forma unilateral e isolada das inmeras regras integrantes de demais segmentos jurdicos, uma vez que as normas tributrias incidem e recaem sobre uma infinidade de preceitos e institutos do universo jurdico, de natureza civil, comercial, trabalhista, previdenciria etc. Considerando que o tributo decorre de fatos, operaes, estados, situaes, atividades pblicas e particulares - disciplinadas pelos demais ramos do Direito - e a despeito de seu status constitucional (art. 24, 1) toma-se absolutamente invivel cogitar-se de autonomia do Direito Tributrio, porquanto seus preceitos mantm permanente vinculao com os demais ramos do Direito, conforme facilmente se demonstra: a) Direito Constitucinal - discriminao das competncias s pessoas polticas, indicao de espcies de tributos, princpios constitucionais genricos e especficos, previso de normas veiculadoras e disciplinadoras de matria tributria (lei complementar, lei ordinria, resolues, decretos); b) Direito Administrativo - lanamento, fiscalizao e arrecadao dos tributos, prestao de servios pblicos, exerccio regular do poder de polcia e edio de normas regulamentares; Jos EDUARDO SOARES DE MEtO 15

c) Direito Financeiro - observncia de exerccio financeiro como marco temporal dos impostos e oramento especfico para as contribuies sociais; d) Direito Processual - procedimento indispensvel constituio do crdito tributrio, com obedincia dos princpios do contraditrio e da ampla defesa; e processo judicial visando a cobrana do crdito (executivo fiscal), ou discusso sobre sua exigibilidade (mandado de segurana, declaratria, anulatria, consignao, repetio de indbito); e) Direito Penal - sanes (priso, multa, regime especial de fiscalizao, interdio, perdimento de bens, apreenso de coisas, proibio de transacionar com reparties pblicas) pela violao de normas tributias (falta de pagamento de tributo, descumprimento de obrigaes acessrias, sonegao fiscal, contrabando, descaminho, apropriao indbita); f) Direito Internacional - tratados e acordos firmados entre os pases, estabelecendo diminuio ou supresso de nus tributmos (eliminao de dupla exigncia de imposto de renda, desonerao de imposto de importao); g) Direito Civil - propriedade e transmisso de bens mveis e imveis, entre particulares, servios prestados por profissionais e sociedades civis, heranas; h) Direito Comercial - negcios mercantis (compra e venda) e societrios (constituio, fuso, ciso, incorporao, transformao); e i) Direito do Trabalho - salrios, utilidades, aviso prvio,

fundo de garantia por tempo de servio. A anlise dos inmeros temas que so desenvolvidos neste Curso, permitir vislumbrar o indispensvel entrelaamento das normas tributrias com os diversos ramos do Direito, em conseqncia do que pode-se claramente conceber que o estudo do Direito Tributrio obriga, necessariamente, ao conhecimento das demais regras do ordenamento jurdico. 1.4. Princpios Constitucionais O sistema jurdico contempla uma gama de preceitos, comandos, normas e princpios dispostos nas inmeras manifestaes dos 16 CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO poderes pblicos. O elenco de regras constantes do universo jurdico deve respaldar-se em normas de categoria diferenciada, de ndole superior, que constituem o alicerce, a base, o fundamento do edifcio normativo, tendo por finalidade formar e informar os demais preceitos ditados pelos rgos competentes. Corporificando um plexo de normas regedoras dos poderes e direitos, a Constituio Federal abarca os mandamentos lineares, a estrutura do Estado Federal, a forma republicana de governo, enunciando o modo de manifestao dos poderes pblicos, sendo conceituada como conjunto ordenado e sistemtico de normas, constitudo em torno de princpios coerentes e harmnicos em funo de objetivos socialmente consagrados. A Constituio Federal estabelece um sistema escalonado de normas, representado por uma autntica pirmide jurdica que, visualizada de baixo para cima, compreende num patamar inicial o seu prprio alicerce, denominado princpios, tendo sido pontificado que o sistema jurdico - ao contrrio de ser catico e desordenado - tem profunda harmonia interna. Esta se estabelece mediante uma hierarquia segundo a qual algumas normas descansam em outras, as quais, por sua vez, repousam em princpios que, de seu lado, se assentam em outros princpios mais importantes. Dessa hierarquia decorre que os princpios maiores fixam as diretrizes gerais do sistema e subordinam os princpios menores. Estes subordinam certas regras que, sua vez, submetem outras.2 Importante ponderar, ainda, que princpio , por definio, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposio fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o esprito e servindo de critrio para sua exata compreenso e inteligncia exatamente por definir a lgica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tnica e lhe d sentido harmnico. E o conhecimento dos princpios que preside a inteleco das diferentes partes componentes do todo unitrio que tem por nome 3 sistema jurdico positivo Geraido Ataliba. Sistema Constitucio,,al Tributrio, So Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. 8. 2 Geraido Ataliba, ob. cit., p. 8. Ceiso Antonio Bandeira de Melio. Curso de Direito Administrativo. So Paulo, Malheiros Editores. 8 ed.. 1996, pp. 545-546. JOS EDUARDO SOARES DE MEtO 17

fcil esclarecer a importncia dos princpios: a Constituio Federal estabelece que vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabelea (art. 150, 1), traduzindo o princpio da estrita legalidade tri but ria, em razo do que, em regra, o imposto tem que ser previamente institudo por lei aprovada por representantes do povo (Congresso Nacional, Assemblia Legislativa ou Cmara dos Vereadores). O Poder Executivo (Presidente da Repblica, Governadores dos Estados, do Distrito Federal e Prefeitos dos Municpios, e seus respectivos auxiliares), s poder exercer atos de execuo, como cobrar o imposto em estrita obedincia aos elementos contidos na prvia lei tributria, no podendo introduzir nenhum tipo de inovao. Os princpios representam conceitos dogmticos, verdades normativas, tendo a Lei das Leis (como tambm denominada a Constituio Federal) previsto princpios de natureza variada, de forma explcita, implcita e expressa, sendo certo que os direitos e garantias constitucionais no excluem outros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte (~ 2~ do art. 50 da Constituio Federal). 1.4.1. Princpio federativo A Federao constitui uma das pedras fundamentais do edifcio jurdico (expressamente consagrada no primeiro artigo da Constituio Federal, e reiterada em inmeras outras disposies constitucionais), com ampla aplicao no que conceme s normas de imposio tributria. Sua magnitude ressaltada no art. 60, 40, da mesma Constituio, que probe ao Congresso Nacional sobre eventual proposta tendente a aboli-la, vedando sua indissolubilidade. Compreende a associao de Estados, implicando configurao jurdica de um novo Estado (Federal), sendo que as caractersticas bsicas do regime federativo podem ser assentadas na forma seEuinte: 1. esquema de constituio rgida; 2. um poder constitucional prprio nos Estados; 3. existncia de um territrio prprio; 4. existncia de um povo prprio; 5. os poderes derivam da sua constituio compatibilizada com a repartio de competncias que est na Constituio Federal; 6. representao proporcional da vontade do povo dos Estados no rgo legislativo da Unio, alm da represenPUC MINAS pOOS BIBLIOTECA JOSE EDUARDO SOARES DE MEtO CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO tao dos Estados, paritariamente nesse rgo; 7. Corte constitucional que assegure a supremacia da Constituio Federal.4 A Federao contm trs ordens jurdicas distintas: a) a nacional compreende o prprio Estado Federal, como o aspecto global do Pas, ou seja, o Estado brasileiro dotado de soberania que representa o Pas no quadro internacional das naes, exercendo seus direitos e cumprindo seus deveres, tanto que legisla superiormente para as demais entidades (Unio, Estados-Membros, Distrito Federal e, tambm, Municpios), mediante as leis nacionais, transcendendo as pessoas polticas, no se confundindo com as leis federais, estaduais e municipais. O limite de validade e eficcia das leis nacionais contm-se na prpria Constituio Federal, no s quanto materialidade, mas tambm no que atina impossibilidade jurdica de violarem a autonomia dos entes perifricos, limitando seus poderes tributmos. As normas nacionais, conquanto sejam fruto de atuao do mesmo rgo editor de leis federais - o Congresso Nacional - com

estas no se confundem, possuindo distinto mbito de validade e diverso contedo. Desta forma, ao celebrar um Tratado, estar a Unio exercendo a competncia do Estado (Federal) com personalidade internacional. As leis complementares previstas no Sistema Tributrio Nacional (arts. 146, 148, 149, 150, VI, c, 153, VII, 154, 1, 155, X, a, XII, 156, III e 30, 195, ~ 4~ e 70) tm a natureza de normas nacionais, devendo ser observadas por todos os legisladores (federais, estaduais, distritais e municipais). b) as centrais e as regionais, representando ordens parciais, compreendem a Unio, os Estados e o Distrito Federal, com as reservas de competncias outorgadas e previstas pela Constituio Federal (arts. 21, 22, 23, 24). Embora os Municpios no integrem formalmente o pacto federativo, e no possuam representao no Senado Federal, tambm constituem pessoas de direito pblico, dotadas de idntica autonomia (art. 30 da Constituio Federal), e com o mesmo carter isonmico. Em razo da autonomia, existe absoluta igualdade entre a Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios, e nenhum tipo de hierarquia, mas apenas fixao de competncias distintas. Geraldo Ataliba. Federao, Revista de Direito Pblico n 81. jan./maro 1987, pp. 172/181. O princpio federativo, conjugado com a autonomia municipal, apresenta profundas e substanciais implicaes no mbito tributrio, tendo em vista o plano eminentemente normativo, e as diferenciadas competncias conferidas s referidas pessoas polticas, a saber: a) o Cdigo Tributrio Nacional (caracterizado como lei complementar) dispe sobre normas gerais de Direito Tributrio, sendo aplicado indistintamente na elaborao das normas tributrias federais, estaduais, distritais e municipais; b) as leis federais, conquanto fruto de atuao do mesmo rgo editor das leis nacionais (Congresso Nacional), e instituidoras de tributos de sua competncia exclusiva, no podem determinar, ordenar ou impor seus comandos na elaborao de leis estaduais, distritais e municipais, o mesmo ocorrendo com estas que no podem intervir no mbito federal. Exemplificativamente, nenhuma norma federal poder preceituar que uma atividade tipificada como servio (atividade sujeita tributao municipal) seja caracterizada como industrializao (atividade suscetvel de incidncia de imposto federal). 1.4.2. O Direito es de tais da tao a Princpio republicano regime republicano deve estar presente em todo estudo de Tributrio, por constituir uma das mais importantes instituidireito pblico, representando um dos princpios fundamenestrutura constitucional brasileira, por inspirar e dar sustendemais postulados constitucionais. Sua posio jurdica e hierrquica marcantemente superior porque, alm de estar topograficamente prevista no preceito inaugural da Constituio Federal, vedada a propositura de emenda tendente a abolir diversos elementos integrantes da Repblica (voto direto, secreto, universal e peridico; a separao dos poderes; os direitos e garantias individuais), ex vi do 40, do art. 60 da mesma Constituio. O princpio republicano no meramente afirmado como simples projeo retrica ou programtica. desdobrado em todas suas conseqncias ao longo do Texto Constitucional: inmeras regras dando contedo exato e precisa extenso da tripartio do poder; mandatos polticos e sua periodicidade, implicando alternncia do poder; responsabilidades dos agentes pblicos, proteo s liberdades polticas; prestao de contas, mecanismos de fiscalizao e

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controle do povo sobre o governo, tanto na esfera federal como estadual ou municipal; a prpria consagrao dos princpios federal e da autonomia municipal; etc. Tudo isso aparece, formando a contextura constitucional como desdobramento, refrao, conseqncia ou projeo do princpio, expresses concretas de suas exigncias.5 Ilumina e permeia a edio e inteleco dos demais ditames constitucionais, numa autntica coerncia e sistematizao do ordenamento jurdico, repelindo a excluso do arbtrio no exerccio do poder, os privilgios que devem impedir o favorecimento de setores da sociedade, o que consegue pela aplicao dos princpios da igualdade e da legalidade. Dele decorrem a representatividade, o consentimento dos tributos, a segurana dos direitos, a excluso do arbtrio (Sainz de Bujanda), a legalidade, a relao de administrao, a previsibilidade da ao estatal e a lealdade informadora da ao pblica, como expresses de todas as manifestaes estatais.6 Consagrando a Constituio Federal a diretriz de que todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes (pargrafo nico do art. 10), os governantes devem zelar pelos interesses da coletividade, e no por negcios prprios, uma vez que so autnticos mandatrios do povo, ao qual devem servir com ampla responsabilidade, porquanto as autoridades governamentais soresponsveis pelos danos a que derem causa, porque devem agir em estrita conformidade com a lei, tendo em vista que a responsabilidade corolrio do regime republicano.7 Nesse ponto, destaca-se a tripartio do poder como pedra angular da Repblica, delimitando competncias de cada Poder, estabelecendo sistema de controles eficazes da constitucionalidade das leis e legalidade dos atos infralegais, assegurando-se a conformidade da lei Constituio e a fidelidade do regulamento lei, dando eficcia e conseqncia hierarquia das fontes do Direitos Geraldo Ataliba, Repblica e Constituio, So Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 1985, pp. 2 e 3. Ataliba e Clber Giardino. Segurana do direito. Tributao e anterioridade, Revista de Direito Tributrio 27/28. p. 55. Michel Temer, Elementos de Direito Constitucio,ial. So Paulo, Editora Revista dos Tribunais. 1990. p. 165. Seabra Fagundes. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judicirio, Editora Forense, 5 ed., 1971, p. 165. O Legislativo dotado de competncia para editar normas abstratas e gerais, em carter ilimitado e universal sobre todos os tipos de matrias, o que, por si s, impossibilita beneficiar ou prejudicar interesses particulares especficos, diante do que a lei obrigatoriamente genrica, isnoma e abstrata. Ao Executivo compete tomar as providncias concretas, agindo segundo e debaixo da lei, aplicando-a de ofcio, sendo absoluta a prevalncia da lei sobre atos executivos. Ao Judicirio cabe solucionar as controvrsias que lhe so submetidas. Observando-se a forma republicana, mediante a tripartio de poderes, est-se diante de um verdadeiro Estado de Direito, que s possvel conhec-lo onde: a) o estado se submeta jurisdio; b) a jurisdio deva aplicar a lei preexistente; c) a jurisdio seja execida por uma magistratura imparcial (obviamente independente) cerca-

da de todas as garantias; d) o estado a ela se submeta como qualquer pars, chamado a juzo em igualdade de condies com outro pars.9 As diretrizes contidas no princpio republicano constituem fecundas razes para a edio e aplicao das normas de tributao, especialmente porque contempla os postulados da isonomia, que veda a concesso de privilgios de categorias e pessoas; e da legalidade, mediante a plena obedincia - por parte de todos os destinatrios, fisco, contribuinte e terceiros envolvidos na relao jurdico-tributria - s regras ditadas pelos representantes do povo. De modo especfico, a tripartio dos poderes assenta as competncias tributrias constitucionais, especialmente os mbitos de atuao do Legislativo e do Executivo. 1.4.3. Princpio da legalidade O princpio da legalidade constitui uma das garantias do Estado de Direito, desempenhando uma funo de proteo dos direitos dos cidados, insculpido como autntico dogma jurdico pela circunstncia especial da Constituio Federal haver estabelecido, como direito e garantia individual, que ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei (art. 50, II). Somente com a expedio de normas editadas pelos representantes do prprio povo (Poder Legislativo) que tem nascimento, modifiGeraido Ataiiba, Repblica ..., p. 94. 22 CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO JOSE EDUARDO SOARES DE MEto cao ou extino de direitos e obrigaes, competindo Administrao Pblica expressa obedincia ao princpio da legalidade (art. 37 da Constituio Federal). O ordenamento jurdico contempla a reserva formal da lei, mediante a fixao precisa e determinada do rgo titular competente para sua expedio; e a reserva material da lei com a caracterstica de ordem abstrata, geral e impessoal. A instituio, majorao e extino dos tributos (art. 150, 1, III, a e b, da Constituio), bem como os casos de subsdio, iseno, reduo de base de clculo, concesso de crdito presumido, anistia ou remisso, relativos a impostos, taxas ou contribuies (art. 150, 6v), deve ser sempre prevista em lei, compreendida como espcie normativa editada pelo Poder Legislativo (excepcionalmente pelo Poder Executivo, nos casos de medidas provisrias, previstas no art. 62 da Constituio), contendo preceitos vinculantes. A propsito, tem sido sublinhado que da essncia de nosso regime republicano que as pessoas s devem pagar os tributos em cuja cobrana consentirem. Tal consentimento h que ser dado, por meio de lei ordinria, pelo Poder Legislativo, com este fito reunido, conforme a Constituio ~ O princpio da legalidade consubstancia os valores de certeza e segurana jurdica, sendo o vetor dos vetores, princpio constitucional carregado de carga valorativa, de transcendental importncia ao Estado de Direito, e atina, tambm e sobretudo, imunizao dos administrados contra as prprias leis; coarta a discricionaII riedade do legislador Alm disso, implica o princpio da tipicidade, que tem como caracteres a observncia de nunierus clausus (vedando a utilizao de analogia e a criao de novas situaes tributveis), taxatividade (enumerao exaustiva dos elementos necessrios tributao), exclusivismo (elementos suficientes), determinao (contedo da deciso rigorosamente prevista em lei), na temtica de Alberto Xavier.2

~ Roque Carrazza. Curso de Direito Constitucional Tributrio, So Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 3 ed., 1991, p. 152. Lucia Figueiredo, Princpio de Proteo ao Contribuinte. Princpio da Segurana Jurdica, Revista de Direito Tributrio n0 47, p. 561. Apud Yonne Dolcio de Oliveira, A Tipicidade no Direito Tributrio Brasileiro, So Paulo, Editora Saraiva, 1980, pp. 39/41. Entretanto, a Constituio Federal contm aparente exceo ao princpio da legalidade, ao facultar ao Poder Executivo, atendidas as condies e os limites estabelecidos em lei, alterar as alquotas dos impostos de importao sobre produtos estrangeiros; exportao, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; produtos industrializados; e operaes de crdito, cmbio e seguro, ou relativas a ttulos ou valores mobilirios (art. 150, 10). No se trata, em absoluto, de delegao de competncia do Legislativo ao Executivo posto que, primacialmente, de exclusiva competncia da lei descrever todos os aspectos de sua hiptese de incidncia tributria, inclusive sua quantificao, onde se compreende a figura da alquota, conforme ser esclarecido em item posterior. O Executivo no pode (sem amparo balizador na lei) instituir as alquotas dos mencionados impostos. A excepcional competncia outorgada constitucionalmente apenas para flexionar as alquotas, segundo os parmetros legais (mximo e mnimo). Assim, no caso da lei haver estabelecido uma alquota de 70%, para o imposto de importao relativamente a um determinado produto, o Executivo somente poder diminu-la at 0%, ou, em momento ulterior retornar ao referido teto (70%). Idntica diretriz constitucional veio a ser traada pela Emenda Constitucional n0 21, de 18.3.99, ao incluir no art. 75 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias a previso para a Unio prorrogar a contribuio provisria sobre movimento ou transmisso de valores e de crditos e direitos de natureza financeira (batizada de CPMF), alquota mxima de trinta e oito centsimos por cento, facultando ao Executivo reduzi-la ou restabelec-la, total ou parcialmente. Peculiarmente, a Constituio permite que a lei poder atribuir a sujeito passivo de obrigao tributria a condio de responsvel pelo pagamento de imposto ou contribuio, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituio da quantia paga, caso no se realize o fato gerador presumido (art. 150, 70, acrescentado pela Emenda Constitucional n0 3, de 17.3.93). Embora seja prestigiado o primado da lei, a prpria Emenda Constitucional viola os postulados da segurana e da certeza da obrigao tributria, relativamente a fato ainda no acontecido, ou que sequer ter existncia.

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Do mesmo modo, relativamente s operaes com combustveis e lubrificantes definidos em lei complementar, a EC n0 33/01 (insero do 40 ao art. 155), passou a dispor que as alquotas do ICMS sero definidas mediante deliberao (convnio) dos Estados e Distrito Federal. O novo mandamento desvirtua o tradicional modelo constitucional ao suprimir a competncia privativa do Senado Federal para

estabelecer as alquotas do ICMS em operaes interestaduais (inciso IV, 2~ do art. 155); e para fixar as alquotas mnimas e mximas, em especficas situaes nas operaes internas (incisos V e VI, 2~ do art. 155). Implicitamente elimina a competncia do Legislativo (Senado e Assemblias Legislativas dos Estados) no que concerne normal fixao das alquotas internas. No que tange s contribuies de interveno no domnio econmico, a EC n0 33/01 disps que, na incidncia sobre as atividades de importao ou comercializao de petrleo e seus derivados, gs natural e seus derivados e lcool/combustvel, a alquota poder ser reduzida e restabelecida por ato do Executivo (insero da alnea b, inciso 1, 40, do art. 177). 1.4.4. Princpio da anterioridade A anterioridade das normas jurdicas constitui um dos princpios bsicos da atividade legislativa, iluminando as regras de edificao de normas de qualquer natureza, o procedimento da Administrao Pblica, as decises judiciais e o comportamento dos seus destinatrios. O respeito ao direito adquirido, ao ato jurdico perfeito e coisa julgada (art. 50, XXXVI, da Constituio Federal, e art. 60, ~ Y e 30 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil) encerram mximas jurdicas, sustentculos do prestgio do direito, enquanto instrumento regrador do comportamento humano, tendo a mesma Constituio (art. 150, III, b), estabelecido que, sem prejuzo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, vedado Unio, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municpios, cobrar tributos no mesmo exerccio financeiro (ano civil) em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. O princpio da anterioridade permite conferir aos contribuintes a certeza do quantum a ser recolhido aos cofres pblicos, podendo planejar seus negcios ou atividades, traduzindo diretriz constitucional no sentido de que a lei tributria no pode retroagir em prejuzo do contribuinte, e nem atingir fato imponvel que j teve seu jflCiO, ou que estava em formao. Os fatos futuros que se encaixaro nova previso normativa tributria, sendo que os atos e fatos jurdicos anteriores foram pIasrnados em legislao existente, vlida e eficaz, tomando-se uma aberrao jurdica a considerao de lei posterior a situaes consumadas e perfeitas. A finalidade deste postulado conferir segurana jurdica s atividades do contribuinte, mediante planejamento prvio ocorrncia de fatos tributrios, evitando-se a surpresa fiscal. A instituio ou a maj orao de tributo s podem incidir sobre fatos que passam a existir aps sua vigncia, tendo eficcia a partir do primeiro dia do exerccio seguinte de sua publicao, sendo pertinente o esclarecimento de que a lei, a regra geral, ao entrar em vigor, fica com sua eficcia paralisada, at o incio do prximo exerccio financeiro, quando, a sim, incidir, ou seja, passar a produzir todos os efeitos, na ordem jurdica.3 Exemplificativamente, o aumento de alquota do Imposto sobre Servios de Qualquer Natureza (art. 156, III, da Constituio), realizado em 14.5.2000 s poder ser exigido sobre os fatos que passem a acontecer a partir de 10.1.2001 (primeiro dia do exerccio financeiro seguinte quela em que a lei foi publicada). A Constituio contm excees ao princpio da anterioridade: a) os impostos de importao, exportao, produtos industrializados, operaes de crdito, cmbio, seguro, ttulos ou valores mobilirios, e sobre a guerra (arts. 153,1,11,1V eV, e 154,1, da Constituio), e o ICMS nas operaes com lubrificantes e combustveis (art. 155, 40, IV, c) no se sujeitam regra da anterioridade (art. 150, l~, da Constituio)

Exemplificativamente, o aumento de alquota do Imposto sobre Importao (art. 153, 1, da Constituio) mediante norma ou ato publicado em 14.5.2000, j poder ser exigido nesta mesma data; b) o emprstimo compulsrio institudo para atender a despesas extraordinrias, decorrentes de calamidade, de guerra externa ou sua iminncia (art. 148, 1, da Constituio) constitui exceo regra genrica da anterioridade. Roque Carrazza. Princpios Constitucionais Trbutrios. So Paulo, Revista dos Tribunais. 1986, p. 76. 26 CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO Jos EDUARDO SOARES DE MELO 27 Exemplificativamente, lei federal poder instituir e cobrar o referido emprstimo a partir do mesmo dia em que fora publicada na imprensa oficial; c) as contribuies sociais dos empregadores, incidente sobre a folha de salrios, demais rendimentos do trabalho, o faturamento receita e o lucro (art. 195, 1, da Constituio), bem como a Contribuio sobre Movimentao Financeira (Emenda Constitucional n0 2 1/99) podem ser exigidas aps decorridos noventa dias da data da publicao da lei que as houver institudo ou modificado (art. 195, 60, da Constituio). Exemplificativamente, a Lei Federal n0 7.689, de 15.12.88, que instituiu a Contribuio Social sobre o Lucro s pde ser exigida aps decorridos 90 (noventa) dias da data da sua publicao, isto , somente alcanando os fatos que tenham ocorrido aps esse perodo nonagesimal, fundamento que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir que essa Contribuio no poderia ser exigida relativamente ao lucro apurado em exerccio encerrado em 3 1.12.88 (RE 146733-9-SP- Pleno - Rel. Mm. Moreira Alves, sesso de 29.6.92). No mesmo sentido, a Lei federal n0 9.311, de 24.10.96, que instituiu a CPMF, que s pde ser exigida a partir de fatos ocorridos aps 90 (noventa) dias da data de sua publicao. d) a contribuio de interveno no domnio econmico relativa s atividades de importao ou comercializao de petrleo e seus derivados, gs natural e seus derivados e lcool combustvel (art. 177, 40 1, b, introduzido pela EC n0 33/01). O princpio da anterioridade no se confunde com o princpio da anualidade, que dispe sobre a necessidade da lei tributria tambm ser anterior lei oramentria. Nesse passo, sublinho que na Constituio de 1946 (art. 141, 34) o oramento deveria ser renovado anualmente (salvo a tarifa aduaneira e o imposto lanado por guerra), sendo tal princpio abolido com a Emenda n0 18/65 (art. 25), mas restaurado com a Constituio de 1967 (art. 153, 29), e mais uma vez suprimido com a Emenda n0 1/69. Todavia, a vigente Constituio (art. 165, 2~) determina que a lei de diretrizes oramentrias compreender as metas e prioridades da administrao pblica federal, incluindo as despesas de capital para o exerccio financeiro subseqente, orientar a elaborao da lei oramentria anual, dispor sobre as alteraes na legislao tributria e estabelecer a poltica de aplicao das agncias financeiras oficiais de fomento. Em conseqncia, indaga-se o seguinte: referida regra restaura o princpio da anualidade tributria? Embora no haja consenso doutrinrio, penso que a LDO (Lei de Diretrizes Oramentrias) constitui meras metas da Administrao, concemindo gesto dos recursos do Governo e despesas pblicas, ou seja, matrias estranhas tributao. Considerando que a Constituio Federal j estabelece mecanismo jurdico que evita a surpresa fiscal, por meio da anterioridade, no teria sentido jurdico a mesma Constituio configurar a existncia de outro mecanismo

de garantia do contribuinte, mediante a prvia previso na LDO. O STF tem consolidado jurisprudncia, por meio de Smulas, a saber: a) n0 66 - legtima a cobrana do tributo que houver sido aumentado aps o oramento, mas antes do incio do respectivo exerccio financeiro Repudia a aplicao do princpio da anualidade (prvia incluso obrigatria dos valores tributrios nos oramentos); b) n0 67 - inconstitucional cobrana do tributo que houver sido criado ou aumentado no mesmo exerccio financeiro. Irrestrito prestgio ao princpio da anterioridade; c) n0 584 - ao imposto de renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exerccio financeiro em que deve ser apresentada a declarao. A anlise da periodicidade do imposto de renda (IR) compreende-se na temtica do aspecto temporal da norma tributria, ou seja, o momento em que concretamente ocorre o fato gerador do imposto de renda e proventos de qualquer natureza, mediante a aquisio de sua disponibilidade econmica ou jurdica (art. 43 do CTN). O IR compreende uma sucesso de fatos/atos/operaes acontecidos num ciclo de tempo, findo o qual ser apurado um determinado resultado (positivo ou negativo). No perodo de sua apurao, o contribuinte realiza diversos atos mercantis, civis, financeiros, bem como procede a dispndios de natureza variada. Tanto os fatos geradores simples de realizao instantnea (pagamento de salrio), como os denominados compostos (resultados mensais ou existentes ao final do exerccio) devem ser regulados pela

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lei em vigor anteriormente sua ocorrncia. Os fatos isolados que vo acontecendo no regime de apurao mensal tambm so relevantes juridicamente, pois o contribuinte necessita conhecer, com antecedncia, os reflexos que acarretaro ao final do perodo de apurao. A lei deve preexistir a todos os elementos que compem o fato gerador, pois, se pudesse incidir sobre os fatos pretritos (embora ocorridos no mesmo perodo de apurao), violaria os princpios da anterioridade e da irretroatividade (art. 150, III, a e b, da Constituio) e do direito adquirido (art. 50, XXX VI, da mesma Constituio). Se os atos e fatos jurdicos anteriores ao final do perodo foram plasmados em legislao existente, vlida e eficaz no decorrer do prprio perodo, torna-se uma aberrao jurdica a considerao de lei posterior a situaes consumadas e perfeitas. No mesmo sentido encontra-se a legislao editada no curso do mesmo perodo, relativamente a fatos verificados no mesma poca, mas anteriores a tal legislao. O fato de a incidncia do IR s ocorrer no momento culminante das atividades do contribuinte, em um certo perodo em que se concretiza o lucro ou a renda lquida tributvel, no significa que os elementos formativos (ingressos e dispndios) sejam juridicamente irrelevantes. Se, no momento em que se efetua determinada despesa, a empresa tem conhecimento de que a lei no permite a deduo de seu valor, na apurao do lucro tributvel, poderia deixar de efetula. Tambm a pessoa fsica, sabedora de que certos ganhos de capital no sero passveis de tributao, certamente concentrar suas aplicaes em determinados investimentos.4

vista da irretroatividade da lei impositiva, o preceito legal novo no pode ser aplicado a fatos ou atos anteriores data da vigncia da norma, ainda que eles se conjuguem com outros, posteriores norma, para o aperfeioamento do fato gerador peridico do imposto de renda.5 A propsito, a Smula n0 584 j se encontra superada, haja vista deciso do mesmo STF: ~ Jos Eduardo Soares de Meio. Periodicidade do Imposto de Renda, Separata da Revisto de Direito Tributrio, setembro de 1993. pp. 26/36. 1 Luciano Amara, O imposto de renda e os princpios da irretroatividade e da anterioriedade. Cader,IO de Pesquisas Tributrias, v. ii. Editora Resenha Tributria e Centro de Estudos de E%tenso Universitria, 1986. p. 399. Imposto de Renda - Pessoa Jurdica. Fato gerador. Encerramento do exerccio social. Inaplicabilidade da Smula 584 do STF. Recurso extraordinrio no conhecido por falta de prequestionamento. O fato gerador do imposto de renda das pessoas jurdicas h de ser o exerccio social, que no se confunde com o exerccio financeiro do Poder Pblico, porquanto, diversamente do que prevalece para as pessoas fsicas, nada impede que as jurdicas elejam o encerramento de seu prprio exerccio e, por via de conseqncia, a data do implemento do fato gerador (RE 103.553-6-PR, ~a Turma, j. 24.8.95, rel. Mm. Octavio Gallotti, DJ 25.10.85), d) n0 615. o princpio constitucional da anualidade (~ 29 do art. 153 da CF) no se aplica revogao da iseno do 1CM. A norma de incidncia tributia implica a ocorrncia do fato gerador do tributo, enquanto que a norma de iseno inviabiliza sua obrigao. Assim, como em regra, a instituio ou a majorao do imposto s pode gerar efeitos a partir do primeiro dia do exerccio financeiro seguinte quele em que a norma foi publicada, a norma que revoga a iseno - ocasionando a perda de direitos do contribuinte, mediante a imposio de carga tributria - s poderia ter eficcia no exerccio seguinte. Por conseguinte, esta Smula plenamente injurdica, em razo de ficar prejudicada a previsibilidade tributria (ICMS) das operaes e servios dos contribuintes, desrespeitando os princpios da segurana e da certeza do Direito. 1.4.5. Princpio da irretroatividade Tradicional diretriz jurdica estabelece que a lei em vigor ter efeito imediato e geral, respeitados o ato jurdico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada (art. 60 da Lei de Introduo ao Cdigo Civil). A Constituio Federal categoricamente veda a emisso de lei retroativa que possa desprestigiar direitos e interesses dos cidados, ao reiterar a referida norma (art. 50, XXXVI), que consagra as garantias dos contribuintes, ao proibir a cobrana de tributos em relao a fatos geradores ocorridos antes do incio da vigncia da lei que os houver institudo ou aumentado (art. 150, III, a). 30 CURso DE DIREITO TRIBUTRIO JosC EDUARDO SOARES DE MEto 31 A lei tributria, como regra, s pode incidir, gravar, onerar os fatos futuros, mantendo ntima vinculao com o apontado princpio da anterioridade, com o escopo de permitir segurana e certeza s situaes tributrias concementes s suas atividades e interesses. O CTN (art. 106, 1 e II) dispe sobre os casos em que a legis-

lao ser aplicada a casos pretritos, como norma de natureza interpretativa, e as situaes de retroatividade benigna (excluso de situao infracional, minorao de penalidades), de conformidade com a sistemtica do Cdigo Penal (art. 20, pargrafo nico), o que ser objeto de comentrio em tpico especfico (item 7.6). 1.4.6. Princpio da igualdade O princpio da isonomia representa um dos pilares do Estado de Direito, estabelecendo a Constituio Federal a igualdade de todos perante a lei, sem distino de qualquer natureza entre brasileiros e estrangeiros residentes no pas (art. 50, caput), inclusive entre homens e mulheres no que concerne a direitos e obrigaes (art. 50, 1), vedando aos poderes pblicos criar distines entre brasileiros ou preferncias entre si (art. 19, II). Tambm constituem objetivos fundamentais do Estado, a reduo das desigualdades sociais e regionais, bem como evitar a discriminao de nacionalidade, raa, sexo, cor e idade (art. 30, III, da Constituio). Estas diretrizes significam que o legislador no deve considerar pessoas diferentes, salvo se ocorrerem manifestas desigualdades. O aforismo de que a regra da igualdade no consiste seno em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam ,~ no representa mero jogo de palavras, ou simples recomendao ao legislador como norma programtica, mas um postulado obrigatrio, imprescindvel para o exerccio da atividade jurdica. Deveras problemtico, tormentoso, intricado e difcil precisar o conceito e os limites da igualdade, o tratamento isonmico a ser observado pelo legislador que no pode discriminar arbitrariamente, devendo observar o requisito constitucional da correlao lgica entre o fator do discrmen e a diferenciao conseqente.7 16 Ruy Barbosa. OIoio ao~ 010 O5. escritos e discursos seletos, Editora Jos Aguilar, 1960, p. 685. Ceiso AntniO Bandeira de Meiio, Co~tedo jurdico do princpio da igualdade, So Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1978, pp. 14 e 59. O princpio da igualdade significa um dos fundamentos da tributao, estabelecendo a Constituio ser proibido aos poderes pblicos instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situao equivalente, proibida qualquer distino em razo de ocupao profissional ou funo por eles exercida, independentemente da denominao jurdica dos rendimentos, ttulos ou direito (art. 150, II). Entrelaa-se com os princpios da capacidade contributiva e da vedao de confisco (arts. 145, 1~, e 150, IV, da Constituio). A lei deve reger com iguais disposies os mesmos nus e as mesmas vantagens - situaes idnticas - e, reciprocamente, distinguir, na repartio de encargos e benefcios as situaes que sejam entre si distintas, de sorte a aquinho-las ou grav-las em proporo s suas diversidades. Os conceitos de igualdade e desigualdade so relativos, impem a confrontao e o contraste entre duas ou vrias situaes, pelo que onde uma s existe no possvel indagar de tratamento igual ou discriminatrio.t Portanto, ao dispor sobre o Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), o legislador no poder exigir um montante mais elevado de pessoa branca, por ser invivel cogitar-se de desigualdade tributria em razo da cor do contribuinte. Entretanto, a carga tributria poder ser mais significativa para o empregado que aufere salrios mais elevados do que seu colega de trabalho dado o motivo da discriminao decorrer da renda.

Para um mesmo produto industrializado (automvel), o legislador federal no pode impor o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) mais elevado para um determinado fabricante, em benefcio de outro industrial. Todavia, tal diferenciao vivel juridicamente, no caso de iseno que objetiva a valorizao de fins, como o caso da desonerao do IPI para os carros de utilizao profissional (txi), mantendo a incidncia do tributo para os veculos destinados a particulares. A discriminao tributria poder ser praticada se a prpria Constituio assim o determinar, como o caso das operaes realizadas com contribuintes domiciliados na Zona Franca de Manaus (art. 40 do Ato das Disposies Constitucionais Transitrias) e das conSeabra Fagundes. O princpio co,,stitucio,,al da igualdade perante a lei e o Poder Judici,-io, So Paulo, Editora Revista dos Tribunais, p. 235.

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tribuies sociais previstas no inciso 1, do art. 195, que podero ter alquotas ou bases de clculo diferenciadas, em razo da atividade econmica ou da utilizao intensiva da mo-de-obra (~ 90 do art. 195, na redao da EC-20/98). Em suma, devem, portanto, ser considerados, na anlise, se a lei tributria obedece ao requisito da igualdade os seguintes fatores: a) razoabilidade da discriminao, baseada em diferenas reais entre pessoas ou objetos taxados; b) existncia de objetivo que justifique a discriminao; c) nexo lgico entre o objetivo perseguido que permitir alcan-lo.9 A igualdade tambm se encontra prevista na regra que veda Unio instituir tributo que no seja uniforme em todo o territrio nacional ou que implique distino ou preferncia em relao a Estado, ao Distrito Federal ou a Municpio, em detrimento de outro, admitida a concesso de incentivos fiscais destinados a promover o equilbrio do desenvolvimento socioeconmico entre as diferentes regies do Pas (art. 151, 1), que consubstancia o subprincpio da uniformidade de tributao. 1.4.7. Princpio da capacidade contributiva Este princpio, que se vincula com o princpio da vedao de confisco, significa um dos fundamentos basilares da tributao, como autntico corolrio do princpio da isonomia, verdadeiro sinnimo da justia fiscal. Constitui o elemento bsico de onde defluem as garantias materiais diretas, de mbito constitucional, como a generalidade, igualdade e proporcionalidade. E cedio que s deve ocorrer imposio tributria quando se est diante de fatos, operaes, situaes e estados que denotem fundamento econmico (riqueza), jamais tendo cabimento incidir tributo sobre qualidades pessoais, fsicas ou intelectuais. Considerando-se que a tributao interfere no patrimnio das pessoas, de forma a subtrair parcelas de seus bens, no h dvida de que ser ilegtima (e inconstitucional) a imposio de nus superiores s foras desse patrimnio, uma vez que os direitos individuais compreendem o absoluto respeito garantia de sobrevivncia de quaisquer categorias de contribuintes.

~ Antonio Roberto Sampaio Dria. Princpios constitucIOnais t,ibutarios e ti claii.,ila due process oflaw , Tese de Concurso Livre-Docncia na Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, 1964, pp. 195/6. Embora sempre fosse legtimo conceber que o postulado da ~capacidade contributiva estivesse previsto (explcita ou implicitamente) nos ordenamentos constitucionais, a CF/88 estatuiu que sempre que possvel, os impostos tero carter pessoal e sero graduados segundo a capacidade econmica do contribuinte, facultado administrao tributria, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos e garantias individuais e nos termos da lei, o patrimnio, os rendimentos e as atividades econmicas do contribuinte (art. 145, lo). A capacidade econmica deveria ser o limite de tributao, um verdadeiro imperativo para os destinatrios das normas, como se enquadram o legislador, o administrador fazendrio e o Judicirio. Todavia, a verdade que a expressa diretriz constitucional revela impreciso e vaguidade, e um certo antagonismo, pois, se de um lado determinante, de outro, revela condio (ou situao) que j traduz impossibilidade de difcil preciso. Antes de tudo, convm traar os lineamentos da capacidade econmica, como sendo a aptido que determinada pessoa tem para arcar com parcela do custo dos servios pblicos, ou o fenmeno revelador da riqueza; o que constitui tarefa difcil pois o vocbulo econmica foge aos quadrantes do Direito, alm de no possuir a mesma natureza de capacidade contributivafinanceira, entendida como a existncia de dinheiro suficiente para arcar com o nus fiscal, e que no guarda nenhuma adequao com a mensurao do tributo. E imperioso que haja uma correlao lgica, uma especial proporcionalidade entre a base de clculo e a materialidade do tributo, sendo certo que a inexistncia de dinheiro (incapacidade financeira) no eliminaria o dever imputado ao sujeito passivo da obrigao fiscal. O contribuinte no deve arcar com determinado volume tributrio simplesmente porque tem dinheiro para tanto; imprescindvel que a exigncia fiscal deva corresponder a um percentual do fato imponvel (traduzido monetariamente). A seu turno, a capacidade econmica - que pode ser compreendida conceitualmente como a existncia de um patrimnio abrangendo bens e direitos de qualquer natureza - tambm estranha justa participao na carga tributria, uma vez que a distribuio eqitativa desta, como medida de necessidade (para o Estado), e justia (para os contribuintes) no pode tomar em conta a riqueza ou pobreza das pessoas. 34 CURSO DE DIREITO TRIBUTARIO Jos EDUARDO SOARES DE MELO 35 A questo complexa no se circunscreve, propriamente, obrigao da pessoa recolher dinheiro aos cofres pblicos (tributo), em decorrncia de ter sido eleito (legalmente) como seu sujeito passivo. Impe-se solucionar em que medida deva ocorrer essa obrigao, tendo em vista os aspectos pessoais vinculativos e o tipo de tributo que enseja tal graduao. A capacidade contributiva deveria estar subjacente em qualquer espcie tributria, revelada pelo valor do objeto (materialidade). Tendo em vista que a tributao quantifica-se por uma base de clculo ( qual se aplica uma alquota), salvo os casos excepcionais de tributo fixo, e como esta nada mais do que o prprio valor (econmico) da materialidade, sempre ser possvel medir a intensidade (econmica) de participao do contribuinte no montante do tributo. A clusula sempre que possvel no poderia jamais vislumbrar a eventual impossibilidade de tal mensurao (como se poderia co-

gitar); ou seja, casos em que nem sempre possvel avaliar o cunho pessoal e o envolvimento econmico do devedor do imposto. Como a estrutura da norma tributria sempre revela a intensidade econmica do nus imputado ao contribuinte, foroso defluir o entendimento de que sempre possvel apreender o carter pessoal e a capacidade econmica do contribuinte. O que nem sempre ser possvel obter, com absoluta segurana e certeza, o carter eminentemente pessoal e a exata capacidade econmica. No imposto sobre a renda mais fcil aferir a capacidade de contribuir, pela circunstncia de tomar como fato imponvel o acrscimo do patrimnio da pessoa dentro de um quadro comparativo no incio e no fim de um determinado perodo de tempo. A condio pessoal do contribuinte elemento significativo da regra de tributao. difcil aceitar que nos tributos denominados indiretos ou objetivos - como o caso do IPI - a verificao da riqueza no considera a pessoa (sujeito passivo), mas os negcios envolvendo as operaes com produtos industrializados; muito embora se tenha entendido que a Constituio determina que o IPI seja seletivo em funo da essencialidade dos produtos (art. 153, 30, item 1), realizando, de certo modo, o princpio da capacidade contributiva.20 Hugo de Brito Machado. Os princpios jurdicos da tributao na Constituio de 1988. So Paulo, Editora Revista dos Tribunais. 1989, p. 42. Na verdade, existem certos produtos, mercadorias e servios, cujo consumo constitui verdadeira demonstrao de capacidade contributiva. Automveis de luxo, sofisticados aparelhos eletrodomsticos, iates, jias, casacos de pele, bem como a comunicao atravs de aparelhos sofisticados, evidenciam por seu uso, ou consumo, elevada capacidade contributiva. No constitui simples mister penetrar no universo das atividades particulares, ou empresariais dos contribuintes, conhecer complexos aspectos societrios, ou sua intimidade pessoal, com o fito de avaliar a adequada carga fiscal, conquanto seja possvel, nos lindes da economia, em um determinado momento histrico do pas, aquilatar o limite mximo financeiro, que possa ser suportvel pelos contribuintes. A expresso sempre que possvel deve significar o ingente e exaustivo esforo a ser pautado pelo legislador, para disciplinar o nus tributrio, com a maior segurana (possvel), e com a menor margem de engano (tambm possvel), a fim de que o contribuinte participe das necessidades coletivas (interesse pblico), com suportvel parcela do seu patrimnio. Argutamente tem sido observado que a capacidade contributiva no se refere apenas a impostos (art. 145, 10), pois possvel inferir sua aplicao s taxas (art. 50, LXXIV e LXXVII, da Constituio), no caso do Estado ser obrigado a prestar assistncia integral, e tornar gratuito o registro civil de nascimento e certido de bito, aos que comprovarem insuficincia de recursos.2 Trata-se de situaes excepcionais, uma vez que as taxas levam em considerao o custo dos servios pblicos, e no, particularmente, a situao patrimonial/ econmica do beneficirio. 1.4.8. Princpio da vedao de confisco A Constituio Federal assegura o direito de propriedade (arts. 50, XXII, e 170, II), mas tambm estabelece causas excepcionais para sua perda (desapropriao - arts. 50 XXIV, 182, 5~, e 184; e pena acessria ao condenado criminal - art. 50, XLV e XLVI, b). O princpio que veda o confisco no mbito tributrio (art. 150, IV, da Constituio) est atrelado ao princpio da capacidade contri-

butiva, positivando-se sempre que o tributo absorva parcela expresLuciano Amaro Direito Tributrio Brasileiro, So Paulo, Editora Saraiva, p. 137.

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siva da renda, ou da propriedade dos contribuintes, sendo constatado, principalmente, pelo exame da alquota, da base de clculo, e mesmo da singularidade dos negcios e atividades realizadas. penosa a tarefa de fixar o limite para o confisco, pois se uma alquota de 30% (trinta por cento) pode no representar confisco para o contribuinte do imposto sobre a renda, uma alquota de 20% (vinte por cento), aplicada sobre o valor venal do imvel do contribuinte, para fins de apurao do imposto predial e territorial urbano, significar confisco da propriedade. A razo dessa aparente incongruncia (alquota menor representar confisco, enquanto que alquota maior no implicar esse efeito), repousa na circunstncia de que a renda deriva do produto do capital e do trabalho (ou da combinao de ambos), representando parcela de riqueza produzida e renovvel. Ao contrrio, a propriedade imobiliria mantm-se esttica (salvo os casos excepcionais de locao, em que o proprietrio pode repassar o encargo tributrio ao locatrio), no gerando nova riqueza. Assim, medida que a municipalidade cobra o imposto sobre a propriedade, subtrada uma parcela desse patrimnio, que ser mais substancial quanto maior for o gravame tributrio. Alquotas e bases de clculo excessivas sobre as materialidades tributrias representaro considervel (e condenvel) subtrao do patrimnio dos contribuintes, que, em muitos casos, podero prejudicar o direito habitao, ou livre atividade empresarial, ainda que os valores tributrios sejam trasladados (direta ou indiretamente) a terceiros, dentro de um ciclo negocial. Todavia, difcil estipular o volume mximo da carga tributria, ou fixar um limite de intromisso patrimonial, enfim, o montante que pode ser suportado pelo contribuinte, O poder pblico h de se comportar pelo critrio da razoabilidade, a fim de possibilitar a subsistncia ou sobrevivncia das pessoas fsicas, e evitar as quebras das pessoas jurdicas, posto que a tributao no pode cercear o pleno desempenho das atividades privadas e a dignidade humana. Sob esse aspecto, tem cabimento a edio de lei complementar (de mbito nacional) para regular as limitaes ao poder de tributar (art. 146, II, da Constituio), tendo em mira os limites extremos compatveis com a carga tributria suportvel pelos contribuintes. Considerando todas as potencialidades tributrias, o legislador nacional ter condio de estabelecer um limite de nus fiscal para os tipos de operaes, em que pese a dificuldade que encontrar para no ferir o princpio da autonomia em matria tributria. Objetiva-se evitar o malsinado confisco, apurvel nas mais variadas espcies tributrias contempladas na Constituio, a saber: a) os impostos (arts. 153, 155 e 156) tero carter confiscatrio quando suas alquotas se revelarem excessivas, como no caso de entravarem atividades voltadas para o comrcio exterior (importao e exportao), onerarem o patrimnio e a renda (propriedade imobiliria, transmisso de bens e direitos), dificultarem a produo e circulaes mercantis (IPI, ICMS), e negcios civis (155); b) as taxas (art. 145, II) sero confiscatrias na medida em

que o valor dos servios pblicos, e a remunerao relativa ao exerccio regular do poder de polcia, venham a ser vultosos, no guardando nenhuma proporcionalidade com os custos, revelando-se incompatveis com os fins perseguidos pelo interesse pblico (ausncia de finalidade comercial); c) a contribuio de melhoria (art. 145, III) tambm ter cunho confiscatrio, quando o valor exigido dos contribuintes seja superior valorizao imobiliria, decorrente de obras pblicas; d) os emprstimos compuls rios (art. 148) sero confiscatrios quando sejam significativos os valores entregues provisoriamente aos cofres pblicos, para atender calamidade pblica, guerra externa ou sua iminncia; e investimentos pblicos urgentes e relevantes, ocorrendo o retorno em montante inferior ao mutuado; e) as contribuies sociais (arts. 149, 195, 239, 240, EC20/98, 21/99 e 33/01) tambm contero a mesma natureza, se incidirem excessivas alquotas sobre as remuneraes das atividades previstas, ou sobre a folha de salrio, faturamento e lucro. Oportunas as lies doutrinrias no sentido de que o poder de taxar o poder de manter, e no o poder de destruir,22 e que o triBilac Pinto. Revista Forense A Crise da Ciencia das Finanas - Os Limites do Poder Fiscal do Estado - Uma nova Doutrina sobre a Inconstitucionalidade das Leis Fiscais. n0 82. p. 553.

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buto que absorvesse todo o valor do patrimnio destrusse a empresa ou paralisasse a atividade no se afinaria pela capacidade econmica nem se ajustaria proibio de confisco.23 1.4.9. Princpio da liberdade de trfego Dispe a Constituio Federal (art. 150, V), que fica vedado s pessoas jurdicas de direito pblico estabelecer limitaes ao trfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrana de pedgio pela utilizao de vias conservadas pelo Poder Pblico. Este princpio constitui reafirmao do princpio federativo, coibindo a exigncia de gravames tributrios que acarretem o impedimento da livre circulao entre os Estados e Municpios, sendo que o seu destinrio o legislador respectivo, no podendo ser criada uma autntica barreira fiscal, como o caso de dificultar a livre movimentao fsica de bens e pessoas, mediante a imposio de substanciais nus de ICMS. Nesse sentido, o legislador est proibido de fixar alquotas excessivas ou cobrar taxas arbitrrias, em razo da procedncia ou do destino dos bens e servios. 1.4.10. Princpios especificos para determinados impostos O princpio da progressividade referido para o Imposto de Renda (IR) - art. 153, 2~ -, Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) - art. 153, 40 - e Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) - arts. 156, 10 itens 1 e II (nova redao

da EC-29 de 13.9.2000), e 182, 4o,II~, e consiste na majorao das alquotas medida que a base de clculo elevada. Este postulado entrelaa-se com os princpios da capacidade contributiva e da isonomia, de modo que a carga tributria seja mais significativa para os contribuintes que revelem superior riqueza, o que at mesmo seria um ideal para todos os impostos, uma vez que os impostos que no sejam progressivos - mas que tenham a pretenso de neutralidade - na verdade, so regressivos, resultando em injustia e inconstitucionalidade, tambm se entendendo que a progressividade constitucionalmente postulada, tanto a de carter fiscal (inerente ao prprio tributo) como a extrafiscal (promoo de Aliomar Baleeiro. Limitaes constitucionais ao poder de tributar, 6a edio, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1955, pp. 262 e 667. uma igualao social - eliminao de desigualdade), o favorecimento dos desvalidos, a criao de empregos, o desenvolvimento econmico, a melhoria das condies de vida, a proteo do meio ambiente etc., so valores que mereceram do constituinte especial encmio~~ ~ A Constituio estabeleceu de modo expresso, preciso, hmltado e categrico, as espcies de impostos que devem ser plasmados pela progressividade, no ficando ao mero interesse do legislador ordinrio utilizar este princpio, do modo como melhor lhe aprouver. A considerao da progressividade no tem ensejado controvrsia no mbito do IR, em que o legislador fixa diversas alquotas, variveis segundo as classes de rendas ou lucros tributveis. A polmica fora suscitada no tocante ao IPTU pela circunstncia de que, enquanto um preceito constitucional (art. 156, 10) utiliza a expresso poder ser progressivo, presumindo um carter facultativo, outro dispositivo (art. 182, 40) determina a progressividade no tempo, no caso do proprietrio do solo urbano, includo em Plano Diretor, no edificado, subutilizado ou no utilizado, no ter promovido seu adequado aproveitamento. A propsito, a progressividade imobiliria deve levar em considerao diversas circunstncias, a saber: tempo, espao, valor venal do imvel, superfcie, equipamentos urbanos, gabarito das construes ou nmero de pavimentos, destinao dos imveis, nmero de lotes do proprietrio.25 A progressividade do IPTU ensejou acirrada celeuma em razo de a legislao paulistana, editada em 1991, haver criado alquota mais elevada para terrenos ociosos ou imveis no residenciais, sem que houvesse prvia definio em Plano Diretor (obrigatrio para cidades com mais de vinte mil habitanes - art. 182, 1~, da Constituio). Embora o Tribunal de Justia de So Paulo tenha julgado legtima a tributao graduada conforme o valor dos imveis, com a assertiva de que a distino entre residenciais e no residenciais no viola o princpio da isonomia tributria (ADIn n0 14.927-018, Pleno. j. 7.6.95), o Primeiro Tribunal de Alada Civil de So Paulo posicionou-se pela inconstitucionalidade da legislao municipal (SmuL n043). Ceraldo Ataliba. Progressividade e Capacidade Contributiva. Separata da Revista d~ Liijeito Tributrio, 1991. p. 49 Aires Barreto. A progressividade nos Impostos sobre a Propriedade Imobiliria, LTr Suplemento Tributrio 58. 1978. pp. 225/238.

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Por fim, o STF acolheu a ADIn para decretar a inconstitucionalidade da tributao progressiva (RE n0 199.281-6, Pleno, Rel. Mm. Moreira Alves,j. 11.11.98, DJU 1 de 24.11.98, p. 2). A circunstncia de a Constituio haver considerado a progressividade do IPTU em dois captulos distintos (sistema tributrio - art. 156, l0, e ordem econmica - art. 182, 40, II), no significa autonomia e tratamentos jurdicos diferenciados, uma vez que a progressividade justifica-se no mbito do desenvolvimento urbano, condicionando a prvia edio de lei especfica para rea includa em Plano Diretor, no contexto da funo social da propriedade (arts. 50 XXIII, 170, II, e 182, capa t). Injustificvel a progressividade do IPTU como singelo procedimento fiscal, de cunho meramente arrecadatrio, divorciado da poltica de desenvolvimento urbano. Nova diretriz constitucional (Emenda n0 29 de 13.9.2000) possibilita, alm da progressividade no tempo, a progressividade em razo do valor do imvel, conforme examinado no item 20.1 4,26 O princpio da no cumulatividade do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) - art. 153, 30, II - e do Imposto sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadorias e sobre Prestaes de Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicao (ICMS) - art. 155, 20, 1 -, significa que o valor tributrio efetivamente devido aquele que resulta da compensao, entre os tributos incidentes nas operaes/servios praticados pelo contribuinte, com as anteriores aquisies de bens e servios, num determinado perodo de tempo. Assim, ao realizar operaes com produtos industrializados, com incidncia do IPI, o industrial no dever recolher integralmente o valor do tributo dessas operaes, mas, abat-lo do montante do IPI incidente nas aquisies de bens de quaisquer natureza (ativo imobilizado, uso e consumo, matrias-primas, produtos intermedirios, materiais auxiliares e de embalagem etc.). Do mesmo modo, ao realizar negcios mercantis e prestaes de servios de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicao, o contribuinte abater o montante do ICMS incidente nas operaes e prestaes anteriores. Entretanto, dever considerar que a iseno ou no incidncia, salvo determinao em contrrio da legislao: a) no implicar 26 Jos Eduardo Soares de Meio. IPTU. A funo social da propriedade e a progressividade das alquotas, Revista Dialtica de Direito Tributrio n0 1, pp. 41/56. direito para compensao com o montante devido nas operaes ou prestaes seguintes; b) acarretar a anulao do crdito relativo s operaes anteriores (art. 155, 20, II) A no cumulatividade implica na compensao de crditos com dbitos dos mencionados impostos, gerados num determinado perodo de tempo (usualmente mensal), mediante a utilizao de uma autntica conta corrente fiscal, em razo do que esta mesma sistemtica dever ser observada relativamente aos impostos que venham a ser criados com fundamento na competncia residual da Unio (art. 154, 1), e s contribuies sociais (art. 195, 40) O principio da seletividade, em funo da essencialidade dos produtos, mercadorias e servios, ser obrigatrio para o IPI (art. 153, 30, 1), consistindo na distino de cargas tributrias, em razo de diferenciao desses bens, traduzidos basicamente em alquotas descoincidentes, procurando-se atender ao princpio da isonomia. Decorre de valores colhidos pelo constituinte, como o caso do salrio mnimo, que toma em considerao as necessidades vitais bsicas, como a moradia, alimentao, educao, sade, lazer, vestu-

rio, higiene, transporte e previdncia (art. 70, IV), diante do que as mercadorias necessrias e indispensveis subsistncia da populao - como os gneros alimentcios - devem implicar menores alquotas de imposto, ao passo que os produtos suprfluos e artigos de luxo podem sofrer carga tributria mais significativa. A seletividade facultativa para o ICMS (art. 155, 20, III da Constituio Federal). Os princpios da generalidade e da universalidade, previstos para o IR (art. 153, 2~) representam a incidncia do tributo sobre todas as rendas e proventos, para quaisquer pessoas que os tenham auferido, sem qualquer espcie de distino ou discriminao de sexo, raa, categoria econmica, profissional, etc.

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2. Conceito de Tributo Sumrio: 2.1. Noo constitucional de tributo e definio no Cdigo Tributrio Nacional. 2.2. Denominao. 2.3. Destinao. 2.1. Noo Constitucional de Tributo e Definio no Cdigo Tributrio Nacional A entidade tributo encontra-se plasmada na Constituio Federal, de conformidade com as finalidades e competncias outorgadas s pessoas jurdicas de direito pblico interno. Conforme salientado anteriormente, o pas tem necessidade de obter recursos para poder atingir seus objetivos fundamentais, originrios de seus prprios bens, ou derivados do patrimnio dos particulares, em razo do que a absoro de valores pecunirios decorre de diversas causas como: a) contratos administrativos (alugueres, doaes, juros, laudmios, foros, preos); b) fianas, caues, depsitos; c) multas decorrentes de sanes; d) indenizaes; e) adjudicaes; e f) tributos. Tem sido explicitado que se o Estado, tirante a sua condio de donatrio, no est nem arrecadando bens pecunirios vacantes, nem recebendo multas, nem sendo indenizado em tempo de guerra ou de paz, nem percebendo pecnia extra contracta, tudo o mais que entra como receita, excludas as entradas de caixa, tais como caues e fianas, ou tributo ou enriquecimento sem causa. A ques,, 1 to de ontologia jurdica e no de tcnica legislativa Interessante mtodo mostrado para efeito de reconhecimento de tributos, no sentido de que toda vez que algum esteja colocado na contingncia de ter comportamento especfico de dar dinheiro ao Estado (ou entidade por ele delegada pela lei), deveria inicialmente verificar se se trata de: a) multa; b) obrigao convencional; o) indenizao por dano; d) tributo.2 Sacha Calmon Navarro Colho, Comentrios a Constituio de 1988 - Sistenta Tribut,io, 3~ ed., Editora Forense. 199!, p. 13. 2 Geraldo Ataliba, Hiptese de incidncia tribut ria, Malheiros Editores. 5~ cd.. 6~ tiragem, 1997, p. 34. A Constituio Federal engendrou um peculiar sistema tribut-

rio. estabelecendo as materialidades que podem ser objeto de exigncia pelos poderes pblicos, conformados e balizados por princpios genricos e especficos, bem como os tipos de tributos (impostos, taxas, contribuies de melhoria, emprstimos compulsrios e contribuies sociais, de interveno no domnio econmico e de interesse das categorias econmicas e profissionais). Outrossim, contempla os direitos e garantias individuais outorgados aos cidados e s demais pessoas privadas, inclusive no que tango matria tributria, o que constitui um autntico estatuto do contribuinte. A supremacia da Constituio tem como corolrio o Estado de Direito, onde a administrao pblica deve obedecer tanto aos princpios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia, como legalidade (art. 37), que se traduz na fonte inaugural da produo jurdica do pas. induvidoso que a legalidade o marco a partir do qual se erige a ordem jurdica. Seria um contra-senso admitir-se que o que lhe vem abaixo - devendo portanto sofrer o seu influxo - viesse de repente a insurgir-se contra esta ordem lgica, fornecendo critrios para a inteligncia do prprio preceito que lhe serve de fundamento de validade.3 Cristalinamente, enfatiza ser lgico que a regra que a Constituio no pode ser interpretada a partir da legislao infraconstitucional, devendo, ademais, considerar o sistema jurdico como um todo harmnico, coerente, cabendo ao intrprete analisar as normas neste contexto mltiplo de preceitos inseridos num conjunto orgnico. A estrutura jurdica tributria deve assentar-se nos postulados da Constituio, razo pela qual esta premissa conduz inexorvel concluso de que o conceito de tributo constitucional. Nenhuma lei pode alarg-lo, reduzi-lo ou modific-lo. E que ele conceito-chave para demarcao das competncias legislativas e balizador do regime tributrio, conjunto de princpios e regras constitucionais de proteo do contribuinte contra o chamado poder tributrio.4 Infere-se que a Constituio no cria tributos, mas outorga competncias s pessoas jurdicas de direito pblico, relativamente a diversas materialidades, sendo que tal assero permite traar a nota marcante e distintiva do tributo, em confronto com os demais tipos de ingressos financeiros no patrimnio pblico. Celso Bastos Curso de Direito Constitucional. Editora Saraiva, 1996. p. 100. Geraldo Ataliba, Hiptese .... p. 31.

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A compulsoriedade constitui elemento essencial do tributo, consubstanciada numa obrigao de dar dinheiro ao Errio. Embora diversas obrigaes cometidas aos particulares tenham como sujeito de direito o Estado e decorram de lei (ou contrato tambm submetido lei), as de natureza compulsria contm uma ndole coativa, independente da vontade de seu devedor. Para tanto, basta a ocorrncia concreta do pressuposto de fato previsto hipoteticamente na lei, para gerar a obrigao tributria. A seu turno, o Cdigo Tributrio Nacional (CTN, art. 30) estatui que tributo toda prestao pecuniria compulsria, em moeda, ou cujo valor nela se possa exprimir, que no constitua sano de ato ilcito, instituda em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. Apesar de representar simples preceito didtico, posto que no

prprio da lei definir, esta definio de tributo se adequa aos traos constitucionais, recebendo meditada anlise doutrinria de Geraldo Ataliba, evidenciando o significado de seus elementos: Obrigao - vnculo jurdico transitrio, de contedo econmico, que atribui ao sujeito ativo o direito de exigir do passivo determinado comportamento e que a este pe na contingncia de pratic-lo, em benefcio do sujeito ativo. 9.11. Pecuniria - circunscreve-se, por este adjetivo, o objeto da obrigao tributria: para que esta se caracterize, no direito constitucional brasileiro, h necessidade de que seu objeto seja: o comportamento do sujeito passivo consistente em levar dinheiro ao sujeito ativo. 9.12. Ex lege - a obrigao tributria nasce da vontade da lei, mediante a ocorrncia de um fato (fato imponvel) nela descrito. No nasce, como as obrigaes voluntrias (ex voluntate), da vontade das partes. Esta irrelevante para determinar o nascimento deste vnculo obrigacional. 9.13. Que no se constitua em sano de ato ilcito - o dever de levar dinheiro aos cofres (tesouro = fisco) do sujeito ativo, decorre do fato imponvel. Este, por definio, fato jurdico constitucionalmente qualificado e legalmente definido, com contedo econmico - por imperativo da isonomia (art. 50, caput e inciso 1, da C.F) - no qualificado como ilcito. Dos fatos ilcitos nascem multas e outras conseqncias punitivas, que no configuram tributo, por isso no integrando o seu conceito, nem submetendo-se a seu regime jurdico. 9.14. Cujo sujeito ativo em princpio unia pessoa pblica regra geral ou o sujeito ativo uma pessoa pblica poltica ou meramente administrativa - como bem designa s autarquias Ruy Cirne Lima. Nada obsta, porm, a que a lei atribua capacidade de ser sujeito ativo de tributos a pessoas privadas - o que, embora excepcional, no impossvel - desde que estas tenham finalidades de interesse pblico. Configura-se, assim, a paraflscalidade (v. Roque Carrazza, O sujeito ativo da obriga o tribut ria, S.P, 1977, pgs. 25 a 33). 9.15. Cujo sujeito passivo uma pessoa posta nesta situa o pela lei - a lei designa o sujeito passivo. A lei que qualifica o sujeito passivo explcito, o destinatrio constitucional tributrio. Geralmente so pessoas privadas as colocadas na posio de sujeito passivo, sempre de pleno acordo com os desgnios constitucionais. Em se tratando de impostos, as pessoas pblicas no podem ser sujeito passivo, devido ao princpio constitucional da imunidade tributria (art. 150, VI). J no que se refere a tributos vinculados, nada impede que, tambm, pessoas pblicas deles sejam contribuintes.5 A definio apontada tem sofrido crticas por haver redundncia da expresso prestao pecuniria em moeda, impropriedade e redundncia da expresso prestao compulsria, o credor do tributo no foi mencionado e exigncia da atividade administrativa no sancionatria de ato ilcito, instituda em lei e devida ao Estado ou a entidades no estatais de fins de interesse pblico.6 As consideraes expendidas tm o escopo de positivar que a tributao tem como raiz a sistemtica constitucional, de cujos princpios e regras se permite conhecer a entidade tributria, e distinguila de demais obrigaes, bem como as caractersticas de cada tributo, em razo do que pode-se extrair o conceito seguinte: Tributo a receita pblica derivada do patrimnio dos particulares, de carter compulsrio e institudo em lei, consoante as materialidades e respectivas competncias constitucionais, fundamentada em princpios conformadores de peculiar regime jurdico.

Geraldo Ataliba. Hiptese ... pp. 33 e 34. Luciano Amara. Conceito e Classificao dos Tributos, Revista de Direito Tributrio, 55. pp. 243-246.

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2.2.

Denominao A figura tributria no pode nunca ser caracterizada pela simples denominao expressada na norma, uma vez que no tem fora legal alguma para disciplinar o regime jurdico aplicvel, muito menos os princpios a serem considerados. O batismo legal dado aos tipos de receita pblica, em princpio, nada representa, a no ser mero ponto de referncia para os seus destinatrios. A relao de espcies tributrias veiculadas na Constituio Federal (impostos, taxas, contribuies de melhoria, pedgio, emprstimos compulsrios, contribuies), por si s, no tem maior significado e utilidade. Somente a anlise sistemtica de cada uma delas que permite captar o elemento primordial, a nota distintiva, no obstante certas semelhanas que possam existir entre elas. Da, ento, revelada sua essncia, possvel considerar o ttulo constitucional como um verdadeiro dogma, aplicvel a todas as demais exaes que apresentem idntica natureza. Nesse sentido, os impostos - como ser analisado em item subseqente - representam um tipo de tributo que tem como elemento fundamental um ato, negcio ou situao jurdica respaldada em substrato econmico, pertinente a uma pessoa privada, sem qualquer participao direta e imediata do poder pblico. Embora possam conter materialidades prprias dos impostos, as contribuies apresentam caracterstica especial inerente sua afetao constitucional a uma especfica destinao. Afirma-se que na medida em que a Constituio conferiu regimes prprios a cinco modalidades tributrias diferentes, importa conhecer o respectivo regime jurdico. No nos parece que seja, portanto, uma questo de palavras diferentes a encobrir coisas idnti, 7 cas Do mesmo modo, o problema da classificao no se revolve se se atentar apenas para o rtulo que dado s pretensas espcies. A Histria e o Direito Comparado registram denominaes que, em dado momento, ou em certo lugar, tm sentidos anlogos ou apostos: tributos, impostos, taxas, contribuies, exaes, cotizaes, capitaes, quintos, dzimos, vigsimas, centsimas, direitos, tarifas, direitos senhoriais, regalias, derramas, ajudas, donativos, emprstiCelso Bastas. Curso .... p. 146. mos forados ou compulsrios, confiscos, todas essas expresses e inmeras outras representam, aqui ou ali, ontem e hoje, as prestaoes pagas pelos sditos do Estado, ao rei ou ao senhor.8 Sutilmente, como expressa Hospers, as palavras no so mais do que rtulos nas coisas: colocamos rtulos nas coisas para que possamOs falar delas, e, da por diante, as palavras no tm mais relao com as coisas do que tm rtulos de garrafas com as prprias

garrafas. Qualquer rtulo conveniente na medida em que nos ponhamos de acordo com ele e o usemos de maneira conseqente. A garrafa conter exatamente a mesma substncia, ainda que coloquemos nela um rtulo distinto, assim como a coisa seria a mesma ainda que usssemos uma palavra diferente para design-la.9 Adverte-se que no nome que d essncia coisa, a coisa o que pela sua morfologia ou elementos componentes,0 e que bem frgil seria a garantia constitucional se a pudessem tornar intil mediante simples mudana de rtulo. O tipo tributrio reconhecido por intermdio de sua essncia jurdica, haurida exclusivamente do texto constitucional, razo pela qual por mais cedio que possa parecer, o nome que um instituto recebe no suficiente para desvendar a sua estrutura, at porque, infelizmente, a impropriedade tcnica um dos traos mais marcantes das nossas leis. O que define a natureza de uma exao e, apenas, a consistncia material de sua hiptese de incidncia.2 Traduzindo verdadeira norma programtica, o CTN expressou que a natureza jurdica especfica do tributo determinada pelo fato gerador da respectiva obrigao, sendo irrelevante para qualific-lo a sua denominao (art. 40) Nem sempre ser fcil compreender, no discurso normativo. o significado das palavras no contexto em que se insere, alcanar ~ categoria jurdica onde se enquadra, seu verdadeiro sentido semntico, o rigor tcnico, ou mesmo seu sentido vulgar, uma vez que s~ Luciano Amara, Conceito e Classificao dos Tributos. Resista de Direito Tributrio 55. p. 273. Augusti n Gordillo, Princpios gerais de Direito Pblico, traduo de Marco Aurli Greco. Editora Revista dos Tribunais, 1976. p. 2. Carlos Maxjmiliano. Comentrios Constituio brasileira, 2~ cd., 1923. p. 194. Francisco Morato, Do lanamento, sob falso nome, de um Tributo Municipal. Misce ldflC JLIJdiCO. v. 1, P. 145. Roque Carrazza. O sujeito ativo da obrigao tributrio, Editora Resenha Tributria. SOI Paulo 1977. p. 52.

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apresentam diversas a linguagem do legislador e a do jurista, uma vez que o primeiro se exprime numa linguagem livre, natural, pontilhada, aqui e ali, de smbolos tcnicos, o mesmo j no se passa com o cientista do Direito. Sua linguagem, sobre ser tcnica, cientfica, na medida em que as proposies descritivas vm carregadas de harmonia dos sistemas presididos pela lgica clssica, com as unidades de conjunto, segundo critrios que observam, estritamente, os princpios da identidade, da no-contradio e do meio excludo.13 As consideraes doutrinrias, por si s, j seriam mais do que suficientes para servir como alerta, um verdadeiro norte para qualquer aplicador e intrprete de normas, procurando, com ingente esforo e cautela, compreender os vocbulos e expresses dentro do contexto do ordenamento jurdico. A complexa engrenagem jurdi-

ca implica rdua tarefa cometida a todos os destinatrios das normas, com o objetivo fundamental de conferir segurana e certeza ao Direito. Portanto, na qualidade de intrpretes e aplicadores de seus preceitos, os destinatrios das normas no devem se impressionar pelos ttulos que venham a ser dados a certas figuras exacionais, como adicional ao frete para renovao da marinha mercante, salrio-educao, ou fundo de garantia por tempo de servio, que no guardam nenhuma identidade nominal com as espcies descritas na Constituio. Tambm, no deve impressionar o rtulo de taxa de iluminao pblica, exao de natureza municipal, porque, muitas vezes, revela a essncia de imposto disfarado, em razo de poder caracterizar servio pblico genrico, prestado coletividade. 2.3. Destinao A norma jurdica descreve hipoteticamente uma figura composta de aspectos pessoais, materiais, temporais e espaciais, que, ocorridos no mundo fenomnico, ter a virtude de irradiar a obrigao de recolher dinheiro aos cofres pblicos. Mediante o cumprimento do mencionado nus, esta situao procedimental quadra-se ao regime jurdico prprio (de natureza tributria), compreendido como o conjunto de princpios e normas constitucionais que reguPaulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributrio. 1991, 5~ cd.. Editora Saraiva. p. 5. iam o exerccio da tributao (ao de tributar que, nos termos da ConstituiO, privativamente estatal).4 Encontra-se arraigado em tradicional doutrina o entendimento de que, para fins de caracterizao do tributo, irrelevante a destinao do produto de sua arrecadao. A tipologia tributria definida, basicamente, pela materialidade e sua respectiva dimenso (fato gerador e base de clculo, respectivamente), numa adequada correlao lgica. Os elementos ftico-jurdicos anteriores e posteriores ao nascimento e extino do tributo no teriam nenhuma implicao de ndole tributria, representando aspectos de natureza poltica, social, econmica, financeira etc.