JOSÉ DO NASCIMENTO MORAES: VIDA DE INTELECTUAL E … · se estudar a história de Nascimento...
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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017
ISSN 2236-1855 3230
JOSÉ DO NASCIMENTO MORAES: VIDA DE INTELECTUAL E DE NEGRO EM LUTA CONTRA O RACISMO1
Mariléia dos Santos Cruz2
O jornalista e professor da Escola Normal e do Liceu Maranhense, José do Nascimento Moraes,
filho do liberto Manoel Nascimento Pereira com a escrava Catharina Maria Victória, foi o principal
expoente de uma família negra que teve uma marcante participação da história maranhense.
O professor Nascimento Moraes foi um “neo-ateniense”, conforme classificação estabelecida
para os intelectuais da fase de decadência dos tempos áureos vividos no Maranhão, enquanto espaço
fértil para a formação de intelectuais e literatos com projeção nacional. Foi sócio fundador e primeiro
presidente da Oficina dos Novos (1900) e da Renascença Literária (1901), duas agremiações literárias
criadas ao modelo de academias de letras, pelas quais tiveram passagem grande parte dos principais
nomes que ocuparam as cadeiras da Academia Maranhense de Letras, criada em 1908.
O estudo objetiva delinear o percurso escolar e profissional de Nascimento Moraes
identificando situações de racismo enfrentadas por ele, bem como destacar as formas de
enfrentamentos vivenciadas ao longo da construção e da consagração do seu nome como um
intelectual maranhense.
O período contemplado pelo estudo decorre de 1882 a 1927, fase demarcada pelo seu
nascimento até o momento anterior à sua consagração intelectual e profissional. Nesse período, pode-
se estudar a história de Nascimento Moraes contemplando três aspectos: sua infância e escolarização
(1882 a 1899), sua atuação como intelectual em favor da efervescência cultural maranhense e os
enfrentamentos racistas vividos por ele, quando, como polemista, deixou na imprensa do período,
avultado material passível de análise sobre as relações raciais nos primeiros anos da República.
A infância e a escolarização de Nascimento Moraes (1882 a 1899)
José do Nascimento Moraes nasceu em 19 de março de 1882, de um pai liberto, e de
uma mãe escrava. Pouco se sabe sobre os seus pais e sua infância. Recorrendo a indícios
1 O presente texto se origina da pesquisa denominado Escola para os “pés descalços”: estudo histórico sobre a inclusão escolar de pobres efetivada no Maranhão durante o governo de Getúlio Vargas, desenvolvido pela autora no Pós-Doutorado em Educação da UNESP, sob a supervisão da Profa. Dra. Rosa Fátima de Souza, no período 2013 a 2014.
2Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professora Associada do curso de Pedagogia-CCSST-ITZ, Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-Mail: <[email protected]>.
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percebe-se que antes de viver em São Luís, seu pai residia no interior, constando no Almanak
de 1860, como sapateiro em Pinheiro (MATTOS, 1860, p. 131). Manoel do Nascimento
Pereira, conforme já apresentamos em outro trabalho (CRUZ, 2016) foi um cidadão de certa
forma, integrada na sociedade maranhense, pois votava (Publicador Maranhense, 02 de
maio de 1876, p.3), exerceu a profissão de sapateiro, também em São Luís (REGO, 970, p.
415) e de vigilante do Tesouro Estadual (O Jornal, 2 de janeiro de 1919, p, 4), além de ter
combatido na da Guerra do Paraguai (ARAÚJO, 2011, p.16). Mudou o sobrenome para
Moraes, em 1884 (Pacotilha, 26 de agosto de 1884, p. 3) e residia em São Luís, na rua da
Cruz, no mesmo endereço que mais tarde foi de Nascimento Moraes.
José do Nascimento Moraes poderia ter nascido escravo, não fosse a lei 2040, de 28 de
setembro de 1871, já que as crianças protegidas por essa lei, nasciam formalmente livres.
Observando registro de batismo de outra criança, nascida no mesmo período e nas mesmas
condições de Nascimento Moraes, lê-se o seguinte:
Aos doze de junho de mil oitocentos e oitenta e dois, nesta cidade do Maranhão e freguesia de Nossa Senhora da Victória, na igreja catedral batizei e pus os santos óleos a José, preto, livre em virtude da lei número dois mil e quarenta de vinte e oito de setembro de mil oitocentos e setenta e um, nascido em dezoito de janeiro do corrente ano, filho natural da preta Catharina escrava de Raymundo Joaquim Cezar, foram padrinhos João Vidal e Antonia Maria da Glória, solteiros e residentes nesta freguesia.... (Registro de Batismo da Freguesia de Nossa senhora da Victória, 1871-1884).
Outros Josés, pretos, filhos de outras Catharinas, pretas escravas, nascidos depois de
1871, vieram ao mundo com a condição de livre e fizeram parte da população maranhense no
final do século XIX. Porém, quantos deles teriam passado pelos bancos escolares e
construído um perfil profissional tão marcante, quanto José do Nascimento Moraes?
Nascimento Moraes fez todo o ensino primário no Maranhão, contando com recursos
do seu pai, a quem descreve como “obscuro operário, que se multiplicara no trabalho, pela
educação de dois filhos” (O Imparcial, 24 de junho de 1939, p.1). Os anos iniciais foram
cursados em estabelecimentos e professores particulares bastante conhecidos na época, como
Mariano Cesar de Miranda Leda, professor João Antônio Coqueiro, no Colégio de D. Branca,
e no Seminário das Mercês (MORAES, 1941, p.1-2). Em 1895, recebeu atestado de conclusão
do ensino primário, sendo considerado com domínio pleno dos conteúdos, portanto,
classificado como apto para matricular-se no Liceu (Atestado de conclusão do ensino
primário estadual, José Nascimento Moraes, 8 de março de 1895, APEM).
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No secundário, foi aluno do Liceu Maranhense, e prestou exames gerais sendo
aprovado plenamente em várias cadeiras, a exemplo de Francês, Inglês, Geografia, História
Universal e do Brasil, Química, Física, Latim, Geometria e Trigonometria3.
Após concluir o nível secundário, passou a lecionar preparatórios do ensino
secundários na mesma casa da família, na rua da Cruz, declarando usar “método sistemático
e practico” (Diário do Maranhão, 08 de maio de 1901, p. 2). Ainda ocupou um cargo público
como colaborador da intendência municipal, sendo dispensado no ano de 1902. A demissão
tratou-se de uma punição impetrada pelo intendente municipal Nuno Pinho, que se
incomodou com um conto de Nascimento Moraes, denominado O moleque, publicado na
primeira página de A Campanha, um jornal que criticava o poder do partido da situação e
que abominava o domínio político que Benedito Leite exercia sobre o Maranhão (A
Campanha, 6 de maio de 1902, p.1-2).
Atuação como intelectual em favor da efervescência cultural maranhense
Além das polêmicas em que Nascimento Moraes esteve envolvido, quando se consultam
páginas da imprensa local daquela época, não passa despercebido a sua adesão à vida
cultural, sobretudo após a criação da Oficina dos Novos.
A Oficina dos Novos foi uma agremiação literária criada no dia 28 de julho de 1900,
com uma estrutura similar à de uma academia de letras. Possuía inicialmente vinte cadeiras,
distribuídas entre sócios fundadores, honorários e correspondentes, cujo patrono era
Gonçalves Dias. Foi formada por um grupo de jovens intelectuais que pensavam inicialmente
em criar um jornal humorístico, o que foi em seguida substituído pela ideia de um jornal
literário, e por último avançou para a organização de uma “sociedade de letras” (Correio da
Tarde, 2 de agosto de 1910, p.1).
A Oficina dos Novos publicava o jornal Os Novos, cujo primeiro número veio a público
no dia 5 de agosto. Nascimento Moraes fazia parte do grupo que pensou e criou a Oficina,
além de ter sido sócio fundador e o seu primeiro presidente (Diário do Maranhão, 30 de
julho, p. 3; Correio da Tarde, 2 de agosto de 1910, p.1). A sede da Oficina localizava-se na rua
da cruz, no mesmo endereço de Nascimento.
O primeiro número de Os Novos, foi publicado em de 5 de agosto de 1900 (n. 1), além
de registrar várias poesias de seus sócios e uma homenagem ao padre Antônio Vieira,
3 É possível identificar em vários volumes da Pacotilha chamadas e resultados de exames realizados pelo Liceu onde Nascimento consta entre os alunos. Cf. no ano de 1897, n. 273, de 23 de novembro, p. 2, e n. 280, de 29 de novembro, p. 3; no ano de 1898, n.307, de 27 de dezembro, p. 2; ano de 1899, n. 19, de 23 de janeiro, p. 2, e n. 296, de 14 de dezembro, p. 2.
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apresentava também a composição do corpo administrativo da Oficina, constando José
Nascimento Moraes, como presidente; Otávio de Almeida Galvão, como Secretário, e Raul
Astolfo Marques, como tesoureiro. O mesmo aparece no jornal Diário do Maranhão do dia
30 de julho (p. 3). Registra-se também, no primeiro número do impresso da Oficina dos
Novos, a entrada de sócios honorários indicados pelo membro Corrêa Pinto, na sessão do dia
anterior à publicação do jornal, os quais foram: Antonio Lobo, Fran Paxeco, Antonio dos Reis
Carvalho e Firmino Saraiva (Os Novos, 5 de agosto de 1900).
No ano seguinte, em 1901, ainda como presidente da Oficina dos Novos, Nascimento
publicou no Diário do Maranhão (07 de março de 1901, p. 2) a sua saída dessa agremiação e
a criação de outra agremiação denominada Renascença Literária (Pacotilha, 13 de maço de
1901, p. 1). A saída dele e dos principais criadores da agremiação foi algo bastante discutido
pela imprensa na polêmica mais árdua que ele travou, conforme trataremos adiante.
Em 1910, com a ascensão de Luís Domingues ao governo estadual, foi criada a
Inspetoria Geral da Instrução Pública, sendo nomeado como Inspetor Geral, Antônio
Francisco Leal Lobo, amigo de Domingues e um dos sócios honorários da Oficina dos Novos.
Antônio Lobo foi o principal desafeto de Nascimento Moraes, com quem travou acirrado
debate acompanhado pelos leitores do Correio da Tarde e da Pacotilha, durante o ano de
1910. Em 1911, no Governo de Luiz Domingues, Nascimento Moraes foi nomeado
interinamente para reger a cadeira de Aritmética, Álgebra, e Geometria da Escola Normal e,
em 1914, ele se tornou Professor Catedrático de Geografia do Liceu Maranhense, após
submeter-se a concurso.
José do Nascimento Moraes destacou-se como professor e jornalista, escrevendo
crônicas, contos e poesias nos principais jornais maranhenses, mas também chamou atenção
nas acirradas polêmicas onde realizava crítica literária e a correção de obras com membros de
grupos que rivalizavam com ele. Nessas polêmicas, além dos opositores demonstrarem os
seus conhecimentos dos conteúdos das obras e do uso literário da língua portuguesa, o
debate, em geral, ultrapassava o âmbito profissional e apresentava-se carregado de termos
pejorativos.
Nascimento Moraes foi um dos mais ativos intelectuais maranhenses da primeira
metade do século XX e deixou nas páginas dos jornais da primeira metade desse século, uma
extensa obra composta por crônicas, poesias e artigos. Grande parte dos seus textos foram
assinados por pseudônimos, a exemplo de João Paulo, no jornal A Imprensa, em 1906, Braz
Cubas, no mesmo jornal, em 1907, Um Maranhense, no jornal O Maranhão, em 1908
(ARAÚJO, 2011, p. 56), além de outros, cuja identificação ainda carece de estudos. Publicou
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quatro livros: Puxos e repuxos, em 1910; Neurose do Medo, em 1923; e Contos de Valério
Santiago, obra póstuma publicada em 1972, a partir de material publicado pela Revista
Athenas, na década de 1940 (ARAÚJO, 2011, p. 42; BRAS, 2014, p. 26). O primeiro livro que
escreveu foi o romance Vencidos e Degenerados, o qual, apesar de todas as referências
recentes indicarem ter sido publicado em 1915, foi uma obra entregue em 1909 na tipografia
de Ramos de Almeida (Diário do Maranhão, 17 de dezembro,1909, p.1), sendo publicado no
ano seguinte, conforme anúncio do Correio da Tarde, de 30 de junho, 1910 (p,1).
Grande parte do conteúdo literário, político, antirracista e pedagógico dos textos
produzidos por Nascimento Moraes ainda aguardam estudos aprofundados e muito podem
contribuir para melhor conhecimento de diversos aspectos da história maranhense. Não
fosse o seu esforço de viver não evitando polêmicas que envolviam a sua condição racial, teria
Nascimento Moraes, passado como mais um intelectual sem cor e acomodado com as
relações sociais e humanas decadentes que pairavam sobre o Brasil, desde a escravidão, até
períodos posteriores à Proclamação da República. Ele além de ter tido uma intensa atividade
intelectual desempenhando funções de destaque em muitas associações da sua época, ocupou
vários cargos públicos. Na imprensa maranhense foi editor e redator do Diário Oficial do
Estado, diretor e/ou colaborador de outros impressos como Pacotilha, Campanha, A
Imprensa, Pátria, Diário do Maranhão, O Maranhão, Correio da Tarde, Diário de São Luís,
O Jornal e A Hora. Em Manaus, onde esteve por um ano, redigiu o Jornal do Comércio. Foi
também membro da Academia Maranhense de Letras, eleito em 1935, assumindo a função de
presidente da casa, por três anos, em 1941, 1946 e 1947 (BRAS, 2014, p. 26). Dos poucos
trabalhos que fazem menção a Nascimento Moraes a maior parte se reporta a análise de suas
obras literárias (MARTINS, 2002; ARAÚJO, 2011; NASCIMENTO, 2012; BRAS, 2014).
O fato é que Nascimento Moraes não passou pela história do Maranhão (da literatura,
da imprensa e da educação) em “brancas nuvens”. Incomodou muito aos que não aceitavam o
ímpeto e a erudição, em um homem de origem humilde, que pela sua própria atividade
intelectual desmentia as associações comuns entre negritude e inferioridade.
Contudo, foi no ano de 1910, que Nascimento Moraes esteve envolvido em uma das
mais interessantes polêmicas, em uma acirrada disputa via imprensa, com o então Inspetor
Geral da Instrução Pública, Antônio Lobo. Os textos produzidos no bojo dessa polêmica
constituem-se como importante fonte histórica para análise das barreiras enfrentadas por
intelectuais negros, que após vencerem as dificuldades de acessar a escolarização,
permanecem ainda em enfrentamentos para os quais a competência não funcionava como
principal requisito para conquista de reconhecimento.
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Polêmicas e Racismo Envolvendo a Vida Profissional de José do Nascimento Moraes
Polêmica com Antônio Lobo (1908-1910)
O professor jornalista esteve envolvido em muitas polêmicas que foram acompanhadas
pelos leitores da imprensa maranhense do início do século XX. De todas elas, a que foi
travada com Antônio Lobo, Inspetor da Instrução Pública, em 1910, é a mais marcante de
todas, sobretudo porque envolveu a história de uma fase da literatura maranhense e porque a
ação de Antônio Lobo que desencadeou a polêmica se reflete até os dias atuais.
Antônio Lobo nasceu em São Luís, em 1870, foi professor, jornalista e escritor.
Além do grande esforço que fez voltado para a recolocação do Maranhão no cenário
brasileiro como um terreno fértil para o nascimento de intelectuais com projeção
nacional, a “Atenas Brasileira”, também foi um desses historiadores que se
esforçaram para narrar a história alterando as informações contidas em suas fontes.
Foi um dos principais responsáveis pelo quase anonimato do professor José do
Nascimento Moraes, que embora tenha se destacado como um dos principais
protagonistas da história literária do período, não foi incluído devidamente no
registro dos acontecimentos sucedidos. Antônio Lobo exerceu o ofício de historiador
atribuindo fatos e destacando a ação dos seus amigos mais próximos, da mesma
forma que aproveitou para premiar Nascimento Moraes com o anonimato intelectual.
A história literária maranhense do período Imperial até o início da Nova República
foi classificada em três fases. A primeira foi denominada Grupo Maranhense (1832-
1868), formada por intelectuais filhos de senhores rurais. A segunda foi denominada
Atenienses (1868-1894) e a terceira, conhecida como Decadencismo (1894-1932), que
engloba os Neo-Atenienses; grupo voltado para o resgate do prestígio literário que o
Maranhão havia conquistado pelo Grupo Maranhense (LINCAR, 2012, p. 123; ARAÚJO,
2011, p. 30). Essa última fase foi registrada por Antônio Lobo em seu livro Os Novos
Athenienses: subsídios para história literária do Maranhão, publicado em 1909.
A polêmica travada entre Antônio Lobo e Nascimento Moraes pode ter tido
origem na sua saída da Oficina dos Novos, mas tomou corpo publicamente em dois
momentos sucessivos, em 1908 e 1910. No primeiro momento, foi consequência da
publicação de uma carta de Antônio Lobo a Sebastião Sampaio, na Pacotilha de 17 de
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junho (p.1) onde fez um balanço sobre os literatos maranhenses. Sebastião Sampaio
esteve em São Luís como redator da Gazeta de Notícias, e solicitou a Antônio Lobo
que lhe informasse sobre o movimento literário do Maranhão (ARAÚJO, 2011, p. 54).
Na carta publicada por Lobo ele classifica os literatos do Maranhão em poetas,
prosadores e historiadores, sendo que Nascimento Moraes não aparece em nenhuma
dessas categorias. Em resposta, Nascimento critica as informações dadas por Lobo
usando o pseudônimo Um Maranhense, por meio do jornal O Maranhão, acusando o
seu rival de querer chamar para si “as honras de Pontífice das mentalidades
maranhenses” (Pacotilha, 25 de junho de 1908, p. 1). Críticas rebatidas por Antônio
Lobo por sucessivos números da Pacotilha (n. 17, 19, 20, 22, 27) do mês de junho de
1908, onde foi reforçada a exclusão do nome de Nascimento Moraes como literato
maranhense.
O auge dessa polêmica ocorreu em 1910 quando Nascimento Moraes se utiliza
de várias edições do Correio da Tarde, na seção que escrevia com o pseudônimo
Valério Santiago, para corrigir a obra que seu principal opositor Antônio Francisco
Leal Lobo havia publicado em 1909 (Os Novos Athenienses: subsídios para história
literária do Maranhão), na qual mais uma vez foi minimizada a importância do
nome de Nascimento Moraes para a história literária maranhense. Antônio Lobo,
com o pseudônimo Gonçalves Galliza, escrevia os editoriais da Pacotilha em resposta
a Nascimento Moraes. A coluna denominada “Fluxo e refluxo”, escrita por
Nascimento Moraes passou a ser chamada, nas edições que exploraram a polêmica,
“Puxos e repuxos”, tornando-se um espaço utilizado para corrigir informações sobre a
história literária maranhense escrita por Lobo, além da revisão rigorosa da língua
escrita e do conteúdo teórico.
Sua saída da Oficina dos Novos não foi algo fácil de ser digerido, e
provavelmente, não foi algo que ocorreu espontaneamente. Enquanto um dos seus
fundadores e seu primeiro presidente, conforme consta em Os Novos, de 05 de agosto
de 1900 (n. 1), Nascimento Moraes destacava-se como um dos intelectuais mais
atuantes da época, mas se via desprestigiado, no que diz respeito a sua inclusão entre
os literatos maranhenses do período. Além de não ter participado da criação da
Academia Maranhense de Letras, em 1908, e não se enquadrar nos critérios exigidos
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para se tornar um membro da academia, já que havia a exigência de que apenas
autores com obras publicadas poderiam fazer parte da agremiação, estava ignorado
na obra que contava a história do período. Seu romance Vencidos e Degenerados, só
foi publicado no primeiro semestre de 1910. Debates terríveis foram travados entre os
dois literatos, quando Antonio Lobo não poupou Nascimento de agressões racistas,
conforme pode ser acompanhado com detalhes em Cruz (2016, p. 217-227).
Na década de 20, Nascimento Moraes já havia se destacava profissionalmente e
encontrava-se como editor chefe do jornal Diário de São Luís e colaborador do jornal
Pacotilha. Como professor permanecia no ensino particular e no público, exercendo suas
atividades no Liceu Maranhense e na escola Normal. Foi presença marcante nas bancas de
exames, sendo presidente em muitas delas.
Polêmica com Rubem Almeida (1923)
Depois dos embates terríveis que Lobo e Nascimento Moraes travaram em 1910, outra
fase de exposições e enfrentamento vai ser observado a partir de 1923, quando se tornou alvo
de nova polêmica, e envolvido em mais uma onda difamatória por meio de uma guerra
travada entre o Diário de São Luís e a Folha do Povo. Nesse período governava o Maranhão
Godofredo Vianna, amigo de Nascimento Moraes, do qual fez parte do comitê político.
Tarquínio Lopes, proprietário da Folha do Povo era ligado ao partido oposicionista ao
governo, e usava o impresso como veículo de crítica do poder estadual daquela época. Dessa
vez, Nascimento Moraes, vai ser colocado no centro dos ataques da Folha do Povo, em textos
carregados de insultos que tentavam desqualifica-lo profissionalmente, assinados pelo
pseudônimo Roncador, atribuídos ao professor Rubem Almeida.
Rubem Almeida, nascido em São Luís, em 1896, tornou-se também catedrático do
Liceu em Língua Portuguesa, militou em quase todos os jornais de São Luís, sobretudo a
partir de 1912, e possuía parentesco com Antonio Lobo pelo lado materno (REINALDO, 2013,
p. 369-371). Na Folha do Povo, de 27 de novembro de 1923 (p. 3), O Roncador analisa o
programa de Literatura ministrado por Nascimento Moraes para as normalistas,
desqualificando o conteúdo de cada tópico e sugerindo outros. Além da análise do programa
ele se utiliza de uma infeliz associação do professor negro com os animais de montaria.
Transcrevendo Rubem Almeida:
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É da infalível sabedoria popular que os animais de montaria só escumam e escouceiam e dão pinotes e acuados, quando, um tanto ainda selvagens, sentem, no couro abdominal o acerado alicate, lembrando-lhes que não estão cumprindo a risca a sua tarefa de irracionais. Que faz o bom cavalheiro, nesse caso? Nada mais do que um pequeno gesto, o de puxar-lhe a bride, moderando assim, com a dor produzida pelo metal nos beiços da alimária, do mesmo passo, a sua fogosidade e a sua aspiração. Porque é mesmo dos quadrúpedes, notadamente das azêmolas, esse vezo incorrigível de não se quererem conformar à sua irrevogável condição de eternos vencidos e eternos degenerados. Passivos, pela lei da natureza e por seu próprio sexo, não se querem contudo sujeitar aos espinhos do ofício, e então procuram sempre meios e modos de deitar abaixo os seus dirigentes ou as suas cargas. As azêmolas pretas, então, são as das mais estúpidas e convencidas que se conhecem. Deu-lhes nos cascos, veja-se o ideal da juquinha! Ser branco... de ações...
O autor segue o texto desqualificando Nascimento Moraes até de sua condição humana,
num tom bem parecido com o que o professor já havia enfrentado em 1910, quando pela
imprensa, combatia com o inspetor da instrução pública Antônio Lobo. Em 1923, Antônio
Lobo já não estava mais vivo, porém “fez escola”, e deixou seus discípulos, a exemplo de
Rubem Almeida. Por certo o Roncador fazia parte da “geração supimpa!” educada por
Antônio Lobo, reportada por Nascimento Moraes em 1910 (Correio da Tarde, 5 de agosto de
1910), quando se referia à ação de Antônio Lobo, como professor republicano que ensinava o
desprezo aos negros4.
A forma degradante com que o Roncador caracterizava o professor Nascimento Moraes
em um tom bem semelhante ao executado por Antônio Lobo, inclusive com o uso dos
mesmos termos e associações, não pode ser interpretada fora da compreensão mais ampla da
manutenção de um projeto de sociedade aparentemente moderna, mas ao mesmo tempo,
reprodutora dos padrões morais arcaicos e escravagistas.
Enquanto Lobo tinha seus excessos justificados pela neurastenia que o acometera,
levando-o a apresentar distúrbios nervosos, que atingiam até mesmo seus amigos mais
próximos (LINCAR, 2012, p. 185), não se pode dizer que Rubem Almeida tenha sido
acometido dessa mesma enfermidade. Contudo, a inegável semelhança de comportamentos,
sem dúvidas indicam uma contaminação por outra doença que é o racismo; esse sim,
transmissível, que se passou do mestre para o discípulo, foi bem conhecida de Nascimento
Moraes ao longo da sua carreira.
4 “Nada mais falta a Lobo para completar. Professor, ensina os discípulos brancos e despreza os negros, mulatos e cafuzos e etc. Diz mesmo aos discípulos que entre o branco e o negro há um abismo intransponível, afirma-lhe que o negro é um condenado, a quem se deve tratar com desprezo. Na verdade não pode haver educador da mocidade republicana que se lhe compare. Estamos convencidos de que assim, ele preparará uma geração supimpa!” (MORAES, Correio da Tarde, de 05 de agosto, p.1).
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Outras duas questões acirraram o debate em 1923. No centro da polêmica aparece a
grave acusação de que teria roubado o programa de Cosmografia de Dunshee de Abranches
Moura e que Nascimento Moraes, nos exames de tirocínio não se comportava com inserção,
privilegiando as alunas da escola Raimundo Cerveira. A primeira questão foi denunciada pelo
Roncador, na Folha do Povo, do dia 17 de outubro de 1923, e aparece também, no dia 31 de
outubro (n. 82), quando se afirmava que Nascimento Moraes, além de roubar o programa do
colega, teria contado com a ajuda do diretor do Liceu para elaborar uma história para
demonstrar que havia sido vítima de engano, ou da desorganização da secretaria da referida
instituição.
Por outro lado, Nascimento Moraes, se defende pelas páginas do Diário de São Luís, de
22 de outubro de 1923:
É simplesmente mentira! Sendo o professor Nascimento Moraes amigo do Dr. Abranches, com quem conversa frequentemente na Secretaria do Interior, não lhe custaria nada pedir ao provecto cultor da astronomia um programa para a sua cadeira. E teria muito prazer em fazê-lo porque reconhecesse no Dr. Abranches um mestre na matéria, de conhecimentos profundos nela, e ele, o professor Nascimento Moraes, sendo apenas um professor da matéria, com a obrigação pedagógica de apenas ensinar noções, bem avisado andaria se se socorresse de quem tem o conhecimento profundo. Mas tal não se deu, nem o professor Moraes pediu ao professor Abranches, nem o filou...
No dia seguinte, Nascimento Moraes publicou os 34 pontos do programa de
cosmografia que vinha ministrando, há dois anos, e contou a sua versão do fato que levou a
Ruben de Almeida a denunciá-lo como um incompetente professor que por preguiça, roubou
o programa de um colega seu. Nascimento explica que no ano anterior, “por motivo de ordem
superior”, não compareceu na mesa de exames da sua cadeira no Liceu e que quando o
presidente da mesa pediu o programa de cosmografia, este não foi encontrado pelos
funcionários do Liceu. Fazendo parte da mesa, o professor Dushee de Abranches, escreveu
uma lista de 12 pontos para o fim de serem sorteados para o exame. Essa lista ficou guardada
no Liceu e quando o seu diretor resolveu publicar os programas no Diário Oficial, no início
do ano de 1923, foi essa mesma lista que foi levada à imprensa, sendo que ele próprio não
teve o cuidado de verificar o que havia sido publicado.
Conta também, que ao iniciar o ano letivo, encontrou anexado ao seu diário de classe,
essa lista de 12 pontos, e a princípio, pensou que se tratasse dos pontos utilizados pelo colégio
Dom Pedro II, que “por engano houvesse o secretario copiado na secretaria”, contudo, logo
identificou não se tratar por reconhecer que naquele colégio são 20 os pontos que abordam
cosmografia, dentro do programa de 80 pontos de Geografia Geral. Afirma que pediu o
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programa que havia feito, mas que tanto esse, quanto o de Geografia, o qual havia inclusive
impresso cópias para serem distribuídos pelos professores particulares, não foram
encontrados naquela repartição.
Como prova do que vinha tentando provar, Nascimento Moraes afirmou que, tanto os
funcionários da secretaria do Liceu, quanto os alunos, sabiam do acontecimento, revelando
que:
[...] por vezes acontecia até de (os alunos) examinarem a letra, que era assim do professor como dos alunos, inteiramente desconhecida. Isso, porém, não obstou que o professor Nascimento Moraes, fizesse o curso com o seu programa que consta de 34 pontos. Não tendo cópia, nem se lembrando do como da sua organização, pediu a um aluno que já havia prestado exame da matéria uma cópia e fez o curso com os seus 34 pontos (Diário de São Luís, 23 de outubro de 1923, p.6).
E seguiu, defendendo-se da acusação da seguinte forma:
Mal sabia, porém, o professor Nascimento Moraes, que os seus gratuitos detratores, andavam às escuras, a afiar essa lâmina para, um dia, inesperadamente, com ela em punho, atrevidos, contra ele encostarem. [...] O Sr. Roncador ficou desta vez nessa situação crítica, porque sendo a alista publicada no Diário Oficial, constante de 12 pontos, claro que não podia da cadeira de Cosmografia, que deve constar de 20 pontos, conforme determinação indeclinável do regulamento. Nem o professor Nascimento Moraes poderia aceita-lo, por maior que fosse o seu desejo de se acomodar gostosamente dentro da lei do menor esforço, nem o poderia permitir o diretor do Liceu Maranhense, que tem por obrigação zelar pelo cumprimento das cláusulas regulamentares, nem o aceitaria o Dr. Antonio Bonna, Inspetor Federal (Diário de São Luís, 23 de outubro de 1923, p.6).
A outra questão que colocou Nascimento Moraes em enfrentamento com Ruben
Almeida foi a que se referiu à acusação de ter, na qualidade de presidente da mesa de exames
de tirocínio, privilegiado as alunas da escola Raymundo Cerveira.
Como defesa Nascimento Moraes contou que desde 1920, passou a ser convidado para
presidente da banca de tirocínio, e que nos anos de 1921 e 1922, duas normalistas foram
repetidamente reprovadas. Segundo Nascimento Moraes
... da odiosidade, grande porção sempre recaiu sobre o professor Nascimento Moraes, que na qualidade de presidente da mesa, ao fim de cada prova, fazia às professorandas as observações necessárias e profundas sobre os erros cometidos. Choveram cartas anônimas, denunciando covardias, dadas à surdina, mas a fiscalização dos exames do tirocínio, rigorosa como era e entregue a professores de reconhecida imputabilidade moral, nunca poude apurar o que as cartas e as denúncias afirmavam. Diziam que as alunas que frequentavam o curso de Tirocínio do Instituto Raymundo Cerveira, eram as que tiravam as melhores notas (Diário de São Luís, 27 de novembro de 1923, p.6).
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E completou a sua defesa dizendo que no ano vigente, não havia participado da banca,
mas que as alunas do referido curso, foram aprovadas mais uma vez, assim como também
outras alunas de diversos cursos da capital. Além de se defender, Nascimento Moraes, partia
para denúncias e acusações, tanto ao Roncador, quanto ao dono do jornal, o médico
Tarquínio Lopes Filho. As acusações realizadas no mês de novembro receberam respostas
que cobriram praticamente toda a primeira página do jornal, em colunas em que Rubem
Almeida alternava ataques assinados pelo seu nome, com outros assinados pelo seu
pseudônimo.
No dia 29 de novembro, Ruben Almeida declarou que:
O sr. Nascimento Moraes pertence, para glória sua e da sua estirpe, essa pandilha, sempre numerosa neste mundo, dos cínicos, dos audaciosos tartarins, dos impetuosos castrados, cuja única virtude reside na bravura admirável com que sabe suportar os ataques dos apreciadores das suas formas, hábito adquirido se de pequeno quando, esperto, traquinas, ardente, já se exercitava com os seus amigos nos banhos de Macacão! Crescendo nem por isso, perdeu os costumes da infância, antes os adubou de outros mais perigosos, como sejam um entranhável cinismo e uma profunda covardia. Cínico e covarde, desse cinismo asqueroso que obriga a escarros, e dessa covardia pulha que inspira compaixão, o sr. Nascimento Moraes é, nesta terra, um tipo que todos repelem, porque é sujo e malcheiroso, mas ao mesmo tempo inspira piedade, pelos papéis ridículos e humilhantes que de há muito já se habituou a praticar (Folha do Povo, 29 de novembro de 1923, p.1).
O autor segue acusando-o de jornalista alugado pelo governou para servir de advogado
do mesmo, além de chamá-lo de “desfalcador de obras públicas” e de professor que tira
dinheiro dos seus alunos e que se vinga nos exames. Na mesma página da Folha do Povo,
Rubem Almeida, desta vez usando seu pseudônimo, prosseguiu com a crítica que vinha
fazendo em outro número anterior do jornal, sobre o programa de Literatura que Nascimento
Moraes havia elaborado para lecionar suas alunas, seguindo dos ataques pessoais ao seu
oponente, fazendo uso, desta vez, de uma linguagem irônica, manifestando-se como se de
fato fosse um admirador de Nascimento Moraes. Elogiava a sua linguagem polida, e a sua boa
educação, afirmando que havia uma dúvida se de fato o professor Nascimento Moraes
possuía aquela linguagem polida e formação esmerada, que a partir de então, passava a
acreditar que “... inconfundivelmente, que é uma realidade, que V. Ex. é, sob todos os pontos
de vista um jornalista polido.
Polido porque o ébano, quando sabe pegar lustre não encontra madeira que se avantaje. Polido, porque a educação esmerada que lhes deram os seus digníssimos pais, não permitiram nunca que V. Ex. descesse à linguagem chinfreira que tão acerbadamente combate [...].
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Polido, pela cultura invejável; polido, pelas maneiras cortezes de pessoa sociável; polido, pelo trato superior, pelo carinho fidalgo com que cerca os amigos; polido, pela instrução modelar que dá aos seus estremecidos filhos, chegando a assombrar aos examinadores com as notas distintas que merecem em todas as provas a que os submeteram; polido, pelo estilo admirável em que versa as suas estrofes imortais; polido pelo fundo faustoso dos seus discursos monumentais; é polido, sobretudo polido, pelo modo como sabe vir a público defender-se, como atualmente está fazendo v. Ex. (Folha do Povo, 29 de novembro de 1923, p.1).
Dessa vez, Rubem Almeida escreveu de forma contida, evitando a linguagem baixa e o
tom xingatório que marcou o seu estilo no início da polêmica. Tentou fazer uso do estilo
polido do oponente ao fazer referência à polidez do mesmo. Apesar do estilo irônico, registra
fatos notórios sobre o esmero da educação de Nascimento Moraes e dos seus filhos, e ao
mesmo tempo, atribui tal esmero a uma espécie de capacidade dos negros, de serem
insuperáveis, quando se empenham para a polidez, o que é revelado na analogia com o
ébano, uma madeira forte e escura. De qualquer forma, o autor deixa entender que tais
esmero e educação não estão para os negros como algo natural, mas sim como consequência
de um esforço, de um processo de investimentos que alcançado, torna-se impossível ser
desvirtuado.
Não se pode negar que a educação recebida por Nascimento Moraes foi algo partilhado
no seio familiar, de modo que não apenas ele teve bom desempenho nas matérias do
secundário, como também seu irmão Raimundo, que teve uma trajetória social semelhante à
de Nascimento. A mesma educação foi repassada aos seus filhos, que aparecem em diversas
edições da imprensa, destacando-se o bom desempenho nos exames e as aprovações de uma
classe para outra com distinção.
Tudo isso causava estranheza porque apesar do Maranhão ser um estado que se
destacava pela sua constituição de maioria negra, desde o período escravista, o racismo e
naturalidade nos comportamentos de exclusão dessa população sempre foram
experimentados como algo normal e costumeiro. Atribuído às péssimas condições de
trabalho no período da escravidão, ou a outros motivos ainda desconhecidos pela
historiografia, o fato é que o Maranhão junto como o Pará “gozava de péssima reputação
entre escravos e senhores alhures”, sendo usada por outras províncias a ameaça de venda
para o Maranhão, como forma de punição a escravos desobedientes (ASSUNÇÃO, 2010, p.
70).
Polêmica com Melo e Silva (1925)
A crença na inferioridade dos negros e o ataque ao que se sobressaía em um contexto de
exclusão aparecem nos comportamentos de destacados intelectuais durante a Primeira
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República, conforme registrado na imprensa da época. No ano de 1925, nova onda de ataques
raciais foram protagonizados pelo jornal A Folha do Povo, desembocando em nova polêmica
com Nascimento Moraes. Tudo começou com a publicação de Cartas Abertas, assinadas pelo
pseudônimo de Geraldo de Aguiar e endereçadas a Romeu d’Avelar, nas quais apesar de
tratar de diversos assuntos, registra a partir de 14 de abril afirmações de conteúdo racistas
contra os mulatos.
Na Folha do Povo de 14 de abril de 1925, Geraldo de Aguiar, a pretexto de rememorar
sua inesquecível passagem pela Europa, relatava sobre sua estada na Alemanha, em 1914, e
expressando profunda satisfação com a experiência, lançava-se a fazer comparações entre a
beleza de Berlim e a inferioridade do Brasil, atribuída à introdução do negro ao processo de
colonização portuguesa.
Refere-se da seguinte forma à questão supracitada:
...a vida suave, tinha o encanto e a beleza que não existe aqui entre nós_ porque a índole de nossa raça é a tristeza e a apatia; presente de Grego que nos fez a colonização portuguesa que fundou aqui_ importando negros _ uma nova espécie étnica, ordinaríssima: o mulato. Eu prefiro o negro ao mulato. O mulato, Avellar, tem ódio de duas raças. Odeia o negro, donde nega ter vindo ao mundo. Inveja o branco, porque vê em sua epiderme o ferrete de sua origem. E não se conforma o mulato (Folha do Povo, 14 de abril de 1925, p.1).
Além de afirmar que a infelicidade do Brasil estava no fato da existência de negros no
seu processo de formação social, e, sobretudo, pela sua participação desse grupo na geração
do mulato, Geraldo de Aguiar, aprofundou mais ainda a descrição sobre esse tipo humano,
considerado por ele “... um tipo de raça abaixo da crítica”, o qual na “escala animal” não
existia coisa “pior do que esse tipo”, chamado de “Genipapo”, bastante recorrente na Bahia. E
assim, o autor prosseguiu à descrição sobre como se origina o Genipapo. Relatava ao estilo
naturalista a saída do português pobre de Portugal para Salvador, da seguinte forma:
Sujo e maltrapilho, montado em cima dos seus tamancos, labuta diariamente nos fundos de uma mercearia irrespirável, infecta, e depois de ter o seu pé de meia, arranja a mulata com a qual vive e com a qual procria. [...] Dessa aliança infeliz, sai o “Genipapo”, marcado na sua região renal com uma grande mancha, que é o selo do intercâmbio vergonhoso. _ O “Genipapo” é o tipo mais ordinário da Bahia. O “Genipapo” é um amálgama indecente onde quer que se encontre (Folha do Povo, 14 de abril de 1925, p.1).
Posteriormente à publicação das ideias de Geraldo de Aguiar retratadas de modo tão
nostálgico, e alegando sem intenção de atacar a ninguém, as consequências são a insatisfação
por parte dos mulatos, tão comuns em São Luís, que passaram a exigir, conforme registrado
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em sucessivos números do jornal O Diário de São Luís, que o escritor das Cartas Abertas,
publicadas na Folha do Povo, assinadas pelo pseudônimo de Geral de Aguiar, se manifestasse
publicamente e se explicasse cientificamente sobre pretexto de ser considerado um
“insultador” (Diário de São Luís,1925, n. 388- 390). O desafiante que se colocou em nome
dos mulatos para um debate científico da temática pelas páginas do Diário de São Luís
tratava-se do professor e jornalista Nascimento Moraes, o qual alegava que o autor das cartas
se tratava do médico alagoano da estrada de Ferro São Luís-Teresina, Mello e Silva.
Geraldo de Aguiar, ou melhor, Melo e Silva, na publicação de sua carta aberta do dia 20
de abril, demonstrava-se surpreso, pelo descontentamento dos mulatos maranhenses, e,
sobretudo, por ter sido desafiado a defender-se cientificamente, quando não tinha intenção
de atingir a um ou outro mulato, mas apenas pretendia, a despeito de enfocar a inferioridade
da raça brasileira, frente à europeia, caracterizar um tipo mestiço bastante conhecido por ele
na Bahia, e sobre o qual declarava que “não valiam nada”.
A partir de então, Melo e Silva, ainda assinando com o seu pseudônimo, passou a se
referir a Nascimento Moraes, caracterizando-o da seguinte forma:
Um fabricador de polêmicas que aqui labuta nos jornais, com muito brilho, aliás; aquele mesmo jornalista brilhante do qual te falei em outra carta [...]; esse mesmo jornalista achou agora de me chamar à fala para provar, com altos conhecimentos de etnografia, que o cruzamento, entre o negro e o branco, dá um tipo apurado, uniforme, ativo, inteligente e ... refinadamente branco (Folha do Povo, 20 de abril de 925, p.1).
Além de demonstrar-se descontente por se tornar alvo do jornalista Moraes e ironizar o
tema do debate, considerando algo desnecessário, já que tinha pensamento formado sobre a
questão e via no fato da miscigenação a explicação para as mazelas do Brasil, tentava se
retratar quanto à defesa do projeto proibitivo do casamento entre brancos e negros, o qual na
edição anterior da sua carta, afirmava que se fosse deputado, haveria de defender. Dessa vez,
pede que seu oponente ficasse tranquilo sobre o assunto, já que além de que não servisse para
deputado, tal projeto jamais seria aprovado na Câmara, feito que lá se encontravam “muitos
‘genipapos’ maduros”.
Em resposta a Melo e Silva, Nascimento Moraes, no Diário de São Luís, do dia
seguinte, acusava-o de não fundamentar cientificamente os conceitos usados, e em
contrapartida, passou a defender ideias contrárias à do seu oponente fundamentadas por
autores da sociologia e da História, tais como Tito Lívio, Silvio Romero e Rocha Pombo. Na
contraposição defendia que o cruzamento do branco com o negro não apresentava regressão,
pois com o tempo a cor ia se aproximando à branca, e que os mestiços de todas as gradações
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estão na maioria, e que nos governos democráticos, a maioria dita a lei, afirmando que o
Brasil é dos mestiços, já que essa é a realidade no país (Diário de São Luís, 21 de abril de
1925, p. 4).
No dia 23, a resposta a Nascimento Moraes é publicada por Melo e Silva, na Folha do
Povo, n. 94, com um artigo intitulado ‘‘Depois das chagas... O ‘Genipapo’ (Mulatos ou
‘Genipapos’) ”. Nesse artigo o autor declarou que genipapo é um sinônimo do mulato, um ser
anormal e contrário às leis da natureza. Na tentativa de comprovar suas ideias Melo e Silva
citou o conceito de mulato, de gênero e de híbrido retirado do Dicionário Etimológico da
Língua Portuguesa, de Adolpho Coelho, o conceito de hibridação de Fernandes Ruffier e
discute as informações contrapostas por Nascimento Moraes, quando se utiliza de Tito Lívio
Castro e de Silvio Romero. Reunindo as contribuições dos autores ele afirmou que mulato é o
adjetivo que caracteriza o descendente de um pai branco com uma mãe negra e vice-versa,
sendo que a humanidade é dividida em cinco raças e que híbrido é o resultado do cruzamento
de duas espécies diferentes no reino animal, por um processo de hibridação. Considerando
que para o autor o mulato seja um ser híbrido, conclui que este é um ser degenerado e que o
cruzamento entre dois mulatos dá um produto sofrível (Folha do Povo, 23 de outubro de 925,
p.1).
No dia seguinte, Nascimento Moraes, reforçou o debate, contrapondo-se a Melo e Silva
desde as referências utilizadas, consideradas inapropriadas para o debate. Condena a
utilização do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa e o Manual Prático de Criação
Bovina, cujo título foi omitido por Mello e Silva, ao utilizar o conceito de hibridação;
declarando apiedar-se da fraqueza do seu oponente, inclusive pela carência de livros.
Embora afirme, concordando com o conceito de mulato, defendido por Mello e Silva,
Nascimento Moraes discordava da ideia de que a humanidade estivesse dividida em cinco
raças diferentes, pois considerava, segundo consta no Manual de Antropologia de G.
Canestrine, que todas as tentativas até então, para estabelecer uma boa classificação das
raças humanas foram fracassadas, “dada à extrema dificuldade na matéria”. Defendeu que há
uma variedade de critérios usados para se estabelecer divisões raciais entre os humanos.
Prosseguiu concordando com o conceito de gênero explorado por Mello e Silva, mas
identificou a confusão teórica feita pelo mesmo, visando provar a sua ideia de que mulato é
um ser híbrido, “ao definir gênero para concluir sobre a noção de espécie”.
Demonstrou que seu oponente interpretava, conforme sua própria conveniência, as
informações do Manual Prático de Criação Bovina, contrariando as ideias do autor da obra.
Para Nascimento, o branco e o preto pertenciam à mesma espécie, o que inviabilizava a
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possibilidade do mulato ser tomado como um ser híbrido, conforme interpretação de Mello e
Silva, sobre a qual argumentava estar fundamentado cientificamente. Acusou também, que
Melo e Silva contrariava o autor em que se embasava, ao concluir pelo caráter diverso entre
negro e branco, tomando-os como duas raças ou espécies diferentes, para reforçar a sua ideia
de que mulatos são serem híbridos e contrários à lei da natureza.
Nascimento Moraes explicou a Mello e Silva, segundo o Manual de Antropologia, que
mestiço é a denominação atribuída ao resultado do cruzamento entre variedades da mesma
espécie e não de espécies diferentes. Explicou também que “os mulatos podem reproduzir-se
entre si, sendo fecundos; de tal modo que seu número pode tornar-se considerável em uma
região”.
A polêmica prosseguiu além do mês de abril, adentrando o mês de maio, e após
algumas insistências, Melo e Silva assumiu sua obra, abandonando o pseudônimo, passando
também a direcionar-se diretamente à figura do professor Nascimento Moraes; ora
defendendo-se de acusações que extrapolavam o aspecto teórico, atingindo o âmbito pessoal,
ora, também, direcionando ataques pessoais à figura do professor e jornalista, conforme se
pode constatar na publicação da Folha do Povo, de 15 de maio de 1925, cujo título “Ao
‘branquíssimo’ e ‘notável’ prof. de geografia snr. Nascimento Moraes”. Nessa publicação
demonstrava a intenção de calar o seu oponente, comprovando que o próprio Nascimento
Moraes, não tinha como contestar a sua própria inferioridade, diante dos autores
consagrados. O artigo, localizado logo na primeira página do jornal, recapitulava vários
argumentos usados no confronto e desafiava o oponente a assumir que foi derrotado.
Todas as polêmicas envolvendo Nascimento Moraes foram ilustradas, conforme
demonstrado, por uma intenção de caracterizá-lo como alguém incompetente, que não era
merecedor da posição que ocupava na sociedade maranhense. A crítica que lhe foi
direcionada sempre foi pautada no uso de termos pejorativos de teor racista, associando-se a
cor da sua pele, em analogias com a pretensa irracionalidade dos descendentes de africanos.
Considerações Finais
A história profissional de Nascimento Moraes demonstra que mesmo quando os negros
atingem visibilidade e prestígio social vivem, ainda, em constante situação de comprovação
de que são detentores de méritos para se manterem nos postos alcançados. Os textos
produzidos no bojo das polêmicas com Nascimento Moraes, via imprensa maranhense nas
primeiras décadas do século XX, constituem-se como importante fonte histórica para análise
das barreiras enfrentadas por intelectuais negros, que após vencerem as dificuldades de
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acessar a escolarização, permaneceram ainda em enfrentamentos para os quais a
competência não funcionava como principal requisito para conquista de reconhecimento.
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