José Wanderley Novato Silva

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1 José Wanderley Novato Silva O Modelo de Gestão de Resíduos Sólidos e a Geração de Emprego e Renda: A Experiência da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração / UFMG como pré-requisito à obtenção do título de Mestre em Administração. Área de Concentração: Recursos Humanos e Organizações Orientador: Prof. Dr. Allan Claudius Queiroz Barbosa Belo Horizonte Faculdade de Ciências Econômicas 2000

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José Wanderley Novato Silva

O Modelo de Gestão de Resíduos Sólidos ea Geração de Emprego e Renda:

A Experiência da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte

Dissertação apresentada ao Curso de Mestradodo Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em

Administração / UFMG como pré-requisito à obtençãodo título de Mestre em Administração.

Área de Concentração: Recursos Humanos e OrganizaçõesOrientador: Prof. Dr. Allan Claudius Queiroz Barbosa

Belo HorizonteFaculdade de Ciências Econômicas

2000

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Eu quando era menino era menino normal, portanto

não gostava de escola. Minha mãe vivia falando comigo:

“se você não estudar quando você crescer vai ser lixeiro”.

Marco Túlio Edwiges

Diretor de Mobilização Social

Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte

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3

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer a todos aqueles que me incentivaram e apoiaram a

realização deste trabalho.

Sem o conhecimento, a experiência e a dedicação do meu orientador Prof.

Allan Claudius Queiroz Barbosa este trabalho jamais passaria de uma boa

intenção.

As observações inspiradas do Prof. Reynaldo Maia Muniz enriqueceram o

trabalho e ajudaram a focalizar o objeto do estudo.

Os demais professores do CEPEAD tornaram claros temas fundamentais para

execução deste trabalho.

A convivência com os meus colegas de mestrado facilitou o andamento da

pesquisa nos momentos mais difíceis.

Todos os meus amigos, particularmente Maurício Alexandre Silva Moreira,

também são sócios dos possíveis méritos dessa empreitada, colaborando com

o apoio e amizade durante todo o tempo do trabalho.

Os funcionários da SLU - particularmente Marco Túlio Edwiges, Mara Luíza

Alvim e Verli - e da ASMARE - D. Geralda e Reginaldo - estiveram disponíveis

em todos os momentos necessários.

Minha namorada Milene Brizeno Chalfum soube ajudar-me suprindo minhas

deficiências ao computador.

Last, but not least, minha família não só me forneceu todo o suporte de que eu

necessitei como também a tranquilidade necessária para que o estudo

pudesse ser realizado a contento.

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SUMÁRIO

LISTA DE SIGLAS...........................................................................................

LISTA DE FIGURAS.........................................................................................

LISTA DE ANEXOS..........................................................................................

RESUMO..........................................................................................................

ABSTRACT......................................................................................................

1 APRESENTAÇÃO...................................................................................

2 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................

2.1 Introdução.................................................................................................

2. O Caso Brasileiro: Novos Atores em Cena...................................................

2.3 A Gestão Urbana no Brasil e seus Condicionantes......................................

2.4 A Problemática dos Resíduos Sólidos Urbanos..........................................

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS...................................................

4 RESULTADOS...........................................................................................

4.1 Contextualização :A Trajetória da Coleta de Lixo em Belo Horizonte........

4.2 A Implantação do modelo............................................................

4.3 A Estratégia dos Atores e os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo

“para dentro”..............................................................................................

4.4 A Estratégia dos Atores e os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo

“para fora”..................................................................

5 ANÁLISE DOS RESULTADOS...................................................................

6 CONCLUSÕES...........................................................................................

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................

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8 ANEXOS.....................................................................................................

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LISTA DE SIGLAS

ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas

AMAS - Associação Municipal de Assistência Social

A M S - Assessoria de Mobilização Social

ASMARE - Associação dos Catadores de Papel e Materiais Recicláveis de

Belo Horizonte

BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento

CDHC - Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania

IPTU - Imposto Predial e Territorial Urbano

ISO - International Standardization Organization

LEV - Locais de Entrega Voluntária

LIFE - Local Iniciative Facility for Urban Environment

ONG - Organização não-governamental

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SLU - Superintendência de Limpeza Urbana

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LISTA DE FIGURAS

Relação dos entrevistados

Modelo de implementação de políticas públicas

Peso relativo das fontes financeiras da ASMARE - 1996

Demonstrativo da ASMARE até 1998

Comparativo anual da produção de resíduos sólidos

Demonstrativo de despesas da ASMARE

Organograma Oficial da SLU

Organograma Informal da SLU

Organograma da ASMARE

Produção dos Galpões ASMARE - 1998

Produção dos Galpões (Custo) - 1998

Responsabilidades dos parceiros da Coleta Seletiva

Resumo dos principais resultados quantitativos alcançados até 1998

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO I - Lei Orgânica do Município de Belo Horizonte

ANEXO II - Agenda 21 - Seção 27

ANEXO III - Legislação para o Terceiro Setor

ANEXO IV - Carta Aberta de Pieffe Galand, Secretário-Geral da OXFAM -

Bélgica, apresentando sua demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos

não governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de Iniciativas

ANEXO V -

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RESUMO

O processo histórico de urbanização brasileiro engendrou um panorama de

grandes complicações para a gestão urbana. Nesse contexto uma das

questões que emergiu recentemente para a agenda pública foi a gestão dos

resíduos sólidos urbanos - que constitui-se em típica política pública de

referência local.

Face às dificuldades das finanças públicas o desafio da gestão constituiu-se

em encontrar alternativas viáveis de provimento dos serviços através de

parcerias com a sociedade.

Dentro desse quadro o presente trabalho empreende uma análise do modelo

de gestão de resíduos sólidos da Superintendência de Limpeza Urbana de

Belo Horizonte - MG, focalizando a parceria constituída com a Associação dos

Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis.

Através de uma pesquisa qualitativa, de natureza descritiva foram explicitados

os principais problemas enfrentados pelos agentes envolvidos no processo de

formulação e implementação deste programa, bem como os mecanismos de

gestão encontrados para tratá-los.

Observou-se que a estrutura da SLU mostrou-se inicialmente inadequada para

operacionalizar com agilidade a implementação, o que implicou em uma

reestruturação “informal” da instituição e na adoção de procedimentos

diferenciados no relacionamento com a comunidade. Verificou-se também que

o processo da parceria carregou em seu bojo processos de geração de renda

e emprego para um segmento da população até então à margem da sociedade

- os catadores de papel, tendo como resultados simultaneamente a viabilização

a coleta seletiva de materiais prevista pela Lei Orgânica do município, quanto o

resgate da cidadania, através da profissionalização e inserção social dos

catadores.

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ABSTRACT

The historical process of brazilian urbanization has encountered a panorama of

large complications in urban management. In this context one of the questions

that has recently emerged as a matter of public agenda has been a solid wate

management - which has been constituted as a typical matter of local public

policy.

In order to face up to the difficulties of public finances, the challenge of

management has been to find viable alternatives for the provision of the services

through a partnership with society.

Within this context this present work undertakes na analysis of the model of the

solid waste management presented by Superintendent of Urban Sanitation

(SLU) of Belo Horizonte, MG, focusing on the partnership formed with the

Association of the Street collectors of Paper, Cardboard and Recyclable

Materials.

Through qualitative research of a descriptive nature, the principal problems

faced by the agents involved in the formulation and implementation of this

program were explained, as well as the mechanisms of management used to

treat the problems.

It was observed that the structure of the SLU showed itself to be inicially

inadequate to the task of operationalizing na imlementation. This implied na

“informal” restructuring of the institution and the adoption of different procedures

in the relationship with the community. It was also verified that the process of the

partnership held in its depht processes for the generation of revenue and jobs for

a segment of the population that had been at the margins of society up until then:

the street collectors. This had the simultaneous results of creating a viable

means for the selective collection of materials as prescribed by the Organic Law,

and rescuing a segment of the population, trough the profissionalization and

social insertion of the street collectors.

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1 Apresentação:

Meio Ambiente e Gestão Urbana - Os Desafios Contemporâneos

O objetivo deste trabalho é discutir e analisar o modelo de gestão de resíduos

sólidos adotado pela SLU (Superintendência de Limpeza Urbana) de Belo

Horizonte. Esta discussão ganha relevância pois o gerenciamento dos resíduos

sólidos é hoje um dos principais problemas na área de meio ambiente. Abordar

este problema é, segundo AMORIM (1996) “tocar em assunto palpitante, que

desperta temores e representa um imenso desafio à população e à capacidade

técnica da grande maioria dos núcleos urbanos brasileiros” (p. 17).

Segundo CAVALCANTI (1998) pode-se dizer que a década de 70 foi a década

da água, a de 80 foi a década do ar e a de 90, dos resíduos sólidos. Não só no

Brasil como também nos EUA a abordagem relativa a resíduos sólidos iniciou-

se somente em fins da década de 80, quando aguçou-se a problemática

referente à quantidade desses resíduos cujas características de

inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade

podem colocar em risco populações inteiras.

Descrevendo a “irracionalidade” da aventura tecnológica contemporânea

FRANCO (1993) lembra que os EUA produzem mil novos compostos químicos

por ano, muitos deles mais complexos que seus predecessores, enquanto o

montante global de lixo de alto risco subiu de 10 para 35 milhões de toneladas

entre as décadas de 70 e 80. SMOLKA (1993) afirma que as cidades não

representam apenas um palco privilegiado para a “tragédia ambiental” . “Ela é

parte essencial do enredo, quando não a própria trama” (p. 133) em virtude da

impossibilidade de separar os problemas ambientais dos processos de

urbanização em geral.

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Nas últimas décadas foram se acumulando evidências de que o

desenvolvimento econômico alcançado por alguns e perseguido por muitos

países estava causando efeitos trágicos sobre o meio ambiente.

Entre as questões que permeiam essa temática incluem-se segundo HOGAN

(1992) as pressões da sociedade, que condicionaram a emergência de um

movimento ambientalista global. Por um lado essas demandas são traduzidas

pela legislação. GROSZEK (1998) afirma nesse sentido não haver grandes

diferenças entre a legislações européia - considerada mais avançada e

responsável - e a brasileira, contendo ambas o princípio da responsabilidade

do gerador de resíduos.

Para NAHUZ (1995) do lado das empresas houve uma movimentação em

direção à qualidade, a partir das orientações técnicas da International

Stardadization Organization.1 A partir de 1971 a ISO constituiu três comitês

técnicos para tratar exclusivamente da normatização de métodos e análises

ambientais. A partir de 1978 vários “selos verdes” foram implementados. Na

década de 1990 os esforços resultaram na criação do sistema ISO 14000 - que

demarca critérios certificadores de conformidade ambiental. Esta norma

incorpora a questão do manejo e destinação adequada dos resíduos - e insere

a questão ambiental no contexto empresarial de competitividade do atual

momento capitalista.

Segundo TONDOWSKI (1998) a indústria de papel foi pioneira nesse aspecto.

Este autor lembra que mesmo no Brasil, no início da década de 90, as

indústrias de papel que exportavam já se preocupavam com a criação de um

“selo verde”, porque as indústrias papeleiras eram objeto de uma atenção

muito grande de suas concorrentes multinacionais que atuavam em mercados

como o europeu e o canadense.

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Uma resposta institucional às preocupações sobre o crescente impacto da

atividade humana sobre os recursos naturais veio em 1983, quando a ONU

criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento para

discutir e propor meios de harmonizar os dois objetivos - desenvolvimento

econômico e conservação ambiental.

O conceito de desenvolvimento econômico passou a sofrer então um processo

de revisão que percebia sobretudo as dimensões política e ética nele inscritas,

o que tinha sido bastante subestimado pela teoria econômica clássica. O

conceito estreito de "desenvolvimento econômico" foi contraposto ao conceito

mais amplo de "desenvolvimento sustentável".

O conceito de desenvolvimento sustentável origina-se segundo CAPORALLI

(1995) de uma crítica ao conceito de desenvolvimento econômico criado e

popularizado a partir do final da 2a Guerra Mundial, num contexto de formação

de organismos multilaterais de fomento, como o Banco Mundial e Banco

Interamericano (BID) bem como de uma teoria econômica que depositava na

ação regulatória do Estado a possibilidade de manutenção de taxas de

crescimento mais elevadas.

O conceito deu fundamento a uma ideologia altamente otimista que previa o

crescimento econômico indefinido, visto como um processo de utilização cada

vez mais intensivo de capital, de redução do uso de mão de obra e de

utilização extensiva dos recursos naturais. Neste sentido, uma das

características centrais nele implícita era a inconsciência em relação às

repercussões ambientais e de degradação ecológica derivada das atividades

econômicas.

Segundo CAPORALLI (1995) a crítica à irresponsabilidade com que a teoria

econômica enfrentava os problemas de ordem ambiental surgiu inicialmente

1 A ISO é uma organização não-governamental fundada em 1947 com sede em Genebra, Suíça, que atuacomo uma federação mundial de organismos nacionais de normatização (entre eles a ABNT -

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entre cientistas da natureza. Em fins da década de 70 uma organização não-

governamental, o Clube de Roma, contratou uma equipe de cientistas que

elaborou uma catastrófica projeção para o início do século XXI - assentada

sobre as tendências então vigentes. A partir daí daí ganhou força o conceito de

desenvolvimento sustentável, isto é, aquele que é capaz de suprir as

necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender as

necessidades das futuras gerações.

O novo conceito buscava combinar os mecanismos de correção econômica

com medidas de controle administrativos e sistemas de decisão pactuada

entre os diversos atores da sociedade civil: Estado, empresas e organizações

não-governamentais. O princípio básico era a valorização da qualidade em vez

de quantidade, com a redução do uso de matérias-primas e produtos e o

aumento da reutilização e da reciclagem - o que diz respeito diretamente tanto

aos padrões de consumo da sociedade contemporânea quanto à forma de

encarar o lixo que ela produz.

A Organização das Nações Unidas colocou-se desde logo entre as instituições

defensoras da revisão do modelo de desenvolvimento tradicional através do

lançamento do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Promoveu no Rio de Janeiro em junho de 1992 uma reunião de cúpula que

resultou na criação da “Agenda 21”, onde estão reunidos diversos programas e

mecanismos internacionais que objetivam um processo de transformação

cultural, de mudança de mentalidades e de comportamentos em direção a uma

sociedade com padrões sustentáveis de produção e de consumo.

Um dos aspectos inovadores, realçado no texto final do documento é a

afirmação da importância da participação das chamadas Organizações Não-

Governamentais entre os entes públicos e privados no processo. A seção 27

da Agenda 21 reza que:

Associação Brasileira de Normas Técnicas).

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“As organizações não-governamentais, inclusive as

organizações sem fins lucrativos que representam os grupos

de que se ocupa esta seção da Agenda 21, possuem uma

variedade de experiência, conhecimento especializado e

capacidade firmemente estabelecidos nos campos que serão

de particular importância para a implementação e o exame de

um desenvolvimento sustentável, ambientalmente saudável e

socialmente responsável, tal como o previsto em toda a

Agenda 21. Portanto, a comunidade das organizações não-

governamentais oferece uma rede mundial que deve ser

utilizada, capacitada e fortalecida para apoiar os esforços de

realização desses objetivos comuns”. (ver anexo II)

Nesse sentido:

“a sociedade, os Governos e os organismos internacionais

devem desenvolver mecanismos para permitir que as

organizações não-governamentais desempenhem seu papel

de parceiras com responsabilidade e eficácia no processo de

desenvolvimento sustentável e ambientalmente saudável”.

(ver anexo II )

A recomendação é de que os Governos devem tomar medidas para o

financiamento e fortalecimento institucional das organizações não-

governamentais em todas as suas instâncias.

No caso brasileiro, segundo FERREIRA (1993) a incorporação de uma

estrutura ecológica nos processos de decisão política e econômica encontra

certas limitações concernentes à formação social histórica da política ambiental

brasileira, caracterizada simultaneamente pelo paternalismo e autoritarismo.

Os posicionamentos do governo brasileiro frente à questão ambiental

esbarraram ainda na perspectiva de que o crescimento econômico não poderia

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ser sacrificado em nome de um ambiente mais puro - o que frequentemente

levou a discussão para a questão da soberania nacional.

Enquanto os anos 80 assistiram ao crescimento do movimento ecológico no

país, a própria redemocratização ocorrida na década tornou o poder mais

permeável às suas demandas. No entanto somente a partir dos anos 90 houve

uma incorporação do discurso ambientalista por parte do governo federal,

particularmente a partir da Conferência Mundial de Desenvolvimento e Meio

ambiente ocorrida em 1992.

No nível federal, através do Decreto de 26 de fevereiro de 1997 o Governo

brasileiro criou a Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e da

Agenda 21 Nacional com a finalidade de propor estratégias de

desenvolvimento sustentável e coordenar, elaborar e acompanhar a

implementação daquela Agenda.

O processo de crescimento urbano registrado no Brasil tem sido acompanhado

pelo aumento dos problemas que incidem diretamente sobre a qualidade de

vida dos moradores nas cidades. Estima-se que cada brasileiro produza em

média 1kg/dia de lixo (AMORIM,1996).

No que se refere ao lixo industrial ALVES (1998) ilustra o problema

apresentando os dados oriundos do mais recente levantamento realizado no

estado de São Paulo pela CETESB apontando que somente neste estado são

gerados anualmente 535 mil toneladas de resíduos Classe I, perigosos, e 25

milhões de toneladas de resíduos Classe II, que são menos problemáticos em

termos de potencial poluidor.2

2 A legislação brasileira divide o resíduos em três classes: Classe I, chamados perigosos, Classe II,chamados de resíduos não-inertes, e os Classe III, inertes. Os resíduos Classe I e III são a minoria.Para ser resíduo Classe I, como na legislação americana, o resíduo tem que ser a característica deinflamabilidade, corrosividade, de reatividade e de toxicidade e patogenicidade. Os resíduos Classe IIIsão aqueles que praticamente têm como característica um extrato solubilizado igual aos padrões de água

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No nível estadual em Minas Gerais (em 1994) o programa "Todos por Minas"

foi a primeira iniciativa nesse sentido, propondo para o período 1995-98

elaborar uma “Agenda 21” para Minas Gerais estabelecendo a Agenda 21

como a referência básica de uma política de desenvolvimento sustentável .

Em 1995, o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado afirmava que tanto os

programas estruturantes, quanto os programas setoriais prioritários e as ações

permanentes dos diversos sistemas governamentais deveriam ter como

referência básica a questão ambiental como uma diretriz subjacente à todas as

políticas públicas e ações governamentais.

Para o nível municipal o capítulo 28 da Agenda 21, que trata das

responsabilidades das autoridades locais, tem servido de referência para

balizar a ação de prefeitos, tendo sido transcrito pelo Governo estadual em

manual voltado para os municípios - com os quais pode estabelecer

interlocução e definir estratégias de ações integradas.

Como forma de estimular esta participação do nível local - considerado

estratégico pela proximidade dos cidadãos - a ONU criou o Programa LIFE

(Local Iniciative Facility for Urban Environment), lançado no Brasil em 1993, e

que dava os primeiros passos no sentido de potencializar a participação da

sociedade civil na implementação de projetos sintonizados com os princípios

da Agenda 21.

Belo Horizonte foi uma das cidades escolhidas pela Coordenação Geral do

Programa LIFE para participar dessa iniciativa, segundo uma avaliação que

estabelecia como critério a adequação das dinâmicas de processos sociais

locais à filosofia e metodologia LIFE (Brazil LIFE,1994). Um dos projetos aos

quais o LIFE se associou foi o da implementação da coleta seletiva gerenciada

pela Associação dos Catadores de Papel e Materiais Recicláveis (ASMARE).

potável, o que é muito raro. Então, o que não for classe I ou Classe III é, por exclusão, Classe II.(GROSZEK, 1999)

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Esse projeto carregava em seu bojo processos de geração de renda e

emprego através da profissionalização dos catadores.

Esse projeto foi construído através de uma parceria desta Associação com a

Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte (SLU) cujo modelo de

gestão de resíduos sólidos na cidade havia sido reorientado de uma

perspectiva de “engenharia de limpeza” para outra que incluía a participação de

diversos atores no processo da coleta, tratamento e destinação do lixo. Foi

nesse contexto que surgiu, entre inúmeras outras, a parceria com a ASMARE.

Embora não se possa falar de um programa específico de geração de renda e

emprego como iniciativa da SLU, pode-se falar em processos de geração de

renda e emprego resultantes da forma de coleta, processamento e destinação

do lixo urbano.

A sistematização e racionalização de práticas primárias de “coleta seletiva”

historicamente presentes na cidade - como aquelas realizadas pelos catadores

de papel - institucionalizada segundo um conceito de “associativismo”

incentivado pela SLU configura por um lado a geração de emprego e renda e,

por outro, a construção da idéia de cidadania em um segmento da população

cuja história é marcada pelo preconceito e discriminação.

Os “moradores de rua” sempre foram considerados pessoas do mais baixo

status na sociedade; o próprio “morar na rua” implica uma situação de exclusão

social frequentemente associada manifestações de natureza individual -

preguiça, vadiagem ou malandragem (JACOBI, 1997).

A genérica designação “moradores de rua” pode incluir tanto mendigos ou

doentes mentais quanto outras pessoas que encontram no viver na rua uma

forma de se auto-excluir da sociedade. Soma-se a esse contingente um

número cada vez maior de indivíduos para os quais o viver na rua passou a ser

uma imposição de ordem econômica, como vítimas da crise social e

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19

econômica principalmente nos países do Terceiro Mundo - e o Brasil não foge à

essa regra.

Embora estas pessoas sejam ignoradas pelos censos demográficos nacionais

as grandes cidades brasileiras vivem esse problema com particular agudeza -

e desse contingente uma parcela significativa encontra na própria rua as

condições de sobrevivência individual e familiar.

A questão da coleta, tratamento e destinação do lixo urbano - questão de alta

relevância sanitária e ambiental - envolve um sem-número de aspectos. Uma

das particularidades do tipo de coleta seletiva da Superintendência de Limpeza

Urbana de Belo Horizonte foi incluir esse segmento da população de rua - os

catadores - como agente fundamental, através de sua profissionalização.

Foi a partir da constituição desse modelo de parceria para a coleta do lixo

urbano que o presente trabalho abordou os mecanismos de gestão diretamente

relacionados, bem como procurou discutir um quadro onde as questões

ambiental, do emprego e da cidadania - componentes importantes da crise

dentro da qual as cidades brasileiras se debatem - se articulam como um

importante desafio para a gestão urbana contemporânea.

O estudo empreende uma análise do programa de geração de renda e

emprego embutido no modelo de gestão de resíduos sólidos da SLU de Belo

Horizonte, focalizando os mecanismos de gestão adotados e explicitando os

principais problemas enfrentados pelos agentes envolvidos no processo. O

trabalho está estruturado da seguinte maneira:

Um segundo capítulo, de natureza teórica, procura explicitar o marco de

referência utilizado para embasar a reflexão do modelo de gestão de resíduos

sólidos. Para isso faz inicialmente uma revisão da literatura sobre a chamada

“crise do Estado”, o que inclui uma análise do caso brasileiro, caracterizado

pela eclosão recente de movimentos sociais que implicaram a entrada em cena

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20

de novos atores no campo das políticas públicas. É nesse contexto que se faz

uma discussão da problemática da gestão urbana no Brasil - e da questão do

lixo em particular.

O terceiro capítulo enuncia e justifica a metodologia empregada, discutindo a

complexa questão em que se constitui a análise de políticas públicas. No

quarto capítulo encontra-se a descrição propriamente dita do modelo de gestão

de resíduos sólidos da Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte

(SLU), bem como dos seus impactos no que diz respeito à geração de emprego

e renda, o que significa incluir a ASMARE como o outro pólo da parceria. Aqui

estarão explicitados todos os resultados relevantes da pesquisa.

A análise dos resultados descritos no capítulo anterior é a matéria do quinto

capítulo. O sexto capítulo foi reservado para comentários à guisa de conclusão,

bem como para algumas sugestões de futuros estudos sobre o tema. O bloco

bibliográfico e os anexos que complementam o trabalho encontram-se no final.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2. 1 Introdução: A Sociedade e o Estado em Foco - e a Inserção Brasileira

A reflexão sobre ações de natureza pública no espaço contemporâneo

remetem inicialmente à necessária discussão sobre o processo de

reorganização do Estado à luz de ideários distintos daqueles que nortearam a

lógica do pós-guerra.

Para isso em primeiro lugar é forçoso considerar que o macro-contexto do

objeto a ser investigado é o processo de reforma ou reconstrução do Estado.

Segundo PEREIRA (1998) essa perspectiva veio complementar aquela

centrada na temática do ajuste estrutural - ou ajuste fiscal e as reformas

orientadas para o mercado - que ganhou força em todo o mundo logo após a

crise de endividamento internacional na década de 80.

A reforma do estado no entanto é um tema bastante amplo, envolvendo

simultaneamente componentes políticos, econômicos e administrativos. Parece

haver certo acordo no entanto, segundo PEREIRA (1998), na transição

necessária de uma perspectiva auto-referente que caracteriza o Estado

burocrático para outra orientada para o cidadão.

O pano de fundo onde delineiam-se os problemas apresentados é a discussão

recente sobre os processos de redefinição do papel do Estado após a

derrocada das experiências do socialismo real e a hegemonia do projeto

liberal. Segundo KURZ (1993, p.07) o fracasso do socialismo de Estado

“estimulou enormemente todas as ilusões do Ocidente sobre si mesmo. A

consciência crédula na economia de mercado encara-se como vencedora da

história.”

GILPIN (1994) afirmam que o fim da guerra fria incentivou o debate

internacional acerca da natureza da nova ordem política e econômica mundial.

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Discute-se se o fim da estabilidade bipolar levaria a uma situação de ampla

hegemonia dos Estados Unidos ou a um mundo multipolar caracterizado por

novas formas de conflitos étnicos, políticos e econômicos. Segundo este autor

no centro do debate encontra-se a questão do papel dos fatores econômicos

como fonte de cooperação ou conflito internacional.

VIEIRA (1999) argumenta que muitos vêem o fracasso do mundo soviético

como uma prova da superioridade da lógica do mercado sobre a lógica do

Estado. Para este autor sob a ótica ultraliberal a vitória do capitalismo trouxe

como consequência um processo de globalização da economia prenunciando

este período um estágio superior no desenvolvimento da humanidade, com as

enormes perspectivas advindas do desenvolvimento de novas tecnologias.

No entanto o conceito de globalização está segundo este mesmo autor

excessivamente ligado à economia. O relatório do Fundo Monetário

Internacional (1997) define a globalização como:

“a interdependência econômica crescente do conjunto dos

países do mundo, provocada pelo aumento do volume e da

variedade de transações internacionais de bens e serviços, e

também pelos fluxos internacionais de capitais e pela difusão

acelerada e generalizada da tecnologia” .3

Para SILVA (1999) um outro resultado da globalização do capitalismo foi a

estruturação de megablocos, ou seja, dos processos de integração econômica

supranacional em escala regional.

STELZER (1999) assinala ainda o poder crescente das grandes corporações

transnacionais em relação aos Estados-nações nas quais operam. Este autor

observa que a pujança adquirida pelo capital é revelada pelos fluxos mundiais

de moeda, que atingem a cifra de um trilhão de dólares por dia.

3 Relatório do Fundo Monetário Internacional, 1997.

Page 23: José Wanderley Novato Silva

23

KRUGMAN E OBSTFELD (1999) endossam este raciocínio argumentando que

a ascenção do mercado internacional de capitais ao possibilitar novas relações

entre os centros financeiros do mundo inviabiliza uma estabilidade financeira

global.

ANDREWS E KOUZMIN (1998) afirmam que o impacto do neoliberalismo pode

ser sentido também no discurso da Administração Pública, que procura se

modernizar, adaptando-se ao contexto forjado pela nova ordem econômica

mundial.

Num primeiro momento a dimensão institucional da modernização do Estado

foi traduzida pela privatização (JENKINS, 1998). No entanto KURZ revela o

fracasso da ideologia anglo-saxônica de privatização dos setores públicos “de

natureza social global, não constituindo produção de mercadorias de

produtores privados” (KURZ, 1993, p.11).

MINTZBERG (1998) também recusa a redução do cidadão à figura do cliente

ao afirmar a diferença capital existente entre as atividades voltadas para o

consumidor e para o cidadão.

DOWBOR (1993, p.115) afirma que “as simplificações que consistem em gerir

o espaço público como se fosse uma empresa privada não têm muito sentido

na medida em que o cliente da área pública, a população, é proprietário

legítimo da empresa”. O mesmo autor afirma que a evolução do funcionamento

do Estado tem se constituído num processo amplo de deslocamento dos

espaços de Administração Pública que inclui a descentralização das ações e

dos recursos públicos.

PRZEWORSKI (1998) observa que para entender a reforma do Estado há que

se voltar aos debates sobre o seu papel na economia. ABRUCIO (1998) afirma

Page 24: José Wanderley Novato Silva

24

que foi a partir da crise do petróleo, em 1973, que entrou em xeque o antigo

modelo de intervenção estatal, pondo fim à “era dourada” (HOBSBAWN, 1997).

Compondo a crise econômica global uma crise fiscal enfraqueceu ainda mais

os alicerces do antigo modelo de Estado, porque após décadas de

crescimento a maioria dos governos não tinha mais como financiar seus

déficits (ABRUCIO, 1998). Este autor ainda aponta um contexto intelectual

favorável às mudanças na administração pública, particularmente as críticas à

burocracia estatal e o ideário liberal “hayekiano”4. A Grã-Bretanha foi o primeiro

laboratório das técnicas gerenciais aplicadas ao setor público, configurando o

que veio a se chamar de “Estado Gerencial” (KETTL, 1998).

Diversos mecanismos surgiram nesse contexto de rejeição ao Estado

burocrático (DINIZ, 1998) entre os quais o estabelecimento de competição

entre agências estatais e privada, fiscalização institucional, mudança nos perfil

do servidor público e a descentralização (CRUZ, 1998).

Em relação à descentralização diferentes concepções expressam visões e

projetos conflitantes em relação ao papel do Estado (PRZEWORSKI,1998). Por

um lado argumenta-se que a provisão local de serviços públicos favorece a

responsabilização do governo, porque o aproxima da população que ele serve.

Por outro lado, as políticas descentralizadoras em geral aumentam as

desigualdades entre as regiões e fragmentam a prestação do serviço público.

No entanto MUNIZ (IN MERINO, 1992) pergunta-se se “as propostas

descentralizadoras não são meros esquemas racionalizadores frente à

ausência de alternativas para superar o vazio deixado pela crise e perda de

funcionalidade apresentada pelo Estado-nação”. (p. 128)

4 Friedrich August von Hayek, economista austríaco naturalizado inglês, prêmio Nobel de Economia de1974, notabilizou-se pelos seus estudos acerca da teoria dos ciclos econômicos e por suas posiçõescontrárias à qualquer intervenção do Estado na economia (SANDRONI, 1994).

Page 25: José Wanderley Novato Silva

25

SUBIRATS (1989) afirma que a descentralização possibilita transformar a

gestão em um processo que envolve diferentes níveis governamentais, órgãos

administrativos e outros interesses afetados, constituindo o que chamou de

“rede política” ou “comunidade política”, isto é, redes de atores institucionais

políticos e sociais que fazem frente a uma tarefa ou a um programa de atuação

específico. Essas redes expressam ao mesmo tempo possibilidades de

cooperação e conflito, podendo nesse contexto desenvolver formas inéditas de

articulação entre o Estado e a sociedade civil.

KLIKSBERG (1994) endossa a idéia de que esse aumento no número de

atores que participam da formulação e implementação das políticas públicas

aponta para uma substituição do Estado piramidal burocrático por um esquema

de redes de atores institucionais.

Segundo LOIOLA e MOURA (IN FISCHER, 1996) a crescente utilização do

conceito de rede nas ciências sociais também aponta para a tentativa de

teorização do espectro de interações formais e informais estabelecidas por

uma pluralidade de organizações e indivíduos. MINTZBERG (1998) também

opõe ao modelo burocrático-mecanicista o que chamou de “modelo do

governo em rede”. SUBIRATS (1989) salienta a existência de um nível

horizontal - dado pelas relações locais - e um nível vertical - dado pelas

relações intergovernamentais.

DUBOUCHET (IN FISCHER, 1996) assinala que as redes institucionais são

“coordenações ou comissões formais que reagrupam instituições engajadas

nas mesmas políticas” (p.56) . MAUREL (IN FISCHER, 1996) afirma que “o

trabalho em rede significa uma profunda redefinição das políticas sociais,

uma recomposição do papel do Estado e das coletividades” (p. 57).

MENDES (1996) questiona a colocação tradicional do binômio público/privado,

quando este é reduzido à duas dimensões antagônicas. Segundo ele essa

polarização tende a desconsiderar a sociedade como agente no planejamento

Page 26: José Wanderley Novato Silva

26

e na operacionalização dos serviços públicos, o que o leva a trabalhar com três

categorias de análise: o estatal (o que pertence ao domínio do Estado), o

privado (domínio de agentes não estatais, lucrativos ou não) e o público.

Este último caracteriza-se:

“pela indivisibilidade do bem que deve ser ofertado,

indistintamente, a todos; do ponto de vista jurídico, pela

pactuação do Estado consigo mesmo ou com agentes

privados sob domínio do interesse público”. Assim

“entes estatais e privados, do ponto de vista social,

publicitam-se ao submeterem-se a mecanismos de

controle (...) pela sociedade civil” (p. 101).

Esta recolocação do conceito do público permite escapar do falso dilema entre

privatização e estatização e privilegia um sistema plural exercido por um mix

estatal/privado, sob a regulação do Estado, na perspectiva da cidadania, uma

vez que o controle social é um dos seus princípios estruturantes.

É nesse contexto que postula-se a existência de um Terceiro Setor, não

governamental e não lucrativo, além do Estado e do mercado. Segundo

FERNANDES (1997) o conceito denotaria um conjunto de organizações e

iniciativas privadas que visam à produção de bens e serviços públicos,

respondendo à necessidades coletivas.

FERNANDES (1997) afirma que esse Terceiro Setor caracteriza-se tanto por

ser não-governamental ou não-lucrativo, como por mobilizar particularmente a

dimensão voluntária do comportamento dos seus participantes, sendo que sua

emergência significa uma verdadeira “revolução” nas relações entre o Estado

e o Mercado. Essa revolução partiria justamente da constatação de que ocorre

Page 27: José Wanderley Novato Silva

27

um alargamento da chamada “esfera pública”, presumindo que ela não se

resumiria ao âmbito do Estado, mas inclui a cidadania.

VIEIRA (1999) conclui que as ONGs em grande parte são núcleos de energia

social que transcendem o nível corporativo e destinam-se a favorecer a

participação dos excluídos. RIFKIN (1997) assinala a extraordinária expansão

das organizações sem fins lucrativos em todo o mundo. SALAMON (1994)

explica essa expansão afirmando que é um reflexo da desconfiança

generalizada na capacidade do Estado de por si só gerar o bem-estar e

fomentar o progresso econômico.5

PETRAS (1996), por outro lado afirma que a expansão das ONGs deve-se a

uma ação intencional dos setores mais perceptivos das classes dirigentes no

sentido de criar um “amortecedor social” destinado a substituir os serviços

públicos desmantelados pelo neoliberalismo. À medida que este avançava os

governos europeus e norte-americanos aumentavam a destinação de verbas

para este setor (ver anexo IV).

Para este autor a dimensão da atividade voluntária prejudica o sentido da ação

pública porque está baseada em uma perspectiva privada, além de desviar a

atenção dos excluídos das transformações sociais mais amplas, criando um

mundo político onde a aparência de solidariedade está em conformidade

conservadora com a estrutura dos poderes nacional e internacional.

Segundo OLIVEIRA (1999) é importante que a reflexão sobre o Terceiro Setor

deva partir de uma compreensão sobre o conceito de cooperação. SALES (in

OLIVEIRA, 1999) define cooperação como “ ... uma contribuição coletiva para

um produto final. Entende-se por produto final a produção e circulação de

bens e serviços, a produção de saber, a administração de uma determinada

sociedade, por exemplo” . SOUZA (in OLIVEIRA) também afirma que

Page 28: José Wanderley Novato Silva

28

“ ... a articulação cooperação/participação engloba os

conceitos de participação social e participação política...

O interesse em gerir uma organização na perspectiva de

cooperação/participação pressupõe interesse em

construir novas posturas, transformar práticas e

vislumbrar a transformação das relações sociais” .

Analisando a situação de “falência do Estado” BERNAREGGI (IN GUIMARÃES

E CKAGNAZAROFF, 1996) identifica duas ordens de problemas, a saber,

organizacionais e financeiros, que impedem a administração pública de

cumprir as funções que lhe são atribuídas. Foi neste contexto que ganhou força

a idéia de cooperação público-privado e dentro dela, a idéia de parceria.

BROKE (IN GUIMARÃES E CKAGNAZAROFF, 1996) define a parceria como

uma relação entre uma instituição pública “e outros organismos, onde todas as

partes mantêm sua liberdade constitucional de ação mas concordam em

colaborar na realização de alguns objetivos comuns” (p. 140). Segundo estes

autores a parceria surge nesse contexto marcado - dentre outros aspectos -

pela crise e reforma do Estado, e a diminuição da sua atuação na economia e

nos serviços públicos.

Segundo CARNEIRO et alli (1993) o termo parceria significa basicamente o

estabelecimento de um contrato entre instituições para alcançar mais rápida e

facilmente objetivos comuns. Estes autores endossam a idéia de que as

propostas de parceria entre órgão públicos e empreendedores levam em

consideração os tipos de dificuldades enfrentados pelos dois setores,

especialmente o público, que carece cada vez mais de recursos humanos e

financeiros para encaminhamentos de suas ações de forma eficiente e eficaz.

5 SALAMON (1994) preocupa-se em desmascarar a mitologia do Terceiro Setor. Estes mitos seriamprincipalmente a “incompetência ou insignificância”, o “voluntarismo”, a “virtude pura” e a “imaculada

Page 29: José Wanderley Novato Silva

29

CARNEIRO et alli (1993) esclarecem que a parceria justifica-se quando ambos

os setores envolvidos têm interesses efetivos sobre certas ações. A proposta

de parceria, segundo estes autores implica na definição de responsabilidades

para as partes envolvidas, constituindo-se numa das formas de desenvolver e

aprimorar relações entre os diferentes setores, instâncias ou segmentos, uma

vez que envolve o estabelecimento de um compromisso de caráter bilateral.

Para VALARELLI (1999) parceria tem sido a designação:

...de certas formas de cooperação entre organizações

que indica, antes de tudo, uma ação conjunta, motivada

pela existência de interesses e objetivos comuns, na

qual cada um aporta e mobiliza os recursos que dispõe

para atingir estes objetivos. Não é o seu caráter legal ou

formal que a determina. É mais precisamente, a

qualidade da relação que a distingue. Ou seja, o modo

como organizações com distintos interesses, poderes,

recursos e atribuições constroem um espaço onde se

comportam como iguais na definição dos objetivos

comuns, dos papéis e da contribuição de cada uma.

Neste sentido se distingue da relação meramente contratual (como a de

prestação de serviços

porque nesta os objetivos e o que deve ser feito tendem

a ser preponderantemente definidos pela parte que

contrata, cabendo ao contratado cumprir a tarefa que lhe

foi solicitada, quando muito negociando um ou outro

aspecto.

conceição”, no sentido de que está baseado na filantropia desinteressada.

Page 30: José Wanderley Novato Silva

30

Segundo este autor a parceria estaria sendo cada vez mais procurada por

caracterizar o que seria um novo modelo de relação entre as várias

organizações da sociedade: ongs, governos, agências multilaterais, fundações,

igrejas, sindicatos, empresas, entidades assistenciais.

Em suma, segundo PEREIRA (1996), está claro que a tarefa política dos anos

90 é a reforma ou reconstrução do Estado. Segundo este autor esta reforma

envolve quatro problemas, que, embora interdependentes, podem ser

distinguidos: a) um problema econômico-político, a delimitação do tamanho do

estado; b) um outro problema ecoômico-político, dado pela redefinição do

papel regulador do Estado; c) um econômico-administrativo, a recuperação da

capacidade de financeira e administrativa de implementar as decisões políticas

tomadas pelo governo (governança); d) um político - o aumento da capacidade

política do governo de intermediar interesses e garantir legitimidade

(governabilidade).

Nesse macro-contexto insere-se a experiência brasileira, onde a questão da

reforma obteve o status do Ministério da Administração Federal e da Reforma

do Estado, cuja ação seria pautada por um documento - o Plano Diretor da

Reforma do Estado, aprovado pelo Congresso Nacional em 1995.

Simultaneamente à discussão administrativa a trajetória dos movimentos

sociais no país alcançava um ponto de inflexão. Segundo CARDOSO (1994)

depois de uma fase de “emergência heróica” (desde fins dos anos 70 até o

início da década de 80) a experiência dos movimentos sociais tendeu a uma

institucionalização e a uma mudança no relacionamento com o Estado, dentro

do novo contexto político iniciado pelas eleições estaduais de 1982 e reforçado

com a promulgação da Constituição de 1988, decididamente

descentralizadora. Segundo CARDOSO (1994) essa descentralização

viabilizou a abertura de novos espaços de participação e a possibilidade de

um novo modo de gerenciamento das políticas públicas.

Page 31: José Wanderley Novato Silva

31

No entanto o panorama herdado da década de 80 (chamada sugestivamente

de “perdida”) (SAGASTI E AREVALO,1994) trouxe grandes complicações para

os gestores do setor público. A crise nas finanças do setor público impedia o

adequado equacionamento dos complexos problemas. Particularmente nas

grandes cidades enfrentava-se um caos nos setores de saúde, educação,

habitação e saneamento.

O crescimento explosivo das cidades particularmente desde os anos 70

aguçou a questão ambiental. Dentro desse quadro um novo problema emergiu

para a agenda pública: a questão do lixo urbano. A busca de alternativas ao

modelo tradicional gerou experiências de diversos tipos em todo o país

(AMORIM, 1996).

Somente nessa encruzilhada de fatores políticos, administrativos e técnicos

pode ser compreendida a análise das políticas públicas, cuja implementação

passou a incorporar a participação de novos sujeitos sociais, representantes

de setores até então excluídos.

Esse pano de fundo prepara a discussão sobre a realidade brasileira.

Page 32: José Wanderley Novato Silva

32

2.2 O Caso Brasileiro: “Novos Atores em Cena”

A história da administração pública brasileira apresenta uma dinâmica de

reforma e contra-reforma cujos resultados estão muito aquém das expectativas

da sociedade no tocante ao desempenho da máquina governamental.6

Para entender as particularidades do movimento em direção à reforma no Brasil

é necessário, no entanto, considerar a especificidade do processo de

redemocratização política desde os fins da década de 70. Esse processo foi

acompanhado pela eclosão de movimentos sociais e pela mobilização

crescente de diversos atores que exigiam entre outras coisas, o direito de

participar e influir nas decisões políticas (SOUTO-MAIOR, 1992). Segundo

DAGNINO (1994) uma das consequências desse fato foi a emergência de uma

nova noção de cidadania, posta em recesso pela violação da ordem

democrática em 1964 (SANTOS, 1987).

A noção tradicional de cidadania está associada segundo BEDIN (1994) na

transição da idéia de dever para a idéia de direito. Estes podem ser

classificados como direitos civis, direitos políticos, direitos econômico-sociais

e direitos de solidariedade (BEDIN,1994).

DAGNINO (1994) postula ainda que o conceito de cidadania implica uma

estratégia de transformação social, ao afirmar um nexo constitutivo entre as

dimensões da cultura e da política, isto é, direitos sociais de um novo tipo para

agentes sociais de um novo tipo.

Segundo SILVA e ZVEIBIL (1995) no bojo do debate sobre a descentralização

como uma das formas de transição para um estado democrático no Brasil,

estudou-se exaustivamente a municipalização das políticas públicas e suas

6 CASTOR E JOSÉ (1998)

Page 33: José Wanderley Novato Silva

33

dificuldades, como contraposição às políticas centralizadoras desenvolvidas

pelo regime autoritário.

Segundo estes autores:

“sob o aspecto da prática social pode-se situar as

experiências que foram desenvolvidas por governos

locais - mas com a marca da entrada de novos atores

em cena - representações sociais (de base territorial e

segmentação cultural) e representações das

organizações não-governamentais sob a forma de

assessorias, consultorias aos movimentos e por vezes

ao próprio governo” (p. 499).

Essa pluralidade dos agentes coloca um novo papel para o Estado, que passa

de um papel meramente formulador e executor para o de articulador e

compatibilizador, em contextos heterogêneos e complexos.

Esses estudos chamam a atenção para o fato de que a chamada “crise do

Estado” no caso brasileiro já se encontra discutida por um acervo considerável

de análises. Em virtude da descentralização criada pela Constituição de 1988,

é crescente o número de estudos onde a “crise do Estado” é abordada

segundo um enfoque que privilegia a emergência de um novo contexto de

gestão das políticas públicas, contemplando experiências de referência local

ou municipal.

Na verdade, segundo SILVA e ZVEIBIL (1995) é possível afirmar a existência

de um certo consenso quanto à importância deste espaço local no que diz

respeito à gestão destas políticas. Por outro lado a “crise do Estado” refletiu-se

na literatura, segundo MARTINS (1995) , em uma série de análises que

apontam para uma proposta de Estado baseada simultaneamente na

Page 34: José Wanderley Novato Silva

34

participação da sociedade e num modelo de desenvolvimento ecologicamente

auto-sustentável.

É neste cenário que vão ser gestadas formas inovadoras de parceria entre o

setor público, privado e comunitário, transformando as políticas públicas em

negociação explícita entre os diversos atores. No entanto o espaço da

participação e os canais utilizados se diferenciam frente às peculiaridades

locais. Nessa redefinição, que engloba a discussão público x privado, o Poder

Público chega mesmo a assumir a função de capacitador de instituições que

possam exercer o papel de facilitadores de processos e ações.

Nesse sentido é cada vez mais significativa a participação do chamado

Terceiro Setor - isto é, o Privado que atua na esfera do Público - na formulação

e implementação de políticas sociais - o que inclui o universo das

Organizações Não-Governamentais (ONGs).

Segundo FERNANDES (1996) o campo de atuação das ONGs no Brasil (e na

América Latina de modo geral) tem se concentrado nas áreas de Formação

Qualificada/Assessoria, Educação, Saúde, Meio-Ambiente e Comunicação.

Segundo este autor “em suma, na América Latina, as ONGs tem se dirigido

sobretudo aos pobres”, cumprindo “uma agenda de direitos civis...” (p. 76)

No entanto SOUTO-MAIOR (1992) chama a atenção para o fato de que embora

a democracia - entendida como participação - e a eficácia sejam dois valores

importantes no que concerne à administração e ao planejamento públicos, a

tradução desses valores em ações concretas envolve inúmeras dificuldades

conceituais e operacionais. O mesmo autor aponta uma carência muito grande

de avaliações e propostas de planejamento e gestão participativos feitas de

maneira científica.

Page 35: José Wanderley Novato Silva

35

2.3 A Gestão Urbana no Brasil e seus Condicionantes

A agenda atual da reforma está configurada no Plano Diretor da Reforma do

Aparelho de Estado (1996) compreendendo, além do fortalecimento das

funções de regulação e coordenação do Estado particularmente no nível

federal, uma progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e

municipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais

e de infra-estrutura.

Pretende essa tendência, sob o argumento de que a descentralização implica

em uma possibilidade de se romper a rigidez do padrão burocrático-centralista

- alcançar uma transformação na capacidade de governar do Estado, através

da transição de um tipo de administração ineficiente e voltada para si própria

para uma administração pública gerencial, cuja capacidade de implementar

políticas públicas esteja voltada para o cidadão, dentro de um quadro de

redução de custos e aumento da qualidade dos serviços. Este tipo de

administração tem de fundar-se na definição precisa de objetivos, na

autonomia do administrador com relação aos seus recursos humanos e

materiais e no controle dos resultados. O paradigma gerencial contemporâneo

exigiria, assim, formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas,

descentralização de funções e incentivos à criatividade.

O problema da gestão e financiamento das políticas governamentais para

enfrentar as inúmeras funções tradicionalmente atribuídas ao Poder Público

remete à problemática contemporânea dos centros urbanos.

Segundo FARIA (1983) o cenário apresentado pelas grandes cidades

brasileiras é uma combinação de modernização e miséria, quadro este traçado

simultaneamente pela rápida urbanização e as mudanças na estrutura do

emprego do país - geradas pela passagem de uma estrutura econômica

Page 36: José Wanderley Novato Silva

36

marcadamente agrícola, até meados de 50, para outra predominantemente

industrial e urbana.

Enquanto as décadas de 60 e 70 assistiram ao aumento da industrialização, o

número de empregos criado pela indústria não acompanhou o rápido processo

de urbanização (URANI, 1998). Ao mesmo tempo a distribuição de renda

tornou-se mais desigual (RAMOS & REIS, 1998 ).

Essa tendência histórica só foi contrariada, segundo o DIEESE, na fase inicial

do Plano Cruzado (1986) quando o crescimento da economia foi

acompanhado por ganhos reais significativos nos rendimentos dos

trabalhadores da base da pirâmide salarial (os 10% e 25% mais pobres).

Esse fenômeno se repetiu imediatamente após o início do Plano Real (1994),

sendo que o ano de 1996 marca o retrocesso na trajetória redistributiva.

Segundo o documento do DIEESE:

“...com um quadro de crescimento econômico pífio, pelo

menos para sustentar objetivos de desconcentração e

de geração de empregos, as taxas de desemprego

retornam aos patamares recordes registrados na crise

do mercado de trabalho em 1992. A economia em

marcha lenta, o desemprego elevado e a estagnação - e

reversão - dos ganhos nos preços relativos de serviços

esvaziam as causas da melhoria de distribuição de

renda no período pós-Real”. 7

Na verdade o quadro brasileiro acompanha as tendências internacionais.

Segundo o último relatório da OIT (1998/1999) aproximadamente um terço da

população ativa do mundo está desempregada ou subempregada, cifra que

não variou substancialmente desde as estimativas dadas a conhecer pela OIT

no seu informe anterior, correspondente a 1996-1997. A OIT estima em 60

Page 37: José Wanderley Novato Silva

37

milhões o número de jovens de idade compreendida entre os 15 os 24 anos

que buscam trabalho no mundo.

O relatório da OIT aponta que embora na América Latina tenham ocorrido

melhoras dos indicadores da produção, esta circunstância não foi

acompanhada de uma melhora na situação do emprego, medido em 7,9% no

Brasil. O informe observa ainda que a maioria dos novos empregos nos países

em desenvolvimento estão sendo criados no setor não estruturado da

economia.

O relatório do Banco Mundial de 1998 classifica a distribuição de renda no

Brasil entre as menos equitativas do mundo em desenvolvimento. Segundo

pesquisas do Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento

(BIRD) o número de pobres na população na década de 80 teve um

crescimento recorde de 43, 48%. (Pobre para o Banco Mundial é a família que

ganha menos de U$ 370,00/ano).

Os números da primeira pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF - 1997)

do IBGE apontaram que o setor informal da economia brasileira movimentava,

no mês de outubro de 1997, R$ 12,890 bilhões, através de quase 9,478

milhões de empresas que empregavam mais de 12 milhões de pessoas, entre

pequenos empregadores, trabalhadores por conta própria, empregados com e

sem carteira assinada e trabalhadores não remunerados.

O rendimento médio das pessoas ocupadas no setor informal - fora os

proprietários - é de R$ 240,00, sendo que o rendimento dos homens (R$

253,00) é superior ao das mulheres (R$ 218,00) em todas as categorias: nível

de instrução, posição na ocupação e grupos de idade. O rendimento

aumentava conforme crescia o grau de instrução, mas havia uma exceção: os

trabalhadores com segundo grau incompleto ganhavam, em média, menos do

que os que tinham o primeiro grau completo. De acordo com a posição na

7 Relatório DIEESE - Pesquisa Emprego e Desemprego, 1997.

Page 38: José Wanderley Novato Silva

38

ocupação, os empregados com carteira assinada ganhavam, em média, R$

290,00, rendimento que crescia à medida que aumentava a faixa etária do

trabalhador.

O quadro de desemprego crescente na década de 90 completa o cenário da

década de 80, caracterizado pelo declínio nas taxas de crescimento econômico

do país (BONELLI & GONÇALVES, 1998).

Na perspectiva do Estado esse declínio esteve associado a uma crise de

financiamento que acarretou atrasos tecnológicos, retardamento de projetos de

expansão da infra-estrutura, deterioração dos serviços e acúmulo das

carências de atendimento das demandas sociais.

Segundo CHAFFUN (1995) os principais elementos dessa crise de

financiamento foram, em primeiro lugar a escassez de recursos e em segundo

lugar a pulverização desses recursos. A transferência de encargos e

responsabilidades para o nível local de governo - pela descentralização fiscal,

que antecedeu a própria Constituição de 88 - criou situações extremamente

heterogêneas, tanto no que diz respeito à capacidade de arrecadação quanto à

capacitação dos municípios para o exercício de suas competências

constitucionais.

O desafio da gestão urbana, face aos constrangimentos das finanças públicas

em todos os níveis de governo transformou-se em encontrar alternativas viáveis

de provimento dos serviços, no estilo preconizado por OSBORNE e GAEBLER

(1994) de “reinventar o governo” através de parcerias com a sociedade, num

quadro que resgata simultaneamente a identidade local e a cidadania. A idéia

da transferência dos desafios sociais para as cidades encontra eco no

“protagonismo citadino” de BORJA (1994) e nas estratégias competitivas do

“empreendedorismo urbano” de que fala HARVEY (1989).

Page 39: José Wanderley Novato Silva

39

Tais desafios de articulação requerem gestores com capacidade de criarem

governança, conceito plural que segundo FISCHER (1996) compreende não

apenas a substância da gestão, mas “a relação entre os agentes envolvidos, a

construção de espaços de negociação os vários papéis desempenhados

pelos agentes no processo” (p. 19).

Dessa forma, para fazer face à questão urbana no Brasil, que alia problemas

complexos à escassez de recursos, recorrer à outros atores tem sido uma

estratégia cada vez mais utilizada pelo Poder Público, principalmente no nível

local.

Um estudo recente executado pela Secretaria de Política Urbana do Ministério

do Planejamento e relatado em BONDUKI (1996), refere-se ao conceito de

“práticas locais bem sucedidas” relacionadas à setores (habitação,

saneamento, etc.) ou à gestão global da cidade, entendendo-se por isso

projetos, iniciativas ou políticas de âmbito local que tenham resultado em

melhoria tangível e mensurável das condições de vida e do habitat da

população, contribuindo ainda para a redução do custo do setor.

Os critérios sugeridos para enquadramento destas iniciativas são: a) impacto

positivo no habitat; b) parcerias articuladas entre os atores envolvidos; c)

sustentabilidade; d) potencial de universalização.

O quadro social a ser enfrentado guarda ainda dificuldades referentes à

problemática ambiental. O processo histórico de urbanização brasileiro,

caracterizado pela combinação do crescimento demográfico e a modernização

dos setores produtivos engendrou um panorama de grandes complicações nos

setores de habitação, limpeza e saneamento - além dos clássicos problemas

de educação e saúde. Segundo CHAFFUN (1995) a urbanização acelerada e

desordenada, a concentração da população e das atividades econômicas no

espaço e os padrões tecnológicos da produção industrial têm reforçado um

quadro ambiental altamente degradado. GUIMARÃES DA SILVA (1996)

Page 40: José Wanderley Novato Silva

40

apresenta dados segundo os quais “ dos 113 milhões de pessoas que vivem

hoje no Brasil urbano 75 milhões não dispõem de esgoto sanitário, 20

milhões não contam com água encanada e 60 milhões não dispõem de

coleta de lixo” (p. 203).

Segundo esse mesmo autor somente 3% do total do lixo coletado tem

disposição final adequada, enquanto outros 63% são lançados em cursos

d’água e 34% a céu aberto. Estes indicadores contextualizam a questão dos

resíduos sólidos dentro da temática ambiental urbana.

2. 4 A Problemática dos Resíduos Sólidos Urbanos

Segundo o dicionário Aurélio o lixo é “tudo o que não presta e se joga fora”,

“coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor” (p. 1042) significando todo e

qualquer resíduo decorrente das atividades humanas. DEMAJOROVIC (1995)

afirma que a substituição do termo “lixo” por “resíduos sólidos” implica numa

compreensão de que alguns subprodutos possuem valor econômico, por

possibilitarem reaproveitamento no processo produtivo.

O lixo urbano se constitui em um dos maiores problemas da sociedade

moderna (MARTINE, 1993). O volume de lixo tem crescido substancialmente

sobretudo nos países em desenvolvimento e sua composição tem se

modificado substancialmente. Estes dois fatos associados têm criado uma

necessidade urgente de se buscar uma solução original para o problema,

dentro de uma visão abrangente e comprometida com uma economia auto-

sustentável (HOGAN, 1992). Uma das ações nesse contexto diz respeito à

maximização da reciclagem e ao reaproveitamento dos resíduos. 8

8 Segundo GUIMARÃES (1992) o reaproveitamento do papel começou na Filadélfia - EUA , por volta doséculo XVIII, quando fibras de linho, trapos e papel velho chegaram a responder por 60% de toda amatéria-prima fibrosa utilizada pela indústria de papel americana naquela cidade. CHIARELLI (1990)afirma que a Segunda Guerra Mundial foi o marco divisório na indústria de reaproveitamento do papel.Em 1944, segundo aquele autor 35,3% de todo o papel produzido nos EUA tiveram origem emreciclagem.

Page 41: José Wanderley Novato Silva

41

Ao abordar o conceito de desenvolvimento sustentável HOGAN (1992) afirma

que pensar nas possibilidades de um um novo estilo de desenvolvimento

implica em reconhecer que o Estado desempenha um papel indispensável

como condutor e gerenciador de uma parte dessas transformações. Mas esse

tipo de gestão, segundo o mesmo autor, teria de ser compartilhado entre o

Estado, a sociedade civil, o setor privado e as comunidades locais, na busca

de estilos que garantissem a criatividade e a gestão autônoma da sociedade.

HOGAN (1992) chega mesmo a afirmar que a reflexão sobre a questão

ambiental no Brasil confunde-se com a reflexão sobre os processos de

mudança social que caracterizam a sociedade urbano-industrial brasileira -

pobre, heterogênea e desigual - na periferia da economia mundial

crescentemente internacionalizada.

É por esses motivos que a emergência da questão do lixo para a agenda

pública nos grandes centros ganha alta relevância (MARTINE, 1993). Segundo

esse autor “enquanto a produção e o consumo se aceleram num ritmo febril,

tecnologias apropriadas para dispor dos subprodutos indesejáveis não foram

desenvolvidas” (p. 271).

Segundo FARIA (1983) a quantidade e composição dos rejeitos sofreu grandes

transformações na passagem do Brasil agrário e homogêneo para a atual

sociedade urbano-industrial complexa e diferenciada, onde o volume aumenta

acompanhando o crescimento das cidades.

Estudos revelam disparidades na composição do lixo de um país a outro e até

de uma cidade a outra. SAKAI (1996) relata as seguintes frações de material

orgânico no lixo domiciliar: Japão, 42%; EUA, 23%; Suécia, 45%; Países

Baixos, 30%; Alemanha, 27%; Canadá, 29%. As estatísticas brasileiras

disponíveis indicam valores médios para a maioria das cidades na faixa de 50

a 80% (FIGUEIREDO, 1992).

Page 42: José Wanderley Novato Silva

42

Os dados acima relacionados indicam que em nenhum país desenvolvido,

resíduos orgânicos chegam a 50% do lixo gerado, enquanto no Brasil poucas

cidades situam-se abaixo deste valor. A taxa de geração de lixo é da ordem de

1,6kg por habitantes por dia em países desenvolvidos (SAKAI, 1996) e da

ordem de 0,8kg por habitante por dia nos países do Terceiro Mundo

(KIRONDE, 1997).

Além de ter que acomodar as taxas variadas, nenhum modelo de gestão

adequado pode ignorar as características locais do lixo e a situação cultural da

população. De fato, os autores observaram modelos de gestão em vários

países (Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá, China, Grã Bretanha, Suécia)

encontrando diferenças significativas. Mesmo assim, as tecnologias de

tratamento adotadas na maioria dos países visitados deixam transparecer uma

preocupação crescente com a redução de aterros. Todas as tecnologias, sejam

elas incineração, compostagem, coleta seletiva, digestão anaeróbia ou

separação pós-coleta, visam desviar o lixo dos aterros. A literatura internacional

do ramo confirma essa tendência geral nos últimos anos (DUNSON, 1997,

GANAPATHY, 1995, MERRY, 1997, MITCHELL, 1997, VILLE, 1992).

Segundo BRANCO (1978) o lixo urbano, por sua vez também é muito

diferenciado em função da renda familiar, do nível de industrialização dos

alimentos, da cultura e hábitos da população, do tipo de atividade econômica,

do tipo e intensidade da circulação de pedestres e veículos, etc. podendo ser

de origem doméstica, industrial, comercial, hospitalar ou outros tipos especiais,

tais como os oriundos de festividades, feiras, etc.

Segundo este mesmo autor grande parte dos resíduos sólidos urbanos se

constitui de material biodegradável ou biologicamente reciclável. O tratamento

desses resíduos pode ser feito via processos naturais ou artificiais. No primeiro

caso ocorre a decomposição biológica deste material por atividade de

microorganismos decompositores.

Page 43: José Wanderley Novato Silva

43

Essa decomposição geralmente é realizada em instalações especiais

denominadas usinas de compostagem. O tratamento artificial consiste na

incineração do lixo - o que reduz as propriedades benéficas do composto

orgânico, bem como constitui-se num processo poluidor pela eliminação de

gases durante a combustão.

Segundo PINTO (1979) a destinação final desses resíduos constitui uma tarefa

particularmente problemática, por ser potencialmente poluidora do meio-

ambiente, podendo criar sérios problemas para o ar, água , solo, sub-solo. Por

isso é tarefa dos responsáveis pela coleta e tratamento procurar minimizar as

consequências dessa fase do processo, buscando soluções que

compatibilizem a disponibilidade de espaço, recursos e participação da

população.

Para DEMAJOROVIC (1995) as políticas de gestão ambiental foram pautadas

desde a década de 70 pela utilização de instrumentos de comando e controle,

envolvendo a regulação direta do setor público através de legislação rigorosa e

políticas de fiscalização. Para este autor durante a década de 80 a eficiência

desses instrumentos foi bastante criticada, sendo criados outros instrumentos

que valorizavam a promoção da recuperação, reciclagem e reutilização dos

materiais.

Segundo PINTO (1979) o recurso à coleta seletiva de materiais possibilita uma

ampliação das possibilidades de reaproveitamento do lixo urbano. Segundo

este autor a separação do material recuperável depende fundamentalmente da

existência de um mercado que absorva este material e da conscientização da

população para a idéia de recuperação dos recursos do lixo, podendo ser

processada de três formas básicas:

a) a coleta separada de porta a porta, onde um veículo específico recolhe o tipo

de material previamente separado pela população;

Page 44: José Wanderley Novato Silva

44

b) a coleta domiciliar combinada, na qual um veículo especial recolhe todo o

lixo do domicílio, previamente separado;

c) os centros de reciclagem, para onde a população encaminha

voluntariamente os materiais reaproveitáveis.

No Brasil a reciclagem é praticada segundo GUIMARÃES (1992) há pelo

menos 40 anos, porém de forma irregular por pequenas empresas. Segundo

este autor a “indústria da reciclagem” mobiliza alguns atores clássicos:

a) os catadores de papel e papelão, na base do processo;

b) os donos de ferro-velho, onde é geralmente feito o depósito e separação do

material recolhido;

c) os depósitos, pequenas empresas que compram a produção dos catadores

e revendem para a indústria.

GUIMARÃES(1992) identifica ainda uma nova tendência, segundo a qual os

donos de depósito passam a recolher diretamente o material de seus clientes

preferenciais (supermercados, repartições públicas, etc) o que teoricamente

retira uma fonte de material para os catadores.

O elogio da reciclagem no entanto encontra vozes dissonantes. Para

VALENTE (1999):

“...não há dúvida que reciclar produtos existentes nos

resíduos sólidos representa uma economia em termos de

destinação final, aumentando a vida útil dos aterros

sanitários. Esta viabilidade seria alcançada em qualquer

caso? Sobre este assunto os defensores irrestritos dessa

necessidade deveriam verificar o que está ocorrendo em

outros países como Alemanha, Estados Unidos e mesmo no

Japão. Teria mercado todo e qualquer material reciclado? Até

uma certa quantidade o mercado existe e tem condições de

absorver esses produtos reciclados dentro de condições que

Page 45: José Wanderley Novato Silva

45

interessam ao reciclador. Mas, quanto maior for a quantidade

de determinados produtos, mais difícil é colocá-los

novamente em circulação, por questões de preços que o

mercado vai fixando de acordo com a oferta e pela própria

necessidade deste mercado”

O autor argumenta que a experiência internacional recente não tem mostrado

um sucesso indiscutível deste tipo de prática, em que pesem seus aspectos

positivos. Para ele:

“O que sabemos é que grande quantidade de materiais

reciclados na Alemanha não encontram consumidores,

mesmo fornecidos gratuitamente, o que tem obrigado o poder

público a encaminhar estes produtos para aterros sanitários

ou para incineradores. O problema é grave, pois a reciclagem

é lei e os munícipes são obrigados a obedecer esta lei”.

Essa obrigatoriedade tem gerado inúmeros dificuldades e, algumas vezes, a

solução de um problema engendra outro, igualmente grave.

“Sabemos que houve tentativas de encaminhar estes

produtos (alemães) para outros países e não deu certo. No

Japão grande parte dos reciclados que não encontram

mercado são encaminhados para outros países vizinhos,

para os incineradores e para aterros sanitários. O Brasil tem

recebido pneus usados do Japão e dos Estados Unidos para

serem recauchutados, aumentando consideravelmente os

problemas de destinação final dos mesmos, que tem se

constituído em séria dificuldade para todos os países do

mundo”.

Para este autor a reciclagem de materiais é uma atividade problemática devido

à pequena capacidade de absorção pela indústrias, à necessidade de

investimento de capitais e o risco mercadológico. Os resultados obtidos nos

Page 46: José Wanderley Novato Silva

46

campos social, educacional e ambiental seriam os aspectos positivos mais

atraentes em qualquer programa de reciclagem, considerando-se a venda de

produtos apenas uma forma de se obter pequena mitigação dos custos globais.

É no bojo desta reflexão teórica que procurou abordar num primeiro momento

uma discussão sobre o Estado e a sociedade com a entrada de novos atores

em cena, passando pela inserção do caso brasileiro, a gestão urbana e a

problemática do lixo, que se delimita o caso específico da SLU em Belo

Horizonte, conforme a sequência do trabalho.

Page 47: José Wanderley Novato Silva

47

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:

Como forma de investigar em profundidade o problema, explorando suas

múltiplas dimensões escolheu-se fazer uma investigação qualitativa do tipo

descritivo, mediante um estudo de caso.

Aqui cabe mencionar que a opção por este caminho se deu não sem antes

considerar uma reflexão sobre a avaliação de políticas públicas como

alternativa metodológica.

De fato, o campo de estudos das políticas públicas é tão vasto que seu devido

tratamento foge ao propósito deste estudo. (LOVY, 1964; LASSWEL, 1971,

BARDACH, 1977;WYLDAVSKY, 1981). Não existe qualquer tipo de consenso

com respeito às categorias de análise e avaliação de políticas públicas,

variando as abordagens segundo o contexto ou a conveniência (SANTOS,

1989).

Alguns autores identificam políticas públicas às políticas sociais. SANTOS

(1989) afirma que política social é um termo largamente usado mas que não se

presta a uma definição precisa, confundindo-se com qualquer política

governamental . Para este autor uma definição resumida de política social

seria “... o conjunto de atividades ou programas governamentais destinados a

remendar as falhas do laissez-faire” (p.35 ). Para este autor essas políticas

podem ser classificadas como preventivas, compensatórias ou

redistributivistas.

Já COIMBRA (1989) adota outro tipo de classificação, segundo matrizes

teóricas: a perspectiva do serviço social, a teoria da cidadania, o marxismo, o

funcionalismo, a teoria da convergência, o pluralismo e as teorias econômicas

da política social.

Page 48: José Wanderley Novato Silva

48

A literatura de origem anglo-saxã constitui a contribuição mais extensa ao

tema. Segundo VIANNA (1996) para esta corrente a avaliação deve percorrer

quatro etapas: construção da agenda, formulação de políticas, implementação

de políticas e avaliação de políticas. O processo das políticas públicas,

segundo MENY e THOENIG (1992), pode ser dividido em fases, assim

colocadas: a identificação de um problema, a formulação de soluções, a

tomada de decisão, a execução da ação e a terminação da ação, onde se

produz a avaliação dos resultados.

No que tange à implementação, isto é, a colocação em prática das políticas

públicas SUBIRATS (1989) argumenta que somente a partir dos anos setenta

surge uma literatura consistente. Segundo este autor “até então os

especialistas estiveram preocupados com a formulação de políticas, deixando

os detalhes práticos para os administradores” (p. 102). O trabalho pioneiro e

mais citado entre os estudiosos é, segundo este mesmo autor, aquele de

WILDAVSKY E PRESSMAN datado de 1973, justamente denominado

Implementation, e que representou uma mudança de orientação daqueles que

haviam feito da Administração Pública seu campo de estudo afirmando a

especificidade do campo da “implementation research” frente ao da “evaluation

research”.

ELMORE (1993) afirma que são quatro os modelos de implementação de

políticas públicas: a) administração de sistemas; b) processo burocrático; c)

desenvolvimento organizacional e d) conflito e negociação. É justamente dentro

dos estudos acerca da implementação de políticas que SUBIRATS (1989)

propõe seu modelo de “policy network” (rede ou comunidade política), isto é,

redes de atores institucionais políticos e sociais que fazem frente a uma tarefa

ou a um programa de atuação específico.

SUBIRATS (1989) pretende com esse modelo contrariar a tradição

administrativa que tende a unificar sob grandes organizações uniformes e

hierárquicas todas as funções públicas. Segundo ele no processo

Page 49: José Wanderley Novato Silva

49

implementador existe, assim como no processo de formulação das políticas,

negociação e compromisso entre os diversos grupos afetados, construindo um

continuum formulação/implementação/redefinição das políticas. Cada política

gera sua própria rede de organizações e interesses conectados por

dependências financeiras e administrativas; sua interação influencia a

qualidade da política aplicada e a efetividade da sua implementação.

A utilização do conceito de “policy network” permite ainda compreender a

superposição de níveis intergovernamentais e os limites cada vez mais

imprecisos entre o público e o privado, compondo o que DENTE (1985)

chamou de “governo da fragmentação”.

SUBIRATS (1989) lembra ainda que a existência dessas interrelações não

pode nos fazer esquecer que cada ator tem recursos e poderes distintos. Os

recursos que normalmente estão em jogo dizem respeito à autoridade, dinheiro,

recursos políticos, informação e capacidade organizativa - distribuídos de

forma assimétrica.

No que diz respeito à avaliação observa-se a existência de tipos e métodos

contrastantes (SUBIRATS, 1989), bem como um sem-número de variáveis e

complicadores, tais como interesses presentes no processo de avaliação,

utilidade desse processo, etc. (MENY e THOENIG, 1992).

É possível constatar nessa literatura, no entanto, a importância de uma maior

explicitação de critérios de avaliação. Segundo METTER e HORN (1993) as

dificuldades de formular critérios de desempenho podem se dever à extensão

dos programas ou à natureza complexa e o largo alcance de suas metas, além

das ambiguidades na enunciação de normas e objetivos. Além disso, as

grandes diferenças na literatura sobre políticas públicas dificultam a definição

do seu campo de estudo. ELMORE (1993) salienta que é necessário

conformar-se com a diversidade das tendências vigentes, selecionando

modelos que possam aplicar-se ao problema escolhido. O mesmo autor afirma

Page 50: José Wanderley Novato Silva

50

que o uso de modelos diferentes conduz a percepções e conclusões muito

distintas entre si.

Segundo autores pode-se afirmar existir um crescimento no número de estudos

sobre políticas públicas dedicados ao tópico de avaliação (SOUTO-MAIOR,

1992). Para este autor uma revisão da literatura brasileira e internacional

mostra que grande número de autores já se preocupou inclusive, no quesito

“avaliação” em considerar aspectos da participação popular nos arranjos

institucionais de gestão pública.

Refletindo a preocupação de alcançar parâmetros genéricos, porém efetivos,

de análise das políticas públicas SOUTO MAIOR (1992) sugere os seguintes

critérios para avaliação de experiências participativas: a) equidade e

pluralismo; b) representatividade e legitimidade; c) racionalidade e

previsibilidade; d) continuidade e progressividade. O mesmo autor levanta

ainda algumas questões relacionadas à avaliação de experiências

participativas: devemos avaliar uma experiência participativa pelos resultados

que obtém em termos de quantidade e qualidade dos bens e serviços que

produz ou pela intensidade e qualidade dos processos de participação que

institui? Segundo SOUTO-MAIOR (1992) a escolha entre essas duas

alternativas é mais difícil do que se imagina à primeira vista, e a possibilidade

de se adotar as duas alternativas pode não ser viável na prática.

Todos esses estudos denotam no entanto a importância de se promover

avaliações rigorosas das políticas públicas. As experiências de participação

popular neste processo inclui novos complicadores referentes tanto aos valores

democráticos que supostamente devem nortear o processo participativo quanto

aos aspectos pertinentes à eficiência e eficácia desse processo.

A perspectiva adotada para a presente investigação encontra respaldo em

GODOY (1995) quando afirma que os estudos qualitativos possibilitam o

estudo dos fenômenos que envolvem os seres humanos e as relações sociais,

Page 51: José Wanderley Novato Silva

51

permitindo contextualizar a dinâmica destes fenômenos e analisá-las numa

perspectiva integrada.

RICHARDSON (1985) afirma que os estudos que empregam uma metodologia

qualitativa permitem descrever a complexidade de determinado problema e

analisar a interação das variáveis envolvidas, contribuindo no processo de

mudança dos grupos pesquisados e compreendendo e classificando os

processos dinâmicos vividos pelos grupos sociais.

O estudo de caso remonta, segundo BECKER (1993), à tradição da pesquisa

médica e psicológica, referindo-se à análise detalhada de um caso individual

que explica a dinâmica de uma patologia dada; o método supõe que se pode

adquirir conhecimento do fenômeno adequadamente a partir da exploração

intensa de um único caso, tendo que ser preparado para lidar com uma

grande variedade de problemas teóricos e descritivos e lançando mão de uma

multiplicidade de técnicas.

BECKER (1993) adverte para os perigos e limitações do estudo de caso: em

primeiro lugar, a existência de “bias” causado pela interação do pesquisador

com o objeto; em segundo lugar, o problema da confiabilidade. Esta é a

objeção mais comum ao método do estudo de caso, visto que “um caso é, no

fim das contas, apenas um caso” (BECKER, p. 129), o que impossibilitaria a

generalização dos seus resultados.

Segundo este autor este problema pode ser tratado através da coleta de um

grande número de casos e do “parcelamento” dos efeitos das várias

influências. Afirma ainda que este não é verdadeiramente um problema se

assumirmos uma visão de longo prazo do desenvolvimento da teoria.

Dessa maneira o método de estudo de caso, apesar das suas limitações por

demais conhecidas, justifica-se no presente estudo em virtude da profundidade

dos resultados que ele possibilita. O estudo exaustivo, caracterizado pela

Page 52: José Wanderley Novato Silva

52

utilização de um mix de instrumentos de coleta de informações, possibilitou a

análise em profundidade desse caso específico.

O caso a ser tratado especificamente neste estudo pode ser descrito como o

programa de geração de emprego e renda embutido no modelo global de

manejo do lixo instituído pela Superintendência de Limpeza Urbana da

Prefeitura de Belo Horizonte, no qual a ASMARE desempenha o papel de

protagonista, como principal parceira da SLU.

Inicialmente foi feita uma extensa análise documental que contemplou

documentos e vídeos institucionais da SLU (que possui um centro de

documentação, bem como publicações regulares de jornais e folhetos), e da

ASMARE (documentos oficiais, atas de reuniões, material de divulgação e

folhetos diversos).

Foram também consultados alguns estudos preliminares efetuados

anteriormente por outros pesquisadores - destinados a documentar a história

dos catadores de papel - ou com foco em outros aspectos aspectos que não a

análise dos mecanismos de gestão.

O universo da pesquisa foi constituído pelos atores participantes do programa

a ser investigado, o que inclui os gestores das instituições parceiras e outras

instituições participantes, bem como os próprios catadores de papel e

funcionários da SLU e da ASMARE.

A composição da amostra de entrevistados, em virtude da natureza do estudo

escolhido foi intencional, localizando os atores considerados “chave” por sua

participação no caso em questão.

Segundo QUIVY e CANPENHOUDT (1998) esta é a fórmula mais frequente

neste tipo de estudos, porque soma-se à impossibilidade de entrevistar um

grande número de pessoas o fato de que para o pesquisador “chegará

Page 53: José Wanderley Novato Silva

53

forçosamente o momento em que já não conseguirá encontrar novos casos

francamente diferentes dos que já encontrou e o rendimento marginal de

cada entrevista suplementar decrescerá rapidamente” (p. 163).

Os integrantes da amostra de entrevistados foram identificados a partir das

primeiras entrevistas, realizadas com os coordenadores do programa da

Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte. Os critérios para

inclusão na amostra foram a intensidade da participação, o conhecimento e a

importância formal ou informal dentro do processo. Foram selecionadas 12

pessoas, localizadas em posições estratégicas de gerência na SLU e no setor

administrativo da ASMARE.

Entrevistados SLU:

Ex-superintendente da instituição (responsável pela criação do modelo)

Diretor da Assessoria de Mobilização Social

Gerente operacional

Assessores técnicos

Responsáveis por comissões especiais (BH Reciclando, BH Mais Limpa)

Entrevistados ASMARE

Coordenador da Comissão de Finanças

Responsável pela Comissão Social

Responsável pelo Setor Administrativo

Foram entrevistados ainda catadores de papel - associados e não associados

à ASMARE.

Com essas pessoas foram realizadas entrevistas do tipo semi-estruturado. As

entrevistas desse tipo permitem segundo LAKATOS (1996) explorar mais

amplamente todas as questões. Os roteiros das entrevistas foram elaborados

Page 54: José Wanderley Novato Silva

54

com base na “entrevista centrada” descrita por THIOLLENT (1981) como

aquela na qual, dentro de certos contextos, o entrevistador permite ao

entrevistado a descrição livre de sua experiência pessoal a respeito do

problema investigado (THIOLLENT, 1981). O roteiro foi construído aberto o

suficiente para comportar certa liberdade no discurso do ator, contemplando

questões que surgissem no decorrer da entrevista.

Essas entrevistas foram transcritas e analisadas a partir dos seguintes

aspectos: a construção do modelo, as estratégias dos atores e sua articulação

com os demais, os processos de gestão e a dinâmica de funcionamento das

instâncias formais e informais.

Para MAROY (1997) a definição de categorias analíticas é um procedimento

básico na análise qualitativa de materiais de entrevistas. Segundo este autor :

"A operação intelectual básica de uma análise qualitativa de

materiais de entrevistas consiste essencialmente em

descobrir 'categorias' , quer dizer, classes pertinentes de

objetos, de ações, de pessoas ou de acontecimentos.

Seguidamente, trata-se de definir as propriedades específicas

e de conseguir construir um sistema ou um conjunto de

relações entre essas classes. Esta operação pode,

evidentemente, assumir aspectos diferentes, consoante os

objetivos atribuídos à análise". (MAROY,1997, p. 118)

O processo de construção das categorias varia, segundo SHATZMAN e

STRAUSS (1973) de acordo com o objetivo a que se pretenda chegar com a

análise, seja uma "descrição simples", uma "descrição analítica" ou,

finalmente, um "esquema teórico". (SHATZMAN & STRAUSS, 1973, p.110).

Em uma “descrição analítica” o esquema geral de análise não parte de

categorias previamente estabelecidas, mas estas são elaboradas e derivadas

a partir dos materiais, isto é, "as classes ou categorias e suas relações são

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55

sugeridas ou descobertas indutivamente a partir dos dados" (MAROY, 1997,

p.120-2).

Segundo ANDION (1998) as organizações do que ele chama de “economia

solidária” apresentam singularidades e inovações que demandariam a

construção de modelos de análise - ainda não desenvolvidos - a partir de

trabalhos de campo. Para ANDION (1998) apesar da amplitude e do

dinamismo que as organizações do Terceiro Setor assumem atualmente, a

gestão de suas organizações ainda é um campo inexplorado.

Este mesmo autor lembra a existência de uma vasta literatura, originária

sobretudo dos EUA, que trata da gestão das organizações não-lucrativas

baseando-se numa visão tradicional da gestão - importada das atividades

econômicas lucrativas.9

Segundo TENÓRIO (1997) os conceitos de cliente e usuário não são

adequados ao contexto da gestão das organizações não-governamentais, por

ignorarem a idéia da cidadania. Este autor prefere o termo “cidadão-

beneficiário”.

Este mesmo autor afirma existir certa incompatibilidade entre a lógica que guia

os gestores de organizações dessa natureza, mais substantiva que

instrumental10, e a lógica econômico-financeira com a qual muitas vezes se

deparam para avaliação de suas atividades.

REIS (1999) lembra que no caso das organizações sem fins lucrativos a

adesão dos colaboradores à causa muitas vezes assume aspectos de

“militância” - o que pode levar a uma atuação mais baseada em convicções. O

mesmo autor afirma a necessidade de compatibilizar esta dinâmica ao

9 Ver GIES, L. & SAFRITZ, M (1990).10 Ver SERVA (1997).

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56

profissionalismo exigido por uma gestão mais transparente e orientada para

resultados.

MEREGE (1999) afirma que nessas organizações há formas muito avançadas

de gestão e um grande tráfego de pessoas influentes na sociedade

constituindo uma rede de pessoas muito organizadas em termos de relações

públicas.

SERVA (1993) constata que a lógica ou os instrumentos fornecidos pela teoria

da Administração são inadequados para análise dessas organizações que ele

chamou de “substantivas”. Um mapeamento levado a cabo por este autor

apontou dimensões bastante específicas, tais como flexibilidade na hierarquia,

intensa participação, elevado nível de relações interpessoais e comunicação;

inserção e expressão social e descaso com alguns aspectos típicos da

Administração tradicional, tais como horários, aferição do rendimento individual

e do grau de satisfação do usuário.

Todas essas considerações apontam para o fato de que a análise dos

resultados das investigações que têm organizações do Terceiro Setor como

objeto deve considerar essas especificidades. GOMES (1999) lembra que as

categorias estabelecidas para análise a partir da coleta dos dados tem o

mérito de serem mais específicas e concretas, embora sua formulação não

seja uma tarefa simples.

Dessa forma, a exposição e o tratamento das informações obtidas tanto nas

entrevistas feitas na SLU quanto na ASMARE partem da constatação de que

as particularidades constitutivas e práticas dessas organizações - enquanto

parceiras - devem ser consideradas. Assim, a estrutura de apresentação e

análise dos resultados foi parcialmente construída segundo categorias

identificadas no próprio discurso dos entrevistados, sem renunciar às

contribuições feitas pelos estudiosos desse campo. Combinou-se, assim, uma

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57

postura indutiva complementar à utilização das teorias pré-existentes.

(ALBARELLO, L., DIGNEFFE, J.H., MAROY, C. et al., 1997).

O processo de pesquisa incluiu ainda a observação direta em diversos

momentos, desde o acompanhamento da atividade dos catadores “in loco” e

nos seus galpões de triagem até visitas às instalações operacionais da SLU,

incluindo os aterros sanitários e as usinas de compostagem.

4 RESULTADOS ENCONTRADOS

4.1 Contextualização: A Trajetória da Coleta de Lixo em Belo Horizonte

A Região Metropolitana de Belo Horizonte abrange 14 municípios, perfazendo,

segundo dados do IBGE, um total populacional de 3.703.835 habitantes. Com

exceção de Betim e Contagem - centros industriais importantes - a maior parte

dessa população desenvolve atividades profissionais em Belo Horizonte,

fazendo pouco uso dos serviços públicos locais das cidades onde residem.

O município de Belo Horizonte é a capital administrativa do estado de Minas

Gerais, tendo sido criada em 1897 especificamente para esta finalidade.

Segundo o censo demográfico do IBGE (1991) sua população é de 2.020.161

habitantes, sendo que 99,66% residem no perímetro urbano. A densidade

demográfica é de 6.030,33 habitantes por km2.

Segundo dados institucionais da Assessoria de Comunicação Social da SLU

existem em Belo Horizonte 502.147 domicílios urbanos e rurais, dos quais

94,3% possuem ligação de água potável e 86,4% ligação de rede de esgoto.

Oficialmente contam-se 140 favelas.

A produção diária de resíduos sólidos na cidade é de 4700 toneladas, sendo

que 65% são formados de matéria orgânica, 27% de materiais recicláveis -

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58

13,6% de papel e papelão , 6,5% de plástico, 2,7% de metal , 2,2% de vidro e o

restante de madeira, borracha, tecidos, etc. - e 8% de rejeitos não reutilizáveis.

O percentual de domicílios atendido pela coleta regular de lixo domiciliar é de

95%.

2,5%

45.000

30.000

15.000

0

39.084 40.071

mai/ 99 jun/ 99

Comparativo anual de geração de resíduos

A Superintendência de Limpeza Urbana - SLU é o órgão responsável pela

execução e manutenção dos serviços de limpeza, tratamento e destinação final

do lixo no município de Belo Horizonte.

Trata-se de uma entidade autárquica criada pela Lei no. 2.220 de 27/08/73,

como consequência do Plano Diretor de Limpeza de 1972. Suas atribuições

incluem o gerenciamento da limpeza urbana, o que representa planejar,

fiscalizar, explorar e executar os serviços de varrição, capina, coleta, transporte

e transformação do lixo e a comercialização de seus produtos e subprodutos.

A SLU é a herdeira da antiga Diretoria de Higiene idealizada em 1899 pela

comissão que criou Belo Horizonte como a nova capital do estado.

Posteriormente essa Diretoria foi substituída pela Inspetoria de Limpeza

Pública em 1935. Ambos os órgãos eram ligados ao governo do estado de

Minas Gerais.

Page 59: José Wanderley Novato Silva

59

A história da coleta e tratamento do lixo em Belo Horizonte possui vários

capítulos . Já em 1902 é criada a “taxa do lixo” - que vigora até hoje. O serviço

foi terceirizado (cabendo a particulares realizá-lo) por duas vezes - em 1903 e

1923, sendo que em 1919 o município já era o responsável pelos trabalhos de

limpeza urbana.

Desde 1973, com a criação da SLU e a definição das diretrizes básicas da

limpeza urbana, um caráter técnico foi imprimido ao órgão - que assumiu a

tarefa basicamente calcada em princípios de uma moderna “engenharia de

limpeza”.

Esse caráter técnico implicava uma relação de distanciamento em relação à

sociedade. Embora a atividade de coleta de papel por catadores autônomos

existisse, não havia qualquer vínculo entre os catadores e o serviço de limpeza

urbana - pelo contrário, estes eram vistos simplesmente como população de

rua, que dela retirava seu sustento.

O contato que os catadores de papel tinham com o Poder Público eram as

chamadas Operações-Limpeza, quando sob a diretriz de recolher o lixo

acumulado na cidade os próprios catadores eram agredidos, visto serem

encarados como “sujadores” das vias, por ali reunirem o material que recolhiam

- e não como agentes de limpeza, que preenchiam uma incapacidade do poder

público de recolher todo o lixo urbano. Esse foi o período da administração

municipal 1985/88.

Em 1987, por iniciativa da Igreja Católica um grupo de irmãs beneditinas de

São Paulo que tinha experiência de trabalho junto à população de rua iniciou os

primeiros esforços de mobilização e organização dessas pessoas, com o

apoio da Pastoral dos Moradores de Rua e da seção regional da Cáritas11.

11 A Cáritas é uma organização não governamental criada na Suíça, vinculada à Igreja Católica e que temseções em vários países.

Page 60: José Wanderley Novato Silva

60

Uma pesquisa feita pela Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte

em 1989 com o objetivo de traçar um perfil dos moradores de rua revelou que

77% dessas pessoas viviam há mais de doze anos na cidade, sendo que a

grande maioria estava em idade produtiva, entre 21 e 44 anos. Nesse

contingente incluíam-se os catadores de papel e de outros materiais

recicláveis. Esse trabalho com os catadores de papel culminou na criação da

ASMARE (Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais

Recicláveis).

A ASMARE foi criada oficialmente em primeiro de maio de 1990. A sua história

remonta aos conflitos acima mencionados com os funcionários das Operações-

Limpeza da Prefeitura de Belo Horizonte ocorridos em 1988, quando os

catadores foram hostilizados pelo Poder Público. Membros da Pastoral de Rua

da Arquidiocese de Belo Horizonte iniciaram então um processo de reuniões

de rua, estabelecendo sólidos laços com este segmento da população. As

mobilizações culminaram com a participação dos catadores na discussão da

nova Lei Orgânica do Município, em 1990, quando conseguiram incluir na pauta

de discussões e depois fazer aprovar uma indicação que os tornava atores

privilegiados junto ao serviço de limpeza urbana da cidade ( ver anexo I ).

Durante os anos de 1991 e 1992 a nascente Associação amadureceu obtendo

as primeiras conquistas ao negociar com o Poder Público a cessão de um

imóvel para sede. Os anos seguintes assistiram à progressiva consolidação da

Associação, marcados pelo estabelecimento de diversas parcerias com ONGs,

além de outras instâncias do Poder público - bem como pelo aumento do

número de associados e o decorrente aumento da produção.

A partir de 1993, com a vitória de uma coligação político-partidária que incluía

o Partido dos Trabalhadores, o Partido Socialista e o Partido Comunista do

Brasil foram aprofundadas ações no sentido de enfrentar os inúmeros

problemas da população de rua. Uma pesquisa feita pela Superintendência de

Page 61: José Wanderley Novato Silva

61

Limpeza Urbana e pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social traçou

um novo perfil da população de rua, notadamente dos catadores de papel.

Segundo esta pesquisa 82% dos entrevistados era composto de homens; do

total 22% eram analfabetos e 57% cursaram até a 4a. série do 1o. grau. No

entanto, apesar de trabalharem e muitas vezes dormirem na rua, 56% disseram

possuir imóvel próprio, 13% afirmaram residir em imóvel alugado, 5% em casa

de parentes e amigos, e apenas 24% responderam morar realmente na rua.

Essa pesquisa forneceu para a SLU subsídios acerca das rotinas de trabalho

dos catadores, além de outros dados que se mostraram adequados para a

formulação de uma parceria com a ASMARE - parceria essa que acabou

convertendo-se em uma verdadeira rede de atores institucionais envolvidos na

implementação de uma política pública específica - a coleta seletiva de

materiais do município de Belo Horizonte.

Dentro da história recente da SLU o ano de 1993 marca o momento em que o

modelo de gestão de resíduos sólidos sofreu uma transformação conceitual,

passando a incorporar várias iniciativas de participação da sociedade.

Contam-se hoje mais de 80 parcerias em projetos estratégicos para a limpeza

da cidade, com a iniciativa privada, ONG’s, outras instâncias do poder público,

etc.

Dentre essas parcerias aquela constituída junto à ASMARE foi pioneira para a

construção da viabilidade da coleta seletiva de materiais no município de Belo

Horizonte. A própria ASMARE tornou-se mais tarde um centro em torno do qual

gravitam outras parcerias.12 Em virtude desse fato foi natural a escolha da

ASMARE como o outro foco, além da SLU, para realização deste estudo.

12 Além da SLU são dignas de nota as parcerias efetuadas com a Cáritas - Regional Minas Gerais; oPrograma LIFE - Nações Unidas, o Unicentro Newton Paiva, a Secretaria Municipal de DesenvolvimentoSocial, a Coordenadoria de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de Belo Horizonte, o ProjetoCOSPE - Cooperazione per lo Sviluppo dei Paesi Emergenti (Itália), o Instituto Marista de Solidariedade(IMS) e o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular de Belo Horizonte (SINEP).

Page 62: José Wanderley Novato Silva

62

Hoje a ASMARE possui um estatuto geral aprovado em assembléia que

regulamenta a adesão de associados - em número ilimitado - e uma estrutura

administrativa constituída por um conselho fiscal e seis comissões: educação

cultura e lazer; finanças; imprensa e divulgação; infra-estrutura; saúde; e meio

ambiente. Cada comissão tem um coordenador e 5 integrantes.

O estatuto garante que somente pessoas físicas possam se filiar, vedando este

direito a depósitos de papel ou firmas intermediadoras do processo de

reciclagem.

4.2 A Implantação do Modelo

A Superintendência de Limpeza Urbana de Belo Horizonte - MG implantou, a

partir de 1993 um modelo de gestão de resíduos sólidos, que além de

“reinventar” o manejo dos resíduos procurou incorporar iniciativas de

participação da sociedade, de formação de uma consciência ambiental do

cidadão e de valorização dos trabalhadores do setor. No total são mais de 80

parcerias em projetos estratégicos para a limpeza da cidade, com a iniciativa

privada, ONG’s, outras instâncias do poder público, etc.

Entre as parcerias mencionadas inclui-se aquela feita com a ASMARE -

Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis -

destinada a viabilizar a coleta seletiva de materiais prevista pela Lei Orgânica

do município. Em torno dessa parceria outras foram construídas - com

empresas privadas, com Organizações Não-Governamentais, além de várias

instâncias do Poder Público nos âmbitos municipal, estadual e federal . Várias

das entidades envolvidas participam do Fórum de População de Rua, instância

colegiada de discussão composta por representantes de ONG’s e do Poder

Público.

Page 63: José Wanderley Novato Silva

63

SUBSTÂNCIAConhecimento

técnico

PROCESSOMetodologiasparticipativas

MICROFormulação eimplementação

de projetos

MACROFormulação de

políticas públicas

Modelo de implementação de políticas públicas

O modelo está ancorado em três pontos básicos. O primeiro - a consistência

tecnológica - traduz-se no aprimoramento constante dos processos

tecnológicos do manejo do lixo, o que inclui a compostagem simplificada, a

reciclagem do entulho, a coleta seletiva dos materiais inorgânicos e o

aprimoramento e adequação dos veículos utilizados na coleta. O segundo

ponto diz respeito à qualificação e valorização do trabalhador da limpeza

urbana, o que inclui o orçamento participativo interno, diversos projetos de

comunicação interna, incentivo às atividades artísticas, a criação de uma

moderna infra-estrutura de apoio operacional, programas de saúde e

segurança no trabalho e de qualidade nos serviços. O terceiro ponto -

cidadania e participação social - engloba as diversas parcerias com os setores

público e privado, a criação de frentes de trabalho em vilas e favelas e o uso de

instrumentos e procedimentos de sensibilização e educação ambiental.

A concepção de gestão do lixo adotada inclui assim a busca de eficiência

administrativa e a formação de uma nova cultura do funcionalismo público, mas,

principalmente, o estabelecimento de um novo estilo de relacionamento com a

Page 64: José Wanderley Novato Silva

64

sociedade e o investimento maciço num processo permanente de

comunicação, educação e mobilização social - com programas desenhados

para públicos específicos, tais como frequentadores de bares, camelôs,

feirantes, etc.

O modelo implementado pela Superintendência de Limpeza Urbana de Belo

Horizonte foi desenvolvido por um grupo interdisciplinar de técnicos

ambientalistas, sanitaristas, sociólogos, etc.

“ ... que se propuseram a pensar um modelo de gestão dos

resíduos sólidos que pudesse servir de referencia nacional, já

que não existe no país, uma política nacional de saneamento

de resíduos sólidos. O que acarreta, o que? Mais de 6000

lixões a céu aberto, nesse país inteiro. Quer dizer, aonde

prolifera, uma pobreza generalizada, um caos ambiental”.

(relato)

Esse grupo encontrou receptividade às suas idéias em administrações

municipais ligadas ao Partido dos Trabalhadores, onde os primeiros

experimentos foram feitos.

“Desde 89, a gente vem trabalhando nesse modelo

alternativo de limpeza urbana, com essa perspectiva. A

limpeza urbana como um problema social. Uma questão

social! Tá certo? E viemos desenvolvendo isso, em São

Paulo, Santo André, algumas favelas de São Paulo, mesmo,

capital. Monlevade, Ipatinga, foram um laboratório!

É...Coronel Fabriciano, é Betim ... enfim!” (relato)

Belo Horizonte foi na verdade a primeira experiência do modelo em uma

escala significativa de importância, dado o tamanho da cidade.

“ ... todos desse grupo, ligado, coincidentemente ao PT, aí em

93, quando o Patrus assumiu a Prefeitura, a gente convidou a

Page 65: José Wanderley Novato Silva

65

Heliana Kátia prá poder assumir a Superintendência de

Limpeza Urbana e foi quando nós implantamos, numa escala

maior, esse modelo que a gente vinha desenvolvendo nessas

outras cidades”. (relato)

A participação de amplos setores da população era um dos instrumentos

considerados necessários para o sucesso da iniciativa. Os processos

geradores de renda e emprego surgiram como consequência desse

pressuposto, e não como ação planejada. Foi a própria mobilização dos

catadores de papel e sua organização em uma associação que possibilitou a

sua profissionalização.

(A geração de emprego e renda) “... existia em potencial, quer

dizer, quando foi concebido o projeto, o modelo de

gerenciamento previa exatamente o potencial que existia no

lixo enquanto mercadoria! ... esse modelo gera emprego e

renda devido à forma de tratamento diferenciado do resíduo.

É tratar a coisa diferente, de forma diferente, né? E tem

outras possibilidades ainda, de se gerar ainda mais emprego,

ainda mais renda. Na medida em que os catadores evoluírem

não só prá fazer a coleta desses materiais, mas pra começar

a transformar esses materiais recicláveis, a agregar valor a

eles como processo de transformação. Do plástico, de uma

série de alternativas, do alumínio...” (relato)

Outras iniciativas da SLU geram renda ou redução de custo, mas não

necessariamente emprego, como por exemplo, o reaproveitamento dos

resíduos da construção civil e resíduos orgânicos.

“... dentro do pilar consistência tecnológica a gente dá um

tratamento diferenciado aos resíduos. Por exemplo, os

resíduos de construção civil! A construção civil é uma

atividade que gera muito resíduo, no Brasil, nos demais

países de 3º mundo. O que se perde na construção civil, é

Page 66: José Wanderley Novato Silva

66

uma coisa absurda. Pra cada três andares de um prédio, um

vira lixo. Então isso é um problema seríssimo! Então, por

exemplo, esse material tem um programa de reciclagem, de

entulho da construção! Então já contamos com duas oficinas

de reciclagem de entulho! Esse entulho que chega lá, ele é

transformado em base de pavimentação asfáltica, ele é

transformado em piquetes para pavimentar vias públicas!

Em meio-fio, tijolo , pra construção de baixa renda”. (relato)

Não constitui esse caso, no entanto, geração de emprego ou renda:

“Isso é pra diminuir o custo da construção, o que existe é

uma diminuição do custeio geral da Prefeitura. Essas oficinas

são gerenciadas pela própria SLU! Na verdade a gente tá

criando uma atividade comercial nova. Futuramente,

provavelmente, isso vai ser assumido pela iniciativa privada

como um veio muito produtivo de renda”. (relato)

Citando outra iniciativa na mesma linha:

“Tem por exemplo, a unidade de compostagem. Ele pega, ele

coleta separadamente, a matéria orgânica em alguns grandes

produtores, como supermercados, sacolões, e é feita junto

com o material da poda a compostagem, tem uma unidade

de compostagem, aonde toda a matéria orgânica é

transformada em composto orgânico. Esse composto

orgânico, produzido em escala maior, ele pode ser vendido, e

hoje, do jeito que ele é produzido, ele é repassado pra

Secretaria de Abastecimento, e é distribuído pras escolas,

órgãos comunitários, etc.”. (relato)

A diferença entre essas atividades e os processos da coleta seletiva que são

objeto da parceria com a ASMARE são definidas pelo fato de que

Page 67: José Wanderley Novato Silva

67

“...as atividades de consistência tecnológicas foram criadas

com o pessoal da casa, com a questão de qualificação e

treinamento. Aí não dá pra fazer uma medição exata ou

precisa porque ela entra no custeio geral da prefeitura. Agora,

por exemplo, quando se, se define uma parceria com a

ASMARE, aí sim, aí gera emprego e renda fora da instituição,

do portão pra fora!” (relato)

Para possibilitar a execução desse projeto a SLU teve de encontrar

mecanismos apropriados de gestão que se adequassem aos objetivos

propostos dentro da relativa rigidez do Poder Público, o que levou a algumas

inovações no que se refere aos princípios e instrumentos da administração.

4.3 A Estratégia dos Atores e Os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo

“para dentro”

Da perspectiva da gestão podem ser considerados aspectos ligados à cultura,

à estrutura interna da instituição, ao planejamento, à comunicação, à tomada de

decisão, ao gerenciamento dos recursos humanos, aos relacionamentos

externos e aos processos de controle e avaliação internos ao modelo.

O lixo carrega um estigma e tudo aquilo que o cerca, incluindo os órgãos

responsáveis pelo gerenciamento, também é estigmatizado.

“Em qualquer cidade do interior, na Prefeitura, tudo o que não

presta vai para o Departamento de Limpeza Urbana e fica

encostado lá. Quer dizer, o trabalhador da limpeza urbana

também é tratado como lixo! Não tem a menor dignidade!”

(relato).

Esse tipo de preconceito representou a primeira dificuldade. Por outro lado a

questão do lixo está inserida em um contexto cultural cuja concepção de lixo é

de “coisa imprestável”. O modelo implementado partiu então do pressuposto de

Page 68: José Wanderley Novato Silva

68

que para alcançar seus objetivos com sucesso seria preciso haver uma

mudança de mentalidade na população - e dentro da própria SLU - com relação

ao lixo.

“O que aconteceu de diferencial? É a mudança do conceito

de limpeza urbana! A limpeza urbana, ela deixou de ter aquele

conceito positivista de engenharia de limpeza, caminhão e

lixeiro na rua! Entendeu? Pra poder ter uma conotação social.

A limpeza urbana como problema social! Que pra ser

resolvido, tem que, necessariamente, é... participar da

solução, todos os que fazem parte do problema. (...) Por um

lado, obrigação do poder público, por outro lado a mudança

de hábito da população no que diz respeito ao padrão de

consumo, principalmente, padrão de produção e consumo”

(relato).

Uma das maiores dificuldades foi, segundo relatos, a inadequação da estrutura

da SLU para abranger as ações do novo modelo.

“... esse modelo o que acarretou? Como ele tem essa visão

mais ampla e diferenciada de limpeza urbana, ele esbarrou

numa série de dificuldades. Inclusive, no que diz respeito

próprio organograma da SLU que é todo voltado, todo

esquematizado, pra ser um serviço de engenharia,

exclusivamente. Dentro do próprio organograma, não tinha

espaço pros projetos relacionados à participação social e

cidadania. Tinha espaço, por exemplo, pra projetos

específicos de redução e reciclagem” (relato).

A solução encontrada foi criar uma estrutura paralela, “encaixada” no

organograma oficial:

Então, nós estamos criando, esse modelo nós estamos

implantando esse modelo à partir de unidades informais. Por

Page 69: José Wanderley Novato Silva

69

exemplo, a AMS, a assessoria de coordenação social, que

eu coordeno. É uma assessoria técnica, ligada ao gabinete,

e, e no entanto responsável por um dos pilares. E que tem

um assessor, que sou eu, e organicamente abaixo de mim

não tem ninguém! Ou seja, eu tenho 4 comitês, deveriam ser

4 departamentos, com seus coordenadores, com suas

divisões. Mas não existe nada disso. Existe isso

informalmente. Toda a estrutura operacional, da frente

operacional, ela trabalha hoje com um modelo informal de

organização. Porque a estrutura que existe ela não absorve a

proposta do modelo. Então, inclusive nós estamos

reelaborando um organograma interno pra poder adaptar ao

modelo de gerenciamento. (...) Então isso, foi uma

dificuldade, que nós encontramos!” (relato).

Para viabilizar o trabalho de mobilização social e de educação ambiental em

limpeza urbana foi preciso criar um núcleo de técnicos, para desenvolver e

implantar a proposta de organização social. Foi então criada uma Assessoria

de Mobilização Social (AMS) com a contratação de técnicos, em um primeiro

momento através de uma empresa de consultoria e depois através de

concurso público, com a criação do cargo de analista de mobilização social.

A partir de então o modelo foi sendo desenvolvido através de equipes e grupos

de existência informal e às vezes temporária.

“Tem equipe que cuida só da educação ambiental em

escolas, uma equipe que cuida só da questão da coleta

seletiva de materiais recicláveis. Uma equipe que cuida só da

implantação da coleta de saneamento em vilas, em favelas.

Uma equipe que cuida só das campanhas em massa, nos

coletivos urbano, nos espaços públicos... Na AMS, na parte

operacional, com a mudança da concepção de operação, foi

criada uma equipe p’ra administrar a usina de reciclagem,

p’ra administrar a usina de compostagem, p’ra administrar a

Page 70: José Wanderley Novato Silva

70

área de destinação final, que é o aterro da BR 040, que é

considerado o melhor aterro das Américas...” (relato).

Sendo o organograma da SLU bastante verticalizado o que ocorreu foi uma

horizontalização dos cargos, com redução do número de níveis hierárquicos.

Mas a SLU não esperou os procedimentos burocráticos oficiais para

implementação dos projetos.

“Está sendo estudado uma nova proposta organizacional pra

ser encaminhada pra Câmara, pra se adaptar ao modelo.

Porque na verdade é o seguinte, você implantar e a adaptar a

casa ao modelo é muito mais rápido do que você reformular

no papel e encaminhar pra Câmara , pra Câmara poder

aprovar e voltar! Então, agora o processo é este, de você

criar um organograma, criar um modelo organizacional, que

possa . consolidar o modelo de gerenciamento de tal forma

que crie esses novos espaços de trabalho, essas novas

divisões de trabalho!” (relato).

Existem assim um organograma oficial e uma organização informal paralela

(figuras seguintes). No entanto a estrutura paralela está inserida na estrutura

oficial. Não se constituiu assim uma polaridade entre grupos, ou uma oposição

entre modernidade e tradição.

“...essa organização paralela que existe se confronta com a

organização formal só na medida em que ela denuncia a

inadequação pra poder prestar um serviço de qualidade, pra

poder prestar um serviço eficiente de limpeza urbana...”

(relato).

Se a criação da AMS foi o grande diferencial - uma vez que não existia

anteriormente - foi necessária além disso uma reformulação total de toda as

áreas: jurídica, administrativa, operacional, técnica, social. Mesmo as áreas da

Page 71: José Wanderley Novato Silva

71

tecnologia e administrativa-financeira onde os cargos formais permaneceram,

foram também modernizadas e desburocratizadas.

CONSELHO MUNICIPALDE LIMPEZA URBANA

SUPERINTENDÊNCIA DE LIMPEZA URBANA

ASSESSORIATÉCNICA

DIRETORIA ADMINISTRATIVOFINANCEIRA

DIRETORIA DE OPERAÇÕES

DEPARTAMENTO DEADMINISTRAÇÃO

DEPARTAMENTODE PESSOAL

DEPARTAMENTOCOMERCIAL/ CONTÁBIL

DIVISÃO DEMATERIAL

SEÇÃO DE CONTROLES DECONTRATOS E VEÍCULOS

SEÇÃO DEALMOXARIFAD

SEÇÃO DECOMPRAS

SETOR DECOMUNICAÇÃO E

ARQUIVO

SETOR DEZELADORIA EECONOMATO

SEÇÃO DE SERVIÇOSGERAIS

SEÇÃOCOMERCIAL

SEÇÃO DE CONTROLEORÇAMENTÁRIO

SETOR DE COM.DE PROD. E SERV.

SEÇÃO DEPATRIMÔNIO

SEÇÃO DETESOURARIA

SEÇÃO DECONTABILIDADE

DIVISÃO DERH

SEÇÃO DERECRUTAMENTO,SELEÇÃO E TREIN.

SEÇÃO DEMOVIMENTAÇÃO

DE REGISTROS

SETOR DECONTROLE DEFREQUÊNCIA

SETOR DEENCARGOS SOCIAIS

SEÇÃO DE PREPARO EPAGAMENTO

SEÇÃO DEASSISTÊNCIA SOCIAL

SEÇÃO DESEGURANÇA DO

TRABALHO

DIVISÃO DE SEGURO EMEDICINA DOTRABALHO

DEPARTAMENTO DEDESTINAÇÃO FINAL DO LIXO

DEPARTAMENTO DETRANSPORTES

DEPARTAMENTO DELIMPEZA PÚBLICA

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA CENTRO

SEÇÃO DE LIMPEZAPÚBLICA NOTURNA

SEÇÃO DE LIMPEZAPÚBLICA DIURNA

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

SEÇÃO DE PREPARO EPAGAMENTO

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA VENDA NOVA

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA SUL

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA LESTE

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA OESTE

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA PAMPULHA

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA NOROESTE

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA NORDESTE

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

DIVISÃO DE LIMPEZAPÚBLICA BARREIRO

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA B

SETOR DE LIMPEZAPÚBLICA - ÁREA A

SEÇÃO DE ATERROSSANITÁRIOS

SETOR OPERAÇÃOMANUT. DE USINAS

SEÇÃO DE USINAS

DEPARTAMENTOJURÍDICO

SERV PROC LEGAISADMINISTRATIVOS

SERVIÇO DOCONTENCIOSO

DIVISÃO DEMANUTENÇÃO

SEÇÃO DE MANUTDE VEÍCULOS EMAQ PESADAS

SEÇÃO DE APOIOTÉCNICO

ORGANOGRAMA OFICIAL DA SLU (Fonte: Setor Administrativo)

Page 72: José Wanderley Novato Silva

72

ORGANOGRAMA INFORMAL DA SLU*

INDICANDO A POSIÇÃO DA AMS (ASSESSORIA DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL)

Setor

Seção

Divisão

Departamento

Dir. Tec Dir. Adm/ fin. Dir. Operac.

Gabinete Assessorias

BH Reciclando BH + Limpa Proj. Especiais Vilas

Coordenação Colegiada

Documentação Imprensa

Ass. Comunic. SocialAss. Mobiliz. Social

* Elaborado a partir de informações fornecidas pelo Setor Administrativo da SLU

Page 73: José Wanderley Novato Silva

73

A comunicação externa funciona simultaneamente como instrumento de

mobilização social, educação ambiental, divulgação e marketing. Segundo

pesquisas feitas pela Prefeitura desde 1993 até a última (em 1998), o índice de

aceitação SLU junto à população passou de 62% para 84%. O levantamento

da cobertura feita pela mídia sobre as atividades de limpeza urbana indica que

mais de 80% das notícias veiculadas em jornais e televisão são positivas,

representando um canal gratuito de divulgação.

Nesse processo a SLU procura se valer de instrumentos criados ad-hoc e

valorizar iniciativas dos próprios funcionários e da população.

Dentre essas iniciativas são dignas de nota os grupos de rap e pagode dos

funcionários da casa. Existe ainda o trabalho de artes plásticas com lixo e o

grupo de teatro da SLU, além de inúmeras outras iniciativas de caráter

eventual.

“ ... a nossa proposta de mobilização, ela usa tanto

instrumentos formais, quanto informais de educação. Usa o

lúdico, como forma de atingir o inconsciente coletivo de uma

forma mais ‘acachapante’, mais ativa, na verdade”. (relato).

Foi criado um centro de documentação que funciona como central de

informações e apoio para toda a instituição, responsabilizando-se ainda pelas

publicações regulares (Jornal da SLU, com 3 anos de existência) e eventuais.

A partir de 1996 a SLU incorporou o orçamento participativo interno como

instrumento de planejamento. O corpo de funcionários através de um processo

de mobilização e reuniões define as metas e o orçamento de cada ano. Os

seminários do orçamento participativo ocorrem nos meses de outubro a

dezembro. Inicialmente restrito a 50% do orçamento, hoje este processo define

a destinação de 100% do orçamento do órgão.

Page 74: José Wanderley Novato Silva

74

“O que que vai ser prioritário? O que vai ser , quais vão ser

as metas, e quais vão ser as prioridades? A gente define,

internamente...” (relato).

A participação se dá do seguinte modo:

“... normalmente participam deste processo as chefias dos

vários setores. Chefes de departamento, de seção, tá?! E

também os coordenadores da (AMS), dos seus vários

comitês e assessorias. Os coordenadores de projeto

também participam... Mas (anteriormente) a gente já discutiu

internamente com as todas as áreas, com os projetos, com

os técnicos que participam dos vários projetos, o que é a

necessidade da área. O que que precisa para poder ampliar e

crescer e quais são as metas. Isso tudo vai para o grupo e

cada um defende o que acha melhor...” (relato).

Segundo os coordenadores do processo um ponto fundamental é a gestão

democrática do projeto, sem ingerência direta por parte do Poder Público ou

qualquer outra instância.

“... iria contra os nossos próprios pressupostos de

participação querer impor algo que não tenha sido pelo

menos bastante discutido. A idéia não é impor, mas esperar

que as soluções possam surgir de um diálogo...” (relato).

Entretanto, subsiste uma ambiguidade, pois:

“...é claro que tem algumas coisas que passam por decisões

de instâncias superiores, né?! Por exemplo, na administração

pública, você sabe que a gente só pode fazer o que a lei

permite...” (relato).

Page 75: José Wanderley Novato Silva

75

Existe além disso uma grande preocupação com a documentação e o registro

de informações em relatórios mensais, disponíveis a todos e que vão dar

suporte ao processo decisório.

“A gente tem os relatórios estatísticos que tem ali todas as

atividades, os números, né?! Tem esse registro de

informações. E... periodicamente a gente realiza os

seminários para a gente estar tendo uma visão geral do

conjunto. Não só aquela de determinada área específica que

você está trabalhando no dia a dia, mas para ter uma visão

de conjunto, né?!” (relato).

Aos processos internos permanentes de controle e avaliação são creditados,

segundo os coordenadores, os méritos do modelo, uma vez que possíveis

falhas e desvios podem ser detectados e combatidos. Existem núcleos

internos de discussão permanente em todas as áreas - e esses grupos de

discussão desenvolvem ad-hoc a metodologia de correção de rota ou de

adaptação de projetos.

“São consolidados relatórios mensais das atividades. Tudo é

muito dinâmico, tal qual o lixo! O lixo é extremamente

dinâmico a gente nunca consegue acompanhar, a velocidade

com que aparecem novas espécies, novas qualidades de

lixo! Então é muito dinâmico o modelo de gestão, ele tem que

ter uma dinamicidade, tem que ter essa flexibilidade, pra

correção de rota, tem que ter essa flexibilidade de renovação

metodológica permanentemente”.

A qualificação do quadro de funcionários da SLU revelou-se fundamental para a

implementação do novo modelo de gestão. A instituição promove internamente

seminários de qualificação e incentiva a participação dos funcionários em

cursos externos. Segundo relatos a resistência ao novo modelo não foi

Page 76: José Wanderley Novato Silva

76

significativa em função da “cultura de mudança” instituída na organização. No

entanto:

“... é evidente que teve, que teve algumas dificuldades aí

nesse percurso. Mas na verdade, a assimilação do modelo

pelo corpo de funcionários de um modo geral foi, na minha

opinião pessoal, surpreendente! Foi muito mais fácil do que a

gente, do que eu imaginava! Agora, eu acho que alguma

resistência, sempre há aqui e ali, né? E quando houve, a

gente procurou isolar essas resistências”. (relato).

Em 1998 houve a troca do governo municipal. No entanto, a prefeitura foi

assumida por um grupo que representava a continuidade administrativa - e

dentro da SLU o novo modelo, que já tinha projeção e reconhecimento

internacional, alcançava sua maturidade. Segundo os coordenadores do projeto

essa continuidade político-administrativa foi importante para a consolidação

integral do modelo.

“Com a mudança de governo evidentemente mudaram

alguns cargos (...) Mas como esse governo, também, tinha a

mesma visão no que diz respeito à política de saneamento de

resíduos, e tinha como proposta dar continuidade de

consolidar o modelo, foi mantido uma série de pessoas, em

cargos estratégicos! Mudou a gestão maior da casa, algumas

diretorias, mas na verdade, manteve o corpo de técnicos!

Primeiro, o corpo técnico da casa é o mesmo! E nesses

cargos de recrutamento amplo, também foram mantido

alguns cargos estratégicos! Eu e minha equipe mesmo,

somos um exemplo disso!” (relato).

Existe uma percepção mais geral de que um dos grandes problemas é

Page 77: José Wanderley Novato Silva

77

“...a situação financeira também, de maneira geral, né? De

maneira geral, aí não é Belo Horizonte, é no país como um

todo, de modo geral a questão financeira é caótica!”

O orçamento da SLU (R$70.000.000 em 1999) é composto de recursos

próprios advindos das taxas de limpeza urbana cobrada no IPTU. Isso

representa aproximadamente 70% do orçamento. Os outros 30%, vem de

repasses da Prefeitura. Todos estes recursos vão para um mesmo fundo e sua

destinação é decidida pelo orçamento participativo interno anual.

O custo anual do Projeto de Coleta Seletiva representa cerca de 0,08% da

receita orçamentária do Município, que cobre 62% do total do projeto. O

restante é coberto por recursos próprios (9%) ou da iniciativa privada (29%).

4.4 A Estratégia dos Atores e Os Processos de Gestão: A Gestão do Modelo

“para fora” com a participação da ASMARE

A SLU tem hoje mais de 80 parcerias nas mais variadas áreas de atuação.

Dignas de nota são aquelas efetuadas com o programa LIFE, da Organização

das Nações Unidas (com aporte de recursos para projetos educativos), com o

Sindicato da Construção Civil (para reciclagem do entulho de obras), com a

Santa Casa de Misericórdia (reciclagem do vidro), com a Secretaria Municipal

de Desenvolvimento Social - órgão da prefeitura responsável pelo repasse de

recursos financeiros do Convênio - com a Secretaria Municipal da Indústria e

Comércio, outras Secretarias Municipais, as Administrações Regionais e

outras instâncias do poder Público. Participam do projeto além das instituições

mencionadas a Cáritas Brasileira - Regional do Estado de Minas Gerais e a

Cáritas Suíça, o Fundo Nacional do Meio Ambiente, o Centro Universitário

Newton Paiva, etc.

A parceria com a ASMARE foi a forma encontrada de viabilizar a coleta

seletiva de materiais preconizada pela Lei Orgânica do Município. Essa

Page 78: José Wanderley Novato Silva

78

parceria foi firmada em março de 1990 e inclui assessoria técnica, cursos de

capacitação e repasse financeiro. A contrapartida é, segundo cálculos da SLU,

uma economia mensal de cerca de R$ 9.000,00 - advinda da redução dos

resíduos sólidos reciclados recolhidos na cidade pelos catadores ou coletados

nos postos de entrega voluntária pela população.

“Nesse convênio a gente repassa pra ASMARE, uma

verba... Pra ela ... poder ter uma administração eficiente, pra

poder ter vale-transporte pros catadores, uniforme dos

catadores. Pra pagamento de todo pessoal administrativo

contratado. Aluguel dos galpões, luz água, enfim. A gente

repassa um recurso e esse recurso, ele é insignificante, se

você for ver, o retorno social dele, uma economia mensal de

cerca de R$ 9.000,00 - advinda da redução dos resíduos

sólidos reciclados recolhidos na cidade pelos catadores ou

coletados nos postos de entrega voluntária pela população.

E a economia que se faz também na limpeza urbana da

cidade! Deixa de ir pro aterro sanitário 560 toneladas de

materiais recicláveis! Por mês! Que dá mais ou menos 3,6 ou

3,7% do lixo geral da cidade”. (relato).

A SLU teve também de se relacionar com os depósitos de papel, empresas

que antes da organização da ASMARE compravam todo o material dos

catadores para revendê-lo para a indústria. Este setor foi o mais ameaçado

pela organização da ASMARE. Durante o processo de criação da associação

estes depósitos exerciam pressão velada sobre os catadores, passando a ser

alvo de atenção da SLU, para a qual

“...os atravessadores, sempre foram tratados como tal,

como atravessadores! Agora, não tinha nenhum projeto

direcionado pros atravessadores, a não ser, regulamentar a

atividade deles, no que diz respeito a triagem na rua! A

manter os locais limpos, enfim! Um trabalho de fiscalização

Page 79: José Wanderley Novato Silva

79

nas atividades deles! Mas não tinha um projeto direcionado

pra eles...”. (relato).

Um outro dado da parceria com a ASMARE foi a inclusão da associação no

modelo geral de coleta seletiva construído pela SLU para o município de Belo

Horizonte. Hoje o controle operacional da coleta seletiva é feito pela ASMARE.

Na parte física foram desenvolvidos containers destinados a receber os

materiais recicláveis - papel, metal, vidro e plástico. Esses recicláveis são

separados e levados voluntariamente pela população até os LEV’s - Locais de

entrega Voluntária - atualmente em número de 262, onde são coletados e

comercializados pela Associação dos Catadores de Papel e Santa Casa de

Misericórdia (somente o vidro).

Através da parceria com a Associação dos Catadores de Papel também foram

implantados três galpões de triagem que permitiram a eliminação de cerca de

50 pontos críticos de triagem nas calçadas da área central da cidade. O

material é conduzido dos LEV’s para os galpões por caminhões da SLU e da

ASMARE. O gerenciamento dos galpões é realizado de forma integrada entre

a SLU, a ASMARE e a Pastoral de Rua.

Além disso a SLU se prepara para o crescimento da atividade privada no setor

de reciclagem.

“A gente dá todo um incentivo a implantação de empresas ou

da indústria de reciclagem e de transformação, na cidade,

né? Então todo esse tipo de ação, de atividade, ela é muito

bem vinda! O objetivo é exatamente esse! É criar condição

para que apareça indústria, empresa de transformação e de

reciclagem”. (relato).

Inserida no modelo de gestão de resíduos sólidos de Belo Horizonte encontra-

se a coleta seletiva de materiais inorgânicos. O projeto de coleta seletiva

Page 80: José Wanderley Novato Silva

80

implementado pela SLU não incorpora no entanto a coleta porta-a-porta, mas

sim a entrega voluntária em pontos estratégicos da cidade.

Em consonância com a Lei Orgânica Municipal que prioriza a realização da

coleta seletiva por cooperativa de trabalhadores o programa implementado em

Belo Horizonte - inicialmente cobrindo a região central do município - visa

simultaneamente à geração de renda e profissionalização dos catadores de

papel, a redução da população de rua, a melhoria das condições de vida desse

segmento, a melhoria da limpeza urbana e o aumento da consciência ecológica

e da solidariedade social da população.

Os ganhos sociais do projeto beneficiam não apenas os catadores de papel

associados (cerca de 230, além de suas famílias - representando

aproximadamente 40% do total de catadores da região central do município)

mas também outros trabalhadores de rua em processo de inserção social.

Todo o material coletado - tanto nas ruas como nos LEV’s - é comercializado

pela ASMARE. O rendimento médio mensal para os catadores inscritos varia

entre 2 a 3 salários-mínimos, mais vales-transporte e ganhos de produtividade.

A ASMARE, cuja trajetória percorre um caminho que vai desde a sua fundação

em reuniões de rua até a consolidação como responsável pelo gerenciamento

da coleta seletiva em Belo Horizonte, incorporou ao longo da sua história

mecanismos de gestão analisáveis segundo o mesmo modelo utilizado no caso

da SLU.

Os traços culturais e a história de vida do catador, cujo modo de existência nem

sempre mostrou-se adequado às exigências de uma atividade profissional

foram obstáculos paulatinamente superados através de um longo processo de

capacitação que incluía diversos aspectos sócio-pedagógicos. A ASMARE

implementou um código de ética, cujo desrespeito pode levar à exclusão do

membro infrator. Este código inclui não recolher material roubado, não beber ou

Page 81: José Wanderley Novato Silva

81

fumar no local de trabalho e respeitar as normas de trânsito (lembrando que os

catadores frequentemente têm de circular em vias de grande movimento

puxando um “carrinho” cujo peso pode superar os 500 Kg).

Uma das dificuldades iniciais foi, ao viabilizar galpões de triagem na área

central da cidade, vencer o preconceito e a resistência às atividades dos

catadores demonstrado pela população do entorno das áreas identificadas

para construção. Outra dificuldade foi a falta de confiança dos catadores, da

Pastoral de Rua e da Cáritas no Poder Público, fruto de uma relação histórica

conflituosa.

A ASMARE conta hoje conta com 250 associados, funcionando num sistema

de pré-cooperativa, em transição gradual para uma cooperativa mista de

trabalhadores envolvidos nas várias atividades relacionadas ao

reaproveitamento de materiais recicláveis. A instituição emprega 28

funcionários que trabalham nos 3 galpões de triagem do material recolhido,

com funções administrativas e operacionais (operadores de máquinas), entre

os quais incluem-se agentes da Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo

Horizonte.

A produção média alcançada em 1998 foi de 350 toneladas por mês. Estima-

se que auto-sustentação será alcançada com uma média de 850 toneladas por

mês. Os gráficos abaixo ilustram a produção por galpão e os custos referentes

a cada um deles expressos em valores monetários (reais).

Page 82: José Wanderley Novato Silva

82

Jan

Fev

Mar

Abr Mai

Jun

Ago

0 Kg

2.000 Kg

4.000 Kg

6.000 Kg

8.000 Kg

10.000 Kg

12.000 Kg

14.000 Kg

16.000 Kg

Jul

Set

Ou

t

Nov Dez

Galpão ContornoGalpão Curitiba

Galpão Itambé

Produção dos galpões em 1998

Produção individual de cada galpão da ASMARE

Fonte: setor administrativo da ASMARE

Produção dos galpões em 1998 - Custo

R$ 0,00

R$ 2.000,00

R$ 4.000,00

R$ 6.000,00

R$ 8.000,00

R$10.000,00

R$12.000,00

R$14.000,00

R$16.000,00

Jan

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago Set

Out

Nov Dez

Galpão ContornoGalpão Curitiba

Galpão Itambé

Custo do material adquirido pela ASMARE

Fonte: setor administrativo da ASMARE

A estrutura administrativa é constituída por sete comissões: educação cultura e

lazer; finanças; imprensa e divulgação; infra-estrutura; saúde; religiosidade e

meio ambiente. Essas comissões agrupam-se em duas grandes áreas -social

e de produção. Cada comissão tem um coordenador e 5 integrantes, todos

associados da ASMARE e eleitos em assembéia-geral.

Page 83: José Wanderley Novato Silva

83

O trabalho dessas comissões é supervisionado por uma comissão

coordenadora cujos membros representam a ASMARE legalmente, sendo que

o coordenador de finanças responsabiliza-se oficialmente pela instituição. A

ASMARE possui ainda um conselho fiscal, composto por três membros eleitos

em assembléia e que controlam a prestação de contas, o balanço e o

orçamento da instituição.

O organograma completo da instituição está representado na figura seguinte.

Page 84: José Wanderley Novato Silva

84

ORGANOGRAMA DA ASSOCIAÇÃO DOS CATADORES DE PAPEL EMATERIAIS RECICLÁVEIS DE BELO HORIZONTE

Comissão deReligiosidade

Comissão deInfra-estrutura

Comissão de Divulgaçãoimprensa

Comissão de Saúde Comissão de Finanças Comissão de Educação,Cultura e Lazer

Comissãode Saúde

Comissão de Divulgaçãoe imprensa

Comissão de Educação,Cultura e Lazer

Área Social

Coordenação Social

COMISSÃO CENTRAL

ASMARE

AuxiliarAdministrativo

Contador

SetorAdministrativo

Comissão de finanças

Balanceiro

Gerente Operacional

Setor Operacional

Comissão deinfra-estrutura

Animador Geral

Suplentes

Titulares

Conselho Fiscal

Coordenação de Empreendimento

Prensista

Fonte: Setor Administrativo da ASMARE

Page 85: José Wanderley Novato Silva

85

A partir do convênio firmado com a Prefeitura esta arca com as despesas

estruturais da ASMARE, inclusive aluguéis e pagamento do pessoal

administrativo. As outras principais fontes de receita são a venda do material

recolhido, repasses de ONGs parceiras, doações de terceiros e mensalidades

dos associados. O Projeto COSPE (Cooperazione per lo Sviluppo dei Paesi

Emergenti) é uma articulação internacional que proporciona recursos para o

setor administrativo e para aquisição e manutenção de equipamentos.

DEMONSTRATIVO DA ASMARE ATÉ OUTUBRO DE 1998

ORIGEM VALOR %

Convenio Prefeitura de BHTE 281.745,15 23,65Convenio Projeto LIFE 8.500,00 0,71Vendas Materiais 604.102,68 50,70Mensalidades 1.105,60 0,09Projeto COSPE 52.477,10 4,40Outras Receitas 8.872,55 0,74Convenio Minas Tenis Clube 14.495,38 1,22Receita Marcenaria 5.374,08 0,45Receita Mercadinho 4.457,98 0,37Doação UNICEF 10.000,00 0,84Empresa Municipal de Turismo de BHTE 20.995,00 1,76Doação Projeto Solidários Comunitários 5.220,00 0,44Convenio Fundação Interamericana 141.219,25 11,85Superintendencia de Limpeza Urbana 9.442,15 0,79Doação Diversas Projeto Seminário Nacional 1.040,00 0,09Doação 13.000,00 1,09Receita da Casa Escolar 9.461,99 0,79

Total 1.191.508,92 100,00

Fonte: setor administrativo da ASMARE

A ASMARE compromete-se a comprar toda a produção dos catadores

segundo uma tabela de preços definida pela própria Associação. Como a

ASMARE tem total controle sobre a produção de cada catador este recebe

mensalmente de acordo com o volume recolhido, tendo que cumprir uma cota

mínima de 100 kg/dia e recebendo adicionais de produtividade. A figura abaixo

mostra a relação entre o preço de compra e venda dos materiais recolhidos,

indicando lucros médios em torno de 100% auferidos no negócio.

Page 86: José Wanderley Novato Silva

86

R$0,00

R$5.000,00

R$10.000,00

R$15.000,00

R$20.000,00

R$25.000,00

R$30.000,00

R$35.000,00

R$40.000,00

Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

VendaCompra

Relatório de Resultados em 1998

Relação custo x preço de venda do material

Fonte: setor administrativo da ASMARE

Os dados de produção indicam um crescimento significativo (figura ) o que

aponta para uma autonomia progressiva da Associação frente ao Poder

Público, cujos repasses financeiros ainda são importantes para a manutenção

da entidade.

O envolvimento dos participantes da associação num projeto coletivo pode ser

considerado um dos pilares da instituição. A discussão e o diálogo estão na

base dos processos internos de tomada de decisão. Participar das reuniões

mensais é um pré-requisito para associar-se e manter-se associado. As

decisões mais importantes são sempre tomadas em assembléias gerais. A

participação de todos é estimulada pela percepção de que a força da

associação reside no esforço coletivo. A meta é alcançar o mais rapidamente

possível o status de cooperativa.

Desde a sua fundação - e mesmo antes dela - a Igreja Católica, através da

Pastoral de Rua foi sempre uma parceira importante da ASMARE, através de

uma cooperação que inclui assessoria, recursos humanos e financeiros.

A SLU também figura como parceira de importância significativa, procurando

viabilizar um suporte operacional para as ações, realizando cursos periódicos

de capacitação para os catadores e repassando, através de um convênio

Page 87: José Wanderley Novato Silva

87

firmado entre a ASMARE, a Prefeitura de Belo Horizonte e a Mitra

Arquidiocesana, recursos para pagamento de despesas administrativas ,

fretes, vales-transportes e uniformes para os catadores.

Inicialmente a ASMARE dependia integralmente dessas duas instituições para

sobreviver. Com os recursos gerados pela atividade de coleta de papel,

papelão e recicláveis a entidade tem se tornado progressivamente

independente. A perspectiva das parcerias hoje encaminha-se mais no sentido

de fortalecer a ASMARE para que ela possa se estruturar como uma

cooperativa. Segundo a própria coordenação da ASMARE hoje a associação

dos catadores está consolidada, sendo os parceiros colaboradores para que

ela possa atingir mais rapidamente objetivos mais ambiciosos.

Entre as instituições que mais contribuem nesse sentido estão a Cáritas

Brasileira - Regional do Estado de Minas Gerais, que participa das equipes

sociais dos galpões e a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social -

órgão da prefeitura responsável pelo repasse de recursos financeiros do

Convênio. Juntamente com outras entidades a ASMARE participa do Fórum

de População de Rua, instância colegiada de discussão composta por

representantes de ONG’s e do Poder Público.

Em momentos específicos a Cáritas Suíça viabilizou apoio financeiro para

construção dos galpões, o Fundo Nacional do Meio Ambiente financiou a

confecção dos containers para recebimento dos recicláveis (em número de 62)

e a Secretaria Municipal da Indústria e Comércio intermediou o contato da

ASMARE com o Centro Universitário Newton Paiva para a realização de um

estudo de viabilidade econômica de implantação de uma microindústria de

beneficiamento de papel e plástico.

Por outro lado, um outro tipo de instituições que gravita no ambiente externo da

ASMARE são os empresas intermediadoras do processo de reciclagem de

Page 88: José Wanderley Novato Silva

88

papel ou “aparistas”, isto é, os depósitos para os quais o catador de papel

trabalhava, vendendo sua produção antes do surgimento da ASMARE.

“O impacto que surgiu é o seguinte: eles passaram a ter a

competição dos catadores organizados, né? Quer dizer eles

tinham todos os catadores trabalhando pra eles! Sendo

pagos de forma que eles definiam, pelo preço que eles

definiam! E nas condições que eles definiam! Eles fizeram

muita pressão em cima dos catadores! Hoje isso já não

existe mais, porque a medida que eles vão se organizando,

eles vão se fortalecendo também, e ganhando espaço! Mas

no início, houve muita pressão sobre os catadores! De todo

tipo! De todo tipo que você imaginar! Na tentativa de

inviabilizar a ASMARE é claro! Essa... a coisa, essa tentativa

de desestabilização, ela existe ainda!

No entanto, o surgimento da ASMARE implicou uma mudança na postura do

trabalho mesmo fora dela:

Com isso, com a organização da ASMARE, esses aparistas,

evidentemente tiveram que melhorar as condições daqueles

que ainda fazem a catação pra eles! Eles fazem concorrência

com esses aparistas, né? Então esses aparistas, com isso

eles tiveram também, que melhorar as condições de trabalho,

daqueles que ficaram ainda com eles! Hoje e a postura deles

também, no que diz respeito ao comportamento, na triagem,

desses materiais todos mudou muito! E a SLU agora

fiscaliza! Não permite triagem na rua, quer dizer, têm que

criar condição pra poder exercer (o trabalho)” (relato).

À medida que a Associação ganha autonomia cresce a possibilidade de que

os catadores assumam integralmente o controle da ASMARE. O controle

operacional da coleta seletiva já é feito pela Associação. Isso cria uma série de

responsabilidades para as comissões administrativas, que progressivamente

Page 89: José Wanderley Novato Silva

89

buscam capacitar-se. No entanto a presença de assessores da Pastoral de

Rua e da SLU ainda faz-se necessária para que as funções administrativas

sejam bem-sucedidas.

O órgão que cuida da fiscalização da gestão é o conselho fiscal. Ele é

composto por 3 membros eleitos em assembléia que emitem pareceres

mensais sobre a prestação de contas, o balanço financeiro a execução e a

previsão orçamentária anual. Dados do conselho fiscal indicam que cerca de

45% do total de despesas constitui-se em pagamento aos catadores.

Demonstrativo das despesas da ASMARE em 1998

Descrição Valor em R$

Despesas gerais 212.527,34Pagamento aos catadores 179.955,54

Total geral 392.482,88

Fonte: setor administrativo da ASMARE

A mudança no status dos catadores de papel foi aclamada por todos os

entrevistados como uma das maiores conquistas do processo. Segundo

depoimentos a questão da profissionalização dos catadores de papel é de

difícil compreensão porque com o empobrecimento da população a “catação”

surge como uma alternativa da sobrevivência do dia a dia.

“Quando não tem mais nada (...) a pessoa cata, cata papel,

cata material reciclável e ganha o “rango” do dia ou a

cachaça do dia, seja lá o que for! Agora, os catadores de

papel profissionais, aqueles que vivem disso são os

profissionais que estão na ASMARE, associados que estão

lá no processo da cooperativa. Esses são os profissionais.

Esses por exemplo, esses trabalhavam pra esses aparistas,

agora eles trabalham pra eles mesmo” (relato).

Page 90: José Wanderley Novato Silva

90

Antigamente,

“...eram pagos por exemplo, o dia inteiro a troco de uma

garrafa de cachaça! E eles eram tratados pela população e

pela polícia de um modo geral como bandido! Não tinham

uma identidade profissional! Na medida que eles vão p’ra

associação, é passam ter uma ação coordenada, passam a

ter um uniforme, uma identidade com a qual ele se identifica

com o comerciante, se identifica com o crachá da

associação dos catadores, passa a ser treinado sobre

trânsito, sobre forma de abordagem, sobre comportamento

em vias públicas, ele muda a figura dele, né? Então eles são

tratados hoje, como profissionais, mesmo da limpeza

pública.” (relato).

Existe uma oferta constante de cursos de alfabetização para adultos, oficinas

de carpintaria e cursos de qualificação técnica, visando instrumentalizar os

catadores para identificar os materiais recicláveis e alcançar maior

produtividade.

O quadro abaixo sumariza os principais resultados quantificáveis com dados

comparativos dos últimos anos. Não foi feito ainda um balanço referente a

1999.

Resumo dos principais resultados quantificáveis alcançados 1997/98

Principais resultados 1997 1998

Evolução do no. de associados da ASMARE 190 210Realização de cursos de capacitação 2 2No. de crianças c/ acompanhamento escolar 70 90No. de adultos em cursos de alfabetização 12 22No. de visitas p/ intercâmbio de experiências 2 2Produção média da ASMARE 162 t/ mês 350 t/ mêsNo. de comunidades religiosas envolvidas 10 12No. de escolas c/ coleta seletiva implantada 17 23

Page 91: José Wanderley Novato Silva

91

No. de containers instalados 79 105Aumento da produção nos LEVs 20 t/ mês 30 t/ mês

Fonte: AMS/ SLU

ANÁLISE DOS RESULTADOS

As informações obtidas permitem assinalar alguns pontos importantes. O

primeiro aspecto a ser destacado é que as categorias identificadas nos

discursos dos membros de ambas as instituições remetem - ainda que não

totalmente, às categorias utilizadas tradicionalmente no estudo da gestão de

organismos privados. Tal fato parece demarcar o fato de que, pelo menos

nesse caso, ambas as esferas - tanto o Estado quanto a Associação dos

Catadores de papel buscam proximidade da lógica da produção que privilegia

uma perspectiva gerencial para assegurar eficiência e eficácia.

Tal fato pode ser ilustrado na busca de “mais controle” ansiado por um dos

entrevistados na SLU:

“... a gente não tem uma prática muito grande de gerência. De

estar efetivamente acompanhando todos os trabalhos. Eu

acho que a gente pode melhorar muito nesta avaliação. Eu

pessoalmente procuro estar lendo os relatórios e me

baseando neles para fazer as avaliações. Mas eu acho que

isto é uma prática que a gente ainda tem que trabalhar

melhor. A gente tem um volume de dados muito grandes e eu

acho que nem sempre eles são avaliados...” (relato).

E ainda:

“..uma falha grande neste processo que é o controle do

orçamento. Por exemplo, o projeto de coleta seletiva não tem

um centro de custos específico para o projeto. Então é muito

difícil de você acompanhar o que você está gastando...”

(relato).

Page 92: José Wanderley Novato Silva

92

Por outro lado não se pode fazer uma redução da lógica do público ao privado.

Diversos tipos de procedimentos tais como o estímulo à participação e a

relativa democratização da tomada de decisões não encontram referência

direta na ordem do privado.

Chama a atenção no entanto uma similaridade significativa entre os

mecanismos de gestão nas duas instituições aparentemente bastante distintas,

visto ser uma delas um órgão gigantesco, integrante do aparelho estatal

municipal , enquanto a outra é uma pequena associação de pessoas

historicamente marginalizadas pela sociedade.

Foi sugerido pelos relatos uma certa circulação de valores entre as duas

instituições. As pessoas da SLU se referem aos catadores, particularmente à

Coordenação da ASMARE como “pessoas maravilhosas”, “batalhadoras”,

denotando uma evidente admiração pelo processo de construção da entidade.

Da parte da ASMARE a assimetria de conhecimento administrativo tornou-a de

certa forma tributária da forma de gestão inovativa desenvolvida pela SLU -

visto ser um alvo permanente da assessoria desta última.

Do perspectiva da estrutura interna observa-se que, assim como a SLU

abandonou o seu organograma formal, passando a estruturar-se sob a forma

de comissões semi-autônomas, a ASMARE assumiu o mesmo modelo.

No que diz respeito ao relacionamento com a sociedade ambas as instituições

encontraram na construção de parcerias um canal viável de conseguir recursos

dos mais variados tipos.

Um dos coordenadores da SLU afirma que:

Page 93: José Wanderley Novato Silva

93

“... a ASMARE hoje tem essa rede de parcerias que formam

um grupo que a gente chama de coordenação colegiada.

Então tem representantes destas várias entidades e a gente

procura estar discutindo os rumos e as estratégias para a

ampliação do trabalho...” (relato).

Observou-se em todos os discursos a incorporação do conceito de cidadania e

a valorização de processos “democratizantes”, tais como a participação na

tomada de decisões, na construção do orçamento e nos processos de

planejamento. Um entrevistado da SLU afirma que:

“Eu acho que a gente aqui tem muita liberdade aqui para

propor as coisas, tem autonomia para tomar decisões, que é

descentralização... estes comitês funcionam de maneira

bastante autônoma... Pra decidir também. E para estar

correndo atrás...” (relato).

De maneira similar ao orçamento participativo interno da SLU a ASMARE

instituiu o “diagnóstico participativo” com o objetivo de equacionar os

problemas internos e as demandas existentes.

Particularmente em relação ao gerenciamento dos recursos humanos

observou-se uma ênfase na valorização do pessoal como o capital mais

importante da instituição.

O discurso que valoriza o controle e a avaliação não impede uma celebração

da criatividade; ambas as instituições buscam formas lúdicas de

relacionamento externo e de comunicação interna. Na SLU foi relatado que:

“A gente tem muitos instrumentos de comunicação interna. A

gente tem o jornal. que é tipo um jornal mural, que é inspirado

até no jornal do ônibus, que é o Tá Limpo. Ali, no tá limpo,

Page 94: José Wanderley Novato Silva

94

são passadas as informações mais gerais sobre a SLU. O

que que tem sido feito em várias áreas, os eventos, o que

que tá acontecendo e tal. A gente tem um instrumento de

comunicação muito interessante que é o TV Gari... Tem

vários programas interessantes com muita participação,

né?!” (relato).

A ASMARE também incorporou formas diferenciadas de comunicação e

relacionamento com a comunidade, o que pode ser atestado pelo “carnaval dos

catadores de papel”, que já faz parte do calendário oficial da cidade.

O ingresso de novos sócios é decorrente de uma abordagem direta feita na rua

por integrantes da Pastoral de Rua, que procuram divulgar o trabalho da

ASMARE. No entanto constatou-se que atualmente as condições de trabalho

para o catador “não associado” são muito melhores que às da época em que a

ASMARE foi idealizada.

Segundo relatos são os ganhos suplementares (como por exemplo a repartição

dos lucro ao final do ano - uma espécie de 13o. salário) que podem atrair os

catadores de papel para o interior da ASMARE, visto que, exclusivamente sob

a ótica do “salário” mensal o catador “autônomo” pode auferir o mesmo ganho.

Coloca-se aqui uma questão de cunho “sociológico”. As interações sociais em

um e no outro caso são significativamente diferentes. O catador “fora da

ASMARE” estabelece vínculos com os intermediários do papel de natureza

pessoal, dificilmente interrompidos simplesmente pelo discurso da abordagem

direta feita pela Pastoral de Rua (que funciona neste caso como braço do

“marketing” da ASMARE para conseguir novos sócios). Segundo relatos de

catadores “fora da ASMARE”:

“... ele (o dono de um depósito) me deu força, me emprestou

o carrinho... eu tenho um compromisso com ele ... não posso

arriscar a vender prá outro senão fico marcado...” (relato)

Page 95: José Wanderley Novato Silva

95

Já o catador da ASMARE incorporou um discurso político:

“... a nossa força é a nossa associação... temos que brigar

pelo que é nosso...” (relato)

O catador “fora da ASMARE” vê a ASMARE como uma instituição que

aprisiona o indivíduo, pela severidade do seu “código de ética” :

“... se você falta um dia eles te dão um balão (suspensão) de

uma semana... “

Já o catador “fora da ASMARE” pauta sua conduta pela valorização da

liberdade individual, não se importando muito com valores coletivos.

Relatos do pessoal administrativo da ASMARE confirmam que vários

catadores abandonam a ASMARE “não porque vão ganhar mais lá fora”, mas

porque não se adaptam ao estilo profissional da instituição, que se choca com

o perfil “instável” de pessoas acostumadas ao morar na rua, ou migrantes não

afeitos à disciplina das organizações.

Os entrevistados da SLU demonstraram ter consciência da possibilidade de

uma ascendência sobre a ASMARE, o que foi revelado na preocupação de

assumirem progressivamente demandas mais técnicas, orientando a parceria

essencialmente na construção da autonomia da ASMARE. Daí a importância

de esclarecer que

“...o repasse de recursos municipais a gente entende que não

é subsídio. É pagamento por serviço prestado. Pela coleta

que hoje os catadores fazem na cidade, que ainda é a maior

parte... o material reciclado é coletado exatamente pelos

catadores...” (relato).

Page 96: José Wanderley Novato Silva

96

Para um dos coordenadores na SLU, por exemplo,

“...a gente hoje tem demandas mais técnicas, de estar

identificando os grandes geradores (de resíduos), fazendo um

trabalho de caracterização destes grandes geradores para

saber se realmente vale a pena estar coletando material lá...”

(relato).

Se as vitórias da Associação dos Catadores parecem inquestionáveis, no

entanto evidenciou-se certa fragilidade administrativa dessa instituição,

explicável em grande parte pela origem dos seus integrantes. Dessa

fragilidade administrativa decorrem certas dificuldade de inserção no mercado,

o que levou à constatação de que

“...se não aumentar a quantidade de materiais separados a

ASMARE não tem como competir no mercado. Hoje o forte

da associação é o papel, que é o material que é coletado em

maior quantidade e para comercializar diretamente com uma

indústria precisa de uma produção muito maior” (relato).

Além disso o material recolhido é simplesmente prensado e embalado, quando,

se recebesse tratamento adequado poderia ser revendido segundo avaliação

técnica da própria ASMARE por um preço três vezes maior. A SLU não

desconhece essa deficiência:

“Hoje o material vem ainda é vendido praticamente bruto,

né?! Sem agregar um maior valor porque não existe nenhum

processo de beneficiamento. Então esta também é uma das

linhas de ação, tentar trabalhar no beneficiamento do papel.

Isso já vem sendo discutido na ASMARE e a proposta é que

a gente comece o ano que vem a reservar recursos para

isso” (relato).

Page 97: José Wanderley Novato Silva

97

A participação da Igreja Católica deu-se desde o primeiro momento da

Associação; não pode dessa forma ser minimizada sua importância na

conformação estrutural e na definição dos princípios fundantes da ASMARE -

marcados por uma forte inspiração ética e por um discurso onde percebem-se

ecos das correntes mais progressistas da Igreja.

“A igreja para nós é o forte, né?! Porque quem enxergou nós

na rua foi a pastoral de rua, que está com nós até hoje”.

(relato).

Ambas as instituições têm forte consciência da importância social do projeto,

para além de sua eficácia econômica e da sua inserção no debate ambiental

ou, para um dos entrevistados na ASMARE:

“...o mais importante é sensibilizar as empresas pra questão

além de ambiental, o social, que é a ASMARE...” (relato).

Todas as ações institucionais são marcadas pelo viés da necessidade de se

procurar manter as “conquistas” dos trabalhadores e ampliar o alcance da

entidade, agregando mais pessoas.

Finalmente a “integração” entre as instituições parceiras dá-se também na

ocorrência de um sem número de atividades onde ASMARE e SLU atuam

conjuntamente, desde eventos institucionais como cursos e palestras, até

festividades como o carnaval.

“...Então a gente faz vários contatos, articula aí essa parceria

entre a ASMARE e as empresas. Fora isso a gente atua

também junto com a Pastoral e nos cursos de capacitação e

em eventos e outras oportunidades de comunicação, eventos

e seminários, propostas de trabalho que são feitas para trazer

a questão do lixo, da coleta seletiva para a ordem do dia.

Então tudo isso é feito junto com a ASMARE...” (relato).

Page 98: José Wanderley Novato Silva

98

O quadro seguinte sintetiza as atribuições da SLU e da ASMARE na coleta

seletiva de materiais.

Responsabilidades dos parceiros na coleta seletiva

População Prefeitura/ SLU ASMARE/ Pastoral de Ruaseparação dos materiais em casa garantia do catador como

parceiro quase exclusivotriagem eficiente

entrega dos materiais nos LEVs fabricação, instalação emanutenção dos LEVs

manutenção dos galpões

conscientização da população garantia de armazenamento ecomercialização do material

coleta dos materiais nos LEVs abordagem de ruacapacitação profissional doscatadores

acompanhamento socio-pedagógico

aluguel e equipamento dosgalpões

formação de lideranças

controle da coleta seletiva implementação de infra-estrutura

Fonte: A coleta seletiva de BH e sua articulação com os catadores de papel, SLU, s/d

Page 99: José Wanderley Novato Silva

99

CONCLUSÕES

O presente trabalho procurou fazer - através de uma pesquisa qualitativo-

descritiva - uma análise dos processos de geração de emprego e renda

embutidos no modelo de gestão de resíduos sólidos da Superintendência de

Limpeza Urbana de Belo Horizonte.

O objetivo foi perceber a articulação - através de uma parceria - de dois dos

atores diretamente envolvidos nesta iniciativa, bem como dos mecanismos de

gestão encontrados para viabilizar o programa.

Vários aspectos relevantes podem ser alinhados à guisa de conclusão.

A primeira constatação diz respeito ao discurso dos entrevistados, tanto na

SLU quanto na ASMARE. Embora o roteiro de entrevista não fizesse menção

explícita às categorias como “finanças”, “planejamento” ou “avaliação” esses

conceitos surgiram espontaneamente, denotando uma apropriação da lógica

da gestão tradicional. Surgiram no entanto categorias como “relacionamento

com a comunidade” e “resgate da cidadania”. Esses dados indicam que,

embora as assertivas de ANDION (1994), SERVA (1993) e TENÓRIO (1997)

sobre as especificidades da gestão nas organizações do Terceiro Setor

encontrem respaldo, a lógica da eficiência e eficácia do setor privado tenha

uma importância significativa.

Observou-se que a conscientização, a mobilização e participação da

população estão na base do modelo de gestão de resíduos sólidos da SLU.

Comparado com o modelo de coleta seletiva domiciliar - implementado em

outras cidades brasileiras, como por exemplo Porto Alegre, RS, um dos

coordenadores do projeto aponta que

“... o modelo que, que foi implantado em Porto Alegre de

coleta seletiva, é de porta a porta! O modelo aqui, é de ponto

a ponto! Então, porque que nós privilegiamos, isso? Porque a

Page 100: José Wanderley Novato Silva

100

gente apostou, exatamente na mobilização e no

desenvolvimento do sentido de cidadania social plena!

Mudança de hábito! Porta a porta é coleta convencional!

Então, a gente pretende ampliar o alcance, de serviço de

coleta convencional, pra 100% da cidade! Hoje, nosso

número é de 95%! Os outros 5% são áreas de vilas e favelas!

400.000 pessoas, ainda não tem! Então, se você for montar

uma estrutura de coleta seletiva, porta a porta, aonde não

existe a cultura da segregação interna, você vai dobrar o

custo do serviço de limpeza urbana! Porque? Porque o que

encarece, é exatamente o transporte! Muito poucos países

no mundo têm coleta seletiva porta a porta! Eu acho

absolutamente inviável! ” (relato).

Sobre os principais problemas os coordenadores afirmam que a maior

dificuldade é a relacionada com a mudança de hábito da população, no que diz

respeito à cada um assumir a sua parte de responsabilidade na coleta seletiva,

na manutenção da limpeza, nas atividades visando minimização da geração do

resíduo e maximização da reutilização.

Entre as perspectivas para o futuro inclui-se a expectativa de que a iniciativa

privada vá absorver algumas atividades da SLU, tais como a compostagem

orgânica e a reciclagem do entulho da construção civil, além de atuar em outras

áreas de reaproveitamento do lixo.

Constatou-se que os processos geradores de renda e emprego surgiram como

consequência da parceria entre a SLU e os catadores e não como ação

planejada. Foi a própria mobilização dos catadores de papel e sua

organização em uma associação que possibilitou a sua profissionalização.

Do ponto de vista da geração da renda e emprego o programa pode

seguramente ser considerado como bem sucedido uma vez que o quadro de

sócios da ASMARE passou de 31 (1993) para 250 (1999). Além destes

Page 101: José Wanderley Novato Silva

101

trabalham na ASMARE cerca de 28 pessoas, o que configura um benefício

direto para cerca de 280 famílias, que auferem da ASMARE um salário mensal

maior que a média do salário no setor informal da economia brasileira. A

Associação encontra-se atualmente em regime de pré-cooperativa.

A atuação das entidades parceiras buscou superar a visão preconceituosa da

sociedade sobre o trabalho dos catadores, através do trabalho educativo e

mobilizatório da população. Acrescente-se a isso a mudança de hábitos dos

catadores (redução do alcoolismo, aumento de atitudes solidárias) relatada. O

reconhecimento dos catadores como categoria profissional, concretizado nas

parcerias da ASMARE com os diversos setores da sociedade aponta para o

resgate da cidadania como uma das mais importantes conquistas do projeto,

pela incorporação de um estrato social historicamente marginalizado (incluindo

pessoas de difícil integração no mercado formal como idosos e mulheres com

muitos filhos, que encontram nos galpões atividades condizentes com sua

situação). Salienta-se a inclusão da problemática da mulher (cerca de 44% dos

catadores), cuja participação é ativa na coordenação e encaminhamento dos

trabalhos.

Entre os elementos que caracterizam uma sensível elevação da qualidade de

vida dos catadores está uma complementação, no valor de um salário-mínimo

mensal, da renda de cada catador que mantiver filhos menores na escola,

funcionando como um programa de renda mínima patrocinado pela Secretaria

Municipal de Desenvolvimento Social.

O conceito de Desenvolvimento Sustentável está na base do projeto, uma vez

que a política de resíduos urbanos adotada reconhece que a situação social do

país é também consequência dos desperdícios da sociedade de consumo,

propondo alternativas não simplesmente tecnológicas, mas de sensibilização

para mudanças de posturas e hábitos. Através da coleta seletiva cerca de 225

toneladas/dia de resíduos deixam de ir para o aterro sanitário, assim

distribuídos: 200 t de entulho da construção civil, 12 t de sobras de restaurante,

Page 102: José Wanderley Novato Silva

102

mercados, podas de árvores e gramados, 3 t e 2 t de latas de vidro entregues

nos LEVs distribuídos pela cidade, e 8 t de papel e papelão.

Atualmente um dos fatores que vem interferindo na andamento do projeto é a

queda do preço do papel, que além de reduzir os ganhos per capita vem

dificultando o ingresso de novos membros na Associação. Em consequência a

ASMARE foi despertada para a necessidade da diversificação dos materiais

comercializados. Hoje já se coleta - além do papel, papelão e latinhas de

alumínio - plástico, embalagens de leite “longa vida” e metais ferrosos. Porém o

volume coletado ainda é irrisório diante da “grandeza” do volume de lixo gerado

na cidade.

Uma das mais significativas deficiências do programa é a fragilidade

administrativa da ASMARE, com relação ao controle de vendas, produção e

custos, bem como aos aspectos organizacionais de engenharia de produção e

distribuição de funções, que repercutem negativamente diante da premência da

ampliação da Coleta Seletiva em toda a cidade.

As dificuldades mercadológicas do produto reciclado vão de encontro às

afirmações de VALENTE (1999) acerca da complexidade de viabilizar

economicamente a coleta seletiva. No entanto, corroborando o ponto de vista

deste mesmo autor, os ganhos sociais do projeto são bastante eloquentes.

Embora tenham sido registrados avanços, ainda é significativa a importância

da SLU e de agentes da Pastoral como assessores administrativos - o que

reduz a autonomia da Associação.

No que concerne à análise de políticas públicas, no quesito implementação uma

análise preliminar aponta para o enquadramento da experiência SLU/ASMARE

como formuladores e implementadores de uma política pública específica

através de uma “rede política”, como no modelo desenvolvido por SUBIRATS

(1989) e compartilhado por FISCHER (1996) quando afirma serem as cidades

Page 103: José Wanderley Novato Silva

103

“...conjuntos complexos de teias organizacionais com diversidades e

singularidades que geram forte multiplicação de projetos e jogos

cooperativos...” (p. 14). Os dados obtidos permitem afirmar a configuração de

uma rede de atores institucionais agindo para implementação de uma política

específica.

Conforme LOIOLA E MOURA (1996) as redes de ação pública são exatamente

locus de emergência de parcerias e espaços públicos de negociação para

democratização da formulação e implementação e para mobilização de

recursos. A SLU e a ASMARE são instituições centrais nessa configuração,

juntamente com a Igreja Católica. Uma multiplicidade de parcerias viabiliza

todas as ações.

Por outro lado, conforme afirma SUBIRATS (1989) a assimetria de poder e

recursos cria uma situação particular no relacionamento entre essas

instituições, onde a ASMARE inequivocamente ocupa a posição mais frágil,

construindo lentamente sua autonomia.

No entanto as relações entre as instituições não se dão de forma clientelística

ou paternalista, uma vez que as atribuições de cada uma encontram-se bem

definidas.

Pela classificação de SANTOS (1989) a implementação da coleta seletiva

configura uma típica política social compensatória, no interior da matriz da

“teoria da cidadania” preconizada por COIMBRA (1989) e do modelo de

“conflito e negociação” sugerido por ELMORE (1983).

Pode-se afirmar que a fórmula encontrada de cooperação entre os setores

estatal, o Terceiro Setor e instituições privadas mostrou-se positiva na medida

em que possibilitou tanto uma maior democratização do processo quanto

favoreceu a adoção de uma forma de gestão mais ágil e flexível -

Page 104: José Wanderley Novato Silva

104

caracterizando a busca de eficiência e eficácia típicas do setor privado - bem

ao estilo da “reinvenção do governo” de OSBORNE e GAEBLER (1994).

A criação de mecanismos institucionais formais garantiu que, no contexto da

parceria, a discussão das questões relevantes fosse feita a partir de pontos

concretos - e não de princípios - o que também representou um ponto positivo.

Embora este estudo não tenha como objetivo a avaliação do programa

mencionado, as variáveis consideradas no modelo de SOUTO-MAIOR (1992)

parecem mostrar-se adequadas, embora alguns problemas possam ser

levantados. Se parece razoável falar em busca da equidade num contexto

plural, a questão da representatividade e legitimidade revela-se bem mais

complexa. Do ponto de vista da continuidade e da progressividade os dados

levantados permitem afirmar com relativa segurança a pertinência desses dois

aspectos no caso em questão.

Os resultados encontrados - embora não possam servir como um “modelo”

para a implementação de políticas públicas - podem funcionar como

indicadores não somente das possibilidades de uma gestão eficaz do setor

público como também das inúmeras dificuldades ainda existentes.

Cabe lembrar que durante a realização deste trabalho algumas possibilidades

de aprofundamento e continuidade do estudo foram aventadas.

A primeira delas diz respeito à possibilidade de se efetuar um estudo que

abrangesse um maior número de atores, seus papéis e sua articulação, dentro

do conceito de “policy network” sugerido por SUBIRATS (1989).

Entre esses atores a Igreja Católica - parceira privilegiada da ASMARE desde

sua criação - poderia vir a ser objeto de estudo dada a peculiaridade dos

fatores éticos que envolvem o contexto da gestão em que ela se inscreve.

Page 105: José Wanderley Novato Silva

105

Uma segunda possibilidade concerne à avaliação, segundo critérios que

compreendam a especificidade de experiências participativas, tanto do modelo

global de gestão de resíduos da SLU, como da rede institucional que viabiliza a

construção da coleta seletiva de materiais em Belo Horizonte.

Outros estudos sobre a especificidade da gestão em organizações do Terceiro

Setor poderiam ser elaborados, com a finalidade de tentar estabelecer

conexões no sentido de forjar uma teoria das organizações dessa natureza.

A problemática ambiental urbana oferece um campo fértil para estudos acerca

das organizações que aí atuam - suas articulações com o Estado e sua forma

específica de lidar com problemas cuja complexidade escapa muitas vezes da

instância municipal, alcançando as esferas nacional e até mesmo mundial.

Espera-se que o presente estudo possa contribuir tanto para uma ampliação e

aprofundamento dos estudos sobre políticas públicas no país, quanto contribuir

para a efetividade dos mecanismos de gestão no setor analisado, através da

análise dos desafios e dificuldades ainda existentes.

Page 106: José Wanderley Novato Silva

106

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Page 113: José Wanderley Novato Silva

113

ANEXO I

LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE (1990)

Artigo 151

O Município manterá o sistema de limpeza urbana, coleta, tratamento e

destinação final do lixo observado o seguinte:

I - a coleta de lixo será seletiva;

II - O Poder Público estimulará o acondicionamento seletivo dos resíduos;

III - os resíduos recicláveis serão acondicionados para a reintrodução no ciclo

do sistema ecológico;

IV - os resíduos não recicláveis serão acondicionados e terão destino final que

minimize o impacto ambiental;

V - o lixo séptico proveniente de hospitais, laboratórios e congêneres será

acondicionado e apresentado à coleta em contenedores especiais, coletado em

veículos próprios e específicos e transportado separadamente, tendo destino

final em incinerador público;

VI - os terrenos resultantes de aterro sanitário serão destinados a parques ou

áreas verdes;

VII - a coleta e a comercialização dos materiais recicláveis serão feitas

preferencialmente por meio de cooperativas de trabalho.

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114

ANEXO II

AGENDA 21 - CAPÍTULO 27

FORTALECIMENTO DO PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES NÃO-

GOVERNAMENTAIS: PARCEIROS PARA UM DESENVOLVIMENTO

SUSTENTÁVEL

ÁREA DE PROGRAMAS

Base para a ação

27.1. As organizações não-governamentais desempenham um papel

fundamental na modelagem e implementação da democracia participativa. A

credibilidade delas repousa sobre o papel responsável e construtivo que

desempenham na sociedade. As organizações formais e informais, bem como

os movimentos populares, devem ser reconhecidos como parceiros na

implementação da Agenda 21. A natureza do papel independente

desempenhado pelas organizações não-governamentais exige uma

participação genuína; portanto, a independência é um atributo essencial dessas

organizações e constitui condição prévia para a participação genuína.

27.2. Um dos principais desafios que a comunidade mundial enfrenta na busca

da substituição dos padrões de desenvolvimento insustentável por um

desenvolvimento ambientalmente saudável e sustentável é a necessidade de

estimular o sentimento de que se persegue um objetivo comum em nome de

todos os setores da sociedade. As chances de forjar um tal sentimento

dependerão da disposição de todos os setores de participar de uma autêntica

parceria social e diálogo, reconhecendo, ao mesmo tempo, a independência

dos papéis, responsabilidades e aptidões especiais de cada um.

Page 115: José Wanderley Novato Silva

115

27.3. As organizações não-governamentais, inclusive as organizações sem fins

lucrativos que representam os grupos de que se ocupa esta seção da Agenda

21, possuem uma variedade de experiência, conhecimento especializado e

capacidade firmemente estabelecidos nos campos que serão de particular

importância para a implementação e o exame de um desenvolvimento

sustentável, ambientalmente saudável e socialmente responsável, tal como o

previsto em toda a Agenda 21. Portanto, a comunidade das organizações não-

governamentais oferece uma rede mundial que deve ser utilizada, capacitada e

fortalecida para apoiar os esforços de realização desses objetivos comuns.

27.4. Para assegurar que a contribuição potencial das organizações não-

governamentais se materialize em sua totalidade, deve-se promover a máxima

comunicação e cooperação possível entre elas e as organizações

internacionais e os Governos nacionais e locais dentro das instituições

encarregadas e programas delineados para executar a Agenda 21. Será

preciso também que as organizações não-governamentais fomentem a

cooperação e comunicação entre elas para reforçar sua eficácia como atores

na implementação do desenvolvimento sustentável.

Objetivos

27.5. A sociedade, os Governos e os organismos internacionais devem

desenvolver mecanismos para permitir que as organizações não-

governamentais desempenhem seu papel de parceiras com responsabilidade

e eficácia no processo de desenvolvimento sustentável e ambientalmente

saudável.

27.6. Para fortalecer o papel de parceiras das organizações não-

governamentais, o sistema das Nações Unidas e os Governos devem iniciar,

em consulta com as organizações não-governamentais, um processo de exame

dos procedimentos e mecanismos formais para a participação dessas

Page 116: José Wanderley Novato Silva

116

organizações em todos os níveis, da formulação de políticas e tomada de

decisões à implementação.

27.7. Até 1995, deve-se estabelecer um diálogo mutuamente produtivo no plano

nacional entre todos os Governos e as organizações não-governamentais e

suas redes auto-organizadas para reconhecer e fortalecer seus respectivos

papéis na implementação do desenvolvimento ambientalmente saudável e

sustentável.

27.8. Os Governos e os organismos internacionais devem promover e permitir

a participação das organizações não-governamentais na concepção, no

estabelecimento e na avaliação de mecanismos oficiais procedimentos formais

destinados a examinar a implementação da Agenda 21 em todos os níveis.

Atividades

27.9. O sistema das Nações Unidas, incluídos os organismos internacionais de

financiamento e desenvolvimento, e todas as organizações e foros

intergovernamentais, em consulta com as organizações não-governamentais,

devem adotar medidas para:

(a) Examinar e informar sobre as maneiras de melhorar os procedimentos e

mecanismos existentes por meio dos quais as organizações não-

governamentais contribuem para a formulação de políticas, tomada de

decisões, implementação e avaliação, no plano de organismos individuais, nas

discussões entre instituições e nas conferências das Nações Unidas;

(b) Tendo por base o inciso (a) acima, fortalecer, ou caso não existam,

estabelecer mecanismos e procedimentos em cada organismo para fazer uso

dos conhecimentos especializados e opiniões das organizações não-

governamentais sobre formulação, implementação e avaliação de políticas e

programas;

Page 117: José Wanderley Novato Silva

117

(c) Examinar os níveis de financiamento e apoio administrativo às organizações

não-governamentais e o alcance e eficácia da participação delas na

implementação de projetos e programas, tendo em vista aumentar seu papel de

parceiras sociais;

(d) Criar meios flexíveis e eficazes para obter a participação das organizações

não-governamentais nos processos estabelecidos para examinar e avaliar a

implementação da Agenda 21 em todos os níveis;

(e) Promover e autorizar as organizações não-governamentais e suas redes

auto-organizadas a contribuir para o exame a a avaliação de políticas e

programas destinados a implementar a Agenda 21, inclusive dando apoio às

organizações não-governamentais dos países em desenvolvimento e suas

redes auto-organizadas;

(f) Levar em consideração as conclusões dos sistemas de exame e processos

de avaliação das organizações não-governamentais nos relatórios pertinentes

da Secretaria Geral à Assembléia Geral e de todos os órgãos das Nações

Unidas e de outras organizações e foros intergovernamentais pertinentes,

relativas à implementação da Agenda 21, em conformidade com o processo de

exame da Agenda 21;

(g) Proporcionar o acesso das organizações não-governamentais a dados e

informação exatos e oportunos para promover a eficácia de seus programas e

atividades e de seus papéis no apoio ao desenvolvimento sustentável.

27.10. Os Governos devem tomar medidas para:

(a) Estabelecer ou intensificar o diálogo com as organizações não-

governamentais e suas redes auto-organizadas que representem setores

variados, o que pode servir para: (i) examinar os direitos e responsabilidades

Page 118: José Wanderley Novato Silva

118

dessas organizações; (ii) canalizar eficientemente as contribuições integradas

das organizações não-governamentais ao processo governamental de

formulação de políticas; e (iii) facilitar a coordenação não-governamental na

implementação de políticas nacionais no plano dos programas;

(b) Estimular e possibilitar a parceria e o diálogo entre organizações não-

governamentais e autoridades locais em atividades orientadas para o

desenvolvimento sustentável;

(c) Conseguir a participação das organizações não-governamentais nos

mecanismos ou procedimentos nacionais estabelecidos para executar a

Agenda 21, fazendo o melhor uso de suas capacidades particulares, em

especial nos campos do ensino, mitigação da pobreza e proteção e

reabilitação ambientais;

(d) Levar em consideração as conclusões dos mecanismos de monitoramento

e exame das organizações não-governamentais na elaboração e avaliação de

políticas relativas à implementação da Agenda 21 em todos os seus níveis;

(e) Examinar os sistemas governamentais de ensino para identificar maneiras

de incluir e ampliar a participação das organizações não-governamentais nos

campos do ensino formal e informal e de conscientização do público;

(f) Tornar disponível e acessível às organizações não-governamentais os dados

e informação necessários para que possam contribuir efetivamente para a

pesquisa e a formulação, implementação e avaliação de programas.

Meios de implementação

(a)Financiamento e estimativa de custos

Page 119: José Wanderley Novato Silva

119

27.11. Dependendo do resultado dos processos de exame e da evolução das

opiniões sobre a melhor maneira de forjar a parceria e o diálogo entre as

organizações oficiais e os grupos de organizações não-governamentais,

haverá gastos nos planos nacional e internacional, relativamente baixos, mas

imprevisíveis, a fim de melhorar os procedimentos e mecanismos de consulta.

Da mesma forma, as organizações não-governamentais precisarão de

financiamento complementar para estabelecer sistemas de monitoramento da

Agenda 21, ou para melhorá-los ou contribuir para o funcionamento deles.

Esses custos serão significativos, mas não podem ser estimados com

segurança com base na informação existente.

(b)Fortalecimento institucional

27.11. As organizações do sistema das Nações Unidas e outras organizações

e foros intergovernamentais, os programas bilaterais e o setor privado, quando

apropriado, precisarão proporcionar um maior apoio financeiro e administrativo

às organizações não-governamentais e suas redes auto-organizadas, em

particular para aquelas sediadas nos países em desenvolvimento, que

contribuam ao monitoramento e avaliação dos programas da Agenda 21, e

proporcionar treinamento às organizações não-governamentais (e ajudá-las a

desenvolver seus próprios programas de treinamento) nos planos internacional

e regional, para intensificar seus papéis de parceiras na formulação e

implementação de programas.

27.12 Os Governos precisarão promulgar ou fortalecer, sujeitas às condições

específicas dos países, as medidas legislativas necessárias para permitir que

as organizações não-governamentais estabeleçam grupos consultivos e para

assegurar o direito dessas organizações de proteger o interesse público por

meio de medidas judiciais.

Page 120: José Wanderley Novato Silva

120

ANEXO III

LEGISLAÇÃO PARA O TERCEIRO SETOR

Foi publicada no Diário Oficial de 23 de março de 1999 a Lei nº 9.790/99, que

cria a figura jurídica das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público,

também conhecidas como as Organizações do Terceiro Setor.

De acordo com o art. 1º, § 1º da nova lei, é considerada Organização da

Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP, sigla não oficial) toda a pessoa

jurídica de direito privado, que não distribua entre seus sócios, diretores,

empregados quaisquer lucros ou dividendos que obtenha com suas atividades,

e que os aplique integralmente para atender aos fins previstos em seus

estatutos.

Para que uma sociedade seja considerada, nos termos do art. 3º da lei, como

de interesse público, deve ter, como objetivo social, ao menos uma das

finalidades abaixo assinaladas:

I- promoção da assistência social;

II- promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e

artístico;

III- promoção gratuita da educação;

IV- promoção gratuita da saúde;

V- promoção da segurança alimentar e nutricional;

VI- defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do

desenvolvimento sustentável;

Page 121: José Wanderley Novato Silva

121

VII- promoção do voluntariado;

VIII- promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza;

IX- experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de

sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito;

X- promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e

assessoria jurídica gratuita de caráter suplementar;

XI- promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da

democracia e de outros valores universais;

XII- estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,

produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos

que tenham relação com as atividades mencionadas acima.

O art. 3º exige ainda que a atuação da OSCIP se realize em caráter universal,

ou seja, que as suas atividades sejam realizadas visando o maior número

possível de pessoas, dentro de sua área de atuação, sem discriminação de

qualquer natureza.

Como forma de controlar as atividades da OSCIP, seu estatuto social, de

acordo com o art. 4º, deve conter uma série de requisitos legais, muitos destes

também aplicáveis aos órgãos da administração pública. Deverá o estatuto

conter dispositivos sobre:

I- a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade,

publicidade, economicidade e da eficiência;

Page 122: José Wanderley Novato Silva

122

II- a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a

coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens

pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;

III- a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de

competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e

contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres

para os organismos superiores da entidade;

IV- a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo

patrimônio líquido será transferido a outra OSCIP, preferencialmente que tenha

o mesmo objeto social da extinta;

V- a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualidade de

OSCIP, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos

públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será

transferido a outra OSCIP, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;

VI- a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade,

que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam

serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados

pelo mercado, na região correspondente à sua área de atuação;

VII- as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que

determinarão no mínimo:

a) a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas

Brasileiras de Contabilidade;

b) que se dê publicidade, por qualquer meio eficaz, no encerramento do

exercício fiscal, ao relatório de atividades e das demonstrações financeiras da

Page 123: José Wanderley Novato Silva

123

entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao

FGTS, colocando-os à disposição para exame de qualquer cidadão;

c) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se

for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objetos do Termo de Parceria

que a lei cria para estabelecimento de vínculos entre o Estado e as OSCIP;

d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública

recebidos pelas OSCIP será feita conforme determina o parágrafo único do art.

70 da Constituição Federal.

Como se vê, muitas das exigências do art. 4º são iguais àquelas feitas para os

órgãos do poder público, como a exigência de observância dos princípios da

legalidade, moralidade e publicidade, igualmente exigidos pelo art. 37 da

Constituição a qualquer órgão dos poderes da União, estados e municípios.

Poderá também haver a necessidade de prestação de contas dos recursos

públicos recebidos pela OSCIP ao Congresso Nacional, por meio do Tribunal

de Contas da União, e ao sistema de controle interno de cada órgão público

responsável pelo repasse dos recursos.

Outra novidade trazida pelo art. 4º é a possibilidade dos dirigentes da OSCIP

receberem remuneração, prática hoje proibida nas ONGs. A exigência para o

pagamento é que esse diretor atue efetivamente na gestão executiva da OSCIP

ou a ela preste serviços técnicos de natureza específica.

Para que uma sociedade civil obtenha efetivamente a classificação de OSCIP,

deverá dirigir um requerimento ao Ministério da Justiça, instruído com os

documentos relacionados no art. 5º da lei, qual sejam:

I- Estatuto registrado em Cartório;

Page 124: José Wanderley Novato Silva

124

II- Ata de eleição de sua atual diretoria;

III- Balanço patrimonial e demonstrativos dos resultados financeiros;

IV- Declaração de isenção do Imposto de Renda;

V- Inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes.

Caso a instituição requerente já possua uma outra classificação, como por

exemplo, de utilidade pública, poderá obter a classificação como OSCIP,

mantendo as duas qualificações simultaneamente, pelo prazo máximo de 2

anos, quando deverá optar por uma ou outra (art. 18).

A lei abre também a possibilidade de a OSCIP formar vínculos de cooperação

com o Poder Público, para a execução das finalidades sociais, mediante a

celebração do denominado Termo de Parceria (art. 9º). Este termo deverá,

consoante determina o art. 10, § 2º, conter algumas cláusulas essenciais, que

são:

I- a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto

pela OSCIP;

II- a de estipulação das metas e dos resultados a serem atingidos e os

respectivos prazos de execução ou cronograma;

III- a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho

a serem utilizados, mediante indicadores de resultados;

IV- a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu

cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela

organização e detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a

Page 125: José Wanderley Novato Silva

125

serem pagos, com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a

seus diretores, empregados e consultores;

V- a que estabelece as obrigações da OSCIP, entre as quais a de apresentar

ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do

objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas

propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de

contas dos gastos e receitas efetivamente realizados;

VI- a de publicação, na Imprensa oficial do município, do estado ou da União,

conforme o alcance das atividades celebradas entre o órgão parceiro e a

OSCIP, de extrato do Termo de Parceria e de demonstrativo da sua execução

física e financeira, sob pena de não liberação dos recursos previstos no Termo

de Parceria.

O Poder Público e o Conselho de Políticas Públicas atuante na área de

interesse da OSCIP serão os responsáveis pela fiscalização da execução do

objeto do termo de parceria. Neste âmbito, caso seja constatado desvio de

recursos, o art. 13 da lei prevê a decretação da indisponibilidade dos bens da

entidade civil e o seqüestro dos bens de seus diretores.

Ainda com o intuito de evitar fraudes, a lei determina que, no caso de compra

de imóveis por parte da OSCIP com recursos provenientes do Termo de

Parceria, o imóvel será gravado com cláusula de inalienabilidade, não podendo

em hipótese alguma ser vendido, conforme estipula o art. 15.

Por fim, o art. 16 da lei proíbe as OSCIP de participar, sob qualquer forma, de

campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais.

Sérgio Leitão e Fernando Baptista

Instituto Socioambiental

Page 126: José Wanderley Novato Silva

126

ANEXO IV

Carta Aberta de Pieffe Galand, Secretário-Geral da OXFAM - Bélgica,

apresentando sua demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos não

governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de Iniciativas

Aos Copresidentes do Banco Mundial

Srs. Maezide N'Diede e James Adams

Prezados Senhores,

Na véspera do qüinquagésimo aniversário de nascimento da Organização das

Nações Unidas e das instituições nascidas do Acordo de Bretton Woods,

desejo apresentar minha demissão do Grupo de Trabalho dos Organismos não

governamentais do Banco Mundial e de seu Conselho de lniciativas. Tomo esta

decisão por honestidade intelectual e coerência em face de muitos amigos com

os quais trabalho no Terceiro Mundo.

Depois de ter tido, nos últimos três anos, oportunidade de observar a conduta

do Banco Mundial, associo-me a alguns colegas das ONGs que acreditam ser

a dissidência a única estrada que conduz à justiça social e à coerência entre os

povos. Supus que colaborando estreitamente com o Grupo de Trabalho das

ONGs do Banco Mundial contribuiríamos para desenvolver uma

co-responsabilidade para com o destino dos povos menos favorecidos da

Terra. Isto não aconteceu. A pobreza aumenta, a fome mata - certamente mais

do que as guerras - e cresce todos os dias o número daqueles que não

conseguem atendimento médico, de jovens analfabetos e sem família,

alcançando cifras sem precedentes. Todavia, os remédios propostos pelo

Banco Mundial para o desenvolvimento são remédios envenenados que

agravam os problemas.

Page 127: José Wanderley Novato Silva

127

Na minha alma e consciência sinto o dever de dizer BASTA . Os Senhores se

apropriaram dos discursos das ONGs sobre desenvolvimento, sobre ecologia,

sobre a pobreza e sobre a participação popular. Ao mesmo tempo, propõem

uma política de ajustes estruturais que agravam o "dumping" social nos países

do Sul, deixando-os completamente sós e indefesos sob o domínio do mercado

mundial.

As empresas multinacionais chegam ao Sul porque os Senhores e seus

colegas do FMI criaram as condições necessárias para produzir com o "menor

custo social". A intervenção conjunta do Banco Mundial e do FMI representa

uma pressão contínua sobre as economias para que sejam mais competitivas e

produzam sempre mais.

"Os remédios propostos pelo Banco Mundial são remédios envenenados que

agravam os problemas."

Este objetivo é alcançado somente com a incessante coação que exercitam

sobre os governos para que economizem e reduzam os benefícios sociais

considerados muito onerosos. Do ponto de vista dos Senhores, os únicos

governos bons são os que aceitam prostituir suas economias no interesse das

multinacionais e dos ONIPOTENTES GRUPOS FINANCEIROS

INTERNACIONAIS. O Banco Mundial é uma instituição responsável pelo

desenvolvimento no mundo todo e é também uma instituirão cada vez mais

arrogante. Tem o poder, nunca visto antes na história, de intervir nos assuntos

internacionais e nos assuntos internos das nações. Fixa as condições do

desenvolvimento, mas não se

considera responsável pelas suas conseqüências. O Banco Mundial aprendeu

a elaborar excelentes análises e é capaz de falar de temas transcendentes

como participações populares - e em particular a da mulher - a luta dos povos

contra a pobreza e a necessidade de proteger o ambiente.

Page 128: José Wanderley Novato Silva

128

Mas vai além, defende os direitos humanos e os da minoria e faz pressão

sobre os governos para que os respeitem. É até capaz de tomar mais atraente

seus ideais, assinalando o quanto é importante para o desenvolvimento que

esta ou aquela nação o faça.

Diante de tudo o que foi dito, surge uma pergunta: por que são apresentadas

tão belas argumentações, seguidas de atuações tão escandalosas? Porque, na

prática, o Banco Mundial condiciona o seu apoio à aplicação de políticas de

ajustamentos estruturais socialmente criminosas. O Banco Mundial é muito bem

informado sobre a pobreza, sobre o empobrecimento e sobre

marginalização de enormes setores da população de nosso planeta. Portanto,

trata-se de puro cinismo, de mentiras políticas.

Pessoalmente, creio que existe uma profunda má fé, porque, afora os belos

discursos, o Banco Mundial não é nada mais do que um instrumento a serviço

de um modelo ortodoxo de crescimento baseado na competição e não na

cooperação.

É dever do Banco Mundial assegurar a todos - pequenos e grandes - a

participação no mercado mundial. Muito raramente, mas com certeza não

agora, crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento.

Neste fim de século, o crescimento e a competição são apenas meios para o

enriquecimento sempre mais rápido de uma minoria, sem que isto produza

efeito para o desenvolvimento, a cooperação ou a redistribuição das riquezas.

As desigualdades são cada vez mais profundas e a fome mata todos os dias

milhares de pessoas sem que este estado de coisas provoque rebelião ou

indignação. Enquanto o Banco Mundial mantiver sua insensibilidade política de

ajustamentos estruturais, temos o dever de nos mobilizar e de mobilizar o maior

número possível de vítimas de tais ajustes para lutar contra este tipo de

intervenção.

Page 129: José Wanderley Novato Silva

129

Depois de ter participado por três anos e meio de um diálogo com o Banco

Mundial na qualidade de membro de seu Grupo de Trabalho, apresento minha

demissão porque creio que não existe nenhuma possibilidade de humanizar o

Banco Mundial.

A África morre e o Banco Mundial se enriquece. A Ásia e a Europa Oriental

vêem suas riquezas saqueadas e o Banco Mundial apoia as iniciativas do FMI

e do GATT que autorizam este saque de riquezas materiais e intelectuais. A

América Latina, como outros continentes, vê com horror suas crianças sendo

usadas como força de trabalho e, o que é ainda mais horrível, como doadoras

forçadas de órgãos para o próspero mercado de transplantes da América do

Norte. Nas suas argumentações, o Banco Mundial fala dos inevitáveis

sacrifícios que a estabilização estrutural exige para que as nações participem

do mercado mundial globalizado, como se se tratasse de atravessar o duro

deserto para chegar à Terra Prometida do desenvolvimento. Não quero ser

cúmplice desta inexorável fatalidade pregada pelo Banco.

Prefiro contribuir para sustentar as organizações dos camponeses sem terra,

das crianças de rua, das mulheres que nas cidades asiáticas não querem

vender seus corpos, dos trabalhadores e dos sindicatos que lutam contra o

saque de seus recursos naturais e contra a desestruturação de sua capacidade

produtiva.

Sei, por longa experiência, que existem muitos amigos nas ONGs que pensam

que um diálogo com o Banco Mundial seja útil para mudar pouco a pouco sua

conduta institucional, orientando-a na direção do melhor julgamento dos

pedidos de colaboração e de desenvolvimento. Respeito essa posição e

respeito a atitude daqueles que, no interior do Banco Mundial, esperam que um

diálogo com as ONGs leve a mudanças nas análises; mas, baseado na minha

experiência no Grupo de Trabalho, prefiro abandoná-lo antes de terminar meu

mandato, porque não quero continuar a ser cúmplice.

Page 130: José Wanderley Novato Silva

130

" A África morre e o Banco Mundial enriquece."

Meus votos de fim de ano para o Banco Mundial são simples: cinqüenta anos

bastam. Os Senhores estão entre os principais inimigos dos pobres e dos

direitos que eles defendem no âmbito das Nações Unidas.

Os Senhores são a máquina mais extraordinária e sofisticada de relações

públicas que existe no mundo para impor a todos uma angustiante sensação de

fatalidade que leva ao conformismo e a aceitar que o desenvolvimento seja

reservado a poucos e que para todos os outros, que não são considerados

bastante competitivos nem domesticáveis, nada mais resta além da inevitável

pobreza. O lançamento de uma economia de desenvolvimento que promova a

justiça social mediante acessos do maior número de pessoas a um salário

justo nos obriga a procurar com urgência outra instituição. Uma instituição que

substitua o Banco Mundial deve consentir que os seres humanos participem e

se beneficiem de ações que lhes restituam a dignidade, garantindo-lhes

alimentação e direito à diversidade, no quadro de um desenvolvimento co-

dividido.

Deixando o Grupo de Trabalho, saúdo os colegas que ainda respeito e exprimo

o meu apreço aos numerosos empregados dessa instituição.

Só com uma reestruturação e um novo empenho para modificar as Nações

Unidas e os organismos nascidos do Acordo de Bretton Woods criaremos

condições para empreender a guerra contra a fome e a favor da solidariedade,

num desenvolvimento co-dividido entre todos os seres humanos.

Atenciosamente

Pieffe Galand

Page 131: José Wanderley Novato Silva

131

Secretário-Geral da OXFAM - Bélgica