Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE “DIGESTIVO CULTURAL” MANAUS 2013

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Monografia de conclusão do curso de Comunicação Social/Jornalismo na Universidade Federal do Amazonas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA

JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE

“DIGESTIVO CULTURAL”

MANAUS

2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA

JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE

“DIGESTIVO CULTURAL”

MANAUS

2013

Trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina ―Projetos Experimentais‖ do curso de Comunicação

Social/Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas.

Orientação: Profa. Luiza Elayne Correa Azevedo – Ps. Dra.

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA

JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE

“DIGESTIVO CULTURAL”

BANCA EXAMINADORA:

Profa. Ps. Dra. Luiza Elayne Correa Azevedo (UFAM - Orientadora)

___________________________________________________

Profa. Especialista Lyvia Fabiana Moutinho Lyra (CIESA – Examinadora externa)

___________________________________________________

Prof. Me. João Bosco Ferreira (UFAM - Examinador)

___________________________________________________

MANAUS

2013

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, pelo apoio incondicional.

À professora Luiza Elayne Azevedo, por ter me apresentado ao universo das Ciências

da Comunicação.

Aos colegas e companheiros que fiz em sala de aula, no PETCom e nos congressos.

Aos amigos inseparáveis.

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[...] a cultura funciona pela comunicação. Seria impossível para uma

pessoa viver no seio de uma cultura sem aprender a usar seus códigos

de comunicação. E também seria impossível para ela não se

comunicar.

(BORDENAVE, 2006, p. 56)

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RESUMO

O trabalho aqui apresentado é fruto de um projeto desenvolvido entres os anos de 2011 e 2012

no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), com apoio do

CNPq. Tendo como suporte teórico o jornalismo cultural praticado no ciberespaço, propôs-se

um estudo de caso do site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com.br) dos pontos de

vista da Arquitetura de Informação, Usabilidade, Interfaces Comunicacionais, Análise de

Conteúdo e Análise de Discurso, com o intuito de alcançar um entendimento em relação às

especificidades dessa especialidade de webjornalismo. Para isso, optou-se por uma

abordagem interdisciplinar, levando-se em conta que áreas afins ao campo da Comunicação,

como a Informática, poderiam agregar a um estudo a respeito do jornalismo cultural

desenvolvido na Internet. Dentre os resultados apurados, pode-se destacar que o site subutiliza

o recurso da hipermídia, porém ajuda a ampliar as potencialidades da cultura enquanto valor-

notícia, pondo em prática uma mescla discursiva formada por informação, persuasão e

sedução.

Palavras-chave: Digestivo Cultural, Jornalismo Cultural, Arquitetura de Informação, Análise

de Conteúdo, Análise de Discurso

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ABSTRACT

The work presented here is the result of a project developed entres the years 2011 and 2012

under the Institutional Program of Scientific Initiation Scholarships (PIBIC), with support

from CNPq. Having as theoretical support cultural journalism practiced in cyberspace, it was

proposed a case study of the site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com.br) the

points of view of Information Architecture, Usability, Communicational Interfaces, Content

Analysis and Analysis Discourse, in order to reach an understanding regarding the specifics of

this specialty web journalism. For this, we chose an interdisciplinary approach, taking into

account the knowledge areas related to the field of communication, such as Informatics, could

add to a study about the cultural journalism developed on the Internet. Among the results, it

can be noted that the site underutilizes the use of hypermedia, but helps broaden the potential

value of culture as news, putting into practice a discursive mixture formed by information,

persuasion and seduction.

Palavras-chave: Digestivo Cultural, Cultural Journalism, Information Architecture, Content

Analysis, Discourse Analysis

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Assunto ........................................................................................................... 120

Gráfico 2 – Gênero jornalístico .......................................................................................... 121

Gráfico 3 – Quantidade de caracteres ................................................................................. 122

Gráfico 4 – Quantidade de hiperlinks ................................................................................. 123

Gráfico 5 – Caracteres x hiperlinks .................................................................................... 123

Gráfico 6 – Gênero x caracteres ......................................................................................... 124

Gráfico 7 – Quantidade de imagens .................................................................................... 124

Gráfico 8 – Caracteres x imagens ....................................................................................... 125

Gráfico 9 – Referência ao jornalismo cultural .................................................................... 125

Gráfico 10 – Localidade ..................................................................................................... 126

Gráfico 11 – Localidade x assunto ..................................................................................... 127

Gráfico 12 – Abordagem de cultura.................................................................................... 127

Gráfico 13 – Abordagem qualitativa................................................................................... 128

Gráfico 14 – Temporalidade ............................................................................................... 128

Gráfico 15 – Abordagem jornalística .................................................................................. 129

Gráfico 16 – Compartilhamentos no Facebook ................................................................... 129

Gráfico 17 – Compartilhamentos no Twitter ...................................................................... 130

Gráfico 18 – Comentários .................................................................................................. 130

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Sistemas de organização. .................................................................................... 37

Quadro 2 - Sistemas de navegação. ...................................................................................... 39

Quadro 3 - Sistemas de rotulação. ........................................................................................ 39

Quadro 4 – Codificação ....................................................................................................... 60

Quadro 5 – Modelo de ficha de codificação.......................................................................... 61

Quadro 6 - Ficha de análise de discurso................................................................................ 62

Quadro 7 - Ficha de codificação 01 ...................................................................................... 99

Quadro 8 - Ficha de codificação 02 .................................................................................... 101

Quadro 9 - Ficha de codificação 03 .................................................................................... 103

Quadro 10 - Ficha de codificação 04 .................................................................................. 105

Quadro 11 - Ficha de codificação 05 .................................................................................. 107

Quadro 12 - Ficha de codificação 06 .................................................................................. 108

Quadro 13 - Ficha de codificação 07 .................................................................................. 110

Quadro 14 - Ficha de codificação 08 .................................................................................. 112

Quadro 15 - Ficha de codificação 09 .................................................................................. 114

Quadro 16 - Ficha de codificação 10 .................................................................................. 116

Quadro 17 - Ficha de codificação 11 .................................................................................. 117

Quadro 18 - Ficha de codificação 12 .................................................................................. 119

Quadro 19 - Ficha de análise 01 ......................................................................................... 134

Quadro 20 - Ficha de análise 02 ......................................................................................... 135

Quadro 21 - Ficha de análise 03 ......................................................................................... 136

Quadro 22 - Ficha de análise 04 ......................................................................................... 137

Quadro 23 - Ficha de análise 05 ......................................................................................... 138

Quadro 24 - Ficha de análise 06 ......................................................................................... 138

Quadro 25 - Ficha de análise 07 ......................................................................................... 139

Quadro 26 - Ficha de análise 08 ......................................................................................... 140

Quadro 27 - Ficha de análise 09 ......................................................................................... 141

Quadro 28 - Ficha de análise 10 ......................................................................................... 142

Quadro 29 - Ficha de análise 11 ......................................................................................... 142

Quadro 30 - Ficha de análise 12 ......................................................................................... 143

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Modelo Conceitual da arquitetura de informação ................................................. 35

Figura 2 - Esquemas exatos .................................................................................................. 70

Figura 3 - Esquemas exatos .................................................................................................. 71

Figura 4 - Esquema exato alfabético ..................................................................................... 72

Figura 5 - Esquema ambíguo por assunto ............................................................................. 73

Figura 6 - Navegação embutida ............................................................................................ 75

Figura 7 - Cabeçalho ............................................................................................................ 75

Figura 8 - Navegação ........................................................................................................... 76

Figura 9 - Navegação contextual .......................................................................................... 76

Figura 10 - Mapa do site ...................................................................................................... 77

Figura 11 - Navegação social encontrada em texto da seção Colunas ................................... 78

Figura 12 - Navegação social em texto da seção Colunas ..................................................... 78

Figura 13 - Sistema de rotulação: lista de opções.................................................................. 79

Figura 14 - Sistema de rotulação: título ................................................................................ 79

Figura 15 - Sistema de rotulação: links contextuais .............................................................. 79

Figura 16 - Sistema de rotulação: ícones .............................................................................. 80

Figura 17 - Sistema de busca: localização ............................................................................ 80

Figura 18 - Sistema de busca integrado ao Google ............................................................... 81

Figura 19 - Sistema de busca avançada................................................................................. 81

Figura 20 - Janela de feedback com o usuário ...................................................................... 82

Figura 21 – Função disparo .................................................................................................. 83

Figura 22 - O que são encaminhamentos? ............................................................................ 84

Figura 23 - Hierarquia .......................................................................................................... 84

Figura 24 – Liberdade de controle ........................................................................................ 85

Figura 25 - Inconsistência na apresentação de itens .............................................................. 85

Figura 26 - Ausência de prevenção de erros ......................................................................... 86

Figura 27 - Ícones permitem associação entre imagem e função ........................................... 86

Figura 28 - Área em destaque é um atalho para a página inicial ............................................ 87

Figura 29 - Orientações da leitura......................................................................................... 88

Figura 30 - Mensagem de erro exibida pelo Digestivo .......................................................... 89

Figura 31 – Seção de comentários ........................................................................................ 90

Figura 32 - Comentários por comentador ............................................................................. 91

Figura 33 - Multimídia ......................................................................................................... 94

Figura 34 - Compartilhamento ............................................................................................. 95

Figura 35 – Twitter integrado ............................................................................................... 96

Figura 36 – Twitter integrado ............................................................................................... 96

Figura 37 - Recurso também permite a publicação do comentário no Facebook.................... 97

Figura 38 – Comentários via Facebook ................................................................................ 97

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12

1 DESENVOLVIMENTO DOS CONCEITOS DE CULTURA ...................................... 16

1.1 Aproximações com o jornalismo .............................................................................. 19

1.2 Alguns dilemas .......................................................................................................... 23

2 JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET ............................................................. 27

2.1 Aprofundamentos ..................................................................................................... 30

3 ARQUITETURA DE INFORMAÇÃO .......................................................................... 33

3.1 Por dentro da Arquitetura de Informação .............................................................. 36

3.2 Arquitetura de Informação e usabilidade ................................................................ 40

4 INTERPRETANDO AS MENSAGENS ........................................................................ 43

4.1 Análise de Conteúdo ................................................................................................. 44

4.2 Análise de Discurso ................................................................................................... 47

4.2.1 O contrato de comunicação .................................................................................. 47

4.2.2 Comunicação midiática ........................................................................................ 49

4.2.3 Organização do discurso midiático ....................................................................... 52

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 54

5.1 Avaliação da AI, usabilidade e interfaces comunicacionais .................................... 54

5.2 Análise de Conteúdo ................................................................................................. 56

5.2.1 Pré-análise ........................................................................................................... 57

5.2.2 Exploração do material ......................................................................................... 58

5.2.3 Tratamento dos resultados obtidos ........................................................................ 61

5.3 Análise de Discurso ................................................................................................... 61

6 ESTUDO DE CASO ........................................................................................................ 63

6.1 Um pouco da história do site .................................................................................... 63

6.2 Como funciona .......................................................................................................... 65

6.2.1 Anúncios e divulgação ......................................................................................... 66

6.3 Análise da arquitetura de informação ..................................................................... 68

6.3.1 Sistemas de organização ....................................................................................... 70

6.3.2 Sistemas de navegação ......................................................................................... 74

6.3.3 Sistemas de rotulação ........................................................................................... 78

6.3.4 Sistemas de busca ................................................................................................. 80

6.4 Análise heurística ...................................................................................................... 82

6.4.1 Visibilidade do estado do sistema ......................................................................... 82

6.4.2. Mapeamento entre o sistema e o mundo real ........................................................ 83

6.4.3 Liberdade de controle ao usuário .......................................................................... 84

6.4.4 Consistência e padrões ......................................................................................... 85

6.4.5 Prevenção de erros ............................................................................................... 86

6.4.6 Reconhecer em vez de relembrar .......................................................................... 86

6.4.7 Flexibilidade e eficiência de uso ........................................................................... 87

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6.4.8 Design estético e minimalista ............................................................................... 87

6.4.9 Suporte para o usuário reconhecer, diagnosticar e recuperar erros......................... 88

6.4.10 Ajuda e documentação ....................................................................................... 89

6.5 Interfaces comunicacionais ...................................................................................... 89

6.5.1 Interatividade ....................................................................................................... 89

6.5.2 Uso de hipermídia ................................................................................................ 93

6.5.3 Presença nas redes sociais digitais ........................................................................ 94

6.6 Análise de Conteúdo ................................................................................................. 98

6.6.1 Interpretação dos resultados ............................................................................... 120

6.6.2 Inferências ......................................................................................................... 131

6.7 Análise de Discurso ................................................................................................. 134

6.7.1 Interpretação das análises ................................................................................... 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 145

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 150

GLOSSÁRIO ................................................................................................................... 157

ANEXO ............................................................................................................................ 160

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INTRODUÇÃO

São muitos os suportes teóricos e as interpretações que podem ser mobilizados na

tentativa de explicar o que são e qual a finalidade da comunicação e da cultura. Um aspecto

dessa reflexão, porém, não pode passar despercebido: ambas estão umbilicalmente

conectadas, na teoria e na prática. Afinal, como negar que a cultura de um povo sobrevive

através da comunicação, enquanto esta última representa, por si só, um dos aspectos culturais

mais primários de uma sociedade?

Embrenhando-se nas inúmeras possibilidades de especialização dentro do campo

comunicacional, é possível deparar-se com uma área representante, em sua gênese, da relação

dual supracitada – o jornalismo cultural. Produzida no âmbito da imprensa tradicional,

eminentemente apoiada no suporte impresso, essa especialidade editorial vive em uma

constante zona de conflito, envolvendo desde aspectos ideológicos até preparação técnica.

Nota-se, por exemplo, que essa espécie de jornalismo tem se resumido cada vez mais

aos gêneros informativo e utilitário, abrindo pouco espaço à crítica e à interpretação. Apesar

disso, pelo fato de ainda haver uma demanda significativa de leitores interessados em um

jornalismo cultural de qualidade, ou em simplesmente estarem atualizados em relação à

―agenda‖, muitos são os autores que reconhecem a importância dos ―segundos cadernos‖ e

das seções culturais como instrumentos para a criação de um vínculo e de uma identidade do

leitor com a publicação (GOLIN; CARDOSO, 2010; MELO, 2007; PIZA, 2008).

Paralelamente, vivemos uma realidade na qual o jornalismo, de modo geral, se

encontra cada vez mais massificado em razão do alcance virtual inimaginável promovido pela

Internet na vida das pessoas, podendo o jornal de maior circulação do País estar presente, com

a celeridade de um clique, em uma infinidade de plataformas eletrônicas, bastando apenas

uma conexão com a rede mundial de computadores.

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Incorporada à (e pela) comunicação de massa, a Internet também promoveu uma série

de modificações no modo de se fazer jornalismo, impondo novas técnicas e rotinas, ao mesmo

tempo em que ajudou a romper antigas barreiras com as quais os jornalistas costumavam se

deparar no dia-a-dia profissional (SCHWINGEL, 2012).

Diante do exposto, o trabalho aqui apresentado se propôs a lançar um olhar analítico

sobre a forma como o jornalismo cultural está inserido no contexto das mudanças deflagradas

pela Internet. Para isso, elegeu-se como objeto o site Digestivo Cultural, veículo que há 11

anos se dedica à produção colaborativa de conteúdos sobre música, cinema, literatura, dentre

outro assuntos.

O site possui hoje mais de 1 milhão de páginas navegadas por mês e foi citado no

―Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural no Brasil em 2008‖, uma iniciativa do

Instituto Itaú Cultural, como o site mais utilizado ao longo das aulas, a título de contato com a

disciplina, pelos professores consultados.

Se, por um lado, o acesso à rede mundial de computadores registra um crescimento

exponencial, por outro, está mais fácil publicar informações por conta própria. Esse conjunto

de fatores faz do ciberjornalismo1 alvo de interesse acadêmico, contribuindo para a

consolidação de uma problemática para o estudo aqui desenvolvido:

uma vez que a internet tende a colocar em trânsito diversas modalidades de

linguagens mescladas, faz-se necessário pensar a natureza impura dessa nova

linguagem e seus impactos no [...] jornalismo cultural on line ou

webjornalismo cultural (ALZAMORA, 2001, p. 6).

Portanto, em busca das especificidades do jornalismo cultural produzido na Internet,

propôs-se uma análise abrangente tanto da estrutura do Digestivo Cultural, quanto do

conteúdo veiculado por ele, além da forma como esse material é disponibilizado aos

interagentes.

1 Para efeitos práticos, a pesquisa considera os termos ―ciberjornalismo‖, definido por Schwingel (2012), e

―webjornalismo‖ como equivalentes em sentido.

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A priori, foi realizada a análise da Arquitetura de Informação do site, com base nas

sistematizações propostas por Morville e Rosenfeld (2006), além da análise da usabilidade,

com base nos conceitos apresentados por Cybis et al. (2010). Paralelamente, foram analisadas

também as interfaces comunicacionais utilizadas pelo Digestivo Cultural no sentido de

ampliar o contato com os seus usuários.

Em um segundo momento, foram utilizadas as análises de conteúdo e discurso para as

informações do Digestivo2. Esses campos de pesquisa científica possibilitam compreender a

eficácia dos mecanismos linguísticos/imagéticos utilizados pela mídia contemporânea, que

tem os recursos da Internet à sua disposição, no processo de veiculação de informações e

opiniões sobre as mais diversas áreas do conhecimento – sendo a cultura o foco de interesse

deste trabalho.

Esta análise está dividida em seis partes, nas quais se inserem as principais

contribuições teóricas revisadas para apoiar o estudo, além do estudo de caso propriamente

dito. Assim, o primeiro capítulo trata do desenvolvimento do conceito de cultura, com a

exposição das principais correntes históricas e científicas que abordaram o tema ao longo dos

anos.

No mesmo capítulo, é explicado como o jornalismo assimilou gradualmente a cultura

até transformá-la em especialidade editorial e qual a função desempenhada pelo jornalismo

cultural no processo de decifração dos códigos artísticos produzidos no âmbito da indústria

cultural, altamente mercantilizada. Em seguida, são expostos alguns dilemas surgidos dentro

do jornalismo cultural e que refletem as próprias mudanças pelas quais o jornalismo tem

passado ao longo dos anos.

2 Pelo fato de fornecer visões distintas e complementares a respeito da mesma mensagem, optou-se pela

aplicação das duas metodologias no presente estudo de caso, uma vez que, para Torres Lima (2003), é possível

utilizar um mesmo corpus no âmbito das duas análises.

Page 16: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

15

No segundo capítulo, chega-se finalmente à interseção entre o jornalismo cultural e a

internet e às novas formas de produção comunicacional assimiladas por ele. O terceiro

capítulo trata da definição do campo da Arquitetura de Informação de websites, suas formas

de organização, as relações com o conceito de ergonomia, além das técnicas usadas para

avaliação da usabilidade de um site. São discussões relevantes para estabelecer o ponto

comum e possível entre a Informática e a Comunicação.

O capítulo quarto faz uma abordagem das análises de conteúdo e discurso enquanto

técnicas de interpretação das mensagens, partindo do pressuposto de que elas são construídas

a partir de diversos mecanismos, incluindo os ideológicos, com o objetivo de produzir

sentidos. No capítulo seguinte, são explicitados os procedimentos metodológicos que guiaram

o estudo de caso. Por fim, no sexto capítulo, são apresentados os resultados obtidos a partir

das análises.

Cabe ressaltar, ainda, que esta pesquisa busca fazer uma abordagem interdisciplinar

entre as Ciências Humanas e as Ciências Aplicadas na tentativa de cumprir o que preconiza o

professor Elias Machado, diretor do Departamento de Projetos de Pesquisa da Universidade

Federal de Santa Catarina: ―[é possível] praticar a multidisciplinaridade, aplicando conceitos

oriundos de outras disciplinas para compreender as particularidades do jornalismo‖

(SCHWINGEL, 2012, p. 9).

Page 17: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

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1 DESENVOLVIMENTO DOS CONCEITOS DE CULTURA

Já na Antiguidade, pensadores e filósofos teorizavam a respeito da cultura procurando

compreendê-la e, ao mesmo tempo, entender como ela definia e influenciava as nossas formas

de viver em sociedade. Questionava-se, por exemplo, a respeito da grande diversidade de

hábitos e comportamentos, ao se comparar duas sociedades, apesar da aparente unidade

biológica entre os indivíduos (LARAIA, 2009).

Featherstone (1995), no entanto, aponta que o interesse contemporâneo pelas questões

culturais ganhou impulso com o surgimento de movimentos e correntes de pensamento como

o feminismo, o marxismo, a semiologia, a teoria crítica e a psicanálise. O autor ainda associa

ao pós-modernismo3 o ―eclipse de um sentido específico e coerente de cultura‖, resultado da

estetização da vida cotidiana, em que tudo é passível de se tornar arte.

Em retrospectiva, segundo Thompson (2009), no início do século 19 o termo ―cultura‖

era usado em associação com a palavra civilização, entendida como processo de refinamento

e desenvolvimento intelectual humano, ou seja, o oposto da ―barbárie‖ identificada em outros

povos. É interessante notar a permanência de alguns aspectos dessa concepção, conhecida

como clássica, no uso cotidiano da palavra, carregado de um etnocentrismo que privilegia

certos valores e práticas em detrimento de outros.

O cenário começou a mudar conforme o conceito de cultura foi se incorporando à área

da Antropologia, considerada como a ciência do estudo comparativo das culturas. Nesse

contexto, a concepção descritiva está diretamente relacionada com o interesse dos etnógrafos

do século 19, a exemplo de Klemm e Tylor, em conhecer as sociedades não-europeias através

da análise de seus hábitos, costumes, artes, crenças e leis4.

3 ―Reação estética ao alto modernismo, que misturava características das chamadas cultura superior e inferior‖

(KELLNER, 2001, p. 50). 4 Thompson (2009) expõe sua crítica a esta concepção ao afirmar que ela impõe um conceito vago e amplo

demais à cultura, se tomada como tudo que varia na vida do homem.

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Por outro lado, a concepção simbólica de cultura, surgida na primeira metade do

século 19, entende que o ser humano tem a capacidade de dar sentido a construções não-

linguísticas, tais como ações, obras de arte e objetos. Dessa forma, a cultura seria um processo

de simbolização, ou seja, construção e uso de símbolos, um traço distintivo do ser humano5.

Acreditando [...] que o homem é um animal suspenso em teias de significado que ele mesmo teceu, entendo a cultura como sendo essas teias, e sua

análise, portanto, como sendo não uma ciência experimental em busca de

leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significados (GEERTZ apud THOMPSON, 2009, p. 175).

Para Thompson (2009), no entanto, a teorização de Geertz a respeito da cultura é

limitada por não contemplar as circunstâncias sócio-históricas e as relações de poder e

conflito envolvidas na produção e interpretação das formas simbólicas. Esta lacuna

encontrada na concepção simbólica, principalmente na defendida por Geertz, leva Thompson

a lançar outro olhar sobre o assunto. O autor propõe uma visão estrutural da cultura, levando

em conta o fato de as formas simbólicas serem produzidas e compartilhadas dentro de

contextos sociais característicos.

Dessa forma, os contextos estruturados são caracterizados tanto por relações de poder,

quanto pelo acesso diferenciado a recursos e oportunidades, além de condições de produção,

transmissão ou recepção de formas simbólicas, entendidas como uma ―ampla variedade de

fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos,

programas de televisão e obras de arte‖ (THOMPSON, 2009, p. 183).

Há pelo menos duas conseqüências do fato de as formas simbólicas estarem

intrinsecamente ligadas a contextos sociais: em primeiro lugar, ―o modo como uma forma

simbólica particular é compreendida por indivíduos pode depender dos recursos e capacidades

5 White afirma que a capacidade do cérebro humano de gerar e interpretar símbolos foi determinante para a

transição do estado animal para o humano (apesar desse processo não ter se dado de forma repentina) (LARAIA,

2009).

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que eles são aptos a empregar no processo de interpretá-la‖ (THOMPSON, 2009, p. 193); de

modo semelhante, as formas simbólicas também ficam sujeitas a processos de valorização e

troca. Indaga-se: de que forma acontece essa valorização?

Thompson (2009) distingue dois tipos de valorização das formas simbólicas: 1)

valorização simbólica, onde é atribuído um determinado valor simbólico pelos produtores e

recebedores do conteudo; 2) valorização econômica, através da qual a forma simbólica pode

ser trocada em um mercado, convertendo-se em mercadoria.

Nesse estágio, as formas simbólicas mercantilizadas passam a ser denominadas como

bens simbólicos, fruto do desenvolvimento da comunicação de massa e da própria indústria

cultural, que é a ―forma sui generis pela qual a produção artística e cultural é organizada no

contexto das relações capitalistas de produção, lançada no mercado e por este consumida‖

(FREITAG, 2004, p. 72). Portanto, a crescente mercantilização das formas simbólicas

também fez a maioria dos conflitos de valorização ganhar lugar dentro de um referencial

compreendido por organizações de mídia (THOMPSON, 2009).

Uma vez entendida a cultura em seu caráter simbólico, sujeita a valorizações, faz-se

necessário explicitar nossa visão do campo como fonte geradora de bens simbólicos, sem

abandonar por completo o sentido antropológico da palavra. Ou seja, entende-se cultura,

principalmente, como a matriz das diversas manifestações artísticas consolidadas (literatura,

música, cinema, artes plásticas, cênicas, etc.), passíveis de serem desconstruídas e

interpretadas simbolicamente, mas também como agregadora das manifestações

comportamentais do ser humano.

Uma conclusão possível a partir dessa discussão: se, por um lado, o homem se difere

dos outros animais por ser o único que possui cultura (LARAIA, 2009), por outro, a

construção desse conceito supõe uma forma de ver o mundo também chamada de cultura

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(SIQUEIRA; DE SIQUEIRA, 2007). Como bem coloca Santos (1996), a preocupação com

uma definição exata do termo aqui investigado deveria ser menor frente à preocupação em

identificar os motivos de tamanha variação de significados.

Para o autor, a cultura é nada menos que uma das mais importantes dimensões de

qualquer sociedade, sendo, para tal, resultado de um conjunto dinâmico de processos sociais e

históricos. Por isso, ela se converte em um instrumento legítimo e estratégico de interferência

na realidade social e, ao mesmo tempo, um elemento político.

A revisão dessas definições tem muito a contribuir para um entendimento mais sólido

sobre o campo teórico do jornalismo cultural. Afinal, como afirma Kellner (2001, p. 23), ―não

há comunicação sem cultura e não há cultura sem comunicação‖, pois uma é mediada pela

outra no processo de produção social.

1.1 Aproximações com o jornalismo

Com o passar do tempo, a indústria cultural foi se aproximando cada vez mais do

jornalismo ao enxergar nele uma peça-chave para a consolidação e ampliação do processo de

difusão dos seus produtos, além de ajudar a formar um público consumidor. Segundo Piza

(2008), um marco importante no jornalismo cultural foi a criação da revista inglesa The

Spectator, por Richard Steele e Joseph Addison. No Brasil, a especialidade ganhou força no

fim do século 19, com nomes de peso como Machado de Assis e José Veríssimo.

O jornalismo cultural, dedicado à avaliação de idéias, valores e artes, é

produto de uma era que se inicia depois do Renascimento, quando as

máquinas começaram a transformar a economia, a imprensa já tinha sido inventada e o Humanismo se propagara da Itália para toda a Europa... (PIZA,

2008, p. 12).

Dessa forma, a comunicação de massa foi assumindo um papel de destaque no

processo difuso de midiatização da cultura e na circulação de bens simbólicos, características

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inerentes às sociedades modernas. Por outro lado, a emergência da comunicação de massa

pode ser entendida como o aparecimento de um conjunto de instituições ligadas à valoração

econômica da forma simbólica e à sua ampla circulação no tempo e no espaço (THOMPSON,

2009).

Nesse processo, há uma distinção entre os pesos que as valorizações tendem a assumir

em função dos indivíduos que as formulam. Assim, ao adquirir valor simbólico, um bem pode

alcançar um determinado grau de legitimação tanto por aqueles em boa posição para atribuir

tal valor (jornalistas), quanto pelos que reconhecem e respeitam a posição daqueles (leitores)

(THOMPSON, 2009).

Sob esse ponto de vista, o jornalismo cultural pode ser entendido como um importante

mecanismo de interpretação dos códigos artísticos, uma vez que as barreiras simbólicas

podem ser fatores de rejeição de determinadas manifestações artísticas e culturais por parte do

público. Botelho (2011) destaca, por exemplo, a necessidade de não se esperar nenhum

imediatismo no confronto com a arte contemporânea:

[...] só um trabalho cuidadoso de explicitação daquilo que produz a obra em

questão (inclusive sobre o próprio espectador) permite provocar, no mínimo,

interrogações e, no melhor dos casos, adesões, evitando que o espectador agredido não se refugie na recusa (BOTELHO, 2011, p. 16).

Desse modo, podemos vislumbrar o papel desempenhado pelo jornalista cultural,

cotidianamente, tanto nos processos de valorização quanto nos conflitos. Por isso, hoje a

mídia é a grande vitrine da cultura, transformada em objeto de desejo de artistas e produtores

que buscam visibilidade na imprensa, mecanismo obrigatório para sua própria existência

(GOLIN; CARDOSO, 2010)6.

6 Apesar disso, a cobertura da mídia não garante a frequência ou fidelidade do público a instituições culturais ou

manifestações artísticas. Por vezes esquecida pelas políticas culturais, concentradas mais na oferta, a formação

de demanda/público (―desejo de cultura‖) só se concretiza através da educação e da família (GOLIN;

CARDOSO, 2010; DONNAT, 2011).

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Nesse contexto, o conhecimento se torna importante: conhecimento dos novos bens, seu valor social e cultural, e como usá-los de maneira adequada.

[...] Esse pode ser particularmente o caso do grupo que Bourdieu designa

como ‗os novos intermediários culturais‘, que atuam na mídia, design, moda, publicidade e em outras ocupações ‗paraintelectuais‘ de informação, cujas

atividades profissionais envolvem o desempenho de serviços e a produção,

comercialização e divulgação de bens simbólicos‖ (FEATHERSTONE,

1995, pp. 38-39).

Em uma sociedade hipermidiatizada, em que a oferta de bens simbólicos aumenta

exponencialmente, cresce também a demanda por especialistas em cultura para exercer o

papel de intermediários, com capacidade de transitar por diversas tradições, culturas e

linguagens no processo de interpretação das produções artísticas.

Daí decorre a importância do preparo acadêmico do jornalista de cultura, possibilitado

pelo contato com as técnicas, pelo preparo pessoal, com uma formação humanística sólida,

além de habilidades de pesquisa, apuração e desenvolvimento de senso estético e reflexivo

(ASSIS, 2008; MELO, 2007; MENDONÇA; AZEVEDO, 2010; SIQUEIRA; DE SIQUEIRA,

2007).

Em busca da singularidade do jornalismo cultural, tangenciado por diversas

concepções do que é ou não cultura, Melo (2007) define a especialidade como prática singular

e importante para a sociedade pelo fato de ela democratizar o conhecimento e possuir um

caráter reflexivo, ainda que muitas vezes inexplorado. A autora também destaca a habilidade

do jornalismo cultural de transitar entre a informação e a literatura, tocando a sensibilidade

das pessoas abertas a um conhecimento sensível e reflexivo.

Golin e Cardoso (2010) complementam: ―[...] a linguagem do jornalismo cultural

admite recursos mais criativos, estéticos ou mesmo coloquiais, assim como a exigência de um

grafismo mais ousado‖ (p. 198) como forma de diferenciação discursiva, podendo tornar-se

ele mesmo um produto cultural. Por conta disso, Souza (2010) aponta: o jornalismo cultural

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se encontra o limiar de outro modelo do fazer jornalístico não-convencional - o jornalismo

literário.

Segundo a autora, essa relativa liberdade liguística e textual está na essência da busca

pela potencialização dos recursos jornalísticos e a superação da burocracia do lead. Assim, o

jornalismo literário agrega visões intensas da realidade, permitindo uma maior profundidade

aos relatos (SOUZA, 2010).

Portanto, se por um lado a função do jornalismo é informar com base nos princípios

relativos da imparcialidade e objetividade, por outro, há quem defenda o papel crítico do

jornalismo cultural frente à produção artística, sob seus vários aspectos. Ao assumir essa

função pedagógica de mediação entre a produção cultural e o público, o jornalista se torna um

filtro importante no processo de escolha e formação de opinião.

Para Golin e Cardoso (2010), entretanto, ao atuar como filtro, o jornalista impõe

limites à própria mediação no campo da produção cultural, ao oferecer perspectivas e

abordagens parciais sobre arte e cultura, selecionando determinados conteúdos e excluindo

outros.

Dessa forma, entendido como uma especialidade, o conceito prático de jornalismo

cultural varia conforme o direcionamento adotado pelo veículo ou pelo jornalista. No entanto,

o jornalismo cultural no Brasil, seguindo uma tendência mundial, tem se restringido cada vez

mais aos gêneros informativos e utilitários, abrindo pouco espaço à crítica, à análise e à

interpretação.

Sob esse ponto de vista, ―o jornalismo cultural sai perdendo quando os critérios

passam a ser resumidos ao de afastar o leitor de abordagens que considera erroneamente

‗muito sérias‘ ou críticas‖ (PIZA, 2008, p. 57), ou quando encara a cultura como algo distante

e inalcançável (CAVALCANTI; LUCAS, 2011).

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1.2 Alguns dilemas

Um olhar analítico sobre as formas de produção e circulação do jornalismo cultural no

Brasil revela alguns conflitos e tensões próprios da dinâmica jornalística, como o valor-

notícia, a questão do deadline, a capacitação profissional, entre outros. Esses dilemas refletem

como a cultura é assimilada hoje pelo jornalismo. Para Cavalcanti e Lucas (2011), por

exemplo, há no jornalismo cultural uma dicotomia paradoxal na qual se contrapõem,

constantemente, as exigências jornalísticas (tempo, deadline) às exigências de seu tema

(cultura em profundidade).

Esses e outros fatores ajudam a compor um cenário, no qual o jornalismo cultural está

inserido, afetado por três males identificados por Piza (2008): o excessivo atrelamento à

agenda, o tamanho e a qualidade dos textos e a marginalização da crítica. Todos são fatores

desencadeados pelas transformações históricas pelas quais o jornalismo passou e que afetaram

a sua identidade.

Se, por um lado, o jornalismo brasileiro no início do século 20 mantinha relações

estreitas com o campo literário, a decadência do folhetim, o aparecimento gradual de estilos

como a crônica, a entrevista e a reportagem (como a conhecemos hoje), além do aumento do

interesse em temas antes secundários, como polícia e esportes, forçaram o jornalismo cultural

a um processo de especialização dentro dos periódicos (SODRÉ, 1999).

Dessa forma, com a substituição do modelo francês (mais opinativo) pelo norte-

americano (mais factual) na imprensa brasileira, os suplementos literários e culturais (com

circulação aos domingos) foram criados e ganharam adesão do público, pois se sentia a

necessidade de um espaço de circulação de idéias, para promover uma ―quebra temática‖ e, ao

mesmo tempo, instantes de abstração. Segundo Golin e Cardoso (2010), entretanto, nos

últimos 50 anos esses suplementos perderam as características iniciais, passando a ser

pautados pelo mercado editorial e pela agenda de eventos.

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Esse processo desencadeou a gradativa marginalização da crítica dentro dos cadernos

culturais diários, que passaram a evitar os temas considerados densos demais ou

desimportantes para o grande público, a exemplo dos rumos da política cultural. Na visão de

Piza, em tempos de informações torrenciais proporcionadas pela era eletrônica, criou-se uma

carência ainda maior de análises e comentários, ―que suplementem argumentos, perspectivas e

contextos para o cidadão desenvolver senso crítico e conectar disciplinas‖ (PIZA, 2008, p.

32).

De igual maneira, as limitações impostas pelo espaço físico dentro do jornal impresso

acabam afetando a qualidade técnica e estilística dos textos, tornando-os mais enxutos e

superficiais. Isso se deve, principalmente, porque a imprensa de um modo geral tratou de

igualar o jornalismo de cultura às demais especialidades, tanto em forma quanto em conteúdo.

Diante disso, o jornalismo cultural tem migrado especialmente para os livros, como

nota Piza: ―coletâneas de ensaios e críticas são mais corriqueiras, assim como projetos de

reportagem feitos diretamente para livros‖ (PIZA, 2008, p. 30).

Paralelamente, encontramos com facilidade nos cadernos diários de cultura um

excessivo atrelamento às agendas culturais e de eventos, tornando corriqueira a produção de

matérias sobre festas, abertura de exposições e feiras, lançamento de discos, filmes, entre

outros.

Segundo Assis (2008), essa é uma das principais características que diferenciam o

jornalismo cultural das demais especialidades, ou seja, a facilidade de previsão e

planejamento do jornalista/equipe para um determinado acontecimento, na contramão das

hard news. Em outras palavras,

...o jornalismo cultural contemporâneo percebe as manifestações estéticas

pelo espetáculo e pelo evento. Essa abordagem reitera a condição da práxis

jornalística realizada sob a velocidade, a precipitação e a renovação

permanentes. A interpretação estética e a representação do sistema artístico-cultural organizam-se com base em uma linguagem de antecipação (GOLIN;

CARDOSO, 2010, p. 196).

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A estreita relação notada atualmente entre o jornalismo cultural, o mundo do

espetáculo e a agenda imposta pela indústria cultural também revela como a cultura, direta ou

indiretamente, está sendo assimilada pela imprensa: ―a cultura apreendida por meio do

discurso jornalístico é somente aquela capaz de se transformar em notícia‖ (GOLIN;

CARDOSO, 2010, p. 196).

Assim, pode-se dizer que o jornalismo pode trabalhar a cultura a partir de duas

perspectivas principais: enquanto processo ou enquanto produto (CAVALCANTI; LUCAS,

2011; MELO, 2007; TEIXEIRA, 2008). Por processo, entende-se como o conjunto das

particularidades do sistema artístico-cultural: políticas públicas, economia criativa, marketing

cultural e todo o processo artístico que antecede ou vai além do evento, do lançamento ou do

produto final (GOLIN; CARDOSO, 2010).

Na perspectiva do produto cultural está a produção, valoração e troca de bens

simbólicos da indústria cultural. Ou seja, o contraponto entre a cultura, o entretenimento e o

mercado, no jornalismo, surge de um impasse ontológico em relação à própria definição de

cultura, como foi visto anteriormente.

Por esse motivo, ―...o jornalismo cultural tende a [ampliar] seus objetivos para além do

que chamamos ‗alta cultura‘ e [enveredar] por outros tópicos dentro de um universo cultural

abrangente‖ (CAVALCANTI; LUCAS, 2011, p. 8).

Sem dúvida, o processo de abertura do jornalismo cultural a outros assuntos se deu

com o intuito não só de diversificar e atualizar o seu conteúdo, mas de atender às demandas

de um público leitor pós-moderno, mais interessado na função utilitária das recepções.

Segundo Piza (2008), especialmente a partir dos anos 1990, alguns assuntos como moda,

turismo e gastronomia foram conquistando mais público e relevância simbólica, o suficiente

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para começarem a ser assimilados pelos cadernos culturais. São temas obviamente

pertencentes ao universo cultural (no sentido antropológico), embora não sejam exatamente

linguagens artísticas ou intelectuais.

Em consequência, as vozes mais críticas afirmam: a banalização do alcance do

jornalismo cultural causou um empobrecimento técnico e qualitativo das suas produções.

Nesse contexto, podem-se colocar como exemplos as tradições e manifestações da cultura

popular, ainda carentes de aprofundamento e contextualização na imprensa diária (MORAES,

2008).

Apesar disso, Piza (2008) defende a superação dos preconceitos em relação à indústria

cultural e à sua dinâmica, quer seja o preconceito de que ela está a serviço de uma ideologia

opressora ou de que produza apenas massificação. Afinal, o jornalismo faz parte dessa história

de ampliação do acesso aos produtos culturais sem utilidade prática e precisa, portanto,

transitar por esse mercado sem preconceitos de cunho ideológico ou parcialidade política.

Melo (2007) e Cavalcanti e Lucas (2011) adotam uma orientação parecida ao

afirmarem ser impossível transmitir, na contemporaneidade, a cultura sem levar em conta as

grandes mídias e o mercado editorial. Dessa forma, na produção jornalística não se pode

nunca perder de vista a realidade e o contexto em que vivemos.

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2 JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET

Além de ter potencializado o interesse e o encantamento do ser humano com a

comunicação e com a palavra escrita (KUCINSKI, 2005), a Internet mudou completamente a

relação do jornalismo com o seu público-leitor. Com ela, a grande imprensa se viu compelida

a adaptar os seus produtos jornalísticos para o ambiente Web, ou ciberespaço7, mais propício à

interatividade e a uma leitura não-linear da informação, criando uma comunicação de muitos

para muitos.

Segundo Primo e Träsel (2006, p. 3), ―a alteração do canal repercute de forma

sistêmica sobre o processo comunicacional como um todo‖. Isso se traduz em mudanças no

próprio modus operandi do jornalista: diante dos serviços multimídia, ele passa a produzir

notícia baseado em outras técnicas e visando a objetivos mais específicos.

Schwingel (2012) relata um processo de diferenciação constante entre o jornalismo

digital e a metáfora do impresso, identificando no sistema distinto de produção o principal

fator de constituição do ciberjornalismo8. Segundo a autora, o fato de o ciberjornalismo ser

um ―novo‖ tipo de jornalismo foi problematizado por pesquisadores ainda nos anos 1990.

Eles identificaram a modalidade não só como um novo formato, mas também como um

produto discursivo distinto em um novo suporte.

O jornalismo cultural não poderia ficar alheio a essas novas possibilidades de

produção e difusão. A primeira vantagem do jornalismo cultural na Internet talvez seja o

7 É o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede; todo e qualquer espaço informacional

multidimensional que, dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a manipulação, a

transformação e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação (SANTAELLA, 2004). 8 ―Ciberjornalismo é a modalidade jornalística no ciberespaço fundamentada pela utilização de sistemas

automatizados de produção de conteúdos que possibilitam a composição de narrativas hipertextuais, multimídias

e interativas‖ (SCHWINGEL, 2012, p. 37).

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proveito a ser tirado da distensão do espaço e do tempo, uma vez que na rede o espaço de

armazenamento de informações é praticamente ilimitado.

Dessa forma, elimina-se a barreira do número máximo de caracteres em um texto. Ao

mesmo tempo, a possibilidade de se manter um arquivo de publicações, devidamente

categorizadas e organizadas cronologicamente, dá uma profundidade temporal maior para que

o leitor navegue no site de forma autônoma. Esses fatores alteram, dentre outras coisas, a

lógica de elaboração de uma matéria e da composição de narrativas jornalísticas.

Ainda em termos de navegação, o hipertexto, tipo de texto típico da internet, torna a

leitura mais dinâmica e não-linear, pois o leitor pode navegar, por meio dos hiperlinks (ou

links), através de conteúdos (unidades e módulos de informação) dentro ou fora do próprio

site, conforme seu interesse em se aprofundar nos temas relacionados. Para Schwingel (2012),

a hipertextualidade é a natureza do ciberjornalismo.

A convergência de mídias e linguagens (hipermídia) na cobertura jornalística é outra

possibilidade passível de valorizar o jornalismo cultural produzido na Internet, uma vez que

as combinações entre texto, áudio, imagem e vídeo tornam a comunicação mais atraente, não

só do ponto de vista estético, mas também da abrangência dos conteúdos e das relações de

complementaridade que podem se estabelecer entre eles.

A revolução tecnológica também possibilitou o surgimento de uma comunicação

(cultural) alternativa, mais descentralizada em relação aos grandes veículos. Assim, foram

surgindo iniciativas a partir de diversos setores da sociedade, dando origem a uma maneira de

produzir informação colaborativa, participativa ou cidadã, a exemplo do bem-sucedido site

Overmundo, destinado a difundir a produção cultural brasileira no país e no exterior.

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O Overmundo parte do princípio de que ―nenhuma equipe de jornalistas, não importa

seu tamanho ou competência, consegue cobrir ou filtrar a quantidade cada vez maior de coisas

importantes que acontecem pelo país‖9, principalmente na área cultural. Desse ponto de vista,

Magalhães (2008) entende que o jornalismo participativo ―representa uma nova forma de a

sociedade [...] participar efetivamente das transformações e da construção de uma nova

experiência cultural mediada pela tecnologia da informação‖ (p. 105).

Por outro lado, o estímulo à interatividade com o leitor, antes feita de forma precária e

ineficiente nas mídias tradicionais, denota uma aproximação dos veículos de imprensa com o

seu público, que passa a poder expressar e compartilhar suas opiniões de forma mais ativa10

.

Esses indícios, além de apontarem para um movimento atual de democratização mais

intensa da informação e da mídia, põem em evidência as capacidades do usuário comum,

capaz de participar ativamente na construção do conhecimento. São constatações reveladoras

de como o jornalismo cultural tem se apropriado dos recursos da Internet para superar as

antigas barreiras do tempo, do espaço, e dilemas como o da marginalização da crítica.

De acordo com Magalhães (2008), o modelo do jornalismo participativo, em especial,

agrega ao jornalismo cultural formatos que têm caído gradativamente em desuso na imprensa

tradicional, como a crítica, o artigo e a resenha – gêneros presentes em blogs e sites

especializados em cultura (cinema, literatura, etc.), por exemplo. Segundo o autor, justamente

por não depender da agenda da indústria cultural, a Internet dá voz e visibilidade a

manifestações esquecidas pela grande mídia, como as novas formas de arte e a cultura

popular.

9 OVERMUNDO. Sobre o Overmundo. Disponível em:

<http://www.overmundo.com.br/estaticas/sobre_o_overmundo.php>. Acesso em: 12 jan. 2012. 10 Em resumo, são oito as características definidoras do ciberjornalismo, ou do webjornalismo: multimidialidade,

interatividade, hipertextualidade, customização dos conteúdos, memória, atualização contínua, flexibilização dos

limites de espaço e tempo, uso de ferramentas automatizadas no processo de produção (SCHWINGEL, 2012).

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Conforme aponta Kucinski (2005), esse novo cenário também exerce influências sobre

o campo da economia criativa: ―a atual revolução tecnológica tem traços econômicos

essenciais: barateia a produção, devolve autonomia ao produtor e fragmenta o espaço

midiático, e tudo isso em grande intensidade‖ (p. 78). Ao mesmo tempo, o fato de artes

estarem cada vez mais conectadas às tecnologias acaba se convertendo em um dos principais

desafios do jornalismo cultural: como produzir com qualidade nesse novo ambiente, em que

arte e cultura estão se convergindo?

Para Magalhães (2008), por exemplo, a arte que antes se dedicava à contemplação

individual, hoje busca a interatividade com o público, a participação e experiências coletivas.

Em resumo, as manifestações culturais têm se beneficiado dos recursos midiáticos e da

tecnologia, tornando a arte e os museus multimídia e sensoriais.

Segundo Alzamora, tais recursos revelam as potencialidades de um novo universo

comunicacional do ponto de vista jornalístico: ―ao mesclar essas formas para se construir uma

linguagem [...] híbrida, o jornalismo cultural on line, certamente deverá fazê-lo de modo a

priorizar as dimensões estética e interpretativa‖ (ALZAMORA, 2001, p. 10).

Entretanto, as vantagens do jornalismo cultural desenvolvido na Internet só se

concretizam com a ―exploração adequada e comedida dos recursos de hipertexto, hipermídia,

navegação, design, etc.‖ (TEIXEIRA, 2008, pp. 5-6). Isso explica o relacionamento

espontâneo e interdisciplinar desenvolvido entre o webjornalismo e outras áreas do

conhecimento, como a Informática, o Design, dentre outros.

2.1 Aprofundamentos

Tendo em vista os objetivos e o objeto de estudo deste trabalho, cabe agora nos

debruçarmos sobre as interfaces comunicacionais, mais especificamente sobre três aspectos

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particulares do jornalismo produzido no ciberespaço: a hipermídia, a interatividade e as

relações de permuta comunicativa possibilitadas pelas redes sociais digitais.

Entendida por Santaella (2004) como uma mescla de textos, imagens fixas e animadas,

vídeos, sons e ruídos em um único ambiente de informação digital, a hipermídia é fruto de

uma convergência multimidiática que criou um tipo especial de leitor, o imersivo, aquele que

navega através de dados informacionais híbridos. Para a autora, essa é apenas uma das

características que fazem da hipermídia uma linguagem típica da Internet.

Por ser também o resultado de uma combinação entre hipertexto e multimídias, outro

traço definidor da hipermídia é a organização reticular dos fluxos informacionais em

arquiteturas hipertextuais. Ou seja, ela

não é feita para ser lida do começo ao fim, mas sim através de buscas, descobertas e escolhas. [...] Quanto mais rico e coerente for o desenho da

estrutura, mais opções ficam abertas a cada leitor na criação de um percurso

que reflete sua própria rede cognitiva (SANTAELLA, 2004, p. 50).

Essa compreensão conduz a outra característica fundamental: a hipermídia é uma

linguagem eminentemente interativa, reforçando ainda mais a ideia de que a Internet é a única

mídia inteiramente dialógica. Assim, a experiência de imersão do leitor virtual cresce e toma

corpo conforme a amplitude da interatividade. Esse processo se expressa na atenção,

compreensão da mensagem e na interação instantânea e contínua, por parte do leitor, de

acordo com os seus estímulos.

Se, para Berlo (1999), a interação é o ideal do processo comunicativo, tendo a

conversação e o diálogo como forma privilegiada de manifestação, no ambiente do

ciberespaço ela é fruto da percepção e da ação, possibilitando aos meios de comunicação

atingir o público e obter feedback imediato (SANTAELLA, 2004). Por isso, a tecnologia

digital é capaz de alcançar patamares de interatividade bem próximos aos da conversação.

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Um produto, uma comunicação, um equipamento, uma obra de arte são de fato interativos quando estão imbuídos de uma concepção que contemple

complexidade, multiplicidade, não-linearidade, bi-direcionalidade,

potencialidade, permutabilidade (combinatória), imprevisibilidade, etc., permitindo ao usuário-interlocutor-fruidor a liberdade de participação, de

intervenção, de criação (SILVA apud SANTAELLA, 2004, p. 154).

De modo geral, a interatividade desencadeada pela Internet provocou transformações

radicais no esquema clássico de comunicação, mudando o estatuto do emissor, da mensagem

e do receptor, a partir das possibilidades de participação e intervenção (fóruns, comunidades,

comentários, dentre outros). Dessa forma, a pessoalidade dos cibernautas acaba se

reconfigurando para ganhar uma faceta plural e de alcance universal.

Recuero (2009), por outro lado, afirma que é possível observar num blog não apenas a

interação em um comentário, mas relações entre as várias interações e perceber-se que tipo de

relação transpira através desse tipo de troca. Outro ambiente propício a essa construção são as

redes socais digitais, que nos últimos anos têm sido alvo tanto da convergência midiática

quanto da adesão em massa dos internautas, ou atores. Assim, como parte dos sistemas

digitais, os atores desempenham um papel de forma a moldar estruturas sociais (RECUERO,

2009).

Outro fator a ser destacado na interação medida por computador é a sua capacidade de

migração, ou seja, as interações entre os atores podem espalhar-se entre as diversas

plataformas de comunicação, como blogs e sites. Portanto, ferramentas sociais como

Facebook e Twitter, só para citar as mais populares, são espaços utilizados para a expressão

das redes sociais na Internet, permitindo a construção, ao mesmo tempo, de uma persona

através de um perfil ou página pessoal, a interação através de comentários e a exposição

pública da rede social de cada ator.

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3 ARQUITETURA DE INFORMAÇÃO

Vivemos em uma sociedade constantemente bombardeada por informações de todos

os tipos e todas as procedências, afinal, ―nunca tantos comunicaram tanto, em tantas telas,

através de tantos canais, absorvendo tantas horas de insubstituível atenção humana...‖

(GITLIN, 2003, p. 12). Essas informações circulam através das mais diversas mídias, como o

rádio, o jornal e a TV, cada qual com suas características, mas onde a velocidade aparece

como um elemento-chave.

Para Moraes e Santa Rosa (2012), a era da informação é, na verdade, o tempo da

―obesidade informacional‖, no qual a explosão de dados conduz à não-informação. Citando

Wurman, os autores reafirmam a necessidade de sabermos, cada vez mais, distinguir dados de

informações – segundo eles, a informação deve ser aquilo que leva à compreensão.

Desse ponto de vista, a Web11

, uma das mais avançadas Tecnologias de Informação e

Comunicação (TICs) da atualidade, figura como um espaço singular de circulação de dados,

por ser um lugar virtual que obedece a um ritmo de tempo diferente, mais ágil, e demanda

novas formas de expressão e organização, ou seja, é um ambiente constantemente

reinventado.

Entretanto, a Web se reinventa em função dos seus clientes, ou usuários. Nesse

contexto, o processo de interação entre eles e as aplicações da Web (websites, por exemplo) se

dá, principalmente, através de uma interface gráfica – recurso usado para dar, ao mesmo

tempo, estímulo visual e sentido ao fluxo de informações. O sucesso da interação depende,

portanto, de uma interface planejada de modo a não frustrar as experiências do usuário. Este é

o princípio por trás da interação humano-computador, área de estudo preocupada com o

11 Segundo Mielniczuk (2003), a Web ―refere-se a uma parte específica da Internet, que disponibiliza interfaces

gráficas de uma forma bastante amigável‖, enquanto ―a Internet envolve recursos e processos que são mais

amplos do que a Web, embora esta seja, para o público leigo, sinônimo de Internet‖.

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projeto e desenvolvimento de sistemas para melhorar a eficácia e promover a satisfação do

usuário (MORAES; SANTA ROSA, 2012).

Este também é, essencialmente, o campo de atuação da Arquitetura de Informação

(AI), definida por Pinho (2003), no âmbito dos websites, como a hierarquia do conteúdo e

disposição dos elementos interativos, de tal modo a fazer o usuário encontrar o que procura.

Assim, de acordo com o Instituto de Arquitetura de Informação, boas práticas em AI dão

suporte ao desenvolvimento de interfaces que facilitam o fluxo de informação útil e relevante

para o usuário.

O termo Arquitetura de Informação foi usado pela primeira vez na década de 1960 por

Richard Saul Wurman, arquiteto e designer gráfico norte-americano, pioneiro na busca por

tornar as informações mais fáceis e assimiláveis. A expressão cunhada por Wurman surgiu da

sua própria percepção acerca do volume de informações geradas constantemente em nossa

sociedade. Segundo ele, a explosão de dados necessitava de uma arquitetura própria,

sistemática na forma e conteúdo, além de uma série de critérios por meio dos quais

pudéssemos analisar o seu desempenho.

Hoje, a AI é um elemento definidor na construção de websites ―amigáveis‖ ao usuário.

Dessa forma, o trabalho do arquiteto de informação é organizar a estrutura do website de

modo a torná-lo confortável e convidativo para as pessoas, que poderão visitá-lo e talvez até

voltar um dia (MORVILLE; ROSENFELD, 2006). Moraes e Santa Rosa (2012)

complementam: ―é o arquiteto da informação que vai construir estradas da informação,

atalhos, pontes e conexões com o intuito de permitir o acesso mais rápido e intuitivo à

informação‖ (p. 27).

De acordo com Agner (2009), vivemos uma crise contemporânea onde esbarramos no

desafio de transformar o turbilhão de informações a que temos acesso diariamente em

conhecimento, deixando-nos suscetíveis a erros de percepção da realidade. Este parece ser o

Page 36: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

35

grande dilema das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs), como a

Internet. Para o autor, ―a visibilidade da arquitetura de informação a partir da segunda metade

dos anos 90 coincidiu justamente com o momento em que a Internet atingiu massa crítica‖

(AGNER, 2009, p. 79).

Por ser um campo relativamente novo, a AI possui características interdisciplinares

que contribuem para sua composição enquanto campo de atuação, indo além da união de

apenas três campos tradicionais: tecnologia, design e jornalismo/redação. Agner (2009)

defende a AI como um termo ―guarda-chuva‖, pois se utiliza de conhecimentos das mais

diversas áreas, como Ciência da Informação, Ergodesign e Engenharia de Software.

Figura 1 - Modelo Conceitual da arquitetura de informação

FONTE: AGNER, Luiz. Ergodesign e arquitetura de informação: trabalhando com o usuário. 2ª ed. Rio de

Janeiro: Quartet, 2009.

Para o autor, contudo, a compreensão da AI como processo interdisciplinar ainda é

uma carência inclusive dentro do ambiente acadêmico dessas disciplinas (AGNER, 2009).

Nos cursos de Comunicação, por exemplo, pouco ou nenhum conteúdo teórico-prático de AI

consta nas grades curriculares.

Page 37: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

36

Entretanto, é possível e necessário estabelecer convivências entre essas duas áreas,

uma vez que esta é uma demanda gerada pela terceira geração do webjornalismo12

e tendo em

vista o mercado totalmente digitalizado a ser encontrado pelos novos profissionais.

Independentemente do segmento jornalístico de atuação, eles vão lidar diariamente com

megabits de dados indexados (OLIVEIRA, 2005).

Principalmente por se tratar de um campo que ―envolve a análise, o design e a

implementação de espaços informacionais‖ (AGNER, 2009, p. 78), a AI também se configura

como uma distinção para jornalistas e comunicadores interessados em trabalhar como gestores

desses espaços.

3.1 Por dentro da Arquitetura de Informação

Tendo em vista nosso entendimento do mundo, fortemente determinado pela

habilidade de organizar as informações, Morville e Rosenfeld (2006), dois dos mais

importantes autores da área de AI, delimitam quatro sistemas definidores de como os usuários

encontrarão as informações em um website13

: sistemas de organização, navegação, rotulação e

busca.

Sistemas de organização - são compostos por a) esquemas, que definem as

características compartilhadas pelos itens de conteúdo e influenciam o agrupamento lógico

desses itens, e b) estruturas, que definem os tipos de relacionamento entre os itens/grupos de

conteúdo, ou seja, as formas primárias pelas quais o usuário poderá navegar. Os grandes

desafios a serem enfrentados por um sistema de organização são as ambiguidades, as

12 As experiências da terceira geração aparecem ―a partir de 1999, quando os produtos são elaborados tendo em

vista os diferenciais do ciberjornalismo, já sem vinculação direta somente com o modelo do impresso‖

(SCHWINGEL, 2012, p. 46). 13 Segundo os autores, a AI envolve, na realidade, aquilo que não é óbvio. Os usuários não notam a arquitetura

de informação de um site, a não ser que ela não esteja cumprindo com seu papel (MORAES; SANTA ROSA,

2012).

Page 38: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

37

diferenças de perspectiva dos usuários e as políticas internas do website. Além disso, é

recomendável aplicar múltiplos esquemas e estruturas de organização para gerar conteúdos

coesos.

Esquemas

Exatos: navegação fácil e sem

ambiguidades. Usuário precisa

saber o nome do recurso que está procurando. Podem ser:

Alfabéticos: usados em enciclopédias, dicionários e

agendas telefônicas.

Cronológicos: usados em livros de História, arquivos

de revista e diários.

Geográficos: usados em mapas.

Sequenciais: usados com base em ordens de

grandeza, conferindo valor/peso à informação.

Ambíguos: navegação pode ser difícil, pois não trabalha

com definições exatas; no

entanto, pode ser mais útil,

pois nem sempre sabemos o que estamos procurando.

Dividem-se por:

Assuntos: usados em jornais e páginas amarelas da

lista telefônica.

Tarefas/Funções: usados nos menus de aplicativos

como Microsoft Word (Inserir, Exibição, etc.).

Públicos-alvo: usados no site da Receita Federal

(Cidadão, Empresa, etc.)14

.

Metáforas: usados no desktop dos computadores

(lixeira, por exemplo).

Híbridos: misturam um ou mais esquemas anteriores.

Mais comuns na Web.

Estruturas

Taxonomias Uma forma simples e familiar de organizar as informações

por hierarquias.

Bancos de dados São coleções de dados ou registros que podem ser facilmente recuperados. Caracterizam-se pela

flexibilidade.

Redes Uma forma não linear de organizar as informações na

forma de hipermídias, conectando texto, dados, imagens, vídeos e áudio. Usuário tem dificuldades em criar um

modelo mental da organização do site.

Quadro 1 - Sistemas de organização FONTE: Adaptado de MORVILLE, Peter; ROSENFELD, Louis. Information Architecture for the World Wide

Web. 3rd Edition. Sebastopol, CA: O‘Reilly, 2006.

Sistemas de navegação – enquanto um esquema de organização por hierarquias reduz

as chances de o usuário se perder, um sistema complementar de navegação também é

necessário para contextualizar as informações e dar maior flexibilidade de movimento dentro

do site através de relações estabelecidas entre os conteúdos (MORVILLE; ROSENFELD,

14 www.receita.fazenda.gov.br

Page 39: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

38

2006). Sistemas de navegação são compostos por vários elementos básicos, ou subsistemas,

podendo ser embutidos ou suplementares.

Navegação

Embutida: fornece tanto

contexto quanto

flexibilidade, ajudando os

usuários a entenderem onde

eles estão e aonde eles

podem ir. Pode ser:

Global: presente em todo o site, sua forma mais

comum é a barra de navegação no topo/rodapé de

cada página. Pode apresentar: links para home

page e busca, identificação do usuário, etc.

Local: permite que os usuários explorem as

subseções do site. Às vezes esses locais dão

acesso a conteúdos tão diferentes que essas áreas

de navegação são chamadas de subsites.

Contextual: caracteriza-se por links de navegação

criados para uma página, documento ou objeto

em particular. É um tipo de navegação própria de

hipertextos.

Obs.: os elementos de navegação globais, locais e contextuais coexistem na maioria das

páginas web, pois, quando efetivamente integrados, completam-se uns aos outros.

Suplementar: fornece

diferentes formas de acessar

a mesma informação,

integrando um quadro mais

amplo do sistema de busca.

Pode ser:

Básica

Mapas do site: oferecem uma visão geral do

website.

Índices: apresentam palavras-chave ou frases pré-

estabelecidas em ordem alfabética que levam a

conteúdos específicos.

Guias: incluem as visitas guiadas e os tutoriais,

que auxiliam o usuário a conhecer e achar cada

área do site.

Busca: permite que os usuários usem suas

próprias palavras-chave para buscar por

informações.

Avançada

Personalização: envolve a adaptação das páginas

ao modelo de comportamento, necessidades e

preferências de um usuário individual.

Customização: dá ao usuário o controle direto

sobre as opções de apresentação e navegação dos

conteúdos.

Navegação Social: parte do princípio de que o

interesse de um usuário pode se basear na

observação das ações de outros usuários. Ex.:

Itens mais acessados.

Page 40: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

39

Quadro 2 - Sistemas de navegação

FONTE: Adaptado de MORVILLE, Peter; ROSENFELD, Louis. Information Architecture for the World Wide Web. 3rd Edition. Sebastopol, CA: O‘Reilly, 2006.

Sistemas de rotulação – são uma forma de representar as informações no website de

modo a manter uma comunicação eficiente entre o usuário e o sistema. A ambiguidade da

linguagem é um dos desafios a serem superados na elaboração de sistemas de rotulação

eficientes. Podem ser textuais ou icônicos.

Rótulos

Textuais: navegação fácil e

sem ambigüidades. Usuário

precisa saber o nome do

recurso que está procurando.

Podem ser:

Links contextuais: hiperlinks que direcionam o

usuário para outra página ou outro local dentro

do próprio site. Precisam ter contexto e

representatividade.

Títulos: descrevem o conteúdo que se segue.

Listas de opções: representam as opções dentro

de um sistema de navegação, construindo um

senso de familiaridade.

Índices: palavras-chave (tags) que representam

um conteúdo para busca.

Icônicos: são mais usados como rótulos em sistemas de navegação, por serem

visualmente mais fáceis de reconhecer. O problema dos rótulos icônicos é que eles se

constituem como uma linguagem mais limitada que os textos. No entanto, pode

haver combinação entre os dois elementos.

Quadro 3 - Sistemas de rotulação

FONTE: Adaptado de MORVILLE, Peter; ROSENFELD, Louis. Information Architecture for the World Wide Web. 3rd Edition. Sebastopol, CA: O‘Reilly, 2006.

Sistemas de busca – a maioria dos websites cresce organicamente e se torna popular

conforme o tempo, agregando mais conteúdos e funções às suas páginas. Nesse contexto, um

sistema de busca pode ser útil quando o site possui muitas informações a serem buscadas.

Além disso, os usuários esperam sempre encontrar, em páginas da Web, uma ferramenta de

busca onde possam expressar suas necessidades de informação (MORVILLE; ROSENFELD,

2006). Flexibilidade e dinamismo estão entre as características de um sistema de busca

eficiente.

Page 41: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

40

3.2 Arquitetura de Informação e usabilidade

Conforme as tecnologias evoluíram e os recursos multimídia como animações,

gráficos, vídeos e sons passaram a dominar os websites, o número de problemas de

usabilidade também aumentou, gerando impacto negativo até mesmo na realização de

negócios on line (MORAES; SANTA ROSA, 2012).

Por isso, enquanto fator de sucesso de sites, a usabilidade é um consenso na área de

Arquitetura de Informação e planejamento de aplicações para a Web. Nesse aspecto, Pinho

(2003) defende a boa combinação entre AI e interface gráfica como essencial para que um site

tenha usabilidade15

.

Não é muito difícil imaginar os efeitos causados nos usuários por conta de uma

interface ruim. Além de terem dificuldades ou ficarem impedidos de usar o sistema, ao

experimentarem um sistema sem usabilidade, os usuários têm muitas chances de ficarem

aborrecidos, frustrados ou com baixa autoestima. No caso de sistemas de uso profissional, as

frustrações podem ocasionar estresse, ansiedade ou até mesmo levar a psicopatologias

(CYBIS et al., 2010).

De acordo com Cybis et al. (2010), a principal dificuldade em desenvolver interfaces

ergonômicas está no fato de elas se constituírem em sistemas abertos:

[...] os usuários são agentes ativos, atores de comportamento não

determinístico, cujas mudanças na maneira de pensar e de se comportar são tanto consequência como causa de um ambiente tecnológico sempre em

evolução (CYBIS et al., 2010, p. 16).

15 Assim como a funcionalidade, a usabilidade é um atributo de todo produto. Enquanto a funcionalidade se

refere àquilo que o produto pode fazer, a usabilidade refere-se a como a pessoa interage com o produto

(MORAES; SANTA ROSA, 2012).

Page 42: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

41

Nesse sentido, os sistemas de organização, as funções e os rótulos de um sistema podem ser

compreendidos de formas diferentes por diferentes pessoas, gerando significados díspares de

acordo com cada contexto.

A partir daí, pode-se encarar a usabilidade como o resultado da combinação entre

interface, usuário, tarefa e ambiente. A norma ISO 9241, por exemplo, define usabilidade

como a capacidade de um sistema interativo em oferecer ao usuário os meios para ele realizar

tarefas de maneira eficaz, eficiente e agradável. ―Ela é, assim, uma composição flexível entre

aspectos objetivos, envolvendo a produtividade na interação, e subjetivos, ligados ao prazer

do usuário em sua experiência com o sistema‖ (CYBIS et al., 2010, p. 16).

Por outro lado, de acordo com Cybis et al. (2010), a ergonomia é definida como a

adaptação do trabalho ao homem e está na origem da usabilidade, ou seja, ―seu objetivo é

garantir que sistemas e dispositivos estejam adaptados à maneira como o usuário pensa,

comporta-se e trabalha e, assim, proporcionem usabilidade‖ (CYBIS et al., 2010, p. 17).

Segundo a Associação Internacional de Ergonomia (IEA), a ergonomia, ou fatores

humanos, contribui para o planejamento, projeto e avaliação de tarefas, postos de trabalho,

produtos, ambientes e sistemas de modo a torná-los compatíveis com as necessidades,

habilidades e limitações das pessoas. Seus domínios de especialização englobam:

Ergonomia física, relacionada às características da anatomia humana, segurança e

saúde;

Ergonomia organizacional, relacionada à otimização dos sistemas sociotécnicos, suas

estruturas organizacionais, políticas e de processos;

Ergonomia cognitiva, referente aos processos mentais (percepção, memória, raciocínio

e resposta motora) que afetam as interações entre seres humanos e outros elementos de

um sistema. É onde se situa a interação homem-computador.

Page 43: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

42

Como desenvolver sistemas com usabilidade tendo que levar em conta os diversos

fatores passíveis de afetar a compreensão e a satisfação do usuário, além da multiplicidade de

contextos? Diante desse impasse, Cybis et al. (2010) afirma que a engenharia de usabilidade

surge como um esforço sistemático para desenvolver sistemas, softwares ou sites interativos.

Dessa forma, a engenharia de usabilidade, preocupada com as estruturas de diálogo e

lógicas de operação estabelecidas no relacionamento usuário-interface, situa-se em um campo

paralelo ao da engenharia de software, ocupada mais com o desenvolvimento funcional dos

sistemas, algoritmos, recursos de processamento e lógicas de funcionamento.

Apesar disso, a usabilidade não deve ser tomada como um conjunto de regras para

barrar a liberdade criativa ou tornar os sites iguais uns aos outros. O objetivo dela é otimizar a

interação entre humano e computador conforme as expectativas e necessidades do usuário,

sendo possível imprimir à página uma expressão estética refinada sem ultrapassar os limites

da usabilidade (MORAES; SANTA ROSA, 2012).

Page 44: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

43

4 INTERPRETANDO AS MENSAGENS

Sem dúvida, a comunicação é um dos principais pilares da complexa estrutura social,

sendo a linguagem uma de suas características mais representativas. Exatamente por isso, a

linguagem está no centro do chamado processo comunicacional, podendo levar a sociedade à

comunhão de ideias ou ser usada para confundir e dominar.

Segundo Berlo (1999), o modelo aristotélico evidencia três elementos formadores da

comunicação: quem fala, o discurso e a audiência. Valendo-se de outros olhares e concepções,

o autor propõe um modelo de processo comunicacional mais abrangente, constituído pelos

seguintes elementos: fonte, codificador, mensagem, canal, decodificador e receptor. Da

mesma forma, Bordenave (2006) defende que esse processo envolve a realidade ou a situação

na qual ele se insere, as pessoas implicadas, a mensagem, a forma e o meio.

Como forma, entende-se o modo como a mensagem se apresenta, quer seja através de

palavras, gestos, olhares ou movimentos corporais. Assim, quando falamos, o discurso é a

mensagem, que por sua vez é constituída por: a) código, conjuntos organizados de signos

(união de objeto referente, significado e significante) para representar as ideias; b) conteúdo,

material da mensagem escolhido pela fonte para exprimir seu objetivo; c) tratamento, a forma

como a fonte dispõe o código e o conteúdo (BERLO, 1999).

No processo comunicacional, Bordenave (2006) também considera os esquemas de

percepção e interpretação como essenciais para a compreensão das mensagens como um todo,

e não apenas de palavras isoladas. Para ele, a inserção da mensagem num contexto próprio é

uma das exigências da interpretação, possibilitando, assim, comparações do seu conteúdo com

outros elementos e com o conhecimento das intenções do interlocutor.

Levando em conta que a Arquitetura de Informação e a Usabilidade possibilitam um

entendimento parcial do nosso objeto de estudo - no caso, como a comunicação flui dentro do

site Digestivo Cultural - também faz-se necessário, tendo em vista os conceitos assimilados

Page 45: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

44

anteriormente, compreender as particularidades das publicações do veículo a partir de uma

ótica conteudista e discursiva. Por isso, aponta-se a Análise de Conteúdo (AC) e a Análise de

Discurso (AD) como dois campos passíveis de comportar tal objetivo.

De acordo com Torres Lima (2003), duas diferenças podem ser detectadas entre as

duas áreas de estudo: enquanto a AC considera os conteúdos das palavras, a AD se debruça

sobre o funcionamento do discurso na produção de sentidos, permitindo revelar o mecanismo

ideológico que o sustenta; a segunda diferença diz respeito à suposição de transparência das

palavras na AC.

Em resumo, ao submetermos as mensagens de terceiros a um processo interpretativo,

devemos dispensar atenção ao conjunto de símbolos (o código) usado pela fonte. Assim, na

análise do conteúdo, é preciso questionar quais as ideias expressas nele; da mesma forma, na

análise do tratamento dado à mensagem, deve-se indagar por que a fonte escolheu

determinado código e conteúdo, com que motivos e almejando quais resultados (BERLO,

2006).

4.1 Análise de Conteúdo

Segundo Franco (2008), os pressupostos da Análise de Conteúdo estão baseados em

uma concepção crítica e dinâmica da linguagem, estando na origem da tentativa humana de

compreender o que há por trás das mensagens, dos enunciados e das informações. Assim, ―o

significado de um objeto pode ser absorvido, compreendido e generalizado a partir das suas

características definidoras e pelo seu corpus de significação‖ (FRANCO, 2008, p. 13).

Além disso, pelo fato de não ser uma metodologia meramente descritiva, a Análise de

Conteúdo se relaciona com outras esferas do objeto, podendo ser útil, através de comparações

contextuais, para a compreensão de características relacionadas tanto à emissão quanto à

recepção da mensagem.

Page 46: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

45

Para Rocha e Deusdará (2005), o desenvolvimento da AC reflete os rumos assumidos

pelas práticas linguajeiras no campo das ciências. De modo geral, o recurso a essa

metodologia é uma tentativa de ir além dos sentidos aparentes e imediatos das comunicações -

é a busca pela superação da incerteza do que julgamos ver nas mensagens e pelo

enriquecimento das suas leituras. Por isso, o objeto de interesse da AC é a mensagem, seja ela

verbal, gestual, silenciosa ou figurativa, mas que, necessariamente, expresse um significado e

um sentido (FRANCO, 2008).

Enquanto procedimento de pesquisa, a Análise de Conteúdo surgiu nos Estados

Unidos, no início do século XX, como um instrumento de análise das comunicações,

especialmente do material jornalístico. No entanto, muito antes disso, os textos (sonhos,

textos religiosos, literários, entre outros) já eram estudados através da hermenêutica, da

retórica e da lógica. De acordo com Bardin (2010), essa atitude interpretativa continuou a

existir na AC, porém, baseada em outras técnicas de validação.

Pode-se dizer que a validade almejada pela AC se deu através de uma busca pelo rigor

da medida. Para Franco (2008), a metodologia, em seus primórdios, seguia uma cartilha

profundamente positivista, calcada no rigor científico da neutralidade, objetividade e

quantificação. Prova disso é a descrição, feita por Bardin (2010), das realizações da Escola de

Jornalismo de Columbia no campo da AC ainda na primeira metade do século 20:

é feito um inventário das rubricas, segue-se a evolução de um órgão de

imprensa, mede-se o grau de sensacionalismo dos seus artigos...

Desencadeia-se um fascínio pela contagem e pela medida (superfície dos artigos, tamanho dos títulos, localização na página) (BARDIN, 2010, p. 17).

Por outro lado, durante o período das Guerras Mundiais, a atenção das análises

conteudistas se voltaram mais para o estudo da propaganda e da política. Nos Estados Unidos,

por exemplo, tentava-se identificar jornais e periódicos que fizessem referência a temas

favoráveis ao inimigo ou utilizassem palavras identificadas com a propaganda nazista.

Page 47: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

46

Rocha e Deusdará (2005) associam essa tendência positivista da Análise de Conteúdo

à concepção de ciência na qual ela se funda: um modelo circunscrito entre a ideia de

heterogeneidade do objeto e o rigor metodológico visando à validação. Assim,

essa busca se caracteriza inicialmente pelo equívoco clássico de associar

análise quantitativa e ―objetividade‖... Mais que isso, há sempre um

patrulhamento no sentido de não só preservar a objetividade, mas também afastar qualquer indício de ―subjetividade‖ que possa invalidar a análise

(ROCHA; DEUSDARÁ, 2005, p. 309).

Após um período de desinteresse em relação a esse campo de estudo, na metade da

década de 50 a Análise de Conteúdo entra numa ―segunda juventude‖, caracterizada pelo

surgimento de contribuições multidisciplinares provenientes de campos como a História, a

Psicanálise, a Lingüística, a Sociologia, o Jornalismo, dentre outros.

Segundo Bardin (2010), o processo de questionamento das técnicas da AC pelas

diversas áreas das Ciências Sociais fez com que o seu princípio de objetividade se tornasse

menos rígido, afinal, ―enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os

dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade‖ (BARDIN, 2010, p.

11). Assim, ela já não é considerada com um alcance apenas descritivo, especialmente porque

hoje se trabalha com o entendimento de que a sua função e o seu objetivo é a inferência.

A inferência é o processo dedutivo norteador e ao mesmo tempo resultante da Análise

de Conteúdo. Segundo Franco (2008), ela se situa entre a descrição e a interpretação das

características da mensagem, as suas causas e/ou antecedentes e os efeitos da comunicação.

Assim, o papel do analista é inferir conhecimentos que ultrapassem o conteúdo manifesto nas

mensagens, podendo associá-los a elementos que remetam ao emissor, suas condições de

produção, seu meio abrangente, dentre outros.

Dessa forma, segundo a autora, a faceta quantitativa da AC hoje está baseada na

informação contida na freqüência com que os elementos surgem ao longo do conteúdo,

Page 48: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

47

enquanto a faceta qualitativa se traduz na presença ou na ausência de determinados elementos

na mensagem. Assim, parte-se da idéia de que as operações de comparação e classificação

conduzem ao entendimento de semelhanças e diferenças, ampliando os horizontes de

interpretação das comunicações.

4.2 Análise de Discurso

4.2.1 O contrato de comunicação

Por sua vez, a Análise de Discurso nos coloca em uma posição menos ingênua em

relação à linguagem: ―não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua

opacidade. Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano

dos signos‖ (ORLANDI, 2009, p. 9). Dessa forma, enquanto palavra em movimento, o

discurso é a língua fazendo sentido através de um trabalho simbólico que está na base da

própria existência humana.

Enquanto Charaudeau (2006) atribui à lógica simbólica (ao lado da econômica) a

função de conferir aos organismos de informação um papel participativo na construção da

opinião pública, Orlandi (2009) sustenta o discurso, por estar situado entre os campos político

e simbólico, como um objeto sócio-histórico no qual a linguagem se materializa na ideologia:

―o discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia,

compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos‖ (ORLANDI, 2009, p.

16).

Assim, os fenômenos e acontecimentos só adquirem existência significante através de

um sujeito linguajeiro capaz de processá-los através de mecanismos de percepção, captura,

sistematização e estruturação. Pode-se dizer que, no contexto das mídias, o jornalista assume

esse papel, tornando-se responsável por integrar a experiência humana a sistemas narrativos,

de modo a significá-la (CHARAUDEAU, 2006).

Page 49: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

48

Para Orlandi (2009), isso se dá através de uma mediação discursiva entre o homem e a

realidade natural e social. Portanto, a informação16

não existe em si, ela é pura enunciação

circunscrita em determinados campos de conhecimento e situações. Nesse sentido, Berlo

(1999) complementa: ―qualquer fonte de comunicação se comunica a fim de fazer com que o

seu receptor faça alguma coisa, fique sabendo alguma coisa, aceite alguma coisa‖ (p. 64).

Partindo desses pressupostos, Charaudeau (2006) lança as bases do chamado contrato

de comunicação, sistema que define as condições (e restrições) específicas de produção,

valoração e troca linguajeira dentro de uma sociedade, e com as quais todo discurso17

mantém

uma relação de dependência. Dessa forma, segundo o autor, o contrato de comunicação está

submetido a dados externos e internos.

Os dados externos englobam condições de enunciação referentes à identidade dos

atores envolvidos, à finalidade e propósito do ato de linguagem e ao dispositivo utilizado

nesse processo. Por outro lado, os dados internos dizem respeito aos espaços nos quais

ocorrem os comportamentos linguajeiros (maneiras de falar, papéis a assumir, etc.). Dividem-

se em espaço de locução (em que o locutor se impõe como sujeito falante), espaço de relação

(onde se define o tipo de relação entre locutor e interlocutor) e espaço de tematização (onde se

define o tema da troca).

Naturalmente, essas condições de enunciação e espaço também se aplicam à

comunicação midiática, que pode ser compreendida a partir de duas instâncias básicas:

produção e recepção. Quanto à instância de recepção, o público que a compõe manifesta

reações intelectivas e afetivas diferenciadas de acordo com a mídia e o suporte da informação.

16

―Podemos conceituar informação como um dado qualquer, passível de existência em qualquer nível... A

informação jornalística é o dado, o fato, a declaração, o fenômeno apreendido em sua singularidade‖

(MACHADO; JACKS, 2001, p. 1). 17

Conforme descrevem Machado e Jacks (2001, p. 6), ―o discurso materializa pensamentos e sentimentos. O

discurso é [...] efeito de sentido, e não apenas produtor de sentido‖.

Page 50: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

49

Neste ponto, os problemas gerados dizem respeito à necessidade de se conhecer a motivação

do público e às formas de medir o impacto da informação sobre ele.

No âmbito da instância de produção midiática, são vários os atores envolvidos no

processo de enunciação discursiva, desde os que cuidam da saúde financeira do órgão de

comunicação, até os diretamente ligados à redação das notícias. Ainda assim, ―todos

contribuem para fabricar uma enunciação aparentemente unitária e homogênea do discurso

midiático‖ (CHARAUDEAU, 2006, p. 73), o que por fim vai espelhar a ideologia do veículo.

Por esse motivo, de acordo com o autor, muitas vezes se torna difícil saber quem é o

responsável pela informação.

Nesse contexto, o jornalista assume duas funções principais: ora de pesquisador-

fornecedor, ora de descritor-comentador da informação. Eventualmente, no exercício dessas

atividades, o profissional se depara com algumas dificuldades, relativas tanto à seleção das

fontes e à busca pela credibilidade, quanto aos métodos discursivos escolhidos, que não

podem pretender nem à cientificidade, à historicidade ou à didaticidade. Portanto, inserido

nesse ambiente de produção, o jornalista atua ora como mediador, ora como revelador e

intérprete dos acontecimentos diários.

4.2.2 Comunicação midiática

Para Charaudeau (2006), o contrato de comunicação midiática é constantemente

influenciado pela tensão entre dois universos, ou visadas: a visada de informação, preocupada

em ―fazer saber‖ e ligada a uma lógica cívica de informar o cidadão, e a visada de captação,

destinada a ―fazer sentir‖ com a finalidade de ampliar o consumo, obedecendo, portanto, a

uma lógica comercial.

Partindo dessa compreensão inicial, pode-se dizer que o contrato de comunicação

midiática se aproxima do discurso no qual se funda a Publicidade. No entanto, no primeiro

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50

tipo de contrato o que predomina é a visada de informação e seu modelo de credibilidade,

enquanto no segundo a predominância é da visada de captação e seu modelo de desejo.

Por isso, embora muitas vezes se ponha em xeque tal distinção, o que prevalece é uma

espécie de princípio legitimador. Ou seja, mesmo com o discurso de informação sendo

sustentado por uma forte tensão do lado da captação, não seria aceitável que esta fosse

exercida em detrimento do fazer saber, embora essa fórmula seja vpalida para o discurso

publicitário (CHARAUDEAU, 2006).

Assim, ao exercer a visada de informação (Quadro 1), as mídias precisam submeter os

fatos que descrevem a procedimentos de autenticação (ou seja, apuração), de modo a

preservar a credibilidade junto ao seu público.

Visada de Informação (Fazer Saber)

Atividades linguajeiras Descrição-narração, para reportar os fatos.

Explicação, para esclarecer as causas e

conseqüências.

Principais funções Dizer o exato, para que haja coincidência

(verificável) entre o que é dito e os fatos do mundo

exterior à linguagem.

Dizer o que aconteceu, quando não há coincidência

temporal entre o dito e o fato. Utiliza a

reconstituição (imagem, testemunho, artes gráficas,

etc.).

Revelar intenções ocultas por meio de confissões ou

denúncias. Entrevistas, bate-papos e debates estão

entre os procedimentos utilizados.

Fornecer a prova, ou seja, fornecer os motivos dos

fatos e suas possíveis conseqüências por meio de

demonstrações (análise, investigações, etc.).

Quadro 4 – Visada de Informação

FONTE: Adaptado de CHARAUDEAU, 2006.

A visada de captação, por sua vez, pressupõe um interlocutor não natural, não passivo

e não conquistado a priori pelo interesse que a mensagem pudesse ter despertado, sendo

necessário persuadi-lo, seduzi-lo. Para Charaudeau (2006), o ―fazer sentir‖ surge da

Page 52: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

51

necessidade da instância midiática em atrair consumidores de informação, o que justifica o

uso de estratégias dramatizantes que possam mobilizar a afetividade do público, despertando

nele interesse e paixão pela mensagem transmitida.

Por outro lado, ao recorrer à emoção, as mídias acabam estimulando a construção de

―imaginários sociodiscursivos‖, que não deixam de estar marcados pela contradição. Assim,

credibilidade e captação figuram como dois pólos de tensão: quanto mais as mídias tendem

para o primeiro, que exige racionalização, menos tocam o grande público; quanto mais

tendem para o segundo, marcado pela imaginação dramatizante, menos credíveis se tornam.

Esse ―jogo‖ não passa despercebido pelas mídias, que transitam por esses dois pólos

conforme sua ideologia e a natureza dos acontecimentos (CHARAUDEAU, 2006).

Essa questão põe um ponto final na falácia, discutida pelas próprias mídias, sobre a

pretensa busca pela objetividade da informação. Portanto, esse assunto não diz respeito ao

campo da ética, mas à sobrevivência do próprio contrato de comunicação, que precisa estar

igualmente atento às visadas de informação e captação. Afinal, ―uma mídia que só satisfizesse

ao rigor sóbrio e ascético do fazer saber estaria condenada a desaparecer‖ (CHARAUDEAU,

2006, p. 93).

Machado e Jacks (2001, p. 1-2), por outro lado, afirmam que a AD ajuda a elucidar o

dilema instaurado entre objetividade e subjetividade, pois ―a mídia não está fora do mundo

que pretende retratar. É imperfeita, complexa e inacabada como ele, e em seu interior se

movem sujeitos plenos de idéias e interesses a defender‖18

. Exatamente por isso, a Análise de

Discurso foge à metodologia de pesquisa positivista, que prega o distanciamento do

pesquisador em relação aos fenômenos estudados (PIRIS, 2010). Antes de tudo, o desafio do

analista é o da interpretação (ORLANDI, 2009).

18

Esse entendimento ancora, necessariamente, as formações discursivas às formações ideológicas, que, por sua

vez, manifestam-se através de perspectivas de enunciação, ou pontos de vista a partir dos quais se fala

(MACHADO; JACKS, 2001).

Page 53: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

52

Por fim, chega-se ao denominador comum: o contrato de comunicação midiática, com

todas as suas especificidades de produção e recepção, ajuda a construir um espaço público no

qual a opinião pública se manifesta, revelando os pontos de vista (favoráveis/desfavoráveis)

dos sujeitos em relação a um saber.

4.2.3 Organização do discurso midiático

A partir da tese, defendida por Charaudeau (2006), de que o universo da informação

midiática é construído com base nas racionalizações efetuadas pela instância de produção,

pode-se delimitar os seguintes modos discursivos que as mídias põem em prática, de acordo

com seus propósitos (Quadro 2): acontecimento relatado (AR), acontecimento comentado

(AC) e acontecimento provocado (AP).

Modos Discursivos

Acontecimento

Relatado (AR)

Fato Relatado (FR): tem

relação com ações dos

indivíduos, forças da

natureza, etc.

Descrição: envolve narrativa,

narrador e ponto de vista. Responde

ao ―o quê‖, ―quem‖, ―onde?‖ e

―quando?‖.

Explicação: revela motivos, intenções,

circunstâncias e conseqüências.

Responde ao ―por quê?‖.

Descrição das reações: pode tomar a

forma de uma declaração ou de um

ato.

Dito Relatado (DR): tem

relação com

pronunciamentos,

testemunhos, etc.

Seleção: pode ser total (dito in

extenso) ou parcial (dito em trechos).

Identificação: revela os sujeitos

envolvidos na enunciação (locutor de

origem, locutor-relator, etc.). Pode ser

total, parcial ou não existir.

Maneira de relatar: citando,

integrando, narrativizando ou

evocando.

Acontecimento

Comentado (AC)

Complementar ao relato,

o comentário tem caráter

argumentativo e

explicativo. Analisa o

Problematizar: envolve a emissão de

um propósito (tema), de um

questionamento (proposição) e de

argumentos (persuasão).

Page 54: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

53

porquê e o como dos

fatos, desenvolve teses e

impõe conclusões. Exige

atividade intelectiva do

leitor e uma tomada de

posição contra ou a favor.

Para argumentar, o sujeito

deve:

Elucidar: trata das razões do fato e o

que ele significa.

Avaliar: expressa um ponto de vista

pessoal, que pode ser uma opinião

(tomada de posição em um debate de

ideias) ou apreciação subjetiva

(projeção da afetividade).

Acontecimento

Provocado (AP)

Refere-se a um espaço de

debate social (não

espontâneo) que

proporciona o surgimento

e o confronto de falas

diversas (instituições

políticas, organizações

cidadãs, etc.). As falas

devem ser:

Exteriores à mídia, por questão de

credibilidade.

Motivadas por um tema da

atualidade.

Justificadas pela identidade dos que

falam (especialista, testemunha, etc.).

Apresentadas por um representante

das mídias (entrevistador, animador,

etc.).

Apresentadas em espaço apropriado

(nas seções de opinião da imprensa

escrita e nas entrevistas, bate-papos ou

debates do rádio e da televisão).

Quadro 5 – Modos discursivos

FONTE: Adaptado de CHARAUDEAU, 2006.

Apesar da potencialidade da instância midiática em assumir diferentes modos de

discurso, ela não produz um discurso de poder, uma vez que sua palavra não tem valor de

decisão, de sanção (no sentido jurídico) ou de consagração (no sentido religioso). Assim, ―o

poder de que se pode falar é o de uma influência através do fazer saber, do fazer pensar e do

fazer sentir. Visar a uma tal autoridade seria um desvio do contrato de informação‖

(CHARAUDEAU, 2006, p. 124).

Page 55: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

54

5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

As ideias expostas até aqui contribuíram para a formatação de uma metodologia usada

na condução do estudo de caso do Digestivo Cultural. Boa parte da análise foi realizada entre

os meses de outubro de 2011 e maio de 2012, levando em conta, principalmente, a página

inicial (home) do site e a sessão Colunas - novas informações foram acrescidas em março de

2013 por conta de pequenas atualizações incorporadas ao site. Como suporte tecnológico,

utilizou-se o aplicativo FireShot 0.93, que possibilita diversas modalidades de captura de

páginas da Web (screenshots).

5.1 Avaliação da AI, usabilidade e interfaces comunicacionais

Tomando como base as classificações apresentadas por Morville e Rosenfeld (2006)

para a caracterização dos componentes da Arquitetura de Informação dentro de um website

(sistemas de organização, navegação, rotulação e busca), analisou-se o Digestivo Cultural de

modo a identificar as formas como os dados se encontram estruturados dentro da página.

Sob o ponto de vista da usabilidade, as interfaces, de modo geral, possuem uma

―configuração de base‖ fundamentada em critérios, princípios ou heurísticas que possibilitam

a boa relação usuário-sistema. A partir desses princípios, é possível traçar metodologias de

avaliação e inspeção de aspectos da ergonomia das interfaces capazes gerar problemas de

usabilidade ao usuário durante sua interação com o sistema (CYBIS et al., 2010).

Portanto, a técnica de avaliação da usabilidade utilizada neste trabalho é a heurística,

proposta por Nielsen (2011), um dos maiores especialistas em usabilidade dos Estados

Unidos. Nielsen propôs dez qualidades básicas, ou heurísticas de usabilidade, que devem

constar em qualquer interface:

Page 56: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

55

1. Visibilidade do estado do sistema – o sistema deve manter os usuários informados

sobre o que está acontecendo, por meio de um feedback apropriado e em tempo

razoável;

2. Mapeamento entre o sistema e o mundo real – a linguagem da interface deve ser

familiar aos usuários, com palavras, frases e conceitos de acordo com as

convenções do mundo real, e não do sistema;

3. Liberdade de controle ao usuário – o usuário precisa ter à disposição uma ―saída

de emergência‖ para abandonar situações inesperadas. O usuário precisa sentir

que pode controlar o sistema, por isso as saídas precisam estar claramente

marcadas;

4. Consistência e padrões – o usuário não precisa adivinhar que palavras, situações

ou ações diferentes significam a mesma coisa. De acordo com essa heurística,

uma mesma operação deve ser apresentada na mesma localização em todas as

telas;

5. Prevenção de erros – melhor que uma boa mensagem de erro é uma interface que

impeça que problemas aconteçam e elimine condições propensas a erro;

6. Reconhecer em vez de relembrar – visa explorar as habilidades cognitivas do

usuário, tornando ações, objetos e opções visíveis. Instruções para utilização do

sistema também devem estar visíveis ou facilmente recuperáveis sempre que

necessário.

7. Flexibilidade e eficiência de uso – permite que o usuário execute operações

frequentemente utilizadas por meio de atalhos ou recursos acelerados, que podem

ser abreviações, teclas de função ou botões especiais como ―Desfazer‖ e ―Voltar‖;

8. Design estético e minimalista – as interfaces devem ser o mais simples possível.

Os diálogos devem ser naturais e sem informações desnecessárias;

Page 57: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

56

9. Suporte para o usuário reconhecer, diagnosticar e recuperar erros – as

mensagens de erro devem ser claras e sem códigos, indicando com precisão o

problema e indicando uma solução;

10. Ajuda e documentação – as informações devem ser fáceis de procurar, com foco

na tarefa do usuário.

Dessa forma, entende-se que uma avaliação heurística é, antes de tudo, um julgamento

de valor em relação às qualidades ergonômicas das interfaces. Além disso, as heurísticas de

Nielsen se constituem em uma estratégia de avaliação a partir das ―qualidades esperadas das

interfaces‖ (POLLIER, 2003 apud CYBIS et al., 2010).

Em se tratando de interfaces comunicacionais, o Digestivo Cultural passou por um

diagnóstico que levou em conta três aspectos, de acordo com o as teorizações de Santaella

(2004) e Recuero (2009): a interatividade, o uso de multimídias e a relação do site com as

redes sociais digitais Facebook e Twitter, as mais populares atualmente19

.

5.2 Análise de Conteúdo

O método e os procedimentos utilizados na análise de conteúdo tiveram como base a

organização proposta por Bardin (2010), dividida em:

Pré-análise: envolve a escolha do universo de documentos a serem analisados, a

formulação das hipóteses e objetivos, etc.

Exploração do material: abrange a codificação, decomposição e enumeração dos

documentos selecionados;

19 Os números falam por si sós: criado em 2004, o Facebook atingiu, oito anos depois, a marca de 1 bilhão de

usuários ativos; da mesma forma, em 2010, o serviço de microblogging Twitter alcançou o patamar dos 175

milhões de usuários registrados.

Page 58: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

57

Tratamento dos dados obtidos: envolve a aplicação de operações estatísticas aos

resultados brutos obtidos.

5.2.1 Pré-análise

A priori, o universo de documentos submetidos à análise estava delimitado às

seguintes seções do Digestivo Cultural: ―Digestivos‖ (Artes, Cinema, Música e Imprensa),

―Colunas‖, ―Ensaios‖ e ―Especiais‖. No entanto, durante o procedimento de leitura flutuante

do site, percebeu-se que a seção ―Colunas‖ é a única que recebe atualização diária e regular

(apesar de ter havido dias em que não se registrou atualização). As seções ―Ensaios‖ e

―Especiais‖ têm atualização mensal, e a seção ―Digestivos‖ tem atualização semanal às

quartas-feiras, embora muitas vezes seus conteúdos sejam disponibilizados com atraso.

Além disso, quinze colaboradores se revezam na elaboração de textos para a seção

―Colunas‖, enquanto nas demais, quando não há apenas um responsável pela seção (como é o

caso dos digestivos), o número de autores fica entre cinco e dez. Portanto, levando em conta

os critérios de periodicidade e pluralidade de autores, as colunas se sobressaem em relação às

outras seções, podendo ser consideradas a principal atração do site.

Em razão disso, resolveu-se desconsiderar as demais seções selecionadas a priori, de

modo que a análise pudesse se concentrar nas colunas. A partir daí, com base no princípio da

conveniência, definiu-se como corpus de análise os textos publicados na seção ―Colunas‖

entre os dias 1º e 20 de março de 2012, um total de 12 documentos (vide Anexo).

A leitura flutuante permitiu, ainda, a formulação dos objetivos da análise. Dessa

forma, o objetivo geral era apreender as principais características da seção ―Colunas‖ a partir

da sistematização analítica do seu conteúdo, bem como perceber as nuances contidas no

Page 59: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

58

tratamento dado a essas características com base na interpretação dos dados estatísticos.

Optou-se por não trabalhar com hipóteses.

5.2.2 Exploração do material

Durante a codificação, e a partir da formulação dos objetivos, foram definidos como

unidades de registro o tema e o item. De acordo com Bardin (2010, p. 131), a análise temática

―consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença,

ou frequência de aparição podem significar alguma coisa‖. Por sua vez, o item é a unidade

utilizada quando um texto é caracterizado a partir de alguns de seus atributos definidores

(FRANCO, 2008).

Unidades de registro

Assunto Remete ao tema de cada publicação. A leitura flutuante

permitiu definir os seguintes assuntos: literatura, música,

cinema, artes, teatro, comportamento, cotidiano e

personalidades.

Gênero jornalístico Revela o gênero a que cada texto pertence, podendo ser:

informativo, opinativo, interpretativo, diversional ou

utilitário (ASSIS, 2010; MARQUES DE MELO; ASSIS,

2010). No entanto, durante a leitura flutuante, percebeu-se

que o gênero interpretativo e o utilitário não são

trabalhados no site, restando apenas o informativo, o

opinativo e o diversional como unidades de análise.

Quantidade de caracteres Revela se o texto é curto (até 4 mil caracteres com espaço),

longo (de 4 mil a 6 mil caracteres com espaço) ou muito

longo (mais de 6 mil caracteres com espaço). Essa

característica diz muito sobre a relação

(conforto/desconforto) que o leitor mantém com a

publicação (MENDONÇA; LUÍNDIA, 2009).

Quantidade de hiperlinks Unidade que ajuda a compreender se os textos se encaixam

no modelo hipertextual de leitura dinâmica (MENDONÇA;

LUÍNDIA, 2009), podendo ser interpretada em conjunto

com a quantidade de caracteres.

Quantidade de imagens Revela o uso que o site faz dos recursos imagéticos em suas

publicações. Parte-se do princípio de que a imagem atua

como co-gestora do conhecimento (BUITONI, 2007).

Referência ao jornalismo

cultural

Parte do princípio de que certas referências ao jornalismo

cultural podem contribuir para a reflexão a respeito dessa

Page 60: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

59

especialidade jornalística.

Abordagem de cultura Refere-se às abordagens de cultura enquanto produto e

processo conforme são entendidas por Cavalcanti e Lucas

(2011), Melo (2007) e Teixeira (2008). No caso de produto

cultural, foram estabelecidos três níveis de abordagem

qualitativa: positiva, negativa e neutra.

Localidade Diz respeito à origem do eixo temático do texto, podendo

ser nacional, estrangeira ou indefinida.

Temporalidade Situa o eixo temático do texto no tempo, podendo fazer

referência ao passado (mais de 1 semana depois do fato

relatado), ao presente (até 1 semana depois ou 3 dias antes

do fato), ao futuro (mais de três dias antes) ou ser

atemporal.

Abordagem jornalística Pode ser: objetiva, ou seja, reflexo de um texto conciso,

sem dupla interpretação, essencialmente informativo e sem

uso de figuras de linguagem; ou subjetiva, marcada pelo

uso de figuras de linguagem e recursos de ambigüidade

(ABAURRE apud FÁBIO, 2011).

Compartilhamentos no

Facebook

Retrata a repercussão do texto na rede social Facebook,

através do recurso ―Curtir‖.

Compartilhamentos no

Twitter

Retrata a repercussão do texto na rede social Twitter,

através do recurso ―Retweet‖.

Comentários Revela a repercussão do texto junto aos leitores, através da

quantidade de comentários recebidos.

Quadro 4 – Unidades de registro

FONTE: Dados da pesquisa

Por se tratar de um diagnóstico categorial, o processo de classificação dos textos se

deu a partir do agrupamento dos seus elementos com base nas características comuns, dando

origem às categorias a seguir.

Codificação

Categorias Unidades de registro

Características textuais Assunto

Gênero jornalístico

Quantidade de caracteres

Quantidade de hiperlinks

Características imagéticas Quantidade de imagens

Ênfases Referência ao jornalismo cultural

Abordagem de cultura

Localidade

Temporalidade

Abordagem jornalística

Page 61: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

60

Interfaces Compartilhamentos no Facebook

Compartilhamentos no Twitter

Comentários

Quadro 4 – Codificação

FONTE: Dados da pesquisa

Por fim, para a análise individual dos documentos, foi utilizado um modelo de ficha de

codificação baseado em regras de enumeração que permitiram medir a presença/ausência e a

frequência das unidades de registro.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº Data de publicação:

Título:

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Page 62: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

61

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 5 – Modelo de ficha de codificação

FONTE: Dados da pesquisa

5.2.3 Tratamento dos resultados obtidos

Os dados registrados nas fichas de codificação foram tabulados com o auxílio do

aplicativo Microsoft Office Excel 2007.

5.3 Análise de Discurso

Com base nas teorizações de Charaudeau (2006) em relação às formas como o

discurso midiático se organiza, foram definidas como categorias para a análise de discurso as

visadas de informação e captação, levando em conta a sua inserção no âmbito do

Acontecimento Relatado (AR) e do Acontecimento Comentado (AC), uma vez que o

Acontecimento Provocado (AP) não se faz presente no Digestivo Cultural (fato atestado

durante a leitura flutuante).

Esse percurso metodológico surgiu a partir da compreensão obtida com a análise de

conteúdo, contribuindo para que a definição do corpus se mantivesse a mesma de uma análise

para a outra. Nesse sentido, trabalhou-se com a perspectiva de distanciamento e

complementaridade entre as duas opções metodológicas (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005).

Portanto, o propósito da análise de discurso foi o de identificar as particularidades

discursivas das publicações, revelando os artifícios linguajeiros utilizados para ―fazer saber‖ e

―fazer sentir‖ e, ao mesmo tempo, evidenciando os ditos e os não-ditos (implícito,

subentendido) presentes nos textos, afinal, ―ao longo do dizer, há toda uma margem de não-

ditos que também significam‖ (ORLANDI, 2009, p. 82). O instrumento utilizado foi o

modelo de ficha de análise reproduzido abaixo:

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62

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº Data de publicação:

Título:

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

Observações:

Quadro 6 - Ficha de análise de discurso

FONTE: Dados da pesquisa

Page 64: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

63

6 ESTUDO DE CASO

6.1 Um pouco da história do site

O Digestivo Cultural é um site brasileiro, com características de revista eletrônica, que

há 10 anos se dedica à produção em jornalismo cultural. A página surgiu a partir de um hobby

do engenheiro da Computação Julio Daio Borges, que produzia e distribuía uma newsletter

com pequenas notas de crítica cultural (os digestivos) relacionadas a cinema, música,

literatura, entre outros. O digestivo nº 1 circulou em 19 de setembro de 2000 (em 2005 essa

seção já somava mil notas no site). Segundo Borges, editor-chefe e programador do veículo, o

amadurecimento veio com o tempo:

No começo, [os digestivos] eram quase frases soltas. Nos primeiros

Digestivos, eu vivia de produzir aforismos sobre o que acontecia, sobre o que me cercava, sobre o que eu via... Depois se tornou algo mais

profissional, mais rigoroso (BORGES, 2005).

O site inaugurou suas primeiras colunas fixas em 2001 e, no mesmo ano, vieram as

primeiras parcerias com empresas como Submarino (comércio eletrônico) e Kuarup

(gravadora independente). Com o passar do tempo, jornalistas e escritores foram se agregando

à equipe do Digestivo, que assumiu características típicas da produção jornalística

colaborativa, ao passo em que foi diversificando o seu alcance temático. Ivan Lessa, Millôr

Fernandes, Moacyr Scliar e Ruy Castro estão entre os escritores que já tiveram textos

publicados no Digestivo.

Em 2004, a página fez sua primeira incursão no campo da mídia impressa ao participar

da produção de um encarte especial na revista GV-executivo, publicação da Fundação Getúlio

Vargas de São Paulo. Na época, Borges afirmou que a experiência do Digestivo na mídia

impressa não representou um contra-senso:

Page 65: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

64

[...] talvez permita voos mais altos em termos de jornalismo. A internet, naturalmente, tem outras limitações que o papel não tem. Em resumo, ao

contrário do que muitos acreditavam, a internet não matou o papel – apenas

o modificou (BORGES, 2004).

Nesse mesmo ano, o editor-chefe foi indicado ao Prêmio Comunique-se, na categoria

jornalista cultural de mídia eletrônica, onde concorreu com nomes como Zeca Camargo e

Rubens Ewald Filho.

Em 2007, o Digestivo realizou a curadoria do evento ―A Palavra na Tela‖, onde se

discutiu os efeitos da Internet na produção jornalística e a inserção da literatura e da crítica

nesse contexto. O evento, que teve mais duas edições em 2008 e 2009, contou com a presença

de jornalistas, escritores e blogueiros de renome, como Ana Maria Brambilla, Pedro Dória e

José Marcelo Zacchi.

Em 2009, o site atingiu a média de 1 milhão de páginas navegadas ao mês. Conforme

conquistava audiência na própria na rede, o Digestivo foi recebendo o reconhecimento de

jornalistas, empresas privadas e acadêmicos. Atualmente, ele conta com um editor-assistente,

15 colunistas e 20 parceiros/anunciantes.

Foi citado no ―Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural no Brasil em 2008‖,

uma iniciativa do Instituto Itaú Cultural, como o site mais utilizado pelo universo de

professores pesquisados ao longo das suas aulas. Também recebeu menção no livro

Jornalismo Cultural, de Daniel Piza, e As Penas do Ofício, de Sérgio Augusto. Como objeto

de pesquisa, foi estudado em trabalhos de conclusão de curso da ECA-USP e Uni-BH.

Dessa forma, o Digestivo Cultural se consolida como um veículo alternativo ao

conquistar um espaço importante na Internet a partir do tipo de conteúdo que publica, focado

na produção de um jornalismo cultural cada vez mais escasso na imprensa tradicional.

Page 66: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

65

6.2 Como funciona

Como o próprio editor-chefe ressalta na primeira resposta do FAQ Digestivo

(BORGES, 2010a), o site não é um portal, nem um blog, tampouco trata da cultura no seu

sentido amplo. Dessa forma, a proposta do Digestivo é fazer jornalismo cultural com foco na

crítica de livros, CDs, filmes, inclusive de restaurantes e da própria imprensa.

Textos relacionados a outras editorias, como política, educação e esportes não fazem

parte da linha editorial do Digestivo, exceto no caso de algum Especial sobre esses temas.

Tampouco são publicadas poesias, textos de ficção ou iniciativas do terceiro setor. Além

disso, o site afirma não ter vínculo com grupos ideológicos, ―portanto, não publica

campanhas, não adere a causas e ignora solenemente textos com mensagens subliminares ou

interesses escusos‖ (BORGES, 2009a).

Como funciona em regime de colaboração, o Digestivo recebe os textos de potenciais

colaboradores através do e-mail [email protected]. São aceitas colaborações

apenas para as seções Colunas (até 10 mil toques com espaço) e Blog (até 5 mil toques), pois

as demais, como Ensaios, Digestivos e Entrevistas, são reservadas a ensaístas, escritores e

jornalistas de renome, ou ao próprio editor.

Segundo o FAQ Colaboração (BORGES, 2009a), o que vale é o conteúdo do texto,

não importando se o colaborador é escritor, jornalista ou blogueiro. Antes de serem aprovados

pelo editor-chefe, os textos são avaliados pelo editor-assistente, responsável por controlar o

fluxo de informações no site, de modo que ele seja atualizado diariamente. Depois da

aprovação, a publicação demora no máximo quinze dias para entrar no ar.

Com o tempo, o colaborador recebe um login e senha para publicar seus textos

diretamente na página. Borges entende ser essa uma relação de confiança estabelecida ao

longo do tempo de colaboração (BORGES, 2009a). Munido de acesso à plataforma do site, o

colaborador pode alterar seus textos em tempo real, tanto da seção Colunas quanto na seção

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66

Blog. Quando um colunista fixo não consegue mais produzir ao menos uma colaboração

mensal, a sua vaga fica disponível e é preenchida por um dos colaboradores que tenham se

destacado nos últimos seis meses por conta do volume de produção para o Digestivo.

Apesar disso, os colunistas e demais colaboradores do Digestivo não são remunerados,

pois o site entende a colaboração como uma plataforma de lançamento de novos autores,

jornalistas e estudantes, permitindo a eles alcançarem notoriedade e, consequentemente,

maiores chances de ascensão na carreira. Em contrapartida, os colaboradores e colunistas

destacados para os Especiais são premiados com livros e todos recebem as pautas enviadas

para a Redação, tendo acesso gratuito a produtos, cursos e eventos promovidos pelos

parceiros do Digestivo.

6.2.1 Anúncios e divulgação

A divulgação de pautas no Digestivo é feita de forma bastante organizada. Os releases

enviados para o e-mail da Redação são examinados individualmente e encaminhados para

grupos de interesse mantidos pelos site, formados pelos próprios colaboradores (Literatura,

Cinema, Música, Teatro, Artes, Internet, Televisão e Gastronomia). Caso a pauta interesse a

alguém, o colaborador entra em contato diretamente com a assessoria de imprensa ou a pessoa

que disparou o e-mail.

Dessa forma, o Digestivo não impõe pautas aos seus colaboradores, deixando-os livres

para escolherem seus assuntos e escreverem sobre eles de forma espontânea e flexível, apesar

de o editor e o editor-assistente possuírem poderes para vetar algum texto que não se encaixe

na proposta editorial do site. Ao não publicar ―notinhas‖ ou releases na íntegra, o Digestivo

assume uma posição crítica em relação à imprensa em geral: ―O Digestivo Cultural não possui

uma agenda, que precise ficar alimentando com eventos. Tampouco necessita preencher

espaço (como muitas publicações em papel)‖ (BORGES, 2009b).

Page 68: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

67

Da mesma forma, o editor-chefe garante que o site não prioriza divulgações que

ofereçam jabá20

aos colaboradores: ―não é vantagem oferecer, como forma de ‗recompensa‘, o

produto ou o acesso ao evento — é, simplesmente, obrigação da assessoria de imprensa ou do

divulgador‖ (BORGES, 2009b). Ou seja, o site não faz divulgação apenas a partir dos

releases ou pautas recebidas, pois o colaborador precisa ter acesso ao produto ou ao evento

para poder fazer a sua avaliação crítica.

Caso o divulgador tenha um interesse promocional para além da divulgação, o

Digestivo sugere a encomenda de um anúncio, ferramenta utilizada pelo veículo tanto para

gerar receita quanto para fortalecer a sua marca. Assim, o Digestivo comercializa seus

espaços através de banners, vitrines e e-mail marketing, não aceitando troca de links com

outros sites como fazia na época em que ainda não tinha uma audiência consolidada e não era

conhecido no mercado (BORGES, 2009c).

O Digestivo veicula banners desde 2002 nos formatos full-banner (468x60 pixels), o

mais utilizado, e ―arranha-céu‖ (120x600 pixels). Desde então, o site já veiculou mais de 900

peças de anunciantes como Avon, Banco do Brasil, Senac, Som Livre e editoras como Globo,

Jorge Zahar e Record. A metodologia utilizada pelo site é a CPM (custo por mil), e para mais

de 100 mil exibições são oferecidos descontos de 50%. A exibição dos anúncios é feita de

forma alternada, de modo que os anunciantes apareçam em todas as páginas e seções do site.

Os anunciantes também podem fazer o acompanhamento on line dos números de exibições e

cliques de suas peças.

Desde 2002, o Digestivo também oferece uma vitrine de e-commerce que comporta

quinze itens com dimensão de até 100 pixels cada. Os itens são, em sua maioria, imagens de

logomarca com um link para levar o leitor diretamente ao site do respectivo anunciante.

Utilizando a mesma metodologia dos banners e possibilitando o mesmo acompanhamento por

20 Jargão jornalístico que diz respeito a benefícios materiais oferecidos ao jornalista em troca de exposição na

mídia, publicidade ou elogios. Ocorre com frequentemente com críticos no âmbito do Jornalismo Cultural.

Page 69: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

68

parte dos anunciantes, a vitrine aparece sempre à direita das páginas com o nome de

―Parceiros‖.

Apesar de ter suas receitas geradas através da publicidade, o editor-chefe do Digestivo

salienta que a página não aperfeiçoa ou modifica suas ferramentas apenas com base nas

demandas dos anunciantes: ―o site aceita sugestões de melhoria, obviamente, mas não pode se

desviar de seu trabalho editorial — seu principal produto — para atender a outras demandas

de programação web‖ (BORGES, 2009c).

Outras estratégias comerciais das quais o Digestivo lança mão são as promoções,

iniciativas de anunciantes específicos coordenadas pela equipe do site, e o e-mail marketing,

disparos feitos para os leitores cadastrados na base de dados do Digestivo.

6.3 Análise da arquitetura de informação

Com base nos conceitos de Arquitetura de Informação (AI) propostos por Morville e

Rosenfeld (2006), analisou-se a página inicial (homepage) do Digestivo Cultural (Figura 2) e

algumas das suas seções no período de 20 de outubro a 3 de novembro de 2011. Nesta etapa,

o aplicativo FireShot 0.93 foi o principal suporte tecnológico utilizado.

Page 70: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

69

Figura 2 – Página inicial (homepage) do Digestivo

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Page 71: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

70

6.3.1 Sistemas de organização

Quanto aos esquemas exatos de organização das suas informações, o site apresenta,

predominantemente, esquemas cronológicos, sendo possível identificar também esquemas

sequenciais e alfabéticos, conforme as Figuras 3 e 4:

Figura 2 - Esquemas exatos

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Cronológico

Sequencial

Alfabético

Page 72: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

71

Na página principal do site, os esquemas cronológicos são usados para dar visibilidade

às publicações mais atuais, bem como para organizar os temas (no caso dos Digestivos) e

autores (no caso das Colunas) por dias da semana. Os esquemas sequenciais são utilizados

para identificar os conteúdos mais acessados de três seções do site. Já os esquemas alfabéticos

aparecem, unicamente, como forma de organização dos autores nas seções Colunas e Ensaios,

conforme a Figura 5:

Cronológico

Sequencial

Alfabético

Figura 3 - Esquemas exatos FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Page 73: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

72

O Digestivo Cultural também adota um esquema de organização classificado como

ambíguo, pois agrupa as informações por tipos ou assuntos na barra lateral esquerda da página

principal, conforme a Figura 6:

Figura 4 - Esquema exato alfabético

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Page 74: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

73

Figura 5 - Esquema ambíguo por assunto

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Além disso, o site apresenta uma estrutura de organização não muito complexa,

baseada em taxonomias, ou hierarquias, conforme o mapa a seguir:

Page 75: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

74

6.3.2 Sistemas de navegação

A navegação embutida do site segue o modelo de Morville e Rosenfeld (2006), com os

seus elementos sendo usados de forma integrada, conforme a Figura 7:

DIGESTIVOS o Artes

o Internet

o Teatro

o Televisão

o Cinema

o Música

o Além do mais

o Gastronomia

o Imprensa

o Literatura

COLUNAS

o Segunda-feira o Terça-feira

o Quarta-feira

o Quinta-feira

o Sexta-feira

BLOG

ENSAIOS

ENTREVISTAS

ESPECIAIS

ENCAMINHAMENTOS

EDITORIAIS

o FAQs

Site

Divulgação

Colaboração

o Quem somos

Histórico

Mapa do site o Audiência & Anúncios

Quem lê

Como anunciar

o Expediente e RSS

Quem é quem

Feeds

Local: Onde

eu posso ir?

Contextual

Onde eu

posso ir?

Global

Onde eu

estou?

Page 76: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

75

A partir dessa visão geral, pode-se entender o cabeçalho do site como o seu sistema de

navegação global, por ser um elemento repetido em todas as páginas, tanto no topo como no

fim de cada uma (Figura 8). Além disso, o cabeçalho representa um elemento importante de

contextualização para usuário, possibilitando a ele saber, rapidamente, onde se encontra. Essa

característica se acentua com a presença da logo do site, também usada como link para a

página principal.

No entanto, o sistema de navegação global adotado pelo site não oferece opções

comuns a outras páginas da Internet, como barras de navegação ou menus de acesso aos seus

principais conteúdos. Isso se explica pelo fato de o Digestivo adotar uma barra lateral com

características de navegação local e global. Assim, ao mesmo tempo em que permite acesso a

conteúdos locais e específicos, a barra de navegação localizada na lateral esquerda também

promove o acesso às categorias globais de conteúdo, conforme demonstrado na Figura 9.

Apesar disso, o Digestivo não chega a apresentar páginas tão diferentes entre si que possam

ser caracterizadas como subsites.

Figura 6 - Navegação embutida

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Figura 7 - Cabeçalho

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Page 77: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

76

A navegação contextual também se faz presente em vários pontos do Digestivo

Cultural. Tomando como referência a página principal, os usuários podem explorar o site a

partir das relações associativas estabelecidas entre textos e hiperlinks, conforme o exemplo

abaixo, retirado da seção Digestivos:

Figura 9 - Navegação contextual

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Desse modo, caso o leitor se interesse pelo conteúdo a partir da pequena descrição

apresentada, ele pode acessar o texto completo apenas clicando em ―Leia mais‖, dando mais

flexibilidade à navegação.

Global

Local

Figura 8 - Navegação

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011

Page 78: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

77

Quanto à navegação suplementar, o site apresenta características básicas e avançadas.

Em relação às básicas, percebeu-se que o Digestivo possui um mapa do site atípico, pois não

mostra as seções organizadas de forma rigidamente hierárquica. Apesar de oferecer acesso

rápido às principais categorias de conteúdo, o mesmo acaba adquirindo características de

guia, mesmo não chegando a ser um tutorial, pois auxilia o usuário a conhecer cada área

através de um breve resumo sobre o tipo de informação a ser encontrada, conforme a Figura

11. Além disso, o mapa não contempla todas as seções, ficando de fora a seção Especiais e

Encaminhamentos.

Figura 10 - Mapa do site

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:

<www.digestivocultural.com/editoriais/release.asp?codigo=57&titulo=Mapa_do_Site>. Acesso em: 29 out. 2011

Apesar dos mecanismos de busca se constituírem também como elementos do sistema

de navegação suplementar, eles serão analisados mais adiante.

Page 79: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

78

Por fim, a única característica avançada do sistema de navegação suplementar

encontrada no Digestivo Cultural é a social, também compreendida como parte do sistema de

organização. Na navegação social são estabelecidos parâmetros de popularidade (Figura 12)

ou associação (Figura 13) entre os conteúdos, partindo do princípio de que o interesse de um

usuário pode se basear na observação das ações de outros usuários.

Figura 11 - Navegação social encontrada em texto da seção Colunas

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011

Figura 12 - Navegação social em texto da seção Colunas

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011

6.3.3 Sistemas de rotulação

O Digestivo Cultural trabalha essencialmente com rótulos textuais. Dentre eles,

encontramos listas de opções dentro dos sistemas de navegação (Figura 14), além de títulos

(Figura 15) e links contextuais (Figura 16), recursos bastante comuns na seção Digestivos.

Para além disso, cabe ressaltar que o site não trabalha com tags ou palavras-chave, estratégia

utilizada na indexação dos conteúdos para o sistema de busca.

Page 80: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

79

Figura 13 - Sistema de rotulação: lista de opções

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011

Figura 14 - Sistema de rotulação: título

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:

<http://www.digestivocultural.com/arquivo/nota.asp?codigo=1782&titulo=O_Discurso_do_Rei,_com_Colin_Firth_e_Geoffrey_Rush>. Acesso em: 29 out. 2011

Figura 15 - Sistema de rotulação: links contextuais

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:

<http://www.digestivocultural.com/arquivo/nota.asp?codigo=1782&titulo=O_Discurso_do_Rei,_com_Colin_Fir

th_e_Geoffrey_Rush>. Acesso em: 29 out. 2011

O Digestivo conta com apenas seis rótulos icônicos bastante intuitivos, na sua maioria

localizados nas páginas de conteúdo. Esses ícones aparecem no início e fim de cada texto e

representam funções como imprimir, enviar publicação por e-mail, assinar feeds, buscar, além

Page 81: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

80

de outros dois que possibilitam a interface com as redes sociais Facebook e Twitter (Figura

17).

Figura 16 - Sistema de rotulação: ícones

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011

6.3.4 Sistemas de busca

O Digestivo Cultural possui um sistema de busca relativamente simples que pode ser

acessado a partir de qualquer página, pois está localizado no cabeçalho e no rodapé do site,

conforme a Figura 18.

Figura 17 - Sistema de busca: localização

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011

O mecanismo de busca do Digestivo pode ser classificado em dois níveis: um

superficial, completamente integrado ao próprio sistema de busca do Google (Figura 19), e

um avançado, responsável por uma varredura mais abrangente em todos os tipos de

publicação do site, apresentado resultados menos óbvios (Figura 20).

Page 82: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

81

Figura 18 - Sistema de busca integrado ao Google

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 30 out. 2011

Figura 19 - Sistema de busca avançada FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: < www.digestivocultural.com.br/busca> Acesso em: 30 out. 2011

Page 83: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

82

6.4 Análise heurística

A análise do Digestivo Cultural também levou em conta as dez heurísticas propostas

por Jakob Nielsen (2011) para ajudar a definir o estado do sistema em relação aos seus

aspectos de ergonomia e apontar falhas de usabilidade.

6.4.1 Visibilidade do estado do sistema

Essa heurística se aplica apenas quando o usuário utiliza a busca avançada. Quando

essa função é acionada, uma janela em pop-up21

é aberta, um comportamento incomum em

relação às demais seções do site. A janela fornece uma visão do processamento da busca

(feedback), sem estimar, no entanto, um tempo máximo para a conclusão da tarefa, tornando-a

aparentemente longa demais, ou até mesmo interminável. Nesse caso, não se sabe se a demora

é causada pela lentidão do processamento ou por algum erro no sistema.

Figura 20 - Janela de feedback com o usuário

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br/busca> Acesso em: 30 out. 2011

21 Janela extra que é aberta no navegador. Geralmente, são acionadas através de hiperlinks e podem causar

incômodo nos usuários, que procuram bloqueá-las.

Page 84: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

83

6.4.2. Mapeamento entre o sistema e o mundo real

De modo geral, o Digestivo apresenta uma linguagem de fácil entendimento ao utilizar

palavras convencionais e familiares tanto aos usuários mais experientes quanto aos novatos.

No entanto, dois pontos merecem destaque na análise dessa heurística.

O primeiro, diz respeito à função ―Disparo‖, em forma de hiperlink, que pode ser

acionada na barra lateral esquerda. Em um primeiro momento, a palavra pode confundir o

usuário, afinal, qual o sentido de ―disparo‖ utilizado pelo site? O que ele faz? O

desconhecimento desse recurso por conta da nomenclatura utilizada poderia facilmente fazer

parte da experiência do usuário com o site caso não se tivesse usado uma legenda para o link,

conforme a Figura 22:

Figura 21 – Função disparo

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

Page 85: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

84

O segundo ponto se refere à seção ―Encaminhamentos‖, recentemente incorporada à

página inicial. Da forma como é apresentada (Figura 23), tem-se dificuldade em definir o tipo

de conteúdo dessa seção. Além disso, ela não consta no mapa do site.

Figura 22 - O que são encaminhamentos?

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

6.4.3 Liberdade de controle ao usuário

O usuário tem relativa liberdade para controlar o sistema, não havendo situações onde

seja impossível reverter determinada tarefa. Ele pode, inclusive, retroceder ou avançar níveis

na hierarquia de informação por meio dos hiperlinks presentes em todas as páginas textuais,

conforme a Figura 24:

Figura 23 - Hierarquia

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

Outro exemplo da aplicação dessa heurística é a possibilidade que o usuário tem de

ajustar a caixa de texto destinada aos comentários de acordo com a sua necessidade (Figura

25).

Page 86: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

85

Figura 24 – Liberdade de controle

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

6.4.4 Consistência e padrões

O Digestivo Cultural não segue essa heurística de usabilidade à risca, sendo possível

notar diferenças nos padrões de organização de determinadas seções do site, principalmente

nos menus da barra lateral esquerda, conforme o exemplo da Figura 26. Inconsistências na

localização de itens entre uma página e outra podem causar frustração no usuário.

Figura 25 - Inconsistência na apresentação de itens

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

Page 87: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

86

6.4.5 Prevenção de erros

O site não segue essa heurística em duas situações importantes, induzindo o usuário ao

erro: no cadastro do e-mail para o recebimento da newsletter e no momento de inserir uma

palavra no campo de busca localizado no cabeçalho das páginas.

Os campos de texto destinados à inserção dessas informações são ocupados, por

padrão, pelas mensagens ―o seu e-mail aqui‖ e ―palavra-chave‖, indicando o tipo de dado

aceito. No entanto, ao contrário do que acontece na maioria dos casos, quando o usuário clica

nesses campos, as frases padrão não desaparecem. Ou seja, se o usuário não apagar

manualmente os textos previamente inseridos, os caracteres digitados se misturam aos já

existentes nos campos (Figura 27).

Figura 26 - Ausência de prevenção de erros

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

6.4.6 Reconhecer em vez de relembrar

Um exemplo da boa aplicabilidade dessa heurística está nos rótulos icônicos utilizados

pelo Digestivo.

Figura 27 - Ícones permitem associação entre imagem e função

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

Page 88: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

87

Dessa forma, os ícones utilizados são facilmente associados às funções de impressão,

envio por e-mail, publicação no Twitter, dentre outros, pois são rótulos já consagrados em

outras plataformas.

6.4.7 Flexibilidade e eficiência de uso

O Digestivo não possui muitos recursos para promover a flexibilidade na navegação,

como botões ou funções de atalho para as operações frequentemente utilizadas. Apesar disso,

o usuário pode facilmente ser direcionado à homepage ao clicar sobre a logomarca do site,

localizada no cabeçalho e rodapé de todas as páginas, sem ter que recorrer aos botões do

browser.

Figura 28 - Área em destaque é um atalho para a página inicial

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

6.4.8 Design estético e minimalista

O Digestivo apresenta um design essencialmente minimalista, expresso tanto na

organização dos seus itens de conteúdo quanto nos elementos estéticos utilizados.

Dessa forma, o site possui uma organização visual que privilegia, ao mesmo, uma

leitura horizontal e vertical, conforme a Figura 30. Esse aspecto pode ser notado

principalmente na página inicial.

Page 89: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

88

Figura 29 - Orientações da leitura

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011

Além disso, o estilo monocromático adotado confere um tom de sobriedade e

neutralidade ao veículo. A ausência de recursos mais elaborados, como animações, entre

outros, também garante o carregamento das páginas em tempo hábil e um ambiente de

navegação menos poluído.

6.4.9 Suporte para o usuário reconhecer, diagnosticar e recuperar erros

Durante o período de análise, o Digestivo apresentou apenas uma situação de erro no

carregamento de página, ocasionada, possivelmente, por uma instabilidade no sistema de

banco de dados. No entanto, ao contrário do que recomenda as heurísticas de Nielsen (2011)

no que se refere às situações de erro, nessa ocasião o site exibiu uma mensagem

incompreensível aos usuários sem domínio da linguagem de máquina.

Page 90: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

89

Em situações similares, em que o sistema não informa de maneira clara a natureza do

erro ocorrido, nem mesmo fornece possíveis soluções para corrigi-lo ou caminhos alternativos

para o usuário prosseguir com sua tarefa, a usabilidade e a ergonomia acabam afetadas.

Figura 30 - Mensagem de erro exibida pelo Digestivo

FONTE: Digestivo Cultural. Acesso em: 31 out. 2011

6.4.10 Ajuda e documentação

O Digestivo Cultural não possui um sistema autônomo ou interativo para fornecer

ajuda em tempo real ao usuário. Os únicos conteúdos nos moldes da décima heurística de

Nielsen (2011) são as FAQs, ou Perguntas Mais Frequentes, seções cujo objetivo é oferecer

respostas e instruções básicas para as dúvidas mais corriqueiras dos usuários em relação ao

site, como formas de anunciar, publicar, divulgar materiais, etc.

O problema dessa forma de ajuda, no caso do Digestivo, é que ela se constitui como

uma ferramenta não-interativa, não permitindo a documentação de uma maior variedade de

perguntas e o envio in loco de novas questões, ficando o seu escopo restrito às perguntas

previamente respondidas. Assim, caso o usuário tenha outras dúvidas, é necessário enviar um

e-mail para o editor.

6.5 Interfaces comunicacionais

6.5.1 Interatividade

Page 91: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

90

Seguindo a tendência da Web 2.0, que deu mais autonomia ao usuário para produzir e

compartilhar conteúdos próprios ou de terceiros, bem como participar nas discussões, o

Digestivo Cultural promove a interatividade com seus leitores principalmente por meio dos

comentários, concentrados uma seção específica a partir de 2005 (Figura 32). Segundo dados

disponíveis no mapa do site, a seção Comentários possui mais de 13 mil colaborações

cadastradas e 6 mil comentadores, desde os mais assíduos até os que comentaram um único

texto.

Figura 31 – Seção de comentários

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br/comentarios> Acesso em: 31 out. 2011

No texto ―Web 2.0 no Digestivo Cultural‖, o editor Julio Daio Borges explica que essa

foi a maneira encontrada de

manter os parâmetros, mas alargando suavemente a base de colaboradores,

como numa lenta transição: onde os Comentadores vão ganhando mais

espaço, enquanto que os Leitores vão fiscalizando todo o processo, aprovando ou não... (BORGES, 2008a).

Dessa forma, o Digestivo amplia as possibilidades de participação dos próprios

leitores na construção do site, e os comentadores passam a ter tanta importância quanto os

colunistas e ensaístas, por exemplo.

Page 92: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

91

De olho nesse público emergente, o Digestivo inaugurou, em janeiro de 2008, as

páginas de ―Comentários por Comentador‖ para exibir um histórico individual dos

comentários cadastrados de cada leitor-comentador. É como se cada usuário passasse a ter um

perfil com todas suas colaborações no Digestivo Cultural (Figura 33). Segundo o editor, a

possibilidade de visualizar os históricos dos comentadores provoca leituras novas e inusitadas,

além de ser uma forma de leitura não-linear, uma vez que um comentário pode fornecer

ligações para outros textos de interesse.

Figura 32 - Comentários por comentador

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br/comentarios> Acesso em: 31

out. 2011

Page 93: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

92

O Digestivo adota três diretrizes básicas para que o ambiente dos comentários seja um

espaço de troca de ideias democrático:

o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar comentários quando eles se

utilizam de linguagem chula, difamatória ou ilegal;

mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas

por e-mails inválidos são igualmente descartadas;

tampouco são admitidos os 10 tipos de Comentador de Fórum22

.

Depois de optar pela moderação dos comentários, em 2002, por conta do

cibervandalismo e das discussões intermináveis entre colaboradores e pseudônimos de toda a

internet da época, o Digestivo resolveu ―liberá-los‖ em 2010, exigindo apenas confirmação

via e-mail. Na época, a medida foi justificada pela ampliação do acesso às ferramentas de

autopublicação, como blogs e redes sociais, permitindo a volta da confiança na audiência

(BORGES, 2010b).

Mais recentemente, em março de 2013, o editor do site decidiu integrar totalmente os

comentários do Digestivo ao Facebook, já que a rede social possui o maior cadastro de

pessoas na Internet e domina diversos mecanismos para erradicar o ―vandalismo online‖

(BORGES, 2013b). Ou seja, desse momento em diante, os comentadores passaram ser

identificados através dos seus perfis em uma das redes sociais mais populares do mundo.

O assunto será tratado com profundidade mais adiante, mas uma reflexão a ser

extraída dessa mudança diz respeito à necessidade de se trabalhar constantemente com

representações dos atores sociais, ou com construções identitárias do ciberespaço, uma vez

22

http://www.digestivocultural.com/editoriais/release.asp?codigo=65&titulo=10_tipos_de_Comentador_de_Forum

Page 94: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

93

que os atores não são imediatamente discerníveis nas interações realizadas na Internet

(RECUERO, 2009).

6.5.2 Uso de hipermídia

De modo geral, o Digestivo não trabalha com o esquema de hipermídia da maneira

como é comumente definida: uso sincronizado de ao menos uma mídia estática (texto ou

imagem) e uma mídia dinâmica (vídeo, áudio ou animação). Isso se deve ao fato de o site

manter seu foco nas construções textuais mais densas, apesar de fazer uso de imagens,

pontualmente, como forma de complementação dos textos.

Há apenas uma seção na qual se pode encontrar uma mídia diferente do texto e da

imagem (mídias estáticas): o Blog. Nesta seção, atualizada pelos editores e colunistas, são

publicados conteúdos que não necessariamente renderiam publicações mais longas, como é de

costume nas demais seções. Desse modo, no Blog, além de textos e imagens, também são

publicados vídeos diversos (mídias dinâmicas), não necessariamente produzidos pela equipe

do site. Esses vídeos, no entanto, são publicados de forma a serem auto-explicativos, uma vez

que eles dificilmente vêm acompanhados de textos, conforme a Figura 34.

Page 95: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

94

Figura 33 - Multimídia

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br/blog> Acesso em: 31 out.

2011

Assim, o Digestivo desperdiça os potenciais da hipermídia, que poderia ser empregada

para tornar os textos mais atrativos, ricos e interessantes para um tipo de leitor ―imersivo‖, tal

qual é definido por Santella (2004).

6.5.3 Presença nas redes sociais digitais

O Digestivo está presente nas duas maiores mídias sociais digitais da atualidade: o

microblog Twitter, onde possui um perfil23

com mais de 40 mil seguidores, e a rede social

Facebook, onde possui uma fan page24

criada em outubro de 2011. Através dessas duas redes

de informação, que atraíram adeptos em todo o mundo, o leitor do Digestivo pode

23 http://twitter.com/digestivo 24 http://www.facebook.com/digestivocultural

Page 96: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

95

acompanhar as principais atualizações do site, além, é claro, de interagir através de

comentários e compartilhamentos.

Dessa forma, o Digestivo promove a convergência dos seus conteúdos com as redes

sociais através de ferramentas dispostas ao longo das páginas. Em praticamente todas elas

existe um botão ―Curtir‖, relacionado ao Facebook, que tem características da navegação

social. Quando um leitor ―curte‖ determinado texto, essa atualização aparece

automaticamente no seu perfil do Facebook.

Do mesmo modo, o botão ―tweet‖ possibilita o compartilhamento direto do texto com

os seguidores do leitor no Twitter. Ao mesmo tempo, esses botões, visíveis no início e fim de

cada texto, contabilizam o número de leitores que fizeram uso dele, dando uma ideia do nível

de popularidade de cada publicação (Figura 35).

Figura 34 - Compartilhamento

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:

<http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3436&titulo=A_cabeca_de_Steve_Jobs>

Acesso em: 31 out. 2011

O próprio perfil dos colaboradores do site no Twitter aparece integrado em um espaço

localizado no fim dos seus respectivos textos (Figura 36). É uma forma de aproximar leitores

e autores para além do próprio site, numa relação de interesse informacional e, ao mesmo

tempo, pessoal possibilitada pelo Digestivo.

Page 97: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

96

Figura 35 – Twitter integrado

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 31 out. 2011

A lateral direita da página inicial também abriga um espaço para exibir em tempo real

as mensagens no Twitter (tweets) que citam o Digestivo (mentions), conforme a Figura 37.

Figura 36 – Twitter integrado

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 31 out. 2011

Com a criação da fan page do site, o Digestivo também incorporou alguns plug-ins

sociais do Facebook. Um deles, o Comments Plug-in, permite ao leitor comentar um texto

utilizando seu perfil na rede social (Figura 38), quando logado. A ferramenta poupa ao leitor a

Page 98: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

97

tarefa de digitar informações adicionais como nome e e-mail, uma vez que a identificação é

automática.

Figura 37 - Recurso também permite a publicação do comentário no Facebook

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 31 out. 2011

A mudança já vinha sendo testada desde o segundo semestre de 2012 na seção

Colunas, no entanto, apenas recentemente a equipe optou por tornar o Comments Plug-in um

recurso padrão para todas as futuras postagens. A nova ferramenta amplia as possibilidades de

interação entre os leitores-comentadores, sendo possível curtir, responder ou seguir ou

acompanhar o histórico de comentários específicos, além de ter acesso ao perfil do

comentador no Facebook (Figura 38).

Figura 38 – Comentários via Facebook

FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 26 mar. 2013

Page 99: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

98

Apesar disso, todos os comentários feitos de 2001 até agora permanecem publicados

no site e é necessário o leitor ter cadastro no Facebook para poder comentar algum texto. O

novo sistema também é compatível com contas do Hotmail (Microsoft), Yahoo! e AOL25

(BORGES, 2013a).

6.6 Análise de Conteúdo

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 01 Data de publicação: 01/03/2012

Título: Lobo branco em selva de pedra: Eduardo Semerjian

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( X ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( X ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( X ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( X ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3

25 As páginas onde havia Comentários antigos, permanecem funcionando com o antigo sistema (do Digestivo); e

as páginas onde não havia nenhum Comentário (antigo), passam a funcionar com o sistema novo (via Facebook).

Page 100: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

99

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 7 - Ficha de codificação 01

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

Trata-se de um texto longo, com mais de 6 mil caracteres, que não utiliza o recurso do

hiperlink. A matéria é um perfil do ator brasileiro Eduardo Semerjian, conhecido por ter

interpretado André Matarazzo, o primeiro marido da cantora Maysa, na minissérie ―Quando

fala o coração‖, de 2009. Enquadra-se na categoria ―Personalidades‖, já que o ator é o foco de

toda a narrativa. Em termos de classificação jornalística, o texto pertence ao gênero

Diversional, categoria história de interesse humano, pois ressalta particularidades pessoais do

agente da notícia no intuito de humanizá-lo em trechos como: ―Sob sua postura crítica, a

verborragia que lemos no Facebook há um polimento reluzente (sic), não artificial de todo,

embora o suficiente para constatar que é a fineza quem encarcera e molda a fera‖. Recursos

literários também são usados sem pudor, conferindo ao texto qualidades próximas da prosa

poética: ―Subitamente examino esses quatro olhos abundantes de Eduardo e nada, nada me

vem a não ser uma mordida no nariz, uma dissimulação, nada posso espremer deles, a não ser

o sumo que me é ofertado, uma neutralidade aparente, um gélido azul, ele mesmo?‖.

2) Características imagéticas

A publicação traz uma única imagem que retrata um caminho de pedra parcialmente

encoberto por névoa, portanto, não possui nenhum vínculo direto com o conteúdo do texto,

ficando a sua interpretação a cargo da subjetividade do leitor.

3) Ênfases

O texto situa-se em uma abordagem da cultura enquanto processo ao contemplar as relações

do personagem da matéria com a sua arte, ao mesmo tempo em que revela detalhes da

Page 101: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

100

dinâmica profissional. Isso fica evidente em trechos como: ―Estaria ele em um momento no

qual o artista se diagnostica entre o desejo e as necessidades, ao tecer suas frases com a

segurança e a ponderação de quem expõe, como diz ele, o que é, tal é a essência de ser ator?‖

e ―De pronto Eduardo encara o drama do artista em todas as épocas – entre a realização de

seus projetos pessoais e participação em outros mais, de onde o ator retira visibilidade e sua

sobrevivência‖. Além de dar às informações um tratamento com forte carga emocional através

do uso de adjetivos e figuras de linguagem, o que lhe confere uma característica subjetiva, o

texto possui um caráter atemporal, pois não situa explicitamente os acontecimentos no tempo.

4) Interfaces

Não há comentários para esse texto. O conteúdo também foi pouco compartilhado nas redes

sociais, com apenas 1 compartilhamento no Twitter e 3 no Facebook.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 02 Data de publicação: 02/03/2012

Título: Tom e Tim

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( X ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( X ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( X ) Sim ( ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

Page 102: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

101

( ) Positiva

( ) Negativa

( X ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 8 - Ficha de codificação 02

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

O assunto do texto se insere na categoria ―Personalidades‖ pois o foco da narrativa são os

compositores Tom Jobim e Tim Maia, contribuindo para o seu enquadramento no gênero

jornalístico Diversional ao ressaltar as características humanizadoras dos agentes da notícia,

como nesta referência a Tom Jobim: ―Estava orgulhoso da casa nova, levantou-se e mostrou a

encosta que ficava atrás, falando das espécies que habitavam ali... Eu perguntei da infância

em Ipanema, e aí ele abriu um sorriso cheio de nostalgia‖. A publicação é longa, com mais de

6 mil caracteres, e não utiliza hiperlinks.

2) Características imagéticas

O texto não é acompanhado de imagem.

3) Ênfases

A autora da publicação faz apenas uma citação ao jornalismo cultural como prerrogativa para

iniciar sua narrativa: ―Nunca fui oficialmente jornalista cultural, mas tive meus momentos‖.

Portanto, trata-se de uma referência que nada tem a ver com discussões sobre a especialidade.

Por outro lado, as referências à visão de ―processo cultural‖ adotada pela autora ficam

evidentes em trechos como este, em que ela fala do documentário ―A música segundo tom

Page 103: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

102

Jobim‖: ―...para mim faltaram as histórias. Sim, elas. As histórias, sempre elas. A paixão de

Tom pela natureza, a relação com os parceiros, como surgiram algumas composições‖. Ou

seja, a autora procura evidenciar que há muito mais além do produto cultural acabado,

havendo por trás dele, inclusive, um ser humano com hábitos, preferências pessoais e visões

sobre o mundo que porventura influenciam a sua produção.

Trata-se, ainda, de um texto de temática nacional com temporalidade explicitamente

situada no passado, pois os fatos narrados aconteceram em meados de 1990. Pelo fato de ser

uma espécie de relato de experiências profissionais da autora, a publicação possui um caráter

subjetivo.

4) Interfaces

O texto possui 5 compartilhamentos no Facebook, 2 no Twitter e nenhum comentário.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 03 Data de publicação: 05/03/2012

Título: Meus encontros e desencontros com Daniel Piza

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( X ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( X ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( ) Nenhum ( ) Até 5 ( X ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

Page 104: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

103

( ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( X ) Não se aplica

Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 9 - Ficha de codificação 03

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

O assunto do texto se encaixa na categoria ―Personalidades‖, pois elege como figura principa l

o jornalista Daniel Piza, falecido no dia 31 de dezembro de 2011. Trata-se de um artigo

porque mescla fatos vividos pelo autor, conferindo-lhe um tom marcadamente pessoal, e

ideias a respeito da figura profissional de Daniel Piza. Características como atualidade (não

necessariamente imediata, mas em relação ao momento histórico, traduzido no falecimento do

jornalista) e opinião do autor claramente expressa também contribuem para a classificação do

texto como artigo. Dessa forma, o autor tece críticas ao posicionamento que Piza adotou em

relação ao papel dos blogs na comunicação do século 21: ―E o Daniel Piza nessa história?

Poderia ter sido o Quixote da interação virtual, com sua experiência pessoal de internet, que ia

de angariar leitores a descobrir idéias novas, mas acabou engrossando o coro dos que

achavam aquilo tudo porta de mictório, barbárie com verniz tecnológico‖. O texto possui mais

de 6 mil caracteres e faz uso moderado do recurso de hiperlinks.

2) Características imagéticas

O texto não é acompanhado de imagem.

3) Ênfases

Page 105: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

104

Sem fazer referências ao jornalismo cultural, apesar de eleger como assunto principal uma

figura nacional notória nessa área, a publicação não reflete uma abordagem específica de

cultura. Além disso, o texto situa-se no passado ao relatar experiências vividas pelo autor a

partir do final dos anos 1990, o que lhe confere também uma forte característica subjetiva.

4) Interfaces

O texto possui 3 compartilhamentos no Facebook, nenhum no Twitter e nenhum comentário.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 04 Data de publicação: 06/03/2012

Título: Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( X ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( X ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( X ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( X ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Page 106: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

105

Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Quadro 10 - Ficha de codificação 04

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

Encaixa-se na categoria ―Artes‖, abordando o Modernismo brasileiro e a Semana de 22.

Quanto ao gênero jornalístico, o texto se caracteriza como artigo, em sua modalidade mais

extensa, o ensaio. Em pouco mais de 12 mil caracteres e nenhum hiperlink, a publicação

mescla fatos e ideias do autor a respeito do Modernismo brasileiro, utilizando o recurso do

embasamento em outras pessoas que se debruçaram sobre o assunto.

Além disso, a opinião crítica do autor está claramente expressa: ―Questionar nosso

capenga e caipira espírito pseudo-revolucionário parece o mesmo que cuspir na hóstia. Salvo

as primeiras obras de Anita [...] e a primeira de Lasar Segall, pouco de realmente

revolucionário aportou na terra brasilis‖. Por se tratar de um ensaio a respeito de determinado

tema, o texto encerra em tom de conclusão: ―Interrogar criticamente o sentido ideológico do

projeto modernista-nacionalista brasileiro, desmistificar o discurso por eles elaborado para

que sejam lidos segundo seus próprios parâmetros é nossa tarefa‖.

2) Características imagéticas

A publicação traz imagens de obras famosas de pintores modernistas, num total de 6 quadros.

3) Ênfases

O texto adota uma abordagem da cultura enquanto processo, pois faz uma avaliação crítica do

momento histórico representado pelo Modernismo nas Artes brasileiras, indo na ―raiz‖ do

problema ao desvendar as ideologias que dominaram o movimento. Nesse sentido, através de

uma contextualização nacional e internacional, o autor situa o nosso período modernista na

contramão das vanguardas européias. Por isso, a publicação possui uma temporalidade

Page 107: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

106

claramente situada no passado, além de apresentar traços de subjetividade, refletidos na

defesa do ponto de vista do autor.

4) Interfaces

O texto teve repercussão relativamente alta, com 9 compartilhamentos no Twitter, 8 no

Facebook e 7 comentários.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 05 Data de publicação: 07/03/2012

Título: Treze teses sobre cinema

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( X ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( X ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( X ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( ) Estrangeira ( X ) Indefinida

Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Page 108: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

107

Quadro 11 - Ficha de codificação 05

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

De forma sistemática e argumentativa, ―Treze teses sobre cinema‖ é um verdadeiro ensaio

que aborda ideias e concepções do autor a respeito da Sétima Arte. Por se tratar de um texto

longo, com mais de 14 mil caracteres e nenhum hiperlink, classifica-se como artigo, uma vez

que apresenta julgamentos, conclusões e interpretações do tipo ―Todo filme está

comprometido com valores sociais, morais, políticos, econômicos, etc.‖ e ―Como na

literatura, o cinema ganha forma como obra de ficção; por conseguinte, uma cópia ilusória da

realidade‖. Dessa forma, a opinião do autor está claramente expressa em várias passagens do

texto.

2) Características imagéticas

A publicação não vem acompanhada de imagem.

3) Ênfases

De localidade indefinida e característica atemporal, o texto é subjetivo a começar pelo título:

uma tese supõe um posicionamento pessoal ou intelectual a ser defendido. Além disso, a

publicação aborda o processo cultural ao tratar das especificidades e da própria dinâmica do

cinema enquanto expressão artística, em suas vertentes técnica, linguística e estética. Ao

mesmo tempo, lança reflexões sobre o processo de produção cinematográfica e busca

compreender o seu lugar no contexto da indústria cultural. Isso se encontra expresso em

trechos como: ―Não é possível pensar o cinema fora dos preceitos da indústria cultural‖ e

―Talvez não seja possível sem controvérsia traçar uma linha divisória entre arte e mercado; de

qualquer modo, esse o desafio (sic) a ser assumido para quem se propuser a fazer e pensar o

cinema como arte‖.

Page 109: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

108

4) Interfaces

Apesar de nenhum comentário, o texto teve 6 compartilhamentos no Facebook e 7 no Twitter.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 06 Data de publicação: 08/03/2012

Título: Memórias de ex-professoras

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( X ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( X ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( X ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 12 - Ficha de codificação 06

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

Page 110: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

109

O texto se encaixa no assunto ―Sociedade‖, lançando um olhar crítico sobre as conjunturas da

licenciatura no Brasil de ontem e hoje. Apesar de a opinião da autora não estar claramente

expressa ao longo do texto, nota-se nele uma liberdade de forma, em tom pessoal, sem deixar

de tecer críticas e interpretações a respeito dos diferentes cenários sociopolíticos em que os

professores brasileiros se inseriram ao longo do tempo. Por esse motivo, ―Memórias de ex-

professoras‖ pode ser classificado, dentro do gênero opinativo, como artigo. O texto possui,

ainda, pouco menos de 5 mil caracteres e nenhum hiperlink.

2) Características imagéticas

A publicação não apresenta imagem.

3) Ênfases

Com uma temática predominantemente nacional, exceto pela referência a um contexto norte-

americano, a publicação possui uma abordagem subjetiva, uma vez que a autora se coloca em

primeira pessoa na narrativa ao relatar experiências vividas anteriormente e que ajudam a

compor o cenário sociopolítico relatado. A cultura, aqui entendida para além da indústria

cultural, adquire uma abordagem de processo a partir do momento em que a autora tece

interpretações a respeito das mudanças ocorridas em nível social, trabalhista e

comportamental que de alguma forma influenciaram a atuação dos professores no Brasil: de

―ocupação de moças finas e cultas, que não precisavam de dinheiro, pois eram bem-nascidas‖

a licenciatura deixou de ser um esporte, afinal as professoras ―não queriam mais ser tias

postiças, mas profissionais de respeito‖. Por fim, ao transitar entre presente e passado, o texto

acaba adquirindo uma característica atemporal, pois não se detém sobre um único fato.

4) Interfaces

O texto teve bastante repercussão nas redes sociais, com 23 compartilhamentos no Facebook e

17 no Twitter. No entanto, recebeu apenas dois comentários.

Page 111: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

110

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 07 Data de publicação: 12/03/2012

Título: A ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( X ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( X ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( X ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:

( X ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 13 - Ficha de codificação 07

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

O texto é uma resenha do livro ―A ilha do Dr. Moreau‖, do inglês H. G. Wells, escrito em

1896 e recentemente reeditado no Brasil. A resenha é predominantemente relatorial, pois se

atém a descrever sequencialmente o desenrolar dos fatos narrados no livro, trazendo também

Page 112: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

111

algumas informações referentes ao seu autor. Apenas em dois momentos o autor da resenha

esboça o que pode ser entendido como uma interpretação a respeito da personalidade do

personagem principal, o Dr. Moreau, e a respeito do que se pode concluir com o livro: ―Ao

contrário de Huxley, Moreau não era cientista, nem humanista‖; ―Estamos convictos de que

ao homem é impossível regredir [...] a estágios animalescos e de dócil submissão...‖. No

entanto, o texto não faz apreciações quanto aos demais elementos da obra, como linguagem e

estrutura narrativa.

2) Características imagéticas

A publicação vem acompanhada de três imagens, sendo duas com ligação direta ao texto.

3) Ênfases

Aqui, trata-se claramente da apreciação (portanto, subjetiva) de um produto cultural,

classificado positivamente como ―um dos livros mais impressionantes que tivemos o prazer

de ler‖, apesar de o autor não embasar de forma consistente esse posicionamento, o que acaba

fragilizando o potencial crítico da resenha.

4) Interfaces

Para este texto, nenhum compartilhamento no Facebook, 2 no Twitter e 2 comentários.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 08 Data de publicação: 13/03/2012

Título: O Artista

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( X ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( X ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

Page 113: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

112

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( ) Nenhum ( ) Até 5 ( X ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:

( X ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Comentários: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 14 - Ficha de codificação 08

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

Trata-se de uma resenha crítica do filme ―O Artista‖, do francês Michel Hazanavicius,

ganhador de 5 Oscar. Além de relatar o enredo de um modo geral, como é característica desse

gênero opinativo, a autora faz apreciações sobre a forma do filme (―chama de imediato a

atenção pelo uso de uma forma antiga, a do cinema do início do século XX e antes‖), bem

como os recursos utilizados tendo em vista o público contemporâneo (―um dos recursos

utilizados foi se aproveitar do nosso, digamos, hábito sonoro‖). Nota-se também a presença de

interpretações (―metáfora sutil‖), relações com outros filmes (Luzes da Ribalta, Cantando na

Chuva, A Última Gargalhada) e impressões pessoais quanto ao sentido da obra (―põe nossa

percepção para funcionar de outra maneira e nos dá a chance de nos identificarmos com seu

tema central, isto é, tempo e identidade‖). O texto possui entre 4 mil e 6 mil caracteres e mais

de 5 hiperlinks.

Page 114: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

113

2) Características imagéticas

A publicação não vem acompanhada de imagem.

3) Ênfases

Por se tratar de um produto cultural, a abordagem qualitativa exposta no texto é positiva, o

que fica evidente em trechos como ―possui personagens cativantes, beleza visual e uma

história leve e divertida‖. Até certo ponto, essas qualidades estão devidamente justificadas ao

longo da publicação. A temporalidade do texto está situada no passado, uma vez que o filme

estreou no Brasil em 10 de fevereiro de 2012. Além disso, por se tratar de uma resenha crítica,

em que se faz apreciações estéticas a respeito de um produto cultural, há na publicação um

acentuado traço subjetivo, expresso nas impressões da autora diante da obra.

4) Interfaces

A publicação teve 2 compartilhamentos no Facebook, 10 no Twitter e apenas 1 comentário.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 09 Data de publicação: 14/03/2012

Título: Liberdade, de Franzen

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( X ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( X ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:

Page 115: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

114

( ) Positiva

( X ) Negativa

( ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 15 - Ficha de codificação 09

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

O texto é uma resenha crítica do livro ―Liberdade‖, do norte-americano Jonathan Franzen.

Dessa forma, a publicação traz importantes características desse gênero: apreciações quanto à

linguagem (―como pode um romance completamente ‗normal‘ do ponto de vista da linguagem

ser uma obra-prima?‖), quanto aos personagens do livro (―seus personagens são muito

racionais, mesmo em seus momentos mais instáveis‖), além de relações com outras obras e

estilos literários (―Franzen resgatou o romance-mural de Tolstói e companhia‖). A publicação

possui entre 4 mil e 6 mil caracteres e nenhum hiperlink.

2) Características imagéticas

A publicação não vem acompanhada de imagem.

3) Ênfases

O autor da resenha aborda de forma incisivamente negativa o produto cultural em questão,

como fica evidente nos trechos: ―aquele que está sendo considerado ‗o livro do século‘ por

alguns empolgados de plantão é, realmente, o livro do século, mas do 19, no caso‖, ―a leitura

é soterrada por uma montanha de informações que tornam o texto meio enfadonho e

burocrático‖ e ―há pouca literatura em seu romance, é isso‖. Dessa forma, a abordagem

Page 116: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

115

jornalística é evidentemente subjetiva, pois revela, além das impressões pessoais do autor

sobre a obra, suas preferências literárias (―o engraçado é que sempre abominei

‗experimentalismos‘ gratuitos na literatura‖). Pelo fato de o livro ter sido lançado em 2010, a

temporalidade da resenha está situada no passado.

4) Interfaces

A publicação foi compartilhada 3 vezes no Facebook, nenhuma no Twitter e recebeu 2

comentários.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 10 Data de publicação: 15/03/2012

Título: Natureza Humana Morta

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( X ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( X ) Resenha

( ) Coluna

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:

( X ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Page 117: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

116

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 16 - Ficha de codificação 10

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

O texto é uma resenha crítica dos filmes ―A Rede Social‖ e ―Os Homens que Não Amavam as

Mulheres‖, do diretor norte-americano David Fincher. Assim, o autor faz apreciações sobre o

desempenho do diretor (―o primeiro grande diretor de cinema a interpretar de forma

convincente o mundo pós-internet‖), sobre a estética dos filmes (―baseada na reprodução

sombria de lugares reconhecidos por altos valores morais e humanos, como a Universidade de

Harvard [...] e a Suécia‖) e sobre os protagonistas de ambas as obras. E é exatamente nos

protagonistas que o colunista enxerga o elo que aproxima as duas produções: ―são diferentes

nos limites da origem ficcional e real de cada um, mas compartilham o mesmo caráter e a

moral relativista de justificativa dos meios pelos fins‖. A publicação possui entre 4 mil e 6 mil

caracteres e nenhum hiperlink.

2) Características imagéticas

O texto não vem acompanhado de imagem.

3) Ênfases

Por se tratar de uma leitura em tom impressionista (e positiva) de produtos culturais, o texto

possui forte característica subjetiva. A temporalidade está situada no passado, uma vez que ―A

Rede Social‖ foi lançado em 2010 e ―Os Homens que Não Amavam as Mulheres‖ foi lançado

no início de 2012.

4) Interfaces

O texto foi compartilhado 2 vezes no Facebook, 1 no Twitter e não recebeu comentários.

Page 118: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

117

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 11 Data de publicação: 19/03/2012

Título: Parque de Diversão Brasil

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( X ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

( X ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( X ) Não se aplica

Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida

Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 17 - Ficha de codificação 11

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

Trata-se de uma crônica baseada em uma metáfora elaborada pelo autor: ―Andei reparando

que o Brasil é um enorme parque de diversão‖. Partindo desse pressuposto, o texto aborda,

Page 119: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

118

por meio de jogo de palavras, fatos que tiveram repercussão midiática por seu caráter

inusitado ou trágico, especialmente o caso da jovem que morreu ao despencar de um

brinquedo danificado do Hopi Hari e o da criança que foi atropelada por um jet ski pilotado

por um adolescente. Para cada ―absurdo‖ cotidiano relatado, o autor associa uma ―atração‖ do

parque de diversão para, por fim, constatar: ―a grande popularidade do nosso Parque Brasil

está assentada em dois pilares: impunidade e falta de supervisão/vigilância‖. Dessa forma,

nota-se que a crônica, ao mesmo tempo em que faz uma narrativa do cotidiano, utiliza

recursos do imaginário como forma de realçar a realidade e exercer a crítica social. O texto

possui entre 4 mil e 6 mil caracteres e não utiliza o recurso do hiperlink.

2) Características imagéticas

A publicação não vem acompanhada de imagem.

3) Ênfases

O texto faz uma abordagem subjetiva de fatos nacionais acontecidos em março de 2011 e

início de março de 2012. Por discutir temáticas eminentemente factuais, não se percebe no

texto nenhuma abordagem de cultura.

4) Interfaces

A publicação possui 1 comentário e foi compartilhada 1 vez no Facebook e no Twitter.

FICHA DE CODIFICAÇÃO

1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO

Postagem nº 12 Data de publicação: 20/03/2012

Título: Ode à mulher

2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS

Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento

( X ) Sociedade ( ) Personalidades

Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota

( ) Notícia

II) Opinativo ( ) Comentário

( X ) Artigo

( ) Resenha

( ) Coluna

Page 120: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

119

( ) Crônica

III) Diversional ( ) História de interesse humano

( ) História colorida

Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil

Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5

3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS

Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( X ) Mais de 2

4) ÊNFASES

Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não

Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:

( ) Positiva

( ) Negativa

( ) Processo

( X ) Não se aplica

Localidade: ( ) Nacional ( ) Estrangeira ( X ) Indefinida

Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal

Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva

5) INTERFACES

Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3

Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3

Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3

Quadro 18 - Ficha de codificação 12

FONTE: Dados da pesquisa

INTERPRETAÇÃO

1) Características textuais

Em forma de artigo, o texto trata de questões sociais relacionadas às mulheres, por ocasião do

Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. Dessa forma, o autor mescla fatos

históricos que revelam como a mulher vem sendo encarada ao longo do tempo e ideias, tanto

pessoais quanto de outros autores que refletem/refletiram sobre a condição feminina na

sociedade. Sem deixar de contemplar a atualidade do momento histórico, o artigo também

possui teor crítico em trechos como ―a mídia nunca tratou bem as mulheres, seus códigos

simbólicos desprezam a mulher sonhada por Simone de Beauvoir‖, além da opinião do autor,

que se faz claramente presente em trechos como ―a mulher pobre brasileira ainda não tem o

direito sobre o próprio corpo. O direito ao aborto não lhe foi ainda assegurado‖.

2) Características imagéticas

Page 121: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

120

A publicação vem acompanhada de quatro imagens representativas de realidades femininas.

3) Ênfases

Sem fazer necessariamente uma abordagem da cultura, o texto adquire uma característica

subjetiva ao oferecer recortes históricos e sociais selecionados pelo autor para ilustrar o lugar

da mulher nas sociedades de ontem e hoje. Portanto, pode-se dizer que a publicação é

atemporal e de localidade indefinida.

4) Interfaces

A publicação foi compartilhada 5 vezes no Facebook, 3 no Twitter e não recebeu

comentários.

6.6.1 Interpretação dos resultados

6.6.1.1 Características textuais

Gráfico 1 – Assunto

FONTE: Dados da pesquisa

Em relação ao tema ou assunto, a maioria (75%) dos textos analisados ora se encaixa

na subcategoria ―Personalidades‖ (25%), ora em ―Cinema‖ (25%) e ora em ―Sociedade‖

Page 122: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

121

(25%). Em seguida, aparecem as subcategorias ―Literatura‖ (17%) e ―Artes‖ (8%). As demais

foram inexpressivas.

Gráfico 2 – Gênero jornalístico

FONTE: Dados da pesquisa

A maioria dos textos analisados no período pertencem ao gênero opinativo (83%, onde

se encontra o artigo, a resenha e a crônica), mas o gênero diversional também se faz presente

em 17% das publicações. O subgênero artigo (42%) representa a maioria das publicações,

seguido pela resenha (33%), pela história de interesse humano (17%) e pela crônica (8%).

Page 123: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

122

Gráfico 3 – Quantidade de caracteres FONTE: Dados da pesquisa

A maioria das publicações (67%) possui mais de 6 mil caracteres com espaços, o que é

característico de textos muito longos. Além disso, do total de textos publicados no período,

83% não usaram o recurso do hiperlink (Gráfico 4). Se fizermos um cruzamento dos dados de

número de caracteres com os de número de hiperlinks, percebemos que a maioria dos textos

muito longos (com mais de 6 mil caracteres) não utiliza hiperlinks (Gráfico 5).

Page 124: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

123

Gráfico 4 – Quantidade de hiperlinks FONTE: Dados da pesquisa

Gráfico 5 – Caracteres x hiperlinks FONTE: Dados da pesquisa

De forma semelhante, ao relacionarmos os dados da categoria ―Gêneros jornalísticos‖

com os da categoria ―Quantidade de caracteres‖ percebemos que o subgênero artigo é o que

possui o maior número de publicações com mais de 6 mil caracteres (4 textos muito longos).

Metade dos textos do subgênero resenha possui de 4 mil a 6 mil caracteres e a outra metade

possui mais de 6 mil. As duas publicações categorizadas como histórias de interesse humano

possuem mais de 6 mil caracteres e a única do subgênero crônica possui de 4 mil a 6 mil

(Gráfico 6).

Page 125: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

124

Gráfico 6 – Gênero x caracteres

FONTE: Dados da pesquisa

6.6.1.2 Características imagéticas

Gráfico 7 – Quantidade de imagens

FONTE: Dados da pesquisa

A maioria dos textos analisados (67%) não utilizou recursos imagéticos, sendo que

apenas 25% utilizaram mais de duas imagens e 8% apenas uma imagem. Ao confrontar esses

dados com os da categoria ―Quantidade de caracteres‖ (Gráfico 8), nota-se que metade dos

Page 126: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

125

textos muito longos (4 textos) não utilizou imagens. Da mesma forma, nenhuma publicação

entre 4 e 6 mil caracteres utilizou imagens.

Gráfico 8 – Caracteres x imagens

FONTE: Dados da pesquisa

6.6.1.3 Ênfases

Gráfico 9 – Referência ao jornalismo cultural

FONTE: Dados da pesquisa

Page 127: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

126

Grande parte dos textos (92%) não faz referências ao jornalismo cultural, quer seja

para discutir seus aspectos teóricos ou práticos, quer seja para tecer críticas ou comentários

sobre o seu desenvolvimento. A única referência a essa especialidade jornalística aparece

superficialmente no texto ―Tom e Tim‖, na forma de auto-referência à experiência

profissional da autora.

Gráfico 10 – Localidade

FONTE: Dados da pesquisa

Das publicações analisadas no período, 50% correspondem a temas e assuntos

nacionais, enquanto 33% têm como eixo narrativo temas estrangeiros e 17% têm localidade

indefinida. Ao relacionarmos os dados das categorias ―Localidade‖ e ―Assunto‖ (Gráfico 11)

percebemos que as publicações com temática nacional se concentram nas subcategorias

―Personalidades‖, ―Sociedade‖ e ―Artes‖, enquanto os assuntos estrangeiros se concentram

nas categorias ―Literatura‖ e ―Cinema‖.

Page 128: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

127

Gráfico 11 – Localidade x assunto

FONTE: Dados da pesquisa

Gráfico 12 – Abordagem de cultura

FONTE: Dados da pesquisa

A maioria dos textos analisados (42%) fazem uma abordagem da cultura enquanto

processo. A cultura enquanto produto aparece em 33% das publicações. Desse total, 75%

fazem uma avaliação positiva em relação ao produto em questão (Gráfico 13). Em 25% dos

textos não se consegue definir qual a abordagem utilizada.

Page 129: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

128

Gráfico 13 – Abordagem qualitativa FONTE: Dados da pesquisa

Gráfico 14 – Temporalidade

FONTE: Dados da pesquisa

A maioria dos textos (67%) faz referência a assuntos ou acontecimentos do passado,

enquanto 33% das publicações são notadamente atemporais. Nenhuma publicação se encaixou

nas subcategorias ―presente‖ ou ―futuro‖.

Page 130: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

129

Gráfico 15 – Abordagem jornalística

FONTE: Dados da pesquisa

Pelo fato de 100% das publicações analisadas pertencerem ao gênero opinativo ou

interpretativo, nota-se uma abordagem jornalística subjetiva em todos os textos analisados.

6.6.1.4 Interfaces

Gráfico 16 – Compartilhamentos no Facebook

FONTE: Dados da pesquisa

Page 131: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

130

A maioria dos textos (67%) teve 3 ou mais compartilhamentos no Facebook, enquanto

17% foi compartilhado apenas 2 vezes e 16% recebeu 1 ou nenhum compartilhamento.

Gráfico 17 – Compartilhamentos no Twitter

FONTE: Dados da pesquisa

A maioria dos textos (42%) teve apenas 1 ou nenhum compartilhamento no Twitter,

enquanto 41% foi compartilhado 3 ou mais vezes e 17% recebeu apenas 2 compartilhamentos.

Gráfico 18 – Comentários

FONTE: Dados da pesquisa

Page 132: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

131

Das publicações analisadas no período, 50% não receberam comentários de leitores,

enquanto 17% recebeu apenas 1 comentário e 25% recebeu apenas 2. Uma minoria de 8%

recebeu mais de 3 comentários.

6.6.2 Inferências

A análise revelou que a maioria dos textos podem ser classificados como longos

(33%) ou muito longos (67%), variando entre 4 mil e 6 mil caracteres, muitas vezes

superando esse limite. Textos muitos extensos se tornam impraticáveis na mídia

tradicional, que precisa constantemente se impor limites de espaço. Mas a ampliação

dos limites de espaço e tempo é uma característica que diferencia a Internet das mídias

tradicionais (MENDONÇA; LUÍNDIA, 2009), fazendo do ciberespaço o lugar ideal

para um jornalismo especializado e em profundidade, apesar de haver um pensamento

de que o texto webjornalístico deve ser o mais enxuto possível26

. Apesar disso, a

escrita jornalística na Internet deve se aproximar ao máximo do modelo hipertextual27

,

especialmente para textos muito longos. A partir da análise realizada, percebeu-se que

a maioria dos textos (83%) da seção ―Colunas‖ não possui hiperlinks, recurso que

permite uma leitura dinâmica; além disso, constatou-se que grupo dos textos com mais

de 6 mil caracteres concentra o maior número de publicações fora do padrão

hipertextual.

O fato de a maioria das publicações analisadas (67%) não apresentar imagem também

entra em contradição com o que se deve esperar de textos publicados na Internet, uma

vez que o recurso imagético ajuda a ―quebrar‖ a densidade da narrativa, ampliando a

26 Cf. HARLOW, 2011; GIMENEZ, 2011. 27

Relembrando: o hipertexto, por meio dos links, permite que o usuário conduza sua própria leitura, podendo dar

―saltos‖ entre as páginas web de acordo com o seu interesse, possibilitando uma leitura não-linear, ou

multilinear, diferentemente daquela imposta pela técnica da ―pirâmide invertida‖, na qual o roteiro de leitura está

pré-determinado em começo, meio e fim.

Page 133: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

132

informação e conferindo-lhe expressividade. Afinal, a imagem tem o potencial de

atuar como co-gestora do conhecimento (BUITONI, 2007).

A partir das inferências realizadas notou-se que as publicações praticamente não fazem

referências ao jornalismo cultural, sinal de que o Digestivo se dedica menos à reflexão

do que à prática propriamente dita dessa especialidade jornalística.

Dentre os textos analisados notou-se a predominância de temáticas nacionais (50%),

especialmente nas áreas de Artes, Sociedade e Personalidades. Isso revela que, nas

colunas do Digestivo, os assuntos com origem no cotidiano e no espaço cultural

brasileiros estão sendo constantemente pautados, sem haver um compromisso

limitador com a ―agenda‖ da indústria cultural estrangeira.

A partir das possíveis abordagens cultura (produto e processo), a narrativa de

processos culturais e afins foi a que predominou no material analisado (42%),

superando, assim, o número de textos que apresentaram como eixo principal a

apreciação de produtos culturais (33%). Esse é um dado interessante, pois revela que é

possível, para o jornalismo cultural, não se alimentar unicamente das grandes

indústrias do entretenimento ou das agendas de lançamentos. O Digestivo demonstra

ser possível refletir sobre o processo cultural, seus bastidores, especificidades e sobre

o nosso próprio cenário, de ontem e hoje.

Quanto aos gêneros jornalísticos, o que predomina em 83% das publicações analisadas

é o opinativo, representado pelos subgêneros artigo, resenha e crônica, que servem de

subsídio para a formação da opinião pública (ASSIS, 2010). Além desse, verificou-se

no Digestivo espaço aberto à história de interesse humano, representante do gênero

diversional, definido por Assis (2010) como um tipo de texto (geralmente extenso)

cujo trabalho de apuração e redação é feito com certa dose de sensibilidade. Por fim, a

análise revelou que o Digestivo não trabalha com textos puramente informativos e que

Page 134: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

133

as publicações pertencentes ao gênero opinativo são responsáveis pela maioria dos

textos com mais de 6 mil caracteres.

Especialmente por não se tratar de um site noticioso, a temporalidade das publicações

do Digestivo Cultural é mais flexível. Seu conteúdo não reflete os acontecimentos

imediatos e cotidianos (em um sentido factual de instantaneidade), tampouco se

debruça sobre acontecimentos ―agendados‖ ou que ainda estão por vir, mas dispensa

atenção reflexiva e crítica a assuntos de um passado distante ou próximo. Em alguns

casos, como as interpretações revelaram, o conteúdo chega até mesmo a ser atemporal,

anulando a efemeridade que os textos costumam adquirir na imprensa tradicional.

De modo geral, durante o período delimitado para a análise, as publicações tiveram

pouca repercussão nas redes sociais digitais como Facebook e Twitter. Os textos

também apresentaram baixo índice de comentários, e esses dados ganham ainda mais

contraste quando comparados com o volume de acessos registrado mensalmente pelo

site. Mas, como o número de acessos não necessariamente reflete o número de leituras

efetivas, o baixo índice de interatividade pode ser explicado do ponto de vista da

apresentação estética e textual das publicações. Assim, textos longos, com pouco ou

nenhum recurso imagético, hipertextual ou multimidiático, além da narrativa muitas

vezes poética empregada neles, podem encontrar resistência no universo dos leitores

da Internet, acostumados a informações de consumo rápido28

.

Ainda em se tratando da parca interatividade encontrada no site, apesar das

ferramentas empregadas para estimulá-la, faz-se necessário frisar que o ―declínio e

queda‖ dos comentários já vinha sendo apontado desde 2009 pelo próprio editor, em

decorrência principalmente do fortalecimento das ferramentas de autopublicação: ―os

28

Um comentário da leitora Adriana Godoy, no dia 30/01/2009, dá uma pista nesse sentido: ―Eu, como

comentadora antiga do DC, tenho notado a redução de comentários mais detalhados neste site. Talvez seja

também pelo número excessivo de novos textos - a digestão se torna mais difícil. [...] Por enquanto, comento um

texto aqui, outro acolá, mas não dá para ler todos‖ (BORGES, 2009d).

Page 135: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

134

comentários viraram ‗outra coisa‘, porque os comentadores deixaram de ser audiência

para se tornar, eles mesmos, protagonistas de suas histórias‖ (BORGES, 2009d).

6.7 Análise de Discurso

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 02 Data de publicação: 02/03/2012

Título: Tom e Tim

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O texto se caracteriza por ser narrativo e

descritivo, com a presença bastante delineada

da subjetividade da autora. Dessa forma, o

discurso ora se reporta à descrição do

personagem (fonte única do texto), ora às

impressões da autora em relação ao ambiente

e ao próprio personagem: ―Ele não teria mais

nada a dizer, e parece que eu me esgotara de

tantas perguntas e respostas‖. Por isso, em

algumas passagens o discurso aparece sob a

forma explícita da primeira pessoa (ponto de

vista a partir do qual é desenvolvido).

Por conta da sua característica de

descrição-narração, pode-se dizer que o texto

trabalha essencialmente com o Acontecimento

Relatado (AR), ou seja, é um produto da

vivência e proximidade com a fonte,

proporcionadas por ―almoços e cafés‖. Nesse

contexto, os ditos relatados também aparecem

sob a forma de trechos das entrevistas

realizadas.

O discurso apresenta um tom

acentuadamente literário, fazendo uso de

figuras de linguagem, adjetivos, etc. Algumas

passagens se aproximam da prosa poética e do

conto: ―Ao longe, vejo um lobo branco, vindo

em minha direção. Tudo então fica escuro, e

ele reaparece, mais perto. Mais perto, até que

fico cara a cara com ele, como diante de um

reflexo enevoado. Sua cara é agressiva, no

entanto tal ferocidade não inspira medo.

Apenas é. Estou eu diante de um espelho?‖.

Observações: A autora parece ter se deparado com um conflito fruto do seu próprio discurso: a

linha tênue que separa a objetividade da subjetividade. Assim, em certa passagem ela escreve:

―Preciso me ater com certa objetividade – percebo, pois Semerjian pede uma imparcialidade

que eu distanciava de certas situações, mas que surge (sic) – e abandonar o que se deixa estar

sobejando, acessório, fantasiado‖. Dessa forma, ela ratifica o tom emotivo e de admiração

pessoal que pode ser notado ao longo de todo o texto.

Quadro 19 - Ficha de análise 01

FONTE: Dados da pesquisa

Page 136: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

135

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 02 Data de publicação: 02/03/2012

Título: Tom e Tim

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O texto apresenta características de

Acontecimento Relatado (AR), pois a autora

utiliza recursos descritos e narrativos para

relatar as circunstâncias de uma entrevista

realizada com os músicos Tom Jobim e Tim

Maia, apesar deste último receber bem menos

destaque na narrativa.

O ponto de vista adotado é o da autora, em

seu papel de ―foca‖ (jornalista iniciante) e,

antes de tudo, observadora.

Os ditos aparecem integrados à narrativa:

―Ipanema tinha dunas, ele nadava na Lagoa

Rodrigo de Freitas, chegou a catar pedras

semi-preciosas quando era criança em suas

margens‖.

A informação também aparece de forma

mais direta quando a autora introduz a figura

de Tim Maia: ―biografado de Nelson Motta

em Vale Tudo, transformado em musical

recordista de bilheteria no Rio, com estréia

paulista em março‖.

Características do Acontecimento

Comentado (AC) aparecem quando a autora

cita o documentário produzido sobre Tom

Jobim. Assim, a narradora emite apreciações a

respeito do formato da obra e chega a usar de

ironia para comentá-la: ―Quem sou eu para

discordar de tamanha revolução e revelar meu

conservadorismo de ter sentido falta até das

legendas para identificar quem era quem‖.

A intenção de fazer sentir aparece logo nas

primeiras frases, quando a autora procura

gerar envolvimento a partir de uma

antecipação do que o leitor encontrará adiante:

―Nunca fui oficialmente jornalista cultural,

mas tive meus momentos‖.

A tentativa de aproximar o leitor das

vivências da autora surge em vários pontos da

publicação, como em: ―No finalzinho dos

anos 1990, quando eu era repórter do Globo-

Ipanema, surgiu uma oportunidade daquelas‖.

Ou seja, buscou-se colocar o leitor em uma

posição de cumplicidade e intimidade com os

fatos.

O apelo à afetividade também surge no

relato de situações opostas em que sobressaem

os temperamentos díspares de Tom e Tim.

Assim, os traços personalísticos dos sujeitos

ficam traçados da seguinte forma: repórter

(foca, insegura, audaciosa), Tom (doce,

humano, morador, nostálgico) e Tim

(intempestivo e inconstante).

Quadro 20 - Ficha de análise 02

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 03 Data de publicação: 05/03/2012

Título: Meus encontros e desencontros com Daniel Piza

DISCURSO

Page 137: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

136

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O texto apresenta características próprias

da narração e descrição, o que remete seu

modo discursivo ao Acontecimento Relatado

(AR). Por se tratar de um texto notadamente

opinativo, o elemento explicativo, que ajuda a

esclarecer os motivos das decepções do autor

em relação a Daniel Piza, aparece em trechos

como: ―[Ele] poderia ter sido o Quixote da

interação virtual, [...] mas acabou engrossando

o coro dos que achavam aquilo tudo [o

fenômeno dos blogs] porta de mictório,

barbárie com verniz tecnológico‖.

Características do Acontecimento

Comentado (AC) também aparecem ao longo

da publicação. No entanto, levando em conta

as informações presentes no texto, a

afirmação de que Daniel Piza ―ficou aquém

do que poderia‖ soa leviana e fora de

contexto, pois o autor não fornece as provas

que justifiquem essa opinião. Apesar de

sabermos que a decepção do autor em relação

ao jornalista foi motivada pelo

posicionamento deste a respeito do fenômeno

dos blogs há cerca de dez anos, o autor não dá

exemplos de como esse posicionamento pode

ser apreendido. Ou seja, a falta do Dito

Relatado (DR) acaba prejudicando a coerência

da narrativa.

O apelo à visada de captação e à

curiosidade do leitor aparece logo no título da

publicação, revelando que o que vem a seguir

é uma narrativa em tom pessoal,

possivelmente motivada pela morte recente do

seu sujeito principal.

Assim, o relato das duas decepções do

autor em relação a Daniel Piza contribuem

para aproximar o leitor do narrador, gerando

uma relação de intimidade e

compartilhamento de experiência.

Por sua vez, a descrição de detalhes dos

bastidores dessa relação, como conversas via

e-mail e através do blog do autor, ajudam a

acentuar uma faceta do jornalista Daniel Piza

muitas vezes desconhecida: ―atencioso ao

nível do detalhe com seus leitores‖.

Observações: Terminada a leitura da publicação, a imagem que se tem de Daniel Piza, a partir

do ponto de vista e das experiências relatadas pelo autor, é a de alguém que ―não realizou seu

destino possível de ter casado internet e imprensa‖. Segundo o autor, o jornalista escolheu o

caminho (inicialmente de oposição aos novos paradigmas da internet) ditado pelos meios

tradicionais, que lhe deram/davam mais retorno financeiro, reconhecimento, etc. Ou seja, além

de ter sido um jornalista talentoso e de apurado senso crítico, Daniel Piza surge quase como um

mercenário elitista a serviço a mídia tradicional, imagem reforçada pelo autor do texto de

forma explícita em pelo menos dois momentos. Outros traços ideológicos e ideias pré-

concebidas podem ser notados: jornalistas paulistas aparecem como ―deslumbradinhos‖ com a

modernidade e a interatividade proporcionada pelos blogs surge como um ideal de

comunicação no século XXI.

Quadro 21 - Ficha de análise 03

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Page 138: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

137

Postagem nº 04 Data de publicação: 06/03/2012

Título: Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O texto apresenta traços bem definidos de

Acontecimento Comentado (AC) e

Acontecimento Relatado (AR), sendo que o

primeiro é predominante por se tratar de um

texto opinativo.

Os elementos do AC aparecem logo no

primeiro parágrafo: o autor problematiza

(―Marx dizia que ser radical é ir à raiz do

problema. Pretendo fazer isso em relação ao

nosso Modernismo‖) e apresenta sua

proposição (―Creio que já passou da hora de

parar de jogar enfeites comemorativos sobre o

suposto modernismo de nossa arte‖). Para

isso, recorre à explicação, devidamente

baseada em argumentos pessoais e externos,

ao mesmo tempo em que faz uma apreciação

subjetiva do tema proposto.

O AR, por sua vez, surge sob a forma de

ditos relatados, ou seja, recorre-se à fala de

autores e estudiosos (ora citada, ora integrada)

para dar suporte à argumentação, com o

objetivo de persuadir o leitor.

O apelo ao ―fazer sentir‖ aparece logo no

início do texto, quando o autor deixa claro que

as ideias que vêm a seguir são radicais (apesar

de tentar conferir um significado alternativo à

palavra). Esse é um recurso que,

conscientemente ou não, ajuda a captar a

atenção do leitor para o texto.

De modo geral, essa sensação se repete em

vários momentos ao longo da publicação, pois

o autor opta por ser bem direto e taxativo

quanto às suas posições, inclusive fazendo uso

constante de adjetivos e frases em tom mais

incisivo e sarcástico, como ―medíocre‖,

―medianos‖ ou ―questionar nosso capenga e

caipira espírito pseudo-revolucionário parece

o mesmo que cuspir na hóstia‖.

Por outro lado, o autor apresenta sua

argumentação como um território ainda

desconhecido, expondo suas ideias (e as dos

autores nos quais se apóiam) como algo

reacionário, ―que não chegou ainda ao grande

público‖.

Observações: A argumentação exposta no texto está claramente direcionada a uma tentativa de

desconstruir a imagem (ingênua, segundo o autor) que se tem do movimento lançado pela

Semana de 22 e de seus principais precursores, uma vez que nosso modernismo não passou de

desinformação e apego à tradição, na contramão das vanguardas européias.

Quadro 22 - Ficha de análise 04

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 05 Data de publicação: 07/03/2012

Título: Treze teses sobre cinema

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

Por se tratar de um artigo opinativo com

características de ensaio, o texto possui um

modo discursivo próprio do Acontecimento

Comentado (AC), apesar de não tratar de

Abordado em tom emotivo, o texto ora

recorre a detalhes técnicos, ora se atém a

abstrações de cunho estético e sentimental. No

entanto, a argumentação densa e às vezes

Page 139: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

138

acontecimentos factuais. Dessa forma, o autor

constrói seu discurso, eminentemente

argumentativo, de modo a problematizar e

avaliar diversos aspectos (técnicos, estéticos,

sociais, etc.) da produção cinematográfica

como um todo.

O texto perde em coesão por ter sido

estruturado em doze blocos correspondendo a

cada uma das teses, o que revela que o autor

não partiu de uma única linha de pensamento.

Tampouco é possível identificar os ditos

utilizados para a construção das

argumentações.

demasiadamente especializada, pode dificultar

os objetivos da visada de captação caso o

leitor seja pouco afeito ao estilo ensaístico ou

à própria temática.

Observações: De modo geral, o que se pode apreender a partir dos pontos de vista e teses

apresentadas no texto é que o autor tem uma visão bem definida do cinema como uma

construção subjetiva, ideológica e impossível de ser pensada ―fora dos preceitos da Indústria

Cultural‖. Esse é um discurso que aparece em vários momentos ao longo da publicação.

Quadro 23 - Ficha de análise 05

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 06 Data de publicação: 08/03/2012

Título: Memórias de ex-professoras

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O texto apresenta características de

narrativa subjetiva, na qual a autora, a partir

de experiências pessoais, reflete a respeito do

papel histórico das mulheres no campo da

educação.

Nota-se também a presença de

acontecimentos e ditos relatados como forma

de complementar a narração. Dessa forma, a

autora traça um panorama de como o

reconhecimento social e a auto-imagem das

professoras foi se modificando ao longo do

tempo.

O tom pessoal do texto contribui para

aproximar o leitor da narrativa, criando uma

relação de intimidade e compartilhamento de

vivências. O confronto de realidades também

gera envolvimento e até sentimento de revolta

a partir da constatação da desvalorização das

professoras.

Observações: A autora expressa em seu discurso uma posição crítica em relação à crescente

desvalorização das professoras diante da ―falsa democratização do ensino‖. Assim, a narrativa

é encerrada em tom irônico, em que dois sentidos são trabalhados para acentuar as mazelas da

desvalorização: ―quem quiser voltar a ser professor tem trabalho garantido‖.

Quadro 24 - Ficha de análise 06

FONTE: Dados da pesquisa

Page 140: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

139

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 07 Data de publicação: 12/03/2012

Título: A ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

A visada de informação aparece sob a

forma da descrição-narração, usada na maior

parte do texto para fornecer detalhes sobre o

enredo da obra sob análise, já que se trata de

uma resenha crítica. Assim, o ponto de vista

adotado no discurso é o do autor ao assumir

uma posição de leitor.

A explicação ganha evidência nos

momentos em que se revelam circunstâncias e

interrelações entre os elementos da obra. Para

apoiar a narrativa, o autor recorre a ditos

extraídos in extenso do próprio livro.

Pode-se dizer que o discurso também se

aproxima do Acontecimento Comentado

(AC), pois seu enunciador problematiza a

questão central da obra analisada e, de certa

forma, faz uma avaliação da mesma.

O ―fazer sentir‖ aparece logo no início do

texto, quando o autor gera expectativa no

leitor ao relatar seu entusiasmo diante do que

descreve como ―um dos livros mais

impressionantes que tivemos o prazer de ler‖.

Observações: Apesar do entusiasmo declarado do autor em relação à obra, a sua narrativa se

atém mais à descrição do enredo do livro do que à avaliação propriamente dita. Assim, em vez

de apreciações estéticas, o autor foca o discurso na questão central que decorre da obra: ―ao

homem é impossível regredir a estágios animalescos e de dócil submissão a comandos

acompanhados de reforços ou punições‖. Para reforçar a ideia, o autor faz uma referência ao

Big Brother Brasil.

Quadro 25 - Ficha de análise 07

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 08 Data de publicação: 13/03/2012

Título: O Artista

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O texto assume características de

Acontecimento Relatado (AR) ao descrever

detalhes do enredo do filme sob análise e

O estímulo à visada de captação se

concretiza especialmente no início do texto,

quando o autor destaca os elementos positivos

Page 141: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

140

explicar os contextos nos quais a narrativa se

desenrola. O autor também recorre a ditos

relatados do roteirista do filme, de modo a

complementar as interpretações realizadas.

Por isso, o ponto de vista adotado é o do

espectador.

O Acontecimento Comentado (AC) surge,

naturalmente, pelo fato de o texto se tratar de

uma resenha crítica. Dessa forma, o autor

elucida diversos aspectos da obra, explicando

motivos e intenções por trás de determinadas

seqüências da película: ―em uma metáfora

sutil, vê-se a troca do velho pelo novo e dança

de posições contínua‖. Essas interpretações

servem ao propósito do autor de avaliar

positivamente o filme.

do filme, gerando interesse e expectativa:

―possui personagens cativantes, beleza visual

e uma história leve e divertida‖.

Além disso, a forma que o autor utiliza

para apresentar determinadas conclusões

sobre a composição do enredo e dos

personagens recorre à tentativa de

aproximação do leitor-espectador com o que é

exposto: ―um dos recursos usados foi se

aproveitar do nosso, digamos, hábito sonoro‖

e ―essa forma nos faz experimentar a mesma

inquietação de Valentin: estamos frente à

mudança‖. Assim, o leitor se vê incluído na

narrativa e no próprio processo de

interpretação.

Observações: Do ponto de vista do autor, o tema central do filme é a questão do tempo e

identidade e como lidamos com a mudança. Apesar de serem apresentados vários pontos em

comum com outras obras do cinema mudo, o autor ressalta que O Artista não se resume à

―intertextualidade vazia‖. Esses são os principais argumentos utilizados por ele para qualificar

positivamente o filme.

Quadro 26 - Ficha de análise 08

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 09 Data de publicação: 14/03/2012

Título: Liberdade, de Franzen

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

No texto, o Acontecimento Relatado (AR)

fica em segundo plano, ganhando destaque o

Acontecimento Comentado (AC),

característico das resenhas críticas. Assim, o

autor não se detém à descrição-narração do

enredo do livro, mas sim à problematização e

avaliação subjetiva de elementos como sua

construção lingüística e caracterização dos

personagens: ―mas há pouca literatura em seu

romance, é isso. Seus personagens são muito

racionais, mesmo em seus momentos mais

instáveis‖.

Para sustentar a análise são utilizados

argumentos e explicações obtidos a partir do

De modo geral, a visada de captação é

estimulada quando o autor promove a

desconstrução da imagem que o livro adquiriu

de ―resumo de uma época‖ e ―livro do

século‖. Assim, o fato de ter sido flagrado na

companhia de Obama e Oprah Winfrey não

significa que o livro seja bom, mas certamente

contribuiu para alavancar suas vendas e, ao

mesmo tempo, despertar o interesse das

pessoas na obra. É apelando a esse interesse

que o texto procura prender o leitor.

Page 142: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

141

ponto de vista do autor-leitor, assumidamente

crítico: ―a literatura é soterrada por uma

montanha de informações que tornam o texto

meio enfadonho e burocrático‖.

Observações: O discurso do autor procura amenizar a empolgação (especialmente

impulsionada pelo The Guardian) em torno do livro, ou seja, ele ―não é nem a metade daquilo

que estão falando por aí‖. Nesse sentido, o autor busca características de outras obras para

realçar os defeitos do livro de Franzen. No entanto, ao terminar o texto, o autor tenta justificar

seu desinteresse em relação à obra explicando que a leitura de ―Liberdade‖ se sucedera à leitura

de um livro de Faulkner, considerado genial por ele: ―como sou um leitor totalmente sem

método, a situação me caiu no colo‖.

Quadro 27 - Ficha de análise 09 FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 10 Data de publicação: 15/03/2012

Título: Natureza Humana Morta

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

Neste texto, que foi classificado como

resenha crítica, o que ganha destaque é o

Acontecimento Comentado (AC), em

detrimento do Acontecimento Relatado (AR).

Assim, o autor faz uma avaliação subjetiva na

qual se sobressai a sua afetividade em relação

aos filmes A Rede Social e Os Homens que

Não Amavam as Mulheres, ambos do diretor

David Fincher.

A elucidação também ganha lugar no texto

no momento em que o resenhista faz

interpretações acerca de determinados

elementos do filme, de modo a ressaltar os

seus significados simbólicos: ―seu moicano

serve como uma couraça de espinhos contra a

repressão da tutela exercida pelo Estado...‖.

Desse ponto de vista, o autor adentra o

campo da descrição quando tece

considerações sobre a composição psicológica

dos personagens dos filmes: ―Mark

Zuckerberg também não se conecta com o

mundo real, em A Rede Social e consegue

manter o equilíbrio nas suas relações apenas

enquanto não existem disputas‖.

O apelo à emoção e às sensações perpassa

todo o discurso do autor, que faz uma

apreciação bastante subjetiva e psicológica

dos dois filmes. Para isso, ele usa construções

metafóricas e abstratas para colocar o leitor

em contato com os sentidos que as tramas

despertam e, ao mesmo tempo, para revelar o

que há por trás de ambas (o não-dito): ―em um

mundo onde a vida orgânica dos personagens

não entra em contato com a paisagem, a

resistência individual apresenta-se como o

único oxigênio a impulsionar a vida‖.

Page 143: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

142

Observações: Para o autor, a iluminação adotada pelo diretor nas duas películas e as relações

entre claridade e escuridão adquirem sentidos próprios, conferindo certa dose de simbolismo ao

enredo e à composição dos personagens: ―as personalidades de Lisbeth e Zuckerberg revelam-

se apenas quando retratadas no contraste com o ambiente sombrio, como pinturas da natureza

morta‖. Além disso, a forma como o discurso está posto revela que os personagens e suas

especificidades são tão importantes quanto os próprios enredos.

Quadro 28 - Ficha de análise 10

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 11 Data de publicação: 19/03/2012

Título: Parque de Diversão Brasil

DISCURSO

Visada de Informação

Fazer saber

Visada de Captação

Fazer sentir

O discurso do texto é uma mistura de

Acontecimento Relatado (descrição de fatos

reais) e Acontecimento Comentado

(problematização e elucidação de causas e

onseqüências a partir dos fatos relatados).

Assim, o autor constrói a sua narrativa a

partir de uma metáfora (―Andei reparando que

o Brasil é um enorme parque de diversão‖), de

modo a discutir problemas brasileiros que ele

relaciona à ―impunidade e falta de

supervisão/vigilância‖.

Um estímulo à visada de captação se faz

presente no uso que o autor faz de metáforas,

ironias e sarcasmo para retratar as mazelas do

cotidiano a partir de fatos específicos.

Portanto, a forma como o discurso está

posto é uma tentativa de fazer o leitor refletir

a partir de uma crônica do cotidiano, em que o

imaginário é usado para realçar o real. O tom

incisivo (e ao mesmo tempo emotivo) do

autor também se destaca em passagens

encerradas por um ponto de exclamação.

Observações: A argumentação desenvolvida pelo autor conduz o seu discurso a uma

conclusão: ―precisamos de educação, vigilância e punição‖. No entanto, da forma como foram

colocados, os argumentos soam ingênuos ou desconexos: ―se queremos uma Disney,

precisamos aumentar a punição!‖, sendo que, no texto, a punição aparece associada unicamente

à questão financeira. Por outro lado, a idéia de vigilância aparece assim descrita: ―para mudar a

mentalidade, afora educação de base, será necessário repressão policial (não ditadura!)‖. Ou

seja, no discurso a idéia de vigilância e supervisão aparece identificada com a repressão

policial.

Quadro 29 - Ficha de análise 11

FONTE: Dados da pesquisa

FICHA DE ANÁLISE

IDENTIFICAÇÃO

Postagem nº 12 Data de publicação: 20/03/2012

Título: Ode à mulher

DISCURSO

Visada de Informação Visada de Captação

Page 144: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

143

Fazer saber Fazer sentir

O texto se baseia principalmente no

processo de narração, na qual se pode notar a

presença de fatos e ditos relatados, além do

Acontecimento Comentado (AC). Exemplo de

Fato Relatado (FR): ―Somente em 1867,

Stuart Mill fazia, diante do Parlamento, a

primeira defesa oficialmente pronunciada do

direito do voto feminino‖. Dito Relatado

(DR): ―O escritor Alexandre dumas Filho

aconselhava ao marido traído uma única

atitude para com a esposa infiel: ‗Mate-a‘‖.

Além disso, o discurso se caracteriza como

um ensaio que traz uma série de referências à

história, à arte e à política de modo a elucidar

e problematizar as dificuldades e preconceitos

que as mulheres têm enfrentado ao longo do

tempo, ao mesmo tempo em que faz uma

defesa da sua perseverança.

Por isso, como exemplo de AC, no qual se

depreende a construção de argumentos e

conclusões, temos: ―Depois de saber de todos

os males que a mulher enfrentou nesse

mundo, podemos nos perguntar como

sobrevivemos ainda como espécie? A

resposta, clara e objetiva: por causa da força

da mulher...‖.

O texto faz bastante uso de adjetivos e

frases de efeito que expressam ideias

antagônicas de modo a reforçar as intenções

da visada de informação: ―algumas culturas a

transformaram em deusa, outras a

transformaram em bruxa, feiticeira diabólica‖,

―mulheres foram transformadas em santas

quando se recolheram, mas também foram

julgadas como putas quando viveram

livremente‖, ―existem mulheres lindas, com

pés feios. Existem mulheres com rostos feios,

mas que andam como uma deusa‖, etc.

Outro apelo ao ―fazer sentir‖ aparece em

trechos carregados de emoção: ―há imagens

enternecedoras de mulheres: como o amor da

mãe favelada (aqui e na África) que chora

com seu coração partido por não poder dar

uma xícara de leite ao seu bebê, que não

consegue dormir por causa da fome‖.

Observações: Alguns trechos do discurso também revelam certo posicionamento ideológico

do autor em relação à política (destaque para Marta Suplicy) e à questão social do aborto: ―O

Brasil tem tido na mulher enorme força política, a Senadora Marta Suplicy, a presidenta Dilma

Rousseff, as ministras do atual governo comprovam. Marta Suplicy foi uma das principais

vozes femininas a se manifestar publicamente em favor da participação social da mulher na

sociedade brasileira... Questões como direito ao divórcio, direito ao prazer [...] foram

amplamente discutidos por Marta‖; ―A mulher brasileira ainda não tem o direito sobre o

próprio corpo. O direito ao aborto não lhe foi ainda assegurado‖.

Quadro 30 - Ficha de análise 12

FONTE: Dados da pesquisa

6.7.1 Interpretação das análises

No contexto da visada de informação e do fazer saber, as análises revelaram um uso

recorrente e aprofundado da descrição e da narração, atividades linguajeiras

estritamente ligadas ao Acontecimento Relatado (AR). Assim, faz-se presente nos

Page 145: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

144

textos um tipo de construção textual afeito às minúcias, qualidade pouco explorada no

jornalismo convencional.

No corpus analisado, a narração, além de envolver narrativa, narrador, ponto de vista e

responder ao ―o quê‖, ―quem‖, ―onde‖ e ―quando‖ (CHARAUDEAU, 2006),

extrapola o campo meramente descritivo, assumindo feições de narrativa literária.

O Acontecimento Comentado (AC) também pode ser identificado nos textos sob a

forma do discurso argumentativo e da avaliação subjetiva, especialmente nas

publicações do gênero opinativo, como artigo e resenha.

Em relação à visada de captação e ao fazer sentir, nota-se que os discursos foram

construídos no sentido de estimular a aproximação emotiva do leitor com os autores e

as situações relatadas, criando um ambiente propício à intimidade e ao

compartilhamento de experiências. Essas características vêm à tona quando os

discursos adotam um tom mais pessoal, lançando mão do estímulo aos sentidos e às

emoções através do uso de adjetivos e de construções textuais impressionistas ou

poéticas.

De um modo geral, percebe-se nos discursos presentes nos textos potenciais para a

construção e desconstrução de imagens e percepções em relação aos personagens dos

quais eles tratam ou às situações descritas, pondo em prática o caráter ideológico do

discurso (ORLANDI, 2009).

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145

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar em como o jornalismo cultural se enquadra em uma realidade constantemente

influenciada pela renovação tecnológica é uma tarefa que se impõe aos comunicadores e

comunicólogos dedicados à investigação e ao exercício dessa especialidade. Desde o início, o

estudo de caso do Digestivo Cultural pretendia atender a essa demanda acadêmica,

especialmente no âmbito do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do

Amazonas, onde o jornalismo cultural tem despertado pouco ou nenhum interesse, até mesmo

por não constar como disciplina específica da grade curricular (MENDONÇA; AZEVEDO,

2010).

Para isso, estabeleceu-se como meta analisar o site sob múltiplas facetas: Arquitetura

de Informação, Usabilidade, Interfaces Comunicacionais e Análises do Conteúdo e Discurso.

Essa escolha metodológica acabou conferindo ao trabalho outro viés essencial – se não o seu

mais importante elo – o da interdisciplinaridade. Provou-se ser possível, portanto, a correlação

entre campos de pesquisa aparentemente díspares, como as Ciências da Computação e a

Comunicação (outra lacuna não contemplada pela maioria dos cursos de graduação).

Da Arquitetura de Informação, conforme é contemplada por Morville e Rosenfeld

(2006), veio a compreensão de como a disposição dos inúmeros elementos componentes do

website contribui para a boa relação entre internauta e sistema. Assim, foi possível perceber

no Digestivo Cultural algumas das principais estruturas de organização, navegação, rotulação

e busca características do modelo de AI no qual o estudo de caso se baseou.

A organização do site, essencialmente cronológica e sequencial, privilegia a

visualização dos conteúdos ora por ordem de publicação, destacando a profundidade temporal

possibilitada pelo ciberespaço, ora por ordem de publicações mais acessadas, estabelecendo a

popularidade de determinado texto como critério para sua maior ou menor visibilidade.

Page 147: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

146

Da mesma forma, a navegação social, bastante adotada nas páginas internas do site,

estabelece um ranking de publicações mais acessadas para determinado autor, bem como de

textos relacionados com a publicação lida, permitindo o aprofundamento de determinado tema

ou possibilitando o contato com desdobramentos do mesmo. Por isso, como era de se esperar,

o Digestivo trabalha genericamente com hipertextos, pois possibilita leituras não-lineares.

Ressalvas devem ser feitas, entretanto, à forma como esse conteúdo é disponibilizado

aos leitores. Para além de todas as possibilidades de leitura dinâmica proporcionadas pelo

ambiente Web, a Análise de Conteúdo demonstrou que as colunas do Digestivo subutilizam o

recurso do hiperlink, considerando a densidade, em número de caracteres, dos textos

publicados nesta seção. Desperdiça-se, assim, uma potente ferramenta para ampliar o espectro

comunicativo dos ensaios, resenhas, dentre outros.

Apesar de adotar um design minimalista e monocromático, o Digestivo agrega muito

conteúdo textual em uma mesma página, independente da seção onde se esteja,

sobrecarregando a leitura e tornando a navegação confusa. O uso limitado de imagens e

ilustrações, especialmente nas colunas, também pode ser encarado como um empecilho à boa

recepção das publicações por parte dos leitores, tornando os textos carentes de atrativos do

ponto de vista visual e estético.

Em se tratando dos sistemas de busca, notou-se uma limitação passível de ser

associada tanto a uma falha de Arquitetura de Informação quanto de usabilidade: o fato de o

internauta não poder controlar, personalizar ou filtrar as suas buscas conforme os seus

interesses (por data, assunto, autor, entre outros). São detalhes importantes para tornar o

processo de busca de informações dentro do site menos frustrante e exaustivo.

Mesmo não tendo sido recorrentes durante o período de análise e de terem afetado de

forma mínima a navegação do usuário no site, as situações de erro também poderiam

Page 148: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

147

facilmente ser corrigidas, de modo a prevenir que o internauta seja induzido a realizar tarefas

de forma equivocada (conforme Figura 27) ou se depare com mensagens em linguagem de

máquina (conforme Figura 31). O Digestivo também carece de um sistema autônomo de ajuda

e suporte ao usuário, uma vez que as seções de FAQ não atendem plenamente a possíveis

dúvidas e questionamentos dos seus leitores.

Nos limites das propostas das análises realizadas, percebeu-se no Digestivo Cultural

um ambiente propício ao recurso mais representativo da Web 2.0 - a interatividade. No site, o

leitor tem autonomia para comentar as publicações do seu interesse, além de compartilhá-la

com internautas ―de fora‖ através das plataformas sociais Facebook e Twitter.

Apesar disso, como se viu, as publicações analisadas tiveram parca repercussão nas

redes sociais e foram alvo de poucos comentários e intervenções de leitores. Tal cenário pode

ser explicado tanto pela proliferação dos sistemas de autopublicação na Internet (tese

defendida pelo editor) quanto pela forma como o conteúdo é veiculado nas páginas

(negligência quanto ao uso de imagens, hiperlinks e hipermídia).

Ainda assim, diante da popularidade e da diversificação temática promovida por meio

dos comentários, o Digestivo resolveu adotá-los como uma seção especial, na qual cada

comentador passa a ter uma página própria com um histórico das suas intervenções. Dessa

forma, o site conseguiu criar redes de interação (embora primitivas) dentro do próprio veículo,

ampliando ainda mais o seu potencial crítico e opinativo com base em um modelo de

comunicação de muitos para muitos.

A essa altura, cabe retomar a problemática orientadora dos rumos da pesquisa em seus

primórdios:

uma vez que a internet tende a colocar em trânsito diversas modalidades de linguagens mescladas, faz-se necessário pensar a natureza impura dessa nova

Page 149: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

148

linguagem e seus impactos no [...] jornalismo cultural on line ou webjornalismo cultural (ALZAMORA, 2001, p. 6).

Apoiando-se nos dados coletados e nas análises efetuadas, é possível afirmar: o

Digestivo Cultural é um exemplo de website no qual diversos modos de linguagem concorrem

para a prática de um jornalismo cultural com dimensões que ultrapassam as limitações

encontradas na mídia tradicional, especialmente em termos de temática e abordagem.

Notou-se, por exemplo, que no Digestivo a subjetividade se destaca na visada de

informação dos textos de cunho diversional e opinativo, gêneros apontados pela análise de

conteúdo como os mais frequentes no site. Ou seja, diante das sensações expostas nos textos e

das descrições impressionistas (estritamente relacionadas com a visada de captação), o factual

se reconfigura e, na maioria das vezes, fica em segundo plano. A sensação acaba se tornando

a própria informação, característica inerente ao jornalismo em sua vertente mais aprofundada

e literária.

Por outro lado, a análise de conteúdo reforçou a ideia de que a Internet ajuda a ampliar

as fronteiras do jornalismo cultural, muitas vezes fadado a critérios restritos de

noticiabilidade. No entanto, o fato de nenhum texto analisado se encaixar no gênero

puramente informativo não significa que o conteúdo veiculado pelo site careça de informação

(conforme revelaram as depurações realizadas na visada de informação de cada texto).

O Digestivo demonstra ser possível combinar modos e visadas discursivas, como

informação (sob a forma de explicação ou relato), persuasão (sob a forma de comentário) e

sedução (utilizando recursos emotivos), ao mesmo tempo em que oferece pautas interessantes

e olhares sobre diferentes temas, sem perder de vista seus critérios de credibilidade.

Por outro lado, com base no cenário atestado pelo de estudo de caso, entende-se como

urgente a adequação do site aos modelos da hipermídia, para ele não se tornar um veículo

obsoleto, incapaz de acompanhar as reviravoltas na linguagem do ciberespaço.

Page 150: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

149

Por fim, cabe ressaltar que iniciativas com o alcance do Digestivo Cultural estão

destinadas a expandir as potencialidades do jornalismo e da própria cultura enquanto valor-

notícia. Ao desempenhar um papel de veículo alternativo desse porte, o site contribui para que

leitores curiosos e (por que não?) insatisfeitos possam absorver tanto informação quanto

emoção, além de exercitar as suas próprias afetividades e expandir seus horizontes

intelectuais.

Page 151: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

150

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Page 158: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

157

GLOSSÁRIO

Análise heurística: metodologia de avaliação e inspeção de aspectos da ergonomia das

interfaces que possam gerar problemas de usabilidade ao usuário durante sua interação com o

sistema.

Arquitetura de Informação: hierarquia do conteúdo e disposição dos elementos interativos

de um website, de tal modo que o usuário consiga encontrar o que procura.

Bens simbólicos: formas simbólicas mercantilizadas.

Ciberespaço: Segundo Santaella (2004), é todo e qualquer espaço informacional

multidimensional que, dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a

manipulação, a transformação e o intercambio de seus fluxos codificados de informação. Em

suma, é o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede.

Ciberjornalismo: modalidade jornalística no ciberespaço fundamentada pela utilização de

sistemas automatizados de produção de conteúdos que possibilitam a composição de

narrativas hipertextuais, multimídias e interativas (SCHWINGEL, 2012).

Ergonomia: adaptação de sistemas e dispositivos à maneira como o usuário pensa, comporta-

se e trabalha.

FAQ: sigla de Frequently Asked Questions, ou Perguntas Freqüentes. Um FAQ, quando é

uma compilação de perguntas frequentes acerca de determinado tema.

Feedback: provimento de informação a uma pessoa sobre o desempenho, conduta, ou ação

executada por esta, objetivando reorientar ou estimular comportamentos futuros mais

adequados.

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158

Feeds: formato de dados usado em formas de comunicação com conteúdo atualizado

frequentemente, como sites de notícias ou blogs. Os serviços que possibilitam aos usuários

assinarem diferentes feeds são conhecidos como agregadores.

Formas simbólicas: ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e

rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte.

Gênero informativo: em jornalismo cultural, este gênero é representado pelas notas, notícias,

reportagens e entrevistas.

Gênero utilitário: em jornalismo cultural, este gênero é representado por ―agendões‖,

quadros com programação dos cinemas e funcionamento de pontos culturais.

Hard news: tipo de notícias e coberturas mais densa, como as de fatos econômicos e políticos,

envolvendo contextualização, análises e projeções.

Heurísticas: critérios e princípios de base que possibilitam a usabilidade na relação usuário-

sistema.

Hiperlink: é uma referência num documento em hipertexto a outras partes deste documento

ou a outro documento.

Hipermídia: é a reunião de várias mídias (texto, áudio, vídeo, animação) num suporte

computacional ou sistema eletrônico de comunicação.

Hipertexto: texto em formato digital, ao qual se agregam outros conjuntos de informação na

forma de blocos de textos, palavras, imagens ou sons, cujo acesso se dá através de referências

específicas denominadas hiperlinks.

Jabá: jargão jornalístico que diz respeito a benefícios materiais oferecidos ao jornalista em troca de

exposição na mídia, publicidade ou elogios.

Page 160: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

159

Newsletter: é um tipo de publicação com distribuição regular via internet a assinantes e que

aborda geralmente um determinado assunto.

Usabilidade: segundo a ISO 9241, é a capacidade que um sistema interativo oferece ao

usuário para realizar tarefas de maneira eficaz, eficiente e agradável.

Web 2.0: geração da Web em que a interatividade e a participação do usuário final com a

estrutura e o conteúdo da rede são características marcantes.

Web: também conhecida como World Wide Web, é um sistema de documentos em

hipermídia que são interligados e executados na Internet.

Page 161: Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"

160

ANEXO

A - POSTAGEM Nº 01

Lobo branco em selva de pedra: Eduardo Semerjian

Elisa Andrade Buzzo

Seria muita ingenuidade eu pensar que conheceria Eduardo a partir daquele encontro e

as situações que me foram dadas. Não necessariamente porque ele se esconde ou se revela por

meio delas, antes ele simplesmente se estende, e sou eu quem interpreto o filme na minha

óptica absurda, investigando seu dorso ao apoiar os cotovelos sobre os joelhos durante a

leitura do Metro, e umas coxas que se sobressaem maciças envolvidas pelas calças. No

intervalo do almoço acompanho suas mastigadas, as garfadas de rabanetes, salada de tabule,

sagu de maracujá e outros pratos do restaurante vegetariano, afinal, em termos de comida ele

gosta de "variar". Este homenzarrão de mãos almofadadas e posições firmes se vê

pacientemente às voltas com uma colherzinha lançando o molho ao prato, e gosta de sentir a

fibra viçosa da erva-doce. Com sutil divertimento trinco entre os dentes as raízes brancas,

quase transparentes, que exalam um sutil aroma, como o do chá. Será preciso perpassar esse

invólucro, esse olhar que se desloca desinteressado, em busca de macieza, pensar não o

homem no ator, nem o ator no homem, mas os dois, em contraposições, embora unidos e

indissociáveis.

Terno e rígido. Assim posso sintetizar sua personagem, não a mais importante, talvez,

mas aquela mais conhecida do grande público: André Matarazzo, o primeiro marido da

cantora Maysa, na minissérie Quando fala o coração, de 2009. Atraiu-me no ator essa ternura

fria - mesmo diante do que talvez houvesse de sisudo e autoritário no descendente dos

Matarazzo -, que capta em um filme Super 8 o que tem de classificável no jeito de andar do

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homem, uma faísca da qual se elabore a construção de um personagem real, o jeito contido de

andar, talvez o peso de fazer parte do clã de família paulistana quatrocentona industrial.

Eduardo vem de cara limpa, a cabeça raspada, sem barba e o bigode, que odeia, e os

quilos a mais do engravatado André, nem o turbante usado nas gravações da minisérie Rei

Davi - como Eliã -, que na época deste encontro gravava no Rio de Janeiro e hoje está no ar

na tevê aberta. Sob sua postura crítica, a verborragia que lemos no Facebook há um polimento

reluzente, não artificial de todo, embora o suficiente para constatar que é a fineza quem

encarcera e molda a fera. Pois foi da construção de André Matarazzo que se avizinhou

Eduardo Semerjian - como se eu pudesse percorrer o caminho inverso: do personagem tirasse

a humanidade do homem.

"Eu preciso da instalibidade para ser um artista, a estabilidade vai fazer de mim uma

celebridade da televisão." E não é nada disso que quer, definitivamente. Homem dos palcos,

Eduardo hoje busca um ponto de equilíbrio entre a televisão, o que precisa fazer, e o teatro, o

que quer fazer. A última peça com sua participação foi "Doze homens e uma sentença", de

Reginald Rose, cujas apresentações interrompeu com o convite para a minissérie. Até poucos

meses podia ser visto nos cinemas em Meu País, dirigido por André Ristum. Neste início de

2012, se prepara para um monólogo. Estaria ele em um momento no qual o artista se

diagnostica entre o desejo e as necessidades, ao tecer suas frases com a segurança e a

ponderação de quem expõe, como diz ele, o que é, tal é a essência de ser ator? "Eu não lido

com a segurança, eu lido com a insegurança." De pronto Eduardo encara o drama do artista

em todas as épocas - entre a realização de seus projetos pessoais e participação em outros

mais comerciais, de onde o ator retira visibilidade e sua sobrevivência.

No Massaroca, extinto quadro humorístico do programa Metrópolis, formado por ex-

alunos da Escola de Comunicações e Artes − em que ele bem destila sua faceta cômica, seja

por meio de médicos, funcionários públicos ou excessivos apresentadores de talk-show −, vê-

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se o encenador que se coloca em mínimos gestos e entonações de voz, embora um bater de

palmas no momento do riso flagre o imponderável das idiossincrasias. Senão estava em frente

às câmeras com "os meninos", era possível ouvi-lo na locução.

Sua voz maviosa também pode ser ouvida em propagandas, e quem a escuta tem a

noção da credibilidade que lhe empresta, somando-se ao tipo comum brasileiro, que ele se

imagina, branco, alto, magro, a imagem de confiança e até mesmo professoral da calvície e

uns fios brancos de barba. "Quase uma joaninha", no peito, camiseta laranja, delicadamente, a

retira. Aquela mesma delicadeza de dedos com que coloca um sachê no câmbio do carro,

dispõe pedras ornamentais no corrimão da escadaria de sua casa − um dos espaços que nela

mais gosta −, são aqueles que se unem para dar uma bofetada de verdade na cara de um jovem

ator em O despertar da primavera, musical em que encena nove papéis diferentes.

Preciso me ater com certa objetividade - percebo, pois Semerjian pede uma

imparcialidade que eu distanciava de certas situações, mas que surge - e abandonar o que se

deixa estar sobejando, acessório, fantasiado. As coisas às vezes são, afinal, o que são. A cada

momento que tento abrir a boca para uma pergunta, Eduardo, com uma calma que mais

pareceria premeditada, dá continuidade a sua fala, ao que eu escuto e me satisfaço. Isto não é

um cabo de guerra, pouco importa quem cede e quem repuxa - nesta tensão de corda, o

resultado sempre será diferente do que a realidade parece ser.

Não é facilmente impressionável - a leve penugem de um braço, um pescoço que se

oferta talvez chamem sua atenção em especial. Seu "não" é um "não" categórico. Une pipe est

une pipe, um corpo é um corpo e apenas um corpo. E devolve sempre na mesma moeda. Com

seus alunos era assim, pois suas múltiplas atividades no campo da atuação - ator de teatro,

cinema e televisão - incluem passagens em oficinas de teatro: quem demonstra esforço e

dedicação receberá sua atenção de bom professor.

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O menino de colégio jesuíta, que se confessava com a consciência pesada do pecado,

hoje vive em um jogo em que as mentiras e as verdades se alinham numa vida consciente dos

atos e determinada a alcançar seus objetivos. Adepto da prática da meditação ativa, talvez

haja nele um equilíbrio que, mais do que tenha se estabelecido, antes tenha atingido um grau

de cristalização. Formado em Comércio Exterior, Semerjian teve uma rápida passagem pela

Escola de Arte Dramática da USP, em 1991. Inquieto e insatisfeito, três meses foram

suficientes para saber que não era o que queria. Da negação se faz o eu e as escolhas, isso eu

não sou, e assim se aproxima mais do enigma de quem é. Não teve apoio da família quando

quis ser ator.

"Quem você é? Não sei, mas eu sei o que eu não sou."

Ele vai na contramão do tripé fama, Castelo de Caras, publicidade de bronzeador das

celebridades de plantão. Não nega estar dentro da máquina, mas isso não o impede de desferir

suas críticas e impor sua personalidade pouco condizente com as engrenagens do mundo dos

"famosos". Preserva sua intimidade e mantém uma postura de não responder perguntas a esse

respeito. Ainda assim, diz, "é bom se expor", num contraponto a sua vida pessoal

resguardada.

É contra detalhismos inúteis da tevê, embora tenha aprendido a conviver com os

estrelismos e das grandes às pequenas demonstrações egoicas da máquina de fazer sonhos.

Não quer se deixar moldar pela indústria televisiva, mas quando necessário entra num acordo

de cordialidade sem deixar de seguir suas convicções, numa tentativa de sobrevivência e

manutenção de ser ele mesmo, ou seja, não ter sua imagem associada a festas, ilhas

pseudoparadisíacas e badalações fúteis. Estaria o ator imune às aspirações dos seus meros

mortais companheiros de profissão, ao seu objetivo de vida último em que a humanidade se

desprende da condição de astro?

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Preza a matemática como filosofia, a prática da meditação como autoconhecimento.

Nossa conversa pode muito bem ser interrompida pelo grito de gol na televisão e retornar,

inalterável. "Eu sou estranho, né?" Deixo que me guie, e observo a característica pinta em seu

rosto, a falha no lado direito do couro cabeludo, porque no segundo seguinte tudo estará

perdido, alterado. Agora, Eduardo toma um chá de erva-doce, por sobre um doce delineia a

colher, assim me mostra seu interior que se sobrevê sob a carapaça achocolatada e brilhante

decorada com raspas de limão; e aí está mais uma vez a massa branca, aí sim posso ver

melhor quando ele adentra mais fundo em seu magma.

Eu o acompanho, como que hipnotizada pela luz quase farmacêutica da padaria; na

casa vizinha um busto decepado ostenta uma brancura de gesso. A claridade do dia vai sendo

sobrepujada por nuvens espessas, e ainda assim ela é suficiente para que eu verifique os

mínimos vincos de seu rosto, angiomas rubis; eu bem entendo que essa tonalidade de pele se

desgasta com finura. "Corda-bamba", me lembro de ter ouvido em algum momento.

"Gosto de fazer o caminho mais por dentro de quem já faz por dentro", diz, ao se

aprofundar pelos labirintos da Vila Pompeia, buscando a calma das ruas paralelas, variando os

caminhos. Posso bem imaginá-lo: lobo branco a percorrer o bairro; focinho feroz, estranho

instinto citadino, patas delicadas e pesadas, já chamuscadas pela quentura dos

paralelepípedos. Ele também se imagina assim, meditando. Ao longe, vejo um lobo branco,

vindo em minha direção. Tudo então fica escuro, e ele reaparece, mais perto. Mais perto, até

que fico cara a cara com ele, como diante de um reflexo enevoado. Sua cara é agressiva, no

entanto tal ferocidade não inspira medo. Apenas é. Estou eu diante de um espelho? Qual

porção deste animal irei alimentar?

Observando sua postura ereta sentado ou deixando-se lançar no conforto, os braços

cruzados por detrás da cabeça, não consigo ver Eduardo tomado, subjugado por grandes

emoções, embora reconheça que todo homem já passou por grandes paixões. Há uma

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racionalidade latente que se demonstra até mesmo no riso contido. De modo que sinto que

tem uma propensão a explodir a qualquer momento ("sou quente"), e essa massa pronta a se

uma tarefa brutal, a de se delimitar em contornos, aceitar as fronteiras das situações sem sair

delas refilado, antes incutindo um pedaço de si num afrouxo transformador. Corpulento,

Eduardo se dispõe no espaço entre a mesa do restaurante e a minha presença na cabeceira

oposta, as pernas bem dobradas, o corpo consciente de seu espaço.

"Viver é ter consciência dos atos."

"Não, nada, agora acabou mesmo", inclina-se diante do volante para constatar que nem

mesmo o muro da mansão do Conde Eduardo Matarazzo na Avenida Paulista restou, a não ser

talvez o da parte de trás do terreno. "Olha, esse guindaste, que coisa absurda, parece que vai

se quebrar no meio". E só agora, naquela luminosidade de um dia frio que se torna abafadiço,

é que seus olhos adquirem uma tonalidade vítrea.

Em uma rápida passagem pela avenida, me mostra que na verdade a casa que "ele", ou

melhor, André Matarazzo, morou com Maysa não era aquele casarão belo e descomunal,

propriedade do conde Francesco Matarazzo, mas outro um pouco mais adiante, no lado

oposto, sentido Consolação, onde hoje se levanta um prédio feioso, de vidros marrons. E da

lembrança da monumental família Matarazzo restou o discreto letreiro "Edifício Conde

Andrea Matarazzo".

Portanto, quando as coisas acabam, elas acabam de fato para Eduardo. Ao nos

despedirmos, mesmo que eu ainda não tenha saído do carro é como se eu já estivesse fora, e

fala consigo mesmo quando acha um bolo de cheques já vazio. Diante do fechamento das

situações, automaticamente ele está disperso noutro mundo, cartesiano, sacerdotal. A

entrevista está acabada. Ele não teria mais nada a dizer, e parece que eu me esgotara de tantas

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166

perguntas e respostas. Ele não precisava fazer mais nada depois da pequena exposição que fez

de sua vida; a mim restava alinhavar almoços e cafés.

Parece-me que quanto mais tento encarar Eduardo Semerjian mais encontro uma

espécie de ausência de expressão. Talvez tenha algo a ver com ele exercitar o desapego, desde

em termos familiares até seus objetos pessoais. "Eu não me apego a ninguém". Seu rosto tem

um quê de despedida. Sim, um rosto que vislumbrei em mil palhetas, sequências cênicas se

desfaz em serena complacência. Que mais desejaria eu, uma revelação completa que só um

"the end", concordemos, haveria de desnudar? No olhar de husky siberiano, há algo que se

repuxa nas laterais e, emoldurado às sobrancelhas perscruta com uma frieza de observador

confesso. Subitamente examino esses quatro olhos abundantes de Eduardo e nada, nada me

vem a não ser uma mordida no nariz, uma dissimulação, nada posso espremer deles, a não ser

o sumo que me é ofertado, uma neutralidade aparente, um gélido azul, ele mesmo? Nada mais

do que o sono e a fome que o acometem no meio da tarde.

B - POSTAGEM Nº 02

Tom e Tim

Marta Barcellos

Nunca fui oficialmente jornalista cultural, mas tive meus momentos. No finalzinho dos

anos 1990, quando eu era repórter do Globo-Ipanema, surgiu uma oportunidade daquelas:

Tom Jobim faria um show único, em um espaço privilegiado que não costumava abrigar

espetáculos. Era o Jockey Club, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. O maestro já estava

consagrado, não andava se apresentando no Brasil nem dando entrevistas, e morreria poucos

anos depois, em 1994. Como foca que eu era, teria poucas chances de entrevistá-lo, mas

acabei pegando carona em um acordo entre o jornal e sua assessoria de imprensa: antes da

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coletiva sobre o show, nas dependências do Jockey, Tom receberia o repórter do segundo

caderno em sua casa. Eu iria junto, com a condição de não atrapalhar.

Com o carro do jornal, demoramos para encontrar a casa, uma construção nova e

deslumbrante incrustada na mata atlântica no fim do bairro do Jardim Botânico. Sentamos nos

sofás da sala, onde o maestro nos recebeu, e me posicionei discretamente, para não atrapalhar

o fotógrafo e o repórter titular - a quem cabia as perguntas. Os jornais do dia seguinte

estariam repletos de matérias sobre Tom, e a minha missão de conseguir um ângulo exclusivo

era facilitada apenas pelo peculiar interesse dos jornais de bairro em histórias "de moradores",

mesmo que fossem celebridades.

O papo sobre música, Brasil, Nova York, parecia render, mas eu pouco prestava a

atenção. Nervosa e excluída, restava-me observar o ambiente. O tempo estava cronometrado,

já que a coletiva aconteceria em sequência, e quando a entrevista dava mostras de se encerrar

eu tentei, timidamente, fazer perguntas para o "morador" Tom. Ele gostou. Pareceu mais

interessado do que na conversa anterior. Estava orgulhoso da casa nova, levantou-se e

mostrou a encosta que ficava atrás, falando das espécies que habitavam ali, pássaros,

macacos. Eu perguntei da infância em Ipanema, e aí ele abriu um sorriso cheio de nostalgia.

Ipanema tinha dunas, ele nadava na Lagoa Rodrigo de Freitas (bastante poluída na época da

entrevista), chegou a catar pedras semi-preciosas quando era criança em suas margens. Pedras

semi-preciosas? Devo ter feito cara de espanto. Ainda hoje, teria duvidado.

Os meus minutos esgotavam-se, e a comitiva precisava rumar ao Jockey Club. Nosso

carro iria atrás do dele. É provável que os jornalistas que esperavam no local tenham

desconfiado da entrevista exclusiva quando a equipe do jornal chegou junto com Tom. Houve

um certo clima, alguns repórteres tentaram se aproximar, mas os assessores pediram que todos

se sentassem nas cadeiras previamente enfileiradas no salão. Estávamos acima das

arquibancadas do Jockey, de frente para a Lagoa.

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Quando se deparou com a paisagem, no entanto, o maestro ignorou a tentativa de

ordem e pareceu procurar alguém entre os repórteres. Era eu. Pescou-me com um abraço para

mostrar o local onde ele tinha achado, em certa ocasião, as tais pedrinhas semi-preciosas. Eu

não sabia se anotava, se voltava a entrevistá-lo ou se pedia sua ajuda para enfrentar os

"colegas" que me fuzilavam com os olhos. Era muita audácia para uma repórter novata,

aquela situação.

Mas Tom era menos estrela do que contador de histórias boa-praça, como eu teria

oportunidade de confirmar depois - não em novas "exclusivas", já que meus caminhos

jornalísticos seriam outros, mas em documentários e entrevistas na TV. Acessíveis ou não,

são assim também Ferreira Gullar, Ariano Suassuna, Chico Buarque. Que delícia assisti-los

nos documentários que passaram a ser produzidos no Brasil nos últimos anos.

Por isso, quando fui ver A música segundo Tom Jobim saí um tanto decepcionada. A

crítica especializada me explicou depois que o filme é ótimo, e que Nelson Pereira dos Santos

empreendeu uma inovação no formato tradicional de documentário ao desenvolver o conceito

de que a linguagem musical fala por ela própria no caso de Tom Jobim. Quem sou eu para

discordar de tamanha revolução, e revelar meu conservadorismo de ter sentido falta até das

legendas para identificar quem era quem (como a ficha técnica das músicas só aparece no

final, passamos boa parte do filme tentando lembrar o nome dos intérpretes menos

conhecidos).

Então o filme é ótimo porque as músicas são mesmo ótimas e seguem uma sequência

ótima, também. Mas, talvez influenciada pela doce recordação de repórter foca, para mim

faltaram as histórias. Sim, elas. As histórias, sempre elas. A paixão de Tom pela natureza

(muito antes de isso ser moda), a relação com os parceiros, como surgiram algumas

composições. Tudo aquilo que eu gostaria de ter podido perguntar numa tarde preguiçosa na

casa de Tom, se tivesse tido realmente o privilégio de sua convivência.

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O curioso é que, enquanto as suaves histórias de vida por trás da obra de Tom Jobim

foram suprimidas em seu documentário, em outro sucesso de público as apimentadas histórias

de um ídolo estão todas lá. Como expliquei no começo, não tive muitos momentos como

repórter de cultura, mas na mesma época em que fui abraçada por Tom (perdoem o pequeno

exagero) quase fui escorraçada por Tim Maia - o biografado de Nelson Mota em Vale tudo,

transformado em musical recordista de bilheteria no Rio, com estreia paulista em março.

A matéria, dessa vez, era para o Globo-Tijuca, bairro onde Tim cresceu e formou seu

primeiro conjunto musical, ao lado de Roberto Carlos. Mas a entrevista fora marcada em um

flat na Barra, num local bem diferente da charmosa casa de Tom. Embora de frente para a

praia, na Avenida Sernambetiba, o prédio era um caixote repleto de pequenos apartamentos -

incluindo aquele onde o cantor costumava passar fins de semana e onde fui recebida por uma

loura. Com o gravador emprestado em punho (não era hábito usá-los, mas eu havia sido

alertada sobre a mania do artista de processar jornalistas), consegui extrair algumas das

histórias antigas, numa entrevista relativamente tensa. Até que Tim resolveu cismar com o

meu gravador. Disse que ia ficar com a fita. Não havia um diálogo possível, e lembro de ter

praticamente fugido do local com o gravador, numa despedida antecipada pela mudança de

humor do artista.

Tratando-se do intempestivo Tim Maia, não chega a ser uma grande história. De

qualquer forma, ela acompanha a minha trilha sonora pessoal. Entre um "Azul da cor do mar"

e um "Passarim", posso contar que conheci a doçura de um e o temperamento do outro. Viva

Tim e viva Tom Jobim!

C – POSTAGEM Nº 03

Meus encontros e desencontros com Daniel Piza

Rafael Lima

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Em 1999, minha vida era bem chata. Toda semana, eu acordava de madrugada e

encarava duas horas e meia de viagem para Macaé, onde passaria os dias seguintes

trabalhando. Antes do final da semana, voltava para o Rio, onde, pelo menos teoricamente,

usaria o dia extra para terminar meu trabalho de fim de curso, sem o qual não teria o diploma.

Naqueles dias de pouco tempo livre, eu guardava a esperanca de conseguir ler, até o

fim, o "Caderno Fim de Semana" da Gazeta Mercantil, editado pelo Daniel Piza. Geralmente,

não conseguia, o que não me impedia de insistir e até guardar, anos a fio, os suplementos.

Mais do que por qualquer outra coisa, Daniel Piza merece ser lembrado pelo "Fim de

Semana", onde sua coluna Sinopse era apenas uma atração marginal.

Data dessa época minha fidelidade ao seu trabalho jornalístico, e também os primeiros

contatos com o Julio. Como o Julio, também cheguei a escrever-lhe um e-mail e ter a grata

surpresa da resposta; diferente do Julio, nunca insisti na correpondência. Piza tinha se dado ao

trabalho de, semanas depois, enviar-me um texto próprio, que citara em sua mensagem ("O

Balanco da Contra-cultura", presente no livro Questão de Gosto). Ele era assim, atencioso ao

nivel do detalhe com seus leitores ― pelo menos, naquela época.

Nos anos que se seguiram, já como colunista do Digestivo, conheci vários colegas que

tiveram contato pessoal com o Daniel Piza. Era algo mais próximo do que um Sérgio Augusto

ou um Ivan Lessa, mas era ao mesmo tempo admirado por ter coluna própria na grande

imprensa. Nao era um deslumbradinho de jornal paulista com a modernidade, pesava cada

novidade conforme seus padrões, mas tinha interesse e curiosidade para sondar. Você lia para

concordar ou discordar, não para seguir.

Nunca deixei de acompanhá-lo desde os tempos de Macaé, mas passei a dar menos

importância a ele depois de um certo período, mais ou menos quando os blogs passaram a ser

notícia de jornal, há uns dez anos. Por quê?

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Houve uma clara divisão dos jornalistas mais conhecidos na maneira como reagiram.

Diogo Mainardi, Ivan Lessa e muitos poucos defenderam os blogs desde o começo, o

primeiro inclusive citando-os em seu podcast, o segundo, escrevendo a apresentação de um

livro que colecionava posts impressos. Luís Antônio Giron, Lúcia Guimaraes e Sérgio

Augusto e muitos outros se colocaram no campo oposto, desautorizando e desmerecendo o

valor dos blogs e, de maneira geral, da confusa interatividade da internet. Hoje em dia Giron é

editor de uma revista que comporta inumeros blogs em sua versao virtual e Lúcia tem coluna

num jornal onde metade dos colunistas mantem blog, o que demonstra que ou eles odeiam a

vida que levam ou que os blogs não eram uma ideia assim tão ruim. E o Daniel Piza, nessa

historia? Poderia ter sido o Quixote da interação virtual, com sua experiencia pessoal de

internet, que ia de angariar leitores a descobrir ideias novas, mas acabou engrossando o coro

dos que achavam aquilo tudo porta de mictório, barbárie com verniz tecnológico.

Há motivos que explicam seu posicionamento, do salário dele ter sido historicamente

pago pelos grandes meios de comunicação até um posicionamento que poderia ser taxado de

elitista. Nenhum, e nem a soma deles, foi suficiente para me explicar o porquê daquela

atitude.

A segunda decepção que Daniel Piza me causou foi quando do lancamento do perfil de

Paulo Francis, única oportunidade que tive de trocar umas palavrinhas com ele. O ponto de

contato fora Bruno Garschagen, também ex-colunista do Digestivo Cultural. Falamos um

pouco sobre Paulo Francis, que na época era objeto de interesse jornalístico do Bruno, fez

uma dedicatória e fim de papo. O que mais me surpreendeu foi que eu achava que ele era mais

alto, não sei por quê. Li o perfil e escrevi uma notinha no meu blog, algo crítica sobre o livro;

dias depois, do nada, pingou uma mensagem na minha caixa vinda do Daniel Piza, com

apenas uma linha de texto, onde ele dizia que preferia aquelas criticas, seguida das aspas

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elogiosas de uns nomes consagrados, que inclusive foram usadas na sobrecapa produzida pela

editora para divulgar o perfil.

Fiquei me perguntando o que eu tinha feito de errado para receber atenção tão

personalizada assim. Se os blogs não eram importantes, por que ele se dava ao trabalho de me

responder? Se eram, porque ele não dizia isso? Se ele era leitor do meu blog, por que nunca

tinha me escrito antes? Se não era, passou a ler só porque foi mencionado? O episódio em si

terminou até bem: eu disse que achava que o grande problema do livro era perder muito

tempo tentando explicar por que e como o Paulo Francis passou da esquerda para a direita; ele

concordou que política era um assunto que roubara mais tempo do que deveria dele ― e do

Francis.

Em nenhum momento, deixei de ler suas colunas, sempre que a oportunidade se

apresentasse ― e quase nunca ela falhava ― para varejar uma dica de cinema aqui, uma

entrevista ali; adorava as entrevistas curtas que ele fazia. Parece que ele tinha um certo talento

para falar com jogadores de futebol, conseguindo ótimas revelações de Pelé, nos 50 anos da

primeira Copa, e Ronaldo, para a revista Trip. Foi um dos poucos que sempre defendeu o

talento de Ronaldo, ao longo de toda a carreira, merecendo nota de pesames do próprio,

quando do falecimento. Mais recentemente, eu preferia lê-lo quando falava sobre politica,

pois era um dos poucos jornalistas que restaram escrevendo consistentemente de um ponto de

vista crítico ao governo, junto com Augusto Nunes. Imprensa era para ser oposição, mas o

pendor nacional para a conciliação sempre a deixa com cara de armazém de secos e

molhados.

Esse, talvez, o motivo último pelo qual Piza não realizou seu destino possível de ter

casado internet e imprensa, interatividade e assinatura pessoal, colaboração e remuneração:

não sendo possível combinar o que naturalmente viva em competição, escolheu o que lhe

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dava mais retorno financeiro e em reverência, dentro daquele estabelecimento. Não é possível

dizer que não alcançou êxito, ao conseguir viver de jornalismo e ser respeitado pelos leitores.

Mas, para mim, ficou aquém do que poderia.

D – POSTAGEM Nº 04

Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional

Jardel Dias Cavalcanti

Marx dizia que ser radical é ir à raiz do problema. Pretendo fazer isso em relação ao

nosso Modernismo. Só um nacionalista xenofóbico pode dispensar a capacidade crítica de

reavaliação de sua própria cultura. Creio que já passou da hora de parar de jogar enfeites

comemorativos sobre o suposto modernisno de nossa arte. A aprovação convencional que

continua até nossos dias é de causar espanto. Não que a crítica não tenha feito em alguns

momentos sua parte, como no caso de Ronaldo Brito, Tadeu Chiarelli, Jorge Coli, Carlos

Zilio e outros.

Mas parece que as observações desses críticos não chegaram ainda ao grande público,

que acha graça nas pinturas prá lá de medianas de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari

e parte da obra de Anita Malfatti.

Em geral, quando um artista é canonizado, parece que a atividade crítica se anula.

Quem ousaria dizer que parte da pintura de Van Gogh, como alguns dos girassóis, feitos às

pressas e sobre efeito de álcool e absinto, deveria ser esquecida (enquanto outras obras

realmente geniais deveriam ser admiradas)?; quem questionaria o valor da Mona Lisa, uma

obra que mostra os defeitos do desmazelado método de execução de Da Vinci, onde um rosto

e mãos são desafortunadamente inconsistentes, enquanto uma obra do mesmo artista, como

Senhora com Arminho é tão perfeita como uma pintura poderia ser e não está no centro das

atenções?

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Quem criticaria o teto da Capela Sistina de Michelângelo, obra simples e crua se

comparada com o Juízo Final, da mesma capela, e outras obras do artista? Sem querer

questionar o valor da pintura da Capela, podemos parafrasear Dr. Johnson e dizer que "não é

bem feita, mas fica-se surpreso que tenha chegado a ser feita".

Com o modernismo brasileiro não é diferente. Questionar nosso capenga e caipira

espírito pseudo-revolucionário parece o mesmo que cuspir na hóstia. Salvo as primeiras obras

de Anita, na exposição de 1917, e a primeira exposição de Lasar Segall, pouco de realmente

revolucionário aportou na terra brasilis. Se olharmos atentamente as pinturas modernistas

brasileiras e a compararmos com o que se fazia na Europa, o que vamos ver é uma espécie de

"forma fora do lugar", ou seja, uma pretensão dos artistas brasileiros em atualizar nossa forma

(nos tornarmos cubistas, futuristas, surrealistas) e ao mesmo tempo manter as preocupações

nacionalistas, com temas para lá de conservadores (como procissões religiosas do interior

paulista, paisagens idílicas tropicais, cenários tupiniquins para inglês ver, mulatas sensuais

que são verdadeiros clichês da sensualidade mulata nacional etc).

O que vivemos, segundo Ronaldo Brito, foi um regime de inadequação, pois enquanto

na Europa a arte estava em guerra declarada contra a tradição, estávamos em busca da

identidade nacional. O fracasso de Di Cavalcanti em "situar sua pintura tosca e seu traço

ilustrativo dentro dos complexos espaços da nova arte", diz Brito, é sintoma dessa

inadequação. Enquanto na arte européia se buscava a afirmação de uma diferença irredutível,

aqui se buscava a mesmice na "suposta" identidade nacional.

Mesmo Anita, continua Brito, "comparada aos expressionistas nórdicos, escandinavos

ou germânicos, parecia uma artista lírica ingênua. Não dispunha, de saída, do enorme arsenal

imaginativo daqueles povos. O universo de Munch possui uma carga metafísica

compreensivamente estranha aos estudos psicológicos de Anita".

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A brasilidade, esta entidade sobredeterminantemente fantasmática, segundo Brito,

"impunha aos nossos artistas aquilo que a modernidade européia desde Manet repudiava, o

primado do tema, a sujeição da pintura ao assunto".

O resultado é um quadro para lá de medíocre e programático como "Os operários", de

Tarsila, em que a artista (tocada pelo marxismo da época?) retrata todas as classes sociais e

raças enfileiradas frente às chaminés de uma fábrica. O sentido do quadro é mais que claro:

apesar das diferenças de classe e raça, somos todos membros da classe operária, afinal

estamos na frente da canhestra representação de uma fábrica para nos identificar. Esse quadro

deveria ter sido criado como ilustração para panfletos socialistas da época e não para parar em

um museu.

Para nossos modernistas "seria impossível descer às camadas mais profundas da

visualidade", pois seu apego à ideologia da brasilidade não deixava que seguissem os avanços

do Cubismo, Fauvismo, Futurismo, Suprematismo, que são predominantemente visuais.

Nossa arte foi literária demais para ser moderna. O filtro da brasilidade anulava as conquistas

realmente modernas das artes plásticas do início do século XX.

Paradoxalmente bucólica, Tarsila não conseguiu entender o manifesto Futurista,

publicado no Le Figaro, que Oswald trouxe de Paris debaixo do braço, em primeira mão para

São Paulo. Não é de se estranhar, pois a própria Tarsila, em carta a Mario de Andrade, diz que

voltou de Paris com as bolsas cheias de perfume e nenhuma informação artística.

A iconografia modernista vai se valer da figura do homem brasileiro, em sua

representação popular, em suas manifestações festivas e místicas, no trabalho, na expressão de

sua sensualidade e em sua miséria. Eis o repertório de Tarsila, Anita, Di Cavalcanti e

Portinari. O pior é que é nessa taxonomia que se vai definir o sentido da brasilidade, que irá

contaminar todas as leituras do Brasil, principalmente no nosso cinema, sempre criando sua

estética sob as lentes dessa ideologia.

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Na observação de Carlos Zilio, "nos trabalhos de Tarsila, por exemplo, os fios

elétricos e as estradas de ferro são sempre acompanhados por palmeiras e por outros

elementos capazes de situar uma cidade brasileira. Este tipo de preocupação é totalmente

estranho ao tratamento que a arte francesa daria ao mesmo assunto, onde o centro do interesse

seria o fenômeno da civilização industrial como um todo, abstraída de qualquer conotação

nacional".

Portinari não acata as reflexões plásticas do Cubismo, ao contrário, se alia a estética

muralista mexicana, com sua arte política, valorizando, mais do que a própria arte, as

preocupações com o tema do trabalho e da miséria.

Em Di Cavalcanti sobressalta a mulata, em seu lirismo e sensualidade, como

características da brasilidade, representando nossa languidez, nossa mistura racial-cultural,

nossa sensualidade primitiva (no sentido freudiano, diz Carlos Zilio). No seu livro A querela

do Brasil, diz Zilio sobre a obra de Di Cavalcanti: "Seu desenho é o aspecto mais

comprometedor de seu trabalho, demonstrando uma carência de recursos e uma redução um

tanto esquemática da forma, como se pode ver pela interpretação que faz da mulher da fase

clássica de Picasso. (...) Os piores exemplos da obra de Di Cavalcanti conjugam essas

deficiências: desenho esquemático, simplismo cromático e realismo".

Segundo avaliação de Zilio, a consequência da ideologia nacionalista no nosso

modernismo é que nossa arte se reduziu à temática e a pintura se tornou narrativa e

tradicional, enfeitada com um verniz moderno. O que nos obriga a dizer que nossos

modernistas não conseguiam se apropriar das questões estruturais da arte moderna, a não ser

nos seus procedimentos apenas aparentes. Não conseguiram compreender a radicalidade do

Modernismo, preso que estavam ao desejo de criar um estilo brasileiro, posição conservadora

que prevê, no fundo, um ideal de cultura a ser preservado. O contrário do que praticava a

vanguarda européia.

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Segundo Jorge Coli, "ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, em que um

setor muito importante da produção artística voltou-se para os motivos da modernidade real

que então ocorria (Hopper, Bellows, Wood, Marsh, entre tantos, sem intenções de fabricar

uma identidade nacional), os pintores brasileiros ou buscavam uma essência daquilo que

concebiam como brasilidade ou desembocavam em estereótipos." (Revista Bravo, 03/2008).

Exemplo claro da força que o debate nacionalista operava sobre a obra dos artistas

brasileiros é o quadro Tropical de Anita Malfatti (1917), que antes se chamava Negra Baiana.

Segundo a leitura de Tadeu Chiarelli, no ensaio publicado em Arte brasileira na Pinacoteca, o

que se percebe na artista é um recuo em relação às investigações formais por causa de sua

tentativa de fixar protótipos, "nesta pintura, ao invés de tratar de questões intrínsecas à pintura

- o que fazia em suas obras norte-americanas-, Malfatti opera questões extrínsecas à obra,

utilizando-se do seu trabalho pictórico para emitir valores de nacionalidade e/ou

regionalismos. (...) A necessidade de descrever a etnia da retratada parece levar a artista a

refrear seu ímpeto expressivo. Nessa figura Malfatti já parece uma artista diferente daquela

que, não fazia muito tempo, atuara com ímpeto vanguardista".

É o mesmo Chiarelli que chama a atenção para a instrumentalização da história de

nosso modernismo, de caráter triunfalista, por parte de Mário de Andrade e outros

modernistas históricos, que impedem o debate sobre o questionamento das razões que levaram

nossos artistas a abandonarem as experiências ligadas à vanguardas históricas e abraçar a

tradição. Seria medo de se macular a história ideal do modernismo, destruindo sua

credibilidade, por ter abraçado postulados que deveriam ter sido abandonados?

A leitura equivocada de que Anita foi vítima passiva da crítica de Lobato (como já

mostrei em outro artigo publicado aqui no Digestivo) não responde às questões sobre o

resultado que a pressão ideológico-nacionalista produziria sobre nosso "modernismo", que

explicaria muito mais o retorno da pintora e de outros artistas modernistas à ordem.

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O historiador Nicolau Sevicenko também questiona o estatus de moderno de nossa

arte:"Os modernistas de 22 nunca quiseram romper com o status quo. Polarizaram, mas sem

querer solapar. Muito diferente dos movimentos de vanguarda europeus" (Folha de São

Paulo,11/02/2012).

A total desinformação quanto à arte de vanguarda pode ser percebida na presença da

pianista Guiomar Novais na Semana de 22. Ela que se opunha aos "modernismos" chegou a

achar uma ofensa que se tocasse Satie em sua presença.

Na argumentação de Jorge Coli (Revista Bravo,03/2008), "os modernos nos deixaram

também óculos nacionais", ou seja, além de limitar os interesses artísticos à temática nacional

nos forçaram a apreciar nas suas obras apenas os sintomas dessa tautológica brasilidade.

"Tanto o realismo quanto o surrealismo foram bastante cerceados no Brasil pela cultura da

identidade nacional. O primeiro por fugir à sintese; o segundo por fugir aos parâmetros

nacionais. A leitura que os concretos propuseram de Oswald de Andrade, interessando-se por

traços universais de sua obra, é o exemplo de um enfoque bastante raro", diz Coli.

No caso da música, é importante ressaltar o depoimento de Francisco Mignoni, que

deixa claro a força que a ideologia nacionalista tem no período impondo modelos de criação

artística: "Aderi aos postulados da Semana Moderna de 1922 e, amparado da cordial amizade

de Mário de Andrade, embrenhei-me no cipoal da música nacionalista e, também, para não ser

considerado uma reverendíssima besta".

A ideologia nacionalista de nosso modernismo deu seus frutos, do Cinema Novo aos

Tropicalistas, até o duvidoso título do livro de Caetano Veloso: "Verdade tropical". Interrogar

criticamente o sentido ideológico do projeto modernista-nacionalista brasileiro, desmistificar

o discurso por eles elaborado para que sejam lidos segundo seus próprios parâmetros é nossa

tarefa. E devemos começar abandonando a idéia do substrato nacional que fecundou a maioria

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das obras dos nossos artistas e que ainda joga sobre artistas do presente sua mofada teia de

aranha.

Pós-tudo

E hoje o que temos? Na atual frente multiculturalista que se avizinha, podemos

perguntar com Harold Bloom: "quando a Escola do Ressentimento se tornar dominante ente

os historiadores e críticos de arte, ficará Matisse sem público enquanto todos corremos para

ver os lambuzos das Guerrilhas Girls?" Afinal, nos resta perguntar hoje, como podemos

perguntar ao nosso passado modernista: o artista nasce para ser artista ou cientista político

amador, sociólogo desinformado, antropólogo incompetente, filósofo medíocre?

E – POSTAGEM Nº 05

Treze teses sobre cinema

Humberto Pereira da Silva

I - Cinema é imagem em movimento. Confluem para a realização de um filme o

enredo, as interpretações, a banda sonora, a iluminação, o cenário etc. Com isso, dispositivos

que lhe dão suporte (como a tinta para o pintor, o mármore para o escultor, o instrumento

musical para o compositor...); esses dispositivos são necessários para que um filme seja

concebido, pois sem eles - ou parte deles - seria impensado. Mas na apreciação, se a

importância do suporte se sobrepuser a do movimento giratório dos fotogramas e a

consequente projeção por algum meio, o filme ressente-se do que lhe confere autonomia

enquanto obra de arte. Um bom enredo pode se servir a um romance, um conto, uma peça, um

balé, uma ópera; boas interpretações são esperadas no teatro, nos circos, na fala oratória; a

utilização de filtros de cores e o ajuste de luz guardam algo das experiências de um pintor; o

cinema, por sua vez, pode prescindir dessas exigências e produzir uma obra de arte: nada

impede que um filme seja concebido apenas com atores amadores ou figurantes, com

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iluminação natural ou à luz de velas. O enquadramento, posição da câmera, seu movimento, o

corte, a montagem, o "olho câmara", determinará como a imagem chegará ao espectador e lhe

causará certo sentimento diante dela. Se da arte se espera reação do espectador diante de um

objeto único, e isso propicia o que se pode chamar de experiência estética ante o belo ou o

sublime, no cinema essa ocorre quando esses elementos são combinados naquilo que recebe o

nome de linguagem cinematográfica.

II - Olha-se um objeto, fecham-se os olhos e o olhar passa a outro objeto. Nisso algo

similar ao corte cinematográfico: como os olhos que se retém num fragmento do visível - o

foco visual -, a câmara abre-se, fecha-se, e volta a se abrir para a luz e, com isso, revela

fragmentos da realidade, numa sucessão temporal não explicitamente demarcada. As imagens,

separadas por cortes e ajustadas pela montagem, retém certo instante delimitado; o

movimento dos fotogramas exibe um recorte da realidade. O sentido entre as imagens

separadas por cortes é obra da imaginação, como se requer de uma obra como um romance,

uma poesia, uma cantata, uma pintura etc.

III - O cineasta é o artífice que recorta certo instante; suas intenções, sua concepção do

sentido de uma obra de arte, sua maneira de expressar o mundo e a vida se revelam num

enquadramento, num travelling, num faux-raccord. Tanto mais o cineasta puder se expressar

com liberdade, tanto mais se revelará a beleza e o sublime em um filme. Isso porque ele,

apenas ele, responderá pela unidade e singularidade que o filme, como obra de arte, expressar

e, com isso, se inserir no conjunto de suas inquietações. Um filme, isoladamente, em que

apenas incidentalmente se pense em quem responde pela direção, pode trazer coisas

interessantes, como coisas interessantes podem ser encontradas nos espetáculos de variedades.

Se, contudo, o cineasta tiver suas escolhas condicionadas por injunções externas, como as que

envolvem uma agradabilidade prévia do público, seu filme pode ser visto no mesmo leque em

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que são apresentados os espetáculos de variedades para deleite momentâneo: nada além de

mais produto para consumo no mercado das ilusões efêmeras.

IV - No primeiro cinema instituiu-se o hábito de ver um filme como narrativa de

episódio; institui-se igualmente uma ritualização própria para se ver uma história contada por

meio de imagens: na sala de projeção, a percepção de que a trama seja exibida num fluxo

temporal que não perturbe a compreensão e, ao mesmo tempo, cative a atenção. Como

conseqüência da ritualização instituída nos primeiros filmes narrativos, o valor estético de um

filme quase que identificado a uma história contada como nos folhetins do século XIX.

Resulta dessa identificação entre cinema e folhetim a desatenção a uma sequência, a detalhes

da paisagem, a um enquadramento fechado em parte do corpo de um personagem, ao cenário

de fundo, aos figurinos, à banda sonora. Ver um filme, contudo, possibilita experiências

estéticas distintas se o espectador soltar a imaginação para perceber algo mais que aquilo que

encontraria num folhetim.

V - Um livro é um livro; um filme é um filme. A descrição de um acontecimento, feita

por um romancista, se presta à imaginação do leitor. Ele, na sua leitura solitária, compõe uma

imagem mental do movimento dos personagens, a ambiência em que se encontram, a partir

das experiências que teve. O valor estético da descrição se conforma às regras fornecidas

pelas teorias literárias. O cineasta pode ser movido a filmar a descrição de uma cena fornecida

por um romance; dela pode se apropriar dos motivos e conceber uma obra cinematográfica.

Mas o que o escritor descreve com palavras será exibido no filme por meio de imagens que

resultam de escolha pessoal do cineasta. No filme, o espectador está diante de imagens; não

lhe cabe, portanto, ao contrário da literatura, formar mentalmente uma imagem. O valor

estético das imagens se conforma às regras fornecidas pela linguagem cinematográfica.

Comparar um filme a um romance de que se serve para adaptação é como misturar regras para

medida de temperatura a regras para medida de comprimento: os instrumentos de medição

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não são os mesmos; com isso, entre filme e romance, uma situação cujas regras não

possibilitam comparação. Um livro jamais é melhor que um filme, pois é um livro; tampouco

o contrário, pois um filme é um filme.

VI - Cinema é uma forma de expressão artística que se ressente da evolução

tecnológica. De modo que sua produção se articula inequivocamente às tecnologias

disponíveis e que permitem a projeção imagens. A história do cinema não se separa da dos

dispositivos que tornam determinadas imagens possíveis. A impressão de realidade em uma

cena hoje é diversa da de anos atrás e tornar-se-á obsoleta nos anos futuros. Nesse sentido,

junto à ideia de explorar recursos tecnológicos disponíveis para conceber efeitos especiais,

cabe examinar o momento em que cada recurso é utilizado junto aos sentimentos provocados

no espectador. Os mesmos efeitos especiais no futuro serão percebidos de forma diferente,

pois a experiência educa a perceber os objetos de maneira diferente. Uma cena filmada com

recursos do momento provoca no espectador sentimentos que não teria anos atrás; da maneira

similar, os sentimentos que terá anos adiante não são os mesmos de hoje. Com isso, o que se

tem é que a história do uso de dispositivos tecnológicos para conceber efeitos especiais no

cinema caminha paralelamente à história dos sentimentos provocados no espectador.

VII - Na realização de um filme um condicionante do qual não se pode escapar: a

grande movimentação de capital. O filme mais barato possível envolve recursos para a

ambiência, escolha de locações, sedução de uma equipe para trabalhar nas filmagens por um

período de tempo, distribuição etc. Em qualquer filme, portanto, interesses econômicos para

que se possa ponderar sobre sua viabilidade no mercado: não é possível pensar o cinema fora

dos preceitos da indústria cultural. Um escritor pode se recolher à solidão e escrever; um

pintor ou um compositor igualmente, mas um cineasta, não! A realização de um filme

depende de um jogo de convencimento sobre suas possibilidades. Do contrário, alguém

perderá o que investir. Nisso, uma ritualização que exige discutir o cinema no âmbito do

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entretenimento e da sociedade de consumo. As concessões à liberdade criativa que o cineasta

fizer dará a medida que separará a obra de arte do produto que ocupará meras horas de lazer

do espectador. Talvez não seja possível sem controvérsia traçar a linha divisória entre arte e

mercado; de qualquer modo, esse o desafio a ser assumido para quem se propuser a fazer e

pensar o cinema como arte.

VIII - Em conseqüência da trama na qual se apóia, implícita ou implicitamente todo

filme (ficcional ou documental) está comprometido com valores sociais, morais, políticos,

econômicos etc. Assistir a um filme sem se ater à mensagem que carrega é pressupor que

símbolos de qualquer natureza sejam neutros, que slogans denotem somente o que exibem:

para cada objeto, um símbolo fixo. Um exercício para quem se dispuser diante da tela durante

a projeção de um filme consiste em procurar o sentido, o conteúdo ideológico que as imagens

expressam: o cineasta, liminar ou subliminarmente, é um ideólogo, milita por uma causa; por

isso, para não pactuar despercebidamente ideias que lhe são avessas, ou, de outro modo, não

se expor como objeto manipulável, o espectador deve ter em mira o acordo ou desacordo com

as mensagens que o filme expressa. Nesse exercício, portanto, o risco de se desavir com a

mensagem. Com isso, muitos se afastam de filmes que elogiam determinada doutrina ou

carregam slogans de que discordam. Mas um filme enquanto obra de arte se presta à

contemplação desinteressada: a beleza e o sublime - senão para o próprio cineasta -, não se

condicionam pelo acordo ou desacordo com uma ideologia expressa: se é ingênuo supor

neutralidade das imagens, igualmente ingênuo é atribuir ou retirar valor estético em função de

suas mensagens.

IX - De qualquer filme - mesmo de um único fotograma - pode-se extrair elementos

para ilustrar um tema de aula. O professor só não pode esquecer que a imagem apenas e tão

somente é um elemento ilustrativo inserido conforme exigências e contexto próprios de uma

aula. Ou seja, a imagem é como uma frase de efeito retórico que visa à adesão, à persuasão;

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portanto, esconde o que não contribui para os efeitos visados. Os vários elementos que se

movem na projeção de um filme - verossimilhança, motivações ideológicas, alegorias

históricas etc. - podem se chocar com o propósito da ilustração. Se o professor perder de vista

seu caráter ilustrativo, que poderia ser feito por outros meios (recortes de jornal, pantomimas,

anedotas etc.), as imagens se confundiriam com o rigor científico do tema. Um filme é um

artefato que pode ser apreciado ou não como obra de arte; por isso, se oferece à imaginação.

Suas imagens, portanto, não estão isentas de equívocos e absurdos; logo não se pode conceber

um filme como um tratado de economia, de sociologia ou de psicologia: numa aula, ele pode

ser um meio, mas jamais um fim em si mesmo.

X - Como na literatura, o cinema ganha forma como obra de ficção; por conseguinte,

uma cópia ilusória da realidade. Resulta com isso o equívoco de se pretender que um filme

espelhe o passado com coerência, sem os chamados "erros históricos". Num filme, toda

objetividade da narrativa histórica deve ser posta em suspenso: o cineasta, ao conceber uma

obra de ficção, não tem compromisso com a "verdade histórica" dos historiadores. Nesse

sentido, todo "filme histórico" é uma construção subjetiva do cineasta; ele pode, mas não

precisa, se apoiar em fontes documentais. A se observar que muitas vezes isso seria

impossível: quisesse conceber uma casa egípcia, não teria fontes. No entanto, seria absurdo

projetar um filme sobre os egípcios no espaço vazio: uma casa egípcia no cinema não é senão

uma construção ficcional. Num "filme histórico" se vê o resgate de resíduos iconográficos,

fragmentos de memórias, crônicas, relatos de viagem, filtrados pela imaginação do cineasta:

nenhum "filme histórico" ensina história, embora possa estimular sua aprendizagem aos

desejosos de conhecê-la.

XI - A imagem cinematográfica retém um fragmento da realidade. Passado certo

intervalo de tempo, a imagem retida pode servir a preocupações teóricas de historiadores,

etnólogos, antropólogos, culturalistas etc. Certos hábitos, costumes, arquitetura, expressões

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faciais, mobília, aparelhos eletrodomésticos estão retidos nos fotogramas; o que diferencia a

imagem cinematográfica da imagem fotográfica é o dispositivo técnico que coloca os

fotogramas em movimento (24 quadros por segundo) e deixam a impressão de que os

fotogramas captam a realidade como seria percebida no movimento contínuo, a partir do

momento em que a luz se abre para a câmara. Num sentido subliminar, o instante retido, se

for de um filme cujo propósito seja de uma narrativa histórica ou de ficção científica, revela

menos do passado e do futuro presumível do que sobre o momento em que foi concebido. Em

qualquer filme que se pense, apenas e tão somente o "espírito de época" no qual foi realizado.

XII - No teatro a ação dos personagens desperta sentimentos de pânico, terror,

identificação. Por meio da recordação de que a ação se trata de ficção e não da realidade, o

espectador sofre aquilo que os gregos denominavam como catarsis. O cinema igualmente

desperta paixões e, consequentemente, o efeito catártico. A diferença entre teatro e cinema

não está nos efeitos provocados e sim no fato de que o sangue, numa cena em que um corpo é

lacerado, pode ter um enquadramento que acentue a impressão de realidade, o que não

ocorreria no teatro, com o espectador em sua posição fixa, sempre à mesma distância da cena.

A linguagem cinematográfica, com os recursos técnicos de que um cineasta dispõe, possibilita

um espelhamento da realidade diferente do que se encontra no teatro. Resulta com isso um

paroxismo: uma imagem de laceração na tela pode ser para o espectador mais impactante que

numa peça teatral. O cinema é dotado de uma visceralidade impossível no teatro. Nesse

paragone, contudo, não se visa à superioridade do cinema ou do teatro, apenas notar que o

efeito catártico pode ser obtido de formas artísticas distintas.

XIII - O estudo do comportamento coletivo cabe à antropologia, à sociologia ou à

psicologia. Para especialistas, essas ciências explicam diversos comportamentos culturais,

sociais e psicológicos pela influência de ações modeladas por personagens no cinema. A

eventual influência negativa de um filme pode, então, gerar sua interdição, a fim de que se

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preserve a ordem social. Nesse caso, não cabe falar em cinema e sim em condicionantes

jurídicos, políticos, ideológicos, propagandísticos ou moralistas. Uma vez que se defenda ao

Estado garantir a liberdade de expressão, também a ele deve-se atribuir a garantia da

segurança pública. Entretanto, no ato de criação o cineasta pode se afastar do que lhe é ditado

pelo Estado ou pela sociedade. Ao realizar uma obra transgressiva, o risco de que seja banida.

Disse segue-se uma constatação inequívoca: queira o estatuto de arte ao filme que realiza, o

cineasta se movimentará numa fronteira tênue, numa área de atritos constantes.

F – POSTAGEM Nº 06

Memórias de ex-professoras

Carla Ceres

Eu também já fui professora, ocupação tradicional em minha família, há quatro

gerações. Troquei as aulas de português e inglês pelo comércio de componentes eletrônicos.

Minha mãe deixou de lecionar para trabalhar em banco. Minha avó, depois de viúva,

trabalhou como funcionária pública no período da manhã, lecionou em um curso noturno e

abriu uma escola de datilografia em casa, no período da tarde. Tudo isso, ao mesmo tempo,

até aposentar-se.

Ao que parece, nós mulheres temos uma facilidade natural para ensinar, mas nosso

verdadeiro talento é sobreviver da melhor maneira possível. Minha tia-bisavó foi convidada

para ser diretora da escola suíça onde se formou. Bem que ela quis aceitar, mas seu pai

proibiu. O convite lhe pareceu uma ofensa mortal. Onde já se viu uma jovem educada

trabalhar de verdade? O melhor era voltar pro Brasil e ser professora, o que não era trabalho,

só distração.

Lecionar por desfastio, ocupação de moças finas e cultas, que não precisavam de

dinheiro, pois eram bem-nascidas e, em breve, seriam bem casadas. Essas mulheres tinham

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tempo de sobra para ler, estudar, preparar aulas interessantes e cuidar dos filhos com a ajuda

indispensável de empregadas domésticas, profissionais raras e caras hoje em dia. Na época em

que mulheres estudiosas só podiam escolher entre ser donas de casa ou lecionar, as

professoras eram valorizadas e vistas com respeito. A famosa palmatória, embora doesse

bastante, funcionava mais porque o aluno se envergonhava de merecer um castigo físico. A

expulsão de um colégio não significava mudar-se para outro, levando uma gloriosa fama de

encrenqueiro.

Entrei para a escola aos quatro anos de idade, quando as palmatórias já estavam no

esquecimento. Minha mãe me entregou à professora e avisou: ―Ela já sabe ler e escrever. Não

costuma dar trabalho, mas, se for desobediente, pode bater nela.‖ A professora, que, segundo

o costume da época, chamava-se ―tia‖ Zezé, ficou sem jeito, disse que as ―tias‖ eram amigas

das crianças, podiam, no máximo, deixar de castigo. Minha mãe insistiu: ―Mesmo assim, pode

bater.‖ Ela estava falando sério e eu sabia.

O número de moças bem formadas foi insuficiente para abastecer as novas escolas

surgidas com a falsa democratização do ensino. Em geral, as melhores professoras iam para

estabelecimentos que ofereciam vantagens em termos de salário, localização e clientela. Até

aí, nada de novo. A boa educação continuava privilégio de poucos enquanto o restante da

população recebia um ensino menos exigente.

As novas professoras, para indignação dos governantes, não trabalhavam por esporte.

Lecionavam nos três períodos, não tinham tempo de ilustrar-se, atualizar-se ou preparar aulas.

Viviam estressadas, faziam greve. Não queriam mais ser tias postiças, mas profissionais de

respeito. Como resposta a essas senhoras, celebrizou-se uma frase atribuída a Paulo Maluf,

então governador de São Paulo: ―Professora não é mal paga, é mal casada.‖

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Maluf negou a autoria da pérola, mas a frase era sintomática do crescente desrespeito

aos professores em geral, tanto às mulheres mercenárias, quanto aos homens que faziam

aquele trabalho de mulher.

Quando voltei da Inglaterra, para concluir o curso de Letras, estagiei e peguei aulas

como substituta em uma escola estadual. Os alunos primeiro tentaram me amedrontar,

fazendo pose de traficantes perigosos (o que, provavelmente, alguns eram), depois uma dupla

começou a conversar em um inglês sofrível de quem lavou pratos no exterior. Assustaram-se

ao perceber que eu os compreendia: ―Você fala inglês, dona? Que que tá fazendo aqui, em vez

de ir dar aula numa escola decente?‖

Era uma boa pergunta, mais ou menos a mesma que muitas professoras vinham se

fazendo: ―Por que mulheres inteligentes optariam pelo ensino se podiam escolher outra

profissão?‖

De acordo com Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, no livro Superfreakonomics, a

qualidade do ensino nos Estados Unidos vem baixando porque as mulheres mais inteligentes

agora podem optar por profissões de prestígio e alta remuneração em áreas como medicina,

direito, economia. Segundo eles, ―o exército de professoras do ensino fundamental começou a

sofrer drenagem de cérebros.‖

Atualmente, o estado de São Paulo sofre com a falta de professores de primeiro e

segundo graus. Alunos dos primeiros anos de graduação em Letras, por exemplo, já estão

trabalhando como professores não apenas de português ou língua estrangeira, mas também de

matemática, biologia... Quem quiser voltar a ser professor tem trabalho garantido.

G – POSTAGEM Nº 07

A ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells

Ricardo de Mattos

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"O que eles narram não é apenas engenhoso; é também simbólico de processos que de

algum modo são inerentes a todos os destinos humanos" (Jorge Luis Borges).

Apresentamos nossas escusas a Zafón por adiarmos a coluna dedicada a mais um de

seus livros e interpormos esta dedicada ao romance do inglês Herbert George Wells (1866-

1946), recentemente reeditado no Brasil. Trata-se de um dos livros mais impressionantes que

tivemos o prazer de ler e gostaríamos de aproveitar o calor das primeiras impressões para

registrarmos nosso entusiasmo.

A ilha do Dr. Moreau foi escrito em 1896. Da infância trazemos a vaga lembrança de

assistir uma adaptação cinematográfica da obra. O prefácio da nova edição revela outra de

1996. O enredo é relativamente conhecido: após o naufrágio do navio que o conduzia, o

protagonista Charles Prendick é resgatado e vai parar em remota ilha do Pacífico, onde

conhece o Dr. Moreau. Puxando o fio da memória, lembra-se de reportagem que lera em

Londres, revelando as atrocidades cometidas por ele, o que levou ao seu autoexílio.

Estabeleceu-se na ilha, contudo, não para penitenciar-se, mas para continuar seus

experimentos sem interferência. E que experiências seriam estas? A transformação de animais

selvagens em homens.

Prendick não desvenda os fatos imediatamente. Na escuna em que foi acolhido,

estranha a presença de diversos animais — uma onça, um lhama, cães e coelhos — e a

aparência do auxiliar do médico que cuidou de si. Este médico, Montgomery, por sua vez, é

assistente de Moreau. No primeiro contato com o empregado de Montgomery, Prendick

repara na parte inferior de seu rosto, que "se projetava para a frente, lembrando um focinho, e

sua boca entreaberta mostrava dentes brancos que eram os maiores que eu já vi numa boca

humana". Sentindo o esbarrão de Prendick, "virou-se com uma agilidade animal". Devido à

latitude em que se encontrava, o personagem atribuiu a aparência do indivíduo — e dos

demais que apareceram — às peculiaridades regionais de algum povo desconhecido dos

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europeus de então. Ninguém procura no extravagante a primeira resposta. Para sossegar sua

estranheza, contentou-se com a solução oferecida pela geografia.

Desembarcando na ilha, não sem dificuldade e deparando-se com a recusa inicial de

Moreau em recebê-lo, Prendick vê-se impedido de descansar devido à sucessão de urros que

identificou como da onça da escuna. Afasta-se do quarto onde instalado e resolve explorar o

local, como alternativa a continuar escutando aqueles uivos nos quais se concentrava "todo o

sofrimento do mundo". Nesta forçada excursão, conhece parte do território. Vê cenas

ininteligíveis, que desafiam sua resposta inicial aos tipos físicos encontrados. A outra parte ele

conhecerá depois, fugindo de Moreau e Montgomery. Si os indivíduos encontrados não

apresentavam características endêmicas, intui-se uma segunda hipótese, igualmente errônea

mas alarmante: Moreau transformaria pessoas em animais?

Temendo ser o próximo, Prendick foge e alcança a outra parte da ínsula.Encontra uma

aldeia que reúne os mais diversos e estapafúrdios tipos. Acomoda-se numa cabana onde a

figura de aspecto idoso incita os demais a repetir "A Lei" durante insólita e hipnótica

ladainha:

"Não andar de quatro pés, essa é a Lei. Então não somos homens?

"Não beber com a língua, essa é a Lei. Então não somos homens? (...)

E assim por diante. O toque de mestre de Wells aparece neste capítulo na constatação:

"Não havia sinal de fogo". Já presenciamos pessoas vivendo nas ruas, lado a lado com cães.

Sabemos de outras que vivem entocadas em casas abarrotadas e imundas, como nem os

roedores admitem, pois mudam-se quando a permanência é insustentável. Já passamos na

calçada por indivíduos cujo odor anunciou a exclusão do banho de entre seus hábitos.

Conhecemos outro que se alimenta exclusivamente do encontrado nas caçambas de lixo.

Apesar do esforço, não conseguimos lembrar-nos de uma só espécie animal que faça uso do

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fogo. Vemos homens que vivam como animais, mas animais que vivam como homens é de tal

forma inusitado que Prendick deparou-se com o indício mas não conseguiu assimilá-lo.

Fato e que, após algum transtorno, Moreau decide esclarecer seu hóspede. O

"cientista" é descrito como corpulento, de barbas e cabelos brancos e rosto quadrado. Wells,

antes de firmar-se como jornalista e escritor, foi aluno e professor-assistente na Midhurst

Grammar School, estudando em seguida com Thomas Huxley (), o conhecido "buldogue de

Darwin". Não conhecemos a relação de mestre e discípulo e podemos enganar-nos, mas a

descrição de Moreau remeteu-nos ao retrato daquele. Seus motivos são expostos no capítulo

XIV. Variam entre o positivismo científico do século XIX e o messianismo, agregando

sofismas e argumentos de autoridade. Ao contrário de Huxley, Moreau não era nem cientista,

nem humanista. Em nossa concepção, estes termos são sinônimos necessários. Temos na

conta desta categoria de pessoas aqueles indivíduos que se dedicaram a ampliar os campos do

conhecimento humano, ou mantê-los ampliados, ou ainda, levaram este conhecimento para

aplicá-lo pelo mundo. São os Sabin, Curie, Edson e Franklin que ilustram nossa História.

Moreau é o antípoda de Albert Schweitzer, por exemplo, prêmio Nobel da Paz de 1952.

Schweitzer foi exímio organista, que se formou em Medicina com o específico intuito de levar

alívio à África, onde aos rigores da natureza adicionou-se a inclemência dos que se

apresentaram como colonizadores. Construiu e equipou ao menos um hospital com fundos

levantados em concertos nos quais se apresentava.

Moreau soluciona em definitivo a dúvida de Prendick. O que ele via não eram homens

e mulheres transformados em animais, mas o contrário. "São animais recortados e esculpidos

até adquirirem novas formas". A crueldade seria idêntica, em nossa opinião. Percebe-se sua

preocupação em comprovar suas ideias e sua indiferença à dor decorrente. Adquiriu a

insensibilidade de Mengele ou daquele que manipula químicos visando produzir um abortivo

eficiente. Seu intento declarado é único: "encontrar o limite extremo da plasticidade de uma

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192

forma viva". E só, sem aplicação prática em benefício de alguém, como questionou Prendick

em outra passagem. Por maior sofrimento que causasse, reconhecia a vanidade de seus

esforços e logo perdia o interesse pelos espécimes alterados.Rapidamente voltavam a ser o

que eram antes, mesmo deformados. Eles regrediam.

Um dos mais cativantes representantes do povo animal — assim são referidos no livro

— é o derivado de um cachorro São Bernardo. Ligou-se ao personagem quando ele ficou

sozinho na ilha, montava guarda, protegia seu sono. Lembramos de Roger Grenier, no muitas

vezes relido Da dificuldade de ser cão, citando o poeta Rilke: "Sua semelhança confidencial e

admirativa é tal que alguns dentre eles parecem ter renunciado a seus hábitos mais antigos,

adotando até nossos erros. É exatamente isso que os torna trágicos e sublimes". Outra figura é

o homem-macaco, que despreza as palavras comuns e prefere repetir as que não entende,

alegando desenvolver um grande pensamento. Após a leitura, desconfiamos que o sujeitinho

escapou da ilha e veio ter ao Brasil, onde proliferou e seus descendentes hoje ocupam os mais

diversos cargos.

Todos eles, contudo, regrediram. Parece-nos uma impropriedade vocabular falar em

"regressão". Os "pacientes" de Moreau sequer deixaram de ser o que eram. Após o

experimento, perderam a forma original, foram hipnotizados e condicionados. Em relação a

estes seres, Moreau cometeu o mesmo erro dos ascetas: não se aperfeiçoa o espírito mutilando

o corpo. Portanto, não haveria como voltar de um ponto que não foi atingido. Afastada a

interferência humana, retomaram seus hábitos, fosse qual fosse o tempo transcorrido.

Retomada definitiva, pois as parciais davam-se diariamente, à noite. Estamos convictos de

que ao homem é impossível regredir — aqui, sim, no sentido próprio — a estágios

animalescos e de dócil submissão a comandos acompanhados de reforços ou punições.

Felizmente, todos os anos temos o Big Brother Brasil para sedimentar-nos a convicção.

"Então não somos homens?".

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193

H – POSTAGEM Nº 08

O Artista

Duanne Ribeiro

O Artista, filme do francês Michel Hazanavicius, possui personagens cativantes,

beleza visual e uma história leve e divertida. Não só, chama de imediato a atenção pelo uso de

uma forma antiga, a do cinema do início do século XX e antes. Em preto e branco, mudo (ou

quase), com falas escritas na tela e trilha orquestrada, essa produção retoma esses recursos

não por fetiche, mas como modo de reforçar a narração. O diretor brinca com o que esperaria

um espectador de hoje, põe nossa percepção para funcionar de outra maneira e nos dá a

chance de nos identificarmos com seu tema central, isto é, tempo e identidade - ou, mais

precisamente, como lidamos com a mudança.

O contexto da narrativa é o momento de transição das produções silenciosas ao cinema

falado. À época, a nova tecnologia alijou vários profissionais da indústria. É o caso de um dos

protagonistas, George Valentin. Prestigiado como ator mudo, não encontra mais espaço no

mundo ocupado pelos talkies e declina. Ele insiste em filmar à maneira antiga (preferindo-a

como Charles Chaplin por algum tempo o fez) e fracassa com o público. Perde sua riqueza,

sua mansão e objetos de estima (o retrato à óleo de corpo inteiro, seu sorriso paralisado), se

endivida e se isola. A linha principal do enredo é essa queda, a luta de Valentin contra seu

orgulho e decepção.

A outra protagonista é Peppy Miller, atriz que por sua espontaneidade e ousadia (assim

como por uma ajuda inicial de Valentin) ascende ao estrelato. Sua amizade com o ator já

obsoleto é cheia de admiração e flerta com o romance - e será essencial no desfecho.

Uma cena do filme sintetiza a ideia principal desses movimentos mais gerais. Valentin

está saindo do estúdio, depois de recusar as inovações técnicas. Ele encontra Peppy, que vai

na direção contrária. Em uma tomada panorâmica, vemos três andares e o fluxo sem

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interrupção dos funcionários entre eles. Os dois protagonistas no centro, um desce pelos

andares, outro sobe. Em uma metáfora sutil, vê-se a troca do velho pelo novo e dança de

posições contínua, que exige renovação mesmo para se manter no mesmo lugar.

Essa tema remete a uma obra certamente referencial para Hazanavicious. Em Luzes da

Ribalta, de Chaplin, um velho comediante perde o prestígio; seus números não atraem o

público e a falta de reconhecimento o deixa travado no palco e o estimula a beber para

conseguir ser engraçado. Um dia, bêbado, voltando para casa, salva uma jovem vizinha do

suicídio. É uma bailarina que por certos bloqueios internos não consegue atuar. Esses dois

personagens se ajudam a encontrar um novo espaço.

O esquema é o similar ao de O Artista, mas em Luzes... o impedimento a ser superado

é o receio do risco, enquanto no primeiro trata-se da soberba, como dito. A criatividade é um

elemento central em ambos, mas há diferenças: na obra chapliniana, são ressaltados a

coragem e o esforço envolvidos; na do outro diretor, na naturalidade com que alguém adapta

suas habilidades às chances que o meio lhe dá. Parte da leveza do filme surge daí - sente-se

que o sucesso e a alegria são possíveis a partir do passo disposto.

O restante dessa leveza vem das características dos relacionamentos "mais

verdadeiros" da produção. De um lado, temos as relações determinadas pela condição atual -

Doris, a mulher mesquinha de Valentin, o abandona; Al Zimmer, chefe do estúdio, define

suas preferências de acordo com o mercado. Do outro lado, o cachorrinho do ator, Jack, e seu

mordomo, Clifton, assim como Peppy, são marcados por uma confiança perene. Nessas

amizades, sobressaem a fidelidade e o desprendimento. Na torrente de mudanças que os

indivíduos se encontram, essas são coisas que permanecem. Lembra a música: "Quem está

agora a seu lado? Quem para sempre está? Quem para sempre estará?".

Recursos do Cinema Silencioso

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195

Poderíamos recordar também Cantando na Chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly,

cuja história se passa igualmente na transição do silente ao sonoro. Outra aproximação seria

possível com A Última Gargalhada, de F.W. Murnau, no qual vemos um homem perder seu

emprego e seus motivos de autoestima (assista). A presença de um cão carismático e heróico

lembra outro Chaplin, Vida de Cachorro (assista), e Rin Tin Tin e outros vários cães que se

tornaram estrelas em Hollywood. A Peppy de Hazanavicious é semelhante a Peppy de King

Vidor em Fazendo Fita (veja trecho), como notado aqui.

O Artista, no entanto, não se reduz à intertextualidade vazia. Em primeiro lugar,

porque o filme, apesar das referências, tem sempre em vista o público contemporâneo. Um

dos recursos usados foi se aproveitar do nosso, digamos, hábito sonoro. Conforme ressalta

esse articulista, nas cenas iniciais, Valentin está nos bastidores de um cinema enquanto o

público assiste à sua atuação na tela grande. A câmera alterna entre os dois. Quando o filme

termina, ela foca no rosto expectante do ator. Sem nenhum estímulo aparente, ele sorri, mas é

porque explodiram os aplausos, de modo algo surpreendente para nós que, o diretor sabe,

antecipamos o som. Outros truques do tipo dão força a essa interpretação.

Em segundo lugar, essa forma específica parece nos deixar em uma disposição

peculiar. "Você está assistindo e rindo e se rendendo a esse frívolo nonsense, e há uma parte

sua se perguntando por que você tão alegremente deixou seu cérebro na porta de entrada",

escreveu o roteirista William Boyd, "a resposta, eu acho, é um tributo oblíquo ao poder do

cinema silencioso. (...) Você é tocado de forma mais simples e eficiente; sua objeção

intelectual ao melodrama desaparece; questões de plausibilidade e naturalismo parecem

irrelevantes porque o campo do filme mudo, preto e branco, é maneirista e artificial".

Ainda segundo Boyd: "Você descobre que, inconscientemente, um arranjo diferente de

ferramentas mentais foram acionadas - você consome o filme de uma maneira distinta e a

experiência é revigorante". Por um outro ângulo, ele expressa o mesmo que A Vida em Preto

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e Branco, de Gary Ross. Na produção, os protagonistas passam a viver no mundo de uma

série televisiva dos anos 1950 - e o cenário preto e branco é como que símbolo de um

universo mais ingênuo, mais simplório, mais sincero.

Por fim, essa forma nos faz experimentar a mesma inquietação de Valentin: estamos

frente à mudança: um modo de narrar com o qual não somos acostumados e sobre o qual nós

talvez pensemos que não nos tem nada a oferecer. Descobrimos, enfim, como eles, que o

inesperado/indesejado pode ser repleto de possibilidade.

I – POSTAGEM Nº 09

Liberdade, de Franzen

Luiz Rebinski Junior

O romance Liberdade, de Jonathan Franzen, foi flagrado na companhia de Barack

Obama e Oprah Winfrey, dois leitores que podem não entender muito de literatura, mas que

ajudam qualquer escritor recém-saído de uma oficina literária a vender horrores. Mas esse não

é o maior mérito do romanção de seiscentas páginas. Nem tampouco de ser "o resumo de uma

época", como muitos estão dizendo. Franzen fez bem à literatura mais com a forma do que

com o conteúdo de seu livro. O romance saiu pela culatra. Digo, a história. O que não era para

ser, acabou sendo. Ou seja, a comportada prosa do rapaz de óculos de aros grossos, o

queridinho da América, a voz do american way of life, tomou a frente da história que

pretendia passar a limpo os acontecimentos da primeira década dos anos 2000.

Ninguém que tenha lido o romance deixou de notar que aquele que está sendo

considerado "o livro do século" por alguns empolgados de plantão (o mesmo Guardian que

achou Minha querida Sputnik, um romance meia-sola do japonês Haruki Murakami, "o

melhor e mais instigante romance contemporâneo") é, realmente, o livro do século, mas do

19, no caso. Franzen resgatou o romance-mural de Tolstói e companhia, recheando-o com as

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197

pequenas e grandes picaretagens dos políticos de seu país. Mas o engraçado é que pouco se

fala sobre como os Estados Unidos vendem sucata bélica aos países periféricos, uma das

denúncias jornalísticas da prosa de Franzen. Aliás, a certa altura parece que há muito mais

jornalismo do que literatura ali. A literatura é soterrada por uma montanha de informações

que tornam o texto meio enfadonho e burocrático. Tá certo, não dá pra ser poético em

seiscentas páginas, mas parece que Franzen abdicou de sua verve literária em benefício de

uma história "bem amarrada", em que a trama é o que vale.

Mas a grande questão que Franzen, sem querer, incutiu na cabeça dos críticos é: como

pode um romance complemente "normal" do ponto de vista da linguagem ser uma obra-

prima, mesmo vindo depois de Kafka e Guimarães Rosa? O que está em jogo hoje na

literatura? Não é preciso mais reinventar a literatura, como os escritores do século 20

imaginavam? Ou tudo já foi feito e temos que nos contentarmos mesmo em reciclar?

Confesso que, mesmo sem saber, cometi o pior dos pecados que poderia cometer ao ler

Liberdade: o li depois de me embrenhar em O som e a fúria, o grande livro de um dos mais

inventivos autores que o século 20 produziu. Aí é sacanagem, disse-me um amigo. Como sou

um leitor totalmente sem método, a situação me caiu no colo. Se fosse um pouquinho mais

inteligente, não teria feito essa sequência, para o bem do senhor Franzen, que teve o azar de

estar embaixo do senhor Faulkner na minha famigerada "pilha de livros a ler".

Claro, eu sei, as comparações são perniciosas à literatura. Mas o fato é que eu estava

contaminado pela inventividade do senhor Faulkner, o que já me fez torcer o bigode para tudo

mais comportado que me caísse nas mãos. Então não sou o leitor mais indicado para dizer

qual é o real valor de Liberdade. Não estava muito interessado em saber como o americano

médio vive hoje nos Estados Unidos, apesar de o romance de Faulkner falar bastante sobre o

americano médio do começo do século 20.

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198

Além do mais, as seiscentas páginas me parecem exageradas para contar a história de

um triangulo amoroso que tem um final feliz. Aliás, o final da história me pareceu bastante

com o que escrevem nossos novelistas (de TV): a mocinha se ferra bastante, trai, quase morre

congelada, mas acaba nos braços de seu grande amor, que a acolhe perto da lareira.

O engraçado é que sempre abominei "experimentalismos" gratuitos na literatura.

Sempre achei que literatura, em suma, é uma história bem contada. O que não quer dizer que

a literatura tenha que ser careta e previsível. É possível ser inventivo e "literário" mesmo

contando uma história aparentemente simples. E meu escritor-síntese deste pensamento é

William Kennedy. Ironweed é de fazer qualquer aspirante a escritor querer desistir de

escrever até mesmo bilhete para a mulher. Tudo está nos eixos ali: há poesia, ironia, tristeza e

alegria. Ou seja, tudo que um texto literário deve ter. Ironweed é convencional e inventivo,

realista e fantasioso, tudo na medida certa. E é exatamente disso que senti falta em Liberdade.

Pegue um romanção brasileiro (um dos poucos que temos, concordo) como Viva o povo

brasileiro. Ali há uma grande história, mas há também fantasia e realismo, medo e delírio,

sonho e pesadelo. Com isso não estou dizendo que Franzen deveria escrever o Cem anos de

solidão na América. Mas há pouca literatura em seu romance, é isso. Seus personagens são

muito racionais, mesmo em seus momentos mais instáveis. Para mim, qualquer dos últimos

romances fininhos, de cento e vinte páginas, de Philip Roth tem mais pegada literária do que

Liberdade. Roth pode criar apenas um ou dois personagens, mas é certo que eles vão entrar

profundamente na mente do leitor. Vão arrepiar os leitores com suas sensações. E isso não

senti com nenhum dos personagens de Franzen, por mais que o escritor tenha escritor

centenas de páginas sobre cada um deles. Nem mesmo o roqueirão, que tinha tudo para me

cativar, foi capaz de me fazer franzir o cenho: seus feitos como herói maldito do rock davam

sono. A coisa mais fantástica que ele fazia era comer groupies. Ou seja, um clichê do rock.

Por que nenhum roqueiro tem azar com as mulheres ou é impotente?

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Claro que estou destilando aqui meu veneno crítico. O livro de Franzen certamente

não é tão ruim quanto estou pintando. Mas, acredite leitor, também não é nem a metade

daquilo que estão falando por aí.

J – POSTAGEM Nº 10

Natureza humana morta

Vicente Escudero

David Fincher tornou-se o primeiro grande diretor de cinema a interpretar de forma

convincente o mundo pós-internet, com uma estética baseada na reprodução sombria de

lugares reconhecidos por altos valores morais e humanos, como a Universidade de Harvard

em A Rede Social e a Suécia de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, habitados por

personagens lutando sem descanso contra a superfície medíocre e corrupta do cotidiano. São

como os caranguejos da fábula, tentando escalar para fora do aprisionamento do balde, mas

puxados de volta pela ação conjunta dos mais fracos para forçá-los a compartilhar o destino

trágico da maioria. David Fincher produziu nestes últimos filmes os dois personagens mais

próximos da mística de um indivíduo construído exclusivamente pelos valores prevalecentes

na internet, como a solidão compartilhada e o ativismo anarquista. Em um mundo onde a vida

orgânica dos personagens não entra em contato com a paisagem, que serve apenas para

reprimir os desejos, a resistência individual apresenta-se como o único oxigênio a impulsionar

a vida.

Lisbeth Salander e Mark Zuckerberg, personalidades danificadas e muito inteligentes,

que não atuam dentro das regras tradicionais da sociedade e arriscam tudo para transformá-la,

são diferentes nos limites da origem ficcional e real de cada um, mas compartilham o mesmo

caráter e a moral relativista de justificativa dos meios pelos fins. Lisbeth Salander, a garota da

tatuagem de dragão, não se preocupa em extrapolar os limites éticos e legais do que poderia

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ser uma investigação policial convencional, nem se preocupa em reprimir o desejo sádico no

momento de punir seu algoz sexual. Abandonada no labirinto da burocracia pública, retratado

por David Fincher como uma coleção de corredores silenciosos e salas vazias com portas

trancadas, Lisbeth é a única pulsão de vida dentro de um organismo em decomposição. Seu

moicano serve como uma couraça de espinhos contra a repressão da tutela exercida pelo

Estado e suas tatuagens são verdadeiros símbolos religiosos servindo de proteção contra o

mal. Nesse exercício de sobrevivência, não surpreende que muitas vezes acabe criando

mesmo mal que combate.

Mark Zuckerberg também não se conecta com o mundo real, em A Rede Social, e

consegue manter o equilíbrio nas suas relações apenas enquanto não existem disputas. A

Harvard onde programa as primeiras linhas de código do Facebook não passa de um desfile de

membros de fraternidades pelo prêmio do homem mais popular. Estranho imaginar os irmãos

gêmeos Winklevoss, que completam as frases um do outro e se vestem da mesma forma,

como pessoas reais e não uma invenção ficcional macabra. O cacoete aristocrático da dupla,

no filme, transforma as instalações da Universidade, por onde passam, em vestíbulos de um

castelo. Quando nasce o conflito pelo controle do Facebook, a personalidade arrogante e

controladora dos irmãos vem à tona e encontra um páreo imbatível na mistura de coragem e

impertinência de Zuckerberg. A narrativa da história, a partir da sala de negociações onde são

ouvidas as testemunhas preliminares da disputa judicial pelo controle do Facebook é

reproduzida por Fincher no mesmo estilo da Suécia de Millenium. As luzes são fracas e as

cores, sem vida. Os personagens estão sentados lado a lado, mas a hostilidade dos diálogos,

principalmente das falas de Zuckerberg, retratam uma disputa entre o moderno e o antigo,

entre o mundo da produção burocrática do século XX e o território de conquistadores

disléxicos do século XXI.

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Em circunstâncias normais estas características modernas dos personagens não seriam

relevantes, mas dentro da estética desenvolvida por David Fincher, em que a luz parece nunca

ser suficiente para vencer a escuridão, mesmo durante o dia, elas representam a expressão

mais forte da resistência, da pulsão da vida, uma espécie de adaptação genética às condições

hostis de um ambiente extremamente repressivo e resistente a transformações. Essa mesma

luz imobiliza os dramas e esconde da cena tudo que é acessório aos conflitos. Na Suécia de

Millenium os únicos espaços iluminados são a redação da revista de Blomkvist e a casa do

reencontro de Henrik e Anita Vanger. Já em A Rede Social, os momentos de claridade são o

surgimento de Sean Parker, na cama com uma estudante, e seu primeiro encontro com

Zuckerberg e Eduardo Saverin, num restaurante.

As personalidades de Lisbeth e Zuckerberg, nas produções de Fincher, revelam-se

apenas quando retratadas no contraste com o ambiente sombrio, como pinturas da natureza

morta, de objetos imóveis e solitários, iluminados por uns poucos raios de luz. A simplicidade

e a falta de sentido da pintura de objetos vulgares assemelha-se à estética adotada na

reprodução destes personagens por Fincher. Objetos e personagens transformam-se em arte

apenas quando revelados pela luz precisa de um grande artista.

K – POSTAGEM Nº 11

Parque de Diversão Brasil

Daniel Bushatsky

Andei reparando que o Brasil é um enorme parque de diversão. Não somos a Disney, e

sim o Parque de Diversão Brasil, que não conta com muitos brinquedos e eles também não

são lá muito modernos. Se passam por manutenção? O que você acha? É melhor não pegar os

brinquedos mais violentos. Prefira o tiro ao alvo, acertando a latinha, você leva um ursinho de

pelúcia.

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Tem também outras diversões:

Montanha-russa: não obstante o Brasil ter o mesmo número deste brinquedo do que o

Canadá, país infinitamente menor em quantidade de pessoas, temos exemplares interessantes

do brinquedo em nossas rodovias. Quem já pegou a Tamoios? Suas curvas são o resultado do

trabalho de nossos engenheiros contra a física, o conforto e segurança na descida da serra;

Trem fantasma: se o conceito deste brinquedo é um carro passando por um trilho na

escuridão, enquanto acontecimentos estranhos e repentinos ocorrem, é só comparar o que

aconteceu em plena Avenida 23 de Maio, em 03 de março de 2011. Um taxi, com passageiros

(carrinho lotado), passava pela altura da Rua Santo Amaro, quando um pedaço do concreto de

um viaduto caiu em cima do automóvel. O motorista e os 4 passageiros tiveram ferimentos

leves;

Show de horror: como todo bom parque, não poderia faltar um show de horror. Pela

grande oferta de artistas, no Parque Brasil, a cada dia temos uma nova atração. A última foi

protagonizada por um homem, em Grajaú, que esfaqueou a mulher e fez a mãe e os dois filhos

reféns, sem motivos aparentes. Logo em seguida, o Parque Brasil fez outra apresentação,

desta vez, com o seu "balcão de informação TAM", que para variar atrasou inúmeros vôos,

pois precisou que seus funcionários fizessem o "check in" manualmente (no dia anterior já

tinha deixado os passageiros presos dentro do avião por 8 horas e ainda enviou bagagens de

alguns deles para Londres)! Para saber mais sobre estes espetáculos é só ler a reportagem do

dia 03 de março de 2012, no caderno Metrópole, C6, no Jornal Estado de São Paulo;

E, como não poderia deixar de ser, "nosso" Parque Brasil tem duas atrações especiais:

Show de talentos: onde a presidente da república é parodiada chorando em um

discurso!

E a segunda, é a queda livre de crianças, sem cinto de segurança ou trava elétrica e,

lógico, sem supervisão dos funcionários do parque. Este brinquedo, muito popular, somente

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tem um inconveniente, pode gerar a morte do seu usuário. Como este brinquedo não sofre

manutenção há 10 anos, o parque de diversão criou seu similar na água para caso haja algum

imprevisto. O brinquedo aquático é uma espécie de boliche, onde jet-skis, pilotados por pré-

adolescentes, derrubam crianças na areia. O inconveniente é o mesmo do primeiro brinquedo:

também pode gerar a morte!

A grande popularidade do nosso Parque Brasil está assentada em dois pilares:

impunidade e falta de supervisão/vigilância.

A impunidade é latente. Poucos são condenados pelos crimes que cometem, em uma

legislação burocrática e em um judiciário moroso. Se condenados, as penas são tão suaves e já

previstas na maioria dos casos no balanço patrimonial da empresa ou no planejamento

financeiro da pessoa, que não fazem nem cócegas. Gostaria de saber como as empresas se

comportariam se fossem condenadas a pagar 20 milhões de reais à família da criança morta

em um de seus brinquedos. Ou seja, se queremos uma Disney, precisamos aumentar a

punição!

O segundo pilar que precisa ser mudado é o da falta de supervisão. Onde já se viu um

país querer que as coisas funcionem, sem polícia efetiva e bem paga? Para mudar a

mentalidade, afora educação de base, será necessário repressão policial (não ditadura!).

Somente com investigação, supervisão e vigilância em conjunto com penas severas poderão

dar tranqüilidade de que pedaços do viaduto não caiam em nossas cabeças!

Espero que possamos comer churros e algodão-doce mais tranqüilos, mas para isto

precisamos nos equiparar ao parque com as orelhas do rato! Precisamos de educação,

vigilância e punição!

Caso contrário, não adianta pedir o dinheiro de volta: é sentar e relaxar! Ops, cair!

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L – POSTAGEM Nº 12

Ode à Mulher

Jardel Dias Cavalcanti

Eu que sou homem, reparo nas mulheres. Fui gerado no ventre de uma, portanto lhes

devo a vida e, consequentemente, imenso respeito e admiração.

A mulher é objeto de admiração cósmica, como também objeto de desprezo por seres

que se autodenominam homens, mas que por sua relação cruel com as mulheres deveriam ser

chamados de bestas-fera. Algumas culturas (pagãs) a transformaram em deusa, outras

(judáico-cristãs) a transformaram em bruxa, feiticeira diabólica, que deveria ser queimada

viva.

Pitágoras dizia que existe um principio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um

principio mau que criou o caos, as trevas e a mulher. Algumas religiões, seguindo essa lógica

perversa, a transformaram na perigosa fonte do mal.

As cortes rococós a deixavam ser um ser livre, alado, vivendo no luxo e na luxúria,

mas nem tanto, como nos ensinou Starobinsky, que percebeu o sentido da estratégia

masculina do elogio: "Todo um sistema extremamente refinado de atenções, de deferências,

de lisonjas se desenrola para chegar de maneira segura ao êxtase da satisfação animal". Como

confessa um herói de Bijoux Indiscrets, citado por Starobinsky, "sempre mulheres, e de todo

tipo, raramente o mistério, muitos juramentos e nenhuma sinceridade".

Agnès Michaux escreveu um Dicionário misógino, onde expõe frases de pensadores,

escritoes e artistas famosos que em algum momento escreveram frases onde expressam seu

ódio às mulheres. Baudelaire, por exemplo, escreveu: "A mulher tem fome e ela quer comer.

Sede, e ela quer beber. Ela está no cio e ela quer ser fodida. Faça-se justiça! A mulher é

natural - ou seja, abominável". Ou Pierre Belfond, que diz: "Nas mulheres, os pensamentos só

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se elevam quando seus seios caem". E Charles De Gaulle: "Criar um Ministério da Condição

Feminina? E porque não um Subsecretariado de Estado do tricô?" E por aí vai...

Em defesa das mulheres foi necessário que a filósofa francesa Simone de Beauvoir

escrevesse um tratado que ficou famoso: O segundo sexo. Dizia a autora: "Abrem-se as

fábricas, os escritórios, as faculdades às mulheres, mas continua-se a considerar que o

casamento é para elas uma carreira das mais honrosas e que as dispensa de qualquer outra

participação na vida coletiva".

Simone de Beauvoir acreditava que a liberdade da mulher começa quando ela

conquista sua liberdade material, financeira. Muitas mulheres modernas têm provado o gosto

da liberdade econômica, podendo sair de casamentos apodrecidos pela violência, prepotência

e descaso afetivo masculinos.

Em razão de sua liberdade econômica, outros aspectos da existência tem se

apresentado para as mulheres, como o estudo, as viagens, os amores, as carreiras

interessantes, as amizades para além da prisão familiar.

Mulheres foram tratadas historicamente como cidadãos de segunda classe. Somente

em 1867, Stuart Mill fazia, diante do Parlamento, a primeira defesa oficialmente pronunciada

do direito do voto feminino.

O escritor Alexandre Dumas Filho aconselhava ao marido traído uma única atitude

para com a esposa infiel: "Mate-a". Quantas mulheres não padeceram nesse mundo o

assassinato justificado sob a lei da falsa-moral elaborada pelo macho ferido.

Mulheres foram transformadas em santas quando se recolheram, mas também foram

julgadas como putas quando viveram livremente. Algumas mulheres foram para o convento,

anulando boa parte do sentido e da riqueza de suas existências, outras percorreram o mundo,

amaram desavergonhadamente vários homens, participaram da vida social como professoras,

cientistas, filósofas, médicas, dançarinas, chefes de Estado, arquitetas e economistas, etc.

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Há imagens enternecedoras de mulheres: como o amor da mãe favelada (aqui e na

África) que chora com seu coração partido por não poder dar uma xícara de leite ao seu bebê,

que não consegue dormir por causa da fome, num mundo onde algumas pessoas bebem

champangne em taças de ouro e compram barcos que valem milhões. No outro dia,

heróicamente, essa mulher faz de tudo para conseguir trazer o leite para seu filho, da

submissão a um trabalho mal pago ou, quando sem saída, o ato de se prostituir.

Mulheres têm voz divina quando cantam. Maria Callas, Ella Fitzgerald, Elis Regina,

Janis Joplin, Amy Winehouse, fazem nosso coração disparar, se elevar, se transportar para

outros mundos. Seria impossível imaginar um mundo sem as vozes femininas.

Mulheres são seres fisicamente tão belos que sua beleza desperta a inveja em outras

mulheres. Mesmo as que a convenção chama de feias, são belas a um bom observador.

Aquele andar delicado, o gesto de arrumar o cabelo, o desenho das costas, a forma dos pés, os

dedos das mãos coroados por anéis, os olhos pintados, os lábios limpos ou tingidos de batom,

a maneira de sentar, a dança sensual, o rebolado, as pernas fortes, nada disso é patrimômio

apenas das chamadas mulheres belas.

Existem mulheres lindas, com pés horríveis. Existem mulheres com rostos feios, mas

que andam como uma deusa. Há mulheres gordinhas que nos tocam como se tivessem

varinhas mágicas nos dedos. Há mulheres lindas, perfeitas do ponto de vista clássico, mas que

são seres humanos tão desprezíveis em sua vacuidade que não despertam o encanto e o

respeito de ninguém.

Sobre as mulheres muitos pintores criaram obras de arte magníficas, poetas criaram

versos extraordinários, músicos criaram composições extasiantes. Nuas, vestidas, saindo da

água, como deusas da antiguidade ou virgens santíssimas, elas habitaram o panteão das artes

desde sempre.

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Mulheres criaram obras de arte e reflexões admiráveis: Camile Claudel, Virginia

Woolf, Safo, Sylvia Plath, Hilda Hilst, Clarice Lispector, Pina Bausch, Emile Dickson, Susan

Sontag, Marilena Chauí, Hanna Harendt, Rosa de Luxemburgo, etc.

Atrizes de cinema sempre nos fazem amá-las, por sua beleza e por sua capacidade de

criar emoções grandiosas.

Leonardo da Vinci dizia que se não fosse o belo rosto dado pela natureza às mulheres

a raça humana não se reproduziria, pois seus genitais eram para o pintor algo difícil de se

admirar e ver.

Desmond Morris, estudioso do comportamento humano, escreveu um belo livro que se

chama "A mulher nua", onde comenta a cada capítulo o significado biológico e simbólico de

cada parte do corpo feminino: cabelos, lábios, ombros, braços, genitais, mãos, cintura, pés,

costas, etc. Sobre a fêmea disse: "Toda mulher tem um corpo belo - belo porque é o brilhante

coroamento de milhões de anos de evolução, fruto de surpreendentes ajustes e sutis

refinamentos que o tornam o mais extraordinário organismo existente no planeta".

Foi criada uma peça de teatro, que virou depois filme, onde uma parte da mulher fala

sobre sua existência fantástica e perturbadora: o "Monólogo da vagina".

John Lennon chamou as mulheres de "o negro do mundo", por ter consciência

histórica do mal que sofreram e sofriam ainda nesse mundo. Mas nem um ser foi tão

maltratado quanto a mulher que além de ser fêmea, nasceu negra. Pois duas formas de

desprezo que a sociedade dirigiu à mulher se deve simplesmente ao fato delas terem nascido

mulheres e negras. Racismo e machismo sempre andaram de mãos dadas.

O Brasil tem tido na mulher enorme força política, a Senadora Marta Suplicy, a

presidenta Dilma Roussef, as ministras do atual governo comprovam. Marta Suplicy foi uma

das principais vozes femininas a se manifestar publicamente em favor da participação social

da mulher na sociedade brasileira, discutindo sempre a questão da defesa de todos os direitos

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femininos num país atrasado que trata suas mulheres como seres inferiores. Questões como

direito ao divórcio, direito ao prazer, proteção social, aborto, foram amplamente discutidos

por Marta.

A mídia nunca tratou bem as mulheres, seus códigos simbólicos desprezam a mulher

sonhada por Simone de Beauvoir. Mulheres aparecem na mídia para vender aparelhos

domésticos como fogão, geladeira, produtos de limpeza, como se esse fosse o território ideal

para as mulheres em suas casas. Ninguém notou que homens já limpam a casa, cozinham,

passam suas roupas, cuidam dos filhos?

De outra forma, as mídias tratam as mulheres como pedaços de carne num açougue,

quando as expõem como se fossem apenas bundas, sem vontade, prontas para servir, em

propagandas de cerveja, por exemplo. Boa parte da (des)educação masculina para que se veja

a mulher apenas como objeto sexual parte de programas de televisão e de propagandas de TV,

que as torna apenas uma peça publicitária machista e de mau gosto.

Com tanto apelo, nem as mulheres escapam de acreditar que se não forem um belo

pedaço de bunda não serão nada nesse mundo. Boa parte da explicação para os casos de

estupro, que aumenta vertiginosamente entre adolescentes, pode ser explicado por esse tipo de

educação, que ensina que a mulher é apenas um vaso de descarga para a libido masculina.

A mulher pobre brasileira ainda não tem o direito sobre o próprio corpo. O direito ao

aborto não lhe foi ainda assegurado. Milhares de abortos clandestinos, que deixam sequelas

nas mulheres, são feitos em razão de gravidez por estupro. Apenas a classe alta tem direito ao

aborto no Brasil, em clínicas sofisticadas e higienizadas. Uma falsa-moral ainda faz do Estado

um protetor apenas de uma elite rica.

Uma das conquistas femininas é a criação da Delegacia das Mulheres, espaço onde a

mulher pode expor os maus tratos que sofre por trás dos muros do lar, antes inviolável espaço

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para torturas silenciosas e proteção para homens violentos, e colocar seu espancador sob

vigilância policial.

Apesar de tudo de ruim que a história lhe deu, a mulher preserva seu charme, mistério,

inteligência e sensibilidade. Não como natureza particular da fêmea, pois o homem também

possui esses mesmos encantos e atributos. Depois de saber de todos os males que a mulher

enfrentou nesse mundo, podemos nos perguntar como sobrevivemos ainda como espécie? A

resposta, clara e objetiva: por causa da força da mulher, da sua capacidade de enfrentar

dificuldades e obstáculos.

Dados eloquentes sobre as mulheres hoje: "Existem no mundo entre 100 milhões e 140

milhões de mulheres submetidas à amputação genital e, a cada ano, 3 milhões de meninas

correm o risco de passar por esse ritual". Além, claro, de morrerem por infecção, já que os

instrumentos usados no corte são giletes velhas e espinhos infectados, etc.

Outro dado: Nos países subdesenvovidos 70% das pessoas iletradas são mulheres.

A sociedade como um todo lucraria enormemente se deixasse a mulher ter o seu direto

pleno de viver: ser dona do próprio corpo, das próprias idéias e poder participar plenamente

do destino da sociedade, enquanto ser livre, não enquanto capacho de idéias obtusas criadas

pelo seu opressor, o homem.

Não existe mundo livre, sem uma mulher livre.