Jornalismo cultural na internet: estudo de caso do site "Digestivo Cultural"
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA
JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE
“DIGESTIVO CULTURAL”
MANAUS
2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA
JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE
“DIGESTIVO CULTURAL”
MANAUS
2013
Trabalho de conclusão de curso apresentado à disciplina ―Projetos Experimentais‖ do curso de Comunicação
Social/Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas.
Orientação: Profa. Luiza Elayne Correa Azevedo – Ps. Dra.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS
ROSIEL DO NASCIMENTO MENDONÇA
JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET: ESTUDO DE CASO DO SITE
“DIGESTIVO CULTURAL”
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Ps. Dra. Luiza Elayne Correa Azevedo (UFAM - Orientadora)
___________________________________________________
Profa. Especialista Lyvia Fabiana Moutinho Lyra (CIESA – Examinadora externa)
___________________________________________________
Prof. Me. João Bosco Ferreira (UFAM - Examinador)
___________________________________________________
MANAUS
2013
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo apoio incondicional.
À professora Luiza Elayne Azevedo, por ter me apresentado ao universo das Ciências
da Comunicação.
Aos colegas e companheiros que fiz em sala de aula, no PETCom e nos congressos.
Aos amigos inseparáveis.
[...] a cultura funciona pela comunicação. Seria impossível para uma
pessoa viver no seio de uma cultura sem aprender a usar seus códigos
de comunicação. E também seria impossível para ela não se
comunicar.
(BORDENAVE, 2006, p. 56)
RESUMO
O trabalho aqui apresentado é fruto de um projeto desenvolvido entres os anos de 2011 e 2012
no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), com apoio do
CNPq. Tendo como suporte teórico o jornalismo cultural praticado no ciberespaço, propôs-se
um estudo de caso do site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com.br) dos pontos de
vista da Arquitetura de Informação, Usabilidade, Interfaces Comunicacionais, Análise de
Conteúdo e Análise de Discurso, com o intuito de alcançar um entendimento em relação às
especificidades dessa especialidade de webjornalismo. Para isso, optou-se por uma
abordagem interdisciplinar, levando-se em conta que áreas afins ao campo da Comunicação,
como a Informática, poderiam agregar a um estudo a respeito do jornalismo cultural
desenvolvido na Internet. Dentre os resultados apurados, pode-se destacar que o site subutiliza
o recurso da hipermídia, porém ajuda a ampliar as potencialidades da cultura enquanto valor-
notícia, pondo em prática uma mescla discursiva formada por informação, persuasão e
sedução.
Palavras-chave: Digestivo Cultural, Jornalismo Cultural, Arquitetura de Informação, Análise
de Conteúdo, Análise de Discurso
ABSTRACT
The work presented here is the result of a project developed entres the years 2011 and 2012
under the Institutional Program of Scientific Initiation Scholarships (PIBIC), with support
from CNPq. Having as theoretical support cultural journalism practiced in cyberspace, it was
proposed a case study of the site Digestivo Cultural (www.digestivocultural.com.br) the
points of view of Information Architecture, Usability, Communicational Interfaces, Content
Analysis and Analysis Discourse, in order to reach an understanding regarding the specifics of
this specialty web journalism. For this, we chose an interdisciplinary approach, taking into
account the knowledge areas related to the field of communication, such as Informatics, could
add to a study about the cultural journalism developed on the Internet. Among the results, it
can be noted that the site underutilizes the use of hypermedia, but helps broaden the potential
value of culture as news, putting into practice a discursive mixture formed by information,
persuasion and seduction.
Palavras-chave: Digestivo Cultural, Cultural Journalism, Information Architecture, Content
Analysis, Discourse Analysis
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Assunto ........................................................................................................... 120
Gráfico 2 – Gênero jornalístico .......................................................................................... 121
Gráfico 3 – Quantidade de caracteres ................................................................................. 122
Gráfico 4 – Quantidade de hiperlinks ................................................................................. 123
Gráfico 5 – Caracteres x hiperlinks .................................................................................... 123
Gráfico 6 – Gênero x caracteres ......................................................................................... 124
Gráfico 7 – Quantidade de imagens .................................................................................... 124
Gráfico 8 – Caracteres x imagens ....................................................................................... 125
Gráfico 9 – Referência ao jornalismo cultural .................................................................... 125
Gráfico 10 – Localidade ..................................................................................................... 126
Gráfico 11 – Localidade x assunto ..................................................................................... 127
Gráfico 12 – Abordagem de cultura.................................................................................... 127
Gráfico 13 – Abordagem qualitativa................................................................................... 128
Gráfico 14 – Temporalidade ............................................................................................... 128
Gráfico 15 – Abordagem jornalística .................................................................................. 129
Gráfico 16 – Compartilhamentos no Facebook ................................................................... 129
Gráfico 17 – Compartilhamentos no Twitter ...................................................................... 130
Gráfico 18 – Comentários .................................................................................................. 130
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Sistemas de organização. .................................................................................... 37
Quadro 2 - Sistemas de navegação. ...................................................................................... 39
Quadro 3 - Sistemas de rotulação. ........................................................................................ 39
Quadro 4 – Codificação ....................................................................................................... 60
Quadro 5 – Modelo de ficha de codificação.......................................................................... 61
Quadro 6 - Ficha de análise de discurso................................................................................ 62
Quadro 7 - Ficha de codificação 01 ...................................................................................... 99
Quadro 8 - Ficha de codificação 02 .................................................................................... 101
Quadro 9 - Ficha de codificação 03 .................................................................................... 103
Quadro 10 - Ficha de codificação 04 .................................................................................. 105
Quadro 11 - Ficha de codificação 05 .................................................................................. 107
Quadro 12 - Ficha de codificação 06 .................................................................................. 108
Quadro 13 - Ficha de codificação 07 .................................................................................. 110
Quadro 14 - Ficha de codificação 08 .................................................................................. 112
Quadro 15 - Ficha de codificação 09 .................................................................................. 114
Quadro 16 - Ficha de codificação 10 .................................................................................. 116
Quadro 17 - Ficha de codificação 11 .................................................................................. 117
Quadro 18 - Ficha de codificação 12 .................................................................................. 119
Quadro 19 - Ficha de análise 01 ......................................................................................... 134
Quadro 20 - Ficha de análise 02 ......................................................................................... 135
Quadro 21 - Ficha de análise 03 ......................................................................................... 136
Quadro 22 - Ficha de análise 04 ......................................................................................... 137
Quadro 23 - Ficha de análise 05 ......................................................................................... 138
Quadro 24 - Ficha de análise 06 ......................................................................................... 138
Quadro 25 - Ficha de análise 07 ......................................................................................... 139
Quadro 26 - Ficha de análise 08 ......................................................................................... 140
Quadro 27 - Ficha de análise 09 ......................................................................................... 141
Quadro 28 - Ficha de análise 10 ......................................................................................... 142
Quadro 29 - Ficha de análise 11 ......................................................................................... 142
Quadro 30 - Ficha de análise 12 ......................................................................................... 143
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Modelo Conceitual da arquitetura de informação ................................................. 35
Figura 2 - Esquemas exatos .................................................................................................. 70
Figura 3 - Esquemas exatos .................................................................................................. 71
Figura 4 - Esquema exato alfabético ..................................................................................... 72
Figura 5 - Esquema ambíguo por assunto ............................................................................. 73
Figura 6 - Navegação embutida ............................................................................................ 75
Figura 7 - Cabeçalho ............................................................................................................ 75
Figura 8 - Navegação ........................................................................................................... 76
Figura 9 - Navegação contextual .......................................................................................... 76
Figura 10 - Mapa do site ...................................................................................................... 77
Figura 11 - Navegação social encontrada em texto da seção Colunas ................................... 78
Figura 12 - Navegação social em texto da seção Colunas ..................................................... 78
Figura 13 - Sistema de rotulação: lista de opções.................................................................. 79
Figura 14 - Sistema de rotulação: título ................................................................................ 79
Figura 15 - Sistema de rotulação: links contextuais .............................................................. 79
Figura 16 - Sistema de rotulação: ícones .............................................................................. 80
Figura 17 - Sistema de busca: localização ............................................................................ 80
Figura 18 - Sistema de busca integrado ao Google ............................................................... 81
Figura 19 - Sistema de busca avançada................................................................................. 81
Figura 20 - Janela de feedback com o usuário ...................................................................... 82
Figura 21 – Função disparo .................................................................................................. 83
Figura 22 - O que são encaminhamentos? ............................................................................ 84
Figura 23 - Hierarquia .......................................................................................................... 84
Figura 24 – Liberdade de controle ........................................................................................ 85
Figura 25 - Inconsistência na apresentação de itens .............................................................. 85
Figura 26 - Ausência de prevenção de erros ......................................................................... 86
Figura 27 - Ícones permitem associação entre imagem e função ........................................... 86
Figura 28 - Área em destaque é um atalho para a página inicial ............................................ 87
Figura 29 - Orientações da leitura......................................................................................... 88
Figura 30 - Mensagem de erro exibida pelo Digestivo .......................................................... 89
Figura 31 – Seção de comentários ........................................................................................ 90
Figura 32 - Comentários por comentador ............................................................................. 91
Figura 33 - Multimídia ......................................................................................................... 94
Figura 34 - Compartilhamento ............................................................................................. 95
Figura 35 – Twitter integrado ............................................................................................... 96
Figura 36 – Twitter integrado ............................................................................................... 96
Figura 37 - Recurso também permite a publicação do comentário no Facebook.................... 97
Figura 38 – Comentários via Facebook ................................................................................ 97
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 12
1 DESENVOLVIMENTO DOS CONCEITOS DE CULTURA ...................................... 16
1.1 Aproximações com o jornalismo .............................................................................. 19
1.2 Alguns dilemas .......................................................................................................... 23
2 JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET ............................................................. 27
2.1 Aprofundamentos ..................................................................................................... 30
3 ARQUITETURA DE INFORMAÇÃO .......................................................................... 33
3.1 Por dentro da Arquitetura de Informação .............................................................. 36
3.2 Arquitetura de Informação e usabilidade ................................................................ 40
4 INTERPRETANDO AS MENSAGENS ........................................................................ 43
4.1 Análise de Conteúdo ................................................................................................. 44
4.2 Análise de Discurso ................................................................................................... 47
4.2.1 O contrato de comunicação .................................................................................. 47
4.2.2 Comunicação midiática ........................................................................................ 49
4.2.3 Organização do discurso midiático ....................................................................... 52
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 54
5.1 Avaliação da AI, usabilidade e interfaces comunicacionais .................................... 54
5.2 Análise de Conteúdo ................................................................................................. 56
5.2.1 Pré-análise ........................................................................................................... 57
5.2.2 Exploração do material ......................................................................................... 58
5.2.3 Tratamento dos resultados obtidos ........................................................................ 61
5.3 Análise de Discurso ................................................................................................... 61
6 ESTUDO DE CASO ........................................................................................................ 63
6.1 Um pouco da história do site .................................................................................... 63
6.2 Como funciona .......................................................................................................... 65
6.2.1 Anúncios e divulgação ......................................................................................... 66
6.3 Análise da arquitetura de informação ..................................................................... 68
6.3.1 Sistemas de organização ....................................................................................... 70
6.3.2 Sistemas de navegação ......................................................................................... 74
6.3.3 Sistemas de rotulação ........................................................................................... 78
6.3.4 Sistemas de busca ................................................................................................. 80
6.4 Análise heurística ...................................................................................................... 82
6.4.1 Visibilidade do estado do sistema ......................................................................... 82
6.4.2. Mapeamento entre o sistema e o mundo real ........................................................ 83
6.4.3 Liberdade de controle ao usuário .......................................................................... 84
6.4.4 Consistência e padrões ......................................................................................... 85
6.4.5 Prevenção de erros ............................................................................................... 86
6.4.6 Reconhecer em vez de relembrar .......................................................................... 86
6.4.7 Flexibilidade e eficiência de uso ........................................................................... 87
6.4.8 Design estético e minimalista ............................................................................... 87
6.4.9 Suporte para o usuário reconhecer, diagnosticar e recuperar erros......................... 88
6.4.10 Ajuda e documentação ....................................................................................... 89
6.5 Interfaces comunicacionais ...................................................................................... 89
6.5.1 Interatividade ....................................................................................................... 89
6.5.2 Uso de hipermídia ................................................................................................ 93
6.5.3 Presença nas redes sociais digitais ........................................................................ 94
6.6 Análise de Conteúdo ................................................................................................. 98
6.6.1 Interpretação dos resultados ............................................................................... 120
6.6.2 Inferências ......................................................................................................... 131
6.7 Análise de Discurso ................................................................................................. 134
6.7.1 Interpretação das análises ................................................................................... 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 145
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 150
GLOSSÁRIO ................................................................................................................... 157
ANEXO ............................................................................................................................ 160
12
INTRODUÇÃO
São muitos os suportes teóricos e as interpretações que podem ser mobilizados na
tentativa de explicar o que são e qual a finalidade da comunicação e da cultura. Um aspecto
dessa reflexão, porém, não pode passar despercebido: ambas estão umbilicalmente
conectadas, na teoria e na prática. Afinal, como negar que a cultura de um povo sobrevive
através da comunicação, enquanto esta última representa, por si só, um dos aspectos culturais
mais primários de uma sociedade?
Embrenhando-se nas inúmeras possibilidades de especialização dentro do campo
comunicacional, é possível deparar-se com uma área representante, em sua gênese, da relação
dual supracitada – o jornalismo cultural. Produzida no âmbito da imprensa tradicional,
eminentemente apoiada no suporte impresso, essa especialidade editorial vive em uma
constante zona de conflito, envolvendo desde aspectos ideológicos até preparação técnica.
Nota-se, por exemplo, que essa espécie de jornalismo tem se resumido cada vez mais
aos gêneros informativo e utilitário, abrindo pouco espaço à crítica e à interpretação. Apesar
disso, pelo fato de ainda haver uma demanda significativa de leitores interessados em um
jornalismo cultural de qualidade, ou em simplesmente estarem atualizados em relação à
―agenda‖, muitos são os autores que reconhecem a importância dos ―segundos cadernos‖ e
das seções culturais como instrumentos para a criação de um vínculo e de uma identidade do
leitor com a publicação (GOLIN; CARDOSO, 2010; MELO, 2007; PIZA, 2008).
Paralelamente, vivemos uma realidade na qual o jornalismo, de modo geral, se
encontra cada vez mais massificado em razão do alcance virtual inimaginável promovido pela
Internet na vida das pessoas, podendo o jornal de maior circulação do País estar presente, com
a celeridade de um clique, em uma infinidade de plataformas eletrônicas, bastando apenas
uma conexão com a rede mundial de computadores.
13
Incorporada à (e pela) comunicação de massa, a Internet também promoveu uma série
de modificações no modo de se fazer jornalismo, impondo novas técnicas e rotinas, ao mesmo
tempo em que ajudou a romper antigas barreiras com as quais os jornalistas costumavam se
deparar no dia-a-dia profissional (SCHWINGEL, 2012).
Diante do exposto, o trabalho aqui apresentado se propôs a lançar um olhar analítico
sobre a forma como o jornalismo cultural está inserido no contexto das mudanças deflagradas
pela Internet. Para isso, elegeu-se como objeto o site Digestivo Cultural, veículo que há 11
anos se dedica à produção colaborativa de conteúdos sobre música, cinema, literatura, dentre
outro assuntos.
O site possui hoje mais de 1 milhão de páginas navegadas por mês e foi citado no
―Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural no Brasil em 2008‖, uma iniciativa do
Instituto Itaú Cultural, como o site mais utilizado ao longo das aulas, a título de contato com a
disciplina, pelos professores consultados.
Se, por um lado, o acesso à rede mundial de computadores registra um crescimento
exponencial, por outro, está mais fácil publicar informações por conta própria. Esse conjunto
de fatores faz do ciberjornalismo1 alvo de interesse acadêmico, contribuindo para a
consolidação de uma problemática para o estudo aqui desenvolvido:
uma vez que a internet tende a colocar em trânsito diversas modalidades de
linguagens mescladas, faz-se necessário pensar a natureza impura dessa nova
linguagem e seus impactos no [...] jornalismo cultural on line ou
webjornalismo cultural (ALZAMORA, 2001, p. 6).
Portanto, em busca das especificidades do jornalismo cultural produzido na Internet,
propôs-se uma análise abrangente tanto da estrutura do Digestivo Cultural, quanto do
conteúdo veiculado por ele, além da forma como esse material é disponibilizado aos
interagentes.
1 Para efeitos práticos, a pesquisa considera os termos ―ciberjornalismo‖, definido por Schwingel (2012), e
―webjornalismo‖ como equivalentes em sentido.
14
A priori, foi realizada a análise da Arquitetura de Informação do site, com base nas
sistematizações propostas por Morville e Rosenfeld (2006), além da análise da usabilidade,
com base nos conceitos apresentados por Cybis et al. (2010). Paralelamente, foram analisadas
também as interfaces comunicacionais utilizadas pelo Digestivo Cultural no sentido de
ampliar o contato com os seus usuários.
Em um segundo momento, foram utilizadas as análises de conteúdo e discurso para as
informações do Digestivo2. Esses campos de pesquisa científica possibilitam compreender a
eficácia dos mecanismos linguísticos/imagéticos utilizados pela mídia contemporânea, que
tem os recursos da Internet à sua disposição, no processo de veiculação de informações e
opiniões sobre as mais diversas áreas do conhecimento – sendo a cultura o foco de interesse
deste trabalho.
Esta análise está dividida em seis partes, nas quais se inserem as principais
contribuições teóricas revisadas para apoiar o estudo, além do estudo de caso propriamente
dito. Assim, o primeiro capítulo trata do desenvolvimento do conceito de cultura, com a
exposição das principais correntes históricas e científicas que abordaram o tema ao longo dos
anos.
No mesmo capítulo, é explicado como o jornalismo assimilou gradualmente a cultura
até transformá-la em especialidade editorial e qual a função desempenhada pelo jornalismo
cultural no processo de decifração dos códigos artísticos produzidos no âmbito da indústria
cultural, altamente mercantilizada. Em seguida, são expostos alguns dilemas surgidos dentro
do jornalismo cultural e que refletem as próprias mudanças pelas quais o jornalismo tem
passado ao longo dos anos.
2 Pelo fato de fornecer visões distintas e complementares a respeito da mesma mensagem, optou-se pela
aplicação das duas metodologias no presente estudo de caso, uma vez que, para Torres Lima (2003), é possível
utilizar um mesmo corpus no âmbito das duas análises.
15
No segundo capítulo, chega-se finalmente à interseção entre o jornalismo cultural e a
internet e às novas formas de produção comunicacional assimiladas por ele. O terceiro
capítulo trata da definição do campo da Arquitetura de Informação de websites, suas formas
de organização, as relações com o conceito de ergonomia, além das técnicas usadas para
avaliação da usabilidade de um site. São discussões relevantes para estabelecer o ponto
comum e possível entre a Informática e a Comunicação.
O capítulo quarto faz uma abordagem das análises de conteúdo e discurso enquanto
técnicas de interpretação das mensagens, partindo do pressuposto de que elas são construídas
a partir de diversos mecanismos, incluindo os ideológicos, com o objetivo de produzir
sentidos. No capítulo seguinte, são explicitados os procedimentos metodológicos que guiaram
o estudo de caso. Por fim, no sexto capítulo, são apresentados os resultados obtidos a partir
das análises.
Cabe ressaltar, ainda, que esta pesquisa busca fazer uma abordagem interdisciplinar
entre as Ciências Humanas e as Ciências Aplicadas na tentativa de cumprir o que preconiza o
professor Elias Machado, diretor do Departamento de Projetos de Pesquisa da Universidade
Federal de Santa Catarina: ―[é possível] praticar a multidisciplinaridade, aplicando conceitos
oriundos de outras disciplinas para compreender as particularidades do jornalismo‖
(SCHWINGEL, 2012, p. 9).
16
1 DESENVOLVIMENTO DOS CONCEITOS DE CULTURA
Já na Antiguidade, pensadores e filósofos teorizavam a respeito da cultura procurando
compreendê-la e, ao mesmo tempo, entender como ela definia e influenciava as nossas formas
de viver em sociedade. Questionava-se, por exemplo, a respeito da grande diversidade de
hábitos e comportamentos, ao se comparar duas sociedades, apesar da aparente unidade
biológica entre os indivíduos (LARAIA, 2009).
Featherstone (1995), no entanto, aponta que o interesse contemporâneo pelas questões
culturais ganhou impulso com o surgimento de movimentos e correntes de pensamento como
o feminismo, o marxismo, a semiologia, a teoria crítica e a psicanálise. O autor ainda associa
ao pós-modernismo3 o ―eclipse de um sentido específico e coerente de cultura‖, resultado da
estetização da vida cotidiana, em que tudo é passível de se tornar arte.
Em retrospectiva, segundo Thompson (2009), no início do século 19 o termo ―cultura‖
era usado em associação com a palavra civilização, entendida como processo de refinamento
e desenvolvimento intelectual humano, ou seja, o oposto da ―barbárie‖ identificada em outros
povos. É interessante notar a permanência de alguns aspectos dessa concepção, conhecida
como clássica, no uso cotidiano da palavra, carregado de um etnocentrismo que privilegia
certos valores e práticas em detrimento de outros.
O cenário começou a mudar conforme o conceito de cultura foi se incorporando à área
da Antropologia, considerada como a ciência do estudo comparativo das culturas. Nesse
contexto, a concepção descritiva está diretamente relacionada com o interesse dos etnógrafos
do século 19, a exemplo de Klemm e Tylor, em conhecer as sociedades não-europeias através
da análise de seus hábitos, costumes, artes, crenças e leis4.
3 ―Reação estética ao alto modernismo, que misturava características das chamadas cultura superior e inferior‖
(KELLNER, 2001, p. 50). 4 Thompson (2009) expõe sua crítica a esta concepção ao afirmar que ela impõe um conceito vago e amplo
demais à cultura, se tomada como tudo que varia na vida do homem.
17
Por outro lado, a concepção simbólica de cultura, surgida na primeira metade do
século 19, entende que o ser humano tem a capacidade de dar sentido a construções não-
linguísticas, tais como ações, obras de arte e objetos. Dessa forma, a cultura seria um processo
de simbolização, ou seja, construção e uso de símbolos, um traço distintivo do ser humano5.
Acreditando [...] que o homem é um animal suspenso em teias de significado que ele mesmo teceu, entendo a cultura como sendo essas teias, e sua
análise, portanto, como sendo não uma ciência experimental em busca de
leis, mas uma ciência interpretativa em busca de significados (GEERTZ apud THOMPSON, 2009, p. 175).
Para Thompson (2009), no entanto, a teorização de Geertz a respeito da cultura é
limitada por não contemplar as circunstâncias sócio-históricas e as relações de poder e
conflito envolvidas na produção e interpretação das formas simbólicas. Esta lacuna
encontrada na concepção simbólica, principalmente na defendida por Geertz, leva Thompson
a lançar outro olhar sobre o assunto. O autor propõe uma visão estrutural da cultura, levando
em conta o fato de as formas simbólicas serem produzidas e compartilhadas dentro de
contextos sociais característicos.
Dessa forma, os contextos estruturados são caracterizados tanto por relações de poder,
quanto pelo acesso diferenciado a recursos e oportunidades, além de condições de produção,
transmissão ou recepção de formas simbólicas, entendidas como uma ―ampla variedade de
fenômenos significativos, desde ações, gestos e rituais até manifestações verbais, textos,
programas de televisão e obras de arte‖ (THOMPSON, 2009, p. 183).
Há pelo menos duas conseqüências do fato de as formas simbólicas estarem
intrinsecamente ligadas a contextos sociais: em primeiro lugar, ―o modo como uma forma
simbólica particular é compreendida por indivíduos pode depender dos recursos e capacidades
5 White afirma que a capacidade do cérebro humano de gerar e interpretar símbolos foi determinante para a
transição do estado animal para o humano (apesar desse processo não ter se dado de forma repentina) (LARAIA,
2009).
18
que eles são aptos a empregar no processo de interpretá-la‖ (THOMPSON, 2009, p. 193); de
modo semelhante, as formas simbólicas também ficam sujeitas a processos de valorização e
troca. Indaga-se: de que forma acontece essa valorização?
Thompson (2009) distingue dois tipos de valorização das formas simbólicas: 1)
valorização simbólica, onde é atribuído um determinado valor simbólico pelos produtores e
recebedores do conteudo; 2) valorização econômica, através da qual a forma simbólica pode
ser trocada em um mercado, convertendo-se em mercadoria.
Nesse estágio, as formas simbólicas mercantilizadas passam a ser denominadas como
bens simbólicos, fruto do desenvolvimento da comunicação de massa e da própria indústria
cultural, que é a ―forma sui generis pela qual a produção artística e cultural é organizada no
contexto das relações capitalistas de produção, lançada no mercado e por este consumida‖
(FREITAG, 2004, p. 72). Portanto, a crescente mercantilização das formas simbólicas
também fez a maioria dos conflitos de valorização ganhar lugar dentro de um referencial
compreendido por organizações de mídia (THOMPSON, 2009).
Uma vez entendida a cultura em seu caráter simbólico, sujeita a valorizações, faz-se
necessário explicitar nossa visão do campo como fonte geradora de bens simbólicos, sem
abandonar por completo o sentido antropológico da palavra. Ou seja, entende-se cultura,
principalmente, como a matriz das diversas manifestações artísticas consolidadas (literatura,
música, cinema, artes plásticas, cênicas, etc.), passíveis de serem desconstruídas e
interpretadas simbolicamente, mas também como agregadora das manifestações
comportamentais do ser humano.
Uma conclusão possível a partir dessa discussão: se, por um lado, o homem se difere
dos outros animais por ser o único que possui cultura (LARAIA, 2009), por outro, a
construção desse conceito supõe uma forma de ver o mundo também chamada de cultura
19
(SIQUEIRA; DE SIQUEIRA, 2007). Como bem coloca Santos (1996), a preocupação com
uma definição exata do termo aqui investigado deveria ser menor frente à preocupação em
identificar os motivos de tamanha variação de significados.
Para o autor, a cultura é nada menos que uma das mais importantes dimensões de
qualquer sociedade, sendo, para tal, resultado de um conjunto dinâmico de processos sociais e
históricos. Por isso, ela se converte em um instrumento legítimo e estratégico de interferência
na realidade social e, ao mesmo tempo, um elemento político.
A revisão dessas definições tem muito a contribuir para um entendimento mais sólido
sobre o campo teórico do jornalismo cultural. Afinal, como afirma Kellner (2001, p. 23), ―não
há comunicação sem cultura e não há cultura sem comunicação‖, pois uma é mediada pela
outra no processo de produção social.
1.1 Aproximações com o jornalismo
Com o passar do tempo, a indústria cultural foi se aproximando cada vez mais do
jornalismo ao enxergar nele uma peça-chave para a consolidação e ampliação do processo de
difusão dos seus produtos, além de ajudar a formar um público consumidor. Segundo Piza
(2008), um marco importante no jornalismo cultural foi a criação da revista inglesa The
Spectator, por Richard Steele e Joseph Addison. No Brasil, a especialidade ganhou força no
fim do século 19, com nomes de peso como Machado de Assis e José Veríssimo.
O jornalismo cultural, dedicado à avaliação de idéias, valores e artes, é
produto de uma era que se inicia depois do Renascimento, quando as
máquinas começaram a transformar a economia, a imprensa já tinha sido inventada e o Humanismo se propagara da Itália para toda a Europa... (PIZA,
2008, p. 12).
Dessa forma, a comunicação de massa foi assumindo um papel de destaque no
processo difuso de midiatização da cultura e na circulação de bens simbólicos, características
20
inerentes às sociedades modernas. Por outro lado, a emergência da comunicação de massa
pode ser entendida como o aparecimento de um conjunto de instituições ligadas à valoração
econômica da forma simbólica e à sua ampla circulação no tempo e no espaço (THOMPSON,
2009).
Nesse processo, há uma distinção entre os pesos que as valorizações tendem a assumir
em função dos indivíduos que as formulam. Assim, ao adquirir valor simbólico, um bem pode
alcançar um determinado grau de legitimação tanto por aqueles em boa posição para atribuir
tal valor (jornalistas), quanto pelos que reconhecem e respeitam a posição daqueles (leitores)
(THOMPSON, 2009).
Sob esse ponto de vista, o jornalismo cultural pode ser entendido como um importante
mecanismo de interpretação dos códigos artísticos, uma vez que as barreiras simbólicas
podem ser fatores de rejeição de determinadas manifestações artísticas e culturais por parte do
público. Botelho (2011) destaca, por exemplo, a necessidade de não se esperar nenhum
imediatismo no confronto com a arte contemporânea:
[...] só um trabalho cuidadoso de explicitação daquilo que produz a obra em
questão (inclusive sobre o próprio espectador) permite provocar, no mínimo,
interrogações e, no melhor dos casos, adesões, evitando que o espectador agredido não se refugie na recusa (BOTELHO, 2011, p. 16).
Desse modo, podemos vislumbrar o papel desempenhado pelo jornalista cultural,
cotidianamente, tanto nos processos de valorização quanto nos conflitos. Por isso, hoje a
mídia é a grande vitrine da cultura, transformada em objeto de desejo de artistas e produtores
que buscam visibilidade na imprensa, mecanismo obrigatório para sua própria existência
(GOLIN; CARDOSO, 2010)6.
6 Apesar disso, a cobertura da mídia não garante a frequência ou fidelidade do público a instituições culturais ou
manifestações artísticas. Por vezes esquecida pelas políticas culturais, concentradas mais na oferta, a formação
de demanda/público (―desejo de cultura‖) só se concretiza através da educação e da família (GOLIN;
CARDOSO, 2010; DONNAT, 2011).
21
Nesse contexto, o conhecimento se torna importante: conhecimento dos novos bens, seu valor social e cultural, e como usá-los de maneira adequada.
[...] Esse pode ser particularmente o caso do grupo que Bourdieu designa
como ‗os novos intermediários culturais‘, que atuam na mídia, design, moda, publicidade e em outras ocupações ‗paraintelectuais‘ de informação, cujas
atividades profissionais envolvem o desempenho de serviços e a produção,
comercialização e divulgação de bens simbólicos‖ (FEATHERSTONE,
1995, pp. 38-39).
Em uma sociedade hipermidiatizada, em que a oferta de bens simbólicos aumenta
exponencialmente, cresce também a demanda por especialistas em cultura para exercer o
papel de intermediários, com capacidade de transitar por diversas tradições, culturas e
linguagens no processo de interpretação das produções artísticas.
Daí decorre a importância do preparo acadêmico do jornalista de cultura, possibilitado
pelo contato com as técnicas, pelo preparo pessoal, com uma formação humanística sólida,
além de habilidades de pesquisa, apuração e desenvolvimento de senso estético e reflexivo
(ASSIS, 2008; MELO, 2007; MENDONÇA; AZEVEDO, 2010; SIQUEIRA; DE SIQUEIRA,
2007).
Em busca da singularidade do jornalismo cultural, tangenciado por diversas
concepções do que é ou não cultura, Melo (2007) define a especialidade como prática singular
e importante para a sociedade pelo fato de ela democratizar o conhecimento e possuir um
caráter reflexivo, ainda que muitas vezes inexplorado. A autora também destaca a habilidade
do jornalismo cultural de transitar entre a informação e a literatura, tocando a sensibilidade
das pessoas abertas a um conhecimento sensível e reflexivo.
Golin e Cardoso (2010) complementam: ―[...] a linguagem do jornalismo cultural
admite recursos mais criativos, estéticos ou mesmo coloquiais, assim como a exigência de um
grafismo mais ousado‖ (p. 198) como forma de diferenciação discursiva, podendo tornar-se
ele mesmo um produto cultural. Por conta disso, Souza (2010) aponta: o jornalismo cultural
22
se encontra o limiar de outro modelo do fazer jornalístico não-convencional - o jornalismo
literário.
Segundo a autora, essa relativa liberdade liguística e textual está na essência da busca
pela potencialização dos recursos jornalísticos e a superação da burocracia do lead. Assim, o
jornalismo literário agrega visões intensas da realidade, permitindo uma maior profundidade
aos relatos (SOUZA, 2010).
Portanto, se por um lado a função do jornalismo é informar com base nos princípios
relativos da imparcialidade e objetividade, por outro, há quem defenda o papel crítico do
jornalismo cultural frente à produção artística, sob seus vários aspectos. Ao assumir essa
função pedagógica de mediação entre a produção cultural e o público, o jornalista se torna um
filtro importante no processo de escolha e formação de opinião.
Para Golin e Cardoso (2010), entretanto, ao atuar como filtro, o jornalista impõe
limites à própria mediação no campo da produção cultural, ao oferecer perspectivas e
abordagens parciais sobre arte e cultura, selecionando determinados conteúdos e excluindo
outros.
Dessa forma, entendido como uma especialidade, o conceito prático de jornalismo
cultural varia conforme o direcionamento adotado pelo veículo ou pelo jornalista. No entanto,
o jornalismo cultural no Brasil, seguindo uma tendência mundial, tem se restringido cada vez
mais aos gêneros informativos e utilitários, abrindo pouco espaço à crítica, à análise e à
interpretação.
Sob esse ponto de vista, ―o jornalismo cultural sai perdendo quando os critérios
passam a ser resumidos ao de afastar o leitor de abordagens que considera erroneamente
‗muito sérias‘ ou críticas‖ (PIZA, 2008, p. 57), ou quando encara a cultura como algo distante
e inalcançável (CAVALCANTI; LUCAS, 2011).
23
1.2 Alguns dilemas
Um olhar analítico sobre as formas de produção e circulação do jornalismo cultural no
Brasil revela alguns conflitos e tensões próprios da dinâmica jornalística, como o valor-
notícia, a questão do deadline, a capacitação profissional, entre outros. Esses dilemas refletem
como a cultura é assimilada hoje pelo jornalismo. Para Cavalcanti e Lucas (2011), por
exemplo, há no jornalismo cultural uma dicotomia paradoxal na qual se contrapõem,
constantemente, as exigências jornalísticas (tempo, deadline) às exigências de seu tema
(cultura em profundidade).
Esses e outros fatores ajudam a compor um cenário, no qual o jornalismo cultural está
inserido, afetado por três males identificados por Piza (2008): o excessivo atrelamento à
agenda, o tamanho e a qualidade dos textos e a marginalização da crítica. Todos são fatores
desencadeados pelas transformações históricas pelas quais o jornalismo passou e que afetaram
a sua identidade.
Se, por um lado, o jornalismo brasileiro no início do século 20 mantinha relações
estreitas com o campo literário, a decadência do folhetim, o aparecimento gradual de estilos
como a crônica, a entrevista e a reportagem (como a conhecemos hoje), além do aumento do
interesse em temas antes secundários, como polícia e esportes, forçaram o jornalismo cultural
a um processo de especialização dentro dos periódicos (SODRÉ, 1999).
Dessa forma, com a substituição do modelo francês (mais opinativo) pelo norte-
americano (mais factual) na imprensa brasileira, os suplementos literários e culturais (com
circulação aos domingos) foram criados e ganharam adesão do público, pois se sentia a
necessidade de um espaço de circulação de idéias, para promover uma ―quebra temática‖ e, ao
mesmo tempo, instantes de abstração. Segundo Golin e Cardoso (2010), entretanto, nos
últimos 50 anos esses suplementos perderam as características iniciais, passando a ser
pautados pelo mercado editorial e pela agenda de eventos.
24
Esse processo desencadeou a gradativa marginalização da crítica dentro dos cadernos
culturais diários, que passaram a evitar os temas considerados densos demais ou
desimportantes para o grande público, a exemplo dos rumos da política cultural. Na visão de
Piza, em tempos de informações torrenciais proporcionadas pela era eletrônica, criou-se uma
carência ainda maior de análises e comentários, ―que suplementem argumentos, perspectivas e
contextos para o cidadão desenvolver senso crítico e conectar disciplinas‖ (PIZA, 2008, p.
32).
De igual maneira, as limitações impostas pelo espaço físico dentro do jornal impresso
acabam afetando a qualidade técnica e estilística dos textos, tornando-os mais enxutos e
superficiais. Isso se deve, principalmente, porque a imprensa de um modo geral tratou de
igualar o jornalismo de cultura às demais especialidades, tanto em forma quanto em conteúdo.
Diante disso, o jornalismo cultural tem migrado especialmente para os livros, como
nota Piza: ―coletâneas de ensaios e críticas são mais corriqueiras, assim como projetos de
reportagem feitos diretamente para livros‖ (PIZA, 2008, p. 30).
Paralelamente, encontramos com facilidade nos cadernos diários de cultura um
excessivo atrelamento às agendas culturais e de eventos, tornando corriqueira a produção de
matérias sobre festas, abertura de exposições e feiras, lançamento de discos, filmes, entre
outros.
Segundo Assis (2008), essa é uma das principais características que diferenciam o
jornalismo cultural das demais especialidades, ou seja, a facilidade de previsão e
planejamento do jornalista/equipe para um determinado acontecimento, na contramão das
hard news. Em outras palavras,
...o jornalismo cultural contemporâneo percebe as manifestações estéticas
pelo espetáculo e pelo evento. Essa abordagem reitera a condição da práxis
jornalística realizada sob a velocidade, a precipitação e a renovação
permanentes. A interpretação estética e a representação do sistema artístico-cultural organizam-se com base em uma linguagem de antecipação (GOLIN;
CARDOSO, 2010, p. 196).
25
A estreita relação notada atualmente entre o jornalismo cultural, o mundo do
espetáculo e a agenda imposta pela indústria cultural também revela como a cultura, direta ou
indiretamente, está sendo assimilada pela imprensa: ―a cultura apreendida por meio do
discurso jornalístico é somente aquela capaz de se transformar em notícia‖ (GOLIN;
CARDOSO, 2010, p. 196).
Assim, pode-se dizer que o jornalismo pode trabalhar a cultura a partir de duas
perspectivas principais: enquanto processo ou enquanto produto (CAVALCANTI; LUCAS,
2011; MELO, 2007; TEIXEIRA, 2008). Por processo, entende-se como o conjunto das
particularidades do sistema artístico-cultural: políticas públicas, economia criativa, marketing
cultural e todo o processo artístico que antecede ou vai além do evento, do lançamento ou do
produto final (GOLIN; CARDOSO, 2010).
Na perspectiva do produto cultural está a produção, valoração e troca de bens
simbólicos da indústria cultural. Ou seja, o contraponto entre a cultura, o entretenimento e o
mercado, no jornalismo, surge de um impasse ontológico em relação à própria definição de
cultura, como foi visto anteriormente.
Por esse motivo, ―...o jornalismo cultural tende a [ampliar] seus objetivos para além do
que chamamos ‗alta cultura‘ e [enveredar] por outros tópicos dentro de um universo cultural
abrangente‖ (CAVALCANTI; LUCAS, 2011, p. 8).
Sem dúvida, o processo de abertura do jornalismo cultural a outros assuntos se deu
com o intuito não só de diversificar e atualizar o seu conteúdo, mas de atender às demandas
de um público leitor pós-moderno, mais interessado na função utilitária das recepções.
Segundo Piza (2008), especialmente a partir dos anos 1990, alguns assuntos como moda,
turismo e gastronomia foram conquistando mais público e relevância simbólica, o suficiente
26
para começarem a ser assimilados pelos cadernos culturais. São temas obviamente
pertencentes ao universo cultural (no sentido antropológico), embora não sejam exatamente
linguagens artísticas ou intelectuais.
Em consequência, as vozes mais críticas afirmam: a banalização do alcance do
jornalismo cultural causou um empobrecimento técnico e qualitativo das suas produções.
Nesse contexto, podem-se colocar como exemplos as tradições e manifestações da cultura
popular, ainda carentes de aprofundamento e contextualização na imprensa diária (MORAES,
2008).
Apesar disso, Piza (2008) defende a superação dos preconceitos em relação à indústria
cultural e à sua dinâmica, quer seja o preconceito de que ela está a serviço de uma ideologia
opressora ou de que produza apenas massificação. Afinal, o jornalismo faz parte dessa história
de ampliação do acesso aos produtos culturais sem utilidade prática e precisa, portanto,
transitar por esse mercado sem preconceitos de cunho ideológico ou parcialidade política.
Melo (2007) e Cavalcanti e Lucas (2011) adotam uma orientação parecida ao
afirmarem ser impossível transmitir, na contemporaneidade, a cultura sem levar em conta as
grandes mídias e o mercado editorial. Dessa forma, na produção jornalística não se pode
nunca perder de vista a realidade e o contexto em que vivemos.
27
2 JORNALISMO CULTURAL NA INTERNET
Além de ter potencializado o interesse e o encantamento do ser humano com a
comunicação e com a palavra escrita (KUCINSKI, 2005), a Internet mudou completamente a
relação do jornalismo com o seu público-leitor. Com ela, a grande imprensa se viu compelida
a adaptar os seus produtos jornalísticos para o ambiente Web, ou ciberespaço7, mais propício à
interatividade e a uma leitura não-linear da informação, criando uma comunicação de muitos
para muitos.
Segundo Primo e Träsel (2006, p. 3), ―a alteração do canal repercute de forma
sistêmica sobre o processo comunicacional como um todo‖. Isso se traduz em mudanças no
próprio modus operandi do jornalista: diante dos serviços multimídia, ele passa a produzir
notícia baseado em outras técnicas e visando a objetivos mais específicos.
Schwingel (2012) relata um processo de diferenciação constante entre o jornalismo
digital e a metáfora do impresso, identificando no sistema distinto de produção o principal
fator de constituição do ciberjornalismo8. Segundo a autora, o fato de o ciberjornalismo ser
um ―novo‖ tipo de jornalismo foi problematizado por pesquisadores ainda nos anos 1990.
Eles identificaram a modalidade não só como um novo formato, mas também como um
produto discursivo distinto em um novo suporte.
O jornalismo cultural não poderia ficar alheio a essas novas possibilidades de
produção e difusão. A primeira vantagem do jornalismo cultural na Internet talvez seja o
7 É o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede; todo e qualquer espaço informacional
multidimensional que, dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a manipulação, a
transformação e o intercâmbio de seus fluxos codificados de informação (SANTAELLA, 2004). 8 ―Ciberjornalismo é a modalidade jornalística no ciberespaço fundamentada pela utilização de sistemas
automatizados de produção de conteúdos que possibilitam a composição de narrativas hipertextuais, multimídias
e interativas‖ (SCHWINGEL, 2012, p. 37).
28
proveito a ser tirado da distensão do espaço e do tempo, uma vez que na rede o espaço de
armazenamento de informações é praticamente ilimitado.
Dessa forma, elimina-se a barreira do número máximo de caracteres em um texto. Ao
mesmo tempo, a possibilidade de se manter um arquivo de publicações, devidamente
categorizadas e organizadas cronologicamente, dá uma profundidade temporal maior para que
o leitor navegue no site de forma autônoma. Esses fatores alteram, dentre outras coisas, a
lógica de elaboração de uma matéria e da composição de narrativas jornalísticas.
Ainda em termos de navegação, o hipertexto, tipo de texto típico da internet, torna a
leitura mais dinâmica e não-linear, pois o leitor pode navegar, por meio dos hiperlinks (ou
links), através de conteúdos (unidades e módulos de informação) dentro ou fora do próprio
site, conforme seu interesse em se aprofundar nos temas relacionados. Para Schwingel (2012),
a hipertextualidade é a natureza do ciberjornalismo.
A convergência de mídias e linguagens (hipermídia) na cobertura jornalística é outra
possibilidade passível de valorizar o jornalismo cultural produzido na Internet, uma vez que
as combinações entre texto, áudio, imagem e vídeo tornam a comunicação mais atraente, não
só do ponto de vista estético, mas também da abrangência dos conteúdos e das relações de
complementaridade que podem se estabelecer entre eles.
A revolução tecnológica também possibilitou o surgimento de uma comunicação
(cultural) alternativa, mais descentralizada em relação aos grandes veículos. Assim, foram
surgindo iniciativas a partir de diversos setores da sociedade, dando origem a uma maneira de
produzir informação colaborativa, participativa ou cidadã, a exemplo do bem-sucedido site
Overmundo, destinado a difundir a produção cultural brasileira no país e no exterior.
29
O Overmundo parte do princípio de que ―nenhuma equipe de jornalistas, não importa
seu tamanho ou competência, consegue cobrir ou filtrar a quantidade cada vez maior de coisas
importantes que acontecem pelo país‖9, principalmente na área cultural. Desse ponto de vista,
Magalhães (2008) entende que o jornalismo participativo ―representa uma nova forma de a
sociedade [...] participar efetivamente das transformações e da construção de uma nova
experiência cultural mediada pela tecnologia da informação‖ (p. 105).
Por outro lado, o estímulo à interatividade com o leitor, antes feita de forma precária e
ineficiente nas mídias tradicionais, denota uma aproximação dos veículos de imprensa com o
seu público, que passa a poder expressar e compartilhar suas opiniões de forma mais ativa10
.
Esses indícios, além de apontarem para um movimento atual de democratização mais
intensa da informação e da mídia, põem em evidência as capacidades do usuário comum,
capaz de participar ativamente na construção do conhecimento. São constatações reveladoras
de como o jornalismo cultural tem se apropriado dos recursos da Internet para superar as
antigas barreiras do tempo, do espaço, e dilemas como o da marginalização da crítica.
De acordo com Magalhães (2008), o modelo do jornalismo participativo, em especial,
agrega ao jornalismo cultural formatos que têm caído gradativamente em desuso na imprensa
tradicional, como a crítica, o artigo e a resenha – gêneros presentes em blogs e sites
especializados em cultura (cinema, literatura, etc.), por exemplo. Segundo o autor, justamente
por não depender da agenda da indústria cultural, a Internet dá voz e visibilidade a
manifestações esquecidas pela grande mídia, como as novas formas de arte e a cultura
popular.
9 OVERMUNDO. Sobre o Overmundo. Disponível em:
<http://www.overmundo.com.br/estaticas/sobre_o_overmundo.php>. Acesso em: 12 jan. 2012. 10 Em resumo, são oito as características definidoras do ciberjornalismo, ou do webjornalismo: multimidialidade,
interatividade, hipertextualidade, customização dos conteúdos, memória, atualização contínua, flexibilização dos
limites de espaço e tempo, uso de ferramentas automatizadas no processo de produção (SCHWINGEL, 2012).
30
Conforme aponta Kucinski (2005), esse novo cenário também exerce influências sobre
o campo da economia criativa: ―a atual revolução tecnológica tem traços econômicos
essenciais: barateia a produção, devolve autonomia ao produtor e fragmenta o espaço
midiático, e tudo isso em grande intensidade‖ (p. 78). Ao mesmo tempo, o fato de artes
estarem cada vez mais conectadas às tecnologias acaba se convertendo em um dos principais
desafios do jornalismo cultural: como produzir com qualidade nesse novo ambiente, em que
arte e cultura estão se convergindo?
Para Magalhães (2008), por exemplo, a arte que antes se dedicava à contemplação
individual, hoje busca a interatividade com o público, a participação e experiências coletivas.
Em resumo, as manifestações culturais têm se beneficiado dos recursos midiáticos e da
tecnologia, tornando a arte e os museus multimídia e sensoriais.
Segundo Alzamora, tais recursos revelam as potencialidades de um novo universo
comunicacional do ponto de vista jornalístico: ―ao mesclar essas formas para se construir uma
linguagem [...] híbrida, o jornalismo cultural on line, certamente deverá fazê-lo de modo a
priorizar as dimensões estética e interpretativa‖ (ALZAMORA, 2001, p. 10).
Entretanto, as vantagens do jornalismo cultural desenvolvido na Internet só se
concretizam com a ―exploração adequada e comedida dos recursos de hipertexto, hipermídia,
navegação, design, etc.‖ (TEIXEIRA, 2008, pp. 5-6). Isso explica o relacionamento
espontâneo e interdisciplinar desenvolvido entre o webjornalismo e outras áreas do
conhecimento, como a Informática, o Design, dentre outros.
2.1 Aprofundamentos
Tendo em vista os objetivos e o objeto de estudo deste trabalho, cabe agora nos
debruçarmos sobre as interfaces comunicacionais, mais especificamente sobre três aspectos
31
particulares do jornalismo produzido no ciberespaço: a hipermídia, a interatividade e as
relações de permuta comunicativa possibilitadas pelas redes sociais digitais.
Entendida por Santaella (2004) como uma mescla de textos, imagens fixas e animadas,
vídeos, sons e ruídos em um único ambiente de informação digital, a hipermídia é fruto de
uma convergência multimidiática que criou um tipo especial de leitor, o imersivo, aquele que
navega através de dados informacionais híbridos. Para a autora, essa é apenas uma das
características que fazem da hipermídia uma linguagem típica da Internet.
Por ser também o resultado de uma combinação entre hipertexto e multimídias, outro
traço definidor da hipermídia é a organização reticular dos fluxos informacionais em
arquiteturas hipertextuais. Ou seja, ela
não é feita para ser lida do começo ao fim, mas sim através de buscas, descobertas e escolhas. [...] Quanto mais rico e coerente for o desenho da
estrutura, mais opções ficam abertas a cada leitor na criação de um percurso
que reflete sua própria rede cognitiva (SANTAELLA, 2004, p. 50).
Essa compreensão conduz a outra característica fundamental: a hipermídia é uma
linguagem eminentemente interativa, reforçando ainda mais a ideia de que a Internet é a única
mídia inteiramente dialógica. Assim, a experiência de imersão do leitor virtual cresce e toma
corpo conforme a amplitude da interatividade. Esse processo se expressa na atenção,
compreensão da mensagem e na interação instantânea e contínua, por parte do leitor, de
acordo com os seus estímulos.
Se, para Berlo (1999), a interação é o ideal do processo comunicativo, tendo a
conversação e o diálogo como forma privilegiada de manifestação, no ambiente do
ciberespaço ela é fruto da percepção e da ação, possibilitando aos meios de comunicação
atingir o público e obter feedback imediato (SANTAELLA, 2004). Por isso, a tecnologia
digital é capaz de alcançar patamares de interatividade bem próximos aos da conversação.
32
Um produto, uma comunicação, um equipamento, uma obra de arte são de fato interativos quando estão imbuídos de uma concepção que contemple
complexidade, multiplicidade, não-linearidade, bi-direcionalidade,
potencialidade, permutabilidade (combinatória), imprevisibilidade, etc., permitindo ao usuário-interlocutor-fruidor a liberdade de participação, de
intervenção, de criação (SILVA apud SANTAELLA, 2004, p. 154).
De modo geral, a interatividade desencadeada pela Internet provocou transformações
radicais no esquema clássico de comunicação, mudando o estatuto do emissor, da mensagem
e do receptor, a partir das possibilidades de participação e intervenção (fóruns, comunidades,
comentários, dentre outros). Dessa forma, a pessoalidade dos cibernautas acaba se
reconfigurando para ganhar uma faceta plural e de alcance universal.
Recuero (2009), por outro lado, afirma que é possível observar num blog não apenas a
interação em um comentário, mas relações entre as várias interações e perceber-se que tipo de
relação transpira através desse tipo de troca. Outro ambiente propício a essa construção são as
redes socais digitais, que nos últimos anos têm sido alvo tanto da convergência midiática
quanto da adesão em massa dos internautas, ou atores. Assim, como parte dos sistemas
digitais, os atores desempenham um papel de forma a moldar estruturas sociais (RECUERO,
2009).
Outro fator a ser destacado na interação medida por computador é a sua capacidade de
migração, ou seja, as interações entre os atores podem espalhar-se entre as diversas
plataformas de comunicação, como blogs e sites. Portanto, ferramentas sociais como
Facebook e Twitter, só para citar as mais populares, são espaços utilizados para a expressão
das redes sociais na Internet, permitindo a construção, ao mesmo tempo, de uma persona
através de um perfil ou página pessoal, a interação através de comentários e a exposição
pública da rede social de cada ator.
33
3 ARQUITETURA DE INFORMAÇÃO
Vivemos em uma sociedade constantemente bombardeada por informações de todos
os tipos e todas as procedências, afinal, ―nunca tantos comunicaram tanto, em tantas telas,
através de tantos canais, absorvendo tantas horas de insubstituível atenção humana...‖
(GITLIN, 2003, p. 12). Essas informações circulam através das mais diversas mídias, como o
rádio, o jornal e a TV, cada qual com suas características, mas onde a velocidade aparece
como um elemento-chave.
Para Moraes e Santa Rosa (2012), a era da informação é, na verdade, o tempo da
―obesidade informacional‖, no qual a explosão de dados conduz à não-informação. Citando
Wurman, os autores reafirmam a necessidade de sabermos, cada vez mais, distinguir dados de
informações – segundo eles, a informação deve ser aquilo que leva à compreensão.
Desse ponto de vista, a Web11
, uma das mais avançadas Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) da atualidade, figura como um espaço singular de circulação de dados,
por ser um lugar virtual que obedece a um ritmo de tempo diferente, mais ágil, e demanda
novas formas de expressão e organização, ou seja, é um ambiente constantemente
reinventado.
Entretanto, a Web se reinventa em função dos seus clientes, ou usuários. Nesse
contexto, o processo de interação entre eles e as aplicações da Web (websites, por exemplo) se
dá, principalmente, através de uma interface gráfica – recurso usado para dar, ao mesmo
tempo, estímulo visual e sentido ao fluxo de informações. O sucesso da interação depende,
portanto, de uma interface planejada de modo a não frustrar as experiências do usuário. Este é
o princípio por trás da interação humano-computador, área de estudo preocupada com o
11 Segundo Mielniczuk (2003), a Web ―refere-se a uma parte específica da Internet, que disponibiliza interfaces
gráficas de uma forma bastante amigável‖, enquanto ―a Internet envolve recursos e processos que são mais
amplos do que a Web, embora esta seja, para o público leigo, sinônimo de Internet‖.
34
projeto e desenvolvimento de sistemas para melhorar a eficácia e promover a satisfação do
usuário (MORAES; SANTA ROSA, 2012).
Este também é, essencialmente, o campo de atuação da Arquitetura de Informação
(AI), definida por Pinho (2003), no âmbito dos websites, como a hierarquia do conteúdo e
disposição dos elementos interativos, de tal modo a fazer o usuário encontrar o que procura.
Assim, de acordo com o Instituto de Arquitetura de Informação, boas práticas em AI dão
suporte ao desenvolvimento de interfaces que facilitam o fluxo de informação útil e relevante
para o usuário.
O termo Arquitetura de Informação foi usado pela primeira vez na década de 1960 por
Richard Saul Wurman, arquiteto e designer gráfico norte-americano, pioneiro na busca por
tornar as informações mais fáceis e assimiláveis. A expressão cunhada por Wurman surgiu da
sua própria percepção acerca do volume de informações geradas constantemente em nossa
sociedade. Segundo ele, a explosão de dados necessitava de uma arquitetura própria,
sistemática na forma e conteúdo, além de uma série de critérios por meio dos quais
pudéssemos analisar o seu desempenho.
Hoje, a AI é um elemento definidor na construção de websites ―amigáveis‖ ao usuário.
Dessa forma, o trabalho do arquiteto de informação é organizar a estrutura do website de
modo a torná-lo confortável e convidativo para as pessoas, que poderão visitá-lo e talvez até
voltar um dia (MORVILLE; ROSENFELD, 2006). Moraes e Santa Rosa (2012)
complementam: ―é o arquiteto da informação que vai construir estradas da informação,
atalhos, pontes e conexões com o intuito de permitir o acesso mais rápido e intuitivo à
informação‖ (p. 27).
De acordo com Agner (2009), vivemos uma crise contemporânea onde esbarramos no
desafio de transformar o turbilhão de informações a que temos acesso diariamente em
conhecimento, deixando-nos suscetíveis a erros de percepção da realidade. Este parece ser o
35
grande dilema das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs), como a
Internet. Para o autor, ―a visibilidade da arquitetura de informação a partir da segunda metade
dos anos 90 coincidiu justamente com o momento em que a Internet atingiu massa crítica‖
(AGNER, 2009, p. 79).
Por ser um campo relativamente novo, a AI possui características interdisciplinares
que contribuem para sua composição enquanto campo de atuação, indo além da união de
apenas três campos tradicionais: tecnologia, design e jornalismo/redação. Agner (2009)
defende a AI como um termo ―guarda-chuva‖, pois se utiliza de conhecimentos das mais
diversas áreas, como Ciência da Informação, Ergodesign e Engenharia de Software.
Figura 1 - Modelo Conceitual da arquitetura de informação
FONTE: AGNER, Luiz. Ergodesign e arquitetura de informação: trabalhando com o usuário. 2ª ed. Rio de
Janeiro: Quartet, 2009.
Para o autor, contudo, a compreensão da AI como processo interdisciplinar ainda é
uma carência inclusive dentro do ambiente acadêmico dessas disciplinas (AGNER, 2009).
Nos cursos de Comunicação, por exemplo, pouco ou nenhum conteúdo teórico-prático de AI
consta nas grades curriculares.
36
Entretanto, é possível e necessário estabelecer convivências entre essas duas áreas,
uma vez que esta é uma demanda gerada pela terceira geração do webjornalismo12
e tendo em
vista o mercado totalmente digitalizado a ser encontrado pelos novos profissionais.
Independentemente do segmento jornalístico de atuação, eles vão lidar diariamente com
megabits de dados indexados (OLIVEIRA, 2005).
Principalmente por se tratar de um campo que ―envolve a análise, o design e a
implementação de espaços informacionais‖ (AGNER, 2009, p. 78), a AI também se configura
como uma distinção para jornalistas e comunicadores interessados em trabalhar como gestores
desses espaços.
3.1 Por dentro da Arquitetura de Informação
Tendo em vista nosso entendimento do mundo, fortemente determinado pela
habilidade de organizar as informações, Morville e Rosenfeld (2006), dois dos mais
importantes autores da área de AI, delimitam quatro sistemas definidores de como os usuários
encontrarão as informações em um website13
: sistemas de organização, navegação, rotulação e
busca.
Sistemas de organização - são compostos por a) esquemas, que definem as
características compartilhadas pelos itens de conteúdo e influenciam o agrupamento lógico
desses itens, e b) estruturas, que definem os tipos de relacionamento entre os itens/grupos de
conteúdo, ou seja, as formas primárias pelas quais o usuário poderá navegar. Os grandes
desafios a serem enfrentados por um sistema de organização são as ambiguidades, as
12 As experiências da terceira geração aparecem ―a partir de 1999, quando os produtos são elaborados tendo em
vista os diferenciais do ciberjornalismo, já sem vinculação direta somente com o modelo do impresso‖
(SCHWINGEL, 2012, p. 46). 13 Segundo os autores, a AI envolve, na realidade, aquilo que não é óbvio. Os usuários não notam a arquitetura
de informação de um site, a não ser que ela não esteja cumprindo com seu papel (MORAES; SANTA ROSA,
2012).
37
diferenças de perspectiva dos usuários e as políticas internas do website. Além disso, é
recomendável aplicar múltiplos esquemas e estruturas de organização para gerar conteúdos
coesos.
Esquemas
Exatos: navegação fácil e sem
ambiguidades. Usuário precisa
saber o nome do recurso que está procurando. Podem ser:
Alfabéticos: usados em enciclopédias, dicionários e
agendas telefônicas.
Cronológicos: usados em livros de História, arquivos
de revista e diários.
Geográficos: usados em mapas.
Sequenciais: usados com base em ordens de
grandeza, conferindo valor/peso à informação.
Ambíguos: navegação pode ser difícil, pois não trabalha
com definições exatas; no
entanto, pode ser mais útil,
pois nem sempre sabemos o que estamos procurando.
Dividem-se por:
Assuntos: usados em jornais e páginas amarelas da
lista telefônica.
Tarefas/Funções: usados nos menus de aplicativos
como Microsoft Word (Inserir, Exibição, etc.).
Públicos-alvo: usados no site da Receita Federal
(Cidadão, Empresa, etc.)14
.
Metáforas: usados no desktop dos computadores
(lixeira, por exemplo).
Híbridos: misturam um ou mais esquemas anteriores.
Mais comuns na Web.
Estruturas
Taxonomias Uma forma simples e familiar de organizar as informações
por hierarquias.
Bancos de dados São coleções de dados ou registros que podem ser facilmente recuperados. Caracterizam-se pela
flexibilidade.
Redes Uma forma não linear de organizar as informações na
forma de hipermídias, conectando texto, dados, imagens, vídeos e áudio. Usuário tem dificuldades em criar um
modelo mental da organização do site.
Quadro 1 - Sistemas de organização FONTE: Adaptado de MORVILLE, Peter; ROSENFELD, Louis. Information Architecture for the World Wide
Web. 3rd Edition. Sebastopol, CA: O‘Reilly, 2006.
Sistemas de navegação – enquanto um esquema de organização por hierarquias reduz
as chances de o usuário se perder, um sistema complementar de navegação também é
necessário para contextualizar as informações e dar maior flexibilidade de movimento dentro
do site através de relações estabelecidas entre os conteúdos (MORVILLE; ROSENFELD,
14 www.receita.fazenda.gov.br
38
2006). Sistemas de navegação são compostos por vários elementos básicos, ou subsistemas,
podendo ser embutidos ou suplementares.
Navegação
Embutida: fornece tanto
contexto quanto
flexibilidade, ajudando os
usuários a entenderem onde
eles estão e aonde eles
podem ir. Pode ser:
Global: presente em todo o site, sua forma mais
comum é a barra de navegação no topo/rodapé de
cada página. Pode apresentar: links para home
page e busca, identificação do usuário, etc.
Local: permite que os usuários explorem as
subseções do site. Às vezes esses locais dão
acesso a conteúdos tão diferentes que essas áreas
de navegação são chamadas de subsites.
Contextual: caracteriza-se por links de navegação
criados para uma página, documento ou objeto
em particular. É um tipo de navegação própria de
hipertextos.
Obs.: os elementos de navegação globais, locais e contextuais coexistem na maioria das
páginas web, pois, quando efetivamente integrados, completam-se uns aos outros.
Suplementar: fornece
diferentes formas de acessar
a mesma informação,
integrando um quadro mais
amplo do sistema de busca.
Pode ser:
Básica
Mapas do site: oferecem uma visão geral do
website.
Índices: apresentam palavras-chave ou frases pré-
estabelecidas em ordem alfabética que levam a
conteúdos específicos.
Guias: incluem as visitas guiadas e os tutoriais,
que auxiliam o usuário a conhecer e achar cada
área do site.
Busca: permite que os usuários usem suas
próprias palavras-chave para buscar por
informações.
Avançada
Personalização: envolve a adaptação das páginas
ao modelo de comportamento, necessidades e
preferências de um usuário individual.
Customização: dá ao usuário o controle direto
sobre as opções de apresentação e navegação dos
conteúdos.
Navegação Social: parte do princípio de que o
interesse de um usuário pode se basear na
observação das ações de outros usuários. Ex.:
Itens mais acessados.
39
Quadro 2 - Sistemas de navegação
FONTE: Adaptado de MORVILLE, Peter; ROSENFELD, Louis. Information Architecture for the World Wide Web. 3rd Edition. Sebastopol, CA: O‘Reilly, 2006.
Sistemas de rotulação – são uma forma de representar as informações no website de
modo a manter uma comunicação eficiente entre o usuário e o sistema. A ambiguidade da
linguagem é um dos desafios a serem superados na elaboração de sistemas de rotulação
eficientes. Podem ser textuais ou icônicos.
Rótulos
Textuais: navegação fácil e
sem ambigüidades. Usuário
precisa saber o nome do
recurso que está procurando.
Podem ser:
Links contextuais: hiperlinks que direcionam o
usuário para outra página ou outro local dentro
do próprio site. Precisam ter contexto e
representatividade.
Títulos: descrevem o conteúdo que se segue.
Listas de opções: representam as opções dentro
de um sistema de navegação, construindo um
senso de familiaridade.
Índices: palavras-chave (tags) que representam
um conteúdo para busca.
Icônicos: são mais usados como rótulos em sistemas de navegação, por serem
visualmente mais fáceis de reconhecer. O problema dos rótulos icônicos é que eles se
constituem como uma linguagem mais limitada que os textos. No entanto, pode
haver combinação entre os dois elementos.
Quadro 3 - Sistemas de rotulação
FONTE: Adaptado de MORVILLE, Peter; ROSENFELD, Louis. Information Architecture for the World Wide Web. 3rd Edition. Sebastopol, CA: O‘Reilly, 2006.
Sistemas de busca – a maioria dos websites cresce organicamente e se torna popular
conforme o tempo, agregando mais conteúdos e funções às suas páginas. Nesse contexto, um
sistema de busca pode ser útil quando o site possui muitas informações a serem buscadas.
Além disso, os usuários esperam sempre encontrar, em páginas da Web, uma ferramenta de
busca onde possam expressar suas necessidades de informação (MORVILLE; ROSENFELD,
2006). Flexibilidade e dinamismo estão entre as características de um sistema de busca
eficiente.
40
3.2 Arquitetura de Informação e usabilidade
Conforme as tecnologias evoluíram e os recursos multimídia como animações,
gráficos, vídeos e sons passaram a dominar os websites, o número de problemas de
usabilidade também aumentou, gerando impacto negativo até mesmo na realização de
negócios on line (MORAES; SANTA ROSA, 2012).
Por isso, enquanto fator de sucesso de sites, a usabilidade é um consenso na área de
Arquitetura de Informação e planejamento de aplicações para a Web. Nesse aspecto, Pinho
(2003) defende a boa combinação entre AI e interface gráfica como essencial para que um site
tenha usabilidade15
.
Não é muito difícil imaginar os efeitos causados nos usuários por conta de uma
interface ruim. Além de terem dificuldades ou ficarem impedidos de usar o sistema, ao
experimentarem um sistema sem usabilidade, os usuários têm muitas chances de ficarem
aborrecidos, frustrados ou com baixa autoestima. No caso de sistemas de uso profissional, as
frustrações podem ocasionar estresse, ansiedade ou até mesmo levar a psicopatologias
(CYBIS et al., 2010).
De acordo com Cybis et al. (2010), a principal dificuldade em desenvolver interfaces
ergonômicas está no fato de elas se constituírem em sistemas abertos:
[...] os usuários são agentes ativos, atores de comportamento não
determinístico, cujas mudanças na maneira de pensar e de se comportar são tanto consequência como causa de um ambiente tecnológico sempre em
evolução (CYBIS et al., 2010, p. 16).
15 Assim como a funcionalidade, a usabilidade é um atributo de todo produto. Enquanto a funcionalidade se
refere àquilo que o produto pode fazer, a usabilidade refere-se a como a pessoa interage com o produto
(MORAES; SANTA ROSA, 2012).
41
Nesse sentido, os sistemas de organização, as funções e os rótulos de um sistema podem ser
compreendidos de formas diferentes por diferentes pessoas, gerando significados díspares de
acordo com cada contexto.
A partir daí, pode-se encarar a usabilidade como o resultado da combinação entre
interface, usuário, tarefa e ambiente. A norma ISO 9241, por exemplo, define usabilidade
como a capacidade de um sistema interativo em oferecer ao usuário os meios para ele realizar
tarefas de maneira eficaz, eficiente e agradável. ―Ela é, assim, uma composição flexível entre
aspectos objetivos, envolvendo a produtividade na interação, e subjetivos, ligados ao prazer
do usuário em sua experiência com o sistema‖ (CYBIS et al., 2010, p. 16).
Por outro lado, de acordo com Cybis et al. (2010), a ergonomia é definida como a
adaptação do trabalho ao homem e está na origem da usabilidade, ou seja, ―seu objetivo é
garantir que sistemas e dispositivos estejam adaptados à maneira como o usuário pensa,
comporta-se e trabalha e, assim, proporcionem usabilidade‖ (CYBIS et al., 2010, p. 17).
Segundo a Associação Internacional de Ergonomia (IEA), a ergonomia, ou fatores
humanos, contribui para o planejamento, projeto e avaliação de tarefas, postos de trabalho,
produtos, ambientes e sistemas de modo a torná-los compatíveis com as necessidades,
habilidades e limitações das pessoas. Seus domínios de especialização englobam:
Ergonomia física, relacionada às características da anatomia humana, segurança e
saúde;
Ergonomia organizacional, relacionada à otimização dos sistemas sociotécnicos, suas
estruturas organizacionais, políticas e de processos;
Ergonomia cognitiva, referente aos processos mentais (percepção, memória, raciocínio
e resposta motora) que afetam as interações entre seres humanos e outros elementos de
um sistema. É onde se situa a interação homem-computador.
42
Como desenvolver sistemas com usabilidade tendo que levar em conta os diversos
fatores passíveis de afetar a compreensão e a satisfação do usuário, além da multiplicidade de
contextos? Diante desse impasse, Cybis et al. (2010) afirma que a engenharia de usabilidade
surge como um esforço sistemático para desenvolver sistemas, softwares ou sites interativos.
Dessa forma, a engenharia de usabilidade, preocupada com as estruturas de diálogo e
lógicas de operação estabelecidas no relacionamento usuário-interface, situa-se em um campo
paralelo ao da engenharia de software, ocupada mais com o desenvolvimento funcional dos
sistemas, algoritmos, recursos de processamento e lógicas de funcionamento.
Apesar disso, a usabilidade não deve ser tomada como um conjunto de regras para
barrar a liberdade criativa ou tornar os sites iguais uns aos outros. O objetivo dela é otimizar a
interação entre humano e computador conforme as expectativas e necessidades do usuário,
sendo possível imprimir à página uma expressão estética refinada sem ultrapassar os limites
da usabilidade (MORAES; SANTA ROSA, 2012).
43
4 INTERPRETANDO AS MENSAGENS
Sem dúvida, a comunicação é um dos principais pilares da complexa estrutura social,
sendo a linguagem uma de suas características mais representativas. Exatamente por isso, a
linguagem está no centro do chamado processo comunicacional, podendo levar a sociedade à
comunhão de ideias ou ser usada para confundir e dominar.
Segundo Berlo (1999), o modelo aristotélico evidencia três elementos formadores da
comunicação: quem fala, o discurso e a audiência. Valendo-se de outros olhares e concepções,
o autor propõe um modelo de processo comunicacional mais abrangente, constituído pelos
seguintes elementos: fonte, codificador, mensagem, canal, decodificador e receptor. Da
mesma forma, Bordenave (2006) defende que esse processo envolve a realidade ou a situação
na qual ele se insere, as pessoas implicadas, a mensagem, a forma e o meio.
Como forma, entende-se o modo como a mensagem se apresenta, quer seja através de
palavras, gestos, olhares ou movimentos corporais. Assim, quando falamos, o discurso é a
mensagem, que por sua vez é constituída por: a) código, conjuntos organizados de signos
(união de objeto referente, significado e significante) para representar as ideias; b) conteúdo,
material da mensagem escolhido pela fonte para exprimir seu objetivo; c) tratamento, a forma
como a fonte dispõe o código e o conteúdo (BERLO, 1999).
No processo comunicacional, Bordenave (2006) também considera os esquemas de
percepção e interpretação como essenciais para a compreensão das mensagens como um todo,
e não apenas de palavras isoladas. Para ele, a inserção da mensagem num contexto próprio é
uma das exigências da interpretação, possibilitando, assim, comparações do seu conteúdo com
outros elementos e com o conhecimento das intenções do interlocutor.
Levando em conta que a Arquitetura de Informação e a Usabilidade possibilitam um
entendimento parcial do nosso objeto de estudo - no caso, como a comunicação flui dentro do
site Digestivo Cultural - também faz-se necessário, tendo em vista os conceitos assimilados
44
anteriormente, compreender as particularidades das publicações do veículo a partir de uma
ótica conteudista e discursiva. Por isso, aponta-se a Análise de Conteúdo (AC) e a Análise de
Discurso (AD) como dois campos passíveis de comportar tal objetivo.
De acordo com Torres Lima (2003), duas diferenças podem ser detectadas entre as
duas áreas de estudo: enquanto a AC considera os conteúdos das palavras, a AD se debruça
sobre o funcionamento do discurso na produção de sentidos, permitindo revelar o mecanismo
ideológico que o sustenta; a segunda diferença diz respeito à suposição de transparência das
palavras na AC.
Em resumo, ao submetermos as mensagens de terceiros a um processo interpretativo,
devemos dispensar atenção ao conjunto de símbolos (o código) usado pela fonte. Assim, na
análise do conteúdo, é preciso questionar quais as ideias expressas nele; da mesma forma, na
análise do tratamento dado à mensagem, deve-se indagar por que a fonte escolheu
determinado código e conteúdo, com que motivos e almejando quais resultados (BERLO,
2006).
4.1 Análise de Conteúdo
Segundo Franco (2008), os pressupostos da Análise de Conteúdo estão baseados em
uma concepção crítica e dinâmica da linguagem, estando na origem da tentativa humana de
compreender o que há por trás das mensagens, dos enunciados e das informações. Assim, ―o
significado de um objeto pode ser absorvido, compreendido e generalizado a partir das suas
características definidoras e pelo seu corpus de significação‖ (FRANCO, 2008, p. 13).
Além disso, pelo fato de não ser uma metodologia meramente descritiva, a Análise de
Conteúdo se relaciona com outras esferas do objeto, podendo ser útil, através de comparações
contextuais, para a compreensão de características relacionadas tanto à emissão quanto à
recepção da mensagem.
45
Para Rocha e Deusdará (2005), o desenvolvimento da AC reflete os rumos assumidos
pelas práticas linguajeiras no campo das ciências. De modo geral, o recurso a essa
metodologia é uma tentativa de ir além dos sentidos aparentes e imediatos das comunicações -
é a busca pela superação da incerteza do que julgamos ver nas mensagens e pelo
enriquecimento das suas leituras. Por isso, o objeto de interesse da AC é a mensagem, seja ela
verbal, gestual, silenciosa ou figurativa, mas que, necessariamente, expresse um significado e
um sentido (FRANCO, 2008).
Enquanto procedimento de pesquisa, a Análise de Conteúdo surgiu nos Estados
Unidos, no início do século XX, como um instrumento de análise das comunicações,
especialmente do material jornalístico. No entanto, muito antes disso, os textos (sonhos,
textos religiosos, literários, entre outros) já eram estudados através da hermenêutica, da
retórica e da lógica. De acordo com Bardin (2010), essa atitude interpretativa continuou a
existir na AC, porém, baseada em outras técnicas de validação.
Pode-se dizer que a validade almejada pela AC se deu através de uma busca pelo rigor
da medida. Para Franco (2008), a metodologia, em seus primórdios, seguia uma cartilha
profundamente positivista, calcada no rigor científico da neutralidade, objetividade e
quantificação. Prova disso é a descrição, feita por Bardin (2010), das realizações da Escola de
Jornalismo de Columbia no campo da AC ainda na primeira metade do século 20:
é feito um inventário das rubricas, segue-se a evolução de um órgão de
imprensa, mede-se o grau de sensacionalismo dos seus artigos...
Desencadeia-se um fascínio pela contagem e pela medida (superfície dos artigos, tamanho dos títulos, localização na página) (BARDIN, 2010, p. 17).
Por outro lado, durante o período das Guerras Mundiais, a atenção das análises
conteudistas se voltaram mais para o estudo da propaganda e da política. Nos Estados Unidos,
por exemplo, tentava-se identificar jornais e periódicos que fizessem referência a temas
favoráveis ao inimigo ou utilizassem palavras identificadas com a propaganda nazista.
46
Rocha e Deusdará (2005) associam essa tendência positivista da Análise de Conteúdo
à concepção de ciência na qual ela se funda: um modelo circunscrito entre a ideia de
heterogeneidade do objeto e o rigor metodológico visando à validação. Assim,
essa busca se caracteriza inicialmente pelo equívoco clássico de associar
análise quantitativa e ―objetividade‖... Mais que isso, há sempre um
patrulhamento no sentido de não só preservar a objetividade, mas também afastar qualquer indício de ―subjetividade‖ que possa invalidar a análise
(ROCHA; DEUSDARÁ, 2005, p. 309).
Após um período de desinteresse em relação a esse campo de estudo, na metade da
década de 50 a Análise de Conteúdo entra numa ―segunda juventude‖, caracterizada pelo
surgimento de contribuições multidisciplinares provenientes de campos como a História, a
Psicanálise, a Lingüística, a Sociologia, o Jornalismo, dentre outros.
Segundo Bardin (2010), o processo de questionamento das técnicas da AC pelas
diversas áreas das Ciências Sociais fez com que o seu princípio de objetividade se tornasse
menos rígido, afinal, ―enquanto esforço de interpretação, a análise de conteúdo oscila entre os
dois pólos do rigor da objectividade e da fecundidade da subjectividade‖ (BARDIN, 2010, p.
11). Assim, ela já não é considerada com um alcance apenas descritivo, especialmente porque
hoje se trabalha com o entendimento de que a sua função e o seu objetivo é a inferência.
A inferência é o processo dedutivo norteador e ao mesmo tempo resultante da Análise
de Conteúdo. Segundo Franco (2008), ela se situa entre a descrição e a interpretação das
características da mensagem, as suas causas e/ou antecedentes e os efeitos da comunicação.
Assim, o papel do analista é inferir conhecimentos que ultrapassem o conteúdo manifesto nas
mensagens, podendo associá-los a elementos que remetam ao emissor, suas condições de
produção, seu meio abrangente, dentre outros.
Dessa forma, segundo a autora, a faceta quantitativa da AC hoje está baseada na
informação contida na freqüência com que os elementos surgem ao longo do conteúdo,
47
enquanto a faceta qualitativa se traduz na presença ou na ausência de determinados elementos
na mensagem. Assim, parte-se da idéia de que as operações de comparação e classificação
conduzem ao entendimento de semelhanças e diferenças, ampliando os horizontes de
interpretação das comunicações.
4.2 Análise de Discurso
4.2.1 O contrato de comunicação
Por sua vez, a Análise de Discurso nos coloca em uma posição menos ingênua em
relação à linguagem: ―não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua
opacidade. Saber que não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano
dos signos‖ (ORLANDI, 2009, p. 9). Dessa forma, enquanto palavra em movimento, o
discurso é a língua fazendo sentido através de um trabalho simbólico que está na base da
própria existência humana.
Enquanto Charaudeau (2006) atribui à lógica simbólica (ao lado da econômica) a
função de conferir aos organismos de informação um papel participativo na construção da
opinião pública, Orlandi (2009) sustenta o discurso, por estar situado entre os campos político
e simbólico, como um objeto sócio-histórico no qual a linguagem se materializa na ideologia:
―o discurso é o lugar em que se pode observar a relação entre língua e ideologia,
compreendendo-se como a língua produz sentidos por/para os sujeitos‖ (ORLANDI, 2009, p.
16).
Assim, os fenômenos e acontecimentos só adquirem existência significante através de
um sujeito linguajeiro capaz de processá-los através de mecanismos de percepção, captura,
sistematização e estruturação. Pode-se dizer que, no contexto das mídias, o jornalista assume
esse papel, tornando-se responsável por integrar a experiência humana a sistemas narrativos,
de modo a significá-la (CHARAUDEAU, 2006).
48
Para Orlandi (2009), isso se dá através de uma mediação discursiva entre o homem e a
realidade natural e social. Portanto, a informação16
não existe em si, ela é pura enunciação
circunscrita em determinados campos de conhecimento e situações. Nesse sentido, Berlo
(1999) complementa: ―qualquer fonte de comunicação se comunica a fim de fazer com que o
seu receptor faça alguma coisa, fique sabendo alguma coisa, aceite alguma coisa‖ (p. 64).
Partindo desses pressupostos, Charaudeau (2006) lança as bases do chamado contrato
de comunicação, sistema que define as condições (e restrições) específicas de produção,
valoração e troca linguajeira dentro de uma sociedade, e com as quais todo discurso17
mantém
uma relação de dependência. Dessa forma, segundo o autor, o contrato de comunicação está
submetido a dados externos e internos.
Os dados externos englobam condições de enunciação referentes à identidade dos
atores envolvidos, à finalidade e propósito do ato de linguagem e ao dispositivo utilizado
nesse processo. Por outro lado, os dados internos dizem respeito aos espaços nos quais
ocorrem os comportamentos linguajeiros (maneiras de falar, papéis a assumir, etc.). Dividem-
se em espaço de locução (em que o locutor se impõe como sujeito falante), espaço de relação
(onde se define o tipo de relação entre locutor e interlocutor) e espaço de tematização (onde se
define o tema da troca).
Naturalmente, essas condições de enunciação e espaço também se aplicam à
comunicação midiática, que pode ser compreendida a partir de duas instâncias básicas:
produção e recepção. Quanto à instância de recepção, o público que a compõe manifesta
reações intelectivas e afetivas diferenciadas de acordo com a mídia e o suporte da informação.
16
―Podemos conceituar informação como um dado qualquer, passível de existência em qualquer nível... A
informação jornalística é o dado, o fato, a declaração, o fenômeno apreendido em sua singularidade‖
(MACHADO; JACKS, 2001, p. 1). 17
Conforme descrevem Machado e Jacks (2001, p. 6), ―o discurso materializa pensamentos e sentimentos. O
discurso é [...] efeito de sentido, e não apenas produtor de sentido‖.
49
Neste ponto, os problemas gerados dizem respeito à necessidade de se conhecer a motivação
do público e às formas de medir o impacto da informação sobre ele.
No âmbito da instância de produção midiática, são vários os atores envolvidos no
processo de enunciação discursiva, desde os que cuidam da saúde financeira do órgão de
comunicação, até os diretamente ligados à redação das notícias. Ainda assim, ―todos
contribuem para fabricar uma enunciação aparentemente unitária e homogênea do discurso
midiático‖ (CHARAUDEAU, 2006, p. 73), o que por fim vai espelhar a ideologia do veículo.
Por esse motivo, de acordo com o autor, muitas vezes se torna difícil saber quem é o
responsável pela informação.
Nesse contexto, o jornalista assume duas funções principais: ora de pesquisador-
fornecedor, ora de descritor-comentador da informação. Eventualmente, no exercício dessas
atividades, o profissional se depara com algumas dificuldades, relativas tanto à seleção das
fontes e à busca pela credibilidade, quanto aos métodos discursivos escolhidos, que não
podem pretender nem à cientificidade, à historicidade ou à didaticidade. Portanto, inserido
nesse ambiente de produção, o jornalista atua ora como mediador, ora como revelador e
intérprete dos acontecimentos diários.
4.2.2 Comunicação midiática
Para Charaudeau (2006), o contrato de comunicação midiática é constantemente
influenciado pela tensão entre dois universos, ou visadas: a visada de informação, preocupada
em ―fazer saber‖ e ligada a uma lógica cívica de informar o cidadão, e a visada de captação,
destinada a ―fazer sentir‖ com a finalidade de ampliar o consumo, obedecendo, portanto, a
uma lógica comercial.
Partindo dessa compreensão inicial, pode-se dizer que o contrato de comunicação
midiática se aproxima do discurso no qual se funda a Publicidade. No entanto, no primeiro
50
tipo de contrato o que predomina é a visada de informação e seu modelo de credibilidade,
enquanto no segundo a predominância é da visada de captação e seu modelo de desejo.
Por isso, embora muitas vezes se ponha em xeque tal distinção, o que prevalece é uma
espécie de princípio legitimador. Ou seja, mesmo com o discurso de informação sendo
sustentado por uma forte tensão do lado da captação, não seria aceitável que esta fosse
exercida em detrimento do fazer saber, embora essa fórmula seja vpalida para o discurso
publicitário (CHARAUDEAU, 2006).
Assim, ao exercer a visada de informação (Quadro 1), as mídias precisam submeter os
fatos que descrevem a procedimentos de autenticação (ou seja, apuração), de modo a
preservar a credibilidade junto ao seu público.
Visada de Informação (Fazer Saber)
Atividades linguajeiras Descrição-narração, para reportar os fatos.
Explicação, para esclarecer as causas e
conseqüências.
Principais funções Dizer o exato, para que haja coincidência
(verificável) entre o que é dito e os fatos do mundo
exterior à linguagem.
Dizer o que aconteceu, quando não há coincidência
temporal entre o dito e o fato. Utiliza a
reconstituição (imagem, testemunho, artes gráficas,
etc.).
Revelar intenções ocultas por meio de confissões ou
denúncias. Entrevistas, bate-papos e debates estão
entre os procedimentos utilizados.
Fornecer a prova, ou seja, fornecer os motivos dos
fatos e suas possíveis conseqüências por meio de
demonstrações (análise, investigações, etc.).
Quadro 4 – Visada de Informação
FONTE: Adaptado de CHARAUDEAU, 2006.
A visada de captação, por sua vez, pressupõe um interlocutor não natural, não passivo
e não conquistado a priori pelo interesse que a mensagem pudesse ter despertado, sendo
necessário persuadi-lo, seduzi-lo. Para Charaudeau (2006), o ―fazer sentir‖ surge da
51
necessidade da instância midiática em atrair consumidores de informação, o que justifica o
uso de estratégias dramatizantes que possam mobilizar a afetividade do público, despertando
nele interesse e paixão pela mensagem transmitida.
Por outro lado, ao recorrer à emoção, as mídias acabam estimulando a construção de
―imaginários sociodiscursivos‖, que não deixam de estar marcados pela contradição. Assim,
credibilidade e captação figuram como dois pólos de tensão: quanto mais as mídias tendem
para o primeiro, que exige racionalização, menos tocam o grande público; quanto mais
tendem para o segundo, marcado pela imaginação dramatizante, menos credíveis se tornam.
Esse ―jogo‖ não passa despercebido pelas mídias, que transitam por esses dois pólos
conforme sua ideologia e a natureza dos acontecimentos (CHARAUDEAU, 2006).
Essa questão põe um ponto final na falácia, discutida pelas próprias mídias, sobre a
pretensa busca pela objetividade da informação. Portanto, esse assunto não diz respeito ao
campo da ética, mas à sobrevivência do próprio contrato de comunicação, que precisa estar
igualmente atento às visadas de informação e captação. Afinal, ―uma mídia que só satisfizesse
ao rigor sóbrio e ascético do fazer saber estaria condenada a desaparecer‖ (CHARAUDEAU,
2006, p. 93).
Machado e Jacks (2001, p. 1-2), por outro lado, afirmam que a AD ajuda a elucidar o
dilema instaurado entre objetividade e subjetividade, pois ―a mídia não está fora do mundo
que pretende retratar. É imperfeita, complexa e inacabada como ele, e em seu interior se
movem sujeitos plenos de idéias e interesses a defender‖18
. Exatamente por isso, a Análise de
Discurso foge à metodologia de pesquisa positivista, que prega o distanciamento do
pesquisador em relação aos fenômenos estudados (PIRIS, 2010). Antes de tudo, o desafio do
analista é o da interpretação (ORLANDI, 2009).
18
Esse entendimento ancora, necessariamente, as formações discursivas às formações ideológicas, que, por sua
vez, manifestam-se através de perspectivas de enunciação, ou pontos de vista a partir dos quais se fala
(MACHADO; JACKS, 2001).
52
Por fim, chega-se ao denominador comum: o contrato de comunicação midiática, com
todas as suas especificidades de produção e recepção, ajuda a construir um espaço público no
qual a opinião pública se manifesta, revelando os pontos de vista (favoráveis/desfavoráveis)
dos sujeitos em relação a um saber.
4.2.3 Organização do discurso midiático
A partir da tese, defendida por Charaudeau (2006), de que o universo da informação
midiática é construído com base nas racionalizações efetuadas pela instância de produção,
pode-se delimitar os seguintes modos discursivos que as mídias põem em prática, de acordo
com seus propósitos (Quadro 2): acontecimento relatado (AR), acontecimento comentado
(AC) e acontecimento provocado (AP).
Modos Discursivos
Acontecimento
Relatado (AR)
Fato Relatado (FR): tem
relação com ações dos
indivíduos, forças da
natureza, etc.
Descrição: envolve narrativa,
narrador e ponto de vista. Responde
ao ―o quê‖, ―quem‖, ―onde?‖ e
―quando?‖.
Explicação: revela motivos, intenções,
circunstâncias e conseqüências.
Responde ao ―por quê?‖.
Descrição das reações: pode tomar a
forma de uma declaração ou de um
ato.
Dito Relatado (DR): tem
relação com
pronunciamentos,
testemunhos, etc.
Seleção: pode ser total (dito in
extenso) ou parcial (dito em trechos).
Identificação: revela os sujeitos
envolvidos na enunciação (locutor de
origem, locutor-relator, etc.). Pode ser
total, parcial ou não existir.
Maneira de relatar: citando,
integrando, narrativizando ou
evocando.
Acontecimento
Comentado (AC)
Complementar ao relato,
o comentário tem caráter
argumentativo e
explicativo. Analisa o
Problematizar: envolve a emissão de
um propósito (tema), de um
questionamento (proposição) e de
argumentos (persuasão).
53
porquê e o como dos
fatos, desenvolve teses e
impõe conclusões. Exige
atividade intelectiva do
leitor e uma tomada de
posição contra ou a favor.
Para argumentar, o sujeito
deve:
Elucidar: trata das razões do fato e o
que ele significa.
Avaliar: expressa um ponto de vista
pessoal, que pode ser uma opinião
(tomada de posição em um debate de
ideias) ou apreciação subjetiva
(projeção da afetividade).
Acontecimento
Provocado (AP)
Refere-se a um espaço de
debate social (não
espontâneo) que
proporciona o surgimento
e o confronto de falas
diversas (instituições
políticas, organizações
cidadãs, etc.). As falas
devem ser:
Exteriores à mídia, por questão de
credibilidade.
Motivadas por um tema da
atualidade.
Justificadas pela identidade dos que
falam (especialista, testemunha, etc.).
Apresentadas por um representante
das mídias (entrevistador, animador,
etc.).
Apresentadas em espaço apropriado
(nas seções de opinião da imprensa
escrita e nas entrevistas, bate-papos ou
debates do rádio e da televisão).
Quadro 5 – Modos discursivos
FONTE: Adaptado de CHARAUDEAU, 2006.
Apesar da potencialidade da instância midiática em assumir diferentes modos de
discurso, ela não produz um discurso de poder, uma vez que sua palavra não tem valor de
decisão, de sanção (no sentido jurídico) ou de consagração (no sentido religioso). Assim, ―o
poder de que se pode falar é o de uma influência através do fazer saber, do fazer pensar e do
fazer sentir. Visar a uma tal autoridade seria um desvio do contrato de informação‖
(CHARAUDEAU, 2006, p. 124).
54
5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
As ideias expostas até aqui contribuíram para a formatação de uma metodologia usada
na condução do estudo de caso do Digestivo Cultural. Boa parte da análise foi realizada entre
os meses de outubro de 2011 e maio de 2012, levando em conta, principalmente, a página
inicial (home) do site e a sessão Colunas - novas informações foram acrescidas em março de
2013 por conta de pequenas atualizações incorporadas ao site. Como suporte tecnológico,
utilizou-se o aplicativo FireShot 0.93, que possibilita diversas modalidades de captura de
páginas da Web (screenshots).
5.1 Avaliação da AI, usabilidade e interfaces comunicacionais
Tomando como base as classificações apresentadas por Morville e Rosenfeld (2006)
para a caracterização dos componentes da Arquitetura de Informação dentro de um website
(sistemas de organização, navegação, rotulação e busca), analisou-se o Digestivo Cultural de
modo a identificar as formas como os dados se encontram estruturados dentro da página.
Sob o ponto de vista da usabilidade, as interfaces, de modo geral, possuem uma
―configuração de base‖ fundamentada em critérios, princípios ou heurísticas que possibilitam
a boa relação usuário-sistema. A partir desses princípios, é possível traçar metodologias de
avaliação e inspeção de aspectos da ergonomia das interfaces capazes gerar problemas de
usabilidade ao usuário durante sua interação com o sistema (CYBIS et al., 2010).
Portanto, a técnica de avaliação da usabilidade utilizada neste trabalho é a heurística,
proposta por Nielsen (2011), um dos maiores especialistas em usabilidade dos Estados
Unidos. Nielsen propôs dez qualidades básicas, ou heurísticas de usabilidade, que devem
constar em qualquer interface:
55
1. Visibilidade do estado do sistema – o sistema deve manter os usuários informados
sobre o que está acontecendo, por meio de um feedback apropriado e em tempo
razoável;
2. Mapeamento entre o sistema e o mundo real – a linguagem da interface deve ser
familiar aos usuários, com palavras, frases e conceitos de acordo com as
convenções do mundo real, e não do sistema;
3. Liberdade de controle ao usuário – o usuário precisa ter à disposição uma ―saída
de emergência‖ para abandonar situações inesperadas. O usuário precisa sentir
que pode controlar o sistema, por isso as saídas precisam estar claramente
marcadas;
4. Consistência e padrões – o usuário não precisa adivinhar que palavras, situações
ou ações diferentes significam a mesma coisa. De acordo com essa heurística,
uma mesma operação deve ser apresentada na mesma localização em todas as
telas;
5. Prevenção de erros – melhor que uma boa mensagem de erro é uma interface que
impeça que problemas aconteçam e elimine condições propensas a erro;
6. Reconhecer em vez de relembrar – visa explorar as habilidades cognitivas do
usuário, tornando ações, objetos e opções visíveis. Instruções para utilização do
sistema também devem estar visíveis ou facilmente recuperáveis sempre que
necessário.
7. Flexibilidade e eficiência de uso – permite que o usuário execute operações
frequentemente utilizadas por meio de atalhos ou recursos acelerados, que podem
ser abreviações, teclas de função ou botões especiais como ―Desfazer‖ e ―Voltar‖;
8. Design estético e minimalista – as interfaces devem ser o mais simples possível.
Os diálogos devem ser naturais e sem informações desnecessárias;
56
9. Suporte para o usuário reconhecer, diagnosticar e recuperar erros – as
mensagens de erro devem ser claras e sem códigos, indicando com precisão o
problema e indicando uma solução;
10. Ajuda e documentação – as informações devem ser fáceis de procurar, com foco
na tarefa do usuário.
Dessa forma, entende-se que uma avaliação heurística é, antes de tudo, um julgamento
de valor em relação às qualidades ergonômicas das interfaces. Além disso, as heurísticas de
Nielsen se constituem em uma estratégia de avaliação a partir das ―qualidades esperadas das
interfaces‖ (POLLIER, 2003 apud CYBIS et al., 2010).
Em se tratando de interfaces comunicacionais, o Digestivo Cultural passou por um
diagnóstico que levou em conta três aspectos, de acordo com o as teorizações de Santaella
(2004) e Recuero (2009): a interatividade, o uso de multimídias e a relação do site com as
redes sociais digitais Facebook e Twitter, as mais populares atualmente19
.
5.2 Análise de Conteúdo
O método e os procedimentos utilizados na análise de conteúdo tiveram como base a
organização proposta por Bardin (2010), dividida em:
Pré-análise: envolve a escolha do universo de documentos a serem analisados, a
formulação das hipóteses e objetivos, etc.
Exploração do material: abrange a codificação, decomposição e enumeração dos
documentos selecionados;
19 Os números falam por si sós: criado em 2004, o Facebook atingiu, oito anos depois, a marca de 1 bilhão de
usuários ativos; da mesma forma, em 2010, o serviço de microblogging Twitter alcançou o patamar dos 175
milhões de usuários registrados.
57
Tratamento dos dados obtidos: envolve a aplicação de operações estatísticas aos
resultados brutos obtidos.
5.2.1 Pré-análise
A priori, o universo de documentos submetidos à análise estava delimitado às
seguintes seções do Digestivo Cultural: ―Digestivos‖ (Artes, Cinema, Música e Imprensa),
―Colunas‖, ―Ensaios‖ e ―Especiais‖. No entanto, durante o procedimento de leitura flutuante
do site, percebeu-se que a seção ―Colunas‖ é a única que recebe atualização diária e regular
(apesar de ter havido dias em que não se registrou atualização). As seções ―Ensaios‖ e
―Especiais‖ têm atualização mensal, e a seção ―Digestivos‖ tem atualização semanal às
quartas-feiras, embora muitas vezes seus conteúdos sejam disponibilizados com atraso.
Além disso, quinze colaboradores se revezam na elaboração de textos para a seção
―Colunas‖, enquanto nas demais, quando não há apenas um responsável pela seção (como é o
caso dos digestivos), o número de autores fica entre cinco e dez. Portanto, levando em conta
os critérios de periodicidade e pluralidade de autores, as colunas se sobressaem em relação às
outras seções, podendo ser consideradas a principal atração do site.
Em razão disso, resolveu-se desconsiderar as demais seções selecionadas a priori, de
modo que a análise pudesse se concentrar nas colunas. A partir daí, com base no princípio da
conveniência, definiu-se como corpus de análise os textos publicados na seção ―Colunas‖
entre os dias 1º e 20 de março de 2012, um total de 12 documentos (vide Anexo).
A leitura flutuante permitiu, ainda, a formulação dos objetivos da análise. Dessa
forma, o objetivo geral era apreender as principais características da seção ―Colunas‖ a partir
da sistematização analítica do seu conteúdo, bem como perceber as nuances contidas no
58
tratamento dado a essas características com base na interpretação dos dados estatísticos.
Optou-se por não trabalhar com hipóteses.
5.2.2 Exploração do material
Durante a codificação, e a partir da formulação dos objetivos, foram definidos como
unidades de registro o tema e o item. De acordo com Bardin (2010, p. 131), a análise temática
―consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem a comunicação e cuja presença,
ou frequência de aparição podem significar alguma coisa‖. Por sua vez, o item é a unidade
utilizada quando um texto é caracterizado a partir de alguns de seus atributos definidores
(FRANCO, 2008).
Unidades de registro
Assunto Remete ao tema de cada publicação. A leitura flutuante
permitiu definir os seguintes assuntos: literatura, música,
cinema, artes, teatro, comportamento, cotidiano e
personalidades.
Gênero jornalístico Revela o gênero a que cada texto pertence, podendo ser:
informativo, opinativo, interpretativo, diversional ou
utilitário (ASSIS, 2010; MARQUES DE MELO; ASSIS,
2010). No entanto, durante a leitura flutuante, percebeu-se
que o gênero interpretativo e o utilitário não são
trabalhados no site, restando apenas o informativo, o
opinativo e o diversional como unidades de análise.
Quantidade de caracteres Revela se o texto é curto (até 4 mil caracteres com espaço),
longo (de 4 mil a 6 mil caracteres com espaço) ou muito
longo (mais de 6 mil caracteres com espaço). Essa
característica diz muito sobre a relação
(conforto/desconforto) que o leitor mantém com a
publicação (MENDONÇA; LUÍNDIA, 2009).
Quantidade de hiperlinks Unidade que ajuda a compreender se os textos se encaixam
no modelo hipertextual de leitura dinâmica (MENDONÇA;
LUÍNDIA, 2009), podendo ser interpretada em conjunto
com a quantidade de caracteres.
Quantidade de imagens Revela o uso que o site faz dos recursos imagéticos em suas
publicações. Parte-se do princípio de que a imagem atua
como co-gestora do conhecimento (BUITONI, 2007).
Referência ao jornalismo
cultural
Parte do princípio de que certas referências ao jornalismo
cultural podem contribuir para a reflexão a respeito dessa
59
especialidade jornalística.
Abordagem de cultura Refere-se às abordagens de cultura enquanto produto e
processo conforme são entendidas por Cavalcanti e Lucas
(2011), Melo (2007) e Teixeira (2008). No caso de produto
cultural, foram estabelecidos três níveis de abordagem
qualitativa: positiva, negativa e neutra.
Localidade Diz respeito à origem do eixo temático do texto, podendo
ser nacional, estrangeira ou indefinida.
Temporalidade Situa o eixo temático do texto no tempo, podendo fazer
referência ao passado (mais de 1 semana depois do fato
relatado), ao presente (até 1 semana depois ou 3 dias antes
do fato), ao futuro (mais de três dias antes) ou ser
atemporal.
Abordagem jornalística Pode ser: objetiva, ou seja, reflexo de um texto conciso,
sem dupla interpretação, essencialmente informativo e sem
uso de figuras de linguagem; ou subjetiva, marcada pelo
uso de figuras de linguagem e recursos de ambigüidade
(ABAURRE apud FÁBIO, 2011).
Compartilhamentos no
Retrata a repercussão do texto na rede social Facebook,
através do recurso ―Curtir‖.
Compartilhamentos no
Retrata a repercussão do texto na rede social Twitter,
através do recurso ―Retweet‖.
Comentários Revela a repercussão do texto junto aos leitores, através da
quantidade de comentários recebidos.
Quadro 4 – Unidades de registro
FONTE: Dados da pesquisa
Por se tratar de um diagnóstico categorial, o processo de classificação dos textos se
deu a partir do agrupamento dos seus elementos com base nas características comuns, dando
origem às categorias a seguir.
Codificação
Categorias Unidades de registro
Características textuais Assunto
Gênero jornalístico
Quantidade de caracteres
Quantidade de hiperlinks
Características imagéticas Quantidade de imagens
Ênfases Referência ao jornalismo cultural
Abordagem de cultura
Localidade
Temporalidade
Abordagem jornalística
60
Interfaces Compartilhamentos no Facebook
Compartilhamentos no Twitter
Comentários
Quadro 4 – Codificação
FONTE: Dados da pesquisa
Por fim, para a análise individual dos documentos, foi utilizado um modelo de ficha de
codificação baseado em regras de enumeração que permitiram medir a presença/ausência e a
frequência das unidades de registro.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº Data de publicação:
Título:
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
61
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 5 – Modelo de ficha de codificação
FONTE: Dados da pesquisa
5.2.3 Tratamento dos resultados obtidos
Os dados registrados nas fichas de codificação foram tabulados com o auxílio do
aplicativo Microsoft Office Excel 2007.
5.3 Análise de Discurso
Com base nas teorizações de Charaudeau (2006) em relação às formas como o
discurso midiático se organiza, foram definidas como categorias para a análise de discurso as
visadas de informação e captação, levando em conta a sua inserção no âmbito do
Acontecimento Relatado (AR) e do Acontecimento Comentado (AC), uma vez que o
Acontecimento Provocado (AP) não se faz presente no Digestivo Cultural (fato atestado
durante a leitura flutuante).
Esse percurso metodológico surgiu a partir da compreensão obtida com a análise de
conteúdo, contribuindo para que a definição do corpus se mantivesse a mesma de uma análise
para a outra. Nesse sentido, trabalhou-se com a perspectiva de distanciamento e
complementaridade entre as duas opções metodológicas (ROCHA; DEUSDARÁ, 2005).
Portanto, o propósito da análise de discurso foi o de identificar as particularidades
discursivas das publicações, revelando os artifícios linguajeiros utilizados para ―fazer saber‖ e
―fazer sentir‖ e, ao mesmo tempo, evidenciando os ditos e os não-ditos (implícito,
subentendido) presentes nos textos, afinal, ―ao longo do dizer, há toda uma margem de não-
ditos que também significam‖ (ORLANDI, 2009, p. 82). O instrumento utilizado foi o
modelo de ficha de análise reproduzido abaixo:
62
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº Data de publicação:
Título:
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
Observações:
Quadro 6 - Ficha de análise de discurso
FONTE: Dados da pesquisa
63
6 ESTUDO DE CASO
6.1 Um pouco da história do site
O Digestivo Cultural é um site brasileiro, com características de revista eletrônica, que
há 10 anos se dedica à produção em jornalismo cultural. A página surgiu a partir de um hobby
do engenheiro da Computação Julio Daio Borges, que produzia e distribuía uma newsletter
com pequenas notas de crítica cultural (os digestivos) relacionadas a cinema, música,
literatura, entre outros. O digestivo nº 1 circulou em 19 de setembro de 2000 (em 2005 essa
seção já somava mil notas no site). Segundo Borges, editor-chefe e programador do veículo, o
amadurecimento veio com o tempo:
No começo, [os digestivos] eram quase frases soltas. Nos primeiros
Digestivos, eu vivia de produzir aforismos sobre o que acontecia, sobre o que me cercava, sobre o que eu via... Depois se tornou algo mais
profissional, mais rigoroso (BORGES, 2005).
O site inaugurou suas primeiras colunas fixas em 2001 e, no mesmo ano, vieram as
primeiras parcerias com empresas como Submarino (comércio eletrônico) e Kuarup
(gravadora independente). Com o passar do tempo, jornalistas e escritores foram se agregando
à equipe do Digestivo, que assumiu características típicas da produção jornalística
colaborativa, ao passo em que foi diversificando o seu alcance temático. Ivan Lessa, Millôr
Fernandes, Moacyr Scliar e Ruy Castro estão entre os escritores que já tiveram textos
publicados no Digestivo.
Em 2004, a página fez sua primeira incursão no campo da mídia impressa ao participar
da produção de um encarte especial na revista GV-executivo, publicação da Fundação Getúlio
Vargas de São Paulo. Na época, Borges afirmou que a experiência do Digestivo na mídia
impressa não representou um contra-senso:
64
[...] talvez permita voos mais altos em termos de jornalismo. A internet, naturalmente, tem outras limitações que o papel não tem. Em resumo, ao
contrário do que muitos acreditavam, a internet não matou o papel – apenas
o modificou (BORGES, 2004).
Nesse mesmo ano, o editor-chefe foi indicado ao Prêmio Comunique-se, na categoria
jornalista cultural de mídia eletrônica, onde concorreu com nomes como Zeca Camargo e
Rubens Ewald Filho.
Em 2007, o Digestivo realizou a curadoria do evento ―A Palavra na Tela‖, onde se
discutiu os efeitos da Internet na produção jornalística e a inserção da literatura e da crítica
nesse contexto. O evento, que teve mais duas edições em 2008 e 2009, contou com a presença
de jornalistas, escritores e blogueiros de renome, como Ana Maria Brambilla, Pedro Dória e
José Marcelo Zacchi.
Em 2009, o site atingiu a média de 1 milhão de páginas navegadas ao mês. Conforme
conquistava audiência na própria na rede, o Digestivo foi recebendo o reconhecimento de
jornalistas, empresas privadas e acadêmicos. Atualmente, ele conta com um editor-assistente,
15 colunistas e 20 parceiros/anunciantes.
Foi citado no ―Mapeamento do Ensino de Jornalismo Cultural no Brasil em 2008‖,
uma iniciativa do Instituto Itaú Cultural, como o site mais utilizado pelo universo de
professores pesquisados ao longo das suas aulas. Também recebeu menção no livro
Jornalismo Cultural, de Daniel Piza, e As Penas do Ofício, de Sérgio Augusto. Como objeto
de pesquisa, foi estudado em trabalhos de conclusão de curso da ECA-USP e Uni-BH.
Dessa forma, o Digestivo Cultural se consolida como um veículo alternativo ao
conquistar um espaço importante na Internet a partir do tipo de conteúdo que publica, focado
na produção de um jornalismo cultural cada vez mais escasso na imprensa tradicional.
65
6.2 Como funciona
Como o próprio editor-chefe ressalta na primeira resposta do FAQ Digestivo
(BORGES, 2010a), o site não é um portal, nem um blog, tampouco trata da cultura no seu
sentido amplo. Dessa forma, a proposta do Digestivo é fazer jornalismo cultural com foco na
crítica de livros, CDs, filmes, inclusive de restaurantes e da própria imprensa.
Textos relacionados a outras editorias, como política, educação e esportes não fazem
parte da linha editorial do Digestivo, exceto no caso de algum Especial sobre esses temas.
Tampouco são publicadas poesias, textos de ficção ou iniciativas do terceiro setor. Além
disso, o site afirma não ter vínculo com grupos ideológicos, ―portanto, não publica
campanhas, não adere a causas e ignora solenemente textos com mensagens subliminares ou
interesses escusos‖ (BORGES, 2009a).
Como funciona em regime de colaboração, o Digestivo recebe os textos de potenciais
colaboradores através do e-mail [email protected]. São aceitas colaborações
apenas para as seções Colunas (até 10 mil toques com espaço) e Blog (até 5 mil toques), pois
as demais, como Ensaios, Digestivos e Entrevistas, são reservadas a ensaístas, escritores e
jornalistas de renome, ou ao próprio editor.
Segundo o FAQ Colaboração (BORGES, 2009a), o que vale é o conteúdo do texto,
não importando se o colaborador é escritor, jornalista ou blogueiro. Antes de serem aprovados
pelo editor-chefe, os textos são avaliados pelo editor-assistente, responsável por controlar o
fluxo de informações no site, de modo que ele seja atualizado diariamente. Depois da
aprovação, a publicação demora no máximo quinze dias para entrar no ar.
Com o tempo, o colaborador recebe um login e senha para publicar seus textos
diretamente na página. Borges entende ser essa uma relação de confiança estabelecida ao
longo do tempo de colaboração (BORGES, 2009a). Munido de acesso à plataforma do site, o
colaborador pode alterar seus textos em tempo real, tanto da seção Colunas quanto na seção
66
Blog. Quando um colunista fixo não consegue mais produzir ao menos uma colaboração
mensal, a sua vaga fica disponível e é preenchida por um dos colaboradores que tenham se
destacado nos últimos seis meses por conta do volume de produção para o Digestivo.
Apesar disso, os colunistas e demais colaboradores do Digestivo não são remunerados,
pois o site entende a colaboração como uma plataforma de lançamento de novos autores,
jornalistas e estudantes, permitindo a eles alcançarem notoriedade e, consequentemente,
maiores chances de ascensão na carreira. Em contrapartida, os colaboradores e colunistas
destacados para os Especiais são premiados com livros e todos recebem as pautas enviadas
para a Redação, tendo acesso gratuito a produtos, cursos e eventos promovidos pelos
parceiros do Digestivo.
6.2.1 Anúncios e divulgação
A divulgação de pautas no Digestivo é feita de forma bastante organizada. Os releases
enviados para o e-mail da Redação são examinados individualmente e encaminhados para
grupos de interesse mantidos pelos site, formados pelos próprios colaboradores (Literatura,
Cinema, Música, Teatro, Artes, Internet, Televisão e Gastronomia). Caso a pauta interesse a
alguém, o colaborador entra em contato diretamente com a assessoria de imprensa ou a pessoa
que disparou o e-mail.
Dessa forma, o Digestivo não impõe pautas aos seus colaboradores, deixando-os livres
para escolherem seus assuntos e escreverem sobre eles de forma espontânea e flexível, apesar
de o editor e o editor-assistente possuírem poderes para vetar algum texto que não se encaixe
na proposta editorial do site. Ao não publicar ―notinhas‖ ou releases na íntegra, o Digestivo
assume uma posição crítica em relação à imprensa em geral: ―O Digestivo Cultural não possui
uma agenda, que precise ficar alimentando com eventos. Tampouco necessita preencher
espaço (como muitas publicações em papel)‖ (BORGES, 2009b).
67
Da mesma forma, o editor-chefe garante que o site não prioriza divulgações que
ofereçam jabá20
aos colaboradores: ―não é vantagem oferecer, como forma de ‗recompensa‘, o
produto ou o acesso ao evento — é, simplesmente, obrigação da assessoria de imprensa ou do
divulgador‖ (BORGES, 2009b). Ou seja, o site não faz divulgação apenas a partir dos
releases ou pautas recebidas, pois o colaborador precisa ter acesso ao produto ou ao evento
para poder fazer a sua avaliação crítica.
Caso o divulgador tenha um interesse promocional para além da divulgação, o
Digestivo sugere a encomenda de um anúncio, ferramenta utilizada pelo veículo tanto para
gerar receita quanto para fortalecer a sua marca. Assim, o Digestivo comercializa seus
espaços através de banners, vitrines e e-mail marketing, não aceitando troca de links com
outros sites como fazia na época em que ainda não tinha uma audiência consolidada e não era
conhecido no mercado (BORGES, 2009c).
O Digestivo veicula banners desde 2002 nos formatos full-banner (468x60 pixels), o
mais utilizado, e ―arranha-céu‖ (120x600 pixels). Desde então, o site já veiculou mais de 900
peças de anunciantes como Avon, Banco do Brasil, Senac, Som Livre e editoras como Globo,
Jorge Zahar e Record. A metodologia utilizada pelo site é a CPM (custo por mil), e para mais
de 100 mil exibições são oferecidos descontos de 50%. A exibição dos anúncios é feita de
forma alternada, de modo que os anunciantes apareçam em todas as páginas e seções do site.
Os anunciantes também podem fazer o acompanhamento on line dos números de exibições e
cliques de suas peças.
Desde 2002, o Digestivo também oferece uma vitrine de e-commerce que comporta
quinze itens com dimensão de até 100 pixels cada. Os itens são, em sua maioria, imagens de
logomarca com um link para levar o leitor diretamente ao site do respectivo anunciante.
Utilizando a mesma metodologia dos banners e possibilitando o mesmo acompanhamento por
20 Jargão jornalístico que diz respeito a benefícios materiais oferecidos ao jornalista em troca de exposição na
mídia, publicidade ou elogios. Ocorre com frequentemente com críticos no âmbito do Jornalismo Cultural.
68
parte dos anunciantes, a vitrine aparece sempre à direita das páginas com o nome de
―Parceiros‖.
Apesar de ter suas receitas geradas através da publicidade, o editor-chefe do Digestivo
salienta que a página não aperfeiçoa ou modifica suas ferramentas apenas com base nas
demandas dos anunciantes: ―o site aceita sugestões de melhoria, obviamente, mas não pode se
desviar de seu trabalho editorial — seu principal produto — para atender a outras demandas
de programação web‖ (BORGES, 2009c).
Outras estratégias comerciais das quais o Digestivo lança mão são as promoções,
iniciativas de anunciantes específicos coordenadas pela equipe do site, e o e-mail marketing,
disparos feitos para os leitores cadastrados na base de dados do Digestivo.
6.3 Análise da arquitetura de informação
Com base nos conceitos de Arquitetura de Informação (AI) propostos por Morville e
Rosenfeld (2006), analisou-se a página inicial (homepage) do Digestivo Cultural (Figura 2) e
algumas das suas seções no período de 20 de outubro a 3 de novembro de 2011. Nesta etapa,
o aplicativo FireShot 0.93 foi o principal suporte tecnológico utilizado.
69
Figura 2 – Página inicial (homepage) do Digestivo
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
70
6.3.1 Sistemas de organização
Quanto aos esquemas exatos de organização das suas informações, o site apresenta,
predominantemente, esquemas cronológicos, sendo possível identificar também esquemas
sequenciais e alfabéticos, conforme as Figuras 3 e 4:
Figura 2 - Esquemas exatos
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
Cronológico
Sequencial
Alfabético
71
Na página principal do site, os esquemas cronológicos são usados para dar visibilidade
às publicações mais atuais, bem como para organizar os temas (no caso dos Digestivos) e
autores (no caso das Colunas) por dias da semana. Os esquemas sequenciais são utilizados
para identificar os conteúdos mais acessados de três seções do site. Já os esquemas alfabéticos
aparecem, unicamente, como forma de organização dos autores nas seções Colunas e Ensaios,
conforme a Figura 5:
Cronológico
Sequencial
Alfabético
Figura 3 - Esquemas exatos FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
72
O Digestivo Cultural também adota um esquema de organização classificado como
ambíguo, pois agrupa as informações por tipos ou assuntos na barra lateral esquerda da página
principal, conforme a Figura 6:
Figura 4 - Esquema exato alfabético
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
73
Figura 5 - Esquema ambíguo por assunto
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
Além disso, o site apresenta uma estrutura de organização não muito complexa,
baseada em taxonomias, ou hierarquias, conforme o mapa a seguir:
74
6.3.2 Sistemas de navegação
A navegação embutida do site segue o modelo de Morville e Rosenfeld (2006), com os
seus elementos sendo usados de forma integrada, conforme a Figura 7:
DIGESTIVOS o Artes
o Internet
o Teatro
o Televisão
o Cinema
o Música
o Além do mais
o Gastronomia
o Imprensa
o Literatura
COLUNAS
o Segunda-feira o Terça-feira
o Quarta-feira
o Quinta-feira
o Sexta-feira
BLOG
ENSAIOS
ENTREVISTAS
ESPECIAIS
ENCAMINHAMENTOS
EDITORIAIS
o FAQs
Site
Divulgação
Colaboração
o Quem somos
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Quem lê
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Onde eu
posso ir?
Global
Onde eu
estou?
75
A partir dessa visão geral, pode-se entender o cabeçalho do site como o seu sistema de
navegação global, por ser um elemento repetido em todas as páginas, tanto no topo como no
fim de cada uma (Figura 8). Além disso, o cabeçalho representa um elemento importante de
contextualização para usuário, possibilitando a ele saber, rapidamente, onde se encontra. Essa
característica se acentua com a presença da logo do site, também usada como link para a
página principal.
No entanto, o sistema de navegação global adotado pelo site não oferece opções
comuns a outras páginas da Internet, como barras de navegação ou menus de acesso aos seus
principais conteúdos. Isso se explica pelo fato de o Digestivo adotar uma barra lateral com
características de navegação local e global. Assim, ao mesmo tempo em que permite acesso a
conteúdos locais e específicos, a barra de navegação localizada na lateral esquerda também
promove o acesso às categorias globais de conteúdo, conforme demonstrado na Figura 9.
Apesar disso, o Digestivo não chega a apresentar páginas tão diferentes entre si que possam
ser caracterizadas como subsites.
Figura 6 - Navegação embutida
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
Figura 7 - Cabeçalho
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
76
A navegação contextual também se faz presente em vários pontos do Digestivo
Cultural. Tomando como referência a página principal, os usuários podem explorar o site a
partir das relações associativas estabelecidas entre textos e hiperlinks, conforme o exemplo
abaixo, retirado da seção Digestivos:
Figura 9 - Navegação contextual
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
Desse modo, caso o leitor se interesse pelo conteúdo a partir da pequena descrição
apresentada, ele pode acessar o texto completo apenas clicando em ―Leia mais‖, dando mais
flexibilidade à navegação.
Global
Local
Figura 8 - Navegação
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 26 out. 2011
77
Quanto à navegação suplementar, o site apresenta características básicas e avançadas.
Em relação às básicas, percebeu-se que o Digestivo possui um mapa do site atípico, pois não
mostra as seções organizadas de forma rigidamente hierárquica. Apesar de oferecer acesso
rápido às principais categorias de conteúdo, o mesmo acaba adquirindo características de
guia, mesmo não chegando a ser um tutorial, pois auxilia o usuário a conhecer cada área
através de um breve resumo sobre o tipo de informação a ser encontrada, conforme a Figura
11. Além disso, o mapa não contempla todas as seções, ficando de fora a seção Especiais e
Encaminhamentos.
Figura 10 - Mapa do site
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:
<www.digestivocultural.com/editoriais/release.asp?codigo=57&titulo=Mapa_do_Site>. Acesso em: 29 out. 2011
Apesar dos mecanismos de busca se constituírem também como elementos do sistema
de navegação suplementar, eles serão analisados mais adiante.
78
Por fim, a única característica avançada do sistema de navegação suplementar
encontrada no Digestivo Cultural é a social, também compreendida como parte do sistema de
organização. Na navegação social são estabelecidos parâmetros de popularidade (Figura 12)
ou associação (Figura 13) entre os conteúdos, partindo do princípio de que o interesse de um
usuário pode se basear na observação das ações de outros usuários.
Figura 11 - Navegação social encontrada em texto da seção Colunas
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011
Figura 12 - Navegação social em texto da seção Colunas
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011
6.3.3 Sistemas de rotulação
O Digestivo Cultural trabalha essencialmente com rótulos textuais. Dentre eles,
encontramos listas de opções dentro dos sistemas de navegação (Figura 14), além de títulos
(Figura 15) e links contextuais (Figura 16), recursos bastante comuns na seção Digestivos.
Para além disso, cabe ressaltar que o site não trabalha com tags ou palavras-chave, estratégia
utilizada na indexação dos conteúdos para o sistema de busca.
79
Figura 13 - Sistema de rotulação: lista de opções
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011
Figura 14 - Sistema de rotulação: título
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:
<http://www.digestivocultural.com/arquivo/nota.asp?codigo=1782&titulo=O_Discurso_do_Rei,_com_Colin_Firth_e_Geoffrey_Rush>. Acesso em: 29 out. 2011
Figura 15 - Sistema de rotulação: links contextuais
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:
<http://www.digestivocultural.com/arquivo/nota.asp?codigo=1782&titulo=O_Discurso_do_Rei,_com_Colin_Fir
th_e_Geoffrey_Rush>. Acesso em: 29 out. 2011
O Digestivo conta com apenas seis rótulos icônicos bastante intuitivos, na sua maioria
localizados nas páginas de conteúdo. Esses ícones aparecem no início e fim de cada texto e
representam funções como imprimir, enviar publicação por e-mail, assinar feeds, buscar, além
80
de outros dois que possibilitam a interface com as redes sociais Facebook e Twitter (Figura
17).
Figura 16 - Sistema de rotulação: ícones
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011
6.3.4 Sistemas de busca
O Digestivo Cultural possui um sistema de busca relativamente simples que pode ser
acessado a partir de qualquer página, pois está localizado no cabeçalho e no rodapé do site,
conforme a Figura 18.
Figura 17 - Sistema de busca: localização
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 29 out. 2011
O mecanismo de busca do Digestivo pode ser classificado em dois níveis: um
superficial, completamente integrado ao próprio sistema de busca do Google (Figura 19), e
um avançado, responsável por uma varredura mais abrangente em todos os tipos de
publicação do site, apresentado resultados menos óbvios (Figura 20).
81
Figura 18 - Sistema de busca integrado ao Google
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br>. Acesso em: 30 out. 2011
Figura 19 - Sistema de busca avançada FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: < www.digestivocultural.com.br/busca> Acesso em: 30 out. 2011
82
6.4 Análise heurística
A análise do Digestivo Cultural também levou em conta as dez heurísticas propostas
por Jakob Nielsen (2011) para ajudar a definir o estado do sistema em relação aos seus
aspectos de ergonomia e apontar falhas de usabilidade.
6.4.1 Visibilidade do estado do sistema
Essa heurística se aplica apenas quando o usuário utiliza a busca avançada. Quando
essa função é acionada, uma janela em pop-up21
é aberta, um comportamento incomum em
relação às demais seções do site. A janela fornece uma visão do processamento da busca
(feedback), sem estimar, no entanto, um tempo máximo para a conclusão da tarefa, tornando-a
aparentemente longa demais, ou até mesmo interminável. Nesse caso, não se sabe se a demora
é causada pela lentidão do processamento ou por algum erro no sistema.
Figura 20 - Janela de feedback com o usuário
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br/busca> Acesso em: 30 out. 2011
21 Janela extra que é aberta no navegador. Geralmente, são acionadas através de hiperlinks e podem causar
incômodo nos usuários, que procuram bloqueá-las.
83
6.4.2. Mapeamento entre o sistema e o mundo real
De modo geral, o Digestivo apresenta uma linguagem de fácil entendimento ao utilizar
palavras convencionais e familiares tanto aos usuários mais experientes quanto aos novatos.
No entanto, dois pontos merecem destaque na análise dessa heurística.
O primeiro, diz respeito à função ―Disparo‖, em forma de hiperlink, que pode ser
acionada na barra lateral esquerda. Em um primeiro momento, a palavra pode confundir o
usuário, afinal, qual o sentido de ―disparo‖ utilizado pelo site? O que ele faz? O
desconhecimento desse recurso por conta da nomenclatura utilizada poderia facilmente fazer
parte da experiência do usuário com o site caso não se tivesse usado uma legenda para o link,
conforme a Figura 22:
Figura 21 – Função disparo
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
84
O segundo ponto se refere à seção ―Encaminhamentos‖, recentemente incorporada à
página inicial. Da forma como é apresentada (Figura 23), tem-se dificuldade em definir o tipo
de conteúdo dessa seção. Além disso, ela não consta no mapa do site.
Figura 22 - O que são encaminhamentos?
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
6.4.3 Liberdade de controle ao usuário
O usuário tem relativa liberdade para controlar o sistema, não havendo situações onde
seja impossível reverter determinada tarefa. Ele pode, inclusive, retroceder ou avançar níveis
na hierarquia de informação por meio dos hiperlinks presentes em todas as páginas textuais,
conforme a Figura 24:
Figura 23 - Hierarquia
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
Outro exemplo da aplicação dessa heurística é a possibilidade que o usuário tem de
ajustar a caixa de texto destinada aos comentários de acordo com a sua necessidade (Figura
25).
85
Figura 24 – Liberdade de controle
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
6.4.4 Consistência e padrões
O Digestivo Cultural não segue essa heurística de usabilidade à risca, sendo possível
notar diferenças nos padrões de organização de determinadas seções do site, principalmente
nos menus da barra lateral esquerda, conforme o exemplo da Figura 26. Inconsistências na
localização de itens entre uma página e outra podem causar frustração no usuário.
Figura 25 - Inconsistência na apresentação de itens
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
86
6.4.5 Prevenção de erros
O site não segue essa heurística em duas situações importantes, induzindo o usuário ao
erro: no cadastro do e-mail para o recebimento da newsletter e no momento de inserir uma
palavra no campo de busca localizado no cabeçalho das páginas.
Os campos de texto destinados à inserção dessas informações são ocupados, por
padrão, pelas mensagens ―o seu e-mail aqui‖ e ―palavra-chave‖, indicando o tipo de dado
aceito. No entanto, ao contrário do que acontece na maioria dos casos, quando o usuário clica
nesses campos, as frases padrão não desaparecem. Ou seja, se o usuário não apagar
manualmente os textos previamente inseridos, os caracteres digitados se misturam aos já
existentes nos campos (Figura 27).
Figura 26 - Ausência de prevenção de erros
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
6.4.6 Reconhecer em vez de relembrar
Um exemplo da boa aplicabilidade dessa heurística está nos rótulos icônicos utilizados
pelo Digestivo.
Figura 27 - Ícones permitem associação entre imagem e função
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
87
Dessa forma, os ícones utilizados são facilmente associados às funções de impressão,
envio por e-mail, publicação no Twitter, dentre outros, pois são rótulos já consagrados em
outras plataformas.
6.4.7 Flexibilidade e eficiência de uso
O Digestivo não possui muitos recursos para promover a flexibilidade na navegação,
como botões ou funções de atalho para as operações frequentemente utilizadas. Apesar disso,
o usuário pode facilmente ser direcionado à homepage ao clicar sobre a logomarca do site,
localizada no cabeçalho e rodapé de todas as páginas, sem ter que recorrer aos botões do
browser.
Figura 28 - Área em destaque é um atalho para a página inicial
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
6.4.8 Design estético e minimalista
O Digestivo apresenta um design essencialmente minimalista, expresso tanto na
organização dos seus itens de conteúdo quanto nos elementos estéticos utilizados.
Dessa forma, o site possui uma organização visual que privilegia, ao mesmo, uma
leitura horizontal e vertical, conforme a Figura 30. Esse aspecto pode ser notado
principalmente na página inicial.
88
Figura 29 - Orientações da leitura
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 30 out. 2011
Além disso, o estilo monocromático adotado confere um tom de sobriedade e
neutralidade ao veículo. A ausência de recursos mais elaborados, como animações, entre
outros, também garante o carregamento das páginas em tempo hábil e um ambiente de
navegação menos poluído.
6.4.9 Suporte para o usuário reconhecer, diagnosticar e recuperar erros
Durante o período de análise, o Digestivo apresentou apenas uma situação de erro no
carregamento de página, ocasionada, possivelmente, por uma instabilidade no sistema de
banco de dados. No entanto, ao contrário do que recomenda as heurísticas de Nielsen (2011)
no que se refere às situações de erro, nessa ocasião o site exibiu uma mensagem
incompreensível aos usuários sem domínio da linguagem de máquina.
89
Em situações similares, em que o sistema não informa de maneira clara a natureza do
erro ocorrido, nem mesmo fornece possíveis soluções para corrigi-lo ou caminhos alternativos
para o usuário prosseguir com sua tarefa, a usabilidade e a ergonomia acabam afetadas.
Figura 30 - Mensagem de erro exibida pelo Digestivo
FONTE: Digestivo Cultural. Acesso em: 31 out. 2011
6.4.10 Ajuda e documentação
O Digestivo Cultural não possui um sistema autônomo ou interativo para fornecer
ajuda em tempo real ao usuário. Os únicos conteúdos nos moldes da décima heurística de
Nielsen (2011) são as FAQs, ou Perguntas Mais Frequentes, seções cujo objetivo é oferecer
respostas e instruções básicas para as dúvidas mais corriqueiras dos usuários em relação ao
site, como formas de anunciar, publicar, divulgar materiais, etc.
O problema dessa forma de ajuda, no caso do Digestivo, é que ela se constitui como
uma ferramenta não-interativa, não permitindo a documentação de uma maior variedade de
perguntas e o envio in loco de novas questões, ficando o seu escopo restrito às perguntas
previamente respondidas. Assim, caso o usuário tenha outras dúvidas, é necessário enviar um
e-mail para o editor.
6.5 Interfaces comunicacionais
6.5.1 Interatividade
90
Seguindo a tendência da Web 2.0, que deu mais autonomia ao usuário para produzir e
compartilhar conteúdos próprios ou de terceiros, bem como participar nas discussões, o
Digestivo Cultural promove a interatividade com seus leitores principalmente por meio dos
comentários, concentrados uma seção específica a partir de 2005 (Figura 32). Segundo dados
disponíveis no mapa do site, a seção Comentários possui mais de 13 mil colaborações
cadastradas e 6 mil comentadores, desde os mais assíduos até os que comentaram um único
texto.
Figura 31 – Seção de comentários
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br/comentarios> Acesso em: 31 out. 2011
No texto ―Web 2.0 no Digestivo Cultural‖, o editor Julio Daio Borges explica que essa
foi a maneira encontrada de
manter os parâmetros, mas alargando suavemente a base de colaboradores,
como numa lenta transição: onde os Comentadores vão ganhando mais
espaço, enquanto que os Leitores vão fiscalizando todo o processo, aprovando ou não... (BORGES, 2008a).
Dessa forma, o Digestivo amplia as possibilidades de participação dos próprios
leitores na construção do site, e os comentadores passam a ter tanta importância quanto os
colunistas e ensaístas, por exemplo.
91
De olho nesse público emergente, o Digestivo inaugurou, em janeiro de 2008, as
páginas de ―Comentários por Comentador‖ para exibir um histórico individual dos
comentários cadastrados de cada leitor-comentador. É como se cada usuário passasse a ter um
perfil com todas suas colaborações no Digestivo Cultural (Figura 33). Segundo o editor, a
possibilidade de visualizar os históricos dos comentadores provoca leituras novas e inusitadas,
além de ser uma forma de leitura não-linear, uma vez que um comentário pode fornecer
ligações para outros textos de interesse.
Figura 32 - Comentários por comentador
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br/comentarios> Acesso em: 31
out. 2011
92
O Digestivo adota três diretrizes básicas para que o ambiente dos comentários seja um
espaço de troca de ideias democrático:
o Digestivo Cultural se reserva o direito de ignorar comentários quando eles se
utilizam de linguagem chula, difamatória ou ilegal;
mensagens com tamanho superior a 1000 toques, sem identificação ou postadas
por e-mails inválidos são igualmente descartadas;
tampouco são admitidos os 10 tipos de Comentador de Fórum22
.
Depois de optar pela moderação dos comentários, em 2002, por conta do
cibervandalismo e das discussões intermináveis entre colaboradores e pseudônimos de toda a
internet da época, o Digestivo resolveu ―liberá-los‖ em 2010, exigindo apenas confirmação
via e-mail. Na época, a medida foi justificada pela ampliação do acesso às ferramentas de
autopublicação, como blogs e redes sociais, permitindo a volta da confiança na audiência
(BORGES, 2010b).
Mais recentemente, em março de 2013, o editor do site decidiu integrar totalmente os
comentários do Digestivo ao Facebook, já que a rede social possui o maior cadastro de
pessoas na Internet e domina diversos mecanismos para erradicar o ―vandalismo online‖
(BORGES, 2013b). Ou seja, desse momento em diante, os comentadores passaram ser
identificados através dos seus perfis em uma das redes sociais mais populares do mundo.
O assunto será tratado com profundidade mais adiante, mas uma reflexão a ser
extraída dessa mudança diz respeito à necessidade de se trabalhar constantemente com
representações dos atores sociais, ou com construções identitárias do ciberespaço, uma vez
22
http://www.digestivocultural.com/editoriais/release.asp?codigo=65&titulo=10_tipos_de_Comentador_de_Forum
93
que os atores não são imediatamente discerníveis nas interações realizadas na Internet
(RECUERO, 2009).
6.5.2 Uso de hipermídia
De modo geral, o Digestivo não trabalha com o esquema de hipermídia da maneira
como é comumente definida: uso sincronizado de ao menos uma mídia estática (texto ou
imagem) e uma mídia dinâmica (vídeo, áudio ou animação). Isso se deve ao fato de o site
manter seu foco nas construções textuais mais densas, apesar de fazer uso de imagens,
pontualmente, como forma de complementação dos textos.
Há apenas uma seção na qual se pode encontrar uma mídia diferente do texto e da
imagem (mídias estáticas): o Blog. Nesta seção, atualizada pelos editores e colunistas, são
publicados conteúdos que não necessariamente renderiam publicações mais longas, como é de
costume nas demais seções. Desse modo, no Blog, além de textos e imagens, também são
publicados vídeos diversos (mídias dinâmicas), não necessariamente produzidos pela equipe
do site. Esses vídeos, no entanto, são publicados de forma a serem auto-explicativos, uma vez
que eles dificilmente vêm acompanhados de textos, conforme a Figura 34.
94
Figura 33 - Multimídia
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br/blog> Acesso em: 31 out.
2011
Assim, o Digestivo desperdiça os potenciais da hipermídia, que poderia ser empregada
para tornar os textos mais atrativos, ricos e interessantes para um tipo de leitor ―imersivo‖, tal
qual é definido por Santella (2004).
6.5.3 Presença nas redes sociais digitais
O Digestivo está presente nas duas maiores mídias sociais digitais da atualidade: o
microblog Twitter, onde possui um perfil23
com mais de 40 mil seguidores, e a rede social
Facebook, onde possui uma fan page24
criada em outubro de 2011. Através dessas duas redes
de informação, que atraíram adeptos em todo o mundo, o leitor do Digestivo pode
23 http://twitter.com/digestivo 24 http://www.facebook.com/digestivocultural
95
acompanhar as principais atualizações do site, além, é claro, de interagir através de
comentários e compartilhamentos.
Dessa forma, o Digestivo promove a convergência dos seus conteúdos com as redes
sociais através de ferramentas dispostas ao longo das páginas. Em praticamente todas elas
existe um botão ―Curtir‖, relacionado ao Facebook, que tem características da navegação
social. Quando um leitor ―curte‖ determinado texto, essa atualização aparece
automaticamente no seu perfil do Facebook.
Do mesmo modo, o botão ―tweet‖ possibilita o compartilhamento direto do texto com
os seguidores do leitor no Twitter. Ao mesmo tempo, esses botões, visíveis no início e fim de
cada texto, contabilizam o número de leitores que fizeram uso dele, dando uma ideia do nível
de popularidade de cada publicação (Figura 35).
Figura 34 - Compartilhamento
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em:
<http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=3436&titulo=A_cabeca_de_Steve_Jobs>
Acesso em: 31 out. 2011
O próprio perfil dos colaboradores do site no Twitter aparece integrado em um espaço
localizado no fim dos seus respectivos textos (Figura 36). É uma forma de aproximar leitores
e autores para além do próprio site, numa relação de interesse informacional e, ao mesmo
tempo, pessoal possibilitada pelo Digestivo.
96
Figura 35 – Twitter integrado
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 31 out. 2011
A lateral direita da página inicial também abriga um espaço para exibir em tempo real
as mensagens no Twitter (tweets) que citam o Digestivo (mentions), conforme a Figura 37.
Figura 36 – Twitter integrado
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 31 out. 2011
Com a criação da fan page do site, o Digestivo também incorporou alguns plug-ins
sociais do Facebook. Um deles, o Comments Plug-in, permite ao leitor comentar um texto
utilizando seu perfil na rede social (Figura 38), quando logado. A ferramenta poupa ao leitor a
97
tarefa de digitar informações adicionais como nome e e-mail, uma vez que a identificação é
automática.
Figura 37 - Recurso também permite a publicação do comentário no Facebook
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 31 out. 2011
A mudança já vinha sendo testada desde o segundo semestre de 2012 na seção
Colunas, no entanto, apenas recentemente a equipe optou por tornar o Comments Plug-in um
recurso padrão para todas as futuras postagens. A nova ferramenta amplia as possibilidades de
interação entre os leitores-comentadores, sendo possível curtir, responder ou seguir ou
acompanhar o histórico de comentários específicos, além de ter acesso ao perfil do
comentador no Facebook (Figura 38).
Figura 38 – Comentários via Facebook
FONTE: Digestivo Cultural. Disponível em: <http://www.digestivocultural.com.br> Acesso em: 26 mar. 2013
98
Apesar disso, todos os comentários feitos de 2001 até agora permanecem publicados
no site e é necessário o leitor ter cadastro no Facebook para poder comentar algum texto. O
novo sistema também é compatível com contas do Hotmail (Microsoft), Yahoo! e AOL25
(BORGES, 2013a).
6.6 Análise de Conteúdo
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 01 Data de publicação: 01/03/2012
Título: Lobo branco em selva de pedra: Eduardo Semerjian
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( X ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( X ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( X ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( X ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3
25 As páginas onde havia Comentários antigos, permanecem funcionando com o antigo sistema (do Digestivo); e
as páginas onde não havia nenhum Comentário (antigo), passam a funcionar com o sistema novo (via Facebook).
99
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 7 - Ficha de codificação 01
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
Trata-se de um texto longo, com mais de 6 mil caracteres, que não utiliza o recurso do
hiperlink. A matéria é um perfil do ator brasileiro Eduardo Semerjian, conhecido por ter
interpretado André Matarazzo, o primeiro marido da cantora Maysa, na minissérie ―Quando
fala o coração‖, de 2009. Enquadra-se na categoria ―Personalidades‖, já que o ator é o foco de
toda a narrativa. Em termos de classificação jornalística, o texto pertence ao gênero
Diversional, categoria história de interesse humano, pois ressalta particularidades pessoais do
agente da notícia no intuito de humanizá-lo em trechos como: ―Sob sua postura crítica, a
verborragia que lemos no Facebook há um polimento reluzente (sic), não artificial de todo,
embora o suficiente para constatar que é a fineza quem encarcera e molda a fera‖. Recursos
literários também são usados sem pudor, conferindo ao texto qualidades próximas da prosa
poética: ―Subitamente examino esses quatro olhos abundantes de Eduardo e nada, nada me
vem a não ser uma mordida no nariz, uma dissimulação, nada posso espremer deles, a não ser
o sumo que me é ofertado, uma neutralidade aparente, um gélido azul, ele mesmo?‖.
2) Características imagéticas
A publicação traz uma única imagem que retrata um caminho de pedra parcialmente
encoberto por névoa, portanto, não possui nenhum vínculo direto com o conteúdo do texto,
ficando a sua interpretação a cargo da subjetividade do leitor.
3) Ênfases
O texto situa-se em uma abordagem da cultura enquanto processo ao contemplar as relações
do personagem da matéria com a sua arte, ao mesmo tempo em que revela detalhes da
100
dinâmica profissional. Isso fica evidente em trechos como: ―Estaria ele em um momento no
qual o artista se diagnostica entre o desejo e as necessidades, ao tecer suas frases com a
segurança e a ponderação de quem expõe, como diz ele, o que é, tal é a essência de ser ator?‖
e ―De pronto Eduardo encara o drama do artista em todas as épocas – entre a realização de
seus projetos pessoais e participação em outros mais, de onde o ator retira visibilidade e sua
sobrevivência‖. Além de dar às informações um tratamento com forte carga emocional através
do uso de adjetivos e figuras de linguagem, o que lhe confere uma característica subjetiva, o
texto possui um caráter atemporal, pois não situa explicitamente os acontecimentos no tempo.
4) Interfaces
Não há comentários para esse texto. O conteúdo também foi pouco compartilhado nas redes
sociais, com apenas 1 compartilhamento no Twitter e 3 no Facebook.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 02 Data de publicação: 02/03/2012
Título: Tom e Tim
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( X ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( X ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( X ) Sim ( ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
101
( ) Positiva
( ) Negativa
( X ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 8 - Ficha de codificação 02
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
O assunto do texto se insere na categoria ―Personalidades‖ pois o foco da narrativa são os
compositores Tom Jobim e Tim Maia, contribuindo para o seu enquadramento no gênero
jornalístico Diversional ao ressaltar as características humanizadoras dos agentes da notícia,
como nesta referência a Tom Jobim: ―Estava orgulhoso da casa nova, levantou-se e mostrou a
encosta que ficava atrás, falando das espécies que habitavam ali... Eu perguntei da infância
em Ipanema, e aí ele abriu um sorriso cheio de nostalgia‖. A publicação é longa, com mais de
6 mil caracteres, e não utiliza hiperlinks.
2) Características imagéticas
O texto não é acompanhado de imagem.
3) Ênfases
A autora da publicação faz apenas uma citação ao jornalismo cultural como prerrogativa para
iniciar sua narrativa: ―Nunca fui oficialmente jornalista cultural, mas tive meus momentos‖.
Portanto, trata-se de uma referência que nada tem a ver com discussões sobre a especialidade.
Por outro lado, as referências à visão de ―processo cultural‖ adotada pela autora ficam
evidentes em trechos como este, em que ela fala do documentário ―A música segundo tom
102
Jobim‖: ―...para mim faltaram as histórias. Sim, elas. As histórias, sempre elas. A paixão de
Tom pela natureza, a relação com os parceiros, como surgiram algumas composições‖. Ou
seja, a autora procura evidenciar que há muito mais além do produto cultural acabado,
havendo por trás dele, inclusive, um ser humano com hábitos, preferências pessoais e visões
sobre o mundo que porventura influenciam a sua produção.
Trata-se, ainda, de um texto de temática nacional com temporalidade explicitamente
situada no passado, pois os fatos narrados aconteceram em meados de 1990. Pelo fato de ser
uma espécie de relato de experiências profissionais da autora, a publicação possui um caráter
subjetivo.
4) Interfaces
O texto possui 5 compartilhamentos no Facebook, 2 no Twitter e nenhum comentário.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 03 Data de publicação: 05/03/2012
Título: Meus encontros e desencontros com Daniel Piza
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( X ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( X ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( ) Nenhum ( ) Até 5 ( X ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
103
( ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( X ) Não se aplica
Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 9 - Ficha de codificação 03
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
O assunto do texto se encaixa na categoria ―Personalidades‖, pois elege como figura principa l
o jornalista Daniel Piza, falecido no dia 31 de dezembro de 2011. Trata-se de um artigo
porque mescla fatos vividos pelo autor, conferindo-lhe um tom marcadamente pessoal, e
ideias a respeito da figura profissional de Daniel Piza. Características como atualidade (não
necessariamente imediata, mas em relação ao momento histórico, traduzido no falecimento do
jornalista) e opinião do autor claramente expressa também contribuem para a classificação do
texto como artigo. Dessa forma, o autor tece críticas ao posicionamento que Piza adotou em
relação ao papel dos blogs na comunicação do século 21: ―E o Daniel Piza nessa história?
Poderia ter sido o Quixote da interação virtual, com sua experiência pessoal de internet, que ia
de angariar leitores a descobrir idéias novas, mas acabou engrossando o coro dos que
achavam aquilo tudo porta de mictório, barbárie com verniz tecnológico‖. O texto possui mais
de 6 mil caracteres e faz uso moderado do recurso de hiperlinks.
2) Características imagéticas
O texto não é acompanhado de imagem.
3) Ênfases
104
Sem fazer referências ao jornalismo cultural, apesar de eleger como assunto principal uma
figura nacional notória nessa área, a publicação não reflete uma abordagem específica de
cultura. Além disso, o texto situa-se no passado ao relatar experiências vividas pelo autor a
partir do final dos anos 1990, o que lhe confere também uma forte característica subjetiva.
4) Interfaces
O texto possui 3 compartilhamentos no Facebook, nenhum no Twitter e nenhum comentário.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 04 Data de publicação: 06/03/2012
Título: Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( X ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( X ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( X ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( X ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
105
Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Quadro 10 - Ficha de codificação 04
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
Encaixa-se na categoria ―Artes‖, abordando o Modernismo brasileiro e a Semana de 22.
Quanto ao gênero jornalístico, o texto se caracteriza como artigo, em sua modalidade mais
extensa, o ensaio. Em pouco mais de 12 mil caracteres e nenhum hiperlink, a publicação
mescla fatos e ideias do autor a respeito do Modernismo brasileiro, utilizando o recurso do
embasamento em outras pessoas que se debruçaram sobre o assunto.
Além disso, a opinião crítica do autor está claramente expressa: ―Questionar nosso
capenga e caipira espírito pseudo-revolucionário parece o mesmo que cuspir na hóstia. Salvo
as primeiras obras de Anita [...] e a primeira de Lasar Segall, pouco de realmente
revolucionário aportou na terra brasilis‖. Por se tratar de um ensaio a respeito de determinado
tema, o texto encerra em tom de conclusão: ―Interrogar criticamente o sentido ideológico do
projeto modernista-nacionalista brasileiro, desmistificar o discurso por eles elaborado para
que sejam lidos segundo seus próprios parâmetros é nossa tarefa‖.
2) Características imagéticas
A publicação traz imagens de obras famosas de pintores modernistas, num total de 6 quadros.
3) Ênfases
O texto adota uma abordagem da cultura enquanto processo, pois faz uma avaliação crítica do
momento histórico representado pelo Modernismo nas Artes brasileiras, indo na ―raiz‖ do
problema ao desvendar as ideologias que dominaram o movimento. Nesse sentido, através de
uma contextualização nacional e internacional, o autor situa o nosso período modernista na
contramão das vanguardas européias. Por isso, a publicação possui uma temporalidade
106
claramente situada no passado, além de apresentar traços de subjetividade, refletidos na
defesa do ponto de vista do autor.
4) Interfaces
O texto teve repercussão relativamente alta, com 9 compartilhamentos no Twitter, 8 no
Facebook e 7 comentários.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 05 Data de publicação: 07/03/2012
Título: Treze teses sobre cinema
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( X ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( X ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( X ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( ) Estrangeira ( X ) Indefinida
Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
107
Quadro 11 - Ficha de codificação 05
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
De forma sistemática e argumentativa, ―Treze teses sobre cinema‖ é um verdadeiro ensaio
que aborda ideias e concepções do autor a respeito da Sétima Arte. Por se tratar de um texto
longo, com mais de 14 mil caracteres e nenhum hiperlink, classifica-se como artigo, uma vez
que apresenta julgamentos, conclusões e interpretações do tipo ―Todo filme está
comprometido com valores sociais, morais, políticos, econômicos, etc.‖ e ―Como na
literatura, o cinema ganha forma como obra de ficção; por conseguinte, uma cópia ilusória da
realidade‖. Dessa forma, a opinião do autor está claramente expressa em várias passagens do
texto.
2) Características imagéticas
A publicação não vem acompanhada de imagem.
3) Ênfases
De localidade indefinida e característica atemporal, o texto é subjetivo a começar pelo título:
uma tese supõe um posicionamento pessoal ou intelectual a ser defendido. Além disso, a
publicação aborda o processo cultural ao tratar das especificidades e da própria dinâmica do
cinema enquanto expressão artística, em suas vertentes técnica, linguística e estética. Ao
mesmo tempo, lança reflexões sobre o processo de produção cinematográfica e busca
compreender o seu lugar no contexto da indústria cultural. Isso se encontra expresso em
trechos como: ―Não é possível pensar o cinema fora dos preceitos da indústria cultural‖ e
―Talvez não seja possível sem controvérsia traçar uma linha divisória entre arte e mercado; de
qualquer modo, esse o desafio (sic) a ser assumido para quem se propuser a fazer e pensar o
cinema como arte‖.
108
4) Interfaces
Apesar de nenhum comentário, o texto teve 6 compartilhamentos no Facebook e 7 no Twitter.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 06 Data de publicação: 08/03/2012
Título: Memórias de ex-professoras
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( X ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( X ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( X ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 12 - Ficha de codificação 06
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
109
O texto se encaixa no assunto ―Sociedade‖, lançando um olhar crítico sobre as conjunturas da
licenciatura no Brasil de ontem e hoje. Apesar de a opinião da autora não estar claramente
expressa ao longo do texto, nota-se nele uma liberdade de forma, em tom pessoal, sem deixar
de tecer críticas e interpretações a respeito dos diferentes cenários sociopolíticos em que os
professores brasileiros se inseriram ao longo do tempo. Por esse motivo, ―Memórias de ex-
professoras‖ pode ser classificado, dentro do gênero opinativo, como artigo. O texto possui,
ainda, pouco menos de 5 mil caracteres e nenhum hiperlink.
2) Características imagéticas
A publicação não apresenta imagem.
3) Ênfases
Com uma temática predominantemente nacional, exceto pela referência a um contexto norte-
americano, a publicação possui uma abordagem subjetiva, uma vez que a autora se coloca em
primeira pessoa na narrativa ao relatar experiências vividas anteriormente e que ajudam a
compor o cenário sociopolítico relatado. A cultura, aqui entendida para além da indústria
cultural, adquire uma abordagem de processo a partir do momento em que a autora tece
interpretações a respeito das mudanças ocorridas em nível social, trabalhista e
comportamental que de alguma forma influenciaram a atuação dos professores no Brasil: de
―ocupação de moças finas e cultas, que não precisavam de dinheiro, pois eram bem-nascidas‖
a licenciatura deixou de ser um esporte, afinal as professoras ―não queriam mais ser tias
postiças, mas profissionais de respeito‖. Por fim, ao transitar entre presente e passado, o texto
acaba adquirindo uma característica atemporal, pois não se detém sobre um único fato.
4) Interfaces
O texto teve bastante repercussão nas redes sociais, com 23 compartilhamentos no Facebook e
17 no Twitter. No entanto, recebeu apenas dois comentários.
110
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 07 Data de publicação: 12/03/2012
Título: A ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( X ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( X ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( X ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:
( X ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 13 - Ficha de codificação 07
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
O texto é uma resenha do livro ―A ilha do Dr. Moreau‖, do inglês H. G. Wells, escrito em
1896 e recentemente reeditado no Brasil. A resenha é predominantemente relatorial, pois se
atém a descrever sequencialmente o desenrolar dos fatos narrados no livro, trazendo também
111
algumas informações referentes ao seu autor. Apenas em dois momentos o autor da resenha
esboça o que pode ser entendido como uma interpretação a respeito da personalidade do
personagem principal, o Dr. Moreau, e a respeito do que se pode concluir com o livro: ―Ao
contrário de Huxley, Moreau não era cientista, nem humanista‖; ―Estamos convictos de que
ao homem é impossível regredir [...] a estágios animalescos e de dócil submissão...‖. No
entanto, o texto não faz apreciações quanto aos demais elementos da obra, como linguagem e
estrutura narrativa.
2) Características imagéticas
A publicação vem acompanhada de três imagens, sendo duas com ligação direta ao texto.
3) Ênfases
Aqui, trata-se claramente da apreciação (portanto, subjetiva) de um produto cultural,
classificado positivamente como ―um dos livros mais impressionantes que tivemos o prazer
de ler‖, apesar de o autor não embasar de forma consistente esse posicionamento, o que acaba
fragilizando o potencial crítico da resenha.
4) Interfaces
Para este texto, nenhum compartilhamento no Facebook, 2 no Twitter e 2 comentários.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 08 Data de publicação: 13/03/2012
Título: O Artista
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( X ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( X ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
112
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( ) Nenhum ( ) Até 5 ( X ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:
( X ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Comentários: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 14 - Ficha de codificação 08
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
Trata-se de uma resenha crítica do filme ―O Artista‖, do francês Michel Hazanavicius,
ganhador de 5 Oscar. Além de relatar o enredo de um modo geral, como é característica desse
gênero opinativo, a autora faz apreciações sobre a forma do filme (―chama de imediato a
atenção pelo uso de uma forma antiga, a do cinema do início do século XX e antes‖), bem
como os recursos utilizados tendo em vista o público contemporâneo (―um dos recursos
utilizados foi se aproveitar do nosso, digamos, hábito sonoro‖). Nota-se também a presença de
interpretações (―metáfora sutil‖), relações com outros filmes (Luzes da Ribalta, Cantando na
Chuva, A Última Gargalhada) e impressões pessoais quanto ao sentido da obra (―põe nossa
percepção para funcionar de outra maneira e nos dá a chance de nos identificarmos com seu
tema central, isto é, tempo e identidade‖). O texto possui entre 4 mil e 6 mil caracteres e mais
de 5 hiperlinks.
113
2) Características imagéticas
A publicação não vem acompanhada de imagem.
3) Ênfases
Por se tratar de um produto cultural, a abordagem qualitativa exposta no texto é positiva, o
que fica evidente em trechos como ―possui personagens cativantes, beleza visual e uma
história leve e divertida‖. Até certo ponto, essas qualidades estão devidamente justificadas ao
longo da publicação. A temporalidade do texto está situada no passado, uma vez que o filme
estreou no Brasil em 10 de fevereiro de 2012. Além disso, por se tratar de uma resenha crítica,
em que se faz apreciações estéticas a respeito de um produto cultural, há na publicação um
acentuado traço subjetivo, expresso nas impressões da autora diante da obra.
4) Interfaces
A publicação teve 2 compartilhamentos no Facebook, 10 no Twitter e apenas 1 comentário.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 09 Data de publicação: 14/03/2012
Título: Liberdade, de Franzen
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( X ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( X ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:
114
( ) Positiva
( X ) Negativa
( ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 15 - Ficha de codificação 09
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
O texto é uma resenha crítica do livro ―Liberdade‖, do norte-americano Jonathan Franzen.
Dessa forma, a publicação traz importantes características desse gênero: apreciações quanto à
linguagem (―como pode um romance completamente ‗normal‘ do ponto de vista da linguagem
ser uma obra-prima?‖), quanto aos personagens do livro (―seus personagens são muito
racionais, mesmo em seus momentos mais instáveis‖), além de relações com outras obras e
estilos literários (―Franzen resgatou o romance-mural de Tolstói e companhia‖). A publicação
possui entre 4 mil e 6 mil caracteres e nenhum hiperlink.
2) Características imagéticas
A publicação não vem acompanhada de imagem.
3) Ênfases
O autor da resenha aborda de forma incisivamente negativa o produto cultural em questão,
como fica evidente nos trechos: ―aquele que está sendo considerado ‗o livro do século‘ por
alguns empolgados de plantão é, realmente, o livro do século, mas do 19, no caso‖, ―a leitura
é soterrada por uma montanha de informações que tornam o texto meio enfadonho e
burocrático‖ e ―há pouca literatura em seu romance, é isso‖. Dessa forma, a abordagem
115
jornalística é evidentemente subjetiva, pois revela, além das impressões pessoais do autor
sobre a obra, suas preferências literárias (―o engraçado é que sempre abominei
‗experimentalismos‘ gratuitos na literatura‖). Pelo fato de o livro ter sido lançado em 2010, a
temporalidade da resenha está situada no passado.
4) Interfaces
A publicação foi compartilhada 3 vezes no Facebook, nenhuma no Twitter e recebeu 2
comentários.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 10 Data de publicação: 15/03/2012
Título: Natureza Humana Morta
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( X ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( X ) Resenha
( ) Coluna
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( X ) Produto Abordagem qualitativa:
( X ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( X ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
116
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( X ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 16 - Ficha de codificação 10
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
O texto é uma resenha crítica dos filmes ―A Rede Social‖ e ―Os Homens que Não Amavam as
Mulheres‖, do diretor norte-americano David Fincher. Assim, o autor faz apreciações sobre o
desempenho do diretor (―o primeiro grande diretor de cinema a interpretar de forma
convincente o mundo pós-internet‖), sobre a estética dos filmes (―baseada na reprodução
sombria de lugares reconhecidos por altos valores morais e humanos, como a Universidade de
Harvard [...] e a Suécia‖) e sobre os protagonistas de ambas as obras. E é exatamente nos
protagonistas que o colunista enxerga o elo que aproxima as duas produções: ―são diferentes
nos limites da origem ficcional e real de cada um, mas compartilham o mesmo caráter e a
moral relativista de justificativa dos meios pelos fins‖. A publicação possui entre 4 mil e 6 mil
caracteres e nenhum hiperlink.
2) Características imagéticas
O texto não vem acompanhado de imagem.
3) Ênfases
Por se tratar de uma leitura em tom impressionista (e positiva) de produtos culturais, o texto
possui forte característica subjetiva. A temporalidade está situada no passado, uma vez que ―A
Rede Social‖ foi lançado em 2010 e ―Os Homens que Não Amavam as Mulheres‖ foi lançado
no início de 2012.
4) Interfaces
O texto foi compartilhado 2 vezes no Facebook, 1 no Twitter e não recebeu comentários.
117
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 11 Data de publicação: 19/03/2012
Título: Parque de Diversão Brasil
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( X ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
( X ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( X ) De 4 mil a 6 mil ( ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( X ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( X ) Não se aplica
Localidade: ( X ) Nacional ( ) Estrangeira ( ) Indefinida
Temporalidade: ( X ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( ) Nenhum ( X ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 17 - Ficha de codificação 11
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
Trata-se de uma crônica baseada em uma metáfora elaborada pelo autor: ―Andei reparando
que o Brasil é um enorme parque de diversão‖. Partindo desse pressuposto, o texto aborda,
118
por meio de jogo de palavras, fatos que tiveram repercussão midiática por seu caráter
inusitado ou trágico, especialmente o caso da jovem que morreu ao despencar de um
brinquedo danificado do Hopi Hari e o da criança que foi atropelada por um jet ski pilotado
por um adolescente. Para cada ―absurdo‖ cotidiano relatado, o autor associa uma ―atração‖ do
parque de diversão para, por fim, constatar: ―a grande popularidade do nosso Parque Brasil
está assentada em dois pilares: impunidade e falta de supervisão/vigilância‖. Dessa forma,
nota-se que a crônica, ao mesmo tempo em que faz uma narrativa do cotidiano, utiliza
recursos do imaginário como forma de realçar a realidade e exercer a crítica social. O texto
possui entre 4 mil e 6 mil caracteres e não utiliza o recurso do hiperlink.
2) Características imagéticas
A publicação não vem acompanhada de imagem.
3) Ênfases
O texto faz uma abordagem subjetiva de fatos nacionais acontecidos em março de 2011 e
início de março de 2012. Por discutir temáticas eminentemente factuais, não se percebe no
texto nenhuma abordagem de cultura.
4) Interfaces
A publicação possui 1 comentário e foi compartilhada 1 vez no Facebook e no Twitter.
FICHA DE CODIFICAÇÃO
1) IDENTIFICAÇÃO DO TEXTO
Postagem nº 12 Data de publicação: 20/03/2012
Título: Ode à mulher
2) CARACTERÍSTICAS TEXTUAIS
Assunto: ( ) Literatura ( ) Música ( ) Cinema ( ) Artes ( ) Teatro ( ) Comportamento
( X ) Sociedade ( ) Personalidades
Gênero jornalístico: I) Informativo ( ) Nota
( ) Notícia
II) Opinativo ( ) Comentário
( X ) Artigo
( ) Resenha
( ) Coluna
119
( ) Crônica
III) Diversional ( ) História de interesse humano
( ) História colorida
Quantidade de caracteres: ( ) até 4 mil ( ) De 4 mil a 6 mil ( X ) Mais de 6 mil
Quantidade de hiperlinks: ( X ) Nenhum ( ) Até 5 ( ) Mais de 5
3) CARACTERÍSTICAS IMAGÉTICAS
Quantidade de imagens: ( ) Nenhuma ( ) 1 ( ) 2 ( X ) Mais de 2
4) ÊNFASES
Referência ao jornalismo cultural: ( ) Sim ( X ) Não
Abordagem de cultura: ( ) Produto Abordagem qualitativa:
( ) Positiva
( ) Negativa
( ) Processo
( X ) Não se aplica
Localidade: ( ) Nacional ( ) Estrangeira ( X ) Indefinida
Temporalidade: ( ) Passado ( ) Presente ( ) Futuro ( X ) Atemporal
Abordagem jornalística: ( ) Objetiva ( X ) Subjetiva
5) INTERFACES
Compartilhamentos no Facebook: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( X ) Mais de 3
Compartilhamentos no Twitter: ( ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( X ) 3 ( ) Mais de 3
Comentários: ( X ) Nenhum ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) Mais de 3
Quadro 18 - Ficha de codificação 12
FONTE: Dados da pesquisa
INTERPRETAÇÃO
1) Características textuais
Em forma de artigo, o texto trata de questões sociais relacionadas às mulheres, por ocasião do
Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. Dessa forma, o autor mescla fatos
históricos que revelam como a mulher vem sendo encarada ao longo do tempo e ideias, tanto
pessoais quanto de outros autores que refletem/refletiram sobre a condição feminina na
sociedade. Sem deixar de contemplar a atualidade do momento histórico, o artigo também
possui teor crítico em trechos como ―a mídia nunca tratou bem as mulheres, seus códigos
simbólicos desprezam a mulher sonhada por Simone de Beauvoir‖, além da opinião do autor,
que se faz claramente presente em trechos como ―a mulher pobre brasileira ainda não tem o
direito sobre o próprio corpo. O direito ao aborto não lhe foi ainda assegurado‖.
2) Características imagéticas
120
A publicação vem acompanhada de quatro imagens representativas de realidades femininas.
3) Ênfases
Sem fazer necessariamente uma abordagem da cultura, o texto adquire uma característica
subjetiva ao oferecer recortes históricos e sociais selecionados pelo autor para ilustrar o lugar
da mulher nas sociedades de ontem e hoje. Portanto, pode-se dizer que a publicação é
atemporal e de localidade indefinida.
4) Interfaces
A publicação foi compartilhada 5 vezes no Facebook, 3 no Twitter e não recebeu
comentários.
6.6.1 Interpretação dos resultados
6.6.1.1 Características textuais
Gráfico 1 – Assunto
FONTE: Dados da pesquisa
Em relação ao tema ou assunto, a maioria (75%) dos textos analisados ora se encaixa
na subcategoria ―Personalidades‖ (25%), ora em ―Cinema‖ (25%) e ora em ―Sociedade‖
121
(25%). Em seguida, aparecem as subcategorias ―Literatura‖ (17%) e ―Artes‖ (8%). As demais
foram inexpressivas.
Gráfico 2 – Gênero jornalístico
FONTE: Dados da pesquisa
A maioria dos textos analisados no período pertencem ao gênero opinativo (83%, onde
se encontra o artigo, a resenha e a crônica), mas o gênero diversional também se faz presente
em 17% das publicações. O subgênero artigo (42%) representa a maioria das publicações,
seguido pela resenha (33%), pela história de interesse humano (17%) e pela crônica (8%).
122
Gráfico 3 – Quantidade de caracteres FONTE: Dados da pesquisa
A maioria das publicações (67%) possui mais de 6 mil caracteres com espaços, o que é
característico de textos muito longos. Além disso, do total de textos publicados no período,
83% não usaram o recurso do hiperlink (Gráfico 4). Se fizermos um cruzamento dos dados de
número de caracteres com os de número de hiperlinks, percebemos que a maioria dos textos
muito longos (com mais de 6 mil caracteres) não utiliza hiperlinks (Gráfico 5).
123
Gráfico 4 – Quantidade de hiperlinks FONTE: Dados da pesquisa
Gráfico 5 – Caracteres x hiperlinks FONTE: Dados da pesquisa
De forma semelhante, ao relacionarmos os dados da categoria ―Gêneros jornalísticos‖
com os da categoria ―Quantidade de caracteres‖ percebemos que o subgênero artigo é o que
possui o maior número de publicações com mais de 6 mil caracteres (4 textos muito longos).
Metade dos textos do subgênero resenha possui de 4 mil a 6 mil caracteres e a outra metade
possui mais de 6 mil. As duas publicações categorizadas como histórias de interesse humano
possuem mais de 6 mil caracteres e a única do subgênero crônica possui de 4 mil a 6 mil
(Gráfico 6).
124
Gráfico 6 – Gênero x caracteres
FONTE: Dados da pesquisa
6.6.1.2 Características imagéticas
Gráfico 7 – Quantidade de imagens
FONTE: Dados da pesquisa
A maioria dos textos analisados (67%) não utilizou recursos imagéticos, sendo que
apenas 25% utilizaram mais de duas imagens e 8% apenas uma imagem. Ao confrontar esses
dados com os da categoria ―Quantidade de caracteres‖ (Gráfico 8), nota-se que metade dos
125
textos muito longos (4 textos) não utilizou imagens. Da mesma forma, nenhuma publicação
entre 4 e 6 mil caracteres utilizou imagens.
Gráfico 8 – Caracteres x imagens
FONTE: Dados da pesquisa
6.6.1.3 Ênfases
Gráfico 9 – Referência ao jornalismo cultural
FONTE: Dados da pesquisa
126
Grande parte dos textos (92%) não faz referências ao jornalismo cultural, quer seja
para discutir seus aspectos teóricos ou práticos, quer seja para tecer críticas ou comentários
sobre o seu desenvolvimento. A única referência a essa especialidade jornalística aparece
superficialmente no texto ―Tom e Tim‖, na forma de auto-referência à experiência
profissional da autora.
Gráfico 10 – Localidade
FONTE: Dados da pesquisa
Das publicações analisadas no período, 50% correspondem a temas e assuntos
nacionais, enquanto 33% têm como eixo narrativo temas estrangeiros e 17% têm localidade
indefinida. Ao relacionarmos os dados das categorias ―Localidade‖ e ―Assunto‖ (Gráfico 11)
percebemos que as publicações com temática nacional se concentram nas subcategorias
―Personalidades‖, ―Sociedade‖ e ―Artes‖, enquanto os assuntos estrangeiros se concentram
nas categorias ―Literatura‖ e ―Cinema‖.
127
Gráfico 11 – Localidade x assunto
FONTE: Dados da pesquisa
Gráfico 12 – Abordagem de cultura
FONTE: Dados da pesquisa
A maioria dos textos analisados (42%) fazem uma abordagem da cultura enquanto
processo. A cultura enquanto produto aparece em 33% das publicações. Desse total, 75%
fazem uma avaliação positiva em relação ao produto em questão (Gráfico 13). Em 25% dos
textos não se consegue definir qual a abordagem utilizada.
128
Gráfico 13 – Abordagem qualitativa FONTE: Dados da pesquisa
Gráfico 14 – Temporalidade
FONTE: Dados da pesquisa
A maioria dos textos (67%) faz referência a assuntos ou acontecimentos do passado,
enquanto 33% das publicações são notadamente atemporais. Nenhuma publicação se encaixou
nas subcategorias ―presente‖ ou ―futuro‖.
129
Gráfico 15 – Abordagem jornalística
FONTE: Dados da pesquisa
Pelo fato de 100% das publicações analisadas pertencerem ao gênero opinativo ou
interpretativo, nota-se uma abordagem jornalística subjetiva em todos os textos analisados.
6.6.1.4 Interfaces
Gráfico 16 – Compartilhamentos no Facebook
FONTE: Dados da pesquisa
130
A maioria dos textos (67%) teve 3 ou mais compartilhamentos no Facebook, enquanto
17% foi compartilhado apenas 2 vezes e 16% recebeu 1 ou nenhum compartilhamento.
Gráfico 17 – Compartilhamentos no Twitter
FONTE: Dados da pesquisa
A maioria dos textos (42%) teve apenas 1 ou nenhum compartilhamento no Twitter,
enquanto 41% foi compartilhado 3 ou mais vezes e 17% recebeu apenas 2 compartilhamentos.
Gráfico 18 – Comentários
FONTE: Dados da pesquisa
131
Das publicações analisadas no período, 50% não receberam comentários de leitores,
enquanto 17% recebeu apenas 1 comentário e 25% recebeu apenas 2. Uma minoria de 8%
recebeu mais de 3 comentários.
6.6.2 Inferências
A análise revelou que a maioria dos textos podem ser classificados como longos
(33%) ou muito longos (67%), variando entre 4 mil e 6 mil caracteres, muitas vezes
superando esse limite. Textos muitos extensos se tornam impraticáveis na mídia
tradicional, que precisa constantemente se impor limites de espaço. Mas a ampliação
dos limites de espaço e tempo é uma característica que diferencia a Internet das mídias
tradicionais (MENDONÇA; LUÍNDIA, 2009), fazendo do ciberespaço o lugar ideal
para um jornalismo especializado e em profundidade, apesar de haver um pensamento
de que o texto webjornalístico deve ser o mais enxuto possível26
. Apesar disso, a
escrita jornalística na Internet deve se aproximar ao máximo do modelo hipertextual27
,
especialmente para textos muito longos. A partir da análise realizada, percebeu-se que
a maioria dos textos (83%) da seção ―Colunas‖ não possui hiperlinks, recurso que
permite uma leitura dinâmica; além disso, constatou-se que grupo dos textos com mais
de 6 mil caracteres concentra o maior número de publicações fora do padrão
hipertextual.
O fato de a maioria das publicações analisadas (67%) não apresentar imagem também
entra em contradição com o que se deve esperar de textos publicados na Internet, uma
vez que o recurso imagético ajuda a ―quebrar‖ a densidade da narrativa, ampliando a
26 Cf. HARLOW, 2011; GIMENEZ, 2011. 27
Relembrando: o hipertexto, por meio dos links, permite que o usuário conduza sua própria leitura, podendo dar
―saltos‖ entre as páginas web de acordo com o seu interesse, possibilitando uma leitura não-linear, ou
multilinear, diferentemente daquela imposta pela técnica da ―pirâmide invertida‖, na qual o roteiro de leitura está
pré-determinado em começo, meio e fim.
132
informação e conferindo-lhe expressividade. Afinal, a imagem tem o potencial de
atuar como co-gestora do conhecimento (BUITONI, 2007).
A partir das inferências realizadas notou-se que as publicações praticamente não fazem
referências ao jornalismo cultural, sinal de que o Digestivo se dedica menos à reflexão
do que à prática propriamente dita dessa especialidade jornalística.
Dentre os textos analisados notou-se a predominância de temáticas nacionais (50%),
especialmente nas áreas de Artes, Sociedade e Personalidades. Isso revela que, nas
colunas do Digestivo, os assuntos com origem no cotidiano e no espaço cultural
brasileiros estão sendo constantemente pautados, sem haver um compromisso
limitador com a ―agenda‖ da indústria cultural estrangeira.
A partir das possíveis abordagens cultura (produto e processo), a narrativa de
processos culturais e afins foi a que predominou no material analisado (42%),
superando, assim, o número de textos que apresentaram como eixo principal a
apreciação de produtos culturais (33%). Esse é um dado interessante, pois revela que é
possível, para o jornalismo cultural, não se alimentar unicamente das grandes
indústrias do entretenimento ou das agendas de lançamentos. O Digestivo demonstra
ser possível refletir sobre o processo cultural, seus bastidores, especificidades e sobre
o nosso próprio cenário, de ontem e hoje.
Quanto aos gêneros jornalísticos, o que predomina em 83% das publicações analisadas
é o opinativo, representado pelos subgêneros artigo, resenha e crônica, que servem de
subsídio para a formação da opinião pública (ASSIS, 2010). Além desse, verificou-se
no Digestivo espaço aberto à história de interesse humano, representante do gênero
diversional, definido por Assis (2010) como um tipo de texto (geralmente extenso)
cujo trabalho de apuração e redação é feito com certa dose de sensibilidade. Por fim, a
análise revelou que o Digestivo não trabalha com textos puramente informativos e que
133
as publicações pertencentes ao gênero opinativo são responsáveis pela maioria dos
textos com mais de 6 mil caracteres.
Especialmente por não se tratar de um site noticioso, a temporalidade das publicações
do Digestivo Cultural é mais flexível. Seu conteúdo não reflete os acontecimentos
imediatos e cotidianos (em um sentido factual de instantaneidade), tampouco se
debruça sobre acontecimentos ―agendados‖ ou que ainda estão por vir, mas dispensa
atenção reflexiva e crítica a assuntos de um passado distante ou próximo. Em alguns
casos, como as interpretações revelaram, o conteúdo chega até mesmo a ser atemporal,
anulando a efemeridade que os textos costumam adquirir na imprensa tradicional.
De modo geral, durante o período delimitado para a análise, as publicações tiveram
pouca repercussão nas redes sociais digitais como Facebook e Twitter. Os textos
também apresentaram baixo índice de comentários, e esses dados ganham ainda mais
contraste quando comparados com o volume de acessos registrado mensalmente pelo
site. Mas, como o número de acessos não necessariamente reflete o número de leituras
efetivas, o baixo índice de interatividade pode ser explicado do ponto de vista da
apresentação estética e textual das publicações. Assim, textos longos, com pouco ou
nenhum recurso imagético, hipertextual ou multimidiático, além da narrativa muitas
vezes poética empregada neles, podem encontrar resistência no universo dos leitores
da Internet, acostumados a informações de consumo rápido28
.
Ainda em se tratando da parca interatividade encontrada no site, apesar das
ferramentas empregadas para estimulá-la, faz-se necessário frisar que o ―declínio e
queda‖ dos comentários já vinha sendo apontado desde 2009 pelo próprio editor, em
decorrência principalmente do fortalecimento das ferramentas de autopublicação: ―os
28
Um comentário da leitora Adriana Godoy, no dia 30/01/2009, dá uma pista nesse sentido: ―Eu, como
comentadora antiga do DC, tenho notado a redução de comentários mais detalhados neste site. Talvez seja
também pelo número excessivo de novos textos - a digestão se torna mais difícil. [...] Por enquanto, comento um
texto aqui, outro acolá, mas não dá para ler todos‖ (BORGES, 2009d).
134
comentários viraram ‗outra coisa‘, porque os comentadores deixaram de ser audiência
para se tornar, eles mesmos, protagonistas de suas histórias‖ (BORGES, 2009d).
6.7 Análise de Discurso
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 02 Data de publicação: 02/03/2012
Título: Tom e Tim
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O texto se caracteriza por ser narrativo e
descritivo, com a presença bastante delineada
da subjetividade da autora. Dessa forma, o
discurso ora se reporta à descrição do
personagem (fonte única do texto), ora às
impressões da autora em relação ao ambiente
e ao próprio personagem: ―Ele não teria mais
nada a dizer, e parece que eu me esgotara de
tantas perguntas e respostas‖. Por isso, em
algumas passagens o discurso aparece sob a
forma explícita da primeira pessoa (ponto de
vista a partir do qual é desenvolvido).
Por conta da sua característica de
descrição-narração, pode-se dizer que o texto
trabalha essencialmente com o Acontecimento
Relatado (AR), ou seja, é um produto da
vivência e proximidade com a fonte,
proporcionadas por ―almoços e cafés‖. Nesse
contexto, os ditos relatados também aparecem
sob a forma de trechos das entrevistas
realizadas.
O discurso apresenta um tom
acentuadamente literário, fazendo uso de
figuras de linguagem, adjetivos, etc. Algumas
passagens se aproximam da prosa poética e do
conto: ―Ao longe, vejo um lobo branco, vindo
em minha direção. Tudo então fica escuro, e
ele reaparece, mais perto. Mais perto, até que
fico cara a cara com ele, como diante de um
reflexo enevoado. Sua cara é agressiva, no
entanto tal ferocidade não inspira medo.
Apenas é. Estou eu diante de um espelho?‖.
Observações: A autora parece ter se deparado com um conflito fruto do seu próprio discurso: a
linha tênue que separa a objetividade da subjetividade. Assim, em certa passagem ela escreve:
―Preciso me ater com certa objetividade – percebo, pois Semerjian pede uma imparcialidade
que eu distanciava de certas situações, mas que surge (sic) – e abandonar o que se deixa estar
sobejando, acessório, fantasiado‖. Dessa forma, ela ratifica o tom emotivo e de admiração
pessoal que pode ser notado ao longo de todo o texto.
Quadro 19 - Ficha de análise 01
FONTE: Dados da pesquisa
135
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 02 Data de publicação: 02/03/2012
Título: Tom e Tim
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O texto apresenta características de
Acontecimento Relatado (AR), pois a autora
utiliza recursos descritos e narrativos para
relatar as circunstâncias de uma entrevista
realizada com os músicos Tom Jobim e Tim
Maia, apesar deste último receber bem menos
destaque na narrativa.
O ponto de vista adotado é o da autora, em
seu papel de ―foca‖ (jornalista iniciante) e,
antes de tudo, observadora.
Os ditos aparecem integrados à narrativa:
―Ipanema tinha dunas, ele nadava na Lagoa
Rodrigo de Freitas, chegou a catar pedras
semi-preciosas quando era criança em suas
margens‖.
A informação também aparece de forma
mais direta quando a autora introduz a figura
de Tim Maia: ―biografado de Nelson Motta
em Vale Tudo, transformado em musical
recordista de bilheteria no Rio, com estréia
paulista em março‖.
Características do Acontecimento
Comentado (AC) aparecem quando a autora
cita o documentário produzido sobre Tom
Jobim. Assim, a narradora emite apreciações a
respeito do formato da obra e chega a usar de
ironia para comentá-la: ―Quem sou eu para
discordar de tamanha revolução e revelar meu
conservadorismo de ter sentido falta até das
legendas para identificar quem era quem‖.
A intenção de fazer sentir aparece logo nas
primeiras frases, quando a autora procura
gerar envolvimento a partir de uma
antecipação do que o leitor encontrará adiante:
―Nunca fui oficialmente jornalista cultural,
mas tive meus momentos‖.
A tentativa de aproximar o leitor das
vivências da autora surge em vários pontos da
publicação, como em: ―No finalzinho dos
anos 1990, quando eu era repórter do Globo-
Ipanema, surgiu uma oportunidade daquelas‖.
Ou seja, buscou-se colocar o leitor em uma
posição de cumplicidade e intimidade com os
fatos.
O apelo à afetividade também surge no
relato de situações opostas em que sobressaem
os temperamentos díspares de Tom e Tim.
Assim, os traços personalísticos dos sujeitos
ficam traçados da seguinte forma: repórter
(foca, insegura, audaciosa), Tom (doce,
humano, morador, nostálgico) e Tim
(intempestivo e inconstante).
Quadro 20 - Ficha de análise 02
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 03 Data de publicação: 05/03/2012
Título: Meus encontros e desencontros com Daniel Piza
DISCURSO
136
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O texto apresenta características próprias
da narração e descrição, o que remete seu
modo discursivo ao Acontecimento Relatado
(AR). Por se tratar de um texto notadamente
opinativo, o elemento explicativo, que ajuda a
esclarecer os motivos das decepções do autor
em relação a Daniel Piza, aparece em trechos
como: ―[Ele] poderia ter sido o Quixote da
interação virtual, [...] mas acabou engrossando
o coro dos que achavam aquilo tudo [o
fenômeno dos blogs] porta de mictório,
barbárie com verniz tecnológico‖.
Características do Acontecimento
Comentado (AC) também aparecem ao longo
da publicação. No entanto, levando em conta
as informações presentes no texto, a
afirmação de que Daniel Piza ―ficou aquém
do que poderia‖ soa leviana e fora de
contexto, pois o autor não fornece as provas
que justifiquem essa opinião. Apesar de
sabermos que a decepção do autor em relação
ao jornalista foi motivada pelo
posicionamento deste a respeito do fenômeno
dos blogs há cerca de dez anos, o autor não dá
exemplos de como esse posicionamento pode
ser apreendido. Ou seja, a falta do Dito
Relatado (DR) acaba prejudicando a coerência
da narrativa.
O apelo à visada de captação e à
curiosidade do leitor aparece logo no título da
publicação, revelando que o que vem a seguir
é uma narrativa em tom pessoal,
possivelmente motivada pela morte recente do
seu sujeito principal.
Assim, o relato das duas decepções do
autor em relação a Daniel Piza contribuem
para aproximar o leitor do narrador, gerando
uma relação de intimidade e
compartilhamento de experiência.
Por sua vez, a descrição de detalhes dos
bastidores dessa relação, como conversas via
e-mail e através do blog do autor, ajudam a
acentuar uma faceta do jornalista Daniel Piza
muitas vezes desconhecida: ―atencioso ao
nível do detalhe com seus leitores‖.
Observações: Terminada a leitura da publicação, a imagem que se tem de Daniel Piza, a partir
do ponto de vista e das experiências relatadas pelo autor, é a de alguém que ―não realizou seu
destino possível de ter casado internet e imprensa‖. Segundo o autor, o jornalista escolheu o
caminho (inicialmente de oposição aos novos paradigmas da internet) ditado pelos meios
tradicionais, que lhe deram/davam mais retorno financeiro, reconhecimento, etc. Ou seja, além
de ter sido um jornalista talentoso e de apurado senso crítico, Daniel Piza surge quase como um
mercenário elitista a serviço a mídia tradicional, imagem reforçada pelo autor do texto de
forma explícita em pelo menos dois momentos. Outros traços ideológicos e ideias pré-
concebidas podem ser notados: jornalistas paulistas aparecem como ―deslumbradinhos‖ com a
modernidade e a interatividade proporcionada pelos blogs surge como um ideal de
comunicação no século XXI.
Quadro 21 - Ficha de análise 03
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
137
Postagem nº 04 Data de publicação: 06/03/2012
Título: Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O texto apresenta traços bem definidos de
Acontecimento Comentado (AC) e
Acontecimento Relatado (AR), sendo que o
primeiro é predominante por se tratar de um
texto opinativo.
Os elementos do AC aparecem logo no
primeiro parágrafo: o autor problematiza
(―Marx dizia que ser radical é ir à raiz do
problema. Pretendo fazer isso em relação ao
nosso Modernismo‖) e apresenta sua
proposição (―Creio que já passou da hora de
parar de jogar enfeites comemorativos sobre o
suposto modernismo de nossa arte‖). Para
isso, recorre à explicação, devidamente
baseada em argumentos pessoais e externos,
ao mesmo tempo em que faz uma apreciação
subjetiva do tema proposto.
O AR, por sua vez, surge sob a forma de
ditos relatados, ou seja, recorre-se à fala de
autores e estudiosos (ora citada, ora integrada)
para dar suporte à argumentação, com o
objetivo de persuadir o leitor.
O apelo ao ―fazer sentir‖ aparece logo no
início do texto, quando o autor deixa claro que
as ideias que vêm a seguir são radicais (apesar
de tentar conferir um significado alternativo à
palavra). Esse é um recurso que,
conscientemente ou não, ajuda a captar a
atenção do leitor para o texto.
De modo geral, essa sensação se repete em
vários momentos ao longo da publicação, pois
o autor opta por ser bem direto e taxativo
quanto às suas posições, inclusive fazendo uso
constante de adjetivos e frases em tom mais
incisivo e sarcástico, como ―medíocre‖,
―medianos‖ ou ―questionar nosso capenga e
caipira espírito pseudo-revolucionário parece
o mesmo que cuspir na hóstia‖.
Por outro lado, o autor apresenta sua
argumentação como um território ainda
desconhecido, expondo suas ideias (e as dos
autores nos quais se apóiam) como algo
reacionário, ―que não chegou ainda ao grande
público‖.
Observações: A argumentação exposta no texto está claramente direcionada a uma tentativa de
desconstruir a imagem (ingênua, segundo o autor) que se tem do movimento lançado pela
Semana de 22 e de seus principais precursores, uma vez que nosso modernismo não passou de
desinformação e apego à tradição, na contramão das vanguardas européias.
Quadro 22 - Ficha de análise 04
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 05 Data de publicação: 07/03/2012
Título: Treze teses sobre cinema
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
Por se tratar de um artigo opinativo com
características de ensaio, o texto possui um
modo discursivo próprio do Acontecimento
Comentado (AC), apesar de não tratar de
Abordado em tom emotivo, o texto ora
recorre a detalhes técnicos, ora se atém a
abstrações de cunho estético e sentimental. No
entanto, a argumentação densa e às vezes
138
acontecimentos factuais. Dessa forma, o autor
constrói seu discurso, eminentemente
argumentativo, de modo a problematizar e
avaliar diversos aspectos (técnicos, estéticos,
sociais, etc.) da produção cinematográfica
como um todo.
O texto perde em coesão por ter sido
estruturado em doze blocos correspondendo a
cada uma das teses, o que revela que o autor
não partiu de uma única linha de pensamento.
Tampouco é possível identificar os ditos
utilizados para a construção das
argumentações.
demasiadamente especializada, pode dificultar
os objetivos da visada de captação caso o
leitor seja pouco afeito ao estilo ensaístico ou
à própria temática.
Observações: De modo geral, o que se pode apreender a partir dos pontos de vista e teses
apresentadas no texto é que o autor tem uma visão bem definida do cinema como uma
construção subjetiva, ideológica e impossível de ser pensada ―fora dos preceitos da Indústria
Cultural‖. Esse é um discurso que aparece em vários momentos ao longo da publicação.
Quadro 23 - Ficha de análise 05
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 06 Data de publicação: 08/03/2012
Título: Memórias de ex-professoras
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O texto apresenta características de
narrativa subjetiva, na qual a autora, a partir
de experiências pessoais, reflete a respeito do
papel histórico das mulheres no campo da
educação.
Nota-se também a presença de
acontecimentos e ditos relatados como forma
de complementar a narração. Dessa forma, a
autora traça um panorama de como o
reconhecimento social e a auto-imagem das
professoras foi se modificando ao longo do
tempo.
O tom pessoal do texto contribui para
aproximar o leitor da narrativa, criando uma
relação de intimidade e compartilhamento de
vivências. O confronto de realidades também
gera envolvimento e até sentimento de revolta
a partir da constatação da desvalorização das
professoras.
Observações: A autora expressa em seu discurso uma posição crítica em relação à crescente
desvalorização das professoras diante da ―falsa democratização do ensino‖. Assim, a narrativa
é encerrada em tom irônico, em que dois sentidos são trabalhados para acentuar as mazelas da
desvalorização: ―quem quiser voltar a ser professor tem trabalho garantido‖.
Quadro 24 - Ficha de análise 06
FONTE: Dados da pesquisa
139
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 07 Data de publicação: 12/03/2012
Título: A ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
A visada de informação aparece sob a
forma da descrição-narração, usada na maior
parte do texto para fornecer detalhes sobre o
enredo da obra sob análise, já que se trata de
uma resenha crítica. Assim, o ponto de vista
adotado no discurso é o do autor ao assumir
uma posição de leitor.
A explicação ganha evidência nos
momentos em que se revelam circunstâncias e
interrelações entre os elementos da obra. Para
apoiar a narrativa, o autor recorre a ditos
extraídos in extenso do próprio livro.
Pode-se dizer que o discurso também se
aproxima do Acontecimento Comentado
(AC), pois seu enunciador problematiza a
questão central da obra analisada e, de certa
forma, faz uma avaliação da mesma.
O ―fazer sentir‖ aparece logo no início do
texto, quando o autor gera expectativa no
leitor ao relatar seu entusiasmo diante do que
descreve como ―um dos livros mais
impressionantes que tivemos o prazer de ler‖.
Observações: Apesar do entusiasmo declarado do autor em relação à obra, a sua narrativa se
atém mais à descrição do enredo do livro do que à avaliação propriamente dita. Assim, em vez
de apreciações estéticas, o autor foca o discurso na questão central que decorre da obra: ―ao
homem é impossível regredir a estágios animalescos e de dócil submissão a comandos
acompanhados de reforços ou punições‖. Para reforçar a ideia, o autor faz uma referência ao
Big Brother Brasil.
Quadro 25 - Ficha de análise 07
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 08 Data de publicação: 13/03/2012
Título: O Artista
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O texto assume características de
Acontecimento Relatado (AR) ao descrever
detalhes do enredo do filme sob análise e
O estímulo à visada de captação se
concretiza especialmente no início do texto,
quando o autor destaca os elementos positivos
140
explicar os contextos nos quais a narrativa se
desenrola. O autor também recorre a ditos
relatados do roteirista do filme, de modo a
complementar as interpretações realizadas.
Por isso, o ponto de vista adotado é o do
espectador.
O Acontecimento Comentado (AC) surge,
naturalmente, pelo fato de o texto se tratar de
uma resenha crítica. Dessa forma, o autor
elucida diversos aspectos da obra, explicando
motivos e intenções por trás de determinadas
seqüências da película: ―em uma metáfora
sutil, vê-se a troca do velho pelo novo e dança
de posições contínua‖. Essas interpretações
servem ao propósito do autor de avaliar
positivamente o filme.
do filme, gerando interesse e expectativa:
―possui personagens cativantes, beleza visual
e uma história leve e divertida‖.
Além disso, a forma que o autor utiliza
para apresentar determinadas conclusões
sobre a composição do enredo e dos
personagens recorre à tentativa de
aproximação do leitor-espectador com o que é
exposto: ―um dos recursos usados foi se
aproveitar do nosso, digamos, hábito sonoro‖
e ―essa forma nos faz experimentar a mesma
inquietação de Valentin: estamos frente à
mudança‖. Assim, o leitor se vê incluído na
narrativa e no próprio processo de
interpretação.
Observações: Do ponto de vista do autor, o tema central do filme é a questão do tempo e
identidade e como lidamos com a mudança. Apesar de serem apresentados vários pontos em
comum com outras obras do cinema mudo, o autor ressalta que O Artista não se resume à
―intertextualidade vazia‖. Esses são os principais argumentos utilizados por ele para qualificar
positivamente o filme.
Quadro 26 - Ficha de análise 08
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 09 Data de publicação: 14/03/2012
Título: Liberdade, de Franzen
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
No texto, o Acontecimento Relatado (AR)
fica em segundo plano, ganhando destaque o
Acontecimento Comentado (AC),
característico das resenhas críticas. Assim, o
autor não se detém à descrição-narração do
enredo do livro, mas sim à problematização e
avaliação subjetiva de elementos como sua
construção lingüística e caracterização dos
personagens: ―mas há pouca literatura em seu
romance, é isso. Seus personagens são muito
racionais, mesmo em seus momentos mais
instáveis‖.
Para sustentar a análise são utilizados
argumentos e explicações obtidos a partir do
De modo geral, a visada de captação é
estimulada quando o autor promove a
desconstrução da imagem que o livro adquiriu
de ―resumo de uma época‖ e ―livro do
século‖. Assim, o fato de ter sido flagrado na
companhia de Obama e Oprah Winfrey não
significa que o livro seja bom, mas certamente
contribuiu para alavancar suas vendas e, ao
mesmo tempo, despertar o interesse das
pessoas na obra. É apelando a esse interesse
que o texto procura prender o leitor.
141
ponto de vista do autor-leitor, assumidamente
crítico: ―a literatura é soterrada por uma
montanha de informações que tornam o texto
meio enfadonho e burocrático‖.
Observações: O discurso do autor procura amenizar a empolgação (especialmente
impulsionada pelo The Guardian) em torno do livro, ou seja, ele ―não é nem a metade daquilo
que estão falando por aí‖. Nesse sentido, o autor busca características de outras obras para
realçar os defeitos do livro de Franzen. No entanto, ao terminar o texto, o autor tenta justificar
seu desinteresse em relação à obra explicando que a leitura de ―Liberdade‖ se sucedera à leitura
de um livro de Faulkner, considerado genial por ele: ―como sou um leitor totalmente sem
método, a situação me caiu no colo‖.
Quadro 27 - Ficha de análise 09 FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 10 Data de publicação: 15/03/2012
Título: Natureza Humana Morta
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
Neste texto, que foi classificado como
resenha crítica, o que ganha destaque é o
Acontecimento Comentado (AC), em
detrimento do Acontecimento Relatado (AR).
Assim, o autor faz uma avaliação subjetiva na
qual se sobressai a sua afetividade em relação
aos filmes A Rede Social e Os Homens que
Não Amavam as Mulheres, ambos do diretor
David Fincher.
A elucidação também ganha lugar no texto
no momento em que o resenhista faz
interpretações acerca de determinados
elementos do filme, de modo a ressaltar os
seus significados simbólicos: ―seu moicano
serve como uma couraça de espinhos contra a
repressão da tutela exercida pelo Estado...‖.
Desse ponto de vista, o autor adentra o
campo da descrição quando tece
considerações sobre a composição psicológica
dos personagens dos filmes: ―Mark
Zuckerberg também não se conecta com o
mundo real, em A Rede Social e consegue
manter o equilíbrio nas suas relações apenas
enquanto não existem disputas‖.
O apelo à emoção e às sensações perpassa
todo o discurso do autor, que faz uma
apreciação bastante subjetiva e psicológica
dos dois filmes. Para isso, ele usa construções
metafóricas e abstratas para colocar o leitor
em contato com os sentidos que as tramas
despertam e, ao mesmo tempo, para revelar o
que há por trás de ambas (o não-dito): ―em um
mundo onde a vida orgânica dos personagens
não entra em contato com a paisagem, a
resistência individual apresenta-se como o
único oxigênio a impulsionar a vida‖.
142
Observações: Para o autor, a iluminação adotada pelo diretor nas duas películas e as relações
entre claridade e escuridão adquirem sentidos próprios, conferindo certa dose de simbolismo ao
enredo e à composição dos personagens: ―as personalidades de Lisbeth e Zuckerberg revelam-
se apenas quando retratadas no contraste com o ambiente sombrio, como pinturas da natureza
morta‖. Além disso, a forma como o discurso está posto revela que os personagens e suas
especificidades são tão importantes quanto os próprios enredos.
Quadro 28 - Ficha de análise 10
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 11 Data de publicação: 19/03/2012
Título: Parque de Diversão Brasil
DISCURSO
Visada de Informação
Fazer saber
Visada de Captação
Fazer sentir
O discurso do texto é uma mistura de
Acontecimento Relatado (descrição de fatos
reais) e Acontecimento Comentado
(problematização e elucidação de causas e
onseqüências a partir dos fatos relatados).
Assim, o autor constrói a sua narrativa a
partir de uma metáfora (―Andei reparando que
o Brasil é um enorme parque de diversão‖), de
modo a discutir problemas brasileiros que ele
relaciona à ―impunidade e falta de
supervisão/vigilância‖.
Um estímulo à visada de captação se faz
presente no uso que o autor faz de metáforas,
ironias e sarcasmo para retratar as mazelas do
cotidiano a partir de fatos específicos.
Portanto, a forma como o discurso está
posto é uma tentativa de fazer o leitor refletir
a partir de uma crônica do cotidiano, em que o
imaginário é usado para realçar o real. O tom
incisivo (e ao mesmo tempo emotivo) do
autor também se destaca em passagens
encerradas por um ponto de exclamação.
Observações: A argumentação desenvolvida pelo autor conduz o seu discurso a uma
conclusão: ―precisamos de educação, vigilância e punição‖. No entanto, da forma como foram
colocados, os argumentos soam ingênuos ou desconexos: ―se queremos uma Disney,
precisamos aumentar a punição!‖, sendo que, no texto, a punição aparece associada unicamente
à questão financeira. Por outro lado, a idéia de vigilância aparece assim descrita: ―para mudar a
mentalidade, afora educação de base, será necessário repressão policial (não ditadura!)‖. Ou
seja, no discurso a idéia de vigilância e supervisão aparece identificada com a repressão
policial.
Quadro 29 - Ficha de análise 11
FONTE: Dados da pesquisa
FICHA DE ANÁLISE
IDENTIFICAÇÃO
Postagem nº 12 Data de publicação: 20/03/2012
Título: Ode à mulher
DISCURSO
Visada de Informação Visada de Captação
143
Fazer saber Fazer sentir
O texto se baseia principalmente no
processo de narração, na qual se pode notar a
presença de fatos e ditos relatados, além do
Acontecimento Comentado (AC). Exemplo de
Fato Relatado (FR): ―Somente em 1867,
Stuart Mill fazia, diante do Parlamento, a
primeira defesa oficialmente pronunciada do
direito do voto feminino‖. Dito Relatado
(DR): ―O escritor Alexandre dumas Filho
aconselhava ao marido traído uma única
atitude para com a esposa infiel: ‗Mate-a‘‖.
Além disso, o discurso se caracteriza como
um ensaio que traz uma série de referências à
história, à arte e à política de modo a elucidar
e problematizar as dificuldades e preconceitos
que as mulheres têm enfrentado ao longo do
tempo, ao mesmo tempo em que faz uma
defesa da sua perseverança.
Por isso, como exemplo de AC, no qual se
depreende a construção de argumentos e
conclusões, temos: ―Depois de saber de todos
os males que a mulher enfrentou nesse
mundo, podemos nos perguntar como
sobrevivemos ainda como espécie? A
resposta, clara e objetiva: por causa da força
da mulher...‖.
O texto faz bastante uso de adjetivos e
frases de efeito que expressam ideias
antagônicas de modo a reforçar as intenções
da visada de informação: ―algumas culturas a
transformaram em deusa, outras a
transformaram em bruxa, feiticeira diabólica‖,
―mulheres foram transformadas em santas
quando se recolheram, mas também foram
julgadas como putas quando viveram
livremente‖, ―existem mulheres lindas, com
pés feios. Existem mulheres com rostos feios,
mas que andam como uma deusa‖, etc.
Outro apelo ao ―fazer sentir‖ aparece em
trechos carregados de emoção: ―há imagens
enternecedoras de mulheres: como o amor da
mãe favelada (aqui e na África) que chora
com seu coração partido por não poder dar
uma xícara de leite ao seu bebê, que não
consegue dormir por causa da fome‖.
Observações: Alguns trechos do discurso também revelam certo posicionamento ideológico
do autor em relação à política (destaque para Marta Suplicy) e à questão social do aborto: ―O
Brasil tem tido na mulher enorme força política, a Senadora Marta Suplicy, a presidenta Dilma
Rousseff, as ministras do atual governo comprovam. Marta Suplicy foi uma das principais
vozes femininas a se manifestar publicamente em favor da participação social da mulher na
sociedade brasileira... Questões como direito ao divórcio, direito ao prazer [...] foram
amplamente discutidos por Marta‖; ―A mulher brasileira ainda não tem o direito sobre o
próprio corpo. O direito ao aborto não lhe foi ainda assegurado‖.
Quadro 30 - Ficha de análise 12
FONTE: Dados da pesquisa
6.7.1 Interpretação das análises
No contexto da visada de informação e do fazer saber, as análises revelaram um uso
recorrente e aprofundado da descrição e da narração, atividades linguajeiras
estritamente ligadas ao Acontecimento Relatado (AR). Assim, faz-se presente nos
144
textos um tipo de construção textual afeito às minúcias, qualidade pouco explorada no
jornalismo convencional.
No corpus analisado, a narração, além de envolver narrativa, narrador, ponto de vista e
responder ao ―o quê‖, ―quem‖, ―onde‖ e ―quando‖ (CHARAUDEAU, 2006),
extrapola o campo meramente descritivo, assumindo feições de narrativa literária.
O Acontecimento Comentado (AC) também pode ser identificado nos textos sob a
forma do discurso argumentativo e da avaliação subjetiva, especialmente nas
publicações do gênero opinativo, como artigo e resenha.
Em relação à visada de captação e ao fazer sentir, nota-se que os discursos foram
construídos no sentido de estimular a aproximação emotiva do leitor com os autores e
as situações relatadas, criando um ambiente propício à intimidade e ao
compartilhamento de experiências. Essas características vêm à tona quando os
discursos adotam um tom mais pessoal, lançando mão do estímulo aos sentidos e às
emoções através do uso de adjetivos e de construções textuais impressionistas ou
poéticas.
De um modo geral, percebe-se nos discursos presentes nos textos potenciais para a
construção e desconstrução de imagens e percepções em relação aos personagens dos
quais eles tratam ou às situações descritas, pondo em prática o caráter ideológico do
discurso (ORLANDI, 2009).
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar em como o jornalismo cultural se enquadra em uma realidade constantemente
influenciada pela renovação tecnológica é uma tarefa que se impõe aos comunicadores e
comunicólogos dedicados à investigação e ao exercício dessa especialidade. Desde o início, o
estudo de caso do Digestivo Cultural pretendia atender a essa demanda acadêmica,
especialmente no âmbito do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do
Amazonas, onde o jornalismo cultural tem despertado pouco ou nenhum interesse, até mesmo
por não constar como disciplina específica da grade curricular (MENDONÇA; AZEVEDO,
2010).
Para isso, estabeleceu-se como meta analisar o site sob múltiplas facetas: Arquitetura
de Informação, Usabilidade, Interfaces Comunicacionais e Análises do Conteúdo e Discurso.
Essa escolha metodológica acabou conferindo ao trabalho outro viés essencial – se não o seu
mais importante elo – o da interdisciplinaridade. Provou-se ser possível, portanto, a correlação
entre campos de pesquisa aparentemente díspares, como as Ciências da Computação e a
Comunicação (outra lacuna não contemplada pela maioria dos cursos de graduação).
Da Arquitetura de Informação, conforme é contemplada por Morville e Rosenfeld
(2006), veio a compreensão de como a disposição dos inúmeros elementos componentes do
website contribui para a boa relação entre internauta e sistema. Assim, foi possível perceber
no Digestivo Cultural algumas das principais estruturas de organização, navegação, rotulação
e busca características do modelo de AI no qual o estudo de caso se baseou.
A organização do site, essencialmente cronológica e sequencial, privilegia a
visualização dos conteúdos ora por ordem de publicação, destacando a profundidade temporal
possibilitada pelo ciberespaço, ora por ordem de publicações mais acessadas, estabelecendo a
popularidade de determinado texto como critério para sua maior ou menor visibilidade.
146
Da mesma forma, a navegação social, bastante adotada nas páginas internas do site,
estabelece um ranking de publicações mais acessadas para determinado autor, bem como de
textos relacionados com a publicação lida, permitindo o aprofundamento de determinado tema
ou possibilitando o contato com desdobramentos do mesmo. Por isso, como era de se esperar,
o Digestivo trabalha genericamente com hipertextos, pois possibilita leituras não-lineares.
Ressalvas devem ser feitas, entretanto, à forma como esse conteúdo é disponibilizado
aos leitores. Para além de todas as possibilidades de leitura dinâmica proporcionadas pelo
ambiente Web, a Análise de Conteúdo demonstrou que as colunas do Digestivo subutilizam o
recurso do hiperlink, considerando a densidade, em número de caracteres, dos textos
publicados nesta seção. Desperdiça-se, assim, uma potente ferramenta para ampliar o espectro
comunicativo dos ensaios, resenhas, dentre outros.
Apesar de adotar um design minimalista e monocromático, o Digestivo agrega muito
conteúdo textual em uma mesma página, independente da seção onde se esteja,
sobrecarregando a leitura e tornando a navegação confusa. O uso limitado de imagens e
ilustrações, especialmente nas colunas, também pode ser encarado como um empecilho à boa
recepção das publicações por parte dos leitores, tornando os textos carentes de atrativos do
ponto de vista visual e estético.
Em se tratando dos sistemas de busca, notou-se uma limitação passível de ser
associada tanto a uma falha de Arquitetura de Informação quanto de usabilidade: o fato de o
internauta não poder controlar, personalizar ou filtrar as suas buscas conforme os seus
interesses (por data, assunto, autor, entre outros). São detalhes importantes para tornar o
processo de busca de informações dentro do site menos frustrante e exaustivo.
Mesmo não tendo sido recorrentes durante o período de análise e de terem afetado de
forma mínima a navegação do usuário no site, as situações de erro também poderiam
147
facilmente ser corrigidas, de modo a prevenir que o internauta seja induzido a realizar tarefas
de forma equivocada (conforme Figura 27) ou se depare com mensagens em linguagem de
máquina (conforme Figura 31). O Digestivo também carece de um sistema autônomo de ajuda
e suporte ao usuário, uma vez que as seções de FAQ não atendem plenamente a possíveis
dúvidas e questionamentos dos seus leitores.
Nos limites das propostas das análises realizadas, percebeu-se no Digestivo Cultural
um ambiente propício ao recurso mais representativo da Web 2.0 - a interatividade. No site, o
leitor tem autonomia para comentar as publicações do seu interesse, além de compartilhá-la
com internautas ―de fora‖ através das plataformas sociais Facebook e Twitter.
Apesar disso, como se viu, as publicações analisadas tiveram parca repercussão nas
redes sociais e foram alvo de poucos comentários e intervenções de leitores. Tal cenário pode
ser explicado tanto pela proliferação dos sistemas de autopublicação na Internet (tese
defendida pelo editor) quanto pela forma como o conteúdo é veiculado nas páginas
(negligência quanto ao uso de imagens, hiperlinks e hipermídia).
Ainda assim, diante da popularidade e da diversificação temática promovida por meio
dos comentários, o Digestivo resolveu adotá-los como uma seção especial, na qual cada
comentador passa a ter uma página própria com um histórico das suas intervenções. Dessa
forma, o site conseguiu criar redes de interação (embora primitivas) dentro do próprio veículo,
ampliando ainda mais o seu potencial crítico e opinativo com base em um modelo de
comunicação de muitos para muitos.
A essa altura, cabe retomar a problemática orientadora dos rumos da pesquisa em seus
primórdios:
uma vez que a internet tende a colocar em trânsito diversas modalidades de linguagens mescladas, faz-se necessário pensar a natureza impura dessa nova
148
linguagem e seus impactos no [...] jornalismo cultural on line ou webjornalismo cultural (ALZAMORA, 2001, p. 6).
Apoiando-se nos dados coletados e nas análises efetuadas, é possível afirmar: o
Digestivo Cultural é um exemplo de website no qual diversos modos de linguagem concorrem
para a prática de um jornalismo cultural com dimensões que ultrapassam as limitações
encontradas na mídia tradicional, especialmente em termos de temática e abordagem.
Notou-se, por exemplo, que no Digestivo a subjetividade se destaca na visada de
informação dos textos de cunho diversional e opinativo, gêneros apontados pela análise de
conteúdo como os mais frequentes no site. Ou seja, diante das sensações expostas nos textos e
das descrições impressionistas (estritamente relacionadas com a visada de captação), o factual
se reconfigura e, na maioria das vezes, fica em segundo plano. A sensação acaba se tornando
a própria informação, característica inerente ao jornalismo em sua vertente mais aprofundada
e literária.
Por outro lado, a análise de conteúdo reforçou a ideia de que a Internet ajuda a ampliar
as fronteiras do jornalismo cultural, muitas vezes fadado a critérios restritos de
noticiabilidade. No entanto, o fato de nenhum texto analisado se encaixar no gênero
puramente informativo não significa que o conteúdo veiculado pelo site careça de informação
(conforme revelaram as depurações realizadas na visada de informação de cada texto).
O Digestivo demonstra ser possível combinar modos e visadas discursivas, como
informação (sob a forma de explicação ou relato), persuasão (sob a forma de comentário) e
sedução (utilizando recursos emotivos), ao mesmo tempo em que oferece pautas interessantes
e olhares sobre diferentes temas, sem perder de vista seus critérios de credibilidade.
Por outro lado, com base no cenário atestado pelo de estudo de caso, entende-se como
urgente a adequação do site aos modelos da hipermídia, para ele não se tornar um veículo
obsoleto, incapaz de acompanhar as reviravoltas na linguagem do ciberespaço.
149
Por fim, cabe ressaltar que iniciativas com o alcance do Digestivo Cultural estão
destinadas a expandir as potencialidades do jornalismo e da própria cultura enquanto valor-
notícia. Ao desempenhar um papel de veículo alternativo desse porte, o site contribui para que
leitores curiosos e (por que não?) insatisfeitos possam absorver tanto informação quanto
emoção, além de exercitar as suas próprias afetividades e expandir seus horizontes
intelectuais.
150
REFERÊNCIAS
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157
GLOSSÁRIO
Análise heurística: metodologia de avaliação e inspeção de aspectos da ergonomia das
interfaces que possam gerar problemas de usabilidade ao usuário durante sua interação com o
sistema.
Arquitetura de Informação: hierarquia do conteúdo e disposição dos elementos interativos
de um website, de tal modo que o usuário consiga encontrar o que procura.
Bens simbólicos: formas simbólicas mercantilizadas.
Ciberespaço: Segundo Santaella (2004), é todo e qualquer espaço informacional
multidimensional que, dependente da interação do usuário, permite a este o acesso, a
manipulação, a transformação e o intercambio de seus fluxos codificados de informação. Em
suma, é o espaço que se abre quando o usuário conecta-se com a rede.
Ciberjornalismo: modalidade jornalística no ciberespaço fundamentada pela utilização de
sistemas automatizados de produção de conteúdos que possibilitam a composição de
narrativas hipertextuais, multimídias e interativas (SCHWINGEL, 2012).
Ergonomia: adaptação de sistemas e dispositivos à maneira como o usuário pensa, comporta-
se e trabalha.
FAQ: sigla de Frequently Asked Questions, ou Perguntas Freqüentes. Um FAQ, quando é
uma compilação de perguntas frequentes acerca de determinado tema.
Feedback: provimento de informação a uma pessoa sobre o desempenho, conduta, ou ação
executada por esta, objetivando reorientar ou estimular comportamentos futuros mais
adequados.
158
Feeds: formato de dados usado em formas de comunicação com conteúdo atualizado
frequentemente, como sites de notícias ou blogs. Os serviços que possibilitam aos usuários
assinarem diferentes feeds são conhecidos como agregadores.
Formas simbólicas: ampla variedade de fenômenos significativos, desde ações, gestos e
rituais até manifestações verbais, textos, programas de televisão e obras de arte.
Gênero informativo: em jornalismo cultural, este gênero é representado pelas notas, notícias,
reportagens e entrevistas.
Gênero utilitário: em jornalismo cultural, este gênero é representado por ―agendões‖,
quadros com programação dos cinemas e funcionamento de pontos culturais.
Hard news: tipo de notícias e coberturas mais densa, como as de fatos econômicos e políticos,
envolvendo contextualização, análises e projeções.
Heurísticas: critérios e princípios de base que possibilitam a usabilidade na relação usuário-
sistema.
Hiperlink: é uma referência num documento em hipertexto a outras partes deste documento
ou a outro documento.
Hipermídia: é a reunião de várias mídias (texto, áudio, vídeo, animação) num suporte
computacional ou sistema eletrônico de comunicação.
Hipertexto: texto em formato digital, ao qual se agregam outros conjuntos de informação na
forma de blocos de textos, palavras, imagens ou sons, cujo acesso se dá através de referências
específicas denominadas hiperlinks.
Jabá: jargão jornalístico que diz respeito a benefícios materiais oferecidos ao jornalista em troca de
exposição na mídia, publicidade ou elogios.
159
Newsletter: é um tipo de publicação com distribuição regular via internet a assinantes e que
aborda geralmente um determinado assunto.
Usabilidade: segundo a ISO 9241, é a capacidade que um sistema interativo oferece ao
usuário para realizar tarefas de maneira eficaz, eficiente e agradável.
Web 2.0: geração da Web em que a interatividade e a participação do usuário final com a
estrutura e o conteúdo da rede são características marcantes.
Web: também conhecida como World Wide Web, é um sistema de documentos em
hipermídia que são interligados e executados na Internet.
160
ANEXO
A - POSTAGEM Nº 01
Lobo branco em selva de pedra: Eduardo Semerjian
Elisa Andrade Buzzo
Seria muita ingenuidade eu pensar que conheceria Eduardo a partir daquele encontro e
as situações que me foram dadas. Não necessariamente porque ele se esconde ou se revela por
meio delas, antes ele simplesmente se estende, e sou eu quem interpreto o filme na minha
óptica absurda, investigando seu dorso ao apoiar os cotovelos sobre os joelhos durante a
leitura do Metro, e umas coxas que se sobressaem maciças envolvidas pelas calças. No
intervalo do almoço acompanho suas mastigadas, as garfadas de rabanetes, salada de tabule,
sagu de maracujá e outros pratos do restaurante vegetariano, afinal, em termos de comida ele
gosta de "variar". Este homenzarrão de mãos almofadadas e posições firmes se vê
pacientemente às voltas com uma colherzinha lançando o molho ao prato, e gosta de sentir a
fibra viçosa da erva-doce. Com sutil divertimento trinco entre os dentes as raízes brancas,
quase transparentes, que exalam um sutil aroma, como o do chá. Será preciso perpassar esse
invólucro, esse olhar que se desloca desinteressado, em busca de macieza, pensar não o
homem no ator, nem o ator no homem, mas os dois, em contraposições, embora unidos e
indissociáveis.
Terno e rígido. Assim posso sintetizar sua personagem, não a mais importante, talvez,
mas aquela mais conhecida do grande público: André Matarazzo, o primeiro marido da
cantora Maysa, na minissérie Quando fala o coração, de 2009. Atraiu-me no ator essa ternura
fria - mesmo diante do que talvez houvesse de sisudo e autoritário no descendente dos
Matarazzo -, que capta em um filme Super 8 o que tem de classificável no jeito de andar do
161
homem, uma faísca da qual se elabore a construção de um personagem real, o jeito contido de
andar, talvez o peso de fazer parte do clã de família paulistana quatrocentona industrial.
Eduardo vem de cara limpa, a cabeça raspada, sem barba e o bigode, que odeia, e os
quilos a mais do engravatado André, nem o turbante usado nas gravações da minisérie Rei
Davi - como Eliã -, que na época deste encontro gravava no Rio de Janeiro e hoje está no ar
na tevê aberta. Sob sua postura crítica, a verborragia que lemos no Facebook há um polimento
reluzente, não artificial de todo, embora o suficiente para constatar que é a fineza quem
encarcera e molda a fera. Pois foi da construção de André Matarazzo que se avizinhou
Eduardo Semerjian - como se eu pudesse percorrer o caminho inverso: do personagem tirasse
a humanidade do homem.
"Eu preciso da instalibidade para ser um artista, a estabilidade vai fazer de mim uma
celebridade da televisão." E não é nada disso que quer, definitivamente. Homem dos palcos,
Eduardo hoje busca um ponto de equilíbrio entre a televisão, o que precisa fazer, e o teatro, o
que quer fazer. A última peça com sua participação foi "Doze homens e uma sentença", de
Reginald Rose, cujas apresentações interrompeu com o convite para a minissérie. Até poucos
meses podia ser visto nos cinemas em Meu País, dirigido por André Ristum. Neste início de
2012, se prepara para um monólogo. Estaria ele em um momento no qual o artista se
diagnostica entre o desejo e as necessidades, ao tecer suas frases com a segurança e a
ponderação de quem expõe, como diz ele, o que é, tal é a essência de ser ator? "Eu não lido
com a segurança, eu lido com a insegurança." De pronto Eduardo encara o drama do artista
em todas as épocas - entre a realização de seus projetos pessoais e participação em outros
mais comerciais, de onde o ator retira visibilidade e sua sobrevivência.
No Massaroca, extinto quadro humorístico do programa Metrópolis, formado por ex-
alunos da Escola de Comunicações e Artes − em que ele bem destila sua faceta cômica, seja
por meio de médicos, funcionários públicos ou excessivos apresentadores de talk-show −, vê-
162
se o encenador que se coloca em mínimos gestos e entonações de voz, embora um bater de
palmas no momento do riso flagre o imponderável das idiossincrasias. Senão estava em frente
às câmeras com "os meninos", era possível ouvi-lo na locução.
Sua voz maviosa também pode ser ouvida em propagandas, e quem a escuta tem a
noção da credibilidade que lhe empresta, somando-se ao tipo comum brasileiro, que ele se
imagina, branco, alto, magro, a imagem de confiança e até mesmo professoral da calvície e
uns fios brancos de barba. "Quase uma joaninha", no peito, camiseta laranja, delicadamente, a
retira. Aquela mesma delicadeza de dedos com que coloca um sachê no câmbio do carro,
dispõe pedras ornamentais no corrimão da escadaria de sua casa − um dos espaços que nela
mais gosta −, são aqueles que se unem para dar uma bofetada de verdade na cara de um jovem
ator em O despertar da primavera, musical em que encena nove papéis diferentes.
Preciso me ater com certa objetividade - percebo, pois Semerjian pede uma
imparcialidade que eu distanciava de certas situações, mas que surge - e abandonar o que se
deixa estar sobejando, acessório, fantasiado. As coisas às vezes são, afinal, o que são. A cada
momento que tento abrir a boca para uma pergunta, Eduardo, com uma calma que mais
pareceria premeditada, dá continuidade a sua fala, ao que eu escuto e me satisfaço. Isto não é
um cabo de guerra, pouco importa quem cede e quem repuxa - nesta tensão de corda, o
resultado sempre será diferente do que a realidade parece ser.
Não é facilmente impressionável - a leve penugem de um braço, um pescoço que se
oferta talvez chamem sua atenção em especial. Seu "não" é um "não" categórico. Une pipe est
une pipe, um corpo é um corpo e apenas um corpo. E devolve sempre na mesma moeda. Com
seus alunos era assim, pois suas múltiplas atividades no campo da atuação - ator de teatro,
cinema e televisão - incluem passagens em oficinas de teatro: quem demonstra esforço e
dedicação receberá sua atenção de bom professor.
163
O menino de colégio jesuíta, que se confessava com a consciência pesada do pecado,
hoje vive em um jogo em que as mentiras e as verdades se alinham numa vida consciente dos
atos e determinada a alcançar seus objetivos. Adepto da prática da meditação ativa, talvez
haja nele um equilíbrio que, mais do que tenha se estabelecido, antes tenha atingido um grau
de cristalização. Formado em Comércio Exterior, Semerjian teve uma rápida passagem pela
Escola de Arte Dramática da USP, em 1991. Inquieto e insatisfeito, três meses foram
suficientes para saber que não era o que queria. Da negação se faz o eu e as escolhas, isso eu
não sou, e assim se aproxima mais do enigma de quem é. Não teve apoio da família quando
quis ser ator.
"Quem você é? Não sei, mas eu sei o que eu não sou."
Ele vai na contramão do tripé fama, Castelo de Caras, publicidade de bronzeador das
celebridades de plantão. Não nega estar dentro da máquina, mas isso não o impede de desferir
suas críticas e impor sua personalidade pouco condizente com as engrenagens do mundo dos
"famosos". Preserva sua intimidade e mantém uma postura de não responder perguntas a esse
respeito. Ainda assim, diz, "é bom se expor", num contraponto a sua vida pessoal
resguardada.
É contra detalhismos inúteis da tevê, embora tenha aprendido a conviver com os
estrelismos e das grandes às pequenas demonstrações egoicas da máquina de fazer sonhos.
Não quer se deixar moldar pela indústria televisiva, mas quando necessário entra num acordo
de cordialidade sem deixar de seguir suas convicções, numa tentativa de sobrevivência e
manutenção de ser ele mesmo, ou seja, não ter sua imagem associada a festas, ilhas
pseudoparadisíacas e badalações fúteis. Estaria o ator imune às aspirações dos seus meros
mortais companheiros de profissão, ao seu objetivo de vida último em que a humanidade se
desprende da condição de astro?
164
Preza a matemática como filosofia, a prática da meditação como autoconhecimento.
Nossa conversa pode muito bem ser interrompida pelo grito de gol na televisão e retornar,
inalterável. "Eu sou estranho, né?" Deixo que me guie, e observo a característica pinta em seu
rosto, a falha no lado direito do couro cabeludo, porque no segundo seguinte tudo estará
perdido, alterado. Agora, Eduardo toma um chá de erva-doce, por sobre um doce delineia a
colher, assim me mostra seu interior que se sobrevê sob a carapaça achocolatada e brilhante
decorada com raspas de limão; e aí está mais uma vez a massa branca, aí sim posso ver
melhor quando ele adentra mais fundo em seu magma.
Eu o acompanho, como que hipnotizada pela luz quase farmacêutica da padaria; na
casa vizinha um busto decepado ostenta uma brancura de gesso. A claridade do dia vai sendo
sobrepujada por nuvens espessas, e ainda assim ela é suficiente para que eu verifique os
mínimos vincos de seu rosto, angiomas rubis; eu bem entendo que essa tonalidade de pele se
desgasta com finura. "Corda-bamba", me lembro de ter ouvido em algum momento.
"Gosto de fazer o caminho mais por dentro de quem já faz por dentro", diz, ao se
aprofundar pelos labirintos da Vila Pompeia, buscando a calma das ruas paralelas, variando os
caminhos. Posso bem imaginá-lo: lobo branco a percorrer o bairro; focinho feroz, estranho
instinto citadino, patas delicadas e pesadas, já chamuscadas pela quentura dos
paralelepípedos. Ele também se imagina assim, meditando. Ao longe, vejo um lobo branco,
vindo em minha direção. Tudo então fica escuro, e ele reaparece, mais perto. Mais perto, até
que fico cara a cara com ele, como diante de um reflexo enevoado. Sua cara é agressiva, no
entanto tal ferocidade não inspira medo. Apenas é. Estou eu diante de um espelho? Qual
porção deste animal irei alimentar?
Observando sua postura ereta sentado ou deixando-se lançar no conforto, os braços
cruzados por detrás da cabeça, não consigo ver Eduardo tomado, subjugado por grandes
emoções, embora reconheça que todo homem já passou por grandes paixões. Há uma
165
racionalidade latente que se demonstra até mesmo no riso contido. De modo que sinto que
tem uma propensão a explodir a qualquer momento ("sou quente"), e essa massa pronta a se
uma tarefa brutal, a de se delimitar em contornos, aceitar as fronteiras das situações sem sair
delas refilado, antes incutindo um pedaço de si num afrouxo transformador. Corpulento,
Eduardo se dispõe no espaço entre a mesa do restaurante e a minha presença na cabeceira
oposta, as pernas bem dobradas, o corpo consciente de seu espaço.
"Viver é ter consciência dos atos."
"Não, nada, agora acabou mesmo", inclina-se diante do volante para constatar que nem
mesmo o muro da mansão do Conde Eduardo Matarazzo na Avenida Paulista restou, a não ser
talvez o da parte de trás do terreno. "Olha, esse guindaste, que coisa absurda, parece que vai
se quebrar no meio". E só agora, naquela luminosidade de um dia frio que se torna abafadiço,
é que seus olhos adquirem uma tonalidade vítrea.
Em uma rápida passagem pela avenida, me mostra que na verdade a casa que "ele", ou
melhor, André Matarazzo, morou com Maysa não era aquele casarão belo e descomunal,
propriedade do conde Francesco Matarazzo, mas outro um pouco mais adiante, no lado
oposto, sentido Consolação, onde hoje se levanta um prédio feioso, de vidros marrons. E da
lembrança da monumental família Matarazzo restou o discreto letreiro "Edifício Conde
Andrea Matarazzo".
Portanto, quando as coisas acabam, elas acabam de fato para Eduardo. Ao nos
despedirmos, mesmo que eu ainda não tenha saído do carro é como se eu já estivesse fora, e
fala consigo mesmo quando acha um bolo de cheques já vazio. Diante do fechamento das
situações, automaticamente ele está disperso noutro mundo, cartesiano, sacerdotal. A
entrevista está acabada. Ele não teria mais nada a dizer, e parece que eu me esgotara de tantas
166
perguntas e respostas. Ele não precisava fazer mais nada depois da pequena exposição que fez
de sua vida; a mim restava alinhavar almoços e cafés.
Parece-me que quanto mais tento encarar Eduardo Semerjian mais encontro uma
espécie de ausência de expressão. Talvez tenha algo a ver com ele exercitar o desapego, desde
em termos familiares até seus objetos pessoais. "Eu não me apego a ninguém". Seu rosto tem
um quê de despedida. Sim, um rosto que vislumbrei em mil palhetas, sequências cênicas se
desfaz em serena complacência. Que mais desejaria eu, uma revelação completa que só um
"the end", concordemos, haveria de desnudar? No olhar de husky siberiano, há algo que se
repuxa nas laterais e, emoldurado às sobrancelhas perscruta com uma frieza de observador
confesso. Subitamente examino esses quatro olhos abundantes de Eduardo e nada, nada me
vem a não ser uma mordida no nariz, uma dissimulação, nada posso espremer deles, a não ser
o sumo que me é ofertado, uma neutralidade aparente, um gélido azul, ele mesmo? Nada mais
do que o sono e a fome que o acometem no meio da tarde.
B - POSTAGEM Nº 02
Tom e Tim
Marta Barcellos
Nunca fui oficialmente jornalista cultural, mas tive meus momentos. No finalzinho dos
anos 1990, quando eu era repórter do Globo-Ipanema, surgiu uma oportunidade daquelas:
Tom Jobim faria um show único, em um espaço privilegiado que não costumava abrigar
espetáculos. Era o Jockey Club, à beira da Lagoa Rodrigo de Freitas. O maestro já estava
consagrado, não andava se apresentando no Brasil nem dando entrevistas, e morreria poucos
anos depois, em 1994. Como foca que eu era, teria poucas chances de entrevistá-lo, mas
acabei pegando carona em um acordo entre o jornal e sua assessoria de imprensa: antes da
167
coletiva sobre o show, nas dependências do Jockey, Tom receberia o repórter do segundo
caderno em sua casa. Eu iria junto, com a condição de não atrapalhar.
Com o carro do jornal, demoramos para encontrar a casa, uma construção nova e
deslumbrante incrustada na mata atlântica no fim do bairro do Jardim Botânico. Sentamos nos
sofás da sala, onde o maestro nos recebeu, e me posicionei discretamente, para não atrapalhar
o fotógrafo e o repórter titular - a quem cabia as perguntas. Os jornais do dia seguinte
estariam repletos de matérias sobre Tom, e a minha missão de conseguir um ângulo exclusivo
era facilitada apenas pelo peculiar interesse dos jornais de bairro em histórias "de moradores",
mesmo que fossem celebridades.
O papo sobre música, Brasil, Nova York, parecia render, mas eu pouco prestava a
atenção. Nervosa e excluída, restava-me observar o ambiente. O tempo estava cronometrado,
já que a coletiva aconteceria em sequência, e quando a entrevista dava mostras de se encerrar
eu tentei, timidamente, fazer perguntas para o "morador" Tom. Ele gostou. Pareceu mais
interessado do que na conversa anterior. Estava orgulhoso da casa nova, levantou-se e
mostrou a encosta que ficava atrás, falando das espécies que habitavam ali, pássaros,
macacos. Eu perguntei da infância em Ipanema, e aí ele abriu um sorriso cheio de nostalgia.
Ipanema tinha dunas, ele nadava na Lagoa Rodrigo de Freitas (bastante poluída na época da
entrevista), chegou a catar pedras semi-preciosas quando era criança em suas margens. Pedras
semi-preciosas? Devo ter feito cara de espanto. Ainda hoje, teria duvidado.
Os meus minutos esgotavam-se, e a comitiva precisava rumar ao Jockey Club. Nosso
carro iria atrás do dele. É provável que os jornalistas que esperavam no local tenham
desconfiado da entrevista exclusiva quando a equipe do jornal chegou junto com Tom. Houve
um certo clima, alguns repórteres tentaram se aproximar, mas os assessores pediram que todos
se sentassem nas cadeiras previamente enfileiradas no salão. Estávamos acima das
arquibancadas do Jockey, de frente para a Lagoa.
168
Quando se deparou com a paisagem, no entanto, o maestro ignorou a tentativa de
ordem e pareceu procurar alguém entre os repórteres. Era eu. Pescou-me com um abraço para
mostrar o local onde ele tinha achado, em certa ocasião, as tais pedrinhas semi-preciosas. Eu
não sabia se anotava, se voltava a entrevistá-lo ou se pedia sua ajuda para enfrentar os
"colegas" que me fuzilavam com os olhos. Era muita audácia para uma repórter novata,
aquela situação.
Mas Tom era menos estrela do que contador de histórias boa-praça, como eu teria
oportunidade de confirmar depois - não em novas "exclusivas", já que meus caminhos
jornalísticos seriam outros, mas em documentários e entrevistas na TV. Acessíveis ou não,
são assim também Ferreira Gullar, Ariano Suassuna, Chico Buarque. Que delícia assisti-los
nos documentários que passaram a ser produzidos no Brasil nos últimos anos.
Por isso, quando fui ver A música segundo Tom Jobim saí um tanto decepcionada. A
crítica especializada me explicou depois que o filme é ótimo, e que Nelson Pereira dos Santos
empreendeu uma inovação no formato tradicional de documentário ao desenvolver o conceito
de que a linguagem musical fala por ela própria no caso de Tom Jobim. Quem sou eu para
discordar de tamanha revolução, e revelar meu conservadorismo de ter sentido falta até das
legendas para identificar quem era quem (como a ficha técnica das músicas só aparece no
final, passamos boa parte do filme tentando lembrar o nome dos intérpretes menos
conhecidos).
Então o filme é ótimo porque as músicas são mesmo ótimas e seguem uma sequência
ótima, também. Mas, talvez influenciada pela doce recordação de repórter foca, para mim
faltaram as histórias. Sim, elas. As histórias, sempre elas. A paixão de Tom pela natureza
(muito antes de isso ser moda), a relação com os parceiros, como surgiram algumas
composições. Tudo aquilo que eu gostaria de ter podido perguntar numa tarde preguiçosa na
casa de Tom, se tivesse tido realmente o privilégio de sua convivência.
169
O curioso é que, enquanto as suaves histórias de vida por trás da obra de Tom Jobim
foram suprimidas em seu documentário, em outro sucesso de público as apimentadas histórias
de um ídolo estão todas lá. Como expliquei no começo, não tive muitos momentos como
repórter de cultura, mas na mesma época em que fui abraçada por Tom (perdoem o pequeno
exagero) quase fui escorraçada por Tim Maia - o biografado de Nelson Mota em Vale tudo,
transformado em musical recordista de bilheteria no Rio, com estreia paulista em março.
A matéria, dessa vez, era para o Globo-Tijuca, bairro onde Tim cresceu e formou seu
primeiro conjunto musical, ao lado de Roberto Carlos. Mas a entrevista fora marcada em um
flat na Barra, num local bem diferente da charmosa casa de Tom. Embora de frente para a
praia, na Avenida Sernambetiba, o prédio era um caixote repleto de pequenos apartamentos -
incluindo aquele onde o cantor costumava passar fins de semana e onde fui recebida por uma
loura. Com o gravador emprestado em punho (não era hábito usá-los, mas eu havia sido
alertada sobre a mania do artista de processar jornalistas), consegui extrair algumas das
histórias antigas, numa entrevista relativamente tensa. Até que Tim resolveu cismar com o
meu gravador. Disse que ia ficar com a fita. Não havia um diálogo possível, e lembro de ter
praticamente fugido do local com o gravador, numa despedida antecipada pela mudança de
humor do artista.
Tratando-se do intempestivo Tim Maia, não chega a ser uma grande história. De
qualquer forma, ela acompanha a minha trilha sonora pessoal. Entre um "Azul da cor do mar"
e um "Passarim", posso contar que conheci a doçura de um e o temperamento do outro. Viva
Tim e viva Tom Jobim!
C – POSTAGEM Nº 03
Meus encontros e desencontros com Daniel Piza
Rafael Lima
170
Em 1999, minha vida era bem chata. Toda semana, eu acordava de madrugada e
encarava duas horas e meia de viagem para Macaé, onde passaria os dias seguintes
trabalhando. Antes do final da semana, voltava para o Rio, onde, pelo menos teoricamente,
usaria o dia extra para terminar meu trabalho de fim de curso, sem o qual não teria o diploma.
Naqueles dias de pouco tempo livre, eu guardava a esperanca de conseguir ler, até o
fim, o "Caderno Fim de Semana" da Gazeta Mercantil, editado pelo Daniel Piza. Geralmente,
não conseguia, o que não me impedia de insistir e até guardar, anos a fio, os suplementos.
Mais do que por qualquer outra coisa, Daniel Piza merece ser lembrado pelo "Fim de
Semana", onde sua coluna Sinopse era apenas uma atração marginal.
Data dessa época minha fidelidade ao seu trabalho jornalístico, e também os primeiros
contatos com o Julio. Como o Julio, também cheguei a escrever-lhe um e-mail e ter a grata
surpresa da resposta; diferente do Julio, nunca insisti na correpondência. Piza tinha se dado ao
trabalho de, semanas depois, enviar-me um texto próprio, que citara em sua mensagem ("O
Balanco da Contra-cultura", presente no livro Questão de Gosto). Ele era assim, atencioso ao
nivel do detalhe com seus leitores ― pelo menos, naquela época.
Nos anos que se seguiram, já como colunista do Digestivo, conheci vários colegas que
tiveram contato pessoal com o Daniel Piza. Era algo mais próximo do que um Sérgio Augusto
ou um Ivan Lessa, mas era ao mesmo tempo admirado por ter coluna própria na grande
imprensa. Nao era um deslumbradinho de jornal paulista com a modernidade, pesava cada
novidade conforme seus padrões, mas tinha interesse e curiosidade para sondar. Você lia para
concordar ou discordar, não para seguir.
Nunca deixei de acompanhá-lo desde os tempos de Macaé, mas passei a dar menos
importância a ele depois de um certo período, mais ou menos quando os blogs passaram a ser
notícia de jornal, há uns dez anos. Por quê?
171
Houve uma clara divisão dos jornalistas mais conhecidos na maneira como reagiram.
Diogo Mainardi, Ivan Lessa e muitos poucos defenderam os blogs desde o começo, o
primeiro inclusive citando-os em seu podcast, o segundo, escrevendo a apresentação de um
livro que colecionava posts impressos. Luís Antônio Giron, Lúcia Guimaraes e Sérgio
Augusto e muitos outros se colocaram no campo oposto, desautorizando e desmerecendo o
valor dos blogs e, de maneira geral, da confusa interatividade da internet. Hoje em dia Giron é
editor de uma revista que comporta inumeros blogs em sua versao virtual e Lúcia tem coluna
num jornal onde metade dos colunistas mantem blog, o que demonstra que ou eles odeiam a
vida que levam ou que os blogs não eram uma ideia assim tão ruim. E o Daniel Piza, nessa
historia? Poderia ter sido o Quixote da interação virtual, com sua experiencia pessoal de
internet, que ia de angariar leitores a descobrir ideias novas, mas acabou engrossando o coro
dos que achavam aquilo tudo porta de mictório, barbárie com verniz tecnológico.
Há motivos que explicam seu posicionamento, do salário dele ter sido historicamente
pago pelos grandes meios de comunicação até um posicionamento que poderia ser taxado de
elitista. Nenhum, e nem a soma deles, foi suficiente para me explicar o porquê daquela
atitude.
A segunda decepção que Daniel Piza me causou foi quando do lancamento do perfil de
Paulo Francis, única oportunidade que tive de trocar umas palavrinhas com ele. O ponto de
contato fora Bruno Garschagen, também ex-colunista do Digestivo Cultural. Falamos um
pouco sobre Paulo Francis, que na época era objeto de interesse jornalístico do Bruno, fez
uma dedicatória e fim de papo. O que mais me surpreendeu foi que eu achava que ele era mais
alto, não sei por quê. Li o perfil e escrevi uma notinha no meu blog, algo crítica sobre o livro;
dias depois, do nada, pingou uma mensagem na minha caixa vinda do Daniel Piza, com
apenas uma linha de texto, onde ele dizia que preferia aquelas criticas, seguida das aspas
172
elogiosas de uns nomes consagrados, que inclusive foram usadas na sobrecapa produzida pela
editora para divulgar o perfil.
Fiquei me perguntando o que eu tinha feito de errado para receber atenção tão
personalizada assim. Se os blogs não eram importantes, por que ele se dava ao trabalho de me
responder? Se eram, porque ele não dizia isso? Se ele era leitor do meu blog, por que nunca
tinha me escrito antes? Se não era, passou a ler só porque foi mencionado? O episódio em si
terminou até bem: eu disse que achava que o grande problema do livro era perder muito
tempo tentando explicar por que e como o Paulo Francis passou da esquerda para a direita; ele
concordou que política era um assunto que roubara mais tempo do que deveria dele ― e do
Francis.
Em nenhum momento, deixei de ler suas colunas, sempre que a oportunidade se
apresentasse ― e quase nunca ela falhava ― para varejar uma dica de cinema aqui, uma
entrevista ali; adorava as entrevistas curtas que ele fazia. Parece que ele tinha um certo talento
para falar com jogadores de futebol, conseguindo ótimas revelações de Pelé, nos 50 anos da
primeira Copa, e Ronaldo, para a revista Trip. Foi um dos poucos que sempre defendeu o
talento de Ronaldo, ao longo de toda a carreira, merecendo nota de pesames do próprio,
quando do falecimento. Mais recentemente, eu preferia lê-lo quando falava sobre politica,
pois era um dos poucos jornalistas que restaram escrevendo consistentemente de um ponto de
vista crítico ao governo, junto com Augusto Nunes. Imprensa era para ser oposição, mas o
pendor nacional para a conciliação sempre a deixa com cara de armazém de secos e
molhados.
Esse, talvez, o motivo último pelo qual Piza não realizou seu destino possível de ter
casado internet e imprensa, interatividade e assinatura pessoal, colaboração e remuneração:
não sendo possível combinar o que naturalmente viva em competição, escolheu o que lhe
173
dava mais retorno financeiro e em reverência, dentro daquele estabelecimento. Não é possível
dizer que não alcançou êxito, ao conseguir viver de jornalismo e ser respeitado pelos leitores.
Mas, para mim, ficou aquém do que poderia.
D – POSTAGEM Nº 04
Semana de 22 e Modernismo: um fracasso nacional
Jardel Dias Cavalcanti
Marx dizia que ser radical é ir à raiz do problema. Pretendo fazer isso em relação ao
nosso Modernismo. Só um nacionalista xenofóbico pode dispensar a capacidade crítica de
reavaliação de sua própria cultura. Creio que já passou da hora de parar de jogar enfeites
comemorativos sobre o suposto modernisno de nossa arte. A aprovação convencional que
continua até nossos dias é de causar espanto. Não que a crítica não tenha feito em alguns
momentos sua parte, como no caso de Ronaldo Brito, Tadeu Chiarelli, Jorge Coli, Carlos
Zilio e outros.
Mas parece que as observações desses críticos não chegaram ainda ao grande público,
que acha graça nas pinturas prá lá de medianas de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari
e parte da obra de Anita Malfatti.
Em geral, quando um artista é canonizado, parece que a atividade crítica se anula.
Quem ousaria dizer que parte da pintura de Van Gogh, como alguns dos girassóis, feitos às
pressas e sobre efeito de álcool e absinto, deveria ser esquecida (enquanto outras obras
realmente geniais deveriam ser admiradas)?; quem questionaria o valor da Mona Lisa, uma
obra que mostra os defeitos do desmazelado método de execução de Da Vinci, onde um rosto
e mãos são desafortunadamente inconsistentes, enquanto uma obra do mesmo artista, como
Senhora com Arminho é tão perfeita como uma pintura poderia ser e não está no centro das
atenções?
174
Quem criticaria o teto da Capela Sistina de Michelângelo, obra simples e crua se
comparada com o Juízo Final, da mesma capela, e outras obras do artista? Sem querer
questionar o valor da pintura da Capela, podemos parafrasear Dr. Johnson e dizer que "não é
bem feita, mas fica-se surpreso que tenha chegado a ser feita".
Com o modernismo brasileiro não é diferente. Questionar nosso capenga e caipira
espírito pseudo-revolucionário parece o mesmo que cuspir na hóstia. Salvo as primeiras obras
de Anita, na exposição de 1917, e a primeira exposição de Lasar Segall, pouco de realmente
revolucionário aportou na terra brasilis. Se olharmos atentamente as pinturas modernistas
brasileiras e a compararmos com o que se fazia na Europa, o que vamos ver é uma espécie de
"forma fora do lugar", ou seja, uma pretensão dos artistas brasileiros em atualizar nossa forma
(nos tornarmos cubistas, futuristas, surrealistas) e ao mesmo tempo manter as preocupações
nacionalistas, com temas para lá de conservadores (como procissões religiosas do interior
paulista, paisagens idílicas tropicais, cenários tupiniquins para inglês ver, mulatas sensuais
que são verdadeiros clichês da sensualidade mulata nacional etc).
O que vivemos, segundo Ronaldo Brito, foi um regime de inadequação, pois enquanto
na Europa a arte estava em guerra declarada contra a tradição, estávamos em busca da
identidade nacional. O fracasso de Di Cavalcanti em "situar sua pintura tosca e seu traço
ilustrativo dentro dos complexos espaços da nova arte", diz Brito, é sintoma dessa
inadequação. Enquanto na arte européia se buscava a afirmação de uma diferença irredutível,
aqui se buscava a mesmice na "suposta" identidade nacional.
Mesmo Anita, continua Brito, "comparada aos expressionistas nórdicos, escandinavos
ou germânicos, parecia uma artista lírica ingênua. Não dispunha, de saída, do enorme arsenal
imaginativo daqueles povos. O universo de Munch possui uma carga metafísica
compreensivamente estranha aos estudos psicológicos de Anita".
175
A brasilidade, esta entidade sobredeterminantemente fantasmática, segundo Brito,
"impunha aos nossos artistas aquilo que a modernidade européia desde Manet repudiava, o
primado do tema, a sujeição da pintura ao assunto".
O resultado é um quadro para lá de medíocre e programático como "Os operários", de
Tarsila, em que a artista (tocada pelo marxismo da época?) retrata todas as classes sociais e
raças enfileiradas frente às chaminés de uma fábrica. O sentido do quadro é mais que claro:
apesar das diferenças de classe e raça, somos todos membros da classe operária, afinal
estamos na frente da canhestra representação de uma fábrica para nos identificar. Esse quadro
deveria ter sido criado como ilustração para panfletos socialistas da época e não para parar em
um museu.
Para nossos modernistas "seria impossível descer às camadas mais profundas da
visualidade", pois seu apego à ideologia da brasilidade não deixava que seguissem os avanços
do Cubismo, Fauvismo, Futurismo, Suprematismo, que são predominantemente visuais.
Nossa arte foi literária demais para ser moderna. O filtro da brasilidade anulava as conquistas
realmente modernas das artes plásticas do início do século XX.
Paradoxalmente bucólica, Tarsila não conseguiu entender o manifesto Futurista,
publicado no Le Figaro, que Oswald trouxe de Paris debaixo do braço, em primeira mão para
São Paulo. Não é de se estranhar, pois a própria Tarsila, em carta a Mario de Andrade, diz que
voltou de Paris com as bolsas cheias de perfume e nenhuma informação artística.
A iconografia modernista vai se valer da figura do homem brasileiro, em sua
representação popular, em suas manifestações festivas e místicas, no trabalho, na expressão de
sua sensualidade e em sua miséria. Eis o repertório de Tarsila, Anita, Di Cavalcanti e
Portinari. O pior é que é nessa taxonomia que se vai definir o sentido da brasilidade, que irá
contaminar todas as leituras do Brasil, principalmente no nosso cinema, sempre criando sua
estética sob as lentes dessa ideologia.
176
Na observação de Carlos Zilio, "nos trabalhos de Tarsila, por exemplo, os fios
elétricos e as estradas de ferro são sempre acompanhados por palmeiras e por outros
elementos capazes de situar uma cidade brasileira. Este tipo de preocupação é totalmente
estranho ao tratamento que a arte francesa daria ao mesmo assunto, onde o centro do interesse
seria o fenômeno da civilização industrial como um todo, abstraída de qualquer conotação
nacional".
Portinari não acata as reflexões plásticas do Cubismo, ao contrário, se alia a estética
muralista mexicana, com sua arte política, valorizando, mais do que a própria arte, as
preocupações com o tema do trabalho e da miséria.
Em Di Cavalcanti sobressalta a mulata, em seu lirismo e sensualidade, como
características da brasilidade, representando nossa languidez, nossa mistura racial-cultural,
nossa sensualidade primitiva (no sentido freudiano, diz Carlos Zilio). No seu livro A querela
do Brasil, diz Zilio sobre a obra de Di Cavalcanti: "Seu desenho é o aspecto mais
comprometedor de seu trabalho, demonstrando uma carência de recursos e uma redução um
tanto esquemática da forma, como se pode ver pela interpretação que faz da mulher da fase
clássica de Picasso. (...) Os piores exemplos da obra de Di Cavalcanti conjugam essas
deficiências: desenho esquemático, simplismo cromático e realismo".
Segundo avaliação de Zilio, a consequência da ideologia nacionalista no nosso
modernismo é que nossa arte se reduziu à temática e a pintura se tornou narrativa e
tradicional, enfeitada com um verniz moderno. O que nos obriga a dizer que nossos
modernistas não conseguiam se apropriar das questões estruturais da arte moderna, a não ser
nos seus procedimentos apenas aparentes. Não conseguiram compreender a radicalidade do
Modernismo, preso que estavam ao desejo de criar um estilo brasileiro, posição conservadora
que prevê, no fundo, um ideal de cultura a ser preservado. O contrário do que praticava a
vanguarda européia.
177
Segundo Jorge Coli, "ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, em que um
setor muito importante da produção artística voltou-se para os motivos da modernidade real
que então ocorria (Hopper, Bellows, Wood, Marsh, entre tantos, sem intenções de fabricar
uma identidade nacional), os pintores brasileiros ou buscavam uma essência daquilo que
concebiam como brasilidade ou desembocavam em estereótipos." (Revista Bravo, 03/2008).
Exemplo claro da força que o debate nacionalista operava sobre a obra dos artistas
brasileiros é o quadro Tropical de Anita Malfatti (1917), que antes se chamava Negra Baiana.
Segundo a leitura de Tadeu Chiarelli, no ensaio publicado em Arte brasileira na Pinacoteca, o
que se percebe na artista é um recuo em relação às investigações formais por causa de sua
tentativa de fixar protótipos, "nesta pintura, ao invés de tratar de questões intrínsecas à pintura
- o que fazia em suas obras norte-americanas-, Malfatti opera questões extrínsecas à obra,
utilizando-se do seu trabalho pictórico para emitir valores de nacionalidade e/ou
regionalismos. (...) A necessidade de descrever a etnia da retratada parece levar a artista a
refrear seu ímpeto expressivo. Nessa figura Malfatti já parece uma artista diferente daquela
que, não fazia muito tempo, atuara com ímpeto vanguardista".
É o mesmo Chiarelli que chama a atenção para a instrumentalização da história de
nosso modernismo, de caráter triunfalista, por parte de Mário de Andrade e outros
modernistas históricos, que impedem o debate sobre o questionamento das razões que levaram
nossos artistas a abandonarem as experiências ligadas à vanguardas históricas e abraçar a
tradição. Seria medo de se macular a história ideal do modernismo, destruindo sua
credibilidade, por ter abraçado postulados que deveriam ter sido abandonados?
A leitura equivocada de que Anita foi vítima passiva da crítica de Lobato (como já
mostrei em outro artigo publicado aqui no Digestivo) não responde às questões sobre o
resultado que a pressão ideológico-nacionalista produziria sobre nosso "modernismo", que
explicaria muito mais o retorno da pintora e de outros artistas modernistas à ordem.
178
O historiador Nicolau Sevicenko também questiona o estatus de moderno de nossa
arte:"Os modernistas de 22 nunca quiseram romper com o status quo. Polarizaram, mas sem
querer solapar. Muito diferente dos movimentos de vanguarda europeus" (Folha de São
Paulo,11/02/2012).
A total desinformação quanto à arte de vanguarda pode ser percebida na presença da
pianista Guiomar Novais na Semana de 22. Ela que se opunha aos "modernismos" chegou a
achar uma ofensa que se tocasse Satie em sua presença.
Na argumentação de Jorge Coli (Revista Bravo,03/2008), "os modernos nos deixaram
também óculos nacionais", ou seja, além de limitar os interesses artísticos à temática nacional
nos forçaram a apreciar nas suas obras apenas os sintomas dessa tautológica brasilidade.
"Tanto o realismo quanto o surrealismo foram bastante cerceados no Brasil pela cultura da
identidade nacional. O primeiro por fugir à sintese; o segundo por fugir aos parâmetros
nacionais. A leitura que os concretos propuseram de Oswald de Andrade, interessando-se por
traços universais de sua obra, é o exemplo de um enfoque bastante raro", diz Coli.
No caso da música, é importante ressaltar o depoimento de Francisco Mignoni, que
deixa claro a força que a ideologia nacionalista tem no período impondo modelos de criação
artística: "Aderi aos postulados da Semana Moderna de 1922 e, amparado da cordial amizade
de Mário de Andrade, embrenhei-me no cipoal da música nacionalista e, também, para não ser
considerado uma reverendíssima besta".
A ideologia nacionalista de nosso modernismo deu seus frutos, do Cinema Novo aos
Tropicalistas, até o duvidoso título do livro de Caetano Veloso: "Verdade tropical". Interrogar
criticamente o sentido ideológico do projeto modernista-nacionalista brasileiro, desmistificar
o discurso por eles elaborado para que sejam lidos segundo seus próprios parâmetros é nossa
tarefa. E devemos começar abandonando a idéia do substrato nacional que fecundou a maioria
179
das obras dos nossos artistas e que ainda joga sobre artistas do presente sua mofada teia de
aranha.
Pós-tudo
E hoje o que temos? Na atual frente multiculturalista que se avizinha, podemos
perguntar com Harold Bloom: "quando a Escola do Ressentimento se tornar dominante ente
os historiadores e críticos de arte, ficará Matisse sem público enquanto todos corremos para
ver os lambuzos das Guerrilhas Girls?" Afinal, nos resta perguntar hoje, como podemos
perguntar ao nosso passado modernista: o artista nasce para ser artista ou cientista político
amador, sociólogo desinformado, antropólogo incompetente, filósofo medíocre?
E – POSTAGEM Nº 05
Treze teses sobre cinema
Humberto Pereira da Silva
I - Cinema é imagem em movimento. Confluem para a realização de um filme o
enredo, as interpretações, a banda sonora, a iluminação, o cenário etc. Com isso, dispositivos
que lhe dão suporte (como a tinta para o pintor, o mármore para o escultor, o instrumento
musical para o compositor...); esses dispositivos são necessários para que um filme seja
concebido, pois sem eles - ou parte deles - seria impensado. Mas na apreciação, se a
importância do suporte se sobrepuser a do movimento giratório dos fotogramas e a
consequente projeção por algum meio, o filme ressente-se do que lhe confere autonomia
enquanto obra de arte. Um bom enredo pode se servir a um romance, um conto, uma peça, um
balé, uma ópera; boas interpretações são esperadas no teatro, nos circos, na fala oratória; a
utilização de filtros de cores e o ajuste de luz guardam algo das experiências de um pintor; o
cinema, por sua vez, pode prescindir dessas exigências e produzir uma obra de arte: nada
impede que um filme seja concebido apenas com atores amadores ou figurantes, com
180
iluminação natural ou à luz de velas. O enquadramento, posição da câmera, seu movimento, o
corte, a montagem, o "olho câmara", determinará como a imagem chegará ao espectador e lhe
causará certo sentimento diante dela. Se da arte se espera reação do espectador diante de um
objeto único, e isso propicia o que se pode chamar de experiência estética ante o belo ou o
sublime, no cinema essa ocorre quando esses elementos são combinados naquilo que recebe o
nome de linguagem cinematográfica.
II - Olha-se um objeto, fecham-se os olhos e o olhar passa a outro objeto. Nisso algo
similar ao corte cinematográfico: como os olhos que se retém num fragmento do visível - o
foco visual -, a câmara abre-se, fecha-se, e volta a se abrir para a luz e, com isso, revela
fragmentos da realidade, numa sucessão temporal não explicitamente demarcada. As imagens,
separadas por cortes e ajustadas pela montagem, retém certo instante delimitado; o
movimento dos fotogramas exibe um recorte da realidade. O sentido entre as imagens
separadas por cortes é obra da imaginação, como se requer de uma obra como um romance,
uma poesia, uma cantata, uma pintura etc.
III - O cineasta é o artífice que recorta certo instante; suas intenções, sua concepção do
sentido de uma obra de arte, sua maneira de expressar o mundo e a vida se revelam num
enquadramento, num travelling, num faux-raccord. Tanto mais o cineasta puder se expressar
com liberdade, tanto mais se revelará a beleza e o sublime em um filme. Isso porque ele,
apenas ele, responderá pela unidade e singularidade que o filme, como obra de arte, expressar
e, com isso, se inserir no conjunto de suas inquietações. Um filme, isoladamente, em que
apenas incidentalmente se pense em quem responde pela direção, pode trazer coisas
interessantes, como coisas interessantes podem ser encontradas nos espetáculos de variedades.
Se, contudo, o cineasta tiver suas escolhas condicionadas por injunções externas, como as que
envolvem uma agradabilidade prévia do público, seu filme pode ser visto no mesmo leque em
181
que são apresentados os espetáculos de variedades para deleite momentâneo: nada além de
mais produto para consumo no mercado das ilusões efêmeras.
IV - No primeiro cinema instituiu-se o hábito de ver um filme como narrativa de
episódio; institui-se igualmente uma ritualização própria para se ver uma história contada por
meio de imagens: na sala de projeção, a percepção de que a trama seja exibida num fluxo
temporal que não perturbe a compreensão e, ao mesmo tempo, cative a atenção. Como
conseqüência da ritualização instituída nos primeiros filmes narrativos, o valor estético de um
filme quase que identificado a uma história contada como nos folhetins do século XIX.
Resulta dessa identificação entre cinema e folhetim a desatenção a uma sequência, a detalhes
da paisagem, a um enquadramento fechado em parte do corpo de um personagem, ao cenário
de fundo, aos figurinos, à banda sonora. Ver um filme, contudo, possibilita experiências
estéticas distintas se o espectador soltar a imaginação para perceber algo mais que aquilo que
encontraria num folhetim.
V - Um livro é um livro; um filme é um filme. A descrição de um acontecimento, feita
por um romancista, se presta à imaginação do leitor. Ele, na sua leitura solitária, compõe uma
imagem mental do movimento dos personagens, a ambiência em que se encontram, a partir
das experiências que teve. O valor estético da descrição se conforma às regras fornecidas
pelas teorias literárias. O cineasta pode ser movido a filmar a descrição de uma cena fornecida
por um romance; dela pode se apropriar dos motivos e conceber uma obra cinematográfica.
Mas o que o escritor descreve com palavras será exibido no filme por meio de imagens que
resultam de escolha pessoal do cineasta. No filme, o espectador está diante de imagens; não
lhe cabe, portanto, ao contrário da literatura, formar mentalmente uma imagem. O valor
estético das imagens se conforma às regras fornecidas pela linguagem cinematográfica.
Comparar um filme a um romance de que se serve para adaptação é como misturar regras para
medida de temperatura a regras para medida de comprimento: os instrumentos de medição
182
não são os mesmos; com isso, entre filme e romance, uma situação cujas regras não
possibilitam comparação. Um livro jamais é melhor que um filme, pois é um livro; tampouco
o contrário, pois um filme é um filme.
VI - Cinema é uma forma de expressão artística que se ressente da evolução
tecnológica. De modo que sua produção se articula inequivocamente às tecnologias
disponíveis e que permitem a projeção imagens. A história do cinema não se separa da dos
dispositivos que tornam determinadas imagens possíveis. A impressão de realidade em uma
cena hoje é diversa da de anos atrás e tornar-se-á obsoleta nos anos futuros. Nesse sentido,
junto à ideia de explorar recursos tecnológicos disponíveis para conceber efeitos especiais,
cabe examinar o momento em que cada recurso é utilizado junto aos sentimentos provocados
no espectador. Os mesmos efeitos especiais no futuro serão percebidos de forma diferente,
pois a experiência educa a perceber os objetos de maneira diferente. Uma cena filmada com
recursos do momento provoca no espectador sentimentos que não teria anos atrás; da maneira
similar, os sentimentos que terá anos adiante não são os mesmos de hoje. Com isso, o que se
tem é que a história do uso de dispositivos tecnológicos para conceber efeitos especiais no
cinema caminha paralelamente à história dos sentimentos provocados no espectador.
VII - Na realização de um filme um condicionante do qual não se pode escapar: a
grande movimentação de capital. O filme mais barato possível envolve recursos para a
ambiência, escolha de locações, sedução de uma equipe para trabalhar nas filmagens por um
período de tempo, distribuição etc. Em qualquer filme, portanto, interesses econômicos para
que se possa ponderar sobre sua viabilidade no mercado: não é possível pensar o cinema fora
dos preceitos da indústria cultural. Um escritor pode se recolher à solidão e escrever; um
pintor ou um compositor igualmente, mas um cineasta, não! A realização de um filme
depende de um jogo de convencimento sobre suas possibilidades. Do contrário, alguém
perderá o que investir. Nisso, uma ritualização que exige discutir o cinema no âmbito do
183
entretenimento e da sociedade de consumo. As concessões à liberdade criativa que o cineasta
fizer dará a medida que separará a obra de arte do produto que ocupará meras horas de lazer
do espectador. Talvez não seja possível sem controvérsia traçar a linha divisória entre arte e
mercado; de qualquer modo, esse o desafio a ser assumido para quem se propuser a fazer e
pensar o cinema como arte.
VIII - Em conseqüência da trama na qual se apóia, implícita ou implicitamente todo
filme (ficcional ou documental) está comprometido com valores sociais, morais, políticos,
econômicos etc. Assistir a um filme sem se ater à mensagem que carrega é pressupor que
símbolos de qualquer natureza sejam neutros, que slogans denotem somente o que exibem:
para cada objeto, um símbolo fixo. Um exercício para quem se dispuser diante da tela durante
a projeção de um filme consiste em procurar o sentido, o conteúdo ideológico que as imagens
expressam: o cineasta, liminar ou subliminarmente, é um ideólogo, milita por uma causa; por
isso, para não pactuar despercebidamente ideias que lhe são avessas, ou, de outro modo, não
se expor como objeto manipulável, o espectador deve ter em mira o acordo ou desacordo com
as mensagens que o filme expressa. Nesse exercício, portanto, o risco de se desavir com a
mensagem. Com isso, muitos se afastam de filmes que elogiam determinada doutrina ou
carregam slogans de que discordam. Mas um filme enquanto obra de arte se presta à
contemplação desinteressada: a beleza e o sublime - senão para o próprio cineasta -, não se
condicionam pelo acordo ou desacordo com uma ideologia expressa: se é ingênuo supor
neutralidade das imagens, igualmente ingênuo é atribuir ou retirar valor estético em função de
suas mensagens.
IX - De qualquer filme - mesmo de um único fotograma - pode-se extrair elementos
para ilustrar um tema de aula. O professor só não pode esquecer que a imagem apenas e tão
somente é um elemento ilustrativo inserido conforme exigências e contexto próprios de uma
aula. Ou seja, a imagem é como uma frase de efeito retórico que visa à adesão, à persuasão;
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portanto, esconde o que não contribui para os efeitos visados. Os vários elementos que se
movem na projeção de um filme - verossimilhança, motivações ideológicas, alegorias
históricas etc. - podem se chocar com o propósito da ilustração. Se o professor perder de vista
seu caráter ilustrativo, que poderia ser feito por outros meios (recortes de jornal, pantomimas,
anedotas etc.), as imagens se confundiriam com o rigor científico do tema. Um filme é um
artefato que pode ser apreciado ou não como obra de arte; por isso, se oferece à imaginação.
Suas imagens, portanto, não estão isentas de equívocos e absurdos; logo não se pode conceber
um filme como um tratado de economia, de sociologia ou de psicologia: numa aula, ele pode
ser um meio, mas jamais um fim em si mesmo.
X - Como na literatura, o cinema ganha forma como obra de ficção; por conseguinte,
uma cópia ilusória da realidade. Resulta com isso o equívoco de se pretender que um filme
espelhe o passado com coerência, sem os chamados "erros históricos". Num filme, toda
objetividade da narrativa histórica deve ser posta em suspenso: o cineasta, ao conceber uma
obra de ficção, não tem compromisso com a "verdade histórica" dos historiadores. Nesse
sentido, todo "filme histórico" é uma construção subjetiva do cineasta; ele pode, mas não
precisa, se apoiar em fontes documentais. A se observar que muitas vezes isso seria
impossível: quisesse conceber uma casa egípcia, não teria fontes. No entanto, seria absurdo
projetar um filme sobre os egípcios no espaço vazio: uma casa egípcia no cinema não é senão
uma construção ficcional. Num "filme histórico" se vê o resgate de resíduos iconográficos,
fragmentos de memórias, crônicas, relatos de viagem, filtrados pela imaginação do cineasta:
nenhum "filme histórico" ensina história, embora possa estimular sua aprendizagem aos
desejosos de conhecê-la.
XI - A imagem cinematográfica retém um fragmento da realidade. Passado certo
intervalo de tempo, a imagem retida pode servir a preocupações teóricas de historiadores,
etnólogos, antropólogos, culturalistas etc. Certos hábitos, costumes, arquitetura, expressões
185
faciais, mobília, aparelhos eletrodomésticos estão retidos nos fotogramas; o que diferencia a
imagem cinematográfica da imagem fotográfica é o dispositivo técnico que coloca os
fotogramas em movimento (24 quadros por segundo) e deixam a impressão de que os
fotogramas captam a realidade como seria percebida no movimento contínuo, a partir do
momento em que a luz se abre para a câmara. Num sentido subliminar, o instante retido, se
for de um filme cujo propósito seja de uma narrativa histórica ou de ficção científica, revela
menos do passado e do futuro presumível do que sobre o momento em que foi concebido. Em
qualquer filme que se pense, apenas e tão somente o "espírito de época" no qual foi realizado.
XII - No teatro a ação dos personagens desperta sentimentos de pânico, terror,
identificação. Por meio da recordação de que a ação se trata de ficção e não da realidade, o
espectador sofre aquilo que os gregos denominavam como catarsis. O cinema igualmente
desperta paixões e, consequentemente, o efeito catártico. A diferença entre teatro e cinema
não está nos efeitos provocados e sim no fato de que o sangue, numa cena em que um corpo é
lacerado, pode ter um enquadramento que acentue a impressão de realidade, o que não
ocorreria no teatro, com o espectador em sua posição fixa, sempre à mesma distância da cena.
A linguagem cinematográfica, com os recursos técnicos de que um cineasta dispõe, possibilita
um espelhamento da realidade diferente do que se encontra no teatro. Resulta com isso um
paroxismo: uma imagem de laceração na tela pode ser para o espectador mais impactante que
numa peça teatral. O cinema é dotado de uma visceralidade impossível no teatro. Nesse
paragone, contudo, não se visa à superioridade do cinema ou do teatro, apenas notar que o
efeito catártico pode ser obtido de formas artísticas distintas.
XIII - O estudo do comportamento coletivo cabe à antropologia, à sociologia ou à
psicologia. Para especialistas, essas ciências explicam diversos comportamentos culturais,
sociais e psicológicos pela influência de ações modeladas por personagens no cinema. A
eventual influência negativa de um filme pode, então, gerar sua interdição, a fim de que se
186
preserve a ordem social. Nesse caso, não cabe falar em cinema e sim em condicionantes
jurídicos, políticos, ideológicos, propagandísticos ou moralistas. Uma vez que se defenda ao
Estado garantir a liberdade de expressão, também a ele deve-se atribuir a garantia da
segurança pública. Entretanto, no ato de criação o cineasta pode se afastar do que lhe é ditado
pelo Estado ou pela sociedade. Ao realizar uma obra transgressiva, o risco de que seja banida.
Disse segue-se uma constatação inequívoca: queira o estatuto de arte ao filme que realiza, o
cineasta se movimentará numa fronteira tênue, numa área de atritos constantes.
F – POSTAGEM Nº 06
Memórias de ex-professoras
Carla Ceres
Eu também já fui professora, ocupação tradicional em minha família, há quatro
gerações. Troquei as aulas de português e inglês pelo comércio de componentes eletrônicos.
Minha mãe deixou de lecionar para trabalhar em banco. Minha avó, depois de viúva,
trabalhou como funcionária pública no período da manhã, lecionou em um curso noturno e
abriu uma escola de datilografia em casa, no período da tarde. Tudo isso, ao mesmo tempo,
até aposentar-se.
Ao que parece, nós mulheres temos uma facilidade natural para ensinar, mas nosso
verdadeiro talento é sobreviver da melhor maneira possível. Minha tia-bisavó foi convidada
para ser diretora da escola suíça onde se formou. Bem que ela quis aceitar, mas seu pai
proibiu. O convite lhe pareceu uma ofensa mortal. Onde já se viu uma jovem educada
trabalhar de verdade? O melhor era voltar pro Brasil e ser professora, o que não era trabalho,
só distração.
Lecionar por desfastio, ocupação de moças finas e cultas, que não precisavam de
dinheiro, pois eram bem-nascidas e, em breve, seriam bem casadas. Essas mulheres tinham
187
tempo de sobra para ler, estudar, preparar aulas interessantes e cuidar dos filhos com a ajuda
indispensável de empregadas domésticas, profissionais raras e caras hoje em dia. Na época em
que mulheres estudiosas só podiam escolher entre ser donas de casa ou lecionar, as
professoras eram valorizadas e vistas com respeito. A famosa palmatória, embora doesse
bastante, funcionava mais porque o aluno se envergonhava de merecer um castigo físico. A
expulsão de um colégio não significava mudar-se para outro, levando uma gloriosa fama de
encrenqueiro.
Entrei para a escola aos quatro anos de idade, quando as palmatórias já estavam no
esquecimento. Minha mãe me entregou à professora e avisou: ―Ela já sabe ler e escrever. Não
costuma dar trabalho, mas, se for desobediente, pode bater nela.‖ A professora, que, segundo
o costume da época, chamava-se ―tia‖ Zezé, ficou sem jeito, disse que as ―tias‖ eram amigas
das crianças, podiam, no máximo, deixar de castigo. Minha mãe insistiu: ―Mesmo assim, pode
bater.‖ Ela estava falando sério e eu sabia.
O número de moças bem formadas foi insuficiente para abastecer as novas escolas
surgidas com a falsa democratização do ensino. Em geral, as melhores professoras iam para
estabelecimentos que ofereciam vantagens em termos de salário, localização e clientela. Até
aí, nada de novo. A boa educação continuava privilégio de poucos enquanto o restante da
população recebia um ensino menos exigente.
As novas professoras, para indignação dos governantes, não trabalhavam por esporte.
Lecionavam nos três períodos, não tinham tempo de ilustrar-se, atualizar-se ou preparar aulas.
Viviam estressadas, faziam greve. Não queriam mais ser tias postiças, mas profissionais de
respeito. Como resposta a essas senhoras, celebrizou-se uma frase atribuída a Paulo Maluf,
então governador de São Paulo: ―Professora não é mal paga, é mal casada.‖
188
Maluf negou a autoria da pérola, mas a frase era sintomática do crescente desrespeito
aos professores em geral, tanto às mulheres mercenárias, quanto aos homens que faziam
aquele trabalho de mulher.
Quando voltei da Inglaterra, para concluir o curso de Letras, estagiei e peguei aulas
como substituta em uma escola estadual. Os alunos primeiro tentaram me amedrontar,
fazendo pose de traficantes perigosos (o que, provavelmente, alguns eram), depois uma dupla
começou a conversar em um inglês sofrível de quem lavou pratos no exterior. Assustaram-se
ao perceber que eu os compreendia: ―Você fala inglês, dona? Que que tá fazendo aqui, em vez
de ir dar aula numa escola decente?‖
Era uma boa pergunta, mais ou menos a mesma que muitas professoras vinham se
fazendo: ―Por que mulheres inteligentes optariam pelo ensino se podiam escolher outra
profissão?‖
De acordo com Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner, no livro Superfreakonomics, a
qualidade do ensino nos Estados Unidos vem baixando porque as mulheres mais inteligentes
agora podem optar por profissões de prestígio e alta remuneração em áreas como medicina,
direito, economia. Segundo eles, ―o exército de professoras do ensino fundamental começou a
sofrer drenagem de cérebros.‖
Atualmente, o estado de São Paulo sofre com a falta de professores de primeiro e
segundo graus. Alunos dos primeiros anos de graduação em Letras, por exemplo, já estão
trabalhando como professores não apenas de português ou língua estrangeira, mas também de
matemática, biologia... Quem quiser voltar a ser professor tem trabalho garantido.
G – POSTAGEM Nº 07
A ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells
Ricardo de Mattos
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"O que eles narram não é apenas engenhoso; é também simbólico de processos que de
algum modo são inerentes a todos os destinos humanos" (Jorge Luis Borges).
Apresentamos nossas escusas a Zafón por adiarmos a coluna dedicada a mais um de
seus livros e interpormos esta dedicada ao romance do inglês Herbert George Wells (1866-
1946), recentemente reeditado no Brasil. Trata-se de um dos livros mais impressionantes que
tivemos o prazer de ler e gostaríamos de aproveitar o calor das primeiras impressões para
registrarmos nosso entusiasmo.
A ilha do Dr. Moreau foi escrito em 1896. Da infância trazemos a vaga lembrança de
assistir uma adaptação cinematográfica da obra. O prefácio da nova edição revela outra de
1996. O enredo é relativamente conhecido: após o naufrágio do navio que o conduzia, o
protagonista Charles Prendick é resgatado e vai parar em remota ilha do Pacífico, onde
conhece o Dr. Moreau. Puxando o fio da memória, lembra-se de reportagem que lera em
Londres, revelando as atrocidades cometidas por ele, o que levou ao seu autoexílio.
Estabeleceu-se na ilha, contudo, não para penitenciar-se, mas para continuar seus
experimentos sem interferência. E que experiências seriam estas? A transformação de animais
selvagens em homens.
Prendick não desvenda os fatos imediatamente. Na escuna em que foi acolhido,
estranha a presença de diversos animais — uma onça, um lhama, cães e coelhos — e a
aparência do auxiliar do médico que cuidou de si. Este médico, Montgomery, por sua vez, é
assistente de Moreau. No primeiro contato com o empregado de Montgomery, Prendick
repara na parte inferior de seu rosto, que "se projetava para a frente, lembrando um focinho, e
sua boca entreaberta mostrava dentes brancos que eram os maiores que eu já vi numa boca
humana". Sentindo o esbarrão de Prendick, "virou-se com uma agilidade animal". Devido à
latitude em que se encontrava, o personagem atribuiu a aparência do indivíduo — e dos
demais que apareceram — às peculiaridades regionais de algum povo desconhecido dos
190
europeus de então. Ninguém procura no extravagante a primeira resposta. Para sossegar sua
estranheza, contentou-se com a solução oferecida pela geografia.
Desembarcando na ilha, não sem dificuldade e deparando-se com a recusa inicial de
Moreau em recebê-lo, Prendick vê-se impedido de descansar devido à sucessão de urros que
identificou como da onça da escuna. Afasta-se do quarto onde instalado e resolve explorar o
local, como alternativa a continuar escutando aqueles uivos nos quais se concentrava "todo o
sofrimento do mundo". Nesta forçada excursão, conhece parte do território. Vê cenas
ininteligíveis, que desafiam sua resposta inicial aos tipos físicos encontrados. A outra parte ele
conhecerá depois, fugindo de Moreau e Montgomery. Si os indivíduos encontrados não
apresentavam características endêmicas, intui-se uma segunda hipótese, igualmente errônea
mas alarmante: Moreau transformaria pessoas em animais?
Temendo ser o próximo, Prendick foge e alcança a outra parte da ínsula.Encontra uma
aldeia que reúne os mais diversos e estapafúrdios tipos. Acomoda-se numa cabana onde a
figura de aspecto idoso incita os demais a repetir "A Lei" durante insólita e hipnótica
ladainha:
"Não andar de quatro pés, essa é a Lei. Então não somos homens?
"Não beber com a língua, essa é a Lei. Então não somos homens? (...)
E assim por diante. O toque de mestre de Wells aparece neste capítulo na constatação:
"Não havia sinal de fogo". Já presenciamos pessoas vivendo nas ruas, lado a lado com cães.
Sabemos de outras que vivem entocadas em casas abarrotadas e imundas, como nem os
roedores admitem, pois mudam-se quando a permanência é insustentável. Já passamos na
calçada por indivíduos cujo odor anunciou a exclusão do banho de entre seus hábitos.
Conhecemos outro que se alimenta exclusivamente do encontrado nas caçambas de lixo.
Apesar do esforço, não conseguimos lembrar-nos de uma só espécie animal que faça uso do
191
fogo. Vemos homens que vivam como animais, mas animais que vivam como homens é de tal
forma inusitado que Prendick deparou-se com o indício mas não conseguiu assimilá-lo.
Fato e que, após algum transtorno, Moreau decide esclarecer seu hóspede. O
"cientista" é descrito como corpulento, de barbas e cabelos brancos e rosto quadrado. Wells,
antes de firmar-se como jornalista e escritor, foi aluno e professor-assistente na Midhurst
Grammar School, estudando em seguida com Thomas Huxley (), o conhecido "buldogue de
Darwin". Não conhecemos a relação de mestre e discípulo e podemos enganar-nos, mas a
descrição de Moreau remeteu-nos ao retrato daquele. Seus motivos são expostos no capítulo
XIV. Variam entre o positivismo científico do século XIX e o messianismo, agregando
sofismas e argumentos de autoridade. Ao contrário de Huxley, Moreau não era nem cientista,
nem humanista. Em nossa concepção, estes termos são sinônimos necessários. Temos na
conta desta categoria de pessoas aqueles indivíduos que se dedicaram a ampliar os campos do
conhecimento humano, ou mantê-los ampliados, ou ainda, levaram este conhecimento para
aplicá-lo pelo mundo. São os Sabin, Curie, Edson e Franklin que ilustram nossa História.
Moreau é o antípoda de Albert Schweitzer, por exemplo, prêmio Nobel da Paz de 1952.
Schweitzer foi exímio organista, que se formou em Medicina com o específico intuito de levar
alívio à África, onde aos rigores da natureza adicionou-se a inclemência dos que se
apresentaram como colonizadores. Construiu e equipou ao menos um hospital com fundos
levantados em concertos nos quais se apresentava.
Moreau soluciona em definitivo a dúvida de Prendick. O que ele via não eram homens
e mulheres transformados em animais, mas o contrário. "São animais recortados e esculpidos
até adquirirem novas formas". A crueldade seria idêntica, em nossa opinião. Percebe-se sua
preocupação em comprovar suas ideias e sua indiferença à dor decorrente. Adquiriu a
insensibilidade de Mengele ou daquele que manipula químicos visando produzir um abortivo
eficiente. Seu intento declarado é único: "encontrar o limite extremo da plasticidade de uma
192
forma viva". E só, sem aplicação prática em benefício de alguém, como questionou Prendick
em outra passagem. Por maior sofrimento que causasse, reconhecia a vanidade de seus
esforços e logo perdia o interesse pelos espécimes alterados.Rapidamente voltavam a ser o
que eram antes, mesmo deformados. Eles regrediam.
Um dos mais cativantes representantes do povo animal — assim são referidos no livro
— é o derivado de um cachorro São Bernardo. Ligou-se ao personagem quando ele ficou
sozinho na ilha, montava guarda, protegia seu sono. Lembramos de Roger Grenier, no muitas
vezes relido Da dificuldade de ser cão, citando o poeta Rilke: "Sua semelhança confidencial e
admirativa é tal que alguns dentre eles parecem ter renunciado a seus hábitos mais antigos,
adotando até nossos erros. É exatamente isso que os torna trágicos e sublimes". Outra figura é
o homem-macaco, que despreza as palavras comuns e prefere repetir as que não entende,
alegando desenvolver um grande pensamento. Após a leitura, desconfiamos que o sujeitinho
escapou da ilha e veio ter ao Brasil, onde proliferou e seus descendentes hoje ocupam os mais
diversos cargos.
Todos eles, contudo, regrediram. Parece-nos uma impropriedade vocabular falar em
"regressão". Os "pacientes" de Moreau sequer deixaram de ser o que eram. Após o
experimento, perderam a forma original, foram hipnotizados e condicionados. Em relação a
estes seres, Moreau cometeu o mesmo erro dos ascetas: não se aperfeiçoa o espírito mutilando
o corpo. Portanto, não haveria como voltar de um ponto que não foi atingido. Afastada a
interferência humana, retomaram seus hábitos, fosse qual fosse o tempo transcorrido.
Retomada definitiva, pois as parciais davam-se diariamente, à noite. Estamos convictos de
que ao homem é impossível regredir — aqui, sim, no sentido próprio — a estágios
animalescos e de dócil submissão a comandos acompanhados de reforços ou punições.
Felizmente, todos os anos temos o Big Brother Brasil para sedimentar-nos a convicção.
"Então não somos homens?".
193
H – POSTAGEM Nº 08
O Artista
Duanne Ribeiro
O Artista, filme do francês Michel Hazanavicius, possui personagens cativantes,
beleza visual e uma história leve e divertida. Não só, chama de imediato a atenção pelo uso de
uma forma antiga, a do cinema do início do século XX e antes. Em preto e branco, mudo (ou
quase), com falas escritas na tela e trilha orquestrada, essa produção retoma esses recursos
não por fetiche, mas como modo de reforçar a narração. O diretor brinca com o que esperaria
um espectador de hoje, põe nossa percepção para funcionar de outra maneira e nos dá a
chance de nos identificarmos com seu tema central, isto é, tempo e identidade - ou, mais
precisamente, como lidamos com a mudança.
O contexto da narrativa é o momento de transição das produções silenciosas ao cinema
falado. À época, a nova tecnologia alijou vários profissionais da indústria. É o caso de um dos
protagonistas, George Valentin. Prestigiado como ator mudo, não encontra mais espaço no
mundo ocupado pelos talkies e declina. Ele insiste em filmar à maneira antiga (preferindo-a
como Charles Chaplin por algum tempo o fez) e fracassa com o público. Perde sua riqueza,
sua mansão e objetos de estima (o retrato à óleo de corpo inteiro, seu sorriso paralisado), se
endivida e se isola. A linha principal do enredo é essa queda, a luta de Valentin contra seu
orgulho e decepção.
A outra protagonista é Peppy Miller, atriz que por sua espontaneidade e ousadia (assim
como por uma ajuda inicial de Valentin) ascende ao estrelato. Sua amizade com o ator já
obsoleto é cheia de admiração e flerta com o romance - e será essencial no desfecho.
Uma cena do filme sintetiza a ideia principal desses movimentos mais gerais. Valentin
está saindo do estúdio, depois de recusar as inovações técnicas. Ele encontra Peppy, que vai
na direção contrária. Em uma tomada panorâmica, vemos três andares e o fluxo sem
194
interrupção dos funcionários entre eles. Os dois protagonistas no centro, um desce pelos
andares, outro sobe. Em uma metáfora sutil, vê-se a troca do velho pelo novo e dança de
posições contínua, que exige renovação mesmo para se manter no mesmo lugar.
Essa tema remete a uma obra certamente referencial para Hazanavicious. Em Luzes da
Ribalta, de Chaplin, um velho comediante perde o prestígio; seus números não atraem o
público e a falta de reconhecimento o deixa travado no palco e o estimula a beber para
conseguir ser engraçado. Um dia, bêbado, voltando para casa, salva uma jovem vizinha do
suicídio. É uma bailarina que por certos bloqueios internos não consegue atuar. Esses dois
personagens se ajudam a encontrar um novo espaço.
O esquema é o similar ao de O Artista, mas em Luzes... o impedimento a ser superado
é o receio do risco, enquanto no primeiro trata-se da soberba, como dito. A criatividade é um
elemento central em ambos, mas há diferenças: na obra chapliniana, são ressaltados a
coragem e o esforço envolvidos; na do outro diretor, na naturalidade com que alguém adapta
suas habilidades às chances que o meio lhe dá. Parte da leveza do filme surge daí - sente-se
que o sucesso e a alegria são possíveis a partir do passo disposto.
O restante dessa leveza vem das características dos relacionamentos "mais
verdadeiros" da produção. De um lado, temos as relações determinadas pela condição atual -
Doris, a mulher mesquinha de Valentin, o abandona; Al Zimmer, chefe do estúdio, define
suas preferências de acordo com o mercado. Do outro lado, o cachorrinho do ator, Jack, e seu
mordomo, Clifton, assim como Peppy, são marcados por uma confiança perene. Nessas
amizades, sobressaem a fidelidade e o desprendimento. Na torrente de mudanças que os
indivíduos se encontram, essas são coisas que permanecem. Lembra a música: "Quem está
agora a seu lado? Quem para sempre está? Quem para sempre estará?".
Recursos do Cinema Silencioso
195
Poderíamos recordar também Cantando na Chuva, de Stanley Donen e Gene Kelly,
cuja história se passa igualmente na transição do silente ao sonoro. Outra aproximação seria
possível com A Última Gargalhada, de F.W. Murnau, no qual vemos um homem perder seu
emprego e seus motivos de autoestima (assista). A presença de um cão carismático e heróico
lembra outro Chaplin, Vida de Cachorro (assista), e Rin Tin Tin e outros vários cães que se
tornaram estrelas em Hollywood. A Peppy de Hazanavicious é semelhante a Peppy de King
Vidor em Fazendo Fita (veja trecho), como notado aqui.
O Artista, no entanto, não se reduz à intertextualidade vazia. Em primeiro lugar,
porque o filme, apesar das referências, tem sempre em vista o público contemporâneo. Um
dos recursos usados foi se aproveitar do nosso, digamos, hábito sonoro. Conforme ressalta
esse articulista, nas cenas iniciais, Valentin está nos bastidores de um cinema enquanto o
público assiste à sua atuação na tela grande. A câmera alterna entre os dois. Quando o filme
termina, ela foca no rosto expectante do ator. Sem nenhum estímulo aparente, ele sorri, mas é
porque explodiram os aplausos, de modo algo surpreendente para nós que, o diretor sabe,
antecipamos o som. Outros truques do tipo dão força a essa interpretação.
Em segundo lugar, essa forma específica parece nos deixar em uma disposição
peculiar. "Você está assistindo e rindo e se rendendo a esse frívolo nonsense, e há uma parte
sua se perguntando por que você tão alegremente deixou seu cérebro na porta de entrada",
escreveu o roteirista William Boyd, "a resposta, eu acho, é um tributo oblíquo ao poder do
cinema silencioso. (...) Você é tocado de forma mais simples e eficiente; sua objeção
intelectual ao melodrama desaparece; questões de plausibilidade e naturalismo parecem
irrelevantes porque o campo do filme mudo, preto e branco, é maneirista e artificial".
Ainda segundo Boyd: "Você descobre que, inconscientemente, um arranjo diferente de
ferramentas mentais foram acionadas - você consome o filme de uma maneira distinta e a
experiência é revigorante". Por um outro ângulo, ele expressa o mesmo que A Vida em Preto
196
e Branco, de Gary Ross. Na produção, os protagonistas passam a viver no mundo de uma
série televisiva dos anos 1950 - e o cenário preto e branco é como que símbolo de um
universo mais ingênuo, mais simplório, mais sincero.
Por fim, essa forma nos faz experimentar a mesma inquietação de Valentin: estamos
frente à mudança: um modo de narrar com o qual não somos acostumados e sobre o qual nós
talvez pensemos que não nos tem nada a oferecer. Descobrimos, enfim, como eles, que o
inesperado/indesejado pode ser repleto de possibilidade.
I – POSTAGEM Nº 09
Liberdade, de Franzen
Luiz Rebinski Junior
O romance Liberdade, de Jonathan Franzen, foi flagrado na companhia de Barack
Obama e Oprah Winfrey, dois leitores que podem não entender muito de literatura, mas que
ajudam qualquer escritor recém-saído de uma oficina literária a vender horrores. Mas esse não
é o maior mérito do romanção de seiscentas páginas. Nem tampouco de ser "o resumo de uma
época", como muitos estão dizendo. Franzen fez bem à literatura mais com a forma do que
com o conteúdo de seu livro. O romance saiu pela culatra. Digo, a história. O que não era para
ser, acabou sendo. Ou seja, a comportada prosa do rapaz de óculos de aros grossos, o
queridinho da América, a voz do american way of life, tomou a frente da história que
pretendia passar a limpo os acontecimentos da primeira década dos anos 2000.
Ninguém que tenha lido o romance deixou de notar que aquele que está sendo
considerado "o livro do século" por alguns empolgados de plantão (o mesmo Guardian que
achou Minha querida Sputnik, um romance meia-sola do japonês Haruki Murakami, "o
melhor e mais instigante romance contemporâneo") é, realmente, o livro do século, mas do
19, no caso. Franzen resgatou o romance-mural de Tolstói e companhia, recheando-o com as
197
pequenas e grandes picaretagens dos políticos de seu país. Mas o engraçado é que pouco se
fala sobre como os Estados Unidos vendem sucata bélica aos países periféricos, uma das
denúncias jornalísticas da prosa de Franzen. Aliás, a certa altura parece que há muito mais
jornalismo do que literatura ali. A literatura é soterrada por uma montanha de informações
que tornam o texto meio enfadonho e burocrático. Tá certo, não dá pra ser poético em
seiscentas páginas, mas parece que Franzen abdicou de sua verve literária em benefício de
uma história "bem amarrada", em que a trama é o que vale.
Mas a grande questão que Franzen, sem querer, incutiu na cabeça dos críticos é: como
pode um romance complemente "normal" do ponto de vista da linguagem ser uma obra-
prima, mesmo vindo depois de Kafka e Guimarães Rosa? O que está em jogo hoje na
literatura? Não é preciso mais reinventar a literatura, como os escritores do século 20
imaginavam? Ou tudo já foi feito e temos que nos contentarmos mesmo em reciclar?
Confesso que, mesmo sem saber, cometi o pior dos pecados que poderia cometer ao ler
Liberdade: o li depois de me embrenhar em O som e a fúria, o grande livro de um dos mais
inventivos autores que o século 20 produziu. Aí é sacanagem, disse-me um amigo. Como sou
um leitor totalmente sem método, a situação me caiu no colo. Se fosse um pouquinho mais
inteligente, não teria feito essa sequência, para o bem do senhor Franzen, que teve o azar de
estar embaixo do senhor Faulkner na minha famigerada "pilha de livros a ler".
Claro, eu sei, as comparações são perniciosas à literatura. Mas o fato é que eu estava
contaminado pela inventividade do senhor Faulkner, o que já me fez torcer o bigode para tudo
mais comportado que me caísse nas mãos. Então não sou o leitor mais indicado para dizer
qual é o real valor de Liberdade. Não estava muito interessado em saber como o americano
médio vive hoje nos Estados Unidos, apesar de o romance de Faulkner falar bastante sobre o
americano médio do começo do século 20.
198
Além do mais, as seiscentas páginas me parecem exageradas para contar a história de
um triangulo amoroso que tem um final feliz. Aliás, o final da história me pareceu bastante
com o que escrevem nossos novelistas (de TV): a mocinha se ferra bastante, trai, quase morre
congelada, mas acaba nos braços de seu grande amor, que a acolhe perto da lareira.
O engraçado é que sempre abominei "experimentalismos" gratuitos na literatura.
Sempre achei que literatura, em suma, é uma história bem contada. O que não quer dizer que
a literatura tenha que ser careta e previsível. É possível ser inventivo e "literário" mesmo
contando uma história aparentemente simples. E meu escritor-síntese deste pensamento é
William Kennedy. Ironweed é de fazer qualquer aspirante a escritor querer desistir de
escrever até mesmo bilhete para a mulher. Tudo está nos eixos ali: há poesia, ironia, tristeza e
alegria. Ou seja, tudo que um texto literário deve ter. Ironweed é convencional e inventivo,
realista e fantasioso, tudo na medida certa. E é exatamente disso que senti falta em Liberdade.
Pegue um romanção brasileiro (um dos poucos que temos, concordo) como Viva o povo
brasileiro. Ali há uma grande história, mas há também fantasia e realismo, medo e delírio,
sonho e pesadelo. Com isso não estou dizendo que Franzen deveria escrever o Cem anos de
solidão na América. Mas há pouca literatura em seu romance, é isso. Seus personagens são
muito racionais, mesmo em seus momentos mais instáveis. Para mim, qualquer dos últimos
romances fininhos, de cento e vinte páginas, de Philip Roth tem mais pegada literária do que
Liberdade. Roth pode criar apenas um ou dois personagens, mas é certo que eles vão entrar
profundamente na mente do leitor. Vão arrepiar os leitores com suas sensações. E isso não
senti com nenhum dos personagens de Franzen, por mais que o escritor tenha escritor
centenas de páginas sobre cada um deles. Nem mesmo o roqueirão, que tinha tudo para me
cativar, foi capaz de me fazer franzir o cenho: seus feitos como herói maldito do rock davam
sono. A coisa mais fantástica que ele fazia era comer groupies. Ou seja, um clichê do rock.
Por que nenhum roqueiro tem azar com as mulheres ou é impotente?
199
Claro que estou destilando aqui meu veneno crítico. O livro de Franzen certamente
não é tão ruim quanto estou pintando. Mas, acredite leitor, também não é nem a metade
daquilo que estão falando por aí.
J – POSTAGEM Nº 10
Natureza humana morta
Vicente Escudero
David Fincher tornou-se o primeiro grande diretor de cinema a interpretar de forma
convincente o mundo pós-internet, com uma estética baseada na reprodução sombria de
lugares reconhecidos por altos valores morais e humanos, como a Universidade de Harvard
em A Rede Social e a Suécia de Os Homens que Não Amavam as Mulheres, habitados por
personagens lutando sem descanso contra a superfície medíocre e corrupta do cotidiano. São
como os caranguejos da fábula, tentando escalar para fora do aprisionamento do balde, mas
puxados de volta pela ação conjunta dos mais fracos para forçá-los a compartilhar o destino
trágico da maioria. David Fincher produziu nestes últimos filmes os dois personagens mais
próximos da mística de um indivíduo construído exclusivamente pelos valores prevalecentes
na internet, como a solidão compartilhada e o ativismo anarquista. Em um mundo onde a vida
orgânica dos personagens não entra em contato com a paisagem, que serve apenas para
reprimir os desejos, a resistência individual apresenta-se como o único oxigênio a impulsionar
a vida.
Lisbeth Salander e Mark Zuckerberg, personalidades danificadas e muito inteligentes,
que não atuam dentro das regras tradicionais da sociedade e arriscam tudo para transformá-la,
são diferentes nos limites da origem ficcional e real de cada um, mas compartilham o mesmo
caráter e a moral relativista de justificativa dos meios pelos fins. Lisbeth Salander, a garota da
tatuagem de dragão, não se preocupa em extrapolar os limites éticos e legais do que poderia
200
ser uma investigação policial convencional, nem se preocupa em reprimir o desejo sádico no
momento de punir seu algoz sexual. Abandonada no labirinto da burocracia pública, retratado
por David Fincher como uma coleção de corredores silenciosos e salas vazias com portas
trancadas, Lisbeth é a única pulsão de vida dentro de um organismo em decomposição. Seu
moicano serve como uma couraça de espinhos contra a repressão da tutela exercida pelo
Estado e suas tatuagens são verdadeiros símbolos religiosos servindo de proteção contra o
mal. Nesse exercício de sobrevivência, não surpreende que muitas vezes acabe criando
mesmo mal que combate.
Mark Zuckerberg também não se conecta com o mundo real, em A Rede Social, e
consegue manter o equilíbrio nas suas relações apenas enquanto não existem disputas. A
Harvard onde programa as primeiras linhas de código do Facebook não passa de um desfile de
membros de fraternidades pelo prêmio do homem mais popular. Estranho imaginar os irmãos
gêmeos Winklevoss, que completam as frases um do outro e se vestem da mesma forma,
como pessoas reais e não uma invenção ficcional macabra. O cacoete aristocrático da dupla,
no filme, transforma as instalações da Universidade, por onde passam, em vestíbulos de um
castelo. Quando nasce o conflito pelo controle do Facebook, a personalidade arrogante e
controladora dos irmãos vem à tona e encontra um páreo imbatível na mistura de coragem e
impertinência de Zuckerberg. A narrativa da história, a partir da sala de negociações onde são
ouvidas as testemunhas preliminares da disputa judicial pelo controle do Facebook é
reproduzida por Fincher no mesmo estilo da Suécia de Millenium. As luzes são fracas e as
cores, sem vida. Os personagens estão sentados lado a lado, mas a hostilidade dos diálogos,
principalmente das falas de Zuckerberg, retratam uma disputa entre o moderno e o antigo,
entre o mundo da produção burocrática do século XX e o território de conquistadores
disléxicos do século XXI.
201
Em circunstâncias normais estas características modernas dos personagens não seriam
relevantes, mas dentro da estética desenvolvida por David Fincher, em que a luz parece nunca
ser suficiente para vencer a escuridão, mesmo durante o dia, elas representam a expressão
mais forte da resistência, da pulsão da vida, uma espécie de adaptação genética às condições
hostis de um ambiente extremamente repressivo e resistente a transformações. Essa mesma
luz imobiliza os dramas e esconde da cena tudo que é acessório aos conflitos. Na Suécia de
Millenium os únicos espaços iluminados são a redação da revista de Blomkvist e a casa do
reencontro de Henrik e Anita Vanger. Já em A Rede Social, os momentos de claridade são o
surgimento de Sean Parker, na cama com uma estudante, e seu primeiro encontro com
Zuckerberg e Eduardo Saverin, num restaurante.
As personalidades de Lisbeth e Zuckerberg, nas produções de Fincher, revelam-se
apenas quando retratadas no contraste com o ambiente sombrio, como pinturas da natureza
morta, de objetos imóveis e solitários, iluminados por uns poucos raios de luz. A simplicidade
e a falta de sentido da pintura de objetos vulgares assemelha-se à estética adotada na
reprodução destes personagens por Fincher. Objetos e personagens transformam-se em arte
apenas quando revelados pela luz precisa de um grande artista.
K – POSTAGEM Nº 11
Parque de Diversão Brasil
Daniel Bushatsky
Andei reparando que o Brasil é um enorme parque de diversão. Não somos a Disney, e
sim o Parque de Diversão Brasil, que não conta com muitos brinquedos e eles também não
são lá muito modernos. Se passam por manutenção? O que você acha? É melhor não pegar os
brinquedos mais violentos. Prefira o tiro ao alvo, acertando a latinha, você leva um ursinho de
pelúcia.
202
Tem também outras diversões:
Montanha-russa: não obstante o Brasil ter o mesmo número deste brinquedo do que o
Canadá, país infinitamente menor em quantidade de pessoas, temos exemplares interessantes
do brinquedo em nossas rodovias. Quem já pegou a Tamoios? Suas curvas são o resultado do
trabalho de nossos engenheiros contra a física, o conforto e segurança na descida da serra;
Trem fantasma: se o conceito deste brinquedo é um carro passando por um trilho na
escuridão, enquanto acontecimentos estranhos e repentinos ocorrem, é só comparar o que
aconteceu em plena Avenida 23 de Maio, em 03 de março de 2011. Um taxi, com passageiros
(carrinho lotado), passava pela altura da Rua Santo Amaro, quando um pedaço do concreto de
um viaduto caiu em cima do automóvel. O motorista e os 4 passageiros tiveram ferimentos
leves;
Show de horror: como todo bom parque, não poderia faltar um show de horror. Pela
grande oferta de artistas, no Parque Brasil, a cada dia temos uma nova atração. A última foi
protagonizada por um homem, em Grajaú, que esfaqueou a mulher e fez a mãe e os dois filhos
reféns, sem motivos aparentes. Logo em seguida, o Parque Brasil fez outra apresentação,
desta vez, com o seu "balcão de informação TAM", que para variar atrasou inúmeros vôos,
pois precisou que seus funcionários fizessem o "check in" manualmente (no dia anterior já
tinha deixado os passageiros presos dentro do avião por 8 horas e ainda enviou bagagens de
alguns deles para Londres)! Para saber mais sobre estes espetáculos é só ler a reportagem do
dia 03 de março de 2012, no caderno Metrópole, C6, no Jornal Estado de São Paulo;
E, como não poderia deixar de ser, "nosso" Parque Brasil tem duas atrações especiais:
Show de talentos: onde a presidente da república é parodiada chorando em um
discurso!
E a segunda, é a queda livre de crianças, sem cinto de segurança ou trava elétrica e,
lógico, sem supervisão dos funcionários do parque. Este brinquedo, muito popular, somente
203
tem um inconveniente, pode gerar a morte do seu usuário. Como este brinquedo não sofre
manutenção há 10 anos, o parque de diversão criou seu similar na água para caso haja algum
imprevisto. O brinquedo aquático é uma espécie de boliche, onde jet-skis, pilotados por pré-
adolescentes, derrubam crianças na areia. O inconveniente é o mesmo do primeiro brinquedo:
também pode gerar a morte!
A grande popularidade do nosso Parque Brasil está assentada em dois pilares:
impunidade e falta de supervisão/vigilância.
A impunidade é latente. Poucos são condenados pelos crimes que cometem, em uma
legislação burocrática e em um judiciário moroso. Se condenados, as penas são tão suaves e já
previstas na maioria dos casos no balanço patrimonial da empresa ou no planejamento
financeiro da pessoa, que não fazem nem cócegas. Gostaria de saber como as empresas se
comportariam se fossem condenadas a pagar 20 milhões de reais à família da criança morta
em um de seus brinquedos. Ou seja, se queremos uma Disney, precisamos aumentar a
punição!
O segundo pilar que precisa ser mudado é o da falta de supervisão. Onde já se viu um
país querer que as coisas funcionem, sem polícia efetiva e bem paga? Para mudar a
mentalidade, afora educação de base, será necessário repressão policial (não ditadura!).
Somente com investigação, supervisão e vigilância em conjunto com penas severas poderão
dar tranqüilidade de que pedaços do viaduto não caiam em nossas cabeças!
Espero que possamos comer churros e algodão-doce mais tranqüilos, mas para isto
precisamos nos equiparar ao parque com as orelhas do rato! Precisamos de educação,
vigilância e punição!
Caso contrário, não adianta pedir o dinheiro de volta: é sentar e relaxar! Ops, cair!
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L – POSTAGEM Nº 12
Ode à Mulher
Jardel Dias Cavalcanti
Eu que sou homem, reparo nas mulheres. Fui gerado no ventre de uma, portanto lhes
devo a vida e, consequentemente, imenso respeito e admiração.
A mulher é objeto de admiração cósmica, como também objeto de desprezo por seres
que se autodenominam homens, mas que por sua relação cruel com as mulheres deveriam ser
chamados de bestas-fera. Algumas culturas (pagãs) a transformaram em deusa, outras
(judáico-cristãs) a transformaram em bruxa, feiticeira diabólica, que deveria ser queimada
viva.
Pitágoras dizia que existe um principio bom que criou a ordem, a luz e o homem, e um
principio mau que criou o caos, as trevas e a mulher. Algumas religiões, seguindo essa lógica
perversa, a transformaram na perigosa fonte do mal.
As cortes rococós a deixavam ser um ser livre, alado, vivendo no luxo e na luxúria,
mas nem tanto, como nos ensinou Starobinsky, que percebeu o sentido da estratégia
masculina do elogio: "Todo um sistema extremamente refinado de atenções, de deferências,
de lisonjas se desenrola para chegar de maneira segura ao êxtase da satisfação animal". Como
confessa um herói de Bijoux Indiscrets, citado por Starobinsky, "sempre mulheres, e de todo
tipo, raramente o mistério, muitos juramentos e nenhuma sinceridade".
Agnès Michaux escreveu um Dicionário misógino, onde expõe frases de pensadores,
escritoes e artistas famosos que em algum momento escreveram frases onde expressam seu
ódio às mulheres. Baudelaire, por exemplo, escreveu: "A mulher tem fome e ela quer comer.
Sede, e ela quer beber. Ela está no cio e ela quer ser fodida. Faça-se justiça! A mulher é
natural - ou seja, abominável". Ou Pierre Belfond, que diz: "Nas mulheres, os pensamentos só
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se elevam quando seus seios caem". E Charles De Gaulle: "Criar um Ministério da Condição
Feminina? E porque não um Subsecretariado de Estado do tricô?" E por aí vai...
Em defesa das mulheres foi necessário que a filósofa francesa Simone de Beauvoir
escrevesse um tratado que ficou famoso: O segundo sexo. Dizia a autora: "Abrem-se as
fábricas, os escritórios, as faculdades às mulheres, mas continua-se a considerar que o
casamento é para elas uma carreira das mais honrosas e que as dispensa de qualquer outra
participação na vida coletiva".
Simone de Beauvoir acreditava que a liberdade da mulher começa quando ela
conquista sua liberdade material, financeira. Muitas mulheres modernas têm provado o gosto
da liberdade econômica, podendo sair de casamentos apodrecidos pela violência, prepotência
e descaso afetivo masculinos.
Em razão de sua liberdade econômica, outros aspectos da existência tem se
apresentado para as mulheres, como o estudo, as viagens, os amores, as carreiras
interessantes, as amizades para além da prisão familiar.
Mulheres foram tratadas historicamente como cidadãos de segunda classe. Somente
em 1867, Stuart Mill fazia, diante do Parlamento, a primeira defesa oficialmente pronunciada
do direito do voto feminino.
O escritor Alexandre Dumas Filho aconselhava ao marido traído uma única atitude
para com a esposa infiel: "Mate-a". Quantas mulheres não padeceram nesse mundo o
assassinato justificado sob a lei da falsa-moral elaborada pelo macho ferido.
Mulheres foram transformadas em santas quando se recolheram, mas também foram
julgadas como putas quando viveram livremente. Algumas mulheres foram para o convento,
anulando boa parte do sentido e da riqueza de suas existências, outras percorreram o mundo,
amaram desavergonhadamente vários homens, participaram da vida social como professoras,
cientistas, filósofas, médicas, dançarinas, chefes de Estado, arquitetas e economistas, etc.
206
Há imagens enternecedoras de mulheres: como o amor da mãe favelada (aqui e na
África) que chora com seu coração partido por não poder dar uma xícara de leite ao seu bebê,
que não consegue dormir por causa da fome, num mundo onde algumas pessoas bebem
champangne em taças de ouro e compram barcos que valem milhões. No outro dia,
heróicamente, essa mulher faz de tudo para conseguir trazer o leite para seu filho, da
submissão a um trabalho mal pago ou, quando sem saída, o ato de se prostituir.
Mulheres têm voz divina quando cantam. Maria Callas, Ella Fitzgerald, Elis Regina,
Janis Joplin, Amy Winehouse, fazem nosso coração disparar, se elevar, se transportar para
outros mundos. Seria impossível imaginar um mundo sem as vozes femininas.
Mulheres são seres fisicamente tão belos que sua beleza desperta a inveja em outras
mulheres. Mesmo as que a convenção chama de feias, são belas a um bom observador.
Aquele andar delicado, o gesto de arrumar o cabelo, o desenho das costas, a forma dos pés, os
dedos das mãos coroados por anéis, os olhos pintados, os lábios limpos ou tingidos de batom,
a maneira de sentar, a dança sensual, o rebolado, as pernas fortes, nada disso é patrimômio
apenas das chamadas mulheres belas.
Existem mulheres lindas, com pés horríveis. Existem mulheres com rostos feios, mas
que andam como uma deusa. Há mulheres gordinhas que nos tocam como se tivessem
varinhas mágicas nos dedos. Há mulheres lindas, perfeitas do ponto de vista clássico, mas que
são seres humanos tão desprezíveis em sua vacuidade que não despertam o encanto e o
respeito de ninguém.
Sobre as mulheres muitos pintores criaram obras de arte magníficas, poetas criaram
versos extraordinários, músicos criaram composições extasiantes. Nuas, vestidas, saindo da
água, como deusas da antiguidade ou virgens santíssimas, elas habitaram o panteão das artes
desde sempre.
207
Mulheres criaram obras de arte e reflexões admiráveis: Camile Claudel, Virginia
Woolf, Safo, Sylvia Plath, Hilda Hilst, Clarice Lispector, Pina Bausch, Emile Dickson, Susan
Sontag, Marilena Chauí, Hanna Harendt, Rosa de Luxemburgo, etc.
Atrizes de cinema sempre nos fazem amá-las, por sua beleza e por sua capacidade de
criar emoções grandiosas.
Leonardo da Vinci dizia que se não fosse o belo rosto dado pela natureza às mulheres
a raça humana não se reproduziria, pois seus genitais eram para o pintor algo difícil de se
admirar e ver.
Desmond Morris, estudioso do comportamento humano, escreveu um belo livro que se
chama "A mulher nua", onde comenta a cada capítulo o significado biológico e simbólico de
cada parte do corpo feminino: cabelos, lábios, ombros, braços, genitais, mãos, cintura, pés,
costas, etc. Sobre a fêmea disse: "Toda mulher tem um corpo belo - belo porque é o brilhante
coroamento de milhões de anos de evolução, fruto de surpreendentes ajustes e sutis
refinamentos que o tornam o mais extraordinário organismo existente no planeta".
Foi criada uma peça de teatro, que virou depois filme, onde uma parte da mulher fala
sobre sua existência fantástica e perturbadora: o "Monólogo da vagina".
John Lennon chamou as mulheres de "o negro do mundo", por ter consciência
histórica do mal que sofreram e sofriam ainda nesse mundo. Mas nem um ser foi tão
maltratado quanto a mulher que além de ser fêmea, nasceu negra. Pois duas formas de
desprezo que a sociedade dirigiu à mulher se deve simplesmente ao fato delas terem nascido
mulheres e negras. Racismo e machismo sempre andaram de mãos dadas.
O Brasil tem tido na mulher enorme força política, a Senadora Marta Suplicy, a
presidenta Dilma Roussef, as ministras do atual governo comprovam. Marta Suplicy foi uma
das principais vozes femininas a se manifestar publicamente em favor da participação social
da mulher na sociedade brasileira, discutindo sempre a questão da defesa de todos os direitos
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femininos num país atrasado que trata suas mulheres como seres inferiores. Questões como
direito ao divórcio, direito ao prazer, proteção social, aborto, foram amplamente discutidos
por Marta.
A mídia nunca tratou bem as mulheres, seus códigos simbólicos desprezam a mulher
sonhada por Simone de Beauvoir. Mulheres aparecem na mídia para vender aparelhos
domésticos como fogão, geladeira, produtos de limpeza, como se esse fosse o território ideal
para as mulheres em suas casas. Ninguém notou que homens já limpam a casa, cozinham,
passam suas roupas, cuidam dos filhos?
De outra forma, as mídias tratam as mulheres como pedaços de carne num açougue,
quando as expõem como se fossem apenas bundas, sem vontade, prontas para servir, em
propagandas de cerveja, por exemplo. Boa parte da (des)educação masculina para que se veja
a mulher apenas como objeto sexual parte de programas de televisão e de propagandas de TV,
que as torna apenas uma peça publicitária machista e de mau gosto.
Com tanto apelo, nem as mulheres escapam de acreditar que se não forem um belo
pedaço de bunda não serão nada nesse mundo. Boa parte da explicação para os casos de
estupro, que aumenta vertiginosamente entre adolescentes, pode ser explicado por esse tipo de
educação, que ensina que a mulher é apenas um vaso de descarga para a libido masculina.
A mulher pobre brasileira ainda não tem o direito sobre o próprio corpo. O direito ao
aborto não lhe foi ainda assegurado. Milhares de abortos clandestinos, que deixam sequelas
nas mulheres, são feitos em razão de gravidez por estupro. Apenas a classe alta tem direito ao
aborto no Brasil, em clínicas sofisticadas e higienizadas. Uma falsa-moral ainda faz do Estado
um protetor apenas de uma elite rica.
Uma das conquistas femininas é a criação da Delegacia das Mulheres, espaço onde a
mulher pode expor os maus tratos que sofre por trás dos muros do lar, antes inviolável espaço
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para torturas silenciosas e proteção para homens violentos, e colocar seu espancador sob
vigilância policial.
Apesar de tudo de ruim que a história lhe deu, a mulher preserva seu charme, mistério,
inteligência e sensibilidade. Não como natureza particular da fêmea, pois o homem também
possui esses mesmos encantos e atributos. Depois de saber de todos os males que a mulher
enfrentou nesse mundo, podemos nos perguntar como sobrevivemos ainda como espécie? A
resposta, clara e objetiva: por causa da força da mulher, da sua capacidade de enfrentar
dificuldades e obstáculos.
Dados eloquentes sobre as mulheres hoje: "Existem no mundo entre 100 milhões e 140
milhões de mulheres submetidas à amputação genital e, a cada ano, 3 milhões de meninas
correm o risco de passar por esse ritual". Além, claro, de morrerem por infecção, já que os
instrumentos usados no corte são giletes velhas e espinhos infectados, etc.
Outro dado: Nos países subdesenvovidos 70% das pessoas iletradas são mulheres.
A sociedade como um todo lucraria enormemente se deixasse a mulher ter o seu direto
pleno de viver: ser dona do próprio corpo, das próprias idéias e poder participar plenamente
do destino da sociedade, enquanto ser livre, não enquanto capacho de idéias obtusas criadas
pelo seu opressor, o homem.
Não existe mundo livre, sem uma mulher livre.