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EXPOSIÇÃO Nº2 SET./OUT. 2009 “A REPÚBLICA E O ENSINO” NO PALÁCIO VALADARES 2/3 A REPÚBLICA E O ENSINO REVOLUCIONÁRIOS E PEDAGOGOS DE HÁ 100 ANOS 4 COMO ERA HÁ 100 ANOS A ACADEMIA 5 RUAS DA CONSPIRAÇÃO O ROSSIO E O CAFÉ GELO 6 MULHERES NA REPÚBLICA CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO 7 LIVROS A REPÚBLICA VISTA PELOS SEUS PROTAGONISTAS 8 A REPÚBLICA NA IMPRENSA REMEMORAR A REVOLUÇÃO DE 5 DE OUTUBRO DE 1910 www.centenariorepublica.pt JORNAL DO CENTENÁRIO Perceber a República através da expressão plástica, dramatizá-la e fazer um pequeno documentário sobre a revolução do 5 de Outu- bro de 1910, são propostas apresentadas por escolas de diversos pontos do país que responderam ao inquérito relativo às Come- morações do Centenário da República. As sugestões são variadas e abrangem diversos níveis de escola- ridade — básico, secundário e alguns jardins de infância — entre as mais de 500 respostas ao questionário feito a um universo de cerca de 800 escolas sede de agrupamento, lançado pela CNCCR em articulação com o Plano Nacional de Leitura e com outras entidades do Ministério da Educação. Alguns desses estabelecimentos foram criados precisamente em 1910 e celebram também o seu centenário em 2010, como é o caso do Colégio da Bafureira, na Parede, razão pela qual apresen- tam um programa próprio para assinalar a efeméride, em articu- lação com a CNCCR. Noutros casos, o objectivo é aprofundar os conhecimentos sobre a República, como sucede com o Colégio Alemão do Porto, que se propõe fazê-lo através da investigação da imprensa estrangeira da época. Outros ainda propõem visitas a bibliotecas de republicanos, o convite a historiadores para acções de formação e a dramatização de acontecimentos relacionados com a implantação da República. As comemorações da República nas escolas INQUÉRITO ÀS ESCOLAS Coisa Pública Cidadania Educação Escola Pública Pátria Sidónio Pais Resistência Revo- lução Utopia Civismo Escudo Bandeira Verde e Vermelho Hino Estátua Busto Estética Inqué- rito à Habitação Rural Ética José Félix Henri- ques Nogueira Teófilo de Braga Teixeira Gomes Manuel de Arriaga Raul Brandão Café Sociabilidade urbana Proclamação Memória Responsabilidade Cultura Ciência Progresso Medicina Municipalismo Descentralização Povo Presidente Eleições Voto secreto Liberdade Parlamento Democracia Participação directa Deputados Burguesia Messianismo Naciona- lismo Colonialismo Anticlericalismo Manifesto Comício Pregões José Malhoa Veloso Salgado Adriano Sousa Lopes Joshua Benoliel Rafael e Columbano Bordalo Pinheiro Ramalho Ortigão José Relvas Afonso Costa Miguel Bombarda Tiros de canhão 5 de Outubro COL. JOSÉ RELVAS/CASA MUSEU DOS PATUDOS ILUSTRAÇÃO PORTUGUESA Nº 272, PÁG.608, MAIO, 1911, HEMEROTECA MUNICIPAL DE LISBOA Como era o ambiente escolar no advento da República? Como se tentou combater a taxa de analfabetismo que então rondava 75 por cento da população e que, no caso das mulheres, ultrapassava os 82 por cento? Como se introduziu um ensino laico em Portugal? Essas questões terão resposta na exposição “A República e o Ensino”, a realizar em 2010, de Março a Outubro, no Palácio Valadares, em Lisboa. Neste palácio do Largo do Carmo, local onde há quem defenda que terá existido a primeira universidade portuguesa, o Estudo Geral, o que não é porém partilhado por todos os historiadores, funcionou mais tarde o primeiro liceu de lisboa, e, já no século XX a Escola Secundária Veiga Beirão. Aí serão reconstituídos ambientes escolares do início do século XX e dadas a conhecer as novas disciplinas introduzi- das pela República, como a educação cívica, o pensamento pedagógico que a orien- tou e as instituições criadas pelos republicanos para operar as mudanças conside- radas necessárias no sentido da descentralização e do laicismo: as escolas móveis, os centros escolares republicanos, os grémios de instrução e a Universidade Livre. Esta exposição, que faz parte do programa das Comemorações do Centenário da República, tem como comissária Maria Cândida Proença, especialista em História do Ensino, investigadora do Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNL que, com Luís Farinha, também investigador do IHC, coordenou o curso de e-learning sobre a I República e o Republicanismo, realizado pela CNCCR em parceria com o Instituto Camões, entre Março e Abril de 2009. A REPÚBLICA EM 100 PALAVRAS ISABEL CARLOS DIRECTORA DO CENTRO DE ARTE MODERNA JOSÉ AZEREDO PERDIGÃO [FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN]

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EXPOSIÇÃO

Nº2 SET./OUT. 2009

“A REPÚBLICA E O ENSINO” NO PALÁCIO VALADARES

2/3 A REPÚBLICA E O ENSINOREVOLUCIONÁRIOS E PEDAGOGOS DE HÁ 100 ANOS

4 COMO ERA HÁ 100 ANOSA ACADEMIA

5 RUAS DA CONSPIRAÇÃOO ROSSIO E O CAFÉ GELO

6 MULHERES NA REPÚBLICACAROLINA BEATRIZ ÂNGELO

7 LIVROSA REPÚBLICA VISTA PELOS SEUS PROTAGONISTAS

8 A REPÚBLICA NA IMPRENSAREMEMORAR A REVOLUÇÃO DE 5 DE OUTUBRO DE 1910www.centenariorepublica.pt

JORNALDO CENTENÁRIO

Perceber a República através da expressão plástica, dramatizá-lae fazer um pequeno documentário sobre a revolução do 5 de Outu-bro de 1910, são propostas apresentadas por escolas de diversospontos do país que responderam ao inquérito relativo às Come-morações do Centenário da República.As sugestões são variadas e abrangem diversos níveis de escola-ridade — básico, secundário e alguns jardins de infância — entreas mais de 500 respostas ao questionário feito a um universo decerca de 800 escolas sede de agrupamento, lançado pela CNCCRem articulação com o Plano Nacional de Leitura e com outrasentidades do Ministério da Educação.

Alguns desses estabelecimentos foram criados precisamente em1910 e celebram também o seu centenário em 2010, como é ocaso do Colégio da Bafureira, na Parede, razão pela qual apresen-tam um programa próprio para assinalar a efeméride, em articu-lação com a CNCCR.Noutros casos, o objectivo é aprofundar os conhecimentos sobre aRepública, como sucede com o Colégio Alemão do Porto, que sepropõe fazê-lo através da investigação da imprensa estrangeira daépoca. Outros ainda propõem visitas a bibliotecas de republicanos, oconvite a historiadores para acções de formação e a dramatização deacontecimentos relacionados com a implantação da República.

As comemorações da República nas escolasINQUÉRITO ÀS ESCOLAS

Coisa Pública Cidadania Educação EscolaPública Pátria Sidónio Pais Resistência Revo-lução Utopia Civismo Escudo Bandeira Verde eVermelho Hino Estátua Busto Estética Inqué-rito à Habitação Rural Ética José Félix Henri-ques Nogueira Teófilo de Braga TeixeiraGomes Manuel de Arriaga Raul Brandão CaféSociabilidade urbana Proclamação MemóriaResponsabilidade Cultura Ciência ProgressoMedicina Municipalismo Descentralização PovoPresidente Eleições Voto secreto LiberdadeParlamento Democracia Participação directaDeputados Burguesia Messianismo Naciona-lismo Colonialismo Anticlericalismo ManifestoComício Pregões José Malhoa Veloso SalgadoAdriano Sousa Lopes Joshua Benoliel Rafael eColumbano Bordalo Pinheiro Ramalho OrtigãoJosé Relvas Afonso Costa Miguel BombardaTiros de canhão 5 de Outubro

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Como era o ambiente escolar no advento da República? Como se tentou combater ataxa de analfabetismo que então rondava 75 por cento da população e que, no casodas mulheres, ultrapassava os 82 por cento? Como se introduziu um ensino laicoem Portugal? Essas questões terão resposta na exposição “A República e oEnsino”, a realizar em 2010, de Março a Outubro, no Palácio Valadares, em Lisboa.Neste palácio do Largo do Carmo, local onde há quem defenda que terá existido aprimeira universidade portuguesa, o Estudo Geral, o que não é porém partilhadopor todos os historiadores, funcionou mais tarde o primeiro liceu de lisboa, e, já noséculo XX a Escola Secundária Veiga Beirão. Aí serão reconstituídos ambientesescolares do início do século XX e dadas a conhecer as novas disciplinas introduzi-das pela República, como a educação cívica, o pensamento pedagógico que a orien-tou e as instituições criadas pelos republicanos para operar as mudanças conside-radas necessárias no sentido da descentralização e do laicismo: as escolas móveis,os centros escolares republicanos, os grémios de instrução e a Universidade Livre.Esta exposição, que faz parte do programa das Comemorações do Centenário daRepública, tem como comissária Maria Cândida Proença, especialista em Históriado Ensino, investigadora do Instituto de História Contemporânea da FCSH/UNLque, com Luís Farinha, também investigador do IHC, coordenou o curso dee-learning sobre a I República e o Republicanismo, realizado pela CNCCR emparceria com o Instituto Camões, entre Março e Abril de 2009.

A REPÚBLICA EM 100 PALAVRAS

ISABEL CARLOSDIRECTORA DO CENTRO DE ARTE MODERNA JOSÉ AZEREDO PERDIGÃO [FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN]

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Os modelos pedagógicos promovidos durante a I Repú-blica, integrados num conjunto de princípios fundamen-tais como o alargamento do acesso ao ensino e a valori-zação da cidadania, constituem hoje uma importantereferência para a História da Educação e da Escola emPortugal. A República permitiu experimentar novosprojectos educativos e abrir espaços de inovação peda-gógica, ensaiando deste modo uma pedagogia coinci-dente com uma nova forma de pensar a função do educa-dor, do aluno e da instituição escolar.As novas propostas de reforma do ensino foram acom-panhadas pela progressiva valorização do papel doprofessor, a responsabilização do aluno, a democratiza-ção do acesso à cultura e ao conhecimento científico,nomeadamente no quadro da educação de adultos. Neste contexto de modernização educativa não podemesquecer-se alguns protagonistas incontornáveis comoFaria de Vasconcelos, Adolfo Lima, António Sérgio, Alvesdos Santos, Álvaro Viana de Lemos, Irene Lisboa, ÁureaJudite do Amaral, José da Cruz Filipe, Sílvio Lima, ouainda Jaime Cortesão, Raul Proença, Leonardo Coimbra,Vieira de Almeida, Afonso Lopes Vieira ou João Camoe-sas. E é compreendendo esta herança da I República noquadro do pensamento, acção e políticas de ensino, queaqui se recordam alguns desses protagonistas.

Revolucionários e pedagogos de há 100 anos

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Nasceu em 28 de Março de 1851, na cidade do Rio de Janeiro. Formou-se em Filosofia pela Universidade de Coimbra, cuja licenciaturaconcluiu com a dissertação intitulada Teoria Mecânica na reflexão e refracçãoda luz e publicada no Instituto. Em 9 de Junho de 1876 completou o doutora-mento, assumindo funções como catedrático de Filosofia em 1879 e dedi-cando-se então exclusivamente à investigação e à regência da sua cadeira. Acabaria, no entanto, por filiar-se no Partido Regenerador, sendo eleito depu-tado em 1882 pelo círculo de Lamego. Em 1893 foi chamado a ocupar a pastadas Obras Públicas, sob executivo de Hintze Ribeiro. Integrou a Maçonaria, deque foi grão-mestre.Durante a monarquia dedicou grande parte da sua intervenção política àsquestões do ensino, levando a debate propostas em torno da reforma dainstrução secundária, da liberdade no ensino, da organização do ConselhoSuperior de Instrução Pública (criado por decreto de 23 de Maio de 1884).Defendeu a criação do Ministério de Instrução Pública, que veio a ser consti-tuído em Abril de 1890, embora por pouco tempo, só sendo recriado em 1913.Foi também director do Instituto Industrial e Comercial, residente do Institutode Coimbra e representante de Portugal em Madrid no Congresso PedagógicoHispano-Português-Americano. Com a implantação da República, integrou o Governo Provisório como Ministrodos Negócios Estrangeiros. Foi Presidente da República entre 1915 e 1917 e,novamente, entre 1925 e 1926, acabando por ser afastado da vida política emsequência do golpe militar de 28 de Maio.Morreu no Porto em 29 de Abril de 1944.

Bernardino Machado(1851-1944)

(...) a obrigação capital de qualquer estado,urgentíssima entre nós, é a instrução, este deve ser o nosso primeiro ministério.Nós nem sequer o temos.Estamos inferiores aomunicípio de Lisboa, que tem o seu pelouro especial de instrução.

BERNARDINO MACHADO*NECESSIDADE DE UM MINISTÉRIO DE INSTRUÇÃO PÚBLICA. DISCURSO NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, NA SESSÃO DE 15 DE MARÇO DE 1886, PÁG.7, IMPRENSA NACIONAL, LISBOA”

A REPÚBLICA E O ENSINO

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Nasceu em Damão, em 3 de Setembro de 1883. Frequentou o Colé-gio Militar, seguindo depois o curso de Marinha. Destacou-se como pedagogista e intelectual, participando na funda-ção da “Renascença Portuguesa” em 1910, juntamente com JaimeCortesão, Raul Proença, Álvaro Pinto, Pascoais, Leonardo Coimbra,entre outros. Fundou e dirigiu, em 1918, a revista Pela Grei, que dariaorigem à Seara Nova e cujo corpo directivo também integrou. Em 1923, assumiu a pasta da Instrução Pública, sob ministériochefiado por Álvaro de Castro, defendendo então a criação de uma“Junta Propulsora dos Estudos”, cuja competência passava por atri-buir bolsas de estudo no estrangeiro, tendo em vista a preparação daelite científica e pedagógica nacional. A ideia surgia, aliás, emsequência das propostas defendidas por Sérgio desde 1911. EstaJunta deveria ainda fundar escolas experimentais e institutos deinvestigação científica que acolhessem os seus antigos bolseiros.O decreto de criação desta Junta ainda chegou a ser publicado noDiário do Governo, como a “Junta Orientadora dos Estudos”, mas oorganismo acabou por nunca entrar em funcionamento, em boa partedevido à limitação de verbas. Foi ainda por acção de António Sérgioque veio a ser criado oficialmente o “Instituto Português para oEstudo do Cancro”, em 29 de Dezembro de 1923.Integrou o chamado “grupo da Biblioteca Nacional”, do qual fizeramparte, entre outros, Jaime Cortesão, Raul Proença, Aquilino Ribeiro,Raul Brandão, Reinaldo dos Santos, Lopes Vieira e José de Figuei-redo, dedicando-se então à criação da revista Lusitânia. Opositor ao Estado Novo, traduziu o seu pensamento através deescritos filosóficos, epistemológicos, pedagógicos, históricos, políti-cos e de natureza económico-social.Morreu em Lisboa, em 24 de Janeiro de 1969.

António Sérgio (1883-1969)

Nasceu em Felgueiras, em 29 de Dezembro de 1883. Formado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, entre 1898 e 1903, epela Escola Politécnica do Porto entre 1905 e 1909. Frequentou o curso daEscola Naval, embora acabasse por abandonar a carreira militar por seincompatibilizar com o regime monárquico. Pertenceu à Maçonaria, iniciando-se pela loja Luz e Caridade da Póvoa deVarzim e fez parte do grupo que fundou a Renascença Portuguesa, em 1912,e que incluía Jaime Cortesão, Álvaro Pinto e Teixeira Pascoaes.Durante o governo de João Franco, destacou-se nos movimentos de anar-quismo juvenil: aderiu à greve dos estudantes em 1907 e ao protesto contraa prisão e execução de Ferrer em 1908, colaborando também em periódicoscomo o Azorrague, Nova Silva (fundada com Jaime Cortesão e Álvaro Pintoem 1907) e A vida.Em 1914, filiou-se no Partido Republicano Português (Partido Democrático).Também assumiu protagonismo no quadro do ensino. Depois de frequentaro Curso Superior de Letras em Lisboa até 1911, foi professor no LiceuCentral do Porto e director do Colégio dos Órfãos de Braga. Ensinou nosliceus no Porto, Póvoa de Varzim e Lisboa (Liceu Gil Vicente) até 1919,altura em que assumiu a pasta da Instrução Pública, sob Governo deDomingos Leite Pereira (de 30 de Março e 29 Junho de 1919).Foi ainda director da nova Faculdade de Letras do Porto, onde ensinou Filo-sofia (1919-1931), ocupou depois, e mais uma vez, a pasta da InstruçãoPública (entre 30 de Novembro de 1922 e 8 de Janeiro de 1923). Assumiuinterinamente a pasta do Trabalho, no executivo chefiado por António Mariada Silva, acabando por ser afastado em resultado da sua política de tolerân-cia para com o ensino religioso nas escolas.Depois do golpe militar de 28 de Maio de 1926 abandonou a política activa.Converteu-se ao catolicismo em 1935. Morreu num acidente de viação em2 de Janeiro de 1936, na cidade do Porto.

Leonardo Coimbra(1883-1936)

A REPÚBLICA E O ENSINO

”A reforma (...) é democrática.(...) Cria organismos escolares

adequados à democracia; estabelece a educação cívica pelo

método do self-gouvernment; dá atenção especial à educação

técnica do povo, às universidadespopulares (...) Democrática, ainda,

porque será assim realizada: em plena luz, ao claro sol,

discussão pública, e reclamando oseu concurso a toda a massa

dos cidadãos.

A educação oficial será, pois,dada no seu mínimoa todos e aberta no seu máximo aosmais capazes, venham de ondevierem. Mas a educa-ção não pode fazer--se por um simplesministério, ela é umaobra de conjunto emque todos terão deintervir.LEONARDO COIMBRA, “O PROBLEMA DA EDUCAÇÃO NACIONAL”PÁG.37, EDIÇÕES MARANUS, PORTO, 1926

ANTÓNIO SÉRGIO, “VIRTUDES FUNDAMENTAIS DA REFORMA DA EDUCAÇÃO”

CONFERÊNCIA NA SOCIEDADE DE GEOGRAFIA, EM 25-VII-1923, S.N., LISBOA, 1923”

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Estabelecida em 1905 no Largo da Graça, 58, a Escola Oficina nº1 “tinha um projecto pedagógicomuito inovador para a época” ao propor “um programa de educação integral”. As palavras são daactriz Glicínia Quartin, que a frequentou no início dos anos 30 do séc. XX e cuja mãe, DeolindaLopes Vieira Quartin, ali foi professora.Dirigida pelo pedagogo anarquista Adolfo Lima, António Lima e Luís da Matta e, mais tarde, porCésar Porto, a Escola Oficina nº1 foi fundada pela Sociedade Promotora de Asilos, Creches eEscolas e representou um caso de “fusão” entre a acção de maçons, republicanos e anarquistas.Funcionava pelo método da co-educação, o que constituiu “uma revolução no sistema educativona altura”, salientava a actriz Glicínia Quartin (falecida em 2006), numa entrevista dada, em1999, à revista Noesis.Não havia separação de sexos: rapazes e raparigas frequentavam igualmente as aulas e as oficinas.Ali ”não havia carpintaria para os meninos e lavores para as meninas”, sublinhava a antiga aluna.“Era uma escola privada, que em todo o seu funcionamento procuravaque a criança se sentisse livre e, ao mesmo tempo, responsável. As aulas eram dadas em voltade uma mesa grande onde, nós e o professor, nos sentávamos. Havia a integração das disciplinascurriculares, normais do ensino primário, ao mesmo tempo que havia oficinas e actividades decarácter artístico”, recordava ainda. “Digna de registo” na pedagogia contemporânea portuguesa, ao constituir “uma tentativa de educa-ção primária e profissional segundo uma nova concepção curricular e didáctica” foi como a conside-rou, em 1979, o pedagogo Rogério Fernandes, no livro Pedagogia Contemporânea Portuguesa.Mas foi António Candeias, doutorado em História da Educação, quem dedicou maior atenção aeste estabelecimento de ensino, sobre o qual fez a sua tese de doutoramento e, em 1994, publi-cou o livro Educar de Outra Forma – A Escola Oficina nº1 de Lisboa (1905-1930). Nessa obra,António Candeias visita o quotidiano daquela escola libertária e reúne testemunhos de quem nelaensinou e aprendeu.No edifício da escola oficina nº1 no Largo da Graça funciona, actualmente, uma escola oficial doensino básico. As inscrições do tempo da República mantêm-se visíveis na fachada.

Um modelo pedagógico inovador

Como era há 100 anosO ambiente estudantil era de protesto nasúltimas décadas do século XIX, mas foi em1907 que se agudizou a revolta, com agreve académica que começou na Univer-sidade de Coimbra e acabou por transfor-mar-se num protesto a nível nacional,envolvendo não só estudantes como polí-ticos republicanos.Há muito que em Coimbra os alunosreclamavam a introdução de um espíritomoderno, que contrariasse o carácterretrógrado do ensino e, se em 1890 severificaram protestos na sequência doUltimato, eles voltaram a ouvir-se no iníciodo séc. XX, conduzindo mesmo ao encerra-mento da Universidade, da qual foramexpulsos os alunos considerados instiga-dores da revolta.Foi quando João Franco quis reabrir aUniversidade, em Abril de 1907, que arevolta se alargou às Escolas Superioresde Lisboa e do Porto e até aos liceus, ondeo boicote às aulas alastrou e o movimentoestudantil adquiriu apoios e força políticajunto do Partido Republicano e da im-prensa, que fez eco dos protestos.Também houve manifestações de estu-dantes monárquicos, que se reuniram emMaio de 1908, em Lisboa.Uma vez proclamada a República, oensino superior tornou-se uma das áreasa que o novo regime prestou grande aten-ção. Impunha-se acabar com o monopólioda Universidade de Coimbra (a única ondeaté então funcionava a Faculdade deDireito) e o decreto de 22 de Março de1911 veio criar duas novas universidades:a de Lisboa e a do Porto. Em Abril de 1911, um novo diploma (aConstituição Universitária) veio organizaras universidades. Com a reforma doensino foram criadas, junto das Facul-dades de Letras, as Escolas Normais Superiores, destinadas a preparar osdocentes do ensino secundário, atravésda introdução de disciplinas na área daPedagogia.

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Ruas da Conspiração

Foi um dos locais públicos onde se conspirou pela República. Ali, entre a Rua 1º deDezembro e o Rossio, “a grande sala revolucionária” como lhe chamava AquilinoRibeiro, encontravam-se regularmente republicanos e carbonários. Foi no Café Gelo que, em 1906, Raul Pires apresentou a outros conspiradoresAlfredo Costa, que a 1 de Fevereiro de 1908 iria participar no dos regicídio. Foi também no Gelo que Aquilino Ribeiro conheceu outro protagonista do regicídio,Manuel Buíça — segundo relata na obra “Um Escritor Confessa-se”.No próprio dia do atentado – que pretendia apenas atingir o ditador João Franco,mas que terminaria com o assassinato de D. Carlos e do príncipe D. Luís — pelo Geloterá passado Buíça, segundo a reconstituição dos factos feita por Aquilino Ribeiro,na mesma obra.“Conheci Manuel Buíça no Gelo. (…) era um dos mais assíduos frequentadoresdesse café muito arrumado à margem do Rossio tumultuário, que, não obstante oberrante das fardas, conserva ainda hoje o ar plácido de botequim provincial”.Cem anos depois, o Café Gelo foi muito alterado por múltiplas transformações, masainda existe e mantém as duas entradas, uma pelo Rossio e outra pela Rua 1º deDezembro. O “ar plácido de botequim provincial” é que já não reina. O ambiente é demix urbana e algo turbulenta. Nas paredes é sobretudo recordada uma revoluçãoposterior, o 25 de Abril de 1974, lado a lado com o tempo dos surrealistas em que oGelo era frequentado por Luiz Pacheco e Mário Cesariny, entre outros. Ironicamente, a lembrar o tempo da implantação da República, estão agora duasfotografias: a de D. Carlos e a de Afonso Costa.Além do Café Gelo houve em Lisboa vários outros cafés que são referidos comoponto de encontro de revolucionários republicanos. De acordo com uma reporta-gem publicada em 1911 na Ilustração Portuguesa, havia também o “café dos anar-quistas”, na travessa da Trindade, e “A Brazileira, onde se reuniaram diversos revolu-cionários” ou ainda o “Café Colon”, na Travessa da Palha, também ponto de reuniãode revolucionários.

“A grande sala revolucionária” do Rossio e o Café Gelo

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Conheci Manuel Buíça no Gelo. (…) era dos mais assíduos frequenta-dores desse cafémuito arrumado à margem do Rossiotumultuário, que, nãoobstante o berrantedas fardas, conservaainda hoje o ar pláci-do de botequimprovincial”

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AQUILINO RIBEIRO, EM “UM ESCRITOR CONFESSA-SE”, PÁG.280, BERTRAND EDITORA, 2008

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Pioneira em várias frentes, foi a primeira médica no país a exercer a

prática cirúrgica e a primeira mulher em Portugal a exercer odireito de voto, numa época em que o sufrágio feminino era recla-mado no país, mas não reconhecido.

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Notas biográficas

Médica e militante nas primeiras organizações de mulheres queem Portugal lutaram por direitos civis e políticos, CarolinaBeatriz Ângelo teve uma vida breve mas muito intensa. Pioneiraem várias frentes, foi a primeira médica no país a exercer aprática cirúrgica e a primeira mulher em Portugal a exercer odireito de voto, numa época em que o sufrágio feminino erareclamado no país, mas não reconhecido.Aproveitando uma omissão na primeira lei eleitoral da Repú-blica - que não contemplava nem excluía o sufrágio feminino - Carolina Beatriz Ângelo, viúva ecom uma filha a cargo, conseguiu, ao fim de uma batalha jurí-dica, ser incluída nos cadernos eleitorais, alegando ser econo-micamente independente, como requeria a lei. E a 28 de Maio de 1911, na freguesia de S. Jorge de Arroios,onde foi inscrita com o nº 2.513, exerceu o seu direito de votopara a Assembleia Nacional Constituinte – um acontecimentohistórico, não só em Portugal como nos países da Europa doSul, pelo que o facto teve repercussões na imprensa interna-cional. Esse direito, porém, não vingou na I República. Em 1913,a lei passou a especificar a necessidade dos eleitores serem dosexo masculino. Só no Estado Novo se voltou permitir o voto amulheres, mas apenas às que tivessem o curso dos liceus. Osufrágio universal só chegaria com o 25 de Abril de 1974.Aos 30 anos, Carolina Beatriz Ângelo militava no Grupo Portu-guês de Estudos Feministas (1907-1908), com a escritora Anade Castro Osório, a professora Maria Veleda e a médicaAdelaide Cabete e foi com esta última que confeccionou abandeira republicana desfraldada a 5 de Outubro de 1910.Participou na fundação da Liga Republicana das MulheresPortuguesas e fez campanha a favor da Lei do Divórcio (apro-vada em Novembro de 1910), mas, ao pugnar pelo direito devoto restrito às mulheres economicamente independentes, ¬distanciou-se de Maria Veleda, que o defendia para todas asmulheres, sem excepção.Em Maio de 1911, descontente com as posições da Liga, demi-tiu-se e criou a Associação de Propaganda Feminista. Morreu a3 de Outubro de 1911, aos 33 anos, com “a consolação de tervivido muito em pouco tempo”.

FONTE: “DICIONÁRIO NO FEMININO (SÉCULOS XIX-XX)” COORD. ZÍLIA OSÓRIO DE CASTRO E JOÃO ESTEVESEDITADO POR LIVROS HORIZONTE, 2005

CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO(1877-1911)

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Fui assistir à abertura das Constituintes e digo-lhe que nunca em minha vida senti

tamanha comoção. Sim, o que eu senti, o que todossentimos só se experimenta uma vez na vida.

CAROLINA BEATRIZ ÂNGELO, IN CARTA A ANA DE C. OSÓRIO, DE 2/7/1911,BNP, ACPC, COLECÇÃO DE CASTRO OSÓRIO, ESP. N12/419.

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MEMÓRIAS POLÍTICAS (Vol. 1, Vol. 2)Autor José Relvas Edição Terra Livre, 1977Colecção Portugal Ontem, Portugal Hoje

A REVOLUÇÃO PORTUGUESA 1907-1910 (Relatório de Machado Santos)AutorMachado SantosEdição Sextante, 2007 (reedição)

EPISÓDIOS DA MINHA VIDA:MEMÓRIAS (Vol. I, Vol.II)AutorMagalhães Lima Edição Perspectivas e Realidades, 1985

UM ESCRITOR CONFESSA-SEAutorAquilino RibeiroEdição Bertrand Editora (2008)

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TAS Escritas uma década depois do 5

de Outubro de 1910, as memóriasdo homem que da varanda daCâmara Municipal de Lisboaproclamou a vitória da República,revelam uma visão clara e críticada revolução.

Um relato circunstanciado, escritona primeira pessoa e ainda “a quente”- pouco depois do 5 de Outubro de1910 - pelo “herói da Rotunda”, ohomem que resistiu e que no ter-reno foi o grande protagonista darevolução.

“Um testamento político” foi o que omaçon republicano Magalhães Limaquis deixar ao escrever, aos 77 anos,as suas memórias, onde conta a suahistória e a do Partido RepublicanoPortuguês.

A inconfundível riqueza de estilo,na prosa de Aquilino Ribeiro, trans-forma este livro de memórias econfissões republicanas no mais bemhumorado relato dos tempos daRepública.

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Além dos relatos que existem do 5 deOutubro de 1910 em livro e feitos naprimeira pessoa, por quem viveu a revolu-ção, há também os mais imediatos, queficaram para a posteridade em letra deimprensa nos diversos jornais. Alguns podem ser facilmente encontra-dos, como é o caso do que é feito nas pági-nas do jornal A Capital publicado nopróprio dia da revolução republicana ecujo conteúdo é reproduzido digitalmentenas colecções da Hemeroteca Municipalde Lisboa, acessível em: http://hemerote-cadigital.cm-lisboa.ptSendo um “diário republicano da noite” e oúnico que saía também aos domingos,ACapital saudou a revolução com um “Vivaa República” em letras gordas e conseguiudesde logo, na noite do 5 de Outubro,anunciar em manchete a constituição doGoverno Provisório, ao mesmo tempo que,no corpo do jornal, dava notícias frescassobre as medidas tomadas para manter onovo regime e narrava o sucedido namadrugada de 4 para 5. “Os republicanos vencem as forçasmonarchicas”, dizia o jornal, no artigo ondefaz uma descrição detalhada dos confron-tos entre monárquicos e republicanos e doincêndio que atingiu o edifício nº214 daAvenida da Liberdade, depois de ter sidoatingido por uma granada.“Preparando a normalidade – Dentro donovo regimen – A proclamação da Repu-blica” é outro título da mesma edição, naqual, apesar da revolução, não deixam deaparecer anúncios, alguns dos quaisfazendo reclame a profissões várias, entreelas a de figuras republicanas, como é ocaso de António José d’ Almeida, médico de“clínica geral e doenças dos paízes quentes”,com consultório na Praça Luíz de Camões,6, onde dava “consultas da 1 às 3”.

A REPÚBLICA NA IMPRENSA [email protected]

FICHA TÉCNICA Título Jornal do Cente-nário Propriedade Comissão Nacional paraas Comemorações do Centenário da Repú-blica (CNCCR) ISSN 1647-3493 DirecçãoComissão Nacional para as Comemoraçõesdo Centenário da República Coordenação deedição Francisco Sarsfield Cabral EdiçãoFernanda Ribeiro Colaboração Inês QueirozDesign Henrique Cayatte Design

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Em Outubro, a Comissão Nacional para as Comemorações doCentenário da República e o Instituto Camões vão promover dois cur-sos de ensino à distância (e-learning) com temáticas relacionadascom a República.Ambos se destinam a professores dos 2º e 3º ciclos do Ensino Básico ea professores do Ensino Secundário. Um deles intitula-se “Refundação Pátria e Hora Europeia. Meio século

de literatura portuguesa – 1880-1930” e será ministrado por JoséCarlos Seabra Pereira, Professor Associado da Faculdade de Letras daUniversidade de Coimbra. O outro curso versará a I República e Republicanismo e será ministradopor Maria Cândida Proença e Luis Farinha, investigadores do Insti-tuto de História Contemporânea da FCSH/UNL. (Mais informações emwww.centenariorepublica.pt e em www.instituto-camoes.pt).

REMEMORARA REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 5 DE OUTUBRO DE 1910

CURSOS PARA PROFESSORES EM OUTUBROENSINO À DISTÂNCIA