Jornal da ABI 352

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Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa NÃO, IBSEN! Celebrado como cronista esportivo, ele foi mais que isso: criou o maior programa jornalístico da televisão e formou gerações de profissionais. VIDAS | PÁGINAS 40, 41 E 42 352 MARÇO 2010 PÁGINAS 8 E 9 ARMANDO NOGUEIRA NOTÁVEL NO TEXTO, FOI UM PIONEIRO E MESTRE DO JORNALISMO O RIO UNIDO CONTRA A EXTORSÃO O povo saiu às ruas, como no tempo das diretas-já, em protesto contra o confisco dos royalties tramado pelo deputado gaúcho. ABI EM PERNAMBUCO EM DEFESA DO DIPLOMA PRONUNCIAMENTO NA POSSE DA ASSOCIAÇÃO LOCAL REAFIRMA NOSSA POSIÇÃO. PÁGINA 13 O LANCE DE LEDY, QUE DEU VOZ AOS LEILÕES A AVENTURA BRASILEIRA DO FRANCÊS BAILBY CADEIA PARA O BANDO QUE ASSASSINOU B ARBON SEU TALENTO PÔS NA PAUTA UMA ATIVIDADE QUE É TAMBÉM CULTURAL. PÁGINAS 19, 20 E 21 ESTUDANTE, ELE VEIO FAZER ESTÁGIO AQUI. GOSTOU E FICOU 15 ANOS. PÁGINAS 15, 16 E 17 JÚRI CONDENA OS MATADORES DO JORNALISTA. PÁGINAS 26 E 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 2 DIVULGAÇÃO

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Nesta edição homenageamos Armando Nogueira, notável no texto, um pioneiro e mestre do jornalismo, e o cartunista Glauco, brutalmente assassinado e acompanhamos as comemorações do centenário de Xico Xavier. Entrevistamos Ledy Mendes Gonzales, primeira jornalista especializada na cobertura de Leilões, que tornou-se referência no Rio de Janeiro. Leia também um texto sobre a reforma gráfica do Estadão e outro sobre a Coleção Brasiliana Itaú.

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Page 1: Jornal da ABI 352

Jornal da ABIÓrgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

NÃO, IBSEN!

Celebrado como cronista esportivo, ele foi mais que isso: criou o maior programa jornalístico da televisão e formou gerações de profissionais.VIDAS | PÁGINAS 40, 41 E 42

352MARÇO2010

PÁGINAS 8 E 9

ARMANDO NOGUEIRA NOTÁVEL NO TEXTO, FOI UM PIONEIRO E MESTRE DO JORNALISMO

O RIO UNIDO CONTRA A EXTORSÃOO povo saiu às ruas, comono tempo das diretas-já, emprotesto contra o confiscodos royalties tramado pelo

deputado gaúcho.

ABI EM PERNAMBUCOEM DEFESA DO DIPLOMAPRONUNCIAMENTO NA POSSE DA ASSOCIAÇÃOLOCAL REAFIRMA NOSSA POSIÇÃO. PÁGINA 13

O LANCE DE LEDY, QUEDEU VOZ AOS LEILÕES

A AVENTURA BRASILEIRADO FRANCÊS BAILBY

CADEIA PARA O BANDOQUE ASSASSINOU BARBON

SEU TALENTO PÔS NA PAUTA UMA ATIVIDADE QUEÉ TAMBÉM CULTURAL. PÁGINAS 19, 20 E 21

ESTUDANTE, ELE VEIO FAZER ESTÁGIO AQUI.GOSTOU E FICOU 15 ANOS. PÁGINAS 15, 16 E 17

JÚRI CONDENA OS MATADORES DO JORNALISTA.PÁGINAS 26 E 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 2

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2 Jornal da ABI 352 Março de 2010

O CASO BARBON E A BUSCA DE JUSTIÇAA CONDENAÇÃO AGORA EM MARÇO dos mata-

dores do jornalista Luiz Carlos Barbon, assassi-nado em 2007 no Município de Porto Ferreira,interior de São Paulo, constituiu motivo de alen-to para a comunidade jornalística do País, queatravés de suas instituições representativas, en-tre as quais esta Associação Brasileira de Impren-sa, vinha clamando por justiça, seja como puni-ção dos criminosos, que não poderiam continuarà solta para a prática de novos delitos, seja comoindicação de que as violências contra jornalistase meios de comunicação doravante poderão en-contrar a devida sanção pelo Poder Judiciário.

NEM SEMPRE TEM SIDO assim, mas a decisão dojúri realizado na cidade de São Paulo, e não na-quela em que se deu o covarde homicídio, onde osjurados estariam sujeitos a pressões e represálias,demonstra que se abrem novos caminhos no tra-tamento conferido pela sociedade e pelo PoderPúblico em relação às garantias e à segurança quedevem recobrir a atividade profissional dos jor-nalistas, que não trabalham para si próprios, e simcomo agentes da comunidade, com os olhos vol-tados para as questões de toda natureza quemarcam a vida social.

O CASO BARBON DEVE TAMBÉM ser considera-do, assim como outros de lembrança recente, comoo sacrifício imposto ao jornalista Tim Lopes porseus cruéis assassinos, à luz da concepção daquiloque constitui a missão dos jornalistas e da impren-sa: a busca da verdade e a defesa do interesse so-cial, seja no plano coletivo, seja no plano individu-al, em que as provações impostas à criatura huma-na devem merecer a atenção dos meios de comu-nicação. Uma ofensa a uma pessoa humana é tam-bém ofensa ao conjunto da Humanidade.

EditorialEditorial DESTAQUES DESTA EDIÇÃO○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

03 Mercado Mercado Mercado Mercado Mercado - O médium na mídia

08 Mobil izaçãoMobil izaçãoMobil izaçãoMobil izaçãoMobil ização - Mais de 150 mil

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

disseram não a Ibsen

10 LinguagemLinguagemLinguagemLinguagemLinguagem - "A internet pode

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

favorecer a língua"

12 Comemoração Comemoração Comemoração Comemoração Comemoração - “Maracanã, um estádio

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

com alma”

13 ReclamoReclamoReclamoReclamoReclamo - A posse da AIP, um ato

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

em defesa do diploma

15 Especial Especial Especial Especial Especial - A aventura brasileira do

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

francês Édouard Bailby

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

16 Justiça Justiça Justiça Justiça Justiça - Dines e Frias na Ordem do Mérito

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

18 CriseCriseCriseCriseCrise - Jornais em queda, internet em ascensão

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

19 PPPPPe re re re re rf i lf i lf i lf i lf i l - O grande lance de Ledy

22 HomenagemHomenagemHomenagemHomenagemHomenagem - A mulher avança na

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

imprensa brasileira

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

22 MídiaMídiaMídiaMídiaMídia - A cobertura como show em tempo real

32 VVVVVeículoseículoseículoseículoseículos - Uma reforma para encher

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

a mente e os olhos

ARTIGO

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

11 Após alguns verões, por Rodolfo Konder

SEÇÕESLLLLLIIIIIBBBBBERERERERERDDDDDADEADEADEADEADE D ED ED ED ED E I I I I IMMMMMPPPPPRRRRRE NE NE NE NE NSASASASASA

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

26 Afinal, justiça para Barbon

DDDDDIIIIIRRRRREITE ITE ITE ITE ITO SO SO SO SO S H H H H HUUUUUMANOSMANOSMANOSMANOSMANOS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

29 No Dia da Mulher, anistia para 15 perseguidas

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

30 O Estado policial chega assim, pé ante pé

LLLLLIVROSIVROSIVROSIVROSIVROS34 A "Rede da Democracia", uma criação

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

dos jornais do Rio para depor Jango

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

36 Gol de letra

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

38 A arte conta a nossa História

VVVVVIIIIIDDDDDASASASASAS

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

40 Armando Nogueira

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

43 José Ubiratan Solino | Antonio Domínguez Calvo

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44 Aristélio Andrade | Margaret Moth

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45 Glauco Villas Boas

DIRETORIA – MANDATO 2007/2010Presidente: Maurício AzêdoVice-Presidente: Tarcísio HolandaDiretor Administrativo: Estanislau Alves de OliveiraDiretor Econômico-Financeiro: Domingos MeirellesDiretor de Cultura e Lazer: Jesus ChediakDiretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê)Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros

CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, TeixeiraHeizer, Ziraldo e Zuenir Ventura.

CONSELHO FISCAL 2009-2010Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa doNascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther,Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante.

MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010Presidente: Pery Cotta1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo2º Secretário: Zilmar Borges Basílio

Conselheiros efetivos 2009-2012Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, FernandoSegismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da SilvaFernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias HiddSobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho.

Conselheiros efetivos 2008-2011Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos ArthurPitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), LedaAcquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho,Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.

Conselheiros efetivos 2007-2010Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch,Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto,Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo deSousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.

Conselheiros suplentes 2009-2012Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes),Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora,Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda,Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) eRogério Marques Gomes.

Conselheiros suplentes 2008-2011Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto,Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria doPerpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, SidneyRezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães.

Conselheiros suplentes 2007-2010Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, ArcírioGouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva,José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, MaurílioCândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio.

COMISSÃO DE SINDICÂNCIAJarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri,Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins.

COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃOAlberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti.

COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOSOrpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto,Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy MaryCarneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda dePaiva e Yacy Nunes.

COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIALPaulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, JoséRezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda.

REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULOConselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno JatahyDuque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.

Jornal da ABINúmero 352 - Março de 2010

Editores: Maurício Azêdo e Francisco UchaProjeto gráfico e diagramação: Francisco UchaEdição de textos: Maurício Azêdo

Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz,Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira,Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luizde Freitas Borges.

Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas(Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva,Paulo Roberto de Paula Freitas.

Diretor Responsável: Maurício Azêdo

Associação Brasileira de ImprensaRua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ -Cep 20.030-012Telefone (21) 2240-8669/2282-1292e-mail: [email protected]

Representação de São PauloDiretor: Rodolfo KonderRua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51Perdizes - Cep 05015-040Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960e-mail: [email protected]

Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda.Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808Osasco, SP

ALÉM DO TEOR DA SENTENÇA em si, que impôsas penas devidas ao bando criminoso, comanda-do por um oficial da Polícia Militar do Estado deSão Paulo, é estimulante verificar que neste Paísem que a Justiça caminha a passo de cágado, quandocaminha,o desfecho do Caso Barbon em primeirainstância se deu com certa brevidade, resultanteda indignação causada por sua execução e, tam-bém e sobretudo, do empenho das entidades dejornalistas, do Ministério Público e do próprio PoderJudiciário para que se fizesse justiça a esse cora-joso e desafortunado companheiro.

DESSE EMPENHO, COMO RELATADO nesta ediçãodo Jornal da ABI, são prova a decisão da Juíza de PortoFerreira, Milena de Barros Ferreira, de transferir ojulgamento para uma Vara de Execuções da capital,a fim de assegurar o sigilo das investigações, e a reaçãodo Promotor André Luiz Bogado Cunha, que no finaldo julgamento apontou o assassinato de Barboncomo “uma ameaça clara à liberdade de imprensa”e seu resultado como “uma vitória da sociedade”.

AINDA BEM QUE FOI assim, diferentemente do queocorreu no caso do jornalista Manoel Leal de Oli-veira, de Itabuna, Bahia, assassinado em 14 de ja-neiro de 1998 por denunciar irregularidades na ad-ministração da cidade. Somente agora, mais de umadécada depois, sua família recebeu uma indeniza-ção de R$ l00 mil pela vida arrebatada por seus ma-tadores. Espera-se que, em termos de tempo, o CasoBarbon passe a ser o paradigma de produção de justiça.

ERRATANo editorial Conservadorismo e má-fé da Edição nº 351,segunda coluna, segunda linha, leia-se “... a adoção deinúmeras disposições nele contidas depende deformulação...”, com o verbo no singular.

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3Jornal da ABI 352 Março de 2010

Dia 2 de abril de 1910. Francisco dePaula Cândido nasce na cidade minei-ra de Pedro Leopoldo. Morto, aos 92anos, atendia pelo nome Chico Xavier.Pois é justamente na data em que com-pletaria 100 anos – a primeira sexta-feira de abril de 2010 – que o mais po-pular médium brasileiro volta à vida.Reencarna nas telas do cinema. A es-tréia do filme que conta sua histórialança novas luzes sobre a trajetória dohomem que deu voz a tantos outros. Etraz à cena, mais uma vez, a diversida-de religiosa do Brasil. País católico porformação, mas cuja prática, desde sem-

MERCADO

O médiumna mídia

Centenário de nascimento de Chico Xavier é festejado este anocom o lançamento de filmes no cinema e dvds documentais. A datacomemorativa dá mais visibilidade e gera a expansão do mercado

de publicações – jornais e revistas – que divulgam a doutrinaespírita. É hora de conhecê-las melhor.

POR PAULO CHICO

pre, cultiva o sincretismo. Uma dascorrentes com maior número de adep-tos é justamente o espiritismo. Provadisso é que, além das fronteiras doscultos ou sessões, faz tempo que osprincípios da doutrina de Allan Kardecganharam as ruas, em páginas de cen-tenas de publicações.

Elas são muitas. Jornais e revistas,títulos normalmente vendidos embancas. Outros, apenas distribuídosem associações religiosas. Alguns dis-põem de serviço de assinatura e sites,atualizados e com moderno arquivodigitalizado. Neste mês de março,

como não poderia deixar de ser, ChicoXavier foi capa de praticamente todasessas edições. Algumas dessas publica-ções são mais antigas que o próprio mé-dium, transcendem seu centenário. Éo caso da revista Reformador, que sur-giu como jornal, em 21 de janeiro de1883, e passou a ser órgão institucionalda Federação Espírita Brasileira, desdea sua fundação, no dia 2 de janeiro de1884. É daqueles casos raros de publi-cações periódicas que surgiram no sé-culo XIX e circulam até hoje.

“O Reformador foi fundado por Au-gusto Elias da Silva, um fotógrafo por-

tuguês radicado no Rio, com recursos re-tirados de seu próprio patrimônio. Aredação funcionava em seu endereço deresidência e trabalho, na Rua da Cario-ca, 120, 2º andar. Começou com limita-da tiragem, com quatro páginas. Hoje,temos 30 mil exemplares encaminha-dos, sem ônus, a mais de 12 mil casasespíritas do Brasil, a sócios e assinantes”,explica o Editor Altivo Ferreira, desta-cando que a proposta da revista, que nãoconta com publicidade mas divulgaobras editadas pela Federação, é publi-car artigos e matérias sobre o espiritis-mo e o movimento no Brasil e no exte-

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As cenas do históricoprograma Pinga-Fogo, com

Chico Xavier, foram filmadaspor Daniel Filho na ABI.

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4 Jornal da ABI 352 Março de 2010

rior. Para isso, conta com uma equipe noRio, constituída por um diretor, umeditor, três redatores, um jornalista res-ponsável e um secretário, além de dia-gramadores e revisores. A editoração éfeita no parque gráfico da Federação.

A pauta é constituída por artigos decolaboradores permanentes e voluntá-rios, observados os princípios espíritas.“Ela é feita com o objetivo de levar oconhecimento aos adeptos e simpati-zantes da doutrina, e à sociedade emgeral, sem qualquer preocupação defazer proselitismo”, destaca Altivo. Noentanto, ele reconhece que o momen-to é amplamente favorável à divulga-ção do kardecismo:

“O próprio mercado de publicaçõesespíritas experimenta um boom, tendoem vista a expansão dessa doutrina nosúltimos tempos, o que pode ser consta-tado pelo grande interesse que o espi-ritismo tem despertado no público emgeral, podendo ser dadas como exemploas comemorações do centenário de nas-cimento do Chico Xavier. Além disso,o preconceito que sofríamos foi emgrande parte combatido pela presençada temática espírita em novelas, progra-mas de televisão e filmes.”

PAUTA FACTUAL, MAS COMFOCO NO ESPIRITISMO

Outra expressiva publicação do seg-mento é o Correio Espírita, jornal men-sal que circula praticamente em todoo Brasil. Mais precisamente, com avenda direta nas bancas, ao preço de R$1,50, está presente nas capitais de noveEstados, além de algumas cidades dointerior, com tiragem média de 15 milexemplares.

“Nossas matérias são factuais, massempre voltadas para a ótica espírita,inclusive fazemos questão de funda-mentar os conceitos nas obras básicasda doutrina de Allan Kardec. Existemtambém algumas abordagens comosuicídio, aborto, eutanásia e tabagismo.São temas polêmicos, sobre os quaisprocuramos elucidar os leitores”, afir-ma Marcelo José Gonçalves Sosinho,jornalista responsável do Correio Espí-rita e professor universitário de Comu-nicação Social, também do Rio.

Mantido pelo Centro Cultural demesmo nome, o Correio é jovem. Foifundado em 3 de outubro de 2004, e seucrescimento dá noção exata do poderde fogo desse mercado. Inicialmente,eram apenas dez páginas, com perio-dicidade bimestral. Depois, as dez pá-ginas tornaram-se mensais, expandin-do-se logo para 12. Atualmente, circulacom 16 páginas.

“O espiritismo está sendo muitobadalado. Na verdade, todo mundoquer saber algo mais sobre de onde veio,onde está e para onde vai. Dentro dotripé ‘Filosofia, Ciência e Religião’, oespiritismo explica tudo, consola e elu-cida os corações”, acredita Marcelo,acrescentando que o jornal conta compublicidade, ainda que com ressalvas.

“Não anunciamos tabacos, bebidasalcoólicas, motéis e qualquer tipo de

misticismo. Através do setor comercial,temos também permutas.”

Em números oficiais, no Censo2000, foram computados 2.337.432espíritas no Brasil, o que correspondea 1,37% da população. A região queteve mais adeptos foi a Sudeste, com1.417.752, e o Estado com maior núme-ro de espíritas foi o de São Paulo, com760.882. Mas esses números são rela-tivos. Na ocasião da pesquisa, o entre-vistado não tinha como opção de res-posta o espiritismo. Quem era espíri-ta marcava o X em ‘Outras’ e só algunsespecificavam sua prática. Por isso, acrença de que esse número, sobretudoquando somado ao dos simpatizantesde Kardec, seja bem maior. Até mesmopela razão de que, com o tempo, figu-ras como Chico Xavier e Bezerra deMenezes romperam a barreira do pre-conceito e são admiradas por pessoasde todos os credos.

“Existem várias revistas espíritas. Asmais tradicionais são O Reformador,órgão oficial da Federação Espírita, e aRevista Internacional do Espiritismo,sediada em Matão, São Paulo. Temos

também a Universo Espírita, Ser Espí-rita, Revista do Espiritismo, todas elasvendidas em bancas. A Folha Espíritaé o mais tradicional e mais antigo jor-nal, mas só circula em casas espíritas,principalmente em São Paulo. Existetambém o Correio Fraterno, de São Pau-lo, com circulação nos centros espíri-tas locais. A nossa proposta diferenci-ada, no Correio Espírita, foi captar opúblico espírita e também o não espí-rita. Por isso fomos para as bancas”, dizMarcelo José.

Há exemplos de publicações que jánasceram no formato digital. É o casoda revista O Consolador, que foi ao arpela primeira vez em 18 de abril de 2007,com atualização semanal exclusiva-mente na internet. Com acesso livre,não tem formato impresso nem é envi-ada aos leitores. “A revista não publicaanúncios. Sustenta-se com recursos deseus fundadores”, diz Astolfo O. deOliveira Filho, Diretor de Redação.

Prestes a completar três anos, os nú-meros de O Consolador impressionam.“Já somamos 3,5 milhões de impres-sões de páginas e 658 mil downloadsde textos publicados, com acessos em95 países”, enumera ele, que tambémé editor do jornal mensal O Imortal, de16 páginas e vendido por R$ 1,50.

MAIOR CURIOSIDADE AJUDAA DERRUBAR PRECONCEITOSCitada como referência entre as

publicações do gênero, a Folha Espíri-ta é produto da FE Editora Jornalísti-ca desde 18 de abril de 1974, quando foilançada pelo Deputado Freitas Nobre,destacado jornalista de São Paulo quechegou a liderar a bancada do antigoPTB na Câmara dos Deputados. Doinício nas bancas, o jornal investe hojenas assinaturas anuais.

“As matérias são abordagens, sob oponto de vista espírita, de fatos e tra-gédias do cotidiano. Nossa venda depublicidade é mínima. Este ano, porém,o movimento está mesmo em evidên-cia. Temos sido solicitados para dardepoimentos à mídia, pelo nosso tra-balho de pesquisa sobre a mediunida-de do Chico, desenvolvido em conjuntocom a Associação Médico-Espírita de

São Paulo, que resultou em A Vida Tri-unfa, livro que aborda 45 casos compro-vados”, diz Ana Carolina Severino,gerente da publicação, que em 2004passou por reforma gráfica pela passa-gem dos seus 30 anos em circulação.

Aparecido Belvedere é Diretor daCasa Editora O Clarim, uma das maisantigas do ramo espírita, responsávelpelo jornal O Clarim e pela Revista In-ternacional de Espiritismo, ambos fun-dados por Cairbar Schutel, falecido em30 de janeiro de 1938. São 104 anos deatuação, tendo como meta a divulga-ção dos preceitos do espiritismo. “Nojornal, fundado em 15 de agosto de 1905,damos matérias doutrinárias espíritase o movimento nacional. Na revista,cujo primeiro número circulou no dia 15de fevereiro de 1925, o foco são as ma-térias doutrinárias, algumas com versãoem espanhol, sobre os movimentos es-píritas nacional e internacional. E uti-lizamos os dois periódicos para divulgaros 140 títulos de livros espíritas por nóseditados”, destaca Belvedere, lembran-do que ambas as publicações não sãovendidas em bancas, e sim nas livrari-as das casas espíritas. Elas contam comcerca de 14 mil assinantes em todo oBrasil, e até no exterior.

“O preconceito na mídia está dimi-nuindo, mas alguns veículos publicammatérias nem sempre com a purezadesejada. Ainda existe uma confusãode interpretações entre o que defendeo espiritismo com outras doutrinas ouseitas, que praticam o mediunismo não

MERCADO O MÉDIUM NA MÍDIA

Aparecido Belvedere: O preconceitona mídia está diminuindo.

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5Jornal da ABI 352 Março de 2010

Usando um jargão do universo espí-rita, eles bem que poderiam ser consi-derados dois ‘seres de luz’. Certamen-te para este jornalista, a quem ajuda-ram a iluminar o caminho da apuraçãodesta reportagem. Partiram deles dadosfundamentais e a indicação de fontese contatos. Todos absolutamente na-turais. Tratamos aqui apenas de tele-fones e e-mails, que fique bem claro.

O primeiro deles é Paulo RobertoViola, 63 anos, advogado, jornalista eescritor, com diversos livros publica-dos, como Dom Pedro II e a Princesa Isa-bel, Uma Visão Espírita-cristã do SegundoReinado, lançado em 2008 na AcademiaBrasileira de Letras, e que já se encon-tra na terceira edição. Também são deleBezerra de Menezes: O Abolicionista doImpério e Barão de Santo Ângelo, O Es-pírita da Corte, este lançado na ABI emnovembro de 2009.

do semestre. Em toda a grande mídia seouve falar de espiritismo. Pelos menosuma operadora de tv a cabo já examinaa possibilidade de inclusão de um canalespecífico em sua grade”, diz Viola.

A produção Nosso Lar, citada porViola, tem estréia prevista para setem-bro. Conta a história de um médico queacorda no mundo espiritual após a suamorte e acompanha sua jornada, des-de os primeiros dias, numa dimensãode dor e sofrimento, até ser resgatadopara uma cidade espiritual cujo nomeintitula o filme, sob a direção de Wag-ner Assis. O elenco conta com RenatoPrieto como André Luiz, Othon Bastos,Rosanne Mulholland, Fernando AlvesPinto, Inez Viana, Rodrigo dos Santos,Clemente Viscaíno e participações es-peciais de Ana Rosa e Paulo Goulart.

Este último integra também o elencode Chico Xavier, O Filme, dirigido por

à luz de Kardec. Daí a necessidade deexistirem veículos que publiquem ma-térias, de preferência da atualidade,sempre à luz da doutrina fundada porele em Paris, em 1857”, diz AparecidoBelvedere, que considera crescente ointeresse pelas publicações espíritaspela grande divulgação pela mídianão-espírita em torno do filme sobreChico Xavier.

“Não acho que sejamos vítimas depreconceito, mas sim de um pouco dedesinformação, inclusive por parte degrandes veículos. Há entidades, comoa Federação Espírita, que procuramtransmitir aos jornalistas esclareci-mentos sobre as questões espíritas,sobretudo quando é publicado algoerrado. Muito comumente confundemo espiritismo com a umbanda ou ou-tras crenças parecidas, igualmente res-peitáveis. Nem todos sabem ainda, porexemplo, que as palavras ‘espiritismo’,‘doutrina espírita’, ‘espiritista’ e ‘espí-rita’ foram criadas por Allan Kardec.Assim como ‘centro’ ou ‘casa espírita’são os nomes dos locais destinados àdivulgação deste pensamento”, concor-da Flávio Olive, redator do Serviço Es-pírita de Informações-Sei.

A idéia do Sei surgiu pela primeira vezem 1953, numa das reuniões realizadasem torno de Chico Xavier. O médiummineiro transmitiu a Jayme Rolembergde Lima, um dos fundadores do LarFabiano de Cristo, o desejo do espíritoEmmanuel, seu mentor, de se criar ummeio para dar apoio aos pequenos jor-nais e programas espíritas de diferentesemissoras de rádio do interior e das gran-des cidades. Assim, Emmanuel teriasugerido a elaboração de um boletimque, além de notícias, pudesse comen-tar matérias da grande imprensa e apre-sentar artigos de companheiros sobretemas doutrinários. Assim nasceu oinformativo, primeiramente em portu-guês e esperanto e que é editado há al-guns anos também em espanhol e in-glês. Publicado originalmente pelo LarFabiano de Cristo, desde o ano passadopassou para as mãos do Conselho Espí-rita Internacional, órgão ligado à Fede-ração Espírita com circulação gratuita,via Correios e web.

O auxílio de dois seres de luzEnquanto prepara seu próximo livro

– Princesa Isabel, Uma Viagem no Tem-po, também com inspiração espírita-cristã –, Viola cuida da estréia da Revistado Espiritismo, cujo lançamento, ocor-rido em 28 de março, durante seminá-rio do médium Divaldo Franco, reuniucerca de 3.500 pessoas.

“Podemos dizer que o ‘produto’ es-pírita está em expansão. Produtores, edi-tores, roteiristas e diretores estão cadavez mais surpresos com toda a explosãode audiência diante das produções queabordam este universo. Este ano, não sónosso popstar Chico Xavier está atra-indo multidões, com o filme sobre suavida e obra, que promete recordes de bi-lheteria. Também teremos uma teleno-vela de fundo espírita, às 18h na TVGlobo, e, ainda, o filme Nosso Lar, base-ado no livro psicografado por ChicoXavier, que entrará em cartaz no segun-

Chico Xavier emtrês momentos

marcantes com aimprensa: acima àesquerda, o jovemmédium em1935

é entrevistadopelo jornalista

Clementino Alencar,de O Globo; à

direita, com SauloGomes na

Comunhão EspíritaCristã, quando

concedeu aentrevista que foi a

sua primeiraaparição de peso

na televisãobrasileira, gravadaem 1968, três anosantes da polêmica

participação noprograma Pinga-Fogo, da TV Tupi

(ao lado).

FOTOS DESTA PÁGINA: ARQUIVO PESSOAL OCEANO VIEIRA

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6 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Daniel Filho e que reúne estrelas comoTony Ramos, Christiane Torloni, LuísMelo, Cássia Kiss, Giulia Gam e Letí-cia Sabatella, além de um impressio-nante Nélson Xavier, dando alma aChico na última das três fases retrata-das de sua vida (de 1969 a 1975). Omédium mineiro também é interpre-tado por Matheus Costa (quando cri-ança, de 1918 a 1922) e Ângelo Antô-nio (1931 a 1959).

Perguntado se a mídia reflete de for-ma equilibrada a diversidade religiosano Brasil, Paulo Roberto Viola adota umtom moderado, apesar de crítico. “Te-mos que entender que se a naturezanão dá saltos, a evolução também não.A mídia reflete o nosso atual estágio cul-tural. Tivemos seis séculos de ‘SantoOfício’. E a dissolução dessa nuvemsobre a Humanidade nunca poderiaocorrer de pronto. A Inquisição acabouno século XIX, mas ainda permanecemalguns de seus remanescentes. Desdeo tempo de Machado de Assis, que ti-

espiritismo que eduquei minha sensi-bilidade para a arte do cinema, damúsica e todas as outras que engran-decem o ser humano como ser imortal”.

Aos 59 anos, Vieira atua no ramocultural cinematográfico. Fundou em1985 o Jornal do Vídeo. Em 1999, lan-çou a Versátil Home Vídeo, para distri-buir em dvds os filmes humanistas, dearte, brasileiros e, sobretudo, filmeseuropeus e espíritas.

“Minha função é fazer documentá-rios biográficos em vídeos de persona-lidades espíritas. É um campo vasto,quase inexplorado. Em abril, o Canal

Brasil vai exibir nossos filmes, que re-tratam Chico Xavier, Eurípedes Barsa-nulfo e Divaldo Franco. Como espíri-ta, sinto falta de matérias que falem demaneira respeitosa sobre os religiosose as religiões em geral. A mídia costu-ma comparar os religiosos e as religi-ões com os aproveitadores da creduli-dade do povo. Há muitos pastores sé-rios que nunca mereceram sequer umalinha nos jornais”, lamenta.

Na verdade, reconhece Oceano Vi-eira, os maiores divulgadores do espi-ritismo no Brasil são mesmo os depar-tamentos de jornalismo das televisões,

principalmente a TV Globo,e a chamada grande impren-sa. “Com exceção da Veja,que costuma debochar dosespíritas. Chico foi o maiorfato jornalístico do Brasil doséculo XX. Pena que algunscolegas o vissem apenascomo uma pessoa exótica,pois usava peruca, falava deamor ao próximo e era liga-do a uma filosofia religiosae científica. E muitos delesse preocuparam com o quea Igreja Católica poderia di-zer”, afirma.

Vieira está envolvido emChico Xavier, O Filme. “Leveia produção para conhecer ofilho adotivo do Chico, as-sim como para mostrar aeles a simplicidade e a gran-deza desse médium, queconheci pessoalmente emUberaba, em 1984. Disse-lhes que Chico Xavier eramaior do que eles imagina-vam. Só se percebe sua gran-diosidade quando se estudaou pesquisa sobre ele. Disseao Daniel Filho que ele tinhaa grande oportunidade defazer takes que o cinemanunca tinha feito. E que eleteria que assumir um risco,pois aquela cena seria algoespiritual, que nenhum di-retor jamais imaginara. De-sejo que seu filme seja a mai-

nha aversão ao espiritismo, por confun-di-lo com feitiçaria e magia, sofremosdiscriminações, mas isso está mudan-do. Em breve, veremos autoridades daRepública e da vida civil participandode cultos, quando até recentemente sóvíamos essas personalidades em ofíci-os de uma só religião. Afinal, Dom Pe-dro II lutou muito para que o Estadobrasileiro fosse laico”, diz Viola, paraquem o Brasil possui cerca de 25 mi-lhões de adeptos ou simpatizantes doespiritismo, constituindo o terceiromaior contingente religioso do País.

Oceano Vieira de Melo foi o segun-do guia desta matéria. Especialista nocampo editorial espírita, alimentou apauta com dados. “São mais de 200publicações em todo o País. Todas têmpublicidades de livros, psicografadosou não, mas sempre espíritas. Existemcerca de 5.600 títulos sobre a doutrinaem circulação”, informa Vieira. Algunsde seus números, no entanto, inflaci-onam os apresentados por Viola.

“Somos oito milhões de espíritas.Ou 30 milhões, se incluirmos na con-ta os simpatizantes. Espíritas são aque-les que praticam o espiritismo codifi-cado por Kardec. Acreditam na vidadepois da morte, na reencarnação, napluralidade dos mundos habitáveis, ena evolução em cada encarnação, sejaaqui na Terra ou em outros planetas.Sua evolução espiritual está em amarseus semelhantes, na benevolência eprática da caridade sem esperar retor-no. Somos cristãos e temosJesus como modelo e guiapara chegar até Deus”.

E os simpatizantes? Qualo perfil deste grupo? “Sãoaqueles que têm outra reli-gião, mas vão ao centro es-pírita, tomam passe, lêemum livro espiritualista pen-sando tratar-se de livro es-pírita... Às vezes, assistem apalestras no centro, masseguem na sua religião. Ouseja, não querem compro-misso, querem continuar nasua, obedecendo aos dog-mas e rituais de sua tradici-onal formação familiar. Apessoa com esse perfil acre-dita em milagres, e acha quequando morrer vai para océu ou inferno. Na realida-de, é mais espiritualista, enão espírita. Os espíritas ge-ralmente são pessoas declasse média e média alta.Assinam jornais diários, re-vistas semanais e têm tv porassinatura”, descreve Ocea-no Vieira, ele próprio umsimpatizante convertido.

“Eu estava católico portradição familiar e descobrique era espírita ao ler os li-vros de Kardec. O Livro dosEspíritos, O Evangelho Segun-do o Espiritismo, O Livro dosMédiuns e A Gênese. Aí tudoficou claro para mim. Foi no

MERCADO O MÉDIUM NA MÍDIA

Chico Xavier aos 38 anos, quando ainda era tratadocom preconceito e desconfiança pela imprensa.

Paulo Roberto Viola (acima) acha que osespíritas sofrem discriminação mas

ressalta que “isso está mudando”, com oque concorda Oceano Vieira (abaixo),

Diretor da Versátil, empresa que já lançouvários dvds sobre o tema (à direita).

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Missão difícil a de Marcel Souto Mai-or. Contar a trajetória do médium res-ponsável pela publicação de centenasde livros, que venderam cerca de 50milhões de exemplares no Brasil, afo-ra as inúmeras traduções. Chico Xavieresquivava-se da responsabilidade portamanha produção. Nunca admitiu sero autor de nenhuma dessas obras. Porisso mesmo, jamais recebeu um centa-vo por elas. Doava todos os direitos ainstituições de caridade e organizaçõesespíritas. Tal como as cerca de 10 milcartas por ele psicografadas, os livrosseriam de autoria dos mortos, dizia.

Diretor do programa Profissão Repór-ter, da TV Globo, Marcel, semo recurso da mediunidade eapenas com o seu talento dejornalista, arriscou-se a escre-ver As Vidas de Chico Xavier.Referência, o livro serviu debase para o roteiro de MarcosBernstein para o filme a car-go de Daniel Filho.

“Atuei como consultor e,confesso, quase não tive tra-balho. Desde o primeiro trata-mento estava tudo ali. Ambosacertaram no tom e na estru-tura do texto, já de primeira.Costumo dizer que não tereiaquela vaidade de autor: a deouvir espectadores saírem dassalas de exibição e dizeremque o livro é muito melhor doque o filme! As obras são simi-lares. Fico feliz. Dá orgulhover a história de Chico tãobem retratada, com tantoequilíbrio e honestidade”.

Apesar do interesse pelotema, Marcel não acompanhao mercado editorial espírita.“Não costumo ler essas publi-cações. É difícil fazer uma ava-liação responsável. O que pos-so dizer é que conheço jorna-listas da área e respeito mui-

or bilheteria do cinema brasileiro esteano. Me arrisco até a prever uns cin-co milhões de espectadores, mas pes-soalmente acho que Nosso Lar temtudo para ser o maior sucesso detodos os tempos. Quem viververá”, aposta.

DVDS COMPLETAMO RESGATE HISTÓRICOExatamente com produção da

Versátil, de Oceano Vieira, estãodisponíveis no mercado trêsdvds sobre Chico Xavier, todosna linha documental. Pinga-Fogocom Chico Xavier recupera ima-gens e áudio originais das duasparticipações do médium no pro-grama da TV Tupi mostrado nofilme. Chico Xavier Inédito: DePedro Leopoldo a Uberaba reúne quatrofilmes sobre o personagem, realizadosem 1951, 1955, 1983 e 2007. Por fim,também está no mercado o dvd SauloGomes Entrevista Chico Xavier em 1968,que traz a sua primeira aparição de pesona televisão brasileira, gravada trêsanos antes da participação polêmica noPinga-Fogo. Programa que, aliás, rendeuoutro fruto. No dia 29 de março, Sau-lo Gomes lançou, em Ribeirão Preto,São Paulo, Pinga-Fogo com Chico Xavi-er. O livro, com organização do jorna-lista, traz a transcrição do programa.

Em recente depoimento ao Jornal daRegião Sudeste, Saulo recordou o seu en-contro com o médium.

“A missão parecia impossível. Vári-os repórteres, inclusive espíritas, ten-taram, em vão, furar a grande barrei-ra que o separava da imprensa. Haviauma explicação para essa barreira.Chico, na década de 50, havia sido alvode uma reportagem na revista O Cru-zeiro, focalizando materialização deespíritos. Foi ridicularizado. Após ten-tativas frustradas, Chico aceitou con-versar comigo, sem câmeras ou micro-fones. Segui para Uberaba com o cami-nhão de externa da Tupi, equipado comtrês câmeras e nove técnicos. Atendi aexigência e fui sozinho conversar comele que, após a sessão, na ComunhãoEspírita Cristã, me convidou para umaconversa, que começou às 22h30mine só terminou às 4 da manhã. Nos co-nhecemos, nos confraternizamos, efechamos o compromisso de, na noiteseguinte, gravarmos a sessão espíritae realizarmos a entrevista”.

A reunião foi gravada com Chicopsicografando mensagem assinada porEmmanuel. Terminado o encontro,teve início a tão sonhada entrevista.

“Mostrei, pela primeira vez na tele-visão brasileira e ao público espírita enão-espírita o Chico Xavier psicogra-fando uma mensagem. O impacto dareportagem, em 1968, foi extraordiná-rio. Grandes órgãos de imprensa reper-cutiram o acontecido. Depois disso, elepassou a participar de alguns progra-mas, sempre em minha companhia,inclusive em 1970, no Cidade contraCidade, apresentado por Silvio Santos”,destaca Saulo Gomes.

Um personagem desconcertanteto a postura deles. Eles estudam o es-piritismo com cuidado e estão sempreatentos a um dos dogmas da doutrina:o da ‘fé raciocinada’. São críticos e nãoficam presos a preconceitos que, mui-tas vezes, cegam e paralisam”.

Como era a relação de Chico Xavi-er com a mídia?

“Ele viveu diferentes fases na suarelação com a imprensa. No início desua trajetória, foi alvo de investigaçõesjornalísticas quando lançou o primei-ro livro atribuído a espíritos, a coletâ-nea de poemas Parnaso de Além-Túmu-lo. E foi vítima da dupla David Nassere Jean Manzon em reportagem irôni-

ca, ilustrada por fotos humilhantes narevista O Cruzeiro, durante o processomovido contra ele pela família do jor-nalista Humberto de Campos, mortoe um de seus ‘psicografados’. Em 1971,esta relação mudou radicalmente quan-do surgiu diante das câmeras da extintaTV Tupi no programa Pinga-Fogo, epi-sódio bem explorado no filme de Da-niel Filho. Era um fenômeno de audi-ência na época. Chico foi sabatinado porespíritas e não-espíritas por mais de trêshoras, ao vivo. Falou de temas variados,de drogas a homossexualidade, e setransformou numa celebridade nacio-nal”, relata Marcel Souto Maior.

Nos anos 1980, Chico foihomenageado em especiais daTV Globo, dirigidos por Au-gusto César Vanucci. Respei-tado, ganhou espaço em pro-gramas populares, como o deGugu Liberato, e em revistasde celebridades, onde apareciaao lado de visitantes comoXuxa e Roberto Carlos.

“A história de vida dele, co-erente do início ao fim, derru-bou preconceitos e gerou cre-dibilidade. Escreveu 420 livros,vendeu mais de 25 milhões deexemplares em vida e doou arenda a instituições beneficen-tes. ‘Os livros não me perten-cem. Eu não escrevi nada. Eles,os espíritos, escreveram’, repe-tiu até morrer na cama estrei-ta de seu quarto simples, emUberaba, em 30 de junho de2002. Aos que diziam que,cedo ou tarde, cairia desmas-carado como fraude, afirmava:‘Não vou cair, pois nunca melevantei’. Idoso, agradecia:‘Graças a Deus, aprendi a viverapenas com o necessário’. Poressas e outras, Chico é umenigma que desconcerta oscéticos”, define Marcel.

Marcel Souto Maior, autor do livro As Vidas de Chico Xavier:Orgulho de ver a história do médium retratada com equilíbrio.

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O Diretor Daniel Filho durante as filmagens de Chico Xavier, em Paulínea, conversa com os atores Nélson Xavier e Ângelo Antônio.

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8 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Mesmo sob forte chuva, que sóparou por pouco mais de meia hora,uma multidão calculada em mais de150 mil pessoas manifestou no dia17 de março, no Rio de Janeiro, seuprotesto contra a emenda do Depu-tado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS)que confisca recursos destinados aoEstado do Rio e seus Municípios naexploração do petróleo. Iniciadapouco depois das 15h, com a con-centração dos manifestantes dianteda Igreja da Candelária, no Centrodo Rio, a passeata percorreu a Ave-nida Rio Branco até à Praça Floria-no, na Cinelândia, onde foi monta-do um palanque para os discursosdas lideranças do movimento e derepresentantes da sociedade civil.Ao longo da caminhada, a multidãoentoava, com adaptação, o refrãoque marcou as lutas e as passeatascontra a ditadura militar: “O Rio,unido, jamais será vencido”.

Convocada pelo Governador doEstado do Rio, Sérgio Cabral, comadesão de instituições e organismos

MOBILIZAÇÃO

Mais de 150 mildisseram não a Ibsen

Na maior manifestação cívica dos últimos anos no Rio,o povo fluminense expressou seu repúdio à tentativa deapropriação dos royalties do petróleo pelos oportunistas.

da sociedade civil, como a ABI, aOrdem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro,o Clube de Engenharia, o Institu-to de Arquitetos do Brasil, o Con-selho Regional de Engenharia eArquitetura do Estado do Rio-Crea-RJ, centrais sindicais de trabalha-dores e entidades do empresariado,como a Federação do Comércio doRio de Janeiro-Fecomércio, a mani-festação estendeu-se até às 20 ho-ras, apesar da crescente intensida-de da chuva. Às faixas de protesto,com a palavra-de-ordem Contra acovardia – Em defesa do Rio, estam-pada também em camisas exibidaspor milhares de manifestantes, mis-turavam-se guarda-chuvas de todasas cores, que ajudaram a multidãoa resistir à tempestade.

Além de atrair grande massa decidadãos comuns, parte deles jovensque participavam pela primeira vezde um ato político dessa enverga-dura, a manifestação reuniu líderese representantes políticos de dife-

rentes partidos, que se juntaramaos Governadores Sérgio Cabral ePaulo Hartung, do Espírito Santo,ao Ministro do Meio AmbienteCarlos Minc (PT) e ao Ministro doTrabalho Carlos Lupi (PDT), aosSenadores Francisco Dorneles (PP),Paulo Duque (PMDB) e MarceloCrivella (PRB), aos Prefeitos Eduar-do Paes (PMDB), do Rio, LindbergFarias (PT), de Nova Iguaçu, e Ro-sinha Garotinho (PMDB), de Cam-pos, além de deputados federais eestaduais e vereadores de váriosMunicípios. Sob a liderança doGovernador Sérgio Cabral, que osrecepcionou no Palácio das Laran-jeiras para a ida em bloco à mani-festação, vários desses convidadosderam-se os braços na cabeça dascolunas de manifestantes desde aRua da Assembléia até à Cinelân-dia. Nesse nomento a chuva estia-ra; adiante, desabou forte, nova-mente. Nessa primeira fila esta-vam, entre outros, o Presidente daCâmara Municipal, Vereador Jorge

Felippe (PMDB), o Presidente doTribunal de Justiça do Estado, De-sembargador Luis Zveiter, o Prefei-to Eduardo Paes, a Prefeita RosinhaGarotinho, o Governador SérgioCabral, o Senador Francisco Dorne-les, o Ministro Carlos Minc e oSenador Marcelo Crivella.

Também artistas de renome ade-riram à manifestação, como Xuxae a atriz Letícia Spíller, que procu-raram ter presença discreta, paranão descaracterizar o conteúdo po-lítico do ato de protesto. Diante decâmeras de televisão e de repórteres-fotográficos, ambas falaram a deze-nas de jornalistas no Gabinete daPresidência da Câmara Municipal.Xuxa saiu da entrevista em com-panhia do Prefeito Eduardo Paes.

Antes do encerramento do ato oGovernador Sérgio Cabral conce-deu entrevista coletiva no SalãoNobre da Câmara, durante a qualmais uma vez denunciou a Emen-da Ibsen como uma agressão into-lerável à economia fluminense,num momento em que a Cidade eo Estado do Rio de Janeiro têm pe-sadas obrigações perante a comu-nidade internacional, como a orga-nização da Copa do Mundo de 2014e dos Jogos Olímpícos de 2016.

Apesar da insistência de várioslíderes, Cabral recusou discursarno ato, porque, disse, queria evi-tar exploração de que ele o estariautilizando para fins eleitorais, jáque concorre à reeleição em outu-bro próximo. Para falar em nomedos organizadores da manifesta-ção foi então designado o PrefeitoEduardo Paes.

O ato foi encerrado com um es-petáculo apresentado pelo cantorTony Garrido e com a participaçãoda cantora Fernanda Abreu, doconjunto Furacão 2000 e do cantorMC Sapão.

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9Jornal da ABI 352 Março de 2010

A ABI classificou de confisco aaprovação da emenda do Deputa-do Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) quesubtrai dos Estados do Rio de Janei-ro, Espírito Santo e São Paulo recur-sos provenientes da exploração depetróleo no País. No caso do Esta-do do Rio, a declaração divulgadapela Casa no dia 15 de março dizque a decisão da Câmara dos Depu-tados expõe a “irremediáveis riscos”eventos com que o Brasil se com-prometeu perante o mundo, comoa Copa Fifa de 2014 e os Jogos Olím-picos de 2016.

A declaração da ABI tem o se-guinte teor:

“No cumprimento do dever dezelar pela integridade da Consti-tuição da República, a Associação

Projeto aprovado na Câmara dos Deputados fere a Constituição ao confiscar recursos de Estados produtoresde petróleo por interesse meramente eleiçoeiro. Prejudicados: Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo.

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UMA EMENDA QUE DESRESPEITA O RIO DE JANEIRO

Brasileira de Imprensa manifestaa sua indignação e o seu repúdio àdecisão da Câmara dos Deputadosde acolher no projeto de regulaçãoda participação nos recursos gera-dos pela exploração do pré-sal aemenda do Deputado Ibsen Pi-nheiro (PMDB-RS) que reduz apercentual irrisório o valor a seratribuído ao Estado do Rio de Ja-neiro, principal prejudicado, aolado dos Estados de São Paulo eEspírito Santo, por uma proposi-ção que promove inadmissívelconfisco de receitas essenciais paraa vida fluminense. Tal decisão ex-põe a irremediáveis riscos eventoscom que a Cidade do Rio de Janei-ro, o Estado e o País estão compro-metidos perante o mundo, como

a Copa Fifa de 2014 e os Jogos Olím-picos de 2016.

Entende a ABI que é legítima aparticipação de outros entes fede-rativos, como os Estados, ainda quenão produzam uma gota de petró-leo, nas receitas decorrentes da ex-ploração dessa riqueza natural,que deve reverter em benefício detoda a comunidade nacional. Essaparticipação, porém, há de se dar deforma e em percentuais que nãocaracterizem nem promovam oconfisco imposto pela Emenda Ib-sen Pinheiro, que agrava os danoscausados ao Estado do Rio de Janei-ro pelo parecer do relator do proje-to, Deputado Henrique Alves (RN),seu correligionário. É inconcebívelque uma proposta de tal importân-

cia tenha sido examinada e votadapela maioria da Câmara dos Depu-tados com uma visão paroquial, aque não estão alheios interesses elei-çoeiros, sempre presentes em anode renovação de mandatos, comoeste 2010.

A ABI expressa sua solidarieda-de ao Governador Sérgio Cabralpelo vigor com que está enfrentan-do essa trama confiscatória e esperaque o Senado Federal promova aindispensável revisão da decisão daCâmara dos Deputados, para res-tabelecer o respeito ao artigo 20, pa-rágrafo 1º, da Constituição da Re-pública e reparar a lesão que aEmenda Ibsen pretende impor aotexto constitucional.

(a) Maurício Azêdo, Presidente.”

Na Câmara Municipal, oGovernador Sérgio Cabral (fotomaior) falou sobre o ato públicoque uniu políticos de diferentespartidos (foto ao centro) com oobjetivo de chamar a atençãopara o projeto que confiscarecursos dos Estados produtoresde petróleo. A manifestaçãotambém teve o apoio depersonalidades da área decultura como a Presidente doTeatro Municipal, Carla Camurati,a bailarina Ana Botafogo e omaestro Sílvio Viegas (acima).Ao lado, manifestantes pintam orosto para a caminhada e aSecretária de Cultura, AdrianaRattes, comemora o destaquedado ao ato pelo Jornal do Brasil.

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10 Jornal da ABI 352 Março de 2010

O TEMA, UM DESAFIOCom intertítulos da Redação do

Site da ABI, foi esta, na íntegra, aexposição de Tarcísio Holanda:

“Como Vice-Presidente erepresentante da AssociaçãoBrasileira de Imprensa, estou muitofeliz em poder me comunicar com ossenhores na língua de Luís Vaz deCamões, Machado de Assis, XananaGusmão, Agostinho Neto, Pepetela eCraveirinha, Amílcar Cabral, entremuitos outros, e da poetisa AldaNeves da Graça do Espírito Santo,heroína da libertação de São Tomé ePríncipe, que nos deixourecentemente. Uma língua que seenriquece no Brasil, na África, emPortugal e no Extremo Oriente.

A difusão pública da línguaportuguesa constitui um temabastante vasto e um permanentedesafio para os Estados nacionaisdos países que integram a CPLP(Comunidade dos Países de LínguaPortuguesa). É legítimo o desejo deque o idioma português se expandae se fortaleça em todo o mundo,mas essa perspectiva só veio a surgirno horizonte, de maneira maisnítida, a partir do momento em queBrasil e Portugal assinaram oAcordo Ortográfico, que abrecaminho para que só exista umalíngua portuguesa, assim como sóexiste uma língua inglesa ou umalíngua espanhola. Os países quefalam esses dois idiomas podemmanter algumas poucas diferenças,mas não tantas como as que aindaexistem entre o idioma falado eescrito em Portugal e aquele que sefala e se escreve no Brasil.

O PORTUGUÊSNO MUNDO, HOJE

O português é a sexta língua maisfalada no mundo, a terceira maisfalada no Ocidente, vindo logodepois do inglês, que se transformouem idioma universal, e do espanhol.Parece lógico e racional aproveitaressa indiscutível fase de expansãopolítica e econômica do Brasil nomundo para estimular a penetraçãodo idioma português não apenasentre as nações que constituem aCPLP, mas na Europa, na Ásia e portoda a América. Para isso, éfundamental conjugar os esforçosdos Estados, das instituições e dasociedade para garantir a maiordifusão do português dentro denossos respectivos países e nomundo inteiro.

Voltemos ao nosso tema central,que é a difusão pública da línguaportuguesa: Ampliação da difusãoda língua portuguesa nos meios decomunicação de massa. Temos os

"A internet podefavorecer a língua"

LINGUAGEM

A língua portuguesa nasceu naantiga Gallaecia romana (a parte daLusitânia situada ao norte do RioDouro e que abrangia a Galiza e aProvíncia de Entre-Douro-e-Minho)e teve origem no galaico-português,que resultou da evolução do latim nonoroeste da Península Ibérica. Adifusão universal do portuguêsverificou-se nos Séculos XV e XVI,no auge das grandes navegações doimpério de Portugal, tempo em que oidioma esteve a serviço de uma vastapolítica de domínio econômico, deinvestigação científica e deevangelização cristã. Convémrecordar que os primeirosdicionários e gramáticas surgiram noséculo XVI, para uso dosmissionários (na década de oitentadesse século apareceu o primeiroDicionário Português-Chinês,atribuído aos padres Ruggiri e Ricci).

No início do século XXI, extintoseu império colonial, Portugaldecidiu não se confinar ao restritoespaço territorial europeu e aceitouo desafio de partilhar com o Brasil eos países africanos de língua oficialportuguesa um patrimônio comum,a língua portuguesa. Esseinstrumento de comunicação com asimensas virtualidades da língua,servindo a cerca de 250 milhões defalantes, possui um incalculávelpotencial de solidariedade humana ede cultura, de política e deeconomia. É notório que o idioma éum dos grandes valores dopatrimônio histórico das nações, abase da relação permanente entre osindivíduos e de relacionamentoentre os povos.

jornais, o rádio e a televisão, osmeios clássicos de comunicação,agora acrescidos da internet, queabre perspectivas revolucionáriasno universo das comunicações noBrasil e no mundo. Temos aresponsabilidade histórica deprosseguir na defesa, valorização epromoção do idioma de Camões eMachado de Assis, de Pepetela eCraveirinha, Mia Couto, AmílcarCabral, Agostinho Neto e XananaGusmão.

A EXPERIÊNCIA DA TVPrecisamos começar a difusão do

português dentro de nossospróprios países para tornar maisrobusta e consistente a suapenetração no mundo. No Brasil,temos algumas experiênciasvitoriosas na televisão. É justoreconhecer o papel importante quetem desempenhado a TV Globo,com suas novelas e minisséries,algumas que se tornaram

Durante a conferência no Itamarati, o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo estevepresente com uma mini-exposição sobre a presença da língua portuguesa no mundo.

Ao abrir no dia 26 de março, a convite do Itamarati, a discussão dotema Ampliação da língua portuguesa nos meios de comunicação de massapelos participantes da Conferência sobre o Futuro da Língua Portugue-sa, o jornalista Tarcísio Holanda, Vice-Presidente da ABI, destacou aimportância da internet em qualquer esforço que se faça para a difu-são do idioma no Brasil e no mundo. Ele defendeu a difusão da línguaportuguesa na Europa, na Ásia e por toda a América, bem como no in-terior dos próprios países que têm o português como idioma.

A exposição de Tarcísio Holanda foi feita na Sala San Tiago Dantasdo Ministério das Relações Exteriores perante os delegados dos paísesde língua estrangeira representados na Conferência e de interessadosem questões culturais convidados pelo Itamarati. Após sua interven-ção, seguiram-se os debates, tendo como elemento condutor as obser-vações que ele fez, como ao salientar a contribuição que a televisão,através, por exemplo, de minisséries, tem oferecido para o conhecimentoda obra de importantes autores, como Machado de Assis, GuimarãesRosa, Rubem Fonseca e João Cabral de Melo Neto.

Nosso Vice-Presidente Tarcísio Holandafala no Itamarati da difusão do idioma.

FOTOS: FRANCISCO UCHA

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11Jornal da ABI 352 Março de 2010

Pauline Klavina falava letão,como habitante da Letônia.Mas sonhava em livoniano,que ela definia como “a lín-gua do mar”. Durante 5 milanos, aquela região do Bál-tico integrou a Livônia, umacultura de pescadores que vi-veu seus momentos de glóriana era dos cavaleiros teutôni-cos, no século XII.

Depois, a Livônia entrou emdeclínio e, subjugada pela ma-rinha russa, passou a integrar aLetônia. Nos tempos da falecidaUnião Soviética, os livonianos fo-ram afastados dos povoados costei-ros e tiveram o ensino de sua línguaproibido nas escolas.

Pauline sonhava em livoniano,quando morreu. Com a velha se-nhora, portanto, também desapa-receram frases, datas,nomes, ros-tos, entonações, vozes, porque elaera a última pessoa viva que conhe-cia a língua livoniana.

Durante décadas, séculos, milêni-os, as pessoas criam palavras, elabo-ram uma sintaxe, desenvolvem umagramática, definem uma musicali-dade única, ao falar. Uma língua é omonumento à criatividade humana.Abriga hábitos, emoções, formas es-pecíficas de se ver o mundo. E tudoisso se foi, tudo mergulhou nas tre-vas com a morte de Pauline.

As línguas, como os cisnes do po-eta Alfred Tennyson, também es-tão morrendo “após alguns verões”.

Na verdade, a cada quinzena nau-fraga uma cultura inteira, com seuscantos e sua mitologia. A cada duassemanas, o mundo se torna maispobre, menos diversificado. Os se-res humanos já falaram 150 mil lín-guas. Hoje, falam menos de 6 mil.

Apenas cinco línguas dominamo cenário atual: o inglês, o espa-nhol, o chinês, o russo e o hindusão falados por metade da popula-ção do planeta. Cerca de 45% dosseres humanos falam outras cemlínguas. Os 5% restantes são res-ponsáveis por milhares de peque-nos idiomas.

Como tirar da UTI as línguas queestão morrendo? O que fazer? Al-guns especialistas garantem que

bastam investimentos da ordem de200 mil dólares, além de pelo me-nos dois anos de pesquisas, parasalvar uma língua. O que falta,então? Empenho das instituições epaíses mais ricos? Pressão interna-cional? Vontade política?

Sempre cabe lembrar que a natu-reza só encontra seu equilíbrio nadiversidade. É preciso que haja di-versidade de plantas, sapos, maca-cos, peixes, para que a naturezapreserve sua saúde. O princípio valetambém para o mundo da culturae para a sociedade humana. Nossasobrevivência depende do nossorespeito à diversidade.

legendárias, como o afeto ou o amorde Riobaldo e Diadorim, os doisjagunços retirados de Grande Sertão– Veredas, o romance clássico domineiro João Guimarães Rosa.

Ou a trama tecida por Machadode Assis no seu clássico romanceDom Casmurro, entre Capitu eBentinho, a história nada explícita,algo misteriosa, de uma traição quenão se declara. Também virouminissérie. Assim como o suicídiode Getúlio Vargas, segundo Agosto,de Rubem Fonseca, ou Morte e VidaSeverina, triste e belo poema dopernambucano João Cabral deMelo Neto.

São avanços que estão a favor denossa cultura. Mas há retrocessos,como a invasão da cultura norte-americana no rádio e na televisão,impondo expressões e até hábitosque nada têm a ver com as nossastradições. Existem os jornais, osmais importantes, sem dúvida, noeixo Rio-São Paulo, como O Globo eO Estado de S. Paulo. Porém, háalgumas fortes expressões regionais,como Zero Hora, em Porto Alegre,Gazeta do Paraná, em Curitiba, ATarde, na Bahia, o Jornal do Commercio,de Recife, o Diário do Nordeste, emFortaleza, para citar alguns.

NA INTERNET,66 MILHÕES

E há a internet. O Brasil é o quintopaís do mundo na internet. São 66milhões de internautas. Segundo oIbope, os brasileiros são os que ficammais tempo diante da internet. Este éo novo e revolucionário veículo, queterá papel importante em qualqueresforço que se faça para a difusão dalíngua portuguesa. O livroeletrônico já está sendo lançado e éo mercado mais promissor. Em umsó Kindle – nome de fantasia daAmazon – podem estar centenas declássicos, desde A Divina Comédia,de Dante, a tragédias deShakespeare, obras de Maquiavel ede Aristóteles, entre outros.

Alguns jornais do mundo já estãonesses livros eletrônicos. Do Brasil,até agora, só O Globo. Qualquerprograma de difusão da línguaportuguesa terá que atribuir grandeimportância ao papel que a internetpoderá desempenhar nesse esforço,junto com os jornais e as emissorasde rádio e televisão.

Finalmente, espero que com estee outros encontros possamos lançarpontes ainda mais firmes econsistentes para consolidar asrelações entre os países de expressãoportuguesa. Devemos compartilharnossas experiências para que a nossalíngua seja a nossa Pátria comum,como canta o brasileiro CaetanoVeloso. Se a Pátria é a nossa língua,nosso espaço no mundo cada vezmais globalizado é a Comunidade dosPaíses de Língua Portuguesa-CPLP.

Muito obrigado.”

ApósalgunsverõesOs seres humanosjá falaram 150 mil

línguas. Hoje, falammenos de 6 mil.A cada quinzena,morre uma língua

POR RODOLFO KONDER

Rodolfo Konder, jornalista e escritor, é Diretor daRepresentação da ABI em São Paulo.

ILUSTR

AÇÃO

DE M

ARIA

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12 Jornal da ABI 352 Março de 2010

O Maracanã foi definido duas vezescomo um “estádio com alma”, expres-são usada pelo decano da crônica espor-tiva do Rio, jornalista Luiz Mendes, erepetida pela Secretária de Turismo,Esportes e Lazer do Estado do Rio, Már-cia Lins, que também é jornalista, nacerimônia com que a Associação dosCronistas Esportivos do Rio de Janei-ro-Acerj, comemorou o Dia do Cronis-ta Esportivo, em 5 de março.

Tanto Mendes como Márcia exalta-ram o atual Estádio Mário Filho, cujorenome tem dimensão mundial, comoacentuou Mendes, informando que emBelgrado, capital da antiga Iugoslávia,foi dado o nome de Maracanã a um

COMEMORAÇÃO

O maior templo do futebol brasileiro é exaltado no Dia do Cronista Esportivopela Acerj, a entidade que reúne os craques desse jornalismo especializado.

“Maracanã, um estádio com alma”

estádio, em homenagem ao maior tem-plo do futebol brasileiro. Mendes con-tou que cobriu o início das obras deconstrução do Maracanã junto com ofalecido radialista Raul Brunini. Ele la-mentou que a capacidade do estádiotenha sido reduzida ultimamente e sesitue agora em torno de 90 mil espec-tadores, menos da metade do públicoque já abrigou, como o de mais de 180mil pessoas no jogo Brasil x Paraguaidas eliminatórias da Copa do Mundode 1954.

Provocando risos dos presentes,Mendes contou que no dia do iníciosolene das obras um dos diretores deuma das seis empreiteiras contratadasestava tão emocionado que levou aoouvido, em vez da boca, o microfonecom que Brunini o entrevistava.

Realizado no Centro de Memória doJornalismo, no hall térreo do estádio,e presidido pela Secretária Márcia Lins,com a presença do Presidente da Supe-rintendência de Esportes do Estado doRio de Janeiro-Suderj, Sávio Franco, e

seu Vice-Presidente, Jorge GuilhermePontes, também jornalista, o ato foiaberto pelo Presidente da Acerj, Eral-do Leite, que convidou para tomar as-sento na direção dos trabalhos um elen-co de ases do jornalismo esportivo: odecano Luiz Mendes; Orlando Batista,locutor que brilhou durante décadas naRádio Mauá do Rio de Janeiro; Teixei-ra Heizer, um dos pioneiros do jorna-lismo na televisão e membro do Con-selho Consultivo da ABI, e Sérgio No-ronha, celebrado comentarista espor-tivo da televisão e do rádio. Ao ladodeles, o Presidente da ABI, MaurícioAzêdo, que liderou numerosa represen-tação de associados da Casa.

Após as intervenções de Mendes eMárcia Lins, o jornalista Lóris BaenaCunha, associado da ABI, foi convida-do a contar a história dos poemas quefez em homenagem aos clubes queganharam campeonatos regionais noMaracanã – América, Bangu, Botafo-go, Flamengo, Fluminense e Vasco –reproduzidos em molduras que seriamem seguida inauguradas. Baena, quecompareceu com a esposa, uma filha e

um neto, contou que veio em 1947 deBelém, sua terra, para o Rio de Janei-ro, onde se iniciou no jornalismo espor-tivo no diário Folha Carioca, cuja seçãode esportes era dirigida pelo jornalis-ta Canor Simões Coelho.

Ao recebê-lo, Canor, com humor, des-creveu-o como mais um “jornalista deexportação” vindo do Pará, somando-sea dois outros paraenses que já estavamradicados no Rio: Everardo Guilhon,que assinava crônicas esportivas sob opseudônimo de XX, e Solange Bibas.

A atuação de Canor Simões Coelhocomo líder dos jornalistas esportivosfoi realçada também pelo PresidenteEraldo Leite, que lembrou que Canordirigiu o primitivo Departamento deImprensa Esportiva da ABI, celebradosob a sigla Die. Este constituiu o em-brião da atual Associação dos Cronis-tas Esportivos.

Entre os associados da ABI que com-pareceram ao ato, encerrado com umcoquetel, encontravam-se Antônio No-gueira Neto, Gerdal dos Santos, Ger-mando de Oliveira Gonçalves, MiroLopes e Paulo Marinho, que se somarama outros jornalistas, entre os quais Nél-son Rodrigues Filho.

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Decano da cobertura esportiva, Luiz Mendes (à direita,no alto) lamenta que o Maracanã já não abrigue

multidões como a do Brasil x Paraguai de 1954. TeixeiraHeizer (à direita, abaixo) concordou com Mendes.

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13Jornal da ABI 352 Março de 2010

Convidada a presidir a cerimônia deposse da nova Diretoria da Associação daImprensa de Pernambuco-AIP, realizadaem 26 de março, num dos auditórios daAssembléia Legislativa do Estado, a ABItransformou o ato numa manifestaçãoem defesa da obrigatoriedade do diplo-ma de conclusão do curso de Jornalismoou de Comunicação Social para o exer-cício da profissão de jornalista e de crí-tica aos ministros do Supremo TribunalFederal que derrubaram tal exigência em17 de junho passado. “Os ministros doSupremo revelaram total desconheci-mento da História da Imprensa no Paíse impuseram ao jornalismo um retroces-so intolerável”, disse o Presidente da ABI,Maurício Azêdo, a quem coube a aber-tura da sessão.

Pronunciamentos na mesma linhaforam feitos a seguir pelo jornalista JoséCalazans Neto, que encerrava seu man-dato como Presidente da AIP e tomavaposse como Vice-Presidente da nova Di-retoria, Múcio Aguiar Neto, empossa-do Presidente para o mandato 2010-2013, e Ayrton Maciel, Presidente doSindicato dos Jornalistas Profissionaisde Pernambuco, o qual denunciou o ris-co de queda do padrão de qualidade dojornalismo brasileiro trazido pela deci-são do Supremo. Disse Ayrton Macielque é lamentável que isso ocorra, poisa imprensa brasileira nada fica a deverem matéria de qualidade aos principaisjornais do Ocidente.

Chamados pela Segunda SecretáriaSvetlana Romagna Valentim, tambémempossada e que atuou como mestra-de-cerimônia, tiveram assento à mesadiretora da sessão o Conselheiro Federalda Ordem dos Advogados do Brasil Jai-me Asfora, que representou a direção na-cional da OAB, o Juiz Corregedor do Tri-bunal Regional Federal Alfredo Aguiar,o Reitor da Pontifícia Universidade Ca-tólica de Pernambuco, Professor PedroRubens Ferreira Oliveira, o Cônsul da Re-pública Tcheca no Recife, Jiri Jodas, e oDeputado estadual Sebastião Rufino,além de Maurício Azêdo, Calazans Neto,Múcio Aguiar e Ayrton Maciel.

Um a um, foram chamados a assinaro termo coletivo de posse Múcio, Cala-zans, Esmeralda Camacho, Primeira Se-cretária; a própria Svetlana Valentim;Isnaldo Acioli e Hílton Monteiro, Dire-tor e Vice-Diretor Administrativo-Finan-ceiro; Ramos Silva e Mário Costa, Di-

losofia pelo Mosteiro de São Bento deOlinda e em Teologia pelo InstitutoFranciscano de Olinda e graduandoem Direito pela Universidade Maris-ta do Recife, Múcio Rodrigues Barbo-sa de Aguiar Neto, o novo Presiden-te da AIP, tem 32 anos e é tambémmembro do Conselho Deliberativo daABI. Em 2002 foi SuperintendenteRegional do Instituto do PatrimônioHistórico e Artístico Nacional-Iphan:então com 24 anos, foi o mais jovemocupante desse cargo em todo o Bra-sil desde a criação do Instituto, nosanos 30.

Em seu discurso de posse, Múcioinformou que sua administração pro-curará soerguer a AIP, dando continui-dade ao esforço desenvolvido com essefim por seu antecessor, Calazans Neto,

O Presidente da Câmara dos Depu-tados, Michel Temer (PMDB-SP), criouno dia 2 de março, a Comissão Especi-al que vai avaliar a Proposta de Emen-da à Constituição-PEC 386/09, doDeputado Paulo Pimenta (PT-RS), querestabelece a obrigatoriedade do diplo-ma de Jornalismo para o exercício daprofissão.

A Comissão Especial será compos-ta por 18 membros titulares e 18 su-plentes, que serão indicados pelos par-tidos. Após a instalação, a Comissão vaianalisar o mérito da proposta e reco-mendar ou não a sua aprovação. Casoseja aprovado, o texto segue para vo-tação no Plenário.

“Os ministros do SupremoTribunal Federal revelaram total desconhecimento da Históriada Imprensa no País e impuseram ao jornalismo um retrocesso intolerável”, sustentoua ABI na solenidade de posse da Diretoria da Associação da Imprensa de Pernambuco.

RECLAMO

A posse da AIP, um atoem defesa do diploma

retor e Vice-Diretor de Imprensa do In-terior; Elias Roma Filho e Francisnal-do Gonçalves, Diretor e Vice-Diretorde Mídia e Divulgação; Ricardo Cardo-so, Diretor de Cultura, e Ivaldo Ferrei-ra, Diretor de Assistência Social e Pa-trimônio. Após a chamada dos mem-bros efetivos e suplentes do ConselhoFiscal, o Presidente da ABI assinou otermo de posse, como testemunha.

Antes do encerrramento da sessão,o plenário lotado aplaudiu com entu-siasmo a declamação de um poema deFernando Pessoa pela atriz Geninha daRosa Borges, considerada a Primeira-Dama do Teatro de Pernambuco.

Perfil e programaGraduado em Jornalismo pela Uni-

versidade Salgado de Oliveira, em Fi-

agora seu Vice-Presidente; empenhar-se pela valorização dos profissionais dacomunicação, atuando em estreita co-laboração com o Sindicato dos Jorna-listas Profissionais do Estado de Per-nambuco, sobretudo em questões fun-damentais para o corpo social das duasentidades, como o restabelecimento daobrigatoriedade do diploma para oexercício da profisssão de jornalista; edesenvolver estudos e formular propo-sições acerca da questão urbana no Es-tado e principalmente no Recife.

O Conselho Fiscal Como membros do Conselho Fiscal

da AIP foram empossados os associa-dos Flávio Chaves, Luiz Felipe Moura,Júlio Crucho, Jota Neto, José MarinhoNery da Silva e Kennedy Barreto.

Comissão Especial analisa PEC do diploma

A Assembléia Legislativa do RioGrande do Sul aprovou por unanimi-dade no dia 17 de março, o Projeto deLei 236/2009, do Deputado SandroBoka (PMDB), que torna obrigatório odiploma de Jornalismo para servidoresestaduais. O texto seguirá para sançãoda Governadora Yeda Crusius (PSBD).

De acordo com o Presidente do Sin-dicato do Rio Grande do Sul, José MariaRodrigues Nunes, a aprovação do pro-jeto representa o reconhecimento da im-

Parlamentares se mobilizam em favor do diploma

Projetos de lei precisam tramitar emdiversas comissões antes de serem le-vados ao Plenário. Já as Propostas deEmenda à Constituição são submeti-das a uma Comissão que analisa a cons-titucionalidade e por uma ComissãoEspecial que julga o mérito da questão.

No mesmo dia, a Federação Nacio-nal dos Jornalistas-Fenaj iniciou con-tatos com parlamentares para agilizaro processo:

“Nossa expectativa é de que a PECseja votada e aprovada ainda no primei-ro semestre. Faremos tudo o que forpossível para agilizar a tramitação damatéria”, afirmou o Presidente da en-tidade, Sérgio Murilo.

portância da qualidade da informaçãoe ratifica a posição dos deputados fede-rais e senadores que já aprovaram aexigência do diploma nas Comissões deConstituição e Justiça das duas Casas.

No mesmo dia, a Comissão de Cons-tituição e Justiça da Assembléia Legis-lativa do Mato Grosso do Sul tambémaprovou projeto de lei do DeputadoPedro Teruel (PT), que exige o diplomade graduação em Jornalismo para oexercício da profissão nos órgãos esta-

duais. O texto segue para votação noPlenário.

Já no Amazonas, o projeto de lei quetornava obrigatória a exigência do di-ploma em órgãos públicos do Estado foivetado na Assembléia Legislativa, nodia 16. De autoria do Deputado SabáReis (PR), o texto já havia sido rejeitadoem dezembro de 2009 pelo Governa-dor do Amazonas, Eduardo Braga(PMDB), que se baseou na decisão doSupremo Tribunal Federal.

Michel Temer criou a Comissão Especialque vai analisar a PEC do diploma.

J. BATISTA/AG

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14 Jornal da ABI 352 Março de 2010

É justa a exigência da correção mo-netária sobre o valor da indenizaçãotrabalhista que deveria ser paga aos ex-empregados da Bloch Editores na épocado anúncio de falência da empresa. Esteé o entendimento da Justiça e da sín-dica da massa falida, Luciana Trinda-de. O caso se arrasta há quase dez anos,e na época nenhum trabalhador rece-beu nada ao ser dispensado.

A proposta, que é favorável aos ex-empregados da Bloch, foi apresentadapelo grupo de advogados que partici-param de reunião em 2 de março coma síndica Luciana Trindade. O encon-tro foi considerado positivo, por cau-sa do entendimento da síndica de quedeve haver a atualização monetária,mas foi informado também que a pri-

A homenagem póstuma a um publi-sher e o reconhecimento ao trabalho deum jornalista há 58 anos no batente,com boa parte de sua trajetória dedi-cada ao olhar crítico sobre a mídia. Nodia 29 de março, Octávio Frias e AlbertoDines, criador do Observatório da Im-prensa, foram agraciados com as me-dalhas da Ordem do Mérito do Minis-tério das Comunicações, em solenidaderealizada no gabinete provisório daPresidência da República, no CentroCultural Banco do Brasil, em Brasília.As comendas foram entregues peloPresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ajornalista Maria Cristina Frias recebeua medalha concedida ao pai, morto em2007. Octávio foi proprietário do gru-po que, entre outros títulos, publica aFolha de S.Paulo.

O Ministro das Comunicações,Hélio Costa, que no dia 31 de marçodeixou a Pasta para disputar as eleiçõesdeste ano, explicou que a Ordem doMérito foi criada em 2006 com o obje-tivo de homenagear profissionais comatuação marcante em prol da impren-sa no País. “Entendíamos que deverí-amos escolher nomes que fossem reco-nhecidamente de jornalistas ou da áreade comunicação e que tivessem umgrande serviço prestado à imprensabrasileira”, disse o Ministro.

Maria Cristina Frias afirmou queuma das maiores contribuições do em-presário do Grupo Folha foi fazer va-ler a idéia de que um veículo de comu-nicação precisa ser independente e plu-

JUSTIÇA

Dines e Frias na Ordem do MéritoO criador do Observatório da Imprensa e o publisher da Folha, morto em 2007 e representado por

sua filha Maria Cristina Frias, recebem as medalhas da Ordem do Mérito do Ministério das Comunicações.

ralista, “pois o público quer ver todosos lados dos fatos”, destacou.

Lembrando Armando Em breve discurso, Dines prestou

homenagem a Armando Nogueira,colega de profissão que falecera naque-le mesmo 29 de março e recebera amedalha em 2007.

“Quando ele foi agraciado com a pri-meira Comenda do Mérito das Comu-nicações, no Rio, fui advertido de queeu seria um dos próximos. Preferi nãoacreditar: jornalistas não gostam de sercriticados e o Governo não cometeria agafe de homenagear a quem se dedicaa criticar os meios de comunicação. Erreina previsão”, brincou Dines, que em se-

DISPUTA

Um novo capítulo de uma pendência trabalhista que se arrasta na Justiça há dez anos.

Caso Bloch: atualização de indenização é justa

oridade deverá ser para o pagamentodos que ainda não receberam nada.

Para Luciana Trindade, é necessárioque se paguem todas as indenizaçõespara depois se dar início ao processo deatualização monetária.

“Não há dúvida quanto à correçãomonetária. O artigo 26 da Lei de Falên-cias determina que a correção deve serpaga aos credores trabalhistas atualiza-da até à data da quebra da empresa, massomente após o pagamento do valorhistórico da dívida indenizatória.”

LeilãoInformou a síndica da massa falida

que a partir do término desse paga-mento os credores trabalhistas pode-rão receber a diferença com juros e cor-

reção monetária:“Como ainda temos 500 processos

em curso. isto pode demorar, mas ostrabalhadores já estão recebendo o prin-cipal”, informou Luciana Trindade.

Segundo o Sindicato dos JornalistasProfissionais do Município do Rio deJaneiro-Sindijor-RJ, a síndica da mas-sa falida teria dito que teme que o di-nheiro arrecadado com os próximosleilões de imóveis, máquinas e obras dearte não seja suficiente para cobrir ototal devido aos ex-empregados queainda nem tiveram seus processos ha-bilitados na Justiça.

Luciana Trindade disse a represen-tantes do Sindijor-RJ que “todos osbens da empresa já foram identificadose agora aguardam determinação judi-

cial para que sejam levados a leilão”.Os preços desses bens também já

foram estabelecidos, mas é necessárioque os valores sejam atualizados. Há otemor de que sejam leiloados por valo-res abaixo do estabelecido pelo merca-do, o que acarretaria prejuízo para amassa falida afetando diretamente osex-empregados da Bloch Editores.

Já a cobrança dos juros sobre o va-lor das indenizações é encarada pelosadvogados como uma questão “discu-tível” e que não deve ter prioridadeentre as reivindicações do momento.Eles disseram também que os valoresrecebidos pelos ex-empregados refe-rem-se a indenizações e por esse mo-tivo não estão sujeitos ao desconto doImposto de Renda.

guida lembrou sua relação com o outrohomenageado deste ano.

“Quando, em 1975, fui contratadopelo saudoso Octávio Frias, sugeri que,além da chefia da sucursal carioca daFolha de S. Paulo e de um artigo diário,pelo mesmo salário eu escreveria acoluna semanal de acompanhamentoda imprensa. Ao lado do inesquecívelCláudio Abramo, o velho Frias colocoua mão no meu ombro e disse: ‘Você vaiganhar muitos inimigos’. Nem ele nemeu poderíamos imaginar o quanto es-tava certo. Mas acho que estou emexcelente companhia”, avaliou o fun-dador e apresentador do Observatórioda Imprensa, exibido pela Rede Brasile disponível também na internet.

Dines, que também trabalhou na Edi-tora Abril, na Manchete e no Jornal doBrasil, entre outros veículos, falou sobreo significado da homenagem.. “O Presi-dente, o Governo e o Estado brasileirohomenagearam um grande publisher eum jornalista que tenta fazer que a im-prensa seja respeitada, apreciada, queri-da. Acho que este é um grande momen-to para a imprensa brasileira. No fundo,nós sofremos do mesmo vício: não pas-samos um dia sem ler os jornais, da mes-ma forma como não passamos um diasem olhar no espelho. Alguns espelhosdistorcem, outros são pequenos... Mastudo isso tem jeito. O desperdício seriacolocar o espelho virado para a parede.De costas para a vida”, ponderou.

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Dines, diantede CristinaFrias, doPresidente Lula,Hélio Costa eFranklinMartins: "Nãopassamos umdia sem ler osjornais, comonão passamosum dia semolhar noespelho".

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15Jornal da ABI 352 Março de 2010

Eu tinha 19 anos e cinqüenta dóla-res no bolso quando desembarquei naPraça Mauá, em 16 de novembro de1948, depois de atravessar o Atlânticodurante dezoito dias a bordo do Dési-rade. Começava a grande aventura daminha vida! Não conhecia ninguém noRio a não ser o escritor Álvaro Lins,diretor do suplemento literário do Cor-reio da Manhã, que encontrara por aca-so em Paris. Quando soube que estuda-va Português no Liceu Louis-le-Grand,além do inglês e do espanhol, e que eracapaz de alinhar algumas palavras, comsotaque lusitano, ele se entusiasmou detal modo que me disse:

“Se você fôr ao Brasil, como preten-de, antes de percorrer o resto da Amé-rica do Sul, prometo conseguir umabolsa do Itamarati para que possa es-tudar na Universidade e conhecer anossa cultura.”

Logo após a minha chegada, senti-me tão feliz com a atmosfera tropicalda cidade, os abraços calorosos dos ca-riocas, a beleza das mulatas e o esplen-dor da natureza que resolvi pedir abolsa. Enquanto esperava a respostavivi meses difíceis pois não tinha di-nheiro. O pouco que ganhava com au-las particulares de Francês mal davapara me sustentar. Às vezes passavadois dias seguidos tomando apenas umcafezinho. Por sorte conheci brasileirosgenerosos que procuravam ajudar-me.Agüentei firme.

Finalmente Álvaro Lins cumpriu asua promessa e assim fui o primeiroestudante francês a receber uma bol-sa do Itamarati. Não era muito mas deupara pagar durante quatro anos a mi-nha cama na Casa do Estudante do Bra-sil, na Rua Santa Luzia, e tomar refei-ções completas com um copo de leitepelo preço de dois cruzeiros no restau-rante universitário do Calabouço. Na-quele tempo o aterro do Flamengo ain-da não existia. Como o Clube de Rega-tas Vasco da Gama ficava perto, passeiuma temporada remando diariamenteàs cinco da madrugada até o Pão deAçúcar. Uma hora e meia de ida e vol-ta. Desde então sou vascaino de coração.

Para conseguir a matrícula na Uni-versidade, precisava revalidar o bacca-

lauréat, isto é, o diploma francês doensino secundário. Não dava tempo.Única possibilidade: entrar para o cursode Jornalismo recém-criado na Facul-dade Nacional de Filosofia, na Aveni-da Presidente Antônio Carlos, que nãoexigia o tal documento. Era a única al-ternativa para aproveitar a bolsa do Ita-marati. Tive professores ilustres comoJosué de Castro, Danton Jobim e Neu-sa Feital, esta da Rádio Ministério daEducação, onde acabei dando aulas deFrancês. Finalmente recebi o diplomade bacharel em Jornalismo numa ceri-mônia oficial que teve lugar no TeatroMunicipal. Logo depois, segui o cursode Línguas Neolatinas com Alceu Amo-roso Lima, Manuel Bandeira e CelsoCunha, que foram mestres exemplaresde quem guardo uma recordação ines-quecível.

Foi na revista Brasil Musical, comsede na Rua Evaristo da Veiga, que es-crevi, em francês, o primeiro artigo daminha vida. Publicado em dezembro de1948, um mês após a minha chegada aoRio, levava por título Saudação dumjovem francês ao Brasil. Posteriormen-te, no suplemento literário do Correioda Manhã, em 19 de junho de 1949,antes mesmo de entrar para a Univer-sidade, publiquei pela primeira vez umartigo num diário brasileiro de renome,com prefácio do Álvaro Lins recordan-do o nosso encontro em Paris. Título:Problemas do federalismo europeu. Con-tinuei escrevendo vez por outra maté-rias literárias.

Quando foi lançado, no início dosanos 50, o Journal Français du Brésil,propus a minha colaboração. Inicial-mente não me pagaram pelos artigosmas acabei sendo contratado comoredator. Mais tarde, de 1954 a 1956, fuiredator-chefe do jornal, que era quin-zenal, com uma tiragem de 15.000exemplares. Oposto à guerra colonialna Argélia, tive uma série de atritoscom a Embaixada da França, sendo fi-nalmente demitido. Aproveitei parapassar dois meses de férias em Paris,onde revi a minha família. De volta aoRio procurei logo um emprego na im-prensa do Rio para iniciar uma vida deautêntico repórter. Graças a João Etche-verry, amigo do Samuel Wainer, entreipara a Última Hora em julho de 1956.Foi o trampolim da minha carreira!

ESPECIAL

A AVENTURA BRASILEIRA DO FRANCÊS

O JORNALISTA FRANCÊS ÉDOUARD BAILBY, QUE MOROU QUINZE

ANOS NO RIO DE JANEIRO, COLABORANDO EM INÚMEROS

JORNAIS E REVISTAS, FOI REPÓRTER DA ÚLTIMA HORA DE 1956 A

1961 E EDITOR INTERNACIONAL DO JORNAL O SEMANÁRIO ATÉ

DEZEMBRO DE 1963, QUANDO VOLTOU DEFINITIVAMENTE PARA

PARIS. LÁ TRABALHOU QUINZE ANOS NA REVISTA L’EXPRESS. NESTE

TEXTO EXCLUSIVO PARA O JORNAL DA ABI, BAILBY CONTA A SUA

EXPERIÊNCIA COM SAMUEL WAINER E OSWALDO COSTA, DEIXANDO

ENTREVER SUA ADMIRAÇÃO E SEU CARINHO POR AMBOS.

POR ÉDOUARD BAILBY

ÉDOUARD BAILBY

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16 Jornal da ABI 352 Março de 2010

NA UH DE SAMUEL,APRENDI A ARTEDA REPORTAGEM

Acabei de resumir o meu percurso de1948 a 1956 para sublinhara importância decisiva queteve a Última Hora na minhavida profissional. Nos cincoanos que convivi ao lado degrandes jornalistas e fotógrafosformados por Samuel Waineraprendi a arte da reportagem. Atéentão tinha publicado apenas arti-gos literários e políticos. Interessadono trabalho dos tipógrafos, ficava aten-to à composição das páginas na gráfi-ca onde era impresso o Journal Françaisdu Brésil, mas desconhecia o trabalhodiário num jornal de grande circulação.Era a época da campanha O petróleo énosso. O Globo e os demais órgãos daimprensa conservadora combatiamsem trégua o movimento nacionalistaafirmando que não havia petróleo noBrasil, que era coisa de comunista. AÚltima Hora era o seu alvo preferido.Cheguei em boa hora.

Recordo com saudade o edifício dedois andares na Rua Sotero dos Reis,em São Cristóvão. Calçada esburaca-da, casas modestas de ambos os lados,uma garagem para conserto de carros,um boteco na esquina. Todos se conhe-ciam nesse bairro popular a poucospassos da Praça da Bandeira. Não tivea menor dificuldade em me adaptar. NaRedação do jornal estava cercado decolegas alegres e amigos. Tinha umamesa de trabalho com máquina de es-crever. Na minha frente o Renato deCastro, que usava o pseudônimo deMarijô para escrever a sua coluna Fala

o Povo, denunciando os eternos proble-mas da cidade. Passava horas ouvindoas estações de rádio à procura dos lo-cutores que tropeçando nas sílabas ca-íam do trapézio. Fazia questão de dar ahora exata com os minutos. Não mui-to longe sentava o Nélson Rodriguesbatendo na máquina A Vida Como ElaÉ, que fez enorme sucesso. O homemescrevia com talento, porém era reaci-onário demais. Um dia, viajando de ôni-bus para Laranjeiras, perguntei-lhe sejá havia visitado algum país estrangei-ro. A resposta foi taxativa:

“Para quê ? Na minha rua tenho osdramas da humanidade.”

Afora o amor sempre tingidode sangue nas suas crônicas, oNélson, como bom brasileiro, erafanático de futebol. Quando Jus-te Fontaine marcou o primeirogol da França na Copa de 1958, eleexigiu que eu ficasse trancado nasala do telex porque estava segu-rando, dizia ele, a antena do rá-dio dando azar à Seleção. Por sor-te a França perdeu.

MOACIR WERNECK,MIRANDA JORDÃOE MUITOS OUTROS

Com uma pilha de laudas emcima da mesa, Moacir Werneckde Castro era o Chefe da Redação.Homem competente, de grandecultura, sabia transmitir as reco-mendações do Samuel sem ja-mais perder a calma. Continuoamigo dele até hoje e da sua espo-sa Nené. Outro amigo desde aque-les tempos, um irmão mais bem

dito: Jorge de Miranda Jordão, que pos-teriormente foi diretor da Última Horaem São Paulo e de outros diários. Per-corremos várias vezes o interior daFrança no meu carro quando passavapor Paris. Outro foi Aroldo Wall, quedepois do golpe militar foi trabalhar naPrensa Latina em Cuba. Nunca conhecium jornalista que escrevesse tanto atéaltas horas da noite. Lembro o jovemdesenhista Egberto, que ilustrou a úni-ca novela que escrevi na minha vida,em março de 1958, para a revista Jóiasob o título As aventuras de Pipoca.

Guardo na memória muitos nomes:Octávio Malta, Pinheiro Júnior, CésarDonadel, Armindo Blanco, Amado Ri-beiro, Iram Frejat, Flávio de Britto, JoãoRibeiro, Marita Lima, Flávio Tavares,Stanislaw Ponte Preta e as suas enxutas,além de Milton Coelho da Graça e tan-tos outros. A Última Hora foi o berço dosjornalistas da imprensa moderna noBrasil. Não posso deixar de recordar aeste respeito José Carlos Rego, primei-ro negro admitido no quadro de repór-teres da imprensa do Rio, graças à aber-tura de espírito de Samuel Wainer. Eracapaz de cobrir tanto um ato oficial so-lene como uma tragédia nas favelas.

Com exceção de esportes, fiz de tudo.Atento aos menores aconteci-

mentos, tanto na área social oupolítica como no que acontecianas camadas mais pobres dapopulação, imaginando atoda hora novos esquemaspara dar impulso à Última

Hora, dotado de uma excepcional viva-cidade de espírito, grande profissional,Samuel Wainer considerava que tudopodia ser notícia.

“Lugar de repórter, insistia, é na rua.”Não suportava o jornalista mal ves-

tido. Foi assim que tive a sorte de en-trevistar celebridades brasileiras, comoVinícius de Moraes, Niomar MunizSodré, Marcelo Roberto e Jorginho Guin-le, bem como estrelas internacionais,como Louis Armstrong, Jean-Paul Sar-tre, Yves Montand, Linda Christian,Jane Mansfield e Giuletta Masina, in-térprete italiana de La Strada. Chegueia falar alguns minutos com Fidel Cas-tro quando desembarcou no Aeropor-to Internacional do Galeão, poucas se-manas depois do triunfo da Revolução.Conheci o General Alfredo Stroessner,em Assunção, quando era ditador doParaguai. Entrevistei misses, manequinsde Christian Dior, artistas da Ópera dePequim, deputados, ministros e gentehumilde que sofria de tanto trabalharpara ganhar a vida. Fiz reportagens comretirantes do Nordeste, nas favelas doRio e nos bailes do Carnaval. Chegueia conhecer Volta Seca, braço direito deLampião, quando era faxineiro na Leo-poldina. Viajei, enfim, pela Europa, prin-cipalmente nos países socialistas. Sa-muel queria que o repórter estivessesempre em movimento.

NO JIPE DO JORNAL,SEM PORTAS TRANCADASE SEMPRE BEM-VINDO

Percorria o Rio num jipe com o lo-gotipo azul da Última Hora, um moto-rista e um fotógrafo. Um deles que meacompanhou inúmeras vezes foi o Wal-

No exílio, após o golpe,Samuel Wainer pensavaem fundar em Paris um

jornal dedicadoexclusivamente àAmérica Latina. A

saudade antecipou suavolta ao Brasil.

Mais de 50 anos depois,Bailby guarda boas

lembranças doscompanheiros de UH,

como Moacir Werneck,Chefe da Redação, quejamais perdia a calma.

Edição de 7 de julho de 1956 da Última Hora: nessemês Édouard Bailby começava no jornal que teve

importância decisiva na sua vida profissional.

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17Jornal da ABI 352 Março de 2010

ter Firmo, que reencontrei há poucosanos quando expôs as suas belíssimasfotos em Paris. Lembro um dia de en-chente em São Cristóvão. Para ir até ofinal da rua, vestido de terno e grava-ta por causa de uma entrevista com umdeputado, os colegas acharam umavelha banheira e me puseram dentroaté acharmos mais adiante um táxi. Obom humor era permanente, a boa ca-maradagem também, pois o Samuelsabia criar um clima de convivênciatipicamente brasileira. Trabalhávamostodos com entusiasmo.

Sentados num jipe do jornal, semportas trancadas, sabíamos que sería-mos bem acolhidos na Zona Norte enas favelas. Violência havia na cidademas era limitada aos bairros mais po-bres abandonados pela Municipalida-de. Na Zona Sul só a Ladeira dos Ta-bajaras, em Copacabana, era perigo-sa nas altas horas da noite. No meutrabalho de repórter jamais ninguémme disse uma palavra desagradável oume prejudicou porque era estrangeiro.Um belo exemplo de fraternidade.

Não sofri censura na Última Hora.Apenas uma vez Samuel Wainer pediuque corrigisse a minha matéria. Foi porocasião do primeiro vôo comercial ajato entre Londres e Buenos Aires, comescalas no Rio e em São Paulo. Malentrei no Aeroporto do Galeão paracobrir o evento, ouvi uma senhora quedizia para outra:

“Por causa desse jato que ninguémconhece atrasaram o meu vôo. Nãopoderei assistir ao casamento do meufilho em Londres. É um escândalo!”

Estava fora de si. Dirigi-me para asala onde estava sendo realizada umarecepção com uísque, champanhe esalgadinhos, antes do vôo de vinteminutos reservado aos convidados.Tempo maravilhoso em cima da Baíade Guanabara. Voltei para a Redação,escrevi a matéria, que entreguei aoSamuel. Ele leu, não gostou, dizendoque tinha de escrever a reportagem deoutra maneira.

“Pagaram anúncios em todos os jor-nais, menos na Última Hora”, explicoufulo de raiva.

O que fiz? Para não mudar os fatos,em vez de começar com o vôo regadoa champanhe do Comet, falei de entra-da na senhora que dava berros. Emoutras palavras, troquei o fim do arti-go contra o princípio. Até hoje contoessa estória para explicar como as no-tícias formam um baralho. O repórterdeve escolher a mais importante, noseu entender, sem trair a verdade.

SAMUEL, UM BRASILEIROQUE AMAVA O SEU PAÍS.

UM PATRIOTA DAIMPRENSA

A campanha de Carlos Lacerda con-tra a Última Hora foi histérica. Na ver-

O titulo e os intertítulos são da Redação do Jornalda ABI.

dade, ela visava a desestabi-lizar o movimento naciona-lista e popular. Filho de ju-deus humildes da Europa ori-ental, Samuel Wainer foi umautêntico brasileiro que tan-to defendeu a Petrobrás e asconquistas trabalhistas deGetúlio Vargas como deuapoio à política desenvolvi-mentista de Juscelino Ku-bitschek. Não era comunista.Era antes de mais nada umpatriota da imprensa.

Quando foi obrigado adeixar o Brasil para exilar-sena França, tive com ele lon-gas conversas. Era um ho-mem magoado. Resolvido alutar, ele quis fundar em Pa-ris um jornal exclusivamen-te dedicado à América Lati-na. Descendo os dois a Ave-nida dos Champs-Elysées,desde o Arco do Triunfo atéà Praça da Concorde, queriaque eu colaborasse com ele.Não levou adiante o proje-to, pois acabou voltando para o Bra-sil, de onde não conseguia viver afas-tado. Nunca mais o vi.

OSWALDO COSTA COMO SEU O SEMANÁRIO

E SUA FÉ NOFUTURO DO BRASIL

Deixei a Última Hora em julho de1961. No final dos anos 50 já tinhacomeçado a colaborar em O Semanário,o jornal do Oswaldo Costa, com Reda-ção instalada na Avenida PresidenteVargas, mudando posteriormente paraa Avenida Franklin Roosevelt. Sentia-me solidário com a sua luta. Quandome apresentei para escrever um ououtro artigo de política internacional,fui logo recebido de braços abertos,

como se fôsse um velho amigo. EntreOswaldo e mim a afinidade foi total enão tive a menor dificuldade em traba-lhar ao seu lado. Acabei sendo contra-tado como redator com um saláriomodesto. Além do editorial de políti-ca internacional e reportagens tanto noBrasil com no exterior, assinei compseudônimos artigos e notas de todotipo. Nem precisava apresentar as mi-nhas matérias ao Oswaldo antes depublicadas. Ele tinha absoluta confian-ça em mim sabendo que defendíamosa mesma causa.

Quando os Estados Unidos ameaça-ram intervir em Cuba para pôr fim aoregime revolucionário de Fidel Castro,escrevi um editorial do qual até hoje mesinto orgulhoso: Nem agora nem nunca“seu” Kennedy. Mais tarde, face às no-vas ameaças norte-americanas, pediuque preparasse com urgência um suple-mento especial de quatro páginas.Como o tempo era curtíssimo parasolicitar a ajuda de colaboradores ex-ternos, tive de escrever praticamentesozinho todas as matérias da primei-ra até à última linha. Redator parla-mentar, Oswaldo passou alguns mesesem Brasília, em 1962 ou 1963, deixan-do-me na chefia da Redação para con-feccionar o jornal com o meu amigo Fi-chel Davit Chargel, diagramador de OSemanário.

De estatura baixa, gordo, OswaldoCosta dava gargalhadas homéricas. Sem-pre bem humorado, gentil com todos ossubalternos, inclusive o contínuo, eletinha sólidas convicções nacionalistase progressistas. Defendia as suas posi-ções com uma fé inquebrantável nofuturo do Brasil. As vezes achava “lou-cos” ou “irresponsáveis” alguns esquer-distas mas, grande democrata, dava acada um a possibilidade de defender assuas idéias. Cristãos progressistas, so-cialistas, comunistas e castristas, todostinham direito à palavra. Na época foi

o único jornal importante de esquerda,totalmente independente, que defen-deu sem fraquejar os interesses do Bra-sil, tornando-se o órgão da Frente Par-lamentar Nacionalista.

A United Press e a Associated Pressnão davam a menor repercussão no ex-terior às nossas posições, ao contráriodas agências do Terceiro Mundo e docampo socialista. Éramos respeitados.Oswaldo assinava na primeira páginao editorial de política nacional, reser-vando o resto do jornal a nacionalis-tas ilustres como Barbosa Lima Sobri-nho, Neiva Moreira, que depois fun-dou Cadernos do Terceiro Mundo, Enei-da, Jurema Finamour, Gentil Noro-nha, Edmar Morel, Maurício Azêdo,hoje Presidente da ABI, e muitos ou-tros patriotas. Di Cavalcânti, o gran-de pintor brasileiro, dava a sua contri-buição financeira para ajudar O Sema-nário, que não recebia nenhuma pro-paganda comercial das empresas pri-vadas por causa das suas posições po-líticas. Quando ocorria, Oswaldo en-tregava-me parte do dinheiro que delerecebia para distribuir entre todos osque trabalhavam na equipe. Era umpatrão fora do comum.

“CUIDADO COM O DEGAULLE. O HOMEM NÃO

É DE BRINCADEIRA”,DISSE-ME OSWALDO

COSTA, RINDO.

Ao voltar definitivamente para aFrança, em dezembro de 1963, Oswal-do disse-me rindo:

“Cuidado com de Gaulle, o homemnão é de brincadeira”, ao que retruquei:

“Cuidado aqui, de tanto cutucaremo rabo do leão ele acabará comendovocês todos”.

A situação interna do Brasil esta-va ficando explosiva mas não imagi-nava que fosse acontecer tão cedo umgolpe militar encorajado pelos Esta-dos Unidos. O Semanário, com o seulogotipo vermelho, foi imediatamen-te fechado e proibido de circular.Abalado com os acontecimentos,Oswaldo Costa faleceu poucos mesesdepois. Eu já trabalhava no L’Expressquando recebi, em Paris, o telegramadando a triste notícia. Parei de escre-ver a minha matéria. Havia desapa-recido um entranhável amigo, umjornalista de talento e um inesquecí-vel humanista.

Uma vez na França, graças à minhaexperiência no Brasil, segui a minha car-reira de repórter na revista L’Express de1964 a 1979, colaborando desde entãoem inúmeros jornais e revistas como LeMonde Diplomatique e Géo, além de vá-rios órgãos da imprensa brasileira.

A inauguração de Brasília teve grande destaque naÚltima Hora, que apoiava a política de Kubitschek.

Bailby deixou o Brasil quatro meses antesdo golpe militar. Integrou-se em 1964 àequipe de L'Express, a mais importante

revista francesa, na qual trabalhou até 1979.

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“O movimento que abalou váriossetores da economia também afetou osegmento de jornais e o impacto foi maisforte nos primeiros seis meses de 2009.”A afirmação, do Presidente do Institu-to Verificador de Circulação-IVC, PedroMartins Silva, explica o mau desempe-nho dos 20 maiores jornais brasileirosno ano passado. De acordo com dadospublicados no jornal Meio & Mensagem,a circulação somada desses veículossofreu queda de 6,9% em 2009, quan-do comparada à do ano anterior.

Pedro Silva frisou que houve recu-peração na circulação dos jornais as-sim que a econômica global mostrousinais de reversão, tanto que no com-parativo entre os meses de dezembrode 2009 e de 2008 o índice de quedafoi de apenas 3%. Do total de 20 jor-nais avaliados pelo IVC, 11 registra-ram queda na circulação, seis tiveramalta e três se mantiveram estáveis nacomparação com os números registra-dos em 2008.

Os jornais O Dia e Meia Hora, doGrupo O Dia, do Rio de Janeiro, apre-sentaram as maiores quedas – 31,7% e19,8%, respectivamente. Na seqüência,o Diário de S. Paulo (-18,6%), Jornal daTarde (-17,6%), Extra (-13,7%), O Esta-do de S.Paulo (-13,5%), Diário Gaúcho(-12%), O Globo (-8,6%), Folha de S.

Jornais em queda,internet em ascensão

Os números indicam redução na circulação de 11 dos 20 jornais do País avaliados pelo IVC. NosEstados Unidos, a internet ultrapassa os tradicionais veículos impressos como fonte de informação.

Paulo (-5%), SuperNotícia (-4,5%) eEstado de Minas (-2%) também sofre-ram baixas. O Correio do Povo, A Tribu-na e Valor Econômico registraram núme-ros praticamente estáveis. No grupodos que tiveram alta na circulação es-tão o Daqui (31%), Expresso da Informa-ção (15,7%), Lance! (10%), Correio Bra-ziliense (6,7%), Agora São Paulo (4,8%)e Zero Hora (2%).

Na liderança do ranking de circula-ção aparece a Folha de S. Paulo, commédia diária de 295 mil exemplares.Em seguida foram registrados os diá-rios SuperNotícia (289 mil), O Globo(257 mil) e Extra (248 mil), O Estadode S. Paulo (213 mil), Meia Hora (186mil), Zero Hora (183 mil), Correio doPovo (155 mil), Diário Gaúcho (147 mil)e Lance! (125 mil).

Daqui (Goiânia), Expresso da Informação (Rio de Janeiro), Extra (Rio de Janeiro),Jornal da Tarde (São Paulo), Meia Hora (Rio de Janeiro), SuperNotícia (Belo Horizonte),A Tribuna (Santos), Valor Econômico (São Paulo), Zero Hora (Porto Alegre)

Internet segue em altaPesquisa do Pew Research Center,

divulgada no final de fevereiro, reve-lou que os sites de notícias se tornarammais populares que os jornais nos Es-tados Unidos. A pesquisa, que ouviu2.259 adultos entre 28 de dezembro de2009 e 19 de janeiro deste ano, revelouque a internet é agora a terceira formamais corrente de acesso a notícias, ci-tada que foi como uma das fontes deinformação por 61% dos entrevistados,atrás das tvs locais, citadas por 78%,e redes nacionais, como CNN e FoxNews, que somaram 71%. O númerode leitores regulares de jornais caiu para50%, abaixo do de ouvintes de rádio(54%). Segundo a pesquisa, a capacida-de de interação é um dos diferenciaisda internet.

De acordo com pesquisa realizadapela empresa 4 International Media &Newspapers, diretório de jornais di-gitais que reúne mais de 7 mil títulosde 200 países, o jornal norte-america-no The New York Times encabeça oranking de publicação mais lida nainternet. Em segundo lugar aparece obritânico The Guardian, seguido pelochinês The People´s Daily. Na quartacolocação está o USA Today; em quin-to lugar, El Mundo, do grupo UnidadEditorial.

Dentre os sites em língua portugue-sa, ainda de acordo com o estudo, a me-lhor colocação é de O Globo (81º), se-guindo pelo português A Bola, em 137º,e pela edição online de O Estado de S.Paulo, que figura em 167º lugar. Esteranking é atualizado duas vezes porano e aponta o nível de circulação dosjornais, não considerando critérios denoticiabilidade, posicionamento edito-rial ou qualidade da informação. Parao cálculo são utilizadas medições Goo-gle Page Rank, Yahoo Inbound Links eAlexa Traffic Rank.

Fonte: Instituto Verificador de Circulação-IVC

Fonte: Instituto Verificador de Circulação-IVC

CRISE

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19Jornal da ABI 352 Março de 2010

primeira coisa que deve entrar nes-sa matéria é um registro de agrade-cimento. Ela não pode começar semque eu destaque os nomes de trêspessoas que me ajudaram muito:

Wilson de Oliveira, Maurílio Ferreira e Mário Vale.”Atendida a recomendação inicial, segue o texto so-bre Ledy Mendes Gonzales, pioneira na cobertura deleilões e na descrição de disputados lances. Ela nosrecebeu em seu apartamento, próximo ao Largo doMachado, Zona Sul do Rio, para uma entrevista re-pleta de lembranças. De emoção legítima e, por ve-zes, desconcertante.

O ponto de partida é o ano de 1962. Capixaba deVitória, Ledy enfrentava um momento difícil na vidaparticular. Separava-se do marido, então mergulha-do no alcoolismo. Já com quatro filhos – uma ‘esca-dinha’, como diz – partiu em busca de emprego. A pri-meira tentativa não foi animadora.

“Fui fazer um teste numa loja da Praia de Botafo-go, a Sears, após ver um anúncio no jornal. A moçapediu que eu fizesse contas básicas de primário. Traveie não consegui fazer nada. Sofri uma espécie de blo-queio. Lidar com números é uma dificuldade enor-me pra mim, ainda mais numa situação de pressão!

PERFIL

Ograndelancede

Do início quase que por acasona profissão de jornalista,

Ledy Mendes Gonzalesapaixonou-se por leilões.

De pioneira, tornou-sereferência na cobertura desses

eventos no Rio de Janeiro.

POR PAULO CHICO

Bom, lá fiquei eu, uns 15 minutos, tentando. E nãoconsegui”, recorda, esclarecendo que nos milhares dematérias sobre leilões que viria a fazer nos anos se-guintes somente informava preços e avaliações. Nãosofria com os cálculos.

Frustrada a primeira investida, um conselho ma-terno a levou a procurar um primo, com o qual nãomantinha relações próximas. Mas Gilberto, represen-tante do lado mais abastado da família, trabalhavano Ministério da Fazenda. Além disso, era bem rela-cionado. Tinha contatos.

“Ok, vamos te arranjar um emprego. Mas o quevocê sabe fazer?”, perguntou. Sem formação espe-cífica, mas desde cedo com gosto pela leitura e es-crita, Ledy estava disposta a escrever. Sobre qual-quer coisa. E em qualquer lugar. “Desde garota euera apaixonada por livros. Já tinha enviado matéri-

as para O Jornal, participado de concursos de poe-sia, um monte de coisas... Mas não passava pelaminha cabeça atuar diretamente no jornalismo. Erademais pra mim...”, conta.

Cerca de 15 dias após esse encontro, quando jácomeçava a procurar outras alternativas no merca-do, Ledy recebe um telegrama em sua casa, em NovaIguaçu. “Favor apresentar-se no Jornal do Commercio,na Redação e coisa e tal. Fiquei doida! Eu nunca ti-nha visto o JC, nem sabia que existia. Me arrumei di-reitinho e fui lá, na Rua Sacadura Cabral.” Foi rece-bida pelo Chefe de Redação na época, Wilson deOliveira. No entanto, terminou por não iniciar a car-reira jornalística naquele momento. Uma tentativade reatar a relação com o marido, que durou apenasmais dois anos, a fez suspender temporariamente abusca por um meio próprio de sobrevivência.

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20 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Casamento definitivamente desfei-to, Ledy Gonzales bate novamente àporta do Jornal do Commercio, em 1964.

“Na primeira visita, dois anos antes,fiquei com vergonha de dizer para o Dr.Wilson que eu não ficaria, pois ele merecebera tão bem... Mas, mais uma vez,minha mãe recomendou que eu voltas-se lá, que não custava nada tentar. Lem-bro que eu estava completando 30 anos.Entrei na Redação nervosíssima. Estavamagrinha, frágil por causa do impactoda separação. O Dr. Wilson estava lá,com o charutinho dele, reunido comumas pessoas”.

Ela aguardou um pouco, até quetodos saíssem. E, então, se aproximou.

“Não sei se o senhor lembra de mim,estive aqui há dois anos...”

“Claro que me lembro! Você não é amenina que estava procurando empre-go, tem quatro filhos e mora em NovaIguaçu? E agora? Veio pra trabalhar?”

“Bem, eu quero tentar, né? Quandoposso começar?”

“Agora mesmo!”, disse Wilson deOliveira.

Acomodada diante de uma robustaRemington, daquelas que pareciampesar algumas toneladas, Ledy recebeuum monte de releases sobre peças deteatro e alguns assuntos tipicamentefemininos.

“Isso é pra entrar na coluna da atrizLuiza Barreto Leite. Olha a responsa-bilidade!”, recomendou Wilson.

“Eu comecei a escrever, sabendo queaqueles homens da Redação estavamme olhando... Havia, naquele tempo,apenas duas meninas na equipe do JC,se não me engano. A Rosa Cass, quedeve estar batalhando por aí, e a SôniaCoutinho, que se tornou escritora. Eu escrevia, achavaruim, e jogava tudo na cestinha de lixo”.

Neste momento do papo, a emoção toma contade Ledy.

“Aquela Redação era uma festa! Minha escola foia Redação do Jornal do Commercio! Eu não tinha amenor condição de ser jornalista. Mas todos eles meajudaram, eram como uma família. Não havia a dis-puta pelo poder que vemos hoje. Todos eram colabo-rativos, em especial os três que citei. Eles me ajuda-ram, me aturaram. O Wilson de Oliveira! Quem tra-balhou com ele não esquece... Uma vez, me pediu umamatéria sobre o Carlos Lacerda, e me fezreescrever tudo sete vezes. Sete vezes!Fazia de novo, mostrava a ele e...”

“Não tá bom ainda. Você pode fazermelhor, Ledy”, salientava.

“O Mário Vale, Secretário de Redaçãodo JC, às vezes passava meia hora meorientando, me indicando leituras, mos-trando jornais. Maurílio Ferreira, tam-bém Secretário e que hoje está na ABI,foi como um pai pra mim. Um companheiro 100%.A gente trocava informações, conversava muito. Eleme dava conselhos. O jornal não me registrou logode cara, pois não tinha vaga. O quadro estava com-pleto. Era preciso sair algum repórter para entrar ou-tro... Só em abril de 1966 é que eu fui efetivada”,recorda Ledy, em meio a lágrimas.

Alguns meses depois, e já com alguma bagagem eexperiência, Ledy é atirada aos leões. Isto é, enfim,vai às ruas.

“Minha primeira matéria foi uma reunião de ne-gócios, num prédio bem na Rio Branco. O Fernando

Gabeira sentou-se ao meu lado, era repórter do Jor-nal do Brasil. Logo depois, fiz elogiada reportagemcom crianças que viviam na Cinelândia, pedindo di-nheiro nos restaurantes. Não eram pivetes, não! Eramcrianças abandonadas. Foi difícil eu terminar a en-trevista, pois comecei a chorar. Queria levar aquelesmeninos pra minha casa, cuidar deles”, diz.

Outra matéria, com Vicente Galliez, importanteempresário que estava à frente da Federação do Co-mércio e Indústria, arranca risos de Ledy Mendes.

“A entrevista corria bem, com ele falando o bási-co. Até que fiz uma pergunta a que, Vicente frisou,

ele responderia em off. E eu lá sabia o que era isso?Aí, ele disse um monte de coisas, meteu o pau noGoverno. E eu lá, anotando tudo... Até que, perceben-do que eu copiava, brigou comigo e me colocou prafora da sala, por eu não respeitar o acordo”, ri.

Antes de ingressar na cobertura de leilões, Ledycorreu muito pelas ruas do Rio, cobrindo pronunci-amentos de Vladimir Palmeira e José Dirceu, líderesdo movimento estudantil.

“Adorava fazer essas coberturas. Uma vez, em Co-pacabana, tive que me esconder. Outra vez, na Lapa,onde é hoje a Associação Cristã de Moços, um estu-

dante fazia o discurso e a Polícia veiocercando tudo, dos dois lados. Quandopercebi, eu estava rodeada por policiais.Os meninos repórteres logo quebraramum vidro e se esconderam no porão deum prédio vizinho. E eu, de saia, saltoalto, não fui. Gritei: ‘Sou da imprensa,sou jornalista e estou trabalhando!’. Esaí com o bloco de anotações em riste,no alto da mão, em meio aos policiais,com um medo danado de levar uma ca-cetada... Aquele bloco foi a minhaarma”.

A cobertura na área de literatura,onde também atuou, rendeu a Ledydiversas visitas à Academia Brasileira deLetras-ABL. E um elogio do escritor JoséAmérico de Almeida.

“O Moacir Padilha, diretor do Jornaldo Commercio, certa vez, me chamou àsala dele. E lá fui eu, preocupada com oquê eu poderia ter feito de errado. E meentregou uma carta, endereçada a elepróprio, mas que seria, na verdade, pramim. Era do José Américo, que dispu-tava uma vaga na ABL, para a qual aca-bou sendo eleito. Na carta, ele pergun-tava quem era eu, que ele não conhecia,e fazia altos elogios à minha reportagemque tratava da sucessão entre os acadê-micos”, conta Ledy.

Finalmente, a cobertura de leilõescomeçou aos poucos, meio que por aca-so. Já naquela época o Jornal do Com-mercio era o único a abrir espaço paraesse mercado.

“Certa vez, fui cobrir o leilão de umaescola no subúrbio. O proprietário tinhamorrido, e a família queria vender oimóvel. O leilão era feito pelo ErnâniMelo, e vi um cara esquisito na área.Fiquei sabendo que era o Zica, conhe-

cido como o Barão do Cais. Manuel da Silva Abreu,o Zica, era um contraventor famoso por suas mano-bras financeiras ilegais e pela grande fortuna. Cria-ra um esquema do contrabando, sobretudo de pro-dutos como bebidas, charutos, perfumes, cigarros esapatos. Poderoso, temido e rico, era figurinha fácilno mercado imobiliário. E freqüentador de leilões.”

“No dia marcado apareceu uma mulher com duasmeninas. O Ernâni começou lembrando que aquelaseria a segunda tentativa, por isso o lance mínimopartia de 50% do valor do imóvel. E descreveu a casa:disse que ali funcionava uma escola para carentes que,

com a venda, deixaria de atender àque-las crianças. Começou o leilão, com o lan-ce baixíssimo. E, é claro, havia muitos in-teressados. Digamos que a avaliação fossede R$ 60 mil, mas venderiam a partir deR$ 30 mil. Aí essa senhora bancou os R$30 mil! Ernâni perguntou se alguém da-ria mais. Silêncio absoluto! Ninguémabriu a boca. O Zica tinha feito um sinalde acordo. A mulher o representava.

Como era poderoso, ninguém quis afrontá-lo. Então,o lance mínimo foi confirmado e a casa prosseguiufuncionando como escola. Na verdade, ali, o contra-ventor foi o personagem bom da história. E todo mun-do aplaudiu”, relata, emocionando-se mais uma vez.

Em pouco tempo Ledy apaixonou-se por leilões.“Me lembro do primeiro leilão de arte, também doErnâni, com uma coleção de um multimilionário, umacoisa que não existe mais, com porcelanas, armas earmaduras. Então, propus ao Wilson de Oliveira a cri-ação de uma coluna no Jornal do Commercio só sobreleilões, que o jornal já cobria de forma rotineira. Ele

PERFIL O GRANDE LANCE DE LEDY

“Grit“Grit“Grit“Grit“Griteeeeei: ‘Sou da imi: ‘Sou da imi: ‘Sou da imi: ‘Sou da imi: ‘Sou da imprprprprpreeeeensa, sou jornansa, sou jornansa, sou jornansa, sou jornansa, sou jornalistlistlistlistlista ea ea ea ea eeeeeestou trstou trstou trstou trstou trabaabaabaabaaballlllhando!’. E saí chando!’. E saí chando!’. E saí chando!’. E saí chando!’. E saí com o bom o bom o bom o bom o bloclocloclocloco do do do do deeeee

anotanotanotanotanotaçõeaçõeaçõeaçõeações es es es es em ristm ristm ristm ristm risteeeee, no a, no a, no a, no a, no alto da mãolto da mãolto da mãolto da mãolto da mão, e, e, e, e, em mm mm mm mm meeeeeio aosio aosio aosio aosio aospopopopopoliclicliclicliciaisiaisiaisiaisiais, c, c, c, c, com um mom um mom um mom um mom um meeeeedo danado ddo danado ddo danado ddo danado ddo danado de le le le le leeeeevar umavar umavar umavar umavar umacccccacacacacaceeeeetttttada... ada... ada... ada... ada... AquAquAquAquAqueeeeellllle be be be be bloclocloclocloco fo fo fo fo foi a minoi a minoi a minoi a minoi a minha arma”.ha arma”.ha arma”.ha arma”.ha arma”.

Em frente aos Diários Associados em maio de 1971: “Minha escola foi a Redação do JC”

FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

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21Jornal da ABI 352 Março de 2010

topou e eu, entusiasmada, caí logo em campo. Saíentrevistando leiloeiros. Apresentei meu material eo pessoal da Redação, surpreso, disse que aquilo nãodaria uma coluna, mas sim uma página inteira! Eassim foi feito. Isso foi em março de 1969. Ou seja,há 41 anos!”, conta, orgulhosa.

A partir dessa data e até 2003, Ledy publicou suasmatérias no JC em variados formatos. Ajudou a ba-tizar e tornar famosos alguns espaços de leilões dacidade, como o Palacete Rosa e o Solar do Barreto.Colaborou para o reconhecimento de inúmeros ar-tistas, como Sylvio Pinto.

“Ele era um pintor desacreditado, que pagava atécomida com seus quadros. Ninguém falava nele. Masa gente chamou a atenção para seu talento e trouxeparte do merecido reconhecimento para ele e outros.E algumas pessoas me criticavam justamente porqueeu falava de muita gente nova, que ninguém conhe-cia. Eu respondia: de que adianta falar de Di Caval-cânti? Esse já é badalado”.

Sua saída do JC, acredita Ledy, teve relação dire-ta com a morte de Ibanor Tartarotti, que era presi-dente do jornal. “Logo depois que ele morreu, em fe-vereiro de 2003, fui dispensada. Mais do que patrão,ele era meu amigo e admirador do meu trabalho”.

m décadas de atuação, a cobertura sobreleilões atraiu anunciantes e ajudou aconsolidar a imagem do veículo. MasLedy lamenta que, por vezes, para nãogerar queixas dos leiloeiros ou problemas

para a direção do jornal, tenha deixado de publicarsaborosas informações de bastidores, como negoci-ações suspeitas ou acirradas disputas familiares.

No jornal Monitor Mercantil, onde assina a colu-na Leilão & Companhia desde 2005, ela ampliou umpouco o foco de suas reportagens.

“Há leilões muito emocionantes, quesão verdadeiros duelos. No Monitor euquis traduzir isso. Não falo só do bemem jogo, ou da peça em disputa. Lá atrás,em primeiro lugar, abri espaço para osleiloeiros, transformei-os em persona-gens, trouxe-os para dentro das maté-rias. Até então, eles sequer eram citados.Parecia que o leilão acontecia num pas-se de mágica. Hoje, passei a contar, porexemplo, a história do imóvel em leilão,o seu valor histórico. A importância dedeterminada peça...”.

O traço mais marcante de Ledy, enquanto entre-vistada, é a generosidade na descrição dos persona-gens, dos colegas feitos em décadas de jornalismo. In-terlocutora emocionante, ela era, acima de tudo, umajornalista emocionada.

“Sempre fui assim. Sempre mergulhei nas histó-rias, me emocionei. Sou uma chorona... Até recuseicertos trabalhos pelo fato de não terem nada a ver co-migo. Por exemplo, tinha vontade de fazer publici-dade. Mas, quando fui para a Artplan, o trabalho medecepcionou um pouco, sabe? Era difícil me emoci-onar escrevendo sobre produtos de cabelo... Não ti-nha clima...”, acha graça.

O segredo para tornar-se referência de coberturajornalística na área de leilões, acredita, foi a total iden-tificação com o tema.

“Eu me identifiquei com a arte, primeiramentevia leilões, e depois com os próprios artistas. Visi-tava as galerias. Hoje é que estou um pouco cansa-dinha”, diz Ledy, que produz sua coluna para oMonitor Mercantil, publicada sempre às quintas, decasa mesmo. Tal fato, apesar de ser uma opção con-fortável, a faz lamentar a perda de contato estreitocom os companheiros de Redação.

Autora de três livros - Como matar seu marido; BomDia, Cascais e Os Vários Perfis da Arte Brasileira – Ledy

Gonzales chegou a atuar na assessoria da Sunab e avender algumas peças, sempre a pedido de amigos.Hoje, vê o filho Alexandre Mendes Gonzales seguircom êxito a carreira de leiloeiro – e, nisso, jura quenão há influência direta de sua parte. É justamenteentre os profissionais do setor que a experiente jor-nalista coleciona amigos, como o falecido SebastiãoBarreto. Alguns fazem questão de destacar o pionei-rismo e a singularidade do seu trabalho.

“Ledy é muito interessada, por isso conquistou asimpatia da maioria dos leiloeiros, e não só no Rio,pois participou de congressos nacionais. E procura-va ajudar, principalmente, às pessoas que estavamcomeçando”, descreve Norma Machado.

“Conheço-a há mais de 30 anos, eu sequer era lei-loeira ainda. E seu trabalho de divulgação já era deimportância notável. Por isso, continuo acompanhan-do sua coluna, agora no Monitor Mercantil. Ela nãoperde o entusiasmo”, aponta Silvani Lopes.

“Ela é uma grande incentivadora das artes, amigados leiloeiros, uma batalhadora, pessoa extremamen-te gentil. Durante muito tempo, foi referência no

Jornal do Commercio para todo o mercado de arte”,considera Teresa Brame. “É notável o seu interessepelas artes, a sua sensibilidade, fundamental paraalguém que exerce esse trabalho. Ledy Gonzales ajudaa divulgar a arte, segmento que não tem visibilida-de, e nem profundidade nas coberturas, pois não hájornalistas especializados. Ela redige bem. E sabe doque fala”, elogia Valdir Teixeira.

É com serenidade que Ledy vê, ao menos, um se-guidor de seu trabalho. Com a habitual generosida-de, tece elogios a seu substituto na antiga casa, oJornal do Commercio. Aqui, mais uma vez, enche osolhos d´água. “Hoje quem assina essa página deleilões do JC é o José Pinheiro Jr. Conheci o pai dele,era contínuo do jornal... Zezinho, como nós o cha-mávamos, era meu amigo. Um homem ótimo, sim-ples, e que desejava um futuro melhor para os filhos.Hoje, justamente seu filho é quem me sucede no JC.Ele ainda está tateando... Mas José Pinheiro Jr. já co-meça a ganhar um estilo próprio. Ele vai longe...”,prevê, com indisfarçável sentimento de torcida emfavor do sucesso do colega.

E

No final dos anos60 Ledy colhe umdepoimento dofamoso leiloeiroErnani. Embaixo,durante olançamento deseu livro ComoMatar Seu Marido,em dezembro de1984, Ledy,acompanhada desua netaBárbara, recebeinúmeros amigos,como o leiloeiroBarreto.

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22 Jornal da ABI 352 Março de 2010

A notícia deixou de ser apenas umainformação. Ela se transformou, tam-bém, num espetáculo, uma práticacada vez mais comum nos veículos decomunicação, sobretudo, na mídia te-levisiva, que tem o poder de atrair osespectadores com sua cobertura emtempo real. O jornalismo do espetácu-lo, que se intensificou nos últimosanos, deu seus primeiros sinais no sé-culo XIX, nos Estados Unidos, e foi-seespalhando gradualmente por todo omundo. Posteriormente tornou-se umpadrão da imprensa de massa. E a te-levisão só fortaleceu esse processo.

Essa tendência de tratar a informa-ção como entretenimento remete àquiloque o jornalista José Arbex Júnior tra-ta em seu livro Showrnalismo – A Notí-cia Como Espetáculo. Na obra, Arbex falasobre “o enfraquecimento ou total apa-gamento da fronteira entre o real e ofictício”. Para ele, a informação abun-dante, a concorrência, a busca inces-sante por furos e a exaltação da novi-dade seriam alguns dos responsáveispor essa tendência. Por isso, faz críti-cas contundentes ao monopólio dainformação e à sutil fronteira entreespetáculo e notícia.

Nos últimos anos, a imprensa brasi-leira se fartou de diversos casos quepuderam ser explorados à exaustão.Exemplo recente foi o julgamento de

A coberturacomo show em

tempo realPOR CECÍLIA NERY

No Dia Internacional da Mulher– 8 de março – a ABI expressou seucontentamento por poder registrarque elas são maioria nas Redaçõesdos veículos de comunicação, numademonstração de quantoavançaram no campo da formaçãotécnica e cultural e na afirmação desua aspiração ao direito deigualdade com os homens. Esseprocesso de hegemonia dasprofissionais do sexo femininotende a se alargar, diz a ABI,porquanto elas também formam omaior contingente de estudantesdas faculdades de Jornalismo e deComunicação Social. O avanço dasmulheres, frisa a ABI, significaigualmente que o País sedemocratiza e eliminadiscriminações.

As afirmações da ABI foramfeitas na declaração com que a Casado Jornalista saudou o DiaInternacional da Mulher, a qual temo seguinte teor:

“E com grande contentamentoque a Associação Brasileira deImprensa registra neste DiaInternacional da Mulher que elassão atualmente maioria nasRedações dos veículos decomunicação – imprensa, rádio,televisão e jornalismo eletrônico –,numa demonstração de quantoavançaram no campo da formaçãotécnica e cultural e na afirmação desua aspiração ao direito deigualdade com os homens nosdiferentes campos da vida social.

A mulher avança naimprensa brasileira

Para a ABI é estimulanteassinalar que esse processo dehegemonia das profissionais dosexo feminino tende a se alargar,porquanto elas também formam omaior contingente de estudantesde Jornalismo e ComunicaçãoSocial no País. O avanço dasmulheres significa igualmente queo Brasil se democratiza e eliminadiscriminações, contra as quaiselas têm-se insurgido e mobilizadohá décadas.

Ao fazer o presente registro, a ABIpresta homenagem às companheirasque atualmente exercem eenobrecem a profissão em todo oPaís e àquelas que arrostaramdificuldades para, vencendopreconceitos, abrir esse campo detrabalho e militância social eintelectual, como, em diferentesmomentos, Eugênia Álvaro Moreirae Yvone Jean, que marcaram fortepresença no jornalismo dos anos 30,40 e 50, e, mais recentemente, comoregistrou a Casa no Jornal da ABI,Volume 3 da Edição Especial doCentenário, Adalgisa Nery, CecíliaMeireles, Cláudia da Silva, HelenaFerraz, Hilde Weber, Lena Frias, Nairde Teffé e Sílvia Donato. Foramtodas mulheres que romperambarreiras, cuja memória exaltamosneste Dia Internacional da Mulhercomo exemplos que devemosperpetuar e seguir.

Rio de Janeiro, 8 de março de2010. (a) Maurício Azêdo,Presidente.”

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Alexandre Nardoni e Ana Carolina Ja-tobá, pai e madrasta de Isabella Nardoni,acusados pela morte da menina em2008, quando ela tinha cinco anos. Ocaso, pela monstruosidade que o cerca,suscitou inúmeras manifestações popu-lares, impulsionadas, principalmente,pela cobertura da mídia, que o debateuinsistentemente nestes dois anos. E ojulgamento dos acusados, que aconte-ceu entre os dias 22 e 27 de março, emSão Paulo, foi o ponto alto, aguardadocom ansiedade por toda a população.

A cobertura da mídia foi feita por umbatalhão de repórteres e produtores deemissoras de televisão e rádio, revistas,jornais e internet, formado por mais de200 pessoas, representando aproxima-damente 50 veículos pequenos, médi-os e grandes. Houve até certo exagero,mas nada que comprometesse o resul-tado da sentença, que condenou Ale-xandre Nardoni a 31 anos e um mês deprisão, e Ana Carolina Jatobá a 26 anose oito meses. Afinal, jurados, testemu-nhas, promotoria, defesa e todos osenvolvidos no caso ficaram enclausu-rados no Fórum durante os cinco diasdo julgamento, podendo chegar ao ve-redicto sem interferências.

O poder das imagensA televisão, como meio mais popu-

lar e visto pela população, usou de to-dos os artifícios para mostrar o fato. Emtodos os telejornais das grandes redes,

MÍDIA

Repórteres cercam o advogado de defesa Roberto Podval diante do Fórum.

DANILO VERPA/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS

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23Jornal da ABI 352 Março de 2010

a imagem da menina sorrindo logo abai-xo. O tom emocional do título se esten-de para a reportagem, que procurouinterpretar os fatos. Trouxe gráficos,ilustrações e fez um boxe relembrandocasos como os de Guilherme de Páduae Paula Thomaz, que assassinaram aatriz Daniela Perez; Francisco de AssisPereira, o maníaco do parque; e SuzaneVon Richtofen, que ao lado dos irmãosCravinhos ajudou a matar os pais.

O julgamento dia-a-diaA revista Época, por seu lado, apre-

sentou uma reportagem objetiva, man-tendo-se mais próxima dos fatos doque da interpretação. O título da capatinha uma única palavra: Culpados. Namatéria, reportou o dia-a-dia do julga-mento, publicou fotos e gráficos e dis-

tinguiu alguns personagens marcantesdo caso, como a mãe de Isabella, a pe-rita, a delegada, o casal acusado e oPromotor Francisco Cembranelli.

IstoÉ procurou suscitar o debate, in-dagando na capa Por que eles mataram?,título em destaque com a metade dorosto dos acusados, pai e madrasta deIsabella logo abaixo. Dentro da revista,a matéria também abordou o dia-a-diado julgamento e divulgou uma enquetefeita com alguns populares sobre a razãodo crime cometido pelos acusados.

O espetáculo visto de foraUm ponto a destacar, no entanto, foi

a cobertura da imprensa para o showque acontecia do lado de fora, em frenteao Fórum, onde uma multidão se aglo-merou nos cinco dias do julgamento,mas sobretudo no último, quando foianunciado o veredicto.

Segundo um estudo da ProfessoraRaquel Paiva, do Laboratório de Estu-dos em Comunicação Comunitária (LE-ECC/UFRJ), em casos semelhantes háuma diferença entre o estilo de cober-tura praticado na mídia norte-america-na e a brasileira. Nos Estados Unidoscostuma-se entrevistar os envolvidos,mesmo nos casos mais monstruosos.

Para o Promotor Francisco Cembra-nelli, que atuou no caso, respeitadas ascircunstâncias, a cobertura da impren-sa foi muito satisfatória: “Não vi ne-nhum exagero e a divulgação atendeuplenamente ao interesse demonstradopela sociedade”, disse. “Assim, não hou-ve qualquer influência da mídia no re-sultado do julgamento. Isso não passade uma desculpa da defesa para justifi-car a condenação dos réus. É claro queos jurados já haviam lido e ouvido so-bre o caso Isabella, como o Brasil intei-

ro. Mas o interessedemonstrado poreles durante a ses-são, fazendo anota-ções e reperguntan-do, prova que nãoestavam predispos-tos a apenas con-denar. Foi um júrilimpo e honesto equem disser ao con-trário estará sendoleviano”, acrescen-ta Cembranelli.

A despeito da in-tensidade com que acobertura do casofoi feita pela mídia,a afirmação do Pro-motor mostra que aJustiça agiu com de-terminação, sem sedeixar influenciar, eque a imprensa fezo seu papel de infor-mar. E é esta, justa-mente, a missão damídia. Não lhe cabeprejulgar o que ocor-

re, e sim expor os fatos e as diligênciasem curso, mesmo quando os dados pa-recem evidentes aos olhos de todos.

e em vários programas de entretenimen-to, o julgamento reinou absoluto, ocu-pando grande parte do horário com dis-cussões sobre o assunto com especialis-tas, jornalistas, juristas e advogados.

O Jornal Nacional, da Rede Globo,deu grande cobertura ao julgamento,noticiando seu dia-a-dia, fazendo um re-trospecto do caso, destacando os jura-dos e trazendo casos semelhantes ao deIsabella nos Estados Unidos, onde a pu-nição para delitos do gênero é mais se-vera. A Rede Record foi quem maisampliou a cobertura de forma a se apro-veitar da grande comoção popular, apre-sentando nos noticiários e na grade deprogramas de entretenimento ao longodo dia fatos e discussões sobre o caso,além de acompanhar a aglomeração deinteressados e curiosos que sepostaram diante do Fórum noscinco dias do julgamento.

Os jornais diários, que nãocontam com o tempo real da in-formação, fizeram uma cobertu-ra que privilegiou os detalhes,complementando assim aquiloque a televisão mostrou, princi-palmente nas edições do final desemana, quando os cadernos cos-tumam ser maiores, possibilitan-do matérias mais longas, com análises einfográficos sobre os acontecimentos.

A Folha de S. Paulo destacou duran-te o julgamento dois magistrados paraexpor as virtudes e defeitos do júri po-pular. O Estado de S. Paulo fez uma co-bertura neutra, sem pender para esteou aquele lado, relatando os fatos comoaconteceram e o transcorrer do julga-mento, até à sentença final. Já as emis-soras de rádio, apesar da agilidade nadifusão da notícia, precisaram utilizaruma cobertura mais comovente paraatrair a atenção dos ouvintes.

Em contrapartida, as revistas sema-nais procuraram acrescentar um poucomais de informação e análise. Em suaedição pós-julgamento, Veja estampouna capa a manchete Condenados – Ago-ra, Isabella pode descansar em paz, com

Centenas dejornalistas epessoal dasequipestécnicas detvs e rádiosacompanharamcada momentodo julgamento.O PromotorFranciscoCembranelli(abaixo) nãoviu nenhumexagero: “Adivulgaçãoatendeuplenamenteao interessedemonstradopela sociedade”

Páginas das revistas Veja (no alto) eÉpoca depois do julgamento que parou

o País: apelo à emoção dos leitores.

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26 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Quando o jornalista Luiz Carlos Bar-bon Filho foi assassinado a sangue-frio,com dois tiros de escopeta disparadospor pistoleiros em praça pública, nanoite de 5 de maio de 2007, um recadoestava dado à imprensa de Porto Ferrei-ra, cidade a 228 quilômetros de São Pau-lo: chega de investigações, nada mais dedenúncias. O crime ecoou País afora.

Pouco tempo antes, Barbon ficaraconhecido por reportagens em quedenunciava a participação de políticosda região em um esquema de alicia-mento de crianças e adolescentes paraa realização de orgias sexuais em chá-caras nos arredores do Município.Como em tantas outras ocasiões, coma execução tentava-se intimidar a im-prensa, forçar seu silêncio, prática co-mum em nossa História nacional.

No sábado, 27 de março, a respostaveio na forma de uma sentença. Ao anun-ciar a condenação do Sargento EdsonLuís Ronceiro, do soldado Paulo CésarRonceiro, do Capitão Adélcio CarlosAvelino, todos da Polícia Militar, e docomerciante Carlos Alberto da Costa,pela morte de Barbon, o Juiz CassianoRicardo Zorzi Rocha, do 5º Tribunal doJúri de São Paulo, não apenas satisfezo desejo geral de justiça. Também de-clarou tacitamente que a luta pela li-berdade de opinião resiste e que a vio-lência não vai calar a imprensa.

O julgamento teve início na manhãda quinta-feira precedente, dia 25. Fo-ram três dias até que a sentença saís-se. O Sargento Edson Ronceiro, acu-sado de ter recebido a arma depois docrime e facilitado a fuga do grupo, oCapitão Adélcio Avelino, apontadocomo o líder da ação, e o comercianteCarlos Alberto da Costa, que seria odono da arma usada no assassinato,foram condenados a 18 anos e quatromeses de prisão. O soldado Paulo Cé-sar Ronceiro, que estava dirigindo amotocicleta dos criminosos, vai cum-prir 16 anos e quatro meses de pena.O soldado Valnei Bertoni, acusado deter atirado em Barbon, será julgado se-

paradamente, já que seu advogadoconseguiu desmembrar o processo. Talqual os demais, ele responderá pelo cri-me de homicídio duplamente qualifi-cado – com motivo torpe e recurso quedificultou ou impediu a defesa da ví-tima –, pela tentativa de homicídiocontra Alcides Catarino, o Paquito,que foi atingido de raspão por um dosdisparos, e formação de quadrilha.Deste último, Paulo César Ronceirofoi absolvido.

Apesar da importância da decisão,até mesmo diante de diversos outroscasos parecidos que continuam ocor-rendo e ficando na impunidade, osquase quatro anos de espera pelo jul-gamento foram conturbados. Em di-versas ocasiões, testemunhas e fami-liares de Barbon reclamaram de coaçãoe ameaças. Os principais alvos seriamos dois filhos do jornalista, seu pai e aviúva. Por determinação do PromotorGaspar Pereira Silva Júnior, do Grupode Atuação Especial Regional para Pre-venção e Repressão ao Crime Organi-zado (Gaeco), os quatro PMs forampresos em março de 2008, no PresídioRomão Gomes, Zona Sul de São Pau-lo. Já o comerciante Alberto da Costaestava na penitenciária de Itirapina, a220 quilômetros da capital paulista.

Em abril do ano passado, a Juíza Mile-na de Barros Ferreira, de Porto Ferreira,transferiu o julgamento para uma Varade Execuções Criminais em São Paulo,medida que considerou necessária paragarantir o sigilo das investigações.Como é muito comum nesse tipo deprocesso, não faltaram recursos. Oúltimo deles, um pedido de habeascorpus do Capitão Avelino, foi negadopelo Supremo Tribunal Federal emnovembro de 2009.

Barbon foi morto por causa dasmatérias que publicava. Isso incomo-dava muita gente. O crime não foi ape-nas a morte do jornalista, mas umaameaça clara à liberdade de imprensa– afirmou o Promotor André Luiz Bo-gado Cunha no final do julgamento,

cujo resultado foi por ele apontadocomo “uma vitória da sociedade”.

Tragédia anunciadaO assassinato de Barbon era uma tra-

gédia anunciada em Porto Ferreira. Comhora e data marcada por poderosos lo-cais. Gente que, em algumas cidades dointerior, ainda manda e desmanda, talqual os antigos coronéis, e decidemtudo. Inclusive se alguém que incomo-da deve viver ou morrer. E incomodarera algo que Barbon fazia muito bem.

Depois de denunciar a participaçãode policiais, empresários, comercian-tes e políticos da região no aliciamentode menores, trabalho que levou à ca-deia vereadores, empresários e um ser-vidor municipal, além de lhe ter pro-porcionado ser um dos finalistas doPrêmio Esso de Jornalismo de 2003,ele começou a investigar um esque-ma de roubo de cargas que tambémenvolveria autoridades, policiais e co-merciantes. Segundo o MinistérioPúblico do Estado de São Paulo o as-sassinato foi tramado como represá-lia à publicação de reportagens sobreessas irregularidades.

Antes disso, Barbon já tinha recebi-do diversos telefonemas anônimos e,ameaças de seqüestros dos filhos; uma

bomba caseira foi atirada em sua resi-dência. Como precaução, ele mandouaumentar os muros ao redor da casa etentou comprar um colete à prova debalas. Foram cuidados insuficientespara evitar que a mulher, Kátia, e elemesmo ficassem com os nervos emfrangalhos.

Nos últimos dias antes do assassina-to, demonstrando nervosismo, impa-ciência com as crianças e sofrendo deinsônia, Barbon varava a noite para es-crever seus artigos para o Jornal do Portoe o JC Regional, semanários com osquais colaborava. Fazia tudo à mão, jáque não gostava de computadores.Suas entrevistas e comentários iam aoar ainda pela Rádio Porto FM.

No dia 1º de maio de 2007, Barbonvoltava para casa, no começo da noi-te, quando dois carros emparelharamcom sua moto, no Centro da cidade.Um ocupante dos veículos sacou umaarma e fez disparos para o alto. Algunscolegas consideravam Barbon impru-dente. Diziam que ele era obstinado enão ouvia o outro lado. Porém, depoisda última ameaça, mesmo aqueles queadmiravam seu trabalho passaram aaconselhar mais cautela. A estes eleapenas respondia que não poderia dei-xar de falar “em nome do povo”.

Afinal, justiçapara Barbon

Quase quatro anos depois, assassinos dojornalista Luiz Carlos Barbon são condenados emjulgamento que pode se transformar num marco

da defesa da liberdade de imprensa no Brasil.

POR CLAUDIA SOUZA E MARCOS STEFANO

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27Jornal da ABI 352 Março de 2010

O Juiz Luís Cláudio Rocha Rodri-gues condenou o Presidente da Câma-ra dos Vereadores de Miguel Pereira(RJ), Vereador Cláudio Eduardo Alvesde Moraes Soares (PSDB), conhecidocomo Cuíca, a indenizar por danosmorais o jornalista Paulo Alves, dire-tor do jornal Metrô Press. De acordocom a sentença, o parlamentar vaipagar uma indenização avaliada emR$ 5 mil acrescida de juros de mora de12% ao ano mais correção monetária.

O réu foi acusado de proferir ofen-sas contra o jornalista em sessões daCâmara por causa de uma reportagempublicada no jornal em março de 2009.A matéria que provocou a ira do Ve-reador Cuíca informava apenas que oMinistério Público estava investigan-do contratações realizadas pela Câma-ra sob a presidência do Vereador Cláu-dio Eduardo Soares.

A repórter Pollyana Sorentino, daRádio 98 FM, de João Pessoa, denun-ciou que foi agredida na manhã de 11de março por um vigilante do Progra-ma de Saúde da Família-PSF, conheci-do como Joel, no bairro Ernesto Gei-sel, na capital paraibana.

A suposta agressão aconteceu noinstante em que Pollyana estava foto-grafando, com a câmera do seu celu-lar, um formigueiro em um terrenoonde está instalada a unidade médi-ca. O incidente ocorreu ao término deuma gravação ao vivo para o progra-ma Correio da Manhã, da emissora,sobre a falta de infra-estrutura doambiente onde funciona o PSF, quan-do foi surpreendida pelo vigilante.

Segundo a jornalista, o homem in-terpelou-a aos gritos dizendo que elanão poderia fazer as fotos; em segui-da pegou-a pela mão, obrigando-a asoltar o celular que usava para foto-grafar o formigueiro. Joel só devolveuo aparelho de Pollyana depois de repre-endido por uma funcionária do PSF,que estava no local. A Polícia Militarfoi acionada e prendeu o vigilante.

“Quando acabei a matéria, pegueimeu celular para bater umas fotos deuns formigueiros, e o segurança meseguiu e puxou meu braço. Não espera-va, pois em momento algum faltei como respeito ao segurança e aos funcioná-

Quatro dias depois, Barbon foi atéo Bar das Araras, que fica a poucosmetros da rodoviária, em frente àmovimentada Praça Maria LibertucciSalzano. Pediu ovos cozidos e sentou-se a uma das mesas da calçada. Poucodepois, juntou-se a ele João BatistaOliveira, pai de duas meninas, vítimasno caso de aliciamento de menores.Como costumavam fazer nos três úl-timos meses, passaram a colocar a con-versa em dia. Já eram quase nove ho-ras da noite quando uma moto comdois homens se aproximou em altavelocidade pela contramão e paroudiante do bar. Os dois motoqueirosusavam capacetes com viseiras reves-tidas de insulfilme. Quando um delesdesceu e abriu o zíper da pesada jaque-ta, pegando uma esco-peta, Barbon tentou selevantar, mas não hou-ve tempo: o pistoleirodisparou e acertou-ono abdômen.

Oliveira se jogoupara o lado e correupara dentro do bar.Mesmo ferido, Barbontambém tentou fugir,mas foi atingido porum segundo cartuchode “balotes”, grandesesferas de ferro, e caiu ao lado da mesa.Ao lado de uma poça de sangue, ago-nizou enquanto esperava pelo resgate.Oliveira o amparava, mas a única coi-sa que Barbon balbuciava era:

“Não me deixe morrer”.Já não havia jeito: passava pouco da

meia-noite quando faleceu.

Vitória da imprensaPara a imprensa de Porto Ferreira,

desde a fundação da cidade, em 1896,houve apenas dois momentos em queo noticiário local teve grande repercus-são, a ponto de receber destaque naci-onal e internacional. Primeiro, com adenúncia de aliciamento de menoresfeita por Luiz Carlos Barbon Filho. De-pois, com o assassinato do próprio jor-nalista. A estes dois, desde o históricodia 27, pode-se acrescentar a condena-ção dos acusados pelo crime, que develevantar os ânimos nas Redações locais.

Mas o recado não é somente da Jus-tiça para os poderosos da localidade. Étambém uma vitória da imprensa noesforço para a construção de um Esta-do realmente democrático e contraaqueles que ainda acham que têm o di-reito de colocar uma mordaça na infor-mação. Desde o assassinato os jornaismantiveram uma cobertura responsá-vel e constante dos desdobramentos docrime, com a intervenção de diversasentidades. Logo depois da morte de Bar-bon, a ABI começou a exigir a apura-ção do caso enviando ofício ao Gover-nador de São Paulo, José Serra, pedin-do sua intervenção.

“Tratando-se de jornalista que de-nunciava crimes e irregularidades depolíticos locais, bastará eficiência edeterminação para identificar quem

empreitou os dois pistoleiros que omataram a queima-roupa. Agradeçomanifestação de Vossa Excelência acer-ca de violação tão grave da liberdade deimprensa”, dizia o documento assina-do pelo Presidente da ABI, MaurícioAzêdo.

No final de 2008, Kátia Rosa Camar-go, viúva do jornalista, procurou a Anis-tia Internacional e a ABI em busca deajuda. Sofrendo ameaças, ela temia porsua segurança e pela dos filhos:

“Estou com muito medo, pois vi car-ros estranhos parando na frente denossa casa durante a madrugada. UmGol branco sem placa e outro escuro,que não sei o modelo. Alguns dos sus-peitos, que são policiais militares, es-tão presos, mas infelizmente outros

já foram soltos e, como passar dos dias, tal-vez nem sejam maisjulgados.”

Outra vez, a ABI di-rigiu-se ao GovernadorSerra pedindo uma“apuração rigorosa eeficaz” da situação:

“A ABI encarece aintervenção de VossaExcelência junto àsautoridades de segu-rança do Estado para

que se assegure a proteção necessáriaà senhora Kátia, cuja integridade físi-ca e cuja vida ficam sob a responsabi-lidade direta de Vossa Excelência apartir da presente comunicação”.

Em janeiro de 2009, ela e os dois fi-lhos entraram para o Programa de Pro-teção à Testemunha.

“Muitas vezes, a Justiça precisa depressão para funcionar. Nesse sentido,a atuação da ABI e da imprensa comoum todo tem sido de suma importân-cia, garantindo a segurança da famíliae a correta apuração do crime. Cum-prindo seu papel, a imprensa incomo-dou bastante”, elogiou Ricardo Ramos,advogado da família Barbon.

Ainda não é possível precisar bemo impacto que deve ter a condenaçãodos acusados pela morte de Barbon.Pode ser cedo para afirmar que se tra-ta de um “marco” na defesa da liber-dade de imprensa no Brasil, mas cer-tamente é um passo importantíssimo.Principal responsável pela enormerepercussão internacional que teve ocaso, a organização não-governamen-tal Repórteres Sem Fronteiras acertouem cheio no teor da nota oficial queemitiu logo após o anúncio do resul-tado do julgamento:

“O Tribunal de Justiça de São Pau-lo enviou uma mensagem importan-te contra a impunidade ao condenarquatro homens, entre os quais três po-liciais militares, pelo assassinato dojornalista Luiz Barbon Filho. A dificul-dade em obter a condenação de repre-sentantes das forças de segurança, en-volvidos com demasiada freqüêncianos ataques contra a liberdade de im-prensa, confere a esta decisão um va-lor exemplar”.

“A ATUAÇÃO DA ABIE DA IMPRENSA COMOUM TODO TEM SIDO DESUMA IMPORTÂNCIA,

GARANTINDO ASEGURANÇA DA

FAMÍLIA E A CORRETAAPURAÇÃO DO CRIME”.

Repórter é agredida porvigilante na Paraíba

Pollyana Sorentino foi atacada pelo segurança após fotografarcom seu celular um formigueiro numa unidade de saúde.

rios do PSF, estava apenas cumprindouma pauta”, disse Pollyana em entre-vista ao site de notícias PB Agora.

Enquanto Pollyana prestou queixaao delegado responsável pelo caso, aochegar à Delegacia Joel se negou a con-tar a razão da agressão à jornalista, afir-mando que somente se pronunciariana presença de um representante daPrefeitura, que é responsável pelo PSF.

Por meio da sua Secretaria de Co-municação, a Prefeitura de João Pes-soa divulgou nota contestando a de-núncia de agressão do vigilante doposto de saúde à repórter PollyanaSorrentino. De acordo com o comu-nicado, o exame de corpo de delito,realizado no mesmo dia do episódio,a pedido do Delegado Paulo Martins,da 4ª DP, atesta que não houve nenhu-ma lesão à jornalista. O laudo foi as-sinado pela perita Vilani Maia de Ma-cedo Costa.

De acordo com o site PB Agora, aunidade do Posto de Saúde da Famí-lia do bairro Ernesto Geisel é uma dasque mais provocam reclamações demoradores, e por isso tem sido moti-vo de pauta da mídia local. Outrasunidades médicas de João Pessoa tam-bém são alvo de denúncias. A maio-ria se refere ao mau atendimento e àfalta de médicos e profissionais paraatender a população.

Vereador condenadoa indenizar jornalista

Edil conhecido como Cuíca, de Miguel Pereira, RJ, excedeu-se no exercícioda imunidade e vai pagar R$ 5 mil por seu destempero e suas demasias.

Segundo o Juiz Luís Cláudio Ro-cha Rodrigues, poderia haver o en-tendimento de que o Vereador esti-vesse exercendo a sua imunidade par-lamentar nos limites da garantiaconstitucional, usando a tribuna daCâmara para se manifestar contra asacusações decorrentes da sua gestãocomo Presidente da Câmara dos Ve-readores.

Entendeu o Juiz, ao analisar todosos ângulos do processo, que o réu seexcedeu quando se referiu ao autorchamando-o de canalha, vigarista, pi-lantra, safado e picareta. Para o magis-trado, ao fazer essas adjetivações, oréu não agiu numa relação estrita como exercício de seu mandato: “Agiu forados limites da imunidade. Abusou daprerrogativa, tendo agido, por via deconseqüência, fora dos limites da le-galidade”.

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28 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Um relatório divulgado pela Unes-co, em 25 de março mostra o cresci-mento de assassinatos de jornalistas nomundo. No biênio 2008-2009, 125 pro-fissionais foram assassinados, enquan-to no período anterior (2006-2007) acon-teceram 122 mortes, segundo os dadosdivulgados.

O estudo da Unesco intitulado ASegurança dos Jornalistas e o Risco deImpunidade, foi publicado por ocasiãoda reunião do Conselho Intergoverna-mental do Programa Internacionalpara o Desenvolvimento da Comuni-cação-IPDC. Este é o segundo levanta-mento da entidade sobre o assunto,após um realizado em 2008.

A pedido da Unesco, 15 dos 28 pa-íses onde ocorreram assassinatos deprofissionais de comunicação social,no período entre 2006-2007, fornece-ram dados detalhados sobre os proces-sos judiciais em curso relativos aos cri-mes. O levantamento destaca que amaioria dos crimes envolvendo jorna-listas acontece em países em regimede paz, mas que assuntos como tráfi-co de drogas, violações de direitoshumanos e corrupção podem levar àmorte de jornalistas ou colocar suasvidas em risco.

Informa o relatório da Unesco que80% das mortes foram provocadas porataques diretos e específicos contra assuas vítimas “por pessoas que não que-

Liberdade de imprensaLiberdade de imprensa

Aumentam assassinatos dejornalistas, diz relatório da Unesco

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

NO BIÊNIO 2008-2009 MORRERAM 125 PROFISSIONAIS.

rem jornalistas para investigar e divul-gar informações ao público”.

O balanço anual da Unesco mostrouque os 77 assassinatos ocorridos em 2009são um novo recorde. O maior índiceregistrado anteriormente aconteceu em2006 com 69 óbitos no onipresente ce-nário de guerra e violência instalado noIraque. Neste contexto, o estudo daUnesco faz uma observação importan-te: os declínios significativos registra-dos em 2007 (53 assassinatos) e em 2008(48) se devem em grande parte a umamelhoria da situação no Iraque.

Num dia, 30 mortesO relatório destaca que a ausência de

ameaça é “essencial para defender odireito de todo cidadão de ter informa-ções confiáveis e do direito dos jorna-listas de tornar públicas essas informa-ções, sem temer pela sua segurança”.

Em relação ao aumento observado em2009, a explicação se dá, em parte, peloassassinato de 30 jornalistas em um úni-co dia, registrado em 23 de novembro, emuma emboscada nas Filipinas. Por causadesse ataque, Filipinas, com 37 assassina-tos, tornou-se o país mais perigoso, pas-sando à frente do Iraque, onde o númerode mortos passou de 62 para15 entre osperíodos 2006-2007 e 2008-2009.

Uma importante observação do estu-do da Unesco entre os anos de 2008 e2009 é que o percentual de homicídiosque não têm relação com situações deconflito interno aumentou consideravel-mente. A maioria das vítimas não era decorrespondentes de guerra estrangeiros,mas jornalistas locais que trabalham empaíses em regime de paz, cobrindo assun-tos de interesse geral. Outro dado rele-vante do relatório é que em 95% doscasos as vítimas eram homens.

Silêncio pelos mortosO relatório contém ainda dois pro-

jetos de decisão. O primeiro recomendaque o IPDC continue acompanhandoos assassinatos que vêm sendo conde-nados pela Unesco. O segundo pede àConferência Geral da Unesco uma re-

comendação para que, anualmente, nodia 3 de maio – data oficial da realiza-ção da World Press Freedom Day (DiaMundial da Liberdade de Imprensa) –seja observado um minuto de silêncionas Redações de todo o mundo, emmemória dos jornalistas assassinados.

“Infelizmente, a freqüência de vio-lência contra jornalistas é cada vezmaior. Obviamente, esta situação cons-titui uma séria ameaça à liberdade deexpressão e à nossa capacidade de bus-car a verdade”, ressalta o estudo.

Nada de atenuantesA condenação oficial da Unesco aos

assassinatos de jornalistas teve inícioem 1977, quando foi adotada pela Con-ferência Geral da entidade a Resoluçãonº 29, coincidentemente na sessão denúmero 29. De acordo com o documen-to, os países não devem adotar quais-quer circunstâncias atenuantes em re-lação aos crimes que são praticadoscontra os profissionais de comunicaçãosocial, violação da liberdade de expres-são e do direito à informação. A resolu-ção da Unesco é clara quando exorta osEstados “a cumprir o seu dever de pre-venir, investigar e punir tais crimes eremediar as suas conseqüências”.

Para a Diretora-Geral da Unesco,Irina Bokova, não basta apenas a von-tade política dos países para julgar osassassinos de jornalistas e de pôr fimà impunidade, “é um dever aumentara proteção dos profissionais”.

95 MORTES EMAPENAS 8 PAÍSES

NO BIÊNIO 2008/2009

Outros 30

Afeganistão 6

Iraque 15

México 11

Paquistão 6

Filipinas 37Rússia 7

Somália 9

Índia 4Total de jornalistas

mortos: 125

Irina Bokova: É dever do Estadoaumentar a proteção aos jornalistas.

UN

/PAULO

FILGU

EIRAS

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29Jornal da ABI 352 Março de 2010

Direitos humanosDireitos humanos

Em homenagem ao Dia Internacional da Mu-lher, a Comissão de Anistia promoveu no dia 8 demarço sessão especial de julgamento presididapela Vice-Presidente da Comissão, Sueli Belato,para apreciar os processos de 15 mulheres queforam perseguidas politicamente durante o regi-me militar entre 1964 e 1985.

A sessão aconteceu em clima de muita emo-ção e relembrou a luta e o sofrimento das mu-lheres perseguidas politicamente durante a di-tadura militar. Este foi o terceiro ano em que aComissão homenageou a data. Em 2007 e 2008,24 brasileiras vítimas da ditadura tiveram ana-lisados seus requerimentos para concessão deanistia e reparação financeira.

Vitória Lúcia Martins Pamplona foi a primei-

Militantes políticas quando jovens, muitas foram presas,torturadas e exiladas e só agora encontram justiça.

No Dia da Mulher, anistiapara 15 perseguidas

Este ano, foram declaradas anistiadaspolíticas estas militantes da luta contra aditadura:

Maria Cândida Raizer Cardinalli Perez -Ex-esposa de Luiz Henrique Perez,militante estudantil e ex-preso político, éengenheira agrônoma formada pelaUniversidade de São Paulo. Foi demitidada Fundação Ipardes, no Paraná, no finalem 1977 porque o nome de seu ex-marido constava de lista do ServiçoNacional de Informações-SNI como umdos 97 comunistas ocupantes de cargospúblicos na esfera federal ou estadual.

Isa Mariano Macedo – Estudante emilitante junto ao Diretório Acadêmico daFaculdade de Belas-Artes da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, foi presa emfevereiro de 1970. Ficou detida durante50 dias no Doi-Codi, onde sofreu torturafísica e psicológica. Transferida para oPresídio São Judas Tadeu, também noRio, foi solta tempos depois em virtudedas torturas que sofreu.

Maria Beatriz de Albuquerque David -Militante ativa, foi presa pela primeira vezem 1968, em sua residência, enquantodormia. Atingida pelo Decreto nº 477/69,foi impedida de estudar no Brasil ecompelida ao afastamento da atividadeque desempenhava junto ao Instituto dePesquisa Econômica Aplicada-Ipea.Refugiada no Chile, foi presa no EstádioNacional do Chile após o golpe quedestituiu o Presidente Salvador Allende,em setembro de 1973. Asilou-se naSuécia, onde permaneceu até fevereiro de1979, quando retornou ao Brasil. Foi presapela Polícia Federal após desembarcarcom o filho de 11 meses. Somente depoisde prestar longo depoimento foi liberada.

Maria da Glória Jung – Estudante dePsicologia na Universidade Federal do Riode Janeiro e professora, era militanteestudantil e integrante da organizaçãopolítica clandestina Partido Comunista

ra a ter o processo julgado e comemorou o resul-tado. “É uma vitória simbólica de todas as mu-lheres. Que não se repita jamais o que aconte-ceu conosco durante a repressão”, disse Vitó-ria, que foi demitida da Infraero, presa e tortura-da na década de 1970.

“É preciso que se saiba o que aconteceu, paraque nunca mais aconteça”, afirmou Sueli Be-llato, referindo-se às atrocidades cometidasdurante o regime militar contra centenas demulheres. Segundo ela, há muita coisa quenão veio à tona – torturas, seqüestros e es-tupros – e estas iniciativas “são importan-tes para que se revele o que aconteceu”:“Os jovens precisam saber que foi durolutar pela democracia”.

Brasileiro Revolucionário- PCBR. Detidaem 1970, foi denunciada em processo da2ª Auditoria da Aeronáutica. Após muitapressão e ameaças, foi aconselhada apedir exoneração para que não tivessesua vida profissional “maculada por umademissão por justa causa”.

Denise Fraenkel Kose – Foi detida emsetembro de 1969 quando lecionava emuma escola estadual em São Paulo.Casada com Renato Hermann Fraenkel,militante da Ação Libertadora Nacional-ALN, preso no 30° Congresso da UniãoNacional dos Estudantes-Une, em 1968,em Ibiúna. Denise viveu fora do País nosanos 1970, para se pôr a salvo dasperseguições políticas. Seu nome constavade lista do Governo que citava osbrasileiros exilados, refugiados, foragidosou banidos do País. É filha de JoaquimCâmara Ferreira, o Toledo, que pertenceuao Comando Nacional da ALN e foi presoem São Paulo, em 23 de outubro de 1970e morto sob torturas no mesmo dia.

Vera Lúcia Marão Sandroni – Presa em1968 quando era estudante da Escola deComunicações Sociais da Usp portambém ter participado do 30° Congressoda Une, em Ibiúna. Foi indiciada eminquérito policial militar. Também teveque sair do País. Era monitorada pelaAgência Brasileira de Inteligência-Abin epela Polícia Federal.

Elizabel Maria da Paixão Couto – É filhade Francisco Raimundo da Paixão,anistiado pela Comissão de Anistia, e deEdna Maria da Paixão. Ambos militavamjunto ao PCB em Governador Valadares,MG. Com o golpe militar de 1964, houveum cerco à entidade de representantesde classe da cidade, onde foramdisparados vários tiros pela polícia. Osdisparos atingiram Elizabel, com apenascinco anos na época. Seu pai foicompelido ao exílio, deixando os filhos ea esposa desamparados no interior deMinas Gerais.

Maria Alice Albuquerque Saboya –Estudante da UFRJ, foi presa em 1970 peloDops e foi compelida a deixar o estágioque fazia no Centro de Reeducação deIpanema. Após ser indiciada pela Polícia,ficou sob liberdade vigiada. Refugiou-seno Chile, Argentina e Alemanha.

Vera Lucia Carneiro Vital Brazil -Estudante, militante de movimentoestudantil universitário, integrante doPCBR, foi presa e torturada no Doi-Codido Rio de Janeiro. Também foi indiciadaem inquérito policial militar.

Vitória Lúcia Martins PamplonaMonteiro – Psicóloga, trabalhava comrecrutamento de pessoal na Infraeroquando foi presa no Doi-Codi do Rio deJaneiro. Foi torturada, indiciada eminquérito-policial militar e demitida porrazões políticas.

Maria Inêz da Silva – Era estudantequando foi obrigada a exilar-se no Chileem 1973, para escapar da perseguiçãopolítica. Logo após o golpe no Chile,refugiou-se na Argentina e posteriormentena Bélgica. Só retornou ao Brasil em 1980,após a instituição da Lei da Anistia.

Maria Albertina Gomes Bernaccio – Eraestudante de Arquitetura da Usp quandocomeçou a militar nos movimentosestudantis e na ALN. Presa em abril de1974, foi posta em liberdade quase ummês depois, após pressões da imprensa,

da Câmara dos Deputados e do entãoCardeal Arcebispo de São Paulo, DomPaulo Evaristo Arns.

Helena Sumiko Hirata - Estudante daUsp, militava no Partido OperárioComunista-Poc. Também foi presadurante o 30° Congresso de Ibiúna.Indiciada em inquérito policial militar,exilou-se na França, onde permaneceuaté a extinção da punibilidade dasentença que a havia condenado aquatro anos de reclusão.

Celeste Fon - Após a invasão doapartamento de sua família em setembrode 1969, foi presa por agentes daOperação Bandeirantes-Oban. Nos anos1970, desenvolveu trabalho político ativojunto à Comissão de Familiares de PresosPolíticos de São Paulo, participando emdiversas atividades pela campanha daanistia. Atuou também junto ao Sindicatodos Bancários.

Ana Lima Carmo Montenegro (postmortem) - Ingressou no PartidoComunista Brasileiro-PCB ainda na décadade 1940, época em que cursava Direito naUFRJ. Fundou diversas entidades de lutafemininas e participou da FrenteNacionalista Feminina entre 1950 e 1964,além de uma série de outras atividades.Foi a primeira mulher exilada após ogolpe. Morou no México e na Europa.Voltou ao Brasil com a anistia de 1979.Mais tarde atuou na Comissão de DireitosHumanos da OAB da Bahia. Faleceu em30 de março de 2006, aos 91 anos.

ANISTIADAS

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30 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Direitos humanosDireitos humanos

á cinco anos, jantei em um res-taurante aqui do bairro e perma-neci na sala sem clientes assistin-do aos jornais da noite – Bandei-

rantes e Globo. Bebi duas garrafas deágua mineral com gás e duas taças devinho tinto, coisa que fiz nas últimasduas décadas e agora faço por indica-ção médica. Comi bolinhos de carne.Nada, aparentemente, que me pudes-se fazer mal ou embriagasse. Na saída,mais adiante, dirigindo automóvel,senti que a rua se movia na minha fren-te. Devagar, andei mais alguns metrose estacionei no pátio de um posto de ga-solina. Dormi. Ou desmaiei. Daí emdiante, o relato é uma reconstituição.

Alguém telefonou para a emergênciada Polícia dizendo que um velho dormiaem um carro estacionado. Vieram doispoliciais do posto que ficava do outrolado da rua, a Avenida Pequeno Prínci-pe, no Campeche, Florianópolis. Acor-daram-me, embora não tenha consciên-cia de coisa alguma que se passava. Afir-mam eles que lhes disse uma sucessãode desaforos. É possível: afinal, na dé-cada de l950 fui, por pouco tempo, re-pórter policial no Rio de Janeiro e esbar-rei com combinações degradantes e vi-olência e corrupção como jamais teriachance de ver nos longos anos de vidaprofissional que se seguiram.

Mas, principalmente, é possível quede alguma gaveta esquecida da memó-ria tenha saído, naquele instante dealienação, memórias da angústia do

O Estadopolicial chega

assim,pé ante pé

A TORMENTOSA PROVAÇÃO IMPOSTA A UM CIDADÃO VÍTIMA DE ARBÍTRIO.

POR NILSON LAGE

Vou lhes contar como dois pobres diabos revestidos (literalmen-te) de autoridade prendem quem não deve, espancam, persegueme são apoiados por seus pares. Conduzem, desse modo, sua víti-ma a uma situação sem saída honrosa que pode levá-la (no caso,levar-me) a procurar outro lugar no mundo para viver (no caso,em instante da vida muito pouco adequado).

lher, que é negra, quando prestei depo-imento e a escrivã preferiu não atenderao que obviamente não tinha sentido.

Na época, o assunto teve repercus-são no Rio de Janeiro (O Globo, Jornalda ABI), nos meios sindicais e corpo-rativos de jornalistas (Fenaj, sindicatosdo Rio de Janeiro e de Santa Catarina)e até na imprensa de São Paulo. Nadafoi publicado nos veículos de comuni-cação de Florianópolis, exceto umareferência brevíssima de um colunistasocial na televisão. Um deputado esta-dual pediu explicações em requerimen-to ao governador.

Fiz o exame dos ferimentos (escori-ações nos braços, nas pernas e pelo cor-po) no Instituto Médico Legal e recusei-me, em juízo, a pagar a tal cesta-básicaexigida nesses casos, preferindo ser jul-gado e absolvido, o que de fato ocorreu.

No entanto, o processo administra-tivo no Detran prosseguiu. A médicapsiquiatra que me trata forneceu ates-tado afirmando que me receitara dro-gas antidepressivas de efeito psicotró-pico (venlafaxina, anafranil, bupropri-ona e tranqüilizantes), causa provávelda perda temporária de consciência.Outra causa possível é a microisquemia

interrogatório de 13 horas que sofri nasede do Dops da Rua da Relação, na dé-cada de 1970. Não chegaram a me sub-meter a constrangimento físico masas ameaças levaram-me, a certa altu-ra, a dizer:

“Se vocês querem fazer tudo isso, émelhor por economia me matar de umavez porque não tenho a menor idéiadaquilo que querem que eu diga”.

Tudo resultado de denúncia falsa evingativa de um professor que, sendoeu chefe de departamento na Univer-sidade Federal Fluminense, tentou for-çar uma jovem que tinha a idade deminha filha mais velha a fazer sexo comele, sob pena de sucessivas reprovaçõesna disciplina. Impedi que tivesse êxi-to e cumpri o regimento da Instituição.

Nada mais arriscado do que ser corre-to em um regime ditatorial.

Volto a falar por mim mesmo. Acor-dei sentindo golpes nas pernas e nosbraços. Fui algemado com os pulsospara trás do corpo e atirado no mini-compartimento de presos no lugar dobanco de trás de um carro pequeno.Levaram-me à Central de Polícia, au-tuaram-me e, quatro ou cinco horasdepois, já de madrugada, trancaram-me numa sala com os policiais que mehaviam torturado e alguns de seuscolegas. Lá estava o tal bafômetro emque eu, nas circunstâncias, sozinho emtal companhia, achei bom não assoprar.A certa altura um dos espancadores,sujeito musculoso, disse-me algo coi-sa que não entendi e concluiu:

“Estou sendo claro?”Respondi:“Não, obscuro”.Foi o bastante para o brutamontes

concluir que eu o havia chamado deescuro, o que de fato era – um mula-to escuro – e que isso seria racismo.Estava na moda. Levou adiante essaacusação em todas as oportunidadesseguintes e ela só não constou do pro-cesso porque estava com minha mu-

“ESTOU SENDO CLARO?”RESPONDI:

“NÃO, OBSCURO”.FOI O BASTANTE PARA OBRUTAMONTES CONCLUIR

QUE EU O HAVIA CHAMADODE ESCURO, O QUE DE FATO

ERA – UM MULATO ESCURO –E QUE ISSO SERIA RACISMO.

ESTAVA NA MODA.

H

ILUSTR

AÇÃ

O D

E ELIAN

E SOA

RES

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31Jornal da ABI 352 Março de 2010

cerebral diagnosticada bem depois. Sãocoisas de velhice que vão sendo trata-das e não me impedem de realizar astarefas diárias, ler ou estudar.

O laudo informou o recurso queapresentei. O resultado foi que apenasmudaram a acusação de “dirigir sob oefeito de álcool” para “dirigir sob oefeito de psicotrópicos”. Além do ab-surdo jurídico (mudar a acusação nocurso de um processo), avulta aí a es-treita mentalidade do policial queescreveu essa tolice.

Os guardas que me prenderam alega-ram que cheguei em alta velocidade (!),dei um cavalo-de-pau numa viela es-treita (!) e cheirava a álcool. Quanto aisso, o carro é que cheirava a álcool. Eledeve ter sido um dos motivos da fúriapolicial: um Pálio novo, preto, mode-lo ainda raro, com ar-condicionado e di-reção hidráulica; bonito. A suposiçãose fundamenta no fato de que, após aprisão, os colegas dos agressores arra-nharam a lateral deliberadamente, es-fregando contra a pintura cabos de aço.Formação de quadrilha, dir-se-ia, se aJustiça fosse mesmo igual para todos.

Dirijo automóveis há 52 anos e façoisso bem. Já viajei de carro por quasetodo o País e por alguns países vizinhos.Nunca fui multado, exceto uma vez,por estacionar perto do Hotel Glória eda então sede das empresas Bloch, ondepoliciais garantiam uma reserva infor-mal de vagas para hóspedes, sem letrei-ros de advertência.

Não movi processo cível contra oEstado porque não acho justo o povopagar pelas tolices de dois malfeitores;esse dinheiro me faria mal. Não acom-panhei o inquérito aberto na JustiçaMilitar mas soube, de fonte absoluta-mente segura, que foi desviado na Pro-curadoria para que não o julgassemjamais. A pessoa que me disse issoaconselhou-me a relatar os fatos numapágina da internet destinada a isso.Deixei de fazê-lo por dois motivos:primeiro, porque cabe à Promotoria, enão à vítima, zelar pelos processos cri-minais; segundo, porque, devido ànatureza do evento e a outros feitosatribuídos à Polícia Militar de SantaCatarina, preferi copiar o procedimen-to dos favelados do Rio de Janeiro comrelação às estripulias dos traficantes dedrogas. Proteger-me pelo silêncio.

Eis que, enfim, esgotados os recur-sos administrativos, estou intimado aentregar minha carteira no Detran,passar um ano sem dirigir automóveise me submeter a um desses cursinhospicaretas destinados a humilhar osinfratores (reais ou supostos) e remu-nerar parasitas - “professores” e “esco-las” de motoristas. Algo similar aospequenos extintores que só um doidousaria para apagar incêndios em umveículo movido a gasolina, álcool ougás, forrado e guarnecido com plásti-cos inflamáveis. Ou àqueles ridículos“estojos de pronto-socorro”, que gera-ram tantas anedotas e acabaram sen-do abolidos. Aos “provedores” de inter-net banda larga. Ao mar de intermedi-

ários que ronda as repartições públicas.Fazer isso que exigem seria um de-

sastre total para mim, além de ferir oorgulho e senso de justiça que preser-vo. Moro em bairro afastado, em frentea uma praia oceânica, numa casa con-fortável que construí com zelo, frutode meus 55 anos de trabalho honesto.O sistema de transporte urbano émuito ruim na cidade: mal serve paratransportar quem trabalha no Centro.As distâncias são imensas: até o fisio-terapeuta, no mesmo bairro, 10 km. Aorestaurante self-service, outros dez. Aomercado que freqüento, seis ou sete. Àsede do Detran, no Continente, 50. Aameaça é consistente e contingente.

Meu advogado pretende impetrarmandado de segurança, mas nada megarante que seja acolhido.

Resta-me, se de fato tal coisa ocorrer,mudar-me para outro lugar, de preferên-cia outro país, onde o Estado policial,típico do fim de um império, ainda nãotenha sido implantado. Nele é a Políciaque julga a Polícia e a presunção de cul-pa precede o julgamento, de modo quecabe ao réu provar inocência.

Não é fato isolado, As agências regu-ladoras, cujas diretorias são indicadas,direta ou indiretamente, pelas maioresempresas que deveriam fiscalizar, ad-quiriram poder legisferante e o usampara adotar medidas arbitrárias. Assim,por determinação da Anvisa, o médicode um Estado não pode ter sua receitaaviada em outro, médicos são obrigadosa preencher formulários e carimbos comentrelinha corpo 12, quantidades demedicamentos são arbitrariamente li-mitadas – ainda os de uso contínuo – e,ultimamente, para comprar um simplesanalgésico (aspirina, dipirona ou para-cetamol) o cliente é obrigado a dirigir-se ao balcão da farmácia, onde o balco-

nista, se devidamente remunerado,procederá à empurroterapia de interessedos laboratórios.

Por dever de ofício – afinal, fui pro-fessor por 35 anos, até ser aposentadocompulsoriamente ao completar 70 (in-crível; está na Constituição detalhistade 1988) – observo que campanhascomo essa contra o alcoolismo estimu-lam excessos e erros como os que mevitimaram. O mesmo diria das campa-nhas contra a pedofilia (que custou aliberdade a um pai italiano que beijoua filha), pela aceitação da homossexu-alidade (que estimula o desagradávelexibicionismo sexual, ferindo normasde convivência social), contra o racismo(negando a miscigenação, traço impor-tante e orgulho da nação brasileira).

Essa falta de limites se impõe dian-te da inexistência de oposição aceitá-vel. A retórica que leva a isso compre-ende, primeiro, a proposição “Quemdiscorda de nós é um reacionário abo-minável”, seguida da pergunta: “Que-rem discutir conosco?” - e alguns ru-gidos de ameaça. Claro que só apare-cem para discutir e dar o rosto à tapaos que são “reacionários abomináveis”.

Preto e branco, nada cinza. É a ver-dade da versão que precede os fatos.

“ESTOU INTIMADO AENTREGAR MINHA CARTEIRA

NO DETRAN, PASSAR UMANO SEM DIRIGIRAUTOMÓVEIS E ME

SUBMETER A UM DESSESCURSINHOS PICARETAS

DESTINADOS A HUMILHAR OSINFRATORES (REAIS OU

SUPOSTOS) E REMUNERARPARASITAS - ‘PROFESSORES’

E ‘ESCOLAS’ DEMOTORISTAS.”

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32 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Em uma época em que as imagens,a informação precisa e a interativida-de andam lado a lado, desencadeandouma verdadeira revolução tecnológicanos meios de comunicação, desde oadvento da imprensa moderna criadapor Johann Gutenberg, em 1450, omais tradicional jornal paulista, OEstado de S. Paulo, ganhou nova roupa-gem em seu projeto gráfico e editori-al. A reformulação empreendida noveículo impresso atingiu, também, aversão eletrônica – Estadão.com, e cons-titui-se em um marco fundamental deintegração às mídias do futuro.

O projeto começou a ser pensado em2004, com a inclusão de algumas se-ções, suplementos e cadernos, como oPaladar. Em 2008, editores e executi-vos passaram a discutir mais as mudan-ças, foram realizados debates internos,assim como seminários e contatos comas principais Redações do mundo, co-mo The Guardian e Clarín. Finalmen-te em julho de 2009 a direção do Esta-dão começou a trabalhar no projetopara viabilizá-lo neste ano.

A coordenação da reforma ficou acargo do Editor-Chefe Ro-berto Gazzi, que se afastoudas atividades que desem-penhava para dedicar-se ex-clusivamente ao projeto,tendo em vista a sua gran-diosidade. Para assumirtemporariamente a funçãode Editor-Chefe foi convi-dado o jornalista MarceloBeraba, da sucursal do Riode Janeiro.

“Pude então ficar full timeno projeto e tratei de mon-tar a equipe”, informa Ga-zzi. “Primeiro chamei a edi-tora assistente de Cidades,Luciana Cardim, e em se-guida o diretor de Arte Fá-bio Sales. Da diagramaçãovieram Andréa Paim e Ar-naldo Afonso, além de umrepresentante das áreas deSistemas, Comercial, Cir-culação, Indústria, TI e Ne-gócios”, explica.

Gazzi dividiu a coorde-nação com Pedro Dória, edi-tor-chefe de Conteúdos Di-

gitais. Para ajudar a definir as mudan-ças mais adequadas, foi contratada aempresa de consultoria e estratégiaeditorial Cases i Associats, que foi res-ponsável pelo redesenho de 2004. As

primeiras mudanças na ver-são impressa puderam servistas no dia 13 de março,com a publicação do novocaderno Sabático (ver boxe).No dia seguinte, um do-mingo, entrou no ar o novoestadão.com.br.

Tradição e inovação“O importante da refor-

ma era preservar a essênciado Estadão, a idoneidade daempresa, com seu posiciona-mento econômico e políti-co”, ressalta Gazzi. “Por outrolado, era fundamental trazer con-teúdos novos, tanto na versãoimpressa quanto na digital. En-tre esses, maior cobertura ambi-ental e de sustentabilidade, coma criação de uma seção diáriachamada Planeta, que uma vezpor semana teria uma página euma vez por mês um caderno es-

pecial”, acrescenta.Outra inovação foi o desdobramen-

to do Caderno 2 em dois segmentos: oC2+Música, todos os sábados, queaborda artistas, indústria e cultura mu-

sical, e o C2, que circula no domingo,com um aspecto mais jovial. “Alémdisso, lançamos, pelo C2 + Música, oProjeto Festival de Música Musique,que incentiva qualquer pessoa a mu-sicar uma letra de um grande compo-sitor da música brasileira, transfor-mando-se assim em parceiro dele. Aprimeira letra do festival é inédita deArnaldo Antunes, intitulada PlantaColhe”, revela Gazzi.

Para participar, basta ao interessadoenviar a canção (harmonia, melodia eritmo) no arquivo MP3 para o site doEstadão. As inscrições serão aceitas até

POR CECÍLIA NERY

VEÍCULOS

Uma reforma para enchera mente e os olhosNovo projeto gráfico e editorial de O Estado de S. Paulo inova

para valorizar a informação, sem alterar sua linha política.

Roberto Gazzi, coordenador da reforma:“Era fundamental preservar a idoneidade

do Estadão e trazer novos conteúdos”

DIVULGAÇÃO

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33Jornal da ABI 352 Março de 2010

Começou a circular em 1º de mar-ço Nosso Mundo Sustentável, novo su-plemento semanal do jornal ZeroHora, do Rio Grande do Sul, lançadopara substituir dois cadernos que fo-ram descontinuados: o semanal Glo-baltech – cujos temas ligados à tecno-logia serão abordados no ZH Digital –e o mensal Ambiente.

O novo caderno tem uma diagrama-ção moderna, utiliza diversos tons deverde e busca se adequar à tendênciamundial, trazendo à tona assuntos li-gados à ecologia, meio ambiente e qua-lidade de vida. De acordo com os edi-tores, o principal objetivo é deixar osleitores “em sintonia com um debateque está transformando o planeta”.

Patrocinado pela Souza Cruz, o su-plemento tem oito páginas e quer “des-cortinar a transição para um novomodo de vida”, informou o texto dedivulgação publicado no site do jornalgaúcho, que ressaltou também que “ocaderno revelará o que de mais interes-sante está sendo feito em diferentespontos do globo e demonstrará quebuscar novas formas de produção e deconsumo são um bom negócio”.

As reportagens do novo caderno doZero Hora vão abordar iniciativas rela-tivas ao desenvolvimento sustentável,e várias delas poderão ser acompanha-das também através do blog da publi-cação (wp.clicrbs.com.br/nossomun-dosustentavel).

Nosso Mundo Sustentável tambémserá veiculado pela Rádio Gaúcha, comos boletins de 30 segundos produzidospela repórter Milena Schoeller e inse-ridos nos programas Chamada Geral 2ªEdição, Gaúcha Hoje, Gaúcha Repórtere Polêmica, de segunda a sexta-feira.Aos sábados, durante o Gaúcha Hoje,o programa terá dois minutos de du-ração e pode também ser ouvido naárea de áudios do site da Rádio Gaú-cha (www.radiogaucha.com.br).

O projeto de reforma gráfica eeditorial dedicou especialatenção às edições de sexta-feira,sábado e domingo, além dareformulação dos cadernos TV,Estadinho e SuplementoFeminino.

• PLANETA – Seção nova, com umcaderno especial por mês comquestões sobre ambiente,sustentabilidade, energia, água,moda, tecnologia e outros temasrelacionados ao Planeta. É umespaço aberto para discussão econscientização às boas práticassustentáveis.

• C2 + MÚSICA, com circulaçãoaos sábados, aborda artistas,indústria e cultura musical.

• C2, caderno cultural aosdomingos.

• Caderno DIVIRTA-SE, às sextas-feiras.

• SABÁTICO, suplemento literárioque traz informações sobrenovas publicações no mercado enotícias sobre editoras. Como opróprio nome sugere, circula aossábados.

• Caderno ESTADINHO – Novoformato assemelha-se a um gibi.

17 de abril. Os trabalhos serão avaliadospor uma comissão de jornalistas e mú-sicos convidados, e as cinco obras fina-listas serão enviadas ao cantor, que seencarregará de escolher seu parceiro.

O projeto, seus detalhesNa versão impressa, além dos novos

suplementos, cadernos e conteúdos, ojornal ganhou um visual mais moder-no e dinâmico. Já a versão digital apre-senta uma nova lógica de edição e maisinteração com as redes sociais. O novodesign visa a facilitar a navegação e pro-porcionar maior interatividade.

A reforma gráfica no jornal impressoconta com mudanças no leiaute, logo-tipo, cor e no brasão Ex-libris, tradici-onal símbolo do jornal que mostra ocavaleiro anunciando as notícias do dia.Na capa, o brasão Ex-libris foi reposi-cionado; a tipologia foi criada pelo por-tuguês Mário Feliciano; e as colunastiveram seu espaço reduzido de seispara cinco, com títulos maiores. Estes,na primeira página, utilizam fonteEstado Headline, adaptação da EudaldHeadline. Nos textos, a fonte adotada

As principaisinovações

SUPLEMENTO

Nosso MundoSustentável, um novocaderno de Zero Hora.

Seu objetivo, diz o jornal, édescortinar um novo modo de vida.

é a Freight, que torna a leitura maisagradável.

Diferentemente da capa, as seis co-lunas foram mantidas nas páginas in-ternas, por causa dos formatos publi-citários, já padronizados pelo merca-do. Em cada caderno, o logotipo apre-senta uma cor diferente, que destacaa importância das informações. A uti-lização de recursos avançados gráficos,que aprimoram a organização da pági-na, também está presente, para auxi-liar o leitor sobre o que é notícia, aná-lise ou informações complementares.Há uma valorização maior das ima-gens, fotografias e infográficos.

Na versão digital, o conceito de ino-vação também é destacado, reforçan-do-se a característica de veículo decobertura instantânea, mais aprofun-dada das matérias do jornal. Os inter-nautas de São Paulo, Rio de Janeiro,Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasíliae Salvador terão conteúdo próprio ediferenciado, devendo a iniciativa ex-pandir-se para outras capitais.

O site teve seu cardápio de conteú-dos em vídeo e áudio ampliados, além

de oferecer maior interação com osinternautas e conexão com redessociais e comunidades. O conteú-do, na tela, apresenta-se em duascolunas: noticiário importante ede outros interesses.

A resposta dos leitoresCom 135 anos de história e 130

anos de vida independente, a novaroupagem do jornal O Estado de S.Paulo mistura tradição e inovação.O resultado da reforma ainda serámensurado pela equipe do Esta-dão, mas a julgar pelas primeirasimpressões que chegaram à Reda-ção ele tem sido satisfatório.

“Recebemos manifestações deleitores, de personalidades e de anun-ciantes que nos parabenizaram pelasmudanças apresentadas. Até agorahouve poucas reclamações, sendo queestas levamos em consideração e pro-curamos adequar”, avalia Gazzi.

Para ele, a reforma ainda se estende-rá por mais um tempo, buscando sem-pre vislumbrar mais ângulos da notí-cia, tornar o jornal mais atual, trazeranálises, mostrar bastidores e fazerprospecção.

“Ainda há muito o que fazer, porisso nos propomos a melhorar a cadadia. Sabemos que algumas inovaçõesdemandam investimentos, mas esta-mos no caminho, procurando levar amelhor e mais completa informaçãode forma mais legível e agradável”,conclui Gazzi.

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34 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Aniversários costumam ser datasfestivas, de celebração. Em certos ca-sos, porém, a contagem redonda dotempo serve de alerta, para que fatostranscorridos no passado não se repi-tam no presente, nem no futuro. Poisfoi neste intento que os 46 anos dogolpe militar no Brasil foram lembra-dos num ciclo de debates realizadodurante três dias na Livraria da Traves-sa, na Travessa do Ouvidor, Centro doRio de Janeiro, com o título A Impren-sa e o Golpe de 64. A série contou coma presença de jornalistas e professoresque se dedicaram a pesquisas acadêmi-cas sobre aquela época.

O debate mais surpreendente foirealizado no terceiro e último dia dosencontros, 31 de março, data exata dadeflagração do golpe de 1964. Na mesa-redonda A imprensa golpista foi discu-tida a atuação da chamada Rede da De-mocracia, sistema de rádio e jornais cri-ado pelos grupos Diários Associados ,OGlobo e Jornal do Brasil contra o “pe-rigo comunista”. Uma ação orquestra-da de questionamento do Governo deJoão Goulart, que chegava ao extremode pedidos diretos e indiretos de inter-venção dos militares em Brasília, parao suposto bem do País.

A mesa, que teve início pouco depoisdas 18h, antecedeu ao lançamento deA Rede da Democracia: O Globo, O Jor-nal e o Jornal do Brasil na queda do go-verno Goulart, livro de Aloysio Caste-lo de Carvalho, professor da Universi-dade Federal Fluminense e doutor emHistória Social, que chega ao mercadopela Editora da Uff e Nitpress. Além doautor, participaram do debate o Presi-dente da ABI, Maurício Azêdo, autordo prefácio da obra, e ojornalista Luiz Erthal, nafunção de mediador.

Inspirada na iniciativade Leonel Brizola, quan-do Governador do RioGrande do Sul, que ga-rantiu a posse do Presi-dente João Goulart em1961 com uma mobiliza-ção nacional, organizadaa partir de uma cadeia derádios, parte da impren-sa do Rio montou em ou-tubro de 1963 uma ver-são conservadora da chamada Cadeiada Legalidade. Nesta nova versão, gru-pos de comunicação dos Diários Asso-

ciados (representados por O Jornal), deO Globo e do Jornal do Brasil tambémuniram suas emissoras (Tupi, Globo eJB) e as páginas de seus jornais na Rededa Democracia. O objetivo comum eraevidente: deter o Governo de Jango esuas reformas de base.

A palavra do autor “Esse sistema foi criado em 22 de

outubro de 1963, reunindo as três prin-cipais emissoras de rádio e centenas derepetidoras em todo o País, além de pu-blicação constante desses depoimentosem todos os jornais dos grupos. Aqueleera um momento de radicalização en-tre a direita e a esquerda. Empresáriosda comunicação logo se colocaramcontrários a Jango. A Rede de Democra-cia funcionava como uma espécie desistema de propaganda em defesa dapropriedade privada e contra os co-munistas. Estes jornais abriam amão de seu dever de promover o de-bate público. Assumiam logo a con-dição de porta-vozes do País e par-tiam para o ataque contra o Gover-no”, lembrou Aloysio.

Apesar das divergências dos em-presários sobre alguns pontos polê-micos, os discursos dos três gruposde comunicação foram se unifican-do – diante da ameaça comum.

“No início havia divergênciasclaras entre os jornais. O JB, porexemplo, apoiava a política exter-na independente de Jango, herda-da do Jânio Quadros. Isso fez comque O Globo chegasse a acusar oconcorrente de comunista. Depois,havia máxima concordância dostrês jornais sobre os rumos a seguir.Isto é, atacar o Comando-Geraldos Trabalhadores, o então Depu-

tado Leonel Brizola e os comunistas.Por exemplo: eles achavam que o Con-gresso era um espaço legítimo, mas ca-íram de pau na Casa quando, no finalde 1963, ela aprovou proposta apresen-tada pelo Governo, que tratava da re-forma agrária. Acusaram o Congressode não se contrapor ao Executivo”, ex-

plicou o professor.A instalação da Rede da Democra-

cia teria sido uma sugestão de JoãoCalmon, Diretor de O Jornal. Rober-to Marinho (O Globo) e Nascimen-to Brito (JB) chegaram a falar diver-sas vezes em nome da Rede. Já As-sis Chateaubriand, dos Diários Asso-ciados, interveio apenas na inaugura-ção. Nos depoimentos transmitidos

LivrosLivros

A "Rede da Democracia", uma criaçãodos jornais do Rio para depor Jango

POR PAULO CHICO

Estudo do Professor Aloysio Castelo de Carvalho mostra e analisa a atuação do sistema formado pelos Diários Associados,O Globo e Jornal do Brasil em 1963 com o objetivo de desestabilizar o Governo Jango e proteger o País da “ameaça comunista”.

Recortes comnotícias sobre a

formação da“Rede da

Democracia”. Aolado, capa do

livro de Aloysiode Carvalho.

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35Jornal da ABI 352 Março de 2010

nas rádios, e depois desdobradosnos jornais, professores, políticosde oposição e militares apressa-vam-se em alertar os brasileirossobre o risco de instalação de umregime comunista – com todas asimplicações que isso pudesse tra-zer ao cotidiano das famílias.

Apesar de toda essa unifica-ção de intenções e discursos,tudo leva a crer que as conexõesentre aqueles empresários e osmilitares se davam apenas nonublado campo das idéias. Aomenos, isso é o que revela a pes-quisa que deu origem ao livro.

“Não há nenhum documen-to oficial que ligue os dirigentesdessas empresas de comunica-ções a generais, por exemplo”,disse Aloysio Carvalho, que nãose furtou a dimensionar o realpeso histórico da atuação daque-les veículos:

“Eles tiveram êxito na desestabiliza-ção do Governo Jango e promoveram amobilização de milhares de pessoas nosprincipais centros, em eventos como aMarcha da Família com Deus pela Liber-dade. Na verdade, acredito que o golpemilitar ocorreria de qualquer forma. Aconspiração já vinha de algum tempo eestava bem adiantada. A Rede da Demo-cracia veio somar, dar voz e amplitudea essas forças reacionárias. Foi, sim, umponto importante”, avaliou.

E nos dias de hoje?A nítida unificação do discurso de

alguns dos mais significativos jornaise emissoras de televisão do País, nosdias de hoje, não seria suficiente paracaracterizar, por parte desses grupos,uma espécie de conluio em defesa deseus próprios interesses, como na épocada Rede da Democracia?

“Hoje não há uma organização des-se nível entre o empresariado de jornais– até pela forte concorrência de merca-do existente entre eles. Também faz fal-ta um objetivo comum tão grave e la-tente, como era a derrubada do Gover-no Jango naquela época”, observouMaurício Azêdo.

“Apesar disso, vemos o tom monocór-dio de certas coberturas. Como no tra-tamento dado ao Lula e ao seu Gover-no, ambos alvos de constantes campa-nhas de desmoralização. O que impedeataques ainda mais ferozes é a altíssimapopularidade do Presiden-te, o que inibe os meios decomunicação a peitarem oGoverno tão fortemente. Éo respeito à máxima da co-municação: não entrar de-masiadamente em conflitocom aquilo que pensam esentem os seus leitores e te-lespectadores, sob o risco deperdê-los exatamente por de-sagrado em relação ao tom dacobertura”, ponderou o Presi-dente da ABI.

Certamente, atacar umPresidente tão popular pode

levar a imprensa à impopularidade,como alerta Azêdo. Mas, Jango, naque-la época, era mais polêmico e contro-verso do que popular – o que não freouem nada os ataques da mídia.

“Este livro do Aloysio tem sentidorevelador muito forte. Hoje vemos edi-toriais de jornais que se dizem paladi-nos da liberdade, fazendo supor quenão tiveram qualquer participaçãosuspeita nas trevas do regime militar.O livro promove o desmascaramentode supostos democratas. Veículos que,ainda hoje, buscam amenizar os abu-sos da ditadura, chamando-a de “dita-branda, tratar como criminosos os con-testadores do regime e apresentar

como como bandidos os patrio-tas lutadores e cidadãos. Criti-cam aqueles que recebem inde-nização decorrente da anistia,buscam desmoralizá-los, difun-dindo a expressão “bolsa-ditadu-ra”, sem informar que essas in-denizações são legítimas e repa-radoras”, disse.

Maurício lembrou a atuaçãode Teófilo de Andrade, jornalis-ta com poderoso domínio da lin-guagem e um discurso repleto deidéias reacionárias. “Teófilo atu-ava em O Jornal, no qual eramfreqüentes os ataques ao Presi-dente João Goulart. Aquele erao órgão líder dos Diários, tinhabaixo prestígio e também baixacirculação, mas o que era publi-cado nele fazia barulho graças àextensa rede dos Associados es-palhada pelo País”, explicou, nãosem antes fazer a ressalva de que,

no contexto da imprensa do Rio, aúnica exceção nos ataques a Jango eraa Última Hora, de Samuel Wainer, ondetrabalhava.

“No dia do golpe, em 1° de abril de1964, portanto há exatos 46 anos, umamultidão, incitada pelo apresentador detv Flávio Cavalcânti, invadiu e tentoudestruir a Redação da Última Hora. Ocenário seguinte à invasão era desola-dor: telefones com fios arrancados, má-quinas atiradas ao chão e papéis rasga-dos e espalhados por todo lado. Preca-vido, Samuel já tinha montado um es-quema especial de segurança: o parquegráfico fora cercado por grandes e pesa-das portas de ferro e com isso escapou

do ataque. Assim, os seguidores doFlávio Cavalcânti, que reprodu-zia o discurso do então Gover-nador da Guanabara, Carlos La-cerda, não conseguiram calar ojornal”, emocionou-se.

Os editoriais do CorreioO encontro serviu para a re-

cordação de passagens curiosase contraditórias da atuação daimprensa. É o caso de dois fa-mosos editoriais publicadospelo Correio da Manhã: Basta!(do fatídico 31 de março de

1964) e Fora! (de 1° de abril do mesmoano). Neste segundo, o jornal, que nãopossuía perfil conservador e chegou aapoiar a posse de Jango em 1961, afir-mava de forma contundente:

“A Nação não mais suporta a perma-nência do Sr. João Goulart à frente doGoverno. Chegou ao limite final a ca-pacidade de tolerá-lo. Não resta outrasaída senão a de entregar o Governo aolegítimo sucessor. Só há uma coisa adizer a João Goulart: saia”.

Por ironia, o Correio da Manhã logoestaria na oposição ao regime militare sofreria represálias. Como jornal in-dependente, resistiu até o AI-5, edita-do em 13 de dezembro de 1968.

Quem debateuOs debates sobre a A Imprensa e o

Golpe de 64 tiveram início no dia 29 demarço, com o tema A Imprensa Amorda-çada. Naqueles tempos em que a cen-sura marcava ponto nas Redações, jor-nalistas e editores lançavam mão de ar-timanhas para denunciá-la, como aevasiva publicação de receitas culiná-rias no lugar de textos vetados. Nessaverdadeira queda-de-braço, o Governotambém utilizava recursos de comuni-cação para despertar a simpatia dapopulação. O debate teve como convi-dados os professores João Batista deAbreu e Antônio Serra, ambos da Uni-versidade Federal Fluminense, e o jor-nalista Guimarães Padilha. Como me-diadora atuou a jornalista e professo-ra Sylvia Moretzsohn, também da Uff.

Na terça, dia 30, foi apresentado otema A Imprensa Independente, com aparticipação do jornalista Nilo Dantee dos professores Antônio TheodoroBarros e Beatriz Kushnir, ambos da Uff.Nessa noite a mediação ficou a cargode Alceste Pinheiro, também da Uni-versidade Federal Fluminense. Durantea ditadura, jornalistas afinados com asidéias políticas de esquerda fundaramjornais ou mesmo pegaram em armascontra o sistema vigente. Neste deba-te foram resgatadas as histórias de al-guns desses personagens, além da nar-rativa de profissionais que presencia-ram o empastelamento de contestado-ras empresas de comunicação, como nojá citado exemplo da Última Hora.

À esquerda,recortes com

textos exaltandoa Rede da

Democracia, comdepoimentos de

João Calmon,Nascimento Brito,Roberto Marinho

e Amaral Neto.Acima, O Globo

em 20 de marçode 1964 dádestaque à“Marcha da

Família”. Ao lado,Maurício Azêdo,

Aloysio deCarvalho e Luiz

Erthal, daNitpress.

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36 Jornal da ABI 352 Março de 2010

LivrosLivros

O futebol não é apenas o esportemais praticado no Brasil. É também omaior fenômeno social do País. A bolachutada em campos de Norte a Sul dáidentidade nacional e significado aosdesejos e sonhos de vitória da maioriados brasileiros. Até bem pouco tempoessa relação tão forte era ignorada ouvista com preconceito por muita gen-te. Mas isso vem mudando. Há tempos,a política já acompanha com atençãoa força do esporte e, agora, as ciênciascomeçam a estudá-lo. Não apenas poraqui, mas em todo mundo a força eco-nômica e a paixão movida pelos golsparecem ilimitadas.

Agora o futebol ultrapassa novasbarreiras e conquista os domínios dacultura, especialmente o cinema e a li-teratura. Às vésperas de mais uma Copado Mundo, livros de diversos gênerosinvadem as prateleiras, de biografias degrandes craques, histórias de conquis-tas de seleções e clubes a trabalhos queestudam como um passatempo se trans-formou em expressão popular capaz deexplicar o Brasil e o mundo.

Entre os biografados estão CharlesMiller, o inglês que trouxe o futebolpara o Brasil, e gênios do passado comoo inventor do gol de bicicleta Leônidasda Silva, o Diamante Negro, os pontasGarrincha e Pepe, Didi, criador da fo-lha-seca e um dos destaques da Copade 1958, Roberto Dias, ídolo são-pau-lino na década de 60, Basílio, um dosgrandes responsáveis pelo fim de umafila de 23 anos de títulos no Corinthi-ans, e o Rei Pelé, que aos 70 anos ganha

leitura, com fotos e fichas de cada jo-gador. Os textos são recheados de en-trevistas e depoimentos de craques,mesmo aqueles que ficaram de fora dasconquistas, seja por causa de uma con-tusão, opção do técnico, indisciplina e,no caso de Mazzola, campeão em 1958,por ter se naturalizado italiano paradisputar a Copa de 1962 pela Itália, aSquadra Azzurra.

As melhores seleçõesAliás, lá fora também se joga bola.

E bem. É o que lembra Mauro Beting,jornalista do Lance! e da Rede Bandei-rantes. Ele é autor da obra que faz con-trapartida ao livro de Leite, As Melho-res Seleções Estrangeiras de Todos os Tem-pos, também publicada pela Contexto.Com sólida narrativa, belas fotos, lis-tas de convocados e detalhando esque-mas táticos, ele passeia pela história dofutebol nas Copas, apresentando asequipes da Hungria, de 1954, da Ingla-terra, de 1966, da Holanda e da Alema-nha, de 1974, da Itália, de 1982, da Ar-gentina, de 1986, e da França, de 1998.Para completar, há breves perfis dogoleiro Gordon Banks, do zagueiroBeckenbauer, dos meio-campistas Ma-radona e Zidane e do atacante hunga-ro Puskas. Como diria o próprio MiltonLeite: “Que beleza!”.

Outra aposta da mesma Contexto éa coleção Os 11 Maiores do Futebol Bra-sileiro. A idéia é escalar os 11 melhoresjogadores brasileiros de cada posição emrespectivos volumes. O primeiro, fugin-do um pouco a essa regra, veio de foradas quatro linhas, mas tem um papelcada vez mais determinante no mundoda bola: o técnico. Escrito por MaurícioNoriega, comentarista do Sportv e daRede Globo, o livro traz breves biogra-fias de grandes estrategistas brasileiros,de Osvaldo Brandão a Muricy Ramalho,passando por Zagallo, Telê Santana,Vanderlei Luxemburgo e Felipão. Apóso texto sobre cada técnico há uma en-trevista com algum atleta de renome

que tenha sido comandado pelo “pro-fessor”. A mesma estrutura é usada porPaulo Guilherme, editor do portal denotícias G1, para colocar no papel Os 11Maiores Laterais do Futebol Brasileiro,uma seleção que joga tanto pela direi-ta quanto pela esquerda e conta comNilton Santos, Carlos Alberto Torres,Júnior, Leonardo e Cafu.

Marcelo Barreto, editor e apresenta-dor do Sportv e da Rede Globo, prefereencarar o atual momento atravessadopor literatura e futebol na torcida:

“Obras sobre esporte, especialmen-te futebol, o mais popular do País, ga-nham cada vez mais espaço, mas é pre-ciso que seja sempre assim e não algosazonal. É importante que estamosvencendo o preconceito que existia efazia com que futebol fosse visto comoalgo menor, apenas um lazer. Coisa aque certamente não se limita. Assimcomo a literatura sobre esporte deixoude estar restrita a manuais e regras

GOL DE LETRAAproveitando o clima de Copa do Mundo, o “País do Futebol”descobre sua vocação para os esportes também na literatura.

POR MARCOS STEFANO uma fotobiografia.Também há impor-tantes nomes do es-porte na atualidade,como Ronaldo, Ro-naldinho Gaúcho eRogério Ceni, para fi-car apenas em nomesnacionais.

Mas não só de ta-lento vive o mercadoda bola e das letras.Sem os grandes clu-bes, o futebol não se-ria o mesmo. Escolher os principaisatletas da história de uma agremiação,comemorar uma data importante,nova conquista ou mesmo falar sobreas curiosidades dos campeonatos sãomotivos certos para novas publicações.

“Demorou, mas finalmente o Brasildescobriu esse filão que é a literaturado esporte. Claro que a escolha do Paíscomo sede da Copa de 2014 e das Olim-píadas de 2016 ajuda, mas não é o fa-tor mais importante. Acredito que te-mos aí uma conjunção de outros mo-tivos para tantas novas obras. Econô-micas, como melhores condições parao consumidor comprar livros, e práti-cas, especialmente profissionais qua-lificados para escrever”, observa o jor-nalista Milton Leite, apresentador enarrador do canal pago Sportv e daRede Globo.

Leite acaba de lançar pela EditoraContexto As Melhores Seleções Brasilei-ras de Todos os Tempos, obra em queaponta os seis melhores esquadrões ca-narinhos da História: as seleções dasCopas de 1958, 1962, 1970, 1982, 1994e 2002. Todas foram campeãs mundi-ais, com exceção do escrete de 1982,que, apesar de apresentar um futebol-arte na Copa da Espanha e encantar omundo, acabou derrotado. Diz MiltonLeite que time bom nem sempre é o quevence e, por isso, os critérios que ado-tou para escolha foram o brilhantismoe os resultados.

“O time de 1994, por exemplo, le-vantou a taça com um futebol pragmá-tico e quase nenhum espetáculo. No

entanto, superou a desconfiançadas eliminatórias, as mais de

duas décadas sem título emostrou uma união den-tro de campo que se tor-

nou imbatível“, anali-sa Leite. Escrevendo

para o grande pú-blico, ele apre-senta um li-vro de fácil

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Marcos Guterman:O futebol se

mistura com avida social do

País, com apolítica, a

economia ecom os anseios

e paixões dapopulação.

Marcelo Barreto: Obras sobre esporte,especialmente futebol, precisam ganhar

mais espaço e não ser algo apenas sazonal.

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37Jornal da ABI 352 Março de 2010

para falar sobre a sociedade, explicarsua formação e contar histórias devida. O esporte tem uma dimensãotranscendente.”

Foi isso que ele buscou nos meses emque se dedicou a pesquisar, entrevistare escrever Os 11 Maiores Camisas 10 doFutebol Brasileiro. Uma das mais aguar-dadas da nova coleção, a obra prometedebates acalorados. Entre os maiores“10” do futebol brasileiro Barreto co-

loca nomes indiscutíveis como Zizinho,Pelé, Ademir da Guia, Rivelino, Zico eKaká. Mas também fazem parte da lis-ta Neto e Ronaldinho Gaúcho e ficamde fora um Didi, um Pita, um Gérson.

“Na verdade, apesar de serem gran-des armadores, não considero Didi eGérson camisas 10. No meu time defutebol de botão eles seriam o 8. Nãoé fácil definir essa função, já que nãose trata apenas de um número. RobertoDinamite jogou com a 10, mas era umcentroavante. O 10 autêntico deve sero mais técnico, o ponta-de-lança, porquem a bola passa nas principais joga-das e também é capaz de encostar nosatacantes para definir. Em suma, o

dono do time, herdeiro da camisa dePelé”, explica Barreto, que já está pro-duzindo uma nova obra com o perfil damultiatleta Daniela Genovesi, que aos41 anos entrou par a História do espor-te nacional ao vencer a maior compe-tição do ciclismo mundial, a RaceAcross America de 2009. Foram quase5 mil quilômetros percorridos em 11dias, 17 horas e 8 minutos, um feitoinédito para o ciclismo brasileiro.

As vitórias, as derrotasEsse caráter transcendente do fute-

bol surge em outros lançamentos e le-vanta questionamentos. Como expli-car a vitória brasileira no mundo dabola? E a derrota dos pais da modali-dade, os britânicos? Ou os seguidosfracassos de novas e velhas potênciasna América do Norte e na Europa?

Para responder a essas questões, ojornalista Simon Kuper, colunista doFinancial Times, e o professor de Eco-nomia Stefan Szymanski, do CassBusiness School, em Londres, abando-nam velhos clichês, como a batidaquestão da habilidade latina, e partempara uma análise mais profunda, his-

tórica, cultural e baseada em númerose estatísticas, naquele que é um doslivros mais curiosos dessa “safra” recen-te. Soccernomics (Nation Books, aindasem tradução para o português) – qual-quer semelhança com Freakonomics nãoé mera coincidência – trata em um tex-to leve e cheio de historietas da cultu-ra e dos negócios do esporte.

Das três partes, clubes, torcedorese seleções, a que promete mais polêmi-

ca é a última. Afinal, quais serão aspotências futebolísticas no futuro? Osautores apostam nos Estados Unidos,Japão, Austrália, Turquia e até Iraque.

Razões do êxodoIgualmente polêmicas são as repor-

tagens investigativas. Em Bola Fora(Panda Books), Paulo Vinícius Coelho,o PVC, comentarista da ESPN Brasil ecolunista da Folha de S. Paulo, discute oproblema e as conseqüências do êxododos craques brasileiros para o exterior.

“Não procuro contar o caso curio-so, inusitado. Não é a história do jo-gador que foi passar fome na Turquia.É uma análise desse êxodo, mostran-do que as transferências não começa-ram hoje, com a crise do capitalismo.O êxodo é mais antigo que o própriofutebol e não vai acabar tão cedo”,escreve PVC na apresentação da obra.Pode ser, mas ele revela que o primei-ro brasileiro a jogar na Europa foiArnaldo Porta, que deixou Araraqua-ra, no interior de São Paulo, para jo-gar pelo Verona, da Itália, em 1914.

Casos de jogadores que se iludemcom a fama e acabam enfrentandoimensas dificuldades, até passandofome, e não somente na Tunísia, masno Brasil, são assunto para outra obra,11 Gols de Placa (Editora Record e As-sociação Brasileira de Jornalismo In-vestigativo).

“Como diria o grande João Saldanha:meus amigos, 11 Gols de Placa é umaespécie de cartão amarelo para dirigen-tes e para todos que se aproveitam dofutebol brasileiro”, explica FernandoMolica, organizador, na apresentaçãoda obra. Ele se refere a algumas das maisimportantes peças investigativas pu-blicadas pela imprensa esportiva naci-onal nos últimos tempos.

A seleção não é somente de grandesreportagens, mas também de craquesdo jornalismo esportivo brasileiro: JucaKfouri, João Máximo, Fernando Rodri-gues e André Rizek, entre outros. In-

vestigação Futebol Clube, como é chama-do o livro em seu prefácio, mostra queo melhor futebol do mundo pode setornar caso de polícia. Extraídas daspáginas dos principais cadernos deesportes e revistas especializadas, es-tão reunidas denúncias como as feitaspor conta dos contratos de patrocínioda Nike com a CBF, os três grandesescândalos da arbitragem no País e aabsurda volta dos tetracampeões aoBrasil em 1994, quando cartolas força-ram a entrada carregados de muamba,sem pagar impostos, usando o inéditotítulo como justificativa.

Alguns desses casos também são re-lembrados pelo jornalista e historiadorMarcos Guterman, editor da primeirapágina do jornal O Estado de S. Paulo, emO Futebol Explica o Brasil (o primeiro dasérie sobre futebol lançada pela Contex-to). Apesar de ter como tema o futebole usar como fio condutor da narrativaa trajetória da Seleção Brasileira pelasCopas do Mundo, ele ressalta que suaobra não é só sobre futebol:

“É um livro sobre História. A eleiçãode um grande clube costuma renderboas pautas também sobre política. Aofalar sobre patrocínio ou crise no fute-bol não dá para fugir da economia. Já acontusão de um atleta pode se desdo-brar em outros assuntos sobre saúde oumesmo tecnologia. O leitor vai se sur-preender sobre como a maior expressãopopular de nosso País se mistura com avida social, com a política, com a eco-nomia e com anseios e paixões.

De fato, impressiona como a Histó-ria recente do Brasil pode ser contadapor meio da preparação e participaçãoem cada uma das Copas. Como, em1938, uma nação ainda agrária passa ase ver como o “País do Futebol”, formaum jeito diferente de jogar e dá inícioa um tempo de modernização e indus-trialização. Ou como a globalizaçãoeconômica e a crise dos anos 80 e 90conseguem refletir-se na perda de iden-tidade nacional dentro dos campos,tanto por conta da assimilação do es-tilo europeu de jogar, quanto na saídade seus maiores destaques. O últimoepisódio é emblemático. Após faturaro penta na Copa da Ásia, em 2002, ocapitão Cafu levanta a taça e homena-geia o Jardim Irene, em São Paulo, lem-brando a origem pobre dos atletas queganhavam o mundo. Da mesma ma-neira que um torneiro-mecânico, LuizInácio Lula da Silva, havia assumido atão esperada Presidência da República.

“Claro que não se trata de mera co-incidência. Infelizmente, a importân-cia do futebol demorou para ser perce-bida. Acho que isso se deve muito aoregime militar. Nos anos 70 e 80, quemse debruçava sobre o futebol ou estu-dava o assunto era considerado “dosistema”. Algo que nos atrasou demais.Mas agora, pela qualidade do que estásendo publicado, fico otimista. Creioque, muito em breve, meu trabalhoserá superado por outros muito melho-res. Só começamos a dar nossos primei-ros chutes”, prevê Guterman.

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Milton Leite: Há uma conjunção de motivos para tantas novas obras, entre eles melhorescondições para o consumidor comprar livros e profissionais qualificados para escrever.

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38 Jornal da ABI 352 Março de 2010

LivrosLivros

Ainda na década de 1970, o empre-sário, banqueiro e político Olavo Egí-dio Setubal, do Banco Itaú, começou acomprar pinturas, aquarelas, livros,mapas e documentosrelacionados à Históriado Brasil. Até sua morte,em agosto de 2008, oque começou como umhobby transformou-senum dos mais comple-tos e significativos acer-vos de arte do País, sócomparável ao da Bibli-oteca Nacional, no Riode Janeiro. São mais de 5mil peças iconográficas,imagens avulsas ou inse-ridas em dezenas de álbuns de gravurase milhares de livros, documentos emapas que contam e revelam o Brasildesde o Descobrimento pelos portugue-ses até o século XX. Apesar de tamanhaimportância, nas últimas décadas pou-cos privilegiados tiveram acesso àsobras. Agora, porém, finalmente o pú-blico poderá conhecer melhor essematerial que recebeu o nome de Cole-ção Brasiliana Itaú. Primeiro, com olançamento de um luxuoso livro queapresenta a totalidade das peças. De-pois, com uma exposição na Pinacotecado Estado de São Paulo, que reúne deforma inédita suas principais peças.

O nome “Brasiliana” não é exclusivoda coleção do Itaú. Muitos outros im-portantes acervos formados por pintu-ras, livros, objetos, imagens e documen-tos que se relacionam com os 500 anosda História brasileira levam esse título,incluído um com quase 500 obras doa-do à própria Pinacoteca de São Paulo em2007 pela Fundação Estudar. O grandediferencial da coleção do Itaú é o perí-odo que abrange, desde pinturas doBrasil holandês até às primeiras ediçõesdos mais conhecidos álbuns iconográ-ficos do século XIX e livros de artistasilustrados do século XX. Entre elas, obrasassinadas por artistas da qualidade deJean-Baptiste Debret, Johann Moritz Ru-gendas e Joseph Leon Righini.

Além deles, todos os grandes artistasviajantes estão representados em gra-vuras, pinturas, aquarelas e desenhosoriginais. Em um dos mapas mais anti-gos que mostram o País e pertence à Bra-siliana Itaú, feito pelo cartógrafo Wal-dsmüller, em 1525, o Brasil ainda rece-bia o nome de Terra Papagalli ou Terra

senta o Brasil colonial e as obras descri-tas acima, o segundo traz a visão de via-jantes e naturalistas a partir da chegadada Família Real ao Rio de Janeiro, comênfase na iconografia de São Paulo e Rio.Entre as raridades do período há uma telaa óleo de Arnaud Julien Pallière, com avista panorâmica de São Paulo em 1821,

A arte conta nossa História

Pela primeira vez é mostrada ao público parte da Coleção Brasiliana Itaú, um dos mais ricos acervosde pinturas, aquarelas, livros, mapas e documentos que retratam a vida nacional desde o Descobrimento.

POR MARCOS STEFANO dos Papagaios. À medida que os nave-gadores traziam novas informações, acosta foi-se tornando mais rica e deta-lhada, aproximando-se da realidade.

Muito do que foi representado pelosgravadores encarregados de ilustrar os

primeiros atlas e mapasvinha da imaginação, fo-mentadas pelas descri-ções dos primeiros via-jantes. Especialmente, afeição dos nativos, umadas fascinações dos euro-peus. Governantes comoo holandês Maurício deNassau preferiam trazerartistas para cá. Dessaforma, Frans Post e Al-bert Eckhout pintaram oBrasil e inspiraram mui-

tos outros com suas obras. Post, porexemplo, pintou Povoado Numa Planí-cie Arborizada, retratando um típicoagrupamento do Nordeste no séculoXVII. Os elementos são fidedignos,mas organizados segundo a imagina-ção do autor. Fora a experiência holan-desa, somente com a chegada de DomJoão VI, em 1808, é que os estudos denaturalistas sobre a fauna e flora naci-onais passaram a ser autorizados.

A mostra na Pinacoteca conta comcerca de 300 itens divididos em três gran-des núcleos. Enquanto o primeiro apre-

a primeira pintura conhecida que repre-senta a cidade antes da fotografia, e arecém-descoberta Segundo Casamento deD. Pedro I, de 1829, de Jean-BaptisteDebret, que retrata a suntuosa união domonarca com Dona Amélia. Outra é a as-sinatura da Lei Áurea, em 1888, pinta-da por Victor Meireles.

GRANDE ATLAS BLAEU, PUBLICADO NA HOLANDA EM 1662.

JEAN-BAPTISTE DEBRET, CASAMENTO DE DOM PEDRO I E DONA AMÉLIA. 1829,.

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39Jornal da ABI 352 Março de 2010

É a última parte, porém, que prometeenlouquecer bibliófilos e amantes daliteratura. O extenso acervo de livros,impressos e documentos traz as primei-ras edições de grandes autores – algumasautografadas –, documentos originaisdos governantes e uma rica documen-tação do período da escravidão. Entretantas jóias, é impossível não notar oexemplar de Memórias Póstumas de BrásCubas, de Machado de Assis, sobria-mente ilustrado por Cândido Portina-ri, um caderno de gravuras de LasarSegall com poemas de Mário de Andra-de, Manuel Bandeira e Jorge de Lima,um manuscrito de Garota de Ipanema,

de Vinícius de Moraes, ou a dedicatóriainfantil feita por Monteiro Lobato emuma de suas Reinações de Narizinho.

Para os jornalistas, ainda vale ficarde olho em algumas das mais antigaspeças da imprensa do País como os pri-meiros exemplares do Correio Brazili-ense, da Gazeta do Rio de Janeiro e derevistas ilustradas que marcaram épocana São Paulo do século XIX, compon-do um retrato da vida, costumes e acon-tecimentos do período.

“O propósito da Coleção BrasilianaItaú é de justamente reunir um grandenúmero de peças das mais diversas na-turezas, mas inteiramente dedicadas ao

Brasil, sua História, arte e literatura.Impressiona saber que a maior parte doacervo foi conseguida nos últimos oitoanos de vida de Setubal, um homemprofundamente interessado em todas asmanifestações da cultura nacional. A ri-queza dessa coleção é única e formaverdadeira imagem simbólica do País– sublinha Pedro Corrêa do Lago, cu-

rador da exposição e editor do livro.A Brasiliana Itaú fica em exposição

até o dia 2 de maio na Pinacoteca doEstado de São Paulo, ao lado da Esta-ção da Luz. Depois disso, será necessá-rio esperar. Há planos de expor nova-mente parte do acervo no Itaú Cultu-ral. Mas além de não estar ainda con-firmado, só deverá ocorrer em 2011.

ARMAUD JULLIEN PALLIÈRE, PANORAMA DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO,1821.

RUGENDAS, LA SIESTA, 1850.

Mais de 5 militens compõema coleçãoBrasiliana Itaú,entre quadros,mapas, gravurasde viajantes enaturalistas,edições raras,como a deGrande Sertão:Veredas, a óperaIl Guarani, e umcaderno degravuras de LasarSegall, além dacarta de D. JoãoVI que inicia adívida externabrasileira.

VIDAL, VISTA PANORÂMICA DO PORTO DO RIO DE JANEIRO

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40 Jornal da ABI 352 Março de 2010

Um ícone da crônica esportiva, assim ArmandoNogueira era reverenciado pelos colegas que o con-sideravam um dos maiores nomes do jornalismoesportivo brasileiro de todos os tempos. O jornalistamorreu em 29 de março, aos 83 anos de idade, emdecorrência de um câncer no cérebro diagnostica-do em 2007.

Nascido em Xapuri, no Acre, em 14 de janeiro de1927, Armando Nogueira chegou ao Rio de Janeiroem setembro de 1944, quando tinha 17 anos de ida-de. Formou-se em Direito e em 1950 conseguiu o seuprimeiro emprego como jornalista na editoria de Es-portes do antigo Diário Carioca, fazendo a cobertu-ra das equipes que vieram ao Brasil naquele ano dis-putar a Copa do Mundo. No mesmo jornal, além derepórter foi redator e colunista.

Desse período em diante Armando Nogueira cons-truiu uma das mais brilhantes carreiras do jornalis-mo brasileiro. Foi redator-chefe da revista Manchetee chegou também a exercer a função de fotojornalistaem O Cruzeiro. No final dos anos 50, ingressou noJornal do Brasil, no qual de 1961 a 1973 assinou a co-luna diária Na Grande Área, e compartilhava a com-panhia de importantes figuras do jornalismo espor-tivo, como João Saldanha, Sandro Moreira e Olde-mário Touguinhó.

Não foi somente para a imprensa que Armando No-gueira contribuiu com o seu talento. Em 1959, ele ini-ciou uma bem-sucedida trajetória no telejornalismona antiga TV Rio. No canal 13, Armando Nogueira foium dos integrantes do programa Mesa-redonda Facit,que produziu um dos melhores debates esportivos datelevisão brasileira. O programa era dirigido por Au-gusto de Melo Pinto e, além de Armando, contava comparticipações especiais de Nélson Rodrigues, João Sal-danha, José Maria Scassa e Luiz Mendes.

Em 1966, Armando foi convidado para trabalhar naRede Globo de Televisão, onde foi diretor da CentralGlobo de Jornalismo até 1990. Criou dois dos telejor-nais de maior audiência da emissora, como o JornalNacional e o Globo Repórter e foi o responsável pelotoque de qualidade do Departamento de Esportes.

Na Rede Globo, durante a campanha presidenci-al de 1989, teve que enfrentar um constrangimentoque o levou a se afastar da emissora. O problemasurgiu por causa de uma edição do debate entre osentão candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e FernandoCollor de Mello, cuja edição supostamente favore-ceu a este último.

“Eu fiquei muito decepcionado, mas não com meussuperiores, e sim com os meus subordinados, que seportaram de maneira muito equivocada na adulte-ração do debate. Isso contribuiu, definitivamente,para eu sair da emissora”, afirmou Nogueira em en-trevista que concedeu ao ABI Online, publicada tam-bém no Jornal da ABI.

Depois que deixou a Rede Globo, Armando Noguei-ra trabalhou também na TV Bandeirantes, no canalSport TV e na Rádio CBN.

VidasVidas

Notável como autor de crônicas esportivas, Armandofoi o criador do mais importante informativo do País,

o Jornal Nacional da Rede Globo, e formou umageração de repórteres, editores, cinegrafistas e

produtores de jornalismo eletrônico hojepresentes nas principais emissoras de televisão.

POR JOSÉ REINALDO MARQUES

LUIZ CARLOS DAVID/FOLHA IMAGEM-FOLHAPRESS

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41Jornal da ABI 352 Março de 2010

Sina e sobrevivênciaEm fevereiro de 2007, quando completou 80 anos,

na entrevista que deu aos veículos da ABI, Arman-do Nogueira disse que apesar dos sintomas da doençanão pensava em parar de escrever os seus textos,porque redigi-los era a sua sina e sobrevivência: “Pre-ciso escrever por necessidade profissional e existen-cial”, declarou.

Na entrevista, ele falou de Nélson Rodrigues, dodeslumbramento que teve ao desembarcar no Rio deJaneiro, de sua adoração por aviões, da paixão pelo fu-tebol e pelo Botafogo, e relembrou os tempos de repór-ter no Diário Carioca, onde trabalhou ao lado de OtoLara Resende, Pompeu de Sousa e Fernando Sabino.

Para um jovem nascido no interior do Acre – quenunca tinha visto mar, rua asfaltada, bonde e só co-nhecera até aquele momento um carro na sua vida –a chegada ao Rio de Janeiro, depois de desembarcarde um vôo da extinta Cruzeiro do Sul, nas palavrasde Armando Nogueira foi “mais que um deslumbra-mento, foi um choque emocional”.

A primeira sensação que teve, contou, foi de queestava respirando um ar “que pertencia a outro, nãoa mim”. O primeiro contato com o Rio de Janeiro pro-vocou nele um sentimento de que estaria “usurpan-do um meio físico de um carioca”. Demorou um tem-po para se livrar da sensação de desconforto e insegu-rança provocada pelo choque da cidade grande.

Pilotar aviões era o hobby predileto de ArmandoNogueira, um desejo que ele acalentava desde os cincoanos de idade, quando ainda era um menino emXapuri e sonhava que estava voando nas asas “de umregador de jardim”. A realização se deu no Rio deJaneiro, nos vôos de ultraleve que duraram até quan-do já era um octogenário e enquanto a saúde permi-tiu. Mas tudo começou nas aulas iniciadas no aero-clube de Rio Branco.

TestemunhaNa época em que trabalhou no Diário Carioca, o

jornal contava com figuras destacadas do jornalismo,como Prudente de Morais, neto (Presidente da ABIno período 1975-1977), Carlos Castelo Branco, Pom-peu de Sousa, Sábato Magaldi e Jota Efegê. Oto LaraResende era repórter político, e Fernando Sabino faziacrônicas e também mantinha uma coluna.

O jovem aos poucos foi conquistando a confian-ça dessa turma. Como era muito comunicativo echamava a atenção pela espontaneidade, lhe coloca-ram o apelido de Armando Doidinho.

“Eu era muito safo e elétrico e eles achavam queeu tinha uma espontaneidade que atribuíam à mag-nitude da floresta acreana”.

Costumava sair à noite com Rubem Braga, que eraquem se encarregava de apresentá-lo aos amigos daboemia:

“Este aqui é o Armando Nogueira, recém-chega-do do Acre, onde vivia da caça, da pesca e da coletade frutos naturais, como um bom nativo”.

Nos primeiros anos como repórter no Rio de Ja-neiro, Armando Nogueira deu um furo de reportagemcom o episódio do atentado contra Carlos Lacerda,na noite de 5 de agosto de 1954. Eles eram vizinhosem Copacabana. Armando, que estava entrando emcasa quando presenciou a cena, tomou logo a inicia-tiva de entrar no bar da esquina e ligar para a Reda-ção para relatar o que acabara de presenciar. Pediu aPompeu de Sousa para atrasar o fechamento daedição, porque tinha presenciado o atentado, masainda precisava apurar alguns dados antes de retor-nar ao jornal.

A partir de uma idéia magistral de Pompeu de Sousa,Armando transformou-se em testemunha do caso.Pompeu sugeriu que o texto fosse redigido na primei-ra pessoa e com isso fez de Armando o único repórtercom acesso a todo o andamento do processo.

RepercussãoA notícia da morte de Armando Nogueira foi re-

cebida com grande pesar no ambiente esportivo e nomeio jornalístico de maneira geral. Como repórter ecronista esportivo, ele participou de todas as cober-turas de Copas do Mundo desde 1954, na Suíça, etambém cobriu os Jogos Olímpicos a partir de 1980,em Moscou. Deixou uma lacuna que na opinião deespecialistas dificilmente será preenchida.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o Vice-Presidente Executivo das Organizações Globo, JoãoRoberto Marinho, lembrou os anos em que conviveucom Armando Nogueira:

“Foram 24 anos de uma colaboração estreita, pri-meiro com meu pai, Roberto Marinho e, depois, tam-bém comigo e meus irmãos, Roberto Irineu e JoséRoberto. Foi um período muito rico, em que Armandoatuou ativamente para que o jornalismo televisivoganhasse rigor e, por isso, relevância. Dele guarda-mos a imagem do profissional atento, mas tambémdo amigo espirituoso, uma conversa sempre inteli-gente e cativante. Deixa saudades e um legado extre-mamente positivo, reconhecido por todos.”

Falando também à Folha, o ator e diretor de cine-ma e tv Daniel Filho também se pronunciou sobre amorte de Armando Nogueira, afirmando que estetinha sido seu grande conselheiro:

“Nos últimos 30 anos, não houve um passo que eu

desse na minha vida profissional e pessoal sem con-sulta ao Armando. Ele deixa esse buraco na nossa vida,que é o de conselheiro”.

Juca Kfouri relembrou com saudades de algumasfrases antológicas do grande cronista:

“Nunca mais você terá o privilégio de poder abrirum jornal e ler que ‘Ademir da Guia tem nome, so-brenome e futebol de craque’. Ou que ’Deus castigaquem o craque fustiga’. Ou que se ’Pelé não tivessenascido gente, teria nascido bola’. Nunca mais.”

A obraArmando Nogueira escreveu dez livros, todos so-

bre esporte: Drama e Glória dos Bicampeões (em par-ceria com Araújo Neto); Na Grande Área; Bola naRede; O Homem e a Bola; Bola de Cristal; O Vôo dasGazelas; A Copa que Ninguém Viu e a que Não Que-remos Lembrar (em parceria com Jô Soares e Rober-to Muylaert), O Canto dos Meus Amores; A Chamaque Não se Apaga. O mais recente é A Ginga e o Jogo,lançado em 2003 pela Editora Objetiva.

Seu corpo foi velado na Tribuna de Honra do Es-tádio do Maracanã. No dia 30, às 12h, foi enterradono Cemitério São João Batista, em Botafogo, na ZonaSul do Rio. O Governador Sérgio Cabral e o PrefeitoEduardo Paes declararam luto oficial de três dias noEstado e na Cidade do Rio de Janeiro, respectivamen-te. O mesmo fez o Botafogo,o clube do seu coração.

Exigente com ele próprio, Armando era meticuloso no exame dos textos do Jornal Nacional, como neste flagrante de1979 (acima), em que lê uma notícia enquanto Franklin Toledo, no telefone, apura outra. Abaixo, em 1998, curte

com Nélson Mota e Fernando Calazans a sua grande paixão: a bola, o futebol, a competição bem jogada.

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42 Jornal da ABI 352 Março de 2010

VidasVidas

Revejo, com saudade,as bandeiras das tuas batalhasrepartidas sobre o campo.Revejo, com saudade,a tua multidão que torce e distorce a verdade até morrer,doa a quem doer.Revejo, com saudade,as esperanças que se perdiam pela linha de fundono entardecer de cada jogo.

Quantas vezes foste a minha pátria amada, idolatrada,salve, salve a seleção!Quantas vezes a minha alma escapava de mime, sem que o árbitro notasse, aparecia na pequena área,providencial, para fazer o gol da vitória.Perdi a conta dos golsque fiz com pés que nunca foram meus.Saudade de certa lágrima de vitóriaque, um dia, vi brilhar no rosto quase meu de uma criança.

Maracanã.és fantasia da paixãoque aproxima e divide:louvor e blasfêmia,alegria e desdita.és o gol de Gigghia,celebrado com um minuto de silêncio soberba nacional.és o ignorado herói de uma tardecujo gol restou sem datacomo se nunca houvera sido feito.

és gol de placaque ninguém sabe ao certo como nasceumas que o tempovem tratando de fazê-lo cada dia mais bonito.Gol de fábula.

A ABI expressou seu profundo pesar pelo falecimentode Armando Nogueira, apontado pela entidade como“um mestre do jornalismo” e responsável pela forma-ção de profissionais que trabalham atualmente em emis-soras de televisão em vários Estados. Em declaração queemitiu, afirma a ABI que Armando deixa seu nome gra-vado entre os profissionais que mais contribuíram parao elevado padrão de qualidade do jornalismo impres-so e do jornalismo eletrônico entre nós.

A declaração da ABI tem o seguinte teor:“A Associação Brasileira de Imprensa expressa o seu

sentimento de profundo pesar pelo falecimento dojornalista Armando Nogueira, que deixa seu nomegravado entre os profissionais que mais contribuírampara o elevado padrão de qualidade do jornalismo im-presso e do jornalismo eletrônico entre nós.

Integrante, ao lado de Jânio de Freitas, José RamosTinhorão, Nilson Lage e outros talentosos jovens, deuma geração de profissionais que, na equipe do an-tigo Diário Carioca, modernizaram a técnica de re-dação jornalística da imprensa do Rio de Janeiro soba liderança e a orientação de Danton Jobim, Pompeude Sousa e Luís Paulistano, Armando Nogueira cedoalcançou preeminência como redator de textos, pelacompetência técnica, o forte domínio do idioma e asensibilidade em relação às questões humanas e so-ciais sempre presentes no jornalismo.

Após a destacada atuação que teve no Diário Cari-oca, Armando integrou com brilho excepcional a equi-pe com que o Jornal do Brasil se firmou, desde o fimdos anos 50 até à década de 80, como o paradigma domelhor jornalismo do País. No JB ele encontrou entãoa forma de realizar a sua paixão pelo esporte em gerale especialmente pelo futebol. Como cronista esporti-vo do jornal, Armando ofereceu ao longo de décadastextos que o impuseram à admiração pública pela altaqualidade literária e fino sentimento que ostentavam.

Posteriormente, coube-lhe um papel de ponta nacriação e implantação da mais importante produçãojornalística do País, o Jornal Nacional, que ele dirigiucom extremada perícia e reconhecida ação pedagó-gica: pelas suas mãos passaram e se formaram jorna-listas, produtores e cinegrafistas que, em numerosasemissoras e sob diferentes formatos, realizam atu-almente um jornalismo de notável qualificação.

Ao homenagear Armando Nogueira neste momen-to doloroso para sua família, seus companheiros detrabalho e seus incontáveis admiradores, a Associa-ção Brasileira de Imprensa, triste e enlutada, celebraum dos maiores profissionais da comunicação que oPaís conheceu.

Rio de Janeiro, 29 de março de 2010.(a) Maurício Azêdo, Presidente.”

Naquele dia, seu time docoração iria novamente subir aogramado do Maracanã para maisuma peleja pelo CampeonatoCarioca. Mas, antes do grandeclássico, o mestre ArmandoNogueira, que tantos elogios jáhavia escrito ao futebol, foihomenageado pela Secretaria deEstado de Turismo, Esporte eLazer, através da Suderj, com ainauguração de um espaço que

És o craque que passa, sem pressa,tecendo a promessa de gol com a bola nos pése os olhos na linha do horizonte.

és Gérson e Jair da Rosa PintoQue tinham no pé esquerdo o rigor da fita métrica.És Nilton Santos, futebol de fino trato,na majestade e no saber.És Zizinho, que conhecia, como ninguém,todos os atalhos da tua geometria.

És Zico que driblava triscando a grama,suave como uma pluma.És a “folha-seca” de Didi,fidalgo de rara nobrezaque tratava a bola como se trata uma flor.És Ademir Menezes correndo, olímpico,pelos indizíveis caminhos do gol.És Carlos Castilho, santo goleiroque obrava milagres pelos confins da pequena área.És Pelé,cujos gols eram tramados na véspera(ele trazia de casa as traves e a bola do jogo.)

És Garrincha que dobrava as esquinas da áreadriblando Deus-e-o-Mundocom a bola jovial da nossa infância.Quanta saudadedaquele drible direitaque alegrava as minhas jovens tardes de domingo.

És, enfim, a vitória e a derrota,caprichosa imitação da minha vida.E porque és uma parte da minha memória,seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome.Maracanã, Maracanã.

Um formadorde profissionais

Um dia de glórialeva o seu nome, localizado naTribuna de Imprensa do estádiodo Maracanã.

No Espaço ArmandoNogueira, além de uma galeriada fama com fotos de grandesnomes do rádio, como AriBarroso, João Saldanha, JorgeCúri, Luiz Mendes, José CarlosAraújo, há uma placa de acrílicoonde se encontra gravado opoema Maracanã, de sua

autoria, cujos direitos de usoforam cedidos pelo grandecronista esportivo à Suderj. Foium dia de glória para ojornalismo esportivo.

Mas, naquele dia, 30 demarço de 2008, a festa nãoestaria completa se seu time docoração não saísse de campovitorioso. Seu Botafogo foiguerreiro. 3x1 em cima doFluminense. (Francisco Ucha)

MARACANÃArmando Nogueira

Armando, em sua salana TV Globo, em 1987.

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Durante a inauguração do EspaçoArmando Nogueira, no Maracanã, ojornalista recebe justa homenagem.

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43Jornal da ABI 352 Março de 2010

Calvo, um espanhol feliz

Ubiratan, um coração vascaíno

Ele mereceu um minutode silêncio num jogodo seu Vasco da Gama!

Sinal de respeito e lutopela paixão com fogoque queima tanto a quem ama!

Homenagem ao berrante torcedoro colega José Ubiratan SolinoJornalista, simpático e competente.

Reconhecimento a tamanho ardorque se arrepiava com hinoe contagiava tanta gente...

UMA HOMENAGEM DE ADAIL

Nascido em 1926, em León, na Espa-nha, o jornalista Antonio DomínguezCalvo, 84 anos, era sócio da ABI há maisde cinco décadas, na qual ingressou ten-do como proponente o jornalista e Pre-sidente da entidade Herbert Moses.Calvo deixou a Espanha em 1938, quan-do sua família fugiu da Guerra Civil. Osestudos em Jornalismo foram feitos naArgentina e no Uruguai.

No final de 1952, Calvo integrou umamissão que veio ao Brasil para a assina-tura de um convênio comercial com aArgentina. Na época, tinha 28 anos e

“Enquanto houver um coração in-fantil, o Vasco será imortal.”

A frase, numa gravação, era pro-nunciada com nitidez toda vezque alguém ligava para o tele-fone do jornalista José Ubira-tan Solino, que tinha três amo-res na vida: a mãe, que ele sustenta-va como arrimo de família,o jornalismo e o Clube deRegatas Vasco da Gama. Poreste, tinha um amor dife-rente, vulcânico, como diriao rubro-negro Ivan Alves: nãoera um amor comum, comotantos, mas uma paixão que ele car-regou até os últimos dias.

O amor pelo jornalismo surgiu ecresceu quando, ainda muito jovem,começou a trabalhar na ÚltimaHora de Samuel Wainer, na quallogo se destacaria pela limpidez dotexto, o rigor no emprego da técnicade redação, a adequação na arte de ti-tular as matérias. Sem passar pelaReportagem, como era comum na épo-ca, logo ascendeu à função de Editor,um editor competente, seguro, res-ponsável, com forte consciência daética do jornalismo.

O colapso da Última Hora levou-o aoutras paragens, a outras Redações,onde exercitou com a mesma compe-tência e zelo profissional as missõesque lhe eram confiadas, como sucedeuem O Globo, de cujo processo de mo-dernização participou, primeiro sob ocomando de Moacir Padilha, depois soba liderança de seu sucessor, EvandroCarlos de Andrade. Bira, como era cha-mado pelos companheiros, era um pro-fissional a quem se podia entregar amissão de atualizar a edição do jornal,nos imprevistos das madrugadas. Eletrabalhou também no Jornal do Com-mercio do Rio de Janeiro.

Discreto, sem rompantes de sabe-tudo ou de rei-da-cocada-preta, Biranão enjeitava tarefas nem encargos.Nos últimos anos, com o padrão de vida

trabalhava no diário Mayoria, do PartidoPeronista. A iniciativa de integrá-lo aogrupo partiu do Presidente Perón.

Chegando ao Rio de Janeiro, a comi-tiva foi recepcionada com um jantaroferecido pelo Embaixador Juan Cooke.Calvo conheceu então a futura espo-sa, a pernambucana Lisete Pessoa Can-tinho, também de 28 anos, sobrinha-neta de Epitácio Pessoa, Presidente doBrasil entre 1919 e 1922. O casamen-to foi celebrado em 8 de abril de 1953,data em que, dizia, ele se tornou “ohomem mais feliz da face da Terra”.

Nesse mesmo ano Calvo ingressouna ABI, na qual exerceu o cargo de Con-selheiro em diversos mandatos. Ape-sar do luto pela morte da esposa, ocor-rida em 2005, Calvo continuou a escre-ver. Em 2 de junho de 2009, encami-nhou ao Presidente da Casa cinco pu-blicações reunindo matérias e artigosassinados ao longo de sete décadas deatividade na imprensa internacional.

Todos os volumes da coleção apre-sentam textos dedicados à divulgação,integração e desenvolvimento comer-cial e cultural dos países hispano-ame-

ricanos. O Volume II reúne matériase artigos publicados entre 1979 e 2004,nos jornais da Argentina, Uruguai eBrasil. Nos Volumes III, IV e V foramincluídos os textos publicados no Chi-le, Paraguai e demais países de línguaespanhola.

O corpo de Calvo foi sepultado natarde de 9 de março, no Cemitério SãoFrancisco de Paula, no Catumbi, ZonaNorte do Rio. Amigos dele reverenci-aram sua memória numa missa de sé-timo dia celebrada no dia 15 na Paró-quia Santa Mônica, no Leblon.

tradicional e respeitada agremiação deportugueses e seus descendentes, sejapara trabalho permanente, sem vínculoempregatício, como na Revista do Tu-rismo, editada no Rio.

Bira era também um dos editoreseventuais do Jornal da ABI, do qualparticipava com trabalho de edição oude produções que exigiam mais fôle-go de pesquisa, tratamento buriladodos textos e linha de titulação no es-tilo revista. Nesse aspecto foi primo-roso o trabalho que realizou para oVolume 3 da Edição Especial do Cente-nário do Jornal da ABI, para o qual pro-duziu um texto sobre a caricaturistaNair de Teffé, uma das mulheres queromperam barreiras no jornalismo,apresentando-a na reportagem sob otítulo Rian: a caricaturista que tirou RuiBarbosa do sério.

Para essa edição Bira produziu tam-bém vigorosos textos sobre nossosmortos, nossos mártires: Nestor Mo-reira, um coice de mula na democracia;Vladimir Herzog – 1975: A impunida-de que não acabou; Tim Lopes, um repór-ter chamado coragem. O texto sobre orepórter Nestor Moreira, morto por

um policial em 1954, foi tãopreciso e contundente que le-vou um dos seus leitores, o jor-nalista e escritor Roberto San-der, também sócio da ABI, aaprofundar e ampliar a pesqui-sa de Bira para contar em livroessa história dramática do jor-nalismo brasileiro.

Bira era natural do Rio Gran-de do Norte, mas se tornou umgrande carioca: além de curtir ofutebol no Maracanã, onde,como conta o chargista Adail dePaula, membro do ConselhoFiscal da ABI, “fazia muita fes-ta, muito extrovertido que erae expansivo com as colegas”,conhecia como poucos o basfond da noite carioca, antes dasinovações que marcam a Lapa

destes dias: volta e meia pagava caropor suas incursões no mundo da ma-landragem, escapando com vida, porsorte ou milagre, das peças que lheaprontavam depois que ele tomavaumas-e-outras além da conta.

Sócio da ABI desde 1972, Bira cola-borava ultimamente não apenas como Jornal da ABI, mas também com aequipe do Jornal do Casaca!, evidente-mente uma publicação imparcialmentevascaína, e com o programa Casaca noRádio, o qual manifestou assim seupesar pelo falecimento do companhei-ro: “A nossa homenagem a um grandevascaíno. Os nossos sentimentos àfamília, a solidariedade aos amigos e asensação imediata de vazio e saudade,(a) Equipe Casaca.”

Bira morreu no dia 5 de março noHospital do Andaraí, onde estava in-ternado desde 26 de fevereiro, paratratamento de um câncer no pulmão.Em sua homenagem foi observado umminuto de silêncio no domingo dia 7,quando o Vasco jogava no Estádio deSão Januário, e em jogo do Campeona-to Carioca no Estádio do Maracanã.(Maurício Azêdo)

aviltado pela crescente deterioraçãoimposta aos proventos dos aposenta-dos pelo Instituto Nacional do Segu-ro Social-INSS, Bira desdobrava-se paraencontrar e atender a encomendas detrabalhos como freelancer. A encomen-da podia ser a da edição de uma revis-ta, como a que produziu para a Casa dasBeiras em 2008, para celebração de ummomento importante na vida dessa

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VidasVidas

Vítima de um câncer morreu no dia21 de março, nos Estados Unidos, aos59 anos de idade, a fotojornalista Mar-garet Moth. A doença foi diagnosticadahá três anos e ela estava internada emum hospital de Minessota. Funcioná-ria da rede norte-americana CNN, ondeingressou em 1990, Moth ficou conhe-cida depois que foi atingida, por um tirono rosto, durante a cobertura de umconflito em Sarajevo, em 1992.

O ferimento quebrou a sua man-díbula, a fotógrafa perdeu quase to-dos os dentes e parte da língua, sen-

do obrigada a se submeter a váriascirurgias para reconstituição da face.Seis meses depois do tratamento, afotojornalista voltou ao seu trabalhoem Sarajevo dizendo em tom de brin-cadeira que ia “voltar a olhar os den-tes ausentes”.

Depois de sua morte, Margaret Mothfoi reverenciada com um programaespecial da CNN onde foram exibidasvárias reportagens sobre a sua trajetó-ria profissional e depoimentos dos co-legas de trabalho. Pela postura no de-sempenho da sua função, Margaret

Moth foi tratada como uma mulherdestemida. “Ela não tinha medo, era otipo de mulher que não apenas deixaa câmera trabalhando durante um in-cêndio, mas ainda dá zoom em umsoldado que está atirando nela”, diz umdos textos sobre a homenageada.

Em outubro de 2009, MargaretMoth foi tema de um documentário daCNN chamado Fearless: a MargaretMoth Story. O documentário gira emtorno das suas reportagens em zonasde guerra, onde ela aparece encarandoperigos sem um pingo de medo.

Dirigente do Sindicato dos Petrolei-ros de Duque de Caxias, RJ, de que foium dos fundadores, Aristélio Travas-sos de Andrade foi um dos primeiroslíderes sindicais do Rio de Janeiro a serpreso após a deflagração do golpe mi-litar de 1º de abril de 1964. Levado parao Dops e depois para a chamada Casade Detenção, foi barbaramente tortu-rado física e psiquicamente: entre asprovações a que o submeteram figuroua humilhação de ver a própria mãe, donaAdélia, ser desnudada e supliciada di-ante de seus olhos.

As sevícias deixaram-no praticamen-te desfigurado: seu corpo, da cabeça aospés, era uma massa de sangue, comonarrou o ator, compositor e escritor Má-rio Lago, outro dos muitos presos pelarepressão logo desencadeada pela Polí-cia Política do Governador Carlos Lacer-da, numa pequena brochura sob o título1º de abril – Estórias para a História, re-digida ainda sob a emoção e a indigna-ção de que Mário, Aristélio e muitosoutros, entre centenas de patriotas en-tão presos, estavam possuídos.

Pernambucano nascido em 18 de mar-ço de 1934 em Timbaúba, ou Timbaú-ba dos Mocós, como ele gostava de fri-sar, aludindo a antiga denominação des-sa cidade do interior do Estado, Aristé-

lio começou a trabalhar na RefinariaDuque de Caxias “quando esta planta-va as primeiras estacas para se tornara maior unidade da Petrobras”, comolembra o jornalista Francisco Canavar-ro, seu companheiro de lutas nessaépoca, demitido da empresa em 31 demarço de 1964, assim como Aristélio,e que teve também de se reciclar, pas-sando a trabalhar no jornalismo, diantedas perseguições que sofria.

Ao lado de outros companheiros, en-tre os quais Silas Conforto, Cid CesareSalgado, já falecido, Valdevino de Sou-za Almeida e muitos outros, Aristéliofundou a Associação dos TrabalhadoresPetroleiros Caxiense, a qual dois anosdepois se transformou no Sindicato dosPetroleiros de Duque de Caxias. As per-seguições que sofreu, entre as quais ademissão imediata da Petrobras, tinhamdupla motivação: a atuação no Sindica-to e a militância no Partido ComunistaBrasileiro-PCB, de que era dirigente emCaxias e ao qual guardou fidelidade de-pois que este se transformou no atualPPS – Partido Popular Socialista.

Formado em Contabilidade, estudi-oso de Ciências Sociais e História, aman-te da boa literatura brasileira e estran-geira, apaixonado por música popularde qualquer país e por música erudita

– os amigos o definiam como um me-lômano, que gravava todas as músicasque podia —, Aristélio passou após ogolpe militar por penosas dificuldadespara sustentar a família, a mulher, Mar-ly, e os filhos Alexandre e Silas. Duran-te bom tempo, Marly, que trabalhavafora, foi o esteio da casa. Entre 1967 e1968, finalmente, Aristélio encontrouuma possibilidade de atenuar as dificul-dades, mas ao preço de trabalhar e mo-rar em São Paulo, enquanto a famíliapermanecia no Rio. Um companheirode profissão e de partido, Ari Coelho,

que fora editor de Economia do DiárioCarioca e, fechado este, assumira a co-ordenação da edição dos fascículos daEditora Abril, convidou-o para trabalharnum deles, Medicina & Saúde, que a ir-reverência das redações da Abril chama-va de Câncer Ilustrado.

Foi aí que Aristélio iniciou seu lon-go périplo jornalístico, que o levou a di-ferentes Redações, entre as quais Úl-tima Hora, Jornal do Commercio, Placar,O Globo, TV Serra Mar de Nova Fribur-go, onde se radicou em meados dosanos 90 sem deixar de exercer o jorna-lismo: era articulista do jornal A Voz daSerra, o diário local, com o qual cola-borou até às eleições de 2005, quandose candidatou a prefeito pelo PCB eficou em segundo lugar.

Aristélio foi o autor do projeto decriação da revista Placar, ao lado deMaurício Azêdo e Paulo Patarra, quedirigira a revista Realidade e, posto noostracismo, foi designado pela Edito-ra Abril para o cargo de Editor de Pro-jetos Especiais, uma forma de mantê-lo na empresa numa posição de relevo.Posto diante da idéia, Patarra pediu aosdois que elaborassem o projeto da novapublicação, o qual foi ganhando formaao longo dos meses. No começo de1970, Victor Civita deu sinal verde parao lançamento da revista, da qual Mau-rício foi o primeiro editor-chefe. Aris-télio obteve então o que mais queria:a Chefia da Redação de Placar no Riode Janeiro, onde durante vários anosliderou uma equipe que contou, entreoutros, com repórteres como FaustoNeto, Raul Quadros, Teixeira Heizer,o próprio Maurício e os repórteres-fo-tográficos Fernando Pimentel e Igná-cio Ferreira. Foi na função de coman-dante de Placar que, meio a sério, meioa brinca, Aristélio plasmou a expressãoNação Rubro-Negra para definir a tor-cida do Flamengo, clube pelo qual tor-cia apaixonadamente. Não supunha,então, que esta sua criação seria absor-vida como uma realidade até hoje in-separável do clube que amava.

Aristélio morreu no dia 5 de março,na Casa de Saúde São Vicente de Pau-la, na qual ficara internado quatro me-ses, para tratamento de um câncer noesôfago. Sócio da ABI desde 1972, ele foiDiretor Econômico-Financeiro da Casana gestão iniciada em 13 de maio de2004 e renunciou em abril seguinte, emrazão de divergências no seio da Cha-pa Prudente de Morais, pela qual se ele-gera. Aristélio discordou da inclusão naChapa do nome do associado ConradoPereira da Silva e abriu uma dissidênciaem que foi acompanhado pelos direto-res Mílton Temer, Vice-Presidente, eFichel Davit Chargel, Diretor Adminis-trativo. Os três lançaram uma chapa deoposição; derrotados na eleição, ele eseus companheiros renunciaram.

Foi ele quem, meio a sério, meio a brinca, criou e difundiu a expressão agora inseparável da torcida do Flamengo.

Aristélio, o pai da Nação Rubro-Negra

Margaret Moth,a destemida

Margaret Moth,a destemida

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A carreira de Glauco Villas Boas, in-terrompida de forma precoce em 12 demarço, num incidente que culminouem seu assassinato e também do de seufilho, Raoni, começou pelas mãos deum mestre do Jornalismo: José Hamil-ton Ribeiro.

“Em 1976, eu estava dirigindo umjornal em Ribeirão Preto e fiz um arti-go com o título: ‘Glauco Villas Boas,guardem bem esse nome!’ O textoapresentava aos leitores o novo char-gista do jornal, uma pessoa totalmen-te desconhecida, nem era da cidade. Erada pequena Jandaia do Sul, no Paraná.Pois, uns dias antes, após ouvir boasreferências dele como desenhista, Glau-co chegou à minha sala, após atraves-sar a Redação. Era um rapaz entre 17e 18 anos, vestido de forma meio hip-pie, barbicha rala, magrinho e tímido”,recorda o repórter do Globo Rural.

Logo de cara, o iniciante desenhistadisse que gostaria de fazer tiras em qua-drinhos para o jornal. Hamilton argu-mentou que não era o caso, uma vez quea publicação contava com tirinhas mui-to boas, que saíam quase de graça.

“De qualquer forma, pedi para veros seus desenhos. Eram uns traços ru-des, toscos, meio grosseiros — até sujo,vamos dizer. Porém, tinham a força deuma machadada. Ele era capaz, no es-paço mínimo de um quadrinho, de sin-

O TRISTE TRAÇODA DESPEDIDA

POR PAULO CHICO

Colegas de profissão e amigos ressaltam a qualidade do trabalho de Glauco, cartunistada , assassinado em 12 de março. Criador de diversos personagens politicamente

incorretos, com extremo humor afiado, ele fez História no universo das tirinhas.

Ao lado, reprodução da quarta página darevista Geraldão n°3 (abaixo) com Glauco

e seu filho Raoni numa foto de AntonioCarlos Borja. Acima, o primeiro número

da revista que foi lançada em 1987.

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VidasVidas

tetizar uma situação e bater nela, comcrítica e contundência. E, por outro lado,seus quadrinhos carregavam grandeforça de humanidade, de elevação, de es-piritualidade”, diz Hamilton, dandopistas da busca espiritual que, anos maistarde, levaria Glauco a fundar uma co-munidade ligada ao Santo Daime.

Zé Hamilton logo percebeu que es-tava diante de alguém especial, e aco-lheu aquele jovem, que pensava emprestar vestibular para Engenharia, naRedação do Diário da Manhã.

“Disse que a tirinha não daria pra elefazer. E que, se quisesse, poderia fazer acharge da página 3, daquele mesmo dia.Glauco apanhou um pouco no começo– estava acostumado a contar históriasem três quadros. Ali, só dispunha de um.Mas ele foi pegando o jeito e um anodepois ganharia um prêmio no Festivalde Humor de Piracicaba. Era o primeiroreconhecimento e a certeza de que seurumo era aquele mesmo, ser cartunista.Tornou-se, com o passar do tempo, onosso grande Glauco, cuja morte pre-coce, aos 53 anos, ocorrida em Osasco,é uma coisa horrível, difícil de enten-der e aceitar”, lamenta José Hamilton.

Simples, mas sofisticadoEm 1977, Glauco começou a publi-

car suas tiras esporadicamente na Fo-lha de S. Paulo. A partir de 1984, quan-do o jornal dedicou um espaço diárioà nova geração de cartunistas brasilei-ros, ascendeu ao time de artistas fixosda casa. O cartunista é autor de uma

simples e direta de ver as coisas faziamdele um artista bem especial. O senti-mento aqui na Redação ainda é de tris-teza por perder não só um grande talento,mas um amigo, de forma tão inespera-da”, diz Marra, que fala do comporta-mento metódico de Glauco.

“Ele parecia não confiar em e-mail.Diariamente ligava para a Redação edizia para quem quer que o atendessena Editoria de Arte: ‘Faaaala Panga!Confere se chegou minha tirinha...’. Eraassim que ele fazia”.

‘Fala Panga’ nada mais era do queuma gíria utilizada diariamente porGlauco e que deu nome à exposição queentrou em cartaz em 30 de março, naPizza do Babbo, tradicional reduto dedesenhistas, em São Paulo. Nela estãoreunidos trabalhos de 28 artistas, todos

em homenagem ao cartunista. Amigoscomo Chico Caruso.

“Nosso objetivo é recordar o Glaucoatravés de seus colegas e desenhos. Pen-sar um pouco nessa luz que se apagou,e que refletia a genialidade do criador detantos personagens divertidíssimos”,explicou o chargista de O Globo. Emtempo: ‘panga’, como Glauco se referiaefusivamente a todos os colegas ao en-trar na Redação, nada mais era do queo diminutivo carinhoso de ‘pangaré’ ou‘cavalo véio’. Coisas de interiorano.

Em declaração em nome da empre-sa, o Diretor de Redação da Folha de S.Paulo, Otavio Frias Filho, lamentou amorte do cartunista.

“Glauco foi um grande artista e serhumano admirável. Sua obra ficará namemória das gerações que amaramseus desenhos e no traço de muitosartistas jovens que sua imaginaçãoinfluenciou. Era uma pessoa que tinhaa doçura de uma criança e a serenida-de de um sábio. Sua morte e a de seufilho Raoni são motivo de profundatristeza, especialmente na Folha, casaprofissional do cartunista há mais detrês décadas”, dizia o texto, divulgadona manhã de 12 de março.

Xixi na pia dos pincéisO cartunista Orlando, que trabalha

na Folha de S. Paulo desde 1985, é outroque tem boas recordações de Glauco.

“Acho difícil que qualquer pessoa quetenha convivido com ele não tenha al-guma história... Era um tipo interiora-

família de tipos como Geraldão, Geral-dinho, Dona Marta, Zé do Apocalipse eDoy Jorge. Para a estação UOL Humor,criou, em maio de 2000, os personagensFicadinha, adepta do sexo casual, e Ne-tão. Este último, segundo o próprioautor, era ‘um cara metropolitano, deuns 30 anos, que vive internado noapartamento e viaja só pela tela do com-putador’, definiu numa entrevista.

Editor de Arte da Folha de S.Paulo,Fabio Marra ajuda a entender a graçado trabalho de Glauco.

“Esteticamente, seu traço era simplese, ao mesmo tempo, sofisticado e rico emdetalhes e personalidade. O marcante dastirinhas dele era a irreverência e a proxi-midade que ele tinha com os leitores, comaquele estilo de humor muito caracterís-tico e peculiar. O bom humor e a maneira

Ao lado, a primeiracharge de Glauco

publicada na Folha deS.Paulo, em 26 de

março de 1977. Nomesmo ano o

chargista foi premiadono 4° Salão de Humorde Piracicaba (no alto,

à esquerda). No anoseguinte ficou em

3° lugar com o ótimocartum da direita.

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no e se comportava como tal. Tiravasarro, pegava no pé de todo mundo,fazia xixi na pia onde a gente lavava ospincéis... O Glauco serviu de inspiraçãopara os novos e também para os vetera-nos, figuras que, no trabalho dele, enxer-garam uma espécie de autorização pararelaxar em relação ao próprio humor, ese divertirem um pouco mais”, avalia.

Na lembrança do colega, Glauco sur-ge no cenário por volta de 1978, comtraço e humor absolutamente irreveren-tes. Enquanto todos se pautavam pelocombate ao ainda em vigor regime mi-litar, com charges e cartuns pesados eengajados, ele introduz assuntos comofamília, aborto, namoro e casamento.

“Não era que ele fugisse dos temas po-líticos. Pelo contrário. Mas como o tra-balho dele era muito intuitivo, esses as-suntos se misturavam, e o ridículo vi-nha à tona de forma engraçada. Váriostemas por ele abordados foram depoisaprofundados pelo Angeli e Laerte. Jun-tos, eles produziram talvez as melhorescrônicas sobre mudanças de comporta-mento da sociedade brasileira nos anos80 e, principalmente, da sociedade pau-listana”, diz Orlando, que considera que

o traço rápido, a per-sonalidade clow-nesca dos persona-gens e o humor quetrafegava do sacanaao ingênuo fizeramde Glauco um cartu-nista único. Em al-guns dos seus perso-nagens, acredita, ha-via muito do autor.

“Com o Geraldão,ele inaugurou ou re-

cuperou a possibilidade do anti-herói. Opersonagem simpático, carente, irres-ponsável, boa gente. Muito como elepróprio”, diz Orlando. Para ele, o assas-sinato, cometido pelo jovem CarlosEduardo Sundfeld Nunes, que, mesmoenvolvido com drogas, estava sendo aco-lhido por Glauco na comunidade religi-osa, acabou por despertar maior atençãosobre seu talento.

“O trabalho e a genialidade deleganharam evidência. Todo mundopercebeu o quanto aqueles persona-

gado desde o início da noite,todos pensaram que Glaucohavia furado. Depois, na ma-drugada, após as solenidades, osartistas foram se confraternizar.

“Pelas duas ou três horas da ma-nhã chega o Glauco, com suas mo-chilas e bagagens. Disse que tinha pre-ferido vir a pé do aeroporto, pra apre-ciar o caminho. Agora, como descobriuque estávamos naquele bar, eu não sei.Entretanto, depois ele foi sumindo aospoucos, à medida que se aprofundavano Daime. Nem mesmo os amigos maischegados o viam muito. O Glauco es-tava em outra. Acho que ele resolviasuas obrigações com a Folha em poucashoras e cuidava da igreja o resto do tem-po”, acredita Ota.

“O melhor elemento gráfico que elecriou eram aqueles braços e pernas rabis-cados, para dar a impressão de movimen-to. Não sei se foi ele o primeiro a usar essalinguagem, mas foi o que melhor usouo recurso. E também a inovação do pin-

O texto em que José HamiltonRibeiro anteviu a densa trajetória

do cartunista: “Talento ele tem desobra, sensibilidade também. Sóprecisa, como todo artista, de estímuloe campo para expandir seu trabalho”.

“Glauco é ‘boa gente’ a começar dosobrenome: Villas Boas (ele é primo emterceiro grau dos sertanistas Cláudio eOrlando Villas Boas).

Paranaense de Jandaia do Sul,nascido sob o signo de peixes, GlaucoVillas Boas, 19 anos, terceiranista docolegial (Otoniel Mota), é um artistaversátil: compõe, toca com grandesensibilidade violão e guitarra (vaiparticipar do 1º Concerto de MúsicaLivre) e, principalmente – desenha.

Ligado em todas as publicações de

gens fizeram e fazem parte do nossocotidiano. E nós passamos a discutirnão só sua obra, mas a importância doscartunistas e do humor”.

A alma das festasO cartunista Ota também lembra de

Glauco. “Eu o conheci em início decarreira, acho que por volta de 1984,quando ainda trabalhava na R edaçãoda Folha. Havia uma sala da Arte. Às ve-zes, eu visitava o pessoal. Nós nuncatrabalhamos juntos, já que morávamosem cidades diferentes. Nosso contatofoi pouco, porém marcante. Ocorria emeventos e salões de humor. Pessoalmen-te, ele era ainda mais engraçado do quesuas próprias tiras ou cartuns. De cer-ta forma, era a ‘alma’ das festas, poissempre aprontava alguma coisa diver-tida. Parecia um extraterrestre, tinhaum jeito diferente de ver as coisas, umbrilho especial”, descreve.

Certa vez, num salão de humor noPiauí, quando os hóspedes já haviam che-

to de fora nos dese-nhos. Ele fazia aquilode um jeito que não tinhacomo ser censurado. Achoque o Glauco não deixa umseguidor direto, mas muitos cartunistasdas novas gerações captaram de algummodo algo da linguagem dele. Foi umagrande perda, não é? O desenho brasilei-ro está de luto”, resumiu Ota.

Discípulo de HenfilGualberto Costa, à frente da HQMix

Livraria, que funciona na Praça Frank-lin Roosevelt, Centro de São Paulo, éoutro que lamenta a morte do cartunis-ta. “Nós perdemos um dos pilares dageração pós-Pasquim de humoristasgráficos. Um discípulo direto do Hen-fil, com humor anarquista e, ao mes-mo tempo, politizado. Seu legado sem-pre estará presente na republicação desua vasta obra.”

Legítimo representante da turma doPasquim, Ziraldo definiu o episódio doassassinato de Glauco como ‘uma tra-gédia grega e maluca’. “Acho que ago-ra a gente tem que mostrar mais aoBrasil a qualidade do trabalho dele, queé absolutamente genial”, disse Ziraldo.

Também representante da velha guar-da dos cartuns brasileiros, Jaguar é ou-tro que elogia a obra de Glauco e também

seus companheiros de geração.“Ele tinha um trabalho bem

diferente, embora tenha sidobastante influenciado peloHenfil, principalmente nomodo de desenhar pernas ebraços duplicados ou triplica-dos, sugerindo movimento.

Acho que o início de qualquer cartu-nista é sempre assim. Ele se inspiraem alguém que admira, até ganhar

autonomia para vôo próprio, desenvol-vendo seu estilo pessoal. O traço doGlauco era aparentemente grosseiro,mas era extremamente refinado”, afir-ma Jaguar, que prossegue:

“Essa geração mais nova, da qualfazia parte o Glauco, que acabou sen-do vítima de uma barbaridade, é mui-to talentosa. A edição de Los Três Ami-gos, feita por ele com o Angeli e o La-erte, era genial. Esse pessoal mais novoolhava os representantes da minhageração um pouco de lado... Mas deisorte. Eles gostavam de mim. Tantoque mereci uma edição especial de LosTrês Amigos, em minha homenagem, naqual fui desenhado caracterizado demexicano”, diverte-se Jaguar.

Fundador da Circo Editorial, que es-teve em atividade durante a década de1980 e início dos anos 1990, ToninhoMendes lamentou a perda do talentode Glauco, que, assim como muitoscolegas, publicou trabalhos em publi-cações da editora, como Geraldão eChiclete com Banana.

“Com ele morre parte do que esse Paístinha de alegre, respeitoso, diferente eem busca do futuro. A gente trabalhoujuntos na Circo Editorial, por quase dezanos. Eu não consigo acreditar no queaconteceu”, disse Toninho Mendes.

“Prestem atenção neste nome: Glauco Villas Boas”humor e em cartunistas como Ziraldo,Henfil e, naturalmente, Millôr Fernandes,Glauco assimilou a forma de dizer ascoisas, os traços e a sutileza dos gêniosdo cartum brasileiro.

E o resultado não podia ser melhor:com um personagem criado, o ‘ReiMagro’, os cartuns de Glauco denunciam,contestam, falam de sua visão demundo. Isso desde os 12 anos.

Informado, ligado em filosofia oriental,Glauco Villas Boas não faz planos para ofuturo. Terminando o colegial, ele partepara o curso de Engenharia, sabendo deantemão que agora não há ‘campo’ parao seu trabalho.

“Com o diploma na mão vai me sobrarmuito mais tempo para o que eu gosto.Porque parar de desenhar, eu não paro”.

Doy Jorge, Dona Marta, Módulo Lunar, Geraldinho, Casal Neuras, são algunsdos personagens antológicos criados por Glauco, que participou também

da hilariante série Los 3 Amigos, que desenhava com Laerte e Angeli.

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