Jornal Cometa

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Às vezes fico achando que sou uma invenção de vocês. Que eu não existiria se o Cometa não badalasse a minha existência, dando-me verossimilhança, forma, credibilidade. Carlos Drummond de Andrade Desde 1979 $2,00 Duas entrevistas Luiz Saraiva: não há política cultural, Itabira esvaziou o poeta e usa apenas o vulto histórico de CDA para hegemonia de uma política Luiz Nassif: esse ambiente agora da internet, esse conjunto de informações circulando, foi o que eu sempre sonhei pro jornalismo. ... e Beto Vianna: a imaginação fértil e perversa de Veja - Futebol, metáforas e Copa por Clara Arreguy, Carlos Cândido e Ilson Lima - Roni Chira: se Serra fosse eleito ganharia um país que o PSDB jamais sonharia em construir - A morte e a morte de Paul McCartney, segundo HQ de Rafael Senra - Laz Muniz embarca no tsunami nacional de desenhistas MÍDIA e MANIPULAÇÃO

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Jornal em que Drummond escreveu nos 1980. 1979-2010

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Às vezes fico achando que sou uma invenção de vocês. Que eu não existiria se o Cometa não badalasse a minha existência, dando-me verossimilhança, forma, credibilidade. Carlos Drummond de Andrade

Desde1979 $2,00

Duas entrevistasLuiz Saraiva: não há política cultural, Itabira esvaziou o poeta e usa apenas o vulto histórico de CDA para hegemonia de uma política

Luiz Nassif: esse ambiente agora da internet, esse conjunto de informações circulando, foi o que eu sempre sonhei pro jornalismo.

... e Beto Vianna: a imaginação fértil e perversa de Veja - Futebol, metáforas e Copa por Clara Arreguy, Carlos Cândido e Ilson Lima - Roni Chira: se Serra fosse eleito ganharia um país que o PSDB jamais sonharia em construir - A morte e a morte de Paul McCartney, segundo HQ de Rafael Senra - Laz Muniz embarca no tsunami nacional de desenhistas

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EDITORIAL

BH se aproxima de Itabira

Claro, não dá para comparar. Nem na proporcionali-dade. Mas desde que a Secretaria virou Fundação de Cultura, sob o argumento básico de que tornaria mais ágil a gestão cultural belorizontina, que se vê

a cultura oficial perder força e a política cultural sob o manto da irrelevância se afundar.

Isto foi bem antes de a PBH proibir eventos de qualquer na-tureza, menos quando tem cocacola, na Praça da Estação: único espaço público central da cidade. Depois voltou atrás e passou a cobrar. Nunca foi visto como vitória do movimento Praia da Esta-ção. Afinal, as dificuldades se ampliaram. E até o FIT quase não acontece.

A praça virou mercadoria. A Fundação devolveu milhões em 2009 para o MinC, por falta de projeto. De política, entende-se.

Dias desses o jornal O Tempo publicou matéria sobre o as-sunto Praça/Praia. Basta o argumento do secretário da Regional Centro Sul, Fernando Cabral (nos lembramos dele no passado, no movimento dos professores, na criação da UTE) para entender-mos a filosofia municipal:

“É claro que não tem sentido a gente tomar uma praça para um grupo de teatro, lá não é um local adequado a isso. Porque no teatro as pessoas têm que escutar o que está sendo dito.” – Como

é mesmo, professor?Ou: “temos que definir qual é o papel do governo. Não pode-

mos abrir mão do papel de governar. Aqui não é uma democracia grega de criar assembleia em praça pública e decidir os destinos da cidade. Temos obrigação de zelar pelo patrimônio público, um espaço tombado que vinha sendo depredado”.

Ou seja, democracia participativa nunca. Isso é coisa de. De quê mesmo?!?

Não há quem aprove tais assertivas. A Praia Livre da Estação ainda não acabou. O movimento parece estar se renovando. Pre-cisa mesmo permanecer atento e lógico: muito maior que a praça é a cultura em toda Belo Horizonte.

Oquei, lá em Itabira faz tempos que há um marasmo. Nem o Festival de Inverno, o segundo mais antigo de Minas se segura na tradição. É pequeno e interno. E mesmo interno é frágil. Tem lá agora um movimento surgindo, fará até passeata no fim do mês.

O problema lá é o mesmo: falta uma política cultural que per-maneça. Nos últimos tempos passaram a usar o poeta CDA como ponto para tudo. Tantos são os equipamentos criados com o nome e por Drummond, quanto são as falhas e ausências de conteúdo drummondianos. O Itabirano não conhece Drummond. Sabe-se de um poeta que nasceu e cantou sua terra. E mais nada.

Há um vazio cultural em Belo Horizonte que se parece com Itabira. E dói. Como dói.

AO COMETAAO COMETASERRA, O JUSTOMano Brow do Racionais MCs disse o seguinte: “precisamos continuar a politica que tivemos nesses oito anos de Lula. O Serra seria uma ca-tástrofe. Se ele tiver com um sanduiche na mão e ao seu lado uma criancinha pobre e magra e outra gordinha e rica ele joga o sanduiche para cima, para quem pegar primeiro. Esse é o tipo de justiça que ele faz. Não espere mais nada dele”. Não é preciso dizer mais nada. A síntese bem humorada do Mano Brow diz tudo. Erivaldo de Souza (Belo Horizonte/MG)

ITABIRAEm Itabira a gente já não sabe mais o que fazer. Os jornalãozinhos da cidades e os sites, portais de notícias vagas e acríticos, para dizer o menos, não nos informam de nada relevante. Não fa-zem jornalismo. Mas como a internet é fenôme-no mundial, e Itabira faz parte do mundão besta, blogs proliferam por aqui. Alguns poucos deles são mais consistentes, analíticos, críticos cons-tantes, é verdade. Mas se as mídias apoiadoras de qualquer governo eleito se cala, a única forma de saber o que se passa na cidade são esses blogs. Além da mesa de bar. Filhos do Cauê é um exem-plo, mas o furacão blog do Zanon também é. Aline Cerqueira Santos (Itabira/MG)

OS IGUAIS DO FBO facebook virou onda nacional, não tanto como twitter nem chega perto do Orkut em

número. Mas tem uma dinâmica melhor que a do Orkut. Mas quem está lá parece ser, pelo menos no Brasil e por observações empíricas, gente mais velha. Tipo acima dos 30 até os 70. É uma brincadeira que poder conter boas in-formações e até, claro, em tempos eleitorais, os trolls e outros bichos internéticos que pagos ou não pela oposição, vivem destruindo Lula e seu governo e Dilma sua capacidade. Atacam de todas as maneiras a “terrorista”. Se alguém vai e comenta com posição diferente não acei-tam, deletam o post. Ou seja, os iguais falando para os mesmos. Pior é que devem ser pagos para tais aberrações. Antonio de Faria (Brasília/DF)

Conselho Editorial: Carlos Alenquer, Ilson Lima, Beto Vianna, Cau Gomez, Angelo Campos, Marcelo Procopio (editor)Diretor de arte: Angelo CamposDiagramação:dz7 designCharge e ilustração: Lute, Genin, Cau GomezFotografia: Roneijober Andrade,Marcelo RosaSecretária: Flávia Guerra

Colaboradores: Aline Dacar, Heloisa Bizoca Greco, Marcelo Dolabela, Nei Lima, Wagner Passos, Paulinho Saturnino Figueiredo, Marcelo de Freitas, Rogério Perez, Eneida Costa, Luís Carlos Bernardes, Sylvio de Podestá, J. Bosco, João Carlos Firpe Penna, Pablo Gobira, Otaviano Lage, Lucas Ferraz, Mario Pontes, Arthur Vianna, Cristina Silveira, Fernando Grossi, Casso, Waldez, Melado, Alecrim, Amorim, Priscilla de La Rocque, Bira, Jorge Barreto, Nilson, Mario Vale, Affonso Romano de Sant’Anna, Rodrigo Merheb, Alexandre Pimentel, Carlos Alberto Cândido, Sulamita EsteliamCorrespondentes: Marcelo Paganini (Paris), Diogo Lopes (Barcelona), António Eloy (Lisboa), Marco Antônio Moreira (Boston)

Redação e Administração: Rua Panamá 100, s/12 - Sion - Belo Horizonte/MGCep: 30320.120 - Fone: 31.3286.2629e-mail: [email protected]

cometa editora12 de junho de 2010 | Edição 342

A CAPA DE CAU GOMEZ

O artista gráfico, plástico, etc, etc, Cau Go-mez, colaborador deste Cometa desde 1990, venceu mais um salão. Agora em Istambul, Turquia. Ganhou o Success Award of Dogan International Cartoon Competition. Segundo Cau, sua obra é um alerta para o momento em que estamos vivendo, com a grande mí-dia deformando notícias e realidades em fun-ção de seus compromissos ideológicos e não jornalísticos. A gente precisa processar cada informação publicada para saber onde está a verdade e saber como decodificá-la.Quem não sabe, como a ingênua senhorinha do cartum, tem uma visão de mundo com os olhos de quem os manipula. (O Cometa)

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BEtO VIANNA

Em João 20:24-25, são tomé é apresentado ao Cristo revivo e duvida: “Se eu não vir o sinal dos pregos nas mãos dele ... não vou crer!”. Esse ato do apóstolo tipifica a chamada visão de mundo naturalista, nunca vista com bons olhos nos círculos da fé cristã mas cheia de adeptos em nossos tempos mais céticos. Tomé, no fim das contas, se redime, conquistando inclusive o epíteto de “o Crente” junto à cristandade. Uma nova versão do tradicional ver-pra-crer tem sido praticada com entusiasmo cada vez maior pela grande mídia e seus espectadores, e não é apresentada pelo Jack Palance. Nessa nova versão, o ato de ver (ou ler, ou ouvir, dependendo da mídia) exige a crença automá-tica no visto ou no lido. A ironia é que, se o que reprovamos em são tomé é a falta de fé, o pecado da nova versão é o excesso. Ou a falta de visão crítica, o que dá rigorosamente no mesmo.

Mire-se no exemplo do nossa mais badalada revista sema-nal - hebdomadário, como se gostava de dizer no Pasquim - que atende pelo apropriado nome de Veja. A revista bateu todos os recordes de neo-sãotomeísmo em sua matéria especial “A far-ra da antropologia oportunista” (edição 2163, de 05/05/2010). Não é pedir demais ver com os próprios olhos um trecho logo no início da matéria que, pode crer, diz exatamente o seguinte:

Áreas de preservação ecológica, reservas indígenas e supos-tos antigos quilombos abarcam, hoje, 77,6% da extensão do Brasil. Se a conta incluir também os assentamentos de reforma agrária, as cidades, os portos, as estradas e outras obras de infraestrutura, o total alcança 90,6% do território nacional. Ou seja, as próximas gerações terão de se con-tentar em ocupar uma porção do tamanho de São Paulo e Minas Gerais.

O texto não deixa espaço para a dúvida. Apresenta como um fato bruto, legitimado em precisos percentuais, a assombrosa notícia de que índios, quilombolas e agricultores sem-terra (que pensávamos ser a porção marginalizada do Brasil), somados à cobertura de mata virgem cada vez mais reduzida (não me pergunte como “obras de infraestrutura” entra na conta), tomaram conta do país, numa revolução silenciosa de épicas proporções. 90,6%! tudo aquilo que aprendemos e sabemos sobre o desaparecimento das nossas florestas, sobre a saga de negros fugidos pro mato, pra ser gente, longe das compulsões da cangalha, tudo o que sabe-mos da histórica desigualdade fundiária brasileira, fartura de uns, fome de tantos, e, o que é mais central para este artigo, tudo o que sabemos sobre 500 anos de massacres, subjuga-ções e humilhações dos índios no Brasil, é pura ilusão. Ou ao menos são águas passadas. Agora, devemos crer que os verdadeiros brasileiros estão acuados, à beira de serem ex-pulsos pela massa de deserdados e pela indiada ressurgida das cinzas.

A matéria segue dando asas a uma imaginação tão fértil quanto perversa. Beckett e Ionesco eram, pelo menos, geniais. Nem de longe é o caso aqui. A desinformação descarada, alia-da a um racismo de butiquim, depõe contra a inteligência não só do leitor mas dos bois-de-piranha recrutados pela Veja para assinar essa peça desteatral (o teatro, ao contrário do que diz um dos subtítulos a matéria - ver logo adiante -, não é atividade

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A farra do hebdomadário ilusionista.

para mentirosos, muito menos para mentirosos burros). Numa redação (digamos) ousada, o texto desfila subtítulos que em mi-nha terra seriam considerados maximamente preconceituosos, e em outras terras passíveis de pena máxima: “Os novos cani-bais”, “Macumbeiros de cocar”, “teatrinho na praia” (índios fantasiando-se de índios!), “Made in Paraguai”, “Os carambo-las” (os tais “supostos” quilombolas). Não há o que comentar. O visto fala por si.

Esses subtítulos, além de tudo o que são e não são em si mesmos, vêm acompanhados de fotos individualizando e ridi-cularizando seus alvos. E subtitulam desinfográficos, cujo teor deveria, até pros incautos, desmascarar o que está na cara. Volto a citar da fonte, que é mais divertido (mas só 3, pra não cansar):

Beneficiados: 47 famílias declarados borarisImpacto: expulsa da área 250 famílias que não se declaram boraris e empresas que absorvem 800 pessoas.Beneficiados: 50 famílias declaradas guaranisImpacto: impediu a construção de um porto de 6 bilhões de reaisBeneficiados: 153 famílias quilombolasImpacto: desapropria oito fazendas e uma olaria, causando um prejuízo de 2,5 milhões de reais a microempresários.

Entremos na dança de crer que as informações procedem, no jogo da ressignificação das palavras. “Beneficiados” vira van-tagem espúria, como se se tratasse daquelas poucas vetustas fa-mílias que, declaradas brasileiras ou não, engoliram boa parte da terra brasilis sob amparo oficial e cartorial. “Declarado” vira “mentido”, “falsificado”, como um uísque de má procedência. Só quem não se declara índio é, na falta da declaração, gente de bem. “Impacto” pega carona no campo semântico do desastre (como em “impacto ambiental”, o inverso do relatado!) e mos-tra o estrago (o “prejuízo”, sic) causado por índios e quilombolas à natureza da civilização. Pobres milhões, bilhões de reais. Po-bres empresas, pobres portos e investimentos. Pode-se ouvir o clamor: removam as barreiras! Eliminem. Limpem.

A Veja se superou ao multiplicar neo-sãotomeísmos numa matéria só, cada um com endereço certo de consu-mo acrítico por parte de seus leitores (ou devíamos chamar credores?). Cada um é gravíssimo em si mesmo e dois vou só mencionar. Primeiro, a matéria joga no lixo um fundamento

da prática jornalística, que é tratar fatos e pessoas reportadas como algo mais do que objetos de manipulação discursiva. Não creio em isenção total, nem em imparcialidade. Mas jornalismo tem um pé no mundo das factualidades - a fonte, como se diz -, mesmo quando assume uma causa, mesmo quando vira propaganda. Pergunte ao Goebbels. Em segundo lugar, a matéria é irresponsável em um de seus alvos, a tal “indústria da demarcação” que finge denunciar. Ao dizer que o processo demarcatório enche de dinheiro o bolso de antro-pólogos e índios, desrespeita covardemente toda uma classe profissional (os antropólogos, está claro) fazendo, ao mesmo tempo, a defesa velada dos interesses mais predatórios, que avançam sobre gentes e terras desde que somos Brasil (se minhas palavras não inspiram a crença, busque os dados do Incra no Google. Procure, por exemplo, “maiores latifundi-ários do Brasil”). Os antropólogos, e muitos outros grupos atingidos ou solidários aos atingidos, já se pronunciaram e protestaram, e deixo com eles, que são mais qualificados, a palavra sobre o assunto. Busque lá no Google, por favor.

tudo isso é muito sério mas quero frisar uma terceira ques-tão. Crer à primeira vista só é possível quando a mídia mostra o que queremos ver. Infelizmente, a Veja funciona muito bem para dar vasão (além de visão) aos sentimentos de uma parte da sociedade brasileira que é, basicamente, racista e reacionária. E índio é uma categoria especialmente suscetível de virar alvo desse “racismo de princípios”. A razão é que, por mais miserá-veis e desarmados de suas culturas pelas frentes de civilização, por mais massacrados e humilhados, o índio sempre continuou sendo índio. E isso nós não engolimos. Nos roemos de raiva com a insistência do índio em ser índio. Quase todos os povos que fizeram o Brasil, como os muitos povos da África, da Europa portuguesa e depois italiana, alemã, e até do Japão e do Oriente Médio (há algo mais brasileiro que um libanês?), todos, bem ou mal, se abrasileiraram, mesmo trazendo consigo suas culturas para engrossar o caldo comum. O índio não. Se já houve um ex-índio, é aquele que, filho de pai europeu e identificado com ele, guiou a mão do resto dos povos mata adentro para “fazer o Brasil”. Darcy Ribeiro (a quem costumo ler e costumo crer), costumava dizer que índio não vira não-índio. Que aquele índio de algum modo sobrevivente ao rolo-compressor civilizatório é “índio específico”, dono da própria cultura, da própria língua, do próprio corpo, de si mesmo. Que para os demais, os ditos acul-turados, não há assimilação, e que a dita integração não é uma meta a se atingir mas uma realidade compulsória a se viver, em muitos casos deprimente e até fatal. Desarmado de sua cultura, de sua língua original, o índio integrado vira “índio genérico”, forçado a viver à margem de uma sociedade brasileira astrono-micamente maior e envolvente. E ainda assim permanece índio, chamado e se chamando de índio.

Ao ridicularizar a indiada, a matéria da Veja nos dá o meio de revidar, de lavar nosso racismo tipicamente brasileiro, esse que não aceita a não-amalgamação, que não aceita a impermea-bilidade à fusão estampada na resoluta identidade do índio. Veja cumpre a tarefa de limpar em nós essa estrebaria de Áugias, essa impaciência odienta, invejosa, racista afinal, ao inventar uma figura de escárnio, mais fácil de rejeitar por que é ela que é suja, é ela que é errada, é ela que é falsa. Acredite quem quiser.

*http://bio-linguagem.blogspot.com/

USE VEJA PARA LIMPEZA ÉTNICA PESADA

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A televisão anuncia, na sua contagem regressiva: faltam dois dias para a Copa do Mundo! Mas o entusiasmo não me contagia. Há muito perdi a inocência, a última Copa em que torci foi a de 82. Talvez tenha sido assim para toda a minha geração. A última eleição na qual votei foi a de 89. No entan-to, eleito em 2002, Lula faz o melhor governo que conheci e o Brasil tem um conceito que nunca teve. Também no futebol: em 94 e 2002, a seleção voltou a vencer, depois da brilhante geração de 82, tivemos o talento fenomenal de Romário e Ro-naldo, com a vantagem de trazerem o caneco.

Mas, 94, francamente, ganhar nos pênaltis... Minha gera-ção se dividiu, muitos acharam que valeu, muitos consideram romântico exaltar a Seleção de Telê. Tiro a razão dessa histó-ria, falo com o coração: em 94, durante a disputa de pênaltis, eu batia papo com amigos. As últimas imagens de uma Copa do Mundo que meu coração guardou são mesmo as de 82. Depois, só o feito de um time ou outro, como a Coreia contra a Itália, em 2002, não do Brasil. A Copa virá, verei muitos jogos, mais, se algum time despertar simpatia, menos, se for tudo igual, marcação, aplicação tática e gols de bola parada, mas não é mais a pátria de chuteiras.

Nem a Copa é mais a mesma, embora, em alguns aspectos seja até melhor, como os benefícios sociais que traz essa atenção toda voltada para o mesmo assunto. Não se pode menosprezar a importância do esporte, em especial do futebol, para a confra-ternização mundial, pela identidade que cria entre os seres hu-manos de todo o planeta e pelo espaço que cria para campanhas humanitárias. Nesse sentido, o futebol é a própria globalização.

A Copa do Mundo não é mais a Copa do Mundo, sim-plesmente, agora é a Copa da Fifa. Ganhou marca e a marca movimenta muito dinheiro. Dinheiro, digamos, razoável, pela organização do torneio, mas também dinheiro espúrio, como o da corrupção nas obras para que o país seja sede do even-to. Dinheiro a rodo, com licenciamento de todo tipo, como o álbum de figurinhas único para o mundo inteiro. Dinheiro de publicidade: não à toa a seleção fez amistoso na Tanzânia, não foi apenas para que alguns jogadores manifestassem sua arrogância com os adversários africanos, empurrando-os, xin-gando-os, enfiando o dedo no seu nariz, a cada jogada ríspida, fato a que estão mais que acostumados, nesse futebol violento de marcação que se pratica hoje. Aquele amistoso, via-se nas placas de publicidade que contornavam o gramado, todas de empresas (multinacionais) brasileiras, era para a CBF ganhar mais uns trocados.

A Copa do Mundo é um grande negócio e o nome do jogo é dinheiro, não fairplay, como alardeia a Fifa. Dinheiro para a Fifa, dinheiro para a CBF e todas as confederações, dinheiro para a televisão, dinheiro para os anunciantes, dinheiro para

fabricantes de material esportivo, dinheiro para turismo, di-nheiro para empresários de jogadores, dinheiro até mesmo para jogadores...

É emblemático o tumulto que aconteceu no amistoso entre Nigéria e Coreia do Norte no domingo que precedeu o co-meço da competição, motivado pela distribuição de ingressos grátis: o povo sul-africano, como reconheceu o canal SporTV, da Globo, pouco dada a preocupações sociais, não verá os jogos da Copa, a não ser pela tevê, como todo o mundo. Os ingressos são caríssimos, o esporte mais popular do mundo não é para o povo...

Na Copa do Mundo, como em tudo mais, a contradição do capitalismo se instala, nada é o que é, nada é pelo que vale, tudo tem outro interesse por trás, o interesse do lucro. O fute-bol não se tornou “eficiente”, como em 94, porque jogar boni-to, como em 82, leva à derrota, mas porque a derrota significa perder dinheiro. Perder faz parte do jogo – perder dinheiro, não. O futebol brasileiro é uma máquina de fazer dinheiro, não pode deixar a Copa precocemente. Esta é a única lógica.

O time de Dunga é um time “vencedor”, sua intenção é vencer, jogando da forma como for preciso, ganhando nos pê-naltis, se for o caso, jogando o futebol dos gringos, se assim é mais eficiente. E os jogadores também são também gringos – vai longe a época em que o esquadrão brasileiro saía do Brasil, hoje, eles chegam ao Brasil para vestir a camisa da “seleção”. A legião estrangeira às avessas – temos tantos craques que até cedemos alguns para os adversários, como Portugal, que jogará com três brasileiros – não pode ser identificada com o país, pois não vemos tais atletas jogar, e mal conhecemos muitos deles. Vemos e nos encantamos com Neymar, Ganso e companhia, os quais seriam verdadeiros representantes do futebol brasileiro hoje, numa disputa internacional, mas não é isso que interessa Dunga e seus patrões.

Em junho e julho de 2010 veremos, mais uma vez, um torneio esportivo, o maior de todos, disputado pelos melhores jogadores que atuam na Europa, em diversos países, em inú-meros clubes. Um evento mundial, que favorece a confrater-nização entre os seres humanos de todo o planeta. Um grande entretenimento, maior que todos os filmes de Hollywood ou qualquer show pop. Sobretudo, um grande negócio, um dos maiores senão o maior negócio do mundo. Mas não a seleção brasileira, não a seleção pela qual os brasileiros torcem, não mais a pátria de chuteiras.

*Carlos Alberto Cândido jogou futebol como todo menino brasileiro, cobriu jogos e clubes, como quase todo jornalista, e se emocionou vendo atuar craques como Pelé, Tostão, Rei-naldo, Éder, Cerezzo, Sócrates, Falcão e Neymar.

CARLOS ALBERtO CâNDIDO

A pátria sem chuteiras.

Fotos: Eugenio Savio

COPA DO MUNDO SE TORNOU UM GRANDE NEGóCIO INTERNACIONAL, COM ESPAçO PARA CONFRATERNIZAçãO, CAMPANHAS HUMANITáRIAS E ATÉ, àS VEZES, UM POUCO DE FUTEBOL

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Quando recebi do Marcelo Procópio o convite para escrever aqui no Cometa Itabirano, fiquei feliz, principalmente por acompanhar o jornal desde o iní-cio, com momentos de encontro e desencontro dados pelos desrumos da vida. Reencontramo-nos recente-mente – eu e Marcelo, eu e o Cometa –, reunidos pelo fenômeno das redes sociais que facilitam-nos reviver amizades e afinidades de décadas, afastadas ora pelas razões mais prosaicas, ora pelas mais trágicas.

O segundo motivo que me deu alegria foi termos marcado a entrega da crônica para depois do jogo de estreia do Brasil na Copa do Mundo. É que – não é segredo para ninguém – sou apaixonada por fute-bol, a ponto de ter escrito um romance sobre isso, o Segunda Divisão, e época de Copa do Mundo deixa todo mundo mais brasileiro, mais dado a congraça-mentos patrióticos, a roupas amarelas sem medo da

moda ou do ridículo.Ontem, enquanto assistia à vitória canarinho so-

bre os norte-coreanos, minhas imagens vinham com delay devido ao fato de chegarem via satélite. A TV aberta estava pouquíssimos segundos à frente da transmissão que recebíamos, de modo que, nos dois gols do Brasil, ouvimos lá em casa a vibração de toda a vizinhança um pouco antes de a bola efetivamente beijar as redes.

O delay nos fez rir do inusitado da cena: a gen-te tenso, sem saber no que acabaria a jogada, e ao mesmo tempo feliz de antemão, tendo certeza de que aquilo ali eram favas contadas: tudo daria certo. O povo brasileiro já vibrava, gritava, soava suas vuvu-zelas, enquanto em nós a centelha de temor se dissi-pava ao som do mundo verde-amarelo.

Aquele delay me deixou uma sensação estranha: parecia um flash forward, metáfora do que está por vir em nosso país nos próximos meses, quando as definições sobre o futuro político se colocam mais

uma vez nas pontas dos dedos da população. Embora por um lado inevitavelmente apreensiva, por outro já posso ouvir a vibração apaixonada da torcida.

O povo brasileiro tem dado seguidas mostras do que quer, dos caminhos que aprova e desaprova no Brasil em que ama viver, inclusivo, democrático, ru-mos pelos quais lutamos, tantas gerações, há tanto tempo.

O aprofundamento da construção de uma nação com esse perfil segue uma rota inexorável e sem volta. Sem temer a metáfora futebolística que tanto desagrada os críticos, é um jogo que os brasileiros dominam e que, tal qual na Copa do Mundo, une di-ferentes, distantes, desiguais. Num imenso coro de vuvuzelas verde-amarelas.

*Jornalista e escritora, publicou Segunda Divi-são (Editora Lamparina), Fafich (Conceito Comu-nicação) e Tempo Seco (Geração Editorial): www.clara-arreguy.com

Como disse Tostão sobre os 23 convocados para a seleção, reproduzindo frase de Millor: “coerência é falta de uma idéia melhor”

A seleção brasileira iniciou a Copa do Mundo como de outras vezes, jogando um futebol sem ne-nhuma emoção, um futebol apenas esforçado, mas medroso, sem nenhuma ousadia. As justificativas de que o primeiro jogo é sempre assim, em que a ansie-dade toma conta dos jogadores, que o importante é ganhar, não convencem uma boa parte do torcedor brasileiro, que tem o direito de ser exigente e criticar uma seleção que se espelha no que de pior foi produ-zido no futebol mundial, que é a falácia do futebol de resultados. Dunga é um praticante, um defensor dessa tese, e a pratica com a faca nos dentes.

O que o Brasil jogou contra a Coreia do Norte, e não estamos nos detento ao magro placar de 2 a 1, é muito pouco pra quem se arvora como o melhor fute-bol do mundo, pentacampeão, ao qual há muitos não vem fazendo jus. Esta seleção pode até ganhar a Copa do Mundo, já que nem sempre a arte vence a mesmi-ce, mas é aquele negócio, vence mas não convence. Vence mas jamais será lembrada como uma seleção importante na história das Copas do Mundo.

E mais, o técnico Dunga, que não é o melhor técni-

co nem do Brasil, aumentou a sua arrogância ao chegar na áfrica do Sul. Já na primeira coletiva, com cerca de 350 jornalistas, ganhou a antipatia dos jornalistas do mundo pela forma como se dirigiu a todos, abrindo um confronto desnecessário e pouco inteligente.

O autoritarismo de Dunga está explícito na forma de jogar da seleção, com um meio de campo sem bri-lho algum e um ataque que não mostrou nada, pelo menos no primeiro jogo. A estultice de Dunga em não convocar Ronaldinho Gaúcho, Ganso e Neymar só pode ser explicada pelo seu ranço pessoal de manter uma tola coerência. Como disse o mestre Tostão em coluna recente sobre os 23 convocados para a seleção brasileira, reproduzindo uma frase de Millor Fernan-des: “coerência é falta de uma idéia melhor”.

Dunga deu a deixa pra nós que amamos o futebol como arte achar que ele não convocou esses jogado-res por mera questão pessoal, coisa que somente as ciências que estudam o comportamento e a mente do ser humano podem explicar. No caso de Ronaldinho Gaúcho arrisco a dizer que ele não o convocou por vingança, por ter sido obrigado a convocá-lo logo que assumiu a seleção, por uma decisão da direção da CBF, ou seja de Ricardo Teixeira. Realmente, Ro-naldinho, na época não estava merecendo ser convo-cado, tinha caído vertiginosamente de produção, mas não é o caso agora, quando vêm realizando boas par-

tidas, ainda que esteja longe de ser o Ronaldinho do Barcelona.

No caso de Neymar e Ganso arrisco também que eles não foram convocados porque Dunga quis mos-trar seu poder e contrariar a maioria do povo brasilei-ro e principalmente contrariar a mídia nacional.

Sua prática autoritária se estende aos treinos fe-chados e secretos, como se isso fosse acrescentar al-guma coisa à seleção brasileira, e a seus comandados jogadores, e auxiliares, como Jorginho e outros. O as-sessor de imprensa da CBF, Rodrigo Paiva, perdeu a função nessa Copa, já que tudo é transmitido à mídia por Dunga ou por quem ele mandar.

Dunga é um retrocesso psíquico-patológico, apontado pelo grande Nélson Rodrigues há mais de 50 anos, quando disse que o escrete brasileiro só se tornaria um dos maiores do mundo, como ainda é hoje, se superasse o seu complexo de vira-latas, ou seja, quando encarasse de igual pra igual as seleções estrangeiras.

Complexado que é, Dunga tem que se revelar pelo exercício autoritário do poder, mandando e desman-dando, negando-se ao diálogo sincero com o povo brasileiro, por intermédio da imprensa, por exemplo, fazendo a seleção brasileira retroceder no tempo, a negar aquilo que ela conquistou com o tempo, mos-trando sua arte e sua graça.

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O delay e a metáfora futebolística.

Dunga e seus complexos.

CLARA ARREGUy

BRASíLIA

ILSON LIMA

Page 6: Jornal Cometa

Nós organizamos o Brasilianas, inclusive por bloco temático, de tal maneira que as pessoas colaboram. Se você pegar o meu blog, e o Portal, o lema é: construção do conhecimento. Já tem um tempo que tá todo mundo ali construindo conhecimento.

06

No final de abril, entre ofertas de estágio, recebi um email do Colegiado de Comunicação da UFMG infor-mando sobre a palestra que o jornalista Luis Nassif daria na Faculdade de Ciências Econômicas. Finalmente um email que não fazia eu me sentir uma desempregada inú-til. E eu me lembrava muito bem do quanto gostei de sua aparição anterior na universidade, quando se juntou ao colega Venício de Lima (Observatório da Imprensa) no seminário Jornalismo Independente – Liberdade de Expressão, Direito à Informação e Democracia no Brasil. Não hesitei, fui logo marcando a data na minha agenda. Nassif se tornou meu modelo do profissional de mídia. Penso que você, leitor do Cometa, entende bem o porquê.

A palestra aconteceu em 1º. de junho, no auditório da FACE, e contou com a presença de professores, alguns assessores de imprensa e parcos alunos. Nassif tratou de assuntos como: jornalismo do futuro, velha mídia, elei-ções, twitter, as mudanças implicadas na mídia com a internet, o caso Reuters e BBC, a sua briga com a Veja, economia, o blog da Petrobras e seu próprio blog.

Solícito como sempre, finalizou respondendo espec-tadores. A minha era uma só: seria possível eu conse-guir uma entrevista pro Cometa? Então aguardei o en-cerramento e fui cumprimentá-lo.

Quando cheguei perto, uma aluna argentina lhe pedia um autógrafo. Confesso que fiz o mesmo no ano passado e fiquei aliviada por não ser sua única tiete em Belo Hori-zonte. Parabenizei a palestra, seu blog e fui direto ao pon-to: o senhor pode me conceder uma entrevista? A mulher ao seu lado me respondeu que não havia tempo. Insisti que podia ser pequena, e que podia ser em outro dia. E como bem me ensinou minha mãe: quem não chora não mama,

ALINE DACAR

Um dia na cola de Luis Nassif .

garanti meu leite. Fui convidada para ir acompanhar as gravações que ele faria na TV UFMG no dia seguinte.

Depois de uma longa busca por um gravador con-fiável no meu círculo de amigos, me equipei com meu bloquinho e minhas melhores canetas e madruguei na faculdade. ás nove horas cravadas, Nassif atravessou o pátio da reitoria arrastando sua bagagem. Engoli numa só mordida o resto do meu pão de queijo e corri equilibran-do meu moccacino nas mãos até conseguir alcançá-lo. É que ele estava indo na direção errada, o estúdio da TV fica dentro da Reitoria. Me agradeceu com a mesma sim-patia de sempre, acho que sem mesmo ter idéia de que era eu a menina insistente do dia anterior, e corrigiu sua rota.

A caixa do bandolim que levava consigo confirmava o que tinha se passado na noite anterior: participara de uma roda de viola na casa de um primo. Quem acompanha o www.luisnassif.com.br sabe bem que ele é aficionado por música, principalmente brasileira e das antigas. Diariamen-te somos contemplados com um vídeo ou mais de alguma performance rara, quase sempre de um músico brasileiro, num post do seu blog. Seus gêneros favoritos são choro, sambas de morro, samba sincopado, frevo, maracatu, Bossa nova, MPB erudito brasileiro (Villa, Mignone), repertório de violão clássico e popular. O único rock que gosta é o do Raimundos, para me provar que todo mundo tem defeitos.

As gravações que faria em parceria com a TV UFMG, motivo principal de sua vinda à cidade, eram para o seu por-tal que estava sendo lançado naquela semana: o Brasiliana.org. Criado para discutir políticas públicas, o Brasilianas é uma comunidade virtual, que busca parcerias para colocá-lo de pé. Sua intenção é agrupar conhecimento com a co-laboração dos membros, a grande maioria é leitor assíduo do blog do jornalista. Vale ressaltar que a página de Nassif na internet obtém mais de quarenta mil acessos únicos di-ários, e o dobro disso em cliques únicos. Essa colaboração proposta pelo Brasilianas acontece através do compartilha-mento de informação nos mais diversos formatos: vídeo, áudio, texto ou arquivo upado na página de cada membro. O conteúdo passa por um filtro antes de ser divulgado.

No roteiro de Nassif havia três programas: Projeto Ge-noma, Amazônia e Políticas Públicas. Em cada um deles, o blogueiro fez as vezes de mediador e contou com a pre-sença de três profissionais das respectivas áreas, como pro-

fessores da UFMG. Conduziu com uma destreza invejável todos os programas (Digo invejável porque tenho taquicar-dia só de ser obrigada a falar uma pergunta no microfone de uma palestra, como havia acontecido no dia anterior.)

Enquanto preparavam o estúdio e os convidados para a gravação, muito papo se desenrolava entre os presentes, até o momento que alguém tocava no tema do programa. Aí Nassif interrompia, gentilmente preocupado: “Guarda pro programa!” Tendo experiência em rodas de discussão na TV, o jornalista explica que quando falamos algo fora do ar, nos intervalos, evitamos repeti-lo durante a grava-ção, e aí o espectador perde informações valiosas.

Eu sentada num canto do estúdio, esperava que em al-gum momento do dia eu conseguisse um pouco do tempo de Nassif para que ele respondesse pelo menos algumas das minhas inúmeras perguntas. Marina Vieira, âncora da TV UFMG, também assistia à gravação, acompanhada de um cinegrafista. Quando ela foi entrevistar Nassif, não perdi tempo e liguei meu gravador. Se não conseguisse alguma exclusiva, pelo menos não sairia dali de mãos abanando.

A eficiência de todos ali, fizeram das gravações algo leve e descontraído, sem perder a qualidade. Confesso que pensei que ficaria entediada com os temas abordados, mas aconteceu bem o contrário. Nos intervalos, o clima era tão bom quanto no ar.Eu passava a admirá-lo não mais apenas como profissional, mas como pessoa.

Num intervalo, quando falava sobre sua família, Nassif compartilhou sua dúvida acerca de um pássaro que nunca havia visto antes: a calopsita. Suas filhas, uma de doze e uma de dez anos de idade, haviam visto uma ave dessas cantar Aquarela do Brasil num vídeo da web e estavam encantadas. O jornalista tem outras duas filhas adultas.

Quando eu já começava a pensar que não teria a opor-tunidade de conversar com o jornalista, a luz veio através da Marina, que me convidou para almoçar com ele no Me-zanino, o melhor restaurante da UFMG. Permaneci senta-da exibindo todos os meus vinte e oito dentes num sorriso sem fim, até o fim das gravações da manhã.

Não pense que o melhor restaurante da UFMG, o Meza-nino, serve a La carte ou aceita cartão de crédito. É tão sim-ples quanto todos os outros, seu diferencial está mesmo nos vitrais que adornam as janelas, e na qualidade da comida.

Para completar o cenário, acontecia ali na Praça de Servi-ços o tradicional “Quarta Doze e trinta”, projeto desenvolvido pela Diretoria de Ação Cultural (DAC) e pela Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) da UFMG. Nele se apre-sentam semanalmente peças de teatro, dança, música e poesia.

Era quase uma da tarde quando deixamos o estúdio e caminhamos até a Praça de Serviços, Marina, Luiz Hen-rique Batista, coordenador da TV UFMG, Luis Nassif, Nereide Beirão, irmã de Nirlando, amigo pessoal do jor-nalista e eu. Durante o almoço, o que menos fiz foi comer. Estava ligada nas conversas. Discutiram Aécio, Anastasia, Dilma, Lula, governos passados, escândalos, fofocas inter-nas de Brasília. Eu nunca havia me sentido uma jornalista de verdade, até o momento em que fui obrigada a desligar o gravador para que Nereide contasse uma história sobre

JORNALISTA PASSA O DIA NA UFMG, GRAVANDO PARA TV, CONVERSANDO E DANDOOPINIãO, O COMEtA vIu E OuvIu tuDO. O MElHOR EStá AQuI

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Queimar as caravelas é dizer: “Olha, o seu fim é internet, você vai ser independente ali.” Então, quando eu enfrentei a Veja lá atrás, eu tinha noção. Em 1997, eu saí da Folha, a Veja conseguiu meu pescoço, Mas ganhei liberdade

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um antigo presidente em off.Nassif, que nasceu em Poços de Caldas, se considera

paulista, o que eu acho um desperdício, como boa mineira ufanista que sou. No decorrer do almoço, contou inúmeros casos da sua carreira, como de quando Itamar franco tentou processá-lo e, ao ver seu processo rejeitado pelo tribunal, sol-tou a pérola: “A justiça está sempre a favor dos poderosos.”

Além de histórias cômicas, o jornalista comenta o episódio em que foi atacado por Reinaldo Azevedo na Veja. Azevedo publicara calúnias de proporções desco-munais sobre Nassif, absurdos como “freqüentador de sauna gay” e “corno” são exemplos constrangedores da sujeira que tentaram fazer de sua vida pessoal. Desde o caso do jornalista que aparece em vídeo de pornochan-chada, passando pelo direito de resposta e sem deixar de falar do desprezível texto praticado pela Veja, ouvi um pouco de tudo sobre mídia nacional e política.

Na volta ao estúdio da tv, finalmente tive a oportu-nidade de falar sozinha com Nassif. Mesmo tendo con-seguido fazer apenas um quinto das perguntas que eu havia levado comigo, valeu a espera.

O Cometa: Gostaria de saber sobre o seu Portal, o que tem de novo nele?

Luis Nassif: Esse fenômeno de rede social já é domi-nante na Internet. O Portal hoje conta com mais de dez mil pessoas, trabalhando de forma colaborativa. Então é como se fosse um Facebook restrito, cada qual tem seu blog, par-ticipa de fóruns de discussão, coloca vídeo, filme, mp3, esses negócios todos. Através de uma plataforma nova (di-ferente da utilizada no Portal Luis Nassif), nós juntamos o Brasilianas e o blog, e em breve vamos colocar também o portal do Dinheiro Vivo, tudo num mesmo ambiente. Você tem vários tipos de vantagens, se você entra no Brasilianas, você tem um ambiente colaborativo direto. O Brasilianas foi criado especificamente para se discutir políticas públi-cas. A pessoa entra, se cadastra e passa a participar, dentro de um mesmo ambiente, colocando comentários no blog, postando no seu próprio blog. Então, se você está mon-tando uma discussão sobre um tema x, o sujeito vai fazer um comentário, se ele está cadastrado, o comentário entra na discussão e entra no blog dele também. Se as pessoas quiserem saber todas as contribuições de um comentarista, você clica no comentário e sai na página pessoal do cara.

O Brasilianas é criação sua?LN: Lá atrás, o pai do Brasilianas é um negócio cha-

mado Projeto Brasil. Em 2003. A idéia era um projeto co-laborativo, esse conceito de rede social não tinha pegado ainda. Tentamos criar algo que hoje é idêntico. Mas não tinha tecnologia disponível. Mas a vantagem, qual é? Eu tenho uma discussão que eu quero levar para um bloco temático do Brasilianas. Primeiro eu coloco no meu blog, aí o pessoal discute lá, que é onde tem mais visibilidade. Depois, como está dentro de um mesmo ambiente, eu con-sigo, com um comando, jogar isso dentro do Brasilianas. Alguns comentários de leitores eu transformo em post, e com esse novo sistema é tudo integrado. Nós organizamos o Brasilianas, inclusive por bloco temático, de tal maneira que as pessoas colaboram. Se você pegar o meu blog, e o Portal, o lema é: construção do conhecimento. Já tem um tempo que tá todo mundo ali construindo conhecimento.

É comum o pessoal comentar sobre temas comple-tamente diferentes do post?

LN: Também. Tem o Fora de Pauta para isso. Mas di-gamos que você tenha um tema relevante de saneamento, e tenha aquele monte de informação. Dentro do Brasi-lianas, com essa integração, eu tenho temas específicos, como saneamento, cultura, e lá eu posso fazer um mutirão. O Mutirão é uma página que, quando eu tenho um tema importante e quero recheá-lo de conteúdo, abro um mu-tirão e a pessoa vai lá e pode postar um vídeo, um mp3. Qualquer pessoa cadastrada pode colaborar.

Quando o blog começou em 2005, você tinha idéia de que ele fosse tomar essa proporção semi-astronômi-ca? Ele tem hoje com quase 11 mil pessoas cadastra-das? Mais de quarenta mil cliques únicos chega a ser maior que a tiragem média de jornais diários.

LN: Olha, vamos pegar a Folha, que diz ter 220 mil assinantes. Digamos que dez por cento lessem o caderno Dinheiro, isso são 22 mil; digamos que trinta por cento lessem as Colunas, são quase 70 mil, quero dizer, o meu blog tem 40 mil, muitos mais do que eu tinha antes na Folha. Eu sabia que, quando cai de cabeça no blog fazen-do crítica da mídia, eu podia ser mais moderado, mas pra mim foi um pouco, algo psicológico assim, de você quei-mar as caravelas. Queimar as caravelas é: “Olha, o seu fim é internet, você vai ser independente ali.” Então, quando eu enfrentei a Veja lá atrás, eu tinha noção. Em 1997, eu saí da Folha, a Veja conseguiu meu pescoço, e aí fui pra um programa muito pequeno, na TV Gazeta. Mas tinha liberdade de colocar minha opinião. Em três meses passou a ser o mais visto pelo meio empresarial. Então eu sabia, quando saí da Folha, que se tivesse um espaço pra ter li-berdade, ia conquistar algo semelhante.

Mas você já mexia com internet há muito tempo?LN: Eu fui o primeiro jornalista, a primeira empresa

de informação eletrônica, antes da Internet. Eu mexo com BPS, computação desde os anos oitenta.

E até hoje os jornalistas tem muita dificuldade com a Internet, não é?

LN: Olha, eu vou te falar, esse ambiente agora da internet, esse conjunto de informações circulando, foi o que eu sempre sonhei pro jornalismo desde os meus trinta anos, quando comprei meu primeiro computador, com 16k de memória. A minha idéia do jornalismo era ter um gran-de banco de dados. Eu mantinha o projeto Seu Dinheiro no Jornal da Tarde, então você vai jogar todas as informações relevantes para pessoa física e tudo, e o que sai no jornal é participação no tema, faz você voltar ao tema. Só que na época a minha participação estava engatinhando, e você tinha só o Cirandão, que era da Embratel. A concepção que eu tinha lá atrás, eu diria que é uma concepção que está madura agora. No livro, o Jornalismo nos anos 90, eu conto vinte episódios do governo dos anos 90: eu vou à contramão da grande mídia. O que eu fazia, eu desenhava um raciocínio, uma hipótese, para saber se dava certo ou não, e ia pegando as informações da mídia e jogando na-quela hipótese. Daí aquilo poderia levar a corrigir a hipó-tese ou não. E daí eu jogava a coluna e recebia o feedback dos leitores por email, mas era um processo muito lento.

Eu lembro que quando eu escrevi o primeiro artigo, so-bre o índio Pataxó, todo mundo criticava a juíza e eu de-fendia a juíza, daí eu recebi quinze emails de leitores, dez descendo o pau e cinco sem saber o que eu tava querendo. Daí você pega aquele conjunto de informações e reformula, não o conteúdo, mas a forma de você abordar o tema no dia seguinte. Você tem a psicologia do leitor aqui, você tem a maneira como ele recebeu aquilo por email, e você tem que ouvir. Você reformula e no dia seguinte você recebe onze emails a favor e quatro contra. Hoje, na internet, qualquer coisa que você coloca tem cinqüenta, sessenta comentários.

Eu tive algumas experiências com jornalismo nos anos 90 com a universidade. Eu fiz uma provocação sobre o papel da universidade, tive até uma briga pesada com o pessoal da uFMG aqui, eles ficaram bravos, eu criti-quei algumas medidas deles. Fiz a provocação e recebi uns quarenta, cinqüenta emails, de pessoas de diversas partes do Brasil e do mundo, brasileiros, dando sugestões sobre o papel da universidade, e isso me permitiu fazer uma série de colunas. Algum tempo depois, a SBPC se baseou naquelas colunas para lançar a proposta de refor-mulação universitária que resultou no Reuni. A presiden-te da SBPC na época me mandou um email dizendo que foi graças àquela coluna, pois as idéias eram minhas, eu peguei as idéias na época e consolidei. Se você pegar o Serra quando ele assume o Ministério da Saúde, ele não entendia nada do setor, ele me pediu na época e se baseou num conjunto de colunas que eu escrevi. Era do mesmo jeito, você faz uma provocação e o pessoal manda emails. Aliás, o melhor cara era o de Belo Horizonte, o Eugênio Vilaça Mendes. Então, na época eu recebi um conjunto de emails que me permitiu fazer uma série, um levanta-mento do que era o modelo canadense, o modelo inglês, o modelo americano de saúde, o que era recomendando pela Organização Mundial de Saúde, então essa visão de jornalismo colaborativo eu tinha lá atrás, quando surgiu o email. Hoje, quando você pega aí o blog na internet, você joga os temas lá e tem informações a vontade.

O que você me diz sobre o caso BBC e Reuters?

Nossa repórter, Aline, não desgrudou de Nassif

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LN: O jornalismo no Brasil hoje é BBC e Reuters. Eu fui, na semana passada, no Encontro das Nações que teve no Rio, e daí me procurou uma repórter da BBC que estava em Israel quando o Lula foi lá, e a CBN ligou para ela para entrevistá-la, para ela dar seu depoimento. Aí ela falou: “A presença do Lula aqui foi consagradora, nunca um brasileiro foi tão bem recebido que nem o Lula.” Aí ela me contava o bode que deu, e ela falava: “A única coisa que eu fiz foi jor-nalismo, contar o que eu vi.” Mas quando chegou aqui deu rolo pra todo lado, deu rolo na CBN, porque as declarações dela desmentiam toda a cobertura da CBN e dos jornais.

Você escolheu algum candidato? A Dilma, você de-fende no blog, como é?

LN: Eu tenho simpatia pela candidatura da Dilma. Eu acho que o trabalho que ela fez aí de mudança, desse pacto federativo, de você criar esses programas que entra municí-pio, entra estado, entra união, discute, depois tira compro-misso, a flexibilidade desse modelo gerencial dela, é algo que, nem que ela não fosse candidata, se ela parasse com a vida pública agora já entraria para a história. Eu acho que, do ponto de vista institucional, você teve apenas o Rober-to Campos e o Bulhões, no governo do Castelo Branco, que teve uma importância igual. Você governar o Brasil é muito complicado, gerencialmente é muito complicado. Na ditadura era mais fácil, era de baixo pra cima. Em ambien-te democrático, exige-se uma sensibilidade política e um conhecimento gerencial que é raro de encontrar, e ela deu certo, aliás, se ela é candidata é porque deu certo nisso aí.

Eu sempre tive a impressão, acho que muita gen-te que conhece pouco dela também tem, que a Dilma

é como um bonequinho que o Lula move. Hoje que eu a vejo mais como “a Dilma”.

LN: Então, ontem a gente gravou aqui um programa com o pessoal de pesquisa de opinião. O que o Ricardo Guedes, da Sensus, coloca: a proporção dos que conhecendo a Dil-ma, aderem a Dilma, é de 0,98, e essa é uma estatística total. Significa que, de todo mundo que conhece a Dilma, quase a totalidade passa a votar nela. Eu tenho uma entrevista que gravei com ela no meu blog sobre esse modelo gerencial que ela implantou. Eu conheço ela, a entrevistei antes, ela é consistente. A idéia que venderam de que ela é um boneco é porque politicamente ela foi criada pelo Lula, ela não ti-nha vida própria, mas não ter vida própria não significa que ela não tivesse idéias próprias, ela tem idéias muito claras. E o sucesso do Lula aí, isso depende em grande parte de ela ter criado uma estrutura gerencial que fazia com que as idéias do Lula entrassem em prática. Não adianta você ter as idéias, a idéia é fundamental, mas se perde se não é colocada em prática. Então, o Lula passou a começar a voar para todo lado aí, a soltar toda a energia dele, porque embaixo tinha uma base que colocava em prática as suas idéias.

O que você acha que mudou na atitude da imprensa em relação ao governo Lula e ao anterior, FHC? A coisa ficou mais escrachada, isso inflou o não-jornalismo?

LN: Foi. No governo Lula, pela primeira vez você tinha um presidente que não ia comer na mão da mí-dia. Com essas mudanças no modelo tecnológico, eles queriam recuperar o antigo poder político para barrar a entrada de novos competidores. Então, eles chamam o movimento social de “chavismo”, isso é conversa mole, eles usam o movimento social como álibi para tentar de-

monizar o governo, fortalecer a posição deles e impedir a entrada de grupos estrangeiros. Do que eles têm medo não é do governo social, é da internacionalização.

Acho engraçado como que você, além de jornalista, tem assumido muito o a posição de fonte, através de pales-tras, entrevistas. O seu papel inverteu um pouco, não é?

LN: Ah, sim, para a mídia sim, eu tenho atuado como fonte. Já nos anos 90, com aquela minha profis-são de ir contra as unanimidades da mídia, eu saí um pouco da área econômica, mas a concentração maior era na área econômica. Mas lá atrás, eu comecei a engen-drar completamente, porque quando você percebe que na construção de um país a economia não é o aspecto mais relevante, você não pode cometer loucuras, mas a cons-trução de um país é uma coisa muito mais ampla que a incorporação de novos consumidores, de novos eleitores. E esse movimento eu percebi lá atrás. Então, eu sempre procurei sair desse negócio da visão puramente financis-ta e economicista que não é o real.

Sobre o diploma de jornalismo, já ouvi que você acredita que deveria ser um curso técnico.

LN: O que eu acho é que quando as faculdade come-çarem a preparar o currículo pras novas mídias, elas serão úteis, mas também sempre no campo técnico. Não tem ló-gica, ainda mais hoje com os blogueiros, mídia social e tudo, para você ter um blog de opinião só é preciso ter idéias articuladas, você não precisa ser jornalista. Só de-pende do conteúdo. Quando você vê hoje dentro da inter-net, você tem não jornalistas que conhecem muito mais das ferramentas de internet do que não jornalistas.

Lula passou a voar para todo lado, a soltar toda a energia dele, porque embaixo tinha uma base que colocava em prática as suas idéias: a Dilma.

Hoje, na internet, qualquer coisa que você coloca tem cinqüenta, sessenta comentários.

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Se o José Serra fosse eleito.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), ganha-ria de presente um país que o PSDB, desacostumado ao êxito, jamais sonharia em construir com esforço e competência próprios – como provou em seus go-vernos municipais, estaduais e federal. Poria as mãos num Brasil reformado, sólido e próspero, com US$ 250 bilhões em caixa e imensas obras de infra-estru-tura em andamento que o fariam sentir-se 100 vezes maior que um mero gerenciador do anel viário pau-lista da famiglia PSDB. Um país com um mercado interno aquecido e com 27 milhões de novos consu-midores emancipados nas políticas sociais. Um país que gerou 15 milhões de empregos em 8 anos e um mercado de crédito consignado superando a casa de R$ 1 trilhão.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), teria uma arrecadação de impostos e tributos federais da ordem de R$ 80 bilhões mensais para devolver à sociedade em forma de serviços. Arrecadação ascendente, re-sultante do excelente desempenho da economia dei-xado pelo seu antecessor.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), levaria ainda um sentimento popular de patriotismo renova-

do e esperançoso que – somado ao trunfo catalisador de sediar uma Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos – o faria sentir-se um imperador romano.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), tudo isso saberiam muito bem capitalizar em benefício próprio o PSDB e a elite conservadora, conduzidos pelo seu novo presidente, especialista mor em se apropriar dos créditos de feitos alheios. Assinariam seus nomes nos eventos esportivos, nas obras do PAC em andamento, no sucesso internacional do país, cobrindo os verda-deiros créditos com a cumplicidade do PIG – sócio incansável, dedicado e afinado às causas de ambos – que cuidaria da tarefa de reescrever a história, redu-zindo os mandatos do presidente Lula a uma insigni-ficância extrema.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), teria es-tatais suculentas, prontas para o mercado das trapaças privatizantes conhecidas no passado pelo codinome “enxugamento do estado” ou “estado mínimo”. Trapa-ças travestidas de benefícios à máquina administrativa e à “nação”, orquestradas pelos mesmos maestros do período FHC, que executariam a mesma marcha fúne-bre durante a sutil diluição do patrimônio brasileiro. Entre elas, é claro, estaria a grande vedete, a peça mais cobiçada a ser levada ao abate num leilão macabro de cartas marcadas: a Petrobrás. Valorizada pelo pré-sal, a empresa seria ofertada na mesma bandeja da negocia-tas engavetadas desde o primeiro mandato de FHC e para as mesmas multinacionais que há anos salivam em torno deste tesouro brasileiro. Negociata que movimen-taria rios de dinheiro, atrairia à surdina dos bastidores os mesmos intermediários comissionados que enrique-ceriam da noite para o dia. Tramóia que iria restabele-cer o duto de escoamento das riquezas do nosso solo para as mãos dos mesmos banqueiros internacionais, ávidos por capital fresco que venha a socorrê-los na recente crise da qual ainda tentam se recuperar.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), não se faria de rogado: negaria o Mercosul e seus “in-diozinhos caboclos”, realinhando suas prioridades financeiras a Wall Street, como nos velhos tempos.

Romperia com austeridade quixotesca os laços com os governos populares latino-americanos exigindo a deposição de todos os seus presidentes aos quais acusaria de ditadores golpistas e lideraria suas nações em caravana orgulhosa rumo ao lar da velha, gentil e maternal esfera de influência do tio Sam.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), se esfor-çaria em repetir a medíocre e desastrosa gestão frente ao governo de São Paulo sem obter êxito de imediato: a robustez econômica e estrutural deixada pelo seu antecessor levaria dois mandatos para ser totalmente dilapidada, pois, diferentemente de São Paulo, o país não lhe teria sido entregue já estagnado pelo fracasso dos governantes anteriores que “casualmente” per-tenciam ao seu próprio partido.

Se José Serra fosse eleito (mas não será), depois de extinguir ou renomear toda a obra de seu anteces-sor, e quando o país já estivesse devidamente “devol-vido” ao século 20, pouco lhe importaria fazer suces-sor, compromissado que sempre foi exclusivamente com seu próprio umbigo. Assistiria debochadamente aos caciques furiosos do PSDB/DEM digladiarem-se para ocupar seu trono, sabendo que, depois de todo o estrago feito nas areias estéreis de sua inépcia, a esquerda recuperaria o país para tentar, novamente, reparar os enormes danos deixados pelo seu governo.

Se José Serra fosse eleito (mas não será) – enfim – contrataria algum editor de livros de auto-ajuda para escrever sua última fraude: a biografia de “um brasi-leiro vitorioso”. O texto seria tão épico e fantasioso que até ele, em processo de senilidade avançada, acre-ditaria finalmente que é o autêntico “O Cara”. título ao qual alguns historiadores da pocilga colocariam uma destacada ressalva: que, em verdade, seu êxito só foi alcançado graças às políticas econômicas e es-truturais deixadas pelo antecessor de seu antecessor: o inesquecível visionário Fernando Henrique Cardoso!

*webdesigner e blogueiro: http://oqueseraqueme-da.wordpress.com

RONI CHIRA

SãO PAULO

A lucidez dos livros.A loucura dos livros.

Rua Fernandes Tour inho, 274 - Savass i | 3227.3077 / 3264.2858

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Cartoon do Latuff na passeata, em Londres, contra ataque de Israel à Flotila da Liberdade

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Sobre Lonely Hearts, de Rafael Senra.HQ RESGAtA lENDA URBANA SOBRE OS

BEATLES E MOSTRA QuE uM Fã PODE

REESCREVER UMA HISTóRIA E,

APROPRIANDO-SE DELA, IR ALÉM

DE PRODUçõES SIMILARES

PABLO GOBIRA

Este texto pretende pensar a segunda História em Qua-drinhos (HQ) de Rafael Senra, lançada menos de 10 dias após a anterior chamada Ana Crônica. Lonely Hearts res-gata uma das “lendas urbanas” contadas sobre os Beatles. Essa lenda narra a morte de um dos membros da banda, Paul McCartney. Ao propor contar essa história, Senra incorpora em sua HQ uma tendência criativa contempo-rânea, ficcionalizando elementos da realidade. Nessa fic-cionalização, o autor opta por criar uma versão da lenda contada há vários anos nos círculos de fãs. Porém, essa opção não traz o desejo de se tornar única, nem polariza com as outras, apenas mostra que um fã pode reescrever uma história, apropriando-se dela.

O caso de Rafael Senra é exemplar por explorar ele-mentos semióticos de outras artes (música, quadrinhos, literatura), ao mesmo tempo em que se aproxima de outras produções de fãs. O autor de Lonely Hearts vai além das outras iniciativas, tal como aquela feita a partir da trilogia do Senhor dos Anéis (na adaptação dos livros de Tolkien dirigida por Peter Jackson), intitulada The Hunt For Gollum (A Caçada a Gollum, 2009, de Chris Bouchard, ou mesmo o Born of Hope, de Kate Madison, outro fan-film que está prometido para 01/12/2009), bem como o trailer do filme inexistente dos thundercat www.youtube.com/watch?v=lOrcRSNsnew&feature=related feito frame por frame pelo(s) autor(es). Neste texto mostrarei porque digo que a HQ de Senra vai além dessas outras produções.

A composição de Rafael Senra revela um universo de possibilidades no contexto da produção contemporânea em que as pessoas se encontram com os meios de pro-dução e reprodução da arte próximos de suas mãos. Com isso em vista, Lonely Hearts é uma iniciativa ousada. Não tanto por enfrentar os fãs dos Beatles recriando parte da história da banda, mas por provocar um recorte nessa his-tória e, como artifício, constituir uma narrativa diversa por meio das histórias em quadrinhos.

Em um contexto frustrante – ou seja, da não consti-tuição de novidades por tudo o que existe se submeter a uma dinâmica de produção de mercadorias –, Rafael Senra constrói sua história estrategicamente. Utilizando a potên-cia da marca “Beatles”, escreve um roteiro e desenha mu-sicalmente compondo uma peça semiótica forte.

Com ritmo próprio, história própria, e muitas apro-priações, desenha com uma técnica que permite aproxi-mar o gesto do autor na produção dos quadros da possi-bilidade de qualquer pessoa também construir uma his-tória. Senra desenha a partir de imagens pré-existentes retirando a imagem de seu meio semiótico anterior (foto) transpondo-a para o campo das HQs (desenho). Muitos fãs reconhecerão em alguns quadrinhos imagens famosas dos Beatles.

Como diz o autor, no Editorial/Making of da sua outra HQ (Ana Crônica), sobre o ato de fazer quadrinhos: “(...) qualquer um pode fazer, desde que tenham lápis, papel, e idéias na cabeça (...)” Idéias na cabeça, tal como o disse Glauber Rocha, acabam por significar a técnica e a vonta-de de constituir um processo de composição. Foi isso que

Rafael Senra fez em Lonely Hearts e revelou no editorial de Ana Crônica.

É importante dizer que as referências de Lonely Hearts não têm o papel de entrar no universo de fã, mas distanciar-se dele. Fruto de uma pesquisa minuciosa e um ato criati-vo mediano, ou seja, acessível e próximo do leitor, Senra constitui um gesto próprio e, como a revista, colorido.

Sobre o seu texto teria a fazer algumas observações de ordem técnica. Seu roteiro, na versão lançada, ainda é incipiente. Quando analisado em especificidades, não possui características que ressaltam habilidade no trato com a criação narrativa. Talvez por isso mais uma vez se aproxime da concepção do mediano e do possível. Nessa constituição textual, a criação do que é mostrado preva-lece e ocupa mais espaço, não possuindo muita harmonia com o que o texto representa. O texto se apaga na profusão quase psicodélica de cores, mais uma referência ao objeto narrativo do qual a revista trata.

Alguns elementos abrem espaço para a crítica pelo seu caráter inusitado, como o dente quebrado de Billy, por exemplo, que metaforiza toda a narrativa: é o algo que falta para tornar tudo “real”. O inacabamento nem inco-moda tanto o leitor, faltando uma palavra aqui ou alguma incoerência nos textos de alguns balões. Isso também traz mais uma característica do trabalho individual realizado e revisado pelo autor.

No trecho em que o Sargento Pimenta decide salvar

Paul, a tentativa de fazer humor parece não cair bem, criando um clima nonsense, como se vê em: “Quando ele notou a franja Beatle de Paul, quis matá-lo. Porém, per-cebendo que ele já estava morrendo, o sargento resolveu ajudar.” (p.8)

A caricatura dos Beatles que vai do penteado até as roupas é um demarcador para que todos, e não apenas os fãs da banda, acompanhem rapidamente a narrativa. É também notável a mudança dessa marcação quando o ver-dadeiro Paul é substituído por Billy. Com esses pontos, o texto possibilita a leitura rápida de curiosos sobre a banda, ou detidamente por aqueles que se deliciam por história em quadrinhos autorais. Com tudo isso, o autor mostra um conhecimento de técnica de roteiro e suas potencialidades, à medida que “bricola” imagens, falas, músicas, textos, personagens, dentre outros elementos.

Uma coisa é inegável: Rafael soube escrever uma his-tória divertida que nos enreda do início ao fim. talvez, a possibilidade de ela ter sido verdade e a vontade de sa-bermos o que há por detrás desse mistério inventado seja a sua maior qualidade e o que mostra a veia artística que possui Rafael Senra. Essa é a verdade que realmente im-porta por detrás da “morte de Paul McCartney”.

Por fim, ressalto que a diferença primordial da pro-dução de Senra para aquela dos “fãs” apontadas no iní-cio deste texto é que ele não auratiza e/ou se distancia da banda. A banda não é sacralizada, mas profanada a todo o momento. Senra usa da aura que resta aos Beatles no con-texto contemporâneo satirizando um dos rituais dos fãs (a criação de lendas sobre a banda). Ele constrói uma versão cômica da “lenda” que provocou a criação e recriação de outras versões sobre os chamados “fatos” que, resumida-mente, apenas resultam na publicidade para se quantificar álbuns vendidos, entrevistas dadas, shows realizados, li-vros publicados, etc.

No caso do autor da HQ, o nome da banda com certeza também lhe garante certa publicidade e alguns downloads a mais da revista em: http://www.rafael-senra.blogspot.com

*[email protected]: @pablogobira

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Do ponto de vista formal, não hápolítica cultural em Itabira.

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E A INDúSTRIA CULTURAL NA TERRA DO POETA

ENTREVISTA LUIZ ALEx SARAIVA

Antes mesmo de começarmos propriamente a entre-vista com Luiz Alex Saraiva, o professor e pesquisador formado em Administração pela UFMG já começou falan-do sobre Itabira. Essas coisas acontecem, ainda mais para quem conheceu Itabira há nem tanto tempo assim (itabi-ranos fazem o mesmo e não se cansam). temp-o suficien-te para criar a velha e paradoxal máxima itabirana: amor e ódio. Saraiva deu aula na Funcesi em Itabira por quase sete anos: está fechando o ciclo. Passou pela UNA e está agora na UFMG. Conheceu Itabira, Carlos Drummond de Andrade, a Vale e o que a política municipal decidiu fa-zer com o poeta, ao criar uma indústria cultural que não funciona como tal. Pode parecer uma incongruência (pa-lavrinha esquisita, né?), mas não: para se conhecer Itabira e Drummond é preciso desvendar alguns segredos itabira-nos. Aí vira uma espécie de fascínio. Mordido pelos ventos do buraco do ex-pico do Cauê, Saraiva escolheu que a tal indústria cultural criada em torno do vulto de (e não do homem/poeta) Drummond seria o tema de sua tese de dou-torado defendida e aprovada na UFMG.

Pablo Gobira e Marcelo Procopio conversaram com Luiz Saraiva agora em maio, antes de o frio chegar para todo o estado.

Para ler a tese acesse:http://cordoba.cepead.face.ufmg.br/banco_teses/teses/280/d09122009lass.pdf (O Cometa)

Luiz Alex Saraiva - As coisas em Itabira são surreais. Fui jantar com um amigo meu, e eu não sou mineiro, sou de Manaus, e eu dizia: em Itabira as coisas parecem que são muito mais pesadas, mais densas. Ouvi coisas interes-santíssimas para a minha tese, que é melhor descrever o Drummond com aquela analogia de ferro na alma. Uma pessoa que entrevistei definiu assim: que o itabirano era uma pessoa que olhava para cima e tentava voar, mas via aquelas montanhas e caia, pelo peso na alma. As pessoas são meio tristes lá. É cidade típica operária, dorme cedo. Tudo gira em torno da atividade da mineração.

Marcelo Procópio - Você chega a Itabira e já começa a respirar esse clima pesado, além do pó de minério.

Luiz - É um lugar brilhante. (Risos)

Pablo Gobira - O que fez você pensar essa tese sobre Itabira?

Luiz - Eu cheguei lá, e como todo mundo, associei Itabi-ra à terra de Carlos Drummond. O primeiro contato que tive, a primeira iniciativa de tentar me fazer simpático com as pessoas, disse: “Ah, essa é a terra de Drummond!” Eu perce-bia o retraimento e as pessoas não desenvolviam a conversa. Pensei: “Vai ver que é uma ou outra pessoa”. Tentei outras vezes e falei: ”Ah, isso tem a ver com aquela tradicional timidez mineira e tal”. E como estava envolvido com o tra-

balho na faculdade, não prestei muita atenção nisso. Passou um tempo e o que era uma desconfiança virou certeza de que tinha algo mais aí, foi quando foi inaugurado um museu Fazenda do Pontal, que é uma reprodução da Fazenda dos Doze, do pai de Drummond, onde ele passa boa parte da infância, tem vários poemas sobre Itabira que são ambien-tados nessa fazenda e eles reconstituíram a fazenda. Até aí tudo bem. Mas fiquei sabendo que as portas e janelas eram originais, foram guardadas por mais de 30 anos num depó-sito da vale. Aí fiquei louco: não é possível que isso seja ca-sual. Tem alguma intencionalidade aí de resgatar a memória e não só desse jeito. Deve ter algum motivo.

E aí, como esse período era pouco depois do centenário de Drummond, teve uma série de ações articuladas para resgatar uma determinada memória do vulto, mas não do poeta, da pessoa Drummond, mas de uma pessoa de quem a população não tinha tanto contato. Ou seja, a pessoa é lembrada, mas a obra não se sabe do que se trata.

Com base nisso é que comecei a pensar quais caracte-rísticas haviam naquele contexto, que explicariam isso. In-teresse de quem resgatar a pessoa e não a obra? Interesse de quem ter uma infraestrutura cultural fantástica? Por que uma cidade daquele tamanho não tem nada, se você comparar a outra do mesmo porte que tem uma malha de serviços exten-sa, tem uma série de coisas e Itabira não tem nada?

MP - Quando você fala de janelas e portas etc. origi-

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nais da fazenda, quem guar-dou foi a Vale, por iniciativa dela. Não tinha nenhuma de-manda à época, ainda mais que Drummond era mal visto. E ficou ali guardado, chegou a pegar fogo no gal-pão da Vale. A Vale guardou porque sabia: um dia vamos embora e temos que voltar Drummond pro seu lugar. Isso tem uma importância, ainda que a cidade não veja assim agora.

Luiz - Na tese digo há indicativos de uma intenciona-lidade nisso. Imagino a Vale era o único desses atores que tinha uma visão sobre o futuro. Só que talvez não fosse claro como seria a utilização. Mas acho que já havia uma idéia de que aquilo poderia, no futuro, ser reconstituído. Porque não é casual. O que me chamou atenção foi guar-dar essas peças desse lugar original, até porque o processo de saída, do ponto de vista da família de Drummond, foi muito violento, isso se você imaginar aquele raciocínio da idade média: que você é a terra que você tem.

Os Drummond eram muito poderosos, tinham fazen-das, de muitas gerações ali, e de repente a empresa, um novo ator, por conta de decreto federal diz: está aqui um monte de dinheiro, mas a terra não é mais sua. Eu ouvi isso em algumas entrevistas. Não era uma questão casu-al. Talvez, não sei, seja até uma espécie de compensação do ponto de vista estratégico, a empresa já enxergava que mais na frente algo poderia ser feito com aquilo.

PG - É verdade... Tentando entrar mais ainda na sua pesquisa, quais os conceitos que você utilizou para anali-sar a indústria cultural em Itabira? Como você faz com a noção de indústria cultural, que é muito cosmopolita, e você a traz para uma cidade como Itabira. Como é isso?

Luiz - Isso inclusive foi apontado por todos os mem-bros da banca como uma coisa extraordinária no traba-lho. Porque cultura tem várias correntes. Mas tem duas grandes correntes que têm uma concorrência cerrada, uma chamada de economia criativa ou indústrias criativas, tra-zendo a idéia de que a criatividade pode ser a base de um negócio econômico muito rentável, algo que já foi abraça-do por Canadá, Austrália e Reino Unido como ênfase. Mas embora tenha uma abordagem muito forte, dizia pouco a aspectos políticos. Porque esse território é eivado nas re-lações de poder. O que especificamente me incomodava, no caso dessa oferta cultural, é que não é uma coisa neutra nem aleatória.

E você percebe claramente, ou pelo menos era o que eu pressupunha no desenvolvimento da tese, que se tratava de uma oferta intencional para um público específico.

E isso dentro da indústria cultural é definido como uma possibilidade de tornar aquilo uma mercadoria acessível a todos e, nesses anos todos, fui acumulando isso e aca-bei nem usando na tese: Drummond virou broche porque ele é turístico. Bonequinhos, milhões de souvenires. Mas perdeu aquele sentido que tinha. Porque, a quem interessa essa idéia de comercializar, esvazia o sentido e ao mesmo tempo coloca aquilo como sendo o certo.

Então o conceito de indústria cultural é muito adequa-do, porque trabalha com aquela idéia de transformação da cultura em mercadoria e também com a idéia de domínio político, de manutenção da hegemonia política de um gru-po sobre o outro. E isso acontece em Itabira mesmo. Por

que depois de ter observa-do muito atentamente isso, você percebe que aqueles espaços, o refinamento dos projetos dos espaços, aten-de perfeitamente a deman-da cultural da elite de Ita-bira. Mas que o povo não se vê ali. Drummond não é para eles.

PG - Isso fica explícito naquela história da placa-poema do Drummond virar galinheiro, não é?

Luiz - Não sei se esse dado está atualizado ainda, mas os Caminhos Drumondianos era o único museu de território do Brasil. É um conceito muito interessante, porque é distri-buído numa determinada geografia com referências. Como Drummond fez vários poemas explicitamente citando Itabi-ra, lugares, pessoas e tal, então a cidade inteira tem placas. Foi fundado em 1998. Então você vê o Sobrado do Barão de Alfié, na frente do sobrado: um poema.

E começaram a sumir umas placas/poemas. Descobri-ram que uma estava na casa de uma doninha. Pergunta-ram: “Como isso veio parar aqui?” E ela: “Ah, seu moço, a porta de meu galinheiro caiu eu não podia deixar as ga-linhas fugir, então fui lá e peguei a placa e coloquei aqui”.

Isso é muito indicativo de uma cultura que é alienígena, que não é do povo. Não reconhecem isso como sendo cultu-ra deles. Por isso que o conceito é tão interessante para mim. E terminou sendo muito ajustado para o que eu precisava.

MP - Onde estão essas falhas da política cultural? Isso começou no governo Jackson, que era do PT, ti-nha uma visão mais ampla. Foi no seu governo que sur-giu a idéia dos Caminhos, do Memorial, da Fazenda do Pontal. No passado, até nas escolas os professores ensinavam que Drummond não gostava de Itabira, era a fotografia na parede que doía. Muita gente ainda diz que Drummond era rico e não fez nada por Itabira. Criaram-se esses equipamentos, que não funcionam. E como você colocou não funcionou também o objeti-vo de levar Drummond para o povo.

Luiz - Do ponto de vista formal não existe política cul-tural em Itabira. Tive acesso a muitos documentos, con-versei com pessoas que fizeram parte do Conselho Muni-cipal de Cultura, e eles diziam que a preocupação era com o Festival de Inverno, com festa agropecuária. Quer dizer, não existe nada. Têm preocupações orçamentárias relacio-nadas com a manutenção da Fundação (FCCDA) ou com o acervo. Mas como são coisas extremamente pontuais, não tem nada que estabeleça, do ponto de vista público, uma finalidade para a cultura, ou o tipo de cultura que se quer.

Isto é uma coisa que fica muito claro, quando você vê o estado de abandono desses equipamentos. você fica im-pressionado, até porque eu não tinha muito contato com Drummond antes de pensar na tese, fui entender a gran-deza dele durante o processo. Itabira é um lugar que tinha tudo para ser “o” ambiente, está no lugar certo. Tudo aqui-lo que Drummond brigou contra estava lá, mas não tem alma. No sentido do Benjamin mesmo, não tem aura. É

uma coisa destituída de vitalidade.Você só tem equipamentos, a oferta, mas sem preo-

cupações objetivas em como fazer com que o povo com-preenda e aprecie a obra do poeta. Porque não é uma coisa intuitiva, poesia é uma coisa muito difícil se você não tem um mínimo de contato com as letras primeiro. Ainda mais numa cidade operária, tão preocupada com a sobrevivência do dia a dia. Por isso também que a Vale é colocada de uma forma sempre polarizada em rela-ção a Drummond. Como eu ouvi: é a Vale que cuida de salário, que alimenta, então é a preocupação principal, Drummond está lá atrás.

PG - E o outro conceito que também é fundamen-tal, a cidade como organização, como você desenvolveu isso?

Luiz - Esse não era o conceito inicial da minha tese. Era Indústria Cultural e Dinâmica Simbólica e depois cheguei a Cidade como Organização, porque foi algo que emergiu com muita força, porque era muito evidente nos relatos que a própria cidade tinha uma dinâmica organizacional. E é um conceito novo na área de Administração porque isso signi-fica encarar que os atores de uma cidade, sejam eles em-presas, terceiro setor, prefeitura, associações. Eles conferem essa dinâmica e apareceram com muita força são elementos que caracterizam isso e Itabira: a história da cidade.

Se um historiador ler minha tese vai ficar meio louco, porque eu abandono completamente qualquer tipo de con-tato com a história formal, eu fui às pessoas para elas me contarem a história de Itabira e isso foi maravilhoso. Porque eram pessoas de origens diferentes, de nível e escolaridades diferentes e me contaram a mesma história que eu dividira mais ou menos em três períodos, o que é fantástico, se você imaginar quanto é forte a identidade desse lugar.

Existem na Administração da UFMG dois estudos rela-cionados a duas cidades: o es-tudo de uma autora sueca, que fez sobre Varsóvia e o da Ta-nia Fisher e Mônica Mcallis-ter sobre Salvador. Itabira é a terceira cidade. Eu apliquei os conceitos delas e deu tudo muito certo, porque emergiu com muita força. Mas talvez esse desenvolvimento, esse

avanço de conceito permite que a gente encare com mais clareza como lá é diferente de outros lugares. A gente per-cebe claramente as diferenças em relação à região como um todo. E se percebem diferentes de todos os outros. Tem expressões ótimas: “Itabira é a mais mineira das cidades.” “O povo itabirano é mais mineiro que o povo mineiro.” E coisas do gênero. É muito forte essa identificação.

MP - E a Indústria cultural, é só Drummond, né? E os equipamentos não funcionam. O Memorial CDA é um exemplo disso. Não respeitaram nem o projeto original e Niemeyer não o considera como uma obra sua. E não é um memorial mesmo. Tinha um projeto que não foi pra frente de que o Memorial pudesse ser uma referência nacional da obra de Drummond. Quem fosse estudar o poeta, poderia ir a Itabira e de lá obter toda informação necessária. Estaria conectado virtual-mente com o mundo drummondiano. Já a Fazenda do Pontal seria reconstituída dentro da Mata do Intelecto, como se fosse um anexo do Memorial. Seria uma espé-cie de museu. Só que nada funcionou assim.

Luiz - Há um problema sério de falta de profissiona-

O conceito de indústria cultural é muito adequado, porque trabalha com aquela idéia de transformação da cultura em mercadoria e também com a idéia de domínio político, de manutenção da hegemonia política de um grupo sobre o outro.

Você percebe que aqueles espaços, o refinamento dos projetos dos espaços, atende perfeitamente à demanda cultural da elite de Itabira.

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lismo. E isto está ligado em parte à falta de continuidade das políticas públicas. E a idéia mesmo é apagar qualquer rastro da administração anterior. A cultura não é prioridade e o que é prioridade depende de cada quatro anos. Muda-se tudo a bel prazer dos políticos. Isso é um problema que padece o país todo. Lá isso é muito evidente porque o que poderia ser para eles uma locomotiva de uma nova econo-mia, de novas possibilidades não acontece. Porque tudo lá é abandonado mesmo. Eventualmente você pode ter algum secretário que possa brigar por recursos, caso con-trário, você tem um mero repasse burocrático. Dá muita tristeza. No memorial tem a mesa que ele escrevia, a ca-deira que ele sentava. Aquela coisa assim completamente vazia. Se fosse no Rio ou São Paulo, jamais ficaria assim. Eles iam faturar em cima disso. Talvez no sentido mais de indústria cultural, de espetacularizar para faturar em cima. É uma pena, porque é uma cidade sem alternativas e quan-do tem alguma ela é mal compreendida e não priorizada. Termina assim.

MP - Uma vez conversando com um prefeito e seu vice, falei da falta de uma política cultural efetiva e do fato de o Memorial não ser mesmo um memorial. Os dois disseram que não sabiam o que era um memorial. Ou seja, não tem saída?

Luiz - Falta mesmo é interesse. Porque até para a gente falar de visão ou falta de, é preciso saber até que ponto interessa fortalecer a figura do Drummond, que na base ele sempre foi questionador do sistema de Itabira, dessa hegemonia, embora fizesse parte da elite de lá, sempre questionou esse modelo de desenvolvimento baseado na destruição do que tinha ali. Até que ponto interessa isso. Porque significa colocar em pauta. Muitas coisas são vistas como um bem para cidade. Ah, a poluição ambiental que se tem é fruto do progresso. Será? Pode-se argumentar: mas a cidade tem um dos maiores faturamentos do país. Mas será que o preço está pago? E colocar isso em evidência, significa questio-nar o sistema como ele está estabelecido, a flexibilidade que eventualmente se teve, a força que se concedeu a essa empresa para que se com-portasse como verdadeiro império na cidade. Em al-gum momento se configura como desdobramento desse interesse com Drummond. Então precisa de muita cla-reza e coragem para colocar isso em evidência. Tenho duvida se aquele quadro lá

da vida besta, interessa real-mente a alguém.

MP - Você acha que in-teressa a Vale?

Luiz - Talvez. Hoje sim. Ouvi isso lá do pessoal liga-do a Vale. Drummond já se constituiu, no passado, em um inimigo poderoso. Só que a empresa já anunciou que cedo ou tarde a explora-ção vai acabar, e ela vai embora dali. Então é interessante para a Vale ter algum tipo de contrapartida, de estimular alguma outra possibilidade para a cidade. Vejo que o cami-nho mais fácil é esse de Drummond, pelo menos por hora. Não posso chamar isso de vocação, mas de uma carac-terística fantástica que Itabira tem e nenhum outro lugar tem. E é muito mais isso, o que Drummond escreveu do lugar, que as paisagens naturais que a região têm, que são lindíssimas. Está tudo ali a ser explorado, mas é evidente que nesse momento a Vale não está precisando disso. E a prefeitura não tem visão suficiente. Mas, acho, a tendência é que haja uma convergência mesmo. Se houver essa op-ção por parte do poder público, não haverá impedimento da Vale, porque já começaram algumas movimentos nesse sentido. Por exemplo, ficou durante todo o ano de 2009 um outdoor bem na entrada da cidade, na saída da BR um outdoor enorme: uma foto da estátua de Drummond, e o texto “Bem vindo a Itabira, berço de Drummond e da Vale”. A empresa jamais faria isso antes. Era um outdoor da Vale.

E outra mais perto da cidade, com uma foto da Igreja do Rosário e o mesmo texto. A própria Vale começou a

aproximar esses atores que eram antagônicos. Não há mais, como no passado, uma visão de antagonismo.

Agora, para que isso se concretize numa alternativa viável é preciso de que po-der público se mexa, quer dizer, saia dessa postura de ficar esperando que a vale cumpra seu papel. Porque para a Vale é muito claro que o papel dela é empresarial e acabou. Não quer assumir mais nada.

MP - Quando começou a se configurar a privati-zação, a Vale começou a colocar na cidade que ela não ia mais ser a mãe para

Itabira. E dizia que Itabira é que nunca soube reivin-dicar. Nunca apresentaram projetos de alternativas. Os prefeitos, os políticos da cidade morrem de medo da Vale. Ou seja, é a subservi-ência. Aí foi privatizada, passou a ter menos com-promissos com a cidade, paga os impostos e pronto. E então?

Luiz - Você mencionou essa falta de projetos. Não sei se você sabe que Itabira tem um terceiro setor superdi-mensionado. Mais de 500 ONGs, quem estimulou isso foi a Vale. Privatizada, ela falou: vou fechar as portas e vocês se organizem para chegar até aqui. Só que depois que ela fechou as portas e esse setor ficou abandonado. Mais de 500 ONGs e hoje não tem talvez 50 funcionando. Em ter-mos formais um terceiro setor fortíssimo. Se funcionasse, seriam muito fortes. Só que a mesma empresa que estimu-lou a criação fechou a torneirinha. E não deu alternativa para eles. Claro, há também a falta de profissionalização das ONGs.

PG - E o desdobramento da pesquisa como serão?Luiz - Há alguns aspectos que não desenvolvi na tese

que são extraordinários e que poderiam ser trabalhados. Por exemplo, o título da tese é Mercantilização da Cultu-ra e Dinâmica Simbólica Local: a Indústria Cultural em Itabira. O próprio fato de a cultura ter virado mercadoria é uma coisa fantástica, que explorei na tese, mas que tem coisas muito mais interessantes para fazer. Porque de cer-ta maneira esvaziou-se o poeta para vendê-lo como vulto histórico. Então, se esvaziou tudo o que Drummond tinha para dizer para usar só a imagem em tudo na cidade.

MP - Fomos a Itabira, três poetas, Pablo, Josué, Waldir, e eu, e lá no memorial tinha um cartaz sobre uma cavalgada em Senhora do Carmo e lá estava a foto de Drummond.

Luiz - Por que todo mundo usa a imagem dele sem nem saber quem ele é? Uma coisa que me interessa nesse sentido e acho que vou desenvolver isso, é utilizando o conceito da economia de oferta e demanda. Quanto mais oferta você tem de um bem, mais o preço dele cai. Será que é por isso que Drummond é qualquer coisa? E ele é tão valorizado fora. Se você fala de Itabira, diz que tra-balha lá, a pessoa responde: Não acredito, você conhece Itabira, a terra de Drummond!? Mas lá ele não vale nada para a população. Em parte porque ele não diz nada a eles em termos culturais. Isto reforça a ideia que tenho de que é algo imposto. Que faz parte de um projeto político antes de outra coisa. Projeto de manutenção da hegemonia de um grupo.

Uma senhora de 80 anos relata que era muito pior: nunca viu um pai beijar uma filha na rua. Eles não se tocavam. Extremamente formais, duros. Ela usa metáforas maravilhosas como: “Sabe o que é isso? É uma cidade sem rio, o povo se represa em si mesmo”.

Dá muita tristeza. No memorial tem a mesa que ele escrevia, a cadeira que ele sentava. Aquela coisa assim completamente vazia. Se fosse no Rio ou São Paulo iam faturar em cima disso. Talvez no sentido mais de indústria cultural. É uma pena, porque é uma cidade sem alternativas e quando tem alguma ela é mal compreendida e não priorizada.

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Além disso, a pesquisa trouxe desdobramentos muito interessantes sobre essa relação hegemonia/resistência no que se refere à cultura lá. Ter usado o conceito de indús-tria cultural é muito interessante porque se transforma a cultura em mercadoria e ao transferi-la para a massa como sendo a versão certa que ela deve consumir, deve repro-duzir e tudo o mais, eu me mantenho a salvo de consumir essa mesma cultura porque eu sei o que é bom, eu sou eli-te, não sou a massa, portanto eu não consumo a cultura de massa. Interessantíssimo o processo de resistência da população em relação a isso. Porque eles percebem que a cultura não chega à periferia e terminam criando com isso manifestações culturais próprias. Completamente alheias às políticas culturais. Então, a política cultural não chega nessa população, e a cultura que eles vivenciam termina sendo a cultura que eles são capazes de criar e a cultura que importa para eles, da qual Drummond não faz parte.

MP - Em Itabira chegaram a afirmar que além de não gostar, ele ficou rico e ainda assim nada fez pela cidade.

Luiz - O que me ocorreu agora é que duas coisas me tocaram muito nessa pesquisa. um foi o próprio Confi-dência de um Itabirano, que é a maior declaração de amor que alguém pode fazer a sua terra e é impressionante: você percebe como as pessoas vêem, mas não enxergam o amor que ele tinha pela cidade, é fantástico.

E a coisa mais forte para mim é o poema que ele fala do pai. Esse é um dos exemplos de poemas, de como Drum-mond é o etnógrafo exótico, porque ele conta várias pas-sagem da história da cidade e que a gente só identifica isso por meio das entrevistas. Eu tive o prazer de conversar com algumas pessoas me explicaram o que significava aquilo. Então, no caso específico desse poema sobre o pai, me tocou muito, porque além de se perceber uma angústia muito gran-de na escrita, quando chega ao final ele começa a descre-ver sobre uma coisa que passou: a fazenda dos Doze, hoje está debaixo de um depósito de lixo, literalmente, jogaram o resto do minério todo ali. Então você imagina, tiraram as lembranças mais doces que ele tinha da vida dele, remune-raram de forma fria e transformaram aquilo em... lixo. E ele termina o poema dizendo que a imagem do pai dele vai se afastando e hoje jaz tudo sobre a água: chapéu, bigode, bota.

MP - Você já falou muito isso aqui, mas pergunto de novo, depois de sete anos trabalhando lá, o que é Itabira para você?

Luiz - ótima pergunta. Minha preocupação era essa. (Risos) Olha, Itabira é uma das cidades mais complexas que já vi. Ela é dor, é pesar constante, ao mesmo tempo é uma cidade com lapsos de alegria, e o progresso destruidor, que mostra seu preço para a população. É beleza, por conta da região que está presente em tudo aquilo que Drummond viu. Não era viagem dele não. Se você encara os caminhos e descaminhos pelos quais as cidades caminham aí pelo mundo, Itabira é tudo o que fazer e não fazer no mesmo lugar. E você termina desenvolvendo relações afetivas. Se envolvendo com a cidade. Passei a compreendê-la, a ter outro olhar diferente na medida em que comecei a escrever a tese. É envolvente. Para se ter uma idéia, um dos mem-bros da minha banca de doutorado começou a falar assim: “Acabei de ler sua tese e eu odeio Itabira.” Eu tenho um sentimento muito ambíguo acho que é um lugar fantástico para se observar.

MP - É o famoso amor e ódio.Luiz - Sim. Sem dúvida não dá para ter um só. Um

entrevistado me disse que a estátua na entrada da cidade é o poeta indo embora dele mesmo. Tanto que uma vez apa-receu uma mala na mão dele, como se ele estivesse indo.

Drummond já se constituiu, no passado, em um inimigo poderoso. Só que a Vale já anunciou que cedo ou tarde a exploração vai acabar. Então é interessante para ela ter algum tipo de contrapartida, de estimular alguma outra possibilidade para a cidade.

Tropeiro, ovo frito, lombo, cachaça e arte gráficaENCONTRO DE ARTISTAS EM ITABIRA, SEGUIRá TENDêNCIA QuE COMEçOu EM SP E SE ESPAlHOu PElO PAíS

MARCELO PROCOPIO

Em agosto passado um repórter da revista Encon-tro, aqui de BH, liga para saber minha opinião sobre o 1° BHHumor – Salão Internacional de Humor Grá-fico: “alta qualidade, obras do país todo e do mundo”, fui falando. Quis saber mais: “Minas é o maior celeiro. Numa seleção, haveria 11 mineiros titulares”. Respondi direto: “Não acho, o Brasil é o celeiro. Numa seleção de 11, colocaria três ou quatro mineiros”. Discorri so-bre realidade e potencial da arte gráfica no Brasil e no mundo. Não saiu uma linha. Não era a resposta que o repórter ou a revista queriam. Sem problemas.

Aí converso, há pouco, com o cartunista/ilustrador

Laz Muniz (todo cartunista é ilustrador, alguns artistas gráficos são plásticos e nem todo fazem humor).Conta que em Itabira estão criando o Tropeirão Ilustrado: ele e Pablo Rocha.

Isto faz parte de uma onda que começou há qua-tro anos em SP, o Bistecão Ilustrado, que seguiu com Costelão Ilustrado em Curitiba, o Rabiscão de Brasília, Berbigão de Florianópolis,Trem Bão de BH, Baião Ilus-trado de Fortaleza e o do Rio.

O Tropeirão segue a mesma linha: encontro de ilustra-dores e aficcionados, não apenas cartunistas. Diz o laz:

“A ideia é um encontrão mesmo, onde artistas se re-únem pra trocar experiências, informação, discutir di-reitos autorais, caminhos, ensinar a quem quiser, mos-trar, fazer contato, exibir, aprender. A gente vai usar os forros de mesa pra desenhar, depois viram livretinhos pra distribuir nos próximos encontros.”

Começa entre agosto e setembro e será bimestral. Convidará ilustradores de BH e outras cidades. Lançará revistas, como a Graffiti e Arroz Integral. Ah, e convi-dará também a melhor tropeirista do Matto-Dentro, co-

zinheira de mão cheia de Ipoema. Porque tudo é regado a desenho, conversa, cerveja e tropeiro. Imperdível.

Hora do patrocínio. Não o santo. O do município e empresários. Alô, FCCDA, olhai mais uma iniciativa vindo de fora da política oficial.

Se ninguém ouvir, o Tropeirão sai assim mesmo. A cada dois meses num lugar. Num bar. Saiba mais em http://tropeirao.blogspot.com/ (e em http://costelaoilustrado.blo-gspot.com/ para saber sobre os outros encontrões)

PS: MANIFESTO PELA CULTUrA ITABIrANA Não só ilustradores se mobilizam em Itabira. Pes-

soal ligado à cultura está se reunindo (Mauro Moura à frente) e já lançou um Manifesto pela Cultura. Querem uma política cultural para a cidade. O que nunca exis-tiu.Querem respostas da FCCDA e da Prefeitura. Estão fazendo a parte deles. Mais, depois, neste Cometa de papel e no cometaon.blogspot.com.Parece que a coisa anda mal, ou melhor: não anda na Itabira oficial. leia também em http://www.lestemais.com.br

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Direito àcomunicação. Ana Paula Amorim

“Liberdade de expressão X Liberdade de Im-prensa: direito à comunicação e democra-cia” é o novo livro de Venício A. de Lima. Essas informações já são suficientes para chamar atenção para a obra. Pelo tema, pelo enfoque que se anuncia desde o título e pelo autor. Quem lê os artigos do profes-sor Venício no Observatório da Imprensa e na Carta Maior conhece sua posição. Mas, principalmente, conhece a qualidade das in-formações que ele colhe para suas análises, sempre com muita lucidez. Objetividade não é sinônimo de neutralidade e tanto melhor quanto mais objetivo e menos neutro for o cientista social, já nos alertou Boaventura de Sousa Santos. Venício, pelo que já lemos dele, exercita isso muito bem. Sabe transitar com desassombro nas áreas dos conceitos. A mesma destreza que usa para apontar, neste seu novo livro, a diferen-ça entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa. E tudo isso para defender a ne-cessidade de orientar o debate para o direito à comunicação. Insistir na promiscuidade dos conceitos é uma maneira desonesta, podemos dizer, de impedir o saudável deba-te em torno da própria democracia.Estabelecer essas distinções é também uma forma de reposicionar o debate sobre a li-berdade de expressão a partir do conceito em que ele se desenvolve, que é o conceito de liberdade. Fábio Konder Comparato, que assina o prefácio do livro, faz a pertinente observação dos desacertos decorrentes da distinção entre liberdade pública e liberda-des privadas, como se estivessem em cam-pos opostos. Boa parte da discussão sobre liberdade de expressão se desenvolve nesse contexto limitador quando, diz Comparato, “entre liberdade pública e liberdades priva-das não há oposição, mas sim complemen-taridade. A liberdade pública é o quadro de organização das liberdades privadas”. O livro anuncia leituras instigantes e refle-xões valiosas. Não por acaso, em um mo-mento de rica transição que estamos viven-ciando no Brasil. Venício Lima e também Fábio Konder Comparato são importantes testemunhas e personagens desse momen-to. Fundamental ouvir o que eles têm a dizer.

Copa de “europeus”

Praia 1

A “técnica” dos empresários

O jogo de Pimentel acabou

PT mineiro em três tempos

Algumas perguntas

Sempre que posso, defendo a tese de que ao menos metade dos convoca-dos deveriam ter jogado nos países que dizem representar, no mínimo na última temporada inteira. Os países fornecedores de jovens craques se atolam em campeonatos inexpressi-vos e deficitários. A globalização no futebol é perversa. A Copa vai cami-nhando para uma tediosa mega Liga dos Campeões, europeus naturalmen-te, né?(Paulinho Saturnino Figueiredo, no Facebook)

O inverno chegou, a copa também, e cadê a Praia da Estação? Temi que o movimento fosse perder o fôlego pro futebol e pro frio polar de BH, mas não é o que acontece. As reuniões e divul-gações continuam. No twitter fui avi-sada de que o 2o. decreto deu um gás na “revolta” dos banhistas, e dia 17 de junho saiu um post no blog do jornalis-ta Luis Nassif explicando sobre a Praia. Dentre os vários comentários haviam opiniões divergentes, mas me parece que a maioria tendia a apoiar a causa mineira. (Aline Dacar)

As firulas e gulas comerciais estão engolindo a Copa, acho que a representação de países deveria passar por nova leitu-ra. Boa parte dos jogadores nunca jogaram, ao menos

profissionalmente, nos países que representam. Não demora e os grandes empresários es-tarão escalando as seleções. (Paulinho Saturnino Figueire-do, no Facebook)

Como era esperado, Pimentel tentou articular o PT mineiro ao redor de seu nome e não sair como derrotado. Também tentou barrar avanço de Patrus. Mas engoliu a aliança com

Hélio Costa e será candidato a Senador. Foi um uso indevido da militân-cia de base que imaginou que se tratava da autonomia do PT mineiro. (Rudá Ricci)

Do sítio do PTMG: 1) Pimentel lidera com 47,39% pesquisa da Fedramig para o governo de Minas (21/5/10); 2) Por que Pi-mentel para governador de Mi-

nas? (26/5/10); 3) PT e PMDB anunciam acordo em Minas, com Hélio para o Governo e Pi-mentel para o Senado (8/6/10). (CAC)

Por que Pimentel senador e não vice? É razoável o PT não ter candidato a governador no momento em que teria mais chances de ganhar? Fazer parte do governo Hélio Costa será um avanço? Que espa-

ço terá o PT nesse governo? Quais as bases desse acor-do? O que acontecerá com o PT mineiro nos próximos qua-tro anos? Vai inflar no poder ou murchar? (Carlos Alberto Cândido)

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Praia 2

NOVA LEI Do sítio do PTMGTresloucado

Enquanto nenhum evento é marcado em prol da Praia, segue o circo montado pela Prefeitura de Belo Horizon-te em parceria com a Coca Cola nas Praças da Estação e JK. É muito bonito cobrar um quilo de alimento pro ci-dadão assistir aos jogos da copa, mas não se engane, Lacerda está favorecendo grandes empresas, como a Coca Cola, em prejuizo dos belorizontinos. Quando é que o Grupo de Teatro Galpão vai ser capaz de pagar 10 mil reais pra se apresentar na Praça? A resposta eu espero do Lacerda. Espero sentada, porque né?! (Aline Dacar)

Até a Folha é mais progressista que o Aldo Re-belo: “A proposta alinhavada pelo relator pro-digaliza moratórias, suspende multas, alarga prazos para recomposição de reserva legal, reduz APPs, libera exploração de várzeas e topos de morro... Um lobista em defesa dos interesses mais atrasados da agropecuária não teria feito melhor do que ...o parlamentar comunista” – editorial “Retrocesso florestal”. (Luciana Lucien)

1) Pimentel lidera com 47,39% pesqui-sa da Fedramig para o governo de Mi-nas (21/5/10); 2) Por que Pimentel para governador de Minas? (26/5/10); 3) PT e PMDB anunciam acordo em Minas, com Hélio para o Governo e Pimentel para o Senado (8/6/10). (CAC)

Da série fazer bons filmes não significa ter boas ideias políti-cas: “No mundo ideal, eu po-ria Marina presidente e Serra e Dilma no seu ministério” – Fer-nando Meirelles, cineasta –em O Estado de S. Paulo. (CAC)

Hélio Costa sem vice 1

Vice do senado

Sol e sombrano gramado

Hélio Costasem vice 2

“Cala a boca galvão”

INDOLêNCIA MINEIRA

Não se enganou quem viu na eleição para pre-feito de BH em 2008 um ensaio da eleição presidencial de 2010. O PT se transformou de um partido progra-mático num partido

pragmático. Em 2008, Pimentel entregou a prefeitura para La-cerda, em nome de um acordo nebuloso. Agora, foi ele mesmo o sacrificado pelo PT nacional. (CAC)

Se Dilma vence, e como Pimentel é ligadíssimo à candidata, é mais que provável que o ex-prefeito assuma algum

Ministério e seu suplen-te mais certo, o articu-lador de confusões, Vir-gilio Guimarães, viraria senador. (MP)

Oitenta anos depois da primeira Copa, quarenta depois da primeira transmis-são pela tevê, já era hora de se resolver o problema das faixas de sol e sombra nas transmissões. Futebol virou um es-petáculo de televisão, estádio onde são realizados jogos durante o dia tem que ser coberto. Ponto final. (CAC)

Se bem que oito anos no Senado não são exatamente um sacrifício... A vaga para o candidato a vice de Hélio Cos-ta está aberta - seria para Patrus? À primeira vista não parece haver lugar nessa política pragmática para gente de princípios, como Patrus. À primeira vista. Mesmo porque Patrus como vice de Hélio Costa seria algo como Lula ter sido vice de José Alencar... (CAC)

“Um colega em nossa mesa gráfica, Sergio Peça-nha, salienta que a vuvuzela não é a única coisa gerando um barulho irritante durante jogos da Copa na África do Sul. Aparentemente, os fãs do futebol brasileiro foram chegando para o botão de mudo para bloquear o co-mentário de Galvão Bueno, o país mais conhecido lo-cutor esportivo.

Acham tão chato seus pronunciamentos sobre o torneio (ou qualquer nar-ração, seja futebol ou Fór-mula 1) que a frase “Cala a Boca Galvão” (ou “Shut Up Galvão”) tornou-se assunto top Twitter é tendência na segunda-feira.

Como Raphael Tsavkko Garcia explica em um post no Global Voices blog, o sú-

bito aparecimento desta fra-se no topo da lista do Twitter (TTs), levou à especulação sobre o que significaria esta ‘campanha’. O levou alguns brasileiros a elaborar expli-cações totalmente ficcional, o mais popular foi a frase “Salve o Galvão”, uma es-pécie supostamente amea-çadas de ave que só pode ser salva por uma campa-nha Twitter.

No domingo, um vídeo apareceu no YouTube hoax implorando ao mundo para ajudar a salvar as aves Galvão de extinção - por “retweets”, a frase “Cala a Boca Galvão”. Até agora, parece estar funcionando - o vídeo foi visto mais de 200.000 vezes, e Galvão expirou.” (pelo post, Gus-mãozinho)

José Trajano disse que Tostão teria a velha indolên-cia mineira, que dificulta seu deslocamento para partici-par dos programas da ESPN. Mais uma das “lendas” bra-sileiras sobre os mineiros. Há uma certa ponta de cul-tura rural no estilo mineiro. A capital mineira, lembremos,

foi projetada na segunda metade da última década do século XIX. O interior sempre teve um papel preponderan-te na política mineira. Mas nada que se aproxime de in-dolência. Minha tese é que o estranhamento do centro-sul sobre a lógica cultural minei-ra gera erros de avaliação

grosseiros. E certa tentativa de rotular que raramente não desmerece Minas Gerais.

Além da forte caracte-rística feminina da políti-ca mineira (explicada pelo protagonismo das mulheres na administração da família em todos ciclos econômi-cos que o Estado viveu),

os mineiros são os maiores herdeiros da tristeza e pessi-mismo português em nosso país. Minas é o mais portu-guês dos Estados brasilei-ros. Mineiro não gosta de grandes arroubos, o que di-minui em muito a exposição pública. (do blog rudaricci.blogspot.com)

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Turrões

NOVA LEI 2

A política do PT nacional é uma política antidemo-crática. Considerando a eleição em dois turnos, nada mais justo do que os candidatos do PT e do PMDB disputarem o primeiro turno e se unirem em torno do nome mais forte, no segundo. No primeiro turno, o eleitor vota no seu preferido, as propostas se diferenciam. No segundo, vota no menos pior. (CAC)

Você sabia? Se um torcedor do Galo for na Loja do Galo trocar uma camisa comprada em outra Loja do Galo, não vai poder (a não ser que conte com a boa vontade da gerente, como na loja da Savassi). Embora a marca seja uma só, cada loja é uma unidade separada e não faz trocas de outras. Ou seja: o consumidor está sendo enga-nado e fica aborrecido, o que é ruim para todos. Nosso Galo não é ruim apenas para contratar treinador e jogadores, é ruim também para ven-der artigos licenciados. (CAC)

Câmara superlenta

Direito de resposta

Loja do Galo

A grande novidade nessa Copa é a câmara su-perlenta. Ela possibilita que vejamos coisas que nunca vimos. Melhor dizendo: ela mostra que o que vimos não foi o que aconteceu. Fantástico. O goleiro salta e soca a bola: na verdade, a bola bateu nas suas mãos, seu movimento de socar foi atrasado em relação à velocidade da bola. Na câmara superlenta percebemos a diferença de uma fração de segundo. (CAC)

Por desinformação -ou má-fé-, Ferreira Gullar atribuiu a mim, em sua entrevista (Ilus-trada, ontem), “querer impedir a exibição de filme americano na TV a cabo”. Nunca afirmei isso. O stalinista adormecido quer censurar minha opinião

sobre o lixo cultural a que so-mos submetidos na TV, que nada tem a ver com o cinema americano -aliás, o melhor de todos. Sua entrevista apenas revela o melancólico caminho de alguns comunistas arre-pendidos. Perdido no tempo,

Gullar quer negar a diferença esquerda/direita. Nada mais de direita do que isso. De qualquer maneira, parabéns ao poeta pelo Prêmio Camões. (Marco Aurélio Garcia, asses-sor especial da Presidência, na FSP)

Ainda a Folha sobre o novo Código Florestal: “Ao tentar transformar em regra de direito o fato consumado dos crimes ambientais, o relator abandona a busca de equilíbrio entre agenda econômica e natureza. Não por acaso, acata a reivindicação de delegar aos estados o poder de legislar sobre reserva legal e APPs - que mal disfarça a inte...nção de transferir as leis para instân-cias mais vulneráveis à corrupção”. (Luciana Lucien)

Tira teimaAs câmeras superlentas que na copa nos parece uma novidade tecnológica, pelo menos no cinema é bem antiga. Em 1983 Godfrey Reggio dirigiu e lançou o pri-meiro documentário da sua triologia. Koyaanisqatsi: Life out of balance, que tem música de Philip Glass, mostrando o desequilíbrio da vida urbana e da natureza em imagens às vezes super rápidas e em outras super-lentas. E só agora chegam à televisão. Vale ver os três. Os dois outros são Powaqqatsi (1988) e Naqoyqatsi (2002). (Gusmãozinho).

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Às vezes fico achando que sou uma invenção de vocês. Que eu não existiria se o Cometa não badalasse a minha existência, dando-me verossimilhança, forma, credibilidade. Carlos Drummond de Andrade

Desde1979 $2,00

Diz Tom Zé no disco Com Defeito de Fabricação, “pelo esgotamento da combinações dos setes graus da escala diatônica (mesmo acrescentando alterações e sons vizinhos) esta prática se desencadeia sobre o universo musical. Uma estética do plágio. Uma estética do Arrastão”. Assim decidimos fazer uma arrastão em matérias publicadas na internet. Mesmo as originais foram, antes, postadas em blogs do Cometa e outros. Entra agora para navegar.

Arrastão geralUma edição nada original

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EDITORIAL

Ocupando a cidade:quero morar no centro

EFEITO PRAIA DA ESTAÇÃO

A invasão da internet

Mais uma vez dizem por aí. Agora é que os jornais de papel vão acabar. Os brasileiros da chamada grande mídia, partidarizados do jeito que estão hoje, até que nem fariam tanta falta assim.

Mas, assim como os livros, apesar dos ipads da vida, permanecerão. Pelo menos por mais uns séculos – tanto assim? Indagaria a moçada que vive hoje em função da web, viciados em redes sociais e afins.

também que a internet cresceu tanto, que já tem in-fluência e credibilidade tão grandes e já concorre com os jornalões. Enfrenta o touro da grande mídia com blogs e sítios livres com suas próprias armas.

A nova mídia livre é contraposição às informações dis-torcidas que somos obrigados a engolir todos os dias. A grande mídia, seja em jornal, TV ou internet, até já assu-

miu que, com uma oposição incapaz e fragilizada, faz ela mesma a oposição ao governo.

Agora em maio foi criado Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, com gente como Altamiro Borges, Eduardo Guimarães, Leandro Fortes, Luiz Carlos Azenha, Paulo Henrique Amorim e muitos outros jornalis-tas e blogueiros.

Uma corrente para dar voz e vez a esse novo jornalismo livre. Uma espécie de revival contemporâneo da imprensa alternativa que enfrentou a ditadura. Para estudar e forta-lecer os vários canais desse jornalismo alternativo.

Então nesta edição trouxemos a internet para dentro do Cometa Im(presso). Mesmo as matérias originais foram antes postadas em blogs do Cometa (cometaon.blogspot e ocometaitabirano.blogspot.com) e nos blogs dos próprios autores.

Enquanto o site do Cometa se prepara para entrar no ar (dizem que isso vai fazer o Cometa de papel derreter), uma explicação: o Centro da Mídia Alternativa leva o nome de Barão de Itararé, em homenagem ao grande frasista (Mil-lôr morre de ciúme) e criador do primeiro jornal alternativo do país nos idos anos iniciais do século 20.

LaLá*

Até pouco tempo atrás eu tinha medo de ir ao centro de Belo Horizonte. Isso porque cresci num universo no qual “a violência de hoje tá uma coisa medonha!”, onde minha vida poderia ser colocada em risco simples-mente se eu decidisse voltar a pé para casa às sete da noite. Denis Russo teoriza sobre os motivos disso, mas o fato é que a região cen-tral para mim era sinônimo de assalto, cheiro de urina e doidões drogados.

Isso vinha mudando há algum tempo, principalmente depois que passei a pegar ônibus (quase) no centro para ir ao trabalho. Mas foi nos últimos dias que realmente estive no centro. Começou com a experiência de ir até a Praça da Estação a pé a partir da Praça Afonso Arinos (mais ou menos) e culminou com uma manhã no local com direito a metrô pra Contagem.

Participei de duas horas e meia do Even-tão na Praia da Estação. Mas foi como se esti-vesse familiarizada há meses. Vi muita gente que eu conhecia, mas que não tinha mais con-tato. Vi gente engajada que participa desde o início e conheci gente que, como eu, estava ali pela primeira vez pra “ver como é que é”. Joguei frescobol, vi teatro de criança, estendi minha canga no concreto. Fiz tudo que gente que mora na cidade faz na cidade (talvez ti-rando a parte da canga).

E me senti parte da cidade, no seu nú-cleo mais interno: de convivência, conflitos, contrastes. Peguei o metrô às 13h30 com um aperto no peito, uma vontade enorme de fi-car mais, de não sair nunca mais do centro da cidade onde eu nasci. Nunca me senti tão belo-horizontina (belorizontina?).

Graveola e convidados tocam no viaduto Santa Tereza

Depois vieram as fotos na internet, os ví-deos, os relatos, e vi que a festa foi maior, foi enorme. Mais gente se juntou, cantou, dançou, pulou, batucou e fez da cidade deles. Olhei as fotos com uma alegria enorme de ver um monte de gente que eu conhecia, dos mais diversos lugares, todos compartilhando de um momento que também é de BH.

E me deu vontade de viver para sempre no centro da minha cidade.

*(Arrastão em http://blogsustentavel.wor-dpress.com e pracalivrebh.wordpress.com)

Conselho Editorial: Carlos Alenquer, Ilson Lima, Beto Vianna, Cau Gomez, Angelo Campos, Marcelo Procopio (editor)Diretor de arte: Angelo CamposDiagramação:dz7 designCharge e ilustração: Lute, Genin, Cau GomezFotografia: Roneijober Andrade,Marcelo RosaSecretária: Flávia Guerra

Colaboradores: Heloisa Bizoca Greco, Marcelo Dolabela, Nei Lima,Wagner Passos, Paulinho Saturnino Figueiredo, Marcelo de Freitas, Rogério Perez, Eneida Costa, Luís Carlos Bernardes, Sylvio de Podestá, J. Bosco, João Carlos Firpe Penna, Pablo Gobira, Otaviano Lage, Lucas Ferraz, Mario Pontes, Arthur Vianna, Cristina Silveira, Fernando Grossi, Casso, Waldez, Melado, Alecrim, Amorim, Priscilla de La Rocque, Bira, Jorge Barreto, Nilson, Mario Vale, Affonso Romano de Sant’Anna, Rodrigo Merheb, Alexandre Pimentel, Carlos Alberto Cândido, Sulamita EsteliamCorrespondentes: Marcelo Paganini (Paris), Diogo Lopes (Barcelona), António Eloy (Lisboa), Marco Antônio Moreira (Boston)

Redação e Administração: Rua Panamá 100, s/12 - Sion - Belo Horizonte/MGCep: 30320.120 - Fone: 31.3286.2629e-mail: [email protected]

cometa editora20 de maio de 2010 | Edição 341

Barão de Itararé, o primeiro alternativo do Brasil

Page 23: Jornal Cometa

CarLos aLberto Cândido*

Quando mais tempo passa, melhor o governo lula fica. Na crise internacional, o Brasil saiu-se melhor que os ricos, deixando sem graça quem ridicularizou a ima-gem da “marolinha”, mostrando que uma alternativa efi-ciente e justa à receita neoliberal; na diplomacia, mostrou aos EUA como é que se negocia. Premiado por organis-mos internacionais e aclamado por todos, Lula não ape-nas faz o melhor governo da história do país: dá exemplo ao mundo e se torna referência para os pobres, para os trabalhadores, para as pessoas comuns, para os homens de bem. E nós, brasileiros, educados no complexo de vira-lata, de “país do futuro”, a que nossas elites nos re-legaram durante séculos, mal conseguimos acreditar no que estamos vendo, cheios de orgulho: o político mais influente do mundo é um brasileiro!

Quando foi que sentimos um orgulho assim? Quan-do Santos Dumont fez um avião voar pela primeira vez. Quando a Seleção se tornou campeã em 58 e 62. Quando Ayrton Senna vencia as corridas nas manhãs de domin-go... Orgulho de um brasileiro isolado, de um esporte que praticamos como ninguém, de um compatriota vitorio-so. Agora é diferente, é orgulho de um país inteiro que se tornou respeitado no mundo, orgulho de um homem que veio do povo e continua falando como o povo, que tem a coragem de falar aos ri-cos o que o povo pensa. Um homem do povo dando o exemplo! Um brasileiro! É mesmo para nos en-cher de orgulho.

Lula ofusca Obama, quem diria. O primeiro presidente negro dos EUA não tem o brilho do primeiro presidente operário do Brasil. Obama decepciona porque não muda, como Lula mudou. Obama decepciona com sua timidez, decepciona porque não é quem disse que seria, quem esperávamos que fosse. Oba-ma disse que nós podemos, Lula mostra que nós podemos. Felizmente o mundo tem Lula, ocupando o espaço do novo, num momento de crise mundial. Lula podia ser como FHC, abaixar a cabeça de tanta felicidade por privar da companhia e dos elogios de Bill Clinton e conservar o lugar na senzala, com acesso à cozinha dos senhores, mas Lula foi mais, foi ele mesmo. Talvez não seja culpa de FHC: não bastava ser FHC, era preciso ser Lula para fazer o Brasil ser o que o Brasil pode ser.

FHC perdeu a chance de fazer a política da transfor-mação, assim como Obama está perdendo a chance de mudar o mundo. Numa rodada de negociações, movida pela boa vontade e pela tolerância, Lula conseguiu o que

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O exemplo Lula no país de Dunga a ONU eternamente submissa aos EUA não conseguia. Ao fazer o acordo nuclear com o Irã, para o qual levou junto a necessária parceria do governo turco, Lula mos-trou que a intransigência vem dos EUA, não dos irania-nos, que a paz é possível para os homens de boa vontade. A luta é longa e a batalha ainda não foi ganha, mas o rei está nu e Lula mostrou isso com a ingenuidade de uma criança e a sinceridade de um homem do povo.

Lula pôde fazer isso porque é reconhecido no mundo inteiro como um paladino da paz, um governante com-petente, um líder político influente – o mais influente, segundo a revista americana Time. Lula é “o cara”, reco-nheceu Obama. E Lula atingiu essa posição não porque rastejou diante dos líderes do primeiro mundo ou bran-dindo uma retórica ideológica belicosa. Lula encarna a negociação, a mediação, a tolerância. Lula é sinceramen-te um homem do diálogo, um político na acepção original da palavra, não no péssimo conceito que nós, brasileiros,

fazemos dos políticos. Quem antes dele, no Brasil, foi as-sim? Juscelino, talvez.

Recuperar a imagem do político talvez seja o maior benefício que o governo Lula faz ao país, embora isto não tenha sido percebido. O que Lula faz é a essência da política. Político não é, como pensamos, porque é este o modelo mais frequente e exposto pela mídia, o esperta-lhão que compra o eleitorado com promessas e favores, que vira outro depois de eleito, que troca seus votos no parlamento por benefícios pessoais, que é eleito pelos po-bres, mas governa para os ricos. Político não é um sujeito corrompido pelo dinheiro e pelo poder.

Político é o sujeito que doa sua vida para a coletivida-

Lula ofusca Obama,

quem diria. O primeiro

presidente negro dos

EUA não tem o brilho

do primeiro presidente

operário do Brasil

de, que representa seu povo, que compreende a diversida-de dos interesses e a complexidade das decisões, o sujeito que tem uma incansável disposição para atender seus re-presentados, para ouvir, para negociar, para ser intransi-gente quando não se pode transigir, para ceder quando é preciso ceder. O político, já o sabiam os gregos, é o mais admirável dos homens, o mais sábio dos intelectuais. Não é fácil ser político, ainda mais quando a lama do outro político, do corrupto, respinga nos seus ombros.

O governo Lula está para a política brasileira como Seleção de 58 e 62 está para o futebol: a gente sabia que podia, sabia que era bom, mas sempre perdia... Perdemos a Copa de 1950 como perdemos a votação das Diretas Já! Lula nos redimiu, como Pelé e Garrincha. Lula é o nosso Pelé na política. Feliz daquele que viu Pelé jogar. Lula é o nosso Pelé e o nosso Garrincha. Feliz de quem viu Gar-rincha jogar. Lula é como Garrincha: não houve outro. Lula é como Pelé: nunca existiu outro igual. Lula é único. Feliz do brasileiro que viveu para ver o seu governo: tanta gente boa morreu esperando o país do futuro! Tanto idea-lista morreu desiludido com a política!

Lula é só um, e é ele mesmo quem diz: “Eu não podia errar, porque nunca mais um trabalhador conseguiria ser presidente do Brasil”. Lula mostrou que o povo brasileiro é melhor que sua elite. Numa política cheia de Dungas, novos craques surgirão depois do exemplo lula. Afinal,

o mesmo Santos que nos deu Pelé, não nos dá agora Neymar e Ganso?

* Carlos Alberto Cândido é brasileiro e atleticano nato, mas torce pelo Santos e pela humanidade.

Page 24: Jornal Cometa

04

POr PArTES:1) Mineiro é desconfiado? Acho que é lenda.

Com quase duas décadas por estas bandas, acho que há duas características principais, na política: o per-sonalismo e o estilo rural-comunitário;

2) Minha tese é que a política mineira é a mais feminina do país, marcada pelo poder privado. Mi-neiro não gosta do que é público. Ouvi, uma vez, um padre dizer que mineiro gosta de denúncia mas não de quem denuncia;

3) Esta marca vem da ausência dos homens na administração do lar, em virtude do nomadismo dos ciclos econômicos, a começar pelos tropeiros. As mulheres assumiram papel preponderante nas decisões locais e são muito fortes na condução das famílias. Daí (em função dos homens nômades) que há tantas duplas e triplas famílias dentre os homens do interior, muitas vezes toleradas pelas mulheres. E daí a expressão, no Vale do Jequitinhonha: “viúva de marido vivo”. Daí xica da Silva, Dona Beja e tantas outras. Elas construíram a lógica da admi-nistração doméstica e marcaram uma cultura local-regional, tão profunda na política mineira. Por aqui, nada de embate e confronto direto e agressivo como os paulistas gostam;

4) Eu nunca consegui entender totalmente como um candidato estadual ganha eleição por estas ban-das. Eles não aparecem. Os que aparecem muito acabam perdendo. Veja o caso do Hélio Costa: de onde vem esta liderança nas pesquisas? Eu não tenho a menor idéia. Ele está ausente em quase tudo que é público, não apresentou nenhum projeto relevante, mas anda pelas estradas de terra (o que conta por aqui);

5) O que o pessoal do PMDB mineiro diz é que ele sempre chegou muito perto de se eleger. O que faltava era justamente uma aliança para valer com PSDB ou PT. Veremos se isto é fato;

6) No mais, o que conta por aqui é aecismo-lulismo. O resto é balela. Partido é vertigem. E Aécio, não tenho dúvidas, vai cristianizar Serra. Porque ele não vai abrir o Estado para Serra ser a figura mais importante da República. Minas é do Aécio. Ele já fez isto antes. Com Alckmin (a imprensa tem memória curta) chegou a fazer um grande encontro com prefeitos mineiros. E, por baixo do pano, liberou e apoiou os lulécios. Tenho relatos de prefeitos lulécios que se reuniram com

RuDÁ RicciBRASíLIA

MAIS UMA TENTATIVA DE ExPLICAR:

O jeito mineiro de fazer política

Aécio na sede do governo, traçando planos. Os tu-canos não mineiros desejam ardentemente que isto não ocorra e até a Folha entrou neste embalo com a coluna do Fernando Barros. Trata-se de uma ilação de quem não entende nada de mineiro. O lulismo por aqui é Fernando Pimentel;

7) Acho que Patrus (e sua geração PT anos 80) morreu neste final de semana. Ele nunca disputou o PT (nem ele, nem Nilmário Miranda, nem Luis Dulci, nem André Quintão, todos medalhões deste bloco), enquanto Pimentel fez todo jogo de praxe (filiou até poste, financiou campanhas de prefeitos do interior em 2008 etc). O PT-lulista está como peixe no aquário em relação ao tradicional sistema partidária tupiniquim. Já não é outsider. E, enquan-to o PSDB é o guardião deste sistema absoluta-mente distante das ruas), o PT caminha para dar as mãos e sair por aí, sem lenço nem documento, convidando, de passagem, o PMDB. Aposto todas minhas fichas que a aliança em curso (coisa de poucos anos) é o fechamento completo do sistema partidário PT/lulista-PSDB-PMDB. Minha dúvi-da é se os tucanos paulistas serão alijados, terão menos força ou se serão peça fundamental desta trama. Se forem peça fundamental, demorará mais tempo para ocorrer a aliança (até a geração FHC-Serra ser substituída). Se tiverem menos peso (o que pode ocorrer com uma eventual derrota de

Serra à Presidência), sobe a geração mais afeita à concertações políticas, com liderança de Aécio e tucanos cearenses;

8) Portanto, cá em Minas, Hélio Costa é nada como Anastasia o é. O que conta é a vontade de Lula-Pimentel e Aécio. O resto é papo furado. Em outras palavras, a questão é se Aécio joga suas fi-chas em Anastasia ou se resolve fazer corpo mole, procurando avaliar o cenário até meados de setem-bro. O que posso garantir é que mesmo cristiani-zado (o que não é tão certo assim, neste momento) Anastasia não estará fora do projeto vitorioso. Anastasia é a Dilma de Minas;

9) O que os analistas com pouca experiência no mundo político concreto ou não mineiros não en-tendem é que partido não conta nada em MG. São agrupamentos políticos ao redor de líderes que se aproximam e conversam com frequência. Os “mili-tontos” ficam brigando entre si e os líderes minei-ros acertam tudo nos bastidores. Há uma ética nas disputas por aqui - como em duelos do século xIx -, um código não escrito, difícil de entender. É uma arte mineira. Eu mesmo, só percebo sinais e analiso resultados. Mas o que ocorre de fato, nunca entendi;

10) Termino com esta: se Lula desejar, Hélio Costa se torna governador. Mas precisará convencer Aécio. Ficou claro ou ainda está muito mineiro?

(Arrastão em blog rudaricci.blogspot.com)

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Três eventos distintos, separados em períodos esparsos, definiram nos últimos meses o arrazoado doutrinário e os modos da nova direita brasileira, remodelada em forma e conteúdo, mas não nas in-tenções, como era de se esperar. Aterrissaram em sua pista dourada intelectuais do calibre de Fernando Gabeira, Ferreira Gullar, Nelson Motta e Arnaldo Jabor, grupo ao qual se agregou, para estupefação do humor, o humorista Marcelo Madureira, do abismal Casseta & Planeta. Essa nova direita, cheia de cris-tãos novos e comunistas arrependidos tem no DNA um instinto de sobrevivência mais pragmático, ges-tado nos verdadeiros interesses em jogo, não mais na espuma do gosto popular. Não por outra razão, se ancora menos na ação parlamentar e mais na mídia, onde mantém brigadas de colunistas, e onde também atua, nas redações, de cima para baixo, de modo a estabelecer um padrão único de abordagem sobre os temas que lhe dizem respeito: dinheiro, liberdade ir-restrita de negócios, dominação de classe, individua-lismo, acúmulo de riqueza e concentração fundiária.

Os três eventos aos quais me refiro causaram um razoável revertério na estratégia de comunicação

social bolada por esse grupo neoconservador tupi-niquim montado na rabeira da história dos neocons americanos. Senão, vejamos:

A surpreendente confissão de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jor-nais (ANJ)

“A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contra-ponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está pro-fundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobre-maneira o governo.”

Judith, autora da fala acima, primeira mulher a assumir a presidência da ANJ, é diretora-superin-tendente do Grupo Folha da Manhã, responsável pela publicação do diário “Folha de S.Paulo”. Disse o que disse porque, como chefe da entidade, tinha como certo de que não haveria outra interpretação, senão à dos editoriais dos jornais que representa, todos favoráveis ao papel da imprensa anunciado por ela. Em suma, Judith Brito, embora não seja jornalista, representa bem um dos piores vícios da categoria, sobretudo no que diz respeito à cobertura

política: falar exclusivamente para si e para os seus pares de ofício, prisioneira em um círculo de giz no qual repórteres escrevem para outros repórteres, certos de que uns irão repercutir os outros, escravos de uma fantasia jornalística alheia à realidade do mundo digital que está no cerne, por exemplo, da decadência e no descrédito dos jornais impressos – não por acaso, fonte do poder e da autoridade de Judith Brito.

(Arrastão em brasiliaeuvi.wordpress.com, leia mais lá)

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A nova direita ou neocons tardiosLEANDRO FORtESBRASíLIA

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Um dia, o telefone toca.- Daniel, vai fazer o quê quarta-feira que vem, ali pelas três da tarde?Como todo cara que tem tempo livre à beça, sempre acho que não tenho nenhum.- Putz, tenho dentista.- Mas você tinha me falado que o dentista era na sexta.- Pois é, mas na quarta já começa a preparação

espiritual, sabe?- Bom, então tá. Vou arrumar outra pessoa pra pela-da com o Chico Buarque.Deu um “tchuns” na minha cabeça, seguindo de um “tchans” e de um “ziriguidum”. Achei que tava fi-cando doido.- Cumequié? Futebol com o Chico Buarque?- Isso, aquela pelada que tinha te falado. Tem uma vaga sobrando. Mas vou ligar pro…- Vai ligar pra ninguém coisa nenhuma. Quarta-feira tô lá.E só aí me lembrei, havia bem uns oito anos que não chutava uma bola. Desde que o Felipão cometera

duas injustiças, e não convocara o Romário e eu para a Copa de 2002. Ali decidi pendurar o

Kichute e tentar esportes menos frustrantes, como corrida de pombos e arremesso de atum.Pois bem. Na quarta-feira, no bat-local e na bat-hora marcados, já havia algumas

pessoas, mas nada do Chico. Deve chegar de helicóptero, tipo o Papai

Noel no Maracanã, pensei. Ou então com batedores da polícia abrindo caminho, ou de barco pelo… No meio do meu devaneio, alguém me cutuca e apresenta um sujeito de short e chuteira, pronto pro jogo.- Daniel Cariello, Chico Bu-arque. Chico Buarque, Daniel Cariello.Eu havia pensado em várias coisas para dizer nesse momen-

to, imaginado todas as possibi-lidades. Tinha preparado piadas,

frases inteligentes, postura blasé, citações de Platão e o escambau. Uma delas, a boa, seria acionada na hora das apresentações. Só não havia previsto o imprevisto. E aca-bei dizendo a coisa mais estúpida.- Chico Buarque? Acho que já ouvi falar…Que imbecil eu sou, falei pra mim mesmo. Cretino, cretino!Enquanto me recuperava, as equipes foram divididas, seis de cada lado, e ficamos em times opostos. Logo alguém passa a bola para o Chico, que vem em

minha direção.- Vai lá, Daniel.- Eu? E faço o quê?- Marca em cima.- Uai, e pode?Podia. E fui. Tomei a bola.- Desculpa, foi sem querer.Não sei se era perseguição pelas idiotices que eu havia falado, mas ele vinha atacando sempre pelo meu lado. Ou seja, eu precisava marcá-lo, era minha tarefa. E se eu fizesse uma entrada mais dura? Já imaginava as manchetes dos jornais – todos os jor-nais – do dia seguinte: “Campeão mundial da idio-tice quebra Chico Buarque em partida de futebol. Músico nunca mais poderá tocar violão”.- Ei, vamos trocar. você fica na direita e eu na esquer-da. Jogo melhor pelo lado de lá. – Propus a um com-panheiro de equipe, mentindo descaradamente, pois jogo igual, igualmente mal, em qualquer posição.Imaginando que a partida não duraria mais do que 30 ou 40 minutos, dei pra correr tudo o que podia. Alguns elogiaram minha capacidade de me desmar-car, mas mal sabem eles que fugia era da bola. E ela, teimosamente, sempre acabava nos meus pés. Aca-bava mesmo, pois qualquer possibilidade de jogada morria ali.Mas aí passa uma hora, uma hora e vinte, e nem si-nal do fim do jogo. E enquanto Chico Buarque des-lizava feito uma gazela, eu não tinha mais força nem pra ficar em pé. Mas apesar de mim o placar nos era favorável: 5 x 4.- Quando termina? – Perguntei.- Quando a gente estiver ganhando – Alguém do outro time respondeu.Achei o critério justo. E juntei as últimas energias para “dar o melhor de si e ajudar a equipe”. A equipe deles, no caso. E logo em seguida Chico marcou o gol de empate.- Bom, vamos parar, né? – Ele mesmo sugeriu. E ninguém discordou.Pronto! A invencibilidade do Paristheama, a filial francesa do Politheama, estava assegurada. Se a mi-nha vaga na pelada também estiver, vou fazer sem-pre o meu melhor para isso se manter. Não importa em que equipe jogue.

*( Arrastão em outraspalavras.net: Daniel Cariello, editor de Brazuca e co-autor da entrevista, é colabo-rador regular da Biblioteca Diplô /Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro)

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DANIEL CARIELLO

Para estufar este filó

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Transmissor, um show

Folk Rock: esse é o rótulo que comunidades mu-sicais da internet dão à banda mineira Transmissor. O som deles também é uma mistura de rock contempo-râneo, bossa-nova e Clube da Esquina. Confesso que nunca tinha ouvido nada igual aqui pelas bandas de Minas.

Descobri a banda na web e ouvi o seu primeiro e único álbum, Sociedade do Crivo Mútuo, de 2007, freneticamente. Estava ansiosa pela performance ao vivo. Fiquei sabendo pelo Twitter que eles fariam show em Belo Horizonte. A apresentação foi no Tea-tro Klauss Vianna -Espaço Oi Futuro. Já adianto que o desempenho dos transmissores não me decepcionou nem um triz.

A banda, formada por Thiago Correa, Leonardo Marques, Henrique Matheus, Jennifer de Souza e Bruno Santos, tocava naquele teatro pela primeira vez. Como percebi ao longo da apresentação, o grupo estranhava a timidez da platéia. Acostumados a tocar em bares da capital mineira, os shows do Transmissor têm participação ativa do público. Mas o teatro tinha seu charme, isso era inegável.

A apresentação começou intimista. No palco, ape-nas instrumentos e os integrantes da banda. Nenhum outro atributo decorava o espaço, o que fazia com que o foco da platéia se intensificasse ainda mais em cada detalhe da performance dos artistas.

A balada “Janela” inaugurou o repertório da noite. A imponência do teatro, com suas cadeiras vermelhas, constrangiam os fãs mais entusiasmados. Limitáva-mos-nos a uma dublagem discreta durante as músicas. No palco, a banda parecia igualmente acanhada. Tudo bem, era só o começo do show.

Depois de “Nada vai mudar”, ouvimos a primeira música inédita, que deve compor o próximo CD da banda, Nacional. “Para que pensar em voltar atrás se nós queremos mais,” dizia o refrão da canção, de autoria de Henrique, ainda sem nome. Não era nada

muito diferente do traba-lho mostrado no primei-ro álbum: tinha emoção, delicadeza e cativava sutilmente os ouvidos.

“Poema da batalha” trazia um tom diferente, marcado por violão, com um vocal forte de Thia-go Correa. A banda já se reconhecia no palco, mas nós na platéia conti-nuávamos bem grudados à poltrona. Em “Primei-ro de Agosto” houve um coro discreto. O gelo começava a se quebrar, estávamos vencendo o teatro. Mas “Dez se-gundos” era melancólica demais para nos dar força, a melodia era como um pedido de colo, indiferente ao estado emocional de quem ouvia. Bela interpretação. A coragem veio com o incentivo dos integrantes da banda, que pediram palmas no início de “Vem a chu-va”. O público acatou com entusiasmo.

No final de “Aquática”, me impressionei com a sintonia silenciosa entre os músicos. Depois de “Co-lorida”, mais músicas inéditas. “Outra ela” é marcada por destaque do violão e a voz grave inconfundível de Jennifer Souza, que de tão grave às vezes torna difícil entender a letra.

Thiago fez um intervalo para explicar a demora do segundo CD, que foi produzido num “retiro”, segundo ele. Falou de muita alegria, decepções, su-perprodução e descoberta, e encerrou com um obri-gado tímido. Seguiram com outra música inédita toda acompanha por assobios, “Só se for domingo” é mes-mo uma delícia de ouvir. A platéia entrou na onda, já bem mais a vontade.

Quando começávamos a nos sentir em casa, “Jeni-nha” veio fechar a apresentação. Essa última canção

foi iniciada e encerrada com um dueto entre banda e palmas elétricas da platéia, libertando a todos. Thiago Correa saltou do palco e veio cantar entre nós. Asso-bios, palmas e muito “lalala”. Frenesi. A banda saiu, mal se despedindo. O coro pedindo “mais um” veio a cavalo. Era puro charme dos transmissores, voltaram logo para tocar a derradeira “Eu e você.” Agora sim, acabou. Muitas palmas, assovios e largos sorrisos simpáticos no palco.

Conversei com os transmissores após o show. Sobre o nome do novo CD, Nacional, Henrique Ma-theus, guitarrista. “Não tem uma explicação, mas talvez porque estamos escutando muita coisa de MPB antiga, redescobrindo a música nacional, nas influên-cias, claro.”

A novidade está na sonoridade, alguns instrumen-tos inéditos foram agregados, e apresentados no show. “Tem um toque de Silvio Santos”, ri Thiago Correa. Eu não percebi, mas ele me garantiu que ouvindo o novo CD perceberei. “vai sair até o fim do ano, sem falta”, afirmou.

(Arrastão em pilulapop.com.br/overdose)

BANDA MIStuRA ROCk, BOSSA NOvA E CluBE DA ESQuINA. NOvO DISCO tRARá MAIS INFluêNCIA DA MPB E AtÉ “tOQuE DE SIlvIOSANtOS”

ALINE DACAR

A lucidez dos livros.A loucura dos livros.

Rua Fernandes Tour inho, 274 - Savass i | 3227.3077 / 3264.2858

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Sean Penn e as mentiras da mídia nos EUA

Durante entrevista com Bill Maher, no programa Real Time, da HBO, o ator e diretor de cinema Sean Penn afirmou que, lamen-tavelmente, o povo norte-americano não conhece a realidade de América Latina e da Venezuela, em particular. “Nós, nos Estados Unidos, temos dificuldades para entrar na pele do que tem sido a história da Venezuela, a história da América Latina e de muitos outros lugares. Somos muito monoculturais. Estamos hipnotizados pelos meios de comuni-cação que só divulgam o que interessa aos grandes interesses econômicos”, afirmou Penn, no dia 10 de março. (Arrastão em Hora do Povo)

A nova pesquisa do Datafolha, divulga-da neste final de semana, não deve ter causado desarranjo apenas no comando da campanha demotucana. Ela criou graves desajustes na direção do próprio instituto, comandado pela famíglia Frias, que também é proprietária do jor-nal FSP (Folha Serra Presidente). Em abril, quando todos os outros institutos confirmavam o crescimento de Dilma Rousseff e o empate técnico com José Serra, o Data-da-Folha surpreendeu ao indicar o aumento da distancia – da boca do jacaré, no jargão do setor – en-tre o tucano e a petista (12 pontos).Em cerca de um mês, aqueles doze pontos de diferença simplesmente sumiram – num verdadeiro “fenômeno sísmico”, segundo a ironia do blogueiro Paulo Henrique Amorim. Agora, segundo o suspeito instituto, os dois candidatos estão empatados em 37% – Serra despencou cinco pontos e Dilma subiu sete. Diante destes números “impressionantes”, o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, sacou uma desculpa risível. “O principal fato que pode ser apontado como responsável por essa alta da candidata é o programa partidário de TV que o PT apresentou recentemente”. (Arrastão em altamiroborges.blogspot.com – leia o resto do artigo lá)

1- hj vi 1 menina c/ uma camisa escrito “Jesus me co-locou na UFMG.” Gente, que contato mara, né?! Será quanto esse cara cobra por essa peixada? @alinedacar bem, eu conheço um tanto de gente que te põe na UFMG. uns dirigem uns ônibus pequenos e amarelinhos, outros uns maiores e azuis. (@ailahtan Nathália Jacarandá)2- assisti o filme educação mas acho que entendi er-rado, terminei com a sensação de ter aprendido algo muito burro. 3- Piada da Activia nas mídias sociais impulsiona a marca. Cadê minha placa de “eu já sabia” 4- Vergonha alheia do Arnaldo Jabor comparando Lula a Gaga no J da Globo, elogiando a “sagacidade” dos EUA por “sacar” q acordo c/ Irã é “fake”5- quando você começa a economizar caracteres num email para não passar de 140, é hora de twittar 6- segunda vez que eu peço comida delivery e mando beijo pro antendente antes de desligar o telefone. to carente? (Arrastão em Aline Dacar)

Do twitter

A “viRADA” Do DAtAfolhA: CRimE ElEitoRAl?

A Declaração de Bens de Marcio Sampaio“Arte é sempre lúdica. É um jogo com articulação existencial, criado com manipulação de materiais e imagens, criando outra realidade. É algo individual, que reverbera para o coletivo, mostrando conexão da pessoa com o mundo”, afirma Márcio Sampaio, 69 anos, no momento que comemora 50 anos de arte e poesia experimental. Um registro de seu percurso artístico está no livro Declaração de bens, que vai ser lançado no dia 8 de abril, no Museu de Artes e Ofícios. SOBRE BELO HORIzONTE: “Há, em relação ao meu tempo, efer-vescência em todos os níveis da criação artística, facilidade de informação e capacidade de articulação grande, sem limites. Temos artistas extraordinários cuja importância ainda nem dá para dimen-sionar. Mas ainda temos visão pequena, provinciana.”CONTEMPORâNEOS“Não temos um museu de arte contem-porânea. O Museu de Arte da Pampulha, que tem arquitetura maravilhosa, fica apequenado por falta de atenção do poder público para com a arte – não estou fa-lando da cultura. Dirigi o Palácio da Artes e sei que é assim. Ele melhorou, mas não produz exposições. As artes plásticas em Belo Horizonte são tratadas como irmãs menores, desimportantes, das outras artes. Sempre foi assim.(Arrastão em Estado de Minas via uai.com.br, texto de Walter Sebastião)

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O primeiro decreto (n. 13.798) caiu como esse último (n. 13.961) não cairá?Ou o último derrubou, diante de bons olhos, as mobilizações que surgiram depois do primeiro?

...pirraça.A PBH já deu aos famintos por cultura sua migalha desejada, concedendo o direito de u$o bem seleto e controlado da praça?O que sobrou do último Eventão, além da acomodação e o marasmo re-instala-do?Mais uma vez, a faxina da “revitaliza-ção” tem ruas vazias e pacificadas?(Arrastão em Luther Blissett, praçalivre.wordpress.com)

PERguntAS DE luthER:

o CAlA-boCA CAiu bEm?

Quem estava prestando atenção já percebeu faz tempo: a antiga imprensa brasileira virou um partido político, incorporando as sessões paulistas do PSDB (Serra) e do PMDB (Quércia), e o DEM (ex-PFl, ex-Arena). A boa novidade é que finalmente eles admitiram ser o que são, através das palavras sinceras de Maria Judith Brito, presidente da Associação Nacional dos Jornais e executiva do jornal Folha de S. Paulo, em declaração ao jornal O Globo:“Obviamente, esses meios de comunicação estão fa-zendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada.” (Arrastão em blog de Jorge Furtado/Casa de Cinema de Porto Alegre)

Uma feira de livros – o livro não foi o protagonista, mas sim o dinheiro. Uma feira para vender: ingres-sos, renda para estacionamento, alimentos em praça de alimentação tipo shopping, produtos diversos e até livros. Livros de má qualidade, dirão alguns; livros populares, dirão outros. A qualidade do livro não vem ao caso porque não estava em questão, e sim o livro como mercadoria. A Bienal do Livro Minas 2010 não foi um encontro de autores e de gente que gosta de ler, foi um evento, como tantos que acontecem no imenso Expominas, espaço que atendeu uma rei-vindicação dos empresários mineiros para fazerem contatos e venderem seus produtos. (CAC)

IMPRESSõES DA BIENAL 2Convenhamos: R$ 15 pelo estacionamento é um roubo. Deve ser uma importante fonte de renda do Expominas. E o ingresso? R$ 10, sem direito a nada! E até criança pagava! É o fim da picada. Os R$ 45 que uma família com duas crianças pagou para entrar e estacionar daria para comprar pelo menos um bom livro, se o interesse da Bienal fosse promover a venda de livros. Vantagem para o leitor não havia: alguns descontos, aqui e ali, mas nem valia como oportunidade para quem pretendia com-prar livros mais baratos, porque não encontrava os livros que procurava. (CAC)

IMPRESSõES DA BIENAL 3Há outras formas de se pensar uma bienal do livro: em vez do “negócio” livro, o “significado” do livro. A Bienal poderia ter, por exemplo, uma grande área destinada a leitura, principalmente para crianças. Toda editora poderia doar alguns exemplares que seriam lidos ou folheados ou simplesmente vistos pelas crianças. Os autores poderiam apresentar seus livros, contar suas histórias. Terminado o encontro, os livros seriam doados a bibliotecas

públicas. Na Bienal, leitura de livros sem comprar só no ônibus da Fundação Municipal de Cultura. Para adultos também cairiam bem conversas com au-tores, seminários sobre livros e obras. Para autores iniciantes, contatos com editoras, entrega de origi-nais. Até como negócio é melhor: formar leitores é formar consumidores. (CAC)

IMPRESSõES DA BIENAL 4Mas o espírito da Bienal do Livro de Minas 2010 era outro: ganhar dinheiro. Nada contra, mas é que não combina bem com livro. Segundo os organizadores, nos primeiros três dias o evento atraiu 50 mil pes-soas, o que renderia R$ 500 mil. É claro que o valor não é este, porque tem meia entrada e gente que não paga; de qualquer forma, a fila nas bilheterias era grande. Os organizadores também ganharam na venda dos estandes, enquanto os livreiros tinham de ir à luta e já começaram com um prejuízo a ser coberto: o investimento que fizeram. O interesse dos organizadores estava em conflito com o interesse das editoras e autores, uma vez que ingresso e esta-cionamento consomem dinheiro que seria gasto em livros. Deve ser por isso que muitos expositores não davam descontos, como se espera numa ocasião assim. Uma editora me contou que na Bienal de São Paulo a compra de livros é descontada no estac-ionamento. Já significa alguma coisa. E a entrada poderia ser um vale livro. (CAC)

IMPRESSõES DA BIENAL 5Na Bienal do Livro Minas 2010 percebia-se a presença dessa nova personagem na sociedade brasileira: a classe média que ascendeu de D para C e quer participar da festa, quer consumir tudo, inclusive livros. Pergunto: a indústria editorial está compreendendo a entrada desse segmento no mercado?

Pig ASSumE quE é Pig

Impressões da Bienal do Livro Minas 2010

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O COMETA não é bem um desses que cruzam a galáxia vez ou outra. Trata-se aqui de um jornal. Mas também não apenas um jornal. Um jornal independente.

O Cometa Itabirano feito em BH completou 30 anos nas mãos de jorna-listas que não se deixam vencer pela hipocrisia ou pelas seduções do mer-cado. Está por dentro, mas está por cima, se me entendem. Não no sentido do poder, mas da coragem. Um alternativo que deu certo. Política, humor, opinião, cultura.

Marcelo Procópio traz a linhagem do sonho. Angelo Campos dá-lhe a for-ma e com eles outros nomes de grandeza.

Sempre fui leitora de jornais. Lia Drummond no JB (quando era um jor-nal) e sabia (sim, sabia desde então) tudo o que significaria na minha vida. Evidente que foi Drummond quem me apresentou Itabira, eu que sou de longe e nem tinha nascido quando a Vale do Rio Doce se instalou lá. Mas foi Cristina Silveira quem me ensinou sobre o espírito de Itabira. Desde então passei a olhar com outros olhos aquele retrato na parede.

Fiz um poema para Itabira ( O Cometa publicou). Agora só falta conhecer o corpo da cidade.

Não gosto só de ler jornais. Gosto de olhar, de admirar o espaço que se dá a cada texto, foto ou poema. Hoje em dia é tudo parecido, os textos se perdem no meio das propagandas ou dos equívocos gráficos. É tudo o mes-mo produto.

Por isso, quando chega O Cometa, sempre afinado, criativo, dá uma coisa, uma emoção diferente, uma esperança. Textos, ilustrações, charges - sobretu-do arte. E verdade. Não a verdade estipulada, mas a verdade de cada um.

E vejam só: na edição dos 30 anos de aniversário, ali estou eu com toda essa gente de estirpe. Quase chorei quando vi. Mas no outro dia, quando sen-tei para ler o jornal todo, chorei mesmo. Não só por estar ali com Cristina, Angelo, Procópio e Drummond mas por ver que resistiu e se manteve respei-tando a inteligência do leitor, sempre ao lado da cidade que a Vale não viu.

Se mereci, agradeço. E desejo que o jornal dure mais 30 anos, e depois outros 30. Agora sabemos: não é mais o sonho da infância, quando víamos

passar o cometa e ficávamos cismando, desejando. Existe. É bonito (e bota bonito nisso) tem 20 páginas com ótimo conteúdo e uma vontade de ferro.

Vocês sabem que não é todo o mundo que tem os olhos voltados para o céu. Por isso não vê passar o cometa. Mas eu tive a sorte de ver. Desde então, vejo. De vez enquanto me dão uma carona.

E não há nada melhor do que voar.Se quiser: [email protected]

(Arrastão em integradaemarginal.blogspot.com)

O Cometa passou por aqui

Rio de Janeiro

“ÀS vEzES FICO ACHANDO QuE SOu uMA INvENçãO DE vOCêS. QuE Eu NãO ExIStIRIA SE O COMEtA

NãO BADALASSE A MINHA ExISTêNCIA, DANDO-ME VEROSSIMILHANçA, FORMA, CREDIBILIDADE.”

(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE)

HELENA ORtIz