Jornal A Família Católica, 17 edição. outubro 2014

4
Primeira Memória Vida de Jacinta Marto Memórias e Cartas da Irmã Lúcia SANTOS E FESTAS DO MÊS: 03– Sta. Teresinha do Menino Jesus; 04– São Francisco de Assis; 06—São Bruno; 07– Nossa Senhora do Rosá- rio; 11– Maternidade da Santíssi- ma Virgem Maria; 12– Nossa Senhora Aparecida; 15– Sta. Teresa de Jesus; 17– Sta. Margarida Maria Alacoque; 18– São Lucas, Evangelista; 19- S. Pedro de Alcântara, padroeiro do Brasil; 23– Sto. Antônio Maria Claret; 24– S. Rafael, Arcanjo; 26– Festa de Cristo Rei; 28– São Simão e São Judas, Apóstolos. NESTA EDIÇÃO: Vida Jacinta Marto 1,2 Quas Primas 3,4 Outubro/ 2014 Edição 17 A Família Católica C A P E L A N O S S A S E N H O R A D A S A L E G R I A S cadeira, traz-lo para aqui e, de joelhos, dás-lhe três abraços e três beijos: um pelo Francisco, outro por mim, e outro por ti.” “A Nosso Senhor dou todos quantos quiseres.” — E correu a buscar o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o com tanta devoção, que nunca mais me esque- ceu aquela ação. (...) Eu conhecia, pois, a Paixão de Nosso Senhor (...), comecei a contar, aos meus companheiros, porme- norizadamente, a história de Nosso Senhor. (...) Ao ouvir contar os sofrimen- tos de Nosso Senhor, a pe- quenina enterneceu-se e chorou. Muitas vezes, depois, pedia para lhe repetir. Chora- va com pena, e dizia: - “Coitadinho de Nosso Se- nhor! Eu não hei de fazer nunca nenhum pecado! Não quero que Nosso Senhor sofra mais!” A pequenita gostava tam- bém muito de ir, à noitinha, (...) ver o lindo pôr do sol e o céu estrelado, que se lhe seguia. (...)Porfiávamos a ver quem era capaz de contar as estrelas, que dizía- mos serem as candeias dos anjos. A Lua era a de Nossa Senhora e o sol a de Nosso Senhor. Pelo que, a Jacinta dizia, às vezes: - “Ainda gosto mais da candeia de Nossa Senhora, que não nos quei- ma nem cega; e a de Nosso Senhor, sim.” Na verdade o sol, ali, em alguns dias de verão, faz-se sentir bem ardente; e a pequenina, como era de compleição muito fraca, sofria muito com o calor. (...) Entretanto, Ex. mo e Rev. mo Senhor Bispo, che- guei à idade em que minha mãe mandava os seus filhos guardar o rebanho. (...) Dei a notícia aos nossos companheiros, e disse-lhes que não voltava mais a brincar com eles (...). Foram pedir à mãe que os deixasse ir comigo, o que lhes foi negado. Tivemos que nos conformar com a sepa- ração. (...) Aos dois pequenitos custava o confor- mar-se com a ausência da sua antiga companhei- ra. Por isso, renovavam continuamente as instân- cias junto de sua mãe. (...) Minha tia, talvez para se ver livre de tantos pedidos, apesar de serem No dia 12 de setembro de 1935, os restos mor- tais da Jacinta foram removidos de Vila Nova de Ourém para Fátima. Ao abrir-se o caixão, verificou- se que o rosto da Vidente se mantinha incorrupto. Tirou-se-lhe uma fotografia e o Snr. Bispo de Lei- ria, D. José Alves Correia da Silva, enviou uma cópia à irmã Lúcia, que, ao agradecer, se referiu às virtudes da prima. Isto levou D. José a ordenar à Lúcia que escrevesse tudo o que sabia da vida da Jacinta. Assim nasceu a “Primeira Memória”, que estava pronta pelo Natal de 1935. “Ex. mo e Rev. mo Senhor Bispo, (...) Antes dos fatos de 1917, exce- tuando o laço de parentesco que nos unia, nenhum outro afeto par- ticular me fazia preferir a compa- nhia de Jacinta e Francisco à de qualquer outra criança. Pelo con- trário, a sua companhia tornava-se -me, por vezes, bastante antipáti- ca, pelo seu caráter demasiada- mente melindroso. A menor con- tenda, das que se levantam entre as crianças quando jogam, era bastante para a fazer ficar amua- da, a um canto (...). Para a fazer voltar a ocupar o seu lugar na brin- cadeira, não bastavam as mais doces carícias, que, em tais ocasiões, as crianças sabem fazer. Era, então, preciso deixá-la escolher o jogo e o par com quem queria jogar. Tinha, no entanto, já en- tão, um coração muito bem inclinado; e o bom Deus tinha-a dotado de um caráter doce e meigo, que a tornava, ao mesmo tempo, amável e atraen- te. (...) Como já disse, um dos seus jogos escolhidos era o das prendas. Como V. Ex. cia e Rev. ma decerto sabe, quem ganha, manda, ao que perde, fazer uma coisa qualquer, que lhe parecer. (...) Um dia, jogávamos isto, em casa de meus pais, e tocou- me a mim mandá-la a ela. Meu irmão estava sen- tado a escrever, junto de uma mesa. Mandei-a, então, dar-lhe um abraço e um beijo, mas ela res- pondeu: - “Isso, não! Manda-me outra coisa. Por- que não me mandas beijar aquele Nosso Senhor, que está ali?!” - Era um crucifixo, que havia, pen- durado na parede. - “Pois sim,” - respondi-lhe. “Sobes acima de uma Jacinta e Lúcia

Transcript of Jornal A Família Católica, 17 edição. outubro 2014

Primeira Memória

Vida de Jacinta Marto

Memórias e Cartas da Irmã Lúcia

SANTOS E

FESTAS DO MÊS:

03– Sta. Teresinha do Menino

Jesus;

04– São Francisco de Assis;

06—São Bruno;

07– Nossa Senhora do Rosá-

rio;

11– Maternidade da Santíssi-

ma Virgem Maria;

12– Nossa Senhora Aparecida;

15– Sta. Teresa de Jesus;

17– Sta. Margarida Maria

Alacoque;

18– São Lucas, Evangelista;

19- S. Pedro de Alcântara,

padroeiro do Brasil;

23– Sto. Antônio Maria Claret;

24– S. Rafael, Arcanjo;

26– Festa de Cristo Rei;

28– São Simão e São Judas,

Apóstolos.

N E S T A

E D I Ç Ã O :

Vida Jacinta Marto 1,2

Quas Primas 3,4

Outubro/ 2014 Edição 17

A Família Católica

C A P E L A N O S S A S E N H O R A D A S A L E G R I A S

cadeira, traz-lo para aqui e, de joelhos, dás-lhe

três abraços e três beijos: um pelo Francisco,

outro por mim, e outro por ti.”

“A Nosso Senhor dou todos quantos quiseres.” —

E correu a buscar o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o

com tanta devoção, que nunca mais me esque-

ceu aquela ação. (...)

Eu conhecia, pois, a Paixão de Nosso Senhor

(...), comecei a contar, aos

meus companheiros, porme-

norizadamente, a história de

Nosso Senhor. (...)

Ao ouvir contar os sofrimen-

tos de Nosso Senhor, a pe-

quenina enterneceu-se e

chorou. Muitas vezes, depois,

pedia para lhe repetir. Chora-

va com pena, e dizia: -

“Coitadinho de Nosso Se-

nhor! Eu não hei de fazer

nunca nenhum pecado! Não

quero que Nosso Senhor

sofra mais!”

A pequenita gostava tam-

bém muito de ir, à noitinha,

(...) ver o lindo pôr do sol e o

céu estrelado, que se lhe

seguia. (...)Porfiávamos a ver

quem era capaz de contar as estrelas, que dizía-

mos serem as candeias dos anjos. A Lua era a de

Nossa Senhora e o sol a de Nosso Senhor. Pelo

que, a Jacinta dizia, às vezes: - “Ainda gosto mais

da candeia de Nossa Senhora, que não nos quei-

ma nem cega; e a de Nosso Senhor, sim.” Na

verdade o sol, ali, em alguns dias de verão, faz-se

sentir bem ardente; e a pequenina, como era de

compleição muito fraca, sofria muito com o calor.

(...)

Entretanto, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, che-

guei à idade em que minha mãe mandava os

seus filhos guardar o rebanho. (...) Dei a notícia

aos nossos companheiros, e disse-lhes que não

voltava mais a brincar com eles (...). Foram pedir

à mãe que os deixasse ir comigo, o que lhes foi

negado. Tivemos que nos conformar com a sepa-

ração. (...) Aos dois pequenitos custava o confor-

mar-se com a ausência da sua antiga companhei-

ra. Por isso, renovavam continuamente as instân-

cias junto de sua mãe. (...) Minha tia, talvez para

se ver livre de tantos pedidos, apesar de serem

No dia 12 de setembro de 1935, os restos mor-

tais da Jacinta foram removidos de Vila Nova de

Ourém para Fátima. Ao abrir-se o caixão, verificou-

se que o rosto da Vidente se mantinha incorrupto.

Tirou-se-lhe uma fotografia e o Snr. Bispo de Lei-

ria, D. José Alves Correia da Silva, enviou uma

cópia à irmã Lúcia, que, ao agradecer, se referiu

às virtudes da prima. Isto levou D. José a ordenar

à Lúcia que escrevesse tudo o que sabia da vida

da Jacinta. Assim nasceu a

“Primeira Memória”, que estava

pronta pelo Natal de 1935.

“Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo,

(...) Antes dos fatos de 1917, exce-

tuando o laço de parentesco que

nos unia, nenhum outro afeto par-

ticular me fazia preferir a compa-

nhia de Jacinta e Francisco à de

qualquer outra criança. Pelo con-

trário, a sua companhia tornava-se

-me, por vezes, bastante antipáti-

ca, pelo seu caráter demasiada-

mente melindroso. A menor con-

tenda, das que se levantam entre

as crianças quando jogam, era

bastante para a fazer ficar amua-

da, a um canto (...). Para a fazer

voltar a ocupar o seu lugar na brin-

cadeira, não bastavam as mais doces carícias,

que, em tais ocasiões, as crianças sabem fazer.

Era, então, preciso deixá-la escolher o jogo e o par

com quem queria jogar. Tinha, no entanto, já en-

tão, um coração muito bem inclinado; e o bom

Deus tinha-a dotado de um caráter doce e meigo,

que a tornava, ao mesmo tempo, amável e atraen-

te. (...)

Como já disse, um dos seus jogos escolhidos era

o das prendas. Como V. Ex.cia e Rev.ma decerto

sabe, quem ganha, manda, ao que perde, fazer

uma coisa qualquer, que lhe parecer. (...) Um dia,

jogávamos isto, em casa de meus pais, e tocou-

me a mim mandá-la a ela. Meu irmão estava sen-

tado a escrever, junto de uma mesa. Mandei-a,

então, dar-lhe um abraço e um beijo, mas ela res-

pondeu: - “Isso, não! Manda-me outra coisa. Por-

que não me mandas beijar aquele Nosso Senhor,

que está ali?!” - Era um crucifixo, que havia, pen-

durado na parede.

- “Pois sim,” - respondi-lhe. “Sobes acima de uma

Jacinta e Lúcia

demasiado pequenos, entregou-lhes a guarda das suas ovelhi-

nhas. (...)

Aqui temos, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, a Jacinta na sua nova

vida de pastorinha. As ovelhinhas, ganhámo-las à força de distri-

buir por elas as nossas merendas. Por isso, quando chegávamos

à pastagem, podíamos brincar descansados, que elas não se

afastavam de nós. (...)

Gostávamos, também, de entoar cânticos. Entre vários profa-

nos, que infelizmente sabíamos bastantes, a Jacinta preferia o

“Salve Nobre Padroeira”, “Virgem Pura”(...) Éramos, no entanto,

bastante afeiçoadas ao baile, e qualquer instrumento, que ouvís-

semos tocar aos outros pastores, era o bastante para nos pôr a

dançar. A Jacinta, apesar de ser tão pequena, tinha, para isso,

uma arte especial.

Tinham-nos recomendado que, depois da merenda, rezásse-

mos o Terço; mas, como todo o tempo nos parecia pouco para

brincar, arranjamos uma boa maneira de acabar breve: passáva-

mos as contas, dizendo somente: Ave Maria, Ave Maria, Ave Ma-

ria! Quando chegávamos ao fim do mistério, dizíamos, com muita

pausa, a simples palavra: Padre Nosso! E assim, em um abrir e

fechar de olhos, como se costuma dizer, tínhamos o nosso terço

rezado! (...)

Eis aqui, Ex.mo e Rev.mo Senhor Bispo, um pouco mais ou me-

nos, como se passaram os sete anos, que tinha Jacinta, quando

apareceu belo e risonho, como tantos outros, o dia 13 de Maio

de 1917. (Nota da edição: Neste primeiro manuscrito Lúcia não

diz nada acerca das aparições. Os fatos foram descritos em sua

Segunda Memória) (...)

Quando, nesse dia (o posterior à aparição), chegámos à pasta-

gem, a Jacinta sentou-se pensativa em uma pedra.

- “Jacinta! Anda a brincar.” -- “Hoje não quero brincar.” — “Porque

não queres brincar?” - “Porque estou a pensar. Aquela Senhora

disse-nos para rezarmos o Terço e fazermos sacrifícios pela con-

versão dos pecadores. Agora, quando rezarmos o Terço, termos

que rezar a Ave–Maria e o Padre–Nosso inteiro! E, os sacrifícios,

como os havemos de fazer?”

O Francisco discorreu em breve um bom sacrifício: - “Demos a

nossa merenda às ovelhas, e fazemos o sacrifício de não meren-

dar!” (...) E assim passámos um dia de jejum, que nem o do mais

austero cartuxo!

A Jacinta tomou tanto a peito os sacrifícios pela conversão dos

pecadores, que não deixava escapar ocasião alguma. Havia

umas crianças, filhos de duas famílias da Moita, que andavam

pelas portas a pedir. (...) A Jacinta, ao vê-los, disse-nos:

– “Damos a nossa merenda àqueles pobrezinhos, pela conver-

são dos pecadores.” (...) Pela tarde, disse-me que tinha fome.

Havia ali algumas azinheiras e carvalhos. (...) O Francisco subiu a

uma azinheira para encher os bolsos, mas a Jacinta lembrou-se

que podíamos comer da dos carvalhos, para fazer o sacrifício de

comer a amarga. E lá saboreámos, aquela tarde, aquele delicio-

so manjar! A Jacinta tomou este por um dos seus sacrifícios habi-

tuais. (...)

A Jacinta parecia insaciável na prática do sacrifício. Um dia,

um vizinho ofereceu a minha Mãe uma boa pastagem para o

nosso rebanho; mas era bastante longe e estávamos no pino do

Verão. (...) Pelo caminho, encontrámos os nossos queridos po-

brezinhos e a Jacinta correu a levar-lhes a esmola. (...). A sede

fazia-se sentir e não havia pinga d’água para beber! A princípio,

oferecíamos o sacrifício com generosidade pela conversão dos

pecadores; mas, passada a hora do meio-dia, não se resistia.

Propus, então, aos meus companheiros, ir a um lugar, que

ficava cerca, pedir uma pouca de água. Aceitaram a proposta, e

lá fui bater à porta duma velhinha. (...) Dei a infusa (com água)

ao Francisco e disse-lhe que bebesse.

– “Não quero beber” – respondeu. – “Por quê?” – “Quero sofrer

pela conversão dos pecadores.” – “Bebe tu, Jacinta!” –

“Também quero oferecer o sacrifício pelos pecadores!”

Deitei, então, a água na cova duma pedra, para que a bebes-

sem as ovelhas e fui levar a infusa à sua dona. (...) As cigarras e

P á g i n a 2 A F a m í l i a C a t ó l i c a

os grilos juntavam o seu cantar ao das rãs da lagoa vizinha e fazi-

am uma grita insuportável. A Jacinta, debilitada pela fraqueza e

pela sede, disse-me, com aquela simplicidade que Lhe era habitu-

al: - “Diz aos grilos e às rãs que se calem! Dói-me tanto a minha

cabeça!” — Então, o Francisco perguntou-lhe: “– Não queres so-

frer isto pelos pecadores?!” — A pobre criança, apertando a cabe-

ça entre as mãozinhas, respondeu: “– Sim, quero. Deixa-as can-

tar.” (...)

Desde que Nossa Senhora nos ensinou a oferecer a Jesus os

nossos sacrifícios, sempre que combinávamos fazer algum ou

que tínhamos alguma prova a sofrer, a Jacinta perguntava: “Já

disseste a Jesus que é por Seu amor?”. Se Lhe dizia que não... –

“Então digo-Lho eu”, - e punha as mãozinhas, levantava os olhos

ao Céu e dizia: “Ó Jesus! É por Vosso amor e pela conversão dos

pecadores.”

Foram interrogar-nos dois sacerdotes que nos recomendaram

que rezássemos pelo Santo Padre. A Jacinta perguntou quem era

o Santo Padre e os bons sacerdotes explicaram-nos quem era e

como precisava muito de orações. A Jacinta ficou com tanto amor

ao Santo Padre que, sempre que oferecia os seus sacrifícios a

Jesus, acrescentava: “e pelo Santo Padre”. No fim de rezar o Ter-

ço, rezava sempre três Ave Marias pelo Santo Padre e algumas

vezes dizia: “Quem me dera ver o Santo Padre! Vem cá tanta

gente e o Santo Padre nunca cá vem.” Na sua inocência de crian-

ça, julgava que o Santo Padre podia fazer esta viagem como as

outras pessoas. (...)

Quando, passado algum tempo, estivemos presos, à Jacinta, o

que mais lhe custava era o abandono dos pais; e dizia (...):

“- Nem os teus pais nem os meus nos vieram ver. Não se importa-

ram mais de nós!” – “Não chores” – lhe disse o Francisco. –

“Oferecemos a Jesus, pelos pecadores.” E levantando os olhos e

mãozinhas ao Céu, fez ele o oferecimento: “– Ó meu Jesus, é por

Vosso amor e pela conversão dos pecadores”. A Jacinta acrescen-

tou: “– É também pelo Santo Padre e em reparação dos pecados

cometidos contra o Imaculado Coração de Maria”.

Os presos que presenciaram esta cena quiseram consolar-nos:

– “Mas vocês” – diziam eles – “digam ao Senhor Administrador lá

esse segredo. Que Lhes importa que essa Senhora não queira?” –

“Isso não!” – respondeu a Jacinta com vivacidade. – “Antes quero

morrer”. (...)

Minha tia, cansada de ter que mandar continuamente buscar os

seus filhinhos, para satisfazer o desejo de pessoas que pediam

para Lhes falar, mandou pastorear o seu rebanho o seu filhinho

João. À Jacinta custou muito esta ordem, por dois motivos: por ter

que falar a toda a gente que a procurava e, como ela dizia, por

não poder andar todo o dia junto de mim. Teve, no entanto, que

resignar-se. (...)

Havia no nosso lugar uma mulher que nos insultava sempre que

nos encontrava. Quando terminou o seu trabalho (de insultar os

pastorinhos), a Jacinta diz-me: – “Temos que pedir a Nossa Se-

nhora e oferecer-Lhe sacrifícios pela conversão desta mulher. Diz

tantos pecados que, se não se confessa, vai para o inferno.” Pas-

sados alguns dias, corríamos em frente da porta da casa desta

mulher. De repente, a Jacinta pára no meio da sua carreira e vol-

tando-se para trás pergunta: – “Olha, é amanhã que vamos ver

aquela Senhora?” – “É sim”. – “Então não brinquemos mais. Fa-

zemos este sacrifício pela conversão dos pecadores”.

E sem pensar que alguém a podia ver, levanta as mãozinhas e

os olhos ao Céu e faz o oferecimento. A mulherzinha espreitava

por um postigo da casa e depois, dizia ela a minha Mãe, que a

tinha impressionado tanto aquela ação da Jacinta, que não ne-

cessitava doutra prova para crer na realidade dos factos. (...)

Passavam assim os dias da Jacinta, quando Nosso Senhor man-

dou a pneumônica, que a prostrou em cama, com seu Irmãozi-

nho.” Continua na próxima edição.

Nota da edição: Colocamos, por ocasião da

Festa de Cristo Rei, esta encíclica de Pio XI

que institui a referida festa e nos explica

melhor acerca do Reinado Social de Nosso

Senhor Jesus Cristo, que segundo Monse-

nhor Lefebvre é a causa verdadeira e fun-

damental de nossa oposição à Roma mo-

dernista, nosso centro de combate.

***

Na primeira Encíclica que, elevado ao Ponti-

ficado, dirigimos a todos os Bispos do orbe

católico – ao indagarmos as causas princi-

pais daqueles desastres de que víamos

oprimido e angustiado o gênero humano –

lembramo-nos de haver claramente expres-

so não apenas que tal massa de males

assolava o mundo porque a maioria dos

homens havia afastado Jesus Cristo e sua

santa lei da prática de suas vidas, da famí-

lia e da sociedade, mas também que ja-

mais poderia ter esperança de uma paz

duradoura entre os povos, enquanto os

indivíduos e as nações tivessem negado e

por eles mesmos rejeitado o império de

Cristo Salvador.

A “paz de Cristo no reino de Cristo”

1. Portanto, por avisarmos que era neces-

sário buscar a paz de Cristo no Reino de

Cristo, anunciamos (na época) que faría-

mos para este fim quanto Nos era possível;

no Reino de Cristo - dizemos - porque Nos

parecia que não se pudesse mais eficaz-

mente alcançar a restauração e o fortaleci-

mento da paz se não através da restaura-

ção do Reino de nosso Senhor. (...)

I– A Realeza de Cristo

6. Desde há muito tempo tem se usado

comumente chamar Cristo com o título de

Rei, pelo sumo grau de excelência que pos-

sui em modo supereminente entre todas as

coisas criadas. Deste modo, na verdade, se

diz que Ele reina nas mentes dos homens

não apenas pela altura de seu pensamento

e pela amplitude de sua ciência, mas tam-

bém porque Ele é a Verdade e é necessário

que os homens alcancem e recebam com

obediência, Dele, a verdade; também na

vontade humana, seja porque, n’Ele, à san-

tidade da vontade divina responde a perfei-

ta inteireza e submissão da vontade huma-

na, seja porque com suas inspirações influ-

encia sobre a livre vontade nossa de modo

a inflamar-nos em direção às mais nobres

coisas. Finalmente, Cristo é reconhecido

como Rei dos corações por aquela sua cari-

dade que ultrapassa toda compreensão

humana (supereminentem scientiae carita-

tem) e pelos encantos de sua brandura e

misericórdia: pois nunca houve, no gênero

humano, e nunca haverá quem tanto amor

tenha ateado como Cristo Jesus. Aprofun-

demos sempre mais o nosso argumento. É

manifesto que o nome e o poder de "Rei",

no sentido próprio da palavra, competem a

Cristo em sua Humanidade, porque só de

Cristo enquanto homem é que se pode

dizer: do Pai recebeu "poder, honra e rea-

leza" (Dan 7, 13-14). Enquanto Verbo,

consubstanciai ao Pai, não pode deixar de

Lhe ser em tudo igual e, portanto, de ter,

como Ele, a suprema e absoluta sobera-

nia e domínio de todas as criaturas. (...)

II—CARÁTER DA REALEZA DE CRISTO

A) Triplo poder

13. Querendo agora expressar a natureza

e o valor deste principado, falaremos bre-

vemente que este consiste de um triplo

poder, que, se viesse a faltar, não se teria

mais o conceito de um verdadeiro e pró-

prio principado. Os testemunhos extraídos

das Sagradas Cartas acerca do império

universal do nosso Redentor provam mais

do que o suficiente o quanto dissemos; e

é um dogma de fé que Jesus Cristo foi

dado aos homens como Redentor, no qual

devem depositar sua confiança, e ao mes-

mo tempo como legislador, ao qual devem

obedecer. Os santos Evangelhos não so-

mente narram como Jesus tenha promul-

gado algumas leis, mas o mostram tam-

bém no ato de legislar; e o Divino Mestre

afirma, em circunstâncias e com diversas

expressões, que qualquer um que obser-

var os seus mandamentos dará prova de

amá-lo e permanecerá em sua caridade.

O mesmo Jesus, diante dos Judeus que o

acusavam de ter violado o sábado ao

devolver a saúde ao paralítico, afirma que

a Ele foi dado, pelo Pai, o poder de julgar:

―o Pai não julga ninguém, mas entregou

todo o julgamento ao Filho. Nisso é incluí-

do também o direito de premiar e punir os

homens mesmo durante a vida deles,

porque isso não pode ser dissociado de

uma forma própria de juízo. Além disso, o

poder executivo deve também ser atribuí-

do a Jesus Cristo, porque é necessário

que todos obedeçam a seu comando, e

ninguém pode escapar Dele e das san-

ções por Ele estabelecidas.

B) Campos da Realeza de Cristo

No espiritual

14. Que este Reino seja principalmente

espiritual e pertinente às coisas espiritu-

ais, o demonstram as passagens da Bíblia

Sagrada acima referidas, e o confirma o

próprio Jesus Cristo com seu modo de

agir. Em várias ocasiões, de fato, quando

os Judeus e os próprios Apóstolos errone-

amente acreditavam que o Messias iria

devolver a liberdade ao povo e restaurar o

reino de Israel, ele procurou remover e

derrubar essa vã expectativa e esperança;

e assim também, quando estava para ser

proclamado Rei pela multidão que, toma-

da de admiração, o cercava, Ele recusou

esse título e essa honra, retirando-se e

escondendo-se na solidão; finalmente

diante do Governador romano anunciou

que seu Reino ―não é deste mundo. Este

Reino é apresentado nos Evangelhos de

tal forma que os homens devem se prepa-

rar para entrar nele por meio da penitên-

cia, e não podem nele entrar se não pela

fé e pelo batismo, o qual, apesar de ser

um rito exterior, significa, porém, e produz

a regeneração interior. Este reino é opos-

to ao reino de Satanás e ao ―poder das

trevas e exige de seus súditos, não só o

espírito desapegado das riquezas e das

coisas terrenas, a mansidão, a fome e

sede de justiça, mas também que rene-

guem a si mesmos e tomem a própria

cruz. Tendo Cristo como Redentor funda-

do com seu sangue a Igreja e como Sacer-

dote oferecido a si mesmo in perpetuo

como Hóstia de propiciação pelos peca-

dos dos homens, quem não vê que a ré-

gia dignidade d’Ele reveste o caráter espi-

ritual de ambos os ofícios?

No temporal

15. Por outro lado, erraria gravemente

quem tirasse de Cristo Homem o poder

sobre todas as coisas temporais, visto

que Ele recebeu do Pai um direito absolu-

to sobre todas as coisas criadas, de modo

que tudo sucumba ao seu arbítrio. No

entanto, enquanto esteve sobre a terra se

absteve completamente de exercer tal

poder, e, como uma vez desprezou a pos-

se e o cuidado das coisas humanas, as-

sim permitiu e permite que os possuido-

res devidamente delas se sirvam.

A este propósito, bem se adaptam estas

palavras: "Não tira o trono terrestre Aque-

le que dá o reino eterno dos céus" . Por-

tanto, o domínio do nosso Redentor abra-

ça todos os homens, como afirmam estas

palavras de Nosso Predecessor de imortal

memória Leão XIII, que Nós aqui fazemos

nossas: "O império de Cristo se estende

não só sobre as nações católicas e sobre

os que receberam o batismo, que juridica-

mente pertencem à Igreja, ainda quando

dela separados por opiniões errôneas ou

pelo cisma: estende-se igualmente e sem

exceções aos homens todos, mesmo

alheios à fé cristã, de modo que o império

de Cristo Jesus abarca, em todo rigor da

verdade, o gênero humano inteiro"

Nos indivíduos e na sociedade

16. Ele é, com efeito, a fonte do bem pú-

blico e privado. Fora d’Ele não há que se

buscar a salvação em nenhum outro; pois

não foi dado aos homens outro nome

debaixo do céu pelo qual devamos ser

salvos.

Só Ele é quem dá a prosperidade e a feli-

cidade verdadeira, tanto aos indivíduos

como às nações: porque a felicidade da

nação não procede de uma fonte distinta

da dos seus cidadãos, pois a nação não é

outra coisa senão um conjunto concorde

de cidadãos. Não se neguem, pois, os

governantes das nações a dar, por si mes-

mos e pelo povo, mostras públicas de

veneração e de obediência ao império de

Cristo se querem conservar incólume sua

Quas Primas

Pio XI

A F a m í l i a C a t ó l i c a E d i ç ã o 1 6

Edição:

Capela Nossa Senhora das Alegrias - Vitória, ES.

http:/www.nossasenhoradasalegrias.com.br

Entre em contato conosco pelo e-mail: [email protected]

autoridade e trazer a felicidade e a fortuna à sua pátria. (...)

17. Em contrapartida, se os homens, pública e privadamente,

reconhecem a autoridade real de Cristo, necessariamente

virão para toda a sociedade civil incríveis benefícios, como a

justa liberdade, a tranquilidade e disciplina, a paz e a concór-

dia. A dignidade real de Nosso Senhor, assim como, de certo

modo, torna sagrada a autoridade humana dos chefes e go-

vernantes de Estado, assim também enobrece os deveres e a

obediência dos súditos. Por isso, o apóstolo São Paulo, embo-

ra tenha ordenado às casadas e aos servos que reverencias-

sem a Cristo na pessoa de seus maridos e senhores, também

os advertiu que não os obedecessem como a simples homens,

mas como representantes de Cristo, porque é indigno de ho-

mens redimidos por Cristo servir a outros homens.

18. Se os príncipes e governos legitimamente constituídos

tivessem a persuasão de que regem menos no próprio nome

do que em nome e lugar do Rei Divino, é manifesto que usari-

am do seu poder com toda a prudência, com toda a sabedoria

possíveis. Em legislar e na aplicação das leis, como haveriam

de atender ao bem comum e à dignidade humana de seus

súbditos! Então floresceria a ordem, então víramos difundir-se

e firmar-se a tranqüilidade e a paz (...).

19. Pelo que respeita à concórdia e à paz, é evidente que,

quanto mais vasto é um reino, quanto mais largamente abra-

ça o gênero humano, tanto é maior a consciência em seus

membros do vínculo de fraternidade que os une. Esta convic-

ção, assim como remove e dissipa os freqüentes conflitos,

assim também atenua e suaviza seus amargores. E se o reino

de Cristo abraçasse de fato, como de direito abraça, à todos

os homens, porque deveríamos perder a esperança dessa paz

que à Terra veio trazer o Rei pacífico, esse Rei que veio "para

reconciliar todas as coisas" (Col 1, 20); "que não veio para ser

servido, mas para servir aos outros" (Mc 10, 45); que sendo o

“Senhor de todos”, fez a si mesmo exemplo de humildade e

estabeleceu como lei principal esta virtude, unida com o man-

damento da caridade; que disse, finalmente, “Meu jugo é sua-

ve e minha carga é leve”?

Oh! que ventura poderíamos gozar, se os indivíduos, se as

famílias, se a sociedade se deixasse reger por Cristo! "Então,

verdadeiramente — diremos com as mesmas palavras que

nosso predecessor Leão XIII dirigiu, a vinte e cinco anos, a

todos os bispos do orbe católico — então seria possível sanar

tantas feridas; o direito recobriria seu antigo viço, seu prestí-

gio de outras eras; então tornaria a paz com todos os seus

encantos e cairiam das mãos armas e espadas, quando todos

de bom grado aceitassem o império de Cristo, Lhe obedeces-

sem, e toda língua proclamasse que "Nosso Senhor Jesus

Cristo está na glória de Deus Padre" .

III— A FESTA DE JESUS CRISTO REI

(...)

As festas da Igreja

Para instruir ao povo nas coisas da fé e atraí-los por meio de-

las às íntimas felicidades do espírito, muito mais eficaz são as

festas anuais dos sagrados mistérios que quaisquer outros

ensinamentos, por autorizados que sejam, do magistério ecle-

siástico.

Estas só são conhecidas, na maior parte das vezes, por alguns

poucos fiéis, mais instruídos que os demais; aquelas impressi-

onam e instruem todos os fiéis; estas, digamos assim, falam

uma só vez, aquelas, a cada ano e perpetuamente (...).

23. E se agora mandamos que Cristo Rei seja honrado por todos os

católicos do mundo, com isso prevemos as necessidades dos tem-

pos presentes e colocamos um remédio eficacíssimo à peste que

hoje infecta a sociedade. Julgamos peste de nossos dias o chama-

do laicismo com seus erros e intentos abomináveis; e vós sabeis,

veneráveis irmãos, que esta impiedade não apareceu de um dia

para o outro, mas sim que se cultivou desde muito antes no seio da

sociedade. (...)

Condição litúrgica da festa

Portanto, com nossa autoridade apostólica, instituímos a Festa de

Nosso Senhor Jesus Cristo Rei, e decretamos que se celebre em

todas as partes da terra no último domingo de outubro, isto é, no

domingo que antecede à festividade de Todos os Santos. (...)

32. Antes de terminar esta carta, nos compraz, veneráveis irmãos,

indicar brevemente as utilidades que, tanto para a Igreja e para a

sociedade civil, como para cada um dos fiéis, nós esperamos e

prometemos em decorrência deste culto público a Cristo Rei.

A) Para a Igreja

Com efeito, tributando estas honras à soberania real de Jesus Cris-

to, os homens recordarão necessariamente que a Igreja, como

sociedade perfeita instituída por Cristo, exige—por direito próprio e

impossível de renunciar– plena liberdade e independência do po-

der civil; e que no cumprimento do ofício encomendado a Ela por

Deus, de ensinar, reger e conduzir à eterna felicidade a quantos

pertencem ao Reino de Cristo, não pode depender do arbítrio de

ninguém.

Mais ainda, o Estado deve conceder também a mesma liberdade

às ordens e congregações religiosas de ambos os sexos, as quais,

sendo como são auxiliares valorosíssimas dos pastores da Igreja,

cooperam grandemente para o estabelecimento e propagação do

Reino de Cristo, seja combatendo, com a observância dos três vo-

tos, a tríplice concupiscência do mundo, seja professando uma

vida mais perfeita (...).

B) Para a sociedade civil

A celebração desta festa, que se renovará a cada ano, ensinará

também às nações que o dever de adorar publicamente e obede-

cer à Jesus Cristo não só obriga aos indivíduos, mas também aos

governantes e magistrados.

A estes lhes trará à memória o pensamento do juízo final, quando

Cristo, tanto por haver sido retirado do governo do Estado, quanto

por haver sido ignorado e desprezado, vingará terrivelmente todas

estas injúrias. (...)

C) Para os fiéis

Porque se a Cristo Nosso Senhor foi dado todo o poder no céu e na

terra; se os homens, por terem sido remidos com seu sangue, es-

tão sujeitos à sua autoridade; se, enfim, este poder abraça toda

natureza humana, claramente se vê que não há em nós nenhuma

faculdade que se possa subtrair à tão grande soberania. É, pois,

necessário que Cristo reine na inteligência do homem, a qual, com

perfeito acatamento, há de consentir firme e constantemente às

verdades reveladas e à doutrina de Cristo; necessário que reina na

vontade, a qual há de obedecer às leis e preceitos divinos; neces-

sário que reine nos corações, o qual sobrepondo-se aos afetos

naturais, há de amar a Deus sobre todas as coisas e estar unido

somente a Ele; é necessário que reine no corpo e em seus mem-

bros, que como instrumentos, ou como disse o apóstolo São Paulo,

como armas de justiça para Deus, devem servir para a santificação

da alma. Tudo isso, que se propõe à meditação e profunda consi-

deração dos fiéis, servirá sem dúvidas para incliná-los mais facil-

mente à perfeição. (...)