JOALINE INGRACIA SANTOS DE OLIVEIRA - repositorio.ufpe.br · Law No. 13,467. Labor Reform. ......

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE - FDR JOALINE INGRACIA SANTOS DE OLIVEIRA Recife 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE - FDR

JOALINE INGRACIA SANTOS DE OLIVEIRA

Recife

2017

JOALINE INGRACIA SANTOS DE OLIVEIRA

REFORMA TRABALHISTA E O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO: A

PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO E SUAS IMPLICAÇÕES

À CLASSE TRABALHADORA

Monografia apresentada ao Centro de

Ciências Jurídicas (Faculdade de Direito

do Recife) da Universidade Federal de

Pernambuco como requisito para

obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Profº. Hugo Cavalcanti Melo

Filho

Recife

2017

JOALINE INGRACIA SANTOS DE OLIVEIRA

REFORMA TRABALHISTA E O DIREITO COLETIVO DO TRABALHO: A

PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO E SUAS IMPLICAÇÕES

À CLASSE TRABALHADORA

Monografia apresentada à Banca Examinadora do Curso de Bacharelado em Direito,

do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Pernambuco, para

obtenção do grau de Bacharel, sob orientação do Profº. Hugo Cavalcanti Melo Filho

.

Recife, ______ de ___________ de 2017.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________

________________________________________________________

________________________________________________________

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, por todo o apoio e amor de sempre, todos foram

imprescindíveis para que eu chegasse até aqui. Em especial aos meus pais, Jacilete

e Antônio, que sempre buscaram dar aos seus filhos a melhor formação intelectual e

humana.

Ao meu namorado, Túlio, e aos meus amigos de infância e de faculdade, sou

grata pelo companheirismo e por sempre me estimularem a alcançar meus objetivos.

Vocês também são parte da minha família!

Ao meu orientador, Hugo Melo, obrigada pela disposição de seu tempo, pela

orientação neste trabalho, e por todo o ensinamento a mim passado na vida

acadêmica. Quando penso na luta trabalhista brasileira tenho o senhor como

exemplo de agente ativo em prol das melhorias trabalhistas e do melhor atendimento

aos anseios do trabalhador.

Também sou grata a todos que fizeram parte da minha experiência

profissional como estagiária nos Juizados Especiais Cíveis de Pernambuco e na

HEMOBRÁS.

Por fim agradeço à Faculdade de Direito do Recife – UFPE, a todas e todos

que a compõem e compuseram, por ter feito parte da minha travessia.

RESUMO

A presente monografia tem por objetivo analisar a Lei n.º 13.467/2017 –

“Reforma Trabalhista”, que prevê em uma de suas alterações para a CLT a

prevalência do negociado sobre o legislado, no atual contexto político-jurídico

brasileiro, a partir dos ditames do princípio da vedação ao retrocesso social. À vista

disso, parte-se do entendimento de que se trata de um princípio tuitivo constitucional

que representa a exigência de um movimento sempre contínuo em direção à

maximização dos direitos sociais, a partir do qual não é possibilitado ao legislador

ordinário editar novo dispositivo legal que desfaça o grau de efeitos da norma

constitucional alcançado por lei anterior. Na medida em que Reforma Trabalhista

significa uma proposição de reformulação legal de dispositivo celetista, identificou-se

que o objeto da alteração, o direito ao trabalho, é um direito social e, portanto, deve

a proposta ser analisada à luz do projeto constitucional. Verifica-se também que a

discussão travada na Lei n.º 13.467, acerca da prevalência das negociações

coletivas sobre as disposições legais, não é novidade na esfera judiciária brasileira.

Conclui-se que a Lei n.º 13.467 representa uma leitura neoliberal de solução para

questões econômicas, que desconsidera o projeto da Constituição Federal baseado

no Estado Social de Direito. No que tange às conquistas trabalhistas, portanto,

reconheceu-se a importância da legislação como ferramenta efetiva adotada pelo

Estado a fim de viabilizar a promoção da justiça social. Sendo, no âmbito do direito

laboral, esse papel assumido majoritariamente pela Carta Constitucional e pela

Consolidação das Leis do Trabalho, entende-se que as medidas propostas na

Reforma Trabalhista, de substituição das garantias legais pela permissão geral de

negociação dos direitos dos trabalhadores, são descabidas e ferem o princípio da

vedação ao retrocesso social, cuja visão prospectiva tem foco no desenvolvimento

progressivo nacional.

Palavras-chave: Negociado sobre legislado. Lei n.º 13.467. Reforma Trabalhista.

Princípio da vedação ao retrocesso social. Direito ao trabalho digno. Estado Social

de Direito. Conquistas trabalhistas.

ABSTRACT

The present monograph aims to analyze the Law 13,467 - Labor Reform,

which foresees in one of its amendments to the CLT the prevalence of the negotiated

over the legislated, in the current Brazilian political-juridical context from the dictates

of the principle of the prohibition against social retrogression. In view of this, it is

based on the understanding that it is a constitutional tuitive principle that represents

the requirement of an always continuous movement towards the maximization of

social rights, from which it is not possible for the ordinary legislator to edit a new legal

device that disregard the degree of effects of the constitutional norm reached by

previous law. To the extent that Labor Reform signifies a legal reform proposition of

the CLT, it was identified that the object of the amendment, the right to work, is a

social right and, therefore, should the proposal be analyzed in the light of the

constitutional project. It is also verified that the discussion of Law No. 13467 on the

prevalence of collective bargaining over legal provisions is not new in the Brazilian

judicial sphere. It is concluded that Law no. 13467 represents a neoliberal reading of

a solution to economic issues, which disregards the draft of the Federal Constitution

based on the Social State of Law. With regard to the labor achievements, therefore,

the importance of legislation was recognized as an effective tool adopted by the

State in order to enable the promotion of social justice. As part of labor law, the main

role of the Constitutional Charter and the Consolidation of Labor Laws, it is

understood that the measures proposed in the Labor Reform, replacing legal

guarantees with the general permission to negotiate workers' rights, are and they

violate the principle of the prohibition of social retrogression, whose prospective

vision focuses on the progressive national development.

Keywords: Negotiated over legislated. Law No. 13,467. Labor Reform. Principle of

the fence to social retrogression. Right to decent work. Social State of Law. Labor

achievements.

LISTA DE ABREVIATURAS

Art. Artigo

CF Constituição Federal

Nº Número

OIT Organização Internacional do Trabalho

LC Lei Complementar

STF Superior Tribunal Federal

TST Tribunal Superior do Trabalho

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 8

2. A IDEIA JUSTRABALHISTA DE SUPREMACIA DA LEGISLAÇÃO COMO

INSTRUMENTO PARA A CONTÍNUA PROGRESSÃO DAS GARANTIAS SOCIAIS ........ 10

2.1. DIREITO TRABALHISTA BRASILEIRO: BASES E RETROSPECTIVA ................. 10

2.2. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO DO TRABALHO ................................. 14

2.3. GARANTIAS INDIVIDUAIS .................................................................................... 16

2.4. GARANTIAS COLETIVAS: ORGANIZAÇÃO SINDICAL E LIMITES NEGOCIAIS . 18

2.5. PRIORIZAÇÃO DO DIREITO POSITIVO EM DETRIMENTO DA NEGOCIAÇÃO: A

IMPRESCINDIBILIDADE DAS VANTAGENS LEGAIS MÍNIMAS NO CONTEXTO DOS

DIREITOS SOCIAIS ......................................................................................................... 21

3. LEI N° 13.467/2017 – REFORMA TRABALHISTA: “O NEGOCIADO SOBRE O

LEGISLADO” ...................................................................................................................... 24

3.1. A PRETENSÃO E A DISPUTA CONCEITUAL QUE PERMEIAM A REFORMA

TRABALHISTA ................................................................................................................. 25

3.2. DIREITO COLETIVO DO TRABALHO – NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A FORÇA

NORMATIVA DOS ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS DO TRABALHO ............ 27

3.3. DIPLOMAS NEGOCIAIS COLETIVOS: CONCEITO, DURAÇÃO E

PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DA CONVENÇÃO E DO ACORDO COLETIVOS DO

TRABALHO ...................................................................................................................... 29

3.4. A HIERARQUIA DAS NORMAS NEGOCIADAS E LEGISLADAS. REGRAMENTO

ATUAL E APÓS A VIGÊNCIA DA LEI N. 13.467/2017 ..................................................... 33

3.4.1. A JURISPRUDÊNCIA EM FAVOR DO NEGOCIADO ........................................ 35

3.4.2. A REFORMA TRABALHISTA E A LIBERDADE E LIMITES PREVISTOS PARA A

NEGOCIAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO. APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 611-A, 611-B

INSERIDOS NA CLT APÓS A REFORMA. ...................................................................... 39

3.4.3. 2ª JORNADA DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO –

TEMA: REFORMA TRABALHISTA – LEI Nº 13.467/17 .................................................... 43

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 48

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 51

8

1. INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2016, o Governo do Presidente Michel Temer apresentou

uma proposta para reformular as Leis Trabalhistas vigentes, encaminhada ao

Congresso como projeto de lei em caráter de urgência. Em 13 de julho de 2017 foi

sancionada a Lei n.º 13.467, que, introduzindo diversas alterações no Decreto-Lei

n.º 5.452 de 1º de maio de 1943 – Consolidação das Leis do Trabalho – efetivou a

tão polêmica “Reforma Trabalhista”.

A Lei nº 13.467/2017 promove uma ampla reforma trabalhista e traz

mudanças desfavoráveis aos direitos dos trabalhadores, que afrontam os princípios

protetivos conquistados através da Constituição Federal e da CLT. O código

trabalhista sancionado em 1943, pelo então Presidente Getúlio Vargas, tem como

objetivo principal a proteção do trabalhador e regular as relações individuais e

coletivas de trabalho, como prevê o Art. 1º da CLT1. Assim, esta reforma e seus

pontos de alteração podem passar a por em cheque esse objetivo, fruto de luta

árdua das classes trabalhadoras do país.

Uma das alterações previstas pela Reforma Trabalhista é a forma de

negociação entre o empregado e o empregador. A regra na CLT aprovada em 1943

diz que Convenções e acordos coletivos podem estabelecer condições de trabalho

diferentes das previstas na legislação apenas se conferirem ao trabalhador um

patamar superior ao que estiver previsto na lei. Já a nova regra após a reforma

determina que Convenções e acordos coletivos poderão prevalecer sobre a

legislação. Assim, os sindicatos e as empresas podem negociar condições de

trabalho diferentes das previstas em lei, mas não necessariamente num patamar

melhor para os trabalhadores.

O princípio da vedação ao retrocesso social representa a exigência de um

movimento sempre contínuo em direção à maximização dos direitos sociais, a partir

do qual não é possibilitado ao legislador ordinário editar novo dispositivo legal que

desfaça o grau de efeitos da norma constitucional alcançado por lei anterior.

Considera-se que é através da atividade legisladora que os direitos sociais previstos

atingem densidade normativa necessária para se transformarem em direito

subjetivos usufruídos pelos cidadãos.

1 DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: set. de 2017.

9

Diante desse cenário, constitui-se como objetivo deste trabalho, a exploração,

sob a luz da Constituição da Republica Federativa do Brasil e da Consolidação das

Leis do Trabalho - CLT, dos aspectos inconstitucionais, da forma de aplicação da

nova legislação trabalhista. Tendo como seu objetivo principal tratar acerca das

mudanças que envolvem o Direito Coletivo do Trabalho sobre a prevalência do

negociado sobre o legislado e suas implicações sociais sobre a classe trabalhadora

em suas relações negociais.

Desta forma, a pesquisa aplicará o método de abordagem dialético, que

consiste na contradição de ideias, provocando um debate doutrinário acerca do

tema. Também serão aplicados diversos métodos auxiliares de procedimento

conjuntamente, especialmente o histórico, o tipológico e o funcionalista. Divide-se

sistematicamente o presente estudo em duas partes.

Na primeira, será utilizado o método histórico, em que será realizada uma

investigação dos acontecimentos do passado em termos legislativos e de

organização da sociedade brasileira com foco no desenvolvimento das garantias

trabalhistas conquistadas, majoritariamente representadas pela promulgação da

Consolidação das Leis do Trabalho. E na segunda parte será feita a análise a luz

Constitucional, Trabalhista, e Jurisprudencial da Reforma Trabalhista e seus

impactos sobre a classe trabalhadora.

10

2. A IDEIA JUSTRABALHISTA DE SUPREMACIA DA LEGISLAÇÃO COMO

INSTRUMENTO PARA A CONTÍNUA PROGRESSÃO DAS GARANTIAS

SOCIAIS

2.1. DIREITO TRABALHISTA BRASILEIRO: BASES E

RETROSPECTIVA

O Direito do Trabalho Brasileiro tem como base principal a Consolidação das

Leis Trabalhistas – CLT, sendo esta o instrumento prático jurídico do sistema vigente

no Brasil. Desta forma, para compreender o Direito do Trabalho atual e suas

recentes alterações é essencial analisar o conteúdo e os princípios abordados pela

legislação consolidada.

O primeiro marco histórico do Direito do Trabalho no mundo é a Revolução

Industrial Européia, que trouxe consigo o inicio do desenvolvimento da economia

capitalista moderna. O Direito Trabalhista, portanto, nasce como uma reação ao

cenário do século XIX, diante da crescente e incontrolável exploração desumana do

trabalho. Em outras palavras, é produto da classe trabalhadora contra a utilização

sem limites do trabalho humano. Contudo, de acordo com Cínthia Machado de

Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles de Dorneles2, no Brasil, em relação aos

países protagonistas da Revolução Industrial, a consolidação do Direito do Trabalho

se deu de forma tardia, tendo em vista sua relação direta com o desenvolvimento do

sistema capitalista.

É de extrema importância a compreensão acerca do tipo de relação

construída entre o Direito do Trabalho e o Capitalismo, pois é através do direito

trabalhista que o sistema econômico baseado no capital encontra, paralelamente,

limitações e sustentação. Segundo Maurício Godinho Delgado3 o Direito do Trabalho

“fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive

buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela

economia”. Por outro lado, em um contexto em que o sistema econômico se

sustenta em uma burguesia, detentora dos meios de produção, que lucra a partir da

exploração de mão de obra proletária, o Direito do Trabalho não é responsável

2 OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. Direito do Trabalho. Porto Alegre:

Verbo Jurídico, 2013, p. 20-23. 3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 87

11

apenas pela proteção da classe e da garantia da dignidade do trabalhador, mas

também compete a ele manter o sistema capitalista do qual surge e no qual está

ligado diretamente.

Assim, apenas no inicio do século XX o Brasil começa a apresentar

preocupação com a necessidade de convencionar, a partir da elaboração de leis,

garantias aos trabalhadores. Desta forma, em 1930, a sistematização das leis

trabalhistas foi finalmente impulsionada com a ascensão de Getúlio Vargas ao

Governo brasileiro, iniciando um processo de elaboração de normas sociais no

contexto brasileiro, que culminou com a promulgação da Consolidação das Leis do

Trabalho. Vólia Bonfim Cassar pontua esse momento:

1930 – Em 24 de outubro deste ano, Getúlio Vargas tornou-se presidente e no dia 26 do mês de novembro criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio através do decreto 19.4453/30. A partir de então, houve farta legislação, através de decretos legislativos, tanto sobre previdência social quanto a respeito das relações de trabalho (individuais e coletivas) até a promulgação da Carta de 1934.

4

Portanto, após a Revolução de 1930, através do inicio de grande produção

legislativa no Brasil, surge em nosso sistema jurídico uma norma autônoma e

sistematizada regulamentando as relações de trabalho sob a ótica protetiva própria

do direito do trabalho.

Diante desse cenário, sendo o trabalhador a base do sistema capitalista já

vigente e estando clara a sua vulnerabilidade como cidadão, as escassas leis que

então protegiam os trabalhadores acabavam por não incluir questões importantes.

Dessa maneira, os debates acerca da necessidade de criação de leis protetivas se

tornavam incontornáveis, forçando os políticos da era republicana, que se

deparavam a todo instante com a miséria e algumas poucas greves, a debater a

delicada e intocada “questão social”. Entretanto, o contexto era de pensamento

liberal, portanto a ideia mais forte era a de intervenção mínima, afinal as leis não

deviam interferir na vontade das pessoas, e, consequentemente, o patrão e o

empregado deviam decidir o que fosse melhor para eles.

O inicio das discussões justrabalhistas tem origem em manifestações

incipientes ou esparsas entre 1888 e 1930, conforme pondera Maurício Godinho

Delgado:

4 CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. 4°. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010, p. 17.

12

É característica desse período a presença de um movimento operário ainda sem profunda e constante capacidade de organização e pressão, quer pela incipiência de seu surgimento e dimensão no quadro econômico-social da época, quer pela forte influência anarquista hegemônica no segmento mais mobilizado de suas lideranças próprias. [...] Paralelamente a essa incipiência na atuação coletiva dos trabalhadores também inexiste uma dinâmica legislativa intensa e contínua por parte do Estado em face da chamada questão social.

5

Por conseguinte, entende Delgado que a institucionalização do Direito do

Trabalho rompe com a lógica liberal quando é iniciado o Governo Varguista, o qual

institui um novo modelo trabalhista até o fim do período ditatorial em 1945. O

Governo de Getúlio Vargas era baseado no intervencionismo estatal, portanto, as

questões sociais foram tarefas inquestionáveis do Estado, o qual, paradoxalmente,

reprimia qualquer manifestação autônoma operária, como também desenvolvia uma

legislação trabalhista que seria o novo modelo de organização justrabalhista.

Seguindo esta ideia, Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro

Nascimento6 listaram os trabalhos que formam a trajetória do projeto de produção

legislativa, na qual dar-se destaque para o primeiro diploma geral, a Lei n.º 62/1935,

que se aplica a industriários e a comerciários, ao qual se seguiu a lei n.º 185/1936,

que instituiu o salário mínimo, que, por fim, culminou na publicação da CLT. Este

instrumento jurídico é considerado inovador pelos autores supracitados, pois além

de ser uma reunião de textos legais, significou a cristalização de um instrumento da

justiça social desenvolvida pelo Governo a partir da inclusão do protagonismo

popular nas pautas trabalhistas.

É o que preceitua o próprio relatório da Comissão organizadora da CLT na

exposição de motivos:

15. A Consolidação representa, portanto, em sua substância normativa e em seu título, neste ano de 1943, não um ponto de partida nem uma adesão recente a uma doutrina, mas a maturidade de uma ordem social há mais de um decênio instituída, que já se consagrou pelos benefícios distribuídos, como também pelo julgamento da opinião pública consciente, e sob cujo espírito de equidade confraternizaram as classes na vida econômica, instaurando nesse ambiente, antes instável e incerto, os mesmos sentimentos de humanismo cristão que encheram de generosidade e de nobreza os anais da nossa vida pública e social.

7

5 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 112

6 NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Curso de direito do trabalho. 29ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2014, p. 110. 7 DECRETO-LEI Nº 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em:

<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-5452-1-maio-1943-415500-publicacaooriginal-1-pe.html > Acesso em: set. 2017.

13

A CLT passou por diversas alterações, contudo, o caráter principiológico de

proteção ao empregado teve papel importante desde sua promulgação, servindo de

base e norte para as sucessivas alterações posteriores. No que tange à importância

das consequências da criação da CLT, que ultrapassa os alcances formais das

garantias obtidas pela força da lei, é cristalina as profundas mudanças ocorridas na

consciência social e na consciência individual dos cidadãos que passaram a ser

tutelados pela CLT. Via-se o paternalismo Varguista, o cuidado com o trabalhador,

transformando a visão acerca do trabalhador.

Com maestria, Getúlio Vargas liderou uma transformação sem precedentes

no Brasil, mas não se tratou de mera reforma institucional com consequências

positivas à sociedade. Vargas proporcionou uma modificação na percepção da

imagem do trabalhador, até para si mesmo, afinal, o trabalhador que antes apenas

valorizava o que produzia, passou a valorizar a si próprio, pois já não era mais visto

como preguiçoso ou ignorante, agora era um exemplo posto em uma posição

positiva para a sociedade. E isso era produto da CLT, que, por exemplo, previa a

Carteira de Trabalho, instrumento que concedeu a cada trabalhador sua identidade

como agente social.

De uma maneira geral, Getúlio Vargas pretendia com essas ações ter o apoio

do trabalhador digno e consciente. Para Márcio Túlio Viana8, em seu artigo, o

Governo Varguista buscava trabalhadores que conheciam seus direitos, lutavam por

eles e tinham consciência política. Tal objetivo partia do exemplo europeu. Se na

Europa o forte crescimento das nações e do sistema capitalista se deu através da

Revolução Industrial, a qual teve como suporte a mão de obra do trabalhador mais

inteligente e consciente, no Brasil poderia se ter o mesmo resultado.

O fenômeno social de adesão ao plano de Governo em troca de leis

protetivas por parte dos trabalhadores é chamado por Márcio Túlio Viana de “mito da

outorga” 9, que salienta a matiz dúplice das conquistas trabalhistas e evoca a

importância da sobredita conscientização também para o sistema capitalista e, por

conseguinte, para a manutenção do Governo populista.

Assim, diante de todo o progresso demonstrado, por descabida a imposição

de obstáculos ao firmamento do Direito do Trabalho, seu instrumento legal –

8 VIANA, Márcio Túlio. 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília: Tribunal Superior do Trabalho,

2013, p. 71-72 9 Ibidem, p. 59.

14

identificado na CLT – demonstrou ser imprescindível tanto à manutenção quanto à

evolução deste Direito e, portanto, ao desenvolvimento social no Brasil.

2.2. PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO DO TRABALHO

O Brasil entrou em uma nova fase no âmbito laboral após a instituição de

direitos trabalhistas através da CLT. Desta forma, é importante ressaltar o viés

principiológico que erigiu a Consolidação, permitindo que assumisse o caráter

revolucionário de transformação social que detém até hoje. São eles: a

conscientização do trabalhador, a valoração do trabalho, a inclusão social e o

desenvolvimento econômico.

De acordo com Cíntia Machado de Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles de

Dorneles, os princípios aqui considerados são propriamente “normas jurídicas (não

necessariamente positivadas) de caráter extremamente abstrato que traduzem os

valores sociais fundamentais refletidos no ordenamento jurídico” 10.

A CLT, como ordenamento jurídico, tem por base os princípios fundamentais

que a sociedade brasileira identificou tardiamente e que por seu caráter essencial

regem o direito do trabalho no país até hoje. No âmbito trabalhista, o fundamento é a

questão social calcada na dignidade do trabalho e do trabalhador, cujo foco é o

reconhecimento da desigualdade material intrínseco à relação de trabalho e na

razão de ser das disposições normativas. Portanto, é possível considerar fantasiosa

a dita liberdade presente nas estipulações dos contratos de trabalho, e

consequentemente, atribuir ao direito trabalhista o papel de proporcionar a dignidade

no trabalho. Segundo Cíntia Machado de Oliveira e Leandro do Amaral Dorneles de

Dorneles, a sociedade percebeu que a consagração jurídica de uma liberdade

meramente formal (liberdade contratual na estipulação da relação jurídica de

trabalho) acabava por prender o trabalhador em um estado de miserabilidade

condenável do ponto de vista social11.

As garantias advindas da livre celebração do contrato por trabalhador e patrão

determinavam uma liberdade jurídica apenas formal, o que significava apenas

pressupostos teóricos de uma falsa igualdade. Dessa maneira, o direito deve

10

OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro do Amaral Dorneles de. Direito do Trabalho. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 26. 11

Ibidem, p. 27

15

objetivar o reequilíbrio das relações de emprego, em detrimento de manter a

desigualdade.

Nesse viés, os princípios norteadores do Direito do Trabalho no Brasil têm

como função o equilíbrio das forças contratantes, no qual o princípio da proteção ao

trabalhador deve ser a base dos demais, atribuindo liberdade substancial aos pactos

laborais. Esse princípio é considerado como a sustentação do Direito do Trabalho

brasileiro e sua legislação, visto que, comprovadamente, o trabalhador não tem

condições igualitárias de negociação com o patronado e, sendo assim, a lógica do

Direito Civil (comum) não é satisfatória para sanar a desigualdade presente,

devendo, desta forma, as pactuações laborais serem protegidas por regramentos em

acordo coma lógica protecionista do direito trabalhista.

Arnaldo Sussekind12 reitera essa ideia afirmando que o Direito do Trabalho é

um direito especial, que se distingue do direito comum, principalmente porque,

enquanto o segundo supõe a igualdade das partes, o primeiro pressupõe uma

situação de desigualdade que ele tende a corrigir com outras desigualdades.

Nesse viés, diante desse desequilíbrio, as legislações trabalhistas e

constitucionais vêm atuando como uma espécie de balança que cria condições reais

de igualdade entre as partes no âmbito dos contratos trabalhistas.

O princípio da proteção do trabalhador resulta das normas imperativas e, portanto, de ordem pública, que caracterizam a intervenção básica do Estado nas relações de trabalho, visando a opor obstáculos à autonomia da vontade. Essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho – uma linha divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal.

13

Diante do exposto, os fundamentos jurídicos-políticos e sociológicos do

princípio da proteção geram dele os princípios derivados, estando todos presentes

na CLT. Seriam eles: princípio da norma mais favorável, em que prevalece a que

beneficie o trabalhador, independentemente de sua colocação na escala hierárquica;

princípio da primazia da realidade, em razão do qual a relação evidenciada pelos

fatos define a verdadeira relação jurídica estipulada pelos contratantes; princípio in

dubuio pro operário, que aconselha o intérprete a escolher, entre duas ou mais

interpretações viáveis, a mais favorável ao trabalhador, desde que não confronte a

12

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 4° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2010, p. 75. 13

Ibidem, p. 75

16

manifestação do legislador, nem trate de matéria probatória; princípio da

irrenunciabilidade ou da imperatividade das normas trabalhistas, em que as normas

contidas na CLT são de observância obrigatória por parte do patrão e são direitos

compulsórios por parte do empregado, dos quais não poderá abrir mão.

Cada princípio apresenta sua importância dentro da lógica de proteção do

trabalhador, parte mais frágil da relação trabalhista, por isso resta indiscutível a

importância de observar esses princípios na letra de lei, mesmo que não

explicitados. Márcio Túlio Viana salienta que, os princípios valem como uma norma

no momento em que a lei silencia e até mesmo, raras vezes, quando esta os

contraria14. Reconhecida a necessidade de proteção do trabalhador, os princípios

protetivos tornam-se imprescindíveis para o Direito do Trabalho e,

consequentemente, para a CLT. Assim, seja no âmbito individual ou no Âmbito

coletivo, os princípios basilares do Direito do Trabalho brasileiro estão presentes e

devem sofrer validação.

2.3. GARANTIAS INDIVIDUAIS

O Direito Material do Trabalho desdobra-se em um segmento individual e em

um segmento coletivo, cada um possuindo de maneira própria regras, institutos e

princípios. Para Maurício Godinho Delgado, o empregador age como o ser coletivo,

ou seja, agente socioeconômico e político cujas ações têm a natural aptidão de

produzir impacto na comunidade ampla; e do outro lado o trabalhador é o ser

individual dessa relação, e como sujeito sociojurídico, não é capaz, isoladamente, de

produzir ações de impacto comunitário.

Essa disparidade de posições na realidade concreta fez imergir um Direito Individual do Trabalho largamente protetivo, caracterizado por métodos, princípios e regras que buscam reequilibrar, juridicamente, a relação desigual vivenciada na prática cotidiana da relação de emprego.

15

Segundo Delgado, um grande grupo de “nove princípios especiais forma

aquilo que denominamos núcleo basilar dos princípios especiais” do Direito

Individual do Trabalho.

14

VIANA, Márcio Túlio. 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília: Tribunal Superior do Trabalho, 2013, p. 83. 15

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 199.

17

Os mais importantes princípios especiais justrabalhistas indicados pela doutrina são: a) princípio da proteção [...] b) princípio da norma mais favorável; c) princípio da imperatividade das normas trabalhistas; d) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas [...]; e) princípio da condição mais benéfica [...]; f) princípio da inalterabilidade contratual lesiva [...]; g) princípio da intangibilidade salarial [...]; h) princípio da primazia da realidade sobre a forma; i) princípio da continuidade da relação de emprego.

16

Conforme já exposto, o princípio da proteção ocupa a posição de fundamento

do direito do trabalho, afinal sem a ideia protetivo-retificadora, o Direito Individual do

Trabalho não se justificaria histórica e cientificamente, inclusive esta é a

compreensão majoritária da doutrina, segundo Delgado.

Após firmar a ideia da hipossuficiência do trabalhador, tem-se a certeza que o

principio da proteção tem por pressuposto a garantia de direitos mínimos e não de

direitos máximos. Dessa forma, presente o caráter invariável do conflito e sendo o

empregado a parte mais frágil dessa relação, o Direito Individual do Trabalho tem

como um dos seus principais princípios o da indisponibilidade dos direitos

trabalhistas, no qual o trabalhador fica impedido de despojar-se, por sua simples

manifestação de vontade, das vantagens e proteções que lhe asseguram a ordem

jurídica e o contrato. Portanto, impedindo que as pressões patronais pelo descarte

não sortissem efeitos reais nas garantias conquistadas.

Contudo, existe uma limitação para essa indisponibilidade, quais sejam a

renúncia e a transação. Sobre essa questão Maurício Godinho Delgado alerta:

Renúncia é o ato unilateral, como se sabe. Ora, o princípio examinado vai além do simples ato unilateral, interferindo também nos atos bilaterais de disposição de direitos (transação, portanto). Para a ordem justrabalhista, não serão válidas quer a renúncia, quer a transação que importe objetivamente em prejuízo ao trabalhador.

17

Entretanto, a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas prevalece como regra

geral, sendo reconhecida em ao menos três relevantes dispositivos celetistas:

artigos nº 9º, nº 444 e nº 468; até porque mesmo a renúncia e a transação serão

nulas de pleno direito em caso de se tratar de indisponibilidade absoluta. Assim, a

contunda normativa geral realiza, no plano da relação de emprego, ao mesmo

tempo, tanto o princípio da indisponibilidade de direitos trabalhistas, como o princípio

da imperatividade da legislação do trabalho.

16

Ibidem, p. 200. 17

Ibidem, p. 205.

18

2.4. GARANTIAS COLETIVAS: A ORGANIZAÇÃO SINDICAL E OS

LIMITES NEGOCIAIS

No âmbito coletivo, assim como na esfera individual, pode-se contar com

princípios específicos que são os sustentáculos das garantias coletivas. Os

sindicatos são considerados os atores sociais valorizados por parte do Estado na

esfera coletiva. O Governo Varguista recriou o imaginário individual de cada

trabalhador, como também desenvolveu a concepção comunitária da classe

trabalhadora através dos sindicatos. Fábio Túlio Barroso define objetivamente a

ideia do sindicato:

Sindicato é uma instituição, uma organização reconhecida pelo Estado, por meio do Direito do Trabalho, sem fins lucrativos, com a função de representar os interesses de classe, econômica ou profissional, que poderão ser individuais e coletivos, com atividades constantes e continuadas, com seus limites estabelecidos pelo sistema jurídico.

18

Inicialmente, após a greve de 1903, o sindicalismo surge com o avanço

anarquista. Este modelo cria em um trabalhador que não poderia ser libertado, mas

que se libertaria a partir de uma identidade coletiva de classe, ou seja, um

reconhecimento de que faz parte de um todo, o sindicato de ofício.

Essa ideia inicial deu forma às associações de resistência, que não causavam

preocupação ao Governo, pois tinham a duração concomitante à dos conflitos

estabelecidos. Contudo, com o tempo os conflitos evoluíram da luta apenas contra a

miserabilidade a qual tratavam o trabalhador e chegaram ao momento que brigavam

pelas questões trabalhistas, como o salário mínimo e a jornada de trabalho de oito

horas.

Getúlio Vargas em 1930 cria o Ministério do Trabalho, liderado por Lindolpho

Collor, que possuía em suas metas melhorias dentro da questão social, contudo o

mote do governo não mantinha o caráter libertário do período anarquista. Márcio

Túlio Viana argumenta que a disputa se travou entre as associações, que possuíam

o intuito de se manterem independentes, e os sindicatos reformistas, os quais o

governo buscava atrair com o objetivo de dividir melhor as riquezas.

O fortalecimento sindical perpassou bandeiras coletivas de criação de

delegados sindicais nas fábricas e de exigência de contratação unicamente de

18

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 29.

19

trabalhadores sindicalizados. Pode-se considerar que a força sindical estava

preparando uma revolução trabalhista, ainda que submetidos o crescimento e a

estrutura da luta sindical ao controle estatal.

Amauri Mascaro Nascimento e Sônia Mascaro Nascimento19 afirmam que o

processo que transformou os sindicatos da maneira como foram originalmente

idealizados para o que representam atualmente teve como base a Constituinte de

1988. A Carta Constitucional conseguiu transformar o sistema jurídico das relações

trabalhistas, trazendo para a esfera coletiva o redimensionamento da relação

sindicato-Estado, através da adoção de princípios basilares como o da auto-

organização, no qual a criação de um sindicato não depende de prévia autorização

estatal pelo Ministério do Trabalho, e o da autonomia de administração, na qual a

livre defesa de interesses internos por meio de suas próprias decisões ao invés

daquelas oriundas do Governo.

A partir dessas mudanças, surgem os princípios que norteiam a esfera

coletiva do direito trabalhista, os quais foram englobados pela CLT, confirmando a

importância da legislação e dos princípios para assegurar as garantias trabalhistas.

A CLT nesse momento assumiu a maturidade legislativa, devido à composição

acertada que fez com o Direito Constitucional20.

Nesse cenário de alterações legislativas, a Constituição Federal de 1988

conseguiu romper o caráter autoritário corporativista da estrutura sindical firmada na

década de 1940, assumindo como uma de suas principais lutas a independência

sindical em relação ao Estado. Conforme verificamos no recorte constitucional

abaixo:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo; [...] XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; [...] XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; [...]

19

NASCIMENTO, Amauri Mascaro; NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Curso de direito do trabalho. 29ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 114-115. 20

DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 70 anos: rumo a um Direito do Trabalho constitucionalizado. Rev. TST, Brasília, vol. 79, nº. 2, abr/jun 2013, p. 2.

20

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: [...] VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; [...]

21

Dessa maneira, a redação da CLT passa a ampliar as negociações coletivas

e, consequentemente, engrandecer a capacidade e a importância da representação

sindical em razão do reconhecimento legal das convenções e dos acordos coletivos,

destacada a obrigatoriedade de participação sindical para sua validade. Contudo,

neste ponto, Maurício Godinho Delgado ressalta que a função justrabalhista central

de “melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem

socioeconômica”22, por possuir ligação íntima com o Direito Coletivo do Trabalho,

não pode por ele ser descumprida.

Os limites que circundam a negociação coletiva, perante a nova potência

sindical são balizados pelo princípio da adequação setorial negociada, no qual

temos que as regras autônomas, produzidas por negociação coletiva por intermédio

do sindicato, apenas prevalecem sobre a legislação heterônoma estatal desde que

implementem direitos superiores, quando tratar de indisponibilidade absoluta, e

transacionem parcelas de indisponibilidade relativa.

A limitação principiológica referida tem por finalidade a preservação dos

direitos mínimos da classe trabalhadora e dos direitos protetivos já conquistados,

visto que a demarcação de atividade a que estão capacitados os sindicatos, de

maneira alguma, prejudica as categorias, tendo em vista que o ordenamento jurídico

mantém seu condão garantidor dentro da esfera trabalhista.

Dessa forma, salienta-se o debate prático-doutrinário da equivalência dos

contratantes coletivos. Argumenta-se que, apesar da Constituição Federal de 1988,

hoje o Brasil ainda não finalizou a transição para o Direito Coletivo pleno, equânime

e eficaz, aquele que seja capaz de garantir efetivamente a equivalência entre as

partes negociantes. De acordo com Maurício Godinho Delgado, ainda não foi

produzida uma Carta de Direitos Sindicais que fosse capaz de proporcionar uma real

democratização do sistema trabalhista e das negociações coletivas23.

Nesse viés, apesar de o rompimento com a submissão sindical oportunizado

pela Constituição ter trazido consigo possibilidades jurídicas de flexibilização

21

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: set. de 2017. 22

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1432. 23

Ibidem, p. 1459.

21

trabalhista pela via negocial, entende-se que, ainda assim, a influência do texto

constitucional sobre o direito trabalhista é “basicamente positiva, progressista e

humanista”24.

2.5. PRIORIZAÇÃO DO DIREITO POSITIVO EM DETRIMENTO DA

NEGOCIAÇÃO: A IMPRESCINDIBILIDADE DAS VANTAGENS

LEGAIS MÍNIMAS NO CONTEXTO DOS DIREITOS SOCIAIS

De uma maneira geral os pressupostos inerentes ao Direito do Trabalho em

suas acepções individual e coletiva fazem com que seja perceptível a busca

constante pela manutenção e pela ampliação das garantias dos trabalhadores.

O justrabalhismo possui fontes diversas, entretanto é inegável a supremacia

da legislação como ferramenta mais efetiva. O Governo Varguista, a partir do “mito

da outorga”, conseguiu obter o consentimento acerca do papel central da

intervenção estatal nas relações laborais. Tal dinâmica se verifica até hoje, apesar

da reformulação de finalidade.

Ocorre que o direito positivado tem respaldo maior justamente por internalizar

princípios, por incentivar prudentemente a produção autônoma de normas e por

significar uma limitação responsável a retrocessos nas conquistas trabalhistas. No

que compete aos princípios protetivos, perceptíveis sistemáticas e até explicitamente

no ordenamento, na legislação têm o papel de manutenção das diretrizes do direito

trabalhista. Conforme entende Márcio Túlio Viana: “a CLT foi toda construída em

torno dos princípios, e exatamente por isso ela tem uma lógica, um sentido. Na

menor das regras da CLT podemos ver, mesmo sem ler, o maior dos princípios, o da

proteção”25.

Seguindo esse raciocínio, a lei é o instrumento de cumprimento dos valiosos

princípios do direito trabalhista. Quanto ao estímulo à negociação coletiva, inserido

no afã por uma maior liberdade de atuação, que permite a criação de normas

autônomas relativamente ao Estado em prol das especificidades da categoria, como

se viu, os poderes conferidos às entidades sindicais encontram limitação na norma

heterônoma, conforme as garantias mantidas pelo entendimento da “adequação

24

DELGADO, Gabriela Neves. A CLT aos 70 anos: rumo a um Direito do Trabalho constitucionalizado. Rev. TST, Brasília, vol. 79, nº. 2, abr/jun 2013, p. 12. 25

VIANA, Márcio Túlio. 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília: Tribunal Superior do Trabalho, 2013, p. 92.

22

setorial negociada” defendida por Maurício Godinho Delgado. Acredita-se que as

negociações se restringem a ocupar apenas as omissões da CLT, não podendo

baixar o nível por ela determinado.

O próprio ordenamento jurídico dá margens às negociações, porém se coloca

como sua ferramenta de restrição. Verificada a completude da legislação trabalhista,

tem-se que esta se presta, tendo em vista seu caráter imperativo, a impedir o

retrocesso das garantias até então obtidas.

Por um lado, fica demonstrada a maior efetividade da legislação como

instrumento de impedimento de flexibilizações – por parte do capital – dos preceitos

trabalhistas na prática da prestação dos serviços, em um contexto de disputa capital-

trabalho. Por outro, resta necessário relembrar que a legislação trabalhista tem

como objeto, invariavelmente, a garantia ao trabalho como Direito Social previsto

constitucionalmente.

Diante do exposto acima, a legislação é o instrumento a partir do qual se

determina a assunção de obrigação por parte do Estado sobre a tutela deste direito,

em um contexto de Estado Social de Direito inserido no sistema capitalista. De

acordo com José Afonso da Silva26, os traços de formalidade, de neutralidade e de

individualismo liberal que permearam o Estado deram lugar a uma dogmática de

realização da justiça social, em que o Estado transmuta-se em Estado material de

Direito concretizador de Direitos Sociais.

Diante do exposto, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6° ao

entender o Direito do Trabalho como um Direito Social, assume o dever prestacional

positivo por parte do Estado.

Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. [...] Assim, no art. 1 º, IV, se declara que a Republica Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art. 170 estatui que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho, e o art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, a dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1º, III).

27

26

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014, p. 117. 27

Ibidem, p. 292

23

Dessa forma, a existência de previsão legal significa, no âmbito dos Direitos

Sociais, vantagens mínimas asseguradas pela via do comprometimento obrigatório

estatal (inserido no cenário da ordem social) com a efetivação de garantias.

Portanto, diante da ausência de igualdade material e de liberdade real, a sociedade

necessita de uma postura ativa do Estado como garantidor da justiça social, e é este

o papel da legislação trabalhista28.

O que se pretende atestar é que garantir por meio de lei o usufruto mínimo de

um direito por parte dos destinatários por ele tutelados, não é somente a melhor

escolha tomada na prática justrabalhista, mas é também a garantia à efetivação

deste direito, de forma a consumar uma igualdade e liberdade real, que apenas pode

ser almejada pela compensação das desigualdades sociais, conforme afirma Ingo

Wolfgang Sarlet29.

É certo que os dois lados supracitados, a lei como impedimento à

flexibilização, e a lei como dever do Estado, convergem no âmbito trabalhista, afinal

a Constituição prevê o direito social ao trabalho – e o regulamenta à sua forma – e a

CLT o prescreve pormenorizadamente. Aliás, a Constituição, no entendimento de

Márcio Túlio Viana, “atraiu para dentro de si as normas mais importantes da CLT”30,

o que revela orientações protecionistas guiando ambas as legislações.

Este protecionismo comum encontra-se assegurado no princípio da vedação

ao retrocesso social. Afinal, é incontestável que as conquistas dos trabalhadores, ao

longo dos anos, se aperfeiçoem no reconhecimento constitucional do trabalho como

direito social, evidenciando que essa busca por parte do Estado transpõe a

finalidade meramente paternalista de domínio e submissão para ascender ao

propósito de concretização do Estado Social, a cujas natureza e substância são

inerentes a existência de direitos sociais fundamentais.

28

SARLET, Ingo Wolfgang. Os direitos fundamentais na Constituição de 1988. Rev. Diálogo Jurídico, Salvador, vol. I, nº. 1, abr/2001, p.18. 29

Idem. 30

VIANA, Márcio Túlio. 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília: Tribunal Superior do Trabalho, 2013, p. 124.

24

3. LEI N° 13.467/2017 – REFORMA TRABALHISTA: “O NEGOCIADO SOBRE

O LEGISLADO”

A Lei n° 13.467 de 13 de julho de 201731, conforme a sua própria ementa

afirma, altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-

Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974, nº

8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a

legislação às novas relações de trabalho. Essa se encontra em período de vacatio

legis por cento e vinte e passará a viger a partir de 11 de novembro de 2017.

O Projeto da Reforma Trabalhista, após sanção sem vetos do Presidente da

República, altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),

e assim muitas polêmicas e discussões vieram à tona sobre a efetiva eficácia social

da reforma na vida dos trabalhadores brasileiros.

Para os que defendem a Reforma Trabalhista existem três pilares importantes

que a justificam: Modernização e flexibilização das Leis Trabalhistas, melhoria

econômica e “CLT para todos”. Em relação à modernização das Leis Trabalhistas,

uma das ideias dessa reforma é aproximar a legislação trabalhista brasileira, das

legislações trabalhistas de Estados mais desenvolvidos. A CLT é vasta e rígida se

comparada a outros países, e por esse motivo, vários pontos da reforma buscam

esse caráter liberal, que sofre duras limitações da nossa legislação atual.

Já no prisma econômico, a criação do texto buscou associar a reforma a um

progresso na relação dos direitos dos empregados e a satisfação dos

empregadores. Um país onde as leis trabalhistas são rígidas tem como contrapartida

“menos investimentos”, pois a classe empresarial visando o lucro não acha benéfico

ser influenciado pelo Estado a todo o momento em suas decisões.

Quanto à expressão “CLT para todos”, o legislador pretende com a reforma

formalizar o trabalho das pessoas que não estão na CLT, ou seja, as pessoas mais

pobres, em sua maioria formada por desempregados ou empregados informais, com

a inserção de novas formas de contratação, buscando ampliar o leque de

possibilidades aos empregadores e aos empregados para que haja uma facilidade

na inclusão de pessoas no ramo formal do trabalho.

31

LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13467-13-julho-2017-785204-publicacaooriginal-153369-pl.html> Acesso em: set. 2017.

25

Em sentido oposto e realista, os que se opõem à Reforma Trabalhista

argumentam que esta se baseia na total injustiça e retirada de direitos conquistados

há anos pelas classes trabalhadoras, defendem que as decisões são apenas para

privilégios dos empresários e investidores e que direitos conquistados pelos

trabalhadores foram simplesmente ignorados, como as férias, a jornada de trabalho,

as negociações e as demissões. Afirmam que é um retrocesso nos direitos dos

trabalhadores, considerando os fatores sociais e econômicos em evidencia no país.

O Brasil enfrenta uma grave crise econômica e política, na qual grande parte

dos trabalhadores que não possuem um nível de escolaridade mínimo razoável

será desafiada a iniciar negociações acerca de direitos trabalhistas com empresários

mais instruídos. Com um cenário favorável para a imposição de ideias que não

sejam benéficas ao trabalhador, os empregadores podem usar dessa ignorância

para fazerem valer suas ideias. Assim, a reforma traz uma opressão aos

trabalhadores, trajadas de um contexto liberal, na qual os riscos e os resultados

serão vividos na prática.

A possibilidade de prevalência do que for acordado entre as partes sobre o

que está previsto pelo ordenamento jurídico é um dos temas de extrema relevância

inseridos na CLT de forma clara através da Reforma Trabalhista. A importância do

referido tema reside no fato da sociedade clamar por mudanças no Direito do

Trabalho, sendo imperioso, porém, que tais mudanças sejam efetuadas sem que

haja prejuízos para o trabalhador no âmbito dos princípios de força protetiva e das

garantias já assegurados pela CLT.

3.1. A PRETENSÃO E A DISPUTA CONCEITUAL QUE PERMEIAM A

REFORMA TRABALHISTA

Joaquim Donizeti Crepaldi chama atenção ao conflito entre “garantismo legal”

e “flexibilização das relações de trabalho”. Entende o autor que o primeiro termo diz

respeito à regulamentação heterônoma que tem por objetivo a proteção dos

trabalhadores, já a segunda expressão poderia significar ou um decréscimo na

rigidez legal a fim de promover desenvolvimento econômico por meio de redução de

custos e elevação de competitividade do produto nacional (interna ou externamente)

ou, simplesmente, “expedientes dissimulados para fraudar direitos trabalhistas e

26

obrigações sociais”32. Contudo, a doutrina diverge sobre a definição e sobre a carga

significativa do termo “flexibilização”.

Para Sérgio Pinto Martins, a flexibilização é um conjunto de regras que criam

mecanismos para compatibilizar as mudanças econômicas, tecnológicas, políticas e

sociais existentes na relação entre capital e trabalho33. Tal entendimento é

compartilhado por Orlando Teixeira da Costa, este aduz que a flexibilização laboral é

a possibilidade de transigir no uso do princípio tutelar trabalhista34, servindo como

instrumento de compatibilização de interesses em razão da necessidade de ajustes

rápidos e inadiáveis.

Em contrapartida, José Afonso Dallegrave Neto entende que seria o primeiro

passo no caminho à desregulamentação trabalhista, ressaltando que o fenômeno

“faz parte do receituário neoliberal que propugna pela diminuição do custo

operacional e pela destruição dos direitos sociais como forma de combate ao

desemprego”35.

Esta desregulamentação seria a falta de qualquer legislação para

regulamentar os direitos trabalhistas, ou seja, seria a não atuação do Estado no

sentindo de não intervir nas relações entre empregado e empregador. De acordo

com Joaquim Donizeti Crepaldi, na desregulamentação o Estado promove a retirada

de toda a proteção normativa, incluindo as garantias mínimas, autorizando a

autonomia privada à regular a relação laboral36.

Nei Frederico Cano Martins37 une os dois conceitos, asseverando que

“flexibilização” e “desregulamentação” representam o movimento gradativo de

diminuição da atuação do Estado nas relações de trabalho, já que flexibilizar

também significa desregulamentar, reduzir o número de normas protetivas do

trabalho. Nesta lógica, Priscila Campana38 resume alegando que as diferenças

32

CREPALDI, Joaquim Donizeti. O princípio da proteção e a flexibilização das normas do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 66. 33

MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das condições de trabalho. São Paulo: Atlas, 2000, p. 25. 34

COSTA, Orlando Teixeira da. Direito coletivo do trabalho e crise econômica. São Paulo: LTr, 1991, p. 138. 35

DALLEGRAVE NETO, José Afonso. Direito do trabalho contemporâneo: flexibilização e efetividade. São Paulo: LTr, 2003, p. 21. 36

CREPALDI, Joaquim Donizeti. O princípio da proteção e a flexibilização das normas do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 58. 37

MARTINS, Nei Frederico Cano. Os princípios do Direito do Trabalho e a flexibilização ou desregulamentação. Revista Ltr, v. 64, n.7, p. 64-67, São Paulo: Ltr, 2000. 38

CAMPANA, Priscila. O impacto do neoliberalismo no Direito do Trabalho: desregulamentação e retrocesso histórico. Revista de informação legislativa. n. 147, jul./set. 2000, p. 136. Brasília: Senado Federal, 2000.

27

terminológicas não impedem que sejam sinônimos, pois servem igualmente ao

projeto neoliberal de desmonte das conquistas do Estado Social.

O que ocorre no contexto atual é o retorno do trabalhador à condição de plena

mercadoria, não mediada pelo humanismo do Direito, característica esta

indiscutivelmente carregada nas propostas flexibilizadoras. É por esta razão que é

defensável, conforme Arnaldo Süssekind39, a existência de normas gerais estatais

que definam um patamar mínimo de direitos a serem obrigatoriamente respeitados.

3.2. DIREITO COLETIVO DO TRABALHO – NEGOCIAÇÃO COLETIVA

E A FORÇA NORMATIVA DOS ACORDOS E DAS CONVENÇÕES

COLETIVAS DO TRABALHO

O Direito Coletivo do Trabalho possui funções gerais e específicas, nas quais

as de cunho geral são comuns a todo direito laboral e as demais são específicas ao

ramo coletivo. As funções gerais envolvem a melhoria das condições de pactuação

da força de trabalho na ordem socioeconômica e o caráter modernizante e

progressista. Em relação às funções específicas, estas se referem à criação de

normas jurídicas, como também à pacificação dos conflitos de natureza sócio-

coletiva, a função sociopolítica e a função econômica.

De uma maneira geral a função pacificadora é confirmada a partir dos

métodos de autocomposição, sendo eles: a negociação coletiva, a mediação e a

arbitragem. A função sociopolítica se dá com a verificação da atuação das

entidades sindicais que, por sua vez, deve ser pautada na participação democrática

de todos os integrantes das categorias profissionais e econômicas envolvidas. A

atuação sindical converte-se em órgão ativo da sociedade pública e é instrumento

do intervencionismo na busca de uma transformação da sociedade.

No que diz respeito à função econômica, essa consiste na possibilidade de

adequação das regras às condições particulares vividas por cada setor econômico,

sendo comprovado até o momento que se admite essa adequação apenas para as

normas de indisponibilidade relativa.

No âmbito dos princípios específicos do Direito Coletivo do Trabalho,

inseridos na ordem constitucional, tem-se os seguintes: unicidade sindical, a

39

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 34.

28

liberdade e autonomia do ente sindical, a obrigatoriedade de participação da

entidade sindical profissional no processo de negociação, o reconhecimento dos

acordos e convenções coletivas de trabalho, a proteção dos representantes dos

empregados e a liberdade de filiação e desfiliação. Não menos importante, também

se tem os princípios da criação da norma jurídica pelos entes coletivos e o da

possibilidade de aplicação do negociado a respeito do legislado, chamado também

por Delgado de adequação setorial negociada. Este último princípio deve atuar sob

condições de garantia de melhores condições ao trabalhador, o que será alterado

com o início da vigência da lei nº 13.467/2017.

A força normativa das convenções e acordos coletivos está determinada, quer

na esfera constitucional, quer na federal, conforme dispõe o artigo 7º, inciso XXVI da

CF40, no qual se afirma que são direitos para trabalhadores urbanos e rurais o

reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; e os artigos 619 e

620 da CLT, conforme abaixo:

Art. 619. Nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito. [...] Art. 620. As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.

41

No âmbito internacional, a negociação coletiva vem prevista no artigo 2º da

Convenção da Organização Internacional do Trabalho n. 154, a qual dispõe:

Negociação Coletiva compreende todas as negociações que tenham lugar entre, de uma parte, um empregador, um grupo de empregadores ou uma organização ou várias organizações de empregadores e de outra parte, uma ou várias organizações de empregadores com fim de: [...] b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou c) regular as relações entre os empregadores ou organizações e uma ou várias organizações de trabalhadores ou alcanças todos estes objetivos de uma só vez.

42

Desta forma, os acordos e convenções coletivas de trabalho, são, para o

Direito do Trabalho, fontes formais do direito. Para ser mais específico, são fontes

40

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: set. de 2017. 41

DECRETO-LEI Nº 229, DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0229.htm#art620> Acesso em: set. 2017. 42

Convenções da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Convenção n° 154. Disponível em:

<http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/LEGIS/CLT/OIT/OIT_154.html> Acesso em: set. de 2017.

29

autônomas que decorrem da vontade dos próprios interlocutores sociais e são

efetivados sem a interferência de um terceiro.

As negociações coletivas possuem duas finalidades. A primeira é de fixar

condições individuais de trabalho e a segunda é de estabelecer as condições para o

relacionamento entre os que participam da relação coletiva de trabalho. Portanto,

fica clara a importância da pactuação autônoma coletiva e da necessidade de

respeito às disposições que restaram ajustadas.

Dessa maneira, atualmente, com a aprovação da reforma trabalhista passou a

se reconhecer formalmente a existência da prevalência das regras negociadas sobre

as legisladas sem que seja necessário respeito ao chamado patamar mínimo

civilizatório, ocorrendo a prevalência da norma autônoma como máxima expressão

da liberdade de negociação entre os agentes sociais sobre as normas estatais

heterônomas.

Não é incomum afirmar que a negociação coletiva é o mais relevante

instrumento do direito coletivo do trabalho, sendo uma forma de autocomposição dos

conflitos coletivos de trabalho por serem solucionados pelas próprias partes, sem a

participação de outros agentes no processo para resolver a lide, diferentemente do

que ocorre na de heterocomposição, na qual há intervenção de um terceiro que é

responsável pela tarefa de analisar e solucionar todo e qualquer conflito.

Portanto, evidencia-se o plurinormativismo existente no Direito do Trabalho,

no qual as fontes formais não são apenas heterônomas, ou seja, aquelas

provenientes do Estado ou Organismos Internacionais, mas negociais, advindas do

poder da vontade humana de pactuar.

3.3. DIPLOMAS NEGOCIAIS COLETIVOS: CONCEITO, DURAÇÃO E

PRESSUPOSTOS DE VALIDADE DA CONVENÇÃO E DO

ACORDO COLETIVOS DO TRABALHO

No Direito do Trabalho, conforme discutido acima, além das fontes formais

que advêm da vontade do Estado, existem as de origem individual, aquelas que são

profissionais e autônomas, emanadas da vontade das partes manifestada em

assembleia promovida pela entidade sindical.

Dessa forma, as convenções e acordos coletivos, embora tenham origem

privada, criam regras jurídicas, abstratas e impessoais que irão normatizar situações

30

futuras. Assim, do ponto de vista substantivo, tais regras possuem caráter de norma

jurídica típica, mas no ponto de vista formal apresentam-se como contratos.

Essa negociação é considerada vantajosa para todas as partes negociais.

Para o empregador, a forma de negociação pacífica sem ocorrência de greve; para o

empregado, o reconhecimento da legitimidade e representatividade dos sindicatos

com a consequente conquista de novos direitos aos trabalhadores; para o Estado, a

forma de não interferência em que as próprias partes buscam a solução de seus

conflitos culminando como instrumento de paz social.

A CLT traz definida expressamente as convenções coletivas no caput do

artigo 611, conforme abaixo:

Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho".

43

As convenções coletivas resultam, desta forma, de negociações entabuladas

pelas entidades sindicais que, embora de origem privada, como dito acima, criam

regras e preceitos de ordem geral, abstrata e impessoal co vistas a normatizar

situações ad futurum. São, portanto, diplomas desveladores de regras jurídicas.

A CLT também analisa o acordo coletivo de trabalho ao mencionar no

parágrafo primeiro do supracitado artigo nº 611 que é:

É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

44

Compreende-se, desta forma, que as duas figuras jurídicas diferem em face

dos sujeitos pactuantes e do âmbito de abrangência de suas regras jurídicas, tendo

a Convenção Coletiva de Trabalho em seus pólos, necessariamente, entidades

sindicais representativas de empregados e empregadores e o Acordo Coletivo de

Trabalho tem em um de seus pólos empregadores não necessariamente

representados pelos respectivos sindicatos.

43

DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: set. 2017. 44

DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: set. 2017.

31

Sobre a abrangência verifica-se que a Convenção Coletiva de Trabalho incide

em um universo mais amplo, qual seja base profissional e econômica representada

pelos respectivos sindicatos, enquanto o Acordo Coletivo de Trabalho tem atuação

muito mais restrita, atingindo apenas empregados vinculados à empresa ou conjunto

de empresas que tenham subscrito os referidos diplomas, não obrigando as

empresas não convenentes e seus empregados, mesmo que se trate de mesma

categoria econômica ou profissional.

Dessa forma, as Convenções Coletivas representam os ajustes celebrados

entre as entidades sindicais representantes da categoria econômica (sindicatos,

federações e confederações) e as representantes da categoria profissional

(empregados), estabelecendo novas condições de trabalho com eficácia erga

omnes, ou seja, conforme Fábio Túlio Barroso, “o alcance normativo da convenção

serão todos os contratos vigentes das categorias representadas, estabelecendo

condições de trabalho para todos os empregadores e empregados”45.

Maurício Godinho Delgado46 esclarece ainda que as convenções coletivas

correspondem à noção de lei em sentido material, traduzindo comando abstrato. São

desse modo, a respeito do seu conteúdo, diplomas desveladores de inquestionáveis

regras jurídicas, embora existam em seu interior cláusulas contratuais.

Por sua vez, os acordos coletivos são ajustes firmados entre empregados

assistidos por seu sindicato e a empresa em que laboram, tendo eficácia restrita,

embora possam tratar das mesmas matérias. Fábio Túlio Barroso ratifica esta ideia

quando fala que “assim, o que for estabelecido terá eficácia para os contratos de

trabalho existentes no âmbito empresarial, nas empresas que participam da

negociação e formalizarem o instrumento”47.

É válido registrar ainda o dissenso teórico acerca da fonte formal assumida

por meio de acordo coletivo, em razão da abrangência mais restrita de sua

aplicação, com efeito inter partes, e por não contar com um sindicato pactuante no

pólo empresarial, o que faz com que se origine apenas simples dispositivos

contratuais, nos quais seus preceitos integrariam as cláusulas contratuais a eles

com adesão permanente.

45

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 217. 46

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 15ª ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 1521. 47

BARROSO, Fábio Túlio. Manual de direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2010, p. 218

32

Para que tenham validade, as convenções coletivas de trabalho, de acordo

com o disposto nos artigos nº 613 e n° 614 da CLT, ratificados pela Portaria nº

8984/95 em seu artigo 1°, há necessidade que exista o preenchimento de alguns

requisitos, quais sejam: termo escrito; possua prazo de vigência (máximo de dois

anos); a negociação coletiva deve ter autorização da assembleia sindical,

respeitando o quorum mínimo; depósito de uma via do instrumento coletivo no

Departamento Nacional do Trabalho ou no Ministério do Trabalho, bem como haja

fixação de cópia do ajuste em local visível.

Contudo, apesar da exigência do cumprimento de tais requisitos, em razão

pacta sunt servanda, bem como da vedação da alegação da própria torpeza e

autonomia sindical, alguns dos requisitos previstos no artigo nº 614 não são mais de

grande relevância para a validade da norma coletiva, podendo até ser tolerada sua

falta e validada a norma quando mais favorável ao trabalhador, posto que nas

declarações de vontade prevalece a intenção à forma. Entretanto, quando as

negociações se destinarem à supressão ou redução de direitos, tais requisitos

devem ser considerados da substância do ato. Insta salientar, contudo, que essa

questão não é pacífica.

A prorrogação, revisão, revogação e denúncia das normas coletivas se dão

conforme o artigo 615 da CLT:

O processo de prorrogação, revisão, denúncia ou revogação total ou parcial de Convenção ou Acordo ficará subordinado, em qualquer caso, à aprovação de Assembleia Geral dos Sindicatos convenentes ou partes acordantes, com observância do disposto no art. 612. § 1º O instrumento de prorrogação, revisão, denúncia ou revogação de Convenção ou Acordo será depositado para fins de registro e arquivamento, na repartição em que o mesmo originàriamente foi depositado observado o disposto no art. 614. § 2º As modificações introduzidos em Convenção ou Acordo, por força de revisão ou de revogação parcial de suas clausulas passarão a vigorar 3 (três) dias após a realização de depósito previsto no § 1º.

48

Desta forma, verifica-se que, prorrogar é o processo pelo qual o prazo de

vigência da convenção ou acordo é estendido, mantendo as condições da norma

acordada e dentro do prazo de vigência de dois anos; revisão é o processo de

alteração da norma coletiva durante a sua vigência; denúncia se dá quando uma das

partes notifica a outra de que não vai mais cumprir norma coletiva; e revogação

48

DECRETO-LEI N.º 5.452, DE 1º DE MAIO DE 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> Acesso em: set. 2017.

33

ocorre quando as partes resolvem, de comum acordo, desfazer total ou parcialmente

o ajustado na norma coletiva.

Em relação aos efeitos, tem-se que com a alteração do artigo nº 614 da CLT

as cláusulas normativas aplicam-se para todos os membros da categoria,

associados ou não e que após o término de vigência destas não continuarão a viger,

pois não se incorporam aos contratos de trabalho, revogando assim a Súmula nº 277

do Tribunal Superior do Trabalho, a qual está suspensa desde 10 de outubro de

2016, por decisão liminar do STF.

3.4. A HIERARQUIA DAS NORMAS NEGOCIADAS E LEGISLADAS.

REGRAMENTO ATUAL E APÓS A VIGÊNCIA DA LEI N.

13.467/2017

As normas autônomas coletivas diferem da legislação em alguns aspectos.

Primeiro pelo modo de elaboração, sem a lentidão legislativa e por serem originadas

de poder sindical privado. Em segundo pelo fato da legislação ser geral, vinculando

toda a sociedade e seus preceitos, enquanto a norma coletiva é específica para

grupos menores, podendo prever a autorregulamentação de detalhes.

Atualmente o entendimento é no sentido de que há garantias mínimas e

imperativas que não podem ser deixadas à vontade dos grupos, pois a legislação

preza por estabelecê-las, atendendo ao princípio protetor que rege o Direito do

Trabalho e exige respeito aos direitos fundamentais sociais, o que pode não ser

mais regra para todos os direitos, após a vigência da reforma trabalhista. Sabemos

hoje que há direitos trabalhistas, tais como a proteção à integridade física do

trabalhador, a igualdade de tratamento e a idade mínima para o trabalho, os quais

interessam a toda sociedade que devem continuar a serem garantidos, ainda que de

forma genérica no ordenamento jurídico.

É nesse sentido que caminha o entendimento do jurista Amauri Mascaro

Nascimento:

A tendência da legislação intervencionista é encaminhar-se para a tutela da personalidade, da igualdade, da segurança do trabalhador em seu meio ambiente do trabalho, valores que a lei deve prestigiar e que não podem ser entregues à lei do mercado, sendo indispensável a atuação do Estado pelos

34

seus mecanismos de administração pública do trabalho, temas que pela sua significação não podem ser deixados em livre negociação no mercado.

49

Fato é que com a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017 não será mais

possível garantir com segurança o resguardo em determinadas matérias atinentes a

direitos mínimos dos trabalhadores.

Alice Monteiro de Barros50 afirma que na negociação coletiva, nenhum

interesse de classe deverá prevalecer ao interesse público, não podendo ser

transacionados preceitos que resguardam a saúde do trabalhador, como os relativos

à higiene e à segurança do trabalho, como também os que se referem à integridade

física e moral.

No Direito do Trabalho não há submissão na aplicação do ordenamento

jurídico ao critério hierárquico que vigora no Direito Comum, o qual coloca sempre a

Constituição Federal e a legislação oficial no ápice da pirâmide normativa, pois no

âmbito laboral a busca pela norma mais favorável se dá não de forma isolada, mas

como integrante de um grupo social capaz de criar normas jurídicas.

Portanto, no direito trabalhista a hierarquia das normas se dá de forma

concorrente, bem como demonstra Maurício Godinho Delgado ao afirmar que existe

uma espécie de incidência concorrente, na qual a norma que disciplinar uma dada

relação de maneira mais benéfica ao trabalhador prevalecerá sobre os demais,

inexistindo derrogação permanente, apenas mero preterimento, na aplicação

concreta enfocada51.

Portanto, até o presente momento, a aplicação do negociado sobre o

legislado encontra limite, não apenas no princípio protetor na imperatividade das

normas trabalhistas, mas também na implementação de uma situação jurídica

melhor ao trabalhador do que a prevista na legislação heterônoma, respeitando-se

tratados e convenções internacionais subscritos pelo país, versando apenas sobre

verbas trabalhistas de indisponibilidade relativa, sendo tais os parâmetros a orientar

o intérprete e aplicador do direito para as relações coletivas do trabalho na hora de

escolher entre a norma estatal protetiva ou a proveniente da autonomia privada

coletiva, o que a reforma trabalhista põe em risco com a flexibilização.

49

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. São Paulo: LTr, 2005, p. 351. 50

BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 1254 51

DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 152.

35

Nesse viés, o incremento da teoria da flexibilização dos direitos dos

trabalhadores, baseada no pensamento neoliberal, no qual quanto maior for a

liberdade das relações de trabalho, maior será o crescimento da economia, e

admitindo a possibilidade de alteração e diminuição de direitos em razão da

competitividade e busca de melhores negócios entre as empresas, geram-se

dúvidas quanto ao alcance da referida negociação coletiva pós reforma trabalhista.

3.4.1. A JURISPRUDÊNCIA EM FAVOR DO NEGOCIADO

Mesmo antes da elaboração do projeto de Lei nº 6.787/2016 já havia o debate

a respeito da prevalência do negociado em face da legislação trabalhista. Sabe-se

que o entendimento tradicional da doutrina é no sentido de que deve prevalecer a

norma mais favorável ao trabalhador, conforme já explanado, em virtude do princípio

da proteção, inerente ao Direito do Trabalho, em acordo com o previsto no artigo nº

7, caput da Constituição Federal.

De acordo com o disposto na CF, admiti-se a flexibilização de direitos

trabalhista, por meio de negociação coletiva nas seguintes hipóteses: redução de

salário, compensação, redução de jornada de trabalho e turnos ininterruptos de

revezamento, todavia, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já vem

decidindo no sentido de reconhecer e dar preferência Às normas coletivas

negociadas em face da legislação, principalmente na esfera das matérias

relacionadas a salário e jornada de trabalho.

Em 2015, o STF julgou o RE 590.415, que ficou nacionalmente conhecido

como o “Caso BESC”. O Banco do Estado de Santa Catarina, antes de ser

privatizado, firmou um acordo coletivo com o sindicato dos empregados em que

constava uma cláusula de quitação geral. No qual, o empregado que aderisse ao

plano recebia indenização e estaria impedido de obter qualquer diferença em

processo judicial trabalhista.

A lide chegou ao Tribunal Superior do Trabalho e, por maioria, os Ministros

entenderam que a cláusula de quitação era nula, eis que genérica, e que os

empregados poderiam, sim, discutir judicialmente os valores das parcelas pagas

para apuração de eventuais diferenças.

36

Através da interposição de recurso ao Supremo Tribunal Federal, o Banco

conseguiu reverter a decisão, em célebre voto do Ministro Luís Roberto Barroso,

conforme ementa do julgado em questão:

Direito do Trabalho. Acordo coletivo. Plano de dispensa incentivada. Validade e efeitos. 1. Plano de dispensa incentivada aprovado em acordo coletivo que contou com ampla participação dos empregados. Previsão de vantagens aos trabalhadores, bem como quitação de toda e qualquer parcela decorrente de relação de emprego. Faculdade do empregado de optar ou não pelo plano. 2. Validade da quitação ampla. Não incidência, na hipótese, do art. 477, § 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, que restringe a eficácia liberatória da quitação aos valores e às parcelas discriminadas no termo de rescisão exclusivamente. 3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual. 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida. 5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso. 7. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: ‘A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado’” (STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 29.05.2015).

52

Portanto restou assentado no STF que a cláusula era válida, tendo sido

afirmado, em síntese, que a Constituição Federal prestigiou a autonomia coletiva da

vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador participará da formulação das

normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho, bem como, que os

acordos e convenções coletivas são instrumentos legítimos de prevenção de

conflitos trabalhistas, podendo ser utilizados, inclusive, para redução de direitos

trabalhistas.

52

STF, Pleno, RE 590.415/SC, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 29.05.2015. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=8590961> Acesso em: out. de2017

37

Destaca-se no julgado a clareza mediante a qual se firmou a tese de que o

sindicato é legalmente um legítimo representante dos empregados e suas decisões

devem ser respeitadas. Entendia-se que o STF queria dar amplitude à decisão para

que uma nova direção fosse dada aos litígios envolvendo instrumentos coletivos.

Como se tratava do primeiro caso decidido na Suprema Corte, sobre essa

temática, o julgamento não repercutiu nas instâncias trabalhistas como deveria,

mesmo se tornando caso de repercussão geral. Continuou-se, mesmo depois do

posicionamento do STF, a se decidir que “os sindicatos não têm legitimidade de

fato”, “acordo coletivo não pode diminuir direito, apenas aumentar” e outros

argumentos nessa linha para anular cláusulas de instrumentos coletivos.

Igualmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) firmou entendimento no

qual a negociação coletiva não abrange direitos assegurados por preceito de lei.

Desta forma, tendo em vista que as horas in itinere estão asseguradas no artigo 58

da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o seu não pagamento não poderia ser

transacionado.

Diante do caso supracitado, o Supremo Tribunal Federal decidiu inovar

novamente. Em meados de 2016, o STF publicou decisão no Diário de Justiça

Eletrônico, da lavra do Ministro Teori Zavascki, que proveu o Recurso Extraordinário

nº 895.759 e reformou decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que havia

anulado uma cláusula de acordo coletivo que excluía o pagamento das horas in

itinere. Neste caso, o sindicato e a empresa haviam negociado essa exclusão em

troca de outros benefícios mais vantajosos financeiramente aos empregados.

[...]3. No presente caso, a recorrente firmou acordo coletivo de trabalho com o sindicato da categoria à qual pertence a parte recorrida para que fosse suprimido o pagamento das horas in itinere e, em contrapartida, fossem concedidas outras vantagens aos empregados, “tais como ‘fornecimento de cesta básica durante a entressafra; seguro de vida e acidentes além do obrigatório e sem custo para o empregado; pagamento do abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários-mínimos; pagamento do salário-família além do limite legal; fornecimento de repositor energético; adoção de tabela progressiva de produção além da prevista na Convenção Coletiva” (fl. 7, doc. 29). O Tribunal de origem entendeu, todavia, pela invalidade do acordo coletivo de trabalho, uma vez que o direito às horas in itinere seria indisponível em razão do que dispõe o art. 58, § 2º, da CLT: Art. 58 (...) § 2º O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução. O acórdão recorrido não se encontra em conformidade com a ratio adotada no julgamento do RE 590.415, no qual esta Corte conferiu especial relevância ao princípio da autonomia da

38

vontade no âmbito do direito coletivo do trabalho. Ainda que o acordo coletivo de trabalho tenha afastado direito assegurado aos trabalhadores pela CLT, concedeu-lhe outras vantagens com vistas a compensar essa supressão. Ademais, a validade da votação da Assembleia Geral que deliberou pela celebração do acordo coletivo de trabalho não foi rechaçada nesta demanda, razão pela qual se deve presumir legítima a manifestação de vontade proferida pela entidade sindical. Registre-se que a própria Constituição Federal admite que as normas coletivas de trabalho disponham sobre salário (art. 7º, VI) e jornada de trabalho (art. 7º, XIII e XIV), inclusive reduzindo temporariamente remuneração e fixando jornada diversa da constitucionalmente estabelecida. Não se constata, por outro lado, que o acordo coletivo em questão tenha extrapolado os limites da razoabilidade, uma vez que, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu outras vantagens em seu lugar, por meio de manifestação de vontade válida da entidade sindical. 4. Registre-se que o requisito da repercussão geral está atendido em face do que prescreve o art. 543-A, § 3º, do CPC/1973: “Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal”. 5. Diante do exposto, com base no art. 557, § 1º-A, do CPC/1973, dou provimento ao recurso extraordinário para afastar a condenação da recorrente ao pagamento das horas in itinere e dos respectivos reflexos salariais. [...] (STF, RE 895.759/PE, Rel. Min. Teori Zavascki, decisão monocrática, DJe 13.09.2016).

53

Destaca-se que o ministro, nessa nova decisão, fazendo remissão ao caso

BESC, ressaltou que o acordo coletivo em questão não extrapolou os limites da

razoabilidade, pois, embora tenha limitado direito legalmente previsto, concedeu

outras vantagens em seu lugar, através de manifestação de vontade válida da

entidade sindical. Em outras palavras, assentou que deve se respeitar o negociado,

mesmo que se limite direito legalmente previsto.

Diante do exposto, fica claro que o STF em grau de recurso quer estimular a

negociação coletiva, afirmando que é um procedimento legítimo e democrático de

pacificação social, por se tratar de instrumento que dá origem a normas jurídicas que

são produzidas pelos próprios interessados. Contudo, reiterando o que vem sendo

argumentado neste trabalho, embora a negociação coletiva seja um instrumento

importante para a autonomia coletiva dos particulares, ela não deve ser exercida

com o objetivo de supressão e de precarização de direitos trabalhistas, mas sim de

melhoria das condições sociais do trabalhador. Assim, mesmo que seja importante o

aperfeiçoamento da disciplina das relações de trabalho e a adaptação do sistema

jurídico às necessidades dos tempos contemporâneos, a negociação de certas

matérias que envolvem direitos garantidos ao trabalhador pela CF e CLT pode ser

muito perigosa para a manutenção da proteção do mesmo.

53

STF, RE 895.759/PE, Rel. Min. Teori Zavascki, decisão monocrática, DJe 13.09.2016. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/arquivos/2016/9/art20160916-12.pdf> Acesso em: out. de 2017.

39

3.4.2. A REFORMA TRABALHISTA E A LIBERDADE E OS LIMITES

PREVISTOS PARA A NEGOCIAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO.

APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 611-A, 611-B INSERIDOS NA CLT

APÓS A REFORMA.

A Reforma Trabalhista - Lei nº 13.467/2017, aprovada no Congresso Nacional

trata de diversos pontos relacionados ao mundo do trabalho: desde a normatização

das relações individuais, coletivas e sindicais, até as questões referentes aos

aspectos processuais. Nesse sentido, verifica-se a clara intenção da reforma em se

privilegiar a autonomia da vontade coletiva e individual em detrimento às normas

estabelecidas pelo Estado.

Pode-se afirmar que, de certo modo, a Reforma Trabalhista inverteu a

hierarquia das normas, ainda que tenha deixado a Constituição Federal e os

princípios do Direito do Trabalho no vértice da pirâmide. Os acordos coletivos

prevalecem, de forma ampla, sobre a lei ordinária. Sob algumas condições, os

acordos individuais também prevalecem sobre a lei. Desta forma, as normas

coletivas não mais prevalecerão apenas quando implementarem direitos superiores

aos previstos na legislação e tampouco ficarão restritas apenas a versar sobre

direitos relativamente indisponíveis.

Ao que tange a reforma trabalhista em questão, na adição do novo art. n°

611-A do mencionado projeto de lei, esta determina uma “super” flexibilização em

diversos pontos e a negociação entre empregador e empregado. Esse artigo traz um

rol exemplificativo de matérias que poderão ser objeto de negociação coletiva. Entre

elas: a) Jornada de trabalho (banco de horas, jornada 12 x 36, intervalo intrajornada,

registro de jornada, prorrogação de jornada em local insalubre e sobreaviso); b)

Plano de cargos e salários; c) Regulamento de empresa; d) Troca de feriados; e)

Remuneração por produtividade, gorjetas, prêmios e Participação nos Lucros e

Resultados (PLR); f) Teletrabalho e trabalho intermitente; g) Grau de insalubridade;

h) Representação de empregados no local de trabalho; i) Adesão ao

Programa Seguro-Emprego (PSE).

Percebe-se, portanto, que a intenção do legislador ao quebrar a hierarquia

das leis, fazendo com que acordos e convenções se sobreponham, é de suprimir

direitos trabalhistas, ao ponto que no art. nº 611-A, § 2º diz não caracterizar vício de

40

negócio jurídico a ausência de cláusula de contrapartidas, ferindo os princípios da

probidade e boa-fé.

Vólia Bomfim Cassar54 assinala a forma negativa da reforma, acentuando que

as formas de flexibilização da mesma é, grosso modo, uma farsa ao que tange as

melhorias defendidas pelo Poder Executivo, pois estaria retirando a rigidez imposta

pela legislação, abrindo espaço para o empregador se sobressair quanto ao negócio

jurídico.

Deve-se levar em consideração também o artigo nº 611-B, também inserido

pela Reforma, esse menciona que, “exclusivamente” em relação aos direitos ali

listados, não poderá ocorrer a supressão ou a redução. Logo, conclui-se que, em

relação aos demais direitos que não estão no rol do artigo nº 611-B, poderia haver

supressão ou redução. Destaca-se, portanto, a redação do artigo nº 611-B:

Art. 611-B. Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos: I - normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social; II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; III - valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); IV - salário mínimo; V - valor nominal do décimo terceiro salário; VI - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; VII - proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; VIII - salário-família; IX - repouso semanal remunerado; X - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XI - número de dias de férias devidas ao empregado; XII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XIII - licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; XIV - licença-paternidade nos termos fixados em lei; XV - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XVI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XVII - normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho; XVIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas; XIX - aposentadoria; XX - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador; XXI - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXII - proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; XXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXIV - medidas de proteção legal de crianças e adolescentes; XXV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso; XXVI - liberdade de associação profissional ou sindical

54

CASSAR, Vólia Bonfim. Breves Comentários às Principais Propostas pela Reforma Trabalhista. 2017. Disponível em:<http://genjuridico.com.br/2017/05/09/breves-comentarios-principais-alteracoes-propostas-pela-reforma-trabalhista/ >. Acesso em: 05 de out. 2017.

41

do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; XXVII - direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender; XXVIII - definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; XXIX - tributos e outros créditos de terceiros; XXX - as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação. Parágrafo único. Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo

55.

O referido artigo não veda a negociação sobre tais questões, apenas proíbe

que essas sejam negociadas em prejuízo dos empregados, não sendo passíveis de

flexibilização, podendo apenas haver negociação quanto ao modo de gozo de tais

direitos.

A partir de então, verifica-se que a interpretação do previsto no artigo n° 7 da

CF, o qual reconhece o direito fundamental dos trabalhadores ao “reconhecimento

das convenções e acordos coletivos do trabalho”, deve ser feita de forma ampla,

observando, portanto, que não se assegura apenas o direito abstrato à convenção

ou acordo coletivo, mas sim, alcançando a máxima eficácia do direito fundamental, o

direito de celebrar, firmar tais instrumentos coletivos.

Em outras palavras, estipular essas condições de trabalho, através da

convenção ou acordo coletivo, porém, será mais do que simples agir nos limites

deixados pelo direito, reconhecendo por meio do artigo nº 611-A o direito de

estabelecerem novos direitos dentro dos temas por ele abrangidos, com poder de

vinculação, assim como qualquer norma estatal, àqueles a quem se dirigirem.

O que se põe em questionamento é como ficarão os limites ao direito à

convenção e ao acordo coletivo. E, para tanto, é fundamental considerar os

princípios norteadores do Direito Social do Trabalho, como o da aplicação da norma

mais favorável, o da proteção ao trabalhador e o da vedação do retrocesso social,

extraídos do artigo nº 7, da CF. E a partir disso concluir-se que a norma coletiva não

deve estabelecer condições inferiores à lei.

Nesse momento, compreende-se o aumento da relevância da atuação de

supervisão e fiscalização do Ministério Público do Trabalho e do Poder Judiciário

frente à Reforma Trabalhista, inclusive em seu aspecto jurídico-constitucional.

55

LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm> Acesso em: out. de 2017.

42

Ademais, a aplicação do princípio da Inafastabilidade de Jurisdição, previsto no Art.

5º, XXXV da Carta Fundamental é claro quando diz em seu bojo que “a lei não

excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito”56, dando carta

branca para um possível direito de ação, ou provocação, ao Ministério Público do

Trabalho para a manifestação do Judiciário Trabalhista.

Extrai-se, portanto, deste princípio constitucional que os artigos que limitam a

apreciação dos acordos e convenções coletivas do trabalho, o negociado sobre o

legislado terá valor apenas se a norma for benéfica, caso contrário, havendo lesão

ou ameaça a direito, fica o órgão jurisdicional competente para julgamento livre para

agir e apontar os erros do negócio jurídico, se não a priori, a posteriori nos termos do

art. nº 157 do CC e art. nº 171, II do Código de Direito Privado.

Importante frisar também acerca da defesa quanto às alterações da Reforma

Trabalhista, que a CF traz consigo o princípio da Vedação do Retrocesso Social em

seu Art. 7º, quando diz “[...] além de outros que visem à melhoria de sua condição

social [...]”57. Logo, não é plausível que uma legislação infraconstitucional consagre a

retroação dos direitos conquistados teleologicamente e tampouco infrinja dispositivo

constitucional. Sobre esse assunto consignam João Carlos Teixeira e Renan

Bernardi Kalil, Procuradores do Trabalho:

O art. 7º da CF/88 dispõe e elenca os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Este artigo consagra o que chamamos na doutrina jurídica de princípio da vedação do retrocesso social, aplicável aos direitos humanos em geral e também aos direitos humanos do trabalho. Segundo este princípio, a inovação legislativa ou normativa deve ocorrer para beneficiar os trabalhadores.

58

Portanto, admite-seque os acordos e convenções coletivas do trabalho são,

sim, pilar da democracia, entretanto, deve caminhar lado a lado com a legislação, de

forma intrínseca, para sua melhor ampliação e aplicação benéfica para as partes.

56

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: set. de 2017. 57

Idem. 58

TEIXEIRA, João Carlos e KALIL, Renan Bernardi. Negociado sobre o legislado e a flexibilização. Disponível em: < https://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/6bf076b6-a355-45eb-83b5-c8e32e7b3826/Artigo+Negociado+sobre+o+legislado+e+a+flexibiliza%C3%A7%C3%A3o+trabalhista+%28Jo%C3%A3o+Carlos+Teixeira+e+Renan+Bernardi+Kalil%29.pdf?MOD=AJPERES> Acesso em: out. 2017.

43

O legislador constituinte assinala a força dos acordos coletivos e das

convenções, entretanto, em aplicação prática, a lei deverá absorver norma de

acordo ou convenção que lese a parte.

Maurício Godinho Delgado, em palestra promovida pela Associação Brasileira

dos Advogados Trabalhistas e pela Associação dos Advogados de São Paulo, se

manifestou dizendo que “à negociação coletiva cabe aperfeiçoar as condições e as

relações do trabalho, não tendo o propósito histórico e constitucional de piorá-

las”59, ratificando a tese de que as normas coletivas devem beneficiar e nunca

suprimir direitos.

3.4.3. 2ª JORNADA DE DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO

TRABALHO – TEMA: REFORMA TRABALHISTA – LEI Nº

13.467/17

A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho promoveu em

outubro deste ano a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, a qual

foi totalmente dedicada ao debate da interpretação da Lei nº 13.467/2017. Nela

foram debatidas teses e elaborados enunciados que servirão como parâmetro

hermenêutico para a nova legislação. Um dos oito grupos temáticos dessa Jornada

foi justamente a discussão acerca da prevalência do negociado sobre o legislado,

sendo a Comissão 3 intitulada de “Prevalência do Negociado sobre o Legislado.

Negociação Coletiva (Aspectos Formais). Saúde e Duração do Trabalho.

Ultratividade das Normas Coletivas”60. Esta comissão, através dos seus enunciados,

ratifica de maneira objetiva os pontos que foram tratados neste trabalho, conforme

se vê mais adiante.

O enunciado 01 tem como título “Adequação setorial negociada” e como

ementa o seguinte texto:

I - NEGOCIAÇÃO COLETIVA. LIMITES. ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA. AS REGRAS AUTÔNOMAS COLETIVAS PODEM

59

DELGADO, Maurício Godinho. Pronunciamento feito pelo Desembargador do TRT da 1º Região. Disponível em: <http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2016/11/propostas-de-flexibilizacao-contrariam-estado-de-direito-diz-ministro-do-tst-7577.html> Acesso em: out. de 2017. 60

2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Comissão 3. Disponível em: <http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis2.asp?ComissaoSel=3> Acesso em: Nov. de 2017.

44

PREVALECER SOBRE O PADRÃO GERAL HETERÔNOMO TRABALHISTA, DESDE QUE IMPLEMENTEM PADRÃO SETORIAL DE DIREITOS SUPERIOR AO PADRÃO GERAL HETERÔNOMO, OU QUANDO TRANSACIONAM SETORIALMENTE PARCELAS E DIREITOS TRABALHISTAS DE INDISPONIBILIDADE APENAS RELATIVA, RESPEITADAS AS NORMAS DE INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA. II - A "ADEQUAÇÃO SETORIAL NEGOCIADA" NÃO AUTORIZA A SUPRESSÃO OU REDUÇÃO DE DIREITOS "TOUT COURT", CABENDO ÀS PARTES, NOS TERMOS DO ARTIGO 611-A DA CLT, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467/2017, JUSTIFICAR A EXCEPCIONALIDADE DA ADEQUAÇÃO E SUA TRANSITORIEDADE, BEM COMO DEFINIR AS CONTRAPARTIDAS, COM RAZOABILIDADE E DE BOA-FÉ, SENDO INCONSTITUCIONAL O DISPOSTO NO PARÁGRAFO 2º DO ART. 611-A DA CLT.

61

Este enunciado faz referência ao artigo n° 611-A e 611-B inseridos no

regramento trabalhista com a Reforma Trabalhista. Tal enunciado aprovado trata da

licitude dos sujeitos negociais, da licitude do objeto do negócio e da finalidade da

norma. Quanto à licitude dos sujeitos, esta deve ser específica, ou seja, no caso

concreto as condições de legitimidade dos sujeitos devem ser examinadas para a

construção da norma coletiva.

Partindo do pressuposto que a finalidade da atividade sindical é a proteção

aos direitos dos trabalhadores que representa, e que a finalidade da contratação

coletiva é estabelecer direitos que objetivem a melhoria da condição social do

trabalhador, a supressão ou a redução de direitos deve ser sempre tomada como

exceção. Desta forma, ainda que a lei possa falar em prevalência do negociado

sobre o legislado, o objeto negociado há de estar em estrita consonância com a

aplicação e preservação dos direitos fundamentais.

Assim, o princípio da adequação setorial negociada, no qual as normas

autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, não

autoriza a supressão ou redução de direitos tout court, cabendo às partes, nos

termos do artigo 611-A da nova redação da CLT, justificar a excepcionalidade da

adequação e sua transitoriedade, assim como definir as contrapartidas de modo

razoável e sob a luz da boa-fé. Tal premissa torna, portanto, inconstitucional o

disposto no parágrafo segundo do artigo n° 611-A da CLT pós Reforma Trabalhista,

conforme já supracitado em item anterior.

O enunciado 02 trata dos limites do negociado sobre o legislado, conforme

ementa abaixo:

61

Idem.

45

NOS TERMOS DO ART. 5º, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AS CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO NÃO PODEM SUPRIMIR OU REDUZIR DIREITOS, QUANDO SE SOBREPUSEREM OU CONFLITAREM COM AS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS DO TRABALHO E OUTRAS NORMAS DE HIERARQUIA CONSTITUCIONAL OU SUPRALEGAL RELATIVAS À PROTEÇÃO DA DIGNIDADE HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA.

62

Neste enunciado os juristas querem deixar claro que a prevalência da

negociação coletiva sobre a lei, nos termos do artigo nº 611-A da nova redação da

CLT, deve ser interpretada estritamente em conformidade com o caput do artigo nº 7

da CF, pois este positiva o princípio do não retrocesso em matéria de direito do

trabalho; bem como de acordo com as Convenções nos 98, 144 e 154 da OIT, nas

quais, de maneira geral, são geradas normas internacionais universais adotados

pela comunidade internacional, descabendo falar em supressão ou redução de

direitos pela via da negociação coletiva.

Importante ressaltar que regras estabelecidas no caput do artigo nº 611-A e

parágrafo único do art. 444 da CLT devem ser interpretados conforme à Constituição

de modo a reconhecer que os tratados e convenções internacionais que tenham por

objeto a regulamentação da proteção ao trabalho humano em quaisquer de suas

modalidades (autônomo, eventual, intermitente, subordinado), são normas

internacionais de direitos humanos que possuem no ordenamento jurídico brasileiro

uma posição hierárquica especial não equiparando às leis nacionais para tal fim.

Além disso, o artigo nº 611-A, § 1º, juntamente com o artigo nº 8º, § 4º, da

CLT busca impor, pela via legislativa, o entendimento de que a interpretação dos

acordos e convenções coletivas pelo Poder Judiciário se restringe à averiguação em

torno da presença dos elementos formais inerentes à generalidade dos negócios

jurídicos constantes do artigo nº 104 do Código Civil63 (I - agente capaz, II - objeto

lícito e III - forma prescrita ou não defesa em lei), por imposição do princípio da

autonomia privada coletiva.

Todavia, a validade dos negócios jurídicos à luz do ordenamento pátrio não

se basta com a simples observância aos requisitos concernentes à capacidade do

agente, à licitude do objeto e à adequação legal da forma utilizada pelas partes. O

próprio Código Civil exige a consonância dos atos juridicamente relevantes com os

62

Idem. 63

LEI No 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm Acesso em: nov. de 2017.

46

elementos substanciais elencados em seu artigo nº 166 e com os princípios da boa-

fé objetiva e da função econômica e social dos contratos que subjaz à generalidade

das avenças, nos termos dos artigos nº 187 “também comete ato ilícito o titular de

um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu

fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”64 e nº 422 “os

contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em

sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” do Código Civil”65.

O enunciado 03 reitera a importância do princípio da norma mais benéfica na

matéria das normas coletivas.

I - NORMAS COLETIVAS. PRINCÍPIO DA NORMA MAIS BENÉFICA. OS ACORDOS COLETIVOS FIRMADOS NÃO PREJUDICARÃO DIREITOS GARANTIDOS PELAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO, EM RESPEITO À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL (ART. 7º, CAPUT, CF). COM EFEITO, A NOVA REDAÇÃO DO ARTIGO 620 DA CLT, DADA PELA LEI 13.467/2017, NÃO EXCLUI A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL, DE ORIENTAÇÃO E APLICAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO. II- ADEMAIS, PREVALECE EM TODO CASO, EM RELAÇÃO À MATÉRIA NEGOCIADA, OS PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO, E DA INAFASTABILIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL. III - A AUDITORIA FISCAL DO TRABALHO POSSUI O DEVER DE EXIGIR O CUMPRIMENTO DAS NORMAS LABORAIS MAIS FAVORÁVEIS AO TRABALHADOR, O QUE INCLUI A POSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO DA APLICABILIDADE OU NÃO DE CONVENÇÕES E ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO SOB AQUELA SISTEMÁTICA.

66

As mudanças promovidas pela Lei nº 13.467/2017 não podem ser aplicadas

de modo a colidir com princípios do direito do trabalho que constituem a sua razão

de ser e da esfera de proteção conferido aos trabalhadores pela CF e pelos

compromissos assumidos pelo Brasil perante a ordem internacional. Nesse sentido,

o princípio de proteção ao trabalhador, sendo o núcleo do Direito do Trabalho, irradia

para o direito coletivo a regra da norma mais favorável e da condição mais benéfica.

Assim, o artigo nº 620 da Lei n° 13.467/2017, que afirma que “as condições

estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as

estipuladas em convenção coletiva de trabalho”67, é um bom exemplo no que diz

respeito à ideia que vai de encontro com a necessidade de se fazer prevalecer a 64

Idem. 65

Idem. 66

2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho. Comissão 3. Disponível em: <http://www.jornadanacional.com.br/listagem-enunciados-aprovados-vis2.asp?ComissaoSel=3> Acesso em: nov. de 2017. 67

LEI Nº 13.467, DE 13 DE JULHO DE 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm> Acesso em: out. de 2017.

47

norma mais benéfica ao trabalhador, visto que é sabido que as normas coletivas

exercem, para além das relações de trabalho, uma função econômica de mercado.

Portanto, ao estabelecer que um acordo coletivo sempre prevaleça sobre a

convenção coletiva, sem a mediação da norma mais favorável, estaria o legislador a

permitir o dumping social e a concorrência desleal.

Desta forma, fica evidente, que se deve interpretar o artigo nº 620 da nova

redação da CLT, assegurando a aplicação dos princípios da norma mais favorável e

da condição mais benéfica.

Diante do exposto, verifica-se que a 2ª Jornada de Direito Material e

Processual do Trabalho, no tocante ao tema da prevalência do negociado sobre o

legislado, quis deixar bem claro com seus enunciados aprovados, que não permitirá

que tal prevalência mitigue os direitos dos trabalhadores ou colida com os princípios

constitucionais e trabalhistas já garantidos após anos de luta da classe trabalhadora.

Fica claro, portanto, que o que irá prevalecer após a Reforma Trabalhista é uma

intensa busca pelo equilíbrio entre nova legislação trabalhista e os princípios

protetivos que já são assegurados por lei aos trabalhadores, na tentativa de impedir

que haja um retrocesso social no âmbito do Direito do Trabalho.

48

CONCLUSÃO

Este trabalho de conclusão de curso teve como objeto principal a verificação

de afronta ao princípio constitucional da vedação ao retrocesso social ocasionada

pela Lei n° 13.467/2017 – Reforma Trabalhista, a qual altera a redação de

dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho, mudando a forma que se dá a

Negociação Coletiva.

Para que se procedesse ao presente estudo, identificou-se, em primeiro lugar,

a importância da legislação na efetivação dos direitos trabalhistas dentro do sistema

capitalista de produção. A partir de uma retomada histórica, visualizou-se o impacto

social positivo trazido pela compilação das garantias trabalhistas na Consolidação

das Leis do Trabalho. Ainda que se tenha verificado que tanto a CLT quanto o

Direito do Trabalho servem, para além da proteção ao trabalhador, à manutenção do

sistema econômico vigente, o paternalismo varguista serviu como norte à

dignificação das relações de trabalho. Reconhecidos os princípios que norteiam a

esfera individual e coletiva do direito laboral, pode-se verificar o caráter protetivo que

permeia a legislação trabalhista, bem como o dinamismo assumido pela CLT nas

relações sociais.

Além disso, constatou-se que as conquistas dos trabalhadores, ao longo dos

anos, se aperfeiçoaram no reconhecimento constitucional do trabalho como direito

social, evidenciando que a busca por parte do Estado transpôs a finalidade

meramente paternalista de domínio e submissão para ascender ao propósito de

concretização do Estado Social. Assim, ficou observada a importância da legislação

como ferramenta efetiva adotada pelo Estado para viabilizar a promoção da justiça

social, sendo no direito trabalhista este papel assumido majoritariamente pela CLT e

pelas disposições sistemáticas da Constituição de 1988.

Partindo-se da conclusão de que a CLT representa a regulamentação

infraconstitucional pormenorizada dos direitos trabalhistas mínimos previstos pela

Constituição, ante o comprometimento com os princípios do Direito do Trabalho nela

inseridos e compartilhados pelo novo direito constitucional, entendeu-se que a

atividade legisladora ordinária está vinculada ao progresso ininterrupto das

condições sociais, e, a partir desta compreensão, passou-se à análise das

mudanças geradas pela Reforma Trabalhista sobre a Negociação Trabalhista.

49

Especificamente demonstrou-se que qualquer proposta de alteração à CLT

deve respeitar o espírito protetivo nela insculpido desde a sua redação original e

presente na Carta Constitucional, cujo objetivo é a efetivação dos direitos sociais e,

por conseguinte, o impedimento do retrocesso social.

Nesse sentido, verificou-se na Lei n° 13.467/2017, que trata também da

alteração no artigo nº 611 da Consolidação das Leis do Trabalho, inserindo os

artigos nº 611-A e nº 611-B, a intenção de flexibilizar suas normas, possibilitando

que as negociações coletivas transacionem acerca dos direitos trabalhistas à revelia

do previsto em lei, ressalvadas as previsões constitucionais e as medidas de

higiene, saúde e segurança do trabalho. Identificando que a proposta defende a

prevalência do negociado sobre o legislado.

A partir da análise da redação proposta pela Reforma Trabalhista,

depreendeu-se que – tendo a Constituição Federal determinado que os direitos dos

trabalhadores visassem à melhoria de sua condição social – a permissão de

supremacia da norma coletiva com relação à previsão legal, observada a hierarquia

das normas, ocorre apenas quando da estipulação de condições mais vantajosas.

Entendeu-se que a proposta está na contramão da construção histórica, pois prioriza

os interesses da iniciativa privada, que visa unicamente ao aumento do lucro e da

competitividade.

Desta forma a Reforma Trabalhista revela a injusta proposta de o

trabalhador sozinho pagar a conta da globalização a fim de exclusivamente

salvaguardar a economia nacional. Tal fato corroborou com o entendimento de que a

política neoliberal de flexibilização ou de desregulamentação, presente na realidade

brasileira, culminou na banalização do desrespeito à Constituição e a seu projeto de

país, bem como na incitação mascarada ao retrocesso social.

Assim, tendo em vista que o ordenamento jurídico está atrelado a uma ideia

de Estado Social, compreendeu-se que as medidas propostas ferem o princípio

tuitivo insculpido na Constituição Federal, cuja visão prospectiva tem foco no

desenvolvimento progressivo nacional, estando calcada no princípio norteador da

proibição ao retrocesso social.

Constatou-se que tal princípio representa a exigência de um movimento

sempre contínuo em direção à maximização dos direitos sociais, a partir do qual não

é possibilitado ao legislador ordinário editar novo dispositivo legal que desfaça o

grau de efeitos da norma constitucional alcançado por lei anterior.

50

Conclui-se, nesse sentido, que o princípio corresponde a uma garantia ao

não retorno a uma situação já superada mais distante do ideal já atingido, e que

trata, a um só tempo, de desregulamentação e de flexibilização das leis trabalhistas.

Dessa forma, entendeu-se que a Reforma Trabalhista ao permitir

substituição das garantias legais pela permissão legal de sempre negociar os

direitos dos trabalhadores se mostra descabida, tendo em vista que representa a

inobservância do princípio da vedação ao retrocesso social, no que diz com a

proteção da concretização legal e subjetiva já alcançada por um determinado direito

fundamental social. Significa, portanto, uma afronta ao princípio da vedação ao

retrocesso social na esfera jurídica, aqui representada pela Constituição e pela CLT,

que nada mais são que a materialização dos anseios sociais verdadeiros do Brasil.

51

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