Jesuítas e Apostolado Social

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    ZACHARIADHES, GC. Os jesutas e o apostolado social durante a ditadura militar: a atuao do

    CEAS [online]. 2nd. ed. rev. and enl. Salvador: EDUFBA, 2010. 221 p. ISBN 978-85-232-0696-3.Available from SciELO Books .

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    Os jesutas e o apostolado social durante a ditadura militara atuao do CEAS

    Grimaldo Carneiro Zachariadhes

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    os JESUTAS E OAPOSTOLADO SOCIAL

    DURANTE A

    DITADURA MILITAR

    A atuao do CEAS2 Edio Revisada e Ampliada

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    ReitorNaomar Monteiro de Almeida-Filho

    Vice-ReitorFrancisco Jos Gomes Mesquita

    EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

    DiretoraFlvia Goullart Mota Garcia Rosa

    Conselho Editorial

    Titularesngelo Szaniecki Perret Serpa

    Alberto Brum NovaesCaiuby Alves da CostaCharbel Nin El-Hani

    Dante Eustachio Lucchesi RamacciottiJos Teixeira Cavalcante Filho

    Maria Vidal de Negreiros Camargo

    SuplentesAntnio Fernando Guerreiro de Freitas

    Evelina de Carvalho S HoiselCleise Furtado Mendes

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    Salvador

    EDUFBA2010

    GRIMALDO CARNEIRO ZACHARIADHES

    OS JESUTAS E OAPOSTOLADO SOCIAL

    DURANTE A

    DITADURA MILITAR

    A atuao do CEAS2 Edio Revisada e Ampliada

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    2010, By Grimaldo Carneiro Zachariadhes

    Direitos de edio cedidos Editora da Universidade Federal da Bahia - EDUFBA

    Feito o depsito legal.

    Capa e Projeto GrficoRodrigo Oyarzbal Schlabitz

    Editorao EletrnicaThiago Vieira

    EDUFBARua Baro de Jeremoabo, s/n - Campusde Ondina,

    40170-115 Salvador-BA

    Tel/fax: (71) 3283-6160 / 3283-6164www.edufba.ufba.br

    [email protected]

    Sistema de Bibliotecas - UFBA

    Zachariadhes, Grimaldo Carneiro.Jesutas e o apostolado social durante a ditadura militar : a atuao do CEAS / Grimaldo

    Carneiro Zachariadhes. - 2. ed. rev. e amp. - Salvador : EDUFBA, 2010.221 p. : il.

    Inclui apndices.ISBN 978-85-232-0696-3

    1. Centro de Estudos e Ao Social. 2. Jesutas - Salvador (BA). 3. Igreja Catlica -Questo social. 4. Brasil - Histria - 1964-1985. I. Ttulo.

    CDD - 306

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    AGRADECIMENTOS

    Primeiramente, queria agradecer Capes por ter financiado, me-diante uma bolsa de mestrado, a pesquisa que resultou neste livro.

    No posso deixar de reconhecer a grande importncia da minhafamlia para que eu pudesse terminar este trabalho. Meu pai, Grimaldo;meus irmos, Ronaldo e Raquel; e principalmente minha me, MariaConceio, com quem sempre pude contar nos momentos mais adver-sos. Agradeo a Andria Santos Silva por ter segurado essa barra juntocomigo com muita ternura, carinho e amor.

    Agradeo aos amigos por compartilharem comigo dvidas, pro-blemas, livros, sonhos, iluses e amizade; em particular, Lgia Concei-

    o Santana, Adriana Martins dos Santos, Izabel de Ftima Cruz Melo,Ricardo Santos do Carmo, Ivandilson Miranda e Jackson Andr da SilvaFerreira.

    Ressalto a importncia dos comentrios e sugestes dos professo-res Cndido da Costa e Silva, Elizete da Silva e George Evergton SalesSouza.

    O autor tem uma dvida impagvel com o padre Carlos Bresciani

    pela dedicao a este trabalho. Este jesuta a histria viva da Compa-nhia de Jesus na Bahia e muito me ensinou sobre a ordem fundada porIncio de Loyola. Agradeo tambm ao padre Cludio Perani (inmemoriam), que em seu pouco tempo livre, em Salvador, me concedeuum momento para esclarecer algumas questes.

    Queria agradecer a Nice e a Joviniano Neto pela simpatia comque sempre trataram o autor, assim como agradeo a todos os entrevis-

    tados pela ateno. Apenas um integrante do CEAS no quis me conce-der entrevista, ele afirmou que preferia trabalhar atrs das cortinas. E

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    foi assim que ele fez neste trabalho me concedendo alguns documentos.A ele agradeo tambm.

    Serei sempre grato a Todos os membros do CEAS pelo respeito,

    solicitude e acolhida, em especial, ao jesuta Clvis Cabral, que carregaem si a fora do carisma inaciano como poucos.

    Com TODOS vocs divido os pontos fortes deste trabalho. Ospontos fracos, eu os assumo sozinho.

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    Escrever Histria gesto poltico, pois significa reler o seu passa-do, quase sempre com perguntas do presente e projetos para o futuro. A

    pretensa neutralidade cientfica representou muitas vezes uma posturade imobilismo no presente ou de apoio aostatus quo[...] Dissemos queescrever Histria gesto poltico, tanto quanto deixar de escrev-la ouainda levar a crer que no h simplesmente histria a ser escrita.

    Padre Jos Oscar Beozzo

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    SUMRIO

    PREFCIO DA 1 EDIO................................................................11

    PREFCIO DA 2 EDIO...............................................................15

    INTRODUO...............................................................................23

    CAPTULO I

    CEAS:A Companhia de Jesus e o Apostolado SocialA Misso Portuguesa: Os Jesutas voltam ao Nordeste ........................33

    A criao da Vice-Provncia da Bahia ..................................................39

    A Companhia de Jesus e a Questo Social ..........................................44

    F e Justia Social: A fundao do CEAS ............................................53

    CEAS: Os primeiros Anos .................................................................59

    CAPTULO II:A Cruz versus a Espada

    Do Golpe Militar aosAnos de Chumbo.................................................71

    Boves et Oves ....................................................................................80

    Os Cadernos do CEAS rompendo osAnos de Chumbo.........................86

    Uma Igreja a Caminho do povo: A apreenso do Caderno 27 ..................94

    A tentativa de Expulso dos padres Cludio Peranie Andrs Mato.....103

    A Abertura Fechada .....................................................................112

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    CAPTULO IIICEAS: Catolicismo e Marxismo ......................................................121

    O Conflito Aberto ..........................................................................123

    Doutrina Social Catlica e Luta de Classes .......................................127

    Sinal de Novos Tempos: Do Antema ao Dilogo .........................131

    CEAS e o Marxismo ........................................................................138

    CEAS: Um Novo Pensamento Social Catlico ..................................146CADERNO DE FOTOS................................................................157

    CAPTULO IV:Ou Mudar de Rumo ou Mudar de Diocese:O Conflito doCardeal com o CEAS.......................................................................165

    A Campanha Difamatria contra o CEAS.........................................169Dom Avelar Brando Vilela e os Militares.......................................178

    CEAS e D. Avelar: Uma Relao Complexa .....................................188

    Vendo mais de perto o Conflito entre o Cardeal e o CEAS ..............195

    Guisa de Concluso ......................................................................203

    REFERNCIAS.............................................................................207

    APNDICE A - ENTREVISTADOS ..............................................221

    APNDICE B - ARQUIVOS PESQUISADOS................................221

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    PREFCIO DA 1 EDIO

    Em 1969, ano em que foram publicados os primeiros nmeros dosCadernos do CEAS, um jesuta, cujo engajamento e pensamento fecundocontinuam a inspirar muitos, escrevia um pequeno artigo sobre os cris-tos e a ditadura militar no Brasil, no qual denunciava o endurecimentodo regime militar que prendia e torturava militantes (marxistas, cristosou padres, dizia ele), buscando abafar suas vozes. Michel de Certeau ofe-recia, ao mesmo tempo, queles que estavam distantes da realidade bra-sileira, um olhar diferenciado sobre o que estava acontecendo na Igreja esobre os caminhos que cristos laicos e religiosos estavam trilhando nestepas. Nada escamoteava acerca das divises internas que pareciam colocar

    a Igreja num momento crtico. O que no o impedia de manter-se oti-mista em relao ao futuro, pois as dissociaes derivavam, segundo ele,de uma conjuntura poltica nacional que exigia tomadas de posio querompiam com a fico de unanimidades religiosas to cuidadosamentepreservadas noutros pases. Os fiis so postos diante de dados reais deum problema de verdade indissocivel das responsabilidades que impli-cam laos espirituais e culturais com as massas populares.1

    A atmosfera poltica na Amrica Latina e oaggiornamentopropostopor Joo XXIII tornavam imperativa a reflexo sobre a conjuntura pol-tica e sobre o lugar a ser ocupado pelo cristo e pela prpria Igreja nasociedade. Em 1963, no peridico jesuta chilenoMensaje, a palavra revo-luo era usada para caracterizar o que ocorria no continente: o povopede e exige uma mudana radical, integral, rpida. Seria preciso, ao que

    1Michel de Certeau,La faiblesse de croire. Paris: Seuil, 1987, p. 162. O artigo referido foi publicadooriginalmente em novembro de 1969 na revista Politique aujourdhui, p. 39-53.

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    nos parece, ser cego para no chamar isto de revoluo.2No pontificadode Paulo VI, no generalato de Pedro Arrupe, houve alguma inflexo nes-te discurso, com uma tendncia a falar-se menos em revoluo e mais

    em renovaes profundas e transformaes inovadoras. Inflexo queno significou menor engajamento social e poltico por parte de muitos

    jesutas. O CEAS, como mostra o autor deste livro, uma prova disso.Em tempos difceis, o CEAS foi um importante lugar de resistn-

    cia opresso poltica que se abatia sobre todos aqueles que manifesta-vam sua discordncia com o governo. Foi tambm (e continua sendo) umposto avanado da reflexo sobre a realidade social brasileira, constituin-

    do-se num verdadeiro laboratrio de ideias no qual se desenvolveu umdilogo franco e fraterno entre indivduos de diferentes credos polticos,que compartilhavam, entretanto, a repulsa ao regime militar e o desejode lutar por transformaes sociais e polticas no Brasil.

    Nestes dias, em que um senador da Repblica e certo dignitrio daSuprema Corte do pas fingem esquecer as diferenas entre os que luta-ram contra a ditadura e seus torturadores, muito importante que este

    bem documentado trabalho venha a pblico. O trabalho do historiador,por vezes, pode constituir-se em estorvo a manipulaes da memria ouem poderoso antdoto contra ataques sbitos de Alzheimer.

    Em CEAS: jesutas e o apostolado social durante a ditadura militar, GrimaldoZachariadhes mostra a atuao de uma ordem religiosa no contexto po-ltico conturbado da ditadura militar, explorando um terreno bem me-nos mapeado do que o da ao do clero secular no mesmo perodo. Seu

    interesse centrado nos inacianos no o impediu, contudo, de revelarimportantes traos do arcebispado de D. Avelar Brando Vilela, em par-ticular no captulo final, dedicado ao conflito entre o CEAS e o cardeal.Sua anlise mais detida sobre o Centro fundado pelos jesutas permiteconstatar a grande convergncia de ideias entre os homens de Igreja que

    2Apud Alain Gheerbrant, LEglise rebelle dAmrique Latine. Paris: Seuil, 1969. p. 91.

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    comungaram dos mesmos ideais de justia social. Como os seculares queassinaram a Carta de 350 padres CNBB, em 1968, seus fundadores e mem-bros estavam engajados naquela que acreditavam constituir a grande mis-

    so confiada Igreja do seu tempo: ser o sal da terra e a luz do mundopara o homem do sculo XX.3

    Evergton Sales SouzaSalvador, 27 de dezembro de 2008.

    3Carta de 350 padres CNBB, SEDOC, set.1968.

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    PREFCIO DA 2 EDIO

    Nos ltimos anos, surgiram importantes pesquisas sobre a ditaduramilitar que, a partir de 1964, atingiu de forma dramtica a sociedade

    brasileira e, em especial, aqueles setores comprometidos com a constru-o de uma sociedade realmente democrtica. Todavia, ainda no surgi-ram pesquisas consistentes que privilegiem atores sociais que atuaramfora dos partidos polticos, das organizaes de esquerda ou das entida-des de classe.

    Sobre o protagonismo da Igreja Catlica, surgiram vrios traba-lhos, alguns j clssicos, e comeam a aparecer trabalhos monogrficos

    sobre a atuao de destacados personagens catlicos, assim como as me-mrias de alguns bispos e de algumas organizaes do ramo da AoCatlica que se posicionaram esquerda do poder poltico. Mas faltampesquisas sobre as mltiplas formas de resistncia geradas no trabalhocotidiano, pesquisas sobre as diversas ordens religiosas, particularmenteaquelas que incentivaram ou organizaram a resistncia ditadura portodo o territrio nacional. Nesse campo, ainda h muito a ser buscado.

    Sobretudo, agora, que diversos fundos documentais esto sendodisponibilizados aos pesquisadores, e vrios bispos comeam a dar acessoa seus acervos pessoais. Creio que esse um campo espera dos histori-adores.

    Por tudo isso a pesquisa que Grimaldo Carneiro Zachariadhesnos apresenta sobre o apostolado social realizado pela Companhia de

    Jesus, atravs da publicao dos Cadernos do CEAS, fundamental para que

    comecemos a compreender a complexidade da institucionalidade catli-

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    ca. Importante tambm para que se comece a privilegiar o estudo dasmltiplas publicaes surgidas no perodo.

    um trabalho denso e, como j dito por Roberto Romano4, no

    traz como marca a iluso, to comum em trabalhos endgenos, de que aIgreja um instrumento neutro que permitiria chegar s massas depoisser posta de lado, quando as condies sociais permitissem uma prticalaica e autnoma. As contradies vividas pelos membros do CEAS comD. Avelar Brando, Cardeal de Salvador, podem ser analisadas nessa pers-pectiva de que necessrio distinguir no discurso catlico os fins que lheso prprios e compreender a diferena especfica da fala teolgico-pol-

    tica frente s demais racionalizaes do mando autoritrio no Brasil. Nesseaspecto, o autor, ao buscar distinguir as atitudes de D. Avelar frente aosmilitares naqueles momentos de aprofundamento da crise estabelecidaentre os membros do CEAS e as elites baianas aliadas dos militares, indi-ca de forma clara como a hierarquia catlica transitava de um campo aooutro. Contudo, ao longo da sua argumentao, o autor nos permitetambm compreender que, apesar das suas ambiguidades, no seria pru-

    dente afirmar que os fins do Cardeal fossem redutveis apenas aos inte-resses que pudessem ser vantajosos Instituio.Ainda parafraseando Roberto Romano, fundamental reconhecer

    e compreender o sistema de representaes com que a Igreja Catlicaapreende as realidades polticas e as linguagens com que as transfigurasimbolicamente. Creio que esse foi o principal segredo do sucesso dosCadernos do CEAScomo instrumento aglutinador dos movimentos sociais

    que, a partir de 1969, comearam a ser articulados com alguns setores daIgreja Catlica. Nessa perspectiva, os Cadernosterminaram por cumpriruma funo que, de maneira apressada, poderia ser definida como ideo-lgica, mas importante atentarmos para o modo singular como os

    vrios discursos catlicos no interior da Igreja desenvolvem para si oselementos da cultura brasileira e os recria mediante a considerao teo-

    4ROMANO, Roberto.Brasil: Igreja contra Estado (uma crtica ao populismo catlico). So Paulo:Kair, 1979, p. 14.

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    lgica. Esta seria aconditio sine qua nonpara se abordar de maneira ade-quada a poltica catlica contempornea, particularmente no perodoem questo. 5

    Creio que o autor sugere exatamente esse entendimento, isto ,como os jesutas, na Bahia, traduzem a cultura popular a partir da pers-pectiva teolgica construda pela Companhia sobre a chamada QuestoSocial ao longo do sculo XX.

    Ao apresentar uma breve histria da implantao da Companhiade Jesus na Bahia, o autor chama nossa ateno para um aspecto queainda est espera de uma boa pesquisa. Trata-se do projeto

    implementado pela Cria Romana de expanso da presena da Igreja naAmrica Latina, particularmente aps a Revoluo Cubana. No deve-mos nos esquecer que, nesse perodo, a Igreja Catlica no continente sealinha com a poltica da Aliana para o Progresso, projeto de contenodo crescimento da esquerda implementado pelo Presidente Kennedy, onico presidente catlico dos EUA. Tal projeto visava implementaode polticas desenvolvimentistas, particularmente aquelas voltadas para

    as zonas rurais. A reforma agrria entra na pauta poltica de diferentesatores sociais, particularmente os democratas cristos que no Chile, coma vitria de Eduardo Frei, passam a ser um importante paradigma. interessante observar que nesse perodo a Igreja na Amrica Latina tam-bm recebe recursos oriundos da Igreja Catlica norte-americana.

    No Brasil do final da dcada de 1950, a Igreja, partindo de umaanlise sobre a teoria da industrializao desigual e ancorada nas estrutu-

    ras arcaicas dominantes no mundo rural, projeta a luta histrica do epis-copado pela criao da Sudene, pensada como instrumento modernizadordo Nordeste, capaz de neutralizar as injustias sociais e econmicas ca-ractersticas da regio. Antes de 1964, os bispos acreditavam que a supe-rao da pobreza endmica da populao passaria necessariamente pelainterveno do Estado atravs de um planejamento estatal. Certamente,esse foi um dos elementos que levaram parte importante da Conferncia

    5Ibid., p. 23.

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    Nacional dos Bispos (CNBB) a apoiar o golpe militar em 1964. Eviden-temente que o discurso da ordem foi o elemento definidor desse apoio.Todavia, a constatao de que, na realidade, o projeto dos militares no

    estava assentado na incluso de todos riqueza nacional foi um dos fato-res que, ao longo do processo, levaram a mesma CNBB reiteradamente acriticar a poltica econmica do Regime.

    Surpreendentemente, Zachariadhes informa-nos que foi somenteaps a Segunda Grande Guerra que a Companhia de Jesus priorizou achamada Questo Social, levando formulao de estratgias dentre asquais a criao, em cada provncia ou regio, de centros de estudos e de

    ao social. Dessa forma, surgiram os Centros de Investigao e AoSocial (CIAS) que, em 1966, foram congregados em um Conselho lati-no-americano (CLACIAS).

    Mas qual o entendimento que os jesutas tinham da Questo Social,algo que j havia sido objeto da ateno do Papa Leo XIII desde o finaldo sculo XIX? Para eles esse era um desafio que deveria ser enfrentado

    juntamente com a educao. Portanto, no saam do seu campo de atua-

    o. Segundo o autor, os CIAS tinham como misso conscientizar, esti-mular e orientar as mentalidades e as aes com investigaes, publica-es, ensino e assessoria. Convm salientar que a figura do assessor, ge-ralmente um socilogo ou cientista poltico, torna-se um personagemcentral nas assembleias episcopais desde meados dos anos 1950, quandoa Igreja incorpora as cincias sociais nas suas anlises sobre a realidadesocial. O marxismo se introduz nesse ambiente na medida em que suas

    categorias analticas so hegemnicas nas cincias sociais do perodo. Nosignifica que tais assessores fossem marxistas e, muito menos, comunis-tas, muito embora este seja um dos argumentos usados para desqualific-los, como fez o Papa Joo Paulo II, em tempos recentes, praticamentebanindo-os dos encontros episcopais.

    No caso especifico da Companhia de Jesus no Brasil e, em especial,na Bahia, o autor ainda nos informa que at a dcada de 1950 os inacianosno se haviam ocupado prioritariamente da Questo Social e que, naBahia, somente em 1961, aps o lanamento pelo Papa Joo XXIII daencclicaMater et Magistra, que passaram a refletir mais detidamente so-

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    bre os novos papis sociais que lhes caberia. No entanto, foram eles osfundadores dos Crculos Operrios, organizao que marcou o mundodo trabalho no Brasil, e tiveram, ao longo de dcadas, papel destacado

    em vrias atividades da Ao Catlica.Outro aspecto interessante da pesquisa realizada por Zachariadhes

    a atuao dos jesutas italianos nessa nova abordagem inaciana. Sabe-seque, aps a dcada de 1950, a Amrica Latina passou novamente a serterra de misso e para c vieram centenas de padres italianos. Muitos seradicaram no Nordeste do Brasil, mais especificamente na Bahia, comofoi o caso de Padre Renzo Rossi, figura lendria entre os membros dos

    movimentos sociais em Salvador e junto aos presos polticos brasileiros. 6Para os inacianos na Bahia, os anos de 1963 a 1967 foram marcantes,

    porque foi nesse perodo que nasceu o Centro de Estudos e Ao Social(CEAS), organizao mantida por agncias catlicas internacionais. Suasmaiores preocupaes centravam-se em questes j apontadas em anosanteriores pela CNBB, isto , questes relativas realidade social, eco-nmica e poltica do Nordeste. No entanto, a participao de leigos na

    sua composio no me parece ser exatamente uma novidade, na medidaem que desde os anos de 1930 tal militncia vinha sendo incentivada pelahierarquia. Talvez a participao de leigos no militantes catlicos, oumelhor, no oriundos da Ao Catlica, possa ser considerada uma novi-dade desse perodo em que os espaos da Igreja Catlica eram quase osnicos possveis para uma militncia legal. A publicao da revista, emmaro de 1969, foi realmente um dado importante para a conjuntura da

    poca, na medida em que se tornou um instrumento fundamental para acrtica ao modelo de desenvolvimento que, naquele momento, pareciavitorioso com seu milagre econmico. Estamos falando do perodo maisdramtico da histria republicana e especificamente da Bahia, onde ocarlismo executava regionalmente uma poltica de absoluta explorao erepresso.

    O impacto dessa publicao foi de tal monta que imediatamente setornou referncia nacional, passando a ser utilizada por todos os movi-

    6JOS, Emiliano.As asas invisveis do padre Renzo. So Paulo: Editora Casa Amarela, 2002.

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    mentos sociais e, at mesmo, pelas organizaes polticas que se encon-travam na clandestinidade. Com essa projeo, era natural que a repres-so se abatesse sobre o CEAS. O autor revela porque isso no aconteceu,

    esclarecendo o que todos sabamos: os espaos oficiais da Igreja aindaeram respeitados, muito embora seus membros j fossem alvos de expul-ses, prises, torturas e at mesmo de assassinatos. Sabe-se hoje quehavia uma comisso tripartite que, de alguma maneira, pactuava as rela-es entre a hierarquia eclesistica e os militares que comandavam osdestinos do pas. Dentre os bispos que faziam parte do seleto gruponegociador, estava D. Avelar Brando.7

    No podemos nos esquecer que a Companhia de Jesus sempreesteve presente na vida poltica das sociedades e foi exatamente esseengajamento que levou o Marqus de Pombal, em 1759, a expuls-la dePortugal e de suas colnias. Em 1764, tambm foram expulsos da Franae, em 1767, do reino espanhol. O Papa Clemente XIV, em 1773, dissol-

    veu a Companhia em todo o mundo (sobrevive somente na Prssia e naRssia Branca). somente em 1814, no contexto das restauraes, que

    o Papa Pio VII, atravs da BulaSollictudo Omnium Ecclesiarum,restaura aCompanhia de Jesus.Ao longo do sculo XIX, os jesutas estaro em pleno conflito com

    os governos liberais que os expulsaro de seus territrios e, apesar dealiados, muitas vezes tambm sero rechaados pelos conservadores. Tra-ta-se, pois, de uma ordem religiosa que, ao longo da sua histria, estevepermanentemente envolvida com os conflitos sociais e polticos. Quan-

    do, em 1537, Incio de Loyola, juntamente com um pequeno grupo,fundou essa poderosa congregao, seus princpios eram a busca da per-feio humana atravs da palavra de Deus e vontade dos homens; obedi-ncia absoluta e sem limites aos superiores; disciplina severa e rgida ba-seada na estrutura militar; valorizao da aptido.8

    Tais princpios orientaro a ao dos jesutas ao longo da histria e,como no poderia deixar de ser, a ao daqueles que durante o perodo7 SERBIN, Kenneth P. Dilogos na sombra: bispos e militares, tortura e justia social na ditadura. SoPaulo: Companhia das Letras, 2001.

    8Congregao reconhecida pelo Papa Paulo III atravs da BulaRegimini Lilitantis Ecclesiae.

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    ditatorial brasileiro se comprometeram com um projeto poltico liber-tador. Libertao ou revoluo, questes que dividem o campo catlicono perodo e que, certamente, esto presentes nos conflitos vividos pe-

    los membros do CEAS com seus pares dentro da prpria ordem e com oCardeal.

    Creio que a narrativa apresentada por Zachariadhes nos permitepenetrar nessas contradies oriundas do impacto ocorrido no interiorda institucionalidade catlica a partir do surgimento na cena poltica deatores sociais oriundos das classes populares. At ento, as questes de-signadas como sociais eram pensadas do ponto de vista corporativo, pro-

    curando escamotear os elementos classistas com uma retrica corporativa.A luta de classes era, como nos mostra o autor, algo abominvel aos olhosde Deus porque divide os homens. Apreender os limites do discursocatlico talvez seja o maior desafio para o pesquisador preocupado emcompreender a prxis de uma instituio to importante para a constru-o da cultura poltica latino-americana. Oaggiornamento ocorrido com oConclio Vaticano II ter sido suficiente para dar visibilidade ao que foi

    produzido pelo jesuta Jean-Yves Calvez? Creio que a reao do Cardealaos textos publicados pelos Cadernos do CEAS to bem narrada porZachariadhes nos d uma pista importante para a construo de umaresposta a tal pergunta.

    Trabalhos como o que o autor nos apresenta abrem muitas veredaspara a busca de outras clareiras, j que a inquietude intelectual rduaporque, por mais que busquemos os resultados, so sempre parciais e

    passveis de revises. De qualquer forma, parece-me que este seja o sen-tido exato da nossa profisso: a busca de novos elementos que nos per-mitam refletir sobre a nossa vertigem ao nos depararmos com institui-es to tradicionais como a analisada neste belo livro com o qual apren-di muitssimo.

    Jessie Jane Vieira de SousaProfessora de Histria da Universidade

    Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 2009.

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    INTRODUO

    A Igreja Catlica Romana, aps a 2 Guerra Mundial, iniciou umperodo de atualizao ao mundo moderno e comeou a passar por umagrande transformao. Esse processo foi acelerado com o ConclioEcumnico Vaticano II, que legitimou certas tendncias modernizadoras

    dentro da Igreja Catlica. Esse processo de atualizao ao mundo mo-derno realizado pela Igreja conhecido como aggiornamentoe contoucom o apoio dos Papas Joo XXIII e Paulo VI. As ordens religiosas noficaram imunes a esse perodo de transformaes e refletiram esse pro-cesso em suas prticas.

    A Companhia de Jesus, ordem fundada por Incio de Loyola nosculo XVI, tambm passou por grandes mudanas nesse momento.Estimulados pelos Superiores Gerais Joo Batista Janssens e depois Pedro

    Arrupe, os jesutas em todo o mundo, com a inteno de aumentar suainfluncia na sociedade, comprometeram-se mais com os problemas doseu tempo. A partir principalmente da segunda metade do sculo XX,os inacianos comearam a priorizar em seu trabalho apostlico as ques-tes sociais. Os jesutas viam os problemas sociais como um empecilhopara a evangelizao da sociedade e por isso trabalharam para ajudar asolucion-los.

    O conflito entre o Trabalho e o Capital, as desigualdades cada vezmaiores entre os pases ricos e os pases pobres, a misria que parcelassignificativas da populao mundial estavam vivendo mesmo com o cres-cimento econmico de vrias naes e, ainda, o agravamento e apolitizao dos conflitos sociais em algumas regies fizeram com quesetores da Companhia de Jesus repensassem sua prxis e assumissemum compromisso mais forte com o intuito de transformar as estruturas

    econmicas para tornar o mundo mais justo.

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    Um instrumento adotado pela Companhia de Jesus para enfrentaros problemas sociais, nesse perodo, foram os Centros de Informao e

    Ao Social (CIAS). Esses Centros tinham como objetivos difundir a

    Doutrina Social da Igreja e, tambm, ser um local de reflexo sobre asquestes socioeconmicas de um determinado lugar, e que tentava aju-dar os inacianos (e a sociedade) na superao dos problemas, mostran-do as causas e os meios para isto. Em Salvador, foi fundado o Centro deEstudos e Ao Social (CEAS) pelos jesutas que formavam a vice-pro-

    vncia da Bahia, na dcada de 1960. O CEAS se desenvolveu durante operodo em que o pas vivia sob uma Ditadura Militar e a instituio

    acabou se tornando um local de resistncia aos militares no estado.O papel que setores da Igreja Catlica desempenharam na oposi-

    o ao Regime Militar (1964-1985) no Brasil foi muito importante.Durante toda a ditadura, mesmo no perodo mais repressor do governodos militares, os chamadosAnos de Chumbo(1969-1974), o clero conti-nuou fazendo uma oposio destacada ao Governo. comum se dizerque a Igreja se tinha tornado a voz dos que no tinham voz. Um autor

    chegou a analisar assim a posio da Igreja Catlica nesse momento:

    O golpe cedo foi fechando todas as portas, calandotodas as vozes, esmagando todas as resistncias. Eno se fala aqui de resistncia que tentassedesmantel-lo. No, que no as havia. Resistnciapuramente no sentido de haver uma janela, por maisestreita que fosse, aberta para a democracia e a dig-nidade. Nada. Tudo se fechou. As portas, as janelas,as frestas ou as frinchas. A que entra a Igrejacomo resistncia possvel, a nica. a exceo, anica fenda que ficou, mesmo depois do AI-5, de13 de dezembro de 1968. Por absoluta impossibili-dade de ter a ditadura a Igreja sob seu domnio.(CASTRO, 1985, p. 31)

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    Essa anlise no corresponde totalmente realidade. Mesmo du-rante os chamadosAnos de Chumbo, a Igreja Catlica nunca foi a nicaresistncia possvel aos militares. O Movimento Estudantil, polticos do

    Movimento Democrtico Brasileiro (MDB), trabalhadores, artistas, jor-nalistas, intelectuais, exilados e muitos outros tambm trabalharam con-tra o Regime, lutando nas frestas que existiam. Porm, aps o AI-5, aoposio da Igreja comeou a ganhar certo destaque para vrios segmen-tos da sociedade. Mesmo nesse momento mais repressor do RegimeMilitar, setores do clero catlico continuaram fazendo uma oposiopblica e legal aos militares.

    Existe uma considervel bibliografia que aborda a temtica Igrejae Poltica e que tenta dar conta das transformaes pelas quais passoua Igreja Catlica brasileira e analisa o seu confronto com o Estado du-rante o Regime Militar.1Entretanto, este trabalho diferencia-se em umponto dessas obras, pois estuda uma instituio pertencente Compa-nhia de Jesus, enquanto esses livros concentram-se no chamado clerosecular. Existe uma bibliografia escassa quando se pensa na atuao da

    Companhia de Jesus no sculo XX2

    e foram encontrados apenas doistrabalhos que abordam algum setor dessa ordem religiosa durante oRegime Militar.3

    1Dentre outros, ver Mrcio Moreira Alves (1979); Jos Oscar Beozzo (1993); Thomas Bruneau(1974); Luiz Gonzaga de Souza Lima (1979); Scott Mainwaring (1989); J. F. Regis de Morais (1982);Kenneth P. Serbin (2001).

    2O jesuta Ferdinand Azevedo publicou dois livros que estudam a atuao dos inacianos no Norte eNordeste na primeira metade do sculo XX: A misso portuguesa da Companhia de Jesus no Nordeste

    (1911-1936)eProcurando sua identidade: a difcil trajetria da vice-provncia do Brasil setentrional da Compa-nhia de Jesus nos anos de 1937 a 1952. Existem tambm dissertaes defendidas em algumas universi-dades brasileiras que abordam setores da Companhia de Jesus no perodo; seus autores so: NewtonDarwin de Andrade Cabral (1993), Jorge Santana Bispo Jr. (2004) e Cecilio Dias Crtes (2003).

    3O livro do jesuta Pedro Amrico Maia, Crnica dos jesutas do Brasil Centro-Leste, conta a histria daprovncia jesutica do Brasil Centro-Leste de 1841 at 1991. No entanto, o autor faz poucas refern-cias atuao dos jesutas durante a Ditadura Militar, dando pouca nfase participao dos inacianosdessa provncia no apoio ou na resistncia aos militares. A tese de doutorado de Iraneidson SantosCosta, Que papo esse? Intelectuais religiosos e classes exploradas no Brasil (1974-1985),investiga a atuao

    de um grupo de jesutas que formava a Pastoral Popular (Papo) e sua relao com as classes popularesdurante a segunda metade do perodo do Regime Militar (alguns jesutas do CEAS fizeram partedeste grupo).

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    Para que o conhecimento sobre a atuao da Igreja Catlica nesseperodo seja mais completo, necessrio analisar como as ordens religi-osas se comportaram durante a Ditadura Militar.4 preciso ficar claro

    que uma ordem religiosa no um mero anexo da Igreja Catlica, elatem sua autonomia e peculiaridades em relao ao clero secular. E foiassim que se trabalhou neste livro. Procurou-se ver a Companhia de

    Jesus em sua prpria dinmica, no deixando, lgico, de perceber ainfluncia que o Vaticano, os bispos e os padres diocesanos exercem naCompanhia de Jesus; contudo, sempre necessrio destacar que as or-dens religiosas influenciaram tambm o clero secular em um processo

    dialtico.O presente trabalho uma verso revista e ampliada do livro CEAS:

    jesutas e o apostolado social durante a Ditadura Militar, publicado em 2009.Nesta obra, pretende-se analisar o Centro de Estudos e Ao Social esua prxis durante a Ditadura Militar na defesa da promoo humana.Esta instituio da Companhia de Jesus destacou-se na resistncia aosmilitares na Bahia (e no Nordeste), tornando-se um local de aglutinao

    das oposies na luta pela volta do pas a um regime democrtico e nadefesa dos interesses das classes populares.Apesar de o CEAS ter sido fundado pela Companhia de Jesus, a

    instituio tambm foi formada por leigos e firmou-se como uma insti-tuio no confessional. O CEAS incorporava, como integrantes, pesso-as de esquerda que lutassem por um mundo mais justo; assim, acaba-ram fazendo parte desse Centro, inclusive, marxistas. No livro, ser abor-

    4Existem alguns trabalhos que analisam a atuao de setores da ordem dos dominicanos durante operodo estudado. O livroBatismo de sangue, de frei Betto, aborda a atuao de alguns dominicanos nocaso do apoio oferecido Aliana Libertadora Nacional (ALN) e revela a verso do autor para a mortede Carlos Marighella. O livroA bno de abril, de Paulo Csar L. Botas, trata da atuao do jornalBrasil,Urgentecomandado pelo dominicano Carlos Josaphat durante o governo de Joo Goulart e de seuapoio s Reformas de Base. A dissertao do historiador Admar Mendes de Souza,Frades dominicanosde Perdizes: movimentos de prtica poltica nos anos de 1960 no Brasil, analisa a atuao de frei CarlosJosaphat no jornal Brasil, Urgente, alm de buscar apreender a percepo dos fatores polticos ereligiosos apresentados pelos frades dominicanos nesse momento, utilizando os depoimentos con-

    cedidos no Departamento Estadual de Ordem Poltica e Social (Deops) pelos dominicanos presospor apoiarem a ALN de Marighella.

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    dada tambm a importncia dos leigos no desenvolvimento do CEAS esua contribuio para uma melhor insero da instituio na sociedade,mas preciso esclarecer que os personagens principais deste estudo so

    os jesutas.A partir de maro de 1969, o CEAS comeou a publicar uma

    revista denominada Cadernos do CEAS, que reflete bem o pensamento dainstituio.5Para o presente trabalho foram analisados todos os Cadernosdo CEASat o final do ano de 1985 (contabilizando 100 revistas). Tam-bm foi analisada outra publicao chamadaDe Olho na Conjuntura, quecomeou a ser editada no final da dcada de 1970 pelo CEAS. As pes-

    quisas desenvolvidas envolveram a documentao interna da instituiodo final da dcada de 1960 at a dcada de 1980, que est guardada emseu arquivo.

    Tive acesso a alguns arquivos da ento vice-provncia da Bahia (hojeprovncia Brasil Nordeste). Pesquisei fontes no acervo da Comisso daHistria Inaciana da Bahia (Cohiba / Residncia dos Padres) e no Arqui-

    vo da Cria dos Jesutas de Salvador (ACJS). Os padres Carlos Bresciani

    e Andrs Mato fizeram a gentileza de me concederem alguns documen-tos dos seus arquivos particulares.6

    Para se ter uma viso mais ampla da ordem religiosa de Incio deLoyola durante o sculo XX, foram pesquisadas as publicaes dos Supe-riores Gerais dos jesutas e as das Congregaes Gerais da Companhia de

    Jesus. Com isso, a inteno era perceber as transformaes que estavamocorrendo no nvel macro para entender o porqu da fundao de uma

    instituio como o CEAS na Bahia. Tambm foram analisadas as fontesproduzidas pelos Papas e pelo Conclio Vaticano II para confrontar com adocumentao dos inacianos.

    Com o intuito de perceber a relao do Centro Social com o pre-lado da arquidiocese de Salvador, foram desenvolvidas pesquisas no ar-

    5 Ao longo do texto, muitas vezes ser substituda a palavra CEAS por Centro Social e Cadernos do CEASpor Cadernos.

    6O livroRazes de uma misso do jesuta Jos Manuel Ruiz Y Snchez De Cueto foi muito til para estetrabalho, pois, nesta obra esto reproduzidos muitos documentos da vice-provncia da Bahia.

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    quivo particular de D. Avelar Brando Vilela, arcebispo de Salvador namaior parte do perodo da Ditadura Militar. Nesse arquivo, tive acesso afontes inditas do prelado e pude comprovar como ele sempre procu-

    rou manter um dilogo intenso com os militares naquele perodo. Essadocumentao est guardada no Arquivo do Laboratrio Reitor Eug-nio Veiga na Universidade Catlica do Salvador (LEV/UCSal).7

    Pesquisei os jornais baianos para perceber como era visto o CEASpela imprensa no perodo. Foram tambm analisadas algumas ediesde jornais de outros estados e revistas nacionais. Quero aproveitar oespao deste trabalho para reiterar a necessidade da abertura dos arqui-

    vos da polcia poltica na Bahia. Com essa documentao poderia terrespondido a outras perguntas que ficaram sem resposta pela falta des-sas fontes.

    Foram entrevistados padres, integrantes da esquerda e membrosdo Centro Social (jesutas e leigos). O CEAS continua em atividade atos dias atuais; por isso, importante ressaltar que algumas das minhasconsideraes so apenas vlidas para o perodo estudado. Com o fim

    do Regime Militar, a instituio passou por transformaes que nosero contempladas neste estudo por ocorrerem depois do recorte his-trico estabelecido.

    O livro est dividido desta forma:

    O primeiro captulo abordar as transformaes pelas quais passou

    a Companhia de Jesus, durante o sculo XX, e a sua preocupao com aQuesto Social para tentar responder como foi possvel, em determina-do momento, ser fundada uma instituio como o CEAS, em Salvador,pelos jesutas que formavam a vice-provncia da Bahia.

    No segundo captulo, ser estudada a resistncia feita pelo CEASaos militares durante a Ditadura Militar. Procurarei demonstrar que aoposio do CEAS, diferentemente da de outros setores da esquerda

    7No foi encontrada a documentao de D. Eugnio Sales, arcebispo que precedeu D. Avelar nocomando da arquidiocese de Salvador, nos arquivos procurados.

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    baiana, comeou a destacar-se a partir dosAnos de Chumbo. Esse Centroteve uma atuao crescente durante toda a ditadura, acabando por tor-nar-se um local de aglutinao das esquerdas e dos movimentos sociais

    que lutavam pela volta ao regime democrtico e por melhores condi-es de vida.

    O terceiro captulo vai abordar o dilogo do Centro Social com omarxismo e procurarei evidenciar a importncia do pensamento mar-xista na teoria e na prxis dos membros do CEAS. Mostrarei, ainda,como os jesutas e os leigos catlicos reinterpretaram o marxismo combase na sua tradio catlica.

    O quarto captulo estudar o conflito entre o Cardeal D. AvelarBrando Vilela e os jesutas do CEAS, e demonstrarei como, muitas

    vezes, conflituosa a relao dentro da Igreja Catlica entre setores deuma ordem religiosa e o prelado de uma diocese.

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    CAPTULO I

    CEAS:A COMPANHIA DE JESUS E O APOSTOLADO SOCIAL

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    A MISSO PORTUGUESA: OS JESUTAS VOLTAM AONORDESTE

    A Igreja Catlica brasileira entrou no sculo XX passando por ummomento muito delicado. A partir do final do sculo XIX, com a ins-taurao da Repblica em 15 de novembro de 1889, ela teve de se reor-ganizar para enfrentar os novos tempos. Com o Governo Provisrio(1889-1891) e a promulgao da Constituio em 1891, sob forte in-fluncia positivista, a Igreja Catlica viu-se alijada do poder. Para ThomasBruneau (1974, p. 64-68), o Governo Provisrio e depois a Constitui-

    o promulgaram leis que refletiam uma deliberada desconsideraopara com a religio e a Igreja.8Vendo-se ento sem a proteo do Esta-do e sem o seu financiamento, e estruturalmente deficitria, segundoBruneau, a Igreja teve que construir a sua organizao a partir pratica-mente do nada. Porm, a hierarquia eclesistica procurou ajustar-se nova conjuntura poltica, esforando-se para no entrar em conflito como novo Governo.

    Se, por um lado, a Igreja Catlica brasileira se viu privada dos pri-vilgios que desfrutava no Imprio; por outro, passava a ter um mai-or contato com o Vaticano. A Cria Romana, desde a segunda metadedo sculo XIX, estava buscando uma maior centralizao das Igrejasnacionais ao seu poder. O Vaticano esforou-se para fortalecer a Igreja

    8 Em 7 de janeiro de 1890, o Governo Provisrio acabou com o padroado. A constituio que no foideclarada em nome de Deus confirmou a separao entre Estado e Igreja. Assegurou s confissesreligiosas direito de culto e liberdade de crena; a partir daquele momento, apenas os casamentoscivis seriam reconhecidos oficialmente e os cemitrios foram secularizados. O ensino religioso foibanido das escolas pblicas e o clero, privado de direitos polticos.

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    brasileira e procurou ajudar na sua reestruturao, incentivando a vindade vrias ordens religiosas para o Brasil para suprir a carncia de padresno pas. Segundo Mrcio Moreira Alves (1979, p. 35), essa vinda de reli-

    giosos estrangeiros teve resultados vivificadores at mesmo para a admi-nistrao rotineira das dioceses, remediando a insuficincia do clero se-cular.9

    Foi nesse momento de reorganizao da Igreja Catlica brasileiraque ocorreu um evento de suma importncia poltica para Portugal, queacabou tendo reflexo para os jesutas no Brasil. Em 5 de outubro de1910, os republicanos portugueses derrubaram a Monarquia naquele

    pas e proclamaram a Repblica. Trs dias depois, decretaram a expul-so da Companhia de Jesus de Portugal e das colnias. Segundo o jesuta

    Joseph H. Foulquier, em seu livroJesutas no Norte, de 1940, o tuforevolucionrio de 1910 sacudira para fora das fronteiras de Portugal os

    jesutas: e eis que a caridade de Cristo lhes apresentava novos destinosto vastos e to distantes. (FOULQUIER, 1940, p. 6)

    A Companhia de Jesus e outras ordens religiosas chegaram ao Bra-

    sil em um momento de reestruturao da Igreja nacional em que elaprocurava se articular. Segundo Newton Darwin de Andrade Cabral:

    Os religiosos passavam a assumir papis que viriamdar eficcia reforma que se intentava. Dentre es-ses religiosos, tiveram os jesutas destacada impor-tncia [...] esses agentes afluam para o Brasil emgrandes quantidades, pois a separao entre a Igrejae o Estado facilitou-lhes a vinda, a partir de umaEuropa com muitas congregaes em crise devidoao crescimento do laicismo e do liberalismo. O Bra-sil, na confluncia desses dois fatores, aparecia comoopo para se vir lutar por um modelo de Igrejatridentina e antiliberal. (CABRAL, 1993, p. 168)

    9Sobre a importncia das ordens religiosas na arquidiocese da Bahia, ver a dissertao de mestrado deIsrael Silva dos Santos. (2006, p. 100-112)

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    A Companhia de Jesus tinha sido expulsa do Brasil em 175910edepois foi suprimida pelo Papa Clemente XIV em 1773. A ordem religi-osa s foi restaurada no ano de 1814 pelo Papa Pio VII. No incio da

    dcada de 1840, os missionrios jesutas j estavam no Brasil. Os inacianosespanhis expulsos da Argentina estabeleceram-se no sul do pas, nasprovncias de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. Com o tempo,novos missionrios viriam, principalmente alemes e italianos. At 1911,o Brasil ficou dividido por duas misses jesuticas: a Misso da provnciagermnica, no Rio Grande do Sul, e a Misso da provncia romana, nosoutros estados brasileiros. Pela extenso da provncia romana, os inacianos

    se concentraram, sobretudo, na Regio Centro-Leste.Os jesutas portugueses desterrados desembarcaram no Brasil e

    acabaram indo para a Bahia, atendendo a um pedido do arcebispo D.Jeronymo Tom da Silva (1893-1924) ex-aluno dos jesutas no PioLatino-Americano, em Roma , que ofereceu para eles a Igreja de Santo

    Antnio da Barra, alm da possibilidade de construir um colgio. Em1911, os inacianos expulsos de Portugal iniciaram a Misso brasileira

    setentrional da provncia portuguesa dispersa com sede na cidade deSalvador.11Os jesutas que chegaram j vinham com a inteno de cons-truir uma escola o mais rpido possvel. O trabalho da Companhia de

    Jesus com a educao um dos apostolados mais conhecidos e maisimportantes desta ordem religiosa. No dia 15 de maro de 1911, nacidade de Salvador, os jesutas abriam as portas de sua instituio deensino: o Colgio Antnio Vieira (CAV).

    Entretanto, os jesutas portugueses tiveram de enfrentar uma certaresistncia de setores da sociedade baiana, fruto de um antijesuitismopresente em alguns meios. A Liga Anticlerical da Bahia, alguns estudan-tes e acadmicos eram contrrios ao estabelecimento dos jesutas noBrasil. O principal porta-voz desses setores era o jornalDirio de Notcias,

    10Sobre a expulso dos jesutas da Bahia, ver a dissertao de Fabrcio Lrio dos Santos (2002).

    11A partir de 1911, o Brasil ficava dividido em trs Misses da Companhia de Jesus: Misso Meridi-onal (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paran), confiada aos padres da provncia germnica;Misso Central (Rio de Janeiro, So Paulo, Minas Gerais, Esprito Santo e Gois), confiada aos padresda provncia romana, e Misso Setentrional (os outros Estados), confiada aos padres portugueses.

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    que dava amplo espao aos ataques aos inacianos. Em um dos vrios arti-gos publicados neste peridico que atacavam os inacianos, estava escrito:Si cum Jesus itis, non cum Jesuitis(Se quiserdes andar com Jesus, no [andeis]

    com os jesutas). (AZEVEDO, 1991, p. 70-88)Mas, apesar desses ataques, os jesutas portugueses estabeleceram-

    se no Brasil e desdobraram-se em vrias obras. Fundaram o Instituto deSo Lus Gonzaga em 1912, em Caetit, na Bahia. Em 1917, com apoiode D. Sebastio Leme, os jesutas fundaram mais uma instituio deensino, dessa vez em Recife, o Colgio Manoel da Nbrega. Em 1927,foi inaugurada a Escola Apostlica da Misso Setentrional, em Baturit,

    no Cear, para a preparao de novos jesutas. Apesar de os inacianosainda se dedicarem a outras obras em outros estados, segundo o jesutaFerdinand Azevedo (1986, p. 89), A Misso portuguesa se desenvolveuem redor de trs plos de influncia: o Colgio Antnio Vieira, emSalvador, [...] o Colgio Manuel da Nbrega, no Recife, e a Escola Apos-tlica em Baturit.

    Em 1936, a Misso portuguesa era declarada vice-provncia do Brasil

    Setentrional dependente de Portugal. Porm, apenas dois anos depois,em 1938, tornar-se-ia autnoma da de Portugal, chamando-se ento vice-provncia do Brasil Setentrional.12O primeiro padre provincial13dessanova provncia independente, o jesuta Cndido Mendes, consideravaprematura essa autonomia, uma vez que isso acarretaria a interrupo da

    12Torna-se necessrio uma breve conceituao das divises territoriais utilizadas pela Companhia deJesus para uma melhor compreenso por parte do leitor. Uma Misso uma diviso administrativaque leva esse nome por causa do pequeno nmero de jesutas que nela atua e pelas condies mate-riais precrias, e uma regio onde esto se comeando os trabalhos apostlicos. Quando a Missocomea a se estabelecer, ela pode tornar-se uma vice-provncia dependente de uma provncia maisbem estruturada que ter a obrigao de lhe enviar religiosos. Com o tempo, ela pode tornar-se umavice-provncia independente e at se tornar uma provncia, quando estiver mais bem estruturada.

    13O padre provincial o representante mximo de uma vice-provncia ou provncia. Ele indicadopelo Superior Geral da Companhia de Jesus e tem um perodo determinado na funo.

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    vinda de jesutas portugueses para a nova vice-provncia, que tinha umnmero de padres jovens insuficiente para garantir o futuro da mesma.14

    Desde a dcada de 20, a Igreja Catlica brasileira tinha iniciado um

    movimento para renovar sua presena na sociedade e com isso aumentara sua influncia perante o Estado, comeando o processo denominado deRestaurao.15A instituio procurou revitalizar sua presena na socie-dade. D. Leme, que at 1942, ano de sua morte, foi o bispo brasileiromais influente, liderou esse movimento destinado a defender os interes-ses da Igreja na vida poltica nacional e ampliar sua influncia na socieda-de.

    Em 1921, foi fundado o Centro D. Vital por Jackson de Figueiredo,que foi um instrumento eficaz de divulgao dos ideais catlicos atravsde sua revista A Ordem. Tambm foram estimuladas vrias associaescatlicas, como as Ligas Catlicas, as Congregaes Marianas, os

    Apostolados da Orao, os Crculos Operrios, entre outras, que reuni-ram milhares de integrantes.16Em 1935, foi criada a Ao Catlica Bra-sileira (ACB), que era um apostolado leigo de grande influncia no cam-

    po social e poltico. O jesuta Leonel Franca, pensador catlico influen-te no perodo, desempenhou um papel destacado nas lutas desenvolvi-das pelos setores catlicos no campo do ensino e da educao superior.

    14Em 1938, a ento vice-provncia independente tinha 153 jesutas destes, 79 indivduos tinham50 anos ou mais e 100 eram estrangeiros para uma extenso de mais de 4.500.000 km. Sobre onmero de jesutas, ver Ferdinand Azevedo (1986, p. 248). Sobre a extenso da Misso, ver Ruiz ySachez deCueto (2002, p. 18).

    15A partir dos anos 20 a hierarquia catlica do Brasil, atravs dos seus lderes mais expressivos,passou a preocupar-se em afirmar o prestgio da Igreja na sociedade [...] Atuando de modo especialjunto s lideranas do pas, no campo poltico, militar e at mesmo intelectual [...] Essa fase da Igrejaque se inicia a partir da dcada de 1920-1930 pode ser adequadamente designada como RestauraoCatlica, ver Riolando Azzi (1979, p. 69).

    16Os Apostolados da Orao e as Congregaes Marianas foram associaes religiosas de carterinaciano que se multiplicaram nesse perodo. Os Crculos Operrios, organizaes dirigidas assis-tncia material e espiritual dos operrios, surgiram como movimento de carter nacional pela articu-lao do jesuta Leopoldo Brentano. Sobre a atuao dos Apostolados da Orao e das Congregaes

    Marianas, ver Pedro Amrico Maia (1991. p. 111-199); sobre os Crculos Operrios, Jessie JaneVieira de Souza (2002).

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    A hierarquia catlica procurou construir uma aliana com o Estadopara ganhar vantagens que tinha perdido com o advento da Repblica. Oepiscopado exigia um retorno a um passado de privilgios, sem osimpe-

    dimentosimpostos Igreja pelo Imprio. (DELLA CAVA, 1975, p. 11)Essa aliana com o Estado foi concretizada com a Revoluo de 30. Se-gundo Riolando Azzi, o governo de Getlio Vargas se apresentava para asociedade e para o clero com o intuito de criar uma nova ordem polticae social. Ento, ficava claro para os lderes do episcopado que era chega-do o momento de lutar para que a nova ordem a ser implantada pelaSegunda Repblica fosse de carter nitidamente cristo. E a hierarquia

    congregou-se ao redor de uma grande ideia: mudar a ordem constitu-cional do pas. (AZZI, 1978, p. 48) Em 1932, foi criada a Liga EleitoralCatlica (LEC) com o objetivo de apoiar os candidatos que se compro-metessem a defender os interesses catlicos na Assembleia Constituinte(1933). A Constituio de 1934 foi uma clara vitria da Igreja Catlica,que demonstrava assim a sua fora.17

    Porm, preciso esclarecer que a aliana que a Igreja Catlica

    procurou construir com o governo do presidente Getlio Vargas no sedeu apenas por interesses e privilgios que queria gozar o clero catlico.A importncia que Getlio colocava na defesa da ordem e seu naciona-lismo casavam com a orientao da hierarquia. O seu governo pareciaser uma alternativa real ao liberalismo econmico e Getlio Vargas apre-sentava-se como o conciliador entre o Trabalho e o Capital. Alm disso,os sacerdotes viam em Vargas um aliado contra o comunismo.18

    Esse apoio dado ao governo de Getlio Vargas ocorreu tambm naBahia. No seu estudo sobre D. Augusto lvaro da Silva (1924-1968),Solange Dias de Santana Alves (2003, p. 62) afirmou que o arcebispo da

    17Na Constituio de 1934, a separao entre o Estado e a Igreja permanecia, porm, do seu prefcioconsta o nome de Deus. Os religiosos podiam votar a partir de ento, o casamento religioso foireconhecido pela lei, a assistncia espiritual s organizaes militares passou a ser permitida, o Esta-do podia subvencionar as escolas catlicas, alm de o ensino religioso nas escolas pblicas ser permi-tido.

    18Sobre a nfase do clero na questo da ordem e da autoridade, ver Romualdo Dias (1996). Nocaptulo 3 deste livro, ser detalhada a posio da Igreja Catlica perante o comunismo.

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    diocese da Bahia deu apoio ao interventor federal Juracy Magalhes, queera hostilizado pelas elites polticas baianas. E quando foi instaurado oEstado Novo, D. Augusto, em uma Carta Pastoral, comemorava essa

    admirvel providncia de Deus. Apesar de no haver nenhum estudoespecfico a respeito da relao dos jesutas da Misso Setentrional (de-pois vice-provncia) com o governo de Getlio Vargas, parece que nofoi diferente da posio do episcopado nacional. Os trabalhos que abor-dam o perodo demonstram que os inacianos portugueses estavam bemalinhados com a nfase na autoridade, a poltica econmica e social dogoverno de Getlio.19

    A CRIAO DA VICE-PROVNCIA DA BAHIA

    Quando terminou a 2 Grande Guerra Mundial (1939-1945), aEuropa tinha perdido definitivamente o seu protagonismo para os Esta-dos Unidos. Tambm surgiria, a partir daquele momento, uma novapotncia, a Unio das Repblicas Socialistas Soviticas (URSS), e com

    isso deixando sempre presente ao mundo capitalista o perigo verme-lho. Os horrores da guerra abalaram dogmas racistas de superioridadee revelaram a fragilidade de um conceito estreito de civilizao. Come-aram tambm as lutas pela independncia das colnias na sia e na

    frica contra as metrpoles europeias que saram enfraquecidas da guerra.O surgimento de novas naes mostrava Igreja Catlica a distnciaenorme que havia entre ela e as aspiraes desses novos povos. Era pre-

    ciso repensar o seu papel diante dessa nova realidade que se apresentavae se adaptar a esse novo mundo. Uma regio, a Amrica Latina, mereceudestaque para a Cria Romana, ainda mais depois da Revoluo Cubana(1959). Para Jos Oscar Beozzo (1993, p. 19), Cuba um divisor deguas na vida do continente latino-americano e tambm questo crucialpara a Igreja.

    19Ver Ferdinand Azevedo (1986, 2006); Newton Darwin de Andrade Cabral (1993) e Jorge Santana

    Bispo Jr. (2004).

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    Mas a Amrica Latina comeou a ter uma importncia cada vez mai-or para o Vaticano ainda no sculo XIX. Tinha sido criado o Colgio PioLatino-Americano em Roma, em 1858, para a formao do clero na re-

    gio. Em 1934, foi construdo o Pio Brasileiro separado do Latino-Ame-ricano. Entretanto, foi a partir do Ps-2 Guerra Mundial que ocorreuuma ateno renovada por parte da Cria Romana para com a regio. OPapa Pio XII, em 1955, apoiou a criao do Conselho Episcopal Latino-

    Americano (Celam) para organizar o episcopado da Amrica Latina. Osproblemas do continente latino-americano comearam a ser analisadospela Pontifcia Comisso para a Amrica Latina (CAL), fundada em 1958,

    que tinha como funo promover uma maior cooperao entre a CriaRomana e as Igrejas nacionais na procura de solues para os problemasdo continente. Em 1959, foi fundada a Conferncia Latino-Americanade Religiosos (Clar) para reunir as ordens religiosas.

    O continente latino-americano tambm se tornou alvo das preo-cupaes da Companhia de Jesus, que recebeu como misso, dada pelo

    Vaticano, conceder uma maior ateno evangelizao dos povos da

    Amrica Latina, como se percebe em uma carta de um provincial italia-no:

    Nosso M. R. Padre Geral me tornava presente asgraves condies dos fiis na Amrica Latina e ainsistncia da Santa S para que, deixando mesmooutras obras existentes na Europa, se procurasseatender lastimvel falta de clero e s espirituais

    necessidades dos fiis carentes da devida defesacontra as insdias do protestantismo, do comunis-mo, do liberalismo e da maonaria. (RUIZ YSNCHEZ DE CUETO, 2002, p. 18-19)

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    Atendendo a essa nova conjuntura, no final da dcada de 1940, oPrepsito Geral20da Companhia de Jesus, Joo Batista Janssens, enviouseu assistente para Amrica Latina, o padre Tomz Travi, para visitar as

    provncias jesuticas latino-americanas, que o informou dos graves pro-blemas pelos quais muitas delas passavam, principalmente devido es-cassez de religiosos.

    Ento, em 1 de junho de 1952, o Superior dos Jesutasdesmembrava a vice-provncia do Brasil Setentrional e criava a vice-pro-

    vncia da Bahia (ou vice-provncia Bahiensis), nomeando o padre CsarDainese como seu primeiro provincial. Essa vice-provncia recm-cria-

    da ficaria dependente da provncia Vneto-Milanesa da Itlia, que teria aobrigao de enviar religiosos. Percebe-se a fragilidade dessa provnciados jesutas no territrio brasileiro, nesse momento, ao ler uma cartaenviada pelo Padre Geral aos padres italianos da provncia Vneto-Milanesa. Nesse documento, o Superior da Companhia de Jesus alertava-os dos problemas que encontrariam no novo territrio que ficaria entosob seus cuidados.

    Na carta, ele fez uma aluso ao tamanho do territrio da vice-pro-vncia21e ao baixo nmero de sacerdotes no Brasil. Lembrou que, naregio confiada a eles, o territrio da Itlia toda est contido cerca dequinze vezes e, diferentemente da provncia deles, onde cada sacerdoteda Igreja Catlica toma conta de 730 fiis, que em Trento descem a357, e em Bressanone a 292"; nos estados mais povoados da nova vice-provncia, a cada sacerdote correspondem 15.000 cidados, s vezes

    at 20.000. Ele avisou ainda que, alm do problema da extensoterritorial, existiam outras dificuldades tais como o aumento contnuoda populao, os esforos e progressos dos protestantes, a falsa doutrina

    20O Prepsito ou Padre Geral o mais alto grau hierrquico da Companhia de Jesus. Ele eleito etem o mandato vitalcio.

    21A vice-provncia da Bahia era composta pelos seguintes estados: Bahia, Piau, Maranho, Par,Amazonas e os territrios do Acre, Amap e Rio Branco. (Em 1962, o Territrio do Rio Branco passoua se chamar Territrio de Roraima). A partir de 1963, o Esprito Santo passou a fazer parte tambmda vice-provncia.

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    do laicismo e as artes sbdolas (sic) dos comunistas. (RUIZ Y SNCHEZDE CUETO, 2002, p. 23)

    Na verdade, dois pontos tm de ser levantados aqui e que estive-

    ram presentes, em maior ou menor grau, em todo o momento, desde aMisso portuguesa at o perodo em que se encerra este trabalho. Pri-meiro, sempre existiu um nmero insuficiente de inacianos para umaregio muito extensa.22No mapa a seguir, retirado de um catlogo daprovncia de 1955, est retratado o tamanho desse territrio dos jesu-tas.

    Figura 1 Mapa da vice-provncia Bahiensis

    Fonte: Catalogus Viceprovinciae Bahiensis dependentis a provncia veneto-mediolanensi. Societatis Iesu. 1955.Indstria Grfica Siqueira. So Paulo. Disponvel no Arquivo Cohiba / Residncia dos Padres

    22Ferdinand Azevedo demonstra que um dos maiores problemas da vice-provncia setentrional foijustamente o nmero insuficiente de jesutas para atender s exigncias da Companhia de Jesus na

    regio. Ver: Ferdinando Azevedo (2006).

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    Para uma extenso de 4.462.145 km e uma populao de 9.987.650de pessoas, trabalhavam na vice-provncia apenas 63 jesutas, de acordocom o mesmo catlogo. Ento, mesmo com o desmembramento da anti-

    ga vice-provncia do Brasil Setentrional em dois territrios, o nmerode inacianos era insuficiente para dar conta dos trabalhos apostlicos emtodo o territrio confiado a eles.

    Um segundo ponto diz respeito constante dependncia em rela-o ao clero estrangeiro (primeiramente o portugus e depois o italia-no). At o final do perodo abordado nesta pesquisa, a Companhia de

    Jesus no conseguiu atrair muitas vocaes entre os nativos. O padre

    Carlos Bresciani informou que por isso foi anexado o estado do Espri-to Santo vice-provncia da Bahia em 1963. Como naquele estado haviauma comunidade italiana muito grande, ele poderia se tornar um gran-de fornecedor de vocaes.23Mas esse fato no deve ter gerado um efei-to satisfatrio para a Companhia pelo menos em um curto espao detempo. Isso fica evidente em uma carta do provincial Dionsio Sciuchetti,na qual ele afirmava que a vice-provncia da Bahia, em 1977, era forma-

    da por: 31 brasileiros, 62 italianos e 23 indivduos de outras nacionalida-des.24(RUIZ Y SNCHEZ DE CUETO, 2002, p. 36) Ou seja, ainda nofinal da dcada de 1970, menos de 30% dos jesutas eram brasileiros.

    No mesmo ano da fundao da vice-provncia da Bahia, foi nomea-do provincial da Vneto-Milanesa o padre Pedro Dalle Nogare (1952-1958). Este sacerdote teve uma importncia mpar no desenvolvimentoda vice-provncia da Bahia. Ele encorajou os jesutas italianos a virem e

    a assumirem com todo empenho o territrio a eles confiado no Brasil.Em 1954, Nogare veio pessoalmente para conhecer o territrio da vice-provncia. Consta de um documento da poca que ele havia chegado a

    23Entrevista com padre Carlos Bresciani, 15 maio 2006.

    24Em 1977, a vice-provncia da Bahia tornou-se independente da provncia Vneto-Milanesa e, em1983, passou a ser provncia.

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    fechar uma escola na Itlia para mandar religiosos para a vice-provncia.25

    Em 1958, o prprio padre Dalle Nogare tornar-se-ia provincial da vice-provncia da Bahia. Ele estimulou muitas obras, foi pea fundamental na

    estruturao da vice-provncia Bahiensis, tanto que em um livro de me-mrias da Companhia de Jesus afirma que ele pode ser considerado opai da vice-provncia.(COMPANHIA DE JESUS, 2005, p. 108)

    O jesuta Joo Augusto A. A. MacDowell (1999, p. 229), ao fazerum balano da ao apostlica da Companhia de Jesus na primeira me-tade do sculo XX, salientou: No conjunto da ao apostlica dos jesu-tas nos primeiros cem anos desde seu regresso ao Brasil at meados do

    sculo XX, ressalta, em primeiro lugar, o apostolado educativo. Po-rm, isso comearia a mudar. Setores da Companhia de Jesus comea-ram a repensar a sua atuao no mundo e procuraram adaptar-se novaconjuntura que se abria depois da 2 Guerra Mundial. A partir de ento,um outro apostolado comeou a ganhar fora: o apostolado social. ACompanhia de Jesus, tanto em nvel internacional como nacional, co-meava a discutir mais profundamente a Questo Social e a perceber

    que a educao, como todos os outros ministrios, deveria ser estudadae planejada em paralelo com os problemas sociais.

    A COMPANHIA DE JESUS E A QUESTO SOCIAL

    O historiador britnico Eric Hobsbawm, ao fazer a histria do s-culo XX, afirmou que o perodo de 25 a 30 anos aps a Segunda Guerra

    Mundial foi de extraordinrio crescimento econmico e transformaosocial, anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda asociedade humana que qualquer outro perodo de brevidade compar-

    25Segundo o noticirio da vice-provncia, teria sido fechado o colgio de Brescia para que pudessemser enviados jesutas para a vice-provncia da Bahia. Vice-Provncia Noticirio trimestral. Ano I, n 2,srie A, junho de 1954. Disponvel no Arquivo pessoal do padre Carlos Bresciani.

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    vel. (HOBSBAWM, 1994, p. 15) Esse perodo de crescimento econ-mico, ele afirmou que era visto como uma Era de Ouro. Porm,Hobsbawm fez questo de lembrar que essa Era de Ouro pertenceu

    essencialmente aos pases capitalistas desenvolvidos que durante esseperodo representaram cerca de trs quartos da produo do mundo, emais de 80% de suas exportaes manufaturadas. Isso no impediu quealguns pases capitalistas perifricos crescessem visivelmente, embora ariqueza geral jamais chegasse vista da maioria da populao do mundo.(HOBSBAWM, 1994, p. 255)

    Foi um perodo de grande crescimento econmico do mundo

    capitalista, mas ocorrido de forma desigual entre as naes desenvolvi-das e as chamadas de Terceiro Mundo. Esse fato foi destacado por vri-os setores da Igreja Catlica. Quando, em 1891, o Papa Leo XIII semanifestou sobre a Questo Social com a encclica Rerum Novarum, ohorizonte dele era a Europa e a sua preocupao era com a condiodos operrios; o conflito que se tratava naquele documento era entreo Capital e o Trabalho. Porm, em meados do sculo XX, a Questo

    Social para a Igreja Catlica tinha se ampliado e includo tambm odesenvolvimento desigual entre as naes. O Papa Joo XXIII, em umaencclica, deixava isso claro:

    O maior problema da poca moderna talvez seja odas relaes entre as comunidades polticas eco-nomicamente desenvolvidas e as que se encontramem fase de desenvolvimento econmico. As pri-meiras, por conseguinte, com alto nvel de vida, asoutras, em condies de escassez ou de misria[...] dada a interdependncia cada vez maior entreos povos, no possvel que entre eles reine umapaz durvel e fecunda, se o desnvel das condieseconmicas for excessivo. (JOO XXIII, Papa,1961, p. 52)

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    Nesse perodo de grandes transformaes por que passava o mun-do, sob o espectro da Guerra Fria, o Papa Joo XXIII (1958-1963) esti-mulou o processo conhecido comoaggiornamentoda Igreja Catlica. As

    encclicasMater et magistra(1961) ePacem in terris(1963), de Joo XXIII,atualizaram o pensamento oficial. Comeou a se defender uma nova con-cepo da Igreja, mais em sintonia com o mundo secular, comprometidaem melhorar o destino dos seres humanos na Terra e em promover a

    Justia Social. Essa tendncia foi ratificada com o Conclio EcumnicoVaticano II (1962-1965), que foi o evento mais importante do catolicis-mo romano no sculo XX.26Quando Joo XXIII faleceu, em 1963, o

    Papa Paulo VI (1963-78) continuou esse processo de atualizao e deabertura da Igreja Catlica ao mundo contemporneo, enfatizando sem-pre a defesa da Justia Social.

    Desde o ps-2 Guerra, a Questo Social comeou a ter um pesomuito grande na Companhia de Jesus. Apesar de em outras Congrega-es Gerais27a Companhia de Jesus j se ter ocupado das questes soci-ais, foi apenas na Congregao Geral XXIX, de 1946, que pela primei-

    ra vez na histria, uma Congregao se ocupou do apostolado socialcomo tema dum decreto. (JESUTAS..., 1999, p. 11) Nessa Congrega-o, retomou-se um ponto da anterior que estabelecia, como uma for-ma melhor de os jesutas trabalharem para enfrentar os problemas soci-ais, que se institusse, em cada provncia ou regio, um Centro de estu-dos e ao sociais. Esse Centro tinha de estar apto para estender epropagar o trabalho social, impulsionar e dirigir a Ao social dos nos-

    sos.

    28

    A Companhia de Jesus apoiar a criao dos Centros de Investiga-o e Ao Social (CIAS) como uma forma de melhor exercer o apostoladosocial.

    26Sobre o Vaticano II e a sua importncia para a Igreja Catlica, ver, entre outros,Jos Oscar Beozzo(1993) e Paulo Srgio Lopes Gonalves; Vera Ivanise Bombonatto (2004).

    27A Congregao Geral a instncia mxima da Companhia de Jesus. Rene todos os provinciais, osassessores da Cria generalcia e alguns padres eleitos para eleger o Prepsito Geral e/ou legislar

    sobre a misso apostlica e religiosa da Companhia.28As Congregaes Gerais. Disponvel no Arquivo Cohiba / Residncia dos Padres.

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    Os Prepsitos Gerais Joo Batista Janssens (1946-1964) e depoisPedro Arrupe (1965-1983) intensificaram sua ateno para o apostoladosocial, exigindo que as provncias dos jesutas em todo o mundo come-

    assem a dar uma maior ateno aos problemas que dificultavam a mis-so evangelizadora da Companhia e que cada uma criasse o seu CIAS. OPadre Geral Joo Batista Janssens escreveu um documento chamadoIns-truo sobre o apostolado social(1949) que teve grande repercusso na Com-panhia de Jesus, pois era a primeira vez que um Superior dos Jesutas sedirigia a toda a Ordem sobre este tema.29Esse documento era um alertae um chamado ao dos jesutas para enfrentarem a nova realidade que

    se apresentava.Nesse documento, o Geral Janssens abordava a msera condio es-

    piritual e material dos trabalhadores e avisava: Levantemos os olhos eencaremos luz da verdade o que estamos vendo todos os dias e a que,infelizmente, nos acostumamos e tornamos indiferentes. O Prepsitofez questo de diferenciar que, quando falava de apostolado social, noera no sentido tradicional de ajuda aos velhos e rfos que, sem poderem

    buscar os meios de subsistncia, necessitavam de caridade; esse tipo deao ele denominou de caridade extraordinria. Mas o que ele queriaera falar dos pobres que tm foras para ganhar honestamente seu sus-tento, no podem, vista a imperfeita ordem social destes tempos, prove-rem a si e aos seus como convm.

    O Prepsito Geral Janssens definia a finalidade do apostolado socialcomo dar ao maior nmero possvel, e mesmo a todos os homens, en-

    quanto a condio terrena o permite, certa abundncia ou pelo menosmediana dos bens, tanto temporais como espirituais, mesmo na ordemnatural. Para isso era preciso os jesutas estar mais prximos dos pobrese sentir o que seja viver a vida inteira humilhado; permanecer em nfi-ma condio; ser esquecido e desprezado [...] ser o instrumento por

    29Essa Carta to significativa para a Companhia de Jesus com relao ao apostolado social que osjesutas Michael Crerny e Paolo Foglizzio colocam-na como marco de uma nova fase da Companhiade Jesus com relao Questo Social.Jesutas: anurio da Companhia de Jesus 2000(1999, p. 103).

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    meio do qual outros se enriquecem. Lembrava que todos os ministriosda Companhia (colgios, Congregaes Marianas, exerccios espirituais,entre outros) deveriam estar ligados Questo Social, porm deveria

    existir o que ele chamava de um apostolado social especializado. Porisso, ele retomava a questo da criao dos Centros de Informao e AoSocial, que tinham como finalidade principalmente:

    Ensinar aos outros a doutrina terica e prtica, demodo particular aos sacerdotes, aos leigos cultos eaos mais adiantados dentre os operrios, ajudan-

    do-os com sua orientao. Esse Centro, como jse faz em muitos lugares, difundir a doutrina so-cial da Igreja por meio de livros, revistas, artigos,conferncias e aulas, congressos e quaisquer ou-tros meios, e se esforar por adapt-los s neces-sidades de cada regio. (JANSENS, 1949)

    Joo Batista Janssens enviou o padre Manuel Foyaca para a AmricaLatina com o intuito de fomentar o apostolado social no continente. Opadre Foyaca lembrava aos jesutas que na economia capitalista milharesde trabalhadores viviam na misria; ento, a mera assistncia social noresolve o problema social de nossa poca. preciso ir raiz, arrancandona sua origem a injustia. Por isso, ele recordava as palavras do Superiordos jesutas para quem todos os ministrios da Companhia de Jesus de-

    veriam trabalhar para ajudar a resolver os problemas sociais. Retomandoa questo da criao dos CIAS, afirmava que o apostolado social diretodeveria ter padres que se entregassem por completo a este ministrio.(FOYACA, 1991, p. 115-142)

    Quando Pedro Arrupe se tornou Prepsito Geral da Companhiade Jesus, em 1965, ele tambm continuou incentivando um envolvimentomaior dos jesutas com as questes sociais, dando uma ateno especialpara a Amrica Latina. Com o seu apoio, o apostolado social foi ganhan-

    do cada vez mais importncia para a Companhia de Jesus. No continente

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    latino-americano, o Prepsito prosseguiu apoiando a criao dos CIAS eseu fortalecimento. Estimulou a fundao, em 1966, de um conselhoque congregasse os CIAS da Amrica Latina e fosse um elo com o Padre

    Geral o Conselho Latino-Americano dos CIAS (CLACIAS). Em umacarta endereada a todos os padres dos CIAS latino-americanos, eleexplicitava a sua posio em relao ao apostolado social: nenhum de

    vocs deveria duvidar da vontade da Companhia, nem de que eu pesso-almente me identifico com quem d prioridade ao apostolado da justiasocial, nas circunstncias concretas da Amrica Latina.30

    Apesar do crescimento econmico de alguns pases da Amrica La-

    tina, a pobreza era gritante entre a maioria da populao do continente.Essa contradio foi denunciada pela Companhia de Jesus. Entre os dias6 e 14 de maio de 1968, Pedro Arrupe esteve reunido com os provinci-ais da Amrica Latina, no Rio de Janeiro, para discutir as questes sociaisdo continente. Desse encontro saiu a Carta do Rio, ou Carta da Gvea, comotambm conhecida. Esse documento muito importante para a Com-panhia latino-americana, pois nele foram analisados os problemas pelos

    quais a Amrica Latina estava passando, no perodo, por uma tica local.Abordava a questo do crescimento acelerado do continente, mas tam-bm a continuao da situao de misria da maior parte dos habitantes,a questo das populaes urbanas e rurais marginalizadas e a discrimi-nao racial que sofriam as populaes indgenas.31

    30ninguno de ustedes debera dudar de la voluntad de la Compaa, ni de que yo personalmente meidentifico con quien d prioridad al apostolado por la justicia social, en las circunstancias concretasde Amrica Latina. Carta A todos los Padres miembros de los CIAS de America Latina. 12 dez. 1966.Traduo livre. Disponvel no Arquivo do CEAS.

    31Apesar de no abordar a discriminao racial sofrida pelas populaes negras, importante notaresta meno aos povos indgenas nas preocupaes da Companhia de Jesus latino-americana naquelemomento, pois, quando, alguns meses depois deste encontro dos jesutas, ocorrer, em Medelln, naColmbia, a II Conferncia Episcopal Latino-Americana, os ndios no sero contemplados direta-mente, conforme constatou o padre Jos Oscar Beozzo (1993, p.126): Medelln no consagrou

    nenhum de seus documentos e de suas anlises s populaes indgenas do continente entre as maisespoliadas, exploradas e agredidas fsica, cultural e espiritualmente.

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    Lembrava que o problema social da Amrica Latina o problemado prprio homem; ento, a Questo Social tinha de ter uma priorida-de absoluta na estratgia apostlica dos jesutas e todos os outros

    apostolados, dando nfase educao, deveriam estar integrados aoapostolado social.

    Desejamos que todas as formas de apostolado daCompanhia, sem perder seu fim especfico, se in-tegrem no apostolado social. No que diz respeito educao, que julgamos ser um dos fatores princi-pais de transformao social, afirmamos a urgn-

    cia de que nossos colgios e universidades aceitemseu papel de agentes eficazes da integrao e daJustia Social na Amrica. O desenvolvimento detodos no ser possvel sem a educao integral detodos.32

    A Carta do Riorecordava aos jesutas que em toda nossa ao, o

    objetivo deve ser a libertao do homem de qualquer forma de escravi-do que o oprime: a falta de recursos mnimos e de alfabetizao, o pesodas estruturas sociais. Lembrava que, durante anos, j estavam sendofundados os Centros de Investigao e Ao Social nas provncias da

    Amrica Latina, cuja misso especfica era ajudar a conscientizar, esti-mular e orientar as mentalidades e as aes, com investigaes, publica-es, ensino e assessoria. Ressaltava a necessidade de a Companhia de

    Jesus destacar mais homens para estas obras, mas lembrava de que setinha sempre de responsabilizar os homens do povo para que fossemeles os protagonistas de sua prpria libertao. (CARTA DOS PRO-

    VINCIAIS..., 1968-1969)

    32Segundo o jesuta Gabriel Codina (1987, p. 7): A Carta do Riono se deteve unicamente na teoria.Nossos colgios [...] tomaram a srio o servio social proposto no Rio [...] Num momento de srioquestionamento das nossas instituies educativas, dentro e fora da Companhia, estes aceitaram o

    desafio de uma nova converso, comprometeram-se na linha de serem fatores de mudana social edescobriram neste compromisso a sua razo de ser.

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    Esses documentos mostravam um engajamento cada vez maior porparte dos jesutas na Questo Social e a sua importncia cada vez maissignificativa dentro dessa ordem. Para muitos religiosos, tanto quanto

    para o prprio Superior Geral Pedro Arrupe, os problemas sociais erampercebidos como obstculos evangelizao e por isso tinham de serenfrentados e superados. A Companhia de Jesus iria assumir isso ofici-almente com o Decreto 4 da Congregao Geral XXXII, de 1975: Anossa misso nos dias de hoje: diaconia da f e promoo da justia. O Decreto4 (como simplesmente conhecido) visto pelos jesutas como oaprofundamento do apostolado social, o ponto culminante do

    engajamento da Companhia na luta em defesa da Justia Social.No decreto 4 era lembrado que milhes de homens do nosso

    tempo sofrem pobreza e fome, uma repartio desigual e injusta dosbens e recursos, e as consequncias da discriminao social, racial e pol-tica!. Avisava que apesar das possibilidades abertas pela tcnica, cada

    vez mais claramente se v que o homem no est disposto a pagar o preoduma sociedade mais justa e mais humana. Por isso, o que estava em

    jogo era o prprio sentido do homem, do seu futuro e do seu destino.Assim sendo, uma verdadeira evangelizao no se pode realizar a sriosem promoo da justia. Ento:

    As desigualdades e injustias j no podem ser con-sideradas como resultado dalguma fatalidadenatural; so antes obra do homem e do seu egos-mo. No h, por conseguinte, promoo propria-mente crist da justia integral sem um anncio deJesus Cristo e do mistrio da reconciliao que Elelevou a bom termo [...] Inversamente, no h ver-dadeiro anncio de Cristo, no h verdadeira pro-clamao do seu Evangelho, sem compromissodecidido de promover a justia.

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    No Decreto 4, estava determinado que: A misso da Companhiade Jesus, hoje, o servio da f, do qual a promoo da justia constituiuma exigncia absoluta. Ento se chegava ao ponto mximo; a partir

    daquele momento, a luta pela Justia Social era uma missode todos osjesutas em qualquer parte do mundo, assim como levar a palavra deDeus aos homens. F e Justia Social se tornavam complementares, umano podia existir sem a outra para nenhum membro da Companhia de

    Jesus. Anunciar o evangelho de Jesus Cristo exigia um comprometi-mento firme dos jesutas em fazer o mundo diferente do que ele , e,por conseguinte, sinal do outro mundo. (COMPANHIA DE JESUS,

    1975, p. 35-67)Quando procurei fazer a anlise dos documentos da alta hierar-

    quia da Companhia de Jesus sobre a Questo Social, no quis com issomenosprezar a atuao dos jesutas de todo o mundo, no se pretendeufazer aqui uma histria vista de cima. Antes mesmo do documento dopadre Geral Joo Batista Janssens sobre o apostolado social, muitosinacianos estavam atuando nas questes sociais. Porm, em uma insti-

    tuio hierrquica como a Companhia de Jesus, a legitimao de cima muito importante, pois impulsiona certas tendncias como expressoucom toda a preciso o cientista-poltico Scott Mainwaring, no seu estu-do sobre a Igreja Catlica no Brasil: A mudana iniciou-se a partir dabase, mas tomou impulso somente quando foi legitimada pela cpula.(MAINWARING, 1989, p. 63)

    A importncia da legitimao da hierarquia fica clara na entrevista

    concedida ao autor pelo padre Cludio Perani, na qual ele demonstroua importncia do Decreto 4 para os jesutas mais comprometidos comas questes sociais. Ele comentou que o CEAS era muito criticado poralguns jesutas que viam nele uma instituio que s abordava os proble-mas sociais e quase nunca tocava nas questes espirituais. Perani afirmaque depois do decreto 4 essas crticas foram diminuindo progressiva-mente.33Pois, a partir daquele momento, para todo jesuta, f e Justia

    33Entrevista com Padre Cludio Perani, 20 jan. 2006.

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    Social deveriam se tornar faces de uma mesma moeda, pontas de umamesma cruz.

    A partir do ps-2 Guerra Mundial, a Companhia de Jesus abriu-se

    para a sociedade com o intuito de influenci-la. Os jesutas procuraramter uma participao mais decisiva no mundo e envolveram-se mais pro-fundamente com as questes sociais. Porm, a Companhia de Jesusficou tambm mais suscetvel s transformaes por que passava essasociedade. O acirramento e a politizao dos conflitos sociais em vriospases fez com que setores da Companhia de Jesus se tornassem maisconscientes da realidade de opresso pela qual passava boa parte da po-

    pulao mundial e assumissem um compromisso mais forte com a in-teno de transformar as estruturas econmicas para tornar o mundomais justo.34

    F E JUSTIA SOCIAL:A FUNDAO DO CEAS

    A sociedade brasileira passou por inmeras transformaes duran-

    te a dcada de 1950. O Brasil rapidamente deixou de ser um pas deeconomia agrria exportadora, passando por uma industrializao ace-lerada, aproveitando-se da infraestrutura montada durante a Era Vargas(1930-1945). Segundo Thomas Skidmore (1976, p. 204), para a dca-da de 1950, o crescimentoper capitaefetivo do Brasil foi aproximada-mente trs vezes maior que o do resto da Amrica Latina. Esse desen-

    volvimento econmico intensificou-se no governo de Juscelino

    Kubitschek (1956-1961).Durante a presidncia de JK, tirando proveito de uma conjunturainternacional favorvel, o Brasil passou por um crescimento ainda maisacelerado. O Presidente abriu a economia para os capitais externos, pro-piciando a vinda de multinacionais e incentivando a indstria de bens de

    34No entanto, dizer que setores da Companhia de Jesus lutaram para tornar a sociedade mais justaainda no explica por completo a questo. Vrios fatores (como o dilogo com as cincias humanas,inclusive com o marxismo, a situao histrica de cada pas, entre outros) influenciaram no modo

    como os inacianos deveriam agir. Isso implica dizer que essa misso dos jesutas na luta pela promo-o humana foi entendida e praticada de diversas maneiras.

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    consumo. Instalou-se no Brasil um moderno parque industrial auto-mobilstico e as terras brasileiras foram cortadas por milhares de quil-metros de estradas. O Brasil se modernizava rapidamente. Para setores

    das camadas mdias, foram osAnos Dourados, mas o governo de Kubitschekno enfrentou eficazmente os problemas sociais, e sua poltica econmi-ca propiciou uma acentuada concentrao de renda e um aumento dasdesigualdades entre as regies mais ricas e as mais pobres. O processomigratrio foi intenso do campo para as cidades, acelerando um proces-so de urbanizao que causar inchao nas principais capitais. (GOMES,2002)

    Porm, nesse perodo de crescimento do pas, a Bahia passava poruma estagnao econmica. Enquanto o processo de industrializaoalcanava certas regies brasileiras, a Bahia continuava tendo como baseuma economia agrria, contando com poucas fbricas. Segundo Eduar-do Jos Santos Borges (2003, p. 21), em 1958, o cacau e seus deriva-dos representavam em torno de 70% do comrcio exterior baiano. Emcontrapart