JANGADEIRO DO CORAL

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JANGADEIRO DO CORAL prosa poética Marco Llobus REDE CATITU CULTURAL

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Poesia Brasileira

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JANGADEIRO DO CORAL

prosa poética

Marco Llobus

REDE CATITU CULTURAL

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"O paraíso é um corpo sagrado"

A jangada do poeta vai sair para o (a)mar. O que espera pescar o jangadeiro, além de ilusões? Ele almeja encher a rede de bons pescados amorosos. Para tanto, iscas de versos livres são lançadas no oceano avermelhado da paixão. O amor só é sereno na teoria. Na prática, é preciso acreditar sempre na pesca, mesmo com a incerteza da sua chegada. Em Jangadeiro do coral, a voz poética de Marco Llobus traz à baila fabulações de um pescador sentimental que, no fundo, é pescado pelos encantos da profundidade afetiva – lá onde o mar faz a curva, com a vontade de ser rio novamente.

Llobus chama de “movimento pendular” a vida que balança nas ondas do (a)mar. Entre “a possível ilusão” e “a deliciosa esperança”, o jangadeiro se mostra confiante na fé de que o mar está pra peixe. Procura-se uma musa. Alguém com um olhar que inspire uma ode à ternura. Alguém para aquecer o inverno.

Quem tem como trilha sonora o canto das sereias jamais padecerá de solidão. Na peleja do navegar, o poeta-jangadeiro não tem fome de conquista mas “sede da seda”. A seda aqui representa a pele da amada. Mão que agarra e mão que acaricia são duas facetas extremas das possibilidades de encontro inter-humano. O ato decisivo do poder está em agarrar. O oposto do agarrar é a carícia, pois é impossível acariciar pela força, já que a experiência se converteria de imediato num maltratar.

Para acariciar devemos contar com o outro, com a disposição de seu corpo, com suas reações e desejos. A carícia é uma mão revestida de paciência que toca sem ferir e solta para permitir a mobilidade do ser com quem entramos em contato. Mão compassada que tenta reproduzir em seus movimentos a dinâmica caprichosa da vida. Mão que renuncia a posse e que toca o coração do outro num suave galanteio. Carícia c o m p r e e n d i d a e n t ã o c o m o c r i a ç ã o compartilhada: “você me levou para sinfonia dos iguais”, revela o jangadeiro à sereia, maravilhado e não cabendo mais em si.

Segundo Luis Carlos Restrepo, em O direito à ternura (1998), “a carícia é um conjunto de cerimônias que encarnam o outro”. Cerimônias, que, no livro de Marco Llobus, se configuram como autênticos ritos de consagração do amor ou, melhor dizendo, de carnavalização da existência. “O paraíso é um corpo sagrado”, afirma o jangadeiro, em um de seus melhores pescados amorosos.

Marcos Fabrício Lopes da Silva

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Jangadeiro Do Coralprosa poética

Marco Llobus

1ª EdiçãoVerão 2013

Belo Horizonte MGRede Catitu Cultural

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Llobus, MarcoJANGADEIRO DO CORAL / Marco LlobusBelo Horizonte: Rede Catitu Cultural, 2013.116 p.

1. Poesia Brasileira.1. Poesia

ISBN 978-85-63464-15-6

Marco Llobus

JANGADEIRO DO CORAL

Ilustração - Capa - Pintura de Neuza Ladeira

1ª EdiçãoRede Catitu CulturalSérie: Azuís DigitaisRevisão: Clevane Pessoa e Priscila BorgesCoordenação: Clevane Pessoa e Marco Llobus

Projeto Gráfico: Marco Llobus

Todos os Direitos Reservados

Llobus, MarcoJANGADEIRO DO CORAL - poesiaBelo Horizonte: Rede Catitu Cultural, 2013.1ª Edição, 116 p.

1. Literatura Brasileira.1. Poesia

800 COD B869.1

ISBN 978-85-63464-15-6

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Dedicado a uma dançarina ...

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“A cada um segundo as suas obras”

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(A) M A R Écapitulo 1

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também, embalado pela obra musical de Ólafur Arnaldstrilha sonora - instrumental - que recomendo para esta viagem

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numa paragem; entre os temposousei... e beijei,meu sonho e mesmo, neste movimento pendular

da possível ilusãooudeliciosa esperança, vi e vivi o trinar das asasde meu coração e mesmo,no instanteem que me furtaram a luz

já sabia

é você,

todo o meu paraíso

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palavras náufragascativam o temerário,mas a distância entre uma palma e outraacenando-oentre ventos, rastelos de tempo,perfaz a borracha em movimento a palidez borrada - não suja - porémtemerária...

qual mar que se agitanuma pequena ressaca

de frio e solidãoque comove a velade uma embarcação... a carta, navegante de garrafa,apenas baila perdidaentre correntes,ansiando pela enseadaser abraçada...

sortilégiose graça

o braço, a portao porto, o corpoo cheiro... o tocarcarícias, despedidatalvez,

chegada

areias e ampulheta... esvaem ...

miragem?

uma marola.de minhas palavras náufragas

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dois de copas

a palavra escarlateescapa do tinteiro...

é a cor leme

polvilhanuances,

duma dança

a valsa permeia passosde alegria e reencontro

roda pião, … baila rosa

a vida se fez num beijonada roubado

e que ascendeentre constelações

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porque seu corpo almame povoa os pensamentose a cada movimentote vejona esquinano sofáno relancee me pegorodopiandote buscandote querendomesmo que... sei nãonão sei...

… mas não me afaga,e não é sombra.

nem mesmo me assombra,

me entorpecenuma viagemde querer seu cheiro;nessa vontade loucade me virar pelo avessoe me perder num trago de sua boca

a minha

e enfim, ... padecer... ah,meu doce delírio

donde tá ocê?

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me perdoese a intensidadeinvade e sufoca

é seu silêncioque me machuca

me perdoese não me protejo

mas é você que me desarmae que me encanta

me perdoese me dói

essa dorque eu não quero que acabe

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mesmo que todo esse sentimentomesmo sem todo consentimentome apossar...

valeu mar

valeu...

- cantarolava uma garrafa bêbada,

náufraga,

abandonada...

ao mar.

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ao hastear a bandeira para a miragem que avistei

navegando versosque pesquei ...

e se encalheiafundeiou me perdi,

entre tantas outras almas...

é que não há comoresistir a este “in” canto

que me vale a vida inteira

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não há culpa, florse é você quem busco

não há culpa mesmo que eu não consiga me protegere simplesmenteafogar

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aquilo que cativame prendee me laça

é a saudadedaquilo que não vivi

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não se assuste

tudo que façoé por ter você em mim

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busqueie apaguei todas as pegadas

aproveitei a maré alta e dei fim à minha reentrada

recolhi as bandeiras,- aquelas que hasteei nesta pequena enseada.

com seu manto negroescondi todas as estrelas

- apenas aquelas... que sussurravam seu nome

- e as do mar?!minha doce sereia,lhe teceram um colar.

como pingente,meu coraçãofoi assim,

de presente

aproveitando essa deixarisquei dos mapas correntes, ventos... caminhos

este meu, seu segredo.

finjo calmariae aporto,

a esperança,é de te encontrar

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se resguardo o seu cantoé porque seu olhar me clama,se silencio o mundoé que sei, do que você é capazse permeio o invisívelé porque perceboas feridas abertas de uma vida,e se me calo ao relentoe não faço mais alarde de meu bravo,

é que comecei a aprendera te escutar

ah sereiasôfrego, cá fico

e você só apareceem meus sonhos,e em meus medos

ainda assimmeu dia é feliz

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sinto calafrios... quando estou pra lhe ver.

chego aos pés de pano,pra não lhe assustar

tem horaque acho,

que você me vê.

mas, quandoeu fico ali

admirado

sempretem a sua partida

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hoje lhe espereie espereie espereiconfabulei entre tramasengendrei com o vazio

percebi que ele me conhecia,e eu não sabia

calei-mecopulei pensamentose mandinguei ritos

tentei resolver essa equaçãomas ela sempre bate na porta do infinito.

meu chão d'águaboia,

meus pés friosanunciam

é hora,

deixe a noite ir

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senti o medo, o medo que há em seus olhos.não era medo da mortenão era medo de susto,era medo de ferida

e me doeu muito

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o que posso fazer florse não; usar dessa malha de palavraspara transpassar estas armaduras.

… este pequeno sopro,sobre as feridas de seu coração,tem o intento de abrir uma janela

e de lhe buscar do mare de lhe trazer de volta

assim, como me professorou Exupéry:

o que cativano coraçãotem que ter asas

nada de gaiolas

apenas compreensão.

seu cheiro é meu cheiro

uma acolhida

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ser encantado, “in” canta-me,um lampejo de seu sorrisome basta.

sou criado e homem

para todos os seus desejos

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a noite, não me deixa passar.

volto à jangadae vejo estrelas,e longe uma monção

zé's mariscos(qualquer um em questão)me fazem companhia

a marola, dessa baía é a ritmista,

desta minha solidão.

sonho, flor(e sem dormir)

e vejo-a

bailando

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o dia vem,vejo o pequeno príncipe dançando e cantando:

- doses homeopáticas

doses homeopáticas

doses homeopáticas

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indo a Fernão Capelo Gaivotavoltei-me,

distraidamenteeis, meu destino

ah meu deus...

ela chegou tão cedo

uma surpresa

frios calafriosdeságuam

num forte suspiro.

Fernão revoasua sombra,é arcoe flecha

e você exalava

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o sal da vidanossas mães terra

a porta vem.

em dois mundos se encontram,nas quatro dimensões

lá e cá.

nossas flores primáriasum prenúncio?

bênçãos?a este sonho.

minha guarita.e sua paz.

o sol.e a sombra.

tão sagradoque novamente lhe peço

bença

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cadenciava-se a chuvagotas pipocavam na areiauma, após uma...

o frio vinhae,

nadano mar

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onde baila, flor?que segredos vê?que segredos sente?quando não sei de nósserá que lembras de mim?

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minha doce miragemserei eu a miragem?de todo esse movimento?

será que já sou o fantasma?será que estou perdido entre os elos destes dois mundos?sem consciência do acontecido?

sinto o meu sanguesinto a letargia

(tem horas que acho que não respiro...)mas aí... você vem

e, em pensamentonuances e um canto,

meus calafrios.vejo me desprendendo do mundoalçando voossurfando sonhose deliciando cores

és miragem?

...não! não é!

é a minha impaciência,rogando

por sua beleza...

… ou, será a dor? meu medo?

de seu eterno silêncio

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sereia, voltepor favor...preciso te ver pelo menos mais uma vez

antes de adentrar

o mar

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e você veiotomou-mee era mais cedo

o dia em seu meioo sol escaldava,

a arrebentação ruflava

tanta luztanta vida

e você brincavafolguedos salteadorescom outra linda

e pequenasereia

era eu

- magnitudes -

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(A) M A R (É)capitulo 2

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o repuxo aos meus pés,e a areia molhada, graciosa, me suplicava:

- fica, fica...

às portas de minha perdição/decisão,a percepção da finitude em meu olhar

no horizonte, na minha vida,

e o mar...

- eu vou sereiaeu vou

o vento me saúda,e é novo, e é forte, e é tenso... e é fresco seu perfume

invade me

eu vousereia

eu vou

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no batuqueda sétima onda, emerge Wandinha...

(a herdeira do comendador Quincas Berro D'água)

nua, bela e maliciosa(- ela também tá no mar??)

desfilosa, aproxima-see teu olhar feroz e silenciosotransborda … ceticismos(- não me assusto mais, flor.)

ela vem, de rosto e corpo… quase toca me

e à minha direita, sobre meu ombro olha além...e inspira me, profundamente,

vai à minha esquerdae o mesmo

uma gota desliza de seu queixocai, escorrendo pelo meu ombro, coração, costela...

arrepios tomam-me,

num relance, frente a frenteencerra seus olhos nos meus

o medo, a dúvida, e sua vastidão, veem propagam em meu peito

feito motor de popa descontrolado e em explosão.

então ela sorri

e mar adentracalada

e indiferente

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atônitoo mar balanceava marése o tempo voava(tudo corria),eu não via.

e Quincas dá o ar de sua graça;sua face em deleiterisonha, molequeé refletida na bainha da marola

entre areias de meus pés repuxados

diz coisas...termina em palavrão

(- a única parte que entendi)

assim como veio foi-se

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e já era domingoe o vento espalhava segredos:

- ela vem,dizia ele

era preciso esperarsó um pouco

distraí a ansiedaderevivendo detalhes,de cada pequeno e furtivo encontroonde você me encantava.

medos... também,me visitaram

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esperei,e cheguei a duvidar do vento.

clamei por você várias vezese lhe chamei e chamei e chamei

até que a agonia venceu e me precipitei ao mar

… foi quando ouvi, uma cantilena

dos Açores ...

o canto, tornou-se em esperança,e eu sabia,

você viria, você chegavavocê vinha

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meu paraísoa porta,

meu coração

anjos e seres celestiais anunciavam

é ela, com seu colar de estrelas...

seu pingente, euse alegrava

a onda da primeira criaçãobanhou-me,e limpo

para você eu estava

e em sua tiara a mais linda das estrelase vinha, majestosae devagar flutuava

até que aconchegou-selado (a)lado

meu temposimplesmente

parou

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aportado no inominávelsuspenso entre taquicardias e alegrias

eu segurava as mãospés, ou qualquer outra coisa

que supostamente denunciaria, todo este meu misto

de aflição e paixão

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e você sussurrou o primeiro canto

o paraíso deu em graças

e o mar repuxado

lhe ofertou coxastornozelose pés

a perfeição.

eu e ela aportados juntos

juntos...

e meu chão tremia

(então... há esperança)

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quis tocá-la

tive medo, caso ousassetoda a realidade

evaporasse

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aívocê cantou versos que bailaram valsas, catiras e outras e outros

a imensidão de passes,paz

coroaram sua belezaem todo este meu amor

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durante uma estonteante pausavaguei em seu olhartinha que fazer algoentão

falei

(não sei, se consegui...)

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queria lhe contar aventurasvivenciar contigo,

este pequeno espasmo de eternidade

seus olhos, nos meus olhos

sendo olhos de deusa... deus

os olhos de tudo, almirante

e nada distante

onde eu, (e ela)

via, sentiaqueria

por você

eu morreria

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num falso acidenteafã do desejo,esbarrei a ponta de meu mindinho

em minha sededa sedade sua pele morna quente,(perfeita)

meu coração... encantado

extasiou-se

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acordei,de pé

aos pés do mar,

onde tudo tinha sido.

compreendi algoque ainda não sei

(e chorei)

o mar calmo, me dizia:- se vão dois dias.

sabia,(não sei como?)

é precisooferendas

a ti

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antes mesmo de pestanejar,o pequeno príncipe interveio

e, em cada uma de suas delicadas mãosuma rosa

a silenciosa, e a mais bela,(a direita) (a esquerda)

cativadas sem vaidadese livres de apego

(espinhos)

e assim, ele disse:

- leve-as.

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na licença da sétima onda

lancei-me

ao mar

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braçadas buscavam o mare durante este abraçoeu escutava a enseada, suplicando:

- fique, fique... fique.

(mas, e em meu coração, refletia: - não tenho mais aonde ...)

a arrebentação imantava meus braçostestava meu esforçoentão,

como agulha mergulhei

costurei as ondasentre as lâminas

do coral

e logo, o revoltoperdeu seu chão e o mar em sua imensidãoabriu a garganta e apenas,

ousei

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após horas,o encharque e uma dor.e na pausa de um respiraravisto Fernão

sua seta apontava: - é lá...

no fim de tudo...

o céu caladocarregava-se de algodões,onde todos, desenhavamo seu rosto fugidio,que por ora brincava de se esconderentre formas alvas e rosáceasque delicadamente

bordavam-se

de cinza

pelo fundo

azul

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então

o mar tragou o sol

e expeliu a lua

tão rápido

que eu apenas ia

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o silêncio ponderavaentre pequenas marolas e minhas poucas braçadas.

num instante de distração.avisto, pela crescente, uma outra sereia

presa entre cordas e malhas,restos de alguma embarcação.

aflita e trêmulase debatia,

no auge de toda essa agoniaa sua libertação,

custou suas duas flores,à minha mão...

reforcei numa investidamas as rosas no mar se perdiam;

e foi quando um tritãode olhar de soldadoarmado e calado

pegou-as,

e as levou

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nesta noite quando não me haviam mais forçasdeixe-me (a)boiar

e abrindo meu peito para manto negro, devolvi todas as pequenas estrelasao céu

todas elas, que sussurravam seu nome...

(uma oferenda perdida é uma oferenda ofertada)

e como anjosascenderam, cantando o seu nome

e este hino

me ninou

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sonhei que você me visitavaum sonho de criança e você estava lá,sempre nas brincadeiras

sempre, em meus sorrisos.

as dores, a velha tapuiaeram apenas palco

de seu jardim de rosas

- lado de lá -

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jubartes entoarama bossa de suas canções...

e o dia saudava,

a manhã nublada

e algodões, perambulavam por todo o céu

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mesmo na presença das gigantese de todos algodões ao céu

uma ira repentina irradiou em meu peito.

mas, da bocarra de uma das baleias

mediou Jonas:

- paciência!

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abraçado a um madeiro, (resquício “da alguma” embarcação)

avançava

hora, descansava um dos braços, noutra, apenas ia

(apenas ia)

durante as investidas adentroouvi n'águaem sua flor

a movimentação de uma sinfonia

o som urgia de todos os lugaresera de perto, era de longe

vinha como arrastão arfando em todos os espaços

melodiasreverberavam entre os nós

uma onda, de baixo tom soou

um presságio?

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tubarões passavam e repassavam

ensaiavam velocidades

... mas não me viam

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exausto,outra tarde chegatrazendo contigo Fernão,em revoadascirculares

algo vai acontecer,

... pressentia

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eis que surgi,a outra sereia, (a sereia libertada)

ela sorria, e brincava

ainda que ferida,cantou um sonho, um sonho dela.

logo, aproximou um tubarão;amistoso, instigando sorrisos.a

pequena libertadagargalhava com seus gracejos

a minha boca secado sal de uma solidão, sofreava.

e foi quando, ao ponto de fantasmaemerge da outra ponta do madeirosegurando uma garrafa,

o comendador Quincas Berro D'água

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de chapéu tortopoemas amassados e molhados

sua trôpega face, declamava:

- arranhou a louça da sanidade?

então limpe com os seus caninosas pontas de suas garras...

e, gargalhavamovendo as mãos em garrasenquanto equilibrava poemas,uma garrafa no madeiro...

a sensação era que tudo lhe escapava

e aí,

choveu

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a textura leve da chuvaamaciava o ardor da sede,

mas vazia e mal temperadaera minha boca desamada

após aplacar a secura (d'água)Quincas deu-me da garrafa;

a dose desceu,e as saudades (de você)ascenderam

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e no instante em que as melodias do martransbordavam; a chuvacetáceos,Quincas gargalhava,a pequena sereia libertada

encantada com o tubarão,

que por ora, também visitava a garrafa...

a alegria navegava.

apenas eu, o náufragoafundava

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foi quando meu braço

tocado por sua pele seda alva roxinha,seu sabor

é que percebi,

minha felicidade, tem nome...

e era euem teus olhos

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ela de adereço:

uma gargantilha,e de pingentes, uma flor ao lado do meu coração.

calada chegou

não suportei; ao mar eu já estava,então...

um beijo, lhe roubei

as estrelas riram.

Quincas me fuzilava com seu olhar,e mordiscava os lábios (zombeteiro...)

o tubarão e a sereia libertada,apenas se deliciavam, com a noite que chegava

e a chuva

chorou com delicadezaquando você apenas...

sorriu

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a graça de um solacendeu em meu peito

queria lhe roubar ali mesmo,tirar do céu, todos os algodões

lhe fazer um acolchoadoe ninar sua noite

lhe contar históriase lhe encantar do meu jeito

tudo estava perfeito,personagens à voltaseu rosto fugidio e tímidocativava a minha esperança

e fervia o sangue de meu coração em brasa

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lhe dei a mãolargando o madeiro,

você me levou para sinfoniados iguais

sereias embaladas e em ritmo,cetáceos e outros e outrasbrincavam, dançavam

um bloco de carnaval

você, a porta bandeiraagraciava a avenida mar

eu, maravilhadonão cabia em mim

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retomado ao madeiroconduzido por sua pazbrinquei brincadeiras,de pelejas e enamorados;estampidos de falsos tapas,

convergências e gracejos

transformaram-se

num beijo.

ah... esperança ancorou

iluminada, a luase espremeu por uma brechae se pôs a nos espiar totalmente encantada

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- oh, meus amores...

saudou-nos, um velho tritão em toda sua elegância de grão mestre

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e no ardor desta madrugada;nestas águas em festa,me foi permitidovisitar o recanto dos encantados.

a primeira parada

a casa da outra sereia, a pequena libertada.o tubarão que a tudo acompanhavasorria e brincava.

eu aos olhosapenas namorava

seu silêncio seus movimentossua pele

o paraíso é um corpo sagrado

e nestas terrasde outrem

minha felicidade de pernase eu

apaixonado

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findadas as foliasà hora do recanto;

deitei-me ao seu ladoe um beijo me foi dado

minha vidaem todas as suas existências

percebia pela primeira vez a sua razão.

velei seu sonocontrolei o meu

abraçado à sua pele e corponaveguei embalado em sua respiração

deliciei-me do prana... seu perfume cor

e vi um sonho que nem mesmo eu almejava

minha vida agora tem sentido

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Page 76: JANGADEIRO DO CORAL

nas peripécias deste mundo encantadodeu-se graça,minha amada, no auge de sanaras feridas de sua irmã recém libertadalevou-nos, na primeira hora deste novo diaao seu castelo...

cores e balõesflutuavam

as rosas do pequeno príncipe

a tudo perfumavam

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dali, ao castelo da rainhaonde conheci a linda d. roxinhamãe do amor de minha vida

perguntou-me sobre dotese atrevido não fugi do risco

ao finalo ar do velho mundo me chamava.

e tinha eu, visto os seus

o segredo mais próximode seu coração

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Page 78: JANGADEIRO DO CORAL

entre as deixas, de uma despedidaao acariciar seu rosto

num doce momento

que só a você cabe ceder...

um beijome foi ofertado.

a felicidadede minh'alma,

será sempre você

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acordo ao madeiro

encharcado e só...

o mar trazias suas tripulaçõese salgava as novas chagas...

o vento deste último sonhofustigou mortalmente

minha’lma

eà deriva,

novamente

estou

(miragem?)

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não havia em mim mais nenhuma resistência

e a fome deste amorme consumia a cada segundo

os algodões, diversossem o seus jogos e brincadeirasse tornaram transeuntes

por hora, ou outra

entre as calcinações deste sol da solidão

neste mar de minha vidase fez em deserto de minha peregrinação

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somente a dor me possuía,e como um vício, aplacava-me.

nem o sofrimento das feridas em minha peledoíam-me tanto, quanto a necessidadede estar contigo

numa noite, durante estes diasfui visitado por uma nova estrelafilha de pai vermelho e mãe preta

e ela (estrela) segurava aquele mesmo mindinho, e encantadasorria

pensei ser um presságiomas você não vinha

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A M A R (É)capitulo 3

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novamente a ira e o vermelho em meio peitoera eu urrando por meu desejoclamando por você meu destino.

mas...nem um sinal seunada no mare eu cá

pouco a poucoacabando

Jonas, ressurgedesta vez cavalgava o cetáceoe gritava:

- PACIÊNCIA, PACIÊNCIA, PACIÊNCIA

quis bater nele

depois, refleti:

- seria esse, o nome da baleia?

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e pelo mar, me chega uma garrafa

nela, um recado seu...em sua escrita, as falas de Jonas

rs... paciência

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e neste dia sem corpreto e branco como Sebastião Salgado,eu náufrago...um retrato desolado,

poeticamente iluminado,

e uma carta de garrafaonde você iniciava,sorrindo

ah... paciênciamãe da sabedoria

eu estou... completamente apaixonado

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e ainda

encantado pela letra com seu sorriso...

fiz prece ao vento,sussurrei seu nome

e você

veio

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como pietá, retirou me do madeirorepousando-me, em seu colo

e no calor de sua pele,no pulsar de seu coraçãoapaziguou

minha aflição

disse-me histórias,

mas não me entregava a boca

se enredou comigonuma aventura de três ilhas

falou me de seu coração,

ocupado...

até que novamente(não suportei)lhe roubei

um beijo

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lágrimas decantaram de seus olhos,e suplicando, disse:

- por favor, cuidado comigo.

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senti,

a armadilhade uma só entrada.

não vi,

onde seriaa saída

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novamente o madeiroe eu nos acordes:

da monotoniadas marolas

do suspiro,da ânsia...

de meu querer de suas mãosentrelaçando ...

as minhas

deusa, eu me entrego em suas mãos

***

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navegando e abalroando-me no mar das dúvidas

pontiagudos e silenciosos icebergs

senti

sem ti

s em t i

s e m t i

s e m t i

s e m t i

s e m t i

s e m t i

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meu deus...não tenho mais como voltarnem sei mais aonde estounão conheço mais a lua

não consigo maisme entender com as estrelas

o sol, outrora velho amigo...

agora carrasco, golpeia-me dia após dia

relembrando a dor de minha pele sem a sua

***

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um antúrionaveganteescapou das mãosda filha de Iemanjá

madrinha de minha lida,que sentida pela minha dormandou lhe ofertar

e dizia ela:

a frente é a vidao passado e velhos sentimentospor lá ficam.

e foi a sereia libertada

comovidaquem lhe entregou.

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eunáufrago de muitos diasos quais eu já não contava

desesperava

com toda essa distância.

nada... teria retorno?

nem eu

e você, minha vida?

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novamente prenúncios

ainda abalado e enfraquecidopela luta destes dias...

me fiz feliz

a ti esperava,e para todos no mar eu gritava

ela vem

como fissurarompi as doresas dúvidas, na esperançade adentrar finalmentecontigo,

por esse oceano

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esquiva e ponderadavocê surgiu,

e apenas me observava.

a distância imposta entre seus olhos e os meuseram nós...

amarras de um mar que me puxava

e na piorra de cada marola

onde sedentotudo rodava em mil voltas

e você,

se afastava

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atormentado, agarrado ao madeiro.

e com uma das mãosforçava meao seu encontro

mesmo assim,desviavae... nesta valsa dos desencontros

desesperado, lhe supliquei

- leve-me.

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e neste redemoinhodas emoções,lhe disse loucurasas minhas loucuras

disse meus sonhosmeus sonhos

disse meu sonho

e, algo feriu-a

lágrimasnovamenteteceram de seus olhos

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ainda desorientadaacolheu me

e em seus braços

sonhei, a maravilha de uma vida

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acordei,

ao madeiro eu já estava.

uma poça de sangue me seguia,minhas feridas abertasmaculavam de vermelho

o azul do mar

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passional, não me contivelarguei o madeiro e me lancei a ti

e com o resto de todas as forças que eu não tinhaembrenhei-me ao marmergulhando, nadando, lhe buscando

uma dor lancinante roubou-me o que restava de minha razão...

ao ver em seu futuroque eu não existia

avancei e avanceimas, você ia

eu lhe clamavae você...

apenas despedia

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apenas despedia...

e mais distanteficava

condenado a distancia que você me infligia;

mesmo com a levezadas marolas comovidas

percebi

a dorque ainda viria

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vagoe sem madeiro.

lhe procurandomeu par

o seu silêncio

o imposto do mar.

lembrei-me, por que um diaaos pés da enseada, chorei.

ao não acreditar naquilo que já sabia.

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ferido, desolado e perdidoentre a tentação de me afogar e não me afogar,

querendo não entregar e me entregar...

ecoou,um sussurro

ao longe

a sua doce voz:

- por favor, viva...

***

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fui retirado do coral

o rosto na águao dorso ao sol, e o sal já cristal (pó)adornava feridas,

da batata à nuca

estava quase lá...

foi um outro jangadeiro, que me encontrou.

dizia ele,não entender como poderia eunavegante de certa experiênciater quase morrido,na raseira daquele coral...

tão próximo àquela enseada.

também, como era possívelainda estar vivo, depois de tantos cortesde tanto sanguee de tantos dias...

disse-me ainda, que a mão segurava uma bela gargantilha

- pingentes, uma flor e um coração -

e a única coisa que lhe sussurreifoi seu nome:

- Juliana...

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fim~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

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Posfácio

Até onde a essência da poesia pessoal funde-se à Poesia e ao “ser-estando” do poeta, que no gerúndio acontece? Que na metáfora aparece? Que na memória padece? Que na guerra do desejo não esmorece – não enquanto houver uma pequena labareda do primeiro fogaréu? Faz-se jangadeiro, sendo mineiro. A montanha conhecida pelo mar ignoto. Atravessa as barreiras do coral, vivo e em movimento. Mergulha a jangada feita de palavras.

Acompanho a trajetória desse poeta das Minas Gerais, os voos, as andanças, agora, o navegar. Feitura no coração, alma e cabeça, esse livro é esplêndido, das marolas às ondas gigantescas. Coragem pura.

Seus achados são sempre fruto da mente criativa, inquieta. Os nomes dos capítulos, o harpejo quando fala da maré, seus ciclos e acontecências amorosas em... (A)MAR(É). Nele, são as asas que cantam (... “o trinar das asas”...) porque elas fazem voar o coração onde tatalam, disparam, tateiam. O poema é todo missiva, mensagem (...”a carta, navegante de garrafa / baila perdida entre correntes”...). E a marola do gran finale, é feita de suas “palavras náufragas”.

O ritmo característico de sua estilística, vem do repentista que conheci ainda bem novo, não dos tradicionais, com versos metrificados, mas, inovador, em derrame de palavra viva, livres versos. Acompanhei seu crescer, para frente, para o alto, quando numa humildade inconteste, mandava-me seus versos recém paridos e eu só podia deslumbrar-me e aplaudir. Assim, vi ser construído seu primeiro livro (As Dores do Indaiá nas Memórias de Tapuia), quando cada tijolo-poema era enviado in box, pela Internet, para meu deleite de madrinha.

Hoje, o poeta Marco Llobus (os dois “LL”, imposição xamânica) é referência. Com respeito, velhos poetas e poetisas, tiram-lhe o chapéu. Os novos, então!

Se no poema cito anteriormente as palavras naufragavam no mar da amorosidade ,no subsequente (“Dois de Copas”), a palavra é escarlate e tem livres movimentos. Dança, permeia passos, roda-pião – enquanto um beijo “voa por entre constelações”. Beleza fluida de imagens renovadas.

Esse poema do ósculo avoador, mineiramente é concluído, “aonde tá ocê?”.

Llobus navega versos pescados por ele mesmo, sabe da possibilidade de encalhar, afundar, perde-se, entre tantas almas na febre amorosa, mas, contido, confidencia: “é que não há como resistir a este

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“in” canto, e... que custe a minha vida inteira...”, e descobre então não haver culpa - mesmo que não queira proteger-se ou possa afogar-se.

Paixão navegável sem pudor de desnudar-se nem medo de singrar mares, apenas pelo esplendor de descobrir todos os corais. Mesmo se teve que “fingir calmaria” ao aportar – na esperança de reencontro.

Para não assustar a mulher-objeto dessa paixão – chega “com pés em pano”, para não assustá-la, nos zelos próprios de quem quer cuidar.

O confiteor dessa história de encantamento (“in” cantamento) é a jangada feita por ele mesmo, verbo ungido de palavras poéticas, e dá o tom e o ritmo de todo o livro. Uma “impaciência / rogando” pela beleza da flor eleita, sereia às vezes, que nem sempre vem, mas o porta vai.

Os elementos de suas bagagens aparecem, gaivotas e personagens, até Tritão - para acompanhar-lhe a navegação e ele segue, enquanto arde. Às vezes, vaga por dentro do olhar da amada, cujo cheiro ele próprio exala ( ...“e seu cheiro exalou-me.”), ou deixa que o seu próprio, impregne a pele dela, a ele. Erótico levíssimo.

E o sentido da vida transporta-o ao velar do sono da pessoa en/cantadora, a vida passando a ter aquela razão, o sentido. Todo ser humano tem de passar pelo processo de uma entrega plena traga ou não espinhos e mazelas, pois o alumbramento da experiência passional é sempre ponte para outros amores – se não for este mesmo impressor, pois fatos invisíveis ficarão marcados na pela da alma e nesse caso, nos dedos e na voz do poeta. Para amar, é preciso ter amado. De um tudo, a todos, e alguém particularmente.

À deriva, o poeta-dor sublima-se e então, das espumas e dos corais, nasce esse belo livro! Às vezes, com inSOLação, delira, sente-se num labirinto onde não encontra a saída. Pânico e falta-de-ar. Mas dos sonhos e dos pesadelos, todos acordam. E ouvem acordes d'anjos, que então, revelam a chave de todos os mistérios, a resposta a todas as propostas da Esfinge. Por isso, não será devorado - antes, fornece semeadura, nesse, alimento ao leitor mais - que impactuado. Se grato.

Alvissaras, Marco Llobus

Por Clevane Pessoa de Araújo LopesBelo Horizonte, 2013

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Agradecimentos,

Pela constituição desta obra:

Clevane Pessoa, Jacqueline Aisenman, Marcos Fabrício, Neuza Ladeira e Priscila Borges.

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Agradecimentos,

Por vivenciar essa história:

Andre Varogh, Cecilia Ribeiro, Gibran Muller, Grace Alves, Jaqueline Luana, Júlio Jaider, Marilene Rodrigues, Priscila Borges, Ricardo Evangelista, Sueli Silva, Thiago Araújo, Wilton Vinicius e Deus.

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MAR ADENTRO

A poesia é das formas de literatura a

mais comovente. Nela, as linhas

dançam ao som dos sentimentos e

avançam fazendo aflorar em nós tudo

que há de profundo.

E o movimento das palavras tem o

ritmo do mar, que por si só é um dos

movimentos mais poéticos que na vida

se possa encontrar: o vai e vem das

ondas, mansas ou bravias, que beijam

ou açoitam areia e pedras. Movimento

que embala o poeta e com ele se

aventura em histórias a serem contadas.

O Jangadeiro do Coral é aquela viagem

poética onde tudo, ao ler, se vive.

Poesia pura ou pura poesia? As

palavras são poesia que se sente,

emoção destilada a cada página em

versos que penetram a alma e marcam o

coração com a delicadeza que só os

poetas têm:

preciso te ver

pelo menos mais uma vez

antes de adentrar

o mar

Com Marco Llobus entramos,

navegamos, seguimos sua trilha de

letras, penetrando cada canto da beleza

poética. Nos esgueiramos num mundo

novo, nos irmanamos aos personagens.

E depois, saciados, voltamos à terra

firme mais sensíveis. Porque a ternura e

a força de suas palavras não nos deixa

impunes. Somos também personagens

do seu mar, imenso mar de poesia, no

qual é impossível deixar de mergulhar.

Jacqueline Aisenman

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JAN

GA

DE

IRO

DO

CO

RA

LM

arco Llobus

... Paixão navegável sem pudor de desnudar-se nem medo de singrar mares, apenas pelo esplendor de descobrir todos os corais. Mesmo se teve que “fingir calmaria” ao aportar – na esperança de reencontro.

Para não assustar a mulher-objeto dessa paixão – chega “com pés em pano”, para não assustá-la, nos zelos próprios de quem quer cuidar.

O confiteor dessa história de encantamento (“in” cantamento) é a jangada feita por ele mesmo, verbo ungido de palavras poéticas, e dá o tom e o ritmo de todo o livro. Uma “impaciência / rogando” pela beleza da flor eleita, sereia às vezes, que nem sempre vem, mas o porta vai.

Os elementos de suas bagagens aparecem, gaivotas e personagens, até Tritão - para acompanhar-lhe a navegação e ele segue, enquanto arde. Às vezes, vaga por dentro do olhar da amada, cujo cheiro ele próprio exala ( ...“e seu cheiro exalou-me.”), ou deixa que o seu próprio, impregne a pele dela, a ele. Erótico levíssimo.

E o sentido da vida transporta-o ao velar do sono da pessoa en/cantadora, a vida passando a ter aquela razão, o sentido. Todo ser humano tem de passar pelo processo de uma entrega plena traga ou não espinhos e mazelas, pois o alumbramento da experiência passional é sempre ponte para outros amores – se não for este mesmo impressor, pois fatos invisíveis ficarão marcados na pela da alma e nesse caso, nos dedos e na voz do poeta. Para amar, é preciso ter amado. De u m t u d o , a t o d o s , e a l g u é m particularmente. ...

Clevane Pessoa de Araújo Lopes

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