IV Seminário Qualidade dos Serviços de Acolhimento de ... Sem_Inter_2017/1. Jane Valente...

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JANE VALENTE Assistente Social Dezembro 2017 AS RELAÇÕES DE CUIDADO E DE PROTEÇÃO NO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO EM FAMÍLIA ACOLHEDORA (Resultado da tese de doutorado sob orientação da Profa.Dra . Myrian Veras Baptista, PUCSP 2013) IV Seminário Qualidade dos Serviços de Acolhimento de Crianças e Adolescentes: o direito à convivência familiar e comunitária NECA

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JANE VALENTEAssistente SocialDezembro 2017

AS RELAÇÕES DE CUIDADO

E DE PROTEÇÃO NO

SERVIÇO DE ACOLHIMENTO

EM FAMÍLIA ACOLHEDORA

(Resultado da tese de doutorado sob orientação da Profa.Dra. Myrian Veras Baptista, PUCSP

2013)

IV Seminário Qualidade dos Serviços de Acolhimento de Crianças e

Adolescentes:

o direito à convivência familiar e comunitária NECA

De onde Falo?

• Assistente Social, servidora pública

• Especialista em Violência Doméstica contra a Criança e o

Adolescente pelo LACRI USP.

• Formação em Atendimento a Casal e Família pela Psiquiatria

Médica da UNICAMP. Terapeuta Familiar pelo ITFC.

• Mestre e Doutora em Serviço Social - PUC São Paulo.

• Membro do Grupo de Trabalho Nacional Pró convivência familiar

e comunitária, desde 2005.

• Consultora da Rede Latinoamericana de Acolhimento Familiar

(RELAF) desde 2005.

• Secretária Municipal de Assistência Social e Segurança Alimentar

da Prefeitura de Campinas no período de 2013 a Agosto de 2017.

• Formação em Liderança Executiva para a Primeira Infância,

Harvard, FMCSV e Insper, 2017.

Autora do livro:

Família Acolhedora: Relações de

Cuidado e de Proteção no Serviço de

Acolhimento, Paulus Editora, 2014

(resultado da tese de doutorado).

O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora

É aquele que organiza o acolhimento de crianças e adolescentes,

afastados da família por medida de proteção, em residência de

famílias acolhedoras cadastradas.

É previsto até que seja possível o retorno à família de origem ou, na

sua impossibilidade, o encaminhamento para adoção. O serviço é

o responsável por selecionar, capacitar, cadastrar e acompanhar

as famílias acolhedoras, bem como realizar o acompanhamento

da criança e/ou adolescente acolhido e sua família de origem.

(Tipificação de Serviços Socioassistenciais, 2009)

Entende-se aqui por FAMÍLIA ACOLHEDORA aquela que

voluntariamente tem a função de acolher em seu espaço

familiar, pelo tempo que for necessário, a criança e/ou o

adolescente que, para ser protegido, foi retirado de sua família,

respeitando sua identidade e sua história, oferecendo-lhe todos

os cuidados básicos mais afeto, amor, orientação, favorecendo

seu desenvolvimento integral e sua inserção familiar,

assegurando-lhe a convivência familiar e comunitária.

Valente, in Rizzini 2006:61

FAMÍLIA ACOLHEDORA

Essa modalidade de atendimento reflete o compromisso de

possibilitar às crianças e aos adolescentes em medida

protetiva:

• uma atenção familiar mais individualizada

•a convivência em comunidade, dando-lhe a

oportunidade de usufruir de suas relações e de seus

recursos.

Junto a isso soma-se o compromisso de garantir:

• a transitoriedade da medida

•intenso trabalho com a sua familia de origen e ou extensa

•visando o retorno protegido ao convivio com as mesmas.

Perspectiva de trabalho forma inovadora e comprometida com os

direitos de cidadania:

• necessário a identificação da demanda

• construção de um modelo operativo comprometido com o rigor

conceitual e metodologico

O primeiro desafio a ser enfrentado?

•uma cultura consolidada de institucionalização

A operacionalização desse serviço deve incluir:

• a preocupação com a qualidade no atendimento como serviço

público

• ser perseguido em seu processo de gestão e, principalmente, na

sua inovação como política de atendimento individualizado e

diferenciado, no conjunto da sociedade civil e do Estado.

Essa operacionalização em si, ao envolver todo o conjunto da

sociedade, opera no processo da criação de uma cultura que

envolve um novo fazer na área social.

Principais estratégias :

• uma ação política de ativação da rede de atendimento

• legislação vigente: a utilização das leis e das normativas

municipais, nacionais e internacionais como suporte na exigência

de direitos.

• Intenso e contínuo trabalho de disseminação e compartilhamento

de ações corresponsabilizadas com todos os orgãos e serviços que

compõem o Sistema de Garantia de Direitos.

Nos cuidados devidos à equipe

•ação compõe uma trama complexa, a atenção também precisa ser

complexa.

• manter uma atitude proativa na operação das ações de cuidados

que elas próprias desenvolvem e permaneçam aptos para toda a

articulação e todo o fortalecimento necessários

•Inclui reuniões com objetivos diversos (construção de metodologia,

reflexão, discussões de planos de atendimento, supervisão, cuidado,

gestão, entre outros)

O processo de divulgação

•deve ser constante

•sensibilizar e mobilizar a sociedade para a adesão à proposta

•construção de uma cultura de acolhimento familiar.

Essa divulgação inclui ações:

•privilegia a clareza dos seus objetivos na relação com a comunidade.

•demanda local é o eixo norteador no desenho das estratégias de

comunicação.

O trabalho em rede como principio metodológico

•forte articulador e mobilizador da proteção integral.

•provoca os profissionais que, por si só, provocam-se uns aos

outros.

O atendimento da criança e do adolescente dentro dessa

metodologia implica na sua inserção em vários espaços

protetivos, articulados no sentido da corresponsabilização.

Devem ser desenvolvidas várias pequenas ações que, no

conjunto, compõe a proteção integral.

O Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, ao exercer o

seu papel protetivo, favorece não só a convivência familiar, mas

também, de uma forma muito especial, a comunitária

Ele provoca um sentimento diferenciado e particular nos

indivíduos envolvidos no acolhimento e, também, nos vizinhos, nos

membros da família extensa, na escola, nos grupos religiosos, nos

demais serviços e espaços que a criança e o adolescente

passarão a frequentar.

O acolhimento familiar, além de provocar a comunidade de

forma individual, provoca também uma reflexão sobre as

situações que envolvem as crianças e suas famílias no contexto

social.

Convivência comunitária

Pode-se inferir que a convivência familiar oferecida a partir de um Serviço

de Acolhimento em Família Acolhedora atende importantes aspectos

inscritos no necessário desenvolvimento humano:

É possível compreender que a política pública precisa repensar a prática

oferecida às crianças e adolescentes inseridos nos serviços de

acolhimento institucional, para que o direito possa ser exercido para além

das necessidades de alimentação, de moradia, de vestuário, e atingir o

necessário desenvolvimento expresso a partir do cuidado e da proteção,

com vistas ao exercício do pertencimento social, que se inicia no reduto

da convivência doméstica.(*)

Famílias acolhedoras

É evidente que no momento da primeira procura dessas famílias

para a participação na proposta de acolhimento, é comum existir

um impulso de solidariedade focada nas necessidades das crianças

e dos adolescentes.

Percebeu-se que esse impulso inicial vai se transformando em

compromisso social desde a primeira formação.

Construção de sujeitos politicos, sujeitos coletivos!

(*)

Crença na possibilidade de mudança do ser humano

•pode-se localizar argumentos que investem na crença da

possibilidade de mudança do ser humano, frente ao oferecimento

de proteção e cuidado.

•essa crença mobiliza a todos e os motiva para a construção de

uma cidadania plena.

Esses cuidados estão relacionados ao âmbito afetivo, e inscrevem-

se no campo da ética, intimamente articulada à ética da justiça.

Na medida em que se ampliam os âmbitos de compreensão e de

explicação dos fenômenos sociais, amplia-se também o âmbito

possível e necessário de intervenção.

A construção do sentido de pertencimento das crianças e dos

adolescentes está muito presente na relação com indivíduos que lhes

ofereçam segurança e oportunidade para uma continuidade de

experiências.

O papel da família e dos serviços inclui a sua iniciação no mundo

público, possibilitado pela sua convivência, a mais segura possível, na

comunidade.

A comunidade pode oferecer a completude do sentido de ser

humano: as experiências com outros costumes e modos de ser, o saber

esperar, o viver coletivo, a vivência social e política.

A comunidade para a criança é tão importante como a família, pois é

nela que a sua formação se completa.

Tanto os tratados nacionais como os internacionais asseguram as duas

prerrogativas maiores que a família, a sociedade e o Estado devem

conferir à criança e ao adolescente para operacionalizar a garantia

dos seus direitos: cuidados e proteção.

As crianças e os adolescentes, por estarem em situação peculiar de

desenvolvimento, têm necessidade de proteção e de cuidados

especiais, antes e depois de seu nascimento.

Eles são seres essencialmente autônomos, mas com capacidade

limitada de exercício da sua liberdade e dos seus direitos,

necessitando para isso, de adultos cuidadores.

Serviços dessa natureza devem se apresentar como:

• uma ação do Estado que tem intencionalidades,

•diretrizes, que se desenvolvem a partir de metas,

•com previsão de processos de operacionalização,

•com metodologia condizente às ações suscitadas em uma

proteção especial e com resultados medidos a partir de

indicadores.

O compromisso deve levar os sujeitos envolvidos a:

• assumirem sua condição de sujeitos políticos,

•centrando-se com maior intensidade na busca do reconhecimento

e da efetivação dos interesses das crianças e dos adolescentes

acolhidos e de suas famílias,

•ampliado para um reconhecimento da validade de uma luta pela

efetivação desse tipo de ação ao nível da sociedade.

LIÇÕES APRENDIDAS À PARTIR DA PESQUISA

A família de origem ao chegar no serviço de família acolhedora,

inicialmente apresenta muito medo e insegurança

Sua fala mostra que no decorrer do processo sente-se partícipe, passa

a sentir-se respeitada... Diversos relatos

Ficou evidente a relação de parceria entre a família acolhedora e os

profissionais do serviço.

•Mas ficou claro também o quanto a equipe técnica precisa manter o

seu papel atento a cada acolhimento.

•A família acolhedora pode ser a mesma, mas ela reage de forma

diferente a cada nova experiência de acolher.

• Mesmo que a aprendizagem cotidiana, obtida a partir dos diversos

acolhimentos, revele consequente maturidade, cada acolhimento

“mexe” de forma diferente com cada membro da família

acolhedora.

O acolhimento exige um olhar atento dos profissionais,

para que o ambiente seja propício ao atendimento dasnecessidades da criança e do adolescente e, ao mesmo

tempo, cuide para que as pessoas envolvidas no

acolhimento estejam bem.

Os espaços de escuta individuais e coletivos

•apresentados como apoio para toda e qualquer situação que

envolva as relações interpessoais.

•o acolhimento de uma criança e de um adolescente altera a

dinâmica familiar e, de maneira particular

•São situações inerentes ao processo de acolhimento familiar: e os

profissionais precisam estar atentos e abertos para que discussões que

envolvem problemas nas relações familiares – tanto das famílias de

origem quanto das acolhedoras e das crianças e dos adolescentes

acolhidos e acolhedores – possam ser reveladas e trabalhadas, pois

disso depende o bom resultado a ser alcançado na ação de

acolhimento

A voz da criança e do adolescente precisa ser a expressão do cuidado

e da proteção de adultos que a consideram um ser em condição

peculiar de desenvolvimento, merecedor de toda a proteção da

família, do Estado e da sociedade.

• Essas questões precisam ser levadas em consideração no trabalho

profissional

• Deve-se procurar trabalhar com a família e com a rede de serviços

de proteção, criando condições para o envolvimento delas nas

decisões e ações necessárias durante todo o processo

•As crianças e adolescentes podem e devem ser ouvidas sobre as

situações de sua própria vida.

As crianças e adolescentes podem e devem ser ouvidas sobre as

situações de sua própria vida.

Sinclair (apud Hek 2010) sugere que a visão da criança deve ser

levada mais em consideração quando se pensa no

desenvolvimento de Serviços de Acolhimento Familiar.

Isso não significa que as crianças sempre sabem o que é melhor

para elas em determinados momentos, mas elas têm opiniões

muito claras, que podem ser usadas para ajudar a pensar em

maneiras pelas quais o acolhimento familiar pode ser mais bem

aplicado ou desenvolvido.

Pesquisa recente (www.fazendohistoria.org.br)

Pesquisa intitulada Projeto de Intervenção Precoce em Bucareste

(Bucharest Early Intervention Project) Romênia. Teve início em 2001

e foi o primeiro estudo na área da assistência social que focou nos

efeitos de diferentes formas de acolhimento na vida de crianças.

Professores Charles Nelson da Universidade de Harvard e Nathan

Fox da Universidade de Maryland em recente visita ao Brasil

explanaram sobre a Pesquisa onde puderam comparar o

desenvolvimento de crianças

• vivendo em instituições de acolhimento,

• crianças vivendo em famílias acolhedoras

• crianças que nunca tinham sido institucionalizadas.

A cidade de Bucareste foi selecionada para este estudo, pois o presidente quegovernava o país, chamado Ceausescu, lançou em 1966 um decreto com diversasmedidas para estimular a natalidade na Romênia. As medidas acabaram levandoa um grande aumento da natalidade, o que fez com que em longo prazo houvesseum número muito alto de crianças em situação de abandono.

Acolhimento de crianças no mundo:

Atualmente há mais de 100 milhões de crianças e adolescentes em

situação de abandono, negligência, violência e orfandade, sendo

que entre 2 e 8 milhões estão acolhidos em abrigos.

A constatação de que uma instituição não é o melhor ambiente

para o crescimento e desenvolvimento de uma criança é antiga:

Em 1915, estudos mostravam que as melhores condições para o

desenvolvimento de bebês e crianças estavam diretamente

relacionadas à possibilidade de crescerem em uma casa junto à

figura de uma mãe.

Quanto maior o afastamento dessas necessidades vitais no início da

vida, maior seria o fracasso em obter resultados adequados para as

crianças acolhidas.

Foram examinadas mais de 180 crianças, destas foram selecionadas:

136 meninos e meninas que estavam acolhidos e que tinham entre 6

e 31 meses (idade média = 20 meses).

Dessa população, 68 crianças foram aleatoriamente designadas

para permanecer em instituições e 68 foram aleatoriamente

designadas para serem acolhidas por uma família nos moldes de um

acolhimento familiar. Ainda havia um grupo controle de 72 crianças

não-institucionalizadas.

Após avaliação basal, as crianças foram avaliadas de forma

abrangente aos 9, 18, 30 e 42 meses. Também foi realizada uma

avaliação limitada aos 54 meses e extensas avaliações foram

realizadas aos 8 e 12 anos, sendo que a avaliação aos 16 anos está

em andamento.

A pesquisa possibilitou um estudo aprofundado de diferentes

dimensões do desenvolvimento humano, tais como:

o desenvolvimento físico, linguagem, funcionamento social/emocional,

cognição, inteligência, temperamento, capacidade de se vincular a um

adulto, função cerebral, anatomia do cérebro, função autonômica

(cardiovascular/ cortisol), genética/epigenética e psicopatologia.

Após inúmeras avaliações das crianças envolvidas no estudo, os

pesquisadores chegaram a algumas das seguintes conclusões:

Aos 54 meses, verificou-se que a institucionalização precoce levou

a profundos déficits e atrasos nos comportamentos cognitivos (QI)

e socioemocionais (ex. capacidade de se vincular).

Houve uma incidência extremamente elevada de transtornos

psiquiátricos e foram constatadas diferenças na atividade elétrica

cerebral

Apesar da família acolhedora mostrar-se mais efetiva no

desenvolvimento das diferentes dimensões estudadas, para

domínios específicos de atividade neural, linguagem, cognição e

funcionamento sócio emocional parecem haver períodos

(idades) sensíveis que regulam a recuperação. Embora os

períodos sensíveis para a recuperação variem, os resultados

sugerem que o ideal é que a criança seja colocada em uma

família adotiva (quando for o caso) antes da idade de 2 anos;

Aos 8 anos, as crianças que permaneceram em instituições de

acolhimento continuaram apresentando atrasos profundos em

quase todos os domínios do estudo. Porém, as crianças que

passaram pela família acolhedora tiveram resultados muito

semelhantes às crianças nunca institucionalizadas (comunidade).

Para domínios específicos de apego, responsividade emocional,

transtornos de ansiedade e QI,as crianças colocadas em regime

de acolhimento estão situadas no ponto médio entre as crianças

que permaneceram em acolhimento institucional e as crianças

da comunidade.

Uma casa é, felizmente, o lugar de lugares conhecidos, da

estabilidade, da rotina, da repetição, da mesmice.

Um lugar onde voltamos para nós mesmos, depois da dispersão e da

diversidade do dia. Um lugar onde nos recolhemos para descansar e

sonhar; para cuidar de nós mesmos [...] a casa de um homem não é

apenas algo de que ele tem a chave e a posse, mas o elemento que

marca qual o lugar que ele ocupa na cidade (no bairro, no

condomínio).

A moradia de um homem referenda seu pertencimento à cidade e sua

cidadania e, portanto, os direitos e os deveres que ali lhe competem.

(Critelli, 2003)

Obrigada!

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