Islamismo

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ISLAMISMO Introdução A palavra Islã, que significa literalmente "submissão", ilustra a principal idéia da religião muçulmana: o fiel aceita submeter-se à vontade de Deus (Alá), criador do mundo, onipotente e onisciente. O Islã, ou religião islâmica, foi fundado por Maomé no século VII da era cristã e encerra elementos do judaísmo e do cristianismo. Os muçulmanos consideram Maomé o último de vários profetas -- Adão, Abraão, Moisés e Jesus, entre outros -- e afirmam que somente a mensagem transmitida a ele por Deus se conserva intacta, enquanto os demais livros sacros sofreram deteriorações e mutilações ao longo dos tempos. O islamismo não pode ser considerado apenas uma doutrina religiosa, pois legisla, ao mesmo tempo, sobre a vida interior, política e jurídica da comunidade -- da mesma forma que o judaísmo e o hinduísmo. Levado por conquistadores e mercadores árabes, o Islã difundiu- se rapidamente por uma imensa área geográfica, que em certa época chegou a se estender da Índia até a península ibérica. Atualmente é uma das religiões mais difundidas no mundo.

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Descrição e história do islamismo

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ISLAMISMO

Introdução

A palavra Islã, que significa literalmente "submissão", ilustra a principal idéia da religião muçulmana: o fiel aceita submeter-se à vontade de Deus (Alá), criador do mundo, onipotente e onisciente.

O Islã, ou religião islâmica, foi fundado por Maomé no século VII da era cristã e encerra elementos do judaísmo e do cristianismo. Os muçulmanos consideram Maomé o último de vários profetas -- Adão, Abraão, Moisés e Jesus, entre outros -- e afirmam que somente a mensagem transmitida a ele por Deus se conserva intacta, enquanto os demais livros sacros sofreram deteriorações e mutilações ao longo dos tempos. O islamismo não pode ser considerado apenas uma doutrina religiosa, pois legisla, ao mesmo tempo, sobre a vida interior, política e jurídica da comunidade -- da mesma forma que o judaísmo e o hinduísmo. Levado por conquistadores e mercadores árabes, o Islã difundiu-se rapidamente por uma imensa área geográfica, que em certa época chegou a se estender da Índia até a península ibérica. Atualmente é uma das religiões mais difundidas no mundo.

A Caaba, em Meca, centro físico da fé islâmica.

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História do Islã

O estudo das divisões dinásticas e políticas convencionais do Islã permite retratar como os muçulmanos, ao longo de 14 séculos, conquistaram novos povos e construíram uma civilização e religião internacional.

O Islã foi fundado no século VII da era cristã, na Arábia, por Maomé, como uma religião monoteísta que enfatiza a adesão rigorosa a certas práticas religiosas. A religião muçulmana, assentada na escritura sagrada, o Alcorão, converteu-se numa força unificadora de diversos povos, a partir do elemento original árabe. O império que se formou em virtude da expansão muçulmana pelo Oriente e Ocidente não foi apenas árabe, tampouco teve uma tendência religiosa única. Apesar de criadas diversas facções e seitas, o sentimento de coesão do mundo muçulmano não diminuiu. Essa coesão baseou-se no monoteísmo e na prática religiosa, regedora também da vida civil e da justiça, e principal impulsionadora da expansão territorial, da pregação e da guerra santa.

Maomé e a origem do islamismo. Político talentoso, chefe militar e legislador, Maomé, fundador da religião muçulmana e

do império árabe, teve na religião sua área de interesse privilegiado. Abulqasim Mohamed ibn Abdala ibn Abd al-Mutalib ibn Hashim, Maomé (ou, nas

formas tradicionais portuguesas, Mafoma, Mafamede) nasceu em Meca, na atual Arábia Saudita, provavelmente no ano 570 da era cristã. O nome Maomé significa "altamente louvado". Pertencia ao clã dos Hashim (Banu Hashim), um dos ramos da tribo dos coraixitas (Qoreish, Quraish ou Qoraish), guardiã da Caaba, templo nacional do povo árabe. Os dois clãs em que se subdividia a tribo dos coraixitas -- os hachemitas e os omíadas -- ocupavam todas as posições importantes da comunidade desde 440, mas os primeiros aos poucos perderam a fortuna e a influência. Órfão muito cedo, Maomé foi criado primeiramente pelo avô paterno, Abd al-Mutalib, e mais tarde pelo tio, Abu Talib, coletor de impostos e mercador, que o iniciou nas artes do comércio. Aos 25 anos, já com a reputação de comerciante honesto e bem-sucedido, casou-se com a rica viúva Cadidja, 15 anos mais velha do que ele. O matrimônio durou até a morte de Cadidja, vinte anos depois.

A Arábia politeísta do tempo de Maomé sofria várias influências externas, tanto do cristianismo de Bizâncio como das idéias religiosas judaicas, abissínicas e persas. Meca era um importante e próspero centro comercial e religioso, que abrigava na Caaba os ídolos de todas as tribos da península e os deuses da religião de todos os chefes de caravana que ali passavam. Cultuavam-se ali mais de 360 deuses. Preocupado com a idéia de restabelecer a religião monoteísta de Abraão (Ibrahim, em árabe), Maomé teria tido uma visão do arcanjo Gabriel, que lhe revelou a religião que deveria professar. As revelações teriam se repetido durante toda a vida do profeta e logo começaram a ser registradas por escrito. Por volta do ano 650, Maomé formou com elas o Alcorão (ou Corão), livro sagrado muçulmano. A nova religião foi chamada islamismo ou Islã, que significa "submissão à vontade divina", e seus adeptos, muçulmanos, "os que se submeteram".

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Monte Hira, onde as mensagens foram reveladas.

Início da pregação. Nos primeiros tempos, a pregação de Maomé dirigiu-se a reduzido número de amigos e parentes. Só depois, por volta de 615, ele tornou pública sua mensagem relativa à existência de um deus único e todo-poderoso, chamado em árabe Alá, de quem se intitulava mensageiro ou profeta. Os omíadas cedo perceberam que os novos ensinamentos monoteístas representavam uma ameaça a sua hegemonia política e econômica e um perigo social. Maomé e seus seguidores foram perseguidos e os membros de seu clã, os hachemitas, submetidos a pressões. Muitos muçulmanos foram obrigados a fugir para a Etiópia. O próprio Maomé refugiou-se no deserto, num castelo pertencente a Abu Talib. Em 617 ou 619, o chamado "ano do luto", morreram Cadidja e Abu Talib.

Hégira e Medina. Pouco depois, Maomé recebeu um convite para fazer de Yathrib, cidade localizada ao norte de Meca, a sede de seu apostolado. Pelo pacto de Aqaba, as tribos de Yathrib aceitavam a fé muçulmana e reconheciam Maomé como seu líder religioso e militar. Iniciou-se, a partir de então, a migração gradativa dos adeptos da nova religião residentes em Meca para Yathrib. O deslocamento só terminou com a chegada do profeta à cidade, em 25 de setembro de 622. O ano da Hégira ("saída" ou "fuga") tornou-se o ponto inicial da cronologia maometana. A cidade de Yathrib passou então a chamar-se Medina (Madinat an Nabi, isto é, Cidade do Profeta).

Nesse mesmo ano, o Islã afirmou-se não só como religião, mas como comunidade organizada. Maomé estabeleceu a constituição medinense e insistiu no dogma da guerra santa (jihad). Das três batalhas contra Meca, perdeu apenas a segunda. Nessa época, já resolvera dar a maior difusão possível à nova fé, com o que surgiu a idéia do pan-islamismo. Muitos árabes

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e alguns judeus abraçaram a nova religião. Aos que a repeliram, Maomé declarou guerra e obrigou os vencidos a aceitar a nova fé ou pagar tributos especiais.

Meca. O objetivo seguinte era a conquista de Meca. Maomé recorreu à diplomacia e declarou seu intento de manter a peregrinação anual a Meca como um dos rituais básicos do islamismo. Conversações entre as duas partes tiveram como resultado o Tratado de Hudaibia, que punha fim às hostilidades e autorizava os muçulmanos a peregrinar a Meca no ano seguinte. Declarou-se uma trégua de dez anos, que Maomé aproveitou para fortalecer sua posição e aumentar o número de seus adeptos.

Em 630, Meca violou o pacto de Hudaibia, ao apoiar uma tribo que atacara um grupo de simpatizantes do profeta. Maomé valeu-se desse pretexto para avançar sobre a cidade, à frente de um exército de dez mil homens, e apoderar-se dela. Demonstrando mais uma vez grande visão política, o profeta manteve a peregrinação anual e o caráter sagrado da Caaba -- embora tenham sido destruídos os inúmeros ídolos pagãos adorados em Meca -- e agiu com magnanimidade ao perdoar os rebeldes.

No auge de seu poder, Maomé passou a receber diversos representantes tribais que vinham solicitar aliança e pagar tributo. Constituiu-se uma federação de tribos, embrião do estado islâmico, e o profeta dirigiu a unificação do povo árabe. Maomé voltou a Meca no início de 632 e dirigiu pessoalmente a peregrinação. De volta a Medina, morreu em 8 de junho de 632, sem haver nomeado um sucessor.

Primeiros califas Maomé não deixou herdeiro varão nem estabeleceu regras a respeito de sua sucessão.

Tudo isso engendrou uma crise política que se resolveu com a eleição, como primeiro califa, de Abu Bakr, encarregado por Maomé de dirigir a oração. Antes de morrer, Abu designou seu sucessor, Umar, que foi assassinado dez anos mais tarde, em 644. Depois dele, Uthman, da dinastia omíada, ocupou o califado até 656, ano em que foi assassinado. Finalmente, Ali, primo e genro de Maomé, assumiu o poder.

Com os quatro primeiros califas, o Islã iniciou sua expansão. Primeiro, conseguiu a pacificação da península arábica e a eliminação dos falsos profetas. O principal objetivo das conquistas muçulmanas eram a pregação e a propagação da fé. Síria, Mesopotâmia, Pérsia, Egito e Cirenaica foram as primeiras regiões conquistadas. Realizaram-se também incursões na Anatólia, nas ilhas do mar Egeu, no norte da África e na Armênia. A conquista árabe não seguiu um plano estratégico de grande alcance; foi antes um movimento natural das tribos árabes acostumadas ao nomadismo -- e agora também levadas pelo desejo de converter os povos à nova fé --, em direção aos territórios habitados por populações agrícolas e sedentárias.

Califado omíada A dinastia omíada começou em 661, com Moawia I, e terminou em 750. A capital

mudou de Medina para Damasco, onde os omíadas criaram uma autêntica realeza árabe ao adotarem o princípio dinástico, pelo qual, antes de morrer, cada califa designava como herdeiro seu filho -- o que rompia a tradição dos primeiros sucessores de Maomé. Os omíadas transformaram a antiga organização tribal em monarquia centralizada. O sistema administrativo e fiscal que instauraram propiciou um grande enriquecimento do império e

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favoreceu a islamização, pois os súditos não muçulmanos dos territórios anexados tinham que pagar impostos maiores que os convertidos à nova fé. A dinastia omíada impulsionou a arquitetura muçulmana e criou as grandes mesquitas de Damasco, Medina e Jerusalém. O império muçulmano do primeiro século da hégira era fundamentalmente árabe e estava unido pela revelação corânica. Os omíadas integraram os sírios convertidos e permitiram que participassem da organização estatal. O povo conquistado aprendeu rapidamente o árabe -- que chegou a ser sua língua oficial -- e converteu-se ao Islã (muitos eram cristãos). Durante os cem anos que durou a dinastia omíada, os califas tiveram que enfrentar inúmeras dificuldades de ordem interna. Além do antagonismo entre a Arábia do norte e a do sul, lutaram contra os caridjitas e contra um partido que agrupava muitos descontentes que pretendiam devolver o centro do poder à Arábia. Mesmo assim, criaram as bases da grande civilização muçulmana. Nesse período, começaram a desenvolver-se as ciências jurídicas e teológicas, que, mais tarde, durante a dinastia abássida, alcançariam seu esplendor máximo.

No que se refere à expansão das fronteiras do Islã, os omíadas conseguiram a maior extensão territorial alcançada pelo império muçulmano. Chegaram à Tripolitânia, conquistaram o Maghreb e dominaram o norte da África entre os anos 697 e 707.

Invadiram e conquistaram a península ibérica e chegaram à França, onde foram detidos na batalha de Poitiers por Carlos Martel, em 732. No Oriente, conseguiram dominar Pérsia, Afeganistão, Transoxiana e o Turquestão chinês e penetraram pelo norte da Índia em Sind, Punjab e Ode. O Islã, nessa época, estendia-se das fronteiras da China ao oceano Atlântico.

O povo árabe, praticamente desconhecido na antiguidade, havia imposto seu domínio sobre uma enorme extensão geográfica e transmitido aos povos conquistados sua religião e sua língua.

Nas províncias imperiais, os cristãos e judeus eram considerados cidadãos de categoria social inferior em relação aos muçulmanos, mas reconhecidos como crentes e chamados "povos do Livro", noção que abrange todos os povos detentores de uma escritura sagrada. Por extensão, incluíram-se entre eles os zoroastristas da Pérsia. Os súditos não eram obrigados a converter-se ao Islã, mas apenas a submeter-se ao direito penal e civil islâmico. Os conflitos internos que afetaram diretamente o califado omíada deveram-se fundamentalmente ao confronto com as tendências que condenavam o abandono das primeiras tradições do Islã. Nesse contexto, os xiitas organizaram-se como um forte grupo de oposição ao poder omíada, por eles considerado ilegítimo. Os primeiros califas souberam enfrentar esses movimentos. Em 680, Yazid I sufocou a rebelião de Hussain, filho de Ali, que foi transformado em mártir pelos xiitas. Depois do califa Walid I (705-715), que levou o império a sua expansão máxima, as desavenças se agravaram e o poder da dinastia declinou. Os rebeldes de Khorasan e do Iraque conseguiram vencer a dinastia omíada em agosto de 750, quando foi derrotado o califa Marwan II. Apenas um dos membros do império, Abd al-Rahman I, conseguiu fugir e fundou a dinastia omíada de Córdoba, na Espanha. Abu al-Abbas proclamou-se o novo califa.

Califado abássida A dinastia abássida mudou a sede do império para o Iraque e situou a capital em Bagdá.

Os abássidas, e o importante contingente de persas em que se apoiavam, transformaram-se em restauradores da tradição islâmica, supostamente traída pelos omíadas. Reforçaram o poder teocrático do califa e deram mais pompa ao cerimonial da corte. O êxito da conspiração que

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havia levado a dinastia ao poder determinou, nos primeiros tempos, uma atitude tolerante quanto à diversidade de elementos étnicos e culturais que sustentava. O califado sofreu grande influência da civilização persa, que adotou o sistema muçulmano em suas estruturas e regras, de modo bastante superficial. Em consonância com a tradição persa, o direito divino do monarca fortaleceu-se e o sistema político islâmico alcançou seu perfil definitivo. O novo califado assumiu o papel de defensor da fé, mais forte e menos questionado, já que não existia uma hierarquia religiosa reconhecida.

A designação do califa assegurava-se, em princípio, pela escolha de um herdeiro entre seus filhos. A época de esplendor correspondeu ao reinado de Harun al-Rashid, no período compreendido entre os anos 750 e 833. Bagdá transformou-se em importante centro cultural, o que representou o desenvolvimento pleno da civilização cortesã e urbana do Islã. As ciências e as letras passaram por extraordinário desenvolvimento, e muitas vezes incorporaram aspectos de outras culturas, como a indiana, a greco-latina e a persa. Também prosperou a atividade econômica, baseada na manufatura de sedas, tapetes, telas bordadas e papel reciclado de tecido (técnica proveniente da China), e nas transações comerciais entre Oriente e Ocidente.

A criação dos vizirados, no período anterior, possibilitara uma certa descentralização do poder imperial concentrado no califa, que passou a contar com emissários e delegados. O testamento de Harun al-Rashid estabeleceu a ordem de sucessão ao trono e abriu caminho à divisão efetiva do império. Após sua morte, em 809, as ambições pessoais fracionaram o Islã em principados mais ou menos autônomos. A luta entre dois dos filhos de Harun al-Rashid levou ao assassinato do califa al-Amin, de linhagem árabe, em 813, e conduziu ao poder al-Mamun, de mãe persa.

Com o reinado de al-Mamun, os árabes desapareceram da cena política. Prevaleceu ainda mais a influência dos persas, e sua cultura impregnou todos os aspectos da vida de Bagdá. Também foi ganhando importância o número de soldados turcos recrutados na Ásia central para o exército islâmico. Esses mercenários tiveram influência ainda maior que a dos árabes, a ponto de modificar o poder político do Islã. Os mercenários turcos da guarda do califa e seu chefe, o "emir dos emires", governaram Bagdá mas permitiram que o califa mantivesse seu prestígio espiritual.

A esse avanço do poder turco no império somaram-se as tensões sociais provocadas pelo desequilíbrio resultante do desenvolvimento econômico desigual. As classes baixas, afundadas na miséria, aderiram aos programas extremistas das seitas xiitas, que provocaram diversas revoltas nos dois últimos anos do século IX e nos primeiros do século X. A devastação da Síria e do Iraque por parte dos bandos chamados cármatas e a sublevação de camponeses e artesãos propiciaram a constituição do estado de Bahrein, cujas tropas conseguiram apoderar-se de Bassora e Kufa, e em 930 saquearam Meca. No século X, apareceram principados independentes e acelerou-se a fragmentação do império abássida. O emirado andaluz, fundado em 756, transformou-se em califado independente em 929. Os reinos do Maghreb tornaram-se praticamente autônomos e, no Oriente, criaram-se diversos estados iranianos no Khorasan. No Egito e na Síria, também se formaram estados independentes. Durante o século X, cada uma das grandes famílias do Islã criou um reino: o califado omíada consolidou-se em Córdoba; os descendentes do califa Ali e de Fátima (filha de Maomé) instalaram-se no Egito; e, em Bagdá, a dinastia abássida manteve-se até 945, quando caiu sob o poder de Ahmad al-Buye, um xiita das montanhas iranianas. Seu sucessor

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conseguiu apossar-se de um império que compreendia dois terços do Irã e a Mesopotâmia. A dinastia dos buáiidas desapareceu com a chegada dos turcos seldjúcidas em 1055.

Califado omíada de al-Andalus A Espanha muçulmana era uma província independente desde o estabelecimento do

poder abássida. O último omíada, Abd al-Rahman I, fugiu da matança de sua família em Damasco e refugiou-se na península ibérica, de onde, com a ajuda dos berberes e dos árabes da Síria, apoderou-se de Córdoba em 756 e dominou a maior parte do país. Em 929, o emirado foi transformado em califado por Abd al-Rahman III. Durante seu reinado, os povos cristãos do norte sofreram sangrentas derrotas, ao tentarem reconquistar o território. No fim do século X, os muçulmanos espanhóis lançaram expedições devastadoras sobre Barcelona, Leão, Santiago, Zamora e Coimbra. Ampliou-se o domínio do califado, e Córdoba conheceu enorme esplendor, que se manteria durante o século seguinte. As tradições sírias permaneceram vivas, e a refinada cultura cordobesa rivalizou com a de Bagdá. A destruição do califado de Córdoba foi conseqüência de diversas questões relacionadas com o progressivo enfraquecimento do poder. Em 1031, foi destituído o último califa omíada. A Espanha muçulmana dividiu-se em reinos de taifas (facções). Ao longo dos séculos XI e XII, almorávidas e almôadas, povos do norte da África, vieram em auxílio desses reinos, que sucumbiram progressivamente ante o avanço da reconquista cristã. O último reduto muçulmano foi o reino nazarita de Granada, que caiu em 1492 em poder dos reis católicos, Fernando e Isabel.

Poder seldjúcida Em meados do século XI, iniciou-se uma mudança decisiva no mundo islâmico: os

turcos seldjúcidas, convertidos à ortodoxia muçulmana dos sunitas, reunificaram durante algum tempo o Oriente Médio. Formavam um conjunto de clãs estabelecidos, nos séculos anteriores, ao longo das fronteiras ocidentais da China. Alguns deles permaneceram dentro das fronteiras do império islâmico e, após converterem-se, iniciaram campanhas de penetração em direção ao Ocidente e ao Oriente, contra os gaznévidas, que haviam islamizado a Índia. Togrul Beg avançou sobre o Irã e a Anatólia para atacar o império bizantino. Penetrou pelo sul no Iraque, cuja capital, Bagdá, ocupou em 1055, e se fez reconhecer como sultão e protetor do califa. Os três grandes sultões seldjúcidas, Togrul Beg, Alp-Arslan e Malik-Xá, ajudados pelo vizir persa Nizam al-Mulk, deram a seu império uma organização política e social que serviria de modelo a todo o oriente islâmico. Além disso, transformaram-se em defensores da ortodoxia muçulmana sunita. Invadiram a Anatólia e estabeleceram-se na Síria e Palestina, até que os cruzados cristãos fundaram principados na região.

O império seldjúcida dividiu-se, com a morte de Malik-Xá, entre seus filhos e irmãos. Os governadores locais tornaram-se independentes e fundaram dinastias locais na Síria, Mesopotâmia, Armênia e Pérsia. Na luta contra os cruzados, destacaram-se sobretudo os aiúbidas do Egito, cujo califa, Saladino, apoderou-se de Jerusalém em 1187.

Império mongol A invasão das tropas mongóis acabou definitivamente com o califado de Bagdá,

aparentemente mantido durante o império seldjúcida. Em meados do século XIII, o império

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mongol, fundado por Gengis Khan, penetrou em território muçulmano, depois de haver unificado a Mongólia e iniciar a conquista da China. Os mongóis derrubaram os príncipes dos reinos islâmicos: Bagdá caiu em 1257, e Alepo e Damasco, no ano seguinte. O califa e sua família foram assassinados.

Os mongóis toleravam diversas religiões, como o paganismo, o budismo, o cristianismo e o nestorianismo. Isso permitiu-lhes fazer alianças com os cruzados contra o último reduto do Islã no Oriente: os mamelucos do Egito, que, sob o comando de Baibars, haviam dado proteção aos descendentes do califa. Baibars derrotou os mongóis e tornou-se sultão do reino da Síria e do Egito. No fim do século XIV, o império mongol dividiu-se em várias dinastias locais. Mais tarde, foi aniquilado por um turco muçulmano, Tamerlão (Timur Lang), que tentou reconstruir a unidade política da Anatólia e revitalizar o islamismo sunita. Dominou a Índia, a Síria e a Anatólia, mas seus descendentes não conseguiram manter o império, que ficou reduzido à parte oriental do Irã.

Impérios do deserto Nos séculos XI, XII e início do XIII, o Maghreb esteve sob o domínio de grandes tribos

berberes de tendência sunita: os almorávidas, nômades do Saara originários de uma seita guerreira, e os almôadas, sedentários das montanhas. Esses povos se estabeleceram firmemente em boa parte do norte da África ocidental e na península ibérica. Os almorávidas se constituíram a partir das pregações do missionário muçulmano Abdala ibn Yasin, que preconizava extrema disciplina, baseada na oração e na formação religiosa e militar para a guerra santa. Após um período de lutas, sua doutrina ganhou as tribos do oeste do Saara. Os almorávidas consideravam-se defensores da ortodoxia islâmica e chegaram a conquistar o norte da África e Andaluzia (al-Andalus, como era chamada a Espanha muçulmana). O movimento desses grupos forneceu as bases para a criação do reino do Marrocos, com a fundação de Marrakech, em 1072.

Nas montanhas do Atlas, Ibn Tumart iniciou um movimento religioso e, ao agrupar seus partidários contra os almorávidas, organizou a luta armada para conseguir dominar o Maghreb. Sob o comando de Abd al-Mumin, os almôadas apoderaram-se de Marrakech e estenderam seu domínio a toda a região berbere e andaluza. Abd al-Mumin proclamou-se califa -- o que não se atreveram a fazer os almorávidas -- de modo a reconstituir uma comunidade religiosa com grande organização política. O califado desapareceu em meados do século XIII com o surgimento dos reinos de Túnis, Tlemcen e Fez. A derrota imposta pelos cristãos espanhóis sobre os almôadas, na batalha de Las Navas de Tolosa (1212), acelerou o processo interno de desmembramento.

No princípio do século XV, os cristãos atravessaram o estreito de Gibraltar. Os portugueses estabeleceram-se em Marrocos, e o exército do imperador Carlos V chegou a Túnis. Ao mesmo tempo, ocorria uma retirada cristã no Oriente, em virtude da tomada de Constantinopla pelos turcos otomanos, em 1453, e sua posterior expansão pelos Balcãs.

Império otomano e a origem do mundo islâmico moderno Seis séculos durou o império otomano, que representou o estado muçulmano mais

importante da era moderna. Os otomanos, originários do noroeste de Anatólia, estenderam seu poder até a Europa, dos Balcãs à Síria, Egito e Iraque. A partir do século XVIII, sua

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decadência começou a se manifestar, apesar de tentativas isoladas de revitalizar o império, cada vez mais debilitado. As regiões européias sob domínio otomano foram se tornando independentes: Grécia, Sérvia, Bulgária etc. O Egito libertou-se também e, sob o comando de Mohamed Ali, reorganizou sua estrutura administrativa em moldes ocidentais; o país obteve a independência com o apoio britânico e conquistou o Sudão. Mesmo assim, a abertura do canal de Suez limitou essa independência, devido ao interesse das potências européias pela atividade comercial naquela região. A França conquistou a Argélia e estabeleceu um protetorado em Túnis. A Itália conquistou a Tripolitânia. As províncias orientais do império otomano desmembraram-se. A Índia, parcialmente islamizada, foi dominada pelo Reino Unido no século XIX, e o Irã sofreu invasões de russos e britânicos.

Após a primeira guerra mundial, os nacionalismos islâmicos se acentuaram. A Turquia passou por profunda transformação, convertendo-se em república laica. O Egito deixou a condição de protetorado britânico em 1922 e, ao longo do século XX, muitos outros estados surgiram no mundo islâmico. A abundância de petróleo em diversos países árabes reforçou o papel da civilização islâmica no mundo, sobretudo a partir da segunda metade do século XX. A descolonização da Síria, Líbano e de várias nações do norte da África, além da oposição dos países árabes à criação do Estado de Israel na Palestina, contribuíram para desenvolver a solidariedade do mundo islâmico. Assim mesmo, a unidade panislâmica encontrou obstáculos na consolidação de nacionalismos locais e na permanência de choques entre xiitas e sunitas.

Fundamentos e estrutura do Islamismo

Maomé e o Alcorão. A base doutrinal criada por Maomé e o Alcorão constituem o fundamento sobre o qual assenta toda a estrutura da religião islâmica. O Alcorão ou Corão (al-Quran), é a coletânea dos versos recitados pelo profeta, graças -- segundo a tradição muçulmana -- a revelações feitas a ele por Deus, por intermédio do anjo Gabriel. As 114 suratas (capítulos) do Alcorão expõem os fundamentos do monoteísmo islâmico e os princípios morais que regem a comunidade.

Um moderno Alcorão.

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Desde o início de suas pregações, Maomé infundiu em seus seguidores um profundo sentimento de fé e de fraternidade, intensificada em conseqüência das perseguições que o fizeram deixar Meca, mudando-se para Medina, com amigos e parentes, em 16 de julho de 622. Única data da vida do profeta em relação à qual todos os muçulmanos estão de acordo, a hégira (emigração, separação) marca o início da era islâmica. Depois da hégira, o profeta formou uma comunidade religiosa e política, a umma ou comunidade de crentes, que se perpetuou no Islã como uma religião-estado -- fusão que não foi contestada até o século XX.

Expansão territorial. Durante o governo dos quatro primeiros califas sucessores de Maomé e sob a dinastia omíada (661-750), o Islã estendeu-se em função das conquistas obtidas na guerra santa e da atuação das organizações místicas. Com a dinastia abássida, que perdurou até 1258, o império se fragmentou. Formaram-se vários estados, regidos por diferentes dinastias independentes, no norte da África, na península ibérica, Pérsia e em outros domínios. Apesar da divisão política, o Islã não perdeu sua unidade religiosa, institucional e econômica. A partir do século XII, a expansão da mística islâmica abriu novos caminhos para a religião, na Ásia central, Índia, Indonésia, Turquia e norte da África. Na Europa, o islamismo perdeu, no século XV, seus últimos reinos na Espanha e, depois da queda do império otomano, manteve somente redutos nos Balcãs e na Rússia meridional.

O mundo Islâmico.

Fontes doutrinais A doutrina islâmica baseia-se em três fontes ou princípios fundamentais, além do

Alcorão: o suna (tradições), o ijma (consenso) e o ijtihad (pensamento individual).

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Suna. O conjunto de ensinamentos e atos de Maomé, a suna, está documentado no hadith. O grupo islâmico majoritário e considerado ortodoxo, o sunita, aceita seis coleções diferentes, que foram compiladas durante o século IX da era cristã (III da hégira). Outro grupo importante, o xiita, tem seu próprio hadith.

Ao procurarem garantir a autenticidade desses ensinamentos e atos, os sábios muçulmanos se detiveram menos na pureza do conteúdo do que na cadeia dos transmissores, em sua idoneidade e na proximidade com relação ao Profeta. A investigação da autenticidade do hadith constituiu tarefa fundamental dos estudos islâmicos. A exigência dessa garantia na transmissão foi mais rigorosa com relação aos textos legais do que com os de mera exortação espiritual.

A coleção mais importante foi elaborada no século IX por Mohamed ibn Ismail al-Bukhari e é conhecida como o Livro da autêntica coleção. Essas coleções, além de seu valor religioso para os crentes, constituem uma exaustiva enciclopédia legislativa, teológica, cerimonial, moral, social e comercial, que inclui aplicações práticas e exemplos moralizantes para o cotidiano.

Ijma. No segundo século da hégira, houve necessidade de fixar, por consenso universal (ijma), as prescrições legais e as práticas que derivavam do Alcorão. Em princípio, o ijma funcionava em favor da autoridade tradicional, uma vez que se referia sempre aos acordos passados e reconhecia opiniões conservadoras. Atualmente, no entanto, dá maior relevo aos elementos liberais e democráticos inerentes a sua própria natureza.

Ijtihad. O esforço de adaptação do Alcorão a novas situações (ijtihad) foi importante no primeiro século do Islã. Nessa época, o ijtihad tomou a forma de opinião pessoal, o que deu origem a muitos conflitos. Nos séculos seguintes, a reflexão individual foi substituída por uma analogia rigorosa entre novas situações e os textos já adotados. Compilados os ensinamentos e atos de Maomé e estabelecido o consenso universal, o esforço individual de adaptação do Alcorão às novas situações foi limitado. Pensadores muçulmanos, no entanto, como Algazali, no século XI, e os reformadores dos séculos XVIII e XIX, voltaram a reivindicar a reflexão individual.

Ritos islâmicos

Pilares do Islã. As características básicas da organização social e religiosa que definem o islamismo para todos os fiéis ficaram conhecidas como os "cinco pilares" (arkan) do Islã. Algumas seitas, como a dos caridjitas, tentaram, sem sucesso, incluir um sexto pilar, o jihad ou guerra santa.

1-Profissão de fé. "Não há outro Deus senão Alá, e Maomé é seu profeta". Essencial para ingressar na comunidade islâmica, a profissão de fé (chahada, literalmente "testemunho") deve ser pronunciada clara e conscientemente, com profundo entendimento e aceitação, ao menos uma vez na vida, embora seja repetida, na verdade, com freqüência e em todas as ocasiões importantes. O reconhecimento de Maomé como profeta iluminado por Alá implica a crença

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num só Deus criador, nos anjos, nos profetas (basicamente Adão, Abraão, Moisés, Jesus e Maomé), na ressurreição, no juízo e na recompensa em outra vida.

2-Oração. O segundo pilar consiste de uma oração ritual que deve ser proferida cinco vezes ao dia, com o rosto voltado para Meca: ao amanhecer, ao meio-dia, entre as três e as cinco, antes do pôr-do-sol e à noite. Não existe outra liturgia senão a da palavra; não existe um clero propriamente dito, mas somente pregadores e encarregados de fazer a chamada para a oração (almuadens) e de dirigi-la (imãs); às sextas-feiras celebra-se a oração na mesquita, precedida de um sermão de caráter moral, social ou político.

Umas das cinco orações diárias. Os mulçulmanos abrem seus tapetes onde quer que estejam.

3-Pagamento de dízimo. O zacat (purificação) constitui uma esmola, que deve ser paga anualmente, em moeda ou mercadorias. É coletada pelo estado e destina-se aos pobres, ao

resgate dos cativos ou dívidas crônicas, à guerra santa -- e, por extensão, à educação e à saúde -- e às peregrinações.

Venda em um bazar beneficiente.

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4-Jejum. Durante o ramadã (nono mês do calendário muçulmano), está prescrito um rigoroso jejum. Nesse período, desde o nascer até o pôr-do-sol, é vedado comer, beber, fumar, perfumar-se e manter relações conjugais. Durante a noite, porém, tudo volta a ser lícito. Os enfermos ou viajantes podem adiar o jejum para data futura e por igual número de dias. Os que contam com recursos suficientes devem custear, também, a alimentação de um indigente.

Término do jejum ao pôr-do-sol.

5-Peregrinação a Meca. Ao menos uma vez na vida, todo muçulmano que tiver recursos deve peregrinar a Meca (haj) no último mês do ano. O peregrino tem que visitar a Mesquita Sagrada, no centro da qual se encontra a Caaba, rodear sete vezes essa construção cúbica - três correndo e quatro vagarosamente --, tocar e beijar a pedra negra de Abraão (meteorito localizado no ângulo este da Caaba), beber água no poço de Zemzem, correr sete vezes a distância entre os montes Safa e a Marva, ir até o monte Arafat e a Mina, onde os fiéis atiram

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pedras contra colunas baixas (lapidação do diabo) e sacrificar um animal em memória de Abraão, considerado o primeiro profeta, construtor da Caaba e pai dos árabes.Regras de Alimentação. Separam os alimentos em três grupos:Halal – alimentos permitidos;Makruh – alimentos que podem consumir, mas não são encorajados a fazê-lo;Haram – alimentos proibidos: carne de porco e de animais carnívoros; nenhuma forma de sangue; produtos que contêm gelatina ( feita de chifres e cascos de animais que podem não ser permitidos); tudo que causa embriaguês ou intoxicação (drogas e álcool).

Nascimento. No ouvido Direito de bebê recém-nascido deve-se fazer o Chamamento (Adhan). Em seguida, recita-se a Iqama, porém desta vez no ouvido esquerdo. A criança terá um nome depois de sete dias, além de fazer um abate de carneiro chamando os amigos para um jantar ou almoço.

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Pai recitando a prece Adhan no ouvido direito de um recém-nascido.

Tendências teológicas e doutrinais

A teologia e filosofia islâmica é um esforço de esclarecimento racional e de defesa da fé. Os pensadores muçulmanos mantêm uma posição intermediária entre os tradicionalistas, que se prendem às expressões literais das primeiras fontes da doutrina islâmica, e aqueles cuja razão os levou a abandonar completamente a comunidade islâmica. No princípio, a teologia ligou-se à mera interpretação do Alcorão. Já no século seguinte a Maomé, formularam-se problemas relacionados ao dogma da unidade de Deus e à conciliação entre a onipotência divina e a liberdade humana.

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Seitas. Apesar da noção de comunidade unificada e consolidada, conforme ensinado pelo Profeta, sérias divergências surgiram entre os muçulmanos imediatamente após a morte de Maomé. Este não deixou filhos, nem estabeleceu regras de sucessão. Os dois primeiros califas, Abu Bakr e Omar eram sogros de Maomé e sua eleição não foi discutida. A eleição de Uthman, da família omíada e genro do profeta, causou polêmica maior. Depois do assassinato de Uthman, em 656, Ali, primo e genro de Maomé, assumiu o califado, o que deu origem a um cisma no Islã. A principal divergência dizia respeito ao caráter do governo da comunidade: o governante deveria ser um continuador da missão profética de Maomé ou um simples governante civil? Os partidários de Ali optaram pela primeira hipótese, mas a segunda acabou por prevalecer na maior parte do mundo islâmico, ficando os xiitas (partidários de Ali) isolados no Irã e em parte do Iraque. Começou assim a guerra interna. Com o assassinato de Ali, em 661, teve início a dinastia omíada, mas as desavenças continuaram. Diferentes posições com relação à sucessão deram origem a quatro seitas básicas: caridjitas, mutazilitas, sunitas e xiitas. As duas últimas prevaleceram e motivaram o aparecimento de diferentes tendências teológicas, que ainda hoje perduram. Essas seitas divergiam fundamentalmente quanto a questões de sucessão e quanto a certos matizes teológicos. Todas elas, no entanto, aceitavam a palavra de Maomé além dos cinco pilares do Islã.

Caridjitas. Chamados "rebeldes", os caridjitas apoiaram Ali no início, mas se voltaram contra ele, acusando-o de ter cometido grave pecado ao fugir do combate e recorrer a julgamento para defender seu direito ao califado. Preconizavam que o pecador que não se arrepende sinceramente de seus erros deixa de pertencer ao Islã, porque a profissão de fé nada significa se não corresponde à ação. Pregavam também o jihad, ou guerra santa, como um dos pilares do Islã. Essa seita fanática foi extinta no segundo século da hégira.

Mutazilitas. No sentido literal, mutazilita quer dizer "o que se separa", numa referência ao fato de que os membros da seita se mantiveram afastados de idéias radicais sobre fé e infidelidade. Os mutazilitas adotaram uma postura intermediária entre Ali e seus inimigos. Teologicamente defendiam a liberdade humana e consideravam a ação parte essencial da fé. Segundo eles, a razão pode discernir o bem do mal, motivo pelo qual a revelação constitui uma ajuda, mas não é indispensável. Para os mutazilitas, Deus é pura essência, pois atributos romperiam sua unidade. Esses humanistas perseguiram duramente seus inimigos, quando, no século II da hégira, conseguiram impor temporariamente suas crenças.

Sunitas. Seguidores da seita mais importante em contraposição aos xiitas, os sunitas se definem como ortodoxos, seguidores da tradição, a suna. Suas doutrinas remontam à época dos cismas, mas só foram explicitamente formuladas como "teologia ortodoxa", no século X. Reagiram contra as divergências doutrinais e admitiram a legitimidade dos quatro califas eleitos. Para eles, a maioria não pode errar porque está protegida por Deus. Pragmáticos e tolerantes, acreditam que nenhum grupo deve ser excluído, a não ser que renuncie ao Islã. Aceitam uma síntese entre a responsabilidade humana e a onipotência divina. As ações, de acordo com os sunitas, reforçam a fé, mas não são essenciais. Dividiram-se em quatro ritos ou

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escolas.

Xiitas. Defensores de Ali e do direito de sucessão da família do profeta, tese que usaram contra o poder omíada, os xiitas logo desenvolveram uma base teológica para suas concepções políticas. Sob influências gnósticas e persas, transformaram a figura do governante, o imã, num ser metafísico, manifestação de Deus. Pelo contato com o infalível imã, é possível descobrir os sentidos ocultos das revelações do Alcorão. Os xiitas reconhecem 12 encarnações do imã, que, segundo eles, voltará no fim do mundo com a verdade e a justiça. Divididos em diversos grupos, praticam flagelações e duras penitências em celebrações.

Sufistas. Nascido do ascetismo, mais exatamente como um movimento místico, o sufismo não pode ser considerado uma seita. Sua mística se funda no amor, na confiança absoluta em Deus e na interioridade da experiência religiosa. Surgiu como uma reação à racionalização externa do Islã e incorporou, mais tarde, alguns elementos de outras religiões. O século XIII foi a idade de ouro do sufismo, quando começaram a surgir irmandades desde a Índia até o norte da África, e floresceu igualmente a poesia mística, com o emprego de imagens amorosas. A doutrina sufista distingue entre o que denomina "etapa", os esforços para avançar no "caminho", e "estado", os dons outorgados por Deus. As principais etapas são o arrependimento, a abstinência, a renúncia, a pobreza, a paciência, a confiança em Deus e a satisfação. Os estados são a meditação, a aproximação de Deus, o amor, o temor, a esperança, o anseio, a intimidade, a tranqüilidade, a contemplação e a certeza. Para seguir o "caminho", é necessária a orientação de um mestre, a quem se deve obedecer em tudo. O objetivo último do discípulo é a contemplação a Deus, alcançada após a experiência do êxtase.

Instituições e cultura

Lei islâmica. A Charia (literalmente, "o caminho do bebedouro"; por extensão, "o caminho que conduz a Deus"), ou lei islâmica, é expressão da vontade de Alá, a que os fiéis se entregam com total submissão. Difere do direito ocidental em dois aspectos fundamentais: em primeiro lugar, o campo de aplicação da lei islâmica estende-se não só às relações entre os indivíduos e a sociedade, como também às obrigações morais da consciência e às obrigações religiosas; em segundo lugar, a lei islâmica se considera expressão completa e acabada da vontade divina, à qual os homens se devem render em qualquer circunstância. As leis ocidentais, ao contrário, formam-se progressivamente segundo as exigências dos novos problemas surgidos da convivência social.

Formação histórica. O Alcorão contém apenas oitenta versos aproximadamente sobre temas estritamente legais. Por esse motivo, Maomé e seus sucessores imediatos viram-se obrigados, por meio da interpretação e expansão dos conceitos contidos no Alcorão, a resolver os problemas legais surgidos na comunidade. A dinastia omíada, no século VII, criou a figura do cádi, ou juiz, responsável pela interpretação e aplicação da lei, que absorveu elementos de culturas dos territórios conquistados. Um século mais tarde, a dinastia abássida examinou a prática legal à luz dos princípios contidos no Alcorão e deu início a uma jurisprudência

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islâmica definitiva. Ainda que algumas escolas sustentassem que, fora do prescrito no Alcorão, podia-se empregar a razão para resolver novos problemas, prevaleceu a tendência contrária: só é válido empregar a doutrina e as resoluções do profeta conservadas na tradição. As novas situações, portanto, devem ser resolvidas por analogia com as antigas. As diversas seitas mantiveram versões próprias sobre a lei islâmica. A maioria dos estados islâmicos modernos conservou a Charia no direito privado, mas adotou os códigos ocidentais para o direito público. Alguns ainda aplicam penas de flagelação ou apedrejamento por adultério e a que prevê a amputação de uma mão por roubo. A Turquia aboliu totalmente a lei islâmica.

Família. A instituição familiar é patriarcal e o pai possui pleno poder para dispor sobre o matrimônio das filhas, mesmo as que sejam maiores de idade. O marido tem direito de manter simultaneamente até quatro esposas. Enquanto a mulher só pode pedir divórcio se apresentar causa justificada, o marido não precisa de motivo para se divorciar.

Estado. Como no Islã não se estabelece diferença entre as esferas religiosa e temporal, o estado é essencialmente religioso. A teoria política dos ortodoxos sunitas formou-se de acordo com as circunstâncias, o que os tornou cada vez mais conformistas e tolerantes com a injustiça. O primeiro passo nesse sentido foi a enunciação de lemas como "Um dia de anarquia é pior que trinta de tirania" ou "O poder é o direito". No entanto, o califa estava submetido à lei islâmica, o que impedia que se transformasse num absolutista.

Educação. No princípio, a educação concentrou-se na transmissão dos ensinamentos do Profeta e na reunião de seus ditos e feitos, o que deu origem à formação das ciências da tradição: hermenêutica, história e literatura. A divulgação das obras dos filósofos gregos trouxe, entre os séculos IX e XII da era cristã, o interesse pelas ciências profanas. Temerosos com relação ao que poderia representar a formulação de questões teológicas pelas ciências e pela filosofia, os ortodoxos excluíram as ciências profanas do ensino oficial. Isso provocou empobrecimento intelectual, mas trouxe como vantagem a uniformidade e a coesão da comunidade muçulmana, apesar da diversidade de culturas com que o Islã conviveu. Nos estados islâmicos modernos, as ciências constituem objeto primordial dos programas de pesquisa.

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Escola mulçumana em Londres.

Variedade de culturas. Durante o primeiro período da expansão conquistadora, os árabes impuseram sua língua e sua cultura. Num segundo período, predominou o espírito tolerante da palavra do Alcorão e respeitaram-se as culturas próprias, inclusive alguns ritos religiosos ou leis locais, em detrimento da sagrada lei islâmica. As correntes integristas dos séculos XIX e XX da era cristã reclamaram o retorno à pureza islâmica.

As manifestações artísticas foram igualmente determinadas pela religião. Na arquitetura, a construção principal foi a mesquita, símbolo da vontade divina. Na pintura, proibiu-se a representação de seres vivos para impedir que se tentasse rivalizar com Deus e evitar o perigo da idolatria. Essa proibição não foi rígida, no entanto, devido à influência persa e de outros povos.

A literatura sofreu igualmente a tensão entre as tendências liberais e ortodoxas. Cultivou-se sobretudo a poesia e a prosa não-narrativa. Ainda assim, a literatura de ficção se manifestou em coletâneas populares como As mil e uma noites. A partir do final do século XIX, os escritores islâmicos começaram a utilizar formas ocidentais até então inexistentes, como o teatro e o romance. Em todo o Islã moderno, é questão fundamental a manutenção das tradições unificadoras do mundo muçulmano adaptadas às novas condições políticas e sociais.

Arquitetura islâmica

As restrições religiosas à representação de figuras humanas e de animais no Islã impediu a evolução de técnicas como a pintura e a escultura e acabou por transformar a arquitetura na modalidade artística mais desenvolvido na cultura islâmica.

A arquitetura islâmica, em virtude da forte religiosidade, encontra sua melhor expressão na mesquita, edifício destinado às orações comunitárias. Sua origem é a casa de Maomé (na cidade de Medina), que constava de um pátio cercado por muros, com diversos aposentos ao redor. O projeto clássico da mesquita ficou estabelecido já nos primeiros tempos do islamismo, na dinastia omíada. Compõe-se de um minarete, torre muito alta com plataforma da qual o almuadem chama os fiéis para as cinco orações diárias; um pátio de arcadas que tem, ao centro, a fonte para as abluções; uma grande sala de orações, dividida em diferentes naves com colunas; e a qibla, muro ao fundo da sala onde se encontra o mihrab, ou santuário, um nicho que indica ser aquela a direção da cidade santa de Meca, voltada para a qual os fiéis devem rezar. Junto ao mihrab, está localizado o púlpito, ou minbar. Outro aspecto característico da arquitetura islâmica é a riqueza da decoração, com base em motivos epigráficos (inscrições com trechos do Alcorão em escritura cúfica ou nasji), vegetais (palmas, folhas de videira e de acanto) e geométricos (arabescos). A ornamentação inclui ainda, com freqüência, estalactites em gesso, em forma de prisma e com a face curva. A arquitetura islâmica se caracteriza também pelo uso do tijolo, muitas vezes coberto de mosaicos, estuque ou gesso; pelo emprego de arcos em forma de ferradura e multilobulados; e pelo uso da cúpula, elemento de origem bizantina, quase sempre ornamentada.

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Mesquita situada em Curitiba.

Evolução histórica Do século VII, de quando datam as primeiras construções, feitas pela dinastia omíada,

até o século XVIII, início da decadência do império otomano, o Islã ergueu, em várias regiões compreendidas entre a Espanha e a Índia, grande número de monumentos. Na Síria e Palestina, os principais foram a mesquita de Omar, em Jerusalém, também conhecida como o Domo do Rochedo, de forma octogonal com exterior decorado em mosaicos bizantinos, concluída em 691; e a grande mesquita de Damasco (705-715), que possuía um grande pátio com arcadas em três de seus lados e uma sala de oração dividida em três naves, todas paralelas ao muro da qibla. Na arquitetura profana, destacaram-se os palácios de Mshatta e de Qasr Amrah, na Síria. Este último possuía luxuosas salas de banho e era ricamente decorado com pinturas.

Com a dinastia abássida, instaurada no ano 750, a arte islâmica sofreu a influência da Ásia. Surgiram então os mausoléus, e a decoração se estilizou. A capital foi transferida para Bagdá, no Iraque, onde se adotou um traçado urbano de forma circular, protegido por uma muralha dupla. Mais tarde, em 838, quando o império começava a ser desmembrado em principados autônomos, a corte se estabeleceu em Samarra. Na nova capital foi construída uma grande mesquita, com naves paralelas à qibla e um minarete semelhante ao zigurate, além de vários palácios.

Na Espanha, onde se refugiara Abd al-Rahman I, único sobrevivente da dinastia omíada, ocorreu, paralelamente, um período de grande atividade artística, cujo centro era a cidade de Córdoba. A mais importante das obras realizadas na época é a mesquita da cidade.

Iniciada no século VIII, sofreu diversas ampliações ao longo dos dois séculos posteriores. A mesquita de Córdoba tem 19 naves perpendiculares à qibla e um sistema de construção original, no qual se combinam colunas e arcos em ferradura com arcos de meio ponto -- ao que tudo indica, uma influência da arte visigótica -- decorados com abóbadas alternadas em vermelho e branco. Seu mihrab é coberto de ricos azulejos bizantinos, com profusão de motivos epigráficos e vegetais. Outro grande exemplo da arte do califado de Córdoba foi a cidade palaciana de Medina Azahara, construída por Abd al-Rahman III. No Egito, que se tornou independente com os tulúnidas, foi construída no século IX a grande mesquita de Ibn Tulun, no Cairo; em Túnis, os aglábidas ergueram a grande mesquita de al-Qayrawan.

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No período que vai do século XI ao XV, as principais concepções estéticas islâmicas tiveram origem em Isfahan, com os seldjúcidas, no norte da África -- Egito e Maghreb -- e na península ibérica, com os fatímidas, os almorávidas e os nazaritas. Os seldjúcidas, povos nômades das estepes convertidos ao islamismo que reunificaram por algum tempo o Oriente Médio, estabeleceram seus centros em Isfahan e Tabriz. Foram os responsáveis pela divulgação da madrasa (espécie de universidade na qual se ensinavam teologia e ciências), em geral edificada junto a uma mesquita e estruturada em torno de um pátio. O sistema das madrasas passou a ser empregado em mesquitas como a de Isfahan, concluída por volta de 1130, com um pátio central e quatro salas contíguas, ou eyvans, cobertas por abóbadas semicirculares. A sala localizada ao lado da qibla conduz a outra sala com cúpula. Também surgiu nessa época um novo tipo de minarete, de forma cilíndrica, apoiado sobre uma base octogonal, como o da mesquita Pa-Minar de Zawara, cujo exterior era decorado com cerâmica esmaltada em motivos geométricos. A arquitetura funerária popularizou o mausoléu quadrado coberto com uma cúpula, como o de Sanyar, do século XII.

No Egito, a dinastia fatímida, que governou entre os séculos X e XII, construiu importantes mesquitas, tais como as de al-Azhar e al-Hakim, na cidade do Cairo. Em meados do século XIII, a dinastia dos mamelucos impôs a influência artística seldjúcida. Sua forma arquitetônica mais característica foi o mausoléu, cujo melhor exemplo é o monumento funerário ao sultão Hassan, de planta quadrada e cúpula dourada sobre uma base octogonal. No fim do século XI, após a desintegração do califado de Córdoba numa série de reinos de taifas, a intervenção dos almorávidas, originários do sul do Maghreb, permitiu um novo florescimento da arte na península ibérica e no noroeste da África.

Dois tipos de estruturas caracterizaram os períodos almorávida e almôada, do século XI ao XIII, no Marrocos e na Espanha. Um abrange as grandes mesquitas marroquinas, como as de Tinmel e Hasan, em Rabat, e a de Kutubiya, em Marrakech, todas com sólidos e grandes minaretes quadrados. O outro tipo de arquitetura criou-se para fins militares, como fortificações e pontes com arcos em forma de ferradura. Entre estas figuram a ponte Oudaia, em Rabat, e a ponte Rabat, em Marrakech.

No norte da África, a arte não mudou muito nos séculos XIV e XV. O mesmo estilo de mesquita continuou a ser construído, como a Grande Mesquita de Argel. A decoração arquitetônica em estuco ou pedra esculpida ficou limitada geralmente a padrões geométricos elaborados, temas epigráficos e alguns motivos vegetais.

O último período da arte islâmica na Espanha data do reino nazarita de Granada, fundado no século XIII. Seu monumento mais característico é a Alhambra, cidade palaciana que constitui talvez o mais grandioso monumento do gênio islâmico para integrar arquitetura e natureza. Constava do alcácer, salões para atos oficiais (mexuar, ou sala de justiça, quarto de Comares), área privada (pátio dos Leões, sala das Duas Irmãs), salas de banhos e maravilhosos jardins, como os do Generálife.

Desde meados do século XIII, quando os mongóis invadiram a Pérsia, registrou-se na região um significativo impulso cultural que se traduziu artisticamente na construção de mesquitas e madrasas de estilo seldjúcida e na utilização de cúpulas afiladas e azulejos decorados. A conjunção de elementos mongóis e turcomanos foi a característica do período timúrida, que transcorreu entre os séculos XIV e XVI. A capital do império foi a cidade mítica de Samarkand, grande centro político e cultural da Ásia central. Importantes monumentos

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foram edificados na época, tais como a mesquita-madrasa de Jargird, com pátio central e quatro eyvans, e a mesquita azul de Tabriz, Irã, famosa por sua decoração em azulejos de cerâmica azul. A arquitetura funerária desfrutou de grande prestígio entre os timúridas, que construíram na própria capital a avenida de Shaji-Zindá, ladeada por vários mausoléus da família imperial e de membros da nobreza, com suas cúpulas características e decoração em azulejos.

Depois dos mongóis e dos turcomanos, chegaram ao poder na Pérsia os sefévidas, que promoveram a arte popular. Proliferaram então as mesquitas e madrasas de quatro eyvans e, na arquitetura palaciana, destacou-se o palácio Ali Qapu, com um segundo andar repleto de colunas. Na mesma época em que ocorria o florescimento da arte entre os sefévidas, o império mongol da Índia construía, no século XII, grandes e luxuosas edificações inspiradas na arte persa, como o Taj Mahal, de Agra, mausoléu feito para a esposa do imperador, e o forte Vermelho, em Delhi.

A partir de meados do século XV, o império otomano consolidou-se e seu poder se estendeu pela Turquia, Síria, Egito, Iraque e os Balcãs, na Europa. No império, que só entraria em decadência no século XVIII, difundiram-se as cúpulas e foram construídas mesquitas tanto em forma retangular, com pórtico em cúpula, de influência bizantina, quanto com planta em forma de "T" invertido. O império atingiu o apogeu nos séculos XV e XVI, quando Istambul se tornou grande centro político e cultural. Tendo a basílica bizantina de Santa Sofia como modelo, proliferaram as construções monumentais, como as mesquitas de Suleiman II e de Ahmed I, na mesma cidade.

O desaparecimento do império mogol da Índia, que passou ao domínio britânico, e o gradativo desmembramento do império otomano fizeram com que a arte islâmica sofresse, ao longo do século XIX, um processo de estagnação durante o qual passou a experimentar uma crescente influência ocidental. Essa adaptação às tendências do Ocidente se intensificou em meados do século XX, quando novas escolas integraram técnicas ocidentais à arquitetura muçulmana. Esse movimento, iniciado na Turquia por Sedat Hakki Eldhem e no Egito por Hassan Fathy, se disseminou depois por todo o mundo muçulmano.

Arte islâmica

A idéia de infinito e a tendência à imaterialidade, reflexos da crença na eternidade, do desprezo pela vida terrena e da vontade de superar os limites do mundo real, nortearam a arte que se desenvolveu em todos os territórios conquistados pelo Islã.

A arte islâmica abrange a literatura, a música, a dança, o teatro e as artes visuais de uma vasta população do Oriente Médio que adotou o islamismo a partir do século VII. Em sentido estrito, a arte dos povos islâmicos inclui apenas as manifestações diretamente surgidas da prática religiosa. É comum, no entanto, que o termo abarque todos os gêneros da arte produzida pelos povos muçulmanos, associada ou não à religião.

Artes visuais. De variedade estilística e virtuosismo técnico extraordinários, a arte visual islâmica é decorativa, colorida e, no caso da religiosa, não figurativa. A decoração islâmica característica é conhecida como arabesco, um ornato que emprega desenhos de flores,

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folhagens ou frutos -- às vezes, animais, esboços de figuras ou padrões geométricos -- para produzir um desenho de retas ou curvas entrelaçadas. Esse ornamento é empregado tanto na arquitetura quanto na decoração de objetos.

A cerâmica, o vidro, os tecidos, a ilustração de manuscritos e o artesanato em metal ou madeira têm sido de importância fundamental na cultura islâmica. A cerâmica constituiu a mais importante das primeiras artes decorativas dos muçulmanos. Na decoração da louça de barro esmaltado, a maior contribuição islâmica para a cerâmica, empregam-se compostos metálicos nos esmaltes, que, quando queimados, transformam-se em películas metálicas iridescentes. Outros objetos cuja produção se destacou durante o período dos califados (do século VII ao XI) são o bronze e a madeira entalhada do Egito, os estuques do Iraque e o marfim entalhado da Espanha.

No período seldjúcida (do século XI ao XIII), manteve-se a importância da cerâmica, dos tecidos e dos vidros. Além disso, objetos utilitários de bronze e latão eram incrustados com prata e cobre e decorados com desenhos complexos. A ilustração de manuscritos também se tornou uma arte bastante respeitada, e a pintura em miniatura foi a maior e mais característica manifestação artística do período que se seguiu às invasões dos mongóis (1220-1260).

O Islã considera a palavra escrita o meio por excelência da revelação divina. Por essa razão, a arte caligráfica se desenvolveu de forma rica e complexa, empregando uma ampla variedade de elegantes caracteres cursivos. A caligrafia era usada também como importante elemento decorativo na arquitetura e em peças utilitárias.

Tapeçaria. Os mais belos tapetes de toda a história da arte são persas e datam dos séculos XVI e XVII. Foram produzidos em Tabriz, Kashan, Herat e Isfahan, na dinastia dos sefévidas.

Feitos de lã, seda e outros materiais, os tapetes persas, a exemplo do que ocorrera séculos antes com os turcos, tiveram grande aceitação no Ocidente. Os temas são variados, mas predominam cenas de caçada e combate, não raro de origem chinesa. Em Agra, Lahore e algumas cidades da Índia, onde também foram produzidos tapetes de inspiração persa, desenvolveu-se um estilo de ornamentação floral tipicamente indiano e mongol, de temática naturalista.

Literatura. No Islã, a literatura se desenvolveu principalmente em quatro línguas: árabe, persa, turco e urdu. O árabe é de extrema importância como a língua da revelação do Islã e do Alcorão, que os muçulmanos consideram epítome da excelência literária. A poesia árabe, cujos elementos básicos foram herdados de modelos pré-islâmicos, é monorrima (todas as linhas apresentam a mesma rima) e de métrica complicada (sílabas longas e curtas arranjadas em 16 métricas básicas).

Há três gêneros poéticos principais: o gazel (ghazal), geralmente um poema de amor, que tem de cinco a 12 versos monorrimos; o qasida, um poema de louvação com vinte a mais de cem versos monorrimos; e o qita, uma forma literária empregada para lidar com aspectos da vida cotidiana.

Os persas aperfeiçoaram os gêneros, formas e regras da poesia árabe e adaptaram-nos a sua própria língua. Desenvolveram também um novo gênero, o masnavi (composto de uma série de dísticos), empregado na poesia épica, desconhecida dos árabes. A literatura persa, por

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sua vez, influenciou tanto a literatura urdu quanto a turca, especialmente no que se refere ao vocabulário e à métrica. A Turquia também tem uma rica tradição de poesia popular. A literatura islâmica compreende ainda textos em prosa, de cunho literário, didático e popular.

O gênero que caracteriza a prosa islâmica é o maqama, em que uma narrativa relativamente simples é contada de maneira complicada e elaborada, com metáforas e jogos de palavras. No domínio da literatura popular, a obra mais conhecida é As mil e uma noites, uma rica coleção de fábulas de diferentes partes do mundo muçulmano.

Música. Destituída de harmonia, a música islâmica caracteriza-se por sistemas próprios de ritmo e melodia, intensa ornamentação da linha melódica única e improvisação virtuosística. Ritmos e melodias são organizados de acordo com certas convenções. A melodia é ornamentada com o uso de intervalos microtonais.

Dança e teatro. Prejudicados pela questão teológica da representação humana e do perigo da idolatria, a dança e o teatro não tiveram, no mundo islâmico, a mesma expressão que os outros gêneros de arte. Houve, no entanto, uma forte tradição de dança folclórica na maioria dos países muçulmanos. A dança também se manifestou como espetáculo de entretenimento e, principalmente na Pérsia, como forma de arte.

O teatro floresceu no Islã sobretudo como um gênero de entretenimento popular, particularmente em representações burlescas e jogos de silhueta. Recebeu apoio dos otomanos na Turquia, e, na Pérsia, um gênero de drama popular teve grande aceitação. Também se vinculou à religião, como ocorreu no Irã e em outras regiões de concentração de xiitas, onde surgiu um tipo de auto baseado em lembranças das guerras sangrentas dos primeiros anos do Islã.

Filosofia islâmica

O pensamento árabe representou, em suas mais remotas origens, uma dinâmica projeção dos grandes sistemas filosóficos gregos, ainda que vazado em língua semítica e fundamente modificado sob a influência oriental. A dimensão desse fato torna-se imensa quando se considera que o Ocidente deve aos filósofos árabes quase toda a preservação, já em nível crítico, do platonismo e, sobretudo, do aristotelismo. Filosofia islâmica é o pensamento expresso em língua árabe e intimamente relacionado à religião muçulmana que floresceu entre os séculos VII e XV. Excluem-se dessa denominação as tendências modernas e contemporâneas da filosofia árabe, analisadas apenas como floração do Oriente dentro e fora dos limites da Idade Média latina.

Na origem e, a rigor, ao longo de toda a sua evolução, a filosofia árabe transmite ao mundo ocidental os fundamentos de quase todo o pensamento filosófico do Renascimento, em particular na Espanha e na Itália. Sem a contribuição dos comentadores árabes, o Renascimento seria depositário apenas do monólogo cristão da Idade Média. Seria correto dizer que os próprios pensadores medievais, em particular os tomistas, pagaram pesado tributo a esses ousados "heréticos" orientais.

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Seitas e escolas teológicas Em seus primórdios, a filosofia árabe foi principalmente uma filosofia de teólogos, que

devem tudo às crenças e tradições religiosas muçulmanas. Até o século IX, as especulações filosóficas do mundo árabe restringiam-se às discussões teológicas das primeiras seitas e escolas ascéticas, cuja suprema preocupação residia no exame de questões éticas e morais. O primeiro grande representante dessa época e notável cultor da reflexão moral de índole teórica foi Hasan al-Basri, que integrou o grupo chamado Companheiros do Profeta, responsável pelo início da maioria das discussões teológicas que logo se cristalizariam na constituição de seitas e escolas teológicas, como as de Antioquia (século III), de Nasibim, em comunidade de fala síria, e de Nasibim-Edessa, a principal delas, que floresceu entre os séculos IV e V e reuniu os nestorianos condenados como heréticos pelo Concílio de Éfeso (431). A esses nestorianos somaram-se depois outras seitas igualmente heréticas, como as dos monofisistas (responsáveis pela introdução do misticismo e dos ideais neoplatônicos), dos zoroastrista persas, dos pagãos de Harran e até mesmo dos judeus.

Tais seitas e escolas -- no interior das quais se destacavam os nomes de Alfarabi, Avicena, Avempace, Abubaker e Averroés, os três últimos já na Espanha -- dedicaram-se inicialmente a debates de questões como os atributos divinos e os conflitos entre a predestinação e o livre-arbítrio. Contribuíram consideravelmente para a concretização de uma reflexão filosófica que já se poderia dizer autônoma, cujo expoente supremo foi Alkindi, que viveu no século IX. Toda essa estratificação orgânica da filosofia árabe tornou-se possível, em grande parte, graças à transmissão ao universo muçulmano de consideráveis vertentes dos sistemas gregos, sobretudo o aristotelismo e o neoplatonismo, o que se deve à versão síria do helenismo, à atividade filosófico-religiosa dos nestorianos, ao misticismo dos teólogos monofisistas egípcios, e finalmente, às traduções muçulmanas das versões sírias dos textos gregos.

Página de um Alcorão do século XIX. O texto sagrado do Islamismo, composto de 114 suratas ou capítulos, contém revelações feitas por Deus a Maomé.

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Bibliografia

Livros:“ O que sabemos sobre o islamismo?” de Shahrukh Husain

Enciclopédias:BarsaMiradorDelta Larrouse

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