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Capítulo I – Introdução
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INTRODUÇÃO
Reflectindo no desenvolvimento do raciocínio clínico que considera cinco níveis de
evolução: principiante, avançado, competente, proficiente e perito (Espe-Sherwindt, 2002),
vou tentar enquadrá-lo no meu percurso como intervencionista precoce, associando em
paralelo o percurso da Intervenção Precoce (IP) correspondente.
Tradicionalmente, o modelo das práticas educativas caracterizou-se por uma
intervenção centrada na criança, a pré-escola como local de intervenção, o educador como
agente de intervenção e os pais como receptores dos resultados e recomendações dos
profissionais e observadores quanto ao processo de avaliação, planificação e intervenção.
As práticas desenvolvidas como profissional principiante corresponderam a este período
infrutífero da IP.
Os resultados pobres de uma prática centrada na criança, levaram-me a questionar
esta prática e a tentar procurar outras soluções, correspondendo, assim, a uma nova etapa
da minha carreira profissional. A esta etapa e traçando um paralelo com o raciocínio
clínico, penso estar situada num nível avançado em que a visão global do problema ainda
era ofuscada pela carência de conceptualizações teóricas.
Esta necessidade de tais conceptualizações que me ajudassem a compreender e
desenvolver um trabalho com as famílias das crianças a quem dava apoio educativo,
guiaram-me na busca de conhecimentos adequados e actuais. Tive essa oportunidade no
Instituto de Estudos da Criança. Ao longo do percurso académico conduzido por este
Instituto, foram-me administrados conhecimentos ao nível das necessidades de
desenvolvimento das crianças em risco e das necessidades e aspirações das suas famílias.
Penso que durante este período me fui tornando mais competente.
Num nível mais avançado de proficiência, a visão global do que deve ser um trabalho
centrado na família guia-me no percurso que efectivamente desejo percorrer. Considerando
a intervenção orientada pelo próprio consumidor, as suas necessidades e a sua rede de
apoio social, numa base individualizada e ajustando as minhas atitudes, crenças,
conhecimentos, capacidades a cada família que irei encontrar, de uma forma flexível aos
seus sinais e pistas, numa reflexão própria e contínua não como elemento perito na
parceria, mas antes como perito na adaptação às necessidades da família.
Capítulo I – Introdução
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Foi com este objectivo em mente que me prôpus desenvolver este projecto de
investigação, no sentido de aprofundar conhecimentos no domínio das necessidades e
apoios sociais das famílias da área geográfica abrangida pela Coordenação da Área
Educativa de Entre Douro e Vouga.
Este trabalho de investigação, produto de uma busca incessante de informação, é,
assim, constituído por quatro capítulos que passaremos a descrever.
No primeiro capítulo correspondente à introdução, para além de dar conta da
organização interna do trabalho, também pretendemos que se contituisse como que um
guião onde o leitor pudesse de forma rápida ficar a conhecer a sua importância, o
problema, os objectivos, as questões de pesquisa e as limitações do estudo, bem como a
operacionalização de termos.
No segundo capítulo é feita uma revisão da literatura, no que concerne aos aspectos
históricos e contemporâneos da IP, uma abordagem às características das famílias
Portuguesas à entrada do novo milénio, e a importância dada pela literatura ao
reconhecimento das necessidades, recursos, avaliação e participação das famílias para um
trabalho nelas centrado.
A parte prática deste estudo é realizada no terceiro capítulo, onde retratamos os
aspectos ligados à metodologia do estudo, nomeadamente a população e a amostra, os
instrumentos e os procedimentos de recolha de dados, e a apresentação dos resultados
referentes às análises estatísticas efectuadas.
No capítulo quatro procedemos, numa primeira fase, à discussão dos resultados
considerando as questões de pesquisa inicialmente formuladas e, numa segunda fase, às
conclusões gerais do estudo e possíveis implicações e sugestões para as práticas em IP.
Capítulo I – Introdução
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1. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
“Following the birth of a child with disabilities, the family needs emotional and practical
means of support.”
(Carpenter, 2000 p.136)
“Despite everything that has been written about supporting families over the past decade,
their needs are still not met.”
(Carpenter, 2000 p.135)
Estas duas afirmações de Carpenter apontam para um problema pertinente. Se por
um lado, o autor refere que as famílias de crianças com Necessidades Especiais (NE)
necessitam de apoio, simultaneamente refere que as necessidades destas famílias ainda não
estão a ser satisfeitas.
Como nos refere Pilisuk e Parks (1986 cit. por Dunst et al., 1994) a família é quem
define a necessidade dos serviços de apoio. Logo, os serviços de IP, para serem eficazes,
devem considerar as necessidades da família (Affleck, Tennen Rowe Roscher & Walker,
1989; Dunst & Trivette 1990 cit. por Guralnick, 1997).
A importância de reconhecer as necessidades das famílias de crianças com NE está
bem documentada em diferentes perspectivas conceptuais e teóricas. A teoria dos sistemas
da família afirma que as necessidades individuais e familiares são forças que guiam o
comportamento. Por outro lado, o modelo de intervenção centrado na família considera que
quando as famílias conseguem satisfazer as necessidades dos seus membros, promovem a
aquisição de competências, que por sua vez, tornam os pais mais capazes de arranjar
tempo, energia e recursos para o bem-estar dos seus membros (Dunst et al, 1994).
A avaliação e a identificação das forças e necessidades da família por parte do
profissional, segundo Bailey (1991, cit. por McGonigel et al., 1991), consistem em
primeiro de tudo que o profissional determine o que as famílias querem para si mesmas e
para as suas crianças e o que elas precisam dos profissionais para o conseguirem. Neste
contexto uma necessidade da família é vista como um desejo expresso de serviços,
enquanto as forças da família são os recursos percepcionados pela família, que podem
satisfazer as suas necessidades.
Capítulo I – Introdução
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Os profissionais corresponsabilizam as famílias reconhecendo e apoiando o uso dos
recursos (formais e informais) e das forças das famílias na satisfação das suas
necessidades.
O comportamento de ajuda, articulado por diferentes serviços, deve identificar
claramente os recursos formais e informais em cada família, que correspondam às suas
necessidades e simultaneamente as corresponsabilizem e as capacitem, tornando-as mais
autónomas na procura de soluções para os seus problemas.
Muitos estudos têm relatado que o investimento dos pais no desenvolvimento da sua
criança com NE está relacionado com o modo como os serviços de IP formais e informais
e os apoios são consistentes com as necessidades e prioridades, bem como correspondem
às rotinas da família (Bailey, McWilliam, Darkes, Hebbeler, Simeonsson, Spiker, &
Wagner, 1998; Filer & Mahoney, 1996; Gallimore et al., 1993 cit. por Guralnick, 2002).
Mas, colocam-se as seguintes questões:
• Quais as necessidades das famílias? As famílias sentem mais necessidades de apoio
directamente relacionadas com a própria família ou mais necessidades de apoio
directamente relacionadas com a criança?
Pois a selecção de um determinado tipo de necessidade de apoio tem influências
directas no tipo de prestação de serviços que devem ser fornecidos.
• Que características das famílias podem influenciar as suas necessidades e apoios?
• Para além dos apoios formais com que apoios informais as famílias podem contar
para a satisfação das suas necessidades?
Estudos sobre o apoio social realçam a importância dos apoios informais prestados
pelos membros da rede pessoal da família.
Baseando-nos num modelo centrado na família em que ao profissional de IP é
atribuído um papel de parceiro colaborativo com as famílias, é exigido que este inicie onde
a família está, levando-o a questionar quais as suas necessidades; que identifique factores
capazes de influenciar essas necessidades, o que corresponde a avaliar as características e
Capítulo I – Introdução
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recursos intra e extrafamiliar (formais e informais) da família; e que construa uma relação
com a família nos parâmetros que esta estabeleceu, o que equivale a perguntar-lhes quais
as suas prioridades, qual o seu desejo de participação na tomada de decisões, como
elemento da equipa multidisciplinar.
2. OBJECTIVOS DO ESTUDO
As implicações que uma criança com NE pode trazer para o seio familiar, o modo
como as características das famílias podem exercer sobre a identificação das necessidades e
utilidade do apoio social, são as premissas que guiam esta investigação. Assim, pretende-se
realizar uma recolha de informação, junto dos principais actores educativos – as famílias –
que nos permita:
• Conhecer as necessidades das famílias, nomeadamente as necessidades de
informação, de apoio social e familiar, financeiras, de explicar a outros, de tomar
conta da criança e de serviços comunitários.
• Conhecer o grau de utilidade dos diferentes elementos da rede de apoio social das
famílias, nomeadamente os familiares, as relações próximas, os grupos sociais, os
profissionais e os grupos de profissionais.
• Analisar de que modo uma maior utilidade das diversas fontes de apoio social,
disponibilizados pela rede de apoio social das famílias, são mais capazes de
satisfazer as necessidades, verificando-se assim uma diminuição das necessidades
expressas.
• Verificar de que forma as características da família como os papéis parentais, a
idade dos pais e da criança, a severidade da NE, a escolaridade dos pais e o
estatuto socioeconómico, influenciam as suas necessidades e a utilidade da sua
rede de apoio social.
Capítulo I – Introdução
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3. QUESTÕES DE PESQUISA
Partindo deste conjunto de objectivos, as questões de pesquisa que pretendemos dar
resposta neste estudo, são formuladas do seguinte modo:
1. Será que, as famílias com mais necessidades consideram de maior utilidade, as
diversas fontes de apoio social disponibilizadas pela sua rede?
2. Será que, a idade da criança é uma variável diferenciadora do tipo de
necessidades expressas, bem como do grau de utilidade dos elementos da sua rede
de apoio social?
3. Será que, a idade dos pais é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades
expressas e do grau de utilidade dos elementos da sua rede de apoio social?
4. Será que, a escolaridade dos pais é uma variável diferenciadora do tipo de
necessidades expressas e do grau de utilidade dos elementos da sua rede de apoio
social?
5. Como é que, o grau de severidade da NE da criança afectará a forma como as
famílias identificam as suas necessidades e o grau de utilidade do apoio
disponibilizado pelos elementos da sua rede de apoio social?
6. Como é que, o estatuto socioeconómico da família afectará a forma como
identificam as suas necessidades e o apoio disponibilizado pelos elementos da sua
rede de apoio social?
7. Como é que, o tipo de colaboração entre os cônjuges/companheiros afectará a
forma como as famílias identificam as suas necessidades e o grau de utilidade dos
elementos da sua rede de apoio social?
Capítulo I – Introdução
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4. OPERACIONALIZAÇÃO DE TERMOS
INTERVENÇÃO PRECOCE – Entende-se por IP um conjunto de intervenções,
dirigidas à população infantil dos 0-6 anos, à família e ao ambiente, tendo como
objectivo dar resposta o mais precocemente às necessidades transitórias ou
permanentes que apresentam as crianças com problemas de desenvolvimento ou em
situação de risco. Estas intervenções devem considerar a globalidade da criança
sendo planificadas por uma equipa de profissionais de orientação interdisciplinar ou
transdisciplinar (Libro Blanco de la Atención Temprana cit. por Boavida, 2003)
NECESSIDADES ESPECIAIS – Termo que designa as crianças que podem ser
consideradas como tendo necessidades educativas especiais, sobredotação ou em
risco de desenvolver problemas (Correia e Martins, 2002).
NECESSIDADES DA FAMÍLIA – Aspirações, objectivos, projectos pessoais que agem
como um conjunto de forças que afectam o comportamento dos diferentes membros
da família e podem ser geradas por acontecimentos e circunstâncias quer de dentro
quer de fora da família (Dunst et al., 1994).
FORÇAS DA FAMÍLIA – Conhecimentos, capacidades e aptidões da unidade familiar e
de cada um dos seus membros usados para identificar as necessidades e para a
obtenção dos recursos e apoios necessários que respondam às necessidades da
família (Dunst et al., 1994).
PRIORIDADES DA FAMÍLIA – Escolhas e desejos da família de como quer que a IP
seja incluída na sua vida (McGonigel et al., 1991).
RECURSOS DA FAMÍLIA – Forças, habilidades e apoios formais e informais que
podem ser mobilizados para satisfazer as necessidades, preocupações ou resultados
da família (McGonigel et al., 1991).
Capítulo I – Introdução
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REDE DE APOIO SOCIAL – Pessoas ou instituições com quem a família e os seus
membros têm contacto, quer directa, quer indirectamente, representando uma fonte
primária de apoio para as famílias e para os membros individuais (Dunst e Trivette
1990, cit. por Chowdhury et al, 1996).
CAPACITAR – Criar oportunidades para que todos os membros da família possam
demonstrar e adquirir competências que consolidem o funcionamento familiar (Dunst
et al., 1988).
CORRESPONSABILIZAR – significa criar oportunidades para que todos os membros
da família possam demonstrar e adquirir competências que consolidem o
funcionamento familiar (Dunst et al., 1988).
PLANO INDIVIDUALIZADO DE APOIO À FAMÍLIA (P.I.A.F.) – Constitui a
interacção, colaboração e parceria entre pais e profissionais, focando-se e centrando-
se na família. Resulta num documento escrito descrevendo serviços a prestar, bem
como a sua coordenação. Este plano faz uma listagem de objectivos individualizados
para as famílias e seus filhos/as (< 3 anos), cuja concretização depende do contributo
de múltiplas instituições. O P.I.A.F. reconhece que as famílias são fundamentais para
o sucesso da IP com os seus filhos/as” (Federal Register, 1989).
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS CENTRADOS NA FAMÍLIA – corresponde a um
conjunto de diferentes disciplinas e instituições que reconhecem a importância
fulcral da família na vida dos indivíduos, orienta-se por um conjunto de escolhas
devidamente informadas feitas pela família e foca-se nos seus pontos fortes e nas
suas capacidades (Allen & Petr, 1996).
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5. DELIMITAÇÕES E LIMITAÇÕES DO ESTUDO
O rigor científico deve caracterizar os estudos desenvolvidos no âmbito de uma
graduação académica como é o caso de mestrado. Contudo, as características que são
inerentes à condição humana, quer como investigador quer como população investigada,
são difíceis de controlar. Neste parágrafo faço uma análise às delimitações e limitações que
fomos encontrando ao longo do desenvolvimento desta investigação.
• O critério grau de NE foi baseado na opinião de quem preencheu o questionário e
não em critérios rigorosos de avaliação.
• Os sujeitos que em maior percentagem responderam aos questionários foram as
mães das crianças com NE, havendo autores que referem que as necessidades
expressas pelas mães diferem significativamente das expressas, por exemplo,
pelos pais.
• O critério usado para a selecção da amostra foi o da conveniência e não um
método de amostragem aleatório o que poderá inviezar os resultados do estudo.
• O processo da recolha da informação, através das educadoras de infância do
ensino especial, poderá ter levado as famílias a distocerem a informação pedida,
não sendo mais realísticas pois alguma dessa informação relaciona-se, quer
directa quer indirectamente, com esses profissionais.
• Apesar das comparações entre os resultados obtidos, referentes a uma
determinada população Portuguesa, e os resultados obtidos por outros estudos,
nomeadamente Americanos, devem-se sempre salvaguardar as diferenças
culturais.
Capítulo I – Introdução
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6. IMPORTÂNCIA DO ESTUDO
Hornby (1991) refere que logo a seguir ao nascimento de uma criança com NE, os
pais sentem necessidades: necessidades do diagnóstico do problema da sua criança, a
necessidade de obter informação compreensível, exacta e actualizada sobre a NE, a
necessidade de receber apoio emocional, e a necessidade de conhecer outros pais de
crianças com NE parecidas.
Ainda neste contexto, Simeonsson (2000) reforça a ideia que as famílias de crianças
com NE sentem necessidades complexas, momentâneas ou contínuas, em diferentes
dimensões: necessidades de informação, necessidade de suporte, necessidades de
explicação aos outros, necessidades de serviços da comunidade, necessidades financeiras e
necessidades sobre o funcionamento da família.
Contudo, cada família é única, com características particulares, necessidades
específicas, recursos formais, informais e comunitários diferenciados, exigindo dos
profissionais uma aproximação individualizada a cada família. Pois, como refere, por um
lado, Coutinho (1996) avaliar as necessidades das famílias constitui uma base para adequar
e individualizar os serviços de IP e, por outro lado, Bailey et al. (1988; 1990) a
identificação das necessidades permite estabelecer prioridades para os serviços de IP e
identificar metas para a intervenção. A determinação de uma necessidade indicada para
ajuda é a parte fundamental da intervenção do apoio social
A investigação teórica comprova também que as opiniões dos profissionais e da
família, relativamente às necessidades, não são coincidentes. Os profissionais não foram
treinados para desenvolverem um trabalho junto das famílias e estão pouco conscientes da
valorização das suas necessidades e recursos. Sendo assim, a disparidade entre as
necessidades percebidas pelos profissionais e pelas próprias famílias, revela que os
profissionais nem sempre se apercebem que os destinatários dos programas de IP se podem
encontrar submersos por outro tipo de exigências mais imediatas.
Dunst (2000) refere que IP consiste na prestação de recursos e serviços a famílias de
crianças pequenas, por parte dos membros de redes de apoio sociais de apoio formal e
informal, que influenciam tanto directa como indirectamente o funcionamento da criança,
dos pais e das famílias.
Capítulo I – Introdução
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À luz desta definição sistémica social de IP, da interdependência que se estabelece
entre as noções de IP e de apoio social, da utilidade de conhecer as necessidades das
famílias para adequar os esforços da intervenção, reveste-se para nós a importância deste
trabalho. Para além de proporcionar instrumentos de avaliação que permitem aos
profissionais avaliar as necessidades, as características e apoios formais e informais da
família, tenta também dar a conhecer quais são as características, as necessidades e apoios
de uma determinada população Portuguesa, que carece de estudos neste domínio, bem
como estabeler relações entre estas três variáveis e reflectir sobre a sua implicação para
uma prática adequada de IP.
Por outro lado, aspira ser um pequeno contributo para o desenvolvimento de serviços
de IP centrados na família, no nosso país, uma vez que estudos recentes (Pereira, 2003)
veêm confirmar a existência de uma reciprocidade entre o grau de satisfação das famílias e
os comportamentos centrados na família dos profissionais de IP.
Atendendo à forma como a avaliação das necessidades e dos recursos são
importantes num contexto de ajuda eficaz em IP, contextualizado nos modelos
contemporâneos centrados na família, parece-nos que a abordagem temática que nos
propomos neste estudo ganha assim relevância. Essa relavância encontra a sua expressão
máxima na afirmação de Almeida (2003) que indica que os Portugueses consideram a
família, como um dos domínios da vida a que maior importância atribuem e em que
mais confiança depositam.
Capítulo II – Revisão da Literatura
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1. INTERVENÇÃO PRECOCE: ASPECTOS HISTÓRICOS E
CONTEMPORÂNEOS
De acordo com Boring (1950 cit. por Peterson, 1987) os profissionais e
investigadores de uma determinada esfera de conhecimento, necessitam conhecer o seu
percurso histórico para serem capazes de avaliar o significado dos novos movimentos e
métodos.
Para entendermos a IP dos nossos dias, temos de nos reportar ao passado e ao
domínio de múltiplas disciplinas. Só através desta visão seremos capazes de conhecer as
linhas de pensamento e as correntes filosóficas que estiveram na base de uma intervenção
iniciada precocemente.
Este capítulo está dividido em três partes: as raízes históricas da IP, a evolução de
teorias e modelos sobre o desenvolvimento e os modelos contemporâneos de
desenvolvimento.
1.1. RAÍZES HISTÓRICAS DA INTERVENÇÃO PRECOCE
1.1.1. EDUCAÇÃO PRÉ-ESCOLAR
A preocupação pela educação da criança pequena foi surgindo ao longo da história
da humanidade, com filósofos e pedagogos que salientaram a importância da educação das
crianças até aos seis anos de idade.
Coménius (1592 – 1670), por exemplo, acentuou as qualidades inaptas da criança e
enfatizou a maleabilidade do comportamento humano. Caracterizou a “School of the
mother” como o contexto mais adequado para a educação nos primeiros seis anos de vida,
onde espontaneamente a criança poderia realizar as suas experiências.
John Locke (1632 – 1704), defendeu o ponto de vista de que os seres humanos
desempenham um papel passivo no seu desenvolvimento. Popularizou a noção de Tabula
rasa, consistindo o desenvolvimento em experiências ambientais que imprimem
conhecimento nessa tábua. Desafiou o conceito dominante da época de um determinismo
ao nível do comportamento e competências da criança. Considera que a mente humana não
Capítulo II – Revisão da Literatura
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é provida de um reservatório de ideias inaptas (mente como um recipiente vazio), mas
essas ideias surgem das sensações, actividades e da prática (forças ambientais – pais,
escola e instituições sociais). Por esse motivo as crianças devem ser educadas e treinadas
para obterem um lugar na sociedade.
Rousseau (1712 – 1788), defensor da ideia que a criança é um ser naturalmente puro
e cheio de potencialidades, defende uma abordagem “laissez-faire”. A orientação educativa
mais adequada é a que proporciona a espontaneidade e a realização das capacidades
individuais da criança. Vê a educação não tanto como o educador deve fazer mas, mais
importante, o que o educador deve abster-se de fazer para não interferir com o desabrochar
natural da criança.
Pestalozzi (1746 – 1827), aplicou, na sala de aula, as ideias das teorias sobre
educação precoce. Foi contra a exclusão dos pobres das aprendizagens precoces, a
utilização excessiva da memória e a punição. Defendeu o amor e a bondade como o meio
para ajudar a criança a desenvolver as suas capacidades físicas e intelectuais.
Froebel (1772 – 1852 cit. por Serrano 2001), cujo contributo da sua filosofia,
enfatizou alguns princípios básicos:
• A educação deve ser passiva no sentido em que deve em 1º lugar proteger e
desenvolver a criança e não ser prescritiva ou controladora.
• A actividade lúdica é natural nas crianças e deve constituir o centro do currículo.
• A actividade lúdica e livre constitui o meio através do qual a criança aprende e
se desenvolve mentalmente.
Atibui-se a Froebel o desenvolvimento do primeiro jardim-de-infância, na Alemanha,
a que chamou de “Kindergarden”, baseado numa filosofia sedimentada em valores
religiosos tradicionais e na crença do jogo supervisionado (Shonkoff & Meisels, 1990).
Nas classes de Kindergarden o currículo era organizado por aquilo a que Froebel designou
de “presentes” (a actividade motora), de “ocupações” (trabalho manual pré-definido) e de
“brincadeiras da mãe” (consistindo em jogos e canções). Com a emigração de Alemães
para os Estados Unidos, as ideias de Froebel começaram a prosperar naquele país. O
Capítulo II – Revisão da Literatura
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movimento de reforma dos Kindergarden foi iniciado por G. Stanley Hall & Jonh Dewey
que criticaram a sua rigidez e desvalorização dos aspectos do desenvolvimento científico.
1.1.2. EDUCAÇÃO ESPECIAL
O percurso da educação especial fornece-nos um enquadramento através do qual
podemos entender hoje a IP.
Apesar das tentativas de Itard, no final do séc. XVIII, para ensinar o “rapaz de
Aveyron”, o menino selvagem, utilizando técnicas hoje conhecidas por modificação do
comportamento, é Seguin, um seu discípulo, que é reconhecido como o pioneiro nesta área
(Shonkoff & Meisels, 1990). Seguin desenvolveu um método fisiológico de educação,
baseado na avaliação detalhada de áreas fortes e fracas e num plano específico de
actividades sensório-motoras para corrigir dificuldades específicas. Surge como um
pioneiro na IP por considerar importante a educação especial iniciada precocemente.
Caldwell (1973 cit. por Shonkoff & Meisels, 1990) refere três grandes períodos
históricos da mudança de atitude e práticas face à educação de crianças com NE: Esquecer
e Esconder, Diagnosticar e Segregar, Identificar e Ajudar. Na primeira metade deste século
as crianças com NE eram escondidas para evitar embaraçar as suas famílias. O segundo
período corresponde às atitudes que prevaleceram nos 50 e 60, as crianças com NE foram
testadas, etiquetadas, e isoladas baseadas na suposição que necessitavam de protecção. O
terceiro período -Identicar e ajudar- começou nos anos 70 e foi marcado por esforços para
fornecer serviços apropriados de intervenção o mais cedo possível.
Shonkoff & Meisels (1990) acrescentaram mais um período de evolução para
descrever os últimos 15 anos dos serviços de educação especial, chamando-lhe Educar e
Incluir. As metas deste período são, segundo os autores: travar as consequências das
condições deficientes, prevenir a ocorrência de distúrbios mais severos, conceder plenos
direitos às famílias das crianças com necessidades especiais, aumentar as oportunidades
para todas as crianças atingirem o seu potencial, integrando-as tanto quanto possível nas
classes regulares e na sociedade.
Capítulo II – Revisão da Literatura
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1.1.3. EDUCAÇÃO COMPENSATÓRIA
No início dos anos 60, podemos referir o movimento da educação compensatória
com um dos percursores da IP.
Os programas de Educação compensatória são criados para prevenir as desvantagens
socioeconómicas de crianças em risco ambiental, que se consideravam como prognóstico
de insucesso escolar e oportunidades limitadas de vida.
De acordo com Simeonsson (1991, cit. por Veiga, 1995) os objectivos da
intervenção visam “prevenir ou reduzir as potenciais alterações no desenvolvimento da
criança (...) através da promoção de condições para um desenvolvimento normal, anulando
ou reduzindo as condições que o possam impedir.”
Um dos exemplos mais conhecidos deste tipo de intervenção é o programa Head
Start, com o qual a prevenção deixa de ser uma preocupação secundária e passa a ser um
aspecto crucial. Neste programa, serviços de saúde, cuidados de alimentação, serviços
psicológicos e sociais bem como os pais e a família, actuam conjuntamente.
Guralnick (1997) refere que este programa, ao reconhecer a ligação entre a saúde da
criança e o seu desenvolvimento, a importância de um controlo comunitário, a ênfase no
suporte dado aos pais nas suas tomadas de decisão e a necessidade de coordenar
eficazmente os serviços necessários em vários domínios, veio definir os componentes dos
modelos emergentes dos programas eficazes e actuais em IP.
A avaliação deste programa veio demonstrar que quando há um esforço concertado
para se trabalhar directamente com as famílias, a intervenção surte efeitos mais positivos
(Mahoney et al., 1998).
1.2. EVOLUÇÃO DE TEORIAS E MODELOS DE DESENVOLVIMENTO
Ao longo do tempo, o estudo do desenvolvimento humano teve sempre como
preocupação o estudo das influências que poderiam interferir nesse processo de
desenvolvimento e que de alguma forma lhe poderia alterar os resultados posteriores.
A grande questão que se colocou foi a de saber qual o papel que cada indivíduo
desempenha no seu desenvolvimento, sobressaindo dois pontos de vista: um que sustenta
Capítulo II – Revisão da Literatura
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que o organismo humano desempenha um papel passivo no desenvolvimento, sendo este
moldado por forças ambientais que estão fora do seu controlo e dos seus próprios corpos e
outro que considera o ser humano como participantes activos no seu próprio
desenvolvimento (Faw, 1980).
Altman & Rogoff (1987 cit. por Bairrão, 1992), propõem quatro perspectivas que
podem incluir as linhas do pensamento dominantes da investigação contemporânea: a
perspectiva dos traços, a perspectiva interaccionista, a perspectiva organísmica e a
perspectiva transaccional.
1.2.1. DEBATE NATURE-NURTURE
1.2.1.1. CONTINUO DE MORBILIDADE REPRODUTIVA
A perspectiva dos traços é habitualmente definida como o estudo do
indivíduo, da mente ou dos processos psicológicos e mentais. Estas
entidades são encaradas como processos intra psíquicos que determinam o
funcionamento psicológico do indivíduo e que obedecem a um percurso
pré-estabelecido do desenvolvimento, de forma mais ou menos
independente dos contextos sociais e físicos e de factores temporais e de
mudança (Bairrão, 1992 p.8).
O desenvolvimento como processo desligado das influências ambientais e assentando
em mecanismos internos ao próprio individuo, dependendo o comportamento inteiramente
da maturação neurológica, tem a sua expressão na teoria maturacionista.
Esta teoria realça o papel desempenhado pelos sistemas biológicos do indivíduo na
determinação dos padrões do desenvolvimento. Arnold Gesell, pediatra e psicólogo,
conduziu estudos, nos finais dos anos 20, sobre as competências das crianças com um
desenvolvimento normal e o desenvolvimento de crianças nascidas prematuramente.
O seu método de observação produziu um conjunto de dados, que continua a
influenciar a construção de instrumentos de avaliação sobre o desenvolvimento, até aos
nossos dias (Shonkoff & Meiseles, 1990).
Capítulo II – Revisão da Literatura
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Gesell (1925) coloca a ênfase nos processos de crescimento e de maturação no
desenvolvimento, realçando o papel activo desempenhado pelos sistemas biológicos do
indivíduo na determinação dos padrões desse desenvolvimento, podendo essa
predisposição ser inibida por uma severa privação ambiental (Faw, 1980). Estabeleceu
normas definitivas para o crescimento e alterações do comportamento para as crianças até
aos cinco anos. Considera que o crescimento presente relaciona-se com o crescimento
passado e que o complexo comportamental total está suspenso num estado de maior
formação. Mudanças maturacionais levam a mudanças na interacção, a forma como a
criança resolve este problema torna-se no alicerce da construção da sua personalidade.
Trata-se deste modo de uma série de níveis de maturidade, ao longo dos quais a
criança se vai progressivamente dirigindo para um nível de comportamento mais elevado.
É invariável a sequência destes estádios, mas não a data do seu aparecimento, servindo as
etapas do crescimento como quadro de referência para se poder localizar o nível de
maturidade que uma criança atingiu num determinado aspecto do comportamento (Borges,
1987).
Nos anos 50, o ponto de vista da perspectiva dos traços, associado ao
reconhecimento crescente da relação entre acontecimentos perinatais adversos e distúrbios
neurodesenvolvimentais futuros, vai popularizar a expressão “continuum of reproductive
casualty” - “contínuo de morbilidade reprodutiva” (Lilienfeld & Parkhurst, 1951;
Lilienfeld & Pasamanick, 1954 cit. por Shonkoff & Meisels, 1990; Bairrão, 1994)
Neste modelo, baixo peso ao nascer, alterações ou doenças do recém-nascido,
problemas de hipoxia, etc., isto é, risco perinatal e condições de complicações neonatais,
iriam inevitavelmente conduzir a défices desenvolvimentais, sobretudo a nível cognitivo
(Bairrão, 1994).
O modelo linear do desenvolvimento humano de Gesell, ancorado no modelo médico
e dominante até aos anos 50, foi posto em causa pelos argumentos da perspectiva
interaccionista.
A visão interaccionista onde, entre outros, os modelos comportamentais
claramente se incluem, assume a existência separada de contextos, de
indivíduos, de processos psicológicos e de variáveis temporais. Por sua vez,
a análise das interacções assenta na compreensão das relações causais entre
Capítulo II – Revisão da Literatura
20
antecedentes e consequentes das variáveis individuais e ambientais, segundo
um processo sistémicas, objectivo e replicável (Bairrão, 1992 p.9).
Os behavioristas consideram que na ausência de lesões cerebrais significativas, o
desenvolvimento da criança é controlado por forças ambientais (Shonkoff & Meisels, 1990
p.12).
Watson (1924) acredita que o desenvolvimento da criança pode ser inteiramente
determinado pelo elaborado aumento de mudanças do comportamento e associações. O
processo mental interno e a maturação inapta têm uma influência mínima.
Watson compreendia a aprendizagem como o mecanismo chave para a estabilização
do desenvolvimento e do comportamento, desde o nascimento à maturidade. Reflectindo o
ponto de vista de que os seres humanos são participantes passivos no seu desenvolvimento,
enfatiza a importância do ambiente para moldar o desenvolvimento da criança. O
desenvolvimento era compreendido como um processo mecânico que poderia ser reduzido
a unidades fundamentais de aprendizagem.
O ambiente fornece padrões de reforço ou prémios que moldam e determinam a
resposta da criança. Esta aprende através de uma série de respostas do seu comportamento
e da associação entre o seu comportamento e a acção do ambiente.
Esta teoria continua, nos nossos dias, a ser útil (nomeadamente no trabalho com
crianças autistas) quando se pretende lidar com comportamentos disruptivos, na mudança
de um comportamento isolado ou ensinar habilidades simples. Contudo não tem em conta
as competências da criança, a motivação, emoções ou os mecanismos internos do
comportamento.
Enquanto Watson defendia o behaviorismo e a importância do ambiente, Gesell
colocava a ênfase nos processos de crescimento e maturação no desenvolvimento.
Contudo, a controvérsia sobre o impacto relativo nature-nurture no processo de
desenvolvimento continuava.
Esta dicotomia veio a encontrar resolução com o advento da revolução cognitiva de
Piaget, nos anos 50 e 60 quando as fronteiras entre o domínio biológico e social se
quebram, iniciando-se uma conceptualização alternativa ao modelo nature-nurture.
Capítulo II – Revisão da Literatura
21
Piaget, biólogo, epistemólogo e psicólogo, estudou os processos cognitivos,
valorizando o papel das estruturas cognitivas nos comportamentos da criança e a
capacidade organizativa do sujeito, face aos estímulos ambientais, salientando o papel
activo da criança na dinamização do seu próprio desenvolvimento (Borges, 1987).
Piaget via as crianças como participantes activos nas suas experiências de vida,
incorporando constantemente experiências (isto é, assimilação) nas suas próprias estruturas
mentais e físicas, criando assim, um sistema organizado de acções (esquema). Os
esquemas de uma criança constituem a base para o entendimento do seu mundo e também
para o entendimento de novas experiências. Quando confrontada com um novo evento, a
criança modifica os seus comportamento e estruturas mentais para lidar com ele (isto é,
acomodação).
Piaget (1952), sustenta que a criança traz ao seu ambiente o seu próprio programa de
desenvolvimento e usa o ambiente para facilitar a sua implementação (Faw, 1980).
Enfatizando a participação activa dos seres humanos no seu desenvolvimento, elaborou um
modelo de desenvolvimento cognitivo que demonstra os efeitos da maturação cognitiva na
capacidade da criança dominar conceitos progressivamente mais complexos. A criança
progride através de sequências de desenvolvimento universais e invariantes, em que cada
estádio é marcado por características de organização do pensamento e de actividade.
O reconhecimento da natureza activa e construtiva da criança, foi verificado em
estudos de pesquisa, em desenvolvimentos típicos e atípicos (Simeonsson, 2000).
Vygotsky (1978) acrescenta ao modelo de Piaget a importância do contexto social no
desenvolvimento e aprendizagem da criança. Os dois autores atribuem ao jogo, às
experiências, às práticas educativas e à exploração do meio um papel fundamental no
desenvolvimento do pensamento simbólico e abstracto.
Embora o modelo interaccional melhore a eficácia geral na predictabilidade dos
factores de risco que conduzem a resultados pobres de desenvolvimento, é, contudo,
insuficiente para facilitar a nossa compreensão acerca dos mecanismos que conduzem à
perturbação tardia do desenvolvimento (Sameroff & Chandler, 1975).
Capítulo II – Revisão da Literatura
22
Bairrão (1992) considera os princípios piagetianos e o modelo do determinismo
recíproco de Bandura dentro de uma perspectiva organísmica ou sistémica. Para o autor,
esta perspectiva é definida como o estudo de sistemas psicológicos dinâmicos e holísticos
nos quais a pessoa e os componentes do meio circundante exibem entre si relações e
influências complexas e recíprocas, continuando, como na perspectiva interaccionista, a
unidade de análise é o todo ou o sistema pessoa-meio, como partes separadas, embora
inter-relacionando-se de forma complexa.
Para Bandura e seus seguidores (1963, 1971), a imitação dos modelos e o ambiente
são as modalidades predominantes da aprendizagem, determinando estes, quando e como
uma criança aprende. Com os processos da atenção, da retenção, da reprodução motora, e
do reforço, a criança aprende habilidades, atitudes, e novas estratégias. Para esta teoria, a
contribuição dos próprios recursos internos da criança, a iniciativa e a prontidão para
aprender, são vistas como pouco importantes. Os teóricos da aprendizagem social
enfatizaram a importância de estruturas sociais para o crescimento de uma criança.
Sameroff & Chandler (1975) após uma revisão dos estudos sobre os factores
perinatais no desenvolvimento, concluíram que "se continuarmos a acreditar que um
contínuo da morbilidade reprodutiva existe, a sua importância limita-se à comparação das
influências massivas de factores socioeconómicos no desenvolvimento prenatal e
pósnatal."
1.2.1.2. CONTINUO DE ACIDENTES DE SOCIALIZAÇÃO
Birch & Gussow (1970 cit. por Sameroff, 1975) argumentaram que o risco elevado
das crianças está associado com o status social desfavorecido e à etnicidade. Ao realizar
um estudo onde estiveram presentes estas duas variáveis, Pasamanick, Knobloch, &
Lilienfeld (1956) concluíram que a proporção de crianças com problemas aumentava cerca
de três vezes mais nas famílias brancas com um estatuto socioeconómico baixo e cerca de
dez vezes mais nas famílias não brancas, com o mesmo estatuto socioeconómico,
comparativamente à proporção observada nas famílias brancas com um estatuto
socioeconómico elevado.
Capítulo II – Revisão da Literatura
23
Por outro lado, um estudo longitudinal realizado na ilha do Kauai (Werner, Bierman
& French, 1989,1992) constituído por uma amostra de 698 crianças, Polinésias, Porto
riquenhas e Portuguesas nascidas em 1955. Na sua maioria expostas a múltiplos factores de
risco entre os quais complicações peri-natais, psicopatologia parental, instabilidade
familiar e pobreza crónica e cujos dados foram recolhidos no nascimento, no período pós
parto e nas idades de 1, 2, 10, 18, 32 e 40 anos. Os resultados sugerem que uma em cada
três crianças desenvolveram problemas de aprendizagem e ou comportamento, nas duas
primeiras décadas das suas vidas (Serrano, 2001).
Sameroff (1975 p. 273) afirma que “os resultados do estudo de Kauai parecem
indicar que as complicações perinatais estão consistentemente relacionadas com o
desenvolvimento físico e psicológico futuro das crianças apenas quando combinadas com
circunstâncias ambientais persistentemente pobres”. O autor conclui que “dez vezes mais
crianças tiveram problemas relacionados com os efeitos de um ambiente pobre do que com
os efeitos perinatais”.
Sameroff & Fiese (1990) referem que quando a família e as variáveis culturais
promovem o desenvolvimento, as crianças com complicações na altura do nascimento não
se distinguem das outras, por outro lado, quando as variáveis culturais da família impedem
e dificultam o desenvolvimento, até as crianças sem complicações biológicas podem
desenvolver graves défices.
Assim, o estatuto socioeconómico parece ter uma influência mais forte no curso do
desenvolvimento do que a história perinatal. Estas evidências sugerem que o paradigma de
contínuo de morbilidade reprodutivo não é suficiente para explicar o desenvolvimento,
evolui-se para um paradigma que Sameroff & Chandler (1975) designam de “continuum of
caretaking casuality” - “contínuo de acidentes de socialização” (Bairrão, 1994) que aponta
para os efeitos transaccionais de factores familiares, sociais e ambientais no
desenvolvimento humano.
Mais importante que os acidentes reprodutivos, é o ambiente da prestação de
cuidados em que os ambientes apoiantes, compensatórios e normalizantes podem eliminar
os efeitos das complicações precoces. Por outro lado, ambientes stressantes, depressivos ou
baixo nível educacional parental parecem exacerbar as dificuldades iniciais.
Capítulo II – Revisão da Literatura
24
Porém, nesta tentativa de compreensão dos problemas de desenvolvimento, ainda é
ignorada a influência das características individuais da criança, no ambiente ao qual está
exposta.
O estudo de crianças provenientes de famílias negligentes ou abusivas veio
evidenciar características dos pais (baixo QI e níveis elevados de agressividade,
impulsividade e imaturidade) que os poderia predispor mais ao abuso. Contudo, outros pais
com características similares não abusavam das suas crianças.
Sameroff & Chandler (1975) encontraram sustentação para a hipótese de que as
crianças com determinadas características (baixo peso ao nascer e prematuras) poderiam
predispor os pais ao abuso ou negligência.
“The effects of birth complications on later development can be mediated by the attitudes of
the child`s caretakers” (Sameroff & Chandler, 1975 p.209).
Bell (1968 cit. por Sameroff, 1975) fez uma revisão da literatura sobre os efeitos na
interacção dos cuidados e concluiu que muitos desses estudos mostravam que as crianças
estão mais envolvidas na determinação da natureza das relações interpessoais do que o que
se supunha. Bell (1968) considera que muitos comportamentos parentais não são emitidos
espontaneamente, mas sim, desencadeados pelas características e comportamentos da
própria criança.
Thomas, Chess & Birch (1968 cit. por Sameroff, 1975) estudaram as mudanças que
ocorrem no temperamento das crianças em função das transacções com o seu ambiente
familiar. Dos resultados obtidos etiquetaram a criança como difícil se esta apresentasse
determinadas características como reacções intensas quando despertados e adaptabilidade e
irregularidade pobres no seu funcionamento biológico. Se os pais se ajustassem ao
temperamento difícil da criança, o resultado do comportamento provavelmente era bom. Se
não, as dificuldades e o distúrbio de comportamento eram frequentes. A transacção não era
simplesmente a influência unidireccional dos pais na criança, mas também a influência
recíproca da criança nos seus pais.
Conhecendo apenas o temperamento da criança ou conhecendo apenas as atitudes e
as práticas dos pais, não permitiria que se predissesse o resultado do desenvolvimento para
a criança. Parece que são as características das transacções específicas que ocorrem entre
Capítulo II – Revisão da Literatura
25
as crianças e seus pais que determina o curso do desenvolvimento subsequente (Sameroff
& Chandler, 1975).
Nem o contínuo de morbilidade reprodutiva nem o contínuo de acidentes de
socialização, isoladamente, têm um valor de prognóstico acerca das
características do processo de desenvolvimento, mas é provavelmente a
combinação destas dimensões que torna possível a compreensão do
desenvolvimento possível (Sameroff, 1975 p.278).
Para se conseguir uma compreensão dos fenómenos comportamentais é necessário
fazer-se a complementaridade das diferentes perspectivas, anteriormente citadas. Neste
sentido, a abordagem transaccional situa-se numa perspectiva eclética, a qual pressupõe
uma complementaridade de modelos oriundos da psicologia (Bairrão, 1992).
A influência penetrante do modelo transaccional na IP é evidente nas contínuas
aplicações nas questões sobre a avaliação e a intervenção (Simeonsson, 2000).
1.2.2. A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO NA 1ª INFÂNCIA
Na segunda metade do século XX, proliferaram estudos sobre a importância da
relação na 1ª Infância. Spitz (1945) estudou as consequências adversas de privação nas
relações humanas precoces. A sua investigação debruçou-se sobre os efeitos da
institucionalização (hospitais e orfanatos), no desenvolvimento cognitivo e socioemocional
das crianças, realçando um impacto destrutivo no seu desenvolvimento. Esta síndrome a
que designou de hospitalismo determina perturbações com carácter grave, chegando à
invalidez completa da capacidade de adaptação social.
Contudo, Spitz & Wolf (1946 cit. por Dunst 1996) demonstraram que as crianças
criadas numa enfermaria e cujas mães tinham oportunidade de interagir diariamente com
elas, demonstraram resultados significativamente melhores comparadas com crianças
criadas em casa sem estimulação adequada.
Skeels & Dye (1939) estudaram os efeitos de diferentes tipos de experiências no
desenvolvimento cognitivo de crianças institucionalizadas. Os resultados obtidos são
Capítulo II – Revisão da Literatura
26
compatíveis com uma IP, pois as crianças que receberam estimulação suplementar tiveram
ganhos evidentes em termos de QI.
Bowlby (1951) chama a atenção para a importância crítica da relação mãe/criança no
desenvolvimento saudável da criança. Subsequentemente formulou a sua teoria da
vinculação com a qual forneceu fundamentos teóricos para os investigadores da adaptação
socioemocional dos bébes (Ainsworth, 1969; Bowlby, 1969 cit. por Shonkoff & Meisels,
1990). Bowlby considera essencial à saúde da criança de pouca idade o calor, a intimidade
e a relação constante com a mãe (ou quem, em carácter permanente a substitui). A ausência
desta relação mãe/criança foi denominada por Bowlby de privação materna.
Estes estudos ao evidenciarem os efeitos ambientais da intervenção e a educação
precoce das crianças, no seu desenvolvimento e comportamento, veio indicar qual o rumo
que a IP deveria seguir, bem como indicar-nos a eficácia da família em proporcionar
experiências ambientais que podem influenciar o curso do desenvolvimento da criança.
1.3. MODELOS CONTEMPORÂNEOS DE DESENVOLVIMENTO
Se por um lado as teorias do século passado sobre o desenvolvimento da criança,
enfatizaram a importância do desenvolvimento precoce e das influências ambientais como
determinantes desse desenvolvimento, por outro lado, as teorias contemporâneas
trouxeram um novo enquadramento que expandiu significativamente a forma como a IP
tem sido implementada e conceptualizada (Dunst, 1996).
A abordagem às raízes históricas da IP e aos contributos da investigação sobre o
desenvolvimento da criança trouxe novas luzes para encarar a intervenção com crianças
pequenas.
Actualmente os profissionais baseiam as suas práticas em três modelos
contemporâneos do desenvolvimento: Modelo Transaccional de Sameroff & Chandler
(1975), Modelo da Ecologia do Desenvolvimento de Urie Bronfenbrenner (1979) e o
Modelo de Apoio Social Centrado na Família de Dunst (1985).
Capítulo II – Revisão da Literatura
27
1.3.1. MODELO TRANSACCIONAL
Sameroff & Chandler (1975) alargaram a investigação realizada por Bell (1968), que
argumentava que o comportamento era bidireccional e propuseram o modelo transaccional
no qual o indivíduo e o ambiente são interdependentes e em constante interacção (Bailey &
Wolery, 1992).
Neste modelo, o desenvolvimento da criança é visto como o produto de
interacções dinâmicas e contínuas da criança e da experiência fornecida pela
família e o contexto social. As experiências fornecidas pelo ambiente não
são independentes da criança, pois esta pode ter sido uma forte determinante
nessas experiências, mas os resultados do desenvolvimento não podem ser
descritos sem uma análise dos efeitos do ambiente na criança (Sameroff &
Chandler, 1975 p.142).
Para os autores, o que é a criança em qualquer ponto do tempo, não é função do
estado inicial da criança, nem do estado inicial do ambiente, mas sim de uma complexa
função da interacção da criança com o ambiente ao longo do tempo.
O resultado da criança não é só um produto cumulativo de uma série de interacções e
transacções, mas é também o resultado de como o indivíduo percebe, define e interpreta as
experiências (Bailey & Wolery, 1992).
Os efeitos desenvolvimentais têm a haver com uma cadeia causal que se estende no
tempo e se enquadra numa estrutura interpretativa. Para explicar esta estrutura Sameroff &
Fiese (1990) introduzem a noção de “environtype”. Para os autores, o “environtype” está
para a organização social assim como o genótipo está para a organização biológica. A
organização social regula a forma como o ser humano se enquadra na sociedade e opera
através da família e dos padrões de socialização culturais.
Os factores ambientais contidos nos códigos culturais, familiares e paternos, regulam
o desenvolvimento cognitivo e socioemocional da criança para que seja capaz de
desempenhar o papel definido pela sociedade.
Capítulo II – Revisão da Literatura
28
O comportamento da criança em qualquer ponto do tempo é o produto de
transacções entre o fenótipo, que é a criança, o environtype, que é a fonte
externa de experiência, e o genótipo que é a fonte de organização biológica
(Sameroff & Fiese, 1990 p.143).
Sameroff (1975) refere que é o carácter específico das transacções que decorrentes
entre a criança e o seu ambiente que parece determinar o curso subsequente do seu
desenvolvimento. A intervenção que se centra apenas na criança é limitada, salientando-se
a importância das modificações que devem ocorrer no meio, quer para potenciar melhores
condições quer para anular influências de variáveis negativas.
Assim, os autores consideram que os problemas encontrados na intervenção devem
ser encarados como o produto das experiências e percepções dos seus participantes.
Ao reconhecer este modelo, a IP aceita que os factores biológicos podem ser
modificados por factores ambientais, e que as vulnerabilidades do desenvolvimento podem
ter etiologias sociais e ambientais (Shonkoff & Meisels, 1990).
Os autores afirmam ainda que o conhecimento da natureza transaccional do
desenvolvimento, os potenciais benefícios dos serviços de IP e a influência da qualidade do
ambiente, de cuidados trazidos à luz pelas pesquisas sobre desenvolvimento da criança,
forneceram a base para o desenvolvimento de estratégias de intervenção para modificar
esse ambiente.
1.3.2. MODELO DA ECOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO
Kurt Lewin foi o primeiro autor a associar o termo ecologia à psicologia,
influenciando outros teóricos do desenvolvimento (Bairrão, 1992). Bronfenbrenner (1974)
critica a psicologia do desenvolvimento na sua forma tradicional e chama a atenção para os
contextos do comportamento e sua importância no desenvolvimento, propondo um modelo
que privilegia as relações dinâmicas e recíprocas entre indivíduo e meio, como alternativa
aos estudos laboratoriais centrados na criança, que na altura dominavam na psicologia do
desenvolvimento (Bairrão, 1992).
Capítulo II – Revisão da Literatura
29
Em 1977, Bronfenbrenner definiu a ecologia do desenvolvimento humano como o
estudo científico da interacção mútua e progressiva entre, por um lado, um indivíduo
activo em constante desenvolvimento e, por outro lado, as propriedades sempre em
transformação dos meios imediatos em que o indivíduo vive, sendo este processo
influenciado pelas relações entre os contextos mais imediatos e os contextos mais vastos
em que aqueles se integram (Portugal, 1992).
Desta definição há a destacar o sujeito como ser dinâmico, em desenvolvimento, que
se move, reestrutura e recria progressivamente o meio onde se encontra; a reciprocidade da
interacção sujeito/mundo e a interacção entre vários contextos.
Neste sentido Bronfenbrenner conceptualiza o contexto de desenvolvimento em
termos de uma hierarquia de sistemas com quatro níveis progressivamente mais
abrangentes: o microssistema, o mesossistema, o exossistema e o macrossistema
(Bronfenbrenner e Crouter, 1983 cit. por Bairrão, 1992).
Bronfenbrenner (1976, 1977, 1979) considera que uma mudança numa parte de um
sistema vão produzir mudanças em outros sistemas.
O ambiente relevante para a criança não se limita ao seu contexto imediato (casa,
escola, familiares, amigos e vizinhos) mas, engloba as interacções entre os vários
contextos. O imediato (microssistema), as relações que se estabelecem entre os diferentes
agentes do contexto imediato (mesossistema), os contextos em que a criança não participa
mas que influenciam as actividades do contexto imediato (exossistema) e os padrões
institucionais da cultura de que os sistemas são expressões concretas (macrossistema).
O desenvolvimento da criança resulta do complexo de interacções que se
estabelecem entre os diferentes sistemas nos quais a criança e a família se movem.
Uma intervenção, ao nível de uma perspectiva ecológica do desenvolvimento, deve
fornecer serviços que dêem às famílias e suas crianças um suporte congruente com a sua
ecologia e consistente com os objectivos manifestados pela família (Bailey & Wolery,
1992).
Nesta perspectiva fica claro que nenhum factor singular controla nenhum resultado
para o desenvolvimento. Uma análise causal deve envolver múltiplos factores em múltiplos
níveis (Sameroff, 1992).
Capítulo II – Revisão da Literatura
30
Usando a palavra ecológico pretendemos transmitir o modo como o
organismo e o seu ambiente imediato (nicho ecológico) respondem um ao
outro. Significa que não podemos entender as relações íntimas entre as
crianças e seus pais sem compreender como as condições que cercam a
família afectam a interacção criança/pais e definem as suas experiências
(Garbarino, 1992 p.19).
Apesar do modelo transaccional do desenvolvimento da criança ter demonstrado que
a família e outras características ecológicas podiam influenciar o desenvolvimento da
criança, para além do pré-determinismo biológico, Dunst et al. (1985,1986 cit. por
Mahoney et al., 1998) relacionam o desenvolvimento da criança não com a quantidade ou
o tipo de serviços que a criança recebe mas sim com o número e a qualidade do apoio
social de que os pais beneficiam.
1.3.3. MODELO DE APOIO SOCIAL CENTRADO NA FAMÍLIA
Este modelo foi desenvolvido inicialmente por Dunst, em 1985, e continuado
posteriormente por Dunst et al., (1988, 1994), considerando actualmente uma terceira
geração do modelo, Dunst (2000).
Dunst et al. (1988, 1994) apresentam-nos um modelo, baseado na teoria de sistemas
e na ecologia humana, para identificar as necessidades e preocupações da família, os
recursos intrafamiliares e extrafamiliares para irem ao encontro das suas necessidades e as
forças e capacidades da família para mobilizar apoios e recursos.
De acordo com os autores as metas para as práticas de avaliação e intervenção
centrada na família consistem na identificação das necessidades da família, na localização
de recursos e apoios para irem ao encontro dessas necessidades, e na ajuda às famílias para
usarem as suas capacidades, bem como aprenderem novas competências para mobilizar
recursos de forma a satisfazer necessidades. Se isto for feito de forma que a família seja
mais competente e capaz para mobilizar recursos, que por sua vez influenciam
positivamente a criança, os pais e o funcionamento familiar, a família tornar-se-á
corresponsabilizada “par excellence” (Dunst et al., 1988, 1994).
Capítulo II – Revisão da Literatura
31
A eficácia do modelo no estabelecimento de uma relação de ajuda e nas práticas de
corresponsabilização depende de três pressupostos fundamentais: 1) à partida as pessoas
possuem já algumas competências ou capacidade de se tornarem competentes; 2) as falhas
em demonstrar competências não são devidas a défices individuais, mais sim à falha dos
sistemas sociais em criar oportunidades para que essas competências se manifestem, a que
os autores denominam de experiências capacitantes; 3) a pessoa que procura ajuda deve
atribuir o comportamento de mudança às suas acções, para que possa adquirir um sentido
de controlo sobre os problemas familiares que enfrenta, ou seja, corresponsabilizar a
pessoa.
1.3.3.1. O MODELO DA PRIMEIRA GERAÇÃO
Na publicação de Enabling and Empowering Families: Principles and Guidelines for
Practice (Dunst et al., 1988) o Modelo de Apoio Social Centrado na Família é
esquematizado em 4 componentes: necessidades e aspirações da família, estilo de
funcionamento familiar (forças e capacidades), apoios e recursos sociais e o
comportamento de ajuda do profissional (ver Figura 1).
Os três primeiros componentes são partes separadas mas interdependentes do
processo de avaliação e intervenção centrado na família. O último componente é visto
como o modo pelo qual as famílias são capacitadas e corresponsabilizadas pelo
profissional, para obter e usar as suas competências na procura de apoios e na mobilização
de recursos de forma a satisfazer necessidades.
Os autores operacionalizam o modelo, obtendo a colaboração pais-profissionais,
recorrendo a práticas de apoio participadas e que potenciam competências, em três
momentos diferentes. Primeiro, identificar prioridades, necessidades, desejos,
preocupações, aspirações da família. Segundo, identificar fontes de apoio
informais/formais e recursos para dar resposta a intenções e a objectivos mencionados.
Terceiro, mobilizar os apoios e recursos, considerando as capacidades existentes ou
promovendo a aquisição de novas competências pela família (Correia e Serrano 1998).
Para Dunst et al. (1988,1994) usar o modelo centrado na família para que ela seja
capacitada e corresponsabilizada, requer que as trocas entre quem pede a ajuda e quem a dá
Capítulo II – Revisão da Literatura
32
tenham certas características: relação de parceria; comunicação eficaz; honestidade
(explicitando o propósito, o que será perguntado e como vai ser usada a informação); a
confidencialidade; o entendimento e a atenção do profissional para as necessidades,
preocupações, projectos da família; a colocação da ênfase nas soluções e não nas causas;
promover o movimento das preocupações para as necessidades e para as acções, criando
trocas interactivas em que ouvindo, promove a partilha por parte da família, a partilha
promove a compreensão do profissional, esta compreensão promove a sua exploração e da
família, e a exploração promove acção e a competência da família.
A família é considerada a unidade de intervenção constituída por elementos
interdependentes com pontos fortes e capacidades que apoiando-a e fortalecendo-a terá
mais hipóteses de ter um impacto positivo em todos os seus membros (Hobbs, 1975;
Hobbs et al., 1984 cit. por Dunst et al., 1994). À família cabe o papel de identificação das
suas aspirações e necessidades.
O modelo centrado na família adopta a perspectiva sistémica social que a considera
inserida em redes e sistemas de apoio social, formal e informal (Dunst, 1985; Dunst et al.,
1988). A rede social da família dispõe de uma grande quantidade de apoios e recursos que
podem ser usados para satisfazer necessidades e aspirações. Ao criar e usar o sistema de
apoio natural, estaremos a criar ligações positivas e proactivas entre os seus membros e a
rede de apoio.
Hobbs et al. (1984 cit. por Dunst, et al., 1994) consideram que satisfazer as
necessidades da família não requer necessariamente o envolvimento de serviços
burocráticos formais mas, ajudar os pais a considerarem os apoios sociais primários como,
os membros da família, parentes próximos, vizinhos e associações voluntárias. Quando as
pessoas reconhecem que têm necessidades geralmente consultam os membros da família,
amigos e vizinhos para se aconselharem sobre os recursos da comunidade que melhor
corresponde às suas necessidades (Gottlieb, 1983 cit. por Dunst et al., 1994).
O apoio informal foi positivamente relacionado com diferentes aspectos da criança,
dos pais e do funcionamento da família. O apoio do intervencionista era considerado mais
útil e benéfico se este fosse considerado como um membro da família (Dunst, 2000).
A corresponsabilizaçao proactiva através das parcerias – “The proactive
empowerment throught partnerships” – tem em conta três princípios.
Capítulo II – Revisão da Literatura
33
O princípio da corresponsabilização das famílias através da criação de oportunidades
para obter conhecimentos e competências necessários para lidar com os problemas,
satisfazer as suas necessidades, realizar projectos pessoais e atingir metas desejadas. O
profissional deve considerar as forças, capacidades e o potencial de cada família. A meta é
fazer com que a família demonstre as suas capacidades na satisfação das suas necessidades
e aspirações, de forma a promover um sentido de controlo e domínio intrafamiliar sobre
aspectos importantes do funcionamento familiar.
Figura 1 – Os componentes fundamentais das práticas centradas na família
Fonte: Dunst, C. J.; Trivette C.M. & Deal A.G. (1988). Enabling and empowering families: Principles and guidelines for practice. Cambridge, MA: Brookline Books (p.10).
Capítulo II – Revisão da Literatura
34
O princípio da promoção proactiva que enfatiza os pontos fortes da família focando-
se na promoção da aquisição de conhecimentos e competências que tornem a família mais
competente, fortalecendo o funcionamento familiar. O comportamento de ajuda consiste
em promover e apoiar o funcionamento familiar de modo a que isso engrandeça a
aquisição de competências que permitam o aumento do controlo familiar sobre actividades
subsequentes (Anthony 1979 cit. por Dunst et al., 1994).
E o princípio das parcerias em detrimento dos relacionamentos paternalistas na sua
forma tradicional (Slater e Wikler, 1986; Solomon, 1985; Dunst et al., 1988,1994).
O modelo parte do pressuposto que todas as famílias têm pontos fortes e
capacidades. Se o profissional os levar em consideração, a família poderá não só ser mais
capaz de responder favoravelmente às intervenções, como as possibilidades de ter um
impacto positivo na família, como um todo, aumentarão consideravelmente. Do ponto de
vista dos autores fortalecer as famílias é promover a sua habilidade para usar as forças a
fim de satisfazer necessidades e assim produzir mudanças positivas no funcionamento
familiar.
1.3.3.2. O MODELO DA SEGUNDA GERAÇÃO
O desenvolvimento da investigação e os avanços na prática referentes ao modelo
anterior resultaram num modelo mais elaborado de apoio e reforço das potencialidades da
família, demonstrado na publicação de Supporting and Strengthening Families: Vol. 1.
Methods, Strategies and Practices (Dunst, et al., 1994).
Neste modelo os autores definem os componentes-chave de um programa de IP
centrado na família (Quadro 1). O modelo integra desde as necessidades identificadas pelas
famílias, aos resultados, se as práticas forem implementadas de uma forma consistente quer
com os princípios de apoio à família, quer com a filosofia de corresponsabilização. Os sete
componentes que o constituem são descritos a seguir:
1. Princípios a considerarem no apoio à família.
Relacionam-se com as convicções e valores de como os serviços, recursos e apoios
deveriam ser disponibilizados ou proporcionados às famílias, que participam nos
Capítulo II – Revisão da Literatura
35
programas de IP (Dunst, 1995; Deal, Trivette e Thompson, 1990 cit. por Dunst, 1998).
Considerando-se que os serviços deveriam ser proporcionados em termos individuais, as
práticas deveriam partir dos pontos fortes e dos recursos informais da comunidade,
reforçando-os, enquanto formas de dar respostas às necessidades identificadas pelas
famílias.
2. Uma filosofia de corresponsabilização da família.
Os princípios de apoio centrado na família têm a sua maior expressão numa filosofia de
corresponsabilização em que os pais têm um papel fulcral na tomada de decisões em
relação a todos os aspectos do seu envolvimento nos programas de IP e de serviços de
apoio à família. Uma filosofia de corresponsabilização da família exige uma mudança
quer na forma de ver as famílias quer na definição de papéis e responsabilização dos
profissionais como parte de uma relação de ajuda (Rappaport, 1981, 1987 cit. por Dunst
et al., 1994). Considerando-se que todas as famílias têm pontos fortes, ou a capacidade
de se tornarem mais competentes pelo recurso a um vasto leque de experiências e
oportunidades para que essas competências se manifestem.
3. Necessidades da família
Este modelo valoriza as práticas de intervenção orientadas pelos próprios consumidores
em detrimento das práticas de prescrição de soluções, reflectindo-se em práticas que dão
respostas ao que as famílias consideram como recursos necessários a uma vida normal,
em família e em comunidade (Dunst et al., 1994).
De acordo com Weissbourd (1987 cit. por Dunst et al., 1994), todas as famílias,
independentemente do estatuto socioeconómico ou de outras características, têm
diversas necessidades que podem ser satisfeitas pelos programas de apoio às famílias.
“Consequently, it is not simply a matter of whether or not family needs are met, but rather the
manner in which needs are met that is likely to have empowering consequences.” (Dunst et al.,
1994 p.3).
Capítulo II – Revisão da Literatura
36
4. Categorias de Necessidades
Os autores consideram que os programas de apoio mais eficazes são os que consideram
as necessidades mais abrangentes, individualizadas e em constante mudança das
famílias. E que ajudam a família a identificar os recursos mais adaptados ao seu estilo
de vida familiar. A habilidade para identificar adequadamente as necessidades das
famílias, bem como os recursos para as satisfazer, exige ao profissional conhecer o que
as famílias desejam para um funcionamento estável, para o crescimento individual e
familiar e para o seu bem-estar (Dunst et al., 1994).
5. Práticas a Nível de Programa
Os programas de IP e de apoio centrado na família recorrem a práticas que se baseiam
nas necessidades, nos pontos fortes, nos recursos existentes e a práticas que ao
disponibilizar ajuda potenciam competências. O objectivo destas práticas é de
proporcionar recursos às famílias como forma de apoio e que potenciam competências
(Dunst et al., 1994). As práticas de intervenção que se baseiam nas necessidades são
aquelas em que as famílias têm um papel essencial na sua definição.
6. Fontes de apoio
Os programas de apoio à família que empregam práticas de intervenção baseadas nos
recursos reconhecem um largo grupo de pessoas, grupos, organizações, programas e
agências da comunidade como potenciais fontes de apoio para dar respostas às
necessidades da família e desenvolverem esforços no sentido de fazer com que essas
pessoas sejam opções de recursos viáveis.
Um método prático para valorizar recursos para satisfazer necessidades da família é usar
fontes de apoio informais em vez de fontes de apoio profissionais (Dunst et al., 1994).
Capítulo II – Revisão da Literatura
37
Quadro 1 – Componentes-chave de um Programa de IP Centrado na Família
FILOSOFIA DA CORRESPONSABILIZAÇÃO
Necessidades da família
Categorias de necessidades
Práticas a nível de programa Fontes de apoio Resultados
A família
enquanto
iniciadora e
consumidora da
intervenção
precoce/
programas de
apoio à família
Desenvolvimento/
educação da
criança
Educação/enrique
cimento do adulto
Cuidados de
saúde/educação
Actividades e
necessidades
vivenciais e
recreativas
Economia
Transporte
Práticas baseadas
nas necessidades
diagnosticadas
Práticas baseadas
nos pontos fortes
Práticas baseadas
em recursos
existentes
Práticas que, ao
disponibilizar
ajuda, potenciam
as competências
Membros da família
Família alargada/
indivíduos com
afinidades
Amigos/vizinhos
Membros e grupos
da Igreja
Sacerdotes
Médicos
Centros recreativos
Grupos comunitários
Programas Head
Start
Grupos de apoio
mútuo
Grupos de apoio de
pais
Programas de
educação infantil
Programas de apoio
à família
Escolaboraa públicas
Centros de saúde
Hospitais
Programas de
serviço comunitário
Comportamento e
desenvolvimento
da criança e da
família
Reconhecimento
por parte da
criança e da
família de um
sentido de
controlo
Qualidade de vida
(satisfação, bem-
estar, estabilidade
da família, etc.)
PRINCÍPIOS A CONSIDERAR NO APOIO À FAMÍLIA
Fonte: Traduzido e adaptado de Supporting and Strengthening Families: Aims and Principles of
Family Support Programs (p.42) de C.J. Dunst, C.M.Trivette e A.G.Deal, 1994, Brookline Books,
Cambridge, Massachusetts.
Capítulo II – Revisão da Literatura
38
7. Resultados
A nível dos resultados, do desenvolvimento e implementação de programas de IP, que
levam em conta os componentes acima referidos, revelam: um aumento das
competências comportamentais; a promoção do desenvolvimento da criança, dos pais e
da família; um incremento da corresponsabilização e da eficácia pessoal e um leque de
indicadores da qualidade de vida da família (bem-estar, satisfação, etc.)
Da implementação do modelo descrito, bem como dos seus princípios, os autores
apresentam um conjunto de lições que configuraram e influenciaram os programas de IP
(Dunst, 1998).
• A adopção de princípios de apoio à família, sendo uma condição necessária, não é
suficiente para que um programa de IP/apoio seja orientado por uma filosofia que
se centra na família (sendo imprescindível a passagem dos princípios às práticas).
• A passagem da filosofia da corresponsabilização à prática deverá ser pensada em
termos de um extenso leque de experiências e oportunidades que levam os
indivíduos a pôr em acção as capacidades já existentes e a aprender novas
competências.
• As práticas de IP eficazes são aquelas que dão resposta às necessidades de cariz
geral das famílias, assim como o fazem também em relação às necessidades
particulares e em constante mudança das famílias e dos seus membros individuais.
• As práticas centradas na família tem mais probabilidades de ocorrer quando os
programas e os profissionais demonstram importantes mudanças paradigmáticas na
forma como perspectivam os objectivos, métodos e resultados da IP
(nomeadamente quando consideram o fulcro da intervenção identificado pela
família, quando as práticas se baseiam em pontos fortes e potenciam competências
e, quando baseiam as suas práticas nos recursos).
Capítulo II – Revisão da Literatura
39
• Quando se recorre a abordagens baseadas em recursos ao invés de abordagens
baseadas em serviços para estruturar as práticas de IP, as competências que se
proporcionam às crianças e famílias são maximizadas.
• Os benefícios da IP têm mais probabilidades de ocorrer quando os recursos que
potencializam as capacidades comportamentais e promovem o desenvolvimento,
resultam de atribuições respeitantes à auto-eficácia dos indivíduos e melhoram a
qualidade de vida, quer das crianças, quer das famílias.
1.3.3.3. O MODELO DA TERCEIRA GERAÇÃO
O modelo da terceira geração (Figura 2) reflecte os princípios e as práticas
recomendadas para a IP e inclui as oportunidades de aprendizagem da criança (Dunst &
Bruder, 1999), o apoio aos pais (Cowan, Powell, & Cowan, 1998), e o apoio e os recursos
da família/comunidade (Trivette et al., 1997) centrados na família (cit. por Dunst, 2000).
O apoio aos pais inclui formação e orientação, quer para fortalecer as competências
e os conhecimentos existentes, quer para promover a aquisição de novas aptidões
necessárias para educar a criança e aumentar as oportunidades de aprendizagem. O apoio e
os recursos da família/comunidade incluem os recursos intrafamiliares, e os recursos
informais e formais da comunidade e da família que os pais necessitam de forma a terem
tempo e energia para se envolverem nas actividades de educação e de pais. Nas práticas
centradas nas famílias, estes recursos têm um papel central nas decisões que envolvem a
criança, os pais e as prioridades e preferências da família (Dunst, 2000). Se se conhece
bem a importância das oportunidades de aprendizagem da criança nos contextos formais,
não é tão bem conhecida a importância das oportunidades de aprendizagem da criança
nos contextos de vida informal na família e na comunidade. Daí que a outra esfera do
modelo se debruçe sobre as oportunidades de aprendizagem da criança, nos contextos mais
naturais (Dunst, 2001 cit. por Serrano, Pereira e Carvalho, 2003).
Capítulo II – Revisão da Literatura
40
Figura 2 – Os componentes do modelo integrado centrado na família
Fonte: Dunst, C. J. (2000). Revisiting `Rethinking early intervention`. Topics in Early
Childhood Special Education, vol. 20 (p.101).
A intercepção das oportunidades de aprendizagem da criança com o apoio e os
recursos da família/comunidade define as actividades contextualizadas para as
oportunidades de aprendizagens na família e na comunidade (Dunst & Bruder, 1999). As
actividades contextualizadas incluem as diferentes experiências e oportunidades da criança
no seu dia-a-dia, rotinas e rituais da família, em ocasiões e eventos especiais, nas
celebrações e tradições da família e da comunidade, etc.
A intercepção das oportunidades de aprendizagem da criança com o apoio aos
pais define os estilos parentais e as práticas de ensino mais capazes de terem
Capítulo II – Revisão da Literatura
41
consequências positivas no desenvolvimento, já que as actividades do contexto familiar são
a maior fonte de aprendizagem para a criança.
A intercepção do apoio e dos recursos da família/comunidade com o apoio aos
pais definem as oportunidades participadas que os pais têm com os membros da rede de
apoio social, influenciando as suas atitudes e comportamentos.
Este modelo de terceira geração tem sido usado como um enquadramento para
conceptualizar estruturar as praticas em IP. Dado que a intervenção directa dos
profissionais tem menos influencia que o envolvimento de pessoas significativas para a
criança e família e que a vida em família e em comunidade proporciona diferentes
experiências que dão à criança oportunidades de aprendizagem enriquecidas, então os
programas de IP devem ser pensados nos contextos naturais da família e da comunidade.
Pois, como refere McWilliam (2002, cit. por Serrano, Pereira e Carvalho, 2003) a
aprendizagem da criança acontece no espaço entre visitas domiciliárias, dai que os
profissionais de IP devam conhecer a a importância das oportunidades de aprendizagem da
criança nos contextos naturais, ajustando a intervenção aos recursos das comunidades,
interesses, potencialidades e estilos de vida de cada família, sendo assim a vida das
famílias mais qualificada, normalizada e inclusiva.
1.3.3.4. CLARIFICAÇÃO DE CONCEITOS
Como podemos entender até aqui, sobre o que foi dito acerca das práticas de
intervenção e avaliação, baseadas nas necessidades e centradas na família, o modelo
corresponde a uma conceptualização de intervenção que se distancia da forma tradicional
de prestação de serviços e de recursos. Para esclarecer todas as dúvidas, os autores
procedem à clarificação de alguns parâmetros que podem ser visualizados no Quadro 2
(Dunst, 1989; Dunst et al., 1988,1994).
Capítulo II – Revisão da Literatura
42
Quadro 2 – Clarificação de Conceitos sobre o modelo centrado na família
CONCEITO ERRADO CLARIFICAÇÃO DO CONCEITO
O modelo está orientado para o
défice.
Se a família identificar as suas necessidades, desejos e aspirações
e a intervenção for responsiva às suas preocupações e metas,
então o modelo baseia-se nos pontos fortes e nos recursos
intrafamiliares.
O modelo não tem em atenção
as considerações do
profissional quanto às
necessidades de intervenção
O modelo é responsivo, e a sua base de intervenção considera o
que a família acha importante para si, contudo o profissional tem
a obrigação ética de, sensivelmente, levar a atenção da família
para as áreas que este considera importante.
O modelo falha em responder
adequadamente às
necessidades da criança.
Se o modelo for correctamente aplicado, é altamente responsivo
às necessidades da criança bem como dos outros elementos, isto
porque, se por um lado a criança é um membro da família, por
outro a grande maioria de necessidades identificadas pelos pais
são preocupações acerca do bem-estar, crescimento e
desenvolvimento da criança.
Algumas famílias não sabem
quais as suas necessidades nem
dizer o que querem, daí que o
profissional o tenha de fazer.
A falta de habilidade para expressar necessidades deve-se à falta
de oportunidades para o fazer. Quando o profissional proporciona
à família esta oportunidade (perguntando-lhe o que deseja, o que
pensa e o que sente que é melhor para si), com o tempo e a
prática serão capazes de o fazer sozinhos.
O modelo coloca o profissional
a “actuar contra ”a sua opinião
profissional e padrões éticos.
Primeiro o profissional deve ouvir e ajudar a família a articular as
suas preocupações e desejos e se as necessidades e metas forem
contra a “melhor opinião do profissional”, deve ser sensivelmente
explicado à família. Contudo se a decisão da família for legítima
e legal deve prevalecer sobre qualquer outra.
As escalas de avaliação e os
procedimentos de intervenção
são intrusivos
Quando as razões do procedimento usado são bem explicados e
divulgados às famílias e, quando estas sabem que se não
quiserem não têm de responder, esta situação não acontece. Até
porque um procedimento eficaz apenas analisa o que a família
considera importante sobre si.
Capítulo II – Revisão da Literatura
43
As práticas do modelo
significam ser “tudo para
todos”.
Ser responsivo às necessidades da família não significa fazer tudo
ou prestar todos os serviços e recursos, mas antes ajudar a família
a aceder a recursos e serviços apropriados.
Todas as necessidades
identificadas pela família
devem de ser satisfeitas pela
equipa de profissionais.
Apesar dos recursos da equipa serem importantes não são a única
fonte de apoio para satisfazer necessidades. O papel do
profissional é informar e ligar a família às diferentes fontes de
apoio e recurso da comunidade.
Vários estudos têm salientado que apesar das práticas propostas por uma abordagem
centrada na família serem consideradas ideais por pais e profissionais, as práticas actuais
não vão ao encontro de uma filosofia centrada na família (Ernest et al., 1997 cit. por Dunst,
2002). Realça-se ainda uma discrepância entre as poucas práticas centradas na família
relatadas pelos pais e as que os serviços de IP dizem oferecer (Dunst et al., 1991; McBride
et al., 1993 cit. por Dunst, 2002).
Os problemas que se colocam a uma aproximação centrada na família, não são de
fácil resolução e envolvem aspectos como negociação e confrontação de conflitos, em vez
da actual aceitação total da opinião do “perito”.
“No one can speak with final authority for the family or the young child with disabilities
individual selves within the colaborative self called the early intervention team, a team that
includes the family at its center, will perhaps frequently feel uncertain and anxious.” Brinker (1992
p.11)
Capítulo II – Revisão da Literatura
44
2. UMA ABORDAGEM ÀS FAMILIAS
Se o nascimento de uma criança normal traz modificações evidentes para a família, o
impacto do nascimento de criança com NE na família, provavelmente, será muito maior.
Neste capítulo tentaremos analisar as características das famílias e particularmente das
famílias que têm crianças com NE. Por conseguinte, a ideia que desde os anos 70 a família
em Portugal tem registado transformações profundas e a análise de dados demográficos
que reflectem variações a nível regional, são aspectos que serão abordados neste ponto,
com o objectivo de compreender as famílias Portuguesas e mais especificamente as
famílias de crianças com NE.
2.1. CARACTERÍSTICAS DAS FAMÍLIAS
Nem sempre a IP teve a família como objectivo de avaliação e intervenção. As
sucessivas aproximações passaram por três fases. Na primeira fase a avaliação e a
intervenção era focada quase exclusivamente na criança; numa segunda fase houve o
reconhecimento dos pais como professores dos seus filhos, baseando-se a IP na
modificação do comportamento em que os pais eram treinados para aumentar as
capacidades ou diminuir comportamentos disruptivos; numa terceira fase reconhece-se a
família como alvo de avaliação e de intervenção, argumentando-se que ela é o contexto
ecológico em que a criança funciona (Bronfenbrenner, 1979) e um sistema com
necessidades individuais e colaborativas (Campbell & Draper, 1985 cit. por Simeonsson,
1988).
Apesar da diversidade de famílias que tendem a existir devido ao aumento da taxa de
divórcios e de segundos casamentos, Simeonsson (1988) realça que existem características
típicas na maioria das famílias, em termos das suas dimensões estrutural, funcional e
desenvolvimental.
Capítulo II – Revisão da Literatura
45
2.1.1. CARACTERÍSTICAS ESTRUTURAIS
Ao nível das características estruturais temos dois tipos de análise. Um diz respeito à
composição da família, i.e. quem são os membros que constituem as famílias. Reflectindo
esta análise sobre as tendências sociológicas actuais das novas formas familiares (exemplo:
as famílias monoparentais), Simeonsson (1988) afirma ainda assim ser possível considerar
a composição da família imediata (uma ou mais crianças e a mãe e/ou o pai, em que quer a
criança quer os pais têm papéis e necessidades únicas) e a família alargada (avós maternos e
paternos, tios e primos). Os membros da família imediata e mais alargada são portadores de
histórias e necessidades para as relações familiares. Conhecer estas necessidades
individuais e colaborativas implica averiguar a composição da família.
“Defining the functional family unit and significant members of that unit is important,
however, in assessing family functioning and developing realistic intervention plans.”
(Simeonsson, 1988 p.21)
O outro nível de análise estrutural baseia-se nas propriedades sistémicas da família
em contexto, em que as relações dinâmicas entre os membros da família transcendem os
papéis individuais. Os indivíduos criam e reforçam a estrutura e esta socializa e controla a
pessoa (Massey, 1986 cit. por Simeonsson, 1988).
Na família, como sistema, os seus membros estabelecem papéis, relações, crescem,
desenvolvem e mudam enquanto interagem mutuamente. A presença de uma criança com
NE terá um impacto na família como um todo, nomeadamente a nível económico,
vocacional, das relações sociais e da satisfação familiar (Fine & Nissenbaum, 2000).
As investigações sobre o impacto da criança com NE na família, inicialmente só se
referiam à adaptação da mãe, contudo, mais recentemente, tem havido interesse no pai
(Gallagher et al., 1981,1983 cit. por Simeonsson, 1988), nos irmãos e na família alargada.
Estes estudos actuais revelam que a experiência da mãe é, provavelmente, a mais
substancialmente afectada.
McLinden (1990) descreve, no seu estudo, o impacto de uma criança com NE na
forma como os pais e as mães vêem diferentes aspectos da sua vida diária. Apesar de não
ter sido encontrada significância estatística entre as mães e os pais para a escala de apoio
social, em termos de exigência de tempo e de bem-estar, o estudo revela uma frequência
Capítulo II – Revisão da Literatura
46
maior da ocorrência de um impacto negativo no tempo e bem-estar pessoal da mãe.
Aproximadamente 40% das mães consideravam desproporcional a atribuição do seu tempo
à criança com NE, em detrimento do tempo para elas próprias ou para os restantes
membros da família. Conclui o estudo que as mães têm uma maior frequência de
exigências de tempo para cuidar da sua criança do que os pais, experimentando mais vezes
estados psicológicos e emocionais negativos. Contudo, usam mais frequentemente
estratégias mais positivas para lidar com a sua criança.
Estes dados são consistentes com os encontrados por Frey, Fewell e Vadasy (1989
cit. por Brinker, 1992) que analisaram a adaptação a uma criança com NE pelos múltiplos
membros da família. A adaptação inicial do pai foi correlacionada com a adaptação
subsequente quer da mãe quer do desenvolvimento da criança, enquanto a adaptação inicial
da mãe não foi correlacionada nem com a adaptação subsequente da mãe nem do
desenvolvimento subsequente da criança
2.1.2. CARACTERÍSTICAS FUNCIONAIS
Referindo-se às características funcionais, Bailey et al., (1992) fazem a seguinte
afirmação:
“ Focus on the needs, tasks or functions experienced by families as they seek to adapt to
demands or events either external or internal to the family”
Dentro de uma família há funções que devem ser cumpridas pelos seus membros
individualmente ou pelos subsistemas que a compõe para que o processo de adaptação e
ajustamento seja conseguido, e logo, haja um funcionamento familiar adequado. Embora
existam funções específicas atribuídas tradicionalmente, para os diferentes membros de
cada família em particular, essa distribuição de funções pode ser única.
Simeonsson (1988) atribui aos pais o papel de professores da disciplina, de prover
cuidados de saúde, de líder moral/ético e o papel de cuidar da casa. A criança é o alvo a
quem a família deve sustentar e um membro do sistema familiar. Aos irmãos cabe o papel
de modelo, de substituto dos pais e de companheiro de jogo. Aos avós é atribuído o papel
de conselheiros, educadores do neto e um recurso da família alargada. O estatuto
Capítulo II – Revisão da Literatura
47
socioeconómico e os grupos étnicos contribuem para a variação das funções da família e
para os valores atribuídos a essas funções.
Numa família de uma criança com NE esta atribuição de papéis pode não estar tão
bem delimitada. Estas crianças, a maior parte das vezes, exigem cuidados ou tarefas
adicionais, com consequências para a própria criança, como por exemplo sucessivas
hospitalizações, procedimentos médicos intrusivos e pouco usuais, consequências sociais
associadas à separação da família e a exposição a um largo número de adultos não
familiares desde muito cedo (Battle, 1974 cit. por Simeonsson, 1988). E para a família,
como por exemplo, sono interrompido, provisão de dietas complicadas ou tratamentos
médicos específicos e a aceitação de respostas atípicas ou limitadas para estimulação e
educação (Travis, 1976; Marcus, 1977; Fraiberg, 1974 cit. por Simeonsson, 1988).
Farran, Metager e Sparling (1986 cit. por Simeonsson, 1988) enfatizam que a
inconstância destas tarefas provoca mudanças imediatas na família, bem como crises
repetidas e mudanças de papéis. Só uma avaliação periódica do impacto dessas exigências
adicionais na família poderá ser a base para um entendimento do funcionamento familiar.
2.1.3. CARACTERÍSTICAS DESENVOLVIMENTAIS
Combrinck-Graham (1985 cit. por Simeonsson, 1988) defende um modelo cíclico de
vida das famílias, uma espiral da vida das famílias através das gerações. Este modelo
atribui as mudanças desenvolvimentais que nelas se verificam, ao longo das suas gerações,
a dois tipos de forças: as centrifugas e as centrípetas. As forças centrífugas contribuem
para o afastamento da família, enquanto as forças centrípetas agem para organizar ou juntar
a família.
Uma força centrípeta corresponde a eventos como o nascimento ou a educação de
uma criança, que determinam funções para os pais e para os avós que servem para os unir,
focando-se a energia e os recursos no apoio comum. Enquanto o período da adolescência
corresponde a uma fase em que o jovem deseja a sua independência e separação da família
nuclear, resultando numa força centrífuga. O ciclo de vida vai-se repetir quando este jovem
tiver a sua própria família. As forças centrípetas e centrífugas são respectivamente factores
de apoio e de autonomia que agem sobre as famílias.
Capítulo II – Revisão da Literatura
48
Simeonsson (1988) aponta para dois tipos de implicações que esta concepção do
ciclo de vida das famílias pode trazer para a intervenção com as famílias de crianças com
NE. A primeira dessas implicações aponta para o reconhecimento que as famílias estão
envolvidas num ciclo repetitivo de formação como unidade e de separação como
indivíduo. A segunda aponta para um melhor entendimento de um desenvolvimento
desadaptado, que consiste numa situação que pode ocorrer no sistema familiar e que não se
modifica com o tempo de forma a tornar-se mais centrípeta ou centrifuga.
“ The additional demand characteristics of a handicapped child are likely to prolong or
maintain the centripetal period of contributions to dysfunctional adaptation, within and across
generations of the family system.” (Simeonsson, 1988 p.38)
Por seu lado, Skrtic, Summers, Brotherson e Turnbull (1984 cit. por D´Amato &
Yoshida, 1991) consideram o conceito de ciclo de vida útil para os prestadores de serviços.
Pois o stress causado pela mudança de um estádio para o outro do ciclo de vida exige uma
intervenção mais eficaz, além de que as famílias que se encontram em estádios de
desenvolvimento diferentes manifestam características e necessidades divergentes.
Segundo Hammer & Turner (1996, cit. por Turner, 2000) o processo de ajustamento
dos pais a uma criança com NE é afectado por factores como o estatuto socioeconómico, a
disponibilidade e o uso dos sistemas de apoio, a estabilidade entre o casal, a constelação da
família, a saúde psicológica dos pais, as crenças religiosas e culturais, a natureza e
visibilidade do problema e as estratégias dos membros da família para lidar com ele. Os
autores defendem também que os pais sentem necessidades pessoais, necessidades da
família e necessidades de carreira ou ocupacionais. Se houver uma prioridade contínua a
qualquer uma delas, poderá levar a um impacto negativo. Ao longo do tempo, cada uma
tem prioridade sobre a outra, tendo de haver um delicado balanço.
Para os pais de crianças com NE, estas necessidades desenvolvimentais dizem
respeito aos cuidados com a criança, resultando num aumento de responsabilidades
financeiras, sobrecarga para o prestador de cuidados, de restrições no estilo de vida
familiar e nas oportunidades de careira, que por sua vez são condições que podem levar a
um aumento de stress e do funcionamento psicológico. Sendo crucial que estas famílias
tenham apoios e recursos especiais, oportunidade para ter um dia livre para haver um
Capítulo II – Revisão da Literatura
49
balanço entre as necessidades da criança e as suas próprias necessidades. A satisfação de
necessidades não deve ser vista só do ponto de vista dos pais para as crianças mas também
a satisfação das próprias necessidades dos pais.
“ If parents do not find appropriate ways to meet their own needs, the quality of their
parenting deteriorates” (Hammer & Turner, 1996 cit. por Turner, 2000 p.127).
Figura 3 – Pirâmide das Necessidades Humanas
Fonte: Esquema adaptado de Estanqueiro, 1992
Ainda, enquadrando-nos neste dominio de necessidades pessoais e familiares,
podemos dar ênfase à teoria de auto-actualização de Maslow que colocou as necessidades
básicas numa hierarquia decrescente como podemos observar na Figura 3. Dunst et. al.
(1988,1994) baseando-se nesta teoria, sugerem que as necessidades familiares não
satisfeitas em áreas básicas, como a nutrição, a habitação, a segurança, os cuidados de
saúde, etc., afectam negativamente o bem-estar parental e assumem vantagem sobre as
necessidades educativas da criança. Daí que os programas de IP devam reconhecer e
atender em primeiro lugar às necessidades prioritárias das famílias.
Necessidade de realização profissional
Necessidade de estima e apreço
Necessidade de convivência e afecto
Necessidade de protecção e segurança
Necessidades biológicas
Capítulo II – Revisão da Literatura
50
Os intervencionistas precoces que desejem compreender e apoiar as famílias de
crianças com NE devem avaliar as suas características estruturais, funcionais e
desenvolvimentais, numa base individual.
2.2. ESTRUTURA FAMILIAR PORTUGUESA
Estar conscientes das mudanças que se tem registado na população familiar
portuguesa e conhecer os indicadores demográficos que caracterizam essa população, face
à especificidade da nossa amostra, poderá ser um contributo na forma como encaramos a
especificidade de cada família de crianças com NE.
As famílias são grandes, pequenas, extensas, nucleares, multi-geracionais, com um
elemento de casal ou com dois, com os avós, podendo viver debaixo do mesmo tecto ou
não. Tornamo-nos parte da família por nascimento, adopção, casamento ou por desejo
mútuo de apoio. A família é uma cultura em si mesmo, com diferentes valores e formas
únicas de realizar os seus sonhos. Juntas, as famílias são a fonte de riqueza cultural. As
famílias criam vizinhos, comunidade estados e nações (Winton, 1999 cit. por Carpenter
2000).
A Constituição Portuguesa faz diversas referências à família, considerando-a como
elemento fundamental da sociedade e do Estado. Aos filhos a lei reconhece, na actualidade,
uma importância maior do que no passado; o direito da família está organizado de forma a
garantir os interesses dos filhos em qualquer ocasião. Aos pais incumbe promover, de
acordo com as suas possibilidades o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.
Também aos pais, pertence o poder de decidir, nomeadamente sobre a educação escolar,
religiosa, cultural e recreativa dos filhos.
A família parece ser indubitavelmente o agente de socialização privilegiado que
confere aos seus elementos mais novos status social através do habitus1 e das estratégias
______________________________________________________________________
(1) O habitus prevê e condiciona, de uma forma geral, as práticas familiares e é influenciado pela classe
social e grupo étnico a que as famílias pertencem.
Capítulo II – Revisão da Literatura
51
familiares. Estes vão estruturar a personalidade dos socializados, a sua forma de entender a
vida, a sociedade e a aprendizagem de papéis sociais.
“A família tem sido moldada pelas sociedades, os seus sistemas económicos e culturais e as
religiões, mas que também ela, através do processo de socialização dos indivíduos, concorre
simultaneamente, para a reprodução e dinâmicas das sociedades.” (Leandro, 2001, p.51).
Desta forma conceptualiza-se a socialização como multidimensional e sistémica em
que os diferentes elementos sociais se influenciam simultaneamente.
A socialização primária (operada pela família) é determinante em toda a vida do
indivíduo, ainda que a socialização secundária (operada pela escola, meios de comunicação
e grupos de pares) tenha vindo a tornar-se cada vez mais importante. Contudo, a família
continua a ser a instância basilar em matéria educativa.
A investigação tem demonstrado (Almeida, 2003) que a família em Portugal em
termos de estrutura composição e dimensão média dos agregados familiares tem registado
algumas transformações profundas. Os dados actuais, registados entre 1991-2001,
consolidam ou acentuam tendências evolutivas já captadas em outras épocas:
• Aumento do número de “famílias clássicas” devido ao aumento de “famílias
unipessoais”
• Queda da dimensão média da familia
• Perda de relevo das famílias numerosas
• Concentração das famílias de 2 ou 3 pessoas
• Acréscimo de casais sem filhos
• Avanço expressivo dos núcleos monoparentais
Relativamente à conjugalidade (constituição e dissolução) os resultados obtidos nos
sensos de 2001 confirmam:
• Decréscimo das taxas de de nupcialidade e casamentos na igreja
• Aumento crescente das uniões de facto e dos casamentos com co-residência prévia
dos noivos
• Subida da taxa de divórcio
• Entrada massiva da mulher no mercado de emprego
Capítulo II – Revisão da Literatura
52
Os comportamentos familiares Portugueses sofreram na última década mudanças
acentuadas. Essas mudanças, vividas a velocidades, ritmos e timings diferentes consoante
as regiões do país e os grupos sociais considerados, apesar de seguirem a tendência
europeia, entram tardiamente na modernidade demográfica. Os indicadores demográficos
nacionais, revelam um país que ora se aproxima da média comunitária, ora se afasta dela
mantendo-se fiel a aspectos tradicionais. Contudo, a intensidade de algumas dessas
mudanças não destrói a relevância genérica atribuída pelos Portugueses à família, a qual é
sistematicamente representada como um dos domínios da vida a que maior importância
atribuem e em que mais confiança depositam (Almeida, 2003).
2.2.1. ESPECIFICIDADE FAMILIAR DA AMOSTRA
Apesar das mudanças que se têm registado a nível nacional, os modos de estar e
encarar a família podem ser diferenciados consoante a região do país em que nos
encontramos (Almeida et al., 1998).
As disparidades regionais são uma marca distintiva. Ao considerarmos que as
famílias da nossa amostra pertencem a sete concelhos diferentes, haverá interesse em
conhecer a sua especificidade face das tendências que caracterizam a população
Portuguesa na sua generalidade.
A leitura do Quadro 3 sugere-nos que à excepção do índice de envelhecimento da
população e da taxa de nados vivos fora do casamento, que são os indicadores
demográficos que registam valores inferiores face à percentagem nacional global, os
diferentes concelhos, caracterizam-se por peculiariedades distintas. Os dados realçam que
os concelhos de Espinho, de Oliveira de Azeméis e de Santa Maria da Feira (apesar
apresentarem, estes dois últimos, uma taxa maior de casamentos católicos) são os
concelhos que mais se aproximam às tendências registadas no país. No concelho de Santa
Maria da Feira regista-se a maior taxa de crescimento natural relativamente ao país e aos
restantes concelhos.
Capítulo II – Revisão da Literatura
53
Quadro 3 – Indicadores Demográficos das Famílias em 2001
Taxa de Natalidade
Taxa de
Crescimento Natural
Taxa de Nupcialidade
Taxa de Divórcio
Nados Vivos Fora
do casamento
Casamentos Católicos
Indice de Envelheci-
mento
%0 %
Portugal 10.9 0.7 5.7 1.8 23.8 62.5 103.6
Espinho 11.5 2.9 7.6 1.9 23.1 61.7 72.4
Castelo de
Paiva
12.5
1.8
7.7
0.9
6.5
85.7
61.9
Arouca
10.0
0.5
6.3
1.1
15.0
86.8
86.2
Oliveira
de Azeméis
10.4
2.7
5.5
1.2
13.1
77.0
77.2
S. M. Feira
11.8
5.2
5.3
1.4
14.0
81.1
63.5
S. J.
Madeira
11.6
4.4
4.6
2.3
18.5
60.4
66.3
Vale de Cambra
9.1
-0.4
6.1
0.8
13.4
74.5
96.3
Fonte: Instituto Nacional de Estatística – Portugal
Dos indicadores demográficos referentes ao concelho de Castelo de Paiva podemos
realçar uma taxa de nupcialidade superior à da média nacional (tal como Espinho), uma
taxa de casamentos católicos também superior (só superada por Arouca) e uma taxa menor
de nados vivos fora do casamento (a menor dentro dos concelhos de onde foi retirada a
amostra). As maiores peculiaridades do concelho de S. João da Madeira são maiores taxas
de crescimento natural (só superada pelo concelho de Santa Maria da Feira) e de divórcio
(a maior dentro dos concelhos de onde foi retirada a amostra). Finalmente, o concelho de
Vale de Cambra destaca-se dos restantes concelhos, de onde foi retirada a amostra, e da
população Portuguesa por apresentar as menores taxas de natalidade, de crescimento
natural e de divórcio.
Capítulo II – Revisão da Literatura
54
3. NECESSIDADES E RECURSOS
De acordo com Hobbs et al. (1984, cit. por Dunst et al. 1988) a meta da intervenção é
identificar as necessidades familiares, determinar os recursos formais e informais para
satisfazer essas necessidades e ajudar a ligar as famílias com os recursos identificados.
O modo como as famílias de crianças com NE percepcionam as suas necessidades e
os seus recursos são elementos importantes para a actuação dos profissionais que com elas
trabalham, quer para a satisfação dessas mesmas necessidades, quer para ajuda na
identificação de diferentes fontes de apoio, numa base individualizada.
Os resultados da investigação têm revelado uma relação inversa entre as
necessidades e os apoios que as famílias documentam. As famílias que manifestam muitas
necessidades revelam menos apoios e as que percepcionam mais apoios expressam menos
necessidades (Reyes-Blanes et al., 1999).
O grau de eficácia dos apoios disponibilizados pela rede de apoio da família são tão
mais eficazes quanto mais esses apoios vão ao encontro das necessidades identificadas pela
família (Dunst & Leet 1987 cit. por McWilliam et al., 1996).
3.1. NECESSIDADES DAS FAMÍLIAS
“Uma vida familiar de sucesso requer que todas as necessidades das famílias, incluindo as
dos pais, sejam identificadas e resolvidas.”
(Pereira, 1998, p.14)
“Working with families with handicapped children must, therefore take into account the
needs of families.”
(Russell, 1986, p.24 cit. por Morgado e Beja, 2000)
“Pivotal to the family-centred model is its focus upon the needs of the entire family rather
than on the needs of the child: the respect for family diversity and the emphases on flexible and
responsive service and upon parental choice and decision-making.”
(Dunst, Johanson, Trivette e Hamby, 1991 cit. por Carpenter, 2000)
Capítulo II – Revisão da Literatura
55
As necessidades (aspirações, metas, projectos pessoais, etc.) são um dos maiores
conjuntos de forças que modelam o comportamento dos diferentes membros da família,
sendo essas necessidades muitas vezes provocadas por acontecimentos e circunstâncias de
dentro e de fora da família. (Dunst & Deal, 1987; Dunst & Trivette 1988; Fisher, Nadler &
DePaulo, 1983a; Garbarino, 1982; Little 1983; Palys, 1980 cit. por Dunst et al.,
1988,1994).
Logo a seguir ao nascimento de uma criança com NE os pais, segundo Hornby
(1991) sentem diferentes tipos de necessidades:
• Necessidade que o diagnóstico do problema da sua criança lhes seja transmitido com
sensibilidade e de forma construtiva, num local privado, por um profissional
sensível, com uma visão positiva e realista, que conheça as possíveis causas e
consequências e os serviços disponíveis. O primeiro contacto dos pais com o
profissional que lhes fornece o diagnóstico inicial determinará as suas relações
futuras com outros profissionais.
• Necessidade de obter informação compreensível, exacta e actualizada sobre a NE,
sugestões para facilitar o desenvolvimento da criança e informação sobre os serviços
disponíveis para os ajudar nos cuidados à criança.
• Necessidades de receber apoio emocional, ou seja, precisam de alguém para
expressar e explicar os seus sentimentos e de alguém que os ajude a compreender as
suas reacções e das pessoas que estão à sua volta, para que consigam uma adaptação
bem sucedida à situação.
• Necessidade de conhecer outros pais de crianças com NE parecidas porém, enquanto
alguns pais querem esse encontro pouco depois do diagnóstico, outros não querem
este encontro por vários meses ou até anos.
Simeonsson (2000) reforça a ideia de que, as famílias de crianças com NE sentem
necessidades complexas, momentâneas ou contínuas, em diferentes dimensões:
necessidades de informação, necessidade de suporte, necessidades de explicação aos
Capítulo II – Revisão da Literatura
56
outros, necessidades de serviços da comunidade, necessidades financeiras e necessidades
sobre o funcionamento da família.
Dunst et al. (1994) consideram que as famílias podem estar sujeitas a dois tipos de
necessidades: as necessidades do dia-a-dia e as necessidades que variam em função de
mudanças na situação familiar, antecipadas ou não. O recurso financeiro para duas
refeições diárias, a necessidade de informação sobre as escolas onde poderão colocar o seu
filho ou a necessidade de obter apoio emocional devido a um caso de morte de um membro
da família, são respectivamente exemplos destas necessidades.
Além do tipo de necessidades os autores ainda identificam doze categorias de
necessidades:
• Necessidades económicas
• Necessidades físicas e ambientais
• Necessidades de alimentação e vestuário
• Necessidades de cuidados médicos e dentários
• Necessidades de emprego e vocacionais
• Necessidades de comunicação e transporte
• Necessidades de educação e enriquecimento dos adultos
• Necessidades de educação e intervenção para as crianças
• Necessidades de cuidados para as crianças
• Necessidades recreativas
• Necessidades emocionais
• Necessidades culturais e sociais
No Quadro 4 são dados exemplos de alguns recursos que as famílias usualmente
pedem, em cada categoria de necessidades. A estrutura do quadro torna possível avaliar as
necessidades e simultaneamente identificar recursos para as satisfazer.
Capítulo II – Revisão da Literatura
57
Quadro 4 – Taxonomia de Necessidades
CATEGORIAS DE
NECESSIDADES RECURSOS
Económicas
• Dinheiro para as necessidades
• Dinheiro para as emergências
• Dinheiro para necessidades especiais / projectos
• Dinheiro para o futuro
• Nível estável de rendimento
Físicas
• Ambiente limpo
• Habitação adequada (espaço, segurança, ambiente)
• Vizinhança segura
• Calor adequado, água e encanamento
• Casa acessível a outros recursos
• Recursos para reparos e manutenção da casa
Alimentação / Vestuário • Comida adequada para duas refeições diárias
• Roupa suficiente para cada estação
• Meio adequados para tratar da roupa
Médicas / Dentárias • Profissionais médicos/dentários de confiança
• Cuidados de saúde adequados e disponíveis
• Meios para adquirir cuidados médico/dentário
Vocacionais
• Oportunidade para trabalhar
• Satisfação com o emprego (dentro e fora de casa)
• Segurança no trabalho
• Trabalho disponível e acessível
Transporte / Comunicação • Meio para levar os membros da família onde é preciso ir
• Meio para contactar familiares, amigos e outras fontes de apoio
Educação do Adulto • Oportunidades apropriadas disponíveis de educação do adulto
• Acessíveis oportunidades educacionais
Educação da Criança • Acessíveis oportunidades educacionais para a criança
• Oportunidades/ actividades para ajudar ensinar/jogar com a criança
• Brinquedos apropriados e outros materiais educativos
Cuidados para a Criança
• Ajuda nas rotinas dos cuidados diários
• Alguém que fique com a criança numa emergência
• Cuidados disponíveis/babysitting para os pais irem trabalhar
• Alguém que fique com a criança nos dias de folga
Recreativas • Oportunidades para actividades recreativas para os membros individuais da família, para o casal e para
toda a família
• Facilidades recreativas disponíveis para o membro individual, o casal e toda a família
Emocionais
• Relações intrafamiliares positivas
• Relações positivas fora da família
• Companhia
• Sentido de pertencer a uma família ou a um grupo
• Oportunidade para passar tempo com pessoas significativas
Culturais / Sociais • Oportunidades para partilhar experiências étnicas com outros
• Oportunidades para se envolver em afazeres da comunidade/culturais
• Afazeres da comunidade/culturais acessíveis
Fonte: Traduzido e adaptado de Supporting and Strengthening Families: Needs-Based Family-Centered
Intervention Practices (p.92) de C.J. Dunst, C.M.Trivette e A.G.Deal, 1994, Brookline Books,
Cambridge, Massachusetts.
Capítulo II – Revisão da Literatura
58
Existem diferentes situações, factores e condições que podem definir as necessidades
das famílias, são o que os autores referem de determinantes de necessidades, realçando
quatro tipos:
1) Mudanças no ciclo de vida, quer devido a mudanças normativas (casamento,
aniversário da criança, entrada na escola), quer a mudanças não-normativas (nascimento
de uma criança com NE, perda do emprego). Quando as práticas de avaliação e
intervenção se baseiam nas necessidades e são centradas na família, estas mudanças
devem ser consideradas. Os profissionais devem de estar conscientes do ciclo de vida das
famílias e saber as complicações de que as exigências e respostas de ter uma criança com
NE pode trazer para o funcionamento familiar. Por exemplo, quando uma família com
uma criança sem NE consegue alcançar uma independência individual, a família da
criança com NE, pode ainda funcionar como se tivesse uma criança dependente (Hanline,
1991, Turnbull & Turnbull, 1997 cit. Fine & Nissenbaum, 2000).
2) A estrutura e organização da família podem ter repercussões nas suas definições,
funções e necessidades. A diminuição do número de nascimentos, o aumento da
esperança de vida, a mudança do papel da mulher, o aumento da taxa de divórcios e
segundos casamentos vêm dar nova ênfase na forma de encarar a família e certamente
determinará a necessidade de diferentes recursos (como por exemplo procurar quem
fica com a criança para as mães poderem ir trabalhar).
3) A influência dos valores e crenças culturais, étnicas e religiosas vão determinar as
rotinas e rituais das famílias, i.e. o seu estilo de funcionamento. Dunst et al. (1988)
consideram que não existem estilos de funcionamento certos ou errados mas diferentes
estilos.
4) O contexto da comunidade, i.e. onde e as características especificas da comunidade em
que a família vive, influenciará a necessidade ou desejo de diferentes tipos de recursos.
Compreender essa comunidade traz benefícios para a compreensão das preocupações e
necessidades das famílias.
Capítulo II – Revisão da Literatura
59
Considerando estes determinantes na implementação das práticas de intervenção e
avaliação centradas na família, ajudar-nos-á a identificar necessidades e a encontrar
recursos para as satisfazer.
3.1.1. RELAÇÃO ENTRE NECESSIDADES E PREOCUPAÇÕES
As práticas de intervenção e avaliação baseadas nas necessidades e centradas na
família promovem o fluxo de recursos e apoios para as famílias em resposta às aspirações e
desejos dos membros individuais da família e do seu todo. Contudo, o profissional
necessita de reconhecer as diferenças entre preocupações e necessidades bem como a
relação entre si (Dunst et al., 1988, 1994).
Definindo operacionalmente preocupação como a percepção ou a indicação da
discrepância entre o que é e o que deveria ser (por exemplo as preocupações dos pais
acerca do seu filho com 18 meses que não caminha), ou seja, deve haver consciência da
família e dos seus membros de que a sua situação é substancialmente diferente daquela que
eles gostariam que fosse. Os conceitos como ansiedade, problemas, dificuldades,
inquietações reflectem uma discrepância entre o que é e o que deveria ser.
Por outro lado, necessidade é definida como o discernimento ou a indicação de que
um recurso é preciso ou desejado de modo a alcançar uma meta (Exemplo: preciso saber
mais acerca do que posso fazer para ajudar o meu filho a andar. Onde posso obter
informação e conselhos para ensiná-la a andar). Os conceitos como desejos, metas,
aspirações, prioridades e intenções, são usados com o mesmo significado de necessidade e
reflectem esforço para procurar apoios e recursos necessários à resolução dos problemas e
assim reduzir/eliminar a discrepância entre o que é e o que deveria ser.
Enquanto as preocupações conduzem às percepções das discrepâncias, as
necessidades são condições que conduzem ao reconhecimento que um recurso reduzirá as
discrepâncias entre o que é e o que deveria ser (i.e. identifica soluções).
A identificação das necessidades é o processo através do qual o profissional deve
ajudar as famílias a transformarem as suas preocupações em necessidades, e consiste em
ouvir as preocupações das famílias, ajudá-las a clarificar essas preocupações de modo a
identificar recursos para as necessidades, reduzindo as discrepâncias.
Capítulo II – Revisão da Literatura
60
Para que o indivíduo ou a família perceba ou indique a necessidade de um recurso,
além do reconhecimento da discrepância (consciência psicológica) deve haver o
discernimento pessoal de que a discrepância influencia actualmente, ou influenciará o seu
comportamento (influência de valor). Seguidamente deve ter consciência que há um
recurso que reduzirá a discrepância e o desejo de o obter (reconhecimento da necessidade).
O reconhecimento da necessidade acontece sempre que algo (por exemplo, um recurso) é
identificado como uma forma de ajuda que reduzirá a discrepância percebida. Finalmente,
deve haver um reconhecimento que há um modo de obter um recurso para satisfazer a
necessidade (identificação da solução). Em muitas situações as famílias não se apercebem
das necessidades porque não vêem nenhum modo de como os recursos podem ser obtidos,
embora esses recursos existam (Dunst et al., 1994). A capacidade para reconhecer a
influência destas quatro características é um passo importante na identificação das
necessidades.
3.1.2. MÉTODOS E ESTRATÉGIAS PARA IDENTIFICAR
NECESSIDADES
Dunst et al. (1994) apresentam três métodos para identificar e definir as necessidades
da família: as entrevistas, a observação e as escalas de avaliação. O uso de qualquer um
destes métodos ajuda a clarificar e a identificar as preocupações e os desejos dos elementos
da família, sob a sua própria perspectiva e não a de outrem.
O objectivo do processo de identificação das necessidades é promover a sua
identificação e estabelecer as suas prioridades, metas e aspirações da família. Este processo
requer do profissional prontidão e boa vontade para investir tempo e energia para ouvir os
diferentes membros da família, compreender as suas perspectivas e pontos de vista, sobre a
sua própria situação. No ANEXO A deste trabalho poderá ter acesso a alguns exemplos de
questões que o profissional pode colocar para conduzir melhor o processo de identificação
das necessidades e exemplos de questões que podem ser úteis para ajudar a família a
clarificar as preocupações e a identificar necessidades.
Capítulo II – Revisão da Literatura
61
Hartman e Laird (1983 cit. por Dunst et al., 1994) referem que nas práticas de
avaliação baseadas nas necessidades, o objectivo principal das entrevistas deve incidir
sobre as preocupações que mobilizaram as famílias a procurar ajuda.
O método da observação pode ser muito eficaz, porque permite considerar um
membro da família individualmente, a interacção entre os diferentes membros ou o
ambiente físico e social da família. Contudo, este método exige que se tomem algumas
precauções, porque o facto de o profissional, durante as suas observações, ter percebido a
existência de uma necessidade, esta situação não é suficientemente evidente para que a
necessidade exista para a família. Ele deve ser sensível à situação da família e não assumir
que existe uma necessidade até que a família a indique. Deve sim partilhar as suas
observações com a família. A decisão é da família, se a situação a preocupa ou não, se
querem ou não procurar opções para dar respostas às necessidades e se identifica as suas
preocupações como merecendo atenção.
Um outro método referido pelos autores são as escalas de avaliação, especificas para
avaliar as necessidades das famílias, podendo referir-se:
• Family Needs Survey (Bailey e Simeonsson, 1985)
• How Can We Help? Scale (Child Development Resources, 1988)
• Parent Needs Survey (Darling, 1988)
• Family Needs Scale (Dunst, Cooper, Weeldreyer, Snyder e Chase, 1988)
• Family Resources Scale (Dunst e Leet, 1987)
• Parent Needs Inventory (Fewell, Meyer e Schell, 1981)
O critério de selecção de uma escala deve ter a ver com a melhor adequação possível
entre conteúdo da escala e a informação que se deseja obter. O uso das escalas para
identificar as necessidades das famílias deve ser feito de forma a garantir que os dados da
avaliação sejam úteis e proactivos, em vez de reactivos e intrusivos (Dunst et al., 1994).
O modelo de intervenção e avaliação baseado nas necessidades e centrado na família
enfatiza a participação activa da família e do profissional na identificação das
preocupações e necessidades.
Capítulo II – Revisão da Literatura
62
Quando no processo de identificação das necessidades e da mobilização de recursos
as forças das famílias e as suas capacidades são realçadas, então as famílias estarão a ser
fortalecidas e corresponsabilizadas.
3.1.3. VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS INDICADORAS DE
NECESSIDADES
McNaughton (1994) refere que certos indicadores sociodemográficos como os
papéis parentais (McLinden, 1990; Upshur, 1991), a idade da criança (D`Amato &
Yoshida, 1991), a idade dos pais (Fagan, Dore & Math, 1991), o grau de severidade da
NE da criança (Sandow, Clarke, Cox & Stewart, 1981) e o estatuto socioeconómico da
família (Bailey, Blasco & Simeonsson, 1992) podem influenciar as percepções dos pais
sobre as necessidades da família.
• PAPÉIS PARENTAIS
Como já foi referido neste Capítulo, as investigações sobre o impacto de uma
criança com NE na família, revelam que estas crianças exigem cuidados ou tarefas
adicionais provocando a inconsistência destes cuidados, crises repetidas e mudanças de
papéis.
Assumindo-se que os membros da família não são todos afectados da mesma forma
pela presença de uma criança com NE, existem dados que indicam que as mães e os pais
não diferem em termos de percepção de stress, em termos gerais (Salisbury, 1987 cit. por
McLinden, 1990), contudo as mães podem experimentar níveis mais altos de alguns tipos
de stress do que os pais, atribuindo-se este facto a que as mães possam ser mais realistas
acerca do problema da criança (Beckman & Bristol, 1987 cit. por McLinden, 1990) e que
estejam submetidas a um maior número de exigências de tempo como resultado da divisão
de papéis na família (Trivette, 1982 cit. por McLinden, 1990).
A investigação indica que são as mães que lidam com a maioria das tarefas
domésticas e com os cuidados prestados à criança (Cooper & Allred, 1992 cit. por Reyes-
Capítulo II – Revisão da Literatura
63
Blanes et al., 1999; Fewell & Vadasy, 1986; Hornby, 1995 cit. por Carpenter, 2000;
McLinden, 1990; Bailey et al., 1992).
McLinden (1990) realça que 45% das mães e 38% dos pais dizem que ter uma
criança com NE os ajudou a aprender melhores formas de lidar com os problemas, que
42% das mães responderam não ter tempo para si mesmas e que 33.3% das mães dizem
que as exigências da sua criança afectam as férias da família.
Beavers et al. (1986, cit. por Albuquerque, 1996) reforçam a ideia que uma forte
aliança parental e a divisão de responsabilidades são factores indicativos de melhor
adaptação familiar à deficiência mental.
• IDADE DA CRIANÇA
Num estudo comparativo das necessidades de informação dos pais de crianças com
NE em diferentes estádios do ciclo de vida (0-2 anos, 3-5 anos e 6-12 anos). D`Amato &
Yoshida (1991) realçam que estes pais necessitam continuamente de informação
terapêutica, vocacional e educacional, podendo-se realçar a necessidade de informações
médicas e de diagnóstico para o grupo dos 0-2 anos, as necessidades de informação sobre a
linguagem e o futuro para o grupo dos 3-5 anos e a necessidade de informação sobre
programas suplementares e o futuro para o grupo dos 6-12 anos.
Por seu lado, Bernheimer, Young & Winton (1983 cit. por Albuquerque, 1996), ao
entrevistarem famílias de crianças com NE entre um e três anos, encontraram três períodos
de stress parental, designadamente o do diagnóstico inicial, o da procura e obtenção dos
primeiros serviços e o da transição dos programas de intervenção precoce para os pré-
escolares, constituindo a transição, nos níveis etários mais avançados, como ocasiões
particularmente problemáticas.
Contudo, Bailey et al. (1992) consideram que a idade, bem como a ordem de
nascimento e a raça não são determinantes das necessidades expressas quer pelas mães
quer pelos pais.
Capítulo II – Revisão da Literatura
64
• IDADE DOS PAIS
As evidências sugerem que a presença de uma criança na família é um acontecimento
stressante para os pais de todas as idades (Guelzow, Bird & Koball, 1991 cit. por Fagan et
al., 1991).
Contudo, Fagan et al. (1991) consideram que ser mãe na adolescência pode ser
especialmente stressante, porque as exigências de pais competem com as tarefas de
desenvolvimento da adolescência. No seu estudo, para conhecer a influência que a idade
pode ter na atitude das mães adolescentes acerca das instituições para cuidar da criança, os
autores encontraram correlações entre as duas variáveis. Enquanto as adolescentes mais
novas sendo incapazes de diferenciar as suas necessidades de cuidados das do seu bebé,
projectam o desejo de cuidados da sua mãe para o seu bebé, rejeitando outras formas de
cuidados. As adolescentes mais velhas que já transferiram os seus vínculos emocionais
quer para os seus pares quer para outros adultos, manifestaram atitudes mais positivas
acerca dessas instituições. Sendo a maturidade psico-social responsável pela atitude das
jovens mães sobre o atendimento da sua criança em instituições ou em casa.
Segundo Pereira (1998) os pais mais jovens apresentam maiores níveis de stress face
a uma criança com NE devido à sua inexperiência de vida e falta de preparação para educar
a criança.
• SEVERIDADE DA NE
Num outro estudo, desenvolvido por Upshur (1991), as mães de crianças com
problemas severos atribuem menos benefícios à aprendizagem de técnicas e mais
benefícios à satisfação de necessidades dos outros membros da família, quando
comparadas com mães de crianças com problemas moderados ou ligeiros.
Eheart & Ciccone (1982) fizeram uma correspondência entre a intensificação das
necessidades maternas e a gravidade da severidade da NE, nas famílias de estatuto
socioeconómico desfavorecido. Por outro lado, a um menor número de alterações nas
rotinas familiares também foi associado um grau de severidade ligeira (Nihira, Meyers &
Mink, 1980; Minnes, 1986, 1988 cit. por Albuquerque, 1996).
Capítulo II – Revisão da Literatura
65
Por conseguinte Reyes-Blanes et al. (1999) consideram que as mães de crianças com
uma NE mais severa e as mães solteiras indicam altos níveis de necessidades.
McWilliam et al. (1996) referem que o tipo e a severidade do problema da criança
determinarão os tipos de situação que a família enfrentará com o seu crescimento. Quanto
maior for a dependência da criança dos pais para as necessidades básicas (correr, andar,
necessidades de higiene e entretenimento) mais restrições os pais terão de enfrentar.
Segundo Carpenter (2003), a severidade da problemática da criança, seja a que nível
for, pode contribuir para um grau de exaustão dos pais, do qual depende a sua tolerância ao
stress, experimentando alguns pais um pessimismo crónico e risco de esgotamento das suas
funções. A IP deveria, segundo o autor, procurar com empenho e vigorosamente tentar
alterar estes resultados.
• ESTATUTO SOCIOECONÓMICO DA FAMÍLIA
Bailey et al. (1992) encontraram uma significância estatística entre o estatuto
socioeconómico da família e as suas necessidades financeiras, considerando que as mães
que usufruíam de baixos rendimentos indicavam mais necessidades financeiras do que as
mães com rendimentos médios ou acima da média.
O estatuto socioeconómico contribui para a variação das funções da família e para os
valores atribuídos a essas funções (Simeonsson, 1988).
Por outro lado, Chowdhury et al (1996) ao pretender estudar a natureza, a fonte e o
tipo de necessidades das famílias de crianças com NE pertencentes a classes sócio
económicas e culturais diferentes, realçam que quer o total de necessidades sentidas quer o
total de necessidades satisfeitas relacionam-se com o ambiente favorecido ou
desfavorecido das famílias.
Capítulo II – Revisão da Literatura
66
3.2. RECURSOS DAS FAMÍLIAS
Uma boa adaptação da família não é a ausência de stress, mas antes a forma como a
família usa os recursos para lidar com eventos stressantes (Fine & Nissenbaum, 2000).
McGonigel et al. (1991) definem recursos das famílias como as suas capacidades, os
seus pontos fortes e os seus apoios formais e informais que podem ser mobilizados para
satisfazer as suas necessidades, preocupações ou objectivos.
Os pontos fortes de uma família estão representados na sua habilidade para partilhar
preocupações bem como reconhecer a necessidade de certos recursos (Dunst et al., 1994).
Contudo, muitas vezes a família não tem consciência dos recursos disponíveis para
dar respostas às suas necessidades, sendo o papel do profissional o de prover o
conhecimento ou as informações acerca das diferentes perspectivas ou opções que a
família possa não ter considerado. Esta partilha de possíveis opções só deve acontecer
depois da família ter indicado preocupação ou desejo de obter um recurso. O profissional
deve seguir a orientação da família e simultaneamente deve prover informação adicional
que possa ser benéfica como indicação e em resposta à situação da família.
Segundo McWilliam et al. (1996) o apoio prestado pelo serviço de IP, é o de
melhorar o impacto do problema da criança e preparar os pais para lidarem efectivamente
com as situações que lhes surgirem pela vida fora e assim possam viver uma vida o mais
normal possível não obstante as implicações trazidas por uma criança com NE.
Para alcançarem estes objectivos os pais devem conhecer os apoios e recursos
disponíveis na comunidade e usar os seus recursos intrafamiliares para obter ajuda e lidar
com as dificuldades. Falaremos de seguida destes dois tipos de recursos.
3.2.1. RECURSOS INTRAFAMILIARES E FUNCIONAMENTO
FAMILIAR
O modo como a família lida com os eventos de vida bem como promove o
crescimento e desenvolvimento dos seus membros, depende em parte do seu estilo de
funcionamento familiar. O estilo de funcionamento familiar refere-se a uma combinação de
Capítulo II – Revisão da Literatura
67
pontos fortes e capacidades existentes e a destreza para os usar na mobilização, ou criação
de recursos, necessários para a satisfação de necessidades (Dunst et al., 1988).
Os pontos fortes e as capacidades das famílias são de natureza interpessoal e
interfamiliar e são vistos como um conjunto de recursos que promovem e realçam o estilo
de funcionamento familiar. Esses pontos fortes e capacidades representam recursos
intrafamiliares para satisfazer as necessidades e simultaneamente são competências que as
famílias empregam para mobilizar ou criar recursos extrafamiliares.
De uma forma geral, os recursos intrafamiliares, ou estilo de funcionamento familiar,
são factores considerados importantes para a saúde e o bem-estar da família (Sanders,
Walters e Montgomery, 1985; Stinnett et al., 1985; Folkman e al., 1986; Lewis et al.,
1976).
A consequência da existência de pontos fortes e capacidades para as práticas dos
profissionais deve, em primeiro lugar, chamar a sua atenção para o facto de todas as
famílias terem pontos fortes e capacidades que são valiosos recursos. Em segundo lugar,
reconhecendo a sua presença e empregando esses pontos fortes e capacidades na satisfação
das necessidades, o profissional estará a melhorar o funcionamento da família e, em
terceiro lugar ao construir e fortalecer o reservatório de recursos da família, o profissional
tornará a unidade familiar mais forte e mais capaz de negociar o seu curso de
desenvolvimento (Dunst et al., 1988).
O que se pede aos profissionais é que estes não ignorem ou negligenciem os pontos
fortes e as capacidades das famílias, porque estes são os seus recursos intrafamiliares para
satisfazer as suas necessidades. Sendo o seu papel o de promover as habilidades das
famílias para identificar e utilizar os seus próprios recursos.
O reconhecimento pelo profissional das forças familiares é o primeiro passo para as
ajudar a reconhecer e a usar as suas próprias forças (incrementando assim essas
capacidades) e apoiar a família na localização e uso dos recursos que necessitam,
correspondendo estas etapas ao desenvolvimento e implementação do plano de
intervenção, segundo McWilliam et al. (1996).
Capítulo II – Revisão da Literatura
68
3.2.2. RECURSOS EXTRAFAMILIARES E APOIO SOCIAL
O modo como a família lida com os eventos de vida, como promove o crescimento
e desenvolvimento dos seus membros, depende também em parte das fontes de apoio e dos
recursos extrafamiliares (Dunst et al., 1988).
As fontes de apoio consistem num grande leque de pessoas de uma dada
comunidade: grupos, organizações, programas e agências, sendo o papel do profissional o
de tornar essas fontes viáveis como opções de recurso.
Os recursos extrafamiliares dizem respeito às fontes de apoio externas à família e que
esta pode disponibilizar de modo a satisfazer necessidades, correspondendo ao que os
autores denominam de apoio social. Este apoio social pode ser de dois tipos: o apoio
formal e o apoio informal.
O apoio informal inclui os indivíduos (família, amigos, vizinhos, etc.) e os grupos
sociais (igreja, clubes sociais, etc.) que podem prover apoio em resposta aos eventos de
vida normativos e não normativos.
O apoio formal inclui os profissionais (médicos especialistas da criança, assistentes
sociais, terapeutas, etc.) e as agências (hospitais, programa de intervenção precoce, centro
de saúde, etc.).
A investigação tem demonstrado que o recurso a fontes de apoio informal é mais
eficaz do que o uso de apoios formais, daí que o profissional deva valorizar e promover o
uso dessas fontes de apoio na satisfação das necessidades das famílias.
Numa revisão feita por Dunst et al. (1988) acerca do apoio social, os autores referem
que o apoio social influencia a saúde e o bem-estar da família (Cohen & Syme, 1985;
Patterson & McCubbin, 1983), a adaptação a crises familiares (Moos, 1986), a satisfação
nas tarefas parentais (Crinic, Greenberg, Ragozin, Robinson & Basham, 1983), estilos de
interacção parental (Trivette & Dunst, 1987), aspirações pessoais para os seus filhos (Lazar
& Darlington, 1982), o temperamento da criança (Affleck, Tennen, Allen & Gershaman,
1986) e o comportamento e desenvolvimento da criança (Crinic, Greenberg & Slough,
1986).
Segundo esta perspectiva, a definição de IP deve ser expandida e ser considerada
como a provisão de apoio (i.e. recursos providos por outros) dos elementos da cadeia
Capítulo II – Revisão da Literatura
69
formal e informal que directa ou indirectamente influenciam o funcionamento da criança e
da família, sendo esta definição, contrastante com as definições tradicionais de IP que
consideravam o nível de envolvimento no programa ou a provisão de um profissional
específico para tratamento terapêutico ou educacional (Dunst et al., 1988,1994).
Dunst, Trivette e Cross (1986a, 1986b cit. por Albuquerque, 1996) também notaram
que as crianças com NE, em idade pré-escolar, que manifestaram ganhos mais
significativos nos seus quocientes de desenvolvimento eram aquelas cujos pais estimavam
a qualidade do apoio recebido como muito proveitosa.
Upshur (1991) ao avaliar a satisfação de 91 mães e pais com os serviços de IP indica-
nos que os pais que classificam os serviços de IP como mais úteis são aqueles que
consideram as suas fontes de apoio social também mais úteis.
“Furthermore, it is not the amount of support they have available to them, but rather the
degree to which parents perceive the support they receive as meeting the needs they have identified
for themselves and their child.”
(Dunst & Leet, 1987 cit.por McWilliam et al, 1996 p.126)
Num outro estudo levado a cabo por Lanners & Mombaerts (2000) em que se
pretendia avaliar a satisfação dos pais com os serviços de IP dentro de alguns países da
Europa, os autores concluíram que os serviços de IP não satisfaziam as expectativas dos
pais relativamente ao acesso a redes de apoio social, quer para a criança, quer para os pais.
Daí que os autores consideram ser necessário desenvolver estratégias para habilitar os
profissionais a ajudarem os pais a acederem às redes de apoio social.
Por outro lado, Affleck, Tennen, Rowe, Roscher & Walker (1989 cit. por Upshur,
1991) concluíram do seu estudo que a necessidade de apoio das mães e a forma como o
apoio é oferecido, influenciará o seu uso e sentimentos acerca da eficácia do apoio. Tão
importante como “que” serviços estão disponíveis é “como” os serviços são fornecidos.
Dunst (2000) define IP como a prestação de recursos e serviços a famílias de
crianças pequenas, por parte dos membros de redes de apoio sociais de apoio formal e
informal, que influenciam tanto directa como indirectamente o funcionamento da criança,
dos pais e das famílias, estabelecendo assim, uma interdependência entre IP e o apoio
Capítulo II – Revisão da Literatura
70
social que deve ser considerada e reconhecida quando se deseja implementar uma
intervenção centrada na família. Isto, porque é a rede de apoio social (recursos intra-
familiares, formais, informais e comunitários) que fornece à família apoios e recursos e as
oportunidades e experiências de apoio proporcionadas pelos diferentes elementos da rede,
que não o programa de IP, operam como uma forma de IP.
3.2.3. PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO BASEADAS NOS RECURSOS
Como já foi referido as famílias sentem necessidades económicas, sociais e culturais,
tornando-se evidente que nem o profissional isoladamente nem a equipa de profissionais
(quando existe) poderão dar resposta à satisfação desta diversidade de necessidades. Daí
que seja necessário proceder à definição de práticas centradas nos recursos e práticas
centradas nos serviços, para compreender a vantagem dos recursos sobre os serviços.
Enquanto um serviço é definido como uma actividade particular ou específica
empregada por um profissional, ou conjunto de profissionais, para prestar ajuda ou
assistência a um indivíduo ou grupo, os recursos, por outro lado, são definidos como o
vasto leque de possibilidades de ajuda ou assistência da comunidade que podem ser
mobilizados e usados para ir ao encontro das necessidades individuais ou do grupo (Dunst
et al., 1994).
Para os autores, as práticas baseadas nos serviços são limitadas e limitam, enquanto
as baseadas nos recursos são expansivas e expandem, porque se focam na mobilização de
um largo número de apoios da comunidade para satisfazer as necessidades da criança e da
família. A aproximação baseada nos recursos promove a mobilização e a utilização de
múltiplas fontes de apoio formais e informais da comunidade.
Dunst et al. (1997) referem cinco diferenças substanciais entre as duas aproximações
e que são sumariadas no Quadro 5.
Nas práticas baseadas nos recursos, a capacidade para adequadamente identificar os
recursos da comunidade que melhor servem a família, exige que o profissional conheça o
que as famílias pedem para um funcionamento estável, um crescimento individual e
familiar e para o seu bem-estar.
Capítulo II – Revisão da Literatura
71
Quadro 5 – Diferenças entre práticas baseadas em recursos e práticas baseadas em serviços.
PRÁTICAS BASEADAS NOS
SERVIÇOS PRÁTICAS BASEADAS NOS
RECURSOS
Baseadas no profissional (as soluções são definidas em termos dos conhecimentos do perito)
Baseadas na comunidade (as soluções são definidas em termos de recursos e apoios
disponíveis de um vasto leque de pessoas e organizações da comunidade)
Paradigma de carência (os serviços prestados pelos profissionais são poucos.
Paradigma de sinergia (os recursos da comunidade são diversos ricos, expansíveis e
renováveis)
Ênfase no apoio formal (as soluções para ir ao encontro das necessidades da família e da criança
residem no que o profissional, ou conjunto de profissionais “faz melhor”)
Ênfase no apoio formal e informal (as soluções para ir ao encontro das necessidades da família e
da criança são definidas em termos da mobilização de apoios formais e informais dos membros da estrutura social da comunidade da
família e da criança)
Ênfase no défice (as intervenções centram-se na correcção dos défices)
Ênfase nas capacidades (as intervenções são baseadas nos pontos fortes dos elementos individuais e da família como um todo)
Soluções de fora-para-dentro (prescrição de respostas do exterior por diferentes
especialidades)
Soluções de dentro-para-fora (para responder às necessidades identificadas pela família são usados
recursos exteriores)
Fonte: Trivette, C; Dunst, C. e Deal A. (1997). Resource-based approach to early intervention. In S. K.
Thurman, J.R. Cornwell e S.R. Gottwald (Eds.), Contexts of early intervention: systems and settings
(p.77).
Os membros da estrutura pessoal e social da família, os grupos associativos, os
diferentes programas e profissionais de uma dada comunidade e os serviços de
profissionais específicos, correspondem a diferentes fontes de apoio da comunidade que
devem ser usados como recurso para ir ao encontro das necessidades das famílias.
Partilhar continuamente com as famílias os recursos disponíveis na comunidade e
encorajar a usá-los para a satisfação das suas necessidades, fará com que as famílias se
tornem mais capazes de aceder a esses recursos. Fortalecer e apoiar as famílias é atender às
Capítulo II – Revisão da Literatura
72
necessidades, fornecendo-lhes apoios, capacidades e informações e recursos que
necessitam para satisfazer essas necessidades.
Os profissionais devem estar conscientes que enquanto prestadores de serviços são
apenas um dos elementos de rede de apoio da família. As fontes de apoio existentes antes
da sua chegada não devem ser substituídas, porque serão necessárias quando o profissional
deixar de intervir com aquela família.
Upshur (1991) encontrou um maior incremento na satisfação dos pais que
participaram num programa de apoio ao casamento, bem como uma associação entre os
problemas pais/família e a sua satisfação através do grupo de amigos.
3.2.4. MÉTODOS E ESTRATÉGIAS PARA IDENTIFICAR RECURSOS
O uso de métodos e estratégias para mobilizar recursos para ir ao encontro das
necessidades envolve basicamente: especificar as necessidades das famílias, identificar
fontes de apoio e de recursos para satisfazer necessidades, fazer um levantamento da rede
social da família. Para cada necessidade da família deve ser identificada uma variedade de
opções, bem como a sua disponibilidade como fonte de apoio e recurso.
Considerando que as necessidades das famílias já foram identificadas e traduzidas
numa afirmação (o plano individualizado de apoio à família é o documento onde poderão
encontrar as necessidades sob a forma de afirmações), e que a família já indicou a
necessidade de um recurso, o passo seguinte é o de identificar as fontes de apoio e recursos
para ir ao encontro das necessidades. É necessário fazer um levantamento das pessoas e
instituições que a família e os seus membros directa ou indirectamente contactam, i.e. a
estrutura pessoal e social da família.
Para cada necessidade identificada pela família, devem ser seleccionados os apoios e
recursos que mais probabilidades têm de satisfazer essa necessidade. Ao elaborar esta
correspondência (necessidade «-» recursos) o profissional deve ser sensível ao
comportamento verbal e não verbal da família e ao modo como esta reage às diferentes
opções de recurso, e sempre que possível deve usar a resposta da família para o ajudar a
clarificar a situação (exemplo: “ Indicou-me que a sua tia poderá estar disponível para
Capítulo II – Revisão da Literatura
73
levar a sua criança à terapia, mas eu senti que estava hesitante em lhe perguntar. Existe
alguma razão para isso?).
Através do comportamento verbal e não verbal da família o profissional pode
verificar o seu consentimento para procurar e pedir ajuda bem como o consentimento da
utilização do recurso indicado para prestar ajuda e assistência.
A determinação de uma necessidade indicada para ajuda é a parte fundamental da
intervenção do apoio social. Todos os esforços da intervenção devem-se basear nestas
necessidades, identificadas pela família, para obter sucesso no funcionamento dos pais, da
criança e da família (Dunst et al., 1994).
A observação, as entrevistas e os self-reports são procedimentos que nos podem
ajudar a identificar potenciais fontes de apoio e suporte dentro da estrutura pessoal e social
da família. Simultaneamente, indicam-nos quais as características das trocas entre a família
e o profissional que promovem ou impedem a mobilização dos recursos (Dunst et al.,
1994).
Falar de necessidades, métodos e estratégias para identificar as necessidades das
famílias não faz sentido se seguidamente não houver a disponibilização dos recursos
necessários à consecução desse fim.
3.2.5. ADEQUAÇÃO DE RECURSOS
Dunst et al. (1988,1994) avaliaram a adequação dos recursos e as necessidades das
famílias com crianças pequenas, através da Family Resources Scale. Este instrumento
avalia aspectos como a habitação, alimentação, transporte, acesso a serviços de saúde,
emprego, tempo para si próprio e para a família ou assistência nos cuidados à criança.
Estes autores verificaram que:
• As necessidades pessoais e familiares formam uma hierarquia e constituem um
conjunto de forças que modelam o comportamento. As necessidades insatisfeitas
são as primeiras a influenciar e a direccionar o comportamento (Lewin, 1931;
Capítulo II – Revisão da Literatura
74
Murray, 1938; Hull, 1943; Maslow, 1954; Hartman & Laird, 1983 cit. por Dunst
et al., 1988, 1994).
• As mães que relataram uma inadequação dos recursos eram menos susceptíveis de
ver as necessidades educacionais e terapêuticas da criança em primeiro plano e,
consequentemente não investiam tempo e energia nesse propósito.
• A incompatibilidade entre o que o profissional e as famílias vêem como as
necessidades da criança, dos pais ou da família, diminui a probabilidade da
família aderir às prescrições dos profissionais (Zola, 1966 cit. por Dunst et al.,
1994).
O estudo provou que os recursos eram uma forma de apoio que afecta a saúde e o
bem-estar (Cohen & Syme, 1985a) o comportamento humano e o funcionamento familiar
(Bronfenbrenner, 1979; Garbarino, 1982; Hartman & Laird, 1983; Minuchin 1985) e a
aderência ao regime de prescrições do profissional (DePaulo, Nadler, & Fisher, 1983; Zola,
1966 cit. por Dunst et al., 1994). Não espere assim, por parte das famílias, a adesão a tais
prescrições. Ter-se-á que optar por práticas de intervenção que dão resposta ao que as
famílias consideram como recursos necessários para uma vida normal em família e em
comunidade (Dunst & Leet, 1987; Dunst, Leet & Trivette, 1988; Dunst & Trivette, 1988b,
cit. por Dunst, 1998).
Estes resultados trazem implicações para as práticas de IP e para um trabalho
centrado na família:
1. Fica claro ser indispensável avaliar as necessidades das famílias, visto que quando
as necessidades básicas não são satisfeitas a probabilidade dos pais intervirem ao nível da
criança são poucas. Por outro lado, quando o profissional não tem em conta as
necessidades das famílias, certamente irá encontrar resistência aumentando o stress e
afectando negativamente a saúde e o bem-estar familiar (Dunst et al., 1994).
2. A avaliação das necessidades das famílias deverá guiar a intervenção do
profissional na provisão de apoios para providenciar os recursos necessários para ir de
encontro às necessidades insatisfeitas. Por exemplo, McLinden (1990) indica que 30% das
mães e 35% dos pais consideram problemático encontrar um prestador de cuidados de
Capítulo II – Revisão da Literatura
75
confiança, afectando este facto o tempo que a família possa estar junta, sem a criança com
NE. A necessidade destes pais de passarem algum tempo sem a criança deve guiar o
profissional na identificação de recursos disponíveis na comunidade para fazer face a essa
necessidade.
3. O profissional deve adoptar uma posição proactiva em relação às famílias e aos
seus apoios, considerando sempre a forma de como estes apoios poderão ser usados para
satisfazer as necessidades individuais e familiares (Dunst et al., 1988).
A optimização do apoio consiste na congruência entre o apoio dispensado e as
necessidades identificadas e expressas pela família. Isto é, segundo Dunst et al. (1988) o
apoio formal tem efeitos mínimos ou nulos quando insensível às solicitações familiares, e
máximos quando canalizado para a satisfação dessas mesmas necessidades.
3.2.6. VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS INDICADORAS DE
APOIOS E RECURSOS
Os pais de crianças com NE têm necessidades desenvolvimentais similares aos
outros pais, mas são especialmente vulneráveis ao aumento dos níveis de stress
relacionados com os recursos e apoios da família, os eventos da vida da família, a coesão
familiar, a severidade do problema da criança e a constelação da família (Turner, 2000).
Em outras investigações têm sido encontradas outras variáveis sociodemográficas da
família e da criança, os papéis parentais (Simeonsson, 1988), a idade da criança
(D`Amato & Yoshida, 1991), a severidade da NE (Sandow et al., 1981), a escolaridade
dos pais (Chowdhury et al, 1996), o estatuto socioeconómico da família (Bailey et al.
1992), o local de residência e o estado civil da mãe (Reyes-Blanes et al., 1999) como
influenciando a sua rede de apoio social e os seus recursos.
• PAPÉIS PARENTAIS
Num estudo em que os pais de uma criança com menos de cinco anos e com um
handicap severo, foram entrevistados em três ocasiões, o maior stress manifestado pelas
mães foi atribuído ao facto dos pais não partilharem as tarefas dos cuidados da criança
Capítulo II – Revisão da Literatura
76
(Simeonsson, 1988). Por outro lado, as famílias que podiam contar com quatro ou mais
elementos da família alargada e amigos, sentiam mais autonomia para cuidar da criança.
Quando há discórdia conjugal até mesmo um grau de severidade ligeira se acentua
(Albuquerque, 1996), dai que uma relação de apoio mútuo neste subsistema familiar seja
um recurso poderoso para qualquer um dos conjuges.
Consistentemente, a dificuldade do marido em prestar apoio à esposa, que
diariamente tem uma elevada sobrecarga de trabalho, está bem documentado no estudo de
Erickson (1976 cit. por Pereira, 1998) com pais de crianças com Síndrome de Down,
considerando-se que as responsabilidades associadas às tarefas domésticas prestadas à
criança com NE podem ter um impacto no bem-estar psicológico, físico e financeiro dos
pais (Seligman & Reyerson, 1982 cit. por Pereira, 1998).
• IDADE DA CRIANÇA
D`Amato & Yoshida (1991) realçam que o foco do apoio necessário aos pais varia ao
longo do ciclo de vida. Quando questionados sobre os serviços ou programas que
desejavam para si e para a sua criança 90% dos pais de crianças entre os 0-2 anos sentem
que as suas necessidades estavam a ser satisfeitas e dizem não necessitar de nenhum
serviço; comparativamente 45% dos pais das crianças dos 3-5 anos, dizem não necessitar
de nenhum serviço e apenas 10% dos pais das crianças entre os 6-12 anos responderam não
necessitar de serviços.
Suelzle & Keenan (1981 cit. por D`Amato & Yoshida, 1991) vêm dar consistência a
estes dados através do seu estudo com 330 famílias de crianças com NE. Os autores dizem
que os pais das crianças mais novas usam mais serviços do que os pais das crianças mais
velhas que são menos apoiados, mais isolados e com mais necessidades de serviços.
• SEVERIDADE DA NE
Sandow et al. (1981) desenvolveram um estudo com pais de crianças, em idade pré-
escolar, que apresentavam problemas com diferentes graus de severidade (moderado,
severo e profundo), realçando que o grau de severidade dita o que os pais consideram por
sucesso de intervenção para a criança. Enquanto que os pais de crianças com um problema
Capítulo II – Revisão da Literatura
77
moderado consideram sucesso de intervenção o incremento no envolvimento intelectual e
social. Já as famílias de crianças com um problema grave vêem o sucesso em termos de
apoio pessoal e no grau em que a sua “sobrecarga é aliviada”. Apoio pessoal é para estas
mães apoio emocional (ter alguém com quem falar) e prático (informações sobre como
obter apoio financeiro, informações sobre instituições que a possam ajudar).
Por conseguinte Reyes-Blanes et al. (1999) consideram que as mães de crianças com
NE mais significativas indicam mais necessidades de apoio.
Num estudo com bebés de alto-risco ao longo do seu primeiro ano de vida, verificou-
se que as respostas da mãe a um questionário sobre o apoio social, no 1º mês do bebé,
prediziam comportamentos posteriores dos bebés em situações de interacção com as mães.
E que o apoio das fontes próximas (marido, amigos ou vizinhos) predizia aos 4 meses a
reciprocidade e o tom afectivo dos comportamentos infantis, e aos 12 meses a segurança da
vinculação às mães e a contingência das respostas dos bebés às solicitações maternas
(Crnic et al., 1983, 1986, cit. por Albuquerque, 1996).
• ESCOLARIDADE DOS PAIS
Chowdhury et al (1996) ao desenvolverem um estudo com o objectivo de avaliar a
rede de apoio social das crianças sócio e culturalmente desfavorecidas da Índia,
encontraram que a escolaridade dos pais dessas crianças correlacionava-se com o total das
necessidades sentidas e satisfeitas, com o apoio recebido de dentro da família e com o
apoio negativo.
• ESTATUTO SOCIOECONÓMICO DA FAMÍLIA
Bailey et al. (1992) realçam que apesar das famílias com estatuto socioeconómico
alto poderem disponibilizar de mais recursos financeiros, as famílias com estatuto
socioeconómico baixo, que habitualmente têm um agregado familiar mais numeroso, têm
uma rede de recursos informais mais extensa.
Por outro lado, as famílias de crianças com deficiência mental, das classes média e
alta, são as que mais frequentemente se empenham na criação de serviços adicionais para
Capítulo II – Revisão da Literatura
78
os seus filhos ou para si próprias, que acedem mais facilmente ou retiram maior proveito
dos existentes (Wikler, 1986a cit. por Albuquerque, 1996).
Estes dados parecem ir ao encontro da afirmação de Chowdhury et al. (1996) de que
as famílias diferem quantitativamente e qualitativamente nos seus sistemas de apoio e
recursos em virtude da sua posição na estrutura social da sociedade. Os autores
encontraram ainda uma relação estatística entre o ambiente favorecido ou desfavorecido
das famílias com o apoio percepcionado quer de dentro quer de fora da familia
• LOCAL DE RESIDÊNCIA DA FAMÍLIA
Reyes-Blanes et al. (1999) num estudo com 39 mães Porto Riquenhas a viverem na
Florida e com 55 mães, também Porto Riquenhas, a viverem na sua terra natal revelam que
o local de residência foi um factor diferenciador das percepções das mães sobre os apoios
familiares. Mittler (1995 cit. por Carpenter, 2000) realça que o apoio que está disponível para as
famílias, na sua área de residência, é fundamental na determinação da sua qualidade de
vida.
• ESTADO CIVIL DA MÃE
Reyes-Blanes et al. (1999) indicam o estado civil da mãe como um factor predizível
da quantidade de apoio percepcionado. As mães solteiras manifestaram significativamente
menos fontes de apoio, do que as mães casadas, e logo a necessidade de um maior apoio
social.
Consistentemente Trivette e Dunst (1992 cit. por Reyes-Blanes et al., 1999)
documentam uma variação do apoio social em função do estado civil. Enquanto as mães
casadas dizem obter mais apoio informal, as mães solteiras obtêm mais apoios externos. O
estudo realça que a partilha de papéis intrafamiliares e o apoio extrafamiliar disponível, são
recursos das mães para satisfazer as exigências relacionadas com o seu estado civil.
A presença do marido, mesmo que não participe nos cuidados diários prestados à
criança, parece favorecer a capacidade da mãe para enfrentar o problema do filho
(Friedrich, 1979; Karak & Marvin, 1984 cit. por Pereira, 1998).
Capítulo II – Revisão da Literatura
79
4. IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO NA INDIVIDUALIZAÇÃO
DAS INTERVENÇÕES
A importância de apoios e serviços individualizados para as famílias, na IP tem sido
sublinhada por diferentes autores (Bailey et al., 1986; Dunst, 1985).
Dadas as implicações que uma criança com NE pode trazer para o seio familiar,
conferindo-lhe características particulares, estas famílias apresentam um amplo leque de
necessidades, sendo, por isso imperioso individualizar os serviços de IP de forma a obter
uma abordagem centrada na família (Coutinho, 1996).
“ The expression of family needs cannot be predicted on the basis of broad child or family
categories but, rather, is unique to individual families.”
(Bailey et al., 1992, p.9)
As intervenções verdadeiramente individualizadas são as que se dirigem às
necessidades da família, promovem a sua capacidade para identificar e satisfazer
necessidades, tornando assim a família mais competente e capaz (Bailey et al., 1988)
Seguidamente iremos abordar quais os fundamentos, as barreiras e os procedimentos
para uma avaliação eficaz da família e como prestar intervenções individualizadas.
4.1. FUNDAMENTOS PARA A AVALIAÇÃO DAS FAMÍLIAS
Bailey (1988) considera que uma avaliação compreensiva dos pontos fortes e
necessidades das famílias é um pré-requesito necessário para a prestação de serviços
individualizados. Para os autores existem diferentes motivos para conduzir uma avaliação
baseada na família: 1) para os teóricos contemporâneos a criança é uma parte do sistema
mais alargado que é a família, entre os quais se estabelecem relações bidireccionais (Bell,
1968; Sameroff & Chandler, 1975 cit. por Bailey, 1988); 2) identificar as necessidades
únicas das famílias de crianças com NE (como o apoio emocional devido ao nascimento de
uma criança com NE, necessidade de ajuda para localizar um jardim-de-infância/ama para
a criança, necessidade de ajuda para habilitar os irmãos a lidar com a criança, necessidade
Capítulo II – Revisão da Literatura
80
de informação sobre serviços necessários para o futuro) é um processo complexo. Apesar
de nem todas as famílias de crianças com NE terem todas estas necessidades, devido ao seu
sistema de apoio natural que lhes permite adaptar à criança e ao funcionamento familiar,
estas famílias têm necessidades além das associadas aos cuidados de uma criança sem
necessidades educativas (Farber, 1959; Gallagher, Beckman & Cross, 1983; Murphy 1982
cit. por Bailey, 1988); 3) o reconhecimento do “lado saudável do funcionamento familiar”,
ou seja, os seus pontos fortes e recursos, contrariando a perspectiva baseada no défice para
o reconhecimento da promoção das capacidades da família (Dunst, 1986). Turnbull e
Turnbull (1986) defendem que uma criança com NE pode mesmo exercer uma influência
positiva nos membros da família; 4) outro motivo para uma avaliação à família relaciona-
se com as metas actuais da IP, sendo tradicionalmente a sua base de intervenção a criança,
a investigação tem argumentado que os resultados das famílias podem ser tão importantes
como os resultados da criança (Bailey et al., 1986; Bailey & Simeonsson, 1984; Bailey,
1988; Dunst, 1985).
4.2. BARREIRAS A UMA AVALIAÇÃO EFICAZ DA FAMÍLIA
Bailey (1988) refere que a maioria dos programas de IP não avaliam as necessidades
das famílias, oferecendo serviços standardizados para todas as famílias,
independentemente das suas necessidades individuais. Os programas que esporadicamente
são individualizados são baseados nos juízos que o profissional faz acerca do que ele
considera serem as necessidades da família. Consistentemente com estes dados está ainda a
seguinte afirmação:
“Althought some differentiation in family-oriented programming occurs, it seems to be
based on a more general categorization of family type rather than on individual family needs.”
(Krauss e Jacobs, 1990)
Capítulo II – Revisão da Literatura
81
Bailey (1988) aponta cinco barreiras às quais se pode atribuir este erro sistemático:
1) Barreiras conceptuais que dizem respeito à falta de modelos funcionais para
conceptualizar a família e as suas necessidades. Alguns modelos existentes são
oriundos de campos disciplinares com diferentes perspectivas da família,
nomeadamente da perspectiva da sociologia, da perspectiva da teoria dos
sistemas, da perspectiva da teoria do stress familiar, da perspectiva da teoria do
ciclo de vida da família (Krauss & Jacobs, 1990).
2) Barreiras no que respeita aos instrumentos de avaliação da família. Apesar de
existirem muitos instrumentos de avaliação da criança para determinar as suas
áreas fortes e fracas com vista a uma posterior planificação dos objectivos e
serviços, o intervencionista precoce carece de instrumentos de avaliação da
família, o que se impõe desde logo como uma barreira.
3) Os intervencionistas como uma barreira. As características destes profissionais
podem funcionar como uma barreira para uma avaliação eficaz da família, porque
a formação tradicional destes profissionais transmitia mais competências ao nível
do conhecimento sobre a criança (desenvolvimento da criança, procedimentos de
avaliação da criança, considerações sobre o problema e práticas efectivas de
ensino) e menos experiência no domínio da avaliação da família, carecendo de
conhecimentos, quer para um trabalho, quer acerca dos instrumentos ou
estratégias para trabalhar com famílias (Bailey, 1988).
4) Barreiras institucionais dizem respeito aos próprios programas, enquanto alguns
destes programas enfatizam apenas serviços para crianças, outros prestam serviços
fragmentados ou duplicados.
5) Barreiras familiares que podem ser de diferentes tipos. Os pais que não estão
interessados em que as suas necessidades, os seus relacionamentos ou o seu
sistema de apoio sejam avaliados por considerarem essa avaliação intrusiva ou
irrelevante para as necessidades da sua criança. As famílias com carências
Capítulo II – Revisão da Literatura
82
económicas podem não estar interessados nos aspectos relativos ao funcionamento
familiar, pois é para eles um aspecto irrelevante. As famílias que só recentemente
receberam a notícia do problema do seu filho podem estar indisponíveis para
responder a questionários sobre a família e poderá ainda haver famílias com
capacidades limitadas de expressão que afectam a sua habilidade para comunicar
adequadamente com os profissionais (Bailey, 1988).
Muitas e variadas são as barreiras para uma avaliação da família, e a própria selecção
de um instrumento específico de avaliação poderá influenciar as decisões subsequentes.
4.3. PROCEDIMENTOS PARA UMA AVALIAÇÃO EFICAZ DA FAMÍLIA
A avaliação das necessidades da família numa base individualizada exige dos
profissionais de IP uma comunicação eficaz com os membros da família, o
estabelecimento de relações positivas e de colaboração, estar em sintonia com os
objectivos das famílias, providenciar serviços seleccionados para as famílias e referir
diferentes fontes de apoio sempre que sejam apropriadas, num processo em que o
profissional é sensível às necessidades, valores e prioridades da família (Simeonsson &
Bailey, 1990).
Segundo Bailey (1988) uma avaliação eficaz à família deve abranger importantes
domínios da família, incorporar múltiplas fontes e instrumentos para obter informação,
reconhecer a importância dos valores e tradições da família, determinar as prioridades das
famílias no que concerne aos objectivos e serviços, e modificar-se sempre que necessário,
de acordo com as exigências do programa, avaliando regularmente os resultados da
família.
a) Domínios de Avaliação
Relativamente aos domínios em que as famílias podem ser avaliadas, o autor sugere
cinco domínios: as necessidades e características da criança que podem influenciar o
Capítulo II – Revisão da Literatura
83
funcionamento familiar, as interacções pais-criança, as necessidades da família, os
acontecimentos críticos e os pontos fortes das famílias.
b) Diversidade de Fontes e Instrumentos de Informação
Qualquer decisão para a intervenção deve ser baseada numa avaliação
multidimensional e incorporar as perspectivas e os comportamentos dos diferentes
elementos da família e desta como uma unidade, bem como os seus objectivos para a
criança.
Bailey et al. (1992) salientam que as necessidades manifestadas pelos pais podem
diferir estruturalmente e quantitativamente das necessidades expressas pela mãe,
sustentando a importância da averiguação das necessidades particulares de cada família
bem como a dos membros individuais que a constituem.
Ao referir-se às múltiplas fontes e instrumentos para obter informação, Bailey (1988)
salienta o recurso que os educadores fazem à combinação de diferentes métodos como os
testes directos, a observação naturalista, as entrevistas aos pais para determinar as
capacidades da criança e os contextos em que essas capacidades são demonstradas. Da
mesma forma uma avaliação compreensiva da família deve usar múltiplas aproximações
para obter informação (Hetherington, 1984; Mott et al., 1986; Odom & Shuster, 1986).
c) Valores e Tradições Familiares
Uma avaliação eficaz da família deve dar importância aos seus valores e tradições.
Os valores culturais e as crenças influenciam as metas familiares para a IP (Lynch, 1986
cit. por Bailey, 1988). Se o intervencionista precoce não reconhece a força dos valores
familiares e implementa serviços ou impõe metas que entram em conflito com esses
valores, as probabilidades de insucesso são muito maiores.
Os valores e crenças da família reflectem-se no processo de adaptação e acomodação
a novas rotinas, ou o ajustamento a velhas rotinas, exigidas pelo nascimento de uma
criança com NE.
Capítulo II – Revisão da Literatura
84
Uma abordagem centrada na família respeita e ajusta-se às rotinas familiares. Para
isso, o intervencionista precoce permite que os pais funcionem como pais e não como
terapeutas, avalia as necessidades da criança à luz do contexto da vida familiar, desenvolve
intervenções enquadradas nas rotinas familiares e constrói/fortalece o sistema de apoio
natural da família, sem o substituir por serviços (McWilliam et al., 1996).
“If we are to convey a philosophy consistente with a family-centered approach, our actions
and words should communicate a respect for the unique life style and values of each family and a
willingness to adapt our services to meet the priorities established by the family.”
(McWilliam et al., 1996 p.19)
Numa perspectiva de intervenção, ao providenciar apoios e serviços nos contextos
naturais e inclusivos e a disponibilidade de estratégias criativas para o fazer, a IP estará a
ser mais compatível com as rotinas da família e mesmo a incrementar a participação no
desenvolvimento da criança (Dunst, 2001 cit. por cit. por Guralnick, 2002).
Por outro lado, e segundo McWilliam et al. (1996) reconhecer os pontos fortes das
famílias, com valores e crenças diferentes das do profissional, das famílias menos
informadas, ou daquelas com competências e recursos limitados é uma tarefa difícil.
Contudo estas famílias também possuem competências ou a capacidade de as adquirir.
Num estudo desenvolvido por Sontag & Schacht (1994) com a pretensão de
comparar grupos de pais de diferentes etnias, relativamente ao tipo de participação e às
necessidades de informação na IP, estes autores relatam que a diversidade de experiências
étnicas e culturais diferem de diferentes formas da cultura dominante, requerendo
estratégias adaptadas às necessidades únicas da família para que todas as famílias possam
ser incluídas no processo de decisão.
d) Prioridades das Famílias
Bailey & Wolery (1992) definem a avaliação das famílias como “um processo
progressivo e interactivo através do qual os profissionais recolhem informação no sentido
de determinar as prioridades da família para os objectivos e serviços.”
Capítulo II – Revisão da Literatura
85
A recolha de informação da família tem como objectivo principal assegurar que as
intervenções sejam conduzidas pelas suas prioridades e fundamentadas nos recursos das
famílias.
As prioridades das famílias são definidas, por McGonigel et al. (1991), como um
conjunto de aspectos e escolhas da família que reflectem a forma como quer incluir a IP na
sua vida.
Enquanto umas famílias desejam que a intervenção se foque na criança, outras
desejam que a intervenção se foque na família. Em qualquer um dos casos, podemos estar
face a uma abordagem centrada na família, desde que ela esteja consciente que o foco na
família é também uma opção (McWilliam et al., 1995).
Numa avaliação eficaz das necessidades das famílias, o profissional deve ter em
consideração as suas prioridades para alcançar metas e serviços, ajudar na consecução
dessas prioridades, identificando os recursos familiares que melhor se relacionem com tais
prioridades.
Identificar as prioridades da família é simultaneamente assegurar que as intervenções
são planeadas e implementadas de forma a respeitar essas prioridades e não as dos
profissionais (McWilliam et al., 1996).
Deve ser um processo contínuo porque as prioridades também podem mudar devido
a diferentes factores, temporários ou permanentes, (hospitalização, mudança de emprego,
ou apenas mudança de opinião). Estas mudanças nas prioridades da família devem ser
acompanhadas por mudanças nos serviços e no plano de intervenção para dar resposta à
mudança das prioridades. Só desta forma é que a intervenção estará a responder às
mudanças nas prioridades da família.
“If we are to be responsive to the priorities of families, we must first be aware of the changes
parents experience and, second, be flexible enough to adjust our services and interventions
acording to families revised priorities and situations.”
(McWilliam et al., 1996 p.13)
Para que isto seja possível, o profissional deve permitir às famílias comunicar
claramente o que é importante para elas. Partilhar informação sobre os serviços e recursos
disponíveis na comunidade e ajudar a alcançar os que melhor se podem ajustar às suas
prioridades. Adoptando-se sempre uma atitude desprovida de juízos de valor. A capacidade
Capítulo II – Revisão da Literatura
86
de ajustar os serviços e o plano de intervenção às prioridades expressas requerem uma
comunicação contínua com as famílias.
Contudo, muitos estudos relatam que os pais e os profissionais nem sempre estão de
acordo quanto às prioridades (Blackard & Barsh, 1982; Cadman, Goldsmith & Bashim,
1984; Wikler et al., 1981 cit. por Bailey, 1988).
Num estudo realizado por Coutinho (1996) com o objectivo de conhecer quais as
divergências entre os pais e os técnicos relativamente às principais dificuldades sentidas
pelas famílias das crianças com NE, as suas necessidades prioritárias e as suas
expectativas, os resultados demonstram claras discrepâncias de opiniões no que diz
respeito aos técnicos. Enquanto para os pais as suas dificuldades estavam relacionadas com
os serviços (30.8%), para os técnicos as maiores dificuldades dos pais estavam
relacionadas com a própria família (38.7%). As necessidades prioritárias para os pais
centravam-se no apoio à criança (53.6%), para os técnicos as maiores necessidades de
apoio situavam-se a nível da família (65.2%). Quanto às expectativas das famílias em
relação aos técnicos e destes em relação às familias, também se verificou a mesma
tendência de diferença de opiniões. Enquanto que os pais esperam dos profissionais
aspectos de ordem profisional tal como a competência (59.1%), os profissionais
consideram que as famílias esperam deles, o que a autora denomina de “expectativas
idealizadas” onde incui “milagres”,”curas” e a resolução imediata dos problemas (39.8%).
Quanto mais os profissionais se esforcem por atender às prioridades da família, mais
capazes são de desenvolver relações próximas com ela. E logo, a família será mais capaz
de ver o intervencionista precoce como um potencial recurso para atender as suas
necessidades (McWilliam et al., 1995).
Para as famílias despenderem tempo e energia na colaboração com os profissionais
de IP, é necessário que os objectivos que estão a ser trabalhados tenham em conta as metas
e as prioridades das famílias. As práticas centradas na família são guiadas pelas prioridades
das famílias para alcançar metas e serviços.
Capítulo II – Revisão da Literatura
87
e) O Programa
A análise de programas que focavam o desenvolvimento da criança, revelaram-se
ecologicamente limitados.
Actualmente a definição de IP passa pelo termo centrado na família e no mesmo
sentido de evolução, os programas que a servem também sofreram uma mudança de
paradigma:
O sucesso dos programas de IP demonstra que estes se devem centrar nas
necessidades da família, basearem-se nas comunidades locais, serem
capazes de cuidadosamente e de forma eficaz integrar as contribuições de
múltiplas disciplinas, e terem a capacidade de planear e coordenar apoios e
serviços de numerosas agências dentro de um enquadramento de sistemas.
(Guralnick, 1997).
O tipo de programa é considerado uma variável contextual em que a criança e a
família estão envolvidas. Os programas podem oferecer uma diversidade de serviços, mas
simultaneamente conduzir a um conjunto de problemas. Como por exemplo, os programas
domiciliários podem não respeitar o dia de folga dos pais ou focarem-se demasiado no
ensino de competências aos pais e nas interacções pais-criança. Segundo Bailey (1988) a
avaliação da família deve-se centrar mais nas competências dos pais, num apoio mais
generalizado ou em outros problemas da família.
As famílias têm expectativas diferentes relativamente aos programas. Eles esperam
que os programas lhes forneçam um prognóstico ou conhecimentos acerca do problema da
criança, conselhos sobre a forma como lidar com aspectos específicos do desenvolvimento
de capacidades (alimentação, vestuário, controlo dos esfíncteres), ouçam os seus
sentimentos e preocupações ou ainda lhes indiquem um tipo específico de serviços
(McWilliam et al., 1996). Estas expectativas dependem da percepção da família sobre o
problema da criança, as suas interacções anteriores com outros profissionais e as suas
preocupações e prioridades.
Upshur (1991) realça que o programa deve ser flexível e individualizado para ir ao
encontro das necessidades das famílias. Por outro lado, foca a necessidade de um feedback
constante dos pais, sobre os serviços, permitindo assim, quer a avaliação das actividades do
Capítulo II – Revisão da Literatura
88
programa quer o entendimento das necessidades das famílias. Através deste processo
poderemos tornar possível a mudança do programa centrado na criança para o programa
centrado na família.
Bruder e Staff (1998 cit. por Serrano e Correia, 2003) consideram que a meta que se
coloca aos programas de IP é a de incrementar a participação das crianças com NE e suas
famílias em actividades da comunidade. Deste ponto de vista os programas devem
obedecer a uma filosofia inclusiva em que a colaboração, entre educadores, pais e outros
agentes educativos, é a chave da sua eficácia.
Por outro lado, Bailey (1996 cit. por Serrano e Correia, 2003) alarga os propósitos
dos programas de IP, alegando que estes devem ser inclusivos, centrados na família,
interdisciplinares e prestados de forma articulada.
f) Monitorização dos progressos
Considerando que as necessidades das famílias não são estáticas, que têm altos e
baixos em função de novos eventos e de agentes stressores bem como devido a mudanças
desenvolvimentais da família (Soloman, 1973; Wikler et al., 1981 cit. por Bailey, 1988). É
requerida uma avaliação periódica face a uma avaliação isolada.
Assim, como tradicionalmente os profissionais avaliavam os resultados da criança,
como consequência da sua participação no programa, devem agora passar a avaliar as
necessidades, prioridades e os pontos fortes da família, que podem ter sido o resultado da
sua participação no programa de IP.
Um outro motivo para se proceder a uma avaliação periódica diz respeito à própria
avaliação do programa. O programa ao considerar as realizações, mudanças e o feedback
da família pode fornecer serviços mais apropriados.
“Such monitoring of progress should help interventionists recognize when interventions and
services for families are effective and when they need to be changed.” (Bailey, 1988, p. 5)
Uma meta-análise (Fuchs & Fuchs, 1986 cit. por Bailey, 1988) sobre os
procedimentos de avaliação formativa vem dar suporte a esta afirmação. O estudo conclui
que nas salas de aula em que os professores frequentemente mediam e analisavam os
progressos das crianças, significativos progressos foram notados.
Capítulo II – Revisão da Literatura
89
A informação que a família transmite, sobre as suas necessidades e prioridades em
constante mudança, deve levar os programas a monitorizar os seus recursos e objectivos na
sua satisfação.
Assim, uma nova exigência é requerida à IP, a de integrar uma avaliação eficaz à
família. O intervencionista precoce além de ter que assumir um compromisso com uma
avaliação eficaz das famílias tem também de assumir o compromisso de prestação de
serviços que resultaram dessa mesma avaliação (Krauss & Jacobs, 1990).
Segundo McWilliam et al. (1996) os resultados a longo prazo da IP são uma
consequência dos resultados a curto prazo, e só serão alcançados se a IP:
• Encoraja e apoia as famílias para que independentemente mobilizem os seus
recursos.
• Apoia as famílias na resolução dos problemas.
• Enquadra as intervenções na vida diária das famílias.
• Revê as metas e estratégias da intervenção face às mudanças dos desejos e
necessidades das famílias.
• Facilita ligações entre a família e o seu sistema de apoios.
De acordo com a DEC (Division of Early Childhood) as práticas de uma avaliação
com qualidade na IP são aquelas que em os profissionais e a família colaboram na sua
planificação e implementação, é individualizada e apropriada para a criança e família,
fornece informação necessária para a intervenção e na qual os profissionais partilham com
respeito informação útil (Sandall, McLean e Smith, 2000 cit. por Serrano e Correia, 2003).
Em traços gerais, poderíamos resumir a avaliação das famílias na afirmação de
Turnbull (1991, p.39):
A chave de uma avaliação centrada na família é que as preferências
individuais são identificadas e respeitadas e que as famílias participam no
processo de acordo com o que sentem que é certo para elas.
Capítulo II – Revisão da Literatura
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5. PARTICIPAÇÃO FAMILIAR E A INTERVENÇÃO PRECOCE
O sucesso da IP depende do envolvimento e participação dos pais de crianças com
NE no processo educativo. Para promover esse envolvimento e participação é necessário
conhecer as necessidades das famílias enquanto micro-sistemas particulares (Morgado &
Beja, 2000).
Os pais como os principais decisores quanto à sua criança com NE podem alterar o
sistema da estrutura da IP. A sua diversidade de necessidades requer profissionais mais
flexíveis e responsivos (Sontag & Schacht, 1994).
Beverly & Thomas (1999) consideram que a avaliação da família é um processo
conjunto com o processo de colaboração na tomada de decisões, ao longo dos contactos
formais e informais que os profissionais estabelecem com a família.
5.1. FUNDAMENTOS PARA A PARTICIPAÇÃO FAMILIAR
A participação das famílias nos EUA tem acompanhado as sucessivas modificações
na legislação. Num primeiro momento, os pais das crianças com NE acompanhavam os
seus filhos aos programas de intervenção ou terapia administrados pelos intervencionistas
que assumiam o papel de professor/terapeuta. Na fase seguinte, correspondo aos anos 70 e
influenciada pela P.L. 94-142, que delega nos pais capacidades para monitorizar e
influenciar as decisões educacionais. Subsequentemente, as leis de 1984 (P.L. 98-199) e de
1986 (P.L. 99-457) vêm apoiar a necessidade de uma participação parental. Sendo estes
considerados clientes legítimos da IP.
Esta progressiva mudança de foco teve como fundamentos diferentes factores,
nomeadamente o reconhecimento de que a participação dos pais favorecia a criança
(Turnbull & Turnbull, 1982), a pouca eficácia da intervenção focada na criança
(Simeonsson et al. 1992), o sucesso dos pais como agentes de modificação do
comportamento (Kaiser e Fox, 1986, cit. por Simeonsson & Bailey, 1990).
Turnbull & Turnbull (1982 cit. por Simeonsson & Bailey, 1990) realçam que as
necessidades, os valores e o estilo de vida das famílias são factores capazes de influenciar a
sua participação. Consistentemente com estes dados está ainda a seguinte afirmação:
Capítulo II – Revisão da Literatura
91
“Family involvement is increasingly being urged in early intervention because of diverse
family needs.” (Bailey, 1988 p.21)
Contudo, a investigação tem relatado discrepâncias entre a legislação Americana, a
filosofia e as práticas acerca da participação da família na IP, considerando-se que os
serviços prestados pela IP são mais baseados nas necessidades das crianças ou na equipa
do que nas necessidades e preferências da família (Sussell et al., 1996; Mahoney &
O`Sullivan, 1990 cit. por Beverly & Thomas, 1999).
5.2. AS PREFERÊNCIAS NA PARTICIPAÇÃO FAMILIAR
Se as prioridades das famílias são diferentes e podem estar em constante mudança,
também a forma como preferem relacionar-se com os profissionais é característico de cada
família (McWilliam et al. 1996).
Simeonsson & Bailey (1990) consideram que a IP focada na família pode variar num
“continuum” de forma, foco e complexidade, dependendo da interacção entre as variáveis
da criança, da família e do programa. Considerando sete dimensões de participação nos
programas de IP, o nível zero corresponde a uma não participação electiva, seguindo-se na
sequência uma participação passiva, uma participação a nível do consumidor, uma
participação focada nas necessidades de informação e das capacidades, uma participação
pessoal, uma participação comportamental e por último, uma participação ao nível
psicológico.
O profissional deve determinar as vontades e as expectativas da família quanto à sua
participação, ou não (Bailey & Wolery, 1992; Beverly & Thomas, 1999), pois elas podem
não desejar participar no processo de avaliação ou mesmo prover a informação.
Face à recolha da informação a família pode desempenhar quatro tipos de papéis: de
receptor, da informação recolhida (ainda que outros pais desejem ter um papel mais
importante como identificar o tipo de informação que desejam receber); de observador,
quando a criança está a ser avaliada; de informante, podendo confirmar, refutar ou
modificar as conclusões a que os profissionais chegaram; e participantes, na recolha de
dados (como por exemplo: dados sobre o ciclo vigília/sono, a alimentação, o controlo dos
esfíncteres, etc.).
Capítulo II – Revisão da Literatura
92
Sontag & Schacht (1994) realçam que 89% dos pais da sua amostra, ajudavam os
profissionais a tomar decisões acerca do programa da criança, e que uma das actividades
que mais probabilidade tinha de aumentar a participação dos pais (76%) era a obtenção de
todo o tipo de informação acerca dos serviços que estavam disponíveis.
A informação de que as famílias querem partilhar e as formas como demonstram os
seus interesses, recursos e prioridades, mostram ao profissional a informação relevante
(McWilliam et al., 1996).
“Of primary importance in discussing family involvement in assessment activities, however,
is the recognition that not all families will want or choose to participate in assessments, much less
to do so in an active manner.” (McWilliam et al., 1996 p.75)
Face à avaliação, as expectativas das famílias podem ir desde uma avaliação
diagnóstico, aos resultados da avaliação, às predições sobre o futuro, ao comportamento e
às habilidades da criança, à informação específica sobre o desenvolvimento ou
simplesmente desejarem um plano de intervenção global.
“Recognizing and supporting the family´s preferences for the type and level of participation
in assessment is critical to building a positive relationship.” (McWilliam et al., 1996 p.76)
O programa, que pode ou não encorajar a participação e a relação entre os
prestadores de cuidados e a equipa de IP, é a chave para a dimensão da participação
(Bailey et al., 1998; Epps e Jackson, 2000 cit. por Unger et al., 2001).
Os programas apoiantes que consideram a cooperação e o respeito mútuo, podem
servir de moderadores para a decisão de participação a fim de satisfazer necessidades da
família (Hoy, Tarter & KottKamp, 1991 cit. por Unger et al., 2001).
Existe, no entanto, uma diferença entre a família fazer uma escolha de não participar
no programa de IP e não estar consciente que esses programas existem ou o que podem
oferecer (Palfrey, Singer, Walker & Butter, 1987 cit. por Brinker, 1992).
Capítulo II – Revisão da Literatura
93
Mesmo face a necessidades familiares significativas, o profissional deve sempre
respeitar a decisão de participação dos pais, pois podem existir importantes factores
moderadores que influenciam essa colaboração e que são desconhecidos pelo profissional.
Por exemplo, McLinden (1990) realça no seu estudo que os programas devem avaliar
cuidadosamente o desejo das mães em participar no programa educacional do seu filho,
porque muitas vezes o não envolvimento significa a necessidade da mãe de ter tempo
disponível quer para si quer para os outros elementos da família. Intervenção, no caso de
sobrecarga das mães, significaria para a autora ajudá-las a minimizar ou a gerir o seu
tempo e a encontrar prestadores de cuidados. Contudo, as preferências de participação dos
pais também podem mudar ao longo do tempo. Por exemplo, pais que inicialmente não
partilhavam informações pessoais e que com o tempo participam cada vez mais, ou vice-
versa.
Num estudo desenvolvido por Unger et al. (2001) sobre a participação em famílias
monoparentais com baixos rendimentos cujas crianças entraram pela primeira vez no
programa de IP, ficou demonstrado que as necessidades das famílias e o seu
funcionamento estavam positivamente relacionados com a participação do prestador de
cuidados primários no programa. As dificuldades no funcionamento familiar e os poucos
conhecimentos sobre o desenvolvimento da criança foram relacionados com maior
participação do prestador de cuidados primários.
Estes resultados são consistentes com a investigação que sugere que os programas de
IP são mais eficazes em famílias com maiores necessidades (Badley et al., 2001; Green et
al., 1997; Parker et al., 1998 cit. por Unger et al., 2001).
Segundo Morgado e Beja (2000) o papel dos técnicos na participação familiar
implica a consideração das características peculiares de cada micro-sistema familiar de
forma a potenciar adequadamente os esforços, empenho e competências de todos os
intervenientes. Contudo, as práticas centradas na família devem oferecer e respeitar as
escolhas das famílias sobre o seu nível de participação.
Porém, comunicar aos pais a especificidade das práticas centradas na família e os
serviços de apoio à família pode aumentar a sua participação (Bernstein & Martin, 1992;
Collins & Collins, 1990; Stephenson, 1992, cit. por Unger et al., 2001).
Capítulo II – Revisão da Literatura
94
Desde os primeiros contactos devemos dizer-lhes que abraçamos esta filosofia, não
apenas com palavras mas através das nossas acções. A qualidade de interacção pais-
profissional está nas pequenas coisas que o profissional diz e faz. Alcançando desta forma
os resultados de uma filosofia centrada na família, mesmo em programas, instituições e
serviços, não centrados na família. (McWilliam et al., 1996).
5.3. PARTICIPAÇÃO NA TOMADA DE DECISÕES
A DEC (Division of Early Intervention) refere a participação das famílias como uma
pratica recomendada para a qualidade dos programas de IP. Definindo participação como
“a família como membro igual no trabalho em parceria com a equipa em todos os aspectos
do sistema de IP, incluindo os aspectos sobre os cuidados com a sua criança e a todos os
níveis de tomada de decisão” (DEC, 1993 cit. por Beverly & Thomas, 1999).
Desde 1990 que, nos EUA, se tem assistido a uma renovada conceptualização do
papel activo e de colaboração dos pais nos programas de IP. Têm-se desenvolvido esforços
para uma participação activa dos pais na tomada de decisões, contrariamente ao seu papel
passivo e no desenvolvimento de serviços para outras pessoas significativas para os pais
(exemplo: os avós e os irmãos). E, colocada a ênfase na colaboração no desenvolvimento
de práticas orientadas pelas famílias (Murphy et al., 1995)
A filosofia das práticas centradas na família considera-a como a identidade única
capaz de identificar as suas preocupações, prioridades e recursos e que os serviços devem
ser avaliados, planeados e implementados com a participação da família na tomada de
decisões.
Apesar de numa abordagem centrada na família, os pais serem considerados os
decisores irrevogáveis nos assuntos que a si e à sua criança dizem respeito, eles apenas
tomarão essa posição, se o profissional tornar esse papel claro através das suas e acções
(McWilliam et al., 1996). Porque até aqui, foi-lhe sempre atribuído um papel passivo.
Dizer-lhes que a escolha é deles, assegurar que têm a informação necessária para
tomar decisões (para que as famílias estejam em posição de tomar decisões, é necessário
terem conhecimentos e saber como aceder às opções de serviços disponíveis na
Capítulo II – Revisão da Literatura
95
comunidade) e respeitá-las nas suas decisões. Uma das primeiras decisões que os pais
devem tomar é de querer, ou não, a ajuda dos serviços que lhes prestamos.
Um estudo qualitativo, desenvolvido no Colorado com 30 famílias (Able-Boone,
Sandall, Loughry & Frederick, 1990 cit. por McWilliam et al., 1995), demonstrou que as
famílias esperam que os profissionais lhes forneçam informação precisa e lhes dêem
oportunidades para tomarem decisões. A obtenção da informação e a tomada de decisões
são processos que a família ora deseja controlar, ora deseja delegar essa função no
intervencionista precoce (Beverly & Thomas, 1999).
Como referem Sontag & Schacht (1994, p.430):
“Parents perceive themselves as highly involved and competent decision makers in regard to
their child`s special needs; therefore, professionals must not usurp the role of decision maker from
parents in the early intervention process.”
Brinckerhoff & Vincent (1986 cit. por Bailey, 1988) referem que uma maior
participação dos pais na avaliação do desenvolvimento da criança aumentava a tomada de
decisões no programa.
E como Beckman et al. (1996 cit. por Carpenter, 2000) referem, ver as famílias como
um parceiro igual na tomada das decisões, não diminui o papel do profissional como
prestador de serviços ou o valor das suas experiências.
“When placed in pivotal decision-making roles in all aspects of the selection and provision
of supports and resources, families are provided with enabling experiences associated with
empowering consequences.” (Dunst, Trivette, & Deal, 1988, 1994)
Habilitar os pais na tomada de decisões implica que, quando surge uma dificuldade
ou problema, o profissional se articule com a família na sua resolução, e não resolvendo-o
por si, proporcionando assim, a aquisição pela família de capacidades de resolução de
problemas necessárias para se tornarem eficazes na tomada de decisões (McWilliam et al.,
1996).
Capítulo II – Revisão da Literatura
96
Mais importante que resolver os problemas pela família, é guiá-los no processo de
tomada de decisões, que consiste segundo McWilliam et al. (1996), nos seguintes passos:
• Analisar os factores que contribuíram para a situação
• Discutir o seu impacto nos diferentes membros da família
• Explorar as várias opções e recursos disponíveis na sua resolução
• Medir os prós e os contras de cada opção
• Tomar uma decisão e elaborar um plano de acção
O papel activo das famílias no processo de tomada de decisões é conseguido quando
se reconhece a importância da sua contribuição, as suas capacidades para a resolução de
problemas e se encoraja a sua participação no processo disponibilizando informações.
If we want to convey that they are the decision makers, we give them the
necessary information and offer them choices. If we want to convey that we
respect their opinions, we listen. If we want to convey that we are there to
meet they concerns, we are responsive to their stated needs and priorities. If
we want to convey that they are competente, we recognize and acknowlegde
their skills and abilities (McWilliam et al., 1996 p.29).
Concluímos este capítulo sobre participação familiar com as seguintes afirmações,
que no nosso entender, são as expressões máximas do que deve ser a participação, à luz de
uma abordagem centrada na família:
“The role of the family is not an educational extension of the intervention program. Rather,
then opposite is true, the intervention program should be an extension of the family.”
(Wrigth, Granger e Sameroff 1984, cit por McWilliam et al., 1996 p.143)
“Parents are in the driver´s seat, and our job is to assist them in ways that help them get
where they want to go and that are consistente with their values and lifestyles.”
(McWilliam et al., 1996 p.144)
Capítulo II – Revisão da Literatura
97
Deste modo, parece-nos mais correcto que em vez de falarmos sobre participação da
família nos serviços, começarmos a falar de participação do profissional nas metas e
objectivos que a família pretende alcançar em que as famílias e os profissionais partilham
responsabilidades, trabalham em colaboração e tomam decisões em conjunto sob práticas
que são individuais e flexíveis, reforçam o funcionamento familiar e baseiam-se nas
competências e nos pontos fortes da família (Sandall, McLean e Smith, 2000 cit. por
Serrano e Correia, 2003).
O resultado da avaliação da família e da criança culminará no Plano Individualizado
de Apoio à Família (Krauss & Jacobs, 1990). Este plano é o veículo fundamental de todos
os pressupostos teóricos e empíricos nas práticas de IP que requer, por um lado, que os
profissionais olhem para as necessidades das crianças à luz do contexto familiar e, por
outro, requer a partilha do poder com os membros da família no processo de tomada de
decisões.
Capítulo II – Revisão da Literatura
98
6. PLANO INDIVIDUALIZADO DE APOIO À FAMÍLIA
O Plano Individualizado de Apoio à Família (PIAF) é a interacção, colaboração e
parceria entre pais e profissionais, que resulta num plano escrito que regista os objectivos
individuais da criança e família e descreve recursos/serviços e sua articulação no apoio aos
objectivos.O seu propósito é o de identificar e organizar recursos formais e informais
necessários para que as famílias alcancem os seus objectivos. Constitui uma promessa para
as crianças e famílias de que as suas forças serão reconhecidas e construídas, que as suas
necessidades serão tidas em atenção, respeitando as suas crenças e valores e que as suas
esperanças e aspirações serão encorajadas e facilitadas (Espe-Sherwindt, 2002).
Uma das metas de legislação Americana para incrementar a participação dos pais
com os serviços de IP é o PIAF, em que os pais e profissionais trabalham em colaboração
com o fim de alcançar resultados para a criança e família. Resultados estes que reflectem
as prioridades e preocupações das famílias (Mahoney & Filer, 1996).
Segundo McWilliam et al. (1998) o PIAF deve ser um documento para as famílias,
bem como para os profissionais, que reflecte as necessidades das famílias e as práticas
recomendadas (algo menos será injusto para as famílias) e simultaneamente ser funcional
(i.e., útil para as famílias e para os serviços).
Mahoney et al. (1990) realçam que as mães que beneficiavam de um PIAF recebiam
mais serviços ao nível da família do que as mães que não beneficiavam, isto porque se foca
nas necessidades e forças da família.
“Effective and efficient IFSPs are ones that promote and enhance the process of identifying
family needs and mobilization of resources and supports to meet needs.”(Dunst et al., 1994 p.61)
Capítulo II – Revisão da Literatura
99
McGonigel et al. (1991) definem um conjunto de princípios para o desenvolvimento
do PIAF que se baseam numa filosofia centrada na família que encara a promoção das suas
forças e competências:
1. As crianças e os bebés dependem exclusivamente das suas famílias para a sua
sobrevivência e educação. Esta dependência requer uma abordagem à IP centrada na
família.
2. A definição de família utilizada pelos Estados e pelos programas deve reflectir a
diversidade de padrões e estruturas familiares.
3. Cada família tem uma estrutura própria, assim como papéis, valores, crenças e formas
de lidar com os seus problemas. O respeito e a aceitação dessa diversidade são a base
da IP centrada na família.
4. Os sistemas e estratégias de IP devem respeitar a diversidade racial, étnica, cultural e
socioeconómica das famílias.
5. O respeito pela autonomia, independência e capacidades de decisão das famílias
significa que esta deve ser capaz de escolher o nível e a natureza do seu envolvimento
na IP.
6. A colaboração e parcerias família/profissionais são a chave para a IP centrada na
família e para a implementação bem sucedida do PIAF.
7. Trabalhar com as famílias numa abordagem de promoção das suas habilidades e
competências requer que os profissionais reexaminem os seus papéis e práticas
tradicionais e desenvolvam novas práticas sempre que necessário, práticas que
promovam o respeito mútuo e as parcerias.
8. Os serviços de IP deverão ser flexíveis, acessíveis além de dar respostas às necessidades
idenficadas pelas famílias.
9. Os serviços de IP deverão ser prestados sobre o princípio de normalização, ou seja, as
famílias deverão ter acesso aos serviços que, por sua vez, deverão ser prestados da
forma mais natural possível e adaptados ao ambiente em que estão inseridas, para que
possam promover a inclusão da criança e da família na comunidade.
10. Nenhum serviço ou programa consegue responder às diversas e complexas
necessidades das crianças com NE, nem das suas famílias. Por isso, é necessário uma
abordagem em equipa quer para o planeamento quer para a implementação do PIAF.
Capítulo II – Revisão da Literatura
100
6.1. PLANO INDIVIDUALIZADO DE APOIO À FAMÍLIA NAS
PRÁTICAS DE INTERVENÇÃO PRECOCE
No desenvolvimento de um PIAF, que se quer centrado na família, há a considerar
certas condicionantes, nomeadamente se a família guia o processo do PIAF através dos
seus valores e decisões, se está familiarizada quanto ao seu formato, conteúdo, uso e
importância, se é questionada sobre como prefere desenvolver o plano de intervenção (Ex:
a família que prefere estar com o grupo profissional, ou apenas com um profissional na
identificação das suas preferências para as estratégias de intervenção), se lhe é dada a
possibilidade de decidir sobre a participação de outras pessoas significativas para si, no
PIAF.
Para que o PIAF seja considerado como instrumento da esfera familiar e não da
esfera do profissional é necessário que tenha em consideração (McWilliam et al., 1996,
p.113):
• As metas da família para a criança e para si própria, isto porque a família é a unidade
de intervenção da IP.
• O respeito pelas prioridade das famílias, compreendendo os motivos, porque escolheu
essas prioridades (Ex: os pais de uma criança com NE severa, referem como prioridade
que a sua criança fale. Questionando-os porque querem que a sua criança fale, eles
podem referir que assim a criança já pode dizer-lhes o que quer e, logo, não chore
tanto).
• O respeito pelos recursos que a família já usa para a satisfação das metas, ou explora
os recursos disponíveis. (Ex: dada uma prioridade de questionar-se a família sobre a
forma como já lidam com a situação, ou como pensam que se poderia resolver o
problema, sugere ao profissional os recursos disponíveis e usados, potenciais barreiras
para a intervenção e as capacidades dos pais.
• O plano é útil e usado, devendo os pais entender e concordar com o seu conteúdo.
• Os pais têm um sentimento de direito de propriedade do plano que é disponibilizado
por eles.
• O plano inclui metas que são importantes para a família.
Capítulo II – Revisão da Literatura
101
• As actividades para a realização das metas, além de serem do agrado da criança e da
família, são também inseridas nas rotinas do dia-a-dia.
• Há uma grande probabilidade de realização das metas dentro de um período de tempo
relativamente curto.
• Os recursos são disponíveis e acessíveis para implementar as actividades (Ex: tempo,
dinheiro, energia, apoio emocional, espaço, materiais).
• O plano de intervenção é submisso a mudanças frequentes e actualizações.
• O plano é revisto frequentemente e a planificação é um processo contínuo.
• O plano é tão prático que é usado como um memorando que se coloca na porta do
frigorífico.
O processo de desenvolvimento do PIAF consiste na obtenção, partilha e
troca de informação entre a família e a equipa para habilitar as famílias a
fazerem escolhas informadas acerca dos serviços de IP que querem para
si e para as suas crianças (McGonigel et al., 1991 p.15).
Considerando que o processo do PIAF é mais importante do que o plano em si
mesmo e que esse processo não é conceptualizado como uma simples progressão de
passos (McGonigel et al., 1991), passaremos de seguida a analisar as actividades
chave que ocorrem como parte do processo do PIAF (Figura 4).
• Primeiros contactos entre a família e os serviços de IP
Se as preferências e prioridades das famílias moldam o processo do PIAF,
então essas preferências e prioridades devem ser identificadas o mais cedo
possível. Ao longo dos primeiros contactos, os serviços de IP devem ficar a
conhecer as escolhas da família de envolvimento com os serviços e como
deseja partilhar a informação. Contudo, esta é uma actividade que continua
ao longo de todo o processo.
Capítulo II – Revisão da Literatura
102
• Planificar a avaliação
Para planear uma avaliação adequada a cada família e criança, a equipa deve
obter e trocar informação sobre as características da criança e avaliações
anteriores da criança, as preferências de envolvimento da família e as
prioridades da família para si e para a criança.
• Avaliação da criança
Consiste em identificar e obter a perspectiva da família/profissional sobre as
necessidades e os pontos fortes da criança.
• Identificação das preocupações, prioridades e recursos
Neste componente não se trata de avaliar a família em si, mas antes é um
processo que consiste em ajudar as famílias a identificar as suas forças e
necessidades relacionadas com o desenvolvimento da família.
• Desenvolvimento de resultados
Reporta-se a uma revisão em que a equipa do PIAF (onde os pais estão
incluídos) faz escolhas entre o leque de prioridades, negociam estratégias,
actividades e serviços que mais probabilidades têm de obter sucesso nos
resultados finais.
• Implementação do PIAF
Consiste nos processos, métodos e procedimentos usados para obter os
resultados do PIAF. Os recursos e serviços devem ser guiados pelo princípio
da normalização, ser baseados na comunidade, responder as necessidades da
família e da criança e promover a interdependência da família com a
comunidade.
Capítulo II – Revisão da Literatura
103
• Avaliação formal e informal do PIAF
A família e a equipa avaliam a adequação dos resultados e a eficácia do PIAF
na satisfação das necessidades da criança e da família. Para além de que a
família também pode avaliar o processo do PIAF e o programa de IP.
Figura 4 – Processo de desenvolvimento e implementação do PIAF
Fonte: McGonigel, M. J.; Kaufmann, R.K. e Hurth, J.L. (1991). The IFSP Sequence. In
McGonigel, M. J.; kaufmann, R.K. e Johnson, B.H. (Eds.), Guidelines and recommended practices
for the individualized family service plan. Bethesda: Maryland. Association for the Care of
Children`s Health. (p.16)
Primeiros contactos entre as famílias e os serviços de IP
Planificar a avaliação
Avaliação da criança
Identificação das preocupações, prioridades e
recursos
Desenvolvimento de resultados
Implementação do PIAF
Avaliação formal e informal do
PIAF
Monitorização
Referência
Não necessita de serviços ou o programa não é adequado
para a necessidade
Capítulo II – Revisão da Literatura
104
6.2. PLANO INDIVIDUALIZADO DE APOIO À FAMÍLIA NA
LEGISLAÇÃO PORTUGUESA
O Despacho Conjunto nº.891/99, que regulamenta a IP a nível Nacional, prevê no
seu ponto 6.3.3b) que a equipa de IP deve construir, com a família, um Plano Individual de
Intervenção (PII), baseada na avaliação conjunta das necessidades, prioridades e recursos
da família.
O que o despacho designa de PII, aqui é tratado como Plano Individualizado de
Apoio à Família (PIAF), por esta designação se encontrar mais difundida junto dos
profissionais de IP, bem como na literatura da àrea.
A abordagem da Legislação Portuguesa de IP parece estar em consonância com a
afirmação de Dunst et al. (1988) que refere que o processo de desenvolvimento do PIAF
deve ser flexível e continuamente dar respostas às necessidades expressas pelas famílias,
devendo para isso ser um instrumento flexível e funcional para identificar e satisfazer essas
necessidades.
Teoricamente a lei que fundamenta o uso do PIAF, além de incumbir às equipas de
intervenção directa, conjuntamente com as famílias, a elaboração, execução e avaliação do
PIAF (ponto 9.3.2 e 6.3.3b) realça também que os profissionais de IP devem reconhecer a
família como uma identidade a quem compete tomar decisões sobre assuntos que lhe
digam directamente respeito, reconhecendo, por outro lado, as competências e a autonomia
da família para mobilizar e utilizar os recursos que necessita (ponto 6.2.1). Reconhece-se
igualmente a contribuição familiar para a eficácia do apoio.
Do PIAF devem constar (ponto 6.4.1):
a) Diagnóstico global da situação da criança (saúde, capacidades e competências e
características comportamentais)
b) Identificação dos recursos e necessidades da criança e da família, efectuada com
esta, em estreita colaboração e em partilha de informação.
c) Os apoios a prestar, tomados entre profissionais e família, a quem foi dada
informação e a possibilidade de tomar decisões.
d) Data de início e o período provável de duração.
e) Periodicidade da avaliação.
Capítulo II – Revisão da Literatura
105
A investigação tem revelado que só à luz do PIAF é possível desenvolver um
trabalho centrado na família em que a criança é vista no contexto familiar, tornando-se
possível responder às suas preocupações e prioridades, trabalhar em parcerias e habilitar a
família a usar os recursos para satisfazer as suas necessidades (Bailey, McWilliam, Winton
& Simeonsson, 1991; Dunst, Johanson, Trivette & Hamby, 1991 cit. por McWilliam et al.
1998).
Contudo, a investigação portuguesa carece de informação sobre a adequação entre as
práticas previstas no despacho e o uso efectivo pelos profissionais do instrumento e dos
pressupostos teóricos nele contidos.
Capítulo III – Metodologia
107
1. DESENHO DA INVESTIGAÇÃO
A finalidade deste estudo é o de avaliar as necessidades e a rede de apoios sociais das
famílias de crianças com NE em função de um conjunto de características que essas
famílias apresentam. Em termos da profundidade do estudo, optamos por um modelo de
investigação exploratório que é caracterizado, segundo Almeida e Freire (2000), por um
maior grau indutivo ou de descoberta de pontos de continuidade ou de pregnância numa
dada realidade.
Relativamente à metodologia o presente estudo é classificado como quantitativo
porque tem como objectivo explicar, predizer e controlar os fenómenos e através da
objectividade dos procedimentos e da quantificação das medidas, tenta encontrar
regularidades e leis explicativas do seu objecto de estudo (Almeida e Freire, 2000).
Tendo em consideração a sua finalidade, profundidade e tipo de metodologia os
objectivos traçados no âmbito deste estudo, e como já foram referidos, são formulados do
seguinte modo:
• Conhecer as necessidades das famílias, nomeadamente as necessidades de
informação, de apoio social e familiar, financeiras, de explicar a outros, de tomar
conta da criança e de serviços comunitários.
• Conhecer o grau de utilidade dos diferentes elementos da rede de apoio social das
famílias, nomeadamente os familiares, as relações próximas, os grupos sociais, os
profissionais e os grupos de profissionais.
• Analisar de que modo uma maior utilidade das diversas fontes de apoio social,
disponibilizados pela rede de apoio social das famílias, são mais capazes de
satisfazer as necessidades, verificando-se assim uma diminuição das necessidades
expressas.
• Verificar de que forma as características da família como os papéis parentais, a
idade dos pais e da criança, a severidade da NE, a escolaridade dos pais e o
Capítulo III – Metodologia
108
estatuto socioeconómico, influenciam as suas necessidades e a utilidade da sua
rede de apoio social.
Partindo deste conjunto de objectivos, as questões de pesquisa que pretendemos dar
resposta neste estudo, foram assim formuladas:
1. Será que, as famílias com mais necessidades consideram de maior utilidade, as
diversas fontes de apoio social disponibilizadas pela sua rede?
2. Será que, a idade da criança é uma variável diferenciadora do tipo de
necessidades expressas, bem como do grau de utilidade dos elementos da sua rede
de apoio social?
3. Será que, a idade dos pais é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades
expressas e do grau de utilidade dos elementos da sua rede de apoio social?
4. Será que, a escolaridade dos pais é uma variável diferenciadora do tipo de
necessidades expressas e do grau de utilidade dos elementos da sua rede de apoio
social?
5. Como é que, o grau de severidade da NE da criança afectará a forma como as
famílias identificam as suas necessidades e o grau de utilidade do apoio
disponibilizado pelos elementos da sua rede de apoio social?
6. Como é que, o estatuto socioeconómico da família afectará a forma como
identificam as suas necessidades e o apoio disponibilizado pelos elementos da sua
rede de apoio social?
7. Como é que, o tipo de colaboração entre os cônjuges/companheiros afectará a
forma como as famílias identificam as suas necessidades e o grau de utilidade dos
elementos da sua rede de apoio social?
Capítulo III – Metodologia
109
2. POPULAÇÃO E AMOSTRA
A população deste estudo é a família de crianças com NE, entre os 0 e os 5 anos que
residam na área geográfica que, em termos educativos, está sob a responsabilidade da
Coordenação da Àrea Educativa de Entre Douro e Vouga. Nesse espaço educativo,
incluem-se os concelhos de Arouca, Castelo de Paiva, Vale de Cambra, Espinho, S. João
da Madeira, Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira.
No Quadro 6 estabelece-se a relação entre o número de questionários entregues e os
devolvidos, por concelho. Por motivos de maior rigor no tratamento estatístico da
informação recolhida, foi necessário eliminarem-se 5 questionários que não completaram
os requisitos mínimos de preenchimento.
Quadro 6 – Relação entre os questionários entregues e devolvidos por concelho
Questionários
Concelho Entregues Devolvidos
Arouca 10 10
Oliveira de Azeméis 51 38
Castelo de Paiva 15 11
S. João da Madeira 10 10
Vale de Cambra 10 8
Espinho 20 17
Sta. Maria da Feira 60 52
Total 176 146
Capítulo III – Metodologia
110
3. PROCEDIMENTOS
Num primeiro momento a Coordenação da Área Educativa de Entre Douro e Vouga
foi contactada telefonicamente, disponibilizando os contactos das Equipas Coordenadoras
dos Apoios Educativos que servem a referida área geográfica.
Num segundo momento estas equipas, que são designadas e agrupadas por A
(Oliveira de Azeméis/Arouca), B (Castelo de Paiva), C (S. João da Madeira/Vale de
Cambra) e D (Espinho/Santa Maria da Feira) também foram contactadas telefonicamente.
Foram informadas do objectivo do estudo, solicitada a sua colaboração e a indicação, em
termos gerais, do número de famílias de crianças com NE que os seus serviços apoiavam.
Posteriormente, receberam em mão uma carta que descrevia os objectivos do estudo, a
instituição onde estava a ser desenvolvida e o parecer do orientador sobre o estudo em
causa (ANEXO B). As referidas equipas facilitaram os dados sobre as instituições e as
educadoras do ensino especial, como elementos de referência para estabelecer os contactos
desejados com as famílias.
O passo seguinte foi o contacto pessoal com todas as educadoras de infância do
ensino especial afim de pedir a sua colaboração na distribuição dos questionários pelas
famílias e a indicação de que, quando necessário, estas pudessem ajudar as famílias no seu
preenchimento. Gostaríamos de salvaguardar que, proporcionada a oportunidade de
contacto directo com a família, o investigador desempenhava esse papel.
Este processo demorou sensivelmente 3 meses, correspondendo aos meses de Maio,
Junho e Julho de 2003.
Capítulo III – Metodologia
111
4. INSTRUMENTOS
O questionário usado com o fim de obter a informação necessária para o
desenvolvimento desta investigação (ANEXO C), é constituído pelos seguintes
instrumentos de avaliação: Ficha de Caracterização Sociodemográfica da Família, o
Inventário das Necessidades da Família (Bailey & Simeonsson, 1988) e a Escala de
Avaliação do Apoio Social à Família (Dunst et al., 1988).
Este questionário inclui também uma apresentação inicial que foca o objectivo da
investigação, a garantia da confidencialidade dos dados e o anonimato do sujeito, o pedido
de colaboração e a referência que não existem respostas certas ou erradas mas apenas a
opinião do sujeito.
4.1. CARACTERIZAÇÃO SOCIODEMOGRÁFICA DA FAMÍLIA
Esta ficha pretende obter informações sobre a criança e a família, solicitando ao
inquirido que indique relativamente à criança dados como, a idade, o sexo, o tipo de
necessidade específica, o grau de severidade da NE e o local em que é apoiada, bem como
dados referentes à caracterização da família, tais como a constituição do agregado familiar,
o número de irmãos, a idade dos pais, a profissão, as habilitações académicas e o estado
civil. Além destes dados pretende-se que o inquirido indique o tipo de colaboração (não
colabora, colabora por vezes, colabora muitas vezes, colabora sempre) que existe entre os
cônjuges/companheiros nos cuidados prestados à criança e na realização das tarefas
domésticas.
4.2. INVENTÁRIO DAS NECESSIDADES DA FAMÍLIA
O instrumento usado para avaliar as necessidades da família foi a adaptação do
Family Needs Survey (Bailey e Simeonsson, 1988; Bailey, Blasco e Simeonsson, 1992),
feita para Portugal, com autorização dos autores, por Serrano (1999b) – O Inventário das
Necessidades da Família. Este instrumento traduzido é constituído por 32 itens agrupados
em seis subescalas: necessidades de informação, necessidades de apoio social e familiar,
Capítulo III – Metodologia
112
necessidades financeiras, necessidades de explicar a outros, necessidades de tomar conta
da criança e necessidades de serviços da comunidade.
A subescala necessidade de apoio profissional constituída por três itens (padre,
conselheiro/advogado e tempo para falar com o professor ou terapeuta da minha criança)
incluída na Family Needs Scale (Bailey, Blasco & Simeonsson, 1992) não está presente na
versão traduzida.
O objectivo do instrumento é identificar as necessidades da família com o propósito
de estabelecer prioridades para os serviços prestados pela IP.
Para cada item o inquirido deve assinalar com uma (X) numa das seguintes opções:
Não Necessito deste Tipo de Ajuda, Não Tenho a Certeza, Necessito deste Tipo de Ajuda.
a) Subescala Necessidades de Informação (itens 1 a 7)
Bailey e Simeonsson (1988) consideram que os pais de crianças com NE necessitam
de mais informação para educar a sua criança do que os pais de uma criança sem NE. Esta
subescala pretende assim saber se os pais das crianças com NE sentem necessidades de
informação sobre: como as crianças crescem e se desenvolvem, como brincar com a
criança, como pegar na criança, como lidar com o comportamento da criança, informações
sobre qualquer problema ou deficiência da criança e necessidade de informação sobre os
serviços actuais e futuros.
As preocupações dos pais sobre o futuro da criança têm sido bem documentadas por
diversas investigações (Bailey & Simeonsson, 1988; McLinden, 1990), bem como a
necessidade de informação sobre os serviços presentes, sobre formas de ensinar a criança e
informações sobre a NE da criança (Bailey & Simeonsson, 1988).
b) Subescala Necessidades de Apoio Social e Familiar (itens 8 a 15)
Esta segunda subescala avalia as necessidades dos pais de apoio informal e formal
como ter alguém na família ou ter amigos com quem falar ou, ter alguém que ajude algum
dos elementos do casal a aceitar a condição da criança, que ajude a família a discutir
problemas e a encontrar soluções, que ajude a família a apoiarem-se uns aos outros ou que
ajude a família a tomar decisões sobre tarefas familiares e actividades recreativas.
Capítulo III – Metodologia
113
c) Subescala Necessidades Financeiras (itens 16 a 21)
Considerando que a presença de uma criança com NE é muitas vezes sinónimo de
despesas adicionais para a família, esta subescala pretende avaliar as necessidades dos pais,
respeitantes a ajudas financeiras para obter equipamentos especiais e brinquedos para a
criança, para pagar a infantário/terapia/ama ou outros serviços, ajuda para despesas mais
elementares como comida, casa, cuidados médicos, roupas ou transportes ou ajuda para
conseguir um emprego.
A identificação das necessidades financeiras da família permite ao profissional
proporcionar informação útil sobre possíveis ajudas, (segurança social ou outros serviços
não governamentais) ou mesmo sugerir outras famílias que foram bem sucedidas na
obtenção deste tipo de ajudas (Pereira, 1998).
d) Subescala Necessidades de Explicar a Outros (itens 22 a 26)
Esta subescala avalia a necessidade das famílias de explicar a condição da sua criança
a diferentes pessoas (pais, pais do marido, irmãos e irmãs, vizinhos, estranhos e a outras
crianças) e a necessidade de encontrar informação escrita sobre outras famílias com uma
criança com o mesmo problema da sua.
e) Subescala Necessidades de Tomar Conta da Criança (itens 27 a 29)
As exigências adicionais colocadas aos pais de crianças com NE, quer a nível de
cuidados diários quer a nível financeiro, levam a que estas famílias tenham necessidade de
amas/baby-sitters ou infantários/pré-escolas para deixarem a sua criança enquanto vão
trabalhar, ou simplesmente necessitam de alguém que lhes fique com a sua criança para
que possam, por exemplo, ir à missa. Contudo, McLinden (1990) realça no seu estudo que
30% das mães e 34% dos pais consideram que encontrar um prestador de cuidados é uma
tarefa problemática.
f) Subescala Necessidades de Serviços da Comunidade (itens 30 a 32)
Cada família está inserida numa comunidade que por sua vez é constituída por
famílias, profissionais e cidadãos, os quais representam a rede de serviços dessa
comunidade capazes de dar respostas às necessidades das famílias de crianças com NE
(Correia e Serrano, 1998).
Capítulo III – Metodologia
114
Assim, os pais necessitam muitas vezes de assistência para aceder a esses serviços
(MacEachron, Pensky & Hawes, 1986 cit. por Bailey & Simeonsson, 1988).
Nesta subescala é avaliada as necessidades da família de assistência para localizar
médicos/dentistas ou para encontrar outros pais de crianças com o mesmo problema que a
sua. As mães de crianças com NE documentaram a necessidade de ler sobre o assunto e
falar com pais de outras crianças como a sua (Bailey & Simeonsson, 1988).
No final, o inquirido tem a oportunidade de indicar, por ordem de preferência, as
cinco necessidades mais importantes para a sua família, bem como sugerir outras que não
sejam contempladas pelo instrumento.
Para se obter a distribuição das necessidades expressas pelas famílias, atribuiu-se a
cada tipo de resposta um valor:
(0) - Não Necessito deste Tipo de Ajuda
(1) - Não Tenho a Certeza
(2) - Necessito deste Tipo de Ajuda
Posteriormente faz-se o somatório do total das respostas em cada uma das categorias.
A validade e a utilidade deste instrumento, quer para os pais, quer para as famílias
têm sido demonstrados por diferentes estudos (Bailey, 1988; Bailey & Simeonsson, 1988);
Bailey et al., 1992; Bailey & Blasco, 1990).
O grau de confiança da escala (Bailey & Simeonsson, 1988) foi obtido através da
comparação de duas administrações com um intervalo de 6 meses. Numa primeira
administração com uma amostra de 34 famílias e numa segunda administração com uma
amostra de 20 famílias obteve-se uma pontuação de .67 (p<.001) e .81 (p<.001) para mães
e pais respectivamente. Existindo também correspondências entre as classificações das
mães e dos pais de .52 (p<.01).
Sexton e Al. (1992, cit. por Reyes-Blanes et al., 1999) verificaram que o instrumento
tem uma elevada consistência interna quer para a pontuação total (.91) quer para as
pontuações das subescalas (.65 para .86). Foram também encontradas correlações positivas
entre a avaliação das necessidades dos pais e o seu bem-estar pessoal: famílias com
elevado grau de necessidades reportam mais problemas emocionais e físicos (Dunst &
Leet, 1987; Dunst, Vance & Cooper, 1986 cit. por Bailey & Blasco, 1990).
Capítulo III – Metodologia
115
4.3. ESCALA DE AVALIAÇÃO DO APOIO SOCIAL À FAMÍLIA
A Escala de Avaliação do Apoio Social à Família usada nesta investigação é uma
tradução feita para Portugal, com a autorização dos autores, por Coutinho e Xavier (1997)
de Family Support Scale (Dunst, Jenkins & Trivette, 1984). Este instrumento tem sido
usado para medir as percepções das famílias de crianças com NE sobre a utilidade e
disponibilidade das diversas fontes de apoio social da sua rede de apoio.
A versão original da escala é constituída por 20 itens, dos quais dois com resposta
aberta. Na versão Portuguesa, a Escala de Avaliação do Apoio Social à família é
constituída por pelos mesmos, 20 itens, existindo apenas um para resposta aberta (item
nº20), tendo o outro dado lugar à opção “vizinhos” (item nº9).
O inquirido, para cada um dos itens anteriores pode seleccionar uma das seguintes
opções de resposta: Não Disponível, Nada útil, Por vezes é útil, Geralmente é útil, É muito
útil, Muitíssimo útil.
Os 18 itens da Family Support Scale e os 19 da Escala de Avaliação do Apoio Social
estão distribuídos por cinco subescalas da seguinte forma:
a) Subescala Família (itens 1,2,3,4,5 e 8)
Nesta subescala podemos avaliar a utilidade dos diferentes membros da rede informal
da família como os pais, familiares, filhos e cônjuge/companheiro do inquirido bem como
os pais e familiares do cônjuge/companheiro do inquirido.
b) Subescala Relações Próximas (itens 6,7,9,10 e 11)
Nas relações próximas incluem-se os membros informais da rede de apoio social da
família, tais como: os amigos do inquirido e os amigos do seu cônjuge/companheiro, os
vizinhos, outros pais e os colegas de trabalho.
c) Subescala Grupos Sociais (itens 12,13 e 14)
Nesta subescala podemos avaliar como elementos informais da rede social da
família, tais como: grupos de pais, grupos sociais/clubes e os membros da igreja/padre são
úteis para as famílias da nossa amostra.
Capítulo III – Metodologia
116
d) Subescala Profissionais (itens 15 e 18)
Nesta subescala referente aos profissionais, podemos avaliar o grau de utilidade do
médico da família ou da criança e outros profissionais especializados (assistentes sociais,
terapeutas, professores) para as famílias da nossa amostra.
e) Subescala Grupos Profissionais (itens 16,17 e 19)
Nos grupos de profissionais estão incluídos, o programa de intervenção precoce, os
elementos da creche/jardim-de-infância e outros serviços (saúde, serviços sociais, saúde
mental) da rede informal de apoio à família.
As respostas dos sujeitos serão tratadas quantitativamente, daí que se tenha atribuído
a cada tipo de resposta um valor:
(0) – Não Disponível
(1) - Nada útil
(2) - Por vezes é útil
(3) - Geralmente é útil
(4) - É muito útil
(5) - Muitíssimo útil
Cada indivíduo ficará com duas pontuações, uma pontuação para cada subescala
(adiciona-se os valores atribuídos a cada um dos seus itens) e uma pontuação total
(somatório das pontuações anteriores), ficando, assim, a ser conhecido, o número de fontes
de apoio disponíveis e o valor total que lhes é atribuído.
O grau de confiança e de validade da escala foram comprovados no estudo
desenvolvido por Dunst et al., (1988), que incluiu 139 pais (96 mães e 43 pais) de crianças
com NE, em idade pré-escolar, sendo a consistência interna de .77 e o grau de confiança
de .75 (coeficiente de bipartição). Um e dezoito meses após os resultados obtidos foram,
respectivamente, r= .75 (SD=.17, p<.001) e , r= .41 (SD=.18, p<.05) para a correlação
entre os itens e de , r= .91 (p<.001) e , r= .47 (SD=.18, p<.01) para a pontuação total da
escala. A escala foi também relacionada com o bem estar dos pais (r= .28, p<.01), com a
integridade da unidade familiar, (r= .18, p<.01) e com as percepções dos pais sobre o
comportamento da criança (r= .19, p<.05).
Capítulo III – Metodologia
117
Estes dados revertem para o uso desta escala para a intervenção, na medida em que
as respostas do inquirido sejam objecto de apreciação/reflexão sobre o motivo pelo qual
certos membros da rede pessoal da família possam ou não ser usados como fontes de apoio
e recurso para satisfazer as respectivas necessidades (Dunst et al., 1988).
4.4. ANÁLISE DA CLASSIFICAÇÃO DO ESTATUTO SOCIOECONÓMICO
Com o objectivo de tentar acompanhar as importantes transformações no leque das
actividades profissionais e na estrutura socioeconómica das populações, houve a
necessidade de proceder a um ajustamento, em termos de dimensão e de critério da
variável estatuto socioeconómico (Lima, Dores e Costa, 1991).
Para estes autores, os grupos socioeconómicos são uma variável derivada de um
conjunto de variáveis de base referentes ao domínio sócio-profissional, captando aspectos
diferentes mas relacionados desse domínio e que pretendem traduzir a estruturação das
sociedades contemporâneas.
Contudo, e como nos faz ver Queirós (1991 cit. por Albuquerque, 1996) a pertença a
um estrato social não depende somente da actividade profissional desempenhada.
Deste modo, no nosso estudo, para definir o estatuto socioeconómico atendemos a
dois tipos de indicadores: a profissão e as habilitações académicas (Sem Estudos, 1º
Ciclo; 2º Ciclo; 3º Ciclo; Ensino Secundário; Curso Médio / Superior).
A relação que se pode estabelecer entre estas três variáveis está demonstrado no
Quadro 7 e obedece às classificações elaboradas a nível do contexto nacional,
nomeadamente de Lima, Dores e Costa (1991) e de Sedas Nunes e Miranda (1969). A
análise do estatuto socioeconómico, em cada caso concreto, teve sempre em atenção as
classificações mais elevadas do casal em termos da variável profissão e da variável
habilitações académicas.
Capítulo III – Metodologia
118
Quadro 7 – Relação entre Estatuto Socioeconómico - Profissão - Habilitações Académicas
ESTATUTO SOCIOECONÓMICO PROFISSÃO HABILITAÇÕES
ACADÉMICAS
Elevado
Grandes patrões da indústria, do comércio e da agricultura; quadros dirigentes da função
pública e das empresas; profissões intelectuais e científicas; oficiais superiores
das Forças Armadas.
1º Ciclo ao Curso Médio /
Superior
Médio
Pequenos e médios proprietários; profissões liberais, técnicas e equiparadas de competência média; empregados
administrativos; pessoal dos serviços de protecção e segurança.
3º Ciclo Secundário
Curso Médio / Superior
Inferior-alto
Rendeiros; trabalhadores qualificados da produção industrial e dos serviços; artesões e trabalhadores de artes gráficas; operadores de instalações industriais e máquinas fixas;
condutores e montadores; encarregados, capatazes e profissões similares da produção
industrial; empregados de comércio.
2º Ciclo 1º Ciclo
Sem Estudos
Inferior-baixo
Camponeses e pescadores; trabalhadores não qualificados da indústria extractiva e transformadora, da construção civil e dos
transportes; vendedores ambulantes; empregados domésticos, pessoal de limpeza
e outros trabalhadores não especializados dos serviços; porteiros, distribuidores e
trabalhadores de recolha do lixo.
2º Ciclo 1º Ciclo
Sem Estudos
Fonte: Adaptado de Albuquerque (1996). A criança com deficiência mental ligeira (p.184) (On-line). Disponível: http: //www.snripd.msst.gov.pt
Capítulo III – Metodologia
119
5. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS
As informações recolhidas através da aplicação do questionário sobre as
necessidades e a avaliação dos apoios sociais das famílias, são maioritariamente respostas
de índole fechado e apenas uma resposta é de índole aberta. Para esta última, foi feita a
análise de conteúdo (ANEXO D).
Para a análise estatística dos dados desta investigação de cariz quantitativo, fez-se
uso do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences-versão 10.0) e de
diferentes procedimentos estatísticos nele contidos.
5.1. CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DA AMOSTRA
A nossa amostra é constituída por 146 famílias, de crianças com NE (Quadro 8), as
quais vamos de seguida passar a caracterizar. Começando pela idade das crianças destas
famílias, e como já foi referido anteriormente, têm idades compreendidas entre menos de 1
ano (idade mínima) e 5 anos (idade máxima). A média obtida das idades das crianças
através da análise descritiva, é de 3.78 anos. A faixa etária dos 5 anos é a mais
representada com cerca de 41.1%, seguindo-se a dos 3 e 4 anos respectivamente com
28.3% e 19.2%. Menos representadas estão as idades de menos de 1 ano, 1 ano e 2 anos
(1.4%, 2.7% e 12.3%, respectivamente). Do total do número de crianças, 60.3% são do
sexo masculino e 39.7% do sexo feminino.
O tipo de NE da criança, mais frequente no nosso estudo, com 36.3%, é o atraso de
desenvolvimento sendo, seguido com percentagens inferiores pela paralisia cerebral (13%)
e pelo Síndrome de Down (12.3%). As NE menos frequentes são a spina bífida e a
epilepsia (0.7%). Os restantes tipos estão distribuídas entre as percentagens de 2.1% (outra
deficiência motora) e a de 7.5% (outro tipo de necessidade educativa).
O grau de severidade da NE, com mais expressão, é o grau moderado com 47.3%
seguindo-se, por ordem decrescente, o grau ligeiro (28.1%), o grau severo (14.4%) e o grau
profundo (10.3%).
Capítulo III – Metodologia
120
Quadro 8 – Variáveis Sociodemográficas da Família
Colaboração Cuidados Criança
Não Colabora Colabora Por Vezes Colabora Muitas vezes Colabora Sempre Colaboração Tarefas Domésticas
Não colabora Colabora por vezes Colabora muitas vezes Colabora sempre Grau de necessidade
Ligeiro Moderado Severo Profundo Estado Civil dos Pais
Casados Divorciados Separados Não Casados
%
21.2 22.6 16.4 39.7
%
35.626.7
13 24.7
%
28.1 47.314.4 10.3
%
80.82.7 3.4 13
Escolaridade
Sem estudos 1º Ciclo 2º Ciclo 3º Ciclo Secundário Curso Médio / Superior
%
Mãe
8.2 26.7 39.7 12.3
8.9 4.1
%
Pai
4.5 39.437.1
9.8 5.3 3.8
Idade da criança
Menos de 1 ano 1 ano 2 anos 3 anos 4 anos 5 anos
Sexo
Masculino Feminino Tipo de Necessidade
Atraso de Desenvolvimento Autismo Paralisia Cerebral Síndroma de Down Spina Bífida Outra Deficiência Motora Multi-deficiência Deficiência Visual Deficiência Auditiva Problemas a nível da linguagem Distúrbios Emocionais Epilepsia Outro Preenchimento do questionário
Pai Mãe Pais Avó Mãe adoptiva Tia Questionários por Concelho
Arouca Oliveira de Azeméis S. João Madeira Vale de Cambra Castelo de Paiva S. M. Feira Espinho
%
1.4 2.7
12.3 23.3 19.2 41.1
%
60.339.7
%
36.34.8 13
12.3 0.7 2.1 5.5 3.4 6.2 4.8 2.7 0.7 7.5
%
6.8 83.6
2.7 4.8 1.4 0.7
%
6.8 26.0
6.8 5.5 7.5
35.611.6
Agregado Familiar
1 Filho 2 Filhos 3 ou mais filhos Avós Outros Estatuto Socioeconómico
Elevado Médio Inferior-Alto Inferior-Baixo
%
41.4 42.815.8 27.4 13.0
%
3.4 14.4 68.513.7
Capítulo III – Metodologia
121
A idade mínima dos pais é de 19 anos para a mãe e de 22 anos para o pai. A idade
máxima encontrada no universo dos inquiridos foi de 45 anos para a mãe e de 48 anos para
o pai. Quanto à média foram encontrados os valores de 31.96 anos para a mãe e de 35.48
anos para o pai. Estes resultados realçam que os cônjuges/companheiros da nossa amostra
não são muito jovens, nem de idade avançada.
Quanto às habilitações académicas dos progenitores, 26.7% e 39.7% das mães e
39.4% e 37.1% dos pais apresentam respectivamente o nível de escolaridade
correspondente ao 1º e 2º ciclo. Estes dados apontam, desde logo, para uma maior
percentagem de famílias classificadas como pertencendo a um estatuto socioeconómico
inferior-alto (68.5%).
Quanto ao grau de colaboração existente entre os cônjuges/companheiros
verificamos, da leitura do mesmo Quadro, que depende do tipo de colaboração
considerada. Quando se trata de cuidar da criança os cônjuges/companheiros colaboram
ligeiramente mais do que quando se trata de realizar as tarefas domésticas. Provavelmente,
podemos atribuir este resultado, ao papel tradicionalista que a sociedade tem atribuído, aos
elementos que a compõe, em função do sexo.
A elevada percentagem de casados (80.8%), vem confirmar os dados já
anteriormente referidos de que os concelhos (à excepção de dois) do âmbito da área
geográfica da Coordenação da Àrea Educativa de Entre o Douro e Vouga têm uma taxa de
casamentos superior à da média Nacional (62.5%). Na sua maioria estas famílias apenas
têm 1 filho (41.4%) ou 2 filhos (42.8%). Em 27.4% dos casos verifica-se a presença dos
avós e em 13% dos casos a presença de outros familiares (tios, primos e outros). Realçando
estes dados, verificamos que o tipo de composição da família nuclear prevalece em relação
ao tipo de família compostas.
Os questionários foram em 83.6% dos casos preenchidos pela mãe e apenas 6.8%
foram preenchidos pelo pai, 4.8% preenchidos pela avó, 2.7% pela mãe e pelo pai e 1.4%
pela mãe adoptiva.
Os concelhos mais representados são os de Oliveira de Azeméis (26%), Santa Maria
da Feira (35.6%) e Espinho (11.6%). Os restantes concelhos têm percentagens menos
representativas e equivalentes entre si, das quais podemos salientar os concelhos de Arouca
e S. João da Madeira (6.8%), Vale de Cambra (5,5%) e o concelho de Castelo de Paiva
(7,5%).
Capítulo III – Metodologia
122
5.2. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DO INVENTÁRIO
DAS NECESSIDADES DA FAMÍLIA
O Inventário das Necessidades da Família (Anexo C) foi, como se disse
anteriormente, o instrumento usado para recolher informação sobre as necessidades das
famílias de crianças com NE. Estas necessidades estão distribuídas pelas suas seis
subescalas que passaremos de seguida a descrever os resultados.
a) Subescala Necessidades de Informação (itens 1 a 7)
Os resultados obtidos da aplicação do Inventário das Necessidades da Família
revelam que, em média, a percentagem de indivíduos que dizem necessitar (45.4%) e os
que dizem não necessitar (41%) do tipo de informação proporcionadas por esta subescala
está sensivelmente equiparada. A percentagem de 13.6% refere-se aos indivíduos que não
têm certeza se efectivamente necessitam ou não deste tipo de ajuda (Quadro 9).
Nesta subescala de necessidades de informação, as mais referidas são as
necessidades de informação sobre os serviços que a criança possa vir a beneficiar no futuro
(78.1%), informação acerca de qualquer problema ou deficiência que a criança possa ter
(61%), informação acerca dos serviços que a criança beneficia no presente (55.5%).
Quadro 9 – Percentagens de respostas na subescala Necessidades de Informação
Informação sobre o
desenvolvimento da criança
Informação sobre como falar/brincar
com a criança
Informação sobre como
pegar na criança
Informação sobre como lidar com a
criança
Informação sobre
qualquer tipo de deficiência que a criança
possa ter
Informação sobre os serviços
presentes prestados à
criança
Informação sobre serviços futuros que a criança possa vir a beneficiar
Percentagem
Média
Não necessito 46,6 47,3 85,6 43,2 22,6 33,6 8,2 41,0
Não tenho certeza 15,8 12,3 7,5 18,5 16,4 11 13,7 13,6
Necessito 37,7 40,4 6,8 38,4 61 55,5 78,1 45,4
Todas as outras necessidades de informação, contempladas por esta subescala, são
mais consideradas pelas famílias como não necessitadas. Em certos casos com muita
expressão, como acontece com a necessidade de informação sobre a forma como pegar na
Capítulo III – Metodologia
123
criança, em que 85.6% das famílias diz não necessitar, ou com menos expressão como as
necessidades de informação sobre como as crianças crescem e se desenvolvem (37,7%
necessita e 46.6% não necessita), informação sobre como lidar com a criança de e (38.4%
necessita e 43.2% não necessita) e na necessidade de informação sobre como brincar ou
falar com a criança (40.4% necessita e 47.3% não necessita).
b) Subescala Necessidades de Apoio Social e Familiar (itens 8 a 15)
Em termos globais, 57.5% dos inquiridos dizem não necessitar de Apoio Social e
Familiar, 28.8% refere que necessita deste tipo de apoio e 13,7% não tem a certeza
(Quadro 10). Os itens que claramente são considerados como não necessitados pelas
famílias são os que se relacionam com o funcionamento interno da família no seu dia-a-
dia. Ou seja, ajuda para discutir problemas e encontrar soluções, ajuda para os elementos
da família se apoiarem uns aos outros nos momentos difíceis, apoio para ajudar o
conjugue/companheiro a aceitar a condição da criança, a necessidade de ajuda para decidir
quem faz as tarefas caseiras, tomar conta das crianças e outras tarefas familiares ou mesmo
a necessidade de ajuda para decidir quais as actividades recreativas familiares e como as
efectuar.
Contudo quando se trata da necessidade de mais tempo em proveito pessoal (55,5%)
e da necessidade de ter mais amigos com quem falar (43,2%) as famílias já consideram
estes itens de apoio social e familiar como necessários.
Quadro 10 – Percentagens de respostas na subescala Necessidades de Apoio Social e Familiar
Ter alguém na família com quem possa falar
sobre problemas / preocupaçõ
es
Ter amigos
com quem falar
Ter mais tempo para si mesmo
Apoio para ajudar o
cônjuge a aceitar a
condição da criança
Ajuda para discutir
problemas e encontrar soluções
Ajuda para se apoiarem
uns aos outros em momentos
difíceis
Ajuda para decidir quem irá fazer as
tarefas caseiras,
tomar conta das crianças
e outras tarefas
familiares
Ajuda para decidir quais
as actividades recreativas familiares e
como as executarem
Percentagem Média
Não necessito 52,1 44,5 32,2 67,8 55,5 56,2 81,5 70,5 57,5
Não tenho certeza 13,7 12,3 12,3 14,4 18,5 14,4 9,6 14,4 13,7
Necessito 34,2 43,2 55,5 17,8 26 29,5 8,9 15,1 28,8
Capítulo III – Metodologia
124
c) Subescala Necessidades Financeiras (itens 16 a 21)
O cálculo das percentagens médias das diferentes possibilidades de resposta (Quadro
11) sublinha que 59.9% dos inquiridos não tem necessidades financeiras. Contudo, dois
itens merecem destaque. As famílias revelam sentir carências em termos de necessidades
básicas (47.9%), ou seja, necessitam de ajuda para pagar despesas tais como comida, casa,
cuidados médicos, roupas ou transportes. Também manifestam necessidades (49.3%)
relacionadas com o atendimento à criança, tendo necessidade de ajuda para pagar a terapia,
infantário ou outros serviços para a sua criança.
Todos os outros itens respeitantes às necessidades financeiras da família quer seja
conseguir uma ama, brinquedos e equipamento especial para a criança, quer seja conseguir
um emprego para o inquirido, são considerados como não necessitados.
Quadro 11 – Percentagens de respostas na subescala Necessidades Financeiras
Ajuda para pagar
despesas tais como comida, casa, cuidados
médicos, roupas ou
transportes
Ajuda para arranjar
qualquer tipo de
equipamento especial que a
sua criança necessite
Ajuda para pagar a terapia,
infantário ou outros serviços que a criança
necessite
Ajuda para conseguir um
emprego
Ajuda para pagar a uma
ama
Ajuda pagar brinquedos que
a criança necessite
Percenta
gem
Média
Não necessito 46,6 53,4 40,4 71,2 80,1 67,8 59,9
Não tenho certeza 5,5 13,7 10,3 7,5 4,1 6,8 8,0
Necessito 47,9 32,9 49,3 21,2 15,8 25,3 32,1
d) Subescala Necessidades de Explicar a Outros (itens 22 a 26)
De uma forma geral as famílias inquiridas revelaram necessitar pouco (Quadro 12),
de ajuda para explicar a outros o problema da sua criança (18.6% para necessito e 70.3%
para não necessito e 11.1% indica não ter a certeza).
A necessidade para explicar o problema da criança a diferentes elementos como aos
seus pais/pais do seu cônjuge/companheiro (11%), aos irmãos ou irmãs do inquirido
(9,6%), a outras crianças (14,4%) ou mesmo a necessidade de ajuda para saber como
responder aos amigos, vizinhos ou estranhos quando eles fizerem perguntas acerca da
criança (17,1%) são considerados pouco necessários.
Capítulo III – Metodologia
125
Contudo, quando se trata de obter ajuda para encontrar informação escrita sobre
outras famílias que possuem uma criança como a sua, 41,1% das famílias dizem necessitar.
Quadro 12 – Percentagens de respostas na subescala Necessidades de Explicar a Outros
Ajuda para explicar o
problema da criança aos pais ou aos pais do seu cônjuge / companheiro
Ajuda para explicar o
problema da sua criança aos
irmãos ou irmãs
Ajuda para saber como responder
aos vizinhos, amigos ou
estranhos quando estes lhe fazem
perguntas sobre a sua criança
Ajuda para saber como explicar o problema da sua criança a outras
crianças
Ajuda para encontrar
informação escrita sobre outras
famílias que têm uma criança como
a sua
Percenta gem
Média
Não necessito 82,2 81,5 71,9 71,2 44,5 70,3
Não tenho certeza 6,8 8,9 11 14,4 14,4 11,1
Necessito 11 9,6 17,1 14,4 41,1 18,6
e) Subescala Necessidades de Tomar Conta da Criança (itens 27 a 29)
Comparativamente às necessidades de explicar a outros o problema da criança, as
necessidades da família de tomar conta da criança, também foi considerada como pouco
necessária pelos inquiridos (86.3% para não necessito e 8.2% para necessito) (Quadro 13).
Contudo a percentagem de respostas indicadas como não tenho a certeza, diminuiu
consideravelmente o que pode revelar maiores certezas dos inquiridos quanto à
necessidade ou não deste tipo de ajuda.
Quadro 13 – Percentagens de respostas na subescala Necessidades Tomar Conta da Criança
Ajuda para localizar amas/baby-sitters
Ajuda para localizar um infantário ou pré-escola para a
criança
Ajuda para encontrar alguém que fique com a criança para ir
à missa
Percentagem
Média
Não necessito 88,4 84,2 86,3 86,3
Não tenho certeza 6,2 4,1 6,2 5,5
Necessito 5,5 11,6 7,5 8,2
Capítulo III – Metodologia
126
Explicitando, para cada item que compõe a subescala, a necessidade de ajuda para
localizar amas/baby-sitters obteve apenas uma percentagem de respostas de 5,5%, a
necessidade de ajuda para encontrar alguém que fique com a criança para poder ir à missa
obteve uma percentagem de 7,5% e a necessidade de ajuda para localizar um infantário ou
pré-escola para a criança a percentagem de 11,6% das respostas.
f) Subescala Necessidades de Serviços da Comunidade (itens 30 a 32)
Esta última subescala do Inventário das Necessidades da Família segue a mesma
tendência das anteriores (Quadro 14). Com 52.7% dos inquiridos a responderem não
necessitarem, 16.4% dizem não têm a certeza e 30.8% necessitam de serviços da
comunidade.
Um total de 41,1% dos inquiridos responderam que sentem necessidade de ajuda
para encontrar-se e falar com pais de outras crianças como a deles. Enquanto que 27,4%
das famílias manifestam ter necessidade de ajuda para localizar um médico que o
compreenda e compreenda as necessidades da sua criança e 24% manifesta necessitar de
ajuda para localizar um dentista que possa tratar a sua criança.
Quadro 14 – Percentagens de respostas na subescala Necessidades Serviços da Comunidade
Encontrar-se com pais de outras crianças como a sua
Ajuda para encontrar um médico que compreenda a si e
as necessidades da sua criança
Ajuda para localizar um dentista que possa tratar a sua
criança
Percentagem
Média
Não necessito 37 58,2 63 52,7
Não tenho certeza 21,9 14,4 13 16,4
Necessito 41,1 27,4 24 30,8
Capítulo III – Metodologia
127
Desta descrição dos resultados obtidos da aplicação do Inventário das Necessidades
da Família, fica claramente visível que as famílias da nossa amostra, em termos globais,
não sentem necessidades de explicar a outros o problema da sua criança e nem para
localizar alguém que fique com a criança. Sentem poucas necessidades de apoio social e
familiar, necessidades financeiras e necessidades de serviços da comunidade. Sendo as
necessidades de informação o tipo de necessidades que as famílias mais consideram
necessitar (ver Gráfico 1).
Contudo, analisando estes dados com maior rigor (Gráfico 2), podemos realçar
alguns itens, incluídos em diferentes subescalas, que as famílias valorizam como sendo
necessários: os itens sobre as necessidades de informação sobre qualquer tipo de
deficiência que a criança possa ter e sobre os serviços presentes e futuros (correspondendo
aos itens 5,6 e 7); os itens ter mais amigos com quem falar e ter mais tempo para si da
subescala necessidades de apoio social e familiar (itens 9 e 10); da subescala financeira
podemos realçar a necessidade de ajuda para pagar despesas tais como comida, casa,
cuidados médicos, roupas ou transportes e de ajuda para pagar a terapia, infantário ou
outros serviços que a criança necessite (itens 16 e 18).
E finalmente, as famílias da nossa amostra também consideram importante um outro
tipo de ajuda que, apesar de situadas em duas subescalas diferentes, referem-se
basicamente à necessidade de obter informação escrita e encontrar-se com famílias de
outras crianças como a sua (itens 26 e 30).
Capítulo III – Metodologia
128
Gráfico 1 – Distribuição das respostas nas subescalas do Inventário das Necessidades
da Família.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
Nec.
de
info
rmaç
ãoNe
c. a
poio
soc
ial
Nec.
fina
ncei
ras
Nec.
de
expl
icar
a o
utro
s
Nec.
tom
ar c
onta
da
cr.
Nec
serv
iços
com
unid
ade
Não necessito
Não tenho a certeza
Necessito
Capítulo III – Metodologia
129
Gráfico 2 – Percentagem dos itens considerados necessários do Inventário das
Necessidades da Família.
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
100
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32
Itens do Inventário das Necessidades da Família
Perc
enta
gem
Legenda:
1. Informação sobre o desenvolvimento da criança 2. Informação sobre como falar/brincar com a criança 3. Informação sobre como pegar na criança 4. Informação sobre como pegar na criança 5. Informação sobre qualquer tipo de deficiência que a criança possa ter 6. Informação sobre os serviços presentes prestados à criança 7. Informação sobre serviços futuros que a criança possa vir a beneficiar 8. Ter alguém na família com quem possa falar sobre problemas / preocupações 9. Ter amigos com quem falar 10. Ter mais tempo para si mesmo 11. Apoio para ajudar o cônjuge a aceitar a condição da criança 12. Ajuda para discutir problemas e encontrar soluções 13. Ajuda para se apoiarem uns aos outros em momentos difíceis 14. Ajuda para decidir quem irá fazer as tarefas caseiras, tomar conta das crianças e outras tarefas familiares 15. Ajuda para decidir quais as actividades recreativas familiares e como as executarem 16. Ajuda para pagar despesas tais como comida, casa, cuidados médicos, roupas ou transportes 17. Ajuda para arranjar qualquer tipo de equipamento especial que a sua criança necessite 18. Ajuda para pagar a terapia, infantário ou outros serviços que a criança necessite 19. Ajuda para conseguir um emprego
Capítulo III – Metodologia
130
20. Ajuda para pagar a uma ama 21. Ajuda pagar brinquedos que a criança necessite 22. Ajuda para explicar o problema da criança aos pais ou aos pais do seu cônjuge / companheiro 23. Ajuda para explicar o problema da sua criança aos irmãos ou irmãs 24. Ajuda para saber como responder aos vizinhos, amigos ou estranhos quando estes lhe fazem perguntas sobre a sua criança 25. Ajuda para saber como explicar o problema da sua criança a outras crianças 26. Ajuda para encontrar informação escrita sobre outras famílias que têm uma criança como a sua 27. Ajuda para localizar amas/baby-sitters 28. Ajuda para localizar um infantário ou pré-escola para a criança 29. Ajuda para encontrar alguém que fique com a criança para ir à missa 30. Encontrar-se com pais de outras crianças como a sua 31. Ajuda para encontrar um médico que compreenda a si e as necessidades da sua criança 32. Ajuda para localizar um dentista que possa tratar a sua criança
5.3. DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS DA APLICAÇÃO DA ESCALA DE
AVALIAÇÃO DO APOIO SOCIAL
A Escala de Avaliação do Apoio Social (Anexo C), foi usada no nosso estudo para
avaliar (de 0 a 5) a utilidade dos diferentes elementos da rede de apoio social da família.
Como a escala é contituida por 19 elementos que podem prestar apoio social às famílias,
vemos que a sua amplitude total pode variar entre 0 pontos (para todas as respostas não
disponível) e 95 pontos (para todas as respostas muitíssimo útil). A média total obtida que
corresponde à da soma das médias das diferentes subescalas, foi de 38.18. Considerando a
amplitude por subescalas (Quadro 15) temos, para a subescala família (constituída por 6
itens) uma amplitude que varia entre os 0 e 30 pontos. Para a subescala relações próximas
(constituída por 5 itens) temos uma amplitude entre os 0 e os 25 pontos. A amplitude para
as subescalas grupos sociais e grupos de profissionais (constituídas por 3 itens) varia entre
os 0 e os 15 pontos. E, finalmente para a subescala profissionais (constituída por 2 itens)
uma amplitude entre os 0 e os 10 pontos.
a) Subescala Família (itens 1,2,3,4,5 e 8)
Da aplicação da Escala de Avaliação do Apoio Social constatou-se, como se pode
visualizar no Quadro 15, que os inquiridos consideram em média os elementos da
subescala família como por vezes útil (média =13.75). Os elementos da família mais
valorizados em termos de apoio social são os familiares directos do inquirido (pais e
Capítulo III – Metodologia
131
familiares) e o cônjuge/companheiro, sendo este último considerado, em média, como
geralmente útil. Os pais do cônjuge/companheiro, os familiares do cônjuge/companheiro e
os filhos são considerados como nada útil.
b) Subescala Relações Próximas (itens 6,7,9,10 e 11)
Nesta subescala relações próximas, estão incluídos os membros informais da rede de
apoio social da família. Dentro destes, os amigos do inquirido e do cônjuge/companheiro e
os vizinhos são considerados pelas famílias como nada útil, enquanto os outros pais e os
colegas de trabalho são considerados, em média pelas famílias, como não disponíveis. Isto
mostra que as relações próximas das famílias da nossa amostra são, para estas, em média
nada úteis em termos do apoio social que lhes prestam.
c) Subescala Grupos Sociais (itens 12,13 e 14)
Os elementos informais da rede social da família, tais como, grupos de pais, grupos
sociais/clubes e os membros da igreja/padre, que constituem esta subescala, são em média
considerados como não disponíveis para as famílias da nossa amostra (média=1.87).
Contudo, a análise das médias denota que os grupos sociais/clubes e os membros da
igreja/padre estão ligeiramente mais disponíveis que os grupos de pais.
d) Subescala Profissionais (itens 15 e 18)
Da avaliação da utilidade do médico da família ou da criança e de outros
profissionais individuais especializados como do técnico de serviço social, terapeutas e
professores, são para as famílias da nossa amostra, tidos como geralmente úteis (média=
6.72). O médico de família ou da criança é considerado como por vezes útil, muito
próximo do geralmente útil e os profissionais individuais especializados como geralmente
úteis, também muito próximos de muito úteis.
Capítulo III – Metodologia
132
Quadro 15 – Especificação do Significado da Média nos Itens da Escala de Avaliação do Apoio Social
Não Disponivel
Nada Útil
Por vezes Útil
Geralmente Útil
Pais X
Familiares X
Pais do cônjuge / companheiro X
Familiares do cônjuge / companheiro X
Cônjuge / companheiro X
Sube
scal
a Fa
míli
a
Filhos X
Amigos X
Amigos do conjuge/companheiro X
Vizinhos X
Outros Pais X
Sube
scal
a R
elaç
ões p
róxi
mas
Colegas de Trabalho X
Grupos de Pais X
Grupos sociais/clubes X
Sube
scal
a G
rupo
s Soc
iais
Membros da igreja/padre X
Médico de família/criança X
Sube
scal
a Pr
ofis
sion
ais
Profissionais (serv. social, terapeutas, professores, etc) X
Programa de interv. precoce X
Creche / Jardim de Infância X
Sube
scal
a G
rupo
s pr
ofis
sion
ais
Serviços (saúde, sociais, mentais) X
Capítulo III – Metodologia
133
e) Subescala Grupos Profissionais (itens 16,17 e 19)
Os grupos de profissionais tais como, o programa de intervenção precoce, os
elementos da creche/jardim-de-infância e outros serviços (saúde, serviços sociais, saúde
mental) da rede formal de apoio à família, são considerados por esta como geralmente úteis
(média = 9.52). Comparando as médias obtidas pelos três elementos, verificamos que são
muito próximas entre si.
Da descrição dos resultados obtidos da aplicação da Escala de Avaliação do Apoio
Social temos a salientar dois aspectos. O primeiro, é que nenhum dos elementos da rede de
apoio à família foi considerado, como muito útil ou como muitíssimo útil. Realça-se assim
que as famílias, o máximo que valorizam a utilidade dos elementos da sua rede de apoio
social é de geralmente útil. O segundo, refere-se à homogeneidade de respostas dentro da
subescala grupos sociais (não disponível) e a homogeneidade de respostas dentro da
subescala grupos de profissionais (geralmente útil). Verifica-se que os grupos sociais
existentes nas comunidades onde residem as famílias da nossa amostra, que têm no seu
seio uma criança com NE, são considerados como não lhes disponibilizando apoio social.
Por outro lado, enquanto apenas um dos elementos da rede de apoio informal da família foi
considerada de geralmente útil (o cônjuge/companheiro), todos os elementos dos grupos de
profissionais, e que prestam apoio formal, são tidos com esse grau de utilidade.
5.4. RELAÇÕES ENTRE AS NECESSIDADES DA FAMÍLIA E O APOIO
SOCIAL PRESTADO PELOS DIFERENTES ELEMENTOS DA REDE DE
APOIO
No nosso estudo, para verificarmos a existência, ou não, de relação entre as
necessidades da família e a utilidade de apoio social prestado pelos diferentes elementos da
rede de apoio, calculou-se o coeficiente de correlação de Pearson. O valor estatístico
resultante deste procedimento estatístico pode oscilar entre -1.00 (relação negativa) e o
+1.00 (relação positiva), podendo mesmo estabelecer-se uma correlação nula que indica
uma ausência de relação. Quando a oscilação dos resultados nas duas variáveis ocorrem no
mesmo sentido, estamos perante uma relação positiva. Quando a oscilação dos resultados
ocorre no sentido inverso, então estamos perante uma relação negativa (Almeida e Freire,
Capítulo III – Metodologia
134
2000). Quanto mais próxima a correlação é da unidade, seja positiva ou negativa, mais
perfeita ela é.
Quadro 16 – Correlações entre subescalas do Inventário das Necessidades da Família e as subescalas da Escala de Avaliação do Apoio Social
INVENTÁRIO DAS NECESSIDADES DA FAMÍLIA ESCALA DE AVALIAÇAO DO APOIO SOCIAL
Sube
scal
as
Informação
Apoio Social e Familiar
Finanças Explicar a outros
Tomar conta da Criança
Serviços da
Comuni-dade
Família Relações Próximas
Grupos Sociais Profissionais
Escala de Av. Apoio
Social
Apoio Social e Familiar
,443**
Finanças ,314** ,348**
Explicar a outros ,404** ,542** ,301**
Tomar Conta da Criança
,283** ,259** ,453** ,342**
Serviços da
Comuni-dade
,444** ,412** ,263** ,414** ,359**
Familia ,010 -,104 -,223** ,081 -,147 -,020
Relações Próximas ,137 ,090 -,083 ,104 -,102 ,148 ,486**
Grupos Sociais ,079 ,112 ,011 -,039 ,010 ,095 ,247** ,427**
Subescala Profis-sionais
,061 ,053 -,047 -,012 -,123 ,001 ,372** ,384** ,195**
Grupos Profis-sionais
,282** ,156 -,024 ,069 -,063 ,124 ,307** ,320** ,276** ,553**
Inventá-rio das Nec. da Família
- - - - - - - - - - ,047
** Correlação é significativa ao nível (0.01) * Correlação é significativa ao nível (0.05)
Iremos analisar, em primeiro lugar, a correlação global entre os dois instrumentos.
Seguidamente, vamos analisar as correlações dentro de cada instrumento. Em terceiro
lugar, iremos analisar as correlações entre as subescalas dos dois instrumentos (Quadro
16).
Capítulo III – Metodologia
135
Ao correlacionarmos a pontuação global do Inventário das Necessidades da Família
com a pontuação global da Escala de Avaliação do Apoio Social, verificamos que não se
relacionam (r=.047), realçando este resultado que as necessidades sentidas pelas famílias
nada tem a ver com a forma como valorizam o apoio social.
Das correlações dentro de cada instrumento verificamos que, relativamente ao
Inventário das Necessidades da Família, encontramos correlações positivas e todas
significativas entre as subescalas que o compõem. Deste resultado podemos depreender
que as necessidades estão relacionadas umas com as outras. Ou seja, quando uma família
manifesta necessidade de um determinado tipo de ajuda, também tem necessidades dos
outros tipos de ajudas, proporcionados por esta subescala.
Relativamente à Escala de Avaliação do Apoio Social também foram encontradas
correlações positivas e todas significativas entre as subescalas que a compõem. Estes
resultados sugerem que, quando uma família considera como útil determinado elemento da
sua rede de apoio social, também considerada útil os restantes elementos identificados na
respectiva escala.
Porém, analisando as correlações entre as subescalas do Inventário das Necessidades
da Família com as subescalas da Escala de Avaliação do Apoio Social, podemos verificar a
existência de uma correlação positiva e outra negativa, ambas significativas, entre os
dois instrumentos. Especificando, encontramos uma correlação negativa e significativa
entre a subescala necessidades financeiras e a subescala família (r=-.223) e uma
correlação positiva e significativa entre a subescala necessidades de informação e a
subescala grupos de profissionais (r=.282). A correlação negativa encontrada entre a subescala necessidades financeiras do
Inventário das Necessidades e a subescala família da escala de Avaliação do Apoio Social
sugere a existência de uma relação inversa entre as duas subescalas. Ou seja, quanto mais
uma família manifesta necessidades financeiras, tal como pagar despesas do quotidiano,
comprar equipamento especial para a criança, de menos utilidade consideram o apoio dos
elementos da família (pais e familiares do inquirido, pais e familiares do
cônjuge/companheiro, cônjuge/companheiro e filhos). Quanto menores são as necessidades
financeiras das famílias, de maior utilidade é o apoio que documentam receber dos
elementos constituintes da subescala família. Sendo interessante verificar que a utilidade
Capítulo III – Metodologia
136
do apoio prestado pelos elementos da família é inversamente proporcional às necessidades
financeiras das famílias de crianças com NE.
A correlação positiva encontrada entre a subescala necessidades de informação do
Inventário das Necessidades e a subescala grupos de profissionais da Escala de Avaliação
do Apoio social sugere a existência de uma relação directamente proporcional entre as
duas subescalas. Assim, quanto mais necessidades de informação as famílias manifestam,
tal como informação sobre como as crianças crescem e se desenvolvem, como falar,
brincar, pegar, lidar com a criança e informação sobre serviços presentes, futuros ou
qualquer problema que a criança possa ter, de maior utilidade consideram o apoio
disponibilizado pelos grupos de profissionais que poderão ser os elementos da creche ou
infantário, os elementos do programa de intervenção precoce ou mesmo os elementos do
serviço de saúde e dos serviços sociais. Por outro lado, quando estes grupos de
profissionais são considerados como menos úteis, menos necessidades de informação as
famílias relatam ter.
5.5. RELAÇÕES ENTRE AS VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS E OS
INSTUMENTOS
Para sabermos se as características sociodemográficas da família são indicadoras das
suas necessidades ou se influenciam a utilidade dos elementos da sua rede de apoio social,
vamos de seguida proceder ao tratamento destes dados através da estatística inferencial,
nomeadamente da análise da variância ANOVA e do procedimento estatístico R de
Pearson.
Contudo, dos dados obtidos da análise descritiva, verificamos que certas variáveis
sociodemográficas, na nossa amostra, não são susceptíveis de tratamento estatístico devido
à grande homogeneidade de respostas dadas pelas famílias inquiridas, sendo disso
exemplos, o estado civil dos pais (80.8% são casados), a presença dos avós e outros na
família (72,6% e 87%, respectivamente não estão presentes na família nuclear) e o tipo de
NE (36.3% é atraso global de desenvolvimento enquanto os restantes tipos de NE têm
valores pouco significativos) (Quadro 8).
Capítulo III – Metodologia
137
Esta elevada incidência de respostas, numa das categorias relativas a estas variáveis
sociodemográficas, não nos permite realizar comparações entre grupos nestas variáveis por
serem estes grupos muito desequilibrados em termos de amostra.
5.5.1. RELAÇÕES ENTRE AS VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS E AS
NECESSIDADES EXPRESSAS PELA FAMÍLIA
Da correlação efectuada entre a variável sociodemográfica, a idade da criança e as
necessidades expressas pela família (Quadro 17), podemos realçar uma correlação
negativa e significativa (r=-.266) entre essa variável e a subescala tomar conta da criança.
Verifica-se que, quanto mais nova é a criança mais necessidades as famílias sentem de
terem alguém que cuide da sua criança, quer seja para tomar conta ao longo do dia, como
amas/baby-sitters, infantário ou pré-escola, quer seja por um período breve de tempo como
por exemplo ir à missa. Porém, a idade da criança não se correlaciona com a escala global
das necessidades.
Para a variável sociodemográfica, a idade da mãe, não foi encontrada nenhuma
correlação com nenhuma das subescalas do Inventário das Necessidades das Famílias nem
com a escala global. Como podemos verificar da leitura do Quadro 17 a idade da mãe não
é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades que as famílias sentem.
Da leitura do mesmo Quadro, verificamos que a idade do pai apenas se correlaciona
com a subescala necessidades financeiras. A correlação negativa e significativa (r=-.202)
encontrada, realça que quanto menor é a idade do pai, mais necessidades financeiras as
famílias sentem, talvez devido ao facto de que no início de uma carreira profissional, além
de os salários serem mais baixos, também ainda há uma instabilidade profissional
traduzida muitas vezes por empregos precários. Apesar destas duas correlações
estatisticamente significativas entre a idade da criança e a subescala tomar conta da criança
e a idade do pai e a subescala necessidades financeiras, podemos depreender de que, de
forma global, as necessidades das famílias não se correlacionam com a idade da criança,
nem com a idade da mãe ou do pai.
Se em termos financeiros é significativa a idade do pai, também é a escolaridade da
mãe (r=-.224). Ou seja, se uma família tem simultaneamente um pai jovem e uma mãe com
Capítulo III – Metodologia
138
poucos anos de escolaridade então essa família manifestará muitas mais necessidades
financeiras do que uma família que apenas só tem uma das anteriores condições. Por outro
lado, quanto menor for a escolaridade do pai menos necessidades a família tem de explicar
o problema da sua criança a outros (r=184), nomeadamente a ajuda para encontrar
informação escrita sobre outras famílias que têm uma criança como a sua. O facto de ter
mais escolaridade, no caso do pai, determina também que tem mais necessidades de
conhecer outras famílias com uma criança nas mesmas condições. Será que os pais com
mais escolaridade estão mais conscientes, informados ou preocupados com o problema da
sua criança e dai esta sua maior necessidade? É uma questão que fica em aberto.
Contudo quer a escolaridade da mãe quer a do pai não são, em termos globais,
características que predizem as necessidades das famílias de crianças com NE, como se
pode ver no Quadro 17.
Quadro 17 – Correlações entre Variáveis Sociodemograficas e o Inventário das Necessidades das Famílias
Subescala Idade Criança
Idade Mãe
Idade Pai
Escolari-dade Pai
Escolari-dade Mãe
Colabo-ração
Cuidados Criança
Colabo-ração
Tarefas Domésticas
Informação -,036 -,106 -,136 ,043 ,008 -,062 -,084
Social e Familiar ,045 ,026 ,101 ,112 ,070 -,204(*) -,199(*)
Finanças -,127 -,152 -,202(*) -,125 -,224(**) -,260(**) -,252(**)
Explicar -,124 -,069 -,046 ,184(*) ,082 -,046 -,073
Tomar conta
criança -,266(**) -,143 -,133 -,102 -,136 -,140 -,119
Comuni-dade -,024 -,050 -,096 -,020 ,068 -,095 -,104
Total Inventário Necessi-
dades -,091 -,103 -,099 ,046 -,023 -,205(*) -,212(*)
** Correlação é significativa ao nível (0.01) * Correlação é significativa ao nível (0.05)
Capítulo III – Metodologia
139
Relativamente às variáveis colaboração entre os cônjuges/companheiros nos
cuidados à criança e na realização das tarefas domésticas podemos verificar, da leitura
do Quadro 17, que as duas se correlacionam com as necessidades da família (r=-.205 e
r=-.212, respectivamente). Estas correlações negativas e significativas realçam que quanto
menos colaboração se estabelecer entre os cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e
na realização das tarefas domésticas mais necessidades são demonstradas pelas famílias.
Concretamente, este tipo de correlação verifica-se entre a colaboração nos cuidados à
criança e a colaboração nas tarefas domésticas com as subescalas social e familiar (r=-
.204 e r=-.199, respectivamente) e financeira (r=-.260 e r=-.252, respectivamente). Para a
subescala social e familiar, quanto menor for a colaboração entre os
cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e na realização das tarefas domésticas
maiores são as necessidades de apoio para ajudar o cônjuge/companheiro a aceitar a
condição da criança (r=-.182 e r=-.167, respectivamente). Quanto menor for a colaboração
entre os cônjuges/companheiros na realização das tarefas domésticas maior é a necessidade
de ajuda para discutir problemas e encontrar soluções e a necessidade de ajuda para os
elementos da família se apoiarem uns aos outros em momentos difíceis (r=-.234 e r=-.193,
respectivamente).
Para a subescala financeira podemos sublinhar que quanto menor for a colaboração
entre os cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e na realização das tarefas
domésticas maiores são as necessidades de ajuda para pagar despesas tais como comida,
casa, cuidados médicos, roupas ou transportes (r=-.300 e r=-.301, respectivamente) e a
necessidade de ajuda para pagar a terapia, infantário ou outros serviços que a criança
necessite (r=-.335 e r=-.291, respectivamente).
Destes resultados, e considerando também os obtidos por Rees (1983 cit. por
Simeonsson, 1988), podemos estabelecer relações entre as necessidades das famílias e a
partilha das tarefas, entre os cônjuges/companheiros, relativas aos cuidados com a criança
e nas tarefas domésticas.
Consistentemente com estes resultados está o estudo de Seligman & Reyerson (1982
cit. por Pereira, 1998) que consideram que as responsabilidades associadas às tarefas
domésticas prestadas à criança com NE podem ter um impacto nas necessidades
financeiras dos pais.
Capítulo III – Metodologia
140
Da análise efectuada entre o estatuto socioeconómico e as necessidades através da
análise da variância ANOVA (Quadro18), verificamos que, pertencer a determinado
estatuto socioeconómico não faz diferença nas necessidades sentidas. Excepcionalmente só
haverá diferenças para a subescala finanças (p=.004). Nesta subescala verifica-se que os
estatutos socioeconómicos mais baixos são os que mostram médias mais altas o que nos
indica que são esses os que afirmam ter mais necessidades financeiras. Ou seja, as famílias
dos estatutos socioeconómicos inferior-baixo e inferior-alto sentem mais necessidades
financeiras do que as famílias dos estatutos socioeconómicos médio e elevado.
Quadro 18 – Relações entre o Estatuto Socioeconómico e as Necessidades Financeiras
Subescala Estatuto Socioeconómico N Média Desvio Padrão F Significância
Finanças
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21
100 20
146
2,6000 2,4762 4,4200 6,2500 4,3288
2,7928 2,9089 3,4994 3,7679 3,5663
4,548 ,004*
*ANOVA significativa ao nível 0.05
Fazendo o teste Post Hoc Scheffe, encontramos diferenças entre o estatuto
socioeconómico médio e o inferior-baixo. Isto significa que, se uma família pertencer a um
estatuto socioeconómico médio e outra pertencer a um estatuto socioeconómico inferior-
baixo, haverá diferenças na forma como sentem as necessidades financeiras. Enquanto as
famílias de estatuto socioeconómico médio dizem ter poucas necessidades financeiras
(média=20), as famílias de estatuto socioeconómico inferior baixo dizem ter muitas
necessidades financeiras (média=26.7).
Assim, parece que a pertença a determinado estatuto socioeconómico é indicativo do
grau de necessidades financeiras percepcionadas. Considerando que a atribuição de um
estatuto socioeconómico a uma família se deveu a duas variáveis, escolaridade e profissão,
tendo sido sempre considerado, no casal, a escolaridade mais elevada e a profissão mais
qualificada. Faz sentido que nas famílias com níveis de escolaridade baixos e empregos
menos qualificados, tenham menos recursos económicos e daí mais necessidades
financeiras.
Capítulo III – Metodologia
141
Da comparação efectuada entre a variável severidade da NE da criança e as
necessidades das famílias, através do procedimento estatístico ANOVA, não foram
encontradas diferenças com significado estatístico, não se encontrando assim
correspondência entre a intensificação das necessidades das famílias e a gravidade da
severidade da NE, contrariamente ao que nos documentam Eheart & Ciccone (1982).
5.5.2. RELAÇÕES ENTRE AS VARIÁVEIS SOCIODEMOGRÁFICAS E O
APOIO SOCIAL REFERIDO PELA FAMÍLIA
Da leitura do Quadro 19 podemos verificar que as idades da criança e dos pais não
estão correlacionadas com o apoio social recebido dos elementos da rede de apoio da
família. Apenas a idade da criança se correlaciona negativamente com a subescala
família (r=-210), ou seja, quanto menor é a idade da criança de maior utilidade é
considerado o apoio disponibilizado pelos elementos da rede social familiar,
nomeadamente os pais e os pais do cônjuge/companheiro, os familiares e os familiares do
cônjuge/companheiro, o cônjuge/companheiro e os filhos.
Uma característica da família que foi encontrada como tendo implicações na forma
como a família percepciona a utilidade da sua rede de apoio foi a escolaridade quer do pai
quer da mãe (r= 307 e r= 278, respectivamente). Numa família com uma criança com NE
quanto maior for a escolaridade do pai e da mãe, maior é considerada a utilidade dos
elementos da sua rede de apoio informal família e relações próximas bem como da sua
rede de apoio informal profissionais.
Quanto às variáveis colaboração entre os cônjuges/companheiros nos cuidados à
criança e na realização das tarefas domésticas podemos verificar, da leitura do mesmo
Quadro, que as duas variáveis se correlacionam com a escala de avaliação do apoio
social (r=.214 e r=.219, respectivamente). Realçando estes valores, temos que, quanto
maior for colaboração entre os cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e na
realização das tarefas domésticas de maior utilidade é considerada a rede de apoio social da
família. Sendo mesmo significativo para a subescala família em que quanto maior for a
colaboração entre os cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e na realização das
tarefas domésticas de maior utilidade é percepcionado o apoio disponibilizado pelos pais e
Capítulo III – Metodologia
142
os pais do cônjuge/companheiro, os familiares do cônjuge/companheiro, o
cônjuge/companheiro e os filhos.
Como referem Nihira, Meyers & Mink (1980 cit. por Albuquerque, 1996) uma
relação de apoio mútuo no subsistema familiar cônjuges/companheiros é um recurso
poderoso para qualquer um dos seus elementos dado que, como verificamos no nosso
estudo, a colaboração entre eles no que toca nos cuidados à criança e na realização das
tarefas domésticas tem implicações práticas na forma como é considerado o apoio
disponibilizado pelos diferentes elementos da sua rede de apoio social.
Quadro 19 – Correlações entre Variáveis Sociodemograficas e a Escala de Avaliação do Apoio Social
Subescala Idade Criança
Idade Mãe
Idade Pai
Escolari-dade Pai
Escolari- dade Mãe
Colaboração Cuidados à
Criança
Colaboração Tarefas
Domésticas
Familia -,210(*) ,005 -,121 ,348(**) ,281(**) ,413(**) ,368(**)
Relações próximas ,021 ,074 ,038 ,238(**) ,176(*) ,071 ,123
Grupos sociais -,071 ,163 ,065 ,035 ,038 ,014 ,150
Profissionais ,033 ,067 ,048 ,261(**) ,284(**) ,099 ,029
Grupos profissionais ,121 ,036 ,029 ,090 ,164 -,050 -,100
Escala Avaliação
Apoio Social Total
-,078 ,072 -,006 ,307(**) ,278(**) ,214(*) ,219(**)
** Correlação é significativa ao nível 0.01 * Correlação é significativa ao nível 0.05
Da relação efectuada entre a variável severidade da NE da criança e a Escala de
Avaliação do Apoio Social, através do procedimento estatístico ANOVA, não foram
encontrados valores com significado estatístico, não se verificando assim que, segundo
Reyes-Blanes et al. (1999), as mães de crianças com NE mais significativas indiquem mais
necessidades de apoio.
A utilização do procedimento estatístico ANOVA entre a variável estatuto
socioeconómico e a Escala de Avaliação do Apoio Social (Quadro 20), faz realçar que a
pertença da família a determinado estatuto socioeconómico determina a forma como esta
Capítulo III – Metodologia
143
percepciona a utilidade do apoio social (p=.005). Foram encontrados resultados
estatisticamente significativos para todas as subescalas, excepto para a subescala grupos
sociais. Considera-se assim, que as famílias de estatuto socioeconómico mais elevado
consideram de maior utilidade o apoio disponibilizado pelos elementos da sua rede familiar
(pais e familiares do inquirido, pais e familiares do cônjuge/companheiro do inquirido,
cônjuge/companheiro e filhos), pelos elementos da sua rede de relações próximas (amigos
do inquirido e do cônjuge/companheiro, vizinhos, outros pais e colegas de trabalho) e pelos
profissionais. Contudo, são as famílias de estatuto socioeconómico elevado que menos
valorizam a utilidade do apoio prestado pelos grupos de profissionais (média=6.6).
Quadro 20 – Relações entre o Estatuto Socioeconómico e Escala de Avaliação do Apoio Social
Subescala Estatuto Socioeconómico N Média Desvio Padrão F Significância
Familia
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21 96 19
141
18,4000 16,7143 13,6458
9,7895 13,7518
9,1269 6,8275 6,0871 5,2343 6,4754
5,119 ,002*
Relações Próximas
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21 95 19
140
13,8000 7,6667 6,1368 3,8421 6,3286
8,2583 5,9861 4,6348 3,8768 5,1711
6,051 ,001*
Grupos sociais
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21 95 19
140
2,2000 2,2381 1,9263 1,1579 1,8786
4,9193 2,8267 2,4936 1,7405 2,5572
,674 ,569
Profissionais
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21 95 19
140
7,8000 7,8571 6,5158 6,2632 6,7286
1,7889 1,8784 2,2685 2,1562 2,2307
2,849 ,040*
Grupos profissionais
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21 95 19
140
6,6000 10,9524
9,1895 10,3684
9,5214
2,9665 2,5392 3,6123 2,2413 3,3831
3,360 ,021*
Escala Apoio
Social Total
Elevado Médio Inferior-alto Inferior-baixo Total
5 21 96 19
141
48,8000 45,4286 37,1667 31,4211 38,0355
20,8255 14,9217 13,9952 10,1725 14,4640
4,507 ,005*
** ANOVA é significativa ao nível 0.01 * ANOVA é significativa ao nível 0.05
Capítulo III – Metodologia
144
Fazendo o teste Post Hoc Scheffe encontramos diferenças na subescala família, entre
o estatuto socioeconómico médio e o inferior-baixo. Ou seja, as famílias de estatuto
socioeconómico médio valorizam mais o apoio disponibilizado pelos elementos da
subescala família (média=16.7) enquanto as famílias pertencentes ao estatuto
socioeconómico inferior baixo valorizam menos o apoio disponibilizado pelos elementos
da subescala família (média=9.7).
A aplicação do mesmo teste, para a subescala relações próximas, faz realçar
diferenças entre o estatuto socioeconómico elevado (média=13.8) e o inferior-baixo (média
=3.8) e o estatuto socioeconómico elevado (média =13.8) e o inferior-alto (média =6.1).
Ou seja, as famílias de estatuto socioeconómico elevado valorizam mais o apoio
disponibilizado pelos elementos da sua rede de relações próximas enquanto as famílias de
estatuto socioeconómico inferior-alto e inferior-baixo valorizam menos o apoio
disponibilizado pelos elementos da sua rede de relações próximas.
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
146
1. DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Na primeira fase deste estudo, em que procedemos à revisão da literatura,
procurámos analisar as variáveis que a literatura e a investigação empírica têm vindo a
considerar como importantes na área das necessidades e dos apoios sociais das famílias de
crianças com NE. Numa segunda fase, elaborámos as questões de pesquisa que nos
pareceram pertinentes, dado o estudo realizado anteriormente. Nesta fase do nosso estudo
passaremos a discutir os resultados por nós obtidos à luz da literatura recolhida e das
questões de pesquisa formuladas.
1.1. Resultados da primeira questão de investigação: Será que, as
famílias com mais necessidades consideram de maior utilidade as
diversas fontes de apoio social disponibilizadas pela sua rede?
No nosso estudo, verificámos que em geral as famílias sentem poucas necessidades e
as que foram encontradas vão ao encontro das encontradas por outros estudos. No que diz
respeito às necessidades de informação, estudos tais como o de McLinden (1990),
D`Amato & Yoshida (1991), Bailey et al. (1992), Sontag & Schacht (1994), McWilliam et
al. (1995), Morgado & Beja (2000) e Pereira (1998) também realçam esta necessidade
como uma das mais frequentes. D`Amato & Yoshida (1991) referem que os pais de
crianças com NE necessitam continuamente de informação terapêutica, vocacional e
educacional. No que concerne aos itens referentes às necessidades do próprio inquirido
(ter mais amigos com quem falar e ter mais tempo para si) que foi encontrado no nosso
estudo como uma necessidade preeminente também foi encontrado em outros estudos
como uma necessidade das famílias de crianças com NE, nomeadamente Upshur (1991),
McLinden (1990) e Pereira (1998). Upshur (1991) documenta uma associação entre os
problemas pais/família e a sua satisfação com o apoio fornecido pelo grupo dos amigos
Um outro tipo de necessidade que as famílias dizem necessitar diz respeito às
necessidades básicas de sobrevivência (ajuda para pagar despesas tais como comida,
casa, cuidados médicos, roupas ou transportes) também é documentada no estudo de
Serrano (2003). E a ajuda para pagar serviços que prestam atendimento à criança (terapia,
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
147
infantário ou outros serviços que a criança necessite). A necessidade de contacto com
outras famílias de crianças com a mesma NE (obter informação escrita e encontrar-se com
famílias de outras crianças como a sua) foi também encontrada no nosso estudo como uma
necessidade relevante. À semelhança dos resultados documentados por outros estudos tais
como D´Amato & Yoshida (1991) e Pereira (1998). A literatura também realça que o
contacto entre os pais, é um meio de apoio em que estes podem aprender novas habilidades
e ganhar mais confiança (Hornby e Murray, 1983 cit. por Hornby, 1991), daí que os
profissionais de IP devam facilitar estes contactos.
Por outro lado, em termos da utilidade de apoio social, as famílias valorizam como
mais úteis os seguintes elementos da sua rede de apoio informal: pais e familiares do
inquirido e o cônjuge/companheiro e os elementos da sua rede de apoio formal: médico
de família/criança, profissionais individuais e os grupos de profissionais (PIP, creche/
jardim de infância e serviços saúde/sociais/mentais). Estes dados são consistentes com os
obtidos por Suelzle e Keenan (1981 cit. por Albuquerque, 1996) que referem que alguns
pais de crianças com NE apontam os profissionais de diversos serviços como a sua mais
frequente fonte de apoio.
Ao estabelecermos correlações entre as necessidades das famílias e o apoio social
percepcionado, não encontramos relações. Contrariamente ao que nos veicula Reyes-
Blanes et al. (1999) que associa a altos niveís de apoio percepcionado a menos
necessidades expressas pelas famílias. Como não se encontraram relações entre a
globalidade das necessidades das famílias e a globalidade da utilidade do apoio social, a
resposta à primeira questão do nosso estudo, que pondera se as famílias com mais
necessidades consideram de maior utilidade as diversas fontes de apoio social
disponibilizadas pela sua rede, é assim negativa.
Contudo, a análise por subescalas, demonstrou que quando as famílias manifestam
necessidades de informação, tal como informação sobre como as crianças crescem e se
desenvolvem, como falar, brincar, pegar, lidar com a criança e informação sobre serviços
presentes, futuros ou qualquer problema que a criança possa ter, de maior utilidade
consideram o apoio disponibilizado pelos grupos de profissionais que poderão ser os
elementos da creche ou infantário, os elementos do programa de IP ou mesmo os
elementos do serviço de saúde e dos serviços sociais. Estes resultados são coincidentes
com os encontrados por Serrano (2003) que verificou no seu estudo qualitativo com 13
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
148
famílias, de crianças pequenas com NE do distrito de Braga, sobre os seus apoios formais e
informais, que são os serviços médicos, educacionais, terapêuticos e sociais que prestam
apoio às famílias no que toca às necessidades de informação.
Também demonstramos que quando uma família manifesta necessidades
financeiras tal como pagar despesas do quotidiano, comprar equipamento especial para a
criança, de menos utilidade considera o apoio disponibilizado pelos elementos da família
(pais e familiares do inquirido, pais e familiares do cônjuge/companheiro,
cônjuge/companheiro e filhos), verificando-se que a utilidade do apoio prestado pelos
elementos da família é inversamente proporcional às necessidades financeiras das famílias
de crianças com NE. Uma possível explicação para este facto é a grande percentagem de
famílias da nossa amostra que pertencem ao estatuto socioeconómico inferior-alto (68.5%).
Logo, se uma percentagem elevada de famílias pertence a um estatuto socioeconómico
baixo, depreende-se que a sua rede de apoio familiar também estará incluída nesse estatuto
socioeconómico e não terá muitos recursos económicos para ajudar a família da criança
com NE em termos financeiros.
1.2. Resultados da segunda questão de investigação: Será que, a idade
da criança é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades
expressas, bem como do grau de utilidade dos elementos da sua
rede de apoio social?
A idade da criança, em termos globais, não foi encontrada como uma variável
diferenciadora do tipo de necessidades expressas, tal como referem Bailey et al. (1992) a
idade da criança não é determinante das necessidades expressas quer pelas mães quer pelos
pais do seu estudo.
A idade da criança também não foi encontrada como uma variável diferenciadora da
utilidade dos elementos da sua rede de apoio social, contrariamente ao verificado por
D`Amato & Yoshida (1991) e Suelzle & Keenan (1981) que estabelecem relações entre a
idade da criança e a utilidade dos elementos da rede de apoio formal da família.
Consideram os autores que os pais das crianças mais novas usam mais serviços do que os
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
149
pais das crianças mais velhas que são menos apoiados, mais isolados e com mais
necessidades de serviços.
Porém, verificou-se que quanto mais nova é a criança mais necessidades as famílias
sentem, de terem alguém que cuide da sua criança, nomeadamente amas/baby-sitters,
infantário ou pré-escola, ou por exemplo, alguém que fique com a criança para o prestador
de cuidados ir à missa. E tal como nos referem Bernheimer, Young & Winton (1983 cit.
por Albuquerque, 1996) a procura e obtenção dos primeiros serviços para as suas crianças
com NE entre um e os três anos pode constituir para os pais um dos três períodos de stress
parental. Apesar do nosso estudo não abordar o stress parental, é importante alertar os
profissionais que trabalham com crianças nesta faixa etária e suas famílias desta
necessidade, uma vez não satisfeita pode ter implicações na dinâmica familiar.
Verificamos também que quanto mais nova é a criança de maior utilidade é
considerado o apoio disponibilizado pelos elementos da rede social familiar,
nomeadamente os pais e os pais do cônjuge/companheiro, os familiares e os familiares do
cônjuge/companheiro, o cônjuge/companheiro e os filhos. Sendo do senso comum claro
que quanto mais nova for uma criança, de mais cuidados necessitará, e logo, mais os pais
têm necessidades de terem alguém que lhes preste cuidados, na sua ausência.
Respondendo à segunda questão do nosso estudo, podemos dizer que a idade da
criança não é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades expressas, bem
como não é uma variável diferenciadora da utilidade dos elementos da rede de apoio
da família.
1.3. Resultados da terceira questão de investigação: Será que, a idade
dos pais é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades
expressas e do grau de utilidade dos elementos da sua rede de apoio
social?
Apesar de alguns autores (Guelzow et al., 1991; Fagan et al., 1991; McNaughton,
1994 e Pereira, 1998) terem sugerido que a idade dos pais era uma característica que podia
influenciar as percepções da família sobre as necessidades e a utilidade do apoio social, no
estudo por nós elaborado não foram encontradas relações, podendo-se, provavelmente
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
150
dever este facto a que a idade dos pais, que constituem a nossa amostra, varia ao longo de
um intervalo, não havendo predominância de pais muito jovens nem de pais com muita
idade. Daí que não se possam fazer comparações. No entanto, foi encontrado que quanto
menor é a idade do pai, mais necessidades financeiras as famílias sentem, tendo sido
sugerido que os pais mais novos estão mais sujeitos a uma maior precariedade laboral
muitas vezes presente nos primeiros anos no mercado de trabalho.
Respondendo à terceira questão do nosso estudo podemos dizer que idade dos pais
não é uma variável diferenciadora do tipo de necessidades expressas, bem como não é
uma variável diferenciadora da utilidade dos elementos da rede de apoio da família.
1.4. Resultados da quarta questão de investigação: Será que, a
escolaridade dos pais é uma variável diferenciadora do tipo de
necessidades expressas e do grau de utilidade dos elementos da sua
rede de apoio social?
Relembrando, os graus de escolaridade com maiores percentagens de inquiridos são
o 1º e o 2º ciclo do ensino básico, quer para as mães quer para os pais das famílias da nossa
amostra. Encontramos também que a escolaridade da mãe, comparativamente à do pai, é
ligeiramente superior a partir do 2º ciclo até ao curso médio/superior, depreendendo-se que
as mães são mais escolarizadas.
Em termos globais, o grau de instrução não é um factor de prognóstico das
necessidades das famílias. Pontualmente, a escolaridade da mãe relaciona-se com as
necessidades financeiras e a escolaridade do pai com a necessidade de explicar a outros o
problema da sua criança. No caso da mãe, se esta tem mais instrução então a família sente
menos necessidades financeiras. No caso do pai, se tem mais instrução, então a família
manifesta mais necessidades de ajuda para encontrar informação escrita sobre outras
famílias que têm uma criança como a sua. Estes dados parecem coincidir com a realidade,
pois se a mãe tem uma melhor formação, isso vai permitir-lhe encontrar um emprego mais
bem remunerado, manifestando assim a família menos necessidades financeiras. Uma
melhor formação no caso do pai parece ser sinónimo de mais interesse na procura de
informação sobre outras famílias que tenham uma criança com as NE da sua.
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
151
Quando avaliamos a utilidade do apoio social em função da escolaridade dos pais,
encontramos valores estatisticamente significativos. A uma maior escolaridade dos
cônjuges/companheiros foi associado uma maior utilidade dos elementos da família, das
relações próximas e dos profissionais. Parece que os pais com mais escolaridade têm mais
competências na utilização eficaz dos elementos da rede de apoio social referidos e, logo
os considerem como mais úteis.
Assim, nesta quarta questão do nosso estudo que estabelece relação entre a
escolaridade dos pais e as necessidades da família e a escolaridade dos pais e a utilidade da
sua rede de apoio social temos suporte para responder negativamente à primeira parte da
questão e afirmativamente à segunda parte da questão. A escolaridade dos pais não é um
factor que prediga as necessidades da família, mas é um factor capaz de predizer o
grau de utilidade dos apoios sociais, nomeadamente dos elementos da sua rede
familiar, relações próximas e profissionais.
1.5. Resultados da quinta questão de investigação: Como é que, o grau
de severidade da NE da criança afectará a forma como as famílias
identificam as suas necessidades e o grau de utilidade do apoio
disponibilizado pelos elementos da sua rede de apoio social?
No nosso estudo não foram encontradas relações entre o grau de severidade da NE
quer para as necessidades, quer para a utilidade dos apoios sociais. Não se verificando que,
segundo Randall & Parker (1999 cit. por Carpenter, 2003), a severidade da problemática da
criança, seja a que nível for, pode contribuir para um grau de exaustão dos pais, o qual
depende a sua tolerância ao stress, experimentando alguns pais um pessimismo crónico e
risco de esgotamento das suas funções.
Uma explicação para este resultado poderá ser atribuída à percepção que as famílias
têm sobre uma sociedade que valoriza pouco a criança com NE (como podemos verificar
da análise de conteúdo da resposta aberta, esta foi uma das necessidades mais referidas
pelas famílias) (ver ANEXO D). E daí que, segundo Wilson (2003 cit. por Carpenter,
2003) pai de uma criança com NE, considera que admitir que a sua criança acarreta mais
trabalho que as outras crianças, não é fácil. Porque, estas famílias têm dificuldade em
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
152
encontrar ajudas que sejam livres de juízos de valor, numa sociedade que segundo ele tem
atitudes desajustadas face às crianças com NE. Como refere Wilson:
“Pedir apoio não significa que não amamos a nossa criança, ou que estamos a tentar
livrarmo-nos dela.”
E como admite uma mãe do nosso estudo:
“Sinto necessidade que a sociedade, os pais e os governantes aceitem estes cidadãos em
igualdade de direitos como todos os outros.”
Será que as famílias do nosso estudo, e nomeadamente as que têm crianças com NE
mais severas, não manifestam mais necessidades e não consideram a sua rede de apoio
familiar mais útil, porque consideram que a sociedade em que estão inseridas está
carregada de preconceitos, injustiças e estigmas, tratando o ser diferente de forma
desigual?
Só um estudo mais aprofundado sobre a forma como os pais de crianças com um
maior grau de NE vêem o modo como a sociedade inclui a família e a criança com NE, e
como isso afecta as suas necessidades e o grau de utilidade da sua rede de apoio, é que nos
poderia levar a tirar conclusões. Por agora resta-nos dizer que, no nosso estudo, e
considerando a quinta questão, o grau de severidade da NE da criança não afecta a
forma como as famílias percepcionam as suas necessidades e o grau de utilidade do
apoio disponibilizado pelos elementos da sua rede de apoio social.
1.6. Resultados da sexta questão de investigação: Como é que, o
estatuto socioeconómico das famílias afectará a forma como
identificam as suas necessidades e o apoio disponibilizado pelos
elementos da sua rede de apoio social?
Verificámos que as famílias de estatuto socioeconómico mais desfavorecido
manifestam mais necessidades financeiras. As famílias dos estatutos socioeconómicos
inferior-baixo e inferior-alto sentem mais necessidades financeiras do que as famílias dos
estatutos socioeconómicos médio e elevado. Estes resultados são consonantes com os
encontrados por Bailey et al. (1992) que relatam que as mães de baixo rendimento, do seu
estudo, indicavam mais necessidades financeiras do que as mães de rendimentos médios ou
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
153
altos. Os estudos de Pereira (1998), Morgado e Beja (2000) e Serrano (2003) também
mostram relações entre as necessidades financeiras das famílias e o baixo estatuto
socioeconómico, na população Portuguesa.
Segundo Hammer & Turner (1996 cit. por Turner, 2000) uma das necessidades
desenvolvimentais para os pais de crianças com NE, dizem respeito aos cuidados com a
criança, resultando num aumento de responsabilidades financeiras. Quando a estas famílias
está também associado níveis de escolaridade baixos e empregos menos qualificados,
sendo assim classificadas em estatutos socioeconómico mais baixos, naturalmente terão
menos recursos económicos e logo, mais necessidades financeiras.
Contudo, e apesar desta relação, no nosso estudo e em termos globais, o estatuto
socioeconómico das famílias, não afecta a forma como as famílias consideram as suas
necessidades.
Verificámos, por outro lado, que as famílias socioeconomicamente mais favorecidas
valorizam mais o apoio disponibilizado pelos diferentes elementos da sua rede social, à
excepção dos grupos de profissionais que são mais valorizados pelos estatutos
socioeconómicos médio e inferior baixo. Os elementos que constituem os grupos sociais,
não foram considerados úteis, quer pelas famílias de estatuto socioeconómico mais
elevado, quer pelas famílias de estatuto socioeconómico mais baixo. Tal como nos refere
Chowdhury et al. (1996) as famílias diferem quantitativamente e qualitativamente nos seus
sistemas de apoio e recursos em virtude da sua posição na estrutura social da sociedade.
Parece que o contexto social, no que concerne ao apoio às famílias de crianças com NE, ou
é mais acessível ou é melhor rentabilizado pelas famílias de estatuto socioeconómico mais
elevado.
Analisando as diferenças entre grupos, as famílias de estatuto socioeconómico médio
valorizam mais os elementos da rede de apoio familiar (os pais dos cônjuges/companheiro,
os familiares dos cônjuges/companheiros, o cônjuge/companheiro e os filhos) do que as
famílias de estatuto socioeconómico inferior-baixo, e as famílias de estatuto
socioeconómico elevado valorizam mais os elementos da rede de relações próximas
(amigos do inquirido e do cônjuge/companheiro, vizinhos, outros pais e colegas de
trabalho) do que as famílias de estatuto socioeconómico inferior-baixo e inferior-alto.
Estes resultados são consistentes com os obtidos por Serrano (2003) que considera,
no seu estudo, que as famílias de estatuto socioeconómico baixo contam com mais
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
154
elementos da rede formal de apoio do que com elementos da rede informal de apoio.
Contrariando o que Bailey et al. (1992) realçam sobre as famílias de estatuto
socioeconómico baixo que, para os autores, habitualmente têm um agregado familiar mais
numeroso e logo têm uma rede de recursos informais mais extensa.
Por outro lado, as famílias de estatuto socioeconómico mais elevado consideram
mais útil o apoio disponibilizado quer pela sua rede de apoio formal (à excepção dos
grupos de profissionais), quer informal. Segundo Wikler (1986a cit. por Albuquerque,
1996) estas são as famílias que mais frequentemente se empenham na criação de serviços
adicionais para os seus filhos ou para si próprias, que acedem mais facilmente ou retiram
maior proveito dos existentes.
Assim, o estatuto socioeconómico foi encontrado, no nosso estudo, como uma
característica das famílias de crianças com NE capaz de afectar a forma como
consideram a utilidade do apoio disponibilizado pelos elementos da sua rede de apoio
social, à semelhança do estudo de Chowdhury et al. (1996).
1.7. Resultados da sétima questão de investigação: Como é que, o tipo
de colaboração entre os cônjuges/companheiros afectará a forma
como as famílias identificam as suas necessidades e o grau de
utilidade dos elementos da sua rede de apoio social?
A colaboração entre os cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e na
realização das tarefas domésticas, no nosso estudo, foram encontradas como variáveis
que afectam a forma como as famílias identificam as suas necessidades e a utilidade da
sua rede de apoio social.
Estes dois tipos de colaboração, no que concerne às necessidades, actuam de forma
inversa. Quanto maior for a colaboração entre os cônjuges/companheiros, menores são as
necessidades da família em termos de apoio social e familiar e financeiro. Ou seja, quando
há colaboração na realização das tarefas domésticas, no subsistema familiar
cônjuges/companheiros, verifica-se menos necessidades da família de apoio ao nível do
seu funcionamento familiar, nomeadamente ajuda para discutir problemas e encontrar
soluções, ajuda para se apoiarem uns aos outros em momentos difíceis e ajuda para ajudar
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
155
o cônjuge/companheiro a aceitar a condição da criança. Este último tipo de ajuda também é
menos referido quando há maior colaboração nos cuidados à criança. E finalmente, a nível
financeiro, as famílias que relatam mais colaboração entre os cônjuges/companheiros,
referem também menos necessidades financeiras.
Os resultados obtidos entre necessidades financeiras e as responsabilidades
associadas às tarefas domésticas prestadas à criança vão ao encontro dos encontrados por
Seligman & Reyerson (1982 cit. por Pereira, 1998).
Quanto à utilidade do apoio social, verificámos que quando há colaboração entre os
cônjuges/companheiros nos cuidados à criança e na realização das tarefas domésticas,
todos os elementos da subescala família são considerados como mais úteis, excepto os
familiares do inquirido.
Se na revisão feita por Dunst et al. (1988) acerca do apoio social, os autores referem
que o apoio social influencia a satisfação nas tarefas parentais (Crinic, Greenberg,
Ragozin, Robinson & Basham, 1983), modestamente podemos acrescentar que a
colaboração nas tarefas domésticas e nos cuidados à criança, influenciam o grau de
utilidade dos elementos da família.
Ainda do nosso estudo, no tratamento da resposta aberta, obtivemos elementos que
comprovam que uma das necessidades mais manifestadas pelas famílias, juntamente com a
aceitação e compreensão da comunidade é o apoio e compreensão entre os pais da criança
(ANEXO D).
Ao verificarmos no nosso estudo, que a colaboração entre os cônjuges/companheiros
traz implicações práticas quer na forma como é considerado o apoio disponibilizado pelos
elementos da sua rede de apoio familiar quer na forma como são consideradas as
necessidades de apoio social e familiar e financeiras estamos a obter dados consistentes
com os referidos por Kazak e Clark (1986 cit. por Albuquerque, 1996) que referem que no
subsistema familiar uma relação de apoio mútuo é um recurso poderoso para os seus
elementos.
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
156
2. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
No nosso estudo verificámos, à semelhança de Bailey et al. (1992), que as
necessidades mais prevalecentes seleccionadas pelas famílias dizem respeito às da área das
necessidades de informação, da área das necessidades financeiras e às necessidades
específicas de oportunidades para ler e obter informação acerca de outras famílias de
crianças com NE. Foram ainda encontradas, neste estudo, mais duas necessidades
prevalecentes seleccionadas da área do apoio social e familiar.
Ao nível das necessidades de informação, as famílias desejam obter informações
sobre os serviços que a sua criança pode beneficiar no futuro, os serviços actualmente
recebidos e informação sobre as NE da criança. Por outro lado, os grupos de profissionais
são vistos unicamente como uma fonte de informação e logo são valorizados pelas famílias
para preenchimento dessa função. Como vimos da investigação teórica os pais preferem os
profissionais que lhes dêem informação relevante e precisa (Beverly & Thomas, 1999;
Sontag & Schacht, 1994; McWilliam et al., 1995).
Tal como foi encontrado, pelos autores atrás descritos, também as famílias da nossa
amostra esperam que os profissionais lhes forneçam informação precisa e relevante, numa
variedade de formatos e com uma linguagem adequada ao seu nível educacional e às suas
necessidades. Assim, os serviços que mais probabilidades têm de ir ao encontro das
necessidades identificadas pelas famílias são os que, ao organizar e apresentar essa
informação, fazem-no de forma a reflectir as características únicas de cada família.
Contrariamente ao que provavelmente os profissionais imaginam que estas famílias
esperam deles, parece que as famílias não esperam dos profissionais, uma atitude
paternalista, removendo os problemas do seio familiar, mas apenas que lhes transmitam
uma diversidade de possíveis escolhas para poderem tomar decisões, e logo, sentirem-se
mais competentes e com maior controlo sobre os serviços, recursos e apoios.
Sendo cada família única, só ela própria é capaz de identificar os seus pontos fortes,
necessidades, prioridades e recursos. Daí que o processo de avaliação, planificação e
intervenção só façam sentido quando a família neles participa e onde têm oportunidades
para tomarem decisões por si. Por outro lado, coloca-se a seguinte questão: como poderão
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
157
os profissionais de IP trazerem as famílias para fazerem parte da equipa que se quer
transdisciplinar?
“- Não – disse o principezinho. -Ando à procura de amigos. «Cativar» quer dizer o quê?
-É uma coisa que toda a gente se esqueceu – disse a raposa. - Quer dizer «criar laços» …
-Criar laços?
-Sim, laços – disse a raposa. - Ora vê: por enquanto tu não és para mim senão um rapazinho
perfeitamente igual a cem mil outros rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu também não precisas
de mim. Por enquanto eu não sou para ti senão uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se
tu me cativares, passamos a precisar um do outro.
(…)
A raposa calou-se e ficou a olhar para o principezinho durante muito tempo.
- Se fazes favor … Cativa-me! – Acabou finalmente por pedir.
- Eu bem gostava – respondeu o principezinho, – mas não tenho muito tempo.
- Só conhecemos o que cativamos – disse a raposa. - Os homens deixaram de ter tempo para
conhecer o que quer que seja. (…) Se queres um amigo cativa-me!
- E tenho de fazer o quê? – Disse o principezinho.
- Tens de ter muita paciência. Primeiro, sentas-te longe de mim, assim, na relva. Eu olho
para ti pelo canto do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas
podes-te sentar cada dia um bocadinho mais perto…” (Saint-Exupéry, 2003 p.68)
Na minha opinião este pequeno extracto do livro “O Principezinho” revela aos
profissionais o que é preciso fazer para se conseguir uma aproximação individualizada à
família e com ela desenvolver uma parceria colaborativa. Se os profissionais forem
colaboradores eficazes, tal como as famílias nos pedem, estas irão reconhecer essa partilha
de informação e simultaneamente partilhar informação sobre si. E deste modo, a partilha
de informação entre pais e profissionais torna-se recíproca e multi-direccional.
Nesta perspectiva de elemento colaborativo na parceria, o papel do profissional deixa
de ser o de satisfazer as necessidades indicadas pela família, que corresponde ao seu papel
tradicional de prover recursos e de experte, para assim passar a ter um papel de assistência
à família no desenvolvimento de capacidades para aceder ao que necessita.
Como foi demonstrado anteriormente, na sua grande maioria, estas famílias provêm
de estatutos socioeconómicos baixos, podendo isso explicar a prevalência de necessidades
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
158
básicas como a nutrição, o vestuário, a habitação, os transportes, a segurança e os cuidados
de saúde. Dada a importância destas necessidades no funcionamento básico de qualquer
família, provavelmente elas guiam o seu comportamento, levando-a a gastar tempo e
energia na sua satisfação, porque se impõe como imperativas. Pois segundo Maslow, que
colocou as necessidades numa hierarquia desde a mais até à menos importante, argumenta
que as necessidades básicas insatisfeitas controlam o comportamento e interferem com a
realização de necessidades a nível superior.
Desta constatação podem decorrer três implicações para um trabalho centrado na
família. Primeiro, os profissionais devem estar conscientes de uma abordagem
individualizada para a identificação das necessidades. Segundo, os profissionais devem dar
a oportunidade à família de sequencializar as necessidades segundo as suas próprias
prioridades. Terceiro, os programas de IP devem reflectir a hierarquia das necessidades
estabelecidas pela família. Quando alguma destas três condições não é satisfeita, estaremos
a contribuir para uma diminuição da probabilidade de uma intervenção ao nível da criança,
por parte do prestador de cuidados primários e simultaneamente podemos afectar
negativamente a saúde e o bem-estar da família (Dunst et al., 1988), dado que, a falta de
meios básicos, tal como a nutrição, o vestuário, a habitação, a segurança, os cuidados de
saúde, concentram os esforços da família na sua satisfação.
A energia das famílias da nossa amostra pode também estar a ser usada numa
situação, pessoa ou relacionamento mais crítico, tal como parece ser a necessidade de
maior disponibilidade de tempo para si ou ter mais amigos com quem falar. Como no
nosso estudo, 83.6% dos questionários foram preenchidos pelas mães, podemos atribuir
que aproximadamente 55.5% dessas mães dizem necessitar de mais tempo para si mesmas.
Corroborando com estes dados, temos o estudo de McLinden (1990) que realça que 42%,
das mães do seu estudo responderam não ter tempo para si devido às exigências que se
colocam em cuidar da sua criança com NE. A constatação deste facto pela equipa de IP
exige uma avaliação cuidada ao programa de modo a verificar de que forma a mãe
pretende participar no programa educacional da sua criança para assim se evitarem os seus
problemas de falta de tempo para si.
A necessidade demonstrada de contacto destas famílias com outras famílias de
crianças com a mesma problemática (encontros e informação escrita) faz realçar a
importância de os profissionais de IP estarem informados das diferentes associações,
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
159
tenham conhecimento de bibliografia escrita por pais sobre a sua criança com NE,
promovam encontros entre famílias, ou mesmo que forneçam contactos de outras famílias
em situações idênticas. Deste modo, o profissional ao partilhar este tipo de informação
com as famílias estará a ir ao encontro das suas necessidades. E, caso seja o desejo da
família, este objectivo poderá constar no PIAF.
O PIAF é o documento que pertence às famílias, pois nele estão identificadas as suas
necessidades e objectivos, os seus pontos fortes e os recursos/serviços que poderão
satisfazer os seus objectivos. O PIAF é também um plano colaborativo, pois deve ser
elaborado de forma articulada com os profissionais mas cujas decisões, quer sejam grandes
quer pequenas, são tomadas com a família. Para a sua elaboração é necessário identificar
os elementos da sua rede de apoio formal e informal da sua comunidade com quem a
família mantém uma relação de confiança. No nosso estudo, verificamos que os elementos
que geralmente são mais úteis na vida das nossas famílias são o cônjuge/companheiro, os
profissionais individuais e os grupos de profissionais (PIP, creche/ jardim de infância e
serviços saúde/sociais/mentais). E os elementos que por vezes são úteis são os pais e
familiares do inquirido e o médico de família/criança. Assim, parece que, à excepção da
utilidade do cônjuge/companheiro, as famílias da nossa amostra contam mais com
elementos da rede de apoio formal do que informal, apesar da literatura ter demonstrado
que o apoio informal é mais eficaz.
Será que as famílias da nossa amostra não usam mais apoios informais, porque os
apoios formais que lhes prestam ajuda e assistência estão a criar-lhes como que uma
espécie de dependência dos seus serviços, os quais são pouco consistentes e com um
período de duração curta, ao contrário dos apoios informais que são para toda a vida? Só
um estudo onde se analisem com maior rigor estas variáveis é que nos poderia dar
elementos para tirarmos conclusões correctas. Contudo, numa perspectiva actual de IP
(Dunst, 2000) o apoio proporcionado pela rede de apoio informal e da comunidade operam
como uma forma de IP.
Dos resultados obtidos verificamos que as características da família, como a
escolaridade dos pais e o estatuto socioeconómico, afectam o modo como estas
percepcionam a utilidade dos seus apoios sociais. Quanto menor for a escolaridade dos pais
e o estatuto socioeconómico de menor utilidade são considerados os elementos da sua rede
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
160
de apoio informal. E no nosso estudo, a maior percentagem das famílias concentra-se nos
estatutos socioeconómicos mais baixos e exibem um grau de escolaridade baixa.
Estes dados realçam, por um lado, que a manipulação dos apoios exige competências
por parte das famílias, e por outro lado, trazem implicações para as práticas de IP. Ou seja,
os profissionais ao elaborarem os programas, conjuntamente com as famílias e mais
concretamente com aquelas em que a escolarização dos pais é menos elevada e o seu nível
socioeconómico também é baixo, devem utilizar diferentes estratégias, tal como sugerir a
sua participação em grupos da sua comunidade, dar informações sobre grupos de pais,
grupos sociais e clubes da sua comunidade, convidar outros elementos da família ou
relações próximas a participarem na avaliação/intervenção, desenvolver competências
sociais de modo que as famílias usem os diferentes elementos da sua rede de apoio
informal social como opção viável para a satisfação das suas necessidades. Assim, o
profissional estará a fortalecer o sistema de apoio natural da família e a tornar a sua
utilização numa fonte primária de apoio e recurso para satisfação das necessidades. Ao
promover e apoiar a actuação da família na utilização destes apoios, fortalece-se a
aquisição de capacidades que lhe vão permitir resolver problemas futuros.
Para além da escolaridade dos pais e do estatuto socioeconómico da família,
podemos ainda acrescentar que o tipo de colaboração entre os cônjuges/companheiros pode
ter também uma forte influência na forma como as famílias consideram a utilidade dos
seus apoios sociais, bem como as suas necessidades.
Assim parece que, como vimos da revisão da literatura, a relevância de relações
interpessoais coesas e harmoniosas dentro da família reafirma-se quando se examina um
dos seus subsistemas específicos que é a das interacções entre os cônjuges/companheiros.
Neste caso, uma relação de apoio mútuo, no que concerne à colaboração nas tarefas
domésticas e nos cuidados à criança, constitui um recurso poderoso para os seus elementos
dado que diminui as necessidades sentidas pelas famílias e simultaneamente engrandece a
utilidade dos elementos da rede de apoio social, nomeadamente da família mais próxima.
E como realça uma mãe do nosso estudo, quando foi questionada sobre as suas
necessidades:
“Tantas e ao mesmo tempo tão poucas, comparando com outras famílias mais
necessitadas e carentes de ajuda e saúde. Mas graças, porque tenho a ajuda do meu marido
para cuidar dele dentro das nossas possibilidades.”
Capítulo IV – Discussões e Conclusões
161
Por conseguinte uma outra família refere “O marido não ajuda nada”. Parece-nos que
estas palavras são a expressão de uma angústia que é a falta de apoio do marido e que
implicitamente, traduzem, necessidades e carência de apoio conjugal.
Estes resultados sugerem que a IP deve direccionar a sua atenção para a compreensão
das adaptações recíprocas entre os membros de díades das famílias de crianças com NE,
bem como para a delineação das estratégias de intervenção que melhor se ajustam às
necessidades e recursos particulares.
Avaliar as necessidades das famílias, acima de tudo, permite individualizar as
intervenções contudo, o profissional deve ter em atenção que as necessidades não são
estáticas, mas dependem das transições que se podem operar ao longo do ciclo de vida da
família. Daí que, para proporcionar intervenções mais eficazes, deva ajustar-se às
necessidades em constante mudança das famílias e invista nos recursos informais mais
capazes de satisfazer essas necessidades.
A conceitualização teórica do modelo centrado na família advoca que os processos
de obtenção de informação e de tomada de decisões sejam processos colaborativos entre
profissional-família, respeitando sempre os seus desejos, necessidades e prioridades. O
papel de parceiro colaborativo, atribuído ao profissional de IP, exige que este inicie onde a
família está, que identifique factores capazes de influenciar as suas necessidades e recursos
e construa uma relação com a família nos parâmetros que esta estabeleceu. É assim exigido
às práticas de IP que dêem resposta ao que as famílias consideram como recursos
necessários para uma vida normal, em família e em comunidade; que apoiem e fortaleçam
o funcionamento da família e que optimizem o apoio.
O modelo centrado na família em que se reconhece as suas necessidades e os seus
recursos proporciona que a disparidade entre as necessidades sentidas pelas famílias e as
percepcionadas pelos profissionais, tem pouca probabilidade de acontecer, porque a IP
centrada na família é construída na colaboração e parceria entre famílias e profissionais.
Por outro lado, é o modelo que mais respeita os direitos das crianças com NE, o que
promove a igualdade de oportunidades e a melhoria da qualidade das suas vidas.