INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE …
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE DIREITO
CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO
FABRÍCIO DARÓS DIAS
INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE
PRECATÓRIOS. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
VIÇOSA/MINAS GERAIS
ABRIL - 2013
2
FABRÍCIO DARÓS DIAS
INTERVENÇÃO FEDERAL PELO NÃO PAGAMENTO DE
PRECATÓRIOS. A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL
MONOGRAFIA
Trabalho de conclusão de curso apresentado para
cumprimento das Exigências da Disciplina DIR 499
– Monografia II.
Professor Orientador: Ricardo Lemos Maia Leite de Carvalho
VIÇOSA/MINAS GERAIS
ABRIL- 2013
3
A minha família, por sua dedicação e apoio, mas, sobretudo, pelos valores e
ensinamentos transmitidos que fazem as escolhas nesta caminhada mais consistentes.
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente à Inteligência Superior e às formas sutis pelas quais se
manifesta, sobretudo nos momentos em que pensamos em desistir.
À minha família pelo apoio incondicional e fé inabalável em meu sucesso, uma
fé que, por vezes, eu mesmo não tive.
À saudosa turma de 2007, pelos anos compartilhados, pelos churrascos,
barzinhos, festas, debates e conversas que nos uniram nesses anos de Viçosa.
À Universidade Federal de Viçosa, nomeadamente ao Departamento de Direito,
pelo sólido corpo docente e pela incansável disposição aos alunos.
Á Faculdade de Direito da Universidade do Porto, pela contribuição inestimável
ao crescimento acadêmico. À Cidade Invicta pela experiência ímpar de vivência, em
especial aos amigos brasileiros, lusitanos e estrangeiros que fizeram esta experiência
ainda mais especial.
Às Promotorias de Justiça da Comarca de Ponte Nova – Minas Gerais, pelo
aprendizado prático dispensado.
A todos os amigos que levaram uma parte de mim, ao mesmo tempo que
deixaram comigo uma parte de si.
A todos estes, ainda que não possa exprimir todo meu sentimento, meu muito
obrigado.
5
“Deve-se tirar o poder dos homens que não estão dispostos a renunciá-lo. Uma
transferência de poder de uma facção para outra, dentro da mesma classe, é
chamada de golpe... e não muda nada. Uma transferência de poder de uma classe
para outra é chamada de revolução e muda as coisas.”
– Ken Follet, O Homem de São Petersburgo
6
RESUMO
A presente pesquisa aborda o delicado equilíbrio do sistema federativo brasileiro
quando de uma das hipóteses de intervenção da União nos Estados-membros ou no
Distrito Federal: descumprimento de precatórios.
Assim o objeto de estudos deste trabalho são as disposições legais pertinentes
aos institutos dos precatórios, da intervenção federal e a jurisprudência da Corte
Constitucional brasileira quando instada a apreciar da demanda interventiva.
Adotou-se como metodologia a coleta de dados bibliográficos ou documentais e
análise jurisprudencial.
Palavras-chave: Precatórios, intervenção federal, Supremo Tribunal Federal .
7
SUMARIO
1 INTRODUÇÃO..........................................................................................................05
2 FEDERAÇÃO BRASILEIRA E SUAS PECULIARIDADES...............................07
2.1 A ORGANIZAÇÃO POLITICO-ADMINISTRATIVA BRASILEIRA..................07
2.2 CARACTERÍSTICAS DA FEDERAÇÃO...............................................................08
2.3 A FEDERAÇÃO BRASILEIRA...............................................................................09
3 FINAÇAS ESTADUAIS............................................................................................13
3.1 AUTONOMIA FINANCEIRA.................................................................................13
3.2 ORÇAMENTO PÚBLICO........................................................................................17
3.3 PRECATÓRIO..........................................................................................................21
3.3.1 A SISTEMÁTICA DO PRECATÓRIO ................................................................25
3.3.2 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº30/2000.....................................................27
3.3.3 A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 69/2009....................................................32
4 ASPECTOS GERAIS DA INTERVENÇÃO FEDERAL.......................................38
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.................................................................................38
4.2 A INTERVENÇÃO...................................................................................................39
4.3 PRESSUPOSTOS MATERIAIS DA INTERVENÇÃO FEDERAL........................40
4.4 PRESSUPOSTOS FORMAIS DA INTERVENÇÃO FEDERAL............................46
4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: A INTELIGENCIA DO ARTIGO 36 DA CF/88.....51
5 A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL..........................................53
6 CONCLUSÕES..........................................................................................................66
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................69
APÊNDICE A................................................................................................................73
APÊNCIDE B.................................................................................................................75
APÊNDICE C................................................................................................................77
8
1 INTRODUÇÃO
Ao se falar em reponsabilidade do Estado pelos danos que porventura venha a
causar, imediatamente se é remetido ao precatório. Esse termo que, cunhado para servir
de garantia ao administrado, posto que a penhora dos bens públicos para saldar o crédito
de um, ou seleto grupo de pessoas, poria em cheque a continuidade da prestação do
serviço público, transformou-se num pesadelo para o jurisdicionado.
Após anos de espera numa batalha jurídica, o administrado que teve seu
patrimônio jurídico lesado, vitorioso em sede de cognição, ingressa com a execução
apenas para ver seu direito conquistado ser protelado, ano após ano, pela Administração
Pública, alegando esta a insuficiência de caixa. A inadimplência dos Estados-membros
da Federação é flagrante, mesmo indiscutível, chegando o total de precatórios à
astronômica cifra dos bilhões de reais1. Estima-se, ainda, que precatórios expedidos
antes da Constituição Federal, e portanto, há mais de vinte anos, foram, sucessivamente,
protelados pela própria Constituição Federal quando de sua vigência, e pelas Emendas
Constitucionais nº 30/2000 e 62/2009.
Diante do abusivo quadro de calote, o particular, então, como ultima opção que
lhe resta, bate às portas do órgão jurisdicional máximo do país, o Supremo Tribunal
Federal, a pedir uma medida drástica, mas enérgica: a intervenção da União sobre os
Estados-membros, para que possa, finalmente, obrigar o Estado a honrar com suas
dívidas, pondo fim ao descaso do Poder Público com as lesões que causa aos indivíduos
sob sua tutela.
1<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/101556-dividas-judiciais-de-cidades-e-estados-ja-passam-de-r-
90-bi.shtml> Acessada em 01 de abril de 2013
9
Entretanto, mais uma vez, vê-se frustrado o cidadão haja vista a orientação
conservadora da Suprema Corte acerca da medida interventiva.
O objetivo central dessa pesquisa é, assim, efetuar uma análise, ainda que não
exaustiva, do entendimento do Supremo Tribunal Federal no tocante à Intervenção
Federal fundamentada no não pagamento de precatórios judiciais, através de estudo dos
institutos jurídicos relacionados e, por fim, da própria jurisprudência da Suprema Corte,
dando-se destaque aos leading cases que determinam a sua jurisprudência dominante.
Destarte, como metodologia de estudo se estabelece a coleta de dados
bibliográfica ou documental, posto que não se pretende produzir dados que serão
objetos de análise, mas sim relacionar dados já existentes acerca do assunto.
Estruturamos essa pesquisa em capítulos, dedicando cada qual a esmiuçar os
institutos pertinentes ao tema. No primeiro capítulo discorre-se sobre a federação,
gérmen do quadro hipotético, haja vista que os precatórios, assim, como a própria
necessidade de uma medida interventiva são oriundas da organização federativa.
No segundo capítulo, faz-se um panorama simples sobre a autonomia financeira
dos Estados, centrando-se na análise pormenorizada do sistema de precatórios e as
modificações pelas quais tem passado.
No terceiro capítulo, parte-se a esmiuçar os aspectos gerais da intervenção
federal, como medida excepcional à integridade da Federação; e, por fim, no quarto
capítulo de desenvolvimento, uma sintética análise jurisprudencial do entendimento de
nossa Suprema Corte no tocante à intervenção federal lastreada em precatórios vencidos
e não saldados.
10
2 A FEDERAÇÃO BRASILEIRA E SUAS PECULIARIDADES
2.1 Organização Politico-adminstrativa do Brasil
O Brasil apresenta-se organizado politico-administrativamente como um Estado
Federal – República Federativa do Brasil. Quer isto dizer que o Brasil, por sua forma de
Estado, ou, noutros dizeres, por sua estrutura interna, é um Estado constituído pela
associação permanente de entes políticos autônomos menores através de um vínculo que
se dá por meio da Constituição. Nessa senda, “Federação traduz a forma de Estado, o
modo como se reparte o poder político no âmbito do território, e tem por pressuposto a
descentralização política2”
Federação é uma forma de organização de Estados compostos, de inspiração
estadunidense, formada, em regra, pela união perpétua de Estados de modo a conjugar
esforços num mesmo sentido, com a perda da soberania destes últimos sem, contudo se
extinguirem por completo suas funções e atribuições políticas, surgindo, assim, um
terceiro Estado, este, sim, soberano, oficializado por meio de um documento formal
(constituição) que estabelece o vinculum foederis, em que se limitam as respectivas
atuações.
Como bem observa Ricardo Lewandowski:
“uma federação consiste, pois, em linhas gerais, na associação de
entres políticos que, buscando uma integração harmônica de seus
destinos, transmudam-se num único Estado soberano, ao mesmo
tempo em que reservam para si, constitucionalmente, uma esfera
de atuação autônoma. Essa autonomia se traduz no poder de auto-
governo, que inclui a possibilidade de escolha dos próprios
governantes e a capacidade de decidir sobre assuntos que lhes
digam respeito3”
Com efeito, preconiza o artigo 1º da Constituição da República que “A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
2 BARROSO, Luis Roberto. Temas de Direito Constitucional. Tomo I. Rio de Janeiro. Editora Renovar.
2ªEd. 2006, pág 141 e 142 3 LEWANDOWSKI. Enrique Ricardo. Pressupostos Formais e Materiais da Intervenção Federal. São
Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 1994, pag 15
11
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: (...)” (grifo nosso).
Tal é a importância desta forma de organização interna para o Estado brasileiro
que a Assembleia Constituinte a erigiu em cláusula pétrea, não podendo sequer ser
modificada por emenda constitucional, como prescreve o inciso I do §4º do artigo 60 da
Carta Política vigente.
2.2 Características da Federação
A federação é uma aliança de Entes políticos-administrativos que se unem em
caráter definitivo – é característica da federação a proibição da secessão – de modo a
atuarem conjuntamente na concretização de objetivos comuns. É cediço também que os
Entes, ao unirem-se, perdem o atributo da soberania, que passa às mãos da União, mas
conservam competências em relação à própria organização e persecução de seus
interesses particulares. A federação possui a força da união de vários entes federados,
sem que, com isso, se esmague as diferenças locais e regionais.
Historicamente, a federação criou-se pelo fortalecimento do laço que unia as
antigas Treze Colônias da América do Norte, agora libertas do jugo da metrópole
inglesa. Do frágil laço de uma Confederação, estabeleceram uma nova aliança em 1787,
transferindo um rol de poderes taxativos à União, expressos na Constituição, posto que
não desejavam sujeitar-se de modo absoluto ao poder central.
A Federação como forma de Estado, embora não haja unanimidade, apresenta
algumas características básicas que lhe dão identidade, a saber: autonomia política dos
entes federativos, repartição de competências e participação dos entes federados nas
decisões da União.
A Constituição de uma federação, documento solene pelo qual se institui o
Estado opera a repartição de competências pertinentes à cada um de seus respectivos
entes, competência esta administrativa, legislativa , mas também, e inclusive, financeira,
posto que para a consecução dos fins estabelecidos, mister a concessão, também, dos
recursos necessários para sua execução.
12
No que tange à autonomia política dos membros da federação, esta se traduz nos
poderes de autogoverno e auto-organização, bem como escolha democrática de seus
representantes sem que haja interferência da União ou de qualquer outro ente.
Por fim, é característico das federações que os membros possuam voz ativa junto
às decisões da União, de modo a exercer o controle sobre as decisões que lhes digam
respeito. Assim, “passou-se a assegurar, na maioria das federações, uma participação
igualitária às unidades federadas na Câmara Alta, reservando-se a outra Casa legislativa
à representação popular”4
2.3 A Federação Brasileira
O Império do Brasil constituía-se como um Estado Unitário caracterizado por
um forte poder central o qual, consoante os constitucionalistas do Império5 se fazia
necessário para garantir a integridade (do território) nacional. Com efeito, a
Constituição de 1824 trazia em seu bojo o denominado Poder Moderador, concentrado
nas mãos do Monarca, que mantinha, sob forte direção do Poder Central, a ordem e
respeito das províncias, por vezes sufocando as insurreições locais que demandavam
uma maior autonomia. Como precipitado dos diversos levantes locais, em 15 de
novembro de 1889, um levante político-militar põe fim ao Império Brasileiro, passando,
assim, a república, desde seu primeiro diploma jurídico, editado pelo Marechal Manuel
Deodoro da Fonseca, então, primeiro presidente, a assumir a forma de República
Federativa:
O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do
Brazil decreta:
Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como a
fórma de governo da nação brazileira - a República Federativa.
Art. 2º. As Províncias do Brazil, reunidas pelo laço da
federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brazil6
4 Lewandowski, op. cit. pág. 17
5 TEODORO, Rafael. Sobre os “Estados Unidos do Brasil”: ensaio sobre a origem fictícia do federalismo
brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3213, 18 abr. 2012 . Disponível
em: <http://jus.com.br/revista/texto/21548>.
6BRASIL. Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, Proclama provisoriamente e decreta como fórma
de governo da Nação Brazileira a Republica Federativa, e estabelece as normas pelas quaes se devem
reger os Estados Federaes. Disponível em < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-
1899/decreto-1-15-novembro-1889-532625-publicacaooriginal-14906-pe.html>
13
Passa, então, o Brasil, desde a primeira Carta Republicana, promulgada em 24
de fevereiro de 1891, a adotar a estrutura de Estado Federal, constituído pelas antigas
províncias, agora elevadas ao patamar de Estados-membros, guardando estes grande
autonomia em relação ao poder central. Dessa forma, pode-se dizer, com esteio em
Regis Fernandes de Oliveira7 que o federalismo brasileiro nasceu de uma força
centrífuga descentralizadora que desagregou o Estado unitário reinante durante o
Império em um Estado Composto sob a forma federativa.
Oportuno trazer à baila consideração do eminente jurista Enrique Ricardo
Lewandowski acerca da questão da autonomia dos entes federados por parte das
constituições brasileiras
“É interessante notar que a Federação Brasileira, ao longo de
sua história, tem alternado momentos de grande
descentralização com outros de exagerada centralização,
obedecendo a um movimento pendular. Períodos houve em que
os entes federados foram enormemente prestigiados, como
ocorreu logo após a adoção dessa forma de organização estatal,
contrastando com outros em que grande parte das competências
e dos recursos foram concentrados ao nível da União, tal qual
aconteceu na longa fase de exceção vivida a partir do
movimento político-militar de 1964, e que se encerrou com a
promulgação da Constituição de 1988”.8
De fato, como registra o autor, com o advento da república, os Estados-membros
passaram a gozar de uma ampla autonomia política em relação ao governo central,
podendo os estados organizarem-se de acordo com seus peculiares interesses, apenas
não contrariando o disposto na Constituição. Essa autonomia foi, contudo,
paulatinamente retirada a partir da revolução de 1930, culminando com o golpe de
1937, em que o governo dos Estados passou às mãos de interventores indicados pelo
presidente Getúlio Vargas, situação esta que perdurou até 1945, quando da
redemocratização do país. A Carta de 1946 buscou restaurar a autonomia de Estados e
7 OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª Ed. rev. atual. São Paulo. Editora
Revista dos Tribunais. 2010, pag 34
8 Lewandowski, op. cit. pág 25
14
Municípios suprimida pela ditadura Vargas, criando um quadro de normalidade
institucional que perdurou até o golpe político-militar de 1964, quando, novamente, o
Estado Brasileiro voltou aos quadros de centralização máxima das competências nas
mãos da União, em especial do Executivo Federal, reduzindo ainda mais as
competências residuais que cabiam aos Estados, sendo que até mesmo os governadores
eram indicados pelo Executivo Federal, e os prefeitos, em sua maioria, pelos
governadores. Em suma, o processo de centralização do Estado Brasileiro encontrou seu
apogeu durante a Ditadura Militar.
Com a Constituição de 1988, retorna à normalidade o quadro da federação,
outorgando, novamente, competências aos Estados e Municípios, bem como dotação
orçamentária e poder de auto-organização, sempre dentro dos limites estabelecidos pela
Constituição Federal. Há, contudo, que se observar que o regime federal no Brasil,
assim como observado em outros países, inclusive nos EUA, transmudou-se de um
regime de federalismo dual caracterizado pela rígida separação entre os níveis federal e
local, havendo completo afastamento das competências de cada ente, a um regime de
federalismo cooperativo, caracterizado pela coordenação das politicas entre União,
Estados e Municípios, competências a serem desempenhadas concorrentemente pelos
entes federados e elevada intervenção da União nos domínios econômico e social,
reduzindo, cada vez mais as competências dos Entes menores, acumulando a União
poderes cada vez mais amplos, assim, como fatias cada vez maiores dos recursos
colhidos nos exercícios financeiros.
Nos Estados Unidos, tal processo se iniciou em período de instabilidade
econômica, com a Grande Depressão na década de 30 do século XX, em que era
necessária a força da União para coordenar um plano em nível nacional, o New Deal,
posto que as iniciativas locais não possuiriam forças para alavancar o país, assumindo a
União o poder de regulamentar fortemente os aspectos da economia. No Brasil, esse
processo de inicia com uma situação de instabilidade política não menos influenciado
pela Depressão econômica em que o planeta mergulhara, um golpe de Estado também
nos anos 30 que derruba a república instaurada em 1889 e, paulatinamente, vai
reduzindo a autonomia dos Estados e Municípios até um novo golpe em 1937, em que
se concentram as competências na União a despeito da autonomia dos Estados. Em que
pese a Constituição de 1946 dar novo alento aos Estados e Municípios, afirma Ricardo
Lewandowski já revelar um embrião do federalismo cooperativo, “revelando um claro
15
predomínio da União sobre os demais entes federados, particularmente no campo
econômico e financeiro”9.
No que tange à composição da federação brasileira, insta salientar, contudo, que
a Federação Brasileira, ao contrário da Federação Estadunidense – que contemplava
apenas os níveis Federal e Estadual – trouxe em seu bojo a consolidação de um terceiro
nível politico-administrativo, qual seja, o municipal. Na década de 1960, com a
construção de Brasília, hoje Capital Federal (artigo 18,§1º da Magna Carta), a
Federação Brasileira acentua ainda mais suas peculiaridades ao instituir um ente
intermediário entre Estados e Municípios, o Distrito Federal, definindo, assim, quatro
instâncias político-administrativas, como salienta o artigo 18, caput da Constituição
Federal de 1988:
“Art. 18. A organização político-administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.”
Nesta senda, não há que se falar em hierarquia entre os entes federados, cada
qual conserva sua autonomia dentro dos limites estabelecidos pela Constituição Federal;
os entes encontram-se horizontalmente equiparados, fato pelo qual são reciprocamente
imunes, estando proibidos, inclusive, de criar impostos sobre a administração direta,
autárquica e fundacional uns dos outros – artigo 150, VI, a e §2º.
Outro corolário da equiparação horizontal entre os entes federados é o respeito à
esfera de atuação privativa dos entes, não podendo um ente invadir a competência de
outro, e qualquer ato de um ente que venha a atentar contra a autonomia de outro
constitui violação do princípio federativo, e, portanto, fato legitimador de uma figura de
exceção dentro da Federação, qual seja, a Intervenção, quer da União nos Estados ou
Distrito Federal, quer dos Estados em seus Municípios.
9 Lewandowski. Op. cit. pág.
16
3 Finanças Estaduais
3.1 Autonomia Financeira
Como já salientado, os Estados-membros de uma federação e, por conseguinte,
os Estados brasileiros, são estruturas político-administrativas que guardam autonomia
em relação ao ente federal. A Federação Estadunidense, como visto, formou-se através
de um instrumento escrito no qual os Estados-membros manifestavam seu desejo de
unir-se sob o manto de um ente coletivo maior, transferindo-lhe uma relação expressa
de atribuições, a delimitar a esfera de atuação federal e alijá-la das atuações estaduais.
A autonomia dos Estados-membros se traduz nas capacidades de autogoverno e
auto-organização, do que decorre o poder de autoadministração e autolegislação. A
capacidade de autogoverno – incluída a autoadministração dado não ter sentido haver
governo sem poder de administrar – encontra seu fulcro nos artigos 27, 28 e 125 da
Constituição Federal (CF/88), que dispõem, respectivamente, sobre os três poderes no
âmbito dos Estados: Assembleias Legislativas, Governadores de Estado e Poder
Judiciário Estadual, as eleições nos dois primeiros e o teto de seus subsídios, e as
diretrizes de organização do último, sempre respeitados os princípios estabelecidos pela
Lei Maior, que fundamenta todas as demais.
A capacidade de auto-organização, bem como a de autolegislação advém da
autorização pelo artigo 25 da Magna Carta para que os Estados criem sua própria
constituição e leis pertinentes às atribuições que lhe foram conferidas no pacto,
consagrando a competência residual dos referidos entes ao dispor o §1º do dispositivo
acima que “são reservados aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por
esta Constituição”.
Com efeito, aos Estados cabe legislar sobre as matérias inventariadas nos incisos
do artigo 24 do diploma constitucional em concorrência com a União, caso em que esta
emite normas gerais a serem respeitadas por todos os entes da federação (§1º do artigo
24, CF/88), cabendo aos Estados e ao Distrito Federal, observando os limites traçados
pela Lei Maior, emitir normas adequadas aos específicos interesses regionais que
defende. Nessa seara, há que se destacar caber aos Estados legislar sobre direito
17
financeiro e orçamento, ou, em outras palavras, definir, dentro da bitola da
constitucionalidade, tanto federal quando estadual, o tratamento reservado aos recursos
que se lhe apresentam, reafirmando o já aludido acerca de sua autonomia financeira.
A Constituição Federal encarta um plexo de atribuições legislativas e materiais
aos Estados, sendo necessárias, para a consecução dos objetivos destes últimos,
provisões materiais, bem como, humanas para que sejam tais atribuições realizadas,
dado que, a construção do Estado, a promoção da justiça social, enfim, a realização dos
direitos do homem requer a realização de custos e estratégias. Surgem, então, para a
consecução das finalidades do Estado, as figuras da despesa e da receita públicas,
porquanto “se todos os direitos fundamentais têm, em alguma medida, uma dimensão
positiva, todos implicam custos.”10
Diante da necessidade de obtenção e emprego de meios materiais para a
realização das necessidades públicas, o Estado exerce a atividade financeira, consistindo
esta em “obter, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja
satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público”11
O
ente estatal, assim, para sua própria razão de existir, deve, através dos meios
juridicamente estabelecidos, arrecadar fundos, bem como administrá-los para quando o
gasto se apresente, não apenas os imediatos, mas também futuros ou aqueles que se
prolongam no tempo.
Despesa pública, na precisa lição de Aliomar Baleeiro, possui dois significados
intrinsecamente relacionados: em primeiro, “designa o conjunto de dispêndios do
Estado ou de outra pessoa de Direito Público, para o funcionamento dos serviços
públicos” 12
; e em segundo, “a aplicação de certa quantia, em dinheiro, por parte da
autoridade ou agente público competente, dentro de uma autorização legislativa, para
execução de fim a cargo do governo” 13
. Em resumo, a despesa tanto adquire o
significado de complexo de gastos da Administração Pública, quando cada gasto
isoladamente considerado.
10
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6ª Ed.
rev. atual. São Paulo. Editora Saraiva. 2011. Pág. 1451 11
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª Ed. rev. atual. Rio de Janeiro.
Editora Forense. 2004. pág 04 12
idem. pág 73 13
idem. pág 73
18
As despesas públicas, consoante o artigo 12 da lei 4320/67, se dividem em
despesas correntes e despesas de capital. Despesas correntes são as referentes ao custeio
da máquina administrativa e as relativas às transferências correntes, entendidas as
pensões, aposentadorias, benefícios trabalhistas e previdenciários, entre outras
obrigações do Poder Público.
Despesas de capital é gênero que abarca as figuras dos investimentos, inversões
financeiras e transferências de capital. Numa breve análise, investimentos são as
dotações previstas para planejamento e execução de obras, aquisição de imóveis que se
façam necessários a estas últimas, instalações e equipamentos, assim como aumento do
capital de empresas direta ou indiretamente controladas que sejam prestadoras de
serviços públicos; inversões financeiras são as dotações destinadas à aquisição de bens
de capital ou imóveis já em utilização, aquisição de títulos de empresas de qualquer
espécie já constituídas, e constituição ou aumento do capital de entidades ou empresas
com objetivos comerciais ou financeiros, bancários ou seguros; já as transferências de
capital são os valores referentes à inversões ou investimentos que outras pessoas de
direito público ou privado devam realizar a título de auxílios ou contribuições ao Poder
Público, assim como as destinadas à amortização da dívida pública.
O Estado, assim como qualquer outro agente econômico, necessita o ingresso de
valores em seus cofres, visto que não pode empreender apenas gastos sem possuir
divisas que os lastreiem. Aliás, importante princípio do direito financeiro se revela
nessa senda, o princípio do equilíbrio orçamentário, consoante o qual a relação entre os
gastos públicos e os ingressos deve observar uma relação de equivalência, qualquer
gasto efetuado pelos cofres públicos deve estar vinculado a uma previsão de receita.
A receita pública pode ser definida, ainda na lição do eminente Aliomar
Baleeiro, como “a entrada que, integrando-se ao patrimônio público sem quaisquer
reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como
elemento novo e positivo”14
. A receita é, assim, o ingresso de divisas, em caráter
permanente, nos cofres públicos. Tal caráter de permanência se faz importante por haver
entradas provisórias no caixa público, como os depósitos exigidos pelo poder público
numa dada licitação, e que será devolvido ao licitante quando do adimplemento do
contrato.
14
ibidem p. 126.
19
As receitas, segundo disposto no artigo 11 da lei 4320/64, se dividem em dois
grupos, receitas correntes e receitas de capital. Receitas correntes são as receitas
tributárias, as receitas patrimoniais e as receitas transferidas.
Receitas tributárias são auferidas por meio do jus imperium estatal, através do
qual o ente público impõe ao particular o pagamento de alguma das modalidades de
tributos instituídas no sistema tributário nacional (artigos 145 a 162 do diploma
constitucional). As receitas patrimoniais são resultantes de alguma das modalidades de
cessão de bens públicos para uso por particular, e as geradas pela atividade empresária
por parte do Estado; e, por fim, as transferências correntes são recursos financeiros
auferidos por outros entes da Administração Pública e repassados ao Estado ou
Município.
As receitas de capital são aquelas decorrentes de operações de crédito, alienação
de bens, amortização de empréstimos e as transferências de capital. São conceitos
pertinentes às ciências contábeis que extrapolam a razão deste trabalho.
Na magistral lição de Regis Fernandes de Oliveira,
“as receitas correntes são constituídas de: a) tributos,
alcançando as contribuições, b) patrimoniais (agropecuária,
industrial, serviços e financeiros, recebidos de outras pessoas de
direito público ou privado, quando destinadas a atender as
despesas correntes). As de capital proveem da realização de
recursos financeiros oriundos de: a) dívidas; b) conversão em
espécie, de bens e direitos; c) recursos transferidos de outras
pessoas de direito público ou privado, destinados a atender
despesas de tal ordem”15
A atividade financeira possui caráter instrumental, ou seja, o Poder Público não
possui a finalidade de acumular riquezas ao perceber valores, mas sim, utiliza-las para
promoção do bem público. Dado o agigantamento das necessidades públicas, o Estado,
por meio dos representantes eleitos pelo povo, realiza uma escolha política das
necessidades em que se aplicar os recursos disponíveis e de que maneira, através de um
plano orçamentário.
15
OlLIVEIRA. Op. cit. p. 147.
20
3.2 Orçamento Público
O orçamento, na acepção clássica, é um conjunto de documentos que registra a
vida financeira do país, contendo a previsão de receitas e autorização das despesas por
um determinado período, sem mais preocupações com os planos governamentais e as
necessidades da coletividade. Era uma peça de caráter meramente contábil cuja função
era servir de transcrição do quadro comparativo entre receitas e despesas.
Esse conceito, contudo, sofreu alterações na mesma medida em que se altera o
entendimento sobre as funções do Estado. Quando o Estado deixa de ser absoluto -
momento em que bastava ao monarca instituir tributos e gastá-los a seu bel-prazer - o
Estado Liberal percebe, então, a necessidade de controle dos gastos públicos, sobretudo,
a partir do momento em que passa a ser exigida autorização do Parlamento para as
despesas por parte do Executivo. Com a falência do modelo liberal, seu sucessor, o
Estado Social, abandona o papel de mero espectador das relações entre os particulares
sustentadas na pretensa igualdade formal, e toma um papel ativo nas relações
econômicas, seja regulando-as, fiscalizando-as ou, mesmo, intervindo diretamente sobre
a economia. “O mercado corre livre, mas ao Estado impõe-se que deva planejar seu
crescimento”.16
O orçamento, então acompanha essa evolução, desde um mero instrumento de
caráter administrativo e contábil, a se transformar num instrumento de ação do ente
público, onde estarão assentados os programas, metas e objetivos do governo, por meio
dos quais se influirá sobre as ordens social e econômica do território. Em sua evolução,
o orçamento se converte num instrumento de proteção dos contribuintes à imposição
excessiva de tributos, bem como peça de fiscalização. Mas, sobretudo, a função mais
importante é a de dar forma e publicidade ao plano de governo dos representantes
eleitos. Surge assim o orçamento-programa, o orçamento como instrumento a definir a
orientação do governo, dado que
“Todo governo no poder tem necessariamente um plano de ação.
No Estado moderno, os partidos políticos opõem seus programas e
16
Ibidem. pág 333
21
suas concepções. Um governo não está no poder senão para
realizar o programa do partido político que o sustenta”. 17
.
A Carta Constitucional apresenta os objetivos a serem atingidos, as decisões
políticas e as ideologias determinam os destinos das receitas e despesas, e o orçamento
dá forma e substância, revestindo-se, após submissão ao Poder Legislativo, com o
manto da juridicidade.
Há, antes de mais, que assentar que, embora o orçamento seja instrumento pelo
qual os agentes políticos planejam e demonstram o plano de governo que pretendem
desenvolver, e, nesse interim, deve haver espaço para a discricionariedade dos agentes,
sem a qual a ideologia que sustenta sua atuação se vê esvaziada, deve-se atentar que
mesmo a esfera de planejamento dos governantes se vê afetada por normas de ordem
constitucional, vinculando, assim, sua atuação.
Sob outra óptica, o governante, quando da planificação e estabelecimento de
metas, imbui sua orientação política no documento orçamentário, seja direita ou
esquerda, seja moderada ou radical. Esse fenômeno se dá pela própria natureza do jogo
político, da alternância de poderes e das disputas partidárias. Contudo, a Lei Maior
estabeleceu, através da Constituinte, uma série de diretrizes a serem executadas pelos
representantes eleitos, as quais não podem ser descumpridas, tais como as transferências
aos Estados e Municípios e os valores mínimos de aplicação de verbas públicas na
Educação, constantes dos artigos 158 e 212 da Constituição, respectivamente. Em suma,
as normas constitucionais restringem o campo de atuação discricionária do
administrador, pouco importando a ideologia de que porventura seja partidário.
Não apenas a Constituição, mas normas infraconstitucionais também vêm, em
nome da moralidade administrativa e da eficiência, restringir a discricionariedade do
agente político, como é o caso da lei complementar nº 101/2000, denominada Lei de
Responsabilidade Fiscal, e que traz importantes disposições acerca do orçamento
público.
Hodiernamente, o orçamento, segundo ensina José Afonso da Silva, é
“o processo e o conjunto integrado e documentos pelos quais se
elaboram, se expressam, se aprovam, se executam e se avaliam
17
BALEEIRO. op. cit. pág 421
22
os planos e programas de obras, serviços e encargos
governamentais, com estimativa da receita e fixação das
despesas de cada exercício financeiro” 18
.
Segundo Regis Fernandes de Oliveira é “lei em sentido formal, que estabelece a
previsão de receitas e despesas, consolidando posição ideológica governamental, que
lhe imprime caráter pragmático”19.
Preliminarmente, o processo orçamentário foi previsto na Constituição,
aplicando-se o disposto à União, devendo, como norma constitucional, ser observado
pelos demais membros da federação, realizando cada qual as adaptações pertinentes a
sua organização. No exato ensinamento de José Afonso da Silva sobre o tema:
“respeitadas essas normas [constitucionais], incumbe-lhes [aos
Estados e Municípios] elaborar suas leis de diretrizes
orçamentárias, seus orçamentos e planos plurianuais, realizar
despesas e aplicar recursos como melhor lhes parecer, segundo
as necessidades de sua administração e população, mediante
planos e programas de desenvolvimento econômico e social”20
.
Consoante dispõe a Constituição, as leis orçamentárias são de iniciativa do
Chefe do Executivo, o qual propõe os projetos de plano plurianual, lei de diretrizes
orçamentárias e lei orçamentária anual, devendo as citadas leis observarem estreita
proximidade umas com as outras. De acordo com a sistemática constitucional vigente o
plano plurianual, por ser uma previsão ampla quadrienal, restringe a lei de diretrizes
orçamentárias, esta anual, que, por sua vez, restringe a lei orçamentária anual.
Compõem as propostas de leis orçamentárias, conforme artigo 22 da lei 4320/64,
a mensagem do chefe do Executivo, que se traduz numa exposição da situação
econômico-financeira do ente devidamente documentada, a demonstrar a dívida fundada
e flutuante, saldos de créditos, restos a pagar e outros compromissos financeiros, assim
como a exposição e explicação da política econômica adotada; o projeto de lei; e,
tabelas explicativas contendo a previsão de arrecadação e de aplicação das despesas,
bem como tabelas comparativas das receitas e despesas fixas e previstas no exercício
financeiro anterior, naquele em que elabora a proposta e no exercício a que se refere a
proposta.
18
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20ª Ed. rev. atual. São
Paulo. Malheiros Editores. 2002. pag 714 19
OLIVEIRA. op. cit. pág. 319 20
SILVA, op. cit. pag 602.
23
O plano plurianual define a estratégia de ação governamental – posto que se
destina a viger por quadriênio, ou seja, até as próximas eleições – dentro da política
econômica traçada, no que tange às receitas e despesas de capital, e as relativas aos
programas de duração continuada, ou seja, cuja execução ultrapasse um exercício
financeiro havendo renovação periódica da obrigação estatal (artigo 23 da lei 4320 c/c
artigo 165, §1º da CF/88). É de tal importância o orçamento plurianual que, por força do
§4º do artigo 165 da Constituição Federal, os planos e programas elaborados e mantidos
pelo ente público em questão devem estar em consonância com o plano plurianual.
A lei de diretrizes orçamentárias (artigo 165, §2 º, CF/88), balizando a aplicação
do disposto no plano plurianual, orientará a elaboração da lei orçamentária anual,
contendo as metas e prioridades da Administração Pública, inclusive ao trazer as
previsões de receitas e despesas de capital para o exercício financeiro subsequente,
estabelecendo a política de aplicação das agencias financeiras oficiais de fomento e, por
fim, as alterações na legislação tributária.
A lei de diretrizes orçamentárias, de acordo com o artigo 4º da lei complementar
nº 101/2000 - também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal - possui, ainda,
papel funcional de efetivar o equilíbrio financeiro, regulando, por meio de quadros
anexos o controle de custos e avaliação dos resultados dos programas do governo, bem
como dos riscos fiscais que porventura possam interferir na arrecadação do governo e as
medidas a serem tomadas caso se concretizem.
A lei orçamentária anual (artigo 165, §5º, CF/88), por sua vez, deverá conter o
orçamento fiscal – receitas e despesas da administração pública direta e indireta – o
orçamento de investimento das empresas controladas pelo poder público e o orçamento
da seguridade social, todos, em respeito ao princípio da unidade, numa única peça. É
esta a lei que será aplicada no exercício financeiro, que movimentará o erário público na
consecução dos fins do Estado e aplicação dos recursos auferidos por este último, na
realização das despesas e das receitas do caixa único do governo.
O período de vigência do orçamento anual é de um exercício financeiro, que, por
expressa disposição do artigo 34 da lei 4320/6421 22. – a qual foi recepcionada com
21
Art. 34. O exercício financeiro coincidirá com o ano civil 22
Consoante Art. 35, ADCT, as leis orçamentárias possuem prazo constitucional para serem
encaminhadas pelo Presidente ao Congresso Nacional para apreciação. Neste ano de 2013, entretanto, ao
24
caráter de lei complementar pela Constituição Federal – coincide com o ano civil: de 01
de janeiro a 31 de dezembro.
Por fim, não é demais lembrar que as leis acima explicitadas devem guardar
correspondência umas em relação às outras, a lei orçamentária anual pressupõe a lei de
diretrizes orçamentárias, a qual está lastreada no plano plurianual. Cabe aqui, ainda,
salientar que todas as normas acima possuem o caráter legal, não cabendo expedição de
medida provisória em termos financeiros, ressalvado caso de abertura de crédito
extraordinário para atender a situação emergencial e imprevista, como eclosão de uma
guerra ou comoção interna (artigo 62, §1º, I c/c artigo 167, §3º, ambos da CF/88).
Como normas legais, seguem o procedimento legislativo ordinário de apreciação
pelo órgão legislativo competente, podendo receber emendas, desde que as alterações
sejam compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias, e
indiquem os recursos necessários à realização das despesas provenientes da alteração,
rejeição, sanção ou veto presidencial e promulgação. É um documento político,
econômico e contábil revestido da forma legal, e, portanto, submetido a todas as
formalidades pertinentes e que não sejam incompatíveis com o disposto nos artigos 165
a 169 da Constituição, bem como outras normas financeiras dispersas pelo texto
constitucional, como o artigo 29-A, sobretudo os limites tangentes às despesas de
pessoal.
3.3 Do Precatório
Como restou assentado, através de um processo legislativo o ente público
estadual elabora as normas orçamentárias que seguirá para levar a cabo a atividade
financeira que lhe cabe. Dentre essas normas, a lei orçamentária anual é mais próxima
da vida financeira dos Estados e também do cidadão, justamente por conter a previsão
de receitas e de despesas do exercício financeiro imediato.
arrepio das normas constitucionais, o orçamento federal foi aprovado em 04 abril de 2013, ou seja, o
orçamento anual foi aprovado para o exercício financeiro já em vigor.
25
Dentre as questões financeiras estatais, há uma em especial que nos interessa,
relativa à despesa pública que não tange ao programa governamental, mas sim à dívida
existente entre o Poder Público e o particular: o precatório.
Na definição de Régis Fernandes de Oliveira
“precatório ou ofício precatório é a solicitação que o juiz da
execução faz ao presidente do tribunal respectivo para que ele
requisite verba necessária ao pagamento de credor de pessoa
jurídica de direito público, em face de decisão judicial transitada
em julgado”23
.
Até a primeira metade do século XIX vigia o brocardo “le roi ne peut mal faire”,
pelo qual o príncipe e, consequentemente o Estado, não poderia ser responsabilizado
pelos danos causados aos particulares quando no desempenho da função pública.
Gradativamente, como decantado do Estado de Direito, essa concepção foi se alterando,
culminando na teoria publicista da responsabilidade pública, na qual, ao contrário das
relações particulares em que, em regra, deve-se provar a culpa ou dolo do agente para a
realização do dano, o ente estatal será responsabilizado independente da demonstração
de dolo por parte da maquina pública para a produção de lesão a direito de terceiros.
Dessa forma o Estado passa a estar submetido às regras jurídicas que ele próprio criou,
podendo ser, inclusive, condenado e executado em sede judicial. No Brasil, para a
realização do direito do credor em face ao Estado, criou-se o precatório.
Segundo ensina Vladimir de Souza Carvalho24, o precatório surgiu no
ordenamento pátrio ainda no Brasil Império, por meio de construção jurisprudencial em
que, diante da sucumbência da Fazenda Pública Municipal e da impenhorabilidade de
seus bens, por força do Decreto n.º 9.549 de 23 de janeiro de 1886, expediu o
magistrado ofício à Câmara Municipal condenada para a penhora de valores na
Secretaria da Fazenda de uma Câmara Municipal, e, apenas na Constituição de 1934,
em seu artigo 182, é que foi o instituto alçado ao patamar constitucional. Através de um
longo caminho, marcado pela confusão terminológica, o precatório ou ofício precatório
consolidou-se como instituto constitucional, servindo de garantia ao administrado em
face do Poder Público.
23
OlLIVEIRA. Idem. pág. 579 24
CARVALHO, Vladimir Souza. Introdução ao Estudo do Precatório. Revista de informação
legislativa, v.19, nº 76, p. 325-364, out./dez. de 1982. Disponível em
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181396> pág 325
26
Precatório advém do termo latino precatorius que significa rogar, pedir,
requisitar. É nesse ultimo sentido que o precatório se manifesta, posto que é um
requerimento emitido pelo Presidente do Tribunal no qual correu a demanda que
constituiu o débito da Administração Pública. Ainda segundo o autor aludido
“o precatório existe porque a Fazenda Pública foi parte e foi
vencida. Se seus bens fossem penhoráveis como os bens do
particular, atendendo-se as exceções legais, não haveria
necessidade do precatório. Não sendo penhoráveis, cria-se o
precatório”25
:
e continua
“Em primeiro lugar porque não tem sentido que o Estado
exproprie seus próprios bens para atender execuções que lhe são
movidas, em segundo lugar para que os pagamentos devidos
pela Fazenda Pública devem ser rigorosamente ordenados e
controlados, a fim de evitar mal maior, e que viessem os bens
públicos a ser afetados por interesse particular (...)” 26
.
Ambas as regras, tanto a impenhorabilidade dos bens públicos quanto o
pagamento de débitos da Administração Pública por meio de precatórios se
consolidaram no tempo, restando cristalizadas no ordenamento vigente, por meio dos
dispositivos 98 e ss. do Código Civil e 100 da Constituição Federal de 1988.
Dessa feita, o particular, entendendo-se lesado em seu patrimônio jurídico em
razão de atuação estatal, postula em juízo demanda indenizatória em face da Fazenda
Pública – entendida aqui a federal, estadual, distrital ou municipal – demanda essa que
seguindo os ritos e disposições legais aplicáveis ao caso concreto, resultará, ao fim, na
prolação de sentença, ato final do módulo processual, que, caso se enquadre como
sentença satisfativa, atribuirá razão a uma das partes, ocasião em que pode vir a
condenar a Fazenda à obrigação de indenizar o administrado lesado.
Contudo, o ente público recebeu tratamento diferenciado por parte do
ordenamento, sendo exigido, de acordo com o artigo 475 do Código de Processo Civil,
o reexame necessário da demanda desfavorável à Fazenda Pública por parte do órgão
judicial de segunda instância, independente de apelação. Uma vez confirmada a decisão
25
CARVALHO, Vladimir Souza. Introdução ao Estudo do Precatório. Revista de informação
legislativa, v.19, nº 76, p. 325-364, out./dez. de 1982. Disponível em
<http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/181396> pág 338
26
CARVALHO, Vladimir. op. cit. pág. 338
27
judicial e transitada em julgado a sentença condenatória será esta submetida à
liquidação, formando o título executivo judicial. De posse disso, o magistrado que
conheceu/decidiu a causa, remete ofício ao Presidente do Tribunal solicitando a este
último que proceda requisição ao Poder Executivo para inclusão de seu crédito na
despesa orçamentária.
Nas precisas palavras de Régis Fernandes de Oliveira
“Quando alguém entende ter um direito perante o Poder Público e
– estando exauridas as vias administrativas para seu
reconhecimento e satisfação – ingressa no Poder Judiciário com a
necessária ação, uma vez resolvida esta e condenada a Fazenda
Pública, o mecanismo de satisfação do crédito é o precatório.
Liquidada a condenação e apurado seu quantum, o juiz expede
ofício ao presidente do tribunal, comunicando o seu montante e
solicitando a ele que requisite a quantia necessária ao pagamento
de seu crédito”27
.
Ressalte-se, aqui que Administração Pública, nesta senda, se refere não apenas à
Administração Direta, os entes políticos e seus órgãos, mas também a figuras da
Administração Indireta, a saber, as autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou
sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos. As empresas públicas e
sociedade de economia mista exploradoras de atividade econômica, doutro lado, por
competirem em regime de igualdade com as empresas privadas, conforme disposto no
artigo 173,§2º da Constituição Federal, não podem gozar de benefícios não extensíveis à
iniciativa privada, e, por conseguinte, encontram-se excluídas do âmbito de
Administração Pública no que tange aos precatórios.
Vislumbra-se, assim, que o precatório é ordem de pagamento emitida pelo
Presidente do Tribunal do juízo que condenou a fazenda pública, lastreada essa ordem
em sentença judicial executória transitado em julgado.
27
OLIVEIRA, op. cit. pág 580
28
3.3.1 A sistemática dos precatórios
Dispunha a Constituição Federal de 1988, promulgada em 05 de outubro de
1988, em sua redação original, a divisão dos precatórios pelo critério da natureza do
crédito, existindo assim o precatório de natureza alimentar e o precatório não alimentar,
bem como sua forma de pagamento:
Art. 100. À exceção dos créditos de natureza
alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda
Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença
judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem
cronológica de apresentação dos precatórios e à conta
dos créditos respectivos, proibida a designação de casos
ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos
adicionais abertos para este fim.
§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das
entidades de direito público, de verba necessária ao
pagamento de seus débitos constantes de precatórios
judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que
terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento
até o final do exercício seguinte.
§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos
serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as
importâncias respectivas à repartição competente,
cabendo ao Presidente do tribunal que proferir a decisão
exeqüenda determinar o pagamento, segundo as
possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento
do credor e exclusivamente para o caso de preterimento
de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia
necessária à satisfação do débito.
Depreende-se do dispositivo que a Constituição estabeleceu, em nome dos
princípios da moralidade28
e da impessoalidade29
, uma ordem cronológica para
pagamento dos créditos, sendo vedada a designação de pessoas ou de casos específicos.
O adimplemento da obrigação se programava de acordo com a ordem de chegada das
requisições às mãos do Poder Público. Ainda no tocante à ordem cronológica, aqueles
apresentados até 1º de julho deveriam ser incluídos na Lei de Diretrizes Orçamentárias e
Orçamento Anual a ser aprovado para exercício financeiro seguinte; aqueles créditos
28
“a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implica
violação ao próprio Direito [...] que sujeita a aconduta viciada à invalidação[...]” MELLO, Celso Antônio
Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. rev. atual. São Paulo. Malheiros Editores. 2010,
pág 119.
29‘[no pricícpio da impessoalidade] se traduz a idéia de que a Administração tem que tatar a todos os
administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas”. MELLO, ibidem, pág 115.
29
apresentados do dia 02 de julho até 1º de julho do ano seguinte deveriam ser inclusos
para pagamento até 30 de dezembro do exercício financeiro subsequente ao da
apresentação. A esse respeito, Fredie Diddier leciona que
“por exemplo, o precatório inscrito até 1º de julho de 2009, deverá
o correlato valor ser pago até o dia 31 de dezembro de 2010. Caso
o precatório somente seja inscrito após o dia 1º de julho de 2009,
haverá a perda de um exercício financeiro, devendo ser incluído no
orçamento seguinte para ser pago até o dia 31 de dezembro de
2011 (CF/88, art. 100, §1º).”30
:
As dotações orçamentárias destinadas ao pagamento de precatórios deveriam ser
entregues diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal, o
magistrado que realizou a requisição de verbas, determinar o pagamento do crédito,
tendo o credor direito à atualização monetária devida até o primeiro dia de julho do ano
em que foi inclusa a despesa no orçamento público. Esta última medida visa compensar
a perda do valor da moeda, evitando, assim a corrosão do crédito a que se faz jus. Em
caso de desrespeito à ordem cronológica, estabelecia a norma constitucional, ainda,
mecanismo segundo o qual o credor preterido requeresse o sequestro da quantia que lhe
era devida ao presidente do tribunal, posto ser atribuição deste último realizar o
pagamento dos créditos.
Os créditos de natureza alimentar, ao revés, dado seu caráter especial de serem
valores imprescindíveis à sobrevivência do credor, não se submeteriam à ordem
cronológica de apresentação, tendo preferência em seu pagamento e submetendo-se à
ordem cronológica própria31
.
Embora a redação original bem como as emendas efetuadas posteriormente
tampouco o faça, necessária consideração se faz acerca, haja vista tratar-se de execução,
de juros moratórios. Os juros moratórios constituem desestímulo ao inadimplemento da
obrigação através da incidência de juros sobre o montante devido a partir da mora do
devedor, ou seja, do inadimplemento da obrigação ficada em tempo hábil. Regra geral
contida no artigo 219 do Código de Processo Civil os juros moratórios são devidos
30
DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. Salvador. Editora JusPodivm. 2009.
pág 710
31
STF, Súmula 655 : "A exceção prevista no art. 100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de
natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da
ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza”.
30
desde a citação da parte, entretanto, como vêm entendendo a jurisprudência32
, os juros
moratórios, quando da Fazenda Pública em juízo, são devidos quando do atraso no
pagamento do precatório, ou seja, vencido o respectivo exercício financeiro com
adimplemento da obrigação. Nesse caso, dado que não se pode acrescer valor a
precatório já expedido, o credor deve apresentar em juízo, petição simples, visto que o
processo de execução já se constituiu, demonstrando o valor devido a título de juros,
para a expedição de precatório complementar, ou, como também restou conhecido,
precatório de precatório.
Por fim, a redação constitucional original previa no artigo 33 dos Atos das
Disposições Constitucionais Transitórias, que os valores devidos pelas Fazendas
Públicas de quaisquer dos entes da federação a título de precatórios deveriam ser
adimplidos no prazo máximo de oito anos, a partir de 1º de julho de 1989, podendo ser
pagos em moeda corrente, em prestações anuais, iguais e sucessivas aplicada
atualização monetária, ou, ainda, poderiam ser pagos através de títulos da dívida pública
relativos à esfera político-administrativa devedora, respeitado o prazo supra. Em
qualquer dos casos, o pagamento se dará conforme decisão do Poder Executivo, que
deveria ser publicada até cento e oitenta dias após a promulgação da Constituição.
3.3.2 A Emenda Constitucional nº 30/2000
As disposições originais tocantes ao regime de precatórios foram, no ano de
2000, alteradas pela Emenda Constitucional de nº 30, de 13 de setembro, o qual deu
nova redação aos parágrafos do artigo 100, alterando, assim, o regime dos precatórios,
bem como incluiu o artigo 78 ao ADCT:
“Art. 100. ...............
§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito
público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de
sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários,
apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do
32
RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.345 - RS (2008/0220526-9) de relatoria do Min. Benedito Gonçalves;
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 960.026 - SC (2007/0134345-9), de relatoria do Min. Mauro
Campbel Marques
31
exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados
monetariamente.
§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles
decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas
complementações, benefícios previdenciários e indenizações por
morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de
sentença transitada em julgado.
§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão
consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente
do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento
segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do
credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de
precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito.
§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de
precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em
lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital
ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em
julgado.
§ 4º A lei poderá fixar valores distintos para o fim previsto no § 3º
deste artigo, segundo as diferentes capacidades das entidades de
direito público.
"§ 5º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou
omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório
incorrerá em crime de responsabilidade."
“Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno
valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações
e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou
depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de
promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais
ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor
real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações
anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a
cessão dos créditos.
§ 1º É permitida a decomposição de parcelas, a critério do credor.
§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se
não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder
liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.
§ 3º O prazo referido no caput deste artigo fica reduzido para dois
anos, nos casos de precatórios judiciais originários de desapropriação
de imóvel residencial do credor, desde que comprovadamente único à
época da imissão na posse.
§ 4º O Presidente do Tribunal competente deverá, vencido o prazo ou
em caso de omissão no orçamento, ou preterição ao direito de
precedência, a requerimento do credor, requisitar ou determinar o
seqüestro de recursos financeiros da entidade executada, suficientes à
satisfação da prestação”.
A primeira inovação operada pela a EC n.º 30/2000 foi quanto à definição dos
créditos considerados de natureza alimentar (§1º-A do art.100); tratando, em seguida, da
atualização monetária do débito, que deixou de ser em 01 de julho, passando a se dar
quando do efetivo pagamento do crédito, de modo a conservar o valor real do crédito.
Em seguida, cria-se uma nova categoria de precatórios, os de pequeno valor, deixando a
cargo de lei complementar a regular matéria de direito financeiro, estabelecer o
montante considerado de pequeno valor, estabelecido, posteriormente, pela Emenda
32
Constitucional de nº 37, de 12 de junho de 2002, que, até a promulgação por parte de
cada Estado, o valor de 40 salários mínimos para as dívidas destes últimos. Para a
União, não havendo disposição em contrário, os precatórios de pequeno valor se
enquadram dentro do estabelecido pelo art. 3º da lei 10.259/2001.
Por outro lado, ampliou se a Constituição Federal em sua redação original, que
previu o parcelamento dos débitos já existentes em até oito anos por força do artigo 33
do ADCT, vendo o credor a inadimplência do Poder Público ganhar sobrevida de mais
dez anos, devido ao artigo 78 acrescido pela emenda supra. Regra esta válida não
apenas para aqueles que possuem precatórios pendentes até a data de promulgação da
emenda, mas também para as ações ajuizadas contra o poder público até 31 de
dezembro de 1999.
Foram ajuizadas, pelo Conselho Federal da OAB e pela Confederação Nacional
da Indústria em face da aludida emenda, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade
2.356-DF e 2.362-DF, ambas atacando o artigo 2º da EC n.º 30/2000, o qual acrescenta
o artigo 78 ao ADCT, sob o argumento de violação de cláusula pétrea (artigo 60, §4º da
CF/88), bem como representar o dispositivo grave afronta à coisa julgada, ao ato
jurídico perfeito e ao direito adquirido.
A nova redação, ou melhor, a Emenda supra representa uma ruptura no sistema
de precatórios instituído pela redação original da Carta Política. É cediço que uma
constituição, quando promulgada, é exercício do poder constituinte originário, e, como
tal, não está sujeito a quaisquer limites a sua atuação; a Constituição cria um novo
sistema jurídico em seu âmbito espacial de aplicação, funcionando, mesmo, como seu
alicerce, e revogando tudo aquilo que com ela for incompatível. Contudo, a
Constituição Federal brasileira trouxe em seu bojo mecanismos de revisão e
modificação constitucional, com vista à adaptação, e mesmo, ampliação do texto para
melhor se adequar aos valores sociais.
Entretanto, há que se ressaltar que o legislador, ao alterar o texto constitucional,
exerce o denominado poder constituinte reformador e, dessa forma, deve observar
limites à sua atuação, estabelecido pela própria Constituição, sob pena de ver eivadas de
inconstitucionalidade as emendas apresentadas. A Magna Carta vigente assentou, no §4º
de seu artigo 60, as denominadas cláusulas pétreas, princípios basilares da própria
federação brasileira, não podendo esses princípios serem violados ou abolidos nem
33
mesmo pelo constituinte derivado. Oportunas as palavras de Regis Fernandes de
Oliveira sobre a Emenda em tela:
“caso a reforma seja tão profunda, a ponto de deformar ou
descaracterizar a essência da lei que lhe dá a competência
reformadora, borrando horizontes materiais, circunstanciais e
temporais, o constituinte estabelecido deverá ter um poder
próprio do legislador original” 33
A Emenda fere, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a
isonomia, a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Viola a separação dos poderes na medida em que esvazia o Poder Judiciário de
grande parcela de sua atuação, porquanto à função jurisdicional incumbe a resolução de
conflitos através da aplicação das normas gerais ao caso concreto, não possuindo tal
atribuição razão de ser caso esteja desprovida de meios para executar, fazer respeitar
suas decisões. Como entendido pela Ministra Rosa Weber34
, no novo texto
constitucional, o poder reformador interfere na efetividade da jurisdição ao restringir a
aplicação da coisa julgada e, portanto, já decidida pelos órgãos jurisdicionais e
transitada em julgado – ou seja, causa regularmente decidida pelos órgãos para tanto
competentes, não cabendo mais vias de questionamento – dado que a emenda protela o
pagamento das dívidas já inscritas, permitindo, mesmo, que o poder público parcele de
per si dívidas cujo reconhecimento, liquidação e forma de pagamento fora de
competência do Poder Judiciário.
No tocante às garantias fundamentais, a emenda vem violar o direito adquirido
do administrado. Posto que o Poder Judiciário reconheceu a existência do crédito, uma
vez transitada em julgado a decisão, adquiriu o jurisdicionado o direito a obter os
valores que lhe são devidos. Contudo, sobrevém emenda constitucional já quase ao fim
do período estipulado pelo constituinte originário, e amplia o calote em mais dez anos!
“Após anos de luta, com uma situação jurídica absolutamente resolvida e um direito que
deixou de ser uma expectativa desde o trânsito em julgado da decisão que lhe concedeu
a ordem de pagamento, o credor comum surpreende-se com a reviravolta legal”35
,
33
OLIVEIRA. op. cit. p. 509. 34
Informação oral, 5ª sessão extraordinária do STF no ano de 2013, julgamento das ADIs 4357-DF e
4425-DF, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=UYPbBJG2mSY 35
OLIVEIRA, op. cit. pág 509
34
reviravolta de tal magnitude que chega a violentar parâmetros basilares do sistema
jurídico, inscrito no inciso XXXVI do artigo 5º da Carta Constitucional.
O mesmo sistema que protelou o lapso temporal para o adimplemento dos
créditos perante o poder público veio a agredir, ainda, o denominado ato jurídico
perfeito, definido como “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se
efetuou” (§1º do artigo 6º do Decreto-lei 4.657/42), ou, em outras palavras, o ato
jurídico que, a época dos fatos, encontrava-se em inteira conformidade com o
ordenamento vigente. Vislumbra-se que o ato jurídico, consubstanciado na sentença
civil condenatória e a requisição ao Poder Executivo para inclusão da despesa no
orçamento estavam – e ainda estão – em conformidade com o disposto no Código de
Processo Civil e na Constituição Federal e, portanto, são atos jurídicos perfeitos, muito
embora a redação da emenda venha a postergar a realização do direito já conquistado.
Por fim, resta salientar que a aludida emenda nº 30 criou sistema de
diferenciação entre aqueles que detenham créditos de caráter não alimentar em face do
poder público, ao dispor que os precatórios pendentes à data da promulgação da
emenda, bem como aqueles cujo processo ou módulo executivo se iniciem até 31 de
dezembro de 1999 devem ser liquidados pelo seu valor real e em moeda corrente,
incluídos os juros legais, em prestações iguais, sucessivas e anuais, pelo prazo máximo
de dez anos, ao passo que os precatórios de natureza alimentar, os de pequeno valor,
aqueles devidos quando da promulgação da Constituição Federal de 1988 e seus
complementos, devem ser pagos de modo integral e atualizado.
A respeito do calote, memorável manifestação de Régis Fernandes de Oliveira
“Muitos precatórios que não foram pagos no
escalonamento de dívidas feito pelo art. 33 do
ADCT, passaram pela EC 30 (tempo em que foi
promulgada também a EC 62/2009) e até agora não
foram quitados. Não foram pagos nem aqueles
precatórios, nem parte dos emitidos na década
retrasada”36.
As ADIs 2.356-DF e 2.362-DF, até o presente momento, passaram apenas por
julgamento conjunto de decisão liminar, em sessão plenária ocorrida em 25 de
novembro de 2010, a qual suspendeu os efeitos do artigo 2º da emenda em questão, e,
36
Ibdem. Ibdem p. 600
35
por conseguinte, suspendendo a eficácia do artigo 78 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias.
Restou, entretanto, o objeto das ações de inconstitucionalidade acima referidas
prejudicado, dada a aprovação, por parte do Congresso Nacional, da Emenda
Constitucional de n.º 62, de 09 de dezembro de 2009, que traz novo regramento ao
regime dos precatórios.
3.3.3 A Emenda Constitucional nº 62/2009
O constituinte reformador, ao vislumbrar o fim do calote engendrado pela EC nº
30/2000 sem, contudo, honrar com as dívidas assumidas, vem a promulgar nova emenda
constitucional a modificar o regime de precatórios ainda antes de solucionado o
impasse. Observa-se, contudo, não contribuiu a EC nº 62/2009 a resolver, em definitivo,
a questão dos precatórios, ao revés, veio a deturpar ainda mais um regime já falho. Não
por outro motivo restou conhecida tanto em meios jurídicos quanto jornalísticos como
“emenda do calote”.
A Emenda, por meio de seu artigo 1º alterou a redação do §2º de artigo 100 da
Constituição Federal, instituindo preferência para pagamento, sobre todos os outros dos
precatórios alimentares devidos aos credores que tivessem sessenta anos ou mais
quando da data de expedição do ofício ao Poder Executivo, ou que fossem portadores de
grave enfermidade; contudo tal benesse não poderia ultrapassar o triplo dos valores
fixados como débitos de pequeno valor. Em resumo, da quantia devida pelos Estados ao
credor idoso ou portador de moléstia grave, dividir-se-á em duas partes: uma até 120
salários mínimos a ser paga de imediato e, caso ainda reste dívida, o restante entrará
para ordem dos precatórios alimentícios estabelecida pela data de apresentação (art.
100, §§2º e 3º, CF/88 c\c art. 87, ADCT).
Ainda no tocante ao artigo 100 da Lei Maior, a Emenda criou novas formas de
extinção do crédito devido ao particular, quais sejam: a compensação dos créditos
devidos reciprocamente (§§9º e 10), a compra de imóveis alienados pela Fazenda
Pública em questão (§11), cessão total ou parcial do crédito a terceiro, que, neste caso,
36
perderá qualquer preferência, sendo exigida, apenas, comunicação ao Tribunal que
expediu o ofício e à entidade pública devedora (§§13 e 14), e a assunção débitos dos
Estados e Municípios pela União através de refinanciamento (§16).
Por fim, antes de outras considerações, há que se notar o ignominioso §15 e seu
reflexo artigo 97 do ADCT, acrescidos pela Emenda, que prescrevem regime especial
para o pagamento dos precatórios relativos aos dispositivos 33 e 78 do ADCT, ou seja,
dos precatórios já devidos à época da constituinte e daqueles postergados pelo
legislador por meio da EC nº 30. Já se aludiu anteriormente à inconstitucionalidade do
artigo 78 ao violar a isonomia de tratamento entre os credores, tendo a nova redação não
apenas reincidido na violação, como ainda a agravado.
Consoante o artigo 97 do ADCT, os Estados, Distrito Federal e Municípios
deveriam abrir uma conta especial criada exclusivamente peara o pagamento de
precatórios, na qual seriam depositados mensalmente, 1/12 (um doze avos) do valor
percentual aplicado sobre as receitas líquidas dos entes da administração direta e
indireta, considerado o segundo mês anterior àquele em que se realiza o depósito. Os
percentuais estão contidos nos incisos do §2º do mesmo dispositivo, estando a
delimitação das rendas a serem incluídas para efeitos do valor a ser depositado contida
no §3º. Tais contas, por força do §4º, seriam administradas pelos Tribunais de Justiça
dos Estados, não podendo retornarem seus valores às contas originais.
Já o §6º prevê que dos montantes das contas, no mínimo 50% será destinado ao
pagamento dos precatórios pelo sistema normal, sendo o restante, por força do §8º,
destinado ao pagamento de precatórios por meio de leilão. Os leilões de precatórios
estão regulados pelo §9º e se assenta no deságio sobre o valor devido, ou seja, o credor
competirá com outros pelo pagamento de uma pequena parte do direito que lhe foi
assegurado com o trânsito em julgado da sentença condenatória, reduzindo, a cada lance
o valor a receber. A propósito deste leilão pronunciou-se o eminente Min. Marco
Aurélio em seu voto no julgamento da ADI 4357:
“E aí o leilão terá a tônica: quem dá o maior
abatimento no credito estampado em título executivo
judicial, este seria satisfeito, Sr Presidente. Podemos
fechar os olhos diante dessa aberração
constitucional? A meu ver não, Presidente, a meu ver
100% da receita comprometida devem ser destinados
37
à liquidação dos precatórios (..) na ordem cronológica
em que esses precatórios surgiram (...)”37.
Com efeito, o instituto do leilão de precatórios é condenável, na medida em que
o poder público tinha ciência da dívida, bem como do dever de honrá-la; inclusive,
leciona Régis Fernandes de Oliveira que
“quando do advento da Constituição de 1988
poderiam ter pedido autorização do Senado da
República para emitir títulos da dívida pública para a
quitação dos precatórios, de duas uma: a) ou o
fizeram e deveriam ter quitado todas as dívidas e são
responsáveis criminais e civis pelo desvio de verbas;
ou b) não postularam a emissão de títulos e, pois, são
incompetentes e sujeitam-se, por omissão, à
responsabilidade política.”38.
Com efeito, a redação original da Constituição dava aos entes públicos a escolha
de emitir anualmente títulos da dívida pública no exato montante dos débitos, medida
que permitira aos particulares negociarem os títulos e obterem os valores, ainda que não
integrais, posto que transacionados no mercado e, portanto, sujeito às leis da oferta e da
procura, como também aguardarem o momento de vencimento e regatarem o valor
devido.
Contra a emenda em tela foram ajuizadas as ADI 4357-DF, 4372-DF, 4400-DF e
4425-DF, de relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, as quais foram julgadas em conjunto
na 5ª sessão extraordinária do Supremo Tribunal Federal no ano de 2013, ocorrida nos
dias 13 e 14 de março de 2013, concluindo o Tribunal por ser parcialmente
inconstitucional.
Inicialmente as entidades judicantes alegaram vício formal da emenda, posto
que, como emenda constitucional, deve respeitar os ditames do artigo 60, §2º da
Constituição Federal, ou seja, apreciação em dois turnos do projeto, em cada casa
legislativa e necessitando o quórum mínimo de três quintos dos representantes de cada
câmara para sua aprovação. Alegaram as entidades judicantes que a apreciação deu-se,
no Senado Federal, em dois turnos, sim, mas seguidos, não havendo lapso temporal
razoável entre elas, o que levaria à conclusão de violação da disposição constitucional,
37
Informação oral, 5ª sessão extraordinária do STF no ano de 2013, julgamento das ADIs 4357-DF e
4425-DF, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=UYPbBJG2mSY. 38
OLIVEIRA. op. cit. pág 608
38
entendimento este rejeitado pela maioria dos Ministros, reputando, assim, regular a
aprovação da medida em termos formais.
No plano material, decidiu o Pleno pela inconstitucionalidade parcial dos §§ 2º e
12 do artigo 100 da Constituição, com a nova redação, pela total inconstitucionalidade
de seus §§ 9º, 10, 15, bem como do artigo 97 do ADCT.
Entendeu o Tribunal que §2º fere o princípio da isonomia quando prescreve que
aqueles que possuíssem créditos alimentares gozariam de preferência sobre todos os
demais, desde que possuíssem sessenta anos ou mais quando da data de expedição do
precatório. Essa limitação de preferência – dentro já de outro regime de preferência –
deveria ser estendido todos aqueles que completassem sessenta anos durante o lapso
temporal em que esperam o pagamento de seu direito; entendimento contrário
culminaria em credor idoso que, contando com sessenta anos antes da expedição do
precatório ter dispensado tratamento diverso dos demais credores também idosos que
obtiveram reconhecimento de seu direito sob a vigência das redações original e de 2000.
Na apreciação do §12, o Pleno decidiu pela inconstitucionalidade do modus pelo
qual se daria a atualização monetária das importâncias devidas, por meio do índice de
remuneração da caderneta de poupança, por entenderem não ser este índice suficiente
para a manutenção do real valor da moeda, e, dessa forma, o particular ofendido, após
anos, receberia uma quantia irrisória em comparação ao dano sofrido.
Os §§9º e 10, por instituírem uma prerrogativa deveras desigual à Fazenda
Pública em relação ao particular foram declarados inconstitucionais. Os dispositivos
previam um regime de compensação obrigatória, no qual, antes de expedido o ofício
precatório, deveria o ente público ser oficiado para que apresente ao Tribunal os débitos
que o particular porventura possua perante a Administração Pública para que se opere a
compensação.
Por fim, o §15 restou declarado inconstitucional, ferindo de morte o art. 97 do
ADCT, que regulava o regime especial de pagamento dos precatórios devidos por
Estados e Municípios quando da promulgação da EC n.º62/2009. O aludido parágrafo
subverte completamente o sistema de precatórios ao excepcionar a ordem cronológica e,
ainda, confere tratamento privilegiado aos entes devedores permitindo que estes livrem-
se de suas dividas através de um cruel sistema de leilão, violando o ato jurídico perfeito,
39
a coisa julgada, o direito adquirido, em nome da inadimplência do setro público
brasileiro.
Ademais, o Artigo 97 do ADCT, que regulava o regime especial de pagamento
de precatórios dos Estados e Municípios ampliava o prazo de pagamento dos débitos já
existentes, “inclusive os emitidos durante o período de vigência do regime especial”,
para quinze anos a contar da vigência da emenda, período em que se aplicaria o sistema
especial de depósitos mensais até que o valor dos precatórios ainda restantes se tornasse
menor que o saldo constante da conta. Em suma, o regime especial se prolongaria pelo
prazo de 15 anos ou até total cumprimento dos precatórios submetidos ao ele. Ora, não
pode um sistema especial e transitório se aplicar aos débitos que ainda serão contraídos
por efeito de ordem judicial, sob pena de se tornar um sistema permanente.
Afirma o Min. Luiz Fux em sua análise acerca do artigo transitório acima,
afirma que o sistema especial prevê o depósito de um doze avos não sobre as receitas
líquidas, tampouco sobre o montante devido a título de precatórios, mas sim, em cima
do resultado do percentual disposto nos incisos do §2º, depósitos ínfimos, os quais
seriam ainda divididos entre pagamento pela ordem cronológica e por meio de leilão,
concluindo que
“como se observa, os valores a serem depositados em conta
especial pelos Estados, Municípios e Distrito Federal para
fins de pagamento de precatórios em nada se relacionam com
os valores efetivamente acumulados em precatórios. A base
de cálculo do montante a ser depositado é uma fração de um
doze avos de um percentual de um a dois por cento da receita
corrente líquida dos entes devedores e não do seu saldo
devido inscrito em precatórios. Ora se o depósito para fins de
pagamento não se relaciona com o estoque de precatórios
acumulado, como é que nós podemos afirmar que a opção
pelo regime durará apenas 12 anos?”39
Dessa forma, exposto que o regime especial teria por finalidade protrair-se no
tempo, tomando o lugar do regime geral estabelecido no artigo 100 do texto
constitucional permanente, especialmente por meio da inclusão dos débitos que se
constituírem durante o prazo de vigência, o estoque de precatórios será constantemente
renovado. Com base nesse entendimento, bem como na própria ofensa à isonomia ao se
incluir os débitos já vencidos mas não pagos, muitos oriundos desde a promulgação da
39
BEZERRA, Márcia Mônica de Souza. Abuso Sexual Infantil – Crianças x Abuso Sexual, p. 04.
40
Constituição vigente, com os débitos que ainda serão expedidos, o Supremo julgou pela
inconstitucionalidade do regime especial de pagamento de precatórios, fulminando os
dois dispositivos em análise.
Uma vez posta o atual panorama do regime de precatórios, oportuno passa-se ao
desenvolvimento do instituto da intervenção federal.
41
4 Aspectos gerais da Intervenção Federal
4.1 Considerações iniciais
A Federação é a forma de organização do Estado Brasileiro, sendo que, como já
se aludiu, consiste em princípio basilar do ordenamento jurídico em vigor.
Posto que um Estado Federal seja criado através da união indissolúvel de entes
políticos autônomos num único corpo político, se vive num conflito entre forças
desagregadoras, na luta dos Estados pela autonomia e defesa de seus interesses
regionais, de um lado, e forças centralizadoras, cujo objetivo é manter e reforçar o
princípio federativo, de outro. A Federação, assim, desenvolve, como própria questão de
sobrevivência, mecanismos para manutenção do vínculo, desde o controle das
respectivas competências, resolução judicial das lides entre Estados e União, até, em
último caso, a vis compulsiva, traduzida na intervenção do poder central nos entes
federados.
É cediço que o regime federativo não comporta a secessão de seus membros.
Nos dizeres de Ricardo Lewandowski
“A secessão de qualquer das unidades federadas coloca em
xeque a sobrevivência do ente coletivo, porquanto vulnera
a própria razão de ser da federação, que é precisamente a
conjugação dos recursos pertencentes aos associados, sem
prejuízo da manutenção de suas particularidades.40.
Contudo, a secessão é apenas uma figura no amplo rol das vicissitudes pelas
quais passa a existência de um Estado. Dentro de uma associação os Estados, por suas
ações ou mesmo omissões, podem vir a comprometer a estabilidade do ente coletivo, ou
mesmo, apresentarem-se causas externas, como, v. g., a eclosão de uma guerra. A figura
da Intervenção Federal é, destarte, corolário da própria forma federativa.
Neste diapasão, de um lado, a federação é regida pelo princípio da autonomia de
seus membros a partir da distribuição constitucional de atribuições, e qualquer ato em
sentido diverso atenta contra a própria associação; de outro, a própria constituição cria
40
LEWANDOWSKI, op. cit. pag 35
42
meios para se debelar qualquer ato com potencial de trazer grave instabilidade à
existência da federação.
O ordenamento jurídico vigente conhece duas formas de intervenção: a
Intervenção Federal, em que a União intervém nos Estados ou no Distrito Federal; e a
intervenção Estadual, em que os Estados intervêm nos Municípios que pertencem a seus
territórios. Esta última forma é proibida ao Distrito Federal, posto a vedação de sua
divisão em Municípios pelo artigo 32, caput, da CF/88.
É vedado à União intervir diretamente nos Municípios, por cima das atribuições
dos Estados, excetuados casos de intervenção em Municípios integrantes de Territórios
Federais, hipótese hoje superada, posto já não haver Territórios Federais, quer por sua
conversão em Estados, quer por sua incorporação a outro Estado.
4.2. A Intervenção
Leciona Ricardo Lewandowski que “a intervenção constitui, pois, uma invasão
da esfera de competências reservada às unidades federadas, pelo governo central, em
caráter temporário e excepcional, para ‘assegurar o grau de uniformidade indispensável
à sobrevivência da Federação’”41
A Intervenção é medida jurídico-política excepcional, em que um ente federado
maior é autorizado a interferir no complexo de atribuições de um ente federado menor,
ancorado em pressupostos fáticos e jurídicos estabelecidos pelo Poder Constituinte
Originário.
No mesmo sentido anota Gilmar Ferreira Mendes que “A intervenção federal é
mecanismo drástico e excepcional, destinado a manter a integridade dos princípios
basilares da Constituição, enumerados taxativamente no artigo 34 da CF”. 42
É também
definido como “medida de caráter excepcional e temporário que afasta a autonomia dos
41
Ibdem. Ibdem, pag 36 42
MENDES, Gilmar Op.cit., p. 833
43
Estados, Distrito Federal ou Municípios” pelo glossário jurídico do Supremo Tribunal
Federal 43
.
A figura da intervenção surgiu no ordenamento pátrio com a Carta
Constitucional de 1891, que a previa em seu artigo 6º, sendo reproduzida em todas as
constituições seguintes, com alterações influenciadas pela ideologia que imperava em
cada período histórico, bem como de acordo com caráter mais ou menos autoritário do
Poder Constituinte de então.
A intervenção é medida de caráter excepcional cujo escopo é a garantia dos
direitos do cidadão por meio da eliminação da situação de instabilidade organizacional,
seja ela efetiva ou potencial. Como medida excepcional, contrária ao próprio espírito do
federalismo, a intervenção apresenta um rol taxativo de hipóteses de cabimento,
prescritas na Constituição Federal/88, seus artigos 34 e 35, para as intervenções federal
e estadual, respectivamente.
Neste estudo, contudo, interessa apenas a figura da intervenção federal.
4.3 Pressupostos materiais da Intervenção Federal
Os pressupostos materiais da intervenção são, nos dizeres de José Afonso da
Silva, “situações críticas que põem em risco a segurança do Estado, o equilíbrio
federativo, as finanças estaduais e a estabilidade de ordem constitucional”. Em outras
palavras, são os elementos fáticos que geram severo comprometimento da paz
institucional da federação.
Como medida de exceção que é, por sua natureza, a intervenção federal encontra
seu substrato na Constituição Federal, in casu, nos incisos do artigo 34, que prescreve as
hipóteses de cabimento, a saber:
“Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito
Federal, exceto para:
I - manter a integridade nacional;
43
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Glossário Jurídico: Intervenção Federal. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=I&id=162>
44
II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da
Federação em outra;
III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;
IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas
unidades da Federação;
V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de
dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias
fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em
lei;
VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão
judicial;
VII - assegurar a observância dos seguintes princípios
constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime
democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e
indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de
impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências,
na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e
serviços públicos de saúde.”
Depreende-se da redação do texto constitucional que a União estará autorizada a
intervir nos Estados ou no Distrito Federal se e apenas quando o quadro fático gerador
de grave instabilidade institucional se subsumir aos casos previstos, por causarem
comprometimento da integridade territorial, política, ou desrespeito aos direitos e
garantias individuais do cidadão. A intervenção é, pois, em última instância, mais uma
garantia do administrado em face ao Estado.
O primeiro dos pressupostos que autoriza a intervenção é a defesa da integridade
nacional, umbilicalmente relacionado ao segundo pressuposto, qual seja, repelir invasão
estrangeira ou de uma unidade da federação em outra, tanto que serão analisados
conjuntamente.
Por meio dos incisos I e II, a União está autorizada defender a integridade do
território nacional, quer reagindo à violação do território, aqui abrangidos os elementos
terrestre, aeroespacial, marítimo, lacustre e fluvial do território brasileiro por parte de
potência estrangeira, independente de declaração de guerra, quer sufocando tentativas
de secessão por parte de um ou mais membro ou, ainda, a invasão de um Estado sobre
outro.
45
Aqui, claro está, que a autorização de interferência se dá porquanto a defesa do
território nacional é interesse de todos os membros, os quais, de forma isolada, não
poderiam fazer frente a uma potência estrangeira. Apenas por nota histórica, a
Confederação, forma de Estado composto que, modificada pelo Congresso da Filadélfia,
engendrou a Federação, surgiu, precipuamente, para a união de esforços para fazer
frente a um agressor externo. De outro lado, é desinteressante ao ente coletivo permitir
que qualquer de seus membros se desvincule do pacto federativo, ou, pior, venha a
dominar outro por meio do emprego da violência, situações que comprometem a
existência do Estado.
Dessa forma, a União, por meio do Poder Executivo, posto que apresenta
recursos materiais e humanos adequados a responder à agressão, quer externa quer
interna, intervém nas localidades afetadas pelo conflito. Por fim, resta afirmar que,
consoante Enrique Ricardo Lewandowski, com esteio em João Barbalho, que o
Executivo Federal não se deve quedar inerte à espera da efetiva usurpação territorial
para então tomar as devidas providências, mas que, ao revés, “no poder de repelir
inclui-se o de impedir ou evitar a invasão, caso tentada ou iminente” (pag 90). Este
raciocínio aplica-se, não apenas ao conflito entre os países, mas também entre os
Estados-membros.
Pelo Inciso III do artigo 34, o Poder Central pode interferir nos assuntos de
competência de seus membros para por fim a grave comprometimento da ordem
pública. Na expressão pode-se entender uma ampla gama de situações, desde que, em
primeiro, haja turbação ou interrupção da ordem pública no Estado ou no Distrito
Federal e, em segundo, que a gravidade da situação seja excepcional, de tal monta que a
ação da União se faça necessária. Dessa forma, não basta que se revele um transtorno à
vida social, de forma violenta e duradoura, mas também, que o próprio Estado não seja,
por si só, capazes de contê-lo com as forças que tem à disposição.
Aqui há que se considerar que, ao contrário do que se procede nos dois incisos
anteriores, a intervenção não se pode dar de forma preventiva, antes que a ameaça de
perturbação se torne real, pois outro entendimento daria carta branca à intervenção da
União nos Estados ou no Distrito Federal a seu bel-prazer, ancorado na justificativa de
sufocar tumulto que ainda viria a suceder.
46
O inciso IV, por sua vez, prescreve a intervenção para “garantir o livre exercício
de qualquer dos Poderes das unidades da federação”. Trata-se, aqui, de hipótese de
violação à tripartição dos poderes em que um, excedendo suas atribuições, impede ou
dificulta, sem justificativas, o desempenho, por outro Poder, de suas competências
constitucionais. Há, dessa forma, coação imprópria de um Poder sobre outro, seja ao
impedir que o Legislativo se reúna (ou sua dissolução), a recusa das autoridades
competentes, com a conivência de seus superiores, a colaborar com o Poder Judiciário,
ou mesmo coação em face do Executivo, ao lhe ser negada a posse ao candidato eleito.
Por sua vez, cuida o inciso V de intervenção em defesa das finanças de qualquer
dos Estados-membros. Aqui, a União, dada a interdependência financeira entre os entes
da federação, sobretudo no que tange às transferências de receitas previstas no
ordenamento, a Constituição autorizou a interferência no plexo de atribuições
financeiras da unidade que suspendesse, por prazo superior a dois anos e sem a
ocorrência de força maior, o pagamento de dívida fundada, ou que deixasse de repassar
aos Municípios as receitas tributárias fixadas pela CF/88 nos prazos por ela estipulados.
Faz-se, necessário, aqui, algumas observações. A primeira é o conceito de dívida
fundada. Consoante a lei 4320/64, em seu artigo 98, defini dívidas fundadas como
dívidas públicas relativas a compromissos de exigibilidade superior a doze meses,
contraídos para atender a ao desequilíbrio contraídas para atender ao desequilíbrio
orçamentário ou financeiro de obras e serviços públicos. Nos casos em que o ente
federado suspenda o pagamento dessa dívida por período maior a dois anos, ou, em
outras palavras, dois exercícios financeiros, há que se perquirir acerca da ocorrência,
nesse interregno, de força maior. A força maior é, com arrimo no parágrafo único do
artigo 393 do Código Civil, um fato externo à vontade do agente devedor, que lhe é
imprevisível e irresistível, exoneratório da dívida, posto que o devedor não concorresse
para seu acontecimento e nem possuía forças para impedi-lo. Na existência de força
maior a impedir o pagamento da dívida, resta excluída a intervenção.
Ainda, o mesmo inciso faz referência ao Estado deixar de repassar aos
Municípios transferência de fundos prevista no ordenamento pátrio no prazo estipulado,
v.g. autoriza a intervenção hipótese em que o Estado deixa de repassar os Municípios o
valor relativo a cinquenta por cento do montante arrecadado com o IPVA, consoante o
artigo 158, III da CF/88.
47
O Inciso VI traz a hipótese de intervenção quando o Estado-membro se recusa
ao cumprimento de lei federal, ordem ou decisão judicial. É esta hipótese a razão deste
trabalho, motivo pelo qual será analisada mais pormenorizadamente.
Em primeiro, há que se ressaltar que a execução das leis federais é pressuposto
básico da existência harmônica da federação, sobretudo, no federalismo cooperativo, ao
qual já se aludiu. O desrespeito à legislação federal por parte das unidades federadas é,
em regra, solucionada por vias judiciais, cabendo àquele que se entende lesionado pela
ação do poder público levar a questão ao conhecimento da autoridade competente.
Assim, o desrespeito à lei federal de que trata o inciso não é qualquer desrespeito à lei
federal, mas sim a recusa de aplicação de diploma legal que cause prejuízos
generalizados e da qual não caiba questionamento judicial.
No que tange às ordens e decisões judiciais, por oportuno trazer a colação a lição
de Ricardo Lewandowski, consoante o qual
“uma ordem consiste numa determinação assinalada por uma
corte ou magistrado, dentro ou fora de uma lide, para que se
faça ou deixe de fazer algo, ao passo que uma decisão
constitui o derradeiro ato de um processo, colocando fim a
uma demanda, em que se atribui razão a uma das partes.
Ambas são de observância compulsória, compreendendo
todas as espécies de pronunciamentos judiciais.”44
Apesar de esclarecedor, o eminente jurista entende as decisões judiciais como
ato final do processo, que o conclui ao atribuir a razão a uma das partes. Observa-se,
assim, que decisão judicial seria, para Lewandowski, apenas a sentença ou acórdão, por
se tratarem de decisões finais, não considerando, em sua análise, as decisões
interlocutórias; e, sobretudo, apenas as seriam decisões aquelas que decidissem o
meritum causae. A rigor, as sentenças que extinguem o processo sem resolução de
mérito também figuram como decisões judiciais.
Afirma, ainda, Lewandowski, ancorado em decisão do Supremo Tribunal
Federal, de relatoria do Ministro Moreira Alves em que a corte suprema decidiu pela
intervenção no Estado de Goiás, que se recusou apresentar apoio policial para o
cumprimento de mandado de reintegração de posse expedido por juiz de primeira
instância, argumentando o Estado, em sua defesa que não se tratava de decisão
transitada em julgado.
44
OLIVEIRA. Op. cit. p. 109.
48
No que tange à ordem judicial, viu-se, anteriormente, que o ofício precatório
constitui uma ordem judicial para que Poder Público inclua determinado valor como
despesa pública a ser paga até o final do exercício financeiro seguinte ou, caso seja
expedido após o primeiro dia do mês de julho, até o fim do exercício financeiro
subsequente. Não sendo essa ordem acatada, configurado está o desrespeito a ordem
judicial, e, por conseguinte, o pressuposto material a que se alude, permitindo, assim a
intervenção fundada no inadimplemento de precatório.
É, também este o entendimento de Fredie Didier:
“Inscrito o precatório até o dia 1º de julho, seu pagamento
será requisitado para ser feito até o final do exercício
seguinte. Não efetuado o pagamento no momento previsto
constitucionalmente, ter-se-á fundamento para requerer a
intervenção judicial. É que, nesse caso, estará havendo
desobediência à ordem ou decisão judicial”45
,
O inciso VII, por sua vez se refere à intervenção com vistas à assegurar o
respeito a princípios fundantes do ordenamento jurídico. A estrutura federal é, por sua
natureza, uma coordenação de esforços conjuntos entre membros e ente coletivo.
Contudo, para a existência de uma federação é necessário um complexo mínimo de
diretrizes a serem seguidas pelo Estado, quer pelo ente coletivo, quer pelos membros.
Esse complexo é composto pelos princípios jurídicos eleitos fundamentais pelo Estado
Brasileiro, e arrolados no texto da Constituição Federal, bem como nos diplomas que,
por ventura, venham a receber o status constitucional.
Na precisa lição de Celso Antônio Bandeira de Melo46 “principio é, por
definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a
lógica e a racionalidade do sistema normativo”.
Dessa forma, a Constituição arrola as disposições fundamentais do ordenamento
jurídico pátrio vigente, e, dentro desses mandamentos nucleares, seleciona os
denominados princípios sensíveis, ou seja, aqueles cuja violação pode, e deve, acarretar
a intervenção. Qualquer ação, ou mesmo omissão dos Estados que contrarie os
45
DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5 pág 722. 46
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. rev. atual. São Paulo.
Malheiros Editores. 2010, pág 95.
49
princípios constantes das alíneas do mencionado inciso VII configuram situações
críticas e, portanto, pressuposto material para a intervenção.
4.4 Pressupostos formais da Intervenção Federal
O procedimento para a intervenção federal, como já aludido, deve estar previsto
na Constituição, dado que, como medida extrema, deve revestir-se de um tratamento de
rigidez constitucional. Dessa forma, o procedimento a ser seguido, sob pena de
inconstitucionalidade da intervenção, se encontra disposto no artigo 36 do diploma
constitucional e pelas leis 8.038/9047
e 12.562/201148
.
Conforme preleciona José Afonso da Silva, “constituem pressupostos formais da
intervenção: o modo de sua efetivação, seus limites e requisitos” 49.
Aludido o artigo 36 é o artigo constitucional a prescrever o procedimento a ser
cumprido, conveniente trazê-lo à baila, para sua análise:
Art. 36. A decretação da intervenção dependerá:
I - no caso do art. 34, IV, de solicitação do Poder Legislativo
ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do
Supremo Tribunal Federal, se a coação for exercida contra o
Poder Judiciário;
II - no caso de desobediência a ordem ou decisão judiciária,
de requisição do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal
de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;
III - de provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de
representação do Procurador-Geral da República, na hipótese do
art. 34, VII, e no caso de recusa à execução de lei federal.
IV - revogado
§ 1º - O decreto de intervenção, que especificará a amplitude,
o prazo e as condições de execução e que, se couber, nomeará o
interventor, será submetido à apreciação do Congresso Nacional
ou da Assembléia Legislativa do Estado, no prazo de vinte e
quatro horas.
47
SILVA, José Afonso, op. cit. p. 484.
48
BRASIL. Lei nº 8.038/90, de 28 de maio de 1990, Institui normas procedimentais para os
processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal 49
BRASIL. Lei nº 12.562, de 23 de dezembro de 2011, Regulamenta o inciso III do art. 36 da
Constituição Federal, para dispor sobre o processo e julgamento da representação interventiva perante o
Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
2014/2011/Lei/L12562.htm>
50
§ 2º - Se não estiver funcionando o Congresso Nacional ou a
Assembléia Legislativa, far-se-á convocação extraordinária, no
mesmo prazo de vinte e quatro horas.
§ 3º - Nos casos do art. 34, VI e VII, ou do art. 35, IV,
dispensada a apreciação pelo Congresso Nacional ou pela
Assembléia Legislativa, o decreto limitar-se-á a suspender a
execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao
restabelecimento da normalidade.
§ 4º - Cessados os motivos da intervenção, as autoridades
afastadas de seus cargos a estes voltarão, salvo impedimento
legal.
O procedimento se inicia, sempre, através de decreto presidencial – embora sua
deliberação nem sempre cumpra ao Poder Executivo – o qual deverá especificar a
amplitude, o prazo e as condições de sua execução e, caso necessário, nomeará o
interventor (§1º, primeira parte, do artigo 36). A Constituição, posto ser a vida mais
dinâmica do que a letra da lei, não previu os meios de que o Poder Central se valeria
para efetuar a intervenção, devendo estes, na lição da doutrina, ajustar-se às
necessidades do caso concreto e aos resultados que se pretende obter, imperando,
sempre, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
Contudo, o decreto é o ato final de um procedimento, o qual variará de acordo
com o inciso do artigo 34 que lhe dá sustento.
Nos casos previstos nos incisos I, II e III do artigo 34 da CF/88, dada a
gravidade da situação que se revela, com prometimento da ordem pública, quer interna
quer externa, é cediço poder o Presidente agir de ofício, afinal, por caracterizarem
situações de emergência, não se poderia exigir inércia por parte do Chefe do Executivo
– cargo ocupado, diga-se de passagem, por aquele eleito como líder da nação – ao
aguardar uma incerta solicitação por parte dos Estados.
No mesmo sentido, no caso do inciso V do artigo 34 – intervenção para
reorganização das finanças estaduais ou transferência de receitas tributárias devidas aos
Municípios, também está o Executivo Federal autorizado a agir de per si, iniciando o
procedimento de intervenção, dado não ser coerente se exigir que o Estado que
apresente as finanças comprometidas venha a solicitar atuação federal a suspender sua
própria autonomia financeira.
Consoante disposição da própria Constituição, o Presidente da República, no
exercício de seu múnus público, deve ou vir o Conselho da República e o Conselho de
Defesa Nacional, por força do artigos 90, I e artigo 91, §1º, ambos da carta política,
51
ressaltando que ambas as instituições são órgãos de consulta, não vinculando a ação
presidencial. Aqui cabe o juízo de discricionariedade do Presidente, em qualquer das
hipóteses acima referidas.
Na esteira das lições de José dos Santos Carvalho Filho, segundo o qual
discricionariedade “é a prerrogativa concedida aos agentes administrativos de elegerem,
entre as várias condutas possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para
o interesse público” 50
. Quer isto dizer que, nas situações dos incisos I a III e V, tem o
governante em tela o poder de decidir acerca do momento e das condições (limitadas,
sublinhe-se, ao estabelecido pelo ordenamento), estando livre para decidir agir ou não
agir, e, decidindo pela intervenção, verificar o momento mais adequado, e que medidas
utilizar para debelar a crise que se revela.
Posto ser a intervenção um ato político e insuscetível de apreciação pelo Poder
Judiciário, resta a intervenção, nesses casos, impossibilitada de ser apreciada por via
jurisdicional51
Cabe, entretanto, o controle político sobre o decreto interventivo. Pela
parte final do §1º do dispositivo transcrito acima, o decreto deve ser remetido, no prazo
de 24 horas de sua publicação, para apreciação pelo Congresso Federal (artigo 49, IV,
CF/88), órgão que será convocado em sessão extraordinária caso não se encontre em
funcionamento. O Congresso, em sua função de fiscalização do Poder Executivo,
apreciará o diploma, aprovando-o, seja em sua integridade, seja impondo-lhe restrições,
ou mesmo rejeitando-o de todo, suspendendo-o, e por conseguinte, também a
intervenção, tornada agora inconstitucional desde sua origem. Reprovada a intervenção,
devem cessar as medidas tomadas, sob pena de responder o Presidente por crimes de
responsabilidade.
O inciso IV do artigo 34, o qual visa permitir que qualquer dos três poderes que
se veja sob coação ilegal volte a desempenhar suas funções sem qualquer turbação,
exige solicitação do Poder Executivo ou Legislativo, conforme o caso, ou de requisição
por parte do Poder Judiciário, que se dará através do Supremo Tribunal Federal por
expressa disposição do artigo 36, inciso I.
Na eventualidade de ser o Poder Executivo ou Legislativo aquele que sofre a
coerção ou impedimento de exercer suas funções, posto a Lei Maior tratar de
50
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª Ed. rev. ampl. atual.
Rio de Janeiro. Editora Forense. 2004. p. 54. 51
LEWANDOWSKI, Op. cit. p. 129.
52
solicitação, novamente entra em cena o Poder Discricionário do Presidente, sempre
balizado pela conveniência e oportunidade. Entendimento contrário seria obrigar o
agente executivo a quebrar a autonomia sempre que solicitado por qualquer pelos
poderes nomeados, esvaziando de conteúdo, assim, a razão de ser do instituto.
Em sentido contrário, no caso de ser o Poder Judiciário aquele que sofre coação,
haverá requisição, por parte do Supremo Tribunal Federal, à Presidência do Executivo.
Nesses casos, a Suprema Corte, que poderá agir de ofício ou por solicitação do
Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, por interpretação sistemática do artigo 19,
I, da lei 8.038/90, apreciará a solicitação de forma a decidir pela presença ou não do
estado de coação ou impedimento ao exercício de suas funções constitucionais, e, em
caso positivo, requer ao Presidente a aplicação da medida excepcional, afastando o juízo
discricionário deste último, o qual está vinculado à decisão do Supremo.
Interessante questionamento efetua Lewandowski 52
acerca de situação em que o
poder coagido se encontrar impossibilitado de solicitar auxílio ao Governo Federal, se
no quadro exposto, poderia o Presidente agir de ofício, contrariando disposição
constitucional. Entende-se que, nesse caso, mesmo contra expressa previsão da Magna
Carta, pode ser decretada a intervenção, por se tratar de situação que gera grave
instabilidade ao Estado, entendido como órgão coletivo, sendo a solicitação tida por
presumida.
Por fim, nesta hipótese do inciso IV, há que se dizer que o controle político
sobre o decreto interventivo será devido em caso de coação ou impedimento sobre os
Poderes Executivo e Legislativo, o mesmo não ocorrendo em caso de requisição do
Judiciário, pois tal medida, em caso de rejeição do decreto por parte do Legislativo,
violaria a divisão dos poderes ao permitir que um Poder se sobrepusesse às decisões do
outro.
Já o inciso VI do artigo 34, o qual, ressalte-se, constitui fulcro deste trabalho,
prescreve a hipótese de intervenção em razão de recusa do Estado em prover execução
de lei federal, ordem ou decisão judicial. Neste caso, como já se discutiu anteriormente,
não é qualquer recusa a aplicação de lei federal, apenas aquela de que não se caiba
questionamento judicial; ordem é apenas determinação emanada por magistrado;
52
Ibdem, ibdem, pág 124.
53
decisão é ato pelo qual magistrado decide determinada questão que lhe é imposta no
exercício da função jurisdicional.
Estes casos são regidos pelos artigos 19 e seguintes da lei 8.038/90, e podem ser
desencadeadas de ofício ou mediante pedido dos presidentes dos Tribunais de Justiça
dos Estados ou Tribunais Federais quando se tratar de desrespeito a ordem ou decisão
de suas respectivas competências, solicitação da parte interessada no cumprimento da
ordem ou decisão, ou mesmo por solicitação por parte do Procurador-Geral da
República.
No caso de desrespeito a ordem ou decisão do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça ou o Tribunal Superior Eleitoral, podem estes requisitar a
intervenção diretamente ao Presidente da República, sendo sua requisição, como já se
afirmou acima, vinculatória da decisão presidencial. O Supremo Tribunal Federal
entende ser de sua responsabilidade requerer a intervenção quando não cumprida
decisão ou determinação proveniente da Justiça do Trabalho, mesmo que a matéria
discutida não possua conteúdo constitucional.
A solicitação por parte do presidente de órgão jurisdicional ou do Procurador da
República será, assim como a solicitação por coação ou impedimento do livre exercício
das atribuições do Poder Judiciário estadual, constituem solicitações às cortes
superiores, as quais apreciarão o pedido e, se entenderem necessária a medida extrema,
requererão a intervenção ao chefe do executivo, ou, em caso negativo, arquivarão a
solicitação, fundamentando sua decisão.
Restando a intervenção para proteção aos princípios constitucionais sensíveis,
segue este o rito previsto na lei 12.562/2011, sendo necessária solicitação fundamentada
do Procurador-Geral da República através de representação fundamentada, dirigida à
Corte Suprema, contendo os princípios ou dispositivos de lei federal violados, bem
como a prova da violação por parte do Estado ou do Distrito Federal, bem como o
pedido especificado de providências a serem tomadas, não bastando que seja pedida
requisição de intervenção federal, conforme disposto no artigo 3º da citada lei. Uma vez
julgada a ação, como se depreende do artigo 11 do diploma legal supra, se procedente,
será remetida pelo Presidente do Supremo, após devida publicação do acórdão, ao
Presidente da República para que decrete a intervenção no prazo máximo de 15 dias.
54
Em ambos os casos acima, não cabe nem juízo de conveniência por parte do
Presidente, nem controle político por parte do Congresso Nacional.
4.5 Considerações Finais: a inteligência do artigo 36 da Constituição Federal
A intervenção, como medida excepcional, é necessariamente limitada em seus
efeitos e duração. Dessa forma, dispõe o §1º do Artigo 36, que o decreto presidencial
disporá, necessariamente, da amplitude, do prazo e das condições de sua execução.
Por amplitude se compreende o(s) Estado(s) em que devem ser levadas a cabo as
medidas explicitadas no decreto, assim como o Poder(es) sobre o qual incidirá, bem
como sua fundamentação. Por prazo, o lapso temporal pelo qual se entenderá a medida,
podendo ser determinado ou indeterminado e, se indeterminado, seus efeitos estarão
limitados à consecução dos fins que o motivaram; por condições compreende-se as
medidas específicas arroladas no diploma infralegal. A ausência de quaisquer destes
elementos é motivo de rejeição do decreto pelo Congresso Nacional.
Ainda, o decreto deverá, se necessário, nomear o interventor, que levara a cabo a
execução das medidas impostas pelo decreto. Com arrimo em José Afonso da Silva, o
interventor está contido na teoria dos poderes implícitos, segundo a qual “se a
Constituição confere um poder expresso para certo fim, há de implicitamente oferecer
os meios para atingi-lo caso não o faça explicitamente”53
O Interventor é autoridade federal, figura pública designada para levar a acabo
as instruções do Presidente, e, nessa empreitada, realiza atos de governo. Apenas a título
de ilustração, em hipótese de intervenção por desorganização das finanças estaduais,
afasta-se o Governador do Estado, cargo que será assumido pelo interventor até que
sejam efetivadas as ordens presidenciais.
Nem sempre será o interventor personagem necessária à intervenção. Por
previsão do Constitucional §3º do artigo 36 do texto constitucional, o decreto pode
limitar-se a, apenas, suspender a execução do ato impugnado, no caso de intervenção
53
SILVA. Op. cit. p. 487.
55
por descumprimento de lei federal, ordem ou decisão judiciais, desde esse único ato
baste ao retorno da normalidade institucional.
Uma vez afastadas as autoridades políticas locais devido ao decreto de
intervenção, em respeito ao §4º do aludido dispositivo, devem, em respeito à própria
autonomia dos entes federados, reassumirem seus postos, excetuado casos de
impedimento, hipóteses que extrapolam essa análise.
Por fim, dado que o decreto de intervenção é um ato político, se faz necessário
seu controle pelo Congresso Nacional para sua validade e eficácia. Na situação de não
estar o Congresso reunido para sessão legislativa quando da decretação da intervenção,
deverá ser o órgão convocado a título de sessão extraordinária para sua apreciação (§2º
do artigo 36).
56
5 A Posição do Supremo Tribunal Federal
Como restou assentado, o inadimplemento de débitos oriundos de precatórios,
porquanto se tratar de desobediência à ordem judicial, ao que pesem respeitáveis
entendimentos contrários, como Gilmar Mendes54
, vem conduzindo a diversos
processos judiciais perante o Supremo Tribunal Federal, em que se pleiteia intervenção
federal nos Estados para a concretização dos créditos a que o particular tem direito.
Afirmou-se que o ofício precatório é ordem judicial proferida por presidente de
Tribunal em respeito a decisão transitada em julgado, em sede de execução contra ente
da Administração Pública direta ou indireta, excetuadas as empresas públicas e
sociedades de economia mista que explorem atividade econômica.
Dessa forma, o magistrado de primeiro grau, então juiz da execução, ao operar-
se o trânsito em julgado da sentença, remete o ofício precatório, contendo o montante
condenatório, ao presidente do tribunal, e este, em ação vinculada, emite ordem ao
chefe do executivo, no caso em estudo - por se tratar de intervenção da União sobe os
Estados - o Governador de Estado, para que este inclua o valor nas leis orçamentárias
para o exercício financeiro seguinte ou, conforme a situação, para o subsequente. O
Magistrado, assim, expede ordem de pagamento, e não solicitação, pois não mais se
discute a existência do débito, haja vista que esta foi alvo de processo judicial, marcado
pelas prerrogativas do Poder Público, decidida e acobertada, agora, pelo manto da coisa
julgada. O precatório, então, figura como ordem judicial.
A Intervenção Federal se apresenta, portanto, como mecanismo judicial em
socorro do administrado que, a despeito da coisa julgada a determinar o quantum e o
modo de pagamento a serem respeitados, vê frustrado seu direito.
Nessa senda, o particular aguarda a satisfação de seu crédito no prazo
constitucionalmente previsto no §5º do art. 100, e, uma vez vencido o prazo para
pagamento, vê-se forçado a recorrer, novamente, aos meios judiciais para que o Estado
já cronicamente inadimplente seja forçado a honrar suas dívidas pela intervenção
federal. Esta demanda, entretanto, possui suas peculiaridades.
54
MENDES. Op. cit. pág 835.
57
A legitimidade para propositura desta demanda por parte do particular deve, em
conformidade com o disposto na lei 8.038/90 e com o Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, ser aferida de acordo com o Tribunal que expediu o ofício precatório.
Com efeito, o artigo 19 da lei 8.038/90 dispõe:
Art. 19 - A requisição de intervenção federal prevista nos
incisos II e IV do art. 36 da Constituição Federal será
promovida:
I - de ofício, ou mediante pedido de Presidente de Tribunal de
Justiça do Estado, ou de Presidente de Tribunal Federal,
quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão
judicial, com ressalva, conforme a matéria, da competência do
Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral;
(grifos nossos)55
.
Destarte, prescreve o citado diploma lega que, o STF deverá apreciar a
possibilidade de intervenção federal lastreada em ordem judicial desacatada quando for
esta oriunda da própria Corte ou de Tribunal de Justiça ou de Tribunal Federal, quando
será provocado ou apreciará ex officio. Trata-se de uma cadeia interna de
acontecimentos, o Tribunal inferior, entendendo-se desrespeitado pela não execução de
sua ordem, solicita, por meio de seu presidente, ao STF que requeira ao Presidente da
República a decretação da medida interventiva para que se faça cumprir a determinação
judicial. No mesmo sentido o Regimento Interno do STF:
“Art. 350. A requisição de intervenção federal, prevista no art.
11, § 1º, a, b e c, da Constituição, será promovida:
(...)
II – de ofício, ou mediante pedido do Presidente de Tribunal de
Justiça do Estado ou de Tribunal Federal, quando se tratar de
prover a execução de ordem ou decisão judiciária, com
ressalva, conforme a matéria, da competência do Tribunal
Superior Eleitoral e do disposto no inciso seguinte;
III – de ofício, ou mediante pedido da parte interessada,
quando se tratar de prover a execução de ordem ou decisão do
Supremo Tribunal Federal; (...)” (grifos nossos)
Pelo acima exposto, percebe-se que ao particular caberá ajuizar a demanda
interventiva diretamente perante a Corte Constitucional apenas quando o mandado
judicial não acatado houver sido expedido por órgão decisório da própria corte. Em
outra hipótese, o administrado deverá apresentar requerimento ao Presidente do
Tribunal que houvera condenado a Fazenda Pública. In casu, para a intervenção federal
lastreada em precatório estadual, deverá ser apresentado requerimento ao próprio
presidente que expediu o ofício ao Executivo estadual.
55
(STJ. 5ª T. R.Esp. nº 617221/RJ. Rel. Min. Gilson Dipp. J. em 19/10/2004).
58
Com arrimo nos dispositivos supra, a Corte Constitucional, nas ações
interventivas ajuizadas por particular com base no inadimplemento de precatórios
estaduais, decide pela improcedência posto que a competência para provocação daquela
corte pertence ao Tribunal de Justiça que exarou a ordem, como se depreende dos
acórdãos das Intervenções Federais (IF) de n.º 81, 105, 135 e outras. Interessante trazer
á baila decisão da IF 135-RJ, de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence:
“Intervenção Federal por descumprimento de decisão Judicial
da Justiça dos Estados: ilegitimidade do particular interessado
para requerer sua requisição ao Supremo Tribunal:
precedentes56
[...]
A parte interessada na causa somente pode se dirigir ao
Supremo Tribunal Federal, com pedido de intervenção federal,
para prover a execução de decisão da própria corte. Quando se
trata de decisão de Tribunal de Justiça, o requerimento de
intervenção deve ser dirigido ao respectivo Presidente, a quem
incumbe, se for o caso, encaminhá-lo ao Supremo Tribunal
Federal.”
Acertado o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao negar seguimento a
processo de Intervenção Federal ajuizado diretamente perante este, sem que antes
submetesse o requerimento ao crivo do Presidente do Tribunal de Justiça que tenha
condenado a Fazenda Pública. O exame acerca da transgressão à ordem judicial
emanada por um Tribunal cabe, consoante as normas legais em vigência, ao próprio
Tribunal, dado lhe competir no âmbito espacial de sua jurisdição o desempenho da
atividade jurisdicional – e como bem se salientou quando da EC nº 62/2009, atividade
jurisdicional não se limita a apenas julgar, mas também fazer cumprir suas decisões.
No mesmo sentido
“Se o presidente do Tribunal de Justiça local – que tem
legitimação para provocar o exame da requisição de intervenção
federal, que só se fará para a preservação da autoridade da corte
que ele representa – entende que a intervenção federal não cabe
no caso, não pode o S.T.F. de ofício e à vista do
encaminhamento por aquela presidência do pedido de
intervenção federal feito pelo interessado e por ela repelido,
examiná-lo”.57
56
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 135. Partes Ary Mendes e outros; Estado
do Rio de Janeiro. 17 de outubro de 1995. Relator Min. Sepúlveda Pertence. Disponível
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/745163/intervencao-federal-if-135-rj-stf> 57
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 81. Relator Min. Moreira Alves. 15 de
maio de 1985. Partes: Abrão Salomão e outros; Estado de São Paulo
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/727554/agregna-intervencao-federal-if-agr-81-sp-stf>
59
Permitir ao Supremo apreciar acerca do descumprimento de ordem judicial de
outro tribunal sem que este último tenha oportunidade de se manifestar, é subtrair
atribuição que lhe foi confiada pelo ordenamento jurídico em sede legal. Desta feita, ao
particular credor de precatório oriundo de Tribunais de Justiça resta requerer ao
magistrado-presidente a apreciação do pedido interventivo e, caso este entenda caber
razão ao requerente, solicitar decretação de intervenção ao Supremo, como se depreende
das IF nº 5101-RS e 3601-SP, em que os Tribunais de Justiça, diante dos casos que lhes
foram apresentados, julgaram procedentes as ações 58
.
Superada a questão pertinente à legitimidade ativa e, assim, passado ao mérito
da ação interventiva, primeiramente, salta aos olhos o volume de demandas em que se
pleiteia intervenção federal com base no não pagamento de precatórios ou, pior,
precatórios complementares, demonstrando, assim, a inadimplência do Poder Público.
Efetivamente, como relatou o Min. Carlos Ayres Britto em seu voto como relator da IF
nº 2915-SP, apresenta-se uma avalanche de processos de intervenção federal pelo
descumprimento de ordem judicial, a maioria relacionados ao pagamento de
precatórios.59
O precatório, uma vez expedido, deve ser recebido pelo Executivo e incluso nas
despesas, não podendo mais ser modificado. E assim, por força do §5º do artigo 100 em
sua atual redação, o precatório será inscrito para pagamento até o fim do exercício
financeiro seguinte, quando, então, terá seu valor atualizado, ou seja, quando de seu
pagamento. Por meio do Enunciado nº 17 60 de sua Súmula Vinculante, o STF pacificou
entendimento no sentido de que, no lapso temporal entre a inscrição do precatório para
pagamento e sua efetiva realização, não correm juros moratórios, haja vista que o
próprio texto constitucional estabelece esse prazo para seu cumprimento.
Entretanto, por decisão do próprio Supremo, vencido o prazo para adimplemento
sem que este se processe, incorre o ente público em mora, incidindo, a partir do
vencimento, juros moratórios sobre o valor da condenação, posto que “somente se
58
"Após ouvir o Governador do Estado e o Ministério Público, o Tribunal de Justiça julgou procedente o
pedido e determinou a remessa do precasso a esta corte." 59
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de Andrade e outros;
Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-stf>. O Ministro
afirma que, quando chegou à Corte Constitucional, já existiam mais de 2200 processos de intervenção,
sendo boa parte pedidos lastreados em precatórios vencidos 60
“durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da constituição, não incidem juros de mora sobre
os precatórios que nele sejam pagos.”
60
descumprido o prazo constitucional previsto para o pagamento dos precatórios, qual
seja, até o final do exercício seguinte, poder-se-ia falar em mora e, em consequência,
nos juros a ela relativos, como penalidade pelo atraso no pagamento” 61
.
Ocorre, contudo, que na hipótese ventilada, o precatório será saldado incluindo a
atualização monetária, mas excluindo-se os juros de mora em que porventura se tenha
incorrido; faz-se necessária, então, a expedição de novo ofício a seguir o mesmo rito:
requer-se a inclusão do montante devido a título de juros para inclusão no orçamento e
pagamento futuro. Forma-se, assim, um círculo vicioso, em que o precatório gera juros
por não ser saldado oportunamente, fato que gera a expedição de novo precatório, o
qual, se não pago engendra, novamente, juros moratórios. No mesmo raciocínio acima
se incluem erro aritméticos ou materiais ou imprecisões oriundas da liquidação da
sentença. A respeito do agigantamento das dívidas relativas a precatórios, interessante
notar pronunciamento do Min. Marco Aurélio de Mello, quando da 5ª sessão
extraordinária do STF no ano de 2013:
“A bola de neve quanto ao débito dos estados foi crescendo. E
já disse nessa assentada que o judiciário é, em parte culpado por
esse crescimento, porque numa época em que a inflação estava
a pleno galope nos dois dígitos o Supremo assentou que o valor
constante do precatório não podia ser corrigido e, com isso, ele
acabou criando (...) pensões vitalícias, sobrecarregando a
máquina judiciária(...)”62
.
Vislumbra-se, pelo comentário do magistrado que a sistemática na qual o débito,
uma vez inscrito não poderia ser corrigido quando de seu pagamento engendrou o
círculo vicioso de que já se fez alusão, pois o precatório já expedido, quando de seu
pagamento, gerada um outro precatório para pagamento futuro, o qual, por insuficiência
financeira ou desordem dos governantes atingia a data de vencimento sem quitação,
gerando novo precatório numa repetição ad infinitum. Os precatórios ditos
complementares também possuem a natureza de ordem judicial e, dessa feita, seu
descumprimento pode, da mesma, forma ensejar demanda interventiva.
61
RE n. 298.616, de relatoria do Min. Gilmar Mendes 62
Informação oral, 5º Sessão Extraordinária do STF no ano de 2013, 14 de março de 2013, disponível em
<http://www.youtube.com/watch?v=UYPbBJG2mSY>
61
Em outras palavras, o contribuinte deveria amargar o fato de que, após vencida
longa batalha judicial contra a Administração Pública, esta protela o pagamento e,
quando percebe o montante a que faz jus, ergue-se outra via crucis para que o Estado
integralize sua obrigação.
Decorre, todavia, que, com a finalidade de por fim aos precatórios
complementares, ainda durante a vigência da Emenda Constitucional n.º30/2000 e, de
quebra, trâmite das ADIs que a questionavam, aprovou o Congresso Nacional a emenda
de número 37, promulgada em 12 de junho de 2002, a qual alterava a redação do §4º do
artigo 100 do texto constitucional permanente, vedando a expedição de precatório
complementar a valores já pagos. Destarte, as ações de intervenção federal em trâmite
até a promulgação da emenda acima foram, então, consideradas prejudicadas por perda
superveniente do objeto 63
, já que a própria Constituição proibia a expedição de
precatórios complementares:
INTERVENÇÃO FEDERAL. Pagamento de precatório judicial
alimentar. Pagamento não-integral. Vedação de expedição de
precatório complementar e suplementar. Agravo improvido.
Precedentes. É vedada a expedição de precatórios
complementares e suplementares de valores já pagos pelo Poder
Público, pois a EC nº 37/2002 adicionou o § 4º ao art. 100 da
Constituição Federal (atual § 8º, na redação dada pela EC nº
62/2009). (grifo nosso) 64
Dessa forma, através de um remendo na Constituição, o Poder Público se
utilizou da Lei Maior, a qual, como se demonstrou anteriormente, já havia decretado o
primeiro calote pelo Poder Constituinte Originário, e agora, mais uma vez, ludibria o
contribuinte ao impedir que ele receba as verbas a que tem direito em decorrência da
própria irresponsabilidade dos governantes. Assim, resta pacífico, ainda não a melhor
das soluções, não mais poderem ser expedidos precatórios complementares ou
suplementares, haja vista a modificação constitucional efetuada, bem como a não
declaração de inconstitucionalidade de seu conteúdo, hoje presente no §8º do artigo 100
do texto constitucional permanente, quando do julgamento conjunto das ADIs 4357 e
4425.
63
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 4211-RS Partes: Zuleika Therezinha Terra
Ferreira; Estado do Rio Grande do Sul. Relator o Min. Maurício Correa. 24 de março de 2004. Disponível
em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14742700/agregna-intervencao-federal-if-4211-rs-stf>; 64
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 762-SP Partes: COINPA - Cozinha
Paulista LTDA; Estado de São Paulo Relator: Min. Cezar Peluso.29 de março de 2012 Disponível em <
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21535329/agreg-na-intervencao-federal-if-762-sp-stf>.
62
No entanto, ações existem que seguem o rito adequado, tendo o pedido de
intervenção sido examinado e acolhido pelo Tribunal de Justiça competente, como é o
caso das recentes IF nº 5101, 5105, 5106 e 5114, todas ajuizadas em desfavor do Estado
do Rio Grande do Sul. Essas ações, assim como milhares de outras, não obstante o
entendimento pelos Tribunais Estaduais que proferiram as ordens descumpridas, ou
mesmo a opinião do Ministério Público Federal, são sistematicamente julgadas
improcedentes quando analisadas quer pelo Plenário quer pelas Turmas.
Para a correta compreensão da questão se faz necessário tecer-se alguns
comentários acerca de dois casos emblemáticos, sobre os quais foi construída a atual
jurisprudência do Tribunal Constitucional: o dolo por parte do ente público e a
necessidade de manutenção de serviços necessários.
Em acórdão de exarado em 15 de julho de 1974, o relator Nelson Hungria, então
Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar demanda em que Afonso Infante
Vieira Filho pleiteava Intervenção Federal em desfavor do Estado de Minas Gerais
devido ao não pagamento de precatórios que o Estado em tela havia sido condenado
devido à desapropriação das terras do Araxá, posicionou-se da seguinte forma:
“Solicitadas informações, prestou-as o Sr. Governador de
Minas, esclarecendo que nenhum obstáculo está opondo ao
cumprimento do requisitório e questão se a consignação ainda
não foi feita, não obstante a abertura do crédito suplementar,
decorre isso da transitória exaustão do Tesouro estadual,
obrigado, ultimamente, ao custio de obras de vulto, tendentes a
criar fontes de receita, para regularizar as finanças do Estado,
com os recursos que hão de vir.
O retardamento da consignação não provém de deliberado
propósito de descumprir o requisitório, mas de ocasional falta
de numerário.
(...)
Não padece de dúvida que a intervenção autorizada pelo art. 7º,
V, da Constituição Federal tem como pressuposto a
injustificada oposição, por parte do Governado estadual, de
embaraço ou impedimento à execução de ordem ou decisão
judicial.
Não basta a demora, que pode ser justificada, na execução: é
necessário que se apresente uma desobediência manifesta,
propositada ou por descaso, à ordem ou decisão judicial.”65
.
65
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 20. Partes: Afonso Infante Vieira; Estado
de Minas Gerais. 03 de maio de 1954. Relator Min. Nelson Hungria. Disponível em <
http://www.jusbrasil.com.br/filedown/dev3/files/JUS2/STF/IT/IF_20_MG_1278019232199.pdf>.
63
Entendia o ilustre jurista que, para que seja configurado pressuposto material da
intervenção federal é preciso que o Governo do Estado obstrua deliberadamente a
execução da ordem ou decisão judicial, ou, em outras palavras, uma conduta consciente
por parte de qualquer dos órgãos governamentais cujo objetivo seja impedir a realização
da ordem emanada. A mora, por si, teria apenas o condão de fazer incorrer juros sobre o
montante devido, não seria elemento suficiente a desencadear a intervenção federal.
Firmou-se, assim, entendimento consoante o qual, para configurar hipótese de
intervenção da União nos Estados, é necessária ocorrência de dolo por parte do último,
orientação esta a qual se tornou dominante dentro da Suprema Corte, porquanto baliza
os julgamentos das intervenções federais até o presente momento.
Ainda que muito respeitável o entendimento do ilustre Nélson Hungria, entende-
se com esteio em votos proferidos por Marco Aurélio de Mello, não ser este o melhor
raciocínio a ser aplicado ao caso concreto:
Se formos à Carta da República – e estamos diante de pedidos
de intervenção que dizem respeito ao descumprimento de
pronunciamentos judiciais, tendo em conta obrigação de dar,
prestações alimentícias –, vamos constatar que a intervenção é
motivada pelo descumprimento de ato judicial. Não há na
Constituição o elemento subjetivo, tampouco a necessidade de
apurar-se o dolo do Estado.
[...]
O elemento subjetivo que é o dolo mostra-se neutro para se
definir a procedência, ou não, do pedido de intervenção federal.
Pouco importa que o Estado, mediante a atuação do Executivo,
não proceda com a intenção de postergar a liquidação do débito.
Cumpre saber, tão-somente, se na espécie ocorre
descumprimento de decisão judicial, fator objetivo resultante de
vício de negligência, da falta de respeito irrestrito da ordem
jurídica em vigor. A intenção em si afigura-se estranha ao
julgamento da intervenção.66
Dolo é, pois, um elemento volitivo da conduta, elemento subjetivo, consistente
em intenção consciente dirigida a um determinado fim. Entretanto, a Intervenção
Federal é instituto constitucional, e, portanto, seu regramento deve cingir-se aos
dispositivos da Constituição, não sendo contrárias a isso as disposições legais ou
regimentais acerca de seu processamento. Contudo, o cerne do instituto, seus
pressupostos e limites têm de estar estabelecidos no texto constitucional. Não cabe à
66
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 5101-RS. Partes Regina Nuria Hidalga
Crespo e outros; Estado do Rio Grande do Sul. de 28 de março de 2012 Relator: Min. Cezar Peluso.
Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869961/intervencao-federal-if-5101-rs-
stf>.
64
legislação inferior ou mesmo à magistratura, incutir-lhe requisitos não constantes
inclusos no Diploma Fundamental. Com efeito, o art. 34 da Constituição Federal, em
seu inciso VI prescreve apenas “prover a execução de lei federal, ordem ou decisão
judicial”; não acrescenta qualquer intenção por parte dos outros Poderes em frustrar a
execução de tais figuras.
Entendimento diverso, ou seja, a necessidade do desígnio deliberado, como bem
demonstrado no voto do Min. Marco Aurélio, seria entregar uma carta branca à
Administração Pública para, sob o argumento de impossibilidade material – a qual, por
vezes é fruto apenas de má administração ou mesmo ideologia partidária – descumprir
não apenas as decisões judiciais, mas as leis e, quiçá, a própria Carta Política!
Na outra ponta, resta a necessidade de manutenção de serviços públicos
considerados necessários. Em decisão recente das ações de Intervenção Federal nº 2915
e 2953, cuja relatoria dos acórdãos restou ao Min. Gilmar Mendes, entendeu o Tribunal
que devem ser analisadas as condições econômico-financeiras do Estado, ou, em outras
palavras, os limites materiais que encontram em suas atuações. Consoante entendeu o
Min. Gilmar Mendes que os Estados se encontram sujeito a um conflito gerado pelo
complexo de atribuições que a Constituição lhe conferiu, e os recursos que aufere para a
concretização deste mesmo complexo.
Sustentou o magistrado que a questão deveria ser decidida com base no princípio
da proporcionalidade, posto haver um conflito entre disposições constitucionais, pois
“O princípio da proporcionalidade [...] constitui uma exigência
positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos
de direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do
limite ou uma "proibição de excesso" na restrição e tais direitos.
[...]
A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da
proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens
valores ou princípios fundamentais.”67
.
Dessa forma, de um lado estaria o próprio sistema de precatórios, o qual
constitui um direito fundamental alicerçado no art.5º, XXXV e art. 100 da Constituição
e, doutro lado, obrigações como a aplicação mínima na educação, constante do artigo
212, ou os programas de saúde do art. 198, ambos do mesmo diploma. Acresça-se a isso
67
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de Andrade e outros;
Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-stf>.
65
as despesas para manutenção da própria máquina administrativa e para manutenção de
outros serviços essenciais, como segurança pública, estradas de rodagem, etc.
O princípio da proporcionalidade, consoante José dos Santos Carvalho Filho
(...) há de revestir-se de tríplice fundamento: 1) adequação,
significando o meio empregado na atuação ser compatível com
o fim colimado; 2) exigibilidade, porque a conduta deve ter-se
por necessária, não havendo outro meio menos gravoso ou
oneroso para alcançar o fim público, ou seja, o meio escolhido é
o que causa menor prejuízo possível para os indivíduos; 3)
proporcionalidade em sentido estrito, quando as vantagens a
serem conquistadas superarem as desvantagens 68
Desta feita, então, a par da impossibilidade de atendimento a todas as
obrigações, estabelece-se uma ponderação de valores, não de modo que se atenda uma,
excluindo-se a outra, mas de forma a se privilegiar aquele direito cujo atendimento se
revele mais importante do ponto de vista social. Entendendo que a manutenção dos
serviços públicos de atendimento à população, não obstante possuírem a mesma
hierarquia, devem ter preferência sobre o pagamentos de débitos da Fazenda Pública
perante particulares, o ministro afirma
Com efeito, não se pode exigir o pagamento da totalidade dos
precatórios relativos a créditos alimentares sem que, em
contrapartida, se estabeleça uma análise sobre se tal pagamento
encontra respaldo nos limites financeiros de um Estado zeloso
com suas obrigações constitucionais.
(...)
No caso em exame, a par de um quadro de impossibilidade
financeira, quanto ao pagamento integral e imediato dos
precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia verifica-
se a conduta inequívoca da unidade federativa no sentido de
honrar tais dívidas.
É evidente a obrigação constitucional quanto aos precatórios
(...) mas também é inegável, tal como demonstrado, que o
Estado encontra-se sujeito a um quadro de múltiplas obrigações
de idêntica hierarquia. 69
Afirma ainda o magistrado, que a medida interventiva, se requerida, violaria o
princípio da proporcionalidade. Em primeiro na mediada proporcionalidade-adequação,
posto que, decretado o remédio constitucional, o interventor nomeado para executá-lo
estaria limitado aos mesmos poderes que o Governador, e, dessa forma, não poderia
68
CARVALHO FILHO. op. cit. pág 45 69
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de Andrade e outros;
Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min. Marco Aurélio. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-stf> Acessado em 01
de abril de 2013
66
dispor das finanças estaduais de maneira diversa; entendimento este compartilhado por
Ricardo Lewandowski quando do julgamento da IF nº 5101-RS. Em segundo,
desrespeita a proporcionalidade-exigibilidade, pois que afastar um representante político
democraticamente eleito e substituí-lo por um interventor que gozará dos mesmos
poderes representa medida ineficaz e, portanto, ineficaz. Por fim, no tocante à
proporcionalidade em sentido estrito, afirma Gilmar Mendes que a medida interventiva
é medida de excepcional, e que sua decretação envolve a violação de inúmeros
princípios constitucionais, em especial o princípio federativo e da isonomia entre os
entes federados. A decisão das ações de Intervenção Federal nº 2915 e 2953, tornou-se,
então, jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal.
Novamente, dada maxima vênia, entende-se não ser este entendimento mais
adequado. Como bem salientou o próprio Min. Gilmar Mendes, a obrigação
constitucional de saldar os precatórios é inegável, como também as complexas
atribuições que lhe cabem e, dessa forma, dado que os recursos à disposição são
limitados, decorre conflito entre ambos. Nisso não há que se discordar. Entretanto
imprescindível tecer-se considerações acerca do raciocínio do ilustre jurista acerca da
violação do princípio da proporcionalidade.
Em primeiro, afirma o ministro que a intervenção não se revela adequada à
situação, pois o interventor estaria restrito os mesmos poderes do Governador de
Estado. Todavia, a Constituição Federal estabelece no inciso V de seu artigo 34, como
pressuposto material da intervenção a desorganização financeira do Estado que deixar,
infundadamente, de pagar a dívida fundada ou de efetuar as transferências financeiras
constitucionais aos Municípios. Nessa hipótese, se necessário, nomear-se-á um
interventor, o qual estará limitado tanto pelas mesmas normas legais que limitariam o
interventor nomeado quando da requisição pela Corte Constitucional, e lhe caberá, da
mesma forma, reorganizar as finanças públicas estaduais. Pela analogia, também esta
medida seria deveras ineficaz, e, portanto, inadequada.
Em segundo, no tocante à proporção-exigibilidade, há que se considerar tratar-se
de uma medida extrema, sim, mas uma medida eleita politicamente como uma medida
eficaz, quando da Assembleia Nacional Constituinte. Quando do momento da confecção
da Constituição vigente, os representantes do povo, cônscios de que, na esteira do
próprio Gilmar Mendes, todo direitos pressupõe um custo, se faz necessário aos
Estados, dadas suas competências, a necessidade premente de manter equilíbrio
67
financeiro. Aqui se entende incluído o pagamento dos precatórios, para o qual, inclusive
a Constituição estabeleceu prazo para saldar as dívidas existentes quando de sua
promulgação e um modo alternativo, a emissão de títulos da dívida, os quais
permitiriam aos credores sua negociação em mercados. Dessa forma, por expressa
previsão constitucional, se entende exigível a medida, dado que a Lei maior a
estabeleceu exatamente porque o equilíbrio financeiro e o adimplemento das dívidas do
Poder Público são necessários à própria consecução de sua razão.
Nesse sentido, oportuno trazer à baila manifestação do Min. Marco Aurélio
quando do julgamento da IF 5114-RS:
Mas, Excelência, eu não vou me demorar, quero apenas
dizer que, quando se desonra um precatório, quando se
incide em inadimplência em matéria de precatório, a
despeito da ordem ou da decisão judicial, quantos
princípios constitucionais não são desrespeitados? 70
Não se quer, aqui, se dizer que direitos fundamentais como a educação e a saúde
devam ser postos de lado e devam ser pagos os precatórios com preferência sobre todos
os demais direitos. Ocorre que, se por um lado é exigível que direitos fundamentais –
rol em que se encontra o direito de perceber os créditos devidos a título de precatórios –
considerados em âmbito social, sejam postos me primeiro plano, de outro lado também
há que se considerar que a inadimplência institucionalizada por parte do Poder Público
transgride os princípios fundantes do ordenamento pátrio tanto quanto a inexecução dos
aludidos serviços públicos essenciais.
Por fim, no que tange à proporcionalidade em sentido estrito, pela mesma via,
entende-se que a intervenção viola importantes princípios do ordenamento. Contudo, o
próprio ordenamento o prescreveu, admitindo a violação aos princípios federativo,
isonômico, entre outros, em hipóteses de grave instabilidade institucional. Nessa seara,
há que se convir ser o endividamento dos entes estaduais, no que toca aos precatórios,
situação que compromete a integridade dos princípios jurídicos que sustentam o Estado
brasileiro, posto que, segundo notícia do jornal Valor Econômico de 08 de abril de
70
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 5114-RS. Relator: Min. Gilmar Mendes
> Acessado em 31 de março de 2013
68
2013, o Conselho Nacional de Justiça calculou o montante devido em precatórios pelos
Estados e Municípios na astronômica cifra de aproximadamente R$ 94 (noventa e
quatro) bilhões de reais ano primeiro semestre de 201271.
Há, ainda que se ressaltar uma importante questão atinente aos precatórios. O
ofício precatório constitui débito que o Poder Executivo, quando da formulação das leis
orçamentárias anuais, nomeadamente, a lei de diretrizes orçamentárias e a lei de
orçamento anual, deve incluir no campo atinente às despesas. Contudo, o art.4º e ss. da
lei 4.320/64, que estabelece as normas gerais de direito orçamentário, prescreve que
todas as receitas e despesas do Poder Público para o ano seguinte devem ser expostas
detalhadamente, com demonstrativo de origem das receitas. Ademais, quaisquer
emendas o projeto de lei orçamentária deverá especificar a dotação de receita que lhe
dará suporte. Observa-se, assim, que, quando do início do exercício financeiro, constará
no orçamento anual previsões de receitas para saldar os precatórios expedidos até 1º de
julho do exercício financeiro anterior e, portanto, o ente estará obrigado a realizá-la.
Assim, não podem os Estados se desincumbirem de realizar as despesas atinentes aos
precatórios ao alegar o cumprimento da obrigação, na medida em que efetuaram a
inscrição do débito, como disposto no art. 100, §5º da Constituição Federal, não tendo,
contudo efetuado o pagamento por falta de recursos financeiros.
Se aos Estados não houve adequada dotação orçamentária, cabe ser
encaminhada, pelo Governador de Estado ou pelo interventor federal , de proposta de lei
de créditos suplementares, consoante art. 41, I da lei 4.320/64., considerando-se, sempre
o percentual de endividamento de cada Estado.
Por fim, apenas a concluir o debate, segue-se a esteira do próprio Congresso
Nacional ao instituir, por via de reforma constitucional, fundo financeiro para a quitação
de precatórios, havendo, notícias inclusive de redução de dívida por parte de alguns
entes federativos, como o Estado de São Paulo72.
71
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/101556-dividas-judiciais-de-cidades-e-estados-ja-passam-de-
r-90-bi.shtml> Acessada em 01 de abril de 2013
72 http://www.conjur.com.br/2013-mar-15/antonio-sandoval-filho-queda-emenda-constitucional-62-abre-
vacuo-legal. Acessada em 16 de março de 2013
69
O ilusório sistema da vinculação de percentual da receita líquida, a que já se fez
alusão, apresentava proposta inteligente ao estabelecer um fundo onde seriam
mensalmente depositados os percentuais estabelecidos. Esses fundos foram julgados
inconstitucionais por violarem a isonomia, através do pagamento de precatórios através
de leilão, bem como a vedação constitucional de vinculação de receitas.
Ora, a Constituição não veda a instituição de fundos pelos Estados, até mesmo
para que estes possam cumprir suas atribuições constitucionais. Assim, desta forma, aos
Estados caberia, se efetivamente comprometidos em saldar seus precatórios, instituir um
fundo financeiro, destinando valores periódicos a esta “conta especial” cuja finalidade é
o pagamento integral dos precatórios, sem se incorrer no odioso sistema de leilão ou em
nova moratória.
Nesta seara, considerando-se que o interventor possui os mesmo poderes que o
Governador do Estado, em tese, possuiria, é ele, enquanto durar a medida interventiva e
nos limites do decreto presidencial, competente para encaminhar propostas
orçamentárias e financeiras ao Poder Legislativo, de medidas de combate ao depósito
acumulado de precatórios, não se vislumbrando, aqui, quaisquer inconstitucionalidades,
quer pela decretação da intervenção federal, quer pela nomeação de interventor, quer
pela atividade política ou administrativa exercida por este.
70
6 CONCLUSÃO
Procurou-se demonstrar nesse trabalho as principais questões relacionadas ao
binômio Intervenção Federal-Precatórios, através de uma análise dos institutos a elas
relacionados, bem como a posição do Supremo Tribunal Federal, posto que lhe cabe,
como órgão jurisdicional máximo do país, a decisão sobre a intervenção alicerçada em
dívidas de precatórios, embora já se tenha que uma investigação exaustiva extrapolaria
os limites deste trabalho.
Percebe que a responsabilização do Estado, como corolário do Estado
Democrático de Direito, ainda que operem prerrogativas a favor da Fazenda Pública,
deve ser levada a cabo, construindo o ordenamento jurídico, a começar pela
Constituição, um sistema dentro do qual se opera a responsabilização e execução em
face de entidades constituintes da chamada Fazenda Pública.
A evolução legislativa, contudo, não se fez acompanhada de uma evolução
jurisprudencial do órgão jurisdicional máximo, posto que, este, na contra marcha de
diversos Tribunais de Justiça indefere o pedido, assentado na exigência de requisitos
que não constam na Lei Maior. Embora admita ser o pedido juridicamente possível,
posto que o precatório configura ordem judicial – materializando uma obrigação de dar,
o Tribunal Constitucional, mesmo recebendo uma avalanche de processos, afirma da
impossibilidade dos Estados de honrarem seus compromissos financeiros e, bastando
que se mostrem diligentes na busca pela solução deste problema, estará afastada a
aplicabilidade da intervenção.
Urge seja tomada uma nova postura perante o quadro de inadimplência estadual.
Em um país em que houve tanta repercussão as Emendas Constitucionais que tendiam a
imortalizar a inadimplência pública, que se opere uma revisão acerca do funcionamento
e destino das receitas públicas, bem como acerca do estoque de precatórios acumulados.
Mas, sobretudo, há que se reavaliar o papel que o STF pode vir a desempenhar nas
hipóteses de intervenção, como requerente de uma medida a quem não pode o
Presidente da República se esquivar, bem como aquele que fiscalizará os resultados
obtidos.
Afinal, como se noticia, alguns entes ao executarem medidas efetivas nessa
seara, sob a vigência de um sistema inconstitucional, vislumbraram decréscimos
71
significativos de sua dívida perante os particulares, inegável se afirmar que um sistema
correto, aproveitando-se da experiência do anterior, mas não incorrendo nos mesmos
erros, tende, assim, a apresentar melhores resultados.
É essencial que se rompa o círculo vicioso, não penas da inadimplência por parte
do Estado, mas também por parte da visão conservadora do Tribunal Constitucional,
posto existirem alternativas ao flagrante calote aplicado pelo Poder Público aos
administrados e, portanto, medidas de combate ao status quo caracterizando pelo
descaso dos Estados-membros da Federação, entendido incluso o Distrito Federal.
72
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BALEEIRO, Aliomar. Uma Introdução à Ciência das Finanças. 16ª Ed. rev. atual.
Rio de Janeiro. Editora Forense. 2004
BARROSO, Luís Roberto. A derrota da federação: o colapso financeiro dos estados
e municípios. In
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em
<www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acessada em 03 de
março de 2013
BRASIL. Constituição (1988), Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de
2013 Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 78 no Ato
das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao pagamento de precatórios
judiciários. Disponível em < Altera a redação do art. 100 da Constituição Federal e
acrescenta o art. 78 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, referente ao
pagamento de precatórios judiciários.> Acessado em 17 de março de 2013
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os arts. 100 e 156 da Constituição Federal e acrescenta os arts. 84, 85, 86, 87 e 88 ao
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BRASIL. Constituição (1988), Emenda Constitucional nº 69, de 09 de dezembro de
2009, Altera o art. 100 da Constituição Federal e acrescenta o art. 97 ao Ato das
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precatórios pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Disponível em
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Financeiro para elaboração e contrôle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados,
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BRASIL. Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, Proclama provisoriamente e
decreta como fórma de governo da Nação Brazileira a Republica Federativa, e
73
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Pertence. Disponível <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/745163/intervencao-
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 693-SP Partes: Wilson
Roberto Wenzel; Estado de São Paulo. Relator: Min. Maurício Corrêa. 19 de novembro
de 2003 Disponível em <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/769865/agregna-
intervencao-federal-if-agr-693-sp-stf> Acessado em 31 de março de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 762-SP Partes: COINPA
- Cozinha Paulista LTDA; Estado de São Paulo Relator: Min. Cezar Peluso.29 de março
de 2012 Disponível em < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21535329/agreg-
na-intervencao-federal-if-762-sp-stf> Acessado em 31 de março de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 4211-RS Partes: Zuleika
Therezinha Terra Ferreira; Estado do Rio Grande do Sul. Relator o Min. Maurício
Correa. 24 de março de 2004. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14742700/agregna-intervencao-federal-if-
4211-rs-stf> Acessado em 31 de março de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 2915-SP Partes: Nair de
Andrade e outros; Estado de São Paulo. de 02 de fevereiro de 2003. Relator: Min.
Marco Aurélio. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/771860/intervencao-federal-if-2915-sp-
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Nuria Hidalga Crespo e outros; Estado do Rio Grande do Sul. de 28 de março de 2012
Relator: Min. Cezar Peluso. Disponível em
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/22869961/intervencao-federal-if-5101-rs-
stf> Acessado em 31 de março de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Intervenção Federal nº 5114-RS. Relator: Min.
Gilmar Mendes > Acessado em 31 de março de 2013
74
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Sumula n.º 655. A exceção prevista no art.
100, caput, da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia,
não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da
observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações
de outra natureza. Disponível em
<http://www.dji.com.br/normas_inferiores/regimento_interno_e_sumula_stf/stf_0655.ht
m> Acessada em 27 de março de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RECURSO ESPECIAL Nº 1.096.345 – RS
(2008/0220526-9), relator: Min. Benedito Gonçalves; Disponível em <
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6070356/recurso-especial-resp-1096345-rs-
2008-0220526-9-stj> Acessado em 02 de abril de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 960.026 -
SC (2007/0134345-9), de relator: Min. Mauro Campbel Marques
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14321519/agravo-regimental-no-recurso-
especial-agrg-no-resp-960026-sc-2007-0134345-9-stj/inteiro-teor> Acessado em 02 de
abril de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4357-DF, Relator: Min. Carlos Ayres
Britto. Disponível em
<http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4357
&processo=4357> Acessado em 02 de abril de 2013
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 4425-DF, Relator: Min. Carlos Ayres
Britto. Disponível em <
http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=4357
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OLIVEIRA, Regos Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª Ed. rev. atual. São
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª Ed.
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DIDIER JR, Fredie. et al. Curso de Direito Processual Civil. v. 5. Salvador. Editora
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LEWANDOWSKI. Enrique Ricardo. Pressupostos Formais e Materiais da
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27ª Ed. rev.
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75
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TEODORO, Rafael. Sobre os “Estados Unidos do Brasil”: ensaio sobre a origem
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WEISS, Fernando Lemme. Princípios Tributários e Financeiros. Rio de Janeiro.
Lumen Juris. 2006
76
ANEXO A - Erick Wilson Pereira: Fim da EC 62 é só o começo de debate sobre
precatórios*
Agora que a questionada Emenda Constitucional 62/2009, conhecida como Emenda do Calote dos
Precatórios ruiu, é de se perguntar por quais razões seus efeitos não foram discutidos e suspensos tão
logo ela foi promulgada.
Se as regras relativas aos precatórios contidas na Constituição de 1988 eram já reputadas como
francamente inconstitucionais, por que instituir “outro regime perverso”, como bem rotulou a
ministra Rosa Weber, em vez de buscar soluções mais adequadas e condizentes com os princípios e
direitos constitucionais?
Com as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal acerca das duas ADIs que questionavam a
PEC 62/2009, direitos individuais foram reafirmados e o seu prato na balança foi reequilibrado com
o do poder público. O pagamento imediato previsto na regra original foi resgatado em detrimento do
prazo de até 15 anos para liquidação das dívidas públicas constituídas em precatórios – parcelamento
sinônimo de moratória violadora dos direitos dos cidadãos, ainda mais quando se estabelecia o
índice da caderneta de poupança como taxa de correção monetária, claramente insuficiente para
recompor perdas inflacionárias.
Regras de compensação de créditos, a exemplo da negociação de parcela dos débitos do poder
público em leilões ou mediante acordos diretos com os credores, foram abolidas. Vedou-se, assim,
prática antijurídica equivalente a autorização à inadimplência ou ao perdão parcial da dívida do
devedor, a par do incentivo à barganha em vista da falta de perspectiva de realização de um direito
líquido e certo, reconhecido por sentença judicial.
Na apreciação do ministro Luiz Fux, o critério do leilão comporta “completa inversão da ordem
natural das coisas”, além de violar os princípios da igualdade entre os cidadãos, da impessoalidade e
da moralidade administrativa.
A preferência válida para quem teria 60 anos "na data de expedição do precatório" passou a se
estender a quem tiver mais do que essa idade quando for receber o valor de direito, numa
homenagem à isonomia, à dignidade da pessoa humana e ao princípio da proteção aos idosos. Os
mais prejudicados com as distorções no pagamento dos precatórios são os velhos, que formam
parcela significativa da nossa população — já somam 24 milhões — e se encontram em situação de
vulnerabilidade, devendo merecer proteção especial do Estado.
A própria expectativa de vida reduzida inerente aos idosos já restringe as chances da realização
eficaz das decisões judiciais, quando ocorrem, antes de virem a falecer. A decisão da Suprema Corte
brasileira, mais do que justa e preservadora de cláusulas pétreas e princípios constitucionais,
dignificou o inverno da vida fazendo preponderar a proteção ao idoso sobre o interesse estatal.
O momento presente impõe a conveniência de não deixar as novas regras à larga, na dependência de
casuísmos ou protestos de um poder público que ainda administra mal ou cria disparidades nos
gastos, priorizando áreas de menor relevância — a exemplo da publicidade e das ajudas externas, em
detrimento de outras que afetam diretamente seus cidadãos. A discussão de um regime regulatório
77
que comporte estratégias e fórmulas inovadoras para a quitação de dívidas do Poder Público que já
somam quase R$ 100 bilhões em precatórios, a exemplo da federalização dos débitos e negociação
de títulos da dívida pública no mercado financeiro, tem que ser urgentemente traduzida em
resultados concretos lastreados pela eficiência administrativa e pelo respeito às normas do Estado de
Direito.
Faz-se indispensável, para o aperfeiçoamento dos pressupostos de um Estado que se pretenda
Democrático de Direito, que o Congresso Nacional, a União e o Judiciário se obriguem a debater e
achar soluções que não mais atentem contra os direitos humanos, a igualdade entre os cidadãos, a
garantia do livre e eficaz acesso à Justiça, a independência entre os três poderes, a proteção da coisa
julgada, a duração razoável do processo e a autoridade das decisões judiciais.
* texto publicado no site: <http://www.conjur.com.br/2013-mar-26/erick-pereira-fim-
emenda-62-comeco-debate-precatorios> em 26 de março de 2010
78
ANEXO B – FLÁVIO FERREIRADE SÃO PAULO:
DÍVIDAS JUDICIAIS DE CIDADES E ESTADOS JÁ PASSAM DE R$ 90 BI
Milhares de servidores e vítimas de desapropriações esperam muitos anos pelo
pagamento de precatórios
Para não quebrar os Estados, Supremo pode modular abrangência da decisão que
ordenou pagamento em um ano
"Ainda bem que Deus não quis me levar até agora", diz a dona de casa Isaura Soares de
Siqueira, 90, ao falar sobre a espera de mais de 26 anos para receber o dinheiro que o
governo estadual deve a ela após a Justiça reconhecer uma diferença salarial devida ao
marido já morto.
O marido, um policial militar, havia pedido ao Judiciário o pagamento de um adicional
previsto na lei. A notícia da vitória na ação chegou à casa de Isaura no dia do enterro
dele. Agora, ela e seus nove filhos aguardam o pagamento que, com correções, já passa
de R$ 700 mil.
"Quando receber, vou pagar a operação no joelho da minha filha que sofre de artrite e
vou ajudar meus filhos que ainda têm que pagar aluguel", conta a dona de casa.
A situação de Isaura também é vivida por milhares de funcionários públicos e
pensionistas que ganharam na Justiça, tiveram seus créditos formalizados nos títulos
chamados de precatórios, mas ainda não levaram.
Segundo Tribunais de Justiça consultados pela Folha, servidores que não receberam as
verbas salariais previstas em lei formam o maior número de titulares de precatórios no
país. Outro grupo relevante é o de donos de terrenos desapropriados que não aceitaram
o valor pago pelo Poder Público.
O fato de muitos governantes terem ignorado a máxima de que "decisão judicial não se
discute, cumpre-se" levou Estados, municípios e autarquias a acumularem dívidas que já
somam mais de R$ 90 bilhões, segundo o Conselho Nacional de Justiça.
Como esse passivo já era altíssimo em 2009, o Congresso aprovou a Emenda 62, que
autorizou o parcelamento dessas dívidas em até 15 anos.
Porém, no último dia 14 o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional
essa permissão. Com isso, vai voltar a valer regra anterior, que estipulava o prazo de um
ano para pagamento.
A decisão preocupa Estados, municípios e autarquias que têm dívidas muito altas em
relação à receita líquida anual. Se a conta vier para quitação em um ano, suas políticas
públicas e investimentos ficarão comprometidos.
A Folha fez um levantamento nas contas das unidades da Federação e apurou que a
situação de endividamento com os precatórios é grave em vários locais. No Distrito
Federal, por exemplo, chega a quase 30% da receita corrente.
79
"A sociedade de cada Estado e município deveria investigar quando seus governantes
tomaram a decisão política de parar de pagar em dia os precatórios e deixaram que
grandes passivos fossem acumulados", diz o procurador-geral do município de São
Paulo, Celso Coccaro.
Coccaro cuida do passivo de precatórios de mais de R$ 17 bilhões da prefeitura
paulistana, que praticamente empata com a dívida do Estado de São Paulo. O valor
equivale a 56% da receita líquida da cidade em 2012. "O passivo é equivalente a quatro
anos de investimentos da prefeitura", diz Coccaro.
O respiro para as administrações pode vir do próprio STF. É que o ministro relator da
ação contra os parcelamentos, Luiz Fux, vai propor uma discussão sobre a abrangência
da decisão.
O STF poderá decidir, por exemplo, que as dívidas anteriores ao julgamento ainda
poderão ser parceladas, por algum período, e a regra da quitação em um ano vai valer
para os novos precatórios.
O tribunal poderá também declarar que algumas regras da Emenda 62 consideradas
positivas pelos credores poderão continuar vigorando.
A própria autora da ação contra os parcelamentos, a OAB (Ordem dos Advogados do
Brasil), deve sugerir ao STF alternativas para evitar o caos financeiro nos Estados.
A secção paulista da OAB já propõe que o STF dê prazo de cinco anos para o
pagamento de precatórios antigos.
80
ANEXO C- ANTÔNIO ROBERTO SANDOVAL FILHO: QUEDA DA EMENDA
CONSTITUCIONAL 62 ABRE VÁCUO LEGAL*
Em decisão soberana, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta quinta-feira (14/3),
considerar inconstitucional a Emenda Constitucional 62. É uma decisão importantíssima
para o país, especialmente para os credores alimentares. A decisão do STF foi motivada
por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela Ordem dos Advogados
do Brasil.
Ainda não é possível saber exatamente quais serão as consequências desse gesto do
Supremo. O que virá em seguida? Governadores e prefeitos serão obrigados a ampliar o
volume de recursos destinados aos pagamentos? Os credores serão de fato beneficiados
com a queda da EC 62?
Se prevalecer a regra anterior, os precatórios constituídos até 31 de julho de um
determinado ano deverão ser pagos, integralmente, até 31 de dezembro do ano seguinte.
Ou seja, o prazo máximo para o pagamento seria de 18 meses.
O Supremo deverá esclarecer esses e outros pontos da recente decisão em sessão futura,
a ser realizada em data ainda não definida. Até lá, o país viverá em uma espécie de
vácuo legal. Não se sabe o que será feito com os parcelamentos e os leilões que já foram
realizados ou que já estão programados.
Há dúvidas também em relação aos pagamentos já feitos em ordem crescente de valor.
Vai ser possível levantar os recursos financeiros que já foram depositados? Depois da
decisão do Supremo, o que vai acontecer com esses depósitos a partir de agora?
Os advogados de credores alimentares têm a expectativa de que a queda da Emenda 62
acelere o ritmo de pagamento dos precatórios. Mas, no Brasil, nem sempre uma decisão
positiva como esta do Supremo produz os efeitos esperados.
A despeito do caráter comprovadamente inconstitucional de que se revestiu a Emenda, o
fato é que este marco legal fixou um percentual da receita que deveria ser destinado por
estados e municípios ao pagamento dos precatórios. No caso do Estado de São Paulo,
esse percentual corresponde a 1,5% da recente corrente líquida. Quem não cumprisse a
exigência estaria sujeito a processos de intervenção federal.
O Estado de São Paulo cumpriu a lei e destinou esse percentual ao pagamento dos
credores, o que foi fundamental para reduzir o volume da dívida paulista com
precatórios, que caiu de R$ 19 bilhões em 2009 para R$ 15 bilhões em 2012.
Ou seja, a Emenda obrigou e os estados a reservar certo volume de recursos para os
credores. Antes disso, governadores e prefeitos agiam de acordo com os seus próprios
critérios. Pagavam quanto e quando queriam — sem que ninguém pudesse fazer nada.
Aprovada pelo Congresso Nacional em 2009, a Emenda 62 foi, com justiça, qualificada
como “calote oficial”, uma vez que permitiu aos estados e municípios o parcelamento
de seus débitos em 15 anos. Não foi a primeira vez que isso aconteceu. Outros
parcelamentos já tinham ocorrido antes da Emenda.
A EC 62 permitiu também a adoção de outra medida inconstitucional, o leilão reverso.
Governos e municípios poderiam fazer leilões nos quais os credores que concedessem
81
os deságios mais elevados teriam preferência e receberiam antes parte dos valores que
lhes coubessem.
Trata-se de um critério que usurpava direitos legítimos dos credores, conquistados
depois de longa batalha judicial. O deságio poderia atingir metade do crédito total
devido ao servidor, configurando uma clara violação de direitos reconhecidos
judicialmente em sentenças definitivas. A recente decisão da Suprema Corte acabou
com essa aberração.
E acabou também com outra medida absurda: a possibilidade de usar os créditos
judiciais para o pagamento de tributos, o que abriria um balcão de negócios, cujas
vítimas seriam, mais uma vez, os credores.
A expectativa de muitos é que a decisão do Supremo acabe de vez com o calote e com
as tentativas de prejudicar os credores. A queda da Emenda 62 não pode servir para uma
volta ao passado, em que governadores e prefeitos faziam e desfaziam dos credores e
nenhuma satisfação deviam à sociedade e ao Poder Judiciário.
A preocupação remanescente é que a decisão do Supremo, positiva em muitos aspectos,
acabe por paralisar os pagamentos, travando um processo que de alguma maneira estava
funcionando. Outra preocupação é quanto ao regime que irá vigorar a partir de agora.
Como não cabe ao Poder Judiciário o papel de legislar sobre qualquer assunto, o país
entra agora em um período de vácuo legal, marcado pelo desconhecimento coletivo
quanto às consequências da decisão da Suprema Corte. Esperamos que esta fase seja
superada em breve, em benefício da lei e da Justiça. O momento é de avançar na
solução definitiva da questão dos precatórios alimentares.
texto publicado no site: < http://www.conjur.com.br/2013-mar-15/antonio-
sandoval-filho-queda-emenda-constitucional-62-abre-vacuo-legal> em 15 de
março de 2013