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INTERNACIONALIZAÇÃO E DESAFIOS PARA AS PRÁTICAS DE ENSINAR
E APRENDER EM TEMPOS DE DEMOCRATIZAÇÃO ACADÊMICA
O mundo globalizado tem tido repercussões importantes nas formas de produzir e
distribuir conhecimentos. A revolução tecnológica, que impactou a circulação de
informações e conhecimentos, estabeleceu parâmetros inimagináveis de interação
humana. Certamente estas relações não estão imunes às hierarquias de poder que
mediam o planeta globalizado. Há o reconhecimento, porém, de que o conhecimento
robusteceu a sua condição de referência para o desenvolvimento, estimulando politicas
publicas dos diferentes países a se abrirem para formas diversas de internacionalização.
Na perspectiva macro, essa condição envolve recursos e uma agenda propositiva
governamental. Na perspectiva micro atinge os sistemas de ensino e, no caso dos
estudos deste painel, as universidades. Apostando no valor da diversidade e da diferença
como elementos positivos, a mobilidade estudantil e de professores rumo ao estrangeiro
tem feito parte da agenda das Instituições. Se essa oportunidade já é reconhecida como
favorecedora de um capital cultural para os beneficiados, pouco, ainda, se investiga o
impacto dessa mobilidade na qualidade acadêmica, onde o ensino e a aprendizagem
assumem papel de destaque, inclusive com repercussões curriculares. Os textos que
compõem esse Painel procuram explorar essa dimensão. O primeiro ouve estudantes
que participaram do Programa Ciências sem Fronteiras e analisa, com fundamentos
teóricos, as motivações, aprendizagens, as metodologias de ensino, os desafios e os
impasses vividos na experiência em questão. O segundo texto houve alunos brasileiros
que realizam estudos na área da educação da Universidade do Porto, Portugal. Discute a
condição de estrangeiro sob a perspectiva da diferença. O terceiro explora a experiência
de docentes do Brasil que estiveram atuando em dois países africanos, também na área
da educação, que resignificam sua docência em espaços para eles ainda inéditos
exigentes. O objetivo do painel é problematizar como a internacionalização vai se
constituindo num fenômeno interferente nas práticas de ensinar e aprender na educação
superior.
Palavras - chave: Internacionalização – Processos de ensinar e aprender – Qualidade
acadêmica.
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INTERNACIONALIZAÇÃO E DEMOCRATIZAÇÃO DO ENSINO SUPERIOR:
DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS PARA A DIDÁTICA?
Maria Isabel da Cunha – UNISINOS/UFPel
Maria Janine Raschke – ULBRA/Campus Gravataí
Resumo
O texto decorre de uma investigação que procura compreender o impacto da
internacionalização nos processos de ensinar e aprender na universidade e sua relação
com as políticas de democratização da educação superior no Brasil. A
internacionalização, atingida por estas perspectivas, significou um forte impacto na
educação superior em todos os países. Toma dados de estudantes que participaram do
Programa Ciências sem Fronteiras para compreender suas motivações, aprendizagens e
desafios. Analisa o contexto em que foi implementado o Programa Ciências sem
Fronteiras e seu significado para os estudantes de graduação. De certa forma, como
política pública, se dispõem a ultrapassar a dimensão particular dos sujeitos e prever
ganhos para toda a sociedade produtiva. Nesse sentido a internacionalização pode
redundar em democratização, através do acesso a tecnologias que respondam ao
interesse da maioria da população. Ou pode, apenas, estar a serviço dos grandes
empreendedores e do mundo capitalista que concentra recursos intelectuais e
econômicos. Explora, em especial as questões ligadas aos processos de ensinar e
aprender, com repercussões e interpelações para o campo da didática do ensino superior.
Os dados indicam que os estudantes brasileiros encontram diferenças nos formatos
curriculares e nas práticas acadêmicas. Baseados nas competências, os currículos, no
exterior, valorizam as atividades autônomas dos alunos e seu protagonismo,
diferentemente da cultura brasileira, que ainda muito estimula a aula presencial e a
diretividade do professor. O estudo discute teoricamente os impasses e efeitos de
programas de mobilidade acadêmica com aportes de Sousa Santos, Spears, Knigth e
Popkewitz.
Palavras-chave: Educação superior - Mobilidade estudantil - Didática
Os anos 90 revelaram uma mudança nas relações políticas mundiais com a
simbólica queda do Muro de Berlim e a ascensão do neoliberalismo como solução
universal para a economia mundial. Organismos supranacionais, como o Banco
Mundial, adquiriram força no cenário econômico, acirrando as relações de dependência
entre os países ricos e pobres.
A internacionalização, atingida por estas perspectivas, significou um forte
impacto na educação superior em todos os países. Assumiu uma nova roupagem,
pressupondo que o conhecimento se traduz em mercadoria e faz a mais valia daqueles
que o possuem, dando-lhes o direito de definir seus rumos.
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O mundo se globalizava e nenhum país será mais uma ilha. A interdependência
foi reconhecida como inevitável. Mas estava dada a necessidade de um equilíbrio de
forças e uma troca de expectativas e insumos, sejam materiais, sejam intelectuais. Nessa
perspectiva, a internacionalização terá de assumir um papel de respeito mútuo e de
maior solidariedade, porque foi reconhecida a interdependência planetária, onde o
equilíbrio ecológico afeta a todos e, por sua vez, depende de um desenvolvimento
sustentável para o mundo. Certamente esse reconhecimento não significa menos
acirramento nas relações de poder; entretanto são mais controladas as suas repercussões
e mais visíveis seus impactos. As tecnologias de comunicação vêm desempenhando um
importante papel e favorecendo um possível equilíbrio que regule os excessos.
Infelizmente as disputas de poder continuam acirradas e as guerras étnicas se fundam
em interesses econômicos.
O esforço da ciência precisa estar a serviço da qualidade de vida para todos. Esse
deve ser o intuito da internacionalização, quando compreendida com base na
solidariedade. Estaremos, no Brasil, assumindo essa condição?
A mobilidade estudantil no contexto da internacionalização
Certamente a internacionalização se concretiza por diferentes modalidades. Os
estudos comparados têm sido importante instrumento para explicitar os movimentos que
relacionam experiências, políticas e práticas entre contextos, envolvendo diversos
países. Popkewitz (2013) tem afirmado que a principal contribuição dos estudos de
educação comparada precisa estar situado em um campo amplo que leva em conta as
mudanças internacionais e globais. O autor defende, como Sousa Santos (2004), a noção
de cosmopolitismo, por este estar no cerne da educação. Para o autor Popkewitz (2013,
p. 468), “Na tradição do Iluminismo norte-europeu, o cosmopolitismo inclui a tese
radical sobre a ação, participação e ciência como projeto de emancipação da
humanidade”. Neste contexto, lembra que “o sujeito iluminado acredita na aplicação da
razão e da racionalidade para dirigir as mudanças, e na melhoria e no progresso da
sociedade que respeita a diversidade, a hospitalidade e a compaixão pelos outros”
Popkewitz (2013, p. 468). Reconhece, pois, a educação como fator inserido em
processos de globalização desde e durante o século XIX, até hoje.
Teria a educação um papel a jogar nesse cenário? Que políticas poderiam
acionar maior equilíbrio de desenvolvimento e solidariedade entre as nações?
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Numa visão iluminista se pode dizer que o incentivo a programas de mobilidade
estudantil se inserem nesse contexto como um aliado?
Tendo como cenário a última década, é possível afirmar que se registra um
movimento estatal no Brasil nunca antes presenciado, que favorece a mobilidade
estudantil, especialmente para países desenvolvidos. O intercâmbio tornou-se num
assunto de interesse estratégico bilateral, tanto para o Brasil, como para os países
europeus e americanos, especialmente. Spears (2014, p. 152) lembra que:
O intercâmbio cultural ganhou um tom diferente daquele dominado pelo
desenvolvimento da língua estrangeira e de enriquecimento cultural e passou
a objetivar a preparação de jovens para uma economia globalmente
competitiva, orientada pelas áreas estratégias de ciência, tecnologia,
engenharia e matemática.
Esta nova condição foi responsável pela criação do Programa Ciências sem
Fronteiras criado pela Presidenta Dilma Roussef e apresentado ao governo norte-
americano em abril de 2012. Desde então, com o acolhimento havido, expandiu o
interesse para diversos países reconhecidos pelo desenvolvimento em ciência e
tecnologia.
Atualmente o Brasil já enviou aproximadamente cento um mil e quatrocentos e
quarenta e seis (101.446) estudantes no contexto do Programa. Trata-se de um
Programa que teve o objetivo de distribuir bolsas de estudos em 23 países no exterior,
em centenas de instituições de ensino superior. O foco da concessão de bolsas foi no
nível de graduação, que representou 78% do total da primeira fase, de 2012 a 2014. O
CsF foi oficialmente lançado através do Decreto 7.642, de 13 de dezembro de 2011,
portanto os primeiros contemplados viajaram já em 2012.
O reconhecimento de valorização que os estudantes dão a essa oportunidade é
visível pelo fluxo de interessados que a ela acorrem. A possibilidade de uma experiência
de estudo em uma universidade estrangeira impacta significativamente a trajetória
formativa desses jovens e se constitui numa condição de crescimento pessoal e
profissional; trata-se de um poderoso dispositivo de formação.
Entretanto, é preciso ficar alerta, como afirma Spears (2014, p. 158) que “a
capacidade altruísta é mediada por um conjunto de interesses nacionais e locais que se
originam no governo federal para as universidades”, impactando a dinâmica interna das
políticas acadêmicas. O interesse do país não se localiza somente na transformação dos
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estudantes que tem a oportunidade de estudar no exterior. Mas faz parte de medidas que
visam impulsionar a economia do país, através das pesquisas na área da ciência e
tecnologia e que possam ter impactos na indústria e produção local.
De certa forma, como política pública, se dispõem a ultrapassar a dimensão
particular dos sujeitos e prever ganhos para toda a sociedade produtiva. Nesse sentido a
internacionalização pode redundar em democratização, através do acesso a tecnologias
que respondam ao interesse da maioria da população. Ou pode, apenas, estar a serviço
dos grandes empreendedores e do mundo capitalista que concentra recursos intelectuais
e econômicos.
Ao tomar a perspectiva da democratização, não pode haver um silenciamento
sobre a crítica da exclusão das ciências sociais, humanidades e artes do Programa CsF.
A percepção que subjaz a essa política dicotomiza a ciência, desconhecendo que as
humanidades fortalecem o capital social nas suas múltiplas formas. Além disso,
hierarquizam saberes numa escala de importância, com repercussões significativas na
cultura das instituições universitárias.
Essas considerações estimularam o estudo aqui descrito. Desenhado o cenário do
Programa CsF, consideramos importante conhecer como os estudantes, por ele
beneficiados, manifestam suas aprendizagens e perspectivas. Especialmente focamos,
nesse texto, o impacto das experiências de ensinar e aprender que podem estar
interpelando o campo da didática.
Assumimos a importância formativa do Programa, mas questionamos o seu
potencial para impactar em geral, a qualidade da educação superior. Que repercussões
tem havido na Universidade? O que aprendem os estudantes? Como percebem as
experiências de ensinar e aprender que viveram no exterior? Qual o valor dado à
internacionalização como elemento de qualificação da educação superior? Que
sugestões dariam para aperfeiçoar o Programa a nível estatal e institucional? Como vem
sendo potencializado o capital cultural que acumulam nessa experiência? Como pensam
que o Brasil pode se beneficiar com este investimento?
Relatando o estudo
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Para desenvolver a investigação selecionamos algumas universidades que
aderiram ao Programa CsF, tanto de natureza pública como privada comunitária,
representando Estados do sul e do norte do país.
A organização do estudo incentivou a definição de dois públicos preferenciais:
os gestores universitários, especialmente aqueles que se envolvem com o Programa CsF
e os estudantes que usufruíram dessa oportunidade.
Com os gestores foram feitas entrevistas semiestruturadas em sua maioria
presenciais e com os estudantes foram aplicados questionários com perguntas abertas on
line. Numa segunda etapa, alguns estudantes, que se dispuseram, foram convidados a
dar o seu depoimento pessoal para a equipe de investigadores.
Ao todo foram ouvidos gestores de duas Instituições e 39 alunos das mesmas
IES. Também foi feita uma análise dos documentos reguladores do Programa, tanto a
nível federal como institucional. Mas o maior interesse foi compreender os movimentos
desencadeados em torno de tão importante investimento na qualidade da educação
superior.
Os estudantes beneficiados pelo CSF: aprendizagens e desafios
Com o intuito de organizar os dados coletados foi produzido um quadro-síntese
que usaremos como referente para análise dos achados entre os estudantes. Seguindo o
roteiro da entrevista, organizamos os dados em sete dimensões: (1) Motivações; (2)
Condições de estudo; (3) Currículo; (4) Metodologia; (5) Relação professor e aluno;
(6) Aprendizagens e desafios; (7) Internacionalização.
Motivações dos estudantes para aderir ao Programa Ciência sem Fronteiras
A mobilidade estudantil tem sido uma especial forma de internacionalização da
educação superior no Brasil e foi interessante perceber quais fatores movem os
estudantes que realizam o Programa.
Pela característica singular e subjetiva que acompanha a vida do ser humano, os
estudantes protagonistas deste estudo, afirmaram que suas motivações decorrem de
diferentes aspectos, mencionando, principalmente o desejo de ampliação das suas
aprendizagens; o interesse em qualificar seus curriculum-vitae; ter mais chances frente
ao mercado de trabalho; desenvolver uma condição de multiculturalismo, bem como
suas habilidades pessoais para viver e estudar no exterior. “A saída do Brasil
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proporciona uma melhor visualização do mercado de trabalho como empreendedor
procuro ver oportunidades pioneiras para aplicação em nosso país” (China).
Foi possível perceber que justificando a ampliação de suas aprendizagens,
mencionavam o desafio de aprender mais e com alguma exclusividade, colocando-se
num patamar diferenciado, em relação ao conhecimento. Reconhecem que a
aprendizagem ao longo da vida tem se tornado uma condição vital. Parecem
demonstrar, com esse interesse, um compromisso pessoal com a própria formação
profissional.
Certamente também estão com os olhos voltados para o futuro, querendo
ampliar o currículo e alcançar diferenciais que o intercâmbio favorece. Percebem um
futuro próximo direcionado para o mercado de trabalho. Por certo, a internacionalização
traz possibilidades de dar sentido aos currículos objetivando ampliar seus
conhecimentos no exterior através da aquisição de novos saberes, novas aprendizagens e
habilidades. “Sempre tive interesse em conhecer o funcionamento e o método de ensino
das instituições europeias. Vi no intercâmbio a oportunidade de viajar e conhecer
obras arquitetônicas que eu só havia estudado” (Itália).
Porém, vale ressaltar o compromisso de ressignificá-los para uma vida
profissional comprometida com mudanças sociais da realidade local e global que os
envolvem. Afirmam crer que o estágio dentro de algumas empresas, consideradas
importante mundialmente, pode lhes dar mais oportunidades junto ao mercado de
trabalho e antevêm um contexto competitivo. Alguns perceberam essa cultura na
própria universidade onde estiveram e esta condição os chocou um pouco. “A questão
de estudo, lá eles são estranhos; fazem os alunos competirem entre si” (Coréia do Sul).
Nossos interlocutores enfatizaram que acreditam que a internacionalização de
seus estudos representa um peso valorativo para a vida acadêmica e profissional, numa
perspectiva positiva. Estudar em outros espaços; conviver com professores de diferentes
países; vivenciar novas experiências, outras maneiras de aprender e fazer são
possibilidades de alargar o campo formativo da área de estudos de que escolheram.
Mas, entre os motivos que os entusiasmaram para participar do CsF, apareceu,
também, o desejo de uma convivência multicultural, com pessoas de outras
nacionalidades. Entendem que o Programa se constitui numa porta para o conhecimento
do outro e sua cultura. Sair de sua zona de conforto era um desafio e a convivência em
outro país oportunizou um olhar sobre si mesmo, mas também para o outro, percebendo
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que o novo e o diferente favorecem a possibilidade de crescimento e amadurecimento
pessoal. “Pelo simples fato de eu ter ficado um ano fora, independente do país que eu
fosse... desenvolvi minha autonomia” e essa era uma aventura desejada.
Certamente a possibilidade de fazer um intercâmbio internacional, para um
jovem estudante, contribui para o desenvolvimento do conhecimento, das habilidades
dos valores internacionais multiculturais entre as nações. Knight (2012) alerta,
entretanto, que se não houver uma preparação que produza neles um compromisso com
o seu país, pode haver um conjunto de consequências não previstas, desde a fuga de
cérebros até a mercantilização da educação. Nos depoimentos de nossos estudantes, não
foi perceptível essa intenção ainda que alguns tenham manifestado ter motivações para
outras experiências internacionais, sempre que tiverem oportunidades.
Assim os estudantes em sua maioria relataram, também, que umas das
motivações de estudar fora do Brasil é a convivência com outras culturas, outras
realidades. É uma experiência muito enriquecedora não somente como profissional, mas
para a formação acadêmica e pessoal, proporcionando outra visão de mundo
Gráfico 1- Motivação
Fonte: Elaborado pelos autores
Condições de estudo
As condições de estudo dos países que os receberam estão relacionadas a sua
realidade socioeconômica e aos avanços e investimentos em tecnologias e
infraestruturas nas áreas de pesquisa e ensino.
Os depoimentos indicam que na maioria dos países centrais os estudantes não
trabalham enquanto estudam, ao contrário da realidade brasileira. São estudantes de
tempo integral, que aproveitam a vida no campus, participam dos seus diversos espaços
de aprendizagem e dedicam muito mais tempo aos estudos. Os brasileiros possuem
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outra lógica de organização do tempo acadêmico, custando um pouco para ser
compreendida a forma de preparo para os estudos, desenvolvida nos outros países.
Perceberam que foi um acréscimo a sua formação. Também tiveram dedicação integral
ao estudo durante o tempo que passaram no exterior.
“Aqui são pouquíssimas as pessoas que trabalham enquanto estudam;
então a universidade exige muito mais. No Brasil, além do meu estágio,
fazia pesquisa de iniciação científica e estudava de noite, e aqui "só"
fazendo faculdade, minhas horas de dedicação são muito mais intensas”.
(Holanda)
Os estudantes ficaram positivamente impressionados com a disponibilidade de
horários para explorar laboratórios e a estrutura da universidade. A possibilidade de
estudo com estes materiais e equipamentos favoreceu aprendizagens que, certamente
levariam tempo para serem constituídas nas universidades locais. “Muitas vezes
madruguei nas salas de estudos, ou nos laboratórios de computação da universidade.
Os laboratórios são muito mais bem equipados” (Estados Unidos).
Como apoio ao processo de aprendizado, encontramos relatos que indicaram a
presença de “monitores”, que são estudantes de mestrado e doutorado apoiadores dos
docentes, auxiliando os alunos na compreensão dos conteúdos. “Tínhamos TA's que são
os professores assistentes (estudantes de mestrado ou doutorado) que eram nossa
"monitoria". Eles sabiam muito da matéria!” (Estados Unidos). Esta é uma realidade
ainda rara no Brasil, porém de grande valia na visão dos estudantes.
Valorizaram as oportunidades de estágios, pesquisa e eventos de formação
complementar nas suas áreas de interesse. Mencionaram que estágios em empresas
qualificam-nos como futuros profissionais.
Outro estranhamento, vivido pelos estudantes brasileiros, refere-se ao ritual
acadêmico envolvendo metodologias diferentes das aplicadas no Brasil. Como muitos
estudantes, que daqui foram fazem parte do grupo de trabalhadores, o fato da dedicação
do estudo ser integral, os encantou. Por outro lado, logo perceberam que esta condição
de desdobrava em exigências de maior dedicação e autonomia para a realização de
tarefas.
Processos curriculares e metodológicos
Dado que nosso estudo tem o objetivo de analisar a internacionalização como
condição que qualifica o ensino universitário, provocamos os estudantes a relatarem os
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processos curriculares e metodológicos que encontraram nas IES em que
permaneceram.
É unânime a já explicitada condição de uma metodologia centrada na
aprendizagem e no protagonismo dos alunos. Nesse sentido, os currículos computam
como horas tanto as aulas presenciais, como o tempo que o aluno, de forma monitorada
pelas atividades propostas, dedica à sua aprendizagem.
Dependendo do país, pode haver variações nestas experiências. É interessante
ver o argumento de um estudante nesse sentido: “No Brasil o engenheiro deve se formar
para construir prédios, pontes... na Itália tudo já está construído e o graduando deverá
se empenhar na manutenção ou em algo totalmente novo. Para isso, os conhecimentos
de base são fundamentais”. (Itália)
Alguns viveram experiências curriculares que valorizaram, por exemplo, mais
aulas por dia, mas com intervalos entre elas para os estudantes se organizarem para as
inúmeras tarefas propostas pelos professores. “Muitas leituras e um bom número de
exercícios eram comuns para nós... Em geral não se espera que o aluno participe
ativamente na aula; sua atuação se dará depois, no trabalho independente”
(Alemanha).
Ainda que haja algumas críticas a este deslocamento do ensino para a
aprendizagem, parece ser esta uma tendência forte nos países para onde nossos alunos
se dirigirem. Certamente tem a ver com a disponibilidade nas bases informatizadas e na
imprevisibilidade de maior estabilidade do conhecimento. Os estudantes precisam, já na
graduação, desenvolver habilidades de estudo e autonomia intelectual. E os brasileiros
que fizeram este deslocamento estranham, pois ainda temos aqui o ensino presencial
como a principal perspectiva de percurso curricular. “Muitas vezes madruguei nas salas
de estudo e laboratórios de computação da universidade” (EEUU). “Lá os professores
dão “cases” a cada início da aula, sobre a matéria anterior, para serem resolvidos e
também é avaliada a participação do aluno” (EEUU). Certamente há aí uma concepção
de conhecimento e de aprendizagem, que repercute nas metodologias de ensinar e
aprender, inclusive nos saberes que os professores reconhecem para a docência.
Alguns estudantes afirmaram que, apesar das universidades (Inglaterra e EEUU)
terem muitos e equipados laboratórios, não é comum entender que a pesquisa é parte da
formação de graduação. Alguns dos participantes tiveram de insistir e mostrar que, no
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Brasil, essa inserção se pode fazer muito mais cedo e é desejável que isso aconteça.
Daí, quando aberta esta oportunidade, conviveram mais com colegas da pós-graduação.
Estágios fizeram parte da formação dos alunos brasileiros no exterior, como uma
experiência bastante valorizada. Nela afirmaram ter maiores condições de relacionar a
teoria à prática e vislumbrar temas para os seus Trabalhos de Conclusão de Cursos
(TCCs), envolvendo possíveis transferências e adaptações de tecnologias à realidade
brasileira.
É certo que o vivido pelos alunos é diverso. Depende do país, da universidade,
da carreira que cursam, das suas experiências prévias e tantos outros fatores. Dessa
forma são complexas as generalizações. Muitas vezes os depoimentos são contraditórios
e dependem das condições objetivas das experiências vividas. Entretanto, também se
encontram tendências e algumas regularidades; e esse é o objetivo do estudo aqui
desenvolvido. Ouvir para compreender o alcance de uma política onde a
internacionalização é um valor e um indicador de qualidade.
Gráfico 3: Currículo
Fonte: Elaborado pelos autores
Gráfico 4: Metodologia
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Fonte: Elaborado pelos autores
Interpelando o campo da Didática: as conclusões
O estudo favoreceu inferências e reflexões. São diversos os aspectos que, sendo
objeto de análise, podem contribuir com a Universidade e com o campo da pedagogia
universitária. Entre eles há de se explorar o possível impacto da internacionalização nos
processos acadêmicos de ensinar e aprender e, por conseguinte, no campo da didática
universitária.
A Reforma de Bolonha, como é conhecido o movimento decorrente da União
Europeia, vem trazendo provocações que, pouco a pouco, chegam ao território brasileiro
e sul americano. A necessidade de unificar currículos tendo em vista o reconhecimento
comum de diplomas tem tido importantes repercussões. Uma das principais está no
campo do currículo, que não é mais cotejado em termos de conteúdos e programas, mas
sim a partir da definição de competências. Essa mudança político-pedagógica atingiu o
Brasil e influenciou as Diretrizes Curriculares dos Cursos de Graduação. Entretanto
houve expressiva reação da base acadêmica que aliou o novo formato às políticas
neoliberais, produzindo resistências explícitas e veladas para sua implantação. Numa
leitura empírica, é possível afirmar que, mesmo formalmente atendendo às Diretrizes
Nacionais, os currículos dos cursos de graduação no Brasil, ainda são fortemente
baseados na listagem de conteúdos. Essa situação se confirma quando os estudantes que
participam dos programas de intercâmbio e não conseguem validar os estudos que
fizeram no exterior.
Se essa tensão era pouco expressiva até então, com o Programa CsF se acirrou,
provocando a necessidade de uma discussão mais ampla e consistente. A experiência
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dos estudantes em universidades estrangeiras, que atuam com base nas competências,
altera a compreensão de que qualidade de ensino se verifica pelo numero de horas-aula
presenciais. Assumem uma didática que resignifica os espaços da aula e aposta no
trabalho autônomo do aluno, que deve ser estimulado a se apropriar de saberes com
maior flexibilidade de trajetos e maior capacidade de estudo independente. Essa
compreensão impacta os currículos que reconhecem o processo de aprendizagem
autônoma dos alunos, como carga horária que faz parte do Curso.
Uma didática que leva essa condição em perspectiva talvez tenha que repensar
as ênfases tradicionais de seus saberes. Ainda que continue sendo importantes as
habilidades de ensino relacionadas à aula presencial, será necessário ampliar o campo
de conhecimentos da didática em relação ao trabalho independente do aluno, ou seja,
aos saberes que levem a uma maior autonomia na aprendizagem. Essa perspectiva
impacta os objetivos da disciplina, as formas de planejamento do ensino, os recursos de
ensino e a avaliação.
Nesse sentido, essa didática pode também dar melhores respostas aos desafios da
democratização da educação superior. Afasta-se da concepção usual entre os docentes
universitários, de que os alunos são receptáculos de conhecimentos que exigem muitos
pré-requisitos. Mas antes, que o importante é explorar conteúdos a partir das estruturas
cognitivas e culturais dos alunos, estimulando-os a uma aprendizagem significativa, não
mais baseada no acumulo de conteúdos.
Estaremos atentos a essas transformações? O que estamos aprendendo com a
democratização e internacionalização da educação superior? Quais os desafios que nos
interpelam, enquanto professores de didática?
Referências
KNIGHT, Jane. Cinco verdades a respeito da internacionalização. Ensino Superior
Unicamp. Campinas: Unicamp, 2012. Disponível <http://www.revistaensinosuperior
.gr.unicamp.br/international-higher-educacion/cincoverdades-a-respeito-da-
internacionalização>. Acesso em: 15 mar. 2015.
POPKEWITZ, Thomas. O duplo significado de cosmopolitismo e os estudos
comparados de educação. In: COWEN, Robert; KAZAMAS, Andreas; UNTERALTER,
Elaine (orgs.) Educação Comparada: Panorama Internacional e Perspectivas, Brasília:
UNESCO/CAPES, v. I, 2013, p. 467-487.
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SPEARS, Eric. O valor de um intercâmbio: mobilidade estudantil brasileira,
bilateralismo & internacionalização da educação. Revista Eletrônica de Educação,
v.8, n.1, p.151-163, 2014.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. Por uma educação multicultural de direitos
humanos. Revista Crítica de Ciências Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, 1997.
SOUSA SANTOS, Boaventura de.Para uma sociologia das ausências e uma sociologia
das emergências. In: SOUSA SANTOS, Boaventura de (org) Conhecimento prudente
para uma vida decente. São Paulo: Cortez Editora. 2004.
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APRENDIZAGENS DOS ESTUDANTES BRASILEIROS NA LICENCIATURA
EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO PORTO
Claudia Madruga Cunha- Universidade Federal do Paraná
Resumo
Este texto resulta de um projeto pesquisa concebido para pós-doutoramento vinculado a
cooperação FCT-Capes entre Brasil e Portugal, que especialmente faz parceria entre
Universidades brasileiras e a Universidade do Porto e do Minho. O intuito foi
contribuir ao projeto maior intitulado “Democratização e internacionalização como
desafio a qualidade do Ensino superior” com uma abordagem vinculada aos estudos da
diferença. No recorte destes caminhos procurei analisar a condição do estudante no
estrangeiro, a partir da sua própria percepção, com ênfase nos processos de
aprendizagem e integração ao novo cenário, investigando como este estudante age em
sala de aula no contexto sociocultural que o envolve, temporariamente deslocado do seu
mundo comum. Os conceitos de inclusão, diversidade e diferença foram utilizados
como critérios para a pré composição de um conceito maior, o de qualidade, vinculada
ao projeto amplo acima citado no que tange a Internacionalização no Ensino Superior.
No dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (1986) encontrei, entre outras definições,
que qualidade é uma propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz
de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza. A qualidade pode ser
entendida como algo que afere um valor numa escala, que permite avaliar e, também,
aprovar, aceitar ou recusar quaisquer coisas. O estudo envolveu dez estudantes
brasileiros que realizavam seus cursos na Universidade do Porto. A investigação teve
natureza qualitativa e os dados foram coletados através de entrevistas e grupos-focais.
Os resultados apontaram para os desafios enfrentados pelos estudantes brasileiros,
quando se defrontam com práticas de ensinar e aprender que exigem autonomia e
capacidade de auto-gestão. Reconhecem diferenças na relação professor-aluno e na
postura mais passiva dos alunos na aula, resignificando esse espaço em parâmetros
distintos da realidade brasileira.
Palavras-chaves: Aprendizagem – Estudante estrangeiro – Mobilidade estudantil
Esta pesquisa analisa como qualitativamente é feita a internacionalização da
Educação do Ensino Superior, na Universidade do Porto e, em especial, no Curso de
Licenciatura em Ciências da Educação, partindo dos três conceitos orientadores:
inclusão, diversidade e diferença. Neste sentido, interessou compreender como este
ambiente age enquanto facilitador do processo de inclusão do estudante estrangeiro
através de conjunto de aspectos que aqui se denominam “agentes de inclusão”: estrutura
física, protocolos de recepção, acordos institucionais, políticas internas ligadas a vice-
reitoria, a ação dos técnicos administrativos, produção e atividades docentes.
Compreendo que todos eles são referentes da qualidade da aprendizagem dos
estudantes.
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A princípio esta pesquisa se dirigiu a estudantes estrangeiros de quaisquer
nacionalidades matriculados nesta licenciatura, mas como 90% dos entrevistados eram
brasileiros, se escolheu problematizar apenas as impressões deste grupo. Busca-se
entender como os estudantes percebem sua condição de inclusão enquanto sujeitos de
aprendizagem. Como através das posturas comportamentais, imagens de si com as quais
apresentam a si mesmos e sua cultura e valores associados, revelam diversidades e
alteridades exercem um vínculo em um processo educativo. Por este contexto este grupo
foi nominado aqui sujeito de inclusão.
Com objetivo de traçar uma concatenação lógica da pesquisa e facilitar a
exploração das singularidades da internacionalização como qualidade a educação
superior, quatro dimensões foram assumidas, arranjadas numa análise qualitativa que
agrupa os três conceitos: de inclusão, diversidade e diferença. É na sobreposição de
seus aspectos que se pode falar de uma escuta sobre a inclusão do estudante estrangeiro
brasileiro. Cada dimensão possui como fio condutor um destes conceitos embora o
diálogo entre eles na análise seja constante. Cada dimensão trata de um contexto e
forma três grupos de questões no questionário aplicado aos estudantes estrangeiros.
Inclusão, diversidade e diferença como qualidade à internacionalização.
Os conceitos de inclusão, diversidade e diferença correlacionados à Qualidade
no Ensino Superior desdobram o contexto da internacionalização para melhor analisar
seus aspectos. Na primeira dimensão ou plano procurei contextualizar como a
Universidade do Portoi concebe a internacionalização criando uma disposição para
receber o estudante estrangeiro. Esta dimensão representa as características mais duras,
rígidas ou tradicionais de uma concepção europeia de educação superior, implica
elementos sociopolíticos e econômicos que junto ao contexto do Processo de Bolonha,
desenham novas pragmáticas na estrutura educativa. Afinal, a internacionalização na
universidade do Porto é fruto de uma unidade política e econômica que se instala entre
países europeus na segunda metade do século XX.
Explorando essa dimensão foi possível afirmar que ela é produto da
transformação, de certo modo recente, das relações econômicas no mundo globalizado,
pois a internacionalização da educação é fruto da rede de proteção da economia e da
cultura europeia. Essa proteção forja condições de inclusão, de recepção e, por que não
dizer, de captura do estudante estrangeiro. A estrutura que sustenta esta dimensão,
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relacionada ao econômico, flexibiliza ações em direção a uma política de globalização,
que abarca, desse fenômeno, valores, estratégias políticas e práticas educativas. Nesse
sentido, entre conceitos, documentos e entrevistas essa dimensão trabalha a inclusão
relacionando-a ao contexto da recepção institucional, onde se alinham aspectos que
forjam as condições de presença do estudante estrangeiro brasileiro nos ambientes
educativos da Universidade do Porto /UPii.
Basta acessar a página online desta Instituição para observar como a
internacionalização traça novos valores referentes à educação superior no contexto
português e europeu e hoje não somente a este. No texto em que a Universidade se
apresenta é possível ler que a UP é “a mais internacional das universidades de
Portugal”iii
. Esta representação revela a presença de novos valores do ensino superior
relacionados ao fenômeno da globalização, e é por este viés que a formação e a
profissionalização passam a constituir relações de cooperação entre Portugal e Brasil.
Esse ensino superior de fronteiras cada vez mais amplas tem oportunizado a estudantes
brasileiros contato com outra cultura e valores que, de algum modo, também o faz com
a cultura matriz, pois o país que antes colonizou agora hospeda.
Para além de resgatar documentos que tratam da internacionalização da UP, que
contextualizam Porto e Portugal no cenário do Processo de Bolonha e da globalização
econômica, se procurou criar um roteiro dirigido à gestão, envolvendo, especialmente à
Vice-reitoria e as servidoras administrativas responsáveis pelo processo de
internacionalização na Reitoria. Interessou observar se e como este processo impôs
novos hábitos e rotinas, incluindo,
A exigência de novos conhecimentos técnicos e habilidades
para desenvolver atividades laborativas dentro do ambiente
organizacional internacional; do outro, a dificuldade de
obtenção de pessoal qualificado para atender às necessidades do
sistema capitalista. (SOUZA; GUEDES, 2015, p.129).
O pessoal técnico representa um papel estratégico fundamental, pois, em geral, é
ele que contata diretamente com os estudantes. O mesmo observei em relação à
coordenação do Curso de Licenciatura em Ciências da Educação, cujas servidoras
técnicas são responsáveis pela recepção dos estudantes estrangeiros na Faculdade de
Psicologia e Ciências da Educação.
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A segunda dimensão quis tratar da diversidade como qualidade no ensino
superior. Procurei compreender os modos de problematização da diversidade cultural ou
multicultural nos ambientes de estudo e produção de conhecimento e práticas ligadas ao
Curso de Licenciatura em Ciências da Educação, mestrado integrado e doutoramento na
mesma área. Essa dimensão estabeleceu outra rede de conexões e vínculos e percebi que
seu recorte se restringiu num certo sentido e se ampliou em outro. Trouxe novos agentes
de inclusão, os docentes e discentes da LCE. Este grupo, nessa estrutura da análise,
equaliza a relação saber/poder trabalhando de modo mais autônomo as forças
intrínsecas ao processo de internacionalização.
O estudo explorou o banco de dados da biblioteca da Faculdade Psicologia e
Ciências da Educação (FPCEUP) para análise da produção discente sobre o tema do
migrante e de conceitos correlatos, tais como: inclusão, diversidade e diferença.
Utilizando esse fluxo encontrei a produção docente e o pensamento intelectual que,
nesse ambiente institucional, adota e cria concepções, referentes e valores que implicam
o trato com os conceitos citados. Tendo por ponto de partida o estudante estrangeiro e
sendo este o foco deste estudo e investigação no contexto da internacionalização da
Universidade do Porto, especialmente no curso de Licenciatura em Ciências da
Educação, procurei conhecer como esta formação problematiza, analisa e pesquisa
temas ligados à diversidade social e cultural.
Para os brasileiros Portugal foi um pais colonizador e, numa sequência da
história, após a abertura política do final da década de setenta, passou a receber
inúmeros concidadãos de países de língua portuguesa, bem como outros vindos do leste
europeu e de regiões desse mesmo continente em crise. Atualmente recebe
especialmente estudantes vindos das jovens democracias e de outros países,
principalmente suas ex-colônias. A busca de dissertações, teses e produções discentes
que tratassem do tema da inclusão do migrante ou deste como diverso/diferente em sala
de aula, trouxe resultados pouco significativos. Pareceu interessante analisar como nesta
IES, localizada na cidade do Porto, cujo nome já indica circulação de pessoas,
mercadorias e culturas, presta atenção às questões que se relacionam à integração das
pessoas de fora, migrantes e estrangeiras que, com maior ou menor afinidade com a
cultura local, se fazem presentes nas escolas, ambientes de laborais, sociedade de
consumo, etc.
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Em contrapartida, se percebeu a existência de uma produção significativa dos
docentes, nos temas do multiculturalismo e das políticas da diversidade. Diante da
aparente contradição entre produção acadêmica docente e discente, a reflexão sobre esta
dimensão encaminhou meu olhar para alguns aspectos relacionados à construção do
currículo e o desenvolvimento de uma identidade profissional ligada a esta Licenciatura.
A terceira dimensão desdobrou-se da segunda e apontou duas direções. Quis
entender como a diferença, como aspecto qualitativo da internacionalização do ensino
superior, é concebida, instituída no currículo e nas práticas docentes; ou seja, como a
diferença cultural que acompanha o estudante estrangeiro em aula vem produzindo
efeitos no âmbito do currículo e da ação docentes. Em diálogo com a segunda, esta
dimensão, ao trabalhar o currículo e as práticas docentes quis compreender como a
adesão ao Processo de Bolonha, nos seus desdobramentos nas décadas seguintes, vem
ampliando a presença de estudantes estrangeiros na universidade, produzindo efeitos em
ambos os sentidos e sujeitos.
Ao realizar entrevistas com um grupo de docentes envolvidos nesta Licenciatura
e na leitura de documentos e da produção docente local em torno destes temas, procurei
compreender um cenário ainda não desenhado pela investigação local. As
transformações que vem sofrendo o currículo e a cultura docente local, no que diz
respeito à compreensão do ensinar a aprender no nível superior, tendo em vista a
presença do migrante em sala de aula parecem naturalizadas, o que não significa,
entretanto, que tenham sido enfrentadas.
Utilizando dados colhidos das dimensões e questionários anteriores, uma última
dimensão completa as demais nesse quadro. Neste contexto investiguei a presença do
estudante estrangeiro brasileiro em Portugal. Esse grupo que, nas palavras dos
entrevistados, apenas aparentemente falam a mesma língua, já que utilizam inúmeras
diferentes expressões e entonações; diferentes hábitos, comportamentos, expectativas de
aprendizagem; se sentem afetados e se afetam nesta condição de mobilidade acadêmica.
Para o desenvolvimento da pesquisa, formaram-se três grupos focais, complementados
por entrevistas individuais com vistas a coletar as impressões do grupo sobre as três
dimensões. No recorte desse texto, exploro, especialmente, a terceira, ou seja, como a
diferença, como aspecto qualitativo da internacionalização do ensino superior, é
concebida e instituída no currículo e nas práticas docentes.
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Para dar corpo ao estudo metodologicamente fiz uso da abordagem qualitativa,
por entender que ajudaria a captar a perspectiva subjetiva, por meio de entrevistas.
Foram envolvidos 10 estudantes de nacionalidade brasileira. Entrevistei, também, a
Vice-reitora e o pessoal técnico-administrativos da UP, da FPCEUP e da LCE e, ainda,
quatro professores ligados a gestão, docência e produção de conhecimento na
Licenciatura em Ciências da Educação. Na pesquisa documental explorei os sites da
Instituiçãoiv
e o catálogo da biblioteca Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.
Inclusão e dimensão institucional
Quando se fala em internacionalização e em inclusão de estudantes estrangeiros,
se pensa logo em Bolonha e, por consequência, resgata-se um momento
socioeconômico do pós-guerra na Europa que reconfigura, no ocidente, a relação entre
as noções de saber/poder. Dizem Bianchetti e Magalhães (2015) que em um dado
momento especifico a União Europeiav se deparou com a perda gradativa da hegemonia
do continente, principalmente no que refere ao interesse dos estudantes, pois o
acréscimo do sucesso tecnológico americano do pós-guerra invadiu o horizonte dessa
relação saber/poder e a desestabilizou geograficamente. Isso fez com os reitores das
Instituições Ensino Superior europeias se reunissem em busca de reformas e
reorganizações num amplo aspecto, para salvaguardar valores do mundo ocidental
europeu, tendo em vista não perder a hegemonia que o criou ou o engendrou nos
séculos que antecedem Bolonha.
Todo um conjunto de questões fundamentais e categorias básicas de análise
sobre as quais se estruturam o pensamento e ação moderno-ocidental. Tendo a Europa
vivido o impacto dos grandes conflitos após a segunda grande guerra, os Estados
Unidos passaram a despontar como referência na ciência e na tecnologia, construindo
novos aportes para Educação Superior. Este cenário mobilizou um processo de
integração europeia na ideia de que reunir é fortalecer, reconstruir o espaço político e
econômico, reestabelecer o legado do binômio saber/podervi
.
Desse movimento de integração emergiu certa institucionalização com intuito de
melhorar e conservar modos de vida e de valores europeus, que supostamente se
fundaram muito antes no período helênico. Nesse sentido,
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As conexões entre este movimento de integração (e tantos outros
ao longo dos três últimos séculos). [...] sustentaram [...] um
modelo de verdade e ciência cujo marco divisório inicial é
revolução Industrial do século XXVIII. Esse modelo tem como
berço a Europa e tem em sua base uma ideia de humanidade e de
sociedade filiável a um padrão eurocêntrico. (WIELEWICKI;
OLIVEIRA, 2010, p. 220)
A partir dos acordos da União Europeia, se instituiria “Uma das pontas de lança
dessa luta pela Europa buscando, via a melhoria, atratividade, competitividade e
possibilidade de exportação da educação superior. Resumindo, almejará resgatar aquilo
que nas lutas anteriores saiu perdendo” (BIANCHETTI; MAGALHÃES,2015, p 229).
A perspectiva docente
Na busca realizada no catálogo da biblioteca da FPCEUP se descobriu um nicho
de pesquisadores ligados ao multiculturalismo, linha ou escola de pensamento que entre
outros, trata dos conceitos de inclusão, diversidade e diferença. São eles, especialmente,
Steve Stöer, Luiza Cortesão, Carlinda Leite e Antônio Magalhães que possuem
pesquisas, livros e artigos e orientaram trabalhos acadêmicos ligados a estes conceitos.
Três destes autores foram entrevistados, - uma vez que o professor Stöer já faleceu -,
sobre a origem do Curso e presença do multiculturalismo e seus temas na FPCEUP. Tal
escuta foi se desdobrando em outras análises que por aqui não serão exploradas. Mas
pode-se antecipar que o surgimento do Curso de Licenciatura em Educaçãovii
na
Faculdade de Psicologia se dá em um tempo e circunstancias onde novas necessidades
socioculturais se explicitam ao contexto do Porto e de Portugal, necessidades que
implicam a presença do migrante. Nesse sentido, destaca-se o papel do Centro de
Investigação e Intervenção Educativas – CIIE, enquanto núcleo de pesquisa.
A abertura desta formação profissional e muitas das características que ainda
hoje acompanham seu currículo e atividades docentes nasceram num momento marcado
pela abertura das fronteiras políticas, incluindo a força de trabalho migratória. De modo
que o desenho do Curso teve, nos seus desdobramentos de ação pedagógica, da pesquisa
e da produção de conhecimento, a presença do estrangeiro e do migrante em solo
português. Mas esta atenção ao migrante se deu com outras perspectivas, no contexto
anterior ao Processo de Bolonha. Um dos temas das terceira e quarta dimensão deste
estudo incluiu o desdobramento destes momentos para entender como Bolonha foi
mudando ao naturalizando uma inclusão do estudante estrangeiro e como foi intervindo
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nas relações entre instituição e sociedade. A internacionalização da educação, no que
diz respeito ao docente, vem claramente exigindo uma necessária a capacidade de
continuamente desenvolver as possibilidades de aprendizagem e adaptar-se frente às
mudanças dos conhecimentos e às novas demandas do trabalho e da vida social.
Quando da análise das questões ligadas ao conceito da diferença como qualidade
ao ensino superior, aparecem questões que envolvem desde a construção do currículo do
curso Licenciatura em Ciências da Educação/ LCEviii
– como as necessárias adaptações
a este instrumento após da adesão da UP ao Processo de Bolonha. Esta terceira
dimensão demarca uma geografia de pensamento mais específica, quando aponta como
características desta formação, sua identidade profissional. Como afirmam os autores,
A diferenciação, diversidade e diversificação constituem
conceitos derivados das ciências biológicas a que a sociologia
em geral e os estudos dos sistemas educativos, em particular os
que se reportam ao ensino superior, têm recorrido (CNE, 2002:
37). Fazendo recurso a estes conceitos, podemos dizer que a
criação das LCE na universidade pública, enquanto recurso
fornecido pelo Estado, constitui um acréscimo no sentido da
diferenciação da referida universidade. (ROCHA; NOGUEIRA,
2007, p.15).
Esta Licenciatura, que nasceu tendo por objetivo a intervenção social, pode
agora, no contexto de uma política mais ampla, estar suavizando sua análise do social e
dirigindo o interesse investigativo interventivo para outras esferas. Daí ser necessário
investigar como um grupo docente envolvido com este contexto, producente e produtor
em meio aos seus dilemas, vêm percebendo mudanças na ação docente. Como menciona
Cortesão (2011, p.58) “os problemas que se cruzam na educação são múltiplos, alguns
bem visíveis; outros, de origens menos explicitas, fazem-se sentir, às vezes, através de
situações contraditórias”. Sendo assim tanto o currículo como a identidade desta
Licenciatura sofrem efeitos da internacionalização, quando Bolonha e seus
desdobramentos vão sendo alterados, no que refere ao trabalho com a diferença.
Percepções do Estudante estrangeiro brasileiro e quarta dimensão
Esta dimensão resulta das entrevistas dos estudantes em mobilidade acadêmica
na FPCE que estão frequentando aulas no curso de Licenciatura em Ciências da
Educação. No primeiro semestre de 2015 havia 92 estudantes estrangeiros brasileiros
na FPCEUP; 58 do sexo feminino e 34 do sexo masculino; destes 33 estavam
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matriculados na LCE, 28 sexo feminino e 15 sexo masculino. Dos dez entrevistados sete
eram mulheres, possuem entre 19 e 35 anos e representavam diversas regiões
brasileiras: sul, sudeste, norte; seus cursos de origem são licenciaturas ou pedagogia.
Suas impressões sobre as práticas docentes no curso de LCE é que existem hábitos e
rotinas diferentes de estudo. Os professores em geral costumam tratar bem os
brasileiros, os estudantes brasileiros nem sempre costumam se apresentar como tal.
Todos os professores costumam exigir muitas leituras e tarefas para casa; alguns
explicam pouco o conteúdo, a ideia é que o/a estudante aprenda pelo próprio esforço.
Estimulam trabalhos em grupo e, em geral, interferem nos modos de escolha dos
membros dos grupos. Sem esta interferência a tendência é de segregação entre os
estudantes locais e os de fora. É costume intercalar leitura de texto e discussão teórica;
os estudantes portugueses são comprometidos com estes hábitos em geral. Notam que o
estudante português não possui o hábito de fazer perguntas durante as aulas presenciais.
Os professores também estimulam a leitura de textos em inglês o que, para muitos
brasileiros se constitui num desafio a mais. Quanto à avaliação, alguns estranham a
metodologia de ir reunindo trabalhos até completar 20 pontos; outros consideram esse
método interessante e diversificado.
Segundos dados fornecidos pela reitoria, o número de estudantes brasileiros em
mobilidade acadêmica foi o que mais cresceu nas últimas décadas. Dias Sobrinho
(2005), comenta que a globalização vem influindo nos modos como se realizam os
processos educativos nas universidades. Alerta o autor que os “Analistas da
globalização têm notado como suas formas contemporâneas causam não a ampliação do
mercado no espaço geográfico, mas sua concentração no espaço social” (CORONIL,
2005, p.112). Faz pensar que a mobilidade do capital internacional vai movimentando
esta estrutura, tornando-a mais flexível aos seus interesses, separando suas localizações
culturais e políticas anteriores, fazendo com que a relação centro periferia vá se
transformando numa relação social ao invés de geográfica.
No que tange as experiências vividas pelos nossos respondentes, em relação aos
conceitos de inclusão, diversidade e diferença como qualidade e educação internacional,
há uma percepção geral do intercambio como um avanço, uma evolução
acadêmico/profissional. Materializada na oportunidade de conhecer diferentes práticas
de sala de aula, e estar sensibilizados para outros temas e problemas nas abordagens
conceituais, parecem estimulados pela convivência com diferentes hábitos, culturas,
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crenças, expressões linguística, dentro e fora dos espaços de aula; a sensação é de
aprendizagem constante.
Conclusões provisórias
Ao me propor analisar a internacionalização da educação, processo intimamente
imbricado ao fenômeno globalizatório, não pude ignorar o grande avanço da ciência e
da tecnologia na segunda metade do século XX, que possui uma relação de causa e ao
mesmo tempo efeito, do retorno de investimento de recursos públicos dos países ricos
em educação e pesquisa no nível superior. Esse retorno, entretanto, vinculou as
universidades a uma concepção de desenvolvimento, em outras palavras de saber/poder,
mais ágil, dinâmico e flexível. Muitas vezes, entretanto, espaços onde preponderam
interesses econômicos competitivos sobre os valores acadêmicos tradicionais.
As dimensões desenhadas nesta pesquisa refletem o aparelhamento de um
processo educativo no qual o estudante estrangeiro brasileiro, enquanto sujeito
deslocado, lança um olhar singular sobre aquilo que vive, ainda que temporariamente,
na realidade da sua formação. No entanto, aqueles que estudam o impacto do cenário da
internacionalização no Ensino Superior, têm apontado “que as instituições de Ensino
superior têm se sentindo desprotegidas pelo Estado e obrigadas pelo mercado a adaptar
sua prática e seus modos de funcionamento ás imposições de programas e tipos de
pesquisas definidos por um centro de poder” (DIAS SOBRINHO, 2005, s/p).
Na medida em que vão perdendo a condição de poder de negociar as relações
acadêmicas, o indivíduo, a sociedade civil e o Estado vão adotando o mercado como
referência central. Desenha-se, com o passar do tempo, um cenário conflituoso e até
desolador, aonde os países ricos estendem novas relações de saber/poder, criam novas
parcerias, impõem novas dependências aos países em desenvolvimento.
Quando se pensa em inclusão se assume a equidade dos benefícios do
conhecimento do como o saber pode ser transferível ao modo de uma equiparação ainda
que negociável entre os povos, algo que se faça com maior ou menor justiça, em se
tratando de bem comum a todos. A ideia de respeito às diferenças, envolvendo trocas
de saberes, valores e experiências culturais devem acompanhar a perspectiva da gestão.
Um multiculturalismo, ainda que com bases ideológicas, se faz presente nos discursos
dos gestores. Daí as inquietações sobre as mudanças no papel e a na identidade do curso
de Licenciatura Ciências da Educação na Universidade do Porto após Bolonha.
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Já os estudantes brasileiros nem sempre encontram oportunidades sistematizadas
de reflexão sobre a experiência que vivem, para além das aprendizagens pessoais.
Parece haver um vazio político nas suas perspectivas, tendo em vista as relações de
poder e de macro espaços de formação. Consideram a oportunidade de estar em
Portugal muito importante para seu capital cultural. Mas são pouco instados a pensar na
sua responsabilidade com seu país de origem que, na maioria dos casos, está investindo
no processo formativo que realizam. Também não foi possível perceber se suas
vivências, em termos de currículo e de práticas pedagógicas, como estas serão
potencializadas por suas instituições de origem. Sequer fica evidente uma reflexão sobre
as diferentes culturas de sala de aula e outros contextos com bases mais sustentadas.
Ficam, pois, pendências a serem trabalhadas tanto em termos de novas investigações
como referentes às políticas de mobilização acadêmica, estimuladas pelo governo
brasileiro.
Referências:
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internacionalização da educação superior: protagonismo dos reitores e autonomia
universitária em questão. Avaliação, Campinas/Sorocaba, SP, v. 20, n. 1, p. 225-249,
mar. 2015.
CORTESÃO, Luiza. Educação e exclusões: na tensão entre a cumplicidade e o
embargo. In: CORTESÃO, Luiza (Org.). Por que uma outra educação possível:
contributos para ma práxis transformadora. Porto: IPFP-CRPF, Legis, 2011,p.53-64
CORONIL, Fernando. Natureza do pós-colonialismo: do eurocentrismo ao
globocentrismo. In. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais.
Perspectivas latino-americanas. LANDER, Edgardo (org). Colección Sur Sur,
CLACSO, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. setembro 2005. pp.105-132
DIAS Sobrinho, J. Educação Superior, globalização e democratização. Revista
Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 28.
MOROSINI, Marília Costa. Estado do conhecimento sobre internacionalização da
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Brasil no contexto da reforma universitária. Curitiba: Educar em Revista, n. 28. p.
107-124. Julho/Dezembro, 2006.
ROCHA, Cristina; NOGUEIRA, Paulo. Educação, Sociedade & Culturas, n.24, p.
11-37. 2007
WIELEWICHI, Hamilton; OLIVEIRA, Marlize. Internacionalização da educação
superior: Processo de Bolonha. Ensaio: Avaliação de Políticas Públicas em
Educação.Rio de Janeiro,v.18,n.67,p.215-234,abr./jun.2010.
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INTERNACIONALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DOCENTES
BRASILEIROS E SUAS PRÁTICAS EM ESPAÇO AFRICANO
Marialva Moog Pinto - UNIARPE
Gildo Volpato - UNESC
Maria Aparecida Marques da Rocha - UNISINOS
Resumo
O presente estudo trata de um recorte da pesquisa que busca investigar a tensão
entre os discursos e as políticas que apontam para a democratização e
internacionalização como referentes da qualidade da educação superior no Brasil e quais
os efeitos que essa condição traz para os processos de ensinar e aprender na
universidade. Neste recorte interessou-nos conhecer como vem ocorrendo o processo de
internacionalização da educação superior, em especial com o objetivo conhecer em
maior profundidade o quanto a experiência de mobilidade dos docentes brasileiros para
a docência nos países africanos de língua portuguesa, tem sido significativa, quais os
desafios e possíveis tensões presentes nessa experiência. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa que ouviu quatro docentes que responderam um questionário on line, com
perguntas abertas. Três professores exerceram a docência em Angola, uma destas
professoras segue no espaço angolano, e a quarta professora exerceu sua prática em
Moçambique. Os interlocutores afirmaram que a experiência foi significativa e
proporcionou aprendizagens pessoais e profissionais aos docentes, sobre a relação
professor-aluno, aspectos didáticos e tendências pedagógicas nos países africanos.
Foram muitas também as aprendizagens relativas à cultura e aos cuidados dos docentes
evitando sentimentos altruístas e/ou colonialistas. O interesse das instituições africanas
pelos professores brasileiros e suas práticas educativas ocorreu principalmente como
decorrência da escassez docentes qualificados nos países em questão, visando
desenvolver quadros locais de futuros profissionais.
Palavras-chave: Internacionalização. Contexto africano. Docência na Educação
Superior.
Introdução
O processo de internacionalização da Educação Superior vem trazendo
estudantes de outros contextos para estudar no Brasil, assim como também tem levado
estudantes brasileiros para cursar a graduação e pós-graduação no exterior, com
prioridade especial para os países do hemisfério norte. As oportunidades de estudar em
outros países sem ocorrendo através de programas de mobilidade com apoio estatal e
privando.
No entanto, um fenômeno bastante recente vem caracterizando por outra forma
de internacionalização, que ocorre por meio da mobilidade dos professores brasileiros,
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convidados para exercer a docência na educação superior e pós-graduação nos países
africanos, especialmente os países de língua portuguesa.
Este estudo quis compreender o quanto esta experiência foi significativa, quais
os desafios e possíveis tensões vividas pelos docentes. Importou-nos saber como
ocorreu esta parceria e em que esta prática tem sido significativa para os docentes
brasileiros. Interessou-nos saber, ainda, os motivos que levaram os docentes a aceitar
uma experiência tão peculiar.
O estudo foi norteado por questões como: Que aprendizagens pessoais e
profissionais viveram os professores? Que os desafiou nessa experiência? Quais as
foram as principais tensões e como foram superadas? Que relações estabelecem, no
campo da formação de professores, entre o Brasil e o país para onde se dirigiram?
O estudo assumiu a perspectiva qualitativa e envolveu quatro docentes que
responderam os questionários com perguntas abertas, enviados por correio eletrônico.
Três professores exerceram a docência em Angola, sendo que uma destas professoras
segue no espaço angolano, e a quarta professora exerceu sua prática em Moçambique.
A professora que realizou sua prática em Moçambique entre abril/2004 a
outubro/2006, é professora de uma renomada universidade pública em São Paulo – SP.
Sua experiência deu-se formando mestres e doutores para a composição de um
Programa de Pós-graduação na Universidade Pedagógica em Maputo.
Dos que estiveram em Angola, uma iniciou a docência no curso de Graduação
em Direito na Universidade Lusíada de Angola, capital Luanda em 2009 e segue
atualmente trabalhando como docente nessa IES e vivendo no país. Outra professora do
Programa de Mestrado de uma Universidade de Santa Catarina - Brasil esteve
ministrando aulas em fevereiro/2014 e segue com aulas intensivas quinzenais nos meses
de janeiro e julho de cada ano, até finalizar o Curso em Julho/2016. Inclui a presença
em bancas de defesa das dissertações de mestrado de 60 estudantes, todos docentes na
Educação Superior. O quarto o professor exerce a docência em uma universidade
privada no Estado da Bahia, no Brasil, e esteve pela primeira vez na Angola em
Junho/2009 para práticas docentes na graduação angolana, retornando semestralmente
desde fevereiro/2014 até julho/2016, para ministrar aulas em um Curso de Mestrado.
Estes dados nos mostram que o interesse pelos docentes brasileiros no espaço
africano não é tão recente, pois esta pesquisa evidencia que desde 2004, onze anos atrás,
já havia professores brasileiros exercendo sua prática em países africanos.
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A Internacionalização da Educação Superior
O período da modernidade testemunhou uma globalização muito rápida da vida
social, conectando sociedades em grande escala, através de diferentes alternativas,
desde trocas econômicas e políticos internacionais até o incentivo ao turismo global,
estimulado pela tecnologia de comunicação eletrônica e padrões de migração mais
fluídos. (GIDDENS, 2012)
O processo de globalização em que estamos submetidos é profundo e intenso e
pode ser definido como:
O conjunto de relações sociais que se traduzem na intensificação das
interações transnacionais, sejam elas práticas interestatais, práticas
capitalistas globais ou práticas sociais e culturais transnacionais. A
desigualdade de poder no interior dessas relações (as trocas desiguais)
afirma-se pelo modo pelo qual as entidades ou fenômenos dominantes se
desvinculam dos seus âmbitos ou espaços e ritmos locais de origem, e,
correspondentemente como o modo ou as entidades ou fenômenos
dominados depois de desintegrados e desestruturado, são (re)vinculados aos
seus âmbitos, espaços e ritmos locais de origem. Neste duplo processo, quer
as entidades ou fenômenos dominantes (globalizados) que os dominados
(localizados) sofrem transformações internas. (SOUSA SANTOS, 2005,
p.85)
No conjunto de relações e interações produzidas pela globalização, Sousa Santos
(2010, p.109) afirma que “nos deparamos com os processos de internacionalização que
consiste em fomentar e intensificar as formas de cooperação transnacional [...] que já
existem e segundo princípio de benefícios mútuo”.
Segundo Knight (2004), a internacionalização é um nicho importante da
globalização que, por sua vez, tem transformado o mundo da educação superior. Já a
Conferência Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação, realizada
em Paris (1998), trouxe a visão de que “sem uma educação superior e sem instituições
de pesquisa adequadas que formem a massa crítica de pessoas qualificadas e cultas,
nenhum país pode assegurar um desenvolvimento [...] nem reduzir a disparidade que
separa os países pobres e em desenvolvimento dos países desenvolvidos”.
(UNESCO,1998)
Na mesma Conferência, em seu preâmbulo, que trata das Missões e Funções da
Educação Superior, no Art. 15, ressalta-se o “compartilhar conhecimentos teóricos e
práticos entre países e continentes” como um valor. Lá encontramos:
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2600ISSN 2177-336X
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a)O princípio de solidariedade e de uma autêntica parceria entre instituições
de educação superior em todo o mundo é crucial para que a educação e a
formação em todos os âmbitos motivem uma compreensão melhor de
questões globais e do papel de uma direção democrática e de recursos
humanos qualificados para a solução de tais questões, além da necessidade de
se conviver com culturas e valores diferentes [...] b) Os princípios de
cooperação internacional com base na solidariedade, no reconhecimento e
apoio mútuo, na autêntica parceria que resulte, de modo equitativo, em
benefício mútuo, e a importância de compartilhar conhecimentos teóricos e
práticos em nível internacional devem guiar as relações entre instituições de
educação superior em países desenvolvidos, em países em desenvolvimento,
e devem beneficiar particularmente os países menos desenvolvidos. Deve-se
ter em conta a necessidade de salvaguardar as capacidades institucionais em
matéria de educação superior nas regiões em situações de conflito [...] Por
conseguinte, a dimensão internacional deve estar presente nos planos
curriculares e nos processos de ensino e aprendizagem. (UNESCO, 1998)
No estudo por nós realizado houve o interesse de compreender a imersão dos
docentes brasileiros na docência das instituições superiores africanas dos países de
língua portuguesa, pois parece incorporar-se nas exigências acima citadas pelas
agências internacionais, no caso da UNESCO e determinantes dos parâmetros da
Educação Superior que está contido nos processos de internacionalização que, por sua
vez, tem sido inserido dentro dos processos de globalização.
Ouvir os docentes foi um interessante exercício e os depoimentos foram
analisados à luz da Análise de Conteúdos. Os achados foram organizados em dimensões
que expressaram o núcleo das questões norteadoras da investigação, conforme
desdobraremos no seguimento deste texto.
A Experiência e a Docência Universitária no Espaço Africano
Caracterizamos a experiência no sentido dado por Larrosa (2002) que afirma ser
ela distinta de atividade, pois inclui e envolve a subjetividade do sujeito nela envolvido,
um processo que marca a trajetória de vida e resignifica caminhos. Nessa perspectiva é
que colhemos as impressões dos interlocutores e procuramos compreender o que
vivenciaram.
a)Impactos Profissionais e Pessoais
Os docentes, ao se referirem aos impactos profissionais, foram unânimes em
mencionar a relação professor-aluno. Percebiam uma cultura diferente da realidade
acadêmica brasileira, que parece ser mais informal e menos protocolar. Uma das
professoras disse que ficava surpresa no início, com o gesto dos alunos, que se
levantavam quando eu dirigia a palavra a eles, o que era chamado de “respeito pela
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professora”. Fui logo conversando sobre a ideia de respeito, que se expressa de muitos
jeitos.
No contexto geral da universidade, assim como em outros níveis educacionais há
a presença de forte da hierarquia nas relações tanto entre os professores e entre esses e
seus os alunos. A figura do professor ainda ocupa um lugar especial na estrutura de
poder no espaço acadêmico. Os países africanos de Língua Portuguesa, estão imersos
em uma formação tradicional trazida pelos portugueses, seus colonizadores. Após sua
independência, os africanos buscam uma reconstrução dos seus países, muitos assolados
por guerras internas. Procuram, mesmo com pouco acesso aos meios de comunicação,
ampliar a formação da população em geral e do corpo docente, em especial. Entretanto é
um processo moroso, ainda com muitos resquícios deixados pelos colonizadores.
Os professores brasileiros registraram certa perplexidade com essa realidade.
Percebi que os professores falam e ensinam e os estudantes tem pouco espaço para
questionamentos, relata uma docente. Esse distanciamento, como pude perceber, ocorre
também pela insegurança do professor, que tem uma formação frágil. Em muitos casos,
um questionamento pode desestabilizar a autoridade do professor, atingindo sua
autoridade. Afinal ele é visto como alguém que sabe.
Nossa interlocutora, no seu relato, registrou que, ao falar com o professor,
alguns estudantes abaixam a cabeça, falam baixo e não olham para o professor, como
sinal de submissão e respeito; tal como que fazem com as pessoas mais velhas da sua
família.
Os docentes percebem que os estudantes angolanos e moçambicanos acolhem
muito bem os professores estrangeiros e existe uma grande disponibilidade para
colaborar e investir na sua formação. Porém, quando se trata de trabalhar
individualmente, sem o professor, alguns encontram dificuldades, talvez pela falta de
autonomia no estudo, bem como de infraestrutura como livros e acesso aos referenciais
teóricos. Em muitos casos recorrem a cópias da internet.
Os aspectos didáticos foram sendo construídos pouco a pouco, uma vez que três
dos docentes pesquisados têm uma prática mais próxima do construtivismo e/ou do
sócio interacionismo, visando a construção do conhecimento. Os estudantes angolanos,
por exemplo, não imaginavam ser possível esta forma de relação professor-aluno na
Universidade. Causou surpresa e certo desconforto a prática de organizar a sala de aula
de forma circular, em que todos estariam frente a frente, entendendo que teriam direito
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de participar com suas opiniões sobre a temática da aula. Custou um pouco interagirem
dessa forma.
Uma das professoras relatou que a maioria das pesquisas realizadas são de
natureza quantitativa e foi necessário desenvolver desde o início a possibilidade de
outro tipo de pesquisa, envolvendo dados qualitativos. A avaliação desenvolvida nas
disciplinas ministradas por professores angolanos são extremamente tradicionais e causa
impacto uma avaliação com a possibilidade processo e reconstrução.
Uma das professoras que atuou em Angola afirmou relata que seus alunos
tinham um ritmo próprio para aprender e que o processo de ensino e aprendizagem é
diferente. Crê que será preciso investir muito no ensino básico e secundário, pois os
alunos chegam ao ensino superior com muitas lacunas, o que de algum modo prejudica
o ritmo a que estamos habituados para ensinar, para aprender, especialmente quando
os alunos precisam desenvolver habilidades de aprendam a aprender.
Partilhar saberes entre os docentes, trabalhar em conjunto, ensinar e aprender
ao mesmo tempo foi um exercício muito rico de debate, uma oportunidade de
aproximar-me da cultura e da escola moçambicana; partilhávamos a orientação dos
mestrandos com professores doutores moçambicanos, alguns deles formados na PUC-
São Paulo, no Brasil. Procurávamos valorizar seus saberes, aqui entendidos na
perspectiva de Tardif, que significa saber fazer. Como afirma o autor, trata-se de
saberes e habilidades que os professores mobilizam em sala de aula para construir a
docência. O saber é deslocado de outras dimensões sociais para a prática do professor.
(TARDIF, 2005)
Nossos interlocutores manifestaram a preocupação de não correr o risco de
repetirem práticas colonizadoras com os estudantes africanos. Este foi um cuidado
constante, por parte deles. Não queria impor nosso conhecimento aos angolanos,
mesmo assim acho que isso aconteceu, pois levaria muito tempo para conhecer a
realidade, seus educadores de renome... e já estavam iniciando as aulas.
Já outra professora disse que não se sentia levando saberes... me sentia
buscando aprender. Percebe-se que os docentes não estavam ingênuos neste processo e
sim atentos para respeitar o universo de grupos bem estabelecidos, de muitas línguas, de
crenças e lendas que me permitia olhar de um jeito diferente para a nossa própria
cultura.
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Em relação a infraestrutura, os países pós-guerra da independência lutam para
reconstruir suas economias e ainda enfrentam inúmeros problemas sociais e culturais ;
portanto a infraestrutura das universidades e escolas são precárias. Energia elétrica, em
muitos casos, ocorre através de geradores privados; o saneamento básico é mínimo,
incluindo a dificuldade para encontrar água potável. Sendo assim, nem todos os
docentes que aceitam a imersão em países como Moçambique e Angola sabem
exatamente o que vão encontrar. Uma das professoras disse que foi um desafio
trabalhar sem a possibilidade de bibliotecas na instituição e internet para pesquisa e
buscas.
Para um dos nossos respondentes, em 2009 a principal tensão da experiência
relacionou-se à utilização das TIC no contexto de ensino e aprendizagem, pois a IES
possuía apenas um projetor multimídia (Datashow) para cerca de 250 docentes!
Naquela ocasião, ministrei aulas para turmas com 150 estudantes, sem qualquer
recurso áudio visual, valendo-me basicamente de aulas expositivas mais ou menos
dialogadas e desestimulando-me em continuar no semestre subsequente, justificada
pela quebra de contrato por parte da IES, tornando financeiramente inviável a
continuidade.
O aspecto de abrir-se para aceitar o outro foi uma tarefa importante para os
docentes e um dos professores afirmou que exercitou seu aprimoramento da empatia ou
capacidade de colocar-se no lugar do outro, especialmente quando o outro apresente
enormes lacunas. Porém este processo ocorreu de forma interessante quando se
compreendeu o momento sócio histórico em que os estudantes viviam.
Mesmo com essas dificuldades e limitações e, talvez, em função delas, é que
nossos sujeitos foram unânimes em afirmar que ampliaram suas perspectivas de vida no
âmbito pessoal. Voltaram da experiência mais maduros e compreensivos com a
diferença. Aumentaram o grau de tolerância, empatia e sensibilidade com uma realidade
que lhes era, até, então, desconhecida.
Muitos focaram chocados com a pobreza, a miséria, revelada nas ruas
esburacadas, nas “casas de caniço”, na sujeira dos panos estendidos por mulheres,
com todo tipo de mercadoria (carvão, laranjas, esmaltes, peixes, pães, soutiens); muito
lixo também. A convivência com a Malária também me impactou. Não havia energia a
noite e internet fora do hotel. As ruas retratam as imagens deixadas pela guerra em
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muitos momentos, bicharada espalhados nas casas e centro da capital moçambicana e
cidades angolanas.
Entretanto é inegável valorizar positivamente a disponibilidade dos colegas e
dos alunos, os convites para visitar as famílias, para festas e comemorações. A
possibilidade de fazer o exercício antropológico de reconhecer o igual na diferença e
aprender a estranhar o costumeiro. Aprendi a compreender o processo sócio histórico
no qual os estudantes foram submetidos me tem ajudado a mediar o processo de ensino
e aprendizagem.
O sentimento altruísta está quase sempre presente, em quem aceita uma
experiência no espaço africano. Os sujeitos revelaram esta condição em algum
momento da entrevista. Uma das professoras disse que como vim por querer e não por
necessidade encarei tudo como uma missão que talvez tivesse de concluir na minha
vida.
A profissão docente inclui, na sua essência, a preocupação com o outro, com o
processo de desenvolvimento dos sujeitos, com os motivos que levam os sujeitos a
apresentarem este ou aquele comportamento e creio que isto minimiza o impacto com a
realidade africana. Uma professora relatou que sempre fui uma pessoa que respeitou a
diversidade, outras classes sociais, outras raças e culturas, isso me fascina. Por isso
não tive dificuldades com as diferenças e fui muito acolhedora e receptiva com tudo
que queriam me ensinar e me explicar sobre a Angola e os angolanos. Um dos
professores disse que destaca como aprendizagem pessoal o aprimoramento da empatia
ou capacidade de colocar-se no lugar do outro, especialmente quando o outro
apresente enormes lacunas.
O impacto cultural foi um desafio na medida em que os docentes se deslocaram
de seus lugares. Tive que entender outra cultura para depois entender por que caminho
deveria seguir na formação dos estudantes.
Mesmo com todos os impactos apontados pelos professores questionados, uma
delas ainda relata que a adaptação foi muito fácil e tem sido uma excelente
experiência.
No contexto moçambicano os orientandos escolheram temas ligados ao contexto
do País, principalmente em relação à organização escolar, para suas dissertações de
mestrado. E pudemos acompanhá-los nas pesquisas, que revelaram dados muito
significativos do processo ensino-aprendizagem. A professora trouxe como exemplo, a
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necessidade de consideração das línguas maternas na articulação com o aprendizado da
língua portuguesa, na incorporação de elementos da tradição moçambicana no currículo
das diversas etapas de ensino.
No contexto angolano, os estudantes também buscaram resolver, nas suas
pesquisas, problemas ligados a educação do país. Pesquisas como exclusão de
determinada tribo africana pelas demais tribos, procurando entender no que a educação
pode minimizar esta dolorosa realidade foi um dos focos, dados como exemplo.
Também interessou a alguns a avaliação das suas universidades, comparadas com as
IES de prestigio internacional. Queriam compreender a lógica que preside os rankings e
o que poderiam aprender com eles, inclusive em termos de resistências. Estas entre
outras pesquisas são muito significativas.
O racismo que tanto conhecemos no Brasil, parece não chegar até os espaços
africanos, pois os estudantes não costumam sair do seu contexto local. Uma das
professoras relata um fato que chamou sua atenção em uma das aulas, pois ao ler um
trecho do livro de Paulo Freire, em que o autor fala sobre o racismo e sobre as dores
de ser negro no Brasil, os estudantes riram muito, acharam engraçado e eu olhei para
a turma pensando: - Se eles não saíram da Angola talvez não imaginem do que estamos
falando!
b)Tensões, Razões e Aspectos Significativos
Ao mencionar a principais e possíveis tensões ocorridas a professora que atuou
em Moçambique revelou que no que diz respeito à nossa participação no trabalho,
havia, como em toda instituição de ensino superior, divergências em relação a aspectos
do trabalho, mas tivemos a sorte de constituir uma equipe que soube superar essas
divergências e empenhar-se numa ação coletiva, em torno de objetivos comuns.
As razões do interesse das instituições africanas no trabalho de docentes
estrangeiros atualmente se deve, principalmente, ao desejo de expansão de relações de
todos os tipos, nesse mundo globalizado em que vivemos, com todas as suas
contradições.
Se, por um lado, há, segundo alguns, a permanência de um “espírito do
colonizado”, que vai buscar nas chamadas nações desenvolvidas recursos para
aprimoramento de seu contexto, por outro, há o esforço saudável de ampliar o diálogo e
partilhar experiências com outros países.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2606ISSN 2177-336X
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Talvez haja atualmente uma procura de parcerias brasileiras pelo desejo de
acelerar a qualificação dos recursos humanos na área da educação e da docência. Os
professores doutores, que são poucos, são absorvidos pelas universidades públicas e,
assim, as demais instituições contratam alguns docentes mestres; mas a maior parte do
corpo docente é constituída apenas por graduados. O contexto educacional africano tem
a necessidade de formação stricto sensu.
Há muitas as razões, na visão dos docentes que participaram do estudo, para o
recrutamento de formadores brasileiros. A escassez de docentes africanos tem raízes
históricas, baseadas ora nos processos colonizadores, ora na instabilidade econômica e
social decorrente das guerras internas. Registram a presença de docentes de outros
países, como o legado do período socialista, quando muitos professores cubanos
atuaram nas IES angolanas. Hoje, as diferenças linguísticas (37 dialetos africanos no
caso da Angola), frequentemente aliada a uma práxis pedagógica tradicional, tem
impulsionado a busca por professores brasileiros, visto que no imaginário, são
considerados um sistema educativo bem sucedido em um pais de língua portuguesa.
Pelo menos na Universidade Pedagógica em Moçambique, onde tenho
desenvolvido meu trabalho, percebo esse esforço. Tenho encontrado ali professores de
outros países africanos, de Cuba, de Portugal, além dos brasileiros. E os estudantes
têm desenvolvido estágios em universidades desses países, relatando experiências
muito positivas.
Souza Santos (2010, p.109-110) ajuda a compreender esse fenômeno quando diz
que:
Nos países periféricos e semiperiféricos há que procurar sinergias regionais
por ser a esta escala que a densificação das redes é mais fácil e mais eficaz na
luta contra a globalização neoliberal na universidade. No caso dos países de
língua oficial portuguesa, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP) é um espaço multilateral com um enorme potencial para a
transnacionalização cooperativa e solidária da universidade[...] Brasil e
Portugal, cabe a iniciativa de dar os primeiros passos nessa direção[...]
circulação fácil e estimulada de professores e estudantes[...] é uma alternativa
exigente, mas realista fora da qual não será possível nenhum país desta região
resistir individualmente à avalanche da mercadorização global da
universidade.
As reflexões que estão presentes neste estudo encaminham a compreensão de a
experiência de docentes brasileiros na África tem sido importante, inclusive
favorecendo reflexões que anteriormente, talvez, não seriam usuais. Uma das
professoras entrevistadas disse que tendemos a chamar de “internacionais” os que são
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apenas “estrangeiros” e tratamos como estrangeiros os que possuem uma cultura
diferente, que estranhamos e tendemos a desvalorizar. E contribui ainda dizendo que a
democracia é exatamente a convivência na diversidade. E isso é muito difícil!
Os professores acreditam que podem aprender muito com as experiências que
tiveram em Moçambique e Angola pois podem levar para lá alguns aspectos de nossa
cultura universitária que merece ser explorada e partilhada. Ao mesmo tempo temos de
estar abertas a aprender com eles e valorizar suas culturas. Nunca havia sentido com
tanta intensidade minha profissão de professor. Nestes lugares, o que se fala, o que se
estuda e discute em aula tem eco na prática dos estudantes
O professor acredita que o impacto causado na vida das pessoas é algo
significativo em qualquer experiência de ensino e aprendizagem e, no caso dos países
africanos, isto é ainda mais notório. Complementa lembrando que num seminário sobre
TIC na educação, a maior parte das possibilidades de tecnologias educativas
amplamente utilizadas no mundo eram completamente desconhecidas pelos professores
locais.
Um aspecto significativo ressaltado no estudo foi reconhecer o compromisso
doa população com seu país. Admiro muito este povo e os jovens e menos jovens que
têm coragem de voltar à Escola. São persistentes, humildes e querem muito “ouvir” o
que temos para lhes dizer. Cada vez vejo a Educação e o Ensino, em particular, como
um factor preponderante para o desenvolvimento dos povos em todas as suas vertentes.
Essa condição nos entusiasma e dá sentido à nossa opção de estar aqui.
Considerações Finais
O estudo que teve como tema principal a internacionalização através dos
docentes convidados para exercer suas práticas em países africanos de língua
portuguesa e o objetivo principal de compreender o significado desta experiência
conclui positivamente sobre a iniciativa.
Os docentes aceitaram a experiência por acreditarem que seria importante para a
sua profissão e por uma visão altruísta, o que os levou a pensar que a visão colonialista
de levar o que temos a quem não tem, está fortemente relacionado as experiências de
quase todos os professores. Entretanto precisa ser mudada, assumindo uma visão
intercultural, em que todos aprendem e se enriquecem, uns com os outros.
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Entre os principais impactos profissionais está a diferença na relação professor-
aluno, pois tanto em Moçambique quanto em Angola existe, ainda, uma forte hierarquia
onde parece que apenas o professor está autorizado a falar e decidir sobre os
encaminhamentos das aulas.
Os professores brasileiros confirmaram que as concepções dos professores é que
os mesmos acreditam que irão transmitir os seus conhecimentos para os estudantes o
que no Brasil já vem sendo superado pelo menos nos discursos dos sujeitos. Há uma
fragilidade na formação dos docentes angolanos que também reforça a hierarquia.
A condição da internacionalização com a África traz uma dimensão de
solidariedade. Entretanto não obscurece a condição de aprendentes de todos que se
envolvem no processo. Os docentes que viveram essa experiência reconhecem que
voltaram melhores ao seu país de origem. Melhores porque mais abertos à diversidade
multicultural e reabastecidos de esperanças ao admirar a crença e o investimento que o
povo africano dos países em que estiveram demonstram com relação ao futuro.
Certamente outras pesquisas serão importantes para subsidiar a relação da
internacionalização na direção sul-sul. Parece que esta é uma alternativa de
humanização da globalização.
Referências
GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6 ed. Porto Alegre: ABDR, 2012.
KNIGHT, Jane. Internationalization remodeled: Definition, approaches, and rationales.
Journal of studies in international education. [S.l] v. 8, n. 1, p. 5-31, 2004.
LARROSA, Jorge B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista
Brasileira de Educação.[S.l.] , n. 19, p.19-28, jan./abr. 2002.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. A Globalização e as Ciências Sociais. Os processos
da Globalização. 3ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2005.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. A Universidade do Século XXI: para uma reforma
democrática e emancipatória da universidade. 3ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2010.
TARDIF, Maurice. O Trabalho Docente, a Pedagogia e o Ensino. Petrópolis: Vozes,
2005.
TARDIF, Maurice. Saberes Docentes e Formação Profissional. São Paulo: Editora
Cortez, 2005.
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38
UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e
Ação, Paris, 1998. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Direito-a-
Educa%C3%A7%C3%A3o/declaracao-mundial-sobre-educacao-superior-no-seculo-
xxi-visao-e-acao.html>. Acesso em: 11 de jan. 2016.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
2610ISSN 2177-336X
39
i Conforme previsto no artigo 172º.da Lei n º62/2007, de 10 de setembro (RJIES), foi instituída
pelo Estado como uma fundação publica com regime de direito privado denominada Universidade do
Porto; os estatutos da Universidade do Porto foram aprovados em 22 de dezembro de 2008, homologados
pelo Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior em 30 de abril de 2009 e publicados no D.R. n º
93, 2ª.série, de 14 de maio de 2009.
ii Universidade do Porto está em atividade desde 1911, possui 663 cursos, 35 Licenciaturas do
Primeiro Ciclo, 18 Mestrados Integrados, 141 mestrados e 93 doutoramentos. Possui 2627 acordos de
colaboração entre países; 1394 instituições estrangeiras parceiras, que representam 148 países; possui
3282 estudantes internacionais, 1709 em mobilidade In. Sendo uma instituição de ensino superior
fortemente ligada ao contexto europeu adere a política subscrita por 30 países, intitulada processo de
Bolonha e passa a agregar, adotar referências comuns no processo educativo. Tais reformas foram
influenciados por valores de um contexto econômicos e socioculturais globalizado acabam singularizar
toda uma conjuntura.
iii
Refiro-me a Homepage institucional “www. up.pt”
iv (www.up.pt) e da plataforma SIGARRA (sigarra.up.pt), desta se acessou inúmeros documento,
entre esses o catálogo da biblioteca da FPCEUP. Por fim, outros acessos se fizeram através do site Centro
de Investigação e Intervenção em Educação – CIIE.
v A União Europeia –EU é uma comunidade formada por 28 estados-membros, formalmente
criada em 1992, sua antecessora é a Comunidade econômica Européia criada em 1950. Esta última foi
precedida pelo conselho da Europa criado em 1949, possuía 06 Estados-membros e visava livre
circulação de pessoas e bens.
vi As estratégias de internacionalização marcam os anos de 2004 e 2005 e estão voltadas,
primordialmente, à função ensino. São identificados textos que fomentam redes de pesquisa, mas o cerne
da produção cientifica é o ensino. Inicialmente relatavam intercâmbios, alunos-convênios e outros casos
esporádicos e passam à priorização da experiência internacional no mundo globalizado. Neste período,
cresce o número de produções científicas que discutem as estratégias de internacionalização: em nível de
estudantes, seu aprendizado, a construção de sua identidade e sua adaptação social; currículos
internacionalizados, e desenvolvimento tecnológico para apoio à internacionalização, entre outros
(MOROSINI,2006)
vii
A criação das LCE na Universidade pública é influenciada pelo contexto das políticas
educativas para o ensino superior já em destaque na lei analisada. Nos finais dos anos 1980, a Lei da
Autonomia das Universidades (Lei n.º 108/88 de 24 de Setembro) deu às instituições públicas liberdade
para estabelecerem os seus estatutos, conjuntamente com autonomia científica, pedagógica,
administrativa e financeira, bem como o poder de atuar na componente acadêmica.
viii
Currículo do Curso em Licenciatura em Ciências da Educação tem uma última versão ou
adaptação com a data 2007-2008. Este está sendo analisado (www.sigarra.up.pt)
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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