Interferências nos marcapassos...

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94 Vol XV N o 2 6 Artigo de Revisão Interferências nos marcapassos cardíacos O marcapasso é formado por um gerador de pulso e por um ou dois cabos-eletrodos, que são revestidos por silicone ou poliuretano como isolamento e com um ou dois pólos (unipolar e bipolar). Os cabos- eletrodos podem estar colocados no átrio, no ventrículo ou nas duas câmaras (dupla câmara). Possuem circuitos que “sentem” os batimentos próprios e são inibidos. Possuem sensores que modulam a freqüência de acordo com as necessidades metabólicas e podem ser de demanda, quando são inibidos pelo ritmo próprio, ou deflagrados, quando emitem um estímulo. As interferências são exógenas e endógenas e podem ser provenientes de: 1. marcapasso (auto inibição/deflagração); 2. coração (sensibilidade anormal da onda T, cabo- eletrodo ventricular bipolar em que o anel capta a onda P; 3. paciente (miopotenciais); 4. meio ambiente (doméstico, social, profissional e hospitalar). As interferências podem ainda se apresentar por contacto entre o paciente e o aparelho, por campo elétrico, por ação magnética e por ação mecânica. Podem causar inibição do estímulo, deflagração inapropriada, reversão para modo assincrônico e aceleração indevida. As alterações podem ser transitórias ou permanentes e causar arritmias. Interferências eletromagnéticas (IEM) são definidas como sinais elétricos de origem não fisiológica e que podem afetar a função normal dos marcapassos. Embora várias formas de meios de interferências sejam possíveis, hoje o desenvolvimento de novos circuitos permite que os geradores sejam Mário Ypiranga Monteiro Filho Médico responsável pelo Ambulatório de Marcapasso do Hospital de Servidores do Estado relativamente imunes às IEM externas. As interferências podem penetrar no sistema ou diretamente através do gerador, o que é raro hoje porque os geradores são hermeticamente fechados; ou indiretamente pelo eletrodo. Os sistemas unipolares são mais susceptíveis do que os bipolares, por abrangerem uma área de “sensing” maior, tanto nas interferências externas quanto nas internas. Os eletrodos bipolares eliminaram a inibição por miopotenciais e “crosstalk” e reduziram consideravelmente o “sensing” de campos elétricos externos e menor efeito dos eletrocautérios durante as cirurgias. Os marcapassos de dupla câmara, por terem dois eletrodos, são mais susceptíveis que os de câmara única. Os geradores de pulso são providos de filtros que rejeitam certas freqüências, embora existam interferências que são parecidas com os sinais do próprio coração. Os geradores possuem um circuito detector de ruídos que monitora o sistema a procura de sinais que sejam repetitivos, reconhecendo-os como não sendo provenientes do coração e transformando o marcapasso em assincrônico ao invés de inibi-los. A mudança para o modo assincrônico, quando por um período curto, não traz maiores problemas. As porções do espectro eletromagnético que podem afetar os marcapassos cardíacos são ondas de radiofreqüência (entre 0 e 10 Hz), incluindo os objetos com corrente elétrica alternada (50 ou 60Hz) e eletrocautério, e também ondas curtas (freqüência entre 10 e 10 Hz), incluindo ondas de rádio de alta freqüência, radar e fogões de microondas

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6 Artigo deRevisão

Interferências nos marcapassos cardíacos

O marcapasso é formado por um gerador de pulsoe por um ou dois cabos-eletrodos, que são revestidospor silicone ou poliuretano como isolamento e comum ou dois pólos (unipolar e bipolar). Os cabos-eletrodos podem estar colocados no átrio, noventrículo ou nas duas câmaras (dupla câmara).Possuem circuitos que “sentem” os batimentospróprios e são inibidos. Possuem sensores quemodulam a freqüência de acordo com asnecessidades metabólicas e podem ser de demanda,quando são inibidos pelo ritmo próprio, oudeflagrados, quando emitem um estímulo.

As interferências são exógenas e endógenas epodem ser provenientes de:1. marcapasso (auto inibição/deflagração);2. coração (sensibilidade anormal da onda T, cabo-

eletrodo ventricular bipolar em que o anel captaa onda P;

3. paciente (miopotenciais);4. meio ambiente (doméstico, social, profissional e

hospitalar).

As interferências podem ainda se apresentar porcontacto entre o paciente e o aparelho, por campoelétrico, por ação magnética e por ação mecânica.Podem causar inibição do estímulo, deflagraçãoinapropriada, reversão para modo assincrônico eaceleração indevida. As alterações podem sertransitórias ou permanentes e causar arritmias.

Interferências eletromagnéticas (IEM) são definidascomo sinais elétricos de origem não fisiológica e quepodem afetar a função normal dos marcapassos.

Embora várias formas de meios de interferênciassejam possíveis, hoje o desenvolvimento de novoscircuitos permite que os geradores sejam

Mário Ypiranga Monteiro FilhoMédico responsável pelo Ambulatório de Marcapasso

do Hospital de Servidores do Estado

relativamente imunes às IEM externas.

As interferências podem penetrar no sistema oudiretamente através do gerador, o que é raro hojeporque os geradores são hermeticamente fechados;ou indiretamente pelo eletrodo. Os sistemasunipolares são mais susceptíveis do que osbipolares, por abrangerem uma área de “sensing”maior, tanto nas interferências externas quanto nasinternas.

Os eletrodos bipolares eliminaram a inibição pormiopotenciais e “crosstalk” e reduziramconsideravelmente o “sensing” de campos elétricosexternos e menor efeito dos eletrocautérios duranteas cirurgias. Os marcapassos de dupla câmara, porterem dois eletrodos, são mais susceptíveis que osde câmara única.

Os geradores de pulso são providos de filtros querejeitam certas freqüências, embora existaminterferências que são parecidas com os sinais dopróprio coração. Os geradores possuem um circuitodetector de ruídos que monitora o sistema a procurade sinais que sejam repetitivos, reconhecendo-oscomo não sendo provenientes do coração etransformando o marcapasso em assincrônico aoinvés de inibi-los. A mudança para o modoassincrônico, quando por um período curto, não trazmaiores problemas.

As porções do espectro eletromagnético que podemafetar os marcapassos cardíacos são ondas deradiofreqüência (entre 0 e 10 Hz), incluindo osobjetos com corrente elétrica alternada (50 ou 60Hz)e eletrocautério, e também ondas curtas (freqüênciaentre 10 e 10 Hz), incluindo ondas de rádio dealta freqüência, radar e fogões de microondas

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(2,45x10 Hz). Porções do espectro de alta freqüência,incluindo infravermelho, luz visível, ultravioleta,raios X e raios gama não interferem nosmarcapassos. Raios X terapêuticos de alta freqüênciapodem, entretanto, danificar os circuitos domarcapasso diretamente.

Resposta do marcapasso às interferências:

O “noise sampling period” (NSP) (intervalo deruído) é um período refratário relativo situado nofinal do período refratário ventricular (PRV), apósum batimento sentido ou estimulado. Os eventossentidos neste período são interpretados comosendo ruídos e os PRV e NSP são reiniciados. Aindanos marcapassos de dupla câmara, o períodorefratário atrial pós-ventricular (PRAPV) e o “upperrate interval” são reiniciados. Ruídos contínuostransformarão o marcapasso em assincrônico em“lower rate limit”. Conversão automática para umoutro tipo de estimulação (VVI) pode ocorrer emalguns tipos de marcapassos (DDD).

Existem vários tipos de respostas às IEM como:inibição, assincronia (freqüência fixa), falhapermanente em sua função, reprogramaçãoinapropriada (modos “reset” ou volta a parâmetrosnominais ou outros) e dano miocárdico na interfaceeletrodo-endocárdio.

As IEM podem ser influenciadas pela: intensidadedo campo, distância entre a fonte da interferência eo marcapasso, freqüência e a forma da onda do sinal,orientação física do marcapasso, tipo de sistemaimplantado (unipolar, bipolar, dupla câmara), tipode biodetector, programação da sensibilidade e omodo de demanda (deflagrado, inibido ouassincrônico).

Causas exógenas

As IEM podem ser provenientes de: ambientemédico-hospitalar ou domésticas.

Ambiente médico-hospitalar:

Eletrocautério ou bisturi elétrico - envolvem o usode corrente alternada na faixa de radiofreqüência(300KHz a 1MHz) para cortar ou coagular ostecidos. A alta freqüência é usada para diminuir apossibilidade de estimulação nervosa e muscular.Usar o cautério de modo bipolar (corrente entre asduas hastes do bisturi), para pequenas áreas decoagulação mas não para corte, parece não causarproblemas para o marcapasso. No modo unipolar,

entre o cautério (catódio) e a placa (anódio) colocadasob o paciente, a corrente elétrica pode se espalhare penetrar pelo corpo do paciente e ser interpretadopelo marcapasso como um “sinal” proveniente docoração. Os possíveis efeitos podem variar desde ainibição de alguns batimentos até a inibição total,falha permanente das funções do marcapasso,reprogramação, sinais de depleção de bateria e atéfibrilação ventricular. Deve-se no pré-operatórioavaliar o paciente e sua dependência do marcapasso.Usar o bisturi elétrico a uma distância superior a15cm da área do gerador ou ponta do eletrodo enunca entre os dois. Na ressecção transuretral dapróstata, recomenda-se que a placa não sejacolocada na área do tórax (colocar na parte baixada perna). Usar o bisturi elétrico de formaintermitente, com baixo nível de energia e não usarnaqueles pacientes com sinais de depleção debateria. Evitar o eletrocautério unipolar se o campooperatório for próximo ao eletrodo ou próximo aogerador. Nos marcapassos não programáveis, pode-se evitar as interferências com a colocação de umimã sobre o gerador, transformando-o emassincrônico. Nos marcapassos programáveis, podeser feita uma programação para um modoassincrônico antes da cirurgia.

Desfibrilação, cardioversão elétrica e odesfibrilador implantável - liberam uma grandequantidade de energia elétrica com um potencialefeito danoso ao gerador de pulso e o tecido cardíacoem contacto com os eletrodos.

A maioria dos problemas ocorrem com os sistemasunipolares e com os geradores implantados na fossapeitoral direita. Os sistemas bipolares são menosvulneráveis. O marcapasso é protegido por circuitosespeciais que regulam a voltagem que entra nocircuito do gerador e previnem que altas correntessejam conduzidas pelo eletrodo ao miocárdio.

Os possíveis efeitos após a desfibrilação elétrica são:reprogramação a parâmetros nominais, aumento dolimiar de estimulação, falha permanente nas funçõesdo marcapasso e deslocamento do eletrodo porcontração muscular que ocorre somente nosimplantados mais recentemente.

Recomenda-se o uso, se possível, das pás dodesfibrilador na posição ântero-posterior do tórax.Quando isto não for possível, usá-las em umaposição perpendicular à linha entre o gerador e aponta do eletrodo ventricular. Nunca colocar as pásdo desfibrilador sobre o gerador. Elas devem sercolocadas à uma distância mínima de 15cm domarcapasso. Pode ser usado um imã sobre o geradorno momento do choque. Deve-se usar menos

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energia possível, ter um programador adequadoao marcapasso e analisar o mesmo após oprocedimento.

Ablação por cateter - atualmente são feitas usandocorrente de radiofreqüência similar a doeletrocautério para coagulação. Podem levar a umaumento transitório dos limiares de estimulação esensibilidade e inibição inapropriada. O marcapassodeve ser analisado antes e após o procedimento.

Radiação - a radiação diagnóstica não acarretaefeitos sobre os marcapassos. A dose de radiaçãousada nos RX, coronariografias ou angiografiascerebrais, por exemplo, não afetam os marcapassosde forma aguda ou cumulativa.

A radiação cumulativa pode levar a alterações nasensibilidade, amplitude, largura de pulso, perdada telemetria e falhas na estimulação. Deve-se evitara irradiação terapêutica sobre o gerador (a menosde 5cm do gerador) e, se não for possível, mudar ogerador de lugar, protegê-lo e analisá-lo após cadasessão.

Ressonância magnética - esta possui camposmagnéticos e de radiofreqüência que podem afetaros marcapassos. Como efeito do seu campomagnético pode levar à estimulação assincrônica ouinibição transitória. Como efeito da radiofreqüência,pode haver estimulação rápida, inibição total,estimulação assincrônica ou disfunção transitóriana mudança de modo de estimulação. Oaquecimento dos eletrodos pode ser um efeitoperigoso e não detectado por monitoramento dopaciente.

A ressonância magnética com campos magnéticospotentes deve ser evitada em todos os pacientes commarcapasso e a equipe de médicos, enfermeiras etécnicos portadores de marcapasso cardíaco nãodevem ficar a menos de 9m da ressonânciamagnética.

Litotripsia - é um método não invasivo usado paradesintegrar cálculos no trato renal e que libera forçaseletromagnéticas e mecânicas que podem afetar ofuncionamento dos marcapassos.

Devido às ondas de choque poderem produzirextra-sístoles ventriculares, os mesmos devem sersincronizados com a onda R. Pacientes portadoresde marcapassos com resposta de freqüência,utilizando atividade como sensor (cristalpiezoelétrico), não terão problemas se o geradorestiver implantado no tórax. Deve ser evitado,contudo, naqueles pacientes em que o gerador

estiver situado no abdome.

A litotripsia é segura para ser usada em pacientesportadores de marcapasso cardíaco, mas asincronização deve ser feita com o complexo QRS enão com o artefato do marcapasso.

Os marcapassos de câmara única podem serinibidos temporariamente e os de dupla câmarapodem ser inibidos, podem aumentar a freqüênciaapós o choque (podendo ser programado para omodo de não resposta de freqüência) ou induçãode taquiarritmias atriais. Os marcapassos DDDpodem ser programados para o modo VVI ou VOOpara o procedimento e o ponto focal do litotripsordeve ser colocado no mínimo a 15cm do gerador.

Diatermia - diatermia com ondas curtas consiste naaplicação de corrente diretamente na pele. Devidoa sua alta freqüência deve ser evitada próximo aolocal do implante por poder causar inibição domarcapasso ou dano do gerador, devido ao seucalor. Está contra-indicado em pacientes portadoresde marcapasso.

Neuroestimulação elétrica transcutânea eeletromiografia - este tipo de estimulação elétrica éum método usado para alívio de dores agudas oucrônicas musculoesqueléticas e neurológicas. Podeinibir, deflagrar ou reverter para assincrônico,quando os eletrodos forem colocados paralelos aoeletrodo ventricular do marcapasso. Pode ser ummétodo seguro quando forem observados estesdetalhes.

Acupuntura - só a eletro-acupuntura pode causarinibição, deflagração ou reversão para modoassincrônico dos marcapassos.

Eletrochoque - apenas uma pequena quantidade deeletricidade alcança o coração, sendo, portanto,seguro o seu uso. Eletrocardiograma (ECG) deve serfeito durante o procedimento e análise do geradorapós o mesmo.

Equipamento dentário - alguns modelos de curetasdentárias com ultra-som podem causar inibiçãotransitória pela proximidade do instrumento como gerador. As brocas dentárias podem causarvibrações suficientes para aumentar a freqüência nocaso dos marcapassos com modulação defreqüência. Durante o procedimento algunscuidados podem ser tomados, como a utilizaçãointermitente, não apoiar os instrumentos sobre ogerador e desprogramar a modulação de freqüência.

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Ambiente doméstico, social e profissional:

Eletrodomésticos - podem produzir interferência,inibição ou aumento da freqüência, quandocolocados diretamente sobre o marcapasso. Osfornos de microondas atuais não interferem nofuncionamento dos marcapassos. Todos oseletrodomésticos devem estar em perfeitascondições, livres de curtos-circuitos e bem aterrados.

Triboeletricidade - eletricidade formada pelo atritode dois corpos que pode inibir os geradoresunipolares. A eletricidade estática pode, porexemplo, ser acumulada quando se usa sapatos comsola de borracha sobre um tapete. Tocando a peledo paciente sobre o marcapasso unipolar, pode serliberada voltagem estática suficiente para inibir ocanal ventricular. Sinais triboelétricos podemtambém ser sentidos pelo canal atrial de ummarcapasso DDD, deflagrando-o.

Colchão magnético - está contra-indicado por havera possibilidade do imã atuar sobre o gerador,levando a reversão para o modo assincrônico,mudando sua freqüência para magnética e podendolevar à competição e a arritmias.

Dispositivos de controle remoto (abertura deportas de garagem, televisores, vídeos e jogos) -não acarretam problemas para os marcapassos.

Motores de combustão - são seguros para uso empacientes portadores de marcapassos cardíacos.

Cortador de grama, furadeiras, barbeadoreselétricos, vibradores de massagem - as vibraçõespodem ativar alguns biodetectores e originarmiopotenciais, levando a uma aceleraçãoinapropriada.

Interruptores ativados por contacto digital(televisores, elevadores) - podem inibirtransitoriamente durante o contacto, mas semrepercussão clínica.

Radiotransmissores - seguros desde quetransmitidos em freqüências permitidas.

Detectores de metais e de armas (aeroportos, lojase portas de bancos) - podem ocasionar inibiçãotransitória, deflagração e reversão ao modoassincrônico em marcapassos unipolares e bipolares.

Emissoras de rádio e televisão - os empregadosportadores de marcapasso cardíaco devem usar umsistema bipolar e serem monitorados no primeirodia de trabalho.

Campos magnéticos industriais, fornos defundição elétrica, arcos de solda, subestações decentrais elétricas - podem potencialmente causarIEM. É desconhecida a distância mínima a partirda qual não se detecta IEM. Os empregados devemusar marcapassos com sistema bipolar e devem sermonitorados no primeiro dia de trabalho.

Telefone - os telefones ligados à rede não produzemIEM. Pequenos estudos têm demonstrado que ainterferência nos telefones celulares ocorrem comos telefones digitais, enquanto que os análogicos nãosofrem interferência. Entretanto alguns estudos têmmostrado ser seguro o uso do telefones digitais.

As interferências podem levar à inibiçãoinapropriada do estímulo, estimulação inapropriadado batimento estimulado, reversão para modoassincrônico, ativação inapropriada do “crosstalking”, mudança para outro modo de estimulaçãoe mudanças na freqüência de estimulação. Essasalterações são temporárias. As interferências sãomaiores com os marcapassos de dupla câmara doque com os de câmara única. O uso do telefonecelular na posição normal (no ouvido) esteveassociado a menor incidência de interferência emrelação às outras posições e não resultou emnenhuma interferência clínica. Deve-se evitarcolocar o telefone sobre o marcapasso e quandoligado não deve ser colocado no bolso próximo aogerador. De preferência deve-se usar no ouvido dolado oposto ao do gerador e manter sempre umadistância de pelo menos 30cm.

Turbulência hídrica (hidromassagem) e acústica -podem, teoricamente devido à turbulência, influirnos marcapassos com sensores para movimentos.

Sauna - não interferem diretamente nosmarcapassos. A vasodilatação nas saunasprolongadas podem causar sintomas de baixodébito, mas que não são devidos à interferência nosmarcapassos.

Esteiras ou bicicletas ergométricas - não interferemdiretamente no marcapasso.

Eletricistas - profissionais que lidam com rede debaixa voltagem devem estar protegidos por luvasde borracha e botas.

Mecânicos de automóveis - motores e instalaçõeselétricas podem gerar cargas elétricas eeletromagnéticas. O sistema de ignição podeprovocar inibição da estimulação em marcapassosunipolares, quando estiverem a uma distânciainferior a 60cm. É recomendada uma distância de

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1m durante o manuseio de motores que estejam coma ignição elétrica ligada.

Técnicos de televisores - o tubo de imagem e osdispositivos de testes e reparos são fontes de camposeletromagnéticos e podem causar inibição,deflagração ou mudança para modo assincrônico.

Causas endógenas: miopotenciais

Wirzfeld e cols., em 1972, descreveram pela primeiravez a inibição de marcapasso de demanda unipolarpor potenciais musculoesqueléticos. A inibição émais freqüente nos sistemas unipolares do que nosbipolares. A incidência de inibição pormiopotenciais depende de técnicas de implantação,características dos circuitos de “sensing”,programação e tamanho e tipo do gerador. Aindadepende da proximidade do marcapasso com omúsculo ativado, local de implante e profundidadeda bolsa. A amplitude dos sinais dos miopotenciaisdiminui com a distância do músculo e é influenciadapela fadiga após exercícios. A inibição pormiopotenciais nos sistemas bipolares é rara e podeocorrer em certas circunstâncias como, por exemplo,inibição diafragmática no canal ventricular dosmarcapassos de câmara única ou dupla câmara,perda do isolamento do sistema bipolar,miopotenciais intercostais e pseudointerferência.

Marcapassos de câmara única - nestes, omarcapasso responde aos sinais de miopotenciaiscom inibição completa, assumindo o ritmo própriodo paciente e determinando a situação clínica. Se

os sinais de miopotenciais forem rápidos econtínuos, a maioria dos marcapassos vão setransformar em assincrônicos, podendo levar àcompetição. Ver Figura 1 e Figura 2

Marcapassos de dupla câmara - podem responderde várias maneiras dependendo do modo deestimulação e da câmara ou câmaras sentidas. Podehaver inibição do canal ventricular; o canal atrialpode sentir e mandar uma espícula ventricular,aumentando a freqüência do marcapasso compalpitação e hipotensão; pode alternar inibição edeflagração ventricular, reversão ao modoassincrônico por um ou mais ciclos, precipitar“endless loop tachycardia” devido ao canal atrialsentir os miopotenciais ou então inibição do canalventricular, permitindo batimentos de escape quepodem conduzir retrogradamente para o átrio ediminuição do intervalo AV, se os miopotenciaisforem sentidos no período de segurança domarcapasso.

Algumas arritmias podem ser precipitadas pormiopotenciais: inibição do canal ventricularresultando em escape ou arritmia dependente dabradicardia, “oversensing” dos miopotenciais àtaquicardia ventricular (DDD), mudança para omodo VOO ou DOO, levando à arritmia porestímulos que caem no período vulnerável empacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM)ou com distúrbios eletrolíticos.

Figura 1Mostra um caso de inibição por miopotencial em marcapassoVVI unipolar em que o ritmo próprio do pacienta é BAV total.

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As fontes musculares de miopotenciais sãogeralmente o grande peitoral, o reto anterior doabdome, o diafragma e os músculos intercostais. Omúsculo grande peitoral é considerado como aprincipal fonte de miopotenciais. O reto anterior doabdome pode interferir na função dos marcapassosindependente de sua implantação ser no abdomeou tórax. Pode levar a sintomas de tonteirasdurante mudanças posturais. “Oversensing” pormiopotenciais provenientes do músculodiafragmático é raro, mas pode ser provocado porrespiração profunda, contração diafragmáticadurante esforço, manobra de Valsalva, tosse, espirroe risadas. Miopotenciais proveniente dos músculosintercostais e sentido pelo canal atrial são possíveisdurante respiração profunda.

Alguns testes provocativos de miopotenciais podemser feitos: empurrar a palma da mão contra a mãodo observador ou contra o tórax, apertar uma mãocontra a outra, bater palmas, hiper-abdução dobraço ipso-lateral, inspiração profunda, manobra deValsalva, tossir, etc.

Em alguns casos os miopotenciais podem serobservados durante o exercício e podem serreproduzidos durante teste ergométrico, assimcomo também durante a monitorizaçãoambulatorial (Holter).

Tratamento da interferência por miopotenciais - amudança do sistema unipolar para o bipolar seriaum tratamento definitivo, mas que pode envolveruma nova pequena cirurgia com troca de eletrodos.

Hoje os problemas gerados pelos miopotenciaispodem ser diminuídos ou eliminados usando oprograma dos marcapassos. Deve-se lembrar quepode não ser possível diferenciar a sensibilidade quevai discriminar os miopotenciais e a atividadeintrínseca do coração. Nos DDD, por exemplo, aatividade intrínseca atrial é similar a dosmiopotenciais (1-3mV de amplitude).

A reprogramação não invasiva pode incluir amudança para o modo bipolar em alguns modelosde marcapasso, eliminando a maioria dosmiopotenciais, diminuição da sensibilidade quepode levar, no entanto, à “undersensing” docomplexo QRS ou da onda P, aumentar o períodorefratário encurtando o período de “sensing”,podendo também levar a perda do “sensing”

Figura 2O mesmo paciente da Figura 1 após aumento da sensibilidadede 1 para 3 mV.

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intracardíaco ou diminuição do “tracking atrial”,mudança do modo do marcapasso paraassincrônico (VOO, AOO, DOO), que pode levar àcompetição ou para VVT ou AAT, podendo tambémlevar à competição.

As medidas invasivas seriam de mudança para osistema bipolar (que pode não ser disponível nomodelo), reposição do marcapasso em lugar que nãosofra ação muscular ou isolamento do marcapasso.

“Oversensing”

“Oversensing” ocorre quando o circuito de“sensing” identifica erradamente um sinal elétricocomo sendo um evento cardíaco (ondas P ou R) erecicla ou estimula um circuito de tempo. Algunsmarcapassos podem interpretar sinais biológicoscomo ruídos elétricos extracorpóreos e mudar parao modo de interferência.

O marcapasso pode detectar uma onda P sinusalquando o(s) eletrodo(s) estão próximos ao átrio.Robert G. Hauser e cols., em 1.031 pacientes, nãoobservou “oversensing” da onda P, quando oeletrodo unipolar era colocado na ponta doventrículo direito. Da mesma forma, o circuito de“sensing” atrial pode detectar um complexo QRSdistante com amplitude suficiente para ser sentida.

“Oversensing” da onda T é rara e pode acontecerquando o marcapasso estiver programado com umasensibilidade alta ou um período refratário curto.

Essas alterações podem ocorrer tanto com osmarcapassos unipolares quanto com os bipolares,embora com os bipolares seja mais difícil registrarsinais de câmaras distantes.

Outras causas de interferência como sensibilidadealta, período refratário curto e pós-potenciais quepersistem após o período refratário podem levar àreciclagem inapropriada do marcapasso.

Vazamento de corrente devido a defeitos deisolamento, fratura intermitente do eletrodo podemtambém levar a “oversensing” e reciclagem domarcapasso.

“Crosstalk”

É uma forma perigosa de “oversensing” que podeocorrer em um marcapasso de dupla câmara, emque o átrio é estimulado e o ventrículo é sentido eestimulado. Se levarmos em conta que a voltagem

da estimulação no canal atrial é de 2,5 a 5,0V e queo eletrodo ventricular está próximo do eletrodoatrial, ele pode sentir este estímulo no átrio einterpretar como sendo uma onda R. A estimulaçãoventricular pode ser inibida e se o paciente estiverem bloqueio átrio-ventricular (BAV) total, poderesultar em assistolia, com apenas as ondas Pestimuladas.

Algumas causas de aumento da probabilidade de“crosstalk” são: programação que aumentam aamplitude e largura do pulso atrial, aumento dasensibilidade ventricular e “blanking period”ventricular curto. Os sistemas unipolares são maissusceptíveis de “crosstalk”.

O “crosstalk” pode ser evitado reprogramando-seo marcapasso. A largura e amplitude do pulso atriale a sensibilidade ventricular podem serreprogramadas. A programação do “blankingperiod” (período em que o canal ventricular nãosente nenhum sinal), que começa após o estímuloatrial e dura em média 20 a 50ms, é usada tambémpara prevenir esta disfunção. “Blanking period”curtos evitam o “undersensing” da atividadeventricular intrínseca, mas permite o “crosstalk”. Jáos “blanking period” longos evitam o “crosstalk”,mas podem causar “undersensing” dos eventosintrínsecos.

Na prevenção das conseqüências do “crosstalk”usaram-se primeiramente os modos DVI“comprometidos”, em que o “sensing” ventricularé completamente desativado durante o intervalo AVque segue um estímulo atrial. Após o final dointervalo AV, um estímulo ventricular ocorre se umbatimento ventricular intrínseco ocorrer ou não. Istoleva a desgaste de energia por liberação de estímulosque não são necessários.

O mais usado hoje é o chamado intervalo desegurança, que vem após o “blanking period”.Qualquer evento elétrico sentido durante o períodode “crosstalk sensing” é reconhecido como sendo“crosstalk”, sendo então liberado um estímuloventricular após um intervalo AV curto. Este artifíciovale não para evitar o “crosstalk”, mas para evitaras conseqüências e, portanto, evitar a assistolia.

Concluindo, as interferências na função dosmarcapassos continuam sendo de grandeimportância, além de ocorrerem com maisfreqüência nos sistemas unipolares do que nosbipolares, que apresentam um sinal satisfatório para“sensing” e não são sensíveis às interferências àdistância.

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Referências

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