INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS DE ... Ferreira de Almeida.pdf · Isabela Cabral...
Transcript of INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS DE ... Ferreira de Almeida.pdf · Isabela Cabral...
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS
DE PRIVILEGIADAS TESTEMUNHAS DO
COMPLEXO MORRER HUMANO.
Doutoranda: Luana Ferreira de Almeida
Orientadora: Eliane Brígida Morais Falcão
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
INTENSIVISTAS: VISÕES, SENTIMENTOS E DEMANDAS
DE PRIVILEGIADAS TESTEMUNHAS DO
COMPLEXO MORRER HUMANO.
Relatório Final de Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor em Educação em
Ciências e Saúde.
Rio de Janeiro
2011
Almeida, Luana Ferreira de.
Intensivistas: visões, sentimentos e demandas de privilegiadas testemunhas do complexo morrer humano / Luana Ferreira de Almeida. – Rio de Janeiro: UFRJ / NUTES, 2011.
131 f ; 31 cm. Orientador: Eliane Brígida Morais Falcão.
Tese (doutorado) -- UFRJ, NUTES, Programa de Pós-
graduação em Educação em Ciênc ias e Saúde, 2011. Referências bibliográficas: f. 119-128
1. EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE. 2. Médicos - Formação.
3. Enfermeiros - Formação. 4. Morte. 5. Morte – Aspectos religiosos. 6. Morte – Aspectos sociais. 7. Unidade de tratamento intensivo. 8. Atitude frente à morte. 9. Tecnologia Educacional em Saúde - Tese. I.
Falcão, Eliane Brígida Morais. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, NUTES, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde. III. Título.
Luana Ferreira de Almeida
INTENSIVISTAS: visões, sentimentos e demandas de privilegiadas testemunhas do
complexo morrer humano
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação Educação
em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
como requisito parcial à obtenção do Título de Doutor em Educação em
Ciências e Saúde.
Aprovado em __________________________________
______________________________________________________
Profa. Dra. Eliane Brigida Morais Falcão - UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Rosimere Ferreira Santana - UFF
______________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio da Cunha - UERJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Tavares Cavalcanti - UFRJ
______________________________________________________
Profa. Dra. Isabela Cabral Félix de Sousa - UFRJ
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Eliane Brígida Morais Falcão, incentivadora,
capaz e facilitadora incansável em todas as etapas a serem vencidas na execução
desta Tese. Obrigada pela preciosa orientação, pelo seu apoio, palavras de
incentivo e disponibilidade em orientar este estudo.
Aos meus pais, amigos e conselheiros Paulo Roberto e Nádia. Obrigada pelo
seu exemplo de vida, pelas lições de coragem, perseverança, constante apoio e
entusiasmo que me foram tão úteis na construção deste percurso. Sem vocês, não
teria superado meus limites.
Ao meu namorado Wilson Silveira, por sua extensa paciência, pelo seu amor,
por sempre estar disposto a me ajudar em qualquer situação e principalmente pelo
seu apoio que me conforta e me deixa mais forte para superar meus desafios.
Às minhas irmãs Laila, Lívia e ao meu cunhado Maurício que sempre se
preocuparam e torceram por mim.
À Profª e amiga Sonia Regina de Oliveira e Silva de Souza, pela sua amizade,
competência, incentivo e pelo exemplo do que é ser enfermeira intensivista. Saiba
que eu a admiro muito.
Aos enfermeiros Augusto César Costa Ferreira, Rogério Marques de Souza e
Ilma Fernandes Marques, pela compreensão da necessidade em não poder, em
alguns momentos, estar mais perto.
À equipe de enfermagem da UCIPG/HUPE/UERJ, em especial aos
enfermeiros Loiva Ceci Sebastião e Fernando Lemes dos Santos, que entenderam
quando eu precisava me ausentar, e seguiam os meus conselhos de longe. Saibam
que eu aprendi muito com vocês.
Ao Bruno, pela imensa disponibilidade e profícuas sugestões, muito
importantes nesta Tese.
Aos amigos Rozânia Bicego Xavier, Janaína Ribeiro Lopes, Jaqueline Alves
Torres e Fernando Augusto Dias e Sanches, por sempre torcerem por mim e
estarem comigo em todos os momentos da minha vida profissional e pessoal.
Obrigada por fazerem parte do meu cotidiano.
Aos colegas do LEC/NUTES/UFRJ, com os quais convivi durante esse tempo,
Alessandra Guida, Mara Ferreti, Paulo Roberto Porto, Carolina Belo, Isadora Ramos
e Cristiana Valença, pela alegre convivência, ajuda e sugestões em vários
momentos desta pesquisa.
À Prof.ª Dr.ª Ivone Evangelista Cabral e ao Prof. Dr. Mário Fritz Toro Neves
pelas contribuições dadas na qualificação deste estudo.
Aos professores Isabella Cabral Félix de Sousa, Maria Tavares Cavalcanti,
Rosimere Ferreira Santana, Sérgio da Cunha, Benedita Maria Rêgo Deusdará
Rodrigues e Ivone Evangelista Cabral, por aceitarem em avaliar esta Tese.
Aos funcionários do NUTES/UFRJ Lúcia e Ricardo, pela ajuda em momentos
difíceis.
Aos médicos residentes, médicos e enfermeiros intensivistas que
concordaram em participar do estudo.
A todos os profissionais que despenderam o seu tempo para me auxiliar na
execução deste estudo.
“Os intensivistas conduzem doentes que estão no fio da navalha, e qualquer deslize, o menor infortúnio, o mais
insignificante capricho da natureza pode significar o final de tudo, num instante. A tensão resultante da natureza desse
trabalho afeta a vida pessoal de todos. Não há quem fique imune”. (Escritor e médico Drauzio Varella)
RESUMO
Almeida, Luana Ferreira. Intensivistas: visões, sentimentos e demandas de privilegiadas testemunhas do complexo morrer humano. Rio de Janeiro, 2011.
Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Saúde) – Núcleo de Tecnologia
Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
Esta pesquisa foi realizada em uma instituição hospitalar pública federal universitária
com o objetivo de melhor conhecer visões, valores e atitudes de médicos,
enfermeiros e médicos residentes intensivistas em relação à morte. Trabalhou-se
com o conceito de Representação Social (Moscovici) e a metodologia
qualiquantitativa do discurso do sujeito coletivo (DSC) (Lefèvre e Lefèvre). Os
resultados revelaram a influência significativa da realidade social da UTI na
construção das representações dos intensivistas em relação à morte. As
peculiaridades relacionadas às mortes vividas e experimentadas no contexto da UTI
podem ser melhor entendidas se compararmos os resultados da presente pesquisa
com os de outras realizadas acerca das representações sociais em relação à morte
construídas por médicos e enfermeiros atuantes em espaços distintos da UTI como
enfermarias, ambulatórios e/ou consultórios. Os discursos comuns referem-se ao
sofrimento vivido diante da morte humana, à percepção de um despreparo em lidar
com questões relacionadas à morte e ao morrer e ao esforço de atribuir à morte um
sentido natural. Todavia, mais particularmente em relação à naturalidade da morte,
esse discurso apresenta-se com conteúdos mais densos e maior adesão pelo grupo
dos intensivistas. Os discursos de distinção com outros grupos incluem a busca dos
intensivistas em categorizar as situações vivenciadas na UTI e a maior empatia
destes com o sofrimento dos familiares dos pacientes. Na tentativa de lidar com
essa complexibilidade, foram expressos o sentido religioso da morte e também a
necessidade de ajuda de profissionais de outras áreas do conhecimento para melhor
enfrentar as situações vivenciadas no cotidiano da UTI. Conclui-se que é necessário
visualizar com mais objetividade a premência de uma melhor formação de médicos e
enfermeiros para lidar com a morte, nas diversas circunstâncias em que se
encontrarão esses profissionais. Nesse ponto, pode-se pensar na UTI como um
espaço privilegiado para o desenvolvimento de ações de formação específica e de
reflexão sobre o morrer humano, a partir da especificidade encontrada neste
contexto, no qual a assistência à saúde está cercada de tecnologias avançadas para
a manutenção da vida e, possivelmente, com mais realidade, testemunha-se as
possibilidades humanas de conquistar êxitos, mas, também, fracassos em relação
aos controles dos processos da vida humana. Nesse ambiente, a constatação dos
limites de atuação de médicos e enfermeiros, as dificuldades em lidar tanto com os
pacientes em processo de morte como com suas famílias, as angústias causadas
pela busca de explicações ou sentidos para a terminalidade humana podem ser
matéria de sistemática reflexão coletiva entre médicos, enfermeiros, professores e
estudantes, envolvidos no atendimento, favorecendo a elaboração de atitudes
pessoais e profissionais em relação à morte que poderão propalar-se para outros
espaços das instituições hospitalares e acadêmicas.
ABSTRACT
Almeida, Luana Ferreira. Intensive care physicians: views, feelings and requests of privileged witnesses of the complex human dying. Rio de Janeiro, 2011.
Thesis (Ph.D. in Sciences and Health Education) – Educational Technology Center
for Health, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
This research was carried out in a federal public university hospital with the purpose
of better understanding views, values and attitudes of physicians, nurses and
intensive care resident physicians in front of death. It comprises the concept of social
representation (Moscovici) and the discourse of the collective subject (DCS) quali-
quantitative methodology (Lefèvre and Lefèvre). Results have shown the relevant
influence of ICU’s social reality in intensive care physicians’ construction of
representations in relation to death. Specificities related to deaths lived and
experienced in the ICU context can be better understood by comparing the results
hereof with those from other researches regarding death-related social
representations built by physicians and nurses working in separate areas of the ICU,
such as wards, outpatient and/or medical clinics. Regular discourses mention the
suffering experienced before human death, the perception of a lack of preparation in
dealing with issues regarding death and dying, and the effort to give a natural
meaning to death. Nevertheless, particularly in terms of death’s natural sense, such
discourse is presented with deeper significance and greater support from the group
of intensive care physicians. Speeches differing from other groups’ comprise the
pursuit of intensive care physicians in classifying situations experienced in ICUs and
their greater empathy towards patients' relatives suffering. Attempting to deal with
such complexity, the religious sense of death was mentioned together with the need
of help from professionals from other fields of knowledge in order to better address
situations experienced in ICU’s daily basis. Therefore, it is assumed the need to
approach more objectively the urgency in better training physicians and nurses to
deal with death in several situations which they will come to face. In such matter, one
can consider the ICU as a privileged space for developing specific qualification
actions and thoughts on the human dying, based on the specificity found in such
context, in which health care assistance is surrounded by advanced technologies to
maintain life and possibly, and more realistically, where one can witness men
likelihood to succeed as well as to fail to control human life processes. In this
environment, finding limits to physicians and nurses actions, the difficulties in dealing
both with patients in the process of dying and with their families, the anguish caused
by searching explanations or a sense for human life terminality may be subjects for
systematic collective consideration among physicians, nurses, teachers and students
involved in such assistance, fostering the development of personal and professional
attitudes before death that might reach other hospital and academic spaces.
RESUMEN
Almeida, Luana Ferreira. Intensivistas: visiones, sentimientos y demandas de
privilegiados testigos del complejo morir humano. Rio de Janeiro, 2011. Tesis
(Doctorado en Educación en Ciencias y Salud) – Núcleo de Tecnología Educacional
para la Salud, Universidad Federal de Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2011.
Esta investigación se llevó a cabo en una institución hospitalaria pública federal
universitaria con el objetivo de conocer mejor las visiones, valores y actitudes de
médicos, enfermeros y médicos residentes intensivistas en relación a la muerte. Se
ha trabajado el concepto de Representación Social (Moscovici) y la metodología
cualitativa y cuantitativa del discurso del sujeto colectivo (DSC) (Lefèvre y Lefèvre).
Los resultados han revelado la influencia significativa de la realidad social de la UTI
en la construcción de las representaciones de los intensivistas en relación a la
muerte. Las peculiaridades relacionadas a las muertes vividas y experimentadas en
el contexto de la UTI pueden comprenderse mejor si comparamos los resultados de
esta investigación con los de otras realizadas en lo que atañe a las representaciones
sociales en relación a la muerte construidas por médicos y enfermeros que actúan
en sitios distintos de la UTI como enfermerías, dispensarios y/o consultorios. Los
discursos comunes se relacionan al sufrimiento vivido hacia la muerte humana, a la
percepción de la dificultad en lidiar con cuestiones relacionadas a la muerte y al
morir, y al esfuerzo de atribuir a la muerte un sentido natural. Sin embargo, en
particular en lo que atañe a la naturalidad de la muerte, dicho discurso se presenta
con contenidos más densos y mayor adhesión por el grupo de los intensivistas. Los
discursos de distinción con otros grupos incluyen la búsqueda de los intensivistas en
categorizar las situaciones vividas en la UTI y su empatía con el sufrimiento de las
familias de los pacientes. En el intento de lidiar con esta complejidad, se han
expresado el sentimiento religioso de la muerte además de la necesidad de ayuda
de profesionales de otras áreas del conocimiento para enfrentar mejor las
situaciones vividas en el cotidiano de la UTI. Se concluye que es necesario visualizar
con más objetividad la urgencia de una graduación más consistente de médicos y
enfermeros para lidiar con la muerte, en las diversas circunstancias en que se
encontrarán esos profesionales. En ese sentido, se puede pensar en la UTI como un
espacio privilegiado para el desarrollo de acciones de especialización y de reflexión
sobre el morir humano, a partir de la especificidad encontrada en este contexto, en
lo cual la asistencia a la salud está envuelta por tecnologías avanzadas para la
manutención de la vida y, posiblemente, con más realidad, se verifica las
posibilidades humanas de lograr éxitos, pero, también, fracasos en lo que se refiere
a los controles de los procesos de vida humana. En ese ambiente, la constatación
de los límites de actuación de médicos y enfermeros, las dificultades en lidiar tanto
con los pacientes en proceso de muerte como con sus familias, las angustias
causadas por la búsqueda de explicaciones o sentidos para la finitud humana
pueden ser tema de sistemática reflexión colectiva entre médicos, enfermeros,
profesores y estudiantes, involucrados en el atendimiento, en favor de la elaboración
de actitudes personales y profesionales en relación a la muerte que podrán
propagarse para otros sitios de las instituciones hospitalarias y académicas.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Perfil dos profissionais investigados .................................................. 69
Tabela 2: Distribuição dos profissionais investigados em relação à titulação..71
Tabela 3: Distribuição dos profissionais investigados em relação à sua
formação ..................................................................................................................74
Tabela 4: Distribuição dos profissionais investigados em relação aos aspectos
religiosos ..................................................................................................................76
Tabela 5: Ideias centrais dos profissionais investigados em relação à morte..77
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................15
1.1 Aproximação com o tema ...........................................................................................15
1.2 Delimitando o problema ..............................................................................................19
2. MARCO TEÓRICO ...........................................................................................................29
2.1A dinâmica de trabalho no contexto da UTI............................................................29
2.2 O atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte.......38
2.3 A morte e o morrer na UTI ..........................................................................................41
2.4 A formação de médicos e enfermeiros ...................................................................47
2.5 Representações sociais ..............................................................................................54
3. METODOLOGIA................................................................................................................59
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO......................................................................................64
4.1 Características do contexto investigado ................................................................64
4.2 Perfil dos profissionais investigados ......................................................................69
4.3 Aspectos religiosos dos profissionais investigados ..........................................75
4.4 Representações sociais da morte humana: os discursos do sujeito coletivo
(DSC)...................................................................................................................................76
4.4.1 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos ....................................................81
4.4.2 Discussão dos DSCs do grupo dos enfermeiros..............................................93
4.4.3 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos residentes ............................ 100
4.4.4 Discussão final ........................................................................................................ 105
5. CONCLUSÃO ................................................................................................................. 115
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 121
APÊNDICE ..............................................................................................................131
Apêndice 1.......................................................................................................... 132
15
INTRODUÇÃO
1.1 Aproximação com o tema
A Unidade de Terapia Intensiva1 (UTI) é o local que eu escolhi para a minha
realização profissional: atuar como enfermeira diante de pessoas envolvidas em
processos de grave comprometimento do estado de saúde. Enquanto para outros a
UTI representa um ambiente de dor e sofrimento, para mim corresponde a um local
de satisfação profissional, pois posso colocar à disposição de tantos, que sofrem as
ameaças da integridade de suas vidas, todo um conjunto de conhecimentos que
venho acumulando com dedicação. É nesse contexto que há aproximadamente onze
anos atuo como enfermeira, tanto na função assistencial quanto administrativa.
Minha vivência proveniente do exercício profissional em UTIs me permitiu
vislumbrar experiências, que tanto podem ser vistas como interfaces de uma mesma
situação, como também podem, para processos de análise, ser divididas em dois
conjuntos: aquele das práticas que atuam predominantemente nos processos
biológicos do organismo de um paciente2 e aquele das práticas que atuam no que
poderíamos chamar de integridade da pessoa ou do paciente, isto é, a consciência
de estar com a vida ameaçada, de estar próximo à morte. Posicionamentos entre
esses dois conjuntos têm capturado minhas reflexões de profissional da saúde que
atua em unidades de tratamento intensivo. Seria possível atuar articulando ambos?
Sei hoje, com maior clareza, que a trama de relações, nas práticas sociais de
trabalho, influi significativamente na forma de ser das pessoas e nos seus
posicionamentos frente ao atendimento do paciente com risco de vida e/ou iminência
de morte e, portanto, nas dimensões subjetivas de médicos e enfermeiros atuantes
nesse cenário.
Médicos e enfermeiros, além de enfrentarem no seu dia a dia situações limite
e, em especial, a morte e o seu suposto controle, convivem em um ambiente com
características peculiares, tais como a especialização e a alta tecnologia disponível
para assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte. Foi a partir
de vivências em ambientes de UTI que incluem cuidados com pacientes e relações 1 Neste estudo são consideradas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), a Unidade de Terapia
Intensiva (UTI Geral), a Unidade Coronariana (UC) e a Unidade de Pós-operatório de Cirurgia
Cardíaca (UPO).
16
com médicos e também outros profissionais, como fisioterapeutas, nutricionistas e
psicólogos que me vi envolvida em reflexões sobre as possibilidades de atuar
articulando aqueles dois conjuntos de conhecimentos e preocupações. Desta forma,
concentrei meu interesse nos impactos que a proximidade da morte de seres
humanos e também o testemunhar frequente desse fenômeno trariam aos
enfermeiros e médicos que trabalham em UTI. Decidi estabelecer como objeto de
investigação as percepções, valores e sentimentos de médicos e enfermeiros
atuantes em UTI em relação à morte humana. Interessei-me, também, por buscar e
aprofundar a compreensão de como tais percepções, valores e sentimentos seriam
consequências do cotidiano profissional, de processos mais familiares de educação,
inclusive as religiosas e mesmo de tradições culturais mais amplas em relação à
morte.
Para uma melhor compreensão dos motivos que me impulsionaram à
realização deste estudo, faz-se necessário uma síntese das minhas atividades
profissionais de enfermagem desde a colação de grau, em agosto de 2000, pela
Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
O curso de graduação me ofereceu uma visão geral da assistência de
enfermagem. Porém, aprofundei-me nas questões relativas ao paciente em estado
grave quando, por dois anos, prestei assistência direta ao paciente crítico, durante a
Residência2 de Enfermagem, no período de 2001 a 2003, em um hospital
universitário do Estado do Rio de Janeiro, o qual me concedeu a qualidade de
especialista em terapia intensiva em 2003.
Nesse período adquiri um grande aprendizado e aperfeiçoamento nas
questões relacionadas à prática assistencial intensiva. Como se trata de um hospital
universitário estadual que tem como objetivo a assistência, o ensino e a pesquisa, o
primeiro campo de atuação após a graduação me proporcionou o contato com várias
categorias e especialidades profissionais. Pude conviver e observar acadêmicos e
novos residentes de enfermagem e de medicina, e percebia atitudes variadas entre
os profissionais durante a assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência
de morte. Nesse cenário com profissionais altamente qualificados, especializados,
2 A Residência de Enfermagem constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada à
formação de enfermeiros, sob a forma de curso de especialização, funcionando em Instituições de Saúde, sob a orientação de profissionais enfermeiros de elevada qualificação ética e profissional, sendo considerada de alto padrão na modalidade de especialização na área da saúde.
17
pós-graduados, incluindo professores das faculdades de medicina e de enfermagem
da universidade em questão, as visões e valores de médicos e enfermeiros
influenciavam a dinâmica de trabalho. A decisão, por exemplo, de transportar um
paciente grave para a realização de algum exame necessário ao tratamento, era
discutida considerando as opiniões, algumas vezes divergentes, desses
profissionais.
A partir de 2001, mediante aprovação em concurso público, também comecei
a trabalhar em uma UTI pós-operatória de cirurgia cardíaca, de uma instituição
pública do Estado do Rio de Janeiro referência na área. Apesar das dificuldades
materiais, a assistência prestada por médicos e enfermeiros era de qualidade e
havia um entrosamento entre as equipes. No momento da cirurgia cardíaca, a
instabilidade das funções vitais do paciente é grande, visto que corresponde a uma
cirurgia de grande porte. Porém, o sucesso desse procedimento, a crença na
recuperação do paciente e a possibilidade de mantê-lo pouco tempo internado na
UTI sem maiores riscos motivavam os profissionais a acreditarem que a morte já não
estava tão próxima. E quando a mesma ocorria, pairava um sentimento de
frustração e tristeza diante do investimento humano e tecnológico disponibilizado
para esse paciente. Eram nítidas as expressões de consternação das equipes
(cirúrgica e intensivista) diante da ocorrência da morte. Todos acreditavam na
recuperação do paciente, e, quando a mesma não acontecia, era como se toda a
equipe, incluindo médicos e enfermeiros, tivesse falhado.
Em 2003, após o término do curso de Residência em Enfermagem, iniciei
minha atuação em uma Unidade Intermediária (UI) de uma instituição pública
hospitalar do município do Rio de Janeiro. Na UI internam-se pacientes com grau de
instabilidade e gravidade menores que os pacientes internados na UTI, mas que
ainda não estão totalmente aptos a receberem alta hospitalar ou serem transferidos
para as enfermarias clínicas, daí o setor ser denominado como Unidade
Intermediária. A saída do paciente da UTI mediante sua transferência para a UI
caracteriza um afastamento da possibilidade de morte, já que o mesmo teve um
melhor prognóstico. Porém, como o estado de saúde não está totalmente
recuperado, em algum momento, pode ocorrer uma instabilidade hemodinâmica3, e
3 “Instabilidade hemodinâmica” refere-se a um termo que se reporta comumente, na área médica, a
uma pressão arterial persistentemente anormal ou instável, especialmente hipotensão. Todavia, esta
18
o paciente pode ter seu quadro clínico agravado, tendo que ser readmitido na UTI. A
morte, tão próxima na UTI, se distancia em outros locais do hospital, frente ao
quadro de saúde dos pacientes internados.
Atualmente, encontro-me trabalhando em uma unidade de cuidados
intensivos em um hospital universitário localizado no município do Rio de Janeiro,
desenvolvendo atividades gerenciais. Esse setor tem como finalidade admitir
pacientes instáveis, porém não tão graves. Contudo, frente ao pequeno número de
leitos de terapia intensiva nessa instituição hospitalar, esse setor também admite
pacientes graves, os quais necessitam de suporte ventilatório e monitorização dos
seus sinais vitais. Dessa maneira, mais uma vez, vivo a experiência de atuar
próximo ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte. Neste momento,
observo médicos e enfermeiros jovens que iniciam suas atividades laborais na área
hospitalar, em especial em uma unidade de cuidados intensivos. Observo a tentativa
de neutralidade na assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de
morte, talvez por influência da academia, mas, em alguns momentos, percebo que a
subjetividade desses profissionais, nesse contexto, pode interferir nas ações
realizadas. Podem ocorrer opiniões e pontos de vista diferentes em relação ao
cuidado referente a um paciente. Nesse contexto, as cenas de reanimação
cardíaca, em especial, passaram a inquietar-me, particularmente no que tange a
médicos e enfermeiros intensivistas que atuam em situações de luta contra a morte.
Assim, pude perceber que deveria prosseguir realizando um estudo que focalizasse
estes profissionais, de forma a compreendê-los em seu lidar cotidianamente com a
morte, numa intenção tão explícita de tentar revertê-la.
Além da minha atuação como enfermeira, sempre estive ligada à formação de
outros enfermeiros. Primeiro, como residente, atuei como preceptora dos
acadêmicos de enfermagem de uma instituição formadora de enfermeiros, vinculada
a um hospital universitário. Depois, passei a lecionar em um curso de enfermagem
de uma instituição particular de ensino superior, localizada no estado do Rio de
Janeiro.
A disciplina que eu lecionei, no período de 2004 a 2008, tinha ligação com a
área de terapia intensiva, já que aproximava conteúdos de enfermagem à
assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte, tanto na UTI
pode ser definida de um modo mais lato, como uma perfusão global ou regional inadequada,
insuficiente para o normal funcionamento dos órgãos.
19
quanto na emergência e no atendimento pré-hospitalar. Tratava-se de uma
disciplina teórico-prática na qual as atividades fora da sala de aula se davam no
laboratório de semiologia4, com simulações de atendimento a pacientes graves, os
quais necessitavam de cuidados intensivos e específicos. Nessa instituição de
ensino, o contato direto com o paciente na UTI se dava no último período da
graduação, durante o estágio supervisionado obrigatório no currículo. Também pude
acompanhar o acadêmico de enfermagem, no referido estágio, durante quatro anos
consecutivos. Frente aos conteúdos descritos na ementa de curso desta disciplina,
não havia uma aula específica que abordasse a situação da morte, tampouco o
trabalho entre médicos e enfermeiros frente às necessidades desse paciente, como
também não há na maioria dos cursos de medicina e enfermagem. Ocorrem
discussões superficiais acerca da finitude humana, em geral em disciplinas eletivas
(Kovács, 2003; Bretãs e cols, 2006; Clemente e Santos, 2007; Lima e Buys, 2008;
Silva e Ayres, 2010).
Assim, diante da minha vivência profissional em diferentes contextos, pude
observar vários comportamentos das equipes médicas e de enfermagem frente ao
paciente em processo de morte e à morte. Senti a necessidade de revelar alguns
aspectos da minha trajetória, principalmente no que se refere às atividades na
terapia intensiva, para que o leitor deste estudo possa refletir sobre minha própria
inquietação frente aos comportamentos de médicos e enfermeiros diante do
atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte e o trabalho em
conjunto nessa situação.
Inúmeras outras situações vividas, nesse contexto laboral, solidificaram meu
desejo de investigar essa temática, merecendo destaque a dinâmica de trabalho de
médicos e enfermeiros na UTI.
1.2 Delimitando o problema
A morte é um assunto amplamente estudado por diferentes pensadores
especializados em diversas áreas do conhecimento (historiadores, filósofos,
sociólogos, antropólogos, psicólogos, entre outros). Morin (1997), Elias (2001), Ariès
(2003), Gadamer (2006) e Becker (2007) são alguns autores de obras que se
4 Termo utilizado na área médica relacionado ao estudo dos sinais e sintomas das doenças humanas,
sendo muito importante para o diagnóstico da maioria das enfermidades.
20
tornaram clássicas. A partir de seus estudos, observa-se que as percepções, ideias
e sentimentos em relação à morte estão diretamente ligadas ao contexto
sociocultural e histórico das diferentes civi lizações.
Apontado como um dos principais pensadores da atualidade, o sociólogo e
filósofo Edgar Morin (1997) investigou a complexa relação entre o homem e a morte.
Morin afirma que o homem é a única espécie que acredita na sobrevivência após a
morte e que esta ideia de infinitude estrutura a vida humana. A recusa da morte,
para ele, caracteriza o homem que, assim, cria os mitos da ressurreição e da
imortalidade, atenuantes do trauma da terminalidade humana. O fato de se aderir às
atividades do dia a dia, tende a eliminar qualquer pensamento da finitude humana. A
vida cotidiana, segundo Morin, é pouco marcada pela morte: é uma vida de hábitos,
de trabalho, de atividades corriqueiras. A ideia da morte como destruição é a todo
tempo reprimida e transferida.
Morin (1997) observa que nas últimas décadas da civilização ocidental a
morte se tornou cada vez mais impensável, inconfessável e fonte geradora de fortes
emoções humanas, que se manifestam através de comportamentos distintos. Para
ele, a perda gerada pela morte é traumática para os seres humanos, que buscam
sustentações psicológicas para seu enfrentamento na ideia de imortalidade e na
esperança de continuar a viver em outra dimensão.
... sua individualidade é dilacerada entre a afirmação de sua singularidade que aspira a renascer além da morte e o desejo de sua generalidade que aspira a reencontrar a harmonia cósmica da morte, e porque estes
dilaceramentos se envolvem de esperança, angústia, medo e felicidade, é que o ciclo da morte, .... Nela se estabelece a aspiração dialética da humanidade, da própria vida, que se traduz ingenuamente na ideia de
retorno e de eterno recomeço (MORIN, 1997, p. 131).
O historiador francês Philippe Ariès (2003) pesquisou as atitudes diante da
morte do homem ocidental, desde a Idade Média até os nossos dias. Ariès
demonstra, através de seus estudos, que essas atitudes se manifestam de modos
muito diferentes. O grande valor dessa abordagem é tornar bastante claro que os
assuntos humanos precisam sempre ser vistos dentro de seu contexto histórico-
cultural e que ideias, atitudes e comportamentos, hoje tidos como naturais, nem
sempre foram vistos e vividos da mesma forma que o difundido na
contemporaneidade.
21
A abordagem de Ariès (2003) é fundamentada na concepção de uma
degradação progressiva da relação com a morte estabelecida pelos indivíduos e
sociedades. Sua visão é particularmente crítica quanto ao período moderno, que
afastou a morte do cotidiano, transformando-a em tabu. Os modelos anteriores à
morte moderna, referidos à sociedade tradicional, passam a ser designados em
conjunto como “morte tradicional”.
Segundo o historiador, durante séculos, a morte foi percebida como um
evento natural da vida. Na Idade Média, a morte não era um evento socialmente
oculto. Era esperada no leito do lar, sendo denominada pelo historiador como “morte
domada”. A aceitação social e a familiaridade com a morte representavam
comportamentos de aceitação da ordem da natureza. O homem não empenhava
esforços para combatê-la ou negá-la, simplesmente aceitava-a.
Atualmente, a morte passa a representar o momento da vida em que o
homem melhor toma consciência de si mesmo, ganhando novas denotações sociais.
A morte, agora, passa a representar um evento apavorante, gerador de maiores
cargas de sofrimento, combatida, negada e ocultada socialmente.
Em um mundo sujeito à mudança, a atitude tradicional diante da morte aparece como massa de inércia e continuidade. A antiga atitude segundo a qual a morte é ao mesmo tempo familiar e próxima, por um lado, e atenuada
e indiferente, por outro, opõe-se acentuadamente à nossa, segundo a qual a morte amedronta a ponto de não mais ousarmos dizer seu nome (ARIÈS, 2003, p.35).
O filósofo Hans-Georg Gadamer (2006) explica que a experiência da morte é
algo que atravessa transversalmente todas as posturas filosóficas e religiosas. O
primeiro sinal verdadeiramente distintivo do humano e que antecede, inclusive, o
próprio aparecimento da linguagem. De acordo com Gadamer, a experiência da
morte suscita o recolhimento e a tensão como inerentes à vida. O seu caráter
irrevogável e incontornável tem levado a sociedade a processos de silenciamento,
de repressão, de recalcamento, numa tentativa de retirar da consciência algo que
não se pode deixar de ter em mente. Segundo o filósofo, a "irracionalidade" do
comportamento de médicos e outros profissionais de saúde, perante a situação de
morte é semelhante, não fugindo aos padrões de distanciamento. Gadamer (2006)
sustenta que, embora a hora da morte alheia se afaste, através de biombos e/ou de
22
tecnologias avançadas a favor da manutenção da vida, surge sempre o momento
em que esse esquecimento se faz lembrança.
O final feliz é constituído pela alta do paciente e o seu reingresso no círculo
habitual da sua vida. Quando se trata de doenças crônicas ou de casos desesperados, que não permitem aguardar cura alguma, resta sempre o recurso de aliviar o sofrimento... Problemas terríveis pesam sobre o médico,
sobretudo no tocante à chamada preparação para a morte... Percebe, então, que o âmbito de seu saber não é uma ampla especialidade da ciência e das artes médicas, cuja crescente potência admiramos. Compreende então, que o
limite, aparentemente inerente à especialização, na realidade não existe (GADAMER, 1993, p. 160-161).
O antropólogo Ernest Becker (2007) analisa a morte a partir de uma
abordagem multidisciplinar fincada na psicanálise. Para Becker (2007), o problema
da morte na vida humana e a questão que se configura entre o homem e esta
realidade são tão aterradores quanto inescapáveis, possuindo o indivíduo uma
angustiada consciência dessa imbricada relação. O autor reuniu e sistematizou um
conjunto de conhecimentos sobre o fenômeno da morte, produzido pelas diferentes
áreas do saber ao longo da história, das ciências humanas, passando da filosofia à
religião.
... a ideia da morte e o medo que ela inspira perseguem o animal humano
como nenhuma outra coisa, representando, em realidade, uma proposição universal da condição humana (BECKER, 2007, p. 11).
Nesta perspectiva, para Becker (2007), as diferentes culturas constituem
sistemas simbólicos complexos, que têm por função negar a realidade da morte,
permitindo, assim, que as pessoas vivam com a ilusão de estarem imunes ao
inevitável, sem o fardo de sua constante e penosa consciência. Assume a tese de
que o ser humano recebe do exterior ideias, crenças, valores e significados,
incluindo aspectos relacionados à morte. Assim, apesar do ser humano possuir
peculiaridades universais, é improvável que se possa definir um indivíduo como um
ser desprovido das características impostas por sua cultura, necessárias, até
mesmo, para situá-lo como membro de uma determinada sociedade.
O sociólogo Nobert Elias (2001) afirma que a aversão dos adultos
contemporâneos a tudo aquilo que lembre a ideia da morte é uma característica da
homogeneidade do padrão dominante do atual estágio da civilização. Ele esclarece
porque as sociedades contemporâneas têm cada vez mais dificuldades em pensar a
23
questão da morte e do morrer. Descreve as mudanças das relações entre os
indivíduos com relação à finitude humana durante o “processo civi lizador”, atestando
haver, atualmente, uma maior identificação e sensibilidade com relação à morte e ao
morrer, assim como um maior constrangimento e embaraço social para lidar com
esses eventos da vida. Segundo Elias, a sociedade lança mão de diferentes
estratégias para enfrentar essas questões. Chama a atenção para a medicalização
da vida, sobretudo graças à crescente incorporação tecnológica no campo da
medicina, fato este que permitiu praticamente estabilizar muitas doenças terminais,
como no caso de indivíduos que podem ser mantidos artificialmente em vida durante
longos períodos.
O conhecimento da implacabilidade dos processos naturais é aliviado pelo conhecimento de que, dentro de certos limites, eles são controláveis. Mais
do que nunca, podemos hoje esperar – com a habilidade dos médicos, a dieta e os remédios – o adiamento da morte. Nunca antes na história da humanidade os métodos mais ou menos científicos de prolongar a vida
foram discutidos de maneira tão incessante em toda sociedade como em nossos dias (ELIAS, 2001, p.56).
O levantamento teórico descrito nos aponta para as mudanças de ideias,
atitudes e comportamentos do homem ocidental diante da morte ao longo dos
tempos e para o entendimento de que essas representações se relacionam ao
contexto histórico-cultural. Atualmente a morte ganha novos significados sociais. O
hospital, como espaço terapêutico, tornou-se referência central no que diz respeito à
manutenção da vida e enfrentamento da morte ao longo das últimas décadas. Se em
épocas anteriores o morrer era encarado como algo familiar e natural, como
consequência da vida, hoje a situação é outra. O que se vê é o doente terminal,
internado na UTI, cercado de tecnologias responsáveis para a manutenção da vida.
De fato, como refere Ariès (2003), a morte hoje é medicalizada. A sociedade
moderna, segundo Elias (2001), a colocou nas mãos dos especialistas.
Se a morte é um assunto amplamente estudado em diversas áreas do
conhecimento, contemporaneamente, no âmbito da formação médica e de
enfermeiros, o estudo dos sentidos dado à morte humana tem sido estimulado por
vários autores (Viana e Picelli, 1998; Kovács, 2003; Falcão e Lino, 2004; Bellato e
Carvalho, 2005; Bretãs e cols, 2006; Bernieri e Hirde, 2007; Falcão e Mendonça,
2009; Marta e cols, 2009; Souza e cols, 2009; Silva e Ayres, 2010; Azeredo e cols,
24
2011). Tais estudos buscaram compreender posicionamentos e sentimentos de
médicos, de enfermeiros e de estudantes de medicina e de enfermagem, de
instituições superiores públicas e privadas, diante da morte. Os resultados mostram
que os estudantes de tais cursos se apresentam com dúvidas em relação à conduta
pessoal e profissional diante da morte e que médicos e enfermeiros mostram-se
bastante próximos a esse quadro, por vezes, sequer se veem como modelos de
atuação para os estudantes. Estes resultados chamam tanto a atenção para o
sofrimento e dificuldade dos médicos, enfermeiros e estudantes em lidar com
situações que envolvam a morte, como também para os enormes entraves em
estabelecer processos de formação específicos ao longo da graduação médica e de
enfermagem.
Outros estudos investigaram a questão da morte no contexto da UTI (Moritz e
Nassar, 2004; Moreira e Biehl, 2004; Machado e cols, 2007; Combinato e Queiroz,
2008; Gaudencio e Messeder, 2011). Objetivaram avaliar e verificar a conduta e
decisões de médicos e enfermeiros intensivistas diante da morte de pacientes
terminais enfocando, sobretudo, os aspectos relacionados aos dilemas suscitados
pela possibilidade de controle da vida humana por meio das biotecnologias
presentes no contexto da UTI. Os resultados demonstram que a presença marcante
da tecnologia para a manutenção da vida modifica a relação médico/enfermeiro-
paciente, distanciando esses profissionais de uma visão integrada do indivíduo e
reconfigurando a experiência de lidar com a morte.
Se confrontarmos aspectos da atuação de médicos e de enfermeiros no
ambiente da UTI com a que ocorre em outros espaços, como consultórios e/ou
ambulatórios, podemos dizer que, diante das características deste cenário, os
profissionais atuantes na UTI experimentam e vivenciam questões peculiares
relacionadas à morte e ao morrer. Isto se deve à gravidade dos pacientes ali
internados e, principalmente, ao uso intenso e contínuo dos meios artificiais de
suporte a órgãos vitais, que também coloca os intensivistas diante da possibilidade
de esgotamento de tais recursos. Dever-se-ia dizer que em um lugar onde estão
concentradas as mais avançadas tecnologias para a manutenção da vida, poderia a
morte ser vista como um fenômeno natural? Que sentidos os médicos e enfermeiros
intensivistas dariam à morte?
Esses questionamentos motivaram a realização desta Tese de Doutorado que
buscou dar continuidade a outras pesquisas sobre o tema da morte já realizadas
25
pelo LEC/ NUTES/ UFRJ5. Dessa forma, o presente estudo faz parte de um projeto
de pesquisa intitulado Representações Sociais e Ensino da Morte na área da
Saúde e no Ensino Médio, que busca investigar pensamentos, visões e atitudes em
relação à morte entre profissionais e professores da área da saúde e estudantes
tanto universitários quanto do ensino médio. Esse projeto é coordenado pela Prof.a
Dr.ª Eliane Brígida Morais Falcão (NUTES/UFRJ) e financiada pelo CNPq/CAPES.
Esse projeto também faz parte das produções da linha de pesquisa de mesmo nome
que integra o Programa de Pós-Graduação em Educação e Saúde do Núcleo de
Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES/UFRJ). Nesse sentido, já conta com
resultados de trabalhos desse programa que inclui artigos correlatos. Essa Tese de
Doutorado se integra, portanto, a esse conjunto de atividades de pós- graduação e
se concentra na perspectiva da formação médica e de enfermagem. E para melhor
compreensão da delimitação de seu objeto farei um breve resumo de pesquisas
associadas já realizadas no âmbito do mencionado projeto.
Uma das pesquisas realizadas nesse projeto (Freitas, 2005) investigou os
estudantes do início e do final do curso de medicina de uma importante instituição
pública de ensino superior do Brasil. Buscou-se compreender a evolução de suas
percepções a respeito do papel do médico diante dos pacientes à morte, assim
como identificar as expectativas e avaliações quanto à forma de abordagem do
assunto durante o curso. Os resultados mostraram um conjunto de papéis
identificados pelos estudantes como atribuições do médico no acompanhamento ao
paciente, relacionados à importância de dar a este uma morte digna e aos aspectos
legais do óbito. Concluiu-se que não houve mudanças qualitativas na percepção dos
estudantes entre o início e o final do curso de medicina. No entanto, no início, os
estudantes apresentaram uma expectativa de que a faculdade os capacitasse a
desempenhar os papéis mencionados e, no final do curso de medicina, admitiram
que a abordagem do tema não fora satisfatória e que, portanto, não se
consideravam capazes de acompanhar tais pacientes. Nas falas dos estudantes
investigados:
(...) Não me sinto segura emocionalmente para conviver com os medos e as dores da morte. Acho que vou acabar sofrendo junto. (...) Apesar de ter tido discussões teóricas sobre isso, nunca passei por essa situação na prática.
(...) Tive poucas experiências com este tipo de situação. (FREITAS, 2005, p. 76)
5 Laboratório de Estudos da Ciência do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde (NUTES) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
26
Esses resultados foram semelhantes aos obtidos na pesquisa realizada, por
Falcão e Lino (2004), em outra faculdade de medicina. Ainda que existam largas
diferenças entre as instituições como o fato dessa faculdade não ser caracterizada
como instituição de pesquisa, ao contrário da investigada por Freitas (2005),
percebeu-se que as dificuldades em relação à morte são as mesmas.
Na mesma instituição pública já citada, outra pesquisa realizada por Falcão e
Mendonça (2009) buscou investigar as concepções, visões e valores de médicos
docentes da clínica médica em relação ao processo de morrer. Os resultados
mostraram que os médicos investigados perceberam sofrimentos em si próprios e
nos estudante e mostraram, também, que tais sofrimentos estavam associados tanto
à influência de determinadas formas de uso de tecnologias das biociências, como à
ausência de espaços institucionais para reflexões a respeito. Os autores chamam a
atenção para a perspectiva da biomedicina que, se por um lado é desejável em seus
efeitos como reguladora da manutenção da vida, por outro, tem reforçado certas
limitações acerca da compreensão dos diferentes aspectos relacionados ao paciente
à morte. Contudo, a percepção geral dos médicos da clínica médica aproxima-se da
convicção de que as representações em torno do tema morte são formadas
previamente ao curso de medicina, não sendo influenciadas pela formação médica.
Um exemplo disso pode ser encontrado em uma das falas dos médicos
investigados:
(...) A morte é horrível, se pudéssemos pular essa parte da medicina seria melhor. A morte costuma trazer cargas emotivas pesadas, e o médico, para se proteger, se afasta do doente morrendo. (...) É difícil você manter um
estado de equilíbrio ideal e tomar as decisões acertadas. (...). (FALCÃO E MENDONÇA, 2009, p. 369)
O conjunto de tais resultados remeteu meu interesse a outro cenário do
exercício médico e de enfermagem: a UTI. Trata-se de um local dentro da instituição
hospitalar que concentra todos os recursos em favor da manutenção da vida
humana. Enquanto outras especialidades direcionam o foco de conhecimento e
interesse para um particular tipo de terapia, ou um determinado grupo de faixa
etária, a assistência intensiva é dirigida a pacientes com ampla variedade de
patologias, cujo denominador comum é a extrema gravidade da doença ou o
27
potencial para o desenvolvimento de grandes complicações, envolvendo o risco de
vida e/ou iminência de morte.
Os referidos estudos sinalizam para o paradoxo do uso das biotecnologias, ou
seja, ao mesmo tempo em que permitem uma melhora nas condições de vida dos
indivíduos e promovem um retardamento da morte, ocasionam questionamentos
acerca da manutenção da vida e aceitação da terminalidade humana.
Frente às peculiaridades do contexto da UTI, outros questionamentos
poderiam ser suscitados: estariam os intensivistas preparados para lidar com a
morte? O convívio intenso e contínuo no contexto da UTI implicaria em menor
sofrimento para esses profissionais? As situações vividas na UTI levariam a
comportamentos distintos na interação com outros elementos também envolvidos
nesse ambiente – pacientes, familiares, profissionais? Haveria algum aprendizado a
registrar a partir das relações construídas entre esses médicos e enfermeiros e seu
contexto de trabalho, sendo consideradas as situações extremas, os limites de seus
esforços e a inexorabilidade da finitude humana? Nesse contexto, a vivência intensa
de médicos, enfermeiros e médicos residentes traria à tona percepções distintas das
dos demais profissionais?
Dando continuidade aos estudos citados, que claramente mostram carências
na formação médica no que diz respeito ao lidar com a morte nos seus cotidianos
profissionais, e considerando as características de uma UTI, empreendemos a
pesquisa aqui relatada, a fim de obter respostas às questões levantadas. Dessa
forma, realizamos um estudo buscando novas informações e experiências que
permitissem obter uma melhor compreensão das relações humanas e das relações
de médicos, enfermeiros e médicos residentes com a morte.
Compreendendo as representações que ganham a morte ao longo dos
tempos e em diferentes contextos, e considerando as especificidades da UTI, na
qual a assistência à saúde está cercada de tecnologias e recursos humanos
especializados importantes para a manutenção da vida e capazes de assegurar um
processo de morte assistida, acreditamos que médicos, enfermeiros e médicos
residentes intensivistas possam trazer representações de morte delineadas por esse
contexto. Dessa forma, procuramos estudar os valores, sentimentos e crenças
diante da morte, sob a leitura de médicos, enfermeiros e médicos residentes
atuantes nas UTIs de um hospital universitário ligado a uma instituição de ensino
superior do Brasil, onde se busca assegurar a formação de médicos e de
28
enfermeiros, a produção científica e a assistência aos pacientes. Neste contexto, a
frequência nos laboratórios, abrangendo grande parte dos docentes e estudantes,
remete à produção científica. Cartazes afixados em quadros divulgam a realização
de congressos, seminários e cursos. O programa de pós-graduação assegura a
formação de mestres e doutores. Procedimentos de alto alcance técnico, como o
transplante de fígado e a pesquisa com células-tronco, mostram os avanços da
medicina aí também desenvolvidos.
A partir dessas colocações, buscamos alcançar os seguintes objetivos com o
estudo:
Identificar as representações sociais de morte construídas por médicos,
enfermeiros e médicos residentes intensivistas.
Caracterizar a dinâmica de trabalho de médicos, enfermeiros e médicos
residentes intensivistas durante o atendimento ao paciente com risco de
vida/iminência de morte.
Investigar possíveis relações entre as representações sociais de morte
construídas por médicos, enfermeiros e médicos residentes intensivistas e o
contexto da UTI.
Apontar possíveis contribuições educacionais, trazidas pela vivência de médicos,
enfermeiros e médicos residentes na UTI, para a formação desses profissionais no
preparo para lidar com a morte.
29
1. MARCO TEÓRICO
2.1 A dinâmica de trabalho no contexto da UTI
O ambiente da UTI é muito claro, iluminado artificialmente por luz
fluorescente, com as janelas sempre fechadas e cobertas por um filtro, de modo
que, muitas vezes, não é possível ver a luz do dia. A luz na UTI quase não se
apaga. Reina nesse espaço uma claridade fixa, imutável. A abertura das janelas é
proibida para evitar a entrada de insetos. A temperatura é geralmente fria e mantida
constante por ar condicionado central, com vistas à prevenção de infecção. Ao lado
de pias há cartazes fixados nas paredes que alertam e orientam para os cuidados de
assepsia com vistas ao controle de infecção hospitalar nesse espaço. Impactos
sensoriais ocasionados pelo cheiro vindo de produtos diversos (tanto remédios e
desinfetantes como secreções corporais dos pacientes) completam o cenário de
uma UTI.
A unidade funciona continuamente, contando com o trabalho de médicos,
enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos e técnicos de
enfermagem. Entretanto, os profissionais com formação superior de presença
permanente são os médicos e enfermeiros. Eles permanecem impreterivelmente na
UTI até seu colega de profissão chegar para substituí-los.
O movimento é contínuo: médicos, enfermeiros e outros profissionais circulam
sem parar, examinando, manipulando os pacientes, sempre em estado grave. Esse
contexto inclui muitos ruídos, que vão desde as vozes dos profissionais até os sons
da aparelhagem em funcionamento e com seus vários alarmes, além das
campainhas dos telefones do serviço e dos inúmeros celulares dos profissionais.
Sim, há sempre celulares ligados durante o trabalho na UTI e frequentemente se
ouvem pedidos de limites ao uso dos mesmos. Isto reflete o cotidiano dos
profissionais envolvidos em múltiplas ocupações. Vê-se que o suposto isolamento
de uma UTI em relação ao mundo exterior é relativo. Esse isolamento, necessário às
práticas nesse setor e que poderia fazer com que a UTI fosse um local onde há
abolição do tempo, não parece ser hoje possível em função das modernas
tecnologias de comunicação. É importante registrar que essas tecnologias têm
avançado nas UTI sob outras formas: televisões, rádios e celulares para pacientes
podem compor hoje esse cenário. Certamente há controvérsias sobre benefícios e
30
prejuízos dos mesmos ao estado dos pacientes.
A maior parte dos pacientes respira com a ajuda de aparelhos e assemelha-
se, por vezes, a corpos inanimados. Em geral, têm seus corpos cobertos, exceto
quando examinados ou no banho no leito, efetuado pela equipe de enfermagem. A
exposição da nudez é cercada de cuidados. Para evitá-la são colocados biombos na
frente dos leitos durante o banho e determinados procedimentos.
O sistema organizacional da assistência na UTI é constituído por atores
sociais: os médicos, os enfermeiros, outros profissionais e os pacientes. São
indivíduos que agem, reagem, interagem, partilham, interdependem, ajudam-se,
trocam experiências, diferenciam-se e integram-se, aproximam-se e distanciam-se,
articulam-se, envolvem-se e negociam. Médicos e enfermeiros intensivistas ocupam
um mesmo espaço físico no atendimento a pacientes com risco de vida e/ou
iminência de morte e convivem com fatores diversos, tais como: a gravidade do
pacientes e proximidade da morte, a escassez de leitos e de recursos humanos para
atender a uma demanda cada vez maior de pacientes que dependem de cuidados
intensivos e a tomada de decisões relacionadas à seleção de pacientes que serão
admitidos no serviço. Essas são algumas das situações vivenciadas cotidianamente
por médicos e enfermeiros que atuam em UTI.
Para trabalhar na UTI, os profissionais, sobretudo os médicos, devem possuir
o título de especialista em terapia intensiva. O médico obtém a titulação em curso de
especialização ou em prova teórica da Sociedade de Medicina Intensiva Brasileira
(AMIB). Além disso, deve, preferencialmente, ter um tempo de experiência prática
em UTI, adquirido em estágios ou em residência. O enfermeiro deve ter titulação de
curso de especialização ou residência na área. No entanto, esses critérios nem
sempre são observados na prática. Nos seus 30 anos de atuação, a AMIB tem
defendido que toda UTI deva ter pelo menos um médico especializado em Medicina
Intensiva. Segundo esse órgão, uma UTI sem profissionais capacitados tende a
apresentar gastos maiores e menor resolutividade, acarretando taxas mais baixas de
sobrevida. No Brasil, os dados são desanimadores. Cerca de 53% das UTIs não têm
sequer um médico intensivista titulado (Amib, 2009). Nesse sentido, é fundamental a
valorização desse profissional e o incentivo para que cada vez mais médicos,
atuantes nas UTIs brasileiras, procurem especializar-se.
Completando o quadro preocupante das condições estruturais das UTIs
brasileiras, soma-se o fato de que trabalhar na UTI, muitas vezes, é uma das
31
primeiras opções do médico recém-formado que, em geral, possui apenas um
estágio nesse local. Observa-se a contradição: se por um lado a UTI corresponde a
um setor no qual são admitidos e tratados pacientes graves com risco de
vida/iminência de morte, por outro, presencia-se, em muitos locais, jovens médicos e
enfermeiros trabalhando nesse cenário, sem muita ou nenhuma experiência no
atendimento ao paciente grave, ou sequer com o título de especialista.
Segundo Japiassú (2010), há pelo menos dez anos, a Medicina Intensiva vem
ruindo nos Estados Unidos. O motivo é a falta de formação e disponibilidade de
intensivistas, principalmente fora dos grandes centros, como Nova Iorque, Los
Angeles e Boston. Segundo o autor, estudos demonstram que apenas 37% das UTIs
nos Estados Unidos possuem profissionais intensivistas titulados e que a falta deles
não é somente de médicos, mas também de enfermeiros. Estima-se que haja
carência crítica de profissionais intensivistas em 2020, já que a demanda por leitos
de UTI deve aumentar cerca de 40% nesta data.
Ainda de acordo com Japiassú (2010), no Brasil, a situação não é diferente
dos Estados Unidos ou de muitos países europeus. Não há dados exatos, mas o
número de leitos de UTI cresceu muito mais rápido que a formação de novos
profissionais. Muitos órgãos públicos criaram vagas hospitalares de UTI, mas têm
dificuldade de encontrar um grupo de intensivistas para administrá-las. Isso faz com
que, de acordo com norma governamental, se procure com frequência cada vez
maior o profissional titulado para abrir e chefiar uma UTI. No entanto, não só há
dificuldade de encontrar o chefe da UTI, como também médicos plantonistas,
enfermeiros e fisioterapeutas com mínima experiência para assistir pacientes graves.
A pouca procura pela especialização na área se deve às características do trabalho
na UTI, com longos plantões, incluindo finais de semana e feriados, o estresse
provocado pela responsabilidade de assistir pacientes graves e a falta de
valorização desses profissionais na assistência intensiva.
Os pacientes internados nesse contexto apresentam condições críticas de
saúde e por isso precisam de cuidados específicos e acompanhamento constante. A
capacitação em interpretar precocemente sinais clínicos de gravidade, nesses
casos, é crucial, devido à extrema instabilidade dos pacientes que impele a rápida
tomada de decisão. A UTI, nesse sentido, agrega fatores que tornam possível a
detecção de gravidade: os monitores, ventiladores e outros equipamentos que
dispõem de alarmes visuais e sonoros que evocam as ações de médicos e
32
enfermeiros. Esses profissionais permanecem em constante estado de alerta pela
responsabilidade sobre a vida das pessoas. Somados a isso, o trabalho em contato
contínuo com o sofrimento e a morte e o uso de tecnologias sofisticadas, nem
sempre completamente eficazes nos tratamentos, parece gerar nesses profissionais
alterações e desgastes emocionais mais contundentes.
No desempenhar do seu papel em salvar vidas, médicos e enfermeiros,
vivenciam, na UTI, possibilidades de sucesso ou fracasso, pautando suas ações em
complexas decisões potencializadas pelas características desse contexto. Além da
presença de suporte a órgãos vitais e possibilidades de manutenção da vida,
médicos e enfermeiros convivem mais diretamente com os pacientes graves e seus
familiares, sendo também frequentemente questionados pelos últimos sobre a
evolução da doença, perspectivas de tratamento e expectativas de vida dos
pacientes. Essas situações podem criar conflitos íntimos que angustiam os
profissionais envolvidos com a proximidade da finitude humana e a impossibilidade
de dominá-la. Assim, as manifestações presentes nos profissionais se relacionam às
exigências ligadas à sua função e às maneiras pelas quais essas mesmas
exigências são sentidas por cada um deles. São comuns os sentimentos de culpa
relacionados à incapacidade de evitar a morte e ao alto grau de exigência de suas
próprias funções (Bretãs e cols, 2006).
O médico, na UTI, é o principal responsável por fornecer informações sobre a
real situação do paciente, seu prognóstico e perspectivas de cura para o restante da
equipe de saúde e para o próprio paciente e os seus familiares. O contato dos
médicos com os familiares dos pacientes internados, em muitas UTIs, é pequeno,
realizado no momento ou imediatamente após a internação nesse ambiente, ou
ainda pontualmente no horário de visita. Nesse momento, as informações dadas aos
familiares sobre o estado clínico do paciente nem sempre são claras, pois
comumente os médicos utilizam termos técnicos em seus boletins. O contato do
enfermeiro com os familiares, em geral, é mais prolongado e realizado,
principalmente, no momento da visita.
Essa relação com a família do paciente internado na UTI não parece ser fácil,
tanto para médicos e enfermeiros, quanto para os próprios familiares. Pode-se dizer
que lidar com o paciente em processo de morrer e sua família se constitui, para
médicos e enfermeiros, em uma tarefa árdua e penosa, agravando-se quando os
familiares não recebem os devidos esclarecimentos sobre o estado de saúde dos
33
pacientes e seus respectivos prognósticos. Além disso, nem sempre a opinião dos
familiares sobre os cuidados dados ao paciente é bem aceita por esses
profissionais.
Não há dúvida de que as UTIs são espaços naturalmente mobilizadores de
emoções e sentimentos que, frequentemente, se expressam de forma muito intensa.
O estresse atinge a todos, ou seja, pacientes, família, médicos e enfermeiros. Esses
elementos vivem um clima de constante tensão, resultante do contato com a
iminência de algum risco e/ou desequilíbrio no estado dos pacientes, das demandas
e solicitações que devem ser respondidas com presteza, da realização de grande
número de procedimentos complexos e do ritmo intenso de trabalho. Trata-se de
uma vivência simultânea de onipotência e impotência que pode gerar nos médicos e
enfermeiros sentimentos complexos e ambíguos de segurança e insegurança,
certeza e incerteza, frente à tarefa de salvar vidas.
Observa-se que o trabalho em uma UTI abarca uma série de características
peculiares. Médicos e enfermeiros se encontram cercados de tecnologia e de
pacientes graves. O dia a dia na UTI se mostra polarizado por situações antagônicas
onde, às vezes, é possível salvar ou curar, e em outras, prorroga-se o sofrimento e
confronta-se a presença da morte. Esses profissionais são submetidos às pressões
e dilemas éticos quanto à tomada de decisões em momentos críticos, como a
questão sobre o prolongamento ou não da vida em casos sem prognóstico.
Nesse contexto, os intensivistas podem experimentar uma variedade de
situações relacionadas ao estado crítico dos pacientes, às mudanças abruptas do
estado geral dos mesmos e à responsabilidade de estar interpretando-as, ao
constante contato com a morte, às possíveis condições de trabalho inadequadas, ao
relacionamento por vezes difícil com os demais elementos da equipe de saúde, às
reações emocionais da família do paciente e ao seu desempenho profissional junto à
mesma, entre outros fatores.
Diversos pontos relacionados à organização e ao processo de trabalho na UTI
afligem médicos e enfermeiros. A convivência dentro desse ambiente, sob efeitos de
fatores desgastantes, como rotina acelerada e atuação em espaço restrito, favorece
a iminência de tensões e conflitos entre os profissionais nas relações de trabalho.
Outros fatores como o déficit de pessoal nas equipes médica e de enfermagem, a
decorrente sobrecarga de trabalho e os constantes desgastes provenientes desse
processo de sucateamento, muitas vezes conferem ao trabalho nesse contexto um
34
traço desmotivante e extenuante. Além disso, médicos e enfermeiros, por vezes à
custa de embates, buscam assegurar que medicações, dietas e exames sejam
realizados, conforme o prescrito e a necessidade do paciente. Essa luta é
desgastante para quem trabalha na UTI.
Pode-se dizer que muitos profissionais que trabalham nessa unidade
iniciaram sua prática ali mesmo, como estagiários, passando a residentes e, após
concurso, sendo efetivados. As UTIs são concorridas e bem cotadas pelos
estudantes da área da saúde, pois apresentam avanços da biomedicina, da ciência
e da tecnologia, para tratar de pessoas com risco de vida e/ou iminência de morte.
Esse espaço proporciona uma boa oportunidade de aprendizado e treinamento em
procedimentos considerados “invasivos” e arriscados, como intubação orotraqueal e
punção venosa, cateterismos vesical e enteral, além da possibilidade de manuseio e
controle da tecnologia a favor da vida. Assim, rotineiramente, existem acadêmicos
de medicina e de enfermagem, mesmo em plantões noturnos na UTI, ávidos em
aprender o trabalho nesse espaço.
Atualmente, a UTI tem muito prestígio dentro e fora da instituição hospitalar. É
na UTI que está concentrada toda a tecnologia a favor da vida, possibilitando o
suporte a órgãos humanos e funções vitais. Em qualquer UTI estão presentes os
ventiladores mecânicos e os monitores cardíacos. Cada vez mais são realizadas
iniciativas para melhorar os equipamentos. Tal progresso, paralelo à medicina, aos
exames laboratoriais e àquele advindo da medicina nuclear, deu, aos profissionais
de suas respectivas áreas, condições muito mais precisas e objetivas no diagnóstico
das doenças. A possibilidade de procedimentos diagnósticos e terapêuticos a partir
do desenvolvimento tecnológico contribui para a melhoria da assistência, com
ênfase nas unidades críticas, particularmente nos serviços de terapia intensiva onde
estão internados os pacientes com risco de vida e/ou iminência de morte.
Cercam essas ações especializadas, muitas vezes emergenciais e de alta
tensão, um conjunto de outras ações de caráter rotineiro. O médico possui
conhecimento clínico e cirúrgico amplo, sendo capaz de diagnosticar e realizar
procedimentos complexos emergenciais. Cabe a este profissional monitorar, evoluir
e medicar diariamente os pacientes internados nos aspectos nutricionais,
cardiológicos, pulmonares, neurológicos, entre outros. Responde integralmente na
condução e responsabilidade da unidade como um todo. O enfermeiro realiza o
atendimento de pacientes dependentes e de alta complexidade. Supervisiona a ação
35
do grupo de técnicos de enfermagem, como a higienização, controle das
medicações e prescrições, tendo papel assistencial fundamental. Os fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos realizam ações específicas sempre que
solicitados.
Cabe ressaltar que médicos e enfermeiros concebem a assistência realizada
na UTI como uma prática imbuída de uma multiplicidade de fatores. Para prestar
uma assistência ao paciente com risco de vida/iminência de morte, cada profissional
com competências específicas e conhecimentos, segue os padrões de um modelo
de assistência que defende uma produção baseada no paradigma biomédico.
Os enfermeiros são responsáveis pelo gerenciamento dos recursos humanos,
do material e das instalações necessários ao atendimento dos pacientes
hospitalizados em sua unidade. Além disso, as funções administrativas básicas de
responsabilidade do corpo de enfermagem são: implementação das prescrições
médicas, orientação quanto às normas e rotinas hospitalares (lavagem das mãos,
manutenção de silêncio, controle de entrada de pessoas estranhas ao serviço da
UTI, entre outras) e verificação de prontuários, exames e escalas de cirurgias.
No que se refere à organização do trabalho na UTI, este já se encontra
determinado, prescrito. O trabalho médico e de enfermagem, nesse contexto, tem
uma característica de continuidade e se organizam na forma de plantões distribuídos
pelos dias da semana, com carga horária distinta dependendo da categoria e função
profissional.
A rotina diária na UTI se inicia às sete horas da manhã com a chegada da
nova equipe de enfermagem que “recebe” o plantão da equipe anterior, sob a forma
de informes detalhados sobre o estado de saúde de cada paciente. Os médicos
fazem o mesmo tipo de “passagem de plantão” com informações aos colegas de sua
área. A partir de então, já com um número consideravelmente maior de profissionais
do que à noite, o setor começa suas atividades. Tais atividades movimentam
intensamente todos os espaços, e, muitas vezes, mal há lugar para a circulação das
pessoas.
Após as atividades matinais, médicos e enfermeiros se dividem para o
almoço. Um, tanto da mesma categoria quanto de outra, só se ausenta quando seu
colega de profissão está presente. No período da tarde, os leitos são preparados
para a visita de familiares dos pacientes. Após a visita, as atividades das equipes
voltam a ser realizadas até o término do turno diurno. Às dezenove horas, há nova
36
troca da equipe de enfermagem e passagem de plantão. Durante o período noturno
a equipe de enfermagem permanece doze horas no posto de enfermagem
atendendo às necessidades dos pacientes, revezando um período de três horas de
descanso a partir de meia-noite. Os médicos do mesmo turno realizam suas
atividades e, em geral, após isso, são solicitados pela enfermagem quando
necessário, ou seja, quando é identificada uma alteração no quadro clínico do
paciente.
O que se manifesta ou acontece repentinamente em relação aos pacientes
mobiliza médicos e enfermeiros. O que representa ou assinala uma ameaça à vida
exige uma intervenção imediata desses profissionais, como é o caso, por exemplo,
de uma diminuição nos batimentos cardíacos e outros sinais clínicos, como um
sangramento evidente. A noção de prioridade é estabelecida por esses profissionais
e costuma ser formada a partir de uma apreciação baseada em protocolos
ensinados nos manuais de rotina que descrevem as etapas dos procedimentos
terapêuticos a serem seguidos para os problemas de saúde mais comuns no
atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte.
Pitta (1994) assinala a variedade de situações extremas às quais médicos e
enfermeiros intensivistas estão intermitentemente submetidos:
... a solicitação constante de decisões rápidas e precisas; a necessidade de um grande número de informações serem processadas num curto espaço de tempo; a imensa responsabilidade em ter “uma vida nas mãos”; a tarefa
desumana de “selecionar” quem usa este ou aquele equipamento; as situações de intercorrências inesperadas no quadro clínico dos pacientes, proporcionando um estado de alerta permanente; e o contato com a morte
em tarefa diária (PITTA, 1994, p.4).
Como se vê, no meio deste complexo conjunto de ações, rotina e urgência se
alternam. Notam-se momentos nos quais a tensão cresce ou o grupo profissional
que ali atua entra em dinâmicas muito especiais e características profissionais e
pessoais se manifestam: A chegada de um paciente em estado crucial que exige
decisões e ações de alta importância; O conflito de interpretação de uma situação:
“deve ser feito isto ou aquilo?”; A interferência da família que quer ver o paciente e
sofre impactos pelo seu estado de saúde; O paciente grave e consciente que não
aceita a sua situação; Os agravamentos do quadro clínico e a percepção de que
algo vai muito mal a despeito de todos os cuidados e a iminência da morte ou morte
efetiva.
37
Nesse ambiente, o paciente pode recuperar-se totalmente e ser transferido
para a enfermaria e ali permanecer durante um curto período de tempo; pode
recuperar-se parcialmente e permanecer na enfermaria após sua transferência da
UTI por um tempo maior; pode morrer antes de sair da UTI ou pode morrer após a
alta da UTI. Há certas complicações de urgência que podem ser resolvidas ou não,
levando um paciente à morte. Esse tipo de situação faz com que diversos
profissionais se mobilizem em torno de um paciente. Aparentemente o trabalho deve
ser articulado, mas nem sempre isso é possível devido a inúmeros fatores que
podem interferir na dinâmica de trabalho de um grupo, como as distintas percepções
que os indivíduos podem vir a ter em relação à manutenção da vida.
Na UTI, o emprego da tecnologia para a manutenção da vida, particularmente
a utilização do respirador artificial, conduz a profundas alterações, tanto no processo
de morrer, quanto no próprio conceito de morte. Nesse espaço, a morte deixa de ser
um fenômeno pontual, caracterizado pela parada cardiorrespiratória, e emerge um
novo critério: a morte encefálica e os princípios éticos que regem a ação de médicos
e enfermeiros. Graças às possibilidades de reanimação, de alimentação e
respiração artificiais, as fronteiras de morte e do morrer, na UTI, são alteradas.
Conjugadas à manutenção da vida surgem novas questões: quando podem ou
devem ser desligados os aparelhos de manutenção da vida? Quais os critérios na
tomada de decisões? Quais os atores envolvidos e os papéis desempenhados no
processo decisório? Dessa forma, a definição da morte se revela circular, ligada à
ação do médico que pode decidir interromper os cuidados, assim como empreender
esforços de reanimação. É nesse momento, portanto, que conflitos também podem
surgir entre médicos e enfermeiros.
Em resumo, a UTI possui uma organização voltada para o atendimento da
rotina e o enfrentamento de situações especiais, que surgem quase que
cotidianamente. No entanto, como em qualquer ambiente profissional, conflitos
também ocorrem, tanto entre as diferentes categorias, como dentro de cada uma
delas. Trata-se de uma organização altamente especializada e complexa, com
recursos tecnológicos e humanos específicos para reversão de quadros clínicos
graves e que também exige atenção e responsabilidade constantes, além da
necessidade de ação conjunta e integrada dos diversos profissionais para obter o
êxito esperado.
38
A UTI nos mostra, também, o repertório do distanciamento e da repetição de
rotinas que caracterizam os processos de trabalho na contemporaneidade. Ou seja,
processos relacionados à lógica, sustentada pelos saberes e conhecimentos
tecnocientíficos da biomedicina, realizados no espaço hospitalar. Sua dinâmica de
trabalho se apresenta complexa, multidisciplinar, na qual cada profissional tem suas
funções e competências bem estabelecidas e com forte presença de tecnologia
avançada, criando situações para médicos e enfermeiros de tomada de decisões
vitais para os pacientes com risco de vida e/ou iminência de morte.
2.2 O atendimento ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte
O processo de tomada de decisões médicas relativas à vida e morte dos
pacientes de UTI se revela de extrema complexidade na avaliação prática do
intensivista sobre o paciente. Consegue-se hoje postergar, prorrogar a vida, através
da tecnologia. A medicina atingiu um patamar de desenvolvimento tecnológico que
permite certo domínio e regulação da morte, em outras palavras, uma
"domesticação" da morte (Ariès, 2003).
Assim, a noção de prioridade no atendimento/cuidado, que seria mais
contundente no subsistema da assistência intensiva, está ligada ao risco de vida
e/ou iminência de morte no qual a incerteza parece surgir. Esse atendimento é
constituído pela multiplicidade de fatores pessoais e profissionais de médicos e
enfermeiros, estabelecendo o doente reversível, curável e os critérios de
irreversibilidade, ou seja, de morte. Esse atendimento é sustentado nas crenças e
valores desses profissionais acerca da vida humana, da saúde e da cura, fruto de
suas experiências e observações.
A competência de médicos e enfermeiros se manifesta nos elementos do
conhecimento e nas técnicas das quais dispõem para conferir ou afirmar um
diagnóstico. No entanto, apesar de ser guiada por elementos do conhecimento
médico técnico, a avaliação que decide o caráter e o grau de gravidade de um
estado de saúde também se baseia em elementos subjetivos. Assim, até examinar
melhor o paciente e estabelecer um diagnóstico e prognóstico mais esclarecedor, os
próprios médicos e enfermeiros partem de uma primeira apreciação clínica que pode
vir a ser, ou não, confirmada pelo exame clínico mais aprofundado.
39
No conjunto das definições de prioridade, há certas imprecisões quanto às
variadas situações e aos vários estados de saúde que podem ser conceituados
como graves, mais ou menos graves ou não graves. Ao invés de atribuir um
conteúdo unívoco às noções e distinções que procuram precisar, as definições de
médicos e enfermeiros abrem a possibilidade de interpretações múltiplas.
Na prática de médicos e enfermeiros, a apreciação que leva a considerar um
estado ou uma situação de saúde como sendo grave é o resultado de uma
combinação plurifatorial complexa, na qual não entram somente elementos do
conhecimento técnico. Essa combinatória pode abranger fatores de natureza
variada, tanto sociais quanto psicológicos, tanto coletivos quanto individuais, tais
como: a idade do paciente, seu sexo, sua aparência, sua condição social, o tipo de
doença que o está acometendo, seu comportamento, a doença, o grau de angústia e
incerteza, a formação do profissional, a eventual relação terapêutica existente entre
ele e o doente (se este é ou não “seu” paciente) e também pelo próprio valor
atribuído a um estado de saúde por parte de quem a define.
No domínio da biomedicina, gravidade não é noção, ainda menos um conceito
técnico ou teórico médico. Não existe “a gravidade”, mas as gravidades, na
apreciação das quais se inclui uma série de elementos, que não são apenas de
natureza biológica, fisiológica, mas que pertencem a várias esferas da realidade. O
valor agregado a um estado de saúde, bem como ao grau de gravidade de um
paciente, traduz o reconhecimento do risco de vida/iminência de morte e justifica a
prioridade dada no atendimento. No que tange a essa apreciação, as motivações
para o diagnóstico não escapam do social e de suas várias expressões e
determinações.
As manifestações dessas apreciações podem resultar em tensões que se
pode observar, especialmente, nas interações entre médicos e enfermeiros e na
maneira como a gravidade do estado de saúde dos pacientes é encarada, como eles
são triados e tratados até a internação na UTI. A seleção do paciente a ser admitido,
nesse contexto, revela comportamentos e reações de médicos e enfermeiros que
enfrentam um grande fluxo de pedidos que chega sob formas heterogêneas e que
dizem respeito a problemas de naturezas diversas.
Os pacientes que são admitidos na UTI provêm do centro cirúrgico, de outras
unidades do hospital (enfermarias, ambulatórios, setor de hemodinâmica) e de
outras instituições de saúde. Têm em comum o fato do risco de vida e/ou iminência
40
de morte. O motivo e urgência de sua internação na UTI são apreciados no
momento da solicitação da vaga, no qual o médico solicitante descreve o caso e
justifica seu pedido ao médico da UTI.
O enfermeiro não está encarregado oficialmente de liberar a vaga da UTI.
Compete a esse profissional controlar o número de pessoas que circulam na UTI e
instruir as mesmas quanto às rotinas do setor. A ele também cabe prover o material
necessário à assistência dos pacientes e supervisionar o andamento das ações de
enfermagem como higiene, alimentação, conforto e cuidados com medicações.
Cabe ao enfermeiro manter a ordem dentro da UTI. Em termos de seleção do
paciente a uma vaga na UTI, o papel do enfermeiro corresponde a emitir opiniões
em relação à admissão frente ao estado de saúde do paciente e declarar a
disponibilidade de recursos humanos e materiais, nem sempre tão acessíveis em
instituições públicas. Quanto ao médico, em função de sua apreciação do estado de
saúde do paciente, a partir das informações que consegue oralmente e, sobretudo,
visualmente, sempre que possível, libera a vaga na UTI para admitir um paciente
mais instável.
Para ter a vaga na UTI, o paciente tem de estar em um estado considerado
como urgente pelo médico da UTI e que nem sempre concorda com a avaliação do
médico que solicita a vaga. Em geral, somente quando é admitido na UTI é que
médicos e enfermeiros terão uma maior clareza do seu estado de saúde. A
mobilização da equipe intensivista diante de um paciente na UTI é percebido tanto
nas atitudes e comentários, quanto nos comportamentos de médicos e enfermeiros
na UTI. Antes de o paciente chegar, médicos e enfermeiros procuram sinais de
gravidade de seu estado, colhendo informações. Seus comentários e perguntas são:
1- Como está respirando?; 2- Está monitorizado?; 3- Já tem acesso venoso para
infusão de drogas?; 4- Quais as medicações que já foram e estão sendo
administradas? Dessa forma, os médicos e os enfermeiros ainda não têm controle
da situação, até então desconhecida por esses profissionais, visto que ainda não
tiveram contato com o paciente.
Como se pode observar, na UTI, médicos e enfermeiros, ocupando lugar e
papéis distintos, participam do atendimento ao paciente com risco de vida e/ou
iminência de morte. A interdependência e a interligação de suas apreciações e
avaliações desenham uma corrente dinâmica de decisões e ações que, afinal,
determina a qualidade dos cuidados prestados em termos de rapidez e eficácia.
41
Embora esse trabalho se manifeste no comportamento individual, pode caracterizar-
se como produto da equipe multiprofissional no contexto social da UTI. Ou seja,
nesse ambiente, cheio de diversidades, o trabalho de médicos e enfermeiros é
concebido pelos indivíduos ou pelo grupo como extensão do seu comportamento,
das suas atitudes e de normas.
O trabalho de médicos e enfermeiros na UTI é determinado, assim, por uma
relação de simultaneidade entre a objetividade inerente ao seu fazer profissional e a
subjetividade de cada indivíduo inserido nesse grupo. Esse trabalho consiste em um
fenômeno social, visto que depende da condição individual dos que o executam e
pode ser influenciado por situações internas e externas inerentes às relações
estabelecidas no grupo. A decisão profissional é fortemente influenciada pelas
representações que médicos e enfermeiros constroem ao longo de suas vidas,
através de experiências pessoais, profissionais, influências sociais e econômicas.
Na UTI, a máquina/tecnologia passa a representar a própria morte do
paciente. A eficiência técnica da máquina é colocada à disposição do paciente,
significando a decisão de que esta acabou de penetrar nos limites biológicos da
morte. A morte deixa de ser pontual, definitiva e privada, passando a se integrar nas
políticas de intervenção sobre a vida. Mostrar a relação de médicos, enfermeiros e
médicos residentes intensivistas com a morte se faz relevante, pois essa interação,
constituída pelo desenvolvimento da tecnologia, nascida em parte da ação moderna
do homem sobre os limites fisiológicos do corpo, permite a emergência e
consolidação das práticas do atendimento ao paciente com risco de vida e/ou
iminência de morte.
2.3 A morte e o morrer na UTI
O hospital, como espaço terapêutico, surgiu no final do século XVIII,
juntamente com a mudança de paradigma que instituiu a racionalidade anátomo-
clínica como fundamento da medicina. A partir da consolidação da instituição
hospitalar, medicamente administrada e controlada, a medicina, seu saber e sua
instituição se tornaram referências centrais no que se refere à saúde, vida,
sofrimento e morte.
42
Nos últimos tempos, a sociedade ocidental construiu equipamentos e
tecnologias mais eficientes e sofisticadas para a interpretação do mundo,
especialmente no que diz respeito aos males do corpo. Cada vez mais, os saberes
sobre o corpo são marcados por uma crescente influência do olhar científico.
Na UTI, fios e tubos em profusão entram e saem de vários orifícios, cavidades
e pontos da pele do paciente. Bombas de injeção automática de medicamentos,
respiradores mecânicos, controles de temperatura, marcapassos cardíacos,
trabalham continuamente, envolvendo o paciente em um ruído contínuo, em uma
dança de traços coloridos em telas de monitores, em bipes sonoros sincronizados
com a batida do coração que ecoam de forma sintética os ritmos da vida. O
paciente, nesse contexto, é constantemente monitorizado. Não é mais um ser
humano autônomo, as máquinas fazem parte dele. Sem elas, em alguns momentos,
ele não seria capaz de viver. O objetivo é colocar o paciente com alto risco de vida
e/ou iminência de morte em um ambiente onde suas funções vitais são
continuamente monitoradas, e onde a intervenção salvadora possa ser feita
rapidamente, de forma concentrada e intensa, em um único lugar. Esse progresso
da medicina intensiva se deve ao avanço da tecnologia biomédica.
De fato, o desenvolvimento técnico das últimas décadas possibilitou suporte a
órgãos humanos e funções vitais. Cada vez mais, realizam-se pesquisas voltadas
para a obtenção de aparelhos que possibilitem manter vivos os homens. Na UTI, a
morte pode acontecer fora do tempo real do acontecimento, projetada para o futuro,
com aparelhos que conseguem prolongar a vida, com a ilusão de dar crédito à
imortalidade.
Nas UTIs, assim como em outros setores do hospital, o objetivo é suplantar a
morte. Há regras e funções estipuladas, predeterminadas para o alcance da vitória
sobre o pretenso inimigo. Os atarefados profissionais envolvidos na luta contra a
morte, muitas vezes, se assustam com seus limites e impotência.
Nesse espaço, a partir dos avanços da biomedicina, a morte passa a ser
encefálica, biológica e celular. A morte é dividida, parcelada numa série de
pequenas etapas, como afirma Airès (2003), entre as quais, definitivamente, não se
sabe qual é verdadeiramente a morte, aquela em que se perde a consciência ou
aquela em que se perde a respiração. Essa subdivisão, como refere Kovács (2003),
torna-se relevante quando envolve a polêmica dos transplantes, em que pacientes
com morte cerebral são mantidos vivos para que os órgãos possam ser retirados e
43
utilizados em uma nova vida. Os aparelhos são destinados a medir e a prolongar a
vida. O momento da morte ou a interrupção da vida, nesses casos, passa a ser
acordado entre os médicos.
Através do emprego da tecnologia médica para a sustentação do viver, com a
criação e utilização do respirador artificial, ocorreram profundas alterações, tanto no
processo de morrer, quanto no próprio conceito de morte. O conceito de morte
cerebral, como descrito anteriormente, é articulado ao transplante de órgãos (Lock,
2000). A morte de distintas partes do corpo de um indivíduo é possível através da
tecnologia médica. Assim, a imagem da morte com o tradicional esqueleto com foice
foi substituída, no século XX, pela imagem de um paciente internado na UTI,
conectado a tubos e cercado de aparelhos que mantêm a vida. Esse modelo de
morte é denominado “morte moderna”, medicalizada (Airès, 2003).
Com tantos desequilíbrios, incertezas e paradoxos, na UTI, facilmente se
passa da luta pela vida à morte resignada; do desafio que se impõe ao risco de
continuar vivo, ao medo de morrer. Nada é permanente nesse contexto. Trata-se de
um espaço ambíguo, onde se procura controlar, através mesmo da negação e
isolamento, o imprevisível.
Os avanços alcançados pelo desenvolvimento científico e tecnológico nos
campos da biologia, da saúde e da vida, de um modo geral, principalmente nos
últimos trinta anos, têm colocado a humanidade frente a situações até pouco tempo
inimagináveis. São diárias as notícias, provenientes das mais diferentes partes do
mundo, relatando a uti lização de novos métodos investigativos ou de técnicas
desconhecidas, a descoberta de medicamentos mais eficazes, o controle de
doenças tidas como fora de controle. Se, por um lado, todas estas conquistas
trazem renovadas esperanças de melhoria da qualidade de vida para as sociedades
humanas, por outro, criam uma série de contradições que necessitam ser
analisadas.
Os problemas éticos começaram a existir com os pacientes que não têm
chance de se recuperar facilmente e ficam muito tempo na UTI, com suas funções
vitais mantidas artificialmente. Esse fato não havia sido previsto na ideia
fundamental da UTI, cuja filosofia é cuidar muito intensamente, por pouco tempo.
Para esses pacientes, imersos em contradições e dilemas da tecnologia e da ética, a
vida é discutível. Os custos explodem. Uma estadia em uma UTI pode custar até
cinco mil reais por dia, e não resulta necessariamente em cura ou alta.
44
A Bioética, então, surge na UTI como forma de reflexão para os profissionais
intensivistas, associada à ação integrada da tecnologia do saber. A decisão de quem
ocupa um leito, de quem vive e quem morre corresponde, certamente, a uma
realidade a ser tratada. A morte passa a ser discutida. Surgem debates acerca dos
termos eutanásia, ortotanásia e distanásia. Como indica Torres (2003), a morte
correta (ortotanásia), em seu tempo certo, nem abreviada (eutanásia), nem
prolongada (distanásia) no tempo, confronta médicos e enfermeiros num imperativo
ético de reflexão sistemática sobre as posições assumidas por estes quanto aos
tempos de morte dos pacientes na UTI.
Observa-se que a morte na UTI se encaixa no que refere Airès (2003), ou
seja, a morte, no contexto hospitalar, consiste em fenômeno técnico, causado pela
parada dos cuidados, mais ou menos declarada, por decisão do médico e da equipe
de saúde. São eles os donos da morte, do seu momento e de suas circunstâncias. A
variabilidade da duração da morte é estabelecida pelos progressos da biomedicina.
Dentro de certos limites, pode-se abreviá-la ou estendê-la, dependendo da decisão
do médico e dos equipamentos disponíveis.
Tanto a discussão sobre os “limites” ou o “controle” acerca da manipulação da
vida, quanto à defesa de uma ética da responsabilidade e a busca da equidade no
tratamento dos sujeitos sociais, são fundamentais para o bem-estar futuro da
humanidade na discussão sobre a descoberta e utilização de novas técnicas e
medicamentos no campo médico-biológico.
Kovács (2003), psicóloga, estudiosa nos assuntos da morte e do morrer,
menciona que ao priorizar-se no hospital, em especial na UTI, o salvar o paciente a
qualquer custo, a ocorrência de morte pode fazer com que o trabalho de médicos e
enfermeiros, nesse contexto, seja percebido como frustrante, desmotivador e sem
significado. A psicóloga acrescenta que esta percepção pode ser agravada quando
os procedimentos médicos a serem realizados, fora de possibilidade de cura, não
são compartilhados com toda a equipe. Por outro lado, não conseguir evitar ou adiar
a morte pode trazer ao profissional a vivência de seus limites, o que, em algumas
vezes, pode ser extremamente doloroso.
Situações geradoras de grandes dilemas éticos podem levar pacientes (se
conscientes), familiares e profissionais, a se depararem com a necessidade de
tomada de decisão, no que concerne ao prolongamento ou interrupção das medidas
45
terapêuticas. Delimitar o tratamento e definir ações correspondem a difíceis
decisões, nem sempre concordantes e uniformes.
No contexto das UTIs, tal como ocorre nos diversos sistemas institucionais de
atendimento à saúde, as decisões bioéticas são, em geral, assumidas pelo médico,
principalmente por sua atuação chave em questões decisórias acerca do tratamento.
Já a participação dos enfermeiros no processo de tomada de decisão de dilemas
éticos, apesar de importante, muitas vezes, tem se mostrado tímida, aquém do que
seria desejável e possível (Richer e Eisemann, 2000).
Observa-se, também, que alguns enfermeiros tendem a manter
distanciamento dessas situações, por vezes de forma consciente, em razão do
sofrimento emocional que o enfrentamento dessas situações acarreta, nem sempre
fácil de ser vivenciado. O comportamento passivo dos enfermeiros frente a situações
complexas que exigem tomadas de decisão pode, ainda, funcionar como mecanismo
de defesa ou indicar desconhecimento acerca dos problemas éticos relativos à vida
e à morte (Germano e cols, 1998). Vale ressaltar que o médico intensivista pode ser
tão despreparado quanto os enfermeiros para o enfrentamento dos dilemas éticos.
Estudiosos do assunto, tanto na literatura nacional como internacional,
concordam sobre a necessidade de se discutir amplamente todas as alternativas
terapêuticas possíveis para a solução dos dilemas éticos inerentes ao tratamento
intensivo. Recomenda-se que a discussão seja interdisciplinar, agregando tantos
profissionais quanto possível (Orlando, 2001; Baggs, 1993).
Na prática, no entanto, tal procedimento ainda é pouco observado e, na
maioria das vezes, o médico é levado a decidir isolada e unilateralmente, não
compartilhando opiniões devido à falta de comunicação entre os profissionais.
Percebe-se, também, que a decisão de se interromper ou prolongar determinado
tratamento nem sempre é consensual e sustentada pelos diferentes intensivistas da
mesma instituição. Dessa forma, não é incomum que em plantões diferentes, um
outro médico retome o tratamento anterior, motivado por suas convicções pessoais,
criando um círculo vicioso de difícil solução e que reflete a falta de diálogo entre a
própria equipe médica. Tais condutas, indesejáveis e contraditórias, não só
confundem profissionais e familiares, como podem aumentar ou trazer falsas
expectativas em relação à evolução clínica do paciente.
Diante disso, surgem algumas questões: Como comunicar aos pacientes e
aos seus familiares o agravamento da doença e a proximidade da morte?; Como
46
lidar com pacientes que estejam apresentando intensa expressão de sentimentos
(medo, raiva e tristeza)?; Como desenvolver o tratamento de pacientes sem
possibilidade de cura (aprofundando a diferença entre curar e cuidar)?; Como
abordar a família quando há aproximação da morte e como acolher os sentimentos
presentes nesta situação?; Como lidar com a expressão do desejo de morrer por
parte do paciente ou da família, que não suporta ver tanto sofrimento?; Como
explicar para os familiares uma mudança de conduta radicalmente oposta?; O que o
intensivista pode falar ou não a respeito de uma decisão da qual ele não participou?;
O que seria eticamente correto?
Percebe-se que a discussão dos temas relacionados à vida, à morte e ao
processo de morrer, dentro das UTIs, é de fundamental importância. Assim, pode-se
explicar como profissionais da psicologia e da saúde mental começam a fazer parte
das equipes nas UTIs, não só abrindo espaço para a discussão da morte e do
processo de morrer com os membros da equipe de saúde, que frequentemente
lidam com sentimentos de perda, sofrimento, dor e fracasso, mas também com os
pacientes e seus familiares. Enfim, a morte medicalizada, com a maior assepsia
possível, ocorre nas UTIs. No extremo da técnica, é nesse ambiente que se
encontram mortos-vivos. Pacientes sedados, comatosos ou lúcidos estão
completamente dependentes das decisões e práticas de médicos e enfermeiros.
Nesse panorama é possível perceber a importância das situações vividas por
médicos, enfermeiros e pacientes no contexto de uma UTI. E não é difícil
argumentar sobre a necessidade de mais investigação em torno das nuances,
questões e desafios à capacidade humana de vivenciar complexos momentos de
envolvimento com a situação da proximidade do morrer humano. É indispensável a
busca da ampliação da compreensão dos processos pessoais, emocionais,
existenciais, profissionais e institucionais aí envolvidos.
O caminho estabelecido pela pesquisa em processo, aqui relatada, foi
baseado nos pressupostos da teoria das representações sociais. Conforme
Moscovici (2003) argumenta, as representações sociais revelam mundos simbólicos
que, estruturados na dinâmica das relações sociais cotidianas, sustentam valores,
atitudes e comportamentos. O que a presente pesquisa pretendeu foi justamente
compreender as visões de médicos e enfermeiros quanto ao atendimento ao
paciente com risco de vida e/ou iminência de morte, construídos no dia a dia de
47
trabalho e de convivência com os mais modernos e especializados recursos
tecnológicos no campo da preservação de vidas humanas.
2.4 A formação de médicos e enfermeiros
Em qualquer profissão, o processo de aprendizagem representa um momento
fundamental, pois é nele que são produzidos tanto o conhecimento teórico, quanto
as práticas associadas. Na medicina e na enfermagem, o processo de
aprendizagem tem uma característica diferencial, que é a passagem pela instituição
hospitalar.
É nessa ocasião, no hospital, uma instituição rica de saber médico, que os
jovens estudantes irão aprender as rotinas práticas para saber atuar nas profissões
de saúde. Isso é fundamental, pois representa não só o momento em que
aprenderão a atuar na prática, mas também, no caso da residência6, pela primeira
vez serão responsáveis pela assistência de um ou mais pacientes.
A formação universitária de médicos e enfermeiros prima pela prática
individual e está centrada no hospital como locus de atuação privilegiada para estes
profissionais. É no hospital que estes buscam legitimar um corpo de conhecimentos
e uma especialidade. Nessa construção, os profissionais almejam novas formas de
pensar, capazes de um novo exercício profissional, com conhecimentos e princípios
éticos específicos. É nesse espaço especializado, com rotinas institucionalizadas, no
qual, segundo Elias (2001), não há lugar para emoções, sejam as dos médicos,
enfermeiros, pacientes e/ou familiares, que esses futuros profissionais têm o
primeiro contato com o paciente. De acordo com o sociólogo, o paradigma formador
desses profissionais, em geral, distancia o objetivo da formação em saúde das
práticas médicas.
6 A Residência Médica foi instituída no Brasil pelo Decreto nº 80.281, de 5 de Setembro de 1977 e,
segundo o Ministério da Educação, se constitui uma modalidade de ensino de pós-graduação destinada a médicos, sob a forma de curso de especialização, funcionando em Instituições de Saúde, sob a orientação de profissionais médicos de elevada qualificação ética e profissional, sendo considerada de alto padrão na modalidade de especialização médica.
48
Um dos grandes problemas da formação e na prática médicas do século
XX é a distância entre o cuidado ao doente e atenção aos seus órgãos e funções. A medicina do mundo moderno é caracterizada pela fragmentação e objetivação da pessoa do paciente (ELIAS, 2001, p. 103).
É importante tecer questionamentos sobre a posição da ciência e da
racionalidade médica. Esse processo não envolve abandonar o conhecimento
científico, mas prima pela compreensão de que esse conhecimento é de grande
importância. Envolve também a ideia de que esse conhecimento, para ser útil na
perspectiva do cuidado integral, precisa ser traduzido e confrontado com outras
formas de saber, a começar por aquelas formas não científicas de conhecimento,
decorrentes da própria experiência de vida, visando à produção de uma fusão de
horizontes quanto a uma nova prática que melhor se alinhe às dimensões
socioculturais dos indivíduos.
A humanização do atendimento com uma visão global do homem na plenitude
de seus direitos de cidadão foi referendada em 1986, através da resolução da VIII
Conferência Nacional de Saúde que propõe um atendimento integral no que diz
respeito à promoção, proteção e recuperação da saúde.
Dessa forma, a formação de médicos e enfermeiros, no Brasil, deve estar
vinculada à premissa acima referida e deve assegurar aos futuros profissionais uma
alta competência na assistência ao indivíduo, no âmbito técnico-científico,
administrativo e político. O objeto de trabalho de médicos e enfermeiros passa,
nessa direção, pela assistência aos pacientes no processo saúde-doença e se
estende à organização do processo de trabalho, incluindo uma assistência de
qualidade, além de uma ação conjunta com os outros profissionais da área da
saúde.
A formação de médicos e enfermeiros sempre esteve muito voltada para o
domínio do conhecimento técnico-científico. De acordo com as Diretrizes
Curriculares Nacionais (2001), o corpo de conhecimento que conduz à competência
técnico-científica desses profissionais deve levar em consideração todas as fases de
desenvolvimento do homem, do nascimento à morte, na promoção, proteção e
recuperação de sua saúde. Assim, o ensino deve preparar médicos e enfermeiros,
tanto para atuarem no nível primário da atenção à saúde, ambulatórios e centros de
saúde, como para os níveis mais complexos de assistência, o hospitalar, com
tecnologias mais especializadas, levando em consideração, também, o homem
49
brasileiro em sua realidade concreta e histórica, considerando este como um ser
biológico, cultural e social.
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (2001), o perfil do formando
egresso/profissional do curso de enfermagem é:
Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva.
Profissional qualificado para o exercício de Enfermagem, com base no rigor científico e intelectual e pautado em princ ípios éticos. Capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de saúde-doença mais prevalentes
no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua região de atuação, identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes. Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso
com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano ... (BRASIL, 2001)
Quanto às competências e habilidades gerais, os enfermeiros, ao final de sua
formação universitária, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção,
promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto
coletivo. Devem assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e
contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, com os mais altos padrões
de qualidade e dos princípios da ética/bioética. Serem capazes de tomar decisões
importantes, visando ao uso apropriado, eficácia e custo-efetividade da força de
trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas,
avaliando, sistematizando e decidindo a conduta mais apropriada. Devem ter
responsabilidade e compromisso com a educação e o treinamento/estágios das
futuras gerações de profissionais, não apenas transmitindo conhecimentos, mas
proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os futuros
profissionais e os profissionais dos serviços.
Quanto às suas competências e habilidades específicas, devem atuar
profissionalmente compreendendo a natureza humana em suas dimensões, em suas
expressões e fases evolutivas; incorporar a ciência/arte do cuidar como instrumento
de interpretação profissional; desenvolver formação técnico-científica que confira
qualidade ao exercício profissional; compreender a política de saúde no contexto
das políticas sociais, reconhecendo os perfis epidemiológicos das populações;
reconhecer a saúde como direito e condições dignas de vida e atuar de forma a
garantir a integralidade da assistência, entendida como conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos,
50
exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
reconhecer-se como coordenador do trabalho da equipe de enfermagem; assumir o
compromisso ético, humanístico e social com o trabalho multiprofissional em saúde.
A formação do enfermeiro deve atender às necessidades sociais da saúde,
com ênfase no Sistema Único de Saúde (SUS), e assegurar a integralidade da
atenção e a qualidade e humanização do atendimento. Para tanto, os conteúdos
essenciais para o curso de graduação em enfermagem relacionam todo o processo
saúde-doença do cidadão, da família e da comunidade, integrado à realidade
epidemiológica e profissional, proporcionando a integralidade das ações do cuidar
em enfermagem. Tais conteúdos teóricos e práticos contemplam as seguintes áreas
temáticas: Bases Biológicas e Sociais da Enfermagem.
Os conteúdos essenciais para o Curso de Graduação em Enfermagem
devem estar relacionados com o processo saúde-doença do cidadão, da família e da
comunidade, integrado à realidade epidemiológica e profissional, proporcionando a
integralidade das ações do cuidar em enfermagem. Contemplam os conteúdos de
base moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e
função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados às situações
decorrentes do processo saúde-doença no desenvolvimento da prática assistencial
de Enfermagem; conteúdos referentes às diversas dimensões da relação
indivíduo/sociedade, contribuindo para a compreensão dos determinantes sociais,
culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis
individual e coletivo, do processo saúde-doença; conteúdos que compõem a
assistência de Enfermagem em nível individual e coletivo prestada à criança, ao
adolescente, ao adulto, à mulher e ao idoso, considerando os determinantes socio-
culturais, econômicos e ecológicos do processo saúde-doença, bem como os
princípios éticos, legais e humanísticos inerentes ao cuidado de enfermagem; e
conteúdos pertinentes à capacitação pedagógica do enfermeiro.
Vale ressaltar que os conteúdos curriculares, as competências e as
habilidades, a serem assimilados e adquiridos no nível de graduação do enfermeiro,
devem conferir-lhe capacidade acadêmica e/ou profissional, considerando as
demandas e necessidades prevalentes e prioritárias da população, conforme o
quadro epidemiológico do país/região.
Quanto ao médico, as Diretrizes Curriculares Nacionais (2001) propõem:
51
Médico, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva. Capacitado a atuar, pautado em princ ípios éticos, no processo de saúde-doença em seus diferentes níveis de atenção, com ações de promoção,
prevenção, recuperação e reabilitação à saúde, na perspectiva da integralidade da assistência, com senso de responsabilidade social e compromisso com a cidadania, como promotor da saúde integral do ser
humano (BRASIL, 2001).
Em relação ao conhecimento, competências e habilidades específicas, as
Diretrizes Curriculares Nacionais (2001) preconizam que os futuros médicos devam
promover estilos de vida saudáveis, conciliando as necessidades tanto dos seus
clientes/pacientes quanto as de sua comunidade, atuando como agente de
transformação social; comunicar-se adequadamente com os colegas de trabalho, os
pacientes e seus familiares; dominar os conhecimentos científicos básicos da
natureza biopsicossocioambiental subjacentes à prática médica e ter raciocínio
crítico na interpretação dos dados, na identificação da natureza dos problemas da
prática médica e na sua resolução; diagnosticar e tratar corretamente as principais
doenças do ser humano em todas as fases do ciclo biológico, tendo como critérios a
prevalência e o potencial mórbido das doenças, bem como a eficácia da ação
médica; reconhecer suas limitações e encaminhar, adequadamente, pacientes
portadores de problemas que fujam ao alcance da sua formação geral; atuar na
proteção e na promoção da saúde e na prevenção de doenças, bem como no
tratamento e reabilitação dos problemas de saúde e acompanhamento do processo
de morte; ter visão do papel social do médico e disposição para atuar em atividades
de política e de planejamento em saúde; atuar em equipe multiprofissional e manter-
se atualizado com a legislação pertinente à saúde.
Os conteúdos essenciais do Curso de Graduação em Medicina guardam
estreita relação com as necessidades de saúde mais frequentes referidas pela
comunidade e identificadas pelo setor saúde. Contemplam o conhecimento das
bases moleculares e celulares dos processos normais e alterados, da estrutura e
função dos tecidos, órgãos, sistemas e aparelhos, aplicados aos problemas de sua
prática e na forma como o médico o utiliza; compreensão dos determinantes sociais,
culturais, comportamentais, psicológicos, ecológicos, éticos e legais, nos níveis
individual e coletivo, do processo saúde-doença; abordagem do processo saúde-
doença do indivíduo e da população, em seus múltiplos aspectos de determinação,
52
ocorrência e intervenção; compreensão e domínio da propedêutica médica –
capacidade de realizar história clínica, exame físico, conhecimento fisiopatológico
dos sinais e sintomas; capacidade reflexiva e compreensão ética, psicológica e
humanística da relação médico-paciente; diagnóstico, prognóstico e conduta
terapêutica nas doenças que acometem o ser humano em todas as fases do ciclo
biológico, considerando-se os critérios da prevalência, letalidade, potencial de
prevenção e importância pedagógica; promoção da saúde e compreensão dos
processos fisiológicos dos seres humanos – gestação, nascimento, crescimento e
desenvolvimento, envelhecimento, atividades físicas, desportivas e as relacionadas
ao meio social e ambiental.
Pode-se dizer que no seio da universidade, a concepção pedagógica que
vigora na maioria dos referidos cursos e que alicerçará os futuros médicos e
enfermeiros se mantém centrada na visão reducionista da saúde e da doença.
Apesar de contraditória ao novo enfoque de tendência humanística para a formação
desses profissionais de saúde, ainda é a perspectiva predominante entre docentes
formadores dos futuros médicos e enfermeiros.
A formação universitária desses profissionais (médicos e enfermeiros)
ainda mantém-se distante do enfoque totalizador de ser humano, permanecendo centrada no modelo de ensino das técnicas e no desenvolvimento restrito de competências, sem legar, ao futuro
profissional, raciocínio crítico reflexivo, para uma ação junto ao paciente e no contexto social, modulador e modulado pela sociedade em que e com a qual está vivendo (CAPRARA e FRANCO, 2003).
Essa desarticulação entre o preconizado e o vivenciado, no que diz respeito à
formação universitária, denuncia a premência de formação para a atenção integral e
holística durante a construção profissional em saúde, articulada com a realidade, o
que é amplamente defendido em estudos relacionados à formação em saúde
(Pierantoni e Machado, 1994).
Apesar de ampla literatura que aponta a premente necessidade de formar
profissionais de saúde em outro enfoque, há ausência de discussão sobre como
seria este modelo em termos teóricos e operacionais. Há lacunas sobre como formar
o médico e o enfermeiro, de forma a possibilitar a integração das profissões numa
equipe multiprofissional em saúde, com maior coerência.
A formação de médicos e enfermeiros se estende também à pós-graduação
fazendo com que os mesmos, e mais especificamente aqueles que exercem a
53
docência, ampliem suas atividades, passando a dedicar-se à pesquisa e à produção
científica. Observa-se, assim, um movimento de cientificidade das práticas
especializadas, levando os pós-graduados, algumas vezes, a um distanciamento de
outros profissionais bem como dos serviços de assistência direta ao paciente.
É importante ressaltar que são necessários estudos no campo da formação
do profissional de saúde, em particular do médico e do enfermeiro. Não
simplesmente indicando as deficiências, haja vista o amplo número de trabalhos
publicados, mas sim o estabelecimento de estudos que realizem análise das duas
profissões conjuntamente, uma vez que se articularão em vários contextos de
trabalho, incluindo a UTI. Tal articulação, que envolve a morte e o morrer, não será
solucionada facilmente. Entretanto, estudos sugerem que a educação biomédica
pode tornar profissionais de saúde mais aptos a lidar com essa questão (Falcão e
Lino, 2004; Falcão e Mendonça, 2009; Marta e cols, 2009; Silva e Ayres, 2010; Nára
e cols, 2010).
O conjunto dessas representações e práticas que atribuem sentidos aos
processos de saúde e doença, enfocados na formação desses profissionais
configuram-se, na cultura ocidental moderna, pela priorização da ordem biológica
possibilitando, dessa forma, a formatação do que se conhece como modelo
biomédico. Esse modelo se impôs como um saber sobre a doença e, manejado por
um corpo de especialistas, ocasionou o desenvolvimento da ciência médica.
Com a formação acadêmica atual, médicos e enfermeiros são impulsionados
a acreditar que somente a vida, a cura e o restabelecimento são características de
um bom cuidado. A morte é abordada de forma superficial e o despreparo de
médicos e enfermeiros para lidar com esta questão chega a ser preocupante. Os
hospitais e a sua tecnologia, a dinâmica da luta incessante pela vida não permitem
nem abrem espaços para questionar, conversar e pensar na morte.
Sem saber como lidar com as questões referentes à morte, os profissionais
acabam por comentarem os êxitos, as curas e os cuidados com bons resultados.
Evita-se falar dos erros, das falhas, da morte. Para eles, frutos de uma formação que
ressalta a onipotência e a eficiência, encarar a morte é aceitar o fracasso. Torna-se,
então, necessário identificar e abordar os aspectos educacionais relativos à finitude
humana, a fim de que possam discutir em cada situação as suas ações.
Por isso, apontar contribuições educacionais para a formação de médicos e
enfermeiros, no que concerne ao atendimento ao paciente com risco de vida e/ou
54
iminência de morte, torna-se relevante a partir das falas de médicos, enfermeiros e
médicos residentes intensivistas e de suas representações acerca da morte.
Considerando as pesquisas realizadas sobre o tema do presente estudo,
optei por trabalhar com o conceito de Representação Social, que possibilita um
caminho para investigar os objetivos estabelecidos, através do contato com os
profissionais envolvidos na assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência
de morte, na busca de suas próprias construções a respeito do tema central. O
conceito de Representação Social valoriza a experiência do cotidiano dos grupos
investigados, suas produções, construções e conhecimentos elaborados a respeito
de um dado objeto. É o que veremos a seguir.
2.5 Representações sociais
Representação Social consiste em um conjunto de explicações e afirmações
que se originam no cotidiano, através de comunicações interindividuais, e que
contribui para a formação de condutas e a orientação das comunicações sociais
(Moscovici, 2003). Para Moscovici, as representações sociais são caracterizadas
como fenômenos complexos que dizem respeito ao processo pelo qual o sentido de
um dado objeto é estruturado pelo sujeito, no contexto de suas relações.
Considerando que o saber popular é a base para a construção do
conhecimento em qualquer área, uma vez que cada indivíduo, grupo ou comunidade
possui uma definição/conceito preestabelecida acerca de um objeto, Moscovici
avança, com tal sistematização, afirmando que esta é uma reabilitação do senso
comum, do saber popular, do conhecimento do cotidiano, do conhecimento "pré-
teórico".
Para o sociólogo, as representações interiorizadas pelo indivíduo possuem
um significado compartilhado socialmente por pessoas pertencentes a uma mesma
cultura. Porém, essas representações se transformam à medida que se articulam
com o “sentido” pessoal que o indivíduo atribui aos conteúdos socialmente
veiculados. Dessa forma, o processo de interiorização é permeado por uma
ressignificação individual.
Jodelet (2001), estudiosa da Teoria das Representações Sociais, na linha de
Moscovici, destaca que, nesse processo, informações de diferentes ordens são
55
continuamente elaboradas, transformadas e recriadas, articulando instâncias, níveis
e dimensões numa síntese que permite ao sujeito agir e interagir, situar-se e
redefinir-se, negociar a aceitação, estabelecendo proximidades e diferenças.
As sociedades modernas são caracterizadas por seu pluralismo e pela
rapidez com que as mudanças econômicas, políticas e culturais ocorrem. Assim,
segundo Jodelet (2001), o campo de estudo das representações sociais reúne dois
debates importantes. No primeiro, as representações emergem como uma
modalidade de conhecimento prático, orientado para a compreensão do mundo e
para a comunicação. No segundo, emergem como construções com caráter
expressivo, elaborações de sujeitos sociais sobre objetos socialmente valorizados.
Como formas de conhecimento, as representações sociais devem ser
entendidas a partir do contexto que as produzem e a partir de sua funcionalidade
nas interações sociais do cotidiano. Inserem-se entre as correntes que estudam o
conhecimento do senso comum, entre elas a Teoria das Representações Sociais
(Moscovici, 2003).
Para operacionalizar essa teorização, Moscovici se dirige ao conceito de
representações coletivas de Durkheim (1970) que apresentam razoável estabilidade
no tocante às representações individuais. Elas consistem em um grande guarda-
chuva que abriga crenças, mitos, imagens, e também o idioma, o direito, a religião,
as tradições. Essa abrangência torna o conceito pouco operacional.
A necessidade de atualizar o conceito e trazê-lo para as condições das
sociedades contemporâneas imersas na intensa divisão do trabalho, nas quais a
dimensão da especialização, bem como a da informação, motivou Moscovici (1961)
a redefinir o conceito de representação social. Para tanto, Moscovici (1961) recorre a
dois processos: objetivação e ancoragem. A objetivação esclarece como se
estrutura o conhecimento do objeto: o indivíduo seleciona e descontextualiza
elementos do que vai representar, operando assim um enxugamento do excesso de
informação, uma vez que não é possível lidar com o conjunto da informação
transmitida. Esta sofre cortes baseados em sua informação prévia, experiência e nos
seus valores. Uma vez feitos os recortes, juntam-se os fragmentos num esquema
que se torna o núcleo figurativo da representação, o qual tende a apresentar um
aspecto imagético. Tal aspecto constitui o essencial da representação. Procedendo
assim, aquele objeto que era desconhecido foi devidamente destrinchado,
56
recomposto e, agora, se torna algo efetivamente objetivo, palpável, passa a nos
parecer natural.
Ancoragem, por sua vez, é o processo que dá sentido ao objeto que se
apresenta à nossa compreensão. Trata-se da maneira pela qual o conhecimento se
enraíza no social e volta a ele ao converter-se em categoria e integrar-se à grade de
leitura do mundo do sujeito, instrumentalizando o novo objeto. O sujeito procede
recorrendo ao que é familiar para fazer uma espécie de conversão da novidade, ou
seja, trazê-la ao território conhecido da nossa bagagem nocional, ancorar aí o novo,
o desconhecido, o não familiar.
Moscovici considera que:
O processo social no conjunto é um processo de familiarização pelo qual os objetos e os indivíduos vêm a ser compreendidos e distinguidos na base
de modelos ou encontros anteriores. A predominância do passado sobre o presente, da resposta sobre o estímulo, da imagem sobre a " realidade" têm como única razão fazer com que ninguém ache nada de novo sob o sol. A
familiaridade constitui, ao mesmo tempo, um estado das relações no grupo e uma norma de julgamento de tudo o que acontece (MOSCOVICI,1961, p.26).
Isso não significa, contudo, um conservadorismo rígido. A Representação
Social, na verdade, opera uma transformação do sujeito e do objeto, na medida em
que ambos são modificados no processo de elaborar o objeto. O sujeito amplia sua
categorização e o objeto se acomoda ao repertório do sujeito, o qual, por sua vez,
também se modifica ao receber mais um habitante. A representação, portanto, não é
cópia da realidade, nem uma instância intermediária que transporta o objeto para
perto/dentro do nosso espaço cognitivo. Ela é um processo que torna conceito e
percepção intercambiáveis, uma vez que se engendram mutuamente.
É exatamente aí que a Teoria das Representações Sociais nos apresenta
novas possibilidades, pois centra seu olhar sobre a relação entre sujeito e objeto. Tal
teoria estabelece uma síntese teórica entre fenômenos que, em nível da realidade,
estão profundamente ligados. As dimensões cognitiva, afetiva e social estão
presentes na própria noção de representações sociais. O fenômeno das
representações sociais e a teoria que se ergue para explicá-lo diz respeito à
construção de saberes sociais e, nessa medida, envolve a cognição. O caráter
simbólico e imaginativo desses saberes traz à tona a dimensão dos afetos porque,
quando sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles
57
também o fazem com emoções e sentimentos. A construção da significação
simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato afetivo. Tanto a
cognição como os afetos que estão presentes nas representações sociais
encontram a sua base na realidade social. Do mesmo modo, a sua produção se
encontra nas instituições, nas ruas, nos meios de comunicação de massa, nos
canais informais de comunicação social, nos movimentos sociais e em uma série de
lugares sociais, quando as pessoas se encontram para falar, argumentar, discutir o
cotidiano, ou quando elas estão expostas às instituições, aos meios de
comunicação, aos mitos e à herança histórico-cultural de suas sociedades.
O estudo de Moscovici avançou para a compreensão do conceito de
representação social desenhado pela teoria. Porém, a definição mais consensual
para as representações sociais entre os pesquisadores do campo é a de Jodelet
(2001, p. 22):
As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.
A autora lembra, ainda, que a representação social deve ser estudada
articulando elementos afetivos, mentais e sociais, e integrando, ao lado da cognição,
da linguagem e da comunicação, as relações sociais que afetam as representações
e a realidade material, social e das ideias sobre a qual elas vão intervir. Ela sugere
que, para abarcar o conjunto de componentes e relações contidos na representação
social vista como saber prático, é preciso responder a três perguntas fundamentais:
Quem sabe e a partir de onde sabe? O que e como se sabe? Sobre o que se sabe e
com que efeito?
O estudo das representações sociais se complementa com a busca do
princípio que estrutura esse campo como um sistema, seus organizadores
socioculturais, atitudes, modelos normativos ou esquemas cognitivos.
Voltando aos planos do estudo da representação delineados por Jodelet
(2001), tomemos o que ainda nos falta mencionar, que poderia ser considerado o
chão da representação: as condições da sua produção, ou seja, as grandes
responsáveis pela possibilidade de explicação, de interpretação do sentido que os
grupos atribuem ao objeto representado. A autora sintetiza a ideia: toda
representação é representação de alguém e de alguma coisa. Toda representação
58
se refere a um objeto e tem um conteúdo. E o "alguém" que a formula é um sujeito
social, imerso em condições específicas de seu espaço e tempo. Para tanto, três
grandes fatores devem ser levados em conta como condições de produção das
representações: a cultura, tomada no sentido amplo e no mais restrito, a
comunicação e a linguagem (intragrupo, entre grupos e de massas), e a inserção
socioeconômica, institucional, educacional e ideológica.
As condições de produção da representação afirmam com veemência a
marca social das representações, assim como seu estatuto epistemológico marca a
sua função simbólica, e os processos e estados, o seu caráter prático. Vemos dessa
forma como a representação social encadeia ação, pensamento e linguagem nas
suas funções primordiais de tornar o não familiar conhecido, ao possibilitar a
comunicação e obter controle sobre o meio em que se vive, e compreender o mundo
e as relações que nele se estabelecem. Moscovici afirma:
...a representação social é um corpus organizado de conhecimentos e uma das atividades psíquicas graças às quais os homens tornam a realidade física e social inteligível, se inserem num grupo ou numa relação cotidiana
de trocas, liberam o poder da sua imaginação. (MOSCOVICI, 1961, p. 27-28)
Em resumo, ao ser uma produção simbólica destinada a compreender e
distinguir o mundo, a representação social provém de um sujeito ativo e criativo, tem
um caráter cognitivo e autônomo e configura a construção social da realidade. A
ação e a comunicação são suas bases: delas provêm e a elas retorna a
representação social.
Assim, os sentidos que médicos e enfermeiros intensivistas dão à morte
dependerão da realidade construída por eles no contexto de suas práticas
profissionais. Através das comunicações diárias entre esses profissionais, suas
representações de morte se constroem e se reconstroem permanentemente, através
das falas, dos gestos, das práticas e da importância de um evento num dado
momento, constituindo símbolos que permitem a elaboração mental dos fatos e a
prática social do dia a dia. Nessa perspectiva, médicos e enfermeiros intensivistas
incorporam novos sentidos, não apenas articulados diretamente ao
pensamento/linguagem, mas tomados, também, como conjunto de ideias ou
concepções a que médicos e enfermeiros podem ter em relação à morte no universo
cultural da UTI.
59
2. METODOLOGIA
Para a leitura dessa realidade, optamos pela Teoria das Representações
Sociais (Moscovici, 2003) como base teórica, por acreditarmos que esse referencial
permite olhar o fenômeno na perspectiva do sujeito que o vivencia. Segundo
Moscovici (2003), as representações sociais designam uma forma específica de
conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam uma forma
de pensamento social, referentes às condições e aos contextos nos quais emergem
e circulam. Essa teoria se baseia nas interações sociais do cotidiano, permite
compreender e explicar a construção da realidade, guia ou orienta as práticas
sociais e sustenta a especificidade dos grupos, permitindo a justificativa das
tomadas de posição. Enfim, busca compreender como comunidades diferentes, em
diferentes contextos e com diferentes padrões culturais, constroem o saber sobre os
objetos sociais.
A identificação das representações sociais dos sujeitos da pesquisa, acerca
do tema em questão, foi realizada a partir da metodologia de análise
qualiquantitativa, proposta por Lefèvre et al (2001, 2005), o Discurso do Sujeito
Coletivo (DSC) que tem por finalidade a identificação da representação social de um
determinado tema ou objeto de um grupo, a partir das expressões orais ou escritas,
expressas individualmente em entrevistas ou questionários. Para os autores, o que
as pessoas pensam ou emitem como respostas a uma indagação reflete o
compartilhamento de um imaginário social comum, coletivo, existente num
determinado momento. Dessa forma, os pensamentos contidos em expressões
individuais representam mais do que um indivíduo pensa sobre um dado tema. Eles
revelam elementos do imaginário coletivo de um grupo. A análise do DSC busca, a
partir das expressões individuais, chegar às representações de um grupo social num
dado momento.
Utilizamos como técnica o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), pois este
busca dar conta da discursividade, característica própria e indissociável do
pensamento coletivo, buscando preservá-la em todos os momentos da pesquisa,
desde a elaboração das perguntas, passando pela coleta e pelo processamento dos
dados até culminar com a apresentação dos resultados.
Optou-se pela pesquisa qualiquantitativa pelo fato de tanto privilegiar a ação
dos sujeitos e apoiar-se na relevância dos aspectos subjetivos da ação social,
60
quanto pelos aspectos quantitativos que serão descritos sob a forma de percentuais
acerca da participação dos sujeitos. Dessa forma, pontos de vista e práticas devem
ser relacionados às variadas perspectivas subjetivas e contextos a eles
relacionados. Apreender os significados atribuídos à morte humana por médicos,
enfermeiros e residentes intensivistas passa pelo entendimento da subjetividade da
ação, expressa por meio da linguagem, que foi construída por determinações
socioculturais e ideológicas. Os aspectos quantitativos se referem aos dados que
possibilitam oferecer informações de conteúdos discursivos compartilhados pelos
indivíduos pesquisados em disposição numérica.
Para organizar os depoimentos dos participantes foram tomadas três figuras
metodológicas: Expressões Chave (ECH); Ideia Central (IC); e Discurso do Sujeito
Coletivo (DSC). Num primeiro momento, foram utilizadas duas delas, as Expressões
Chave e as Ideias Centrais; na sequência, construímos o Discurso do Sujeito
Coletivo, que é então a terceira figura metodológica da proposta.
O DSC é produzido a partir de trechos de falas dos indivíduos de uma
coletividade. Sua construção é possível mediante definição e identificação de ideias
centrais e expressões chave nas respostas individuais do grupo analisado. As
expressões chave revelam o que há de mais substancial no que foi respondido. As
que forem semelhantes são reunidas, designando uma ideia central. Essa reflete de
forma mais fidedigna possível o sentido de cada um dos discursos analisados e de
cada conjunto homogêneo de expressões chave. Ressalta-se que cada ideia central
constitui-se em uma expressão linguística atribuída pelo pesquisador a cada grupo
de expressões chave. Cada DSC é formulado a partir da união das expressões
chave de uma determinada ideia central. Daí, o conjunto dos DSCs expressar as
representações sociais de um grupo de indivíduos, em relação a um determinado
fenômeno ou situação.
A proposta do DSC como forma de conhecimento busca resgatar o discurso
como signo de conhecimento dos próprios discursos. Assim, com o DSC, os
discursos dos depoimentos não se anulam ou se reduzem a uma categoria
unificadora já que o que se busca fazer “é reconstituir, com pedaços de discursos
individuais, como em um quebra-cabeça, tantos discursos síntese quantos se julgue
necessários para expressar uma dada figura” (Lefévre e Lefévere, 2005), ou seja,
um dado pensar ou representação social sobre um fenômeno.
61
O DSC é, assim, uma estratégia metodológica que, utilizando uma estratégia
discursiva, visa tornar mais clara uma dada representação social, bem como o
conjunto das representações que conforma um dado imaginário. Através do modo
discursivo, é possível visualizar melhor a representação social na medida em que
ela aparece sob uma forma de um discurso, que corresponde ao modo como os
indivíduos pensam.
Para a realização desta pesquisa, primeiramente, realizou-se uma
aproximação com os campos de investigação através de reuniões com as chefias
das UTIs de uma instituição hospitalar federal de ensino superior do Brasil,
compreendendo a UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca e a Unidade
Coronariana que fazem parte da Unidade Cardiointensiva, e a UTI Geral. Essas
reuniões procuraram expor as intenções e objetivos da pesquisa, bem como coletar
informações sobre as principais características desses ambientes e suas
organizações de trabalho. Posteriormente, foram feitos contatos com essas chefias
para apresentação e esclarecimentos metodológicos do estudo. Desde os primeiros
contatos, as chefias médica e de enfermagem das unidades em questão se
mostraram receptivas e interessadas em cooperar com o estudo.
Em atendimento aos aspectos éticos legais de pesquisa envolvendo seres
humanos, o projeto foi encaminhado inicialmente ao Comitê de Ética e Pesquisa
(CEP) para apreciação e aprovação. De posse da autorização do CEP, procedeu–
se à coleta de dados na instituição de pesquisa, utilizando o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice 1).
Para a coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com
questões relacionadas ao tema abordado nos objetivos desta pesquisa, as quais
foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. A entrevista semiestruturada
está focalizada em um assunto sobre o qual é confeccionado um roteiro com
perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às
circunstâncias momentâneas à entrevista. Esse tipo de entrevista pode fazer emergir
informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma
padronização de alternativas (Manzini, 2003).
Para Triviños (1987), a entrevista semiestruturada tem como característica
questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se
relacionam ao tema da pesquisa. Os questionamentos dariam frutos a novas
hipóteses surgidas, a partir das respostas dos informantes. O foco principal é
62
colocado pelo investigador-entrevistador. Complementa o autor, afirmando que a
entrevista semiestruturada:
... favorece não só a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua
explicação e a compreensão de sua totalidade ... além de manter a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta de informações (TRIVIÑOS, 1987, p. 152).
Um ponto semelhante para ambos os autores se refere à necessidade de
perguntas básicas e principais para atingir o objetivo da pesquisa. Manzini (2003)
salienta que é possível um planejamento da coleta de informações por meio da
elaboração de um roteiro com perguntas que atinjam os objetivos pretendidos. O
roteiro serve, então, além de coletar as informações básicas, como um meio para o
pesquisador se organizar para o processo de interação com o informante.
Os sujeitos da pesquisa foram os médicos, enfermeiros e médicos residentes
atuantes na UTI Geral, na UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca e na Unidade
Coronariana, no período da coleta de dados, e que concordaram em participar do
estudo. Foram excluídos os que estavam ausentes por licenças e/ou férias. Não
foram investigados residentes de enfermagem, pois não havia, na instituição
hospitalar, na qual esta pesquisa foi realizada, um programa de pós-graduação nos
moldes de residência durante o período da coleta de dados.
Foram oferecidas aos entrevistados informações quanto aos objetivos da
pesquisa, bem como instruções quanto à forma de utilização do instrumento de
investigação. Foi ressaltado e assegurado o sigilo quanto ao uso do material, sem
qualquer identificação dos participantes.
A coleta de dados foi realizada obedecendo aos requisitos estabelecidos pela
Resolução 196/96, que trata das normas de pesquisa envolvendo seres humanos.
As entrevistas ocorreram no período de janeiro a setembro do ano de 2010, no local
de trabalho dos sujeitos, previamente agendadas e após a concordância dos
mesmos em participar do estudo, nos períodos diurno e noturno, incluindo finais de
semana e feriados, acontecendo de acordo com a disponibilidade dos sujeitos
entrevistados.
Também foi realizada observação dos grupos, nas referidas unidades, com
vistas a captar a dinâmica e o cotidiano de trabalho na UTI. A técnica de observação
foi um recurso escolhido para que pudéssemos acompanhar de perto as
63
especificidades da organização de trabalho na UTI e compreendermos melhor seu
funcionamento e as funções exercidas, em especial a rotina de médicos e
enfermeiros intensivistas. Optando-se pela técnica de observação, este estudo
também vem corroborar a importância do efetivo engajamento entre pesquisador,
sujeitos e campo de pesquisa para o sucesso da investigação. Buscou-se, assim,
conhecer o contexto de trabalho do grupo, permitindo uma melhor compreensão dos
significados dos seus discursos.
A observação dos sujeitos, no contexto investigado, se deu através do diário
de campo, no qual foram registrados os aspectos objetivos e subjetivos envolvidos
na assistência ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte.
64
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados desta pesquisa serão, aqui, apresentados da seguinte forma:
características do contexto analisado; perfil dos sujeitos investigados; aspectos
religiosos dos profissionais investigados; Representação Social da morte humana:
os Discursos do Sujeito Coletivo (DSC).
4.1 Características do contexto investigado
As UTIs escolhidas para a investigação possuem algumas características
peculiares que merecem ser mencionadas. A UTI Geral se localiza no décimo
terceiro andar do hospital universitário e possui doze leitos, sendo seis destinados
aos pacientes com diagnóstico clínico e seis aos pacientes em pós-operatório. Os
pacientes, em geral, estão na faixa etária entre os quarenta e oitenta anos e
procedem, na maioria das vezes, de outras unidades do hospital, ou seja, da
emergência, das enfermarias clínicas e cirúrgicas, bem como do centro cirúrgico.
Raramente se admitem, nesta unidade, pacientes de outros hospitais. Os pacientes
são graves com diagnósticos diversos, tais como: acidentes vasculares cerebrais,
deficiências pulmonares obstrutivas crônicas, insuficiências respiratórias,
transplantes renais, hepáticos e pulmonares, entre outros. A unidade conta com
vinte médicos: um chefe, seis “rotinas”7, dois professores, dez plantonistas e um
residente. Em relação aos enfermeiros, existem, nessa unidade, vinte e sete
profissionais: um chefe geral, um “rotina” dos leitos clínicos, um “rotina” dos leitos
cirúrgicos e vinte e quatro plantonistas. Também há, nesse espaço, uma assistente
social e alguns fisioterapeutas.
Quanto ao espaço físico, pode-se dizer que as salas das chefias médica e de
enfermagem são individuais, porém próximas uma das outras. Logo na entrada da
UTI Geral, na sala de espera, além de banheiros para os familiares visitantes, há
7 “Rotina” corresponde ao nome dado a médicos e enfermeiras responsáveis pela supervisão médica
e de enfermagem, respectivamente, e pela uniformização das condutas dentro das unidades. Por estarem todos os dias nas respectivas unidades, estabelecem maior controle sobre as informações do quadro clínico e a evolução no t ratamento dos pacientes, sendo responsáveis em definir e
direcionar tratamentos.
65
uma televisão, constantemente ligada, com cadeiras. Existe, também, a solicitação
para os visitantes manterem seus aparelhos celulares desligados quando entrarem
no setor e o aviso de que não é permitida a entrada de alimentos e/ou bebidas para
os pacientes. Há orientações, também, dadas pela equipe de enfermagem aos
familiares em relação aos materiais de higiene pessoal necessários aos pacientes,
durante o período de sua internação. Na UTI Geral, também há um espaço para
reuniões multidisciplinares que conta com computadores e acesso à internet,
impressoras, impressos próprios utilizados pelo serviço, quadros com as
informações sobre os pacientes, tais como: nome, data de internação, idade,
patologia clínica, diagnóstico e tratamento realizado.
Nesse setor, as discussões acerca do estado de saúde dos pacientes
ocorrem pela manhã, com a participação facultativa do enfermeiro, após o exame e
o relato escrito do estado de saúde daqueles pelos médicos e médicos residentes
responsáveis pelos casos naquele dia. Participam da reunião a assistente social, os
fisioterapeutas e seus estagiários, os médicos (plantonista e rotina), o residente de
medicina da UTI e os residentes de outras clínicas como, por exemplo: da clínica
médica, anestesiologia e obstetrícia, que estejam cumprindo carga horária nesse
setor por motivos curriculares. Todos os profissionais e estudantes se reunem em
torno de uma mesa, em uma sala, nem sempre com portas fechadas. Nesse
momento, são discutidos os estado de saúde de cada paciente, de forma
supervisionada pelos médicos da UTI Geral. Medicamentos, prescrições médicas,
exames e condutas terapêuticas são analisados conjuntamente. Durante a reunião,
os profissionais são interrompidos de acordo com a necessidade da equipe de
enfermagem, dos pacientes e de outros serviços como, por exemplo, o serviço de
controle de infecção hospitalar. Em outras ocasiões, surgem interrupções que, em
geral, não se referem ao assunto em questão, tais como política e lazer. Alimentos e
bebidas estão presentes nessas reuniões. O clima é de descontração, amizade e
ensino. Minha presença não foi estranha e aparentemente não incomodou o grupo.
Os residentes e médicos responsáveis relatam, de forma detalhada ou não, cada
caso, conforme julguem necessário. As opiniões são expostas, mas o parecer final
da conduta é do médico da rotina. O tempo de duração desses encontros é variado,
dependendo dos casos relatados e das interrupções ocorridas. Com o passar das
horas, os casos finais têm seus relatos realizados de forma mais rápida e sucinta,
tendo em vista as outras atividades dos profissionais durante o dia como, por
66
exemplo, a ida dos residentes de outras clínicas para o ambulatório no período da
tarde. Os profissionais da UTI Geral permanecem no setor exercendo outras ações
pertinentes ao serviço. Se o término da reunião não ocorre, os profissionais que
precisam se ausentar assim o fazem após relatarem os casos pelos quais ficaram
responsáveis. Dessa forma, a ordem de discussão de cada caso nem sempre é
seguida, devido à complexidade de cada caso, às outras atribuições dos
profissionais envolvidos e à disponibilidade de tempo desses.
Semanalmente, na UTI Geral, após a reunião multidisciplinar, acontece uma
reunião dos profissionais do serviço com os familiares dos pacientes internados.
Participam da reunião a assistente social, o médico da rotina e o residente de
medicina da UTI Geral. Também podem participar outros profissionais do serviço
como enfermeiros, mas que, na maioria das vezes, não estão presentes, devido à
demanda de serviço, segundo os mesmos. A assistente social sempre sinaliza para
a importância dessa reunião, valorizando a presença de algum médico da UTI Geral,
nem sempre disponível para estar presente. Observa-se em alguns momentos que,
apesar de há poucos minutos atrás terem discutido cada caso, os profissionais, em
especial os médicos, parecem não confortáveis em atender às demandas das
famílias ali presentes.
Em outra sala dentro da UTI Geral, todos os presentes na reunião com os
familiares sentam-se em círculo, orientados, assim, pela assistente social. Os
profissionais de saúde permanecem de jaleco branco e sentados próximos uns aos
outros. Os familiares de níveis sociais diversos, por sua vez, também ficam próximos
uns dos outros, demonstrando uma clara divisão entre os dois grupos. A reunião
começa com uma apresentação de cada membro. Primeiro os familiares, depois os
profissionais fechando o círculo. Essa apresentação consta do nome do membro do
grupo e do interesse e objetivo em estar participando da reunião. Após essa
apresentação, cada familiar relata sua dúvida ou questionamento, que é respondida
pelos profissionais. Em uma das reuniões, uma familiar iniciou o seu relato: “Eu
tenho dúvidas e medos”, mostrando-se bastante angustiada. Era nítida a
complementação de informações, dada aos familiares, pelos profissionais. E
também era surpreendente o conhecimento e detalhamento de informações que
alguns familiares tinham por se reportarem a outros meios, como a internet, para
saber mais sobre a doença que acomete seu familiar e o que é necessário fazer
para tratá-lo. Alguns familiares se apresentavam bem mobilizados pelo estado de
67
saúde do paciente; outros não. Alguns mais questionadores; outros menos. Os
questionamentos eram feitos em relação aos tratamentos, resultados e realização de
exames, prognóstico e tempo de permanência do paciente na UTI e o não
funcionamento de alguns aparelhos, tais como ar condicionado e tecnologias
necessárias ao diagnóstico e ao conforto dos pacientes.
Todos os familiares se mostravam muito satisfeitos com a assistência médica
e de enfermagem nesse contexto, inclusive, fazendo comparações com ouros
setores do hospital. Apesar de acharem qualificado o atendimento, em alguns
momentos, as opiniões dos familiares divergiam quanto à permanência do paciente
na UTI. Um familiar disse: “Quando minha esposa vai sair daqui?”. No seu ponto de
vista, a saída da UTI, significa melhora. Já outra familiar, cujo esposo tinha indicação
de sair da UTI, disse: “Minha família e eu achamos que ele deve ficar aqui
recebendo os cuidados necessários. Na enfermaria não há todo esse cuidado.”
Ressalta-se que a opinião dos médicos era contrária a dos dois familiares, e que os
mesmos divergiam em suas opiniões quanto à permanência do paciente na UTI
Geral. Sem dúvida, essa reunião representa um momento de interação entre os
profissionais de saúde e os familiares dos pacientes, com trocas de experiências.
A UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca e a Unidade Coronariana fazem
parte da Unidade Cardiointensiva do hospital universitário e estão localizadas no
oitavo andar. A UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca é composta de quatro
leitos, sendo todos ativos. E a Unidade Coronariana é composta de nove leitos,
sendo oito ativos. Não trabalhar com a capacidade máxima de leitos se deve à
conjuntura política e financeira da universidade, que reflete a falta de recursos
humanos e materiais para o atendimento ao paciente cardiopata, com risco de vida.
Essas unidades estão situadas em um único e amplo espaço físico amplo. Nesse
local estão, também, as salas das chefias médica e de enfermagem, recepção e sala
de reuniões. As unidades funcionam com diferentes equipes em sistema de plantão
e rotina. No entanto, nas salas das chefias é possível perceber a interação de
médicos e enfermeiros dos dois setores. Além de dividirem o mesmo espaço físico
nas salas das chefias, é possível observar fotos de interações sociais entre o grupo
de médicos e enfermeiros dentro e fora do contexto hospitalar. Vestiário, espaço
para o descanso de enfermeiros e médicos, copa, sala de espera para visitantes são
compartilhadas pelos dois setores. Não há, nessas unidades, a presença da
assistente social de forma permanente. Existe, nesse espaço, tanto informações de
68
reuniões científicas, como reuniões regulares de grupos religiosos abertas aos
pacientes, familiares e profissionais. Essas reuniões acontecem no nono andar, de
segunda à sexta-feira, em horários programados, de acordo com cada religião. Um
maior número de horas é oferecido pela religião católica, seguido da evangélica e do
kardecismo.
A UTI Pós-operatória de Cirurgia Cardíaca conta com onze médicos: um
chefe, um rotina e nove plantonistas. Também conta com oito enfermeiras, sendo
uma chefe e sete plantonistas. Os pacientes apresentam faixa etária variada, sendo
todos adultos e/ou idosos, em pós-operatório de cirurgia cardíaca, seja transplante
cardíaco, revascularização do miocárdio, trocas e correções de válvulas cardíacas.
Portanto, os pacientes procedem, em geral, do centro cirúrgico. Não ocorre nesse
espaço a reunião multidisciplinar, muito valorizada pelos enfermeiros atuantes no
serviço. Segundo os mesmos, como o serviço não conta com residentes e sim com
um médico rotina e um plantonista, esses conversam entre si sobre o estado de
saúde dos pacientes e, quando surge alguma dúvida, recorrem à equipe de
enfermagem, de modo informal, sempre que necessário. Nesse setor também não
há reuniões com os familiares.
A Unidade Coronariana é composta por vinte e dois médicos: um chefe, um
rotina, doze plantonistas e oito residentes. Essa unidade também conta com doze
enfermeiros, sendo uma chefe, uma “rotina” e dez plantonistas. Os pacientes são
adultos e/ou idosos com diagnóstico de insuficiência cardíaca, pré-operatório de
cirurgia cardíaca, arritmias, pós-angioplastia e cateterismo cardíaco. Estes pacientes
procedem de outras unidades do hospital, como enfermarias, emergência e o setor
de hemodinâmica.
Nesse espaço, há a reunião multidisciplinar com a discussão dos casos dos
pacientes, inclusive com a presença da equipe de enfermagem. As reuniões
ocorrem pela manhã, após as atividades de rotina. Os médicos e os médicos
residentes se organizam para dar início à mesma, e, em geral, chamam os
enfermeiros. Os casos são relatados e discutidos individualmente pelos médicos e
médicos residentes. Os enfermeiros pouco opinam. Somente quando são indagados
sobre alguma situação, na qual os médicos não têm domínio, tais como contato com
a família ou algo relacionado aos hábitos dos pacientes, como alimentação,
eliminações e sono. Em muitos momentos, os enfermeiros não participam
efetivamente; segundo eles mesmos, devido aos afazeres do período da manhã. Os
69
casos são discutidos detalhadamente pelos médicos e a opinião dos residentes é
respeitada. São valorizados aspectos sociais dos pacientes, tais como: emprego,
família e lazer. A definição da conduta a ser tomada é negociada por todos do grupo.
Pode-se dizer que todas as UTIs mencionadas possuem um amplo e bem
estruturado espaço físico, conforme preconizado para as UTIs no Brasil. Também
possuem recepção para controlar a entrada de pessoas e uma antessala para a
acomodação dos familiares que vão visitar os pacientes e receber informações dos
médicos acerca do estado de saúde dos mesmos. Além disso, nos três cenários
supracitados também se encontram, em menor número, médicos e enfermeiros
terceirizados, cuja posição profissional é sempre instável nessa instituição
hospitalar. Dessa forma, tensões podem percorrer as relações entre os servidores,
estimuladas por diferenças salariais, regime de trabalho e planos de carreira.
Circulam, também, nas diferentes unidades, profissionais das seguintes
categorias: fisioterapia, nutrição, psicologia, apoio (secretárias, recepcionistas e
pessoal de limpeza) e profissionais externos à unidade, como médicos assistentes
e/ou os profissionais que vêm responder a pedidos de pareceres.
4.2 Perfil dos profissionais investigados
Identificamos quarenta e sete enfermeiros, quarenta e quatro médicos e nove
médicos residentes que atuavam regularmente nas unidades de terapia intensiva do
hospital universitário. Desse total, foi possível entrevistar trinta e cinco enfermeiros,
vinte e sete médicos e oito médicos residentes, os quais preenchiam os critérios de
inclusão no estudo, totalizando setenta sujeitos investigados. O perfil dos
profissionais entrevistados está apresentado na Tabela 1.
Tabela 1: Perfil dos profissionais investigados.
Perfil dos sujeitos Residentes de medicina
Médicos Enfermeiros
Setor de trabalho
UTI GERAL 01 09 19 UTI PO ------ 08 06
UC 07 10 10 Turno de trabalho
Diurno 08 19 22
Noturno ------ 08 13
70
Idade
< 25 anos ------ ------ 02
26 - 35 anos 08 05 17 36 - 45 anos ------ 13 08
46 - 55 anos ------ 08 08 56 - 65 anos ----- ----- ------
> 65 anos ----- 01 ----- Sexo Feminino 04 09 32
Masculino 04 18 03
Estado civil
Solteiro 06 07 12
Casado 02 20 21 Divorciado ----- ------ 01
Outros ------ ------ 01 Tem filhos Sim ------ 15 21
Não 08 12 14
Tempo de formado
< 1ano ---- ---- 02
1 – 5 anos 08 ---- 04
6 – 10 anos ---- 06 10 11 – 15 anos ---- 07 09
16 – 20 anos ---- 04 02 21 – 25 anos ---- 05 05
> 25 anos ---- 05 03
Tempo de atuação no setor
de trabalho
< 1ano 05 02 06
1 – 5 anos 03 04 10
6 – 10 anos ----- 07 11 11 – 15 anos ----- 07 04
16 – 20 anos ----- 02 01 21 – 25 anos ----- 04 03
> 25 anos ----- 01 -----
Tempo de atuação na
terapia intensiva
< 1ano ----- ----- 06
1 – 5 anos 06 05 02 6 – 10 anos 02 04 12
11 – 15 anos ----- 06 05 16 – 20 anos ----- 04 04
21 – 25 anos ----- 04 04 > 25 anos ----- 04 02
Todos os médicos residentes (100%) e dezessete enfermeiros (49%) eram
adultos jovens no momento da pesquisa, encontrando-se na faixa etária entre vinte e
seis a trinta e cinco anos. Já a maioria dos médicos intensivistas (48%) estava na
faixa etária ente trinta e seis a quarenta e cinco anos.
Pode-se observar a predominância do sexo masculino entre os médicos
(67%) e do sexo feminino entre os enfermeiros investigados (91%). Em relação aos
médicos residentes, o grupo teve proporções igualitárias, ou seja, quatro homens e
quatro mulheres.
71
Em relação ao estado civil, seis médicos residentes (75%) estavam solteiros,
enquanto vinte médicos (74%) e vinte e um enfermeiros (60%) estavam casados.
Nenhum residente de medicina tinha filhos até o momento da pesquisa, ao contrário
de quinze médicos (56%) e de vinte e um enfermeiros (60%).
Quanto ao tempo de formação, treze médicos (48%) e dezenove enfermeiros
(55%) investigados tinham de seis a quinze anos de formados, enquanto todos os
médicos residentes eram recém-formados, como o esperado. Quanto ao tempo de
atuação nos setores investigados, cinco médicos residentes (63%) atuavam de um a
cinco anos, enquanto quatorze médicos (52%) de seis a quinze anos e onze
enfermeiros (31%) de seis a onze anos, mostrando grande experiência nos setores.
Em relação ao tempo de atuação em UTI, seis médicos residentes (75%)
atuavam de um a cinco anos, levando-se em consideração períodos relacionados a
estágios. Seis médicos (22%) atuavam de onze a quinze anos e doze enfermeiros
(35%) de seis a dez anos.
Tabela 2: Distribuição dos profissionais investigados em relação à titulação.
Titulação/ Instituição Médicos residentes
Médicos Enfermeiros
Titulação
Somente graduação
------ ------ 03
Residência completa
08 31 07
Especialização completa
01 15 29
Especialização em andamento
------ ------ 01
Mestrado ------ 14 05
Mestrado em andamento
------ 04 02
Doutorado ------ 04 ------ Doutorado em
andamento ------ 01 ------
Pós-doutorado ------ 01 ------
Graduação
UFRJ 05 15 20
UERJ 02 ------ 06
UFF 01 02 01 UNIRIO ------ 02 ------
Universidade Souza Marques
------ 02 01
UNIGRANRIO ------ 01 02
UGF 01 01 Universidade de
Petrópolis ------ 02 ------
UFMG ------ 01 ------
72
UF do Paraná ------ 01 ------
UNISUAM ------ ------ 02 Universidade
Bezerra de Araújo ------ ------ 01
Universidade Celso Lisboa
------ ------ 01
Residência
UFRJ 05 14 ------ UERJ 01 04 01
UFF ------ 01 ------
UNIRIO ------ ------ 04 Hospital da Força Aérea do Galeão
01 ------ ------
Hospital Central da Polícia Militar
01 ------ ------
Hospital do Andaraí
------ 01 ------
Hospital de Ipanema
------ 01 ------
Hospital da Lagoa ------ 01 ------ Hospital dos Servidores do Estado
------
01
------
Hospital Estadual Carlos Chagas
------
01 ------
Hospital Pró-Cardíaco
------ 01 ------
Instituto Estadual de Cardiologia/RJ
------
01 ------
Instituto Nacional de Cardiologia de
Laranjeiras
------ 01
------
Instituto do Coração/SP
------ 01 ------
Santa Casa de Misericórdia
------ 03 ------
INCA ------ ------ 02 Especialização
UFRJ ------ 02 12
UERJ ------ ------ 07 UFF ------ ------ 03
UNIRIO ------ 01 01 UGF 01 ------ 01
Hospital dos Servidores do Estado
------ 01 ------
Hospital Estadual Carlos Chagas
------ 01 ------
Instituto Nacional de Cardiologia de
Laranjeiras
------ 02 ------
Santa Casa de Misericórdia
------ 01 ------
Sociedade Brasileira de
Terapia Intensiva
------
02
------
73
Especialização
UF de Santa Maria/RS
------ ------ 01
Fiocruz ------ ------ 02
UNISUAM ------ ------ 02
Universidade Celso Lisboa
------ ------ 02
Universidade Cândido Mendes
------ ------ 02
Faculdades São Camilo
------ ------ 02
Universidade Souza Marques
------ ------ 01
Unigranrio ------ ------ 01
Instituto Brasileiro de Medicina de
Reabilitação
------ ------ 01
Associação Brasileira de
Acunputura do RJ
------ ------ 01
Sociedade Brasileira de
Enfermagem em Dermatologia (SOBENDE)
------
------
01
Mestrado
UFRJ ------ 13 ------
UERJ ------ ----- 01 UFF ------ 01 02
UNIRIO ------ ------ 03 Mestrado em andamento
UFRJ ------ 04 ------
Universidade Plínio Leite
------ ----- 01
Doutorado UFRJ ------ 04 ------
Doutorado em andamento
ENSP/FIOCRUZ ------ 01 ------
Pós-doutorado
Universidade de Massachusetts/
EUA
------
01
------
A qualificação profissional dos entrevistados é perceptível e relaciona-se com
a instituição onde foi realizada a pesquisa, que mantém cursos de pós-graduação
lato e stricto sensu (Tabela 2).
Cruzando os dados da Tabela 2 com os da Tabela 3, podemos observar que
todos os médicos residentes fizeram residência em clínica médica anteriormente,
como o esperado, já que esta especialidade é pré-requisito para outras áreas de
conhecimentos, tais como terapia intensiva e cardiologia. Quatorze médicos (52%)
eram mestres, principalmente nas áreas de cardiologia (58%) e clínica médica
74
(29%). Quatro médicos possuíam doutorado (15%) e um médico pós-doutorado
(04%), principalmente na área de cardiologia.
Em relação aos enfermeiros, vinte e nove destes (83%) eram especialistas,
buscando aprimoramento do conhecimento, principalmente na área de terapia
intensiva (46%). Seis enfermeiros (17%) possuíam mestrado e nenhum enfermeiro
investigado possuía o título de doutor no momento das entrevistas.
Tabela 3: Distribuição dos profissionais investigados em relação à área de conhecimento de sua formação.
Titulação/Área de conhecimento
Médicos residentes
Médicos Enfermeiros
Residência
Clínica médica 08 13 ------
Terapia intensiva ------ 02 01
Cardiologia ------ 11 ------
Nefrologia ------ 01 ------
Médico-cirúrgica ------ ------ 03
Oncologia ------ ------ 02
Centro cirúrgico e CME
------ ------ 01
Cirurgia vascular ------ 01 ------
Anestesiologia ------ 01 ------
Pneumologia ------ 01 ------
Especialização
Terapia intensiva ------ 05 16
Cardiologia ------ 05 04
Clínica médica ------ 04 ------
Medicina do esporte ------ 01 ------
Saúde do trabalhador ------ ------ 04
Médico-cirúrgica ------ ------ 03
Docência do Ensino
Superior ------ ------ 03
Obstetrícia ------ ------ 02
Pediatria ------ ------ 01
Acunputura ------ ------ 01
Dermatologia ------ ------ 01
Home care ------ ------ 01
75
Neonatologia ------ ------ 01
DST ------ ------ 01
Anatomia ------ ------ 01
Saúde da Família ------ ------ 01
Gestão hospitalar ------ ------ 01
Saúde Pública ------ ------ 01
Mestrado
Cardiologia ------ 08 ------
Clínica médica ------ 04 ------
Terapia intensiva ------ 01 ------
Biofísica ------ 01 ------
Médico-cirúrgica ------ ------ 02
Saúde do trabalhador ------ ------ 01
Neonatologia ------ ------ 01
Patologia ------ ------ 01
Mestrado em andamento
Cardiologia ------ 03 ------
Terapia Intensiva ------ 01 ------
Educação ------ ------ 01
Médico-cirúrgica ------ ------ 01
Doutorado
Cardiologia ------ 03 ------
Clínica Médica ------ 01 ------
Biofísica ------ 01 ------
Doutorado em andamento
Bioética ------ 01 ------
Pós-doutorado Cardiologia ------ 01 ------
4.3 Aspectos religiosos dos profissionais investigados
Com relação aos aspectos religiosos, demonstrados na Tabela 4, sete
médicos residentes (88%), dezenove médicos (70%) e trinta e quatro enfermeiros
(97%) creem em Deus, no contexto ou não de uma religião. Um residente de
medicina (12%), oito médicos (30%) e um enfermeiro (03%) declaram não crer em
Deus. Tendo em vista os dados do IBGE (2000), os quais revelaram que cerca de
93% da população brasileira declara crer em Deus (no contexto ou não de uma
76
religião), pode-se dizer que, no grupo investigado, os médicos residentes e médicos
são menos religiosos que a população brasileira, ao contrário dos enfermeiros.
O perfil das crenças religiosas demonstrou a predominância das religiões
cristãs entre os sujeitos pesquisados. A maioria dos médicos religiosos é católica
(88%), enquanto grande parte dos enfermeiros (44%) é evangélica. Pode-se dizer
que os médicos residentes religiosos se dividem, basicamente, em católicos (33%) e
evangélicos (33%)
Quinze médicos religiosos (88%) não frequentam sua religião regularmente,
ao contrário da maioria dos enfermeiros (76%) e dos médicos residentes (66%), que
participam de atividades religiosas com determinada frequência.
Tabela 4: Distribuição dos profissionais investigados em relação aos aspectos religiosos.
Aspectos religiosos Médicos residentes
Médicos Enfermeiros
Crença em Deus e tem religião 06 17 34 Crença em Deus e não tem
religião 01 02 ----
Não crê em Deus 01 08 01
Religiões declaradas
Católica 02 15 03
Evangélica 02 ---- 15
Judaísmo 01 ---- ----
Kardecismo 01 02 10
Umbanda
----- ---- 01
Frequência sua religião
Sim 04 02 22
Não 02 15 12
4.4 Representações sociais da morte humana: os discursos do sujeito coletivo
(DSC)
A seguir, são apresentadas as ideias centrais mencionadas e relacionadas a
cada pergunta que fez parte deste estudo. Na primeira coluna está citada cada ideia
central. Ao lado, encontra-se o número absoluto (N) de sujeitos que apresentaram
expressões chave dessas ideias centrais e, logo após, está a porcentagem
aproximada em relação ao conjunto de todos os sujeitos investigados.
A partir da análise das respostas à pergunta: “Morte e morte na UTI: o que
isso significa para você?”, foram identificadas as expressões chave e
77
estabelecidas seis ideias centrais comuns aos três grupos (médicos, enfermeiros e
médicos residentes). São elas: “A morte é um processo natural”; “A morte é
diferente, dependendo do tipo de paciente”; “A morte é triste e frustrante para
os profissionais de saúde”; “A morte causa sofrimento para as famílias”; “A
morte é a passagem da vida material para a vida espiritual” e “A morte é difícil
de explicar” (Tabela 5).
Tabela 5: Ideias centrais dos profissionais investigados em relação à morte.
Ideias centrais
Médicos residentes
Médicos Enfermeiros
N % N % N %
1 – A morte é um processo natural 07 88 21 77 25 71 2 – A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente
07 88 15 56 10 29
3 – A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde
06 75 10 37 21 60
4 – A morte causa sofrimento para as famílias
06 75 07 26 16 46
5 – A morte é a passagem da vida material para a vida espiritual
04 50 09 33 20 57
6 – A morte é difícil de explicar 03 38 08 30 05 14
Abaixo, são apresentados os discursos do sujeito coletivo de cada ideia
central, construídos no processo de análise metodológica para a questão da morte e
morte na UTI (Quadro 1).
Quadro 1: Discursos do Sujeito Coletivo dos profissionais investigados em relação à morte.
DSC 1 – A morte é um processo natural
Médicos residentes
É um processo natural, final de vida, término de um ciclo. Algo que a gente sabe que vai acontecer. Faz parte da vida, não tem como evitar. É inevitável e esperada para todo mundo.
Médicos
É o fim, cessação, um evento terminal. Um processo natural de todo ser vivo. Uma hora vai ter que acontecer. Não há mais nada o que fazer. Eu aceito. Faz parte da vida, da jornada da gente. A gente nasce, cresce e morre. As pessoas vão morrer e ponto final. Muitas vezes, na UTI, a gente já encara como morte antes disso ocorrer. Um fato que a gente convive diariamente. É mais simples. Estou vendo e vivendo dia a dia. Na terapia intensiva, a morte é cotidiana, mais presente, freqüente, previsível e completamente comum. Faz parte do dia a dia, já estamos esperando. A gente sabe que o paciente está muito grave, então, a morte já é um pouco anunciada. Não choca tanto a gente, é diferente. Você vai ficando mais experiente com isso. Raríssimas vezes me deixo abalar. Para mim, a morte é uma evolução natural de uma doença que já vinha há muito
78
tempo. Não tenho nenhum problema. Tenho isso muito bem resolvido. Todos nós vamos morrer. Todo mundo morre. Então, quem está na UTI, eventualmente, também vai morrer. A gente faz tudo o que poderia ser feito, então eu aceito a morte com mais naturalidade.
Enfermeiros
Na UTI é mais esperada do que em outros setores do hospital pela gravidade do paciente. Faz parte do cotidiano, da nossa rotina. A gente espera. Raramente não tem uma parada programada. É uma coisa muito presente. É a ausência, fim da vida, final de tudo. Uma coisa natural, uma fase da vida como o nascer. Encerra um ciclo. Esse momento vai ter que acontecer de qualquer jeito. Faz parte da existência. Tem o início, o meio e o fim. Ela não me choca. Eu lido bem, naturalmente, sem problema algum. A gente está sempre em contato com pacientes muito graves, em fase terminal que eu vejo com certa naturalidade. É uma coisa que a gente vê todo dia, há anos e relaciona-se com uma complicação biológica do ser humano, gerando toda uma falência quando se chega ao limite máximo da vida e acabam as chances. Esgotam-se as possibilidades de vida de um corpo. Parte fisiológica falida, falência de múltiplos órgãos, não tem mais condição de vida. É não ter mais o pulsar, o respirar, o bater do coração e nem o cérebro a funcionar. O corpo não responde mais. Parou. Cientificamente cessou a vida do corpo.
DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente
Médicos residentes
Depende de vários fatores. Se a doença é aguda ou crônica. Uma morte é prevista quando o paciente já está adoentado. Acaba sendo o estágio evolutivo de uma doença onde você esperava esse desfecho. A outra é a morte não esperada, uma coisa súbita, de repente: uma pessoa jovem que não tinha nenhuma doença e morre.
Médicos
Tem morte e morte. Cada caso é um caso. Vai depender da relação que irá se estabelecer entre o médico e o paciente, do estado de saúde do paciente e do momento que essa morte situa no indivíduo, seja ele paciente ou não. Tem dois aspectos diferentes: o doente agudo e o doente crônico. Os casos mais agudos me mobilizam mais: aqueles pacientes politraumatizados ou em pós-operatório de uma cirurgia de urgência ou que estão iniciando o curso da internação dele de um tratamento de uma doença naquele momento. Mas tem muitos que vem já de várias internações prévias e de doenças que já se alongam por muito tempo. São pessoas com disfunções crônicas múltiplas. Se sobreviverem vão ficar completamente sequelados. Com a doença grave, que a gente está fazendo tudo o que poderia ser feito, eu aceito a morte com mais naturalidade. Há alguns doentes que você considera o óbito como uma evolução, que você já previa: um doente mais idoso, terminal. Você consegue aceitar a morte quando ela vem associada a uma doença muito grave, incurável, intratável ou que está deixando uma sequela muito séria que comprometa a qualidade de vida. Nossa clientela é de pacientes mais idosos, com doenças mais graves, onde a morte é uma coisa mais aceita, mais esperada. Então, ela fica mais natural. Eu lido com mais facilidade. Se a doença é grave, mas está sendo tratada, é mais fácil da gente aceitar. Alguns pacientes que não têm possibilidades de cura. São doenças mais avançadas ou com terapêuticas nem sempre ideais a esse tipo de paciente. A gente tem que dar um tipo de suporte e mais conforto do que medidas maiores. O problema mais angustiante da morte é quando a gente tem a sensação, a percepção de que ela está acontecendo fora do
79
prazo previsto. Existe uma dificuldade em aceitar a morte de pessoas mais jovens. Tem mortes na UTI que ocorrem em pacientes que vinham melhorando, pacientes muito jovens, acidentados de moto, baleados e aí chocante mesmo. Normalmente são jovens com doenças muito agudas. Eu sempre tive a preocupação da morte nos jovens. É diferente a morte de um paciente idoso, cheio de comorbidades da morte de um rapaz jovem vítima de trauma. É sempre mais sofrido, ver uma morte em pacientes mais jovens. Com o paciente de 70, 80 anos de idade, eu acho que o indivíduo já fez alguma coisa. O sentimento em relação a uma idade mais baixa é um pouquinho maior. Acho que é a coisa mais difícil que eu tenho que lidar. Por exemplo, uma menina de 17 anos que conversou comigo de manhã, piorou de tarde e morreu de noite. Me deu uma dor danada. Paciente que tinha toda uma vida para frente, dependendo do tipo da doença te mobiliza mais do que a de um paciente idoso com mais comorbidades. O contato com a morte de forma mais inesperada choca mais. Quando ela é súbita, pega o indivíduo de surpresa, diferente de quando é esperada. Quanto mais súbita, pior para a família e para nós, médicos. É sempre mais traumática. A morte em pessoas que eu tenho uma relação afetiva maior, para mim, é mais significativa. É bem separado na minha cabeça, morte de pacientes e morte de familiares. Se há ligação afetiva, é pior. A morte mais rápida, a morte que você não consegue diagnosticar é muito dura, porque não dá tempo. Tem gente que morre e você não descobre porque morreu. Mas tem doentes que você lida com mais naturalidade porque você já sabe qual é a doença e já está em processo de morte. Aqui a gente tem um certo domínio, a gente pega paciente que não foge o nosso padrão. É aquele paciente mais idoso, que já viveu, já amou, já casou, já teve filhos, já sofreu. Você tem aquela sensação de que aquela pessoa já passou pelo que ela tinha que passar. Na terapia intensiva de adulto é mais fácil, pois não admite pessoas novinhas. Pode ser até que a gente admita alguns mais jovens, mas a maioria dos pacientes é mais idosa. Isso facilita um pouco para mim. Na verdade, às vezes, a gente vê pacientes que já estão em processo de morte interna. A gente vê isso na UTI.
Enfermeiros
Cada caso é um caso. Depende do paciente e do momento. Uma coisa é a morte repentina, inesperada o que na UTI não acontece muito. Essas me chocam mais. Eu vejo de forma agressiva. Na UTI, o paciente já está com sinais e sintomas que sinalizam para uma complicação, para um prognóstico mais sombrio. O paciente está muito grave e, muitas vezes, você já espera a morte. Tem um risco maior. Frequentemente é um paciente idoso, todo complicado. Às vezes, está numa condição tão ruim, com sofrimento tão grande, que a morte é um alívio para amenizar aquela dor. Vai do envolvimento que você tem com a pessoa. Quando a gente tem envolvimento com o paciente, a gente sente mais. Acho mais difícil quando é jovem.
DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde
Médicos
residentes É ruim, me afeta. Me sinto desafiado e derrotado: “O que eu fiz de errado?” Começo a me questionar. Me cobro. Não me sinto confortável.
Na UTI, a morte mobiliza as pessoas. Significa perda, sofrimento. Sentimentos ruins no nosso dia a dia. É uma coisa triste. Mexe com a equipe, não só com o médico, mas com toda equipe. A equipe fica mais
80
Médicos
frustrada, mais sofrida. Lidar com isso é complicado, difícil, balança qualquer um. Quando um paciente que está internado aqui vem a falecer eu choro, é quase um reflexo. Não tem como você não acabar limpando lágrimas aqui. Por mais que você esteja acostumado a esse dia a dia, a morte sempre mexe com você um pouco. Uma sensação de fracasso, de frustração em não poder e não conseguir ajudar o paciente. De não alcançar o nosso objetivo: recuperar a saúde e manter a vida do paciente. A gente não consegue salvá-lo, melhorá-lo, fazer a terapêutica correta para ter alta, ir para enfermaria e seguir a sua vida. Você sempre fica achando que tem alguma culpa, que tem alguma coisa que poderia ter feito. “Será que eu errei em alguma coisa? Será que eu falhei nisso ou naquilo? Fiz tudo que estava ao seu alcance? Era isso mesmo? Era esse o caminho? Será que se a gente tivesse tomado outro caminho teria mudado o prognóstico? Ou eu, os médicos da rotina, os enfermeiros, poderíamos ter mudado algo? Será que se a gente tivesse trocado o antibiótico, feito a tomografia? Será que valia à pena? Onde foi que eu errei? Será que havia mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte? Será que o meu trabalho foi suficiente? Será que eu esqueci de alguma coisa?” Acho dramático lidar com essa finitude tão tênue. É um paradoxo você conviver com dez a quinze pacientes sob sua responsabilidade e fazer disso uma rotina e tentar ficar tranqüilo no plantão, sabendo que isso pode acontecer. Continuo lamentando. Deveríamos ter um apoio da psicologia, da psiquiatria ou terapia para poder encarar melhor a morte. Eu não tenho formação suficiente para lidar com essa questão da perda. Esses profissionais poderiam estar atuando junto conosco. Seriam muito bem vindos. Sinto que isso é necessário para trabalhar a aceitação da morte.
Enfermeiros
É um momento muito desagradável, doloroso, difícil para a equipe. A gente fica abalado, triste, chateado, sentida, com sentimento de culpa. Não queremos que a pessoa morra. É muito ruim, frustrante, complicado, pesado. Eu sofro e choro. “Poderia ter feito algo a mais por aquele paciente?” Não tem mais o que fazer, além de se conformar. Uma decepção de você ter tentado e não conseguir chegar num objetivo.
DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias
Médicos
residentes É muito triste para os familiares. Fica um vazio pela perda de uma pessoa.
Médicos
Continua sendo difícil dar apoio à família. Fico pensando na tristeza dos familiares. De como a pessoa é percebida e da ausência que essa pessoa vai causar para a família. Até por experiências que eu passei, pela tristeza que eu senti. Quando o meu avô morreu foi doído. Hoje eu tenho saudades. Até hoje eu sinto falta dele. Para os familiares, a morte traz sofrimento, nunca é esperada. Sempre é um choque. Para mim, a morte depende de como a família vai estar naquele momento. A parte mais difícil é conversar com a família e expor a situação. A família tem muita dificuldade de entender que a gente não tem mais o que dispor. Quando é uma família que está mais preparada, você tem uma facilidade maior em lidar com isso. Quando é uma família que não está preparada, é mais difícil você lidar.
Um momento muito desagradável para a equipe na hora que tem que lidar com o familiar. A gente conhece a família e cria um laço. Nos envolvemos
81
Enfermeiros
emocionalmente com os seus sentimentos. A gente comenta: “Como a família vai receber essa morte?”. Muitas vezes, a família não aceita a morte e fica desestruturada. Ficam com muita tristeza, sofrem. É muito ruim para a família.
DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para a vida espiritual
Médicos
residentes É uma passagem, uma transição.
Médicos
É uma passagem de uma vida para outra atividade, para outro lugar mais importante que esse, para outro plano. Desencarnação, fim da vida terrena. A pessoa deixa o corpo, mas o espírito continua vivo. A alma da gente evolui. A gente escreve aqui e vai usufruir dessa história em outro lugar que deve ser melhor do que aqui. Um cumprimento de metas nessa vida. Quando as metas não são cumpridas, as pessoas vêm reencarnar para cumprir.
Enfermeiros
É uma passagem para outra dimensão, outra vida, para o plano espiritual. Fim da vida material, terrena. Penso na morte como continuação de uma vida, um recomeço, início de outra vida. Um resgate das seqüelas passadas durante a vida na Terra. A pessoa vai passar por um tratamento. Acabou uma etapa aqui, mas tem a vida eterna. Uma vida que continua. Na verdade, morre aqui. Significa uma continuidade com Deus. Desencarno do corpo material para o espiritual. Descanso para a alma da pessoa.
DSC 6 - A morte é difícil de explicar
Médicos
residentes
A gente não entende muito o porquê. Não sei o que acontece. Deixa um vazio nas relações.
Médicos
É uma pergunta muito ampla, você me pegou de surpresa. Morte não é um tema genérico a meu ver. Definir morte? A definição de morte é difícil para mim. Não sei. Nunca parei para pensar sobre isso. Preciso pensar... Eu acredito que as pessoas, de um modo geral, ainda tenham muito pudor para tratar desse tema. Eu não tenho uma opinião formada a respeito. É uma questão muito delicada. Isso é algo que não fica muito claro.
Enfermeiros
Há divergências. Eu acho que cabe até um debate sobre isso. É difícil falar sobre morte, ninguém gosta. A gente até lida com a morte, mas falar o quê? Eu não sei o que falar.
4.1.1 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos
Dois discursos tiveram maior adesão por parte dos médicos intensivistas: “A
morte é um processo natural” e “A morte é diferente, dependendo do tipo de
paciente”. Vivendo um cotidiano de pacientes graves, esses médicos constatam que
82
a morte acontece e não está estritamente no seu controle. São tantas as mortes que
os esforços de assimilação são requeridos diante de tal realidade.
(...) Um fato que a gente convive diariamente. É mais simples. (...) Na terapia intensiva, a morte é cotidiana, mais presente, freqüente, previsível e completamente comum. Faz parte do dia a dia, já estamos esperando. A gente sabe que o paciente está muito grave, então, a morte já é um pouco anunciada. Não choca tanto a gente, é diferente (...) Você vai ficando mais experiente com isso. (...) (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos) (...) Há alguns doentes que você considera o óbito como uma evolução, que você já previa: um doente mais idoso, terminal. Você consegue aceitar a morte quando ela vem associada a uma doença muito grave, incurável, intratável ou que está deixando uma sequela muito séria que comprometa a qualidade de vida. (...) É diferente a morte de um paciente idoso, cheio de comorbidades da morte de um rapaz jovem vítima de trauma. (...) (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente)
Ambos os discursos representam os esforços dos médicos intensivistas em
construírem sentidos para a morte, estimulados e exigidos diante de suas vivências
na UTI. Esses médicos se empenham em compreender a morte como algo natural,
baseando-se, sobretudo, nas particularidades dos pacientes internados na UTI.
Mesmo diante de tantas mortes, suas percepções ainda se distinguem: um é mais
jovem, outro bem velho; um não tem mais chance de vida com um mínimo de
qualidade, outro sofre muito.
Na tentativa de elaborar os sentidos para a terminalidade humana, os
médicos intensivistas constroem gradações para o sentido natural da morte. Dessa
maneira, a morte para esses médicos pode ser considerada “mais ou menos
natural”, expressões incorporadas no seu discurso chamando atenção para o
esforço exigido pela sua vivência na UTI.
(...) eu aceito a morte com mais naturalidade. (...) Então, ela fica mais natural. Eu lido com mais facilidade. (...) é mais fácil da gente aceitar. (...) você lida com mais naturalidade. (DSC 2- A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)
Diante dos limites da medicina frente à terminalidade humana nesse contexto,
a percepção da morte como algo natural é reforçada pelo sentido a ela atribuído
como o ápice de um processo fisiopatológico irreversível e inevitável no decurso de
83
muitas doenças. No próprio documento formal que deve ser preenchido pelos
médicos quando ocorre a morte – atestato de óbito - observa-se entre os vários itens
de causa da morte, o item “falência múltipla dos órgãos”, direcionando o significado
da morte dado por esses médicos a uma morte biológica. Nessa direção, a morte
como evento biológico natural e necessário à manutenção da vida situa-se num
ciclo, na ordem da sucessão dos seres vivos.
É o fim, cessação, um evento terminal. (...) Uma hora vai ter que acontecer. Não há mais nada o que fazer. (...) Faz parte da vida, da jornada da gente. A gente nasce, cresce e morre. As pessoas vão morrer e ponto final. (...) (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos)
A percepção da morte como um processo evolutivo permite, a partir de
comparações, a compreensão de categorias que tornam a morte mais aceitável.
Nesse sentido, a morte que se enquadra como finalização do percurso ou do ciclo
da vida é melhor assimilada por esses médicos. Assim, a morte de um idoso ou de
um paciente que esteja em estado terminal em razão do processo evolutivo de uma
doença grave, ou ainda daquele que cumpriu as expectativas sociais sobre a vida, é
mais aceita do que a morte que parece uma interrupção abrupta e/ou adiantada no
percurso da vida, de nascer, crescer e morrer.
Tem morte e morte (...) Tem mortes na UTI que ocorrem em pacientes que vinham melhorando, pacientes muito jovens, acidentados de moto, baleados e aí chocante mesmo. (...) Com o paciente de 70, 80 anos de idade, eu acho que o indivíduo já fez alguma coisa. (...) É aquele paciente mais idoso, que já viveu, já amou, já casou, já teve filhos, já sofreu. (...). (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)
Mais do que uma compreensão da vida como um processo amplo, composto
por estágios de evolução, o sentido da morte como algo natural aponta para a
realidade social dos médicos intensivistas. No contexto investigado, há uma relativa
uniformidade do perfil dos pacientes internados, sendo a maioria composta por
pacientes idosos, vindos de internações prévias, com quadros de gravidade da
doença, o que torna mais fácil a aceitação da morte como algo natural.
(...) Muitos já vem de várias internações prévias e de doenças que já se alongam por muito tempo. São pessoas com disfunções crônicas múltiplas. (...) Nossa clientela é de pacientes mais idosos, com
84
doenças mais graves, onde a morte é uma coisa mais aceita, mais esperada. Então, ela fica mais natural. Eu lido com mais facilidade. (...) Alguns pacientes que não têm possibilidades de cura. (...) Aqui a gente tem um certo domínio, a gente pega paciente que não foge ao nosso padrão. (...) Na terapia intensiva de adulto é mais fácil, pois não admite pessoas novinhas. (...) Isso facilita um pouco para mim. (...) (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)
A morte de pacientes que fogem ao padrão daqueles mais frequentemente
internados na UTI gera nos médicos intensivistas uma maior dificuldade em lidar
com a morte. O menor contato desses médicos com pacientes mais jovens, com
menos comorbidades e/ou vítimas de traumas, resulta em estranhamento das
mortes ocorridas nestes casos. Essas situações, fora do padrão cotidiano dos
médicos intensivistas, confrontam diretamente a noção de finalização de um
percurso, reduzindo a possibilidade de compreensão da morte como algo natural.
(...) Os casos mais agudos me mobilizam mais: aqueles pacientes politraumatizados ou em pós-operatório de uma cirurgia de urgência ou que estão iniciando o curso da internação dele de um tratamento de uma doença naquele momento. (...) O problema mais angustiante da morte é quando a gente tem a sensação, a percepção de que ela está acontecendo fora do prazo previsto. (...) Paciente que tinha toda uma vida para frente, dependendo do tipo da doença te mobiliza mais do que a de um paciente idoso com mais comorbidades. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)
Diante da percepção de morte como algo natural e do discurso de que a
morte é diferente dependendo do tipo de paciente, surge uma questão: se o perfil
dos pacientes internados na UTI compreende, mais comumente, os pacientes idosos
e se os médicos intensivistas percebem mais a morte como algo natural naquelas
ocorridas com esse tipo de paciente, por que esses médicos apresentam dificuldade
em lidar com a morte? Seria uma contradição?
Outro confronto à idéia da morte como algo natural, relacionado ao contexto
da UTI, envolve a previsibilidade da morte nesse ambiente. A visualização dos sinais
de morte pelos médicos intensivistas, facilitada pela constante monitorização dos
pacientes, permite a elaboração gradual dos sentidos dados à morte por esses
profissionais. Nos casos em que não é possível prever a morte, percebe-se uma
maior dificuldade dos médicos em aceitá-la como algo natural.
85
(...) O contato com a morte de forma mais inesperada choca mais. Quando ela é súbita, pega o indivíduo de surpresa, diferente de quando é esperada. Quanto mais súbita, pior (...) É sempre mais traumática. (...) A morte mais rápida, a morte que você não consegue diagnosticar é muito dura, porque não dá tempo. Tem gente que morre e você não descobre porque morreu. (...) Tem doentes que você lida com mais naturalidade porque você já sabe qual é a doença e já está em processo de morte. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)
Mais um aspecto que interfere na aceitação da morte como algo natural
envolve a relação afetiva dos médicos intensivistas com os pacientes. Atuando no
contexto da UTI, caracterizado por avançados recursos da biociência para a
manutenção da vida através de suporte a órgãos vitais, poderia se pensar que esses
médicos mostrar-se-iam distantes dos pacientes, numa relação de impessoalidade e
frieza, reduzindo os pacientes a órgãos ou funções. Entretanto, observa-se o
envolvimento da subjetividade dos médicos no trabalho na UTI, demonstrado pela
maior dificuldade em lidar com a morte de pacientes com os quais há uma relação
afetiva.
(...) Cada caso é um caso. Vai depender da relação que irá se estabelecer entre o médico e o paciente (...). A morte em pessoas que eu tenho uma relação afetiva maior, para mim, é mais significativa. (...) Se há ligação afetiva, é pior. (...) (DSC 2- A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos)
O envolvimento da subjetividade dos médicos intensivistas não se restringe
apenas à relação afetiva destes com os pacientes, ampliando-se para a percepção
do sofrimento dos familiares e para experiência de se colocar no lugar do outro.
Compartilham com as famílias a dor da perda de um ente querido. Reconhecem que
as famílias apresentam menos recursos para compreenderem a morte como algo
natural, diferentemente deles que lidam diretamente com pacientes em situações de
morte e que podem prever a evolução de uma doença.
Continua sendo difícil dar apoio à família. Fico pensando na tristeza dos familiares. De como a pessoa é percebida e da ausência que essa pessoa vai causar para família. Até por experiências que eu passei, pela tristeza que eu senti. Quando o meu avô morreu foi doído. Hoje eu tenho saudades. Até hoje eu sinto falta dele. Para os familiares, a morte traz sofrimento, nunca é esperada. Sempre é um choque. (...) (DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias – Médicos)
86
Os médicos intensivistas demonstram empatia pelas famílias a partir de
experiências de perder entes queridos, olhando para essas e sentindo pelo seu
sofrimento. A morte, natural para eles, não é natural para as famílias que sofrem.
Expressam preocupações com as reações das famílias diante da morte dos
pacientes e reconhecem que tais reações interferem no modo como eles lidam com
a morte. São esses profissionais que comunicam à família e tratam dos aspectos
legais do óbito – atestado de óbito. Nesse momento, mesmo que difícil, é inevitável
a interação com as famílias, sendo complexo para esses médicos lhes oferecer
apoio. Esse discurso relaciona a aceitação da morte por parte dos médicos
intensivistas à aceitação de morte por parte das famílias. Os médicos intensivistas
realizam o atestado de óbito e reconhecem que a morte é natural. Essa perspectiva
provoca um “silêncio” relativo, dada a convivência que tem de ter com as famílias. O
discurso sobre o óbito “dele para ele” é possível em silêncio. Ele pode colocar-se
diante de suas dificuldades, mas é pressionado a produzir uma fala adequada ou
que “faça sentido” para os familiares. No entanto, os médicos intensivistas não
encontram espaços ou caminhos que promovam ou favoreçam uma elaboração
equilibrada desses complexos aspectos.
Para mim, a morte depende de como a família vai estar naquele momento. A parte mais difícil é conversar com a família e expor a situação. A família tem muita dificuldade de entender que a gente não tem mais o que dispor. Quando é uma família que está mais preparada, você tem uma facilidade maior em lidar com isso. Quando é uma família que não está preparada, é mais difícil você lidar. (DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias – Médicos)
Como se observa, o esforço de elaboração do sentido da morte como algo
natural tem relação com a expectativa desses médicos em reduzir suas dificuldades
em lidar com a morte. Apesar desse esforço, em alguns momentos, os médicos
intensivistas reconhecem que a morte mobiliza emoções. Mesmo ao apresentarem
expressões como “não choca tanto a gente” e “raríssimas vezes me deixo abalar”
(DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos), os médicos deixam
transparecer o sofrimento vivido por eles diante da terminalidade da vida de seus
pacientes.
Na UTI, a morte mobiliza as pessoas. Significa perda, sofrimento. Sentimentos ruins no nosso dia a dia. É uma coisa triste. Mexe com a
87
equipe, não só com o médico, mas com toda equipe. (...) Lidar com isso é complicado, difícil, balança qualquer um. Quando um paciente que está internado aqui vem a falecer eu choro, é quase um reflexo. Não tem como você não acabar limpando lágrimas aqui. Por mais que você esteja acostumado a esse dia a dia, a morte sempre mexe com você um pouco. (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)
Apesar da finalização da vida humana compor o contexto social da UTI, os
médicos intensivistas identificam, na equipe como um todo, dificuldades em lidar
com a morte dos pacientes. Ainda que vivenciem cotidianamente situações de
morte, reconhecem seus limites pessoais e profissionais diante da terminalidade da
vida dos pacientes que estão sob os seus cuidados. Essa dificuldade em lidar com a
morte é acentuada frente ao objetivo médico: salvar a vida e possibilitar a
continuação do seu curso.
(...) Uma sensação de fracasso, de frustração em não poder e não conseguir ajudar o paciente. De não alcançar o nosso objetivo: recuperar a saúde e manter a vida do paciente. A gente não consegue salvá-lo, melhorá-lo, fazer a terapêutica correta para ter alta, ir para enfermaria e seguir a sua vida. (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)
A partir da expectativa social em relação à profissão médica e das
dificuldades dos médicos intensivistas em aceitarem a inexorabilidade da morte, o
que faz com que se sintam frustrados ao não salvarem um paciente, esses médicos
fazem intensos questionamentos acerca de suas condutas diagnósticas e
terapêuticas e das condutas de outros profissionais. Ainda que estejam mais
centrados no fazer médico, esses questionamentos também reforçam a noção de
que há um grupo atuante na UTI, com objetivos comuns. É interessante observar
que, na busca de socorro, eles também são levados a olhar os colegas ao lado, a
integrar seus colegas médicos ou não. É como se na hora da morte o trabalho dos
médicos intensivistas se tornasse “interdisciplinar”, seja para buscar reforços de
solução, seja para compartilhar responsabilidades. O ver morrer é muito impactante.
O discurso desses médicos faz pressentir a necessidade de apoio mútuo diante de
tão imponente fenômeno: a morte de alguém que viu em mim uma “salvação” ou
cura.
88
(...) “Será que eu errei em alguma coisa? Será que eu falhei nisso ou naquilo? Fiz tudo que estava ao seu alcance? Era isso mesmo? Era esse o caminho? Será que se a gente tivesse tomado outro caminho teria mudado o prognóstico? Ou eu, os médicos da rotina, os enfermeiros, poderíamos ter mudado algo? Será que se a gente tivesse trocado o antibiótico, feito a tomografia? Será que valia à pena? Onde foi que eu errei? Será que tinha mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte? Será que o meu trabalho foi suficiente? Será que eu esqueci de alguma coisa?” (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)
O trabalho na UTI, caracterizado pelo atendimento contínuo e especializado
ao paciente com risco de vida e/ou iminência de morte, é expresso pelos médicos
intensivistas como uma atividade difíci l de ser experienciada. Os médicos
intensivistas, dessa forma, sinalizam para a ajuda de outros profissionais para
melhor lidarem com as situações de terminalidade, rotineiras na UTI.
(...) Acho dramático lidar com essa finitude tão tênue. É um paradoxo você conviver com dez a quinze pacientes sob sua responsabilidade e fazer disso uma rotina e tentar ficar tranqüilo no plantão, sabendo que isso pode acontecer. Continuo lamentando. Deveríamos ter um apoio da psicologia, da psiquiatria ou terapia para poder encarar melhor a morte. Eu não tenho formação suficiente para lidar com essa questão da perda. Esses profissionais poderiam estar atuando junto conosco. Seriam muito bem vindos. Sinto que isso é necessário para trabalhar a aceitação da morte. (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos)
Na busca de sentidos que esclareçam as questões que a terminalidade
humana suscita no contexto da UTI, os médicos intensivistas também recorrem ao
sentido religioso para a morte. Embora em menor adesão, esse discurso caracteriza-
se pela noção de continuidade da vida. Trata-se de um discurso kardecista que
compreende a morte com uma ideia de evolução espiritual, permitindo que a
terminalidade humana seja encarada como mais uma etapa dessa evolução,
amenizando o caráter de cessação da vida. É pela via das religiões que diferentes
culturas têm achado um percurso de apoio ou de conforto diante da morte.
Diferentes religiões oferecem respostas diante do sofrimento ou do que parece
incontornável. Embora os processos de secularização tenham enfraquecido as
influências religiosas, ainda percebem-se, em diferentes grupos, lembranças de tais
influências. O direito, inclusive, a receber atenção religiosa é reconhecido
constitucionalmente para contextos hospitalares.
89
É uma passagem de uma vida para outra atividade, (...) Desencarnação, fim da vida terrena. A pessoa deixa o corpo, mas o espírito continua vivo. A alma da gente evolui. (...) (DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida espiritual – Médicos)
A necessidade de melhor elaboração dos sentidos que envolvem a questão
da terminalidade humana é reforçada pelo discurso “A morte é difícil de explicar”.
Ainda que se esforcem em construir sentidos para a morte a partir da realidade
social que vivem na UTI - a inexorabilidade da morte diante dos limites das
biotecnologias -, os médicos intensivistas buscam outros significados para melhor
compreenderem a terminalidade humana. Admitem ser imperativo pensar a morte.
Nesse discurso, chama atenção a patente dificuldade demonstrada em relação à
terminalidade humana pela própria hesitação dos médicos diante do tema,
demonstrada em alguns momentos.
É uma pergunta muito ampla, você me pegou de surpresa. (...)
Definir morte? A definição de morte é difícil para mim. Não sei. (...) Preciso pensar... Eu acredito que as pessoas, de um modo geral, ainda tenham muito pudor para tratar desse tema. Eu não tenho uma
opinião formada a respeito. É uma questão muito delicada. (...). (DSC 6 - A morte é difícil de explicar - Médicos)
As dificuldades impostas para se pensar a morte incluem a dificuldade de
pensar e admitir sua própria finitude. O contato com a terminalidade humana na UTI
remete os médicos intensivistas à sua condição de ser mortal. Dessa forma, não é
apenas diante das relações com os pacientes e com os familiares que surge a
necessidade de melhor elaboração de sentidos para a morte, mas também na
relação com a própria morte. Esse traço vem à tona quando os médicos se incluem
no discurso “A morte é algo natural”.
(...) Todos nós vamos morrer. Todo mundo morre. Então, quem está na UTI, eventualmente, também vai morrer. (...) (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos)
As implicações das atribuições profissionais dos médicos intensivistas são
perceptíveis nos discursos expressos por esse grupo, em relação à morte. Assim,
para melhor compreensão dos significados sociais da terminalidade humana,
90
expressos pelo grupo dos médicos intensivistas, é necessário descrever as
atividades desenvolvidas por esses profissionais no contexto da UTI.
As atividades dos médicos intensivistas consistem na seleção do paciente a
ser internado na UTI, avaliação da gravidade do quadro, admissão, monitorização e
acompanhamento do paciente. Também, são esses profissionais os responsáveis
pela escuta da queixa principal e coleta de dados relativos à história da doença
(atual, pregressa e familiar), bem como pela realização do exame físico e
identificação do prognóstico da doença. Além de interpretarem sinais clínicos
apresentados pelos pacientes, os médicos intensivistas decifram os dados emitidos
pelas biotecnologias, presentes e disponíveis na UTI – monitores cardíacos,
ventiladores mecânicos, oxímetros de pulso – objetivando correlacioná-los ao
quadro geral dos pacientes, na tentativa de traçar um diagnóstico mais preciso e,
desta forma, implementar a terapêutica adequada. Assim sendo, estabelecem o
tratamento, selecionam os medicamentos necessários ao controle ou reversão do
processo patológico, realizam as prescrições médicas e tratam as intercorrências,
buscando a cura da doença.
Os médicos intensivistas realizam, ainda, procedimentos como a intubação
traqueal e a punção de veia profunda para a administração de soluções e
medicamentos necessários ao tratamento da doença. Esclarecer as famílias dos
pacientes acerca do diagnóstico e prognóstico do quadro clínico também
corresponde a uma atribuição médica, assim como a comunicação do óbito.
Como pode ser observado no Quadro 1, algumas dessas atribuições estão
presentes em trechos dos discursos expressos pelos médicos como: “A gente sabe
que o paciente está muito grave, então, a morte já é um pouco anunciada”; “Tem
muitos que vêm já de várias internações prévias e de doenças que já se alongam
por muito tempo”; “Se sobreviverem vão ficar completamente sequelados”; “São
doenças mais avançadas ou com terapêuticas nem sempre ideais a esse tipo de
paciente”; “A morte que você não consegue diagnosticar é muito dura”; “De não
alcançar o nosso objetivo: recuperar a saúde e manter a vida do paciente”; “A gente
não consegue salvá-lo, melhorá-lo, fazer a terapêutica correta para ter alta”; “A parte
mais difícil é conversar com a família e expor a situação”.
Os discursos expressos por esse grupo de médicos acerca do significado da
morte não foram excludentes e dessa forma, mais claramente, se mostram como o
pensamento coletivo de todos. Esses médicos, com experiências específicas e
91
comuns no espaço da UTI, que os leva a diferentes interações e compartilhamentos,
apresentam pensamentos, com ideias e sentimentos semelhantes.
Seus discursos sobre a morte resultam do processamento coletivo de busca
de sentidos para a finitude humana, que, embora envolvendo conhecimentos de
naturezas diversas, crenças, hábitos, valores e sentimentos pessoais, são
condicionados ou recondicionados à luz de suas vivências profissionais, as quais
exigem pensar a morte como algo contornável. Se por um lado, nessa perspectiva,
o compromisso profissional pressiona esses médicos para que a morte seja
dominada, por outro lado, é esse grupo de profissionais que tanto experimenta os
alcances das tecnologias médicas, como são os que vivenciam mais intensamente
os frustrantes limites de tais recursos. Não é sem motivo que o nome que os unifica
é “intensivistas”. No contexto da UTI, poderes constatados e frustrados fluem
dinamicamente e se mesclam, buscando articular significados compreensíveis a um
objeto subjetivo e socialmente incompreensível – a morte.
Segundo Rodrigues (1983), pode-se encarar a morte como algo inscrito
necessariamente no destino dos homens em geral, como membros da classe dos
seres vivos. E, nesse sentido, parece algo a ser pensado de forma objetiva, sem
desencadear processos emocionais. No entanto, quando a morte passa a ser
encarada no sentido individual, a partir da consciência da sua própria finitude, pode
desencadear processos emocionais nos indivíduos que nem sempre são bem
resolvidos.
O comportamento dos médicos intensivistas, que se encontra influenciado por
determinados padrões sociais, faz com que eles pensem a morte a partir das suas
experiências. Conforme Elias (2001), o determinante na relação das pessoas com a
morte não é simplesmente o processo biológico desta, mas a ideia que se tem dela
e a atitude associada a isso, demonstrando mais claramente os contornos
sociológicos desse problema. Dessa forma, as características específicas,
associadas ao contexto da UTI e às atribuições profissionais dos médicos
intensivistas são responsáveis pela peculiaridade dos sentidos produzidos por esse
grupo em relação à terminalidade humana.
O conjunto de discursos dos médicos intensivistas expõe, mais que
contradições ou incongruências, posicionamentos que se superpõem diante de uma
realidade vivida de uma forma tão impactante quanto instigante: o que fazer diante
do morrer humano. Se esse fenômeno é natural, no sentido de expressar um
92
fenômeno ao qual se submetem todos os seres vivos, é também cultural porque
consiste na experiência humana de sofrimento, de perda, fracasso e até de
possíveis esperanças em outros mundos, como é o caso dos religiosos. Por isso, os
discursos são diversos e retratam um contexto social específico: a UTI.
Os médicos intensivistas expressaram uma representação social produzida
num ambiente de vivência dramática: a morte que sempre chega, seja por motivo de
decadência da idade, seja pelo transtorno biológico incontornável, seja contra todo o
desejo e expectativa da equipe de saúde. A finitude envolve a todos, há limites sob
diferentes pontos de vista pessoais, profissionais e das tecnologias.
A experiência frequente de testemunhar diferentes casos de morte levou os
médicos intensivistas a uma elaboração para a produção de sentidos em relação à
especificidade desses casos: o paciente mais velho ou o mais jovem, o que tem
maior sofrimento ou menor sofrimento, o mais grave ou o menos grave, a morte
súbita ou esperada. Seguindo essas categorias, a morte pode ser diferenciada, e
assim ser mais ou menos aceita por esse grupo. Trata-se de evidente esforço de
lidar com a morte, organizando sentimentos, valores e responsabilidades
profissionais.
O esforço em compreender a terminalidade humana como algo natural não
neutraliza, contudo, o sofrimento desses médicos diante da morte de seus pacientes
e também diante do sofrimento dos familiares, no momento em que necessitam
elaborar e fornecer uma resposta objetiva para essa questão. Essa necessária
objetividade para o sentido da morte indica um percurso de esclarecimento sobre a
sua própria atuação profissional diante dessa finitude tão tênue, realizado por meio
de extensas interrogações: “Fiz tudo que estava ao meu alcance?”, “Será que tinha
mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte?”.
Cumpre ressaltar que o papel médico de salvar vidas não oblitera o discurso
religioso sobre a morte, expresso pelos médicos intensivistas. Embora de mais fraca
adesão, o discurso religioso não é de menor importância, pois os dados mostram
que o perfil religioso desse grupo é bem definido – quase todos creem em Deus. Tal
discurso marca a presença da influência, ainda presente, de uma visão cristã da
morte. A fraca adesão ao discurso religioso pode ser vista como coerente com seu
papel de salvar vida, como, também, pode mostrar a tendência geral da sociedade,
mergulhada nos processos de secularização. Vale acrescentar que o cristianismo
93
católico, que marca o perfil religioso do grupo, não tem em sua atuação institucional
uma militância doutrinária.
Como revelando o conjunto de dificuldades de lidar com o tema e/ou
fenômeno da finitude humana houve o discurso da dificuldade de falar sobre a
morte. Esta, que para esses médicos é ameaçadora e inimiga de seu papel de
salvar vidas, frustra seus planos de atuação, interrompe, por vezes precocemente, o
ciclo biológico da vida e a expectativa social dos indivíduos, mostrando na UTI uma
cultura que se encontra confusa e inquieta sobre a natureza da vida e sobre o
sentido das existências individuais. Ainda que os médicos intensivistas apresentem
um repertório mais amplo de sentidos dados à morte, esse discurso os coloca no
contexto histórico de sua época: sim, é difícil para todos falar sobre a morte.
4.1.2 Discussão dos DSCs do grupo dos enfermeiros
Para melhor compreensão da representação social de morte, expressa pelo
grupo dos enfermeiros intensivistas, é necessário, como no grupo dos médicos,
descrever as atividades desenvolvidas pelos enfermeiros no contexto da UTI. Ao
contrário do que pensam muitas pessoas, que relacionam o trabalho do enfermeiro a
uma extensão do trabalho médico, a atuação daquele apresenta peculiaridades,
assim como a do médico, complementando-se mutuamente. São atribuições
específicas e distintas que se interrelacionam em razão do objetivo compartilhado
pelos profissionais da UTI – a recuperação dos processos naturais da vida, através
da intervenção da biotecnologia.
Em termos gerais, a atuação do enfermeiro está relacionada ao cuidado direto
ao paciente. Esse traço de sua profissão ganha destaque no contexto da UTI, haja
vista a total dependência dos pacientes em relação aos cuidados básicos, como
higiene e alimentação, que devem ser prestados ou supervisionados pelos
enfermeiros. Os cuidados diretos também compreendem a observação do padrão de
sono e repouso, aferição de sinais vitais, realização de curativos diversos, preparo e
administração de medicamentos.
São esses profissionais que arrumam os pacientes e organizam seus leitos,
preparando-os para o momento da visita. Do mesmo modo, são, muitas vezes, os
responsáveis por autorizar a entrada dos familiares na UTI, bem como por orientá-
94
los em relação às normas e regulamentos existentes nesse ambiente – circulação
restrita de pessoas, manutenção do silêncio, orientação quanto à lavagem das mãos
no momento de contato com o paciente, uso do equipamento de proteção individual
como luvas e máscaras sempre que necessário, entre outros.
É com referência a esse conjunto de atividades que se deve compreender a
representação dos enfermeiros intensivistas em relação à morte e contextualizá-la
no conjunto do trabalho junto aos médicos. O Quadro 1 permite observar que os
discursos de ambos os grupos são os mesmos: uma dinâmica que articula a morte
como fenômeno natural, mas, também como inconformidade e sofrimento. Contudo,
há detalhes no grupo dos enfermeiros que os faz distinguir dos médicos: a adesão
mais intensa ao discurso da morte como sofrimento e também ao discurso religioso.
Tal distinção encontra explicações no enquadre tanto das atividades que de fato
exercem os enfermeiros, como na ideologia do cuidar que os caracteriza. Alguns
comentários sobre as semelhanças são necessários antes da análise das
diferenças.
A similaridade dos conteúdos expressos por ambos os grupos é
compreensível, diante do fato desses dois grupos compartilharem o mesmo espaço
onde atuam cotidianamente em direção aos mesmos objetivos: manutenção e
recuperação dos processos naturais dos pacientes internados na UTI, através do
uso dos mesmos recursos (monitores cardíacos, ventiladores artificiais,
desfibriladores, marcapassos cardíacos artificiais, bombas de infusão de
medicamentos). A assistência ao paciente na UTI permite as interações entre
médicos e enfermeiros e, consequentemente, a permanente construção e
reconstrução das representações de morte de ambos os grupos através da
comunicação, da linguagem, das condutas, e das experiências comuns nesse
contexto, constituindo esforços de elaboração de sentidos para a morte e a prática
social do dia a dia.
O espaço da UTI, conforme já descrito, é fisicamente bem delimitado e inclui
basicamente os pacientes, médicos e enfermeiros. O cenário das tecnologias das
biociências envolve os dois grupos. Ainda que tenham atividades distintas, ambos
precisam articular suas ações em torno do controle dos sinais vitais, alívio dos
sintomas e tratamento das doenças. Tudo isso os chama para a visão dos controles
biológicos da vida e, consequentemente, para os fenômenos da vida como
processos naturais. Nesse ponto, os grupos de médicos e enfermeiros encontram
95
um discurso muito semelhante e de forte adesão: “A morte é um processo natural”,
onde os discursos de ambos praticamente se superpõem.
Os grupos dos médicos e dos enfermeiros intensivistas fazem uso de
expressões bastante próximas, senão iguais. Ambos os grupos referem-se à morte
como algo esperado no ambiente da UTI, presente e cotidiana no campo de suas
atuações profissionais, e conferem à morte a ideia de término de um ciclo biológico;
para os médicos: “nasce, cresce e morre”, para os enfermeiros: “início, meio e fim”.
A ideia da morte como finalização do ciclo biológico tem imediata relação com
a percepção do avanço de uma doença para a condição terminal, definida pela
evolução inevitável para a morte, independente das medidas terapêuticas adotadas.
Os médicos, nesse caso, compreendem a morte como a “evolução natural de uma
doença”, e os enfermeiros como esgotamento “das possibilidades de vida de um
corpo”. Essa percepção da morte como algo natural é a mesma que se apresenta
em um dos itens da declaração de óbito, em contraposição com a morte “não
natural”, aquela causada por fatores externos ao paciente (homicídio, suicídios,
acidentes) que, pelos discursos expressos pelos grupos, é menos aceita do que a
natural.
Mesmo não sendo os responsáveis pela declaração formal do óbito, que
segundo a OMS é de responsabilidade do médico, o discurso dos enfermeiros revela
uma especificidade do contexto da UTI. Nesse ambiente hospitalar, a maioria dos
pacientes não morre em decorrência da falência de apenas um órgão, mas sim, de
dois ou mais órgãos vitais, haja vista a disponibilidade das biotecnologias
necessárias para o controle dos processos naturais e das complicações orgânicas.
Assim, a probabilidade de ocorrência de morte, na UTI, tem relação com os casos
mais complexos, que envolvem a complicação de vários órgãos vitais, os quais não
respondem mais aos recursos disponíveis (ventilador mecânico, máquina de
hemodiálise, drogas vasoativas, desfibriladores e outros).
(...) Parte fisiológica falida, falência de múltiplos órgãos, não tem mais condição de vida. É não ter mais o pulsar, o respirar, o bater do coração (...). O corpo não responde mais. Parou. Cientificamente cessou a vida do corpo. (DSC 1 – A morte é um processo natural – Enfermeiros)
O discurso dos enfermeiros intensivistas acerca da morte como processo
natural reflete as suas atribuições profissionais na UTI. São eles que observam e
96
registram, a cada duas horas, ou em menor intervalo, conforme a necessidade do
paciente, os sinais vitais – frequência cardíaca, frequência respiratória, temperatura
e pressão arterial. Dessa forma, esses enfermeiros podem averiguar mais
pontuadamente a evolução dos sinais de complicação, relacionados à falência dos
órgãos vitais.
A constatação da irreversibilidade dos processos naturais provoca, como nos
médicos, sentimentos de sofrimentos nos enfermeiros intensivistas. No entanto,
houve maior adesão a esse discurso por parte dos enfermeiros, chamando atenção
para a ideologia da enfermagem e para sua atribuição profissional, caracterizada
pelo cuidado direto ao paciente.
Historicamente, a profissão de enfermagem tem sua atuação baseada no
cuidar. Esse cuidado humano para outro humano corresponde à base da formação
preconizada pelas diretrizes curriculares dos cursos de graduação em enfermagem
e envolve não apenas a competência técnico-científica para a realização de
procedimentos necessários no processo saúde-doença, mas constitui-se, também,
como um cuidado específico.
O caráter do cuidado oferecido pelo enfermeiro tem relação com o cuidado
afetivo e feminino, expresso cultural e historicamente. Como se pode observar pelo
percurso histórico da profissão, o cuidado oferecido por esses profissionais liga-se
ao papel social, no qual, tacitamente, se estabelece para a mulher a função de
cuidadora dedicada aos diferentes membros da família.
Para Coelho (2001), historicamente, desde os tempos primitivos, a mulher era
a responsável por atender à necessidade da família e transmitir a cultura, sendo a
provedora das questões afetivas e emocionais, dedicando-se a cuidar dos enfermos
como um gesto de caridade. Segundo o autor, a enfermagem ainda tem o caráter
materno proveniente dos tempos primitivos, permanecendo, portanto, traços de afeto
e caridade nessa profissão.
A afetividade na percepção e na elaboração de sentidos para a morte é
comum aos grupos dos enfermeiros e dos médicos intensivistas, marcando o
discurso do sofrimento desses profissionais diante da terminalidade humana. No
entanto, as características peculiares do cuidado oferecido pelo enfermeiro e das
relações que daí se estabelecem apontam para a maior adesão ao discurso de
sofrimento por parte dos enfermeiros intensivistas.
97
Ainda que o aspecto afetivo e histórico possa elucidar, em parte, a grande
adesão dos enfermeiros intensivistas ao discurso de sofrimento, outras
peculiaridades em relação a esse discurso merecem reflexão: a menor
especificidade das suas atribuições profissionais e o menor detalhamento dos tipos
de morte, quando comparado ao grupo dos médicos.
O discurso expresso pelos médicos intensivistas em relação ao sofrimento é
permeado por maiores questionamentos relativos às suas atribuições profissionais:
“Será que se a gente tivesse tomado outro caminho teria mudado o prognóstico?”;
“Será que se a gente tivesse trocado o antibiótico, feito a tomografia?”; “Será que
havia mais alguma coisa que eu poderia ter feito para evitar a morte?”.
Já no discurso dos enfermeiros intensivistas o questionamento é muito mais
genérico - “Poderia ter feito algo a mais por aquele paciente?” do que o conjunto de
interrogações expresso pelos médicos intensivistas. Embora apresentem em seu
discurso expressões como: “Não queremos que a pessoa morra”; “sentimento de
culpa”; “Uma decepção de você ter tentado e não conseguir chegar a um objetivo”,
os enfermeiros intensivistas não realizam questionamentos específicos acerca das
suas atribuições profissionais, como ocorre no grupo dos médicos. No discurso
relativo ao sofrimento profissional, esses enfermeiros não apresentaram dúvidas
quanto às suas condutas, mas sim conformidade diante da morte.
(...) A gente fica abalado, triste, chateado, sentida (...) Não tem mais o que fazer, além de se conformar (...) (DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Enfermeiros)
As condições de morte, também, são determinantes para os médicos com
relação ao maior ou menor sofrimento diante da finitude humana, como podemos
observar nos trechos: “Tem dois aspectos diferentes: o doente agudo e o doente
crônico”; “Tem mortes na UTI que ocorrem em pacientes que vinham melhorando,
pacientes muito jovens”; “Tem doentes que você lida com mais naturalidade porque
você já sabe qual é a doença e já está em processo de morte”.
Em se tratando dos enfermeiros intensivistas no discurso “A morte é diferente,
dependendo do tipo de paciente”, esse grupo não faz uma distinção detalhada
acerca dos tipos de morte, como fazem os médicos. Ainda que expressem
diferenças dos tipos de morte (inesperada/esperada; jovem/idoso; o paciente menos
98
grave/ o paciente mais grave; o paciente que está melhor condição física/ o paciente
que está sofrendo), esses enfermeiros não categorizam as situações de morte e os
tipos de pacientes com tantas especificidades quanto o grupo dos médicos, em cujo
discurso aparecem expressões como: “pacientes politraumatizados”; “pós-operatório
de uma cirurgia de urgência”; “disfunções crônicas múltiplas”; “incurável”; “intratável”;
“sequela muito séria”; “acidentados de moto”; “baleados”, entre outras.
(...) Uma coisa é a morte repentina, inesperada o que na UTI não acontece muito. Essas me chocam mais. (...) O paciente está muito grave e, muitas vezes, você já espera a morte. (...) Frequentemente é um paciente idoso, todo complicado. Às vezes, está numa condição tão ruim, com sofrimento tão grande, que a morte é um alívio para amenizar aquela dor. (...) Quando a gente tem envolvimento com o paciente, a gente sente mais. Acho mais difícil quando é jovem. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Enfermeiros)
Esses pontos de distinção entre os discursos relativos ao sofrimento
profissional, expresso pelos dois grupos, podem ser compreendidos se observarmos
a caracterização do cotidiano profissional dos mesmos, sobretudo na UTI. Parte da
rotina dos médicos consiste em reuniões diárias para discussões de casos, nas
quais se busca esclarecer o quadro clínico dos pacientes, propondo investigar as
causas da doença, as formas de apresentação e a intensidade dos sintomas. O
objetivo é eliminar a sintomatologia da doença, buscando aproximar o paciente da
normalidade. Trata-se de momentos importantes, nos quais o compromisso médico
se revela na tentativa de nortear a assistência, principalmente nos aspectos
biológicos da doença. Também, nas discussões de caso, a questão da objetividade
é um critério importante para os médicos reconhecerem e tratarem a doença. Os
médicos discorrem, principalmente, sobre o funcionamento dos órgãos, sobre a ação
dos medicamentos e os procedimentos terapêuticos e diagnósticos necessários para
a reversão das doenças, tais como: intervenções cirúrgicas, instalação de sondas e
drenos, além de exames como eletrocardiograma, ecocardiograma, tomografia,
ressonância magnética, entre outros.
Já o grupo dos enfermeiros não apresenta essa atividade – reuniões de
equipe -, principalmente por não serem os responsáveis pela definição das condutas
diagnósticas e terapêuticas a serem estabelecidas para cara tipo de paciente. A sua
função está ligada, na maioria das vezes, às prescrições médicas: administração de
medicamentos, observação da resposta do paciente à terapêutica, preparo e
99
acompanhamento de pacientes a exames, entre outros. Assim, as ações dos
enfermeiros são, principalmente, determinadas pelos médicos e, por isso, os
enfermeiros apresentam menos questionamentos em relação às suas atribuições
profissionais.
Diante de todas as ações de enfermagem realizadas com o paciente e que
possuem objetivos comuns às dos médicos no sentido de recuperar a saúde e
manter a vida, poder-se-ia dizer que a não expressão por parte dos enfermeiros de
questionamentos relativos às suas atribuições profissionais indicaria que eles não se
percebem responsáveis pelo atendimento ao paciente na UTI, como ocorre com os
médicos intensivistas? Seria uma postura paradoxal?
Trata-se de uma questão que merece reflexão. Levando em consideração
que: os enfermeiros correspondem ao maior grupo de profissionais de nível superior
na UTI, o que evidencia a necessidade de sua ostensiva presença para a
observação e o cuidado direto ao paciente com risco de vida e/ou iminência de
morte, determinantes, portanto, para o restabelecimento da saúde do paciente e;
que o enfermeiro é o profissional que permanece mais tempo à beira do leito, o que
o faz ciente dos detalhes sobre a evolução ou complicação do quadro dos pacientes,
sendo um forte elemento mediador de informações para outros profissionais na UTI
ficando patente, assim, a sua importância nesse contexto; então, por que as
atribuições profissionais dos enfermeiros não foram tão especificadas em seu
discurso?
Nas reuniões diárias da equipe os enfermeiros poderiam discutir condutas
relativas às suas atribuições, tais como: avaliação da integridade da pele, evolução
do curativo, aprazamentos e interações de medicações, registro de enfermagem,
checagem dos materiais e medicações necessários ao atendimento de parada
cardiorespiratória, checagem do funcionamento dos equipamentos necessários ao
atendimento do paciente grave (desfibriladores, monitores cardíacos, ventiladores
mecânicos, oxímetros de pulso, bombas infusoras de medicações), entre outros.
Essa discussão do grupo de enfermeiros poderia estimular reflexões acerca de suas
atuações e responsabilidades no atendimento ao paciente grave, diminuir a
possibilidade de erros, padronizar as ações de enfermagem e esclarecer melhor o
quadro de complicação ou evolução do paciente. Dessa forma, o grupo dos
enfermeiros poderia melhor reconhecer a importância de suas atribuições na UTI,
como também elaborar melhor as dificuldades em relação à questão da morte
100
Outra peculiaridade do grupo dos enfermeiros refere-se ao sentido religioso
para morte. A alta adesão a esse discurso se justifica pelo perfil religioso do grupo,
sendo composto por 97% de enfermeiros que declararam crer em Deus, no contexto
ou não de uma religião. Considerando a religião evangélica a mais declarada pelo
grupo e que esta possui, tradicionalmente, uma militância doutrinária, pode-se
compreender a expressão do discurso religioso por parte do grupo dos enfermeiros
no qual o sentido para a morte é produzido a partir de uma visão cristã.
Esse discurso religioso, no entanto, não elimina o sofrimento causado pelo
confronto com a terminalidade humana. As representações sociais dos enfermeiros
intensivistas deixam claro que as atitudes que hoje prevalecem em relação à morte
não são inalteráveis e nem acidentais. São peculiaridades de uma sociedade num
estágio particular de desenvolvimento, na qual a conciliação promovida pelo
pensamento religioso entre o homem e suas angústias tem perdido força. Diante das
situações de terminalidade, os enfermeiros intensivistas admitem: “Eu sofro e choro”.
O momento da morte para eles é “complicado, pesado”, mostrando que tal
problema, conforme testemunhado e representado pelos enfermeiros na UTI, ainda
precisa de elaborações.
4.1.3 Discussão dos DSCs do grupo dos médicos residentes
O ponto de maior destaque nos discursos expressos pelos médicos
residentes é a falta de experiência e o pouco amadurecimento profissional desse
grupo. No contexto de suas práticas profissionais, as peculiaridades desses
residentes são importantes para uma melhor interpretação dos discursos por eles
expressos. Assim, como nos grupos dos médicos e dos enfermeiros, torna-se
necessária a descrição das atividades dos médicos residentes na UTI.
A residência médica intensiva caracteriza-se como treinamento em serviço,
durante o período de dois anos, possibilitando ao médico recém-graduado a
obtenção do título de especialista na área intensiva. A carga horária desses
profissionais é consideravelmente maior do que a dos médicos e dos enfermeiros
intensivistas, correspondendo a sessenta horas semanais com atividades diárias,
incluindo plantões nos finais de semana e feriados.
101
Os residentes médicos desenvolvem suas atividades de modo a aprimorar
suas habilidades técnicas e o raciocínio clínico com supervisão permanente de um
médico plantonista, habituando-se ao contato direto com os pacientes. Como os
médicos intensivistas, os médicos residentes realizam o exame físico, colhem a
história do paciente, solicitam exames. A partir disso, sugerem o diagnóstico e
propõem condutas médicas – prescrição de medicamentos e realização de exames
complementares para o diagnóstico - que são analisadas conjuntamente com a
equipe médica, devendo ser aprovadas ou não.
Outras atividades relativas aos residentes consistem na participação em aulas
teóricas com conteúdos inerentes à medicina intensiva, apresentação de seminários
sobre assuntos pertinentes à área, discussão de casos relativos ao quadro dos
pacientes internados na UTI e debates acerca de temas abordados em artigos
científicos recentes relacionados à atuação médica intensiva. Todas essas
atividades, tais como as atividades práticas dos médicos residentes, são
supervisionadas por médicos mais experientes, que direcionam as atuações
profissionais dos residentes na UTI.
A leitura do Quadro 1 permite observar que os discursos dos médicos
residentes em relação à morte são os mesmos expressos pelos grupos dos médicos
e dos enfermeiros: percebem a morte como algo natural, mas também sofrem diante
das situações de terminalidade humana na UTI. No entanto, um ponto chama a
atenção na interpretação dos dados no grupo dos médicos residentes: o índice de
adesão é alto e quase o mesmo entre todos os discursos expressos, demonstrando
que esses profissionais, ainda em formação, não estabelecem tantos critérios, como
os médicos e enfermeiros intensivistas, os quais, tendo maior experiência, podem
perceber, analisar e diferenciar mais as situações de terminalidade humana na UTI.
Os discursos expressos pelos médicos residentes estão mais relacionados
aos estudos desses profissionais do que à experiência na UTI. Quando relacionam a
morte a um processo natural evidencia-se, em seu discurso, apenas a percepção de
morte como finalização de um ciclo biológico, evento comum a todo ser vivo, ao
contrário dos médicos e enfermeiros que expressam suas vivências no contexto
investigado e apresentam em seus discursos expressões como: “Um fato que a
gente convive diariamente”; “Estou vendo e vivendo dia a dia”; “Faz parte do
cotidiano, da nossa rotina” e “A gente está sempre em contato com pacientes muito
graves”.
102
É um processo natural, final de vida, término de um ciclo. Algo que a gente sabe que vai acontecer. Faz parte da vida, não tem como evitar. É inevitável e esperada para todo mundo. (DSC 1 – A morte é um processo natural – Médicos residentes)
No contexto da UTI, as relações, situações e ambiente são novos para esses
residentes. Nesse espaço, aprendem a ser médicos, como também aprendem a lidar
com o exercício da medicina intensiva, em todas as suas peculiaridades. A grande
responsabilidade que envolve a assistência médica intensiva é vivida profundamente
pelos médicos residentes. Esse profissional, até bem pouco tempo aluno do sexto
ano de medicina, patamar mais alto na hierarquia do corpo discente, passa agora a
ocupar o mais baixo na hierarquia da profissão dentro do hospital, o de residente. O
iniciar da residência traz uma excitação antecipatória que é substituída, aos poucos,
por períodos de insegurança e depressão e pelo grande medo de não cometer erros
(Martins, 1994).
Como já dito a respeito dos médicos e dos enfermeiros, as experiências
profissionais no contexto da UTI e a vivência ampla de situações de terminalidade,
proporcionaram a esses profissionais uma diferenciação maior entre os casos dos
pacientes, permitindo a produção de significados em um esforço de lidar com a
morte, organizando sentimentos, valores e responsabilidades profissionais. No caso
dos médicos residentes, a pouca experiência no contato com a diversidade dos
casos que se apresentam na UTI impossibilita maiores elaborações de
diferenciações dos tipos de morte, dependendo do paciente. Nos discursos
expressos pelos médicos e pelos enfermeiros intensivistas, além de haver um maior
detalhamento dos casos, criando-se categorias mais ou menos estáveis - aspecto
mais forte no grupo dos médicos -, há, também, a expressão da relação com o
paciente como fator determinante para a aceitação da morte. No grupo dos médicos,
destaca-se o trecho: “Vai depender da relação que irá estabelecer-se entre o médico
e o paciente”; e no grupo dos enfermeiros: “Vai do envolvimento que você tem com a
pessoa. Quando a gente tem envolvimento com o paciente, a gente sente mais”.
Observa-se que no discurso abaixo, expresso pelo grupo dos médicos residentes,
não há detalhamento específico dos casos, como também não há menções a
interações com o paciente.
103
Depende de vários fatores. Se a doença é aguda ou crônica. Uma morte é prevista quando o paciente já está adoentado. Acaba sendo o estágio evolutivo de uma doença onde você esperava esse desfecho. A outra é a morte não esperada, uma coisa súbita, de repente: uma pessoa jovem que não tinha nenhuma doença e morre. (DSC 2 - A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente – Médicos residentes)
A menor elaboração sobre a morte implica a pouca organização por parte dos
médicos residentes em relação aos seus sentimentos, valores e responsabilidades
profissionais, resultando em grande adesão, também, ao discurso relativo ao
sofrimento profissional. Como no grupo dos médicos, o discurso relativo ao
sofrimento dos residentes investigados está ligado às suas atribuições profissionais,
como se percebe no trecho em que há o seguinte questionamento: “O que eu fiz de
errado?”. Nota-se, desse modo, o caráter relacionado à responsabilidade que o seu
compromisso profissional acarreta, no sentido de salvar vidas, bem como a grande
cobrança e responsabilidade que pesam sobre esses médicos recém-formados.
Por estar ainda em um limiar entre estudante e profissional médico, o
residente de medicina passa por processos de avaliação que o deixam mais
sensível às mudanças no quadro clínico do paciente, já que é avaliado a respeito
dessas ocorrências. Nesse sentido, surgem em seu discurso relacionado ao
sofrimento diante da morte expressões como: “Me sinto desafiado e derrotado” e
“Me cobro”. O médico recém-formado pode falar sobre a doença com certa propriedade, mas
para dizer-se resolutivo para o doente, urge aumentar a capacitação para interagir,
simultaneamente, com as necessidades do paciente de um lado e o acervo da literatura médica
de outro.
Assim, com pouca experiência no atendimento direto ao paciente grave e, sentindo-se
ainda muito avaliado e cobrado em relação às suas condutas, o residente de medicina expressa
seu grande sofrimento diante da inevitabilidade da morte: “É ruim, me afeta”; “Não me
sinto confortável”, não cabendo em momento algum de seus discursos expressões
como as encontradas nos discursos dos médicos e enfermeiros como: “Não me
choca”; “Eu lido bem”; “Raríssimas vezes me deixo abalar”.
Em relação ao sofrimento que a morte dos pacientes causa nas famílias, fica
claro, mais uma vez, o pouco amadurecimento profissional dos médicos residentes.
Assim, ao falar do sofrimento pelo qual passam os familiares, não aparece no
discurso desses residentes nenhuma referência às suas atribuições profissionais. No
104
caso dos médicos, é demonstrada uma preocupação em relação à comunicação, ao
apoio à família diante da morte de um ente querido e à falta de possibilidades
profissionais para interferir na situação de terminalidade, como pode ser observado
nos seguintes trechos: “Continua sendo difícil dar apoio à família”; “A parte mais
difícil é conversar com a família e expor a situação”; “A família tem muita dificuldade
de entender que a gente não tem mais do que dispor”. No entanto, as preocupações
demonstradas pelo grupo dos médicos intensivistas não se encontram no discurso
relativo ao sofrimento das famílias expresso pelo grupo dos médicos residentes.
É muito triste para os familiares. Fica um vazio pela perda de uma pessoa. (DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias – Médicos residentes)
Chama a atenção, no discurso relativo ao sofrimento dos familiares, o
surgimento da expressão “vazio” em relação à morte dos pacientes, que também se
repete no discurso que se refere à dificuldade em dar sentidos para a morte, no
trecho “Deixa um vazio nas relações”. A morte, nesse sentido, é percebida não
apenas como biológica, mas também como social. Morre o indivíduo e as suas
relações, revelando o sentido da morte sob o ângulo humano.
As percepções do grupo dos médicos residentes sobre a morte abarcam,
também, o sentido religioso da terminalidade humana, mostrando que o papel dos
médicos em salvar vidas não implica deixar de lado as perspectivas advindas do seu
contexto social e cultural. A alta adesão a esse discurso se deve ao perfil religioso
do grupo dos residentes composto, em sua grande maioria, por indivíduos que
declararam crer em Deus (88%). Como a experiência no cotidiano da UTI é um forte
aspecto de distinção entre os grupos investigados, é possível que uma maior
vivência das situações de terminalidade na UTI, evidenciando a inexorabilidade da
morte, resulte em um afastamento da perspectiva religiosa da finitude humana,
similar ao dos médicos intensivistas.
A partir da comparação entre os discursos expressos pelos grupos dos
médicos intensivistas e dos médicos residentes pode-se inferir que, durante o
período em que estiverem desenvolvendo as atividades inerentes à residência
médica em terapia intensiva, esses residentes obterão um aperfeiçoamento teórico
prático na área intensiva, como também terão maiores possibilidades de melhor
elaboração de atitudes pessoais e profissionais diante da terminalidade humana. Ao
105
vivenciarem situações de morte na UTI, os médicos residentes produzem e
continuarão a produzir uma variedade de representações em torno da sua morte e
da dos outros, podendo suscitar novas reflexões sobre os problemas da morte na
UTI e na sociedade contemporânea.
4.1.4 Discussão final
As representações sociais dos intensivistas investigados (médicos,
enfermeiros e médicos residentes) a respeito da morte mostram diferentes facetas
das experiências desse grupo com tal fenômeno. Os discursos expressos
mostraram-se detalhados com expressões que revelam especificidades encontradas
no contexto da UTI. São exemplos: “falência de múltiplos órgãos” (DSC 1 – A morte
é um processo natural - Enfermeiros); “limite máximo da vida” (DSC 1 – A morte é
um processo natural - Enfermeiros); “disfunções crônicas múltiplas” (DSC 2 – A
morte diferente dependendo do tipo de paciente - Enfermeiros). Outros exemplos
permitem reconhecer traços mais amplos que extrapolam a condição profissional:
“envolvimento que você tem com a pessoa” (DSC 2 – A morte é diferente
dependendo do tipo de paciente – Enfermeiros); “relação afetiva” (DSC 2 – A morte
é diferente dependendo do tipo de paciente – Médicos); “o espírito continua vivo”
(DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida espiritual – Médicos);
“descanso para a alma” (DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida
espiritual – Médicos); “vazio nas relações” (DSC 6 – A morte é difícil de explicar –
Médicos residentes). As expressões encontradas nos discursos dos grupos
investigados apontam para as influências do contexto da UTI, demonstrando que se
trata de um grupo profissional com peculiaridades próprias, como também apontam
para características culturais de uma sociedade.
Como afirmam Hudak e Gallo (2007), a essência dos cuidados intensivos está
no processo de tomada de decisão, baseado na sólida compreensão das condições
fisiológicas dos pacientes. A percepção da morte como algo natural pressupõe a
capacidade dos intensivistas de intervenção sobre os processos naturais, sendo
coerente com a formação dos profissionais investigados: manter a vida e recuperar a
saúde. Se a morte decorre de causas pelas quais os pacientes estão submetidos,
106
como parte da natureza, ela deriva, então, de causas que os intensivistas podem
senão abolir, ao menos controlar. Nessa direção, a morte como um processo natural
tem relação com um evento fisiológico, cientificamente compreendido e sobre o qual
a perspectiva biomédica fornece a certeza de que “Esgotam-se as possibilidades de
vida de um corpo” (DSC 1 – A morte é um processo natural – Enfermeiros).
A observação e vigilância constante do doente e de seus sinais vitais
fundamentam a atuação de médicos, enfermeiros e médicos residentes no ambiente
da UTI, caracterizado pela atenção e cuidado direto ao paciente, permitindo aos
intensivistas a percepção de todo o processo de morte - os primeiros sinais, o
agravamento e a morte propriamente dita. As máquinas fornecem dados que
confirmam que a morte vai acontecer, “sinalizam para uma complicação” (DSC 2 – A
morte é diferente dependendo do tipo de paciente). Assim, os prelúdios da morte
são visualizados. A morte, para os intensivistas, é sempre anunciada,
acompanhada, assistida, como se pode observar nos trechos: “algo que a gente
sabe que vai acontecer” (DSC 1 – A morte é um processo natural - Médicos
residentes), “a gente já encara a morte antes disso ocorrer” (DSC 1 – A morte é um
processo natural - Médicos), “Raramente não tem uma parada (cardíaca) não
programada” (DSC 1 – A morte é um processo natural - Enfermeiros). Essa clara
visualização do processo de morte fornece aos intensivistas a possibilidade de
identificação dos limites da vida – “O corpo não responde mais” (DSC 1 – A morte é
um processo natural - Enfermeiros) - e a certeza da inevitabilidade dos processos
naturais – “Não há mais nada o que fazer” (DSC 1 – A morte é um processo natural -
Médicos), colaborando para a visão da morte como um processo natural – “Eu
aceito, faz parte da vida” (DSC 1 – A morte é um processo natural - Médicos).
De modo geral, foi possível observar nos discursos dos intensivistas a
recorrência a termos usualmente utilizados no meio biomédico: “órgãos”, “doença”,
“sintomas”, “fisiológica”, “cirurgia”, “urgência”, “politraumatizados”, “incurável”,
“tratamento”, “antibiótico”, “comorbidades”, “tomografia”. O predomínio de
expressões científicas nos discursos desses profissionais pode ser entendido como
uma expressão do aspecto objetivo que caracteriza suas representações, reforçando
a percepção da morte como um processo natural.
Dessa forma, compreende-se como o discurso “A morte é diferente
dependendo do tipo de paciente” também teve grande adesão por parte dos
intensivistas. Percebe-se, nesse discurso, o empenho desses profissionais em
107
compreender a morte como algo natural, baseando-se, sobretudo, nas
particularidades dos pacientes que atendem na UTI. São os critérios objetivos, e, por
conseguinte, científicos que tornam possíveis as discriminações de mortes. Diante
das situações que vivenciam em seus contextos de trabalho, os intensivistas
organizam as experiências vividas, categorizam as circunstâncias e constroem
gradações para o sentido natural da morte. Assim, a morte para os intensivistas
pode ser considerada mais ou menos natural de acordo com critérios por eles
estabelecidos, chamando atenção para sua vivência na UTI, como pode ser
observado nos fragmentos: “A morte é prevista quando o paciente já está
adoentado” (DSC 2 – A morte é diferente dependendo do tipo de paciente - Médicos
residentes); “Os casos agudos me mobilizam mais” (DSC 2 – A morte é diferente
dependendo do tipo de paciente - Médicos); “O paciente está muito grave e, muitas
vezes, você já espera a morte” (DSC 2 – A morte é diferente dependendo do tipo
de paciente - Enfermeiros).
De acordo com Rodrigues (1983, p. 26),
(...) inserir a morte em um sistema de classificação, para compreender as mortes-eventos, dialogar com elas e at ribuir-lhes sentido, para ser um
trabalho que toda cultura realiza e cujos resultados exibe, seja em estado prático, seja at ravés de um sistema de teorias, ideias e dogmas conscientemente formulados (...).
Esse sistema de classificação pelos intensivistas tende a categorizar a morte
diferentemente, como previsível e natural (ninguém escapa à morte) ou imprevisível
e não natural. Na UTI, a morte não natural é vista como uma probabilidade que
tende a diminuir, pois a intervenção rápida e precisa dos intensivistas, a partir da
monitorização de cada paciente, permite cada vez menos que a morte seja vista
como uma fatalidade. No caso dos grupos investigados, a expressão do discurso
que diferencia a morte, dependendo do tipo de paciente, reforça a percepção de
morte como algo natural, pelo sentido a ela atribuído, como o ápice de um processo
fisiopatológico irreversível e inevitável no decurso de muitas doenças.
Frente ao esforço dos intensivistas em perceber a morte com naturalidade,
um ponto chama a atenção. Ao contrário do que se poderia esperar, devido à grande
adesão dos intensivistas ao discurso da morte como algo natural, o discurso
religioso está também presente nas representações sociais de morte dos
intensivistas. A expressão de tal discurso pode ser compreendida se observamos o
108
perfil religioso dos grupos investigados, mostrando que a maioria dos médicos,
enfermeiros e médicos residentes investigados creem em Deus, no contexto ou não
de uma religião. Sabe-se que a busca de explicações religiosas para a morte é uma
realidade na cultura ocidental. Esta pesquisa revela que cada grupo investigado
recorre às crenças religiosas, com maior ou menor intensidade, para entender e
enfrentar seu cotidiano profissional.
A menor adesão ao discurso religioso em relação ao discurso da morte como
algo natural relaciona-se à ideia de antagonismo entre ciência e religião sustentada,
em grande parte, no pressuposto de que a aceitação do conhecimento científico
seria incompatível com a crença religiosa. Dito de outra forma, a convivência em
ambientes, caracterizados pela familiaridade com as práticas da ciência, conduziria
ao afastamento das crenças religiosas. Há uma questão cultural mais ampla, que
mostra que a ciência sempre foi caracterizada por um afastamento do campo
religioso, demonstrando o processo de secularização na contemporaneidade.
Para Bruce (1995), a secularização levaria a uma perda gradual e irreversível
da crença religiosa. Para ele, ciência e tecnologia contribuíram para essa perda da
religiosidade, no sentido de que alteraram, substancialmente, os modos de viver e,
como consequência, relegaram as crenças e os rituais religiosos a um segundo
plano. O motivo não seria necessariamente a substituição da doutrina religiosa pelas
ideias da ciência, mas o fato do mundo moderno limitar as práticas comunitárias de
convivência e não reservar sequer tempo para as práticas religiosas.
Berger (1999) reconhece que as instituições religiosas perderam seu poder e
influência em várias sociedades, mas reconhece, também, que tanto as antigas
quanto as novas práticas religiosas fazem parte da vida dos indivíduos, estando
presentes em suas relações com o mundo moderno. Assim, mesmo em um mundo
envolvido com os processos de secularização, a expressão do discurso religioso
pelos intensivistas reforça a interpretação de que a crença religiosa ainda é um
componente cultural do mundo moderno, presente em diferentes sociedades, e com
tal referência é possível a expressão do discurso religioso pelos profissionais
atuantes em um contexto como a UTI, marcado pela atividade científica.
Os discursos “A morte é um processo natural”, “A morte é diferente
dependendo do tipo de paciente” e “A morte é uma passagem da vida material para
a vida espiritual” que, em primeira análise, parecem ser contraditórios, foram
expressos pelos intensivistas a partir do impacto causado pela morte na UTI, que os
109
levam à busca de explicações para o fenômeno com o qual se confrontam em seus
cotidianos de trabalho.
Como visto na revisão bibliográfica desta pesquisa, há na cultura ocidental
contemporânea um si lenciamento da morte. O afastamento da morte do cotidiano,
um maior constrangimento e embaraço social com situações envolvidas com a
terminalidade humana e o esforço desempenhado pelo homem em combatê-la e
negá-la, passando a não mais percebê-la como evento natural da vida, são
características da modernidade (Becker, 2007; Gadamer, 2006; Ariès, 2003; Elias,
2001; Morin, 1997).
No contexto em que se encontram os intensivistas, a morte acontece mesmo
com todo o suporte das biotecnologias. A frustração que ela comporta e a ameaça
de que está imbuída a partir da tomada de consciência da própria finitude, a
transformam em um momento difícil com o qual esses profissionais se defrontam.
Dessa forma, compreende-se, também, a expressão dos discursos “A morte é triste
de frustrante para os profissionais de saúde” e “A morte causa sofrimento para os
familiares” pelos intensivistas. Tais discursos expõem os vínculos emocionais que os
grupos investigados desenvolvem com seus pacientes e que geram até dúvidas. Os
seguintes fragmentos são exemplos: “Será que eu errei em alguma coisa?” (DSC 3 –
A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos); “Será que eu
esqueci de alguma coisa?” (DSC 3 – A morte é triste e frustrante para os
profissionais de saúde – Médicos); “Continua sendo difíci l dar apoio à família” (DSC
4 – A morte causa sofrimento para os familiares – Médicos).
Em contato com a morte, os intensivistas vivem conflitos sobre como se
posicionar frente à morte de seus pacientes, aos familiares dos pacientes e aos
colegas de profissão. Essas mortes são vividas como perdas, o que se torna mais
penoso quando morrem pacientes com os quais foram estabelecidos vínculos mais
próximos. Tais vivências trazem aos intensivistas a percepção de suas fragilidades
pessoais, vulnerabilidades, medos e incertezas. Os discursos mostram que os
intensivistas não têm procedimentos sistematizados por eles mesmos valorizados.
Suas falas revelam dúvidas, desconforto afetivo, perplexidade onde sobressaem
esforços de aceitação, mas não parecem refletir segurança de conduta. Nesse
contexto, o discurso religioso pode ser interpretado como um esforço de aceitação,
sobretudo pelo fato de que o perfil dos três grupos investigados inclui crenças
religiosas.
110
Diante dos sofrimentos diversos expressos pelos intensivistas em relação a si
mesmos, aos pacientes e aos familiares, a expressão do discurso religioso
corresponde à busca de sentido para a morte. Trata-se de um discurso religioso
cristão que crê na vida após a morte. Essa ideia demonstra que ainda está presente
o papel social da religião sob as diferentes formas possíveis de lidar com
sofrimentos, sentidos da vida e da morte, questões éticas, entre outras.
As representações sociais dos intensivistas revelam como é complexo para
esses profissionais lidar com todas as demandas que emergem em seus cotidianos
de trabalho. Ter que encarar a morte, dar a má notícia, tomar consciência da própria
finitude. Ou seja, admitir os limites de sua atuação “balança qualquer um” (DSC 3 –
A morte é triste para os profissionais de saúde – Médicos) e põe em questão o
preparo desses profissionais para enfrentar as situações que surgem na UTI, como
aparece na expressão: “Eu não tenho formação suficiente para lidar com essa
questão da perda” (DSC 3 – A morte é triste para os profissionais de saúde –
Médicos). Sem meios ou espaços que fomentem debates, discussões e trocas de
experiências para reflexões acerca das situações que vivenciam em seu contexto de
trabalho, compreende-se a expressão do seguinte trecho:
(...) Deveríamos ter um apoio da psicologia, da psiquiatria ou terapia para poder encarar melhor a morte. Esses profissionais poderiam estar atuando junto conosco. Seriam muito bem vindos. Sinto que isso é necessário (...) (DSC 3 – A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde - Médicos)
De fato, no processo de formação de médicos e de enfermeiros, a morte não
é tema de ação pedagógica para que se desenvolvam comportamentos adequados
em relação à situação da morte de um paciente ou de um paciente com diagnóstico
grave. Os programas de formação desses profissionais, no âmbito da graduação e
residência, são voltados predominantemente para o aspecto técnico do manejo das
doenças, não prevendo uma reflexão articulada e sistemática sobre a morte.
Observa-se, nesse processo de formação, a ausência de qualquer abordagem nas
diferentes disciplinas que discutam aspectos cognitivos e afetivos relacionados ao
processo da morte e do morrer.
Ainda que a reflexão sobre os diferentes aspectos envolvidos no ensino da
morte seja estimulada por diversos autores, é inegável que as escolas de formação
111
em saúde ainda enfrentam dificuldades para assumir o compromisso educacional
com essa temática. Poucas oferecem disciplinas que tratem do tema da morte e,
quando o fazem, geralmente são disciplinas eletivas ou de carga horária restrita
(Viana e Picelli, 1998; Kovács, 2003; Souza e cols, 2009; Silva e Ayres, 2010;
Azeredo e cols, 2011).
Dessa forma, é possível compreender a expressão do discurso “A morte é
difícil de explicar”. Mesmo com todo o tempo de formação acadêmica e com a
experiência profissional que põe os profissionais de saúde, em especial os
intensivistas, em contato direto com questões que envolvem a morte e a vida, esse
discurso demonstra a falta de clareza a respeito do lidar com a morte, reforçando a
relevância de uma reflexão sistemática sobre o tema durante a graduação. A
necessidade de médicos e enfermeiros melhor refletirem e elaborarem atitudes
pessoais e profissionais em relação à morte é demonstrada através dos fragmentos:
“Não sei o que acontece” (DSC 6 – A morte é difícil de explicar – Médicos
residentes); “Nunca parei para pensar sobre isso” (DSC 6 – A morte é difícil de
explicar – Médicos); “Eu não sei o que falar” (DSC 6 – A morte é difícil de explicar –
Enfermeiros).
Nesta pesquisa, evidenciou-se claramente a ação de fatores sociais que
influenciam significativamente na construção das representações de médicos,
enfermeiros e médicos residentes. Por isso, entende-se que, mais do que
“conhecimentos prévios”, os intensivistas mostram, através de seus discursos, toda
uma realidade social. Faz sentido a afirmação de Moscovici (2003) ao defender que
a representação social consiste em um conjunto de explicações e afirmações
originadas no cotidiano e que contribui para a formação de condutas. Suas posturas
são sustentadas pela vivência no contexto onde acontece toda a rede de reações
estruturantes de seu trabalho cotidiano.
As representações de morte identificadas nesta pesquisa expressam o quanto
os intensivistas compartilham ideias, sentimentos e visões acerca do morrer
humano. Esses profissionais estão inseridos no mesmo espaço institucional,
vivenciam as mesmas situações cotidianas e possuem formações semelhantes, que
repercutem na construção de suas visões de morte.
A análise do conjunto de discursos expressos por cada grupo investigado
permite inferir que os discursos dos médicos, enfermeiros e médicos residentes
intensivistas acerca da morte praticamente se superpõem. As expressões
112
identificadas nos discursos desses profissionais são semelhantes ou iguais. Essa
dinâmica pode ser observada a partir de recortes dos discursos expressos pelos três
grupos investigados, que visam deixar clara a aproximação entre suas falas:
DSC 1 – A morte é um processo natural.
É um processo natural (Médicos residentes) de todo ser vivo (Médicos), uma
coisa natural (Enfermeiros).
Término de um ciclo (Médicos residentes), evento terminal (Médicos), encerra um
ciclo (Enfermeiros).
Faz parte da vida (Médicos residentes). Faz parte da vida (Médicos), faz parte da
existência (Enfermeiros).
É inevitável (Médicos residentes), as pessoas vão morrer e ponto final (Médicos).
Vai ter que acontecer de qualquer jeito (Enfermeiros).
DSC 2 – A morte é diferente, dependendo do tipo de paciente.
Depende de vários fatores (Médicos residentes). Cada caso é um caso (Médicos).
Cada caso é um caso (Enfermeiros).
Tem dois aspectos diferentes: o doente agudo e o doente crônico (Médicos). Uma
coisa é a morte repentina, inesperada (Enfermeiros). Uma morte é prevista quando o
paciente já está adoentado (Médicos residentes).
DSC 3 - A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde
É ruim, me afeta (Médicos residentes), significa perda, sofrimento (Médicos).
Momento muito desagradável, doloroso, difíci l (Enfermeiros).
Me sinto desafiado e derrotado (Médicos residentes). Uma sensação de fracasso,
de frustração em não poder e não conseguir ajudar o paciente (Médicos). Uma
decepção de você ter tentado e não conseguir chegar num objetivo (Enfermeiros)
O que eu fiz de errado? (Médicos residentes) Será que eu errei em alguma coisa?
(Médicos) Poderia ter feito algo a mais por aquele paciente? (Enfermeiros).
Me cobro (Médicos residentes), choro (Médicos), sofro (Enfermeiros).
DSC 4 – A morte causa sofrimento para as famílias
É muito triste para os familiares (Médicos residentes). Fico pensando na tristeza
dos familiares (Médicos). É muito ruim para família (Enfermeiros).
DSC 5 – A morte é a passagem da vida material para vida espiritual
113
É uma passagem (Médicos residentes), de uma vida para outra atividade
(Médicos), para outra dimensão (Enfermeiros).
DSC 6 - A morte é difícil de explicar
Não sei o que acontece (Médicos residentes), é algo que não fica muito claro
(Médicos). Eu não sei o que falar (Enfermeiros).
A marca das peculiaridades, relacionadas à morte, vividas e experimentadas,
no contexto da UTI, encontrada nas representações sociais dos intensivistas pode
ser melhor entendida se compararmos aspectos da atuação de médicos,
enfermeiros e médicos residentes intensivistas com a que ocorre em outros espaços
como enfermarias, ambulatórios e/ou consultórios, onde atuam, por exemplo, os
médicos de clínica médica investigados por Falcão e Mendonça (2009), na mesma
instituição onde foi realizada esta pesquisa. Esses autores buscaram investigar as
concepções, visões e valores de médicos da clínica médica em relação ao processo
de morrer.
Comparativamente, é possível dizer que as representações sociais de morte
dos intensivistas investigados tanto incluem discursos que se igualam àqueles dos
médicos da clínica médica, quanto revelam especificidades do exercício profissional
em uma UTI. Os pontos comuns correspondem ao sofrimento vivido diante da
inexorabilidade da morte humana, a um despreparo em lidar com questões
relacionadas à morte e ao morrer, e ao sentido natural para a morte. Todavia, mais
particularmente em relação aos intensivistas, a naturalidade apresenta-se com
conteúdos mais densos e maior adesão do grupo dos intensivistas.
Os pontos de distinção entre os grupos investigados pelas duas pesquisas
incluem a busca dos intensivistas em categorizar as situações vivenciadas na UTI.
Com a expressão do discurso “A morte é diferente dependendo do tipo de paciente”,
não expresso pelo grupo de médicos da clínica médica, fica demonstrado o esforço
dos intensivistas em pensar a morte como algo natural. Além desse ponto, no dia a
dia da UTI, emergem, rotineiramente, situações nas quais são provados os limites
das possibilidades de intervenção por parte das biotecnologias, bem como os da
atuação de médicos, de enfermeiros e de médicos residentes, tornando complexos
os sentimentos de sofrimento, apresentando inclusive outra faceta: a empatia com o
sofrimento dos familiares dos pacientes, também não expresso pelo grupo
114
investigado por Falcão e Mendonça (2009). Na tentativa de lidar com essa
complexibilidade, os intensivistas buscam sentidos religiosos e indicam a
necessidade de ajuda de profissionais de outras áreas do conhecimento para melhor
encarar as situações vivenciadas no cotidiano da UTI.
A relação das representações dos intensivistas acerca da morte com o
contexto da UTI também pode ser evidenciada claramente no grupo dos médicos
residentes. Apesar de terem menor tempo de atuação no contexto investigado, esse
grupo já apresenta as mesmas representações que os médicos e enfermeiros que
atuam há mais tempo na UTI. Mas existe uma diferença: os residentes mostram
maior adesão às ideias centrais identificadas nos discursos dos três grupos
investigados. Ao iniciar suas atividades na UTI, os médicos residentes são
confrontados pela realidade de cada morte que presenciam e são levados a tomar
consciência de sua própria finitude. Pelo pouco tempo de experiência na UTI, ainda
não fazem tantas diferenciações da morte, como também não organizam, tanto
quanto os médicos e enfermeiros intensivistas, seus sentimentos e valores, mas já
demonstram uma variedade de posicionamentos frente à morte. A certeza da
irreversibilidade começa a aparecer, ainda que gerenciada pelas biotecnologias. A
morte, para esses residentes, passa a não ser apenas o fim de um estado físico e
biológico, mas também a de um ser em relação, de um ser que interage, reforçando
a perspectiva de que a UTI mostra-se como um ambiente peculiar na construção de
representações de médicos e enfermeiros a respeito da morte.
115
5. CONCLUSÃO
Na presente pesquisa, as representações sociais de três grupos (médicos,
enfermeiros e médicos residentes) em relação à morte foram identificadas e
analisadas, considerando o fato de todos serem profissionais intensivistas. Os
resultados mostram que as suas representações trazem à tona conhecimentos
diversos, implícitos na realidade social em que se encontram esses profissionais,
revelando as múltiplas dimensões que envolvem esse fenômeno.
As representações dos intensivistas refletem as demandas de quem
testemunha e enfrenta a morte cotidianamente, fazendo emergir nos discursos
conteúdos que, inicialmente, poderiam ser interpretados como incoerências.
Entretanto, o conjunto de discursos expressos por esses profissionais revela uma
dinâmica de esforços coletivos em ordenar, categorizar ou dar sentidos a um
fenômeno incontestavelmente impactante: a morte humana. O empenho em
organizar valores, sentimentos e percepções, a partir das experiências pessoais e
profissionais, abre espaço para a diversidade de posicionamentos diante da morte.
O discurso “A morte é um processo natural” foi o de maior adesão entre os
três grupos investigados. A percepção da morte como um evento fisiológico, no qual
a ciência pode intervir, expressa o grande esforço dos intensivistas em qualificar a
morte como um evento aceitável. Essa percepção condiz com a formação desses
profissionais e com o objetivo de médicos e enfermeiros para com seus pacientes,
sobretudo os intensivistas que lidam com o forte aparato das biotecnologias: “fazer a
terapêutica correta para ter alta, ir para a enfermaria e seguir sua vida”, como o
discurso que fala de seus sentimentos parece complementar (DSC 3 – A morte é
triste e frustrante para os profissionais de saúde – Médicos). Esse discurso parece
querer dizer que este é o primeiro compromisso dos intensivistas, o da morte como
processo natural: atuar no que é mais visível, mais controlável ou onde é possível
fazer chegar os recursos biotecnológicos já conquistados. Para além disso,
encontra-se a possibilidade de cura ou a rendição ao inalcançável, o domínio
completo da morte. As representações dos intensivistas partem do discurso da
“naturalidade” da morte para desdobrar e expressar toda a dinâmica de ações
exitosas, frustrantes ou sofridas que são vividas no dia a dia da UTI.
Nesse ambiente, o cuidado direto do paciente e a visualização contínua dos
seus sinais vitais orientam as ações e a tomada de decisão de médicos, enfermeiros
116
e médicos residentes, como também podem mostrar a evolução de um quadro
clínico para a morte. Dessa forma, a morte na UTI assume, em certos casos, o
estatuto de algo já esperado, previsto. O discurso “A morte é diferente, dependendo
do tipo de paciente” demonstra que a caracterização dos casos graves, com uma
evolução esperada para a morte, relaciona-se com o perfil dos pacientes admitidos
no contexto investigado. A partir dessa padronização dos pacientes é possível, aos
intensivistas, uma categorização dos casos e das mortes por eles presenciadas,
reforçando a percepção da morte tanto como algo natural – quando é prevista e se
encaixando à ideia de finalização da vida -, quanto desencadeando sofrimento –
quando é inesperada e marcada pela ideia de interrupção abrupta ou adiantada do
percurso da vida. Esse discurso também poderia ser entendido como resultado do
esforço de preparação pessoal para assimilar o impacto da morte, no sentido de
produzir um sentido que organize os próprios sentimentos.
Na UTI, mesmo com os esforços de compreensão e aceitação da morte,
encontra-se a constatação dos limites pessoais e profissionais, que faz emergir nos
intensivistas sentimentos de sofrimentos e dúvidas relacionadas à conduta
profissional, semelhantes àqueles encontrados em médicos, enfermeiros e
estudantes investigados por outros autores (Falcão e Lino, 2004; Bellato e Carvalho,
2005; Bretãs e cols, 2006; Falcão e Mendonça, 2009; Azeredo e cols, 2011). O
discurso “A morte é triste e frustrante para os profissionais de saúde” é
compreensível frente ao confronto entre as vivências dos limites da vida na UTI e a
ideia presente nos avançados contextos médicos, acadêmicos, assistenciais e
técnico-científicos, de onipotência sobre os processos naturais e da possibilidade de
impedir a morte independente da condição clínica dos pacientes. Essa onipotência
frustrada transborda para além do espaço tecnológico da UTI e encontra
personagens adicionais que, de meros espectadores, incluem-se no cenário vivido
pelos intensivistas: eles reconhecem os familiares como pares do sofrimento.
De fato, os conflitos vividos pelos intensivistas não se restringem a eles
próprios. O discurso “A morte causa sofrimento para os familiares” mostra que esses
profissionais, a partir da empatia com as famílias dos seus pacientes, vivenciam
situações complexas, nas quais percebem a dor dos familiares e se sensibilizam
diante da desestruturação emocional e social causada pela morte de um ente
querido. Esse discurso demonstra que, ao contrário do que alguns estudos (Barnard
e Sandelowski, 2001; Bastos, 2002; Meyer, 2002; Vila e Rossi, 2002) referem, a UTI
117
não se apresenta, nesta pesquisa, como um ambiente impessoal e hostil, onde os
procedimentos técnicos prevalecem frente às relações humanas. Ao mesmo tempo
em que percebem o sofrimento dos familiares e são afetados por ele, os
intensivistas reconhecem a necessidade de posicionarem-se diante dos mesmos,
oferecendo-lhes respostas frente à morte dos pacientes, embora encontrem
dificuldades em fazê-lo.
Confirmando a dificuldade dos intensivistas em lidar com a morte, a
expressão do discurso “A morte é difícil de explicar” demonstra o que Elias (2001)
sustenta ao afirmar que, junto com a maior exclusão possível da morte da vida
social, há um desconforto peculiar sentido pelos indivíduos em situações que
envolvam a terminalidade humana. Segundo o sociólogo, os indivíduos, muitas
vezes, não sabem o que dizer, demonstrando que a gama de palavras disponíveis
para uso nas ocasiões nas quais a morte está presente é relativamente escassa. As
representações sociais dos intensivistas confirmam o padrão que a bibliografia
(Becker, 2007; Gadamer, 2006; Ariès, 2003; Elias, 2001; Morin, 1997) caracteriza
como tabu da morte, demonstrando que a experiência cotidiana, em um ambiente
onde a morte está clara e objetivamente presente, não exclui a dificuldade e o
embaraço de médicos, enfermeiros e médicos residentes em lidar com situações
que envolvam esse fenômeno.
Mediante o desconforto causado pela constatação de seus limites pessoais e
profissionais e do reconhecimento da dor dos familiares, aparece no âmbito das
representações dos intensivistas o discurso religioso. De qualquer forma, isso não é
surpreendente se consideramos pelo menos duas razões: o perfil de crenças
religiosas dos grupos pesquisados e o fato de que as religiões oferecem sentidos
para a morte. O discurso “A morte é uma passagem da vida material para a vida
espiritual” corresponde a um dos caminhos buscados entre os intensivistas ao
perceberem o esgotamento das possibilidades oferecidas pela ciência para
contornar a morte, recorrendo, deste modo, à ideia de morte como continuação da
vida. Nesse sentido e de acordo com Rodrigues (1983), a ruptura causada pela
finalização da vida é compensada, de certo modo, por um movimento contrário de
reinserção do indivíduo, de renascimento em nova vida, em um outro mundo. Nesse
contexto, as crenças religiosas dos intensivistas parecem funcionar como um fator
tranquilizante diante da recusa da morte, tornando-a um fato, de certa maneira, mais
aceitável.
118
Finalmente, foi também possível perceber a demanda clara e objetiva no
sentido de um melhor preparo dos médicos, enfermeiros e residentes para viver as
situações impactantes relacionadas ao morrer. Os discursos mostram que a
aceitação da morte é mais fácil em determinados casos, deixando transparecer as
várias situações nas quais os intensivistas não estão preparados para lidar com
esse fenômeno. As próprias categorizações de morte realizadas por esses
profissionais demonstram que os mesmos apresentam dificuldades para encarar
todas as demandas que a morte suscita. Isso fica claro quando nos seus discursos
relacionados ao sofrimento diante da morte dos seus pacientes dizem “eu não tenho
formação suficiente para lidar com essa questão da perda” (DSC 3 – A morte é triste
e frustrante para os profissionais de saúde - Médicos).
A necessidade de um maior preparo dos médicos, enfermeiros e residentes
para lidar com todas as situações relacionadas à morte em seus cotidianos
profissionais reforça os resultados encontrados em outras pesquisas relacionadas
ao tema da morte e à formação médica e de enfermagem (Falcão e Lino, 2004;
Bretãs e cols, 2006; Falcão e Mendonça, 2009; Marta e cols, 2009; Souza e cols,
2009; Silva e Ayres, 2010; Azeredo e cols, 2011). Ainda que existam diferenças
entre a UTI e os contextos investigados por esses autores, percebeu-se, na presente
pesquisa, que as dificuldades dos médicos, enfermeiros, médicos residentes e
estudantes em relação à morte são semelhantes, demonstrando que esse
embaraço, como refere Elias (2001), é uma característica do padrão dominante do
atual estágio da civilização.
Entretanto, os resultados da presente pesquisa não são apenas semelhantes
aos estudos realizados por outros autores. Eles imprimem outra qualidade ao
conjunto das pesquisas. Em primeiro lugar poder-se-ia esperar que a morte vivida
com mais frequência pudesse torná-la um evento mais aceitável entre os
profissionais. Além disso, o fato de conviver com as sofisticadas biotecnologias
poderia também trazer algum conformismo para a aceitação da morte, afinal “tudo
foi feito”. Contudo, não é o que parece acontecer. Mesmo com a maior proximidade
em relação a situações que envolvem a terminalidade humana, a perplexidade e o
sofrimento são perceptíveis no conjunto dos discursos expresso pelos intensivistas.
É possível visualizar com mais objetividade a premência de uma melhor formação de
médicos e enfermeiros para lidar com a morte, nas diversas circunstâncias em que
se encontrarão esses profissionais.
119
Nesse ponto, é quase lógico pensar no espaço da UTI, ou no contexto de
toda a dinâmica que envolve o exercício profissional, como um espaço privilegiado
para o desenvolvimento de ações de formação específica. A UTI pode ser valorizada
nesse aspecto. Pode ser também vista como um polo de irradiação de um processo
de reflexão sobre o morrer humano, a partir da especificidade encontrada neste
contexto, no qual a assistência à saúde está cercada de tecnologias avançadas para
a manutenção da vida e possivelmente, com mais realidade, testemunha-se as
possibilidades humanas de conquistar êxitos, mas também fracassos em relação
aos controles dos processos da vida humana. Nesse ambiente, a constatação dos
limites de atuação de médicos e enfermeiros, as dificuldades em lidar tanto com os
pacientes em processo de morte como com suas famílias, as angústias causadas
pela busca de explicações ou sentidos para a terminalidade humana, podem ser
matéria de sistemática reflexão coletiva entre médicos, enfermeiros, professores e
estudantes envolvidos no atendimento, favorecendo a elaboração de atitudes
pessoais e profissionais em relação à morte que poderão propalar para outros
espaços das instituições hospitalares e acadêmicas.
Sob esse ponto de vista e considerando a diversidade de posicionamentos
dos intensivistas frente à morte, pode-se dizer que os aspectos identificados nas
representações desses profissionais correspondem a conteúdos possíveis de serem
trabalhados na formação dos médicos e enfermeiros. Os discursos desse grupo
mostram conteúdos com os quais os intensivistas defrontam-se em suas vidas
pessoais e profissionais. A constatação dos seus limites, as dificuldades em lidar
tanto com os pacientes em processo de morte como com as suas famílias, as
angústias causadas pela busca de explicações ou sentidos para a terminalidade
humana podem ser discutidas entre professores e estudantes, a partir de
referenciais encontrados nas representações dos intensivistas.
A criação de espaços onde diferentes aspectos das representações da morte
e do atendimento aos pacientes e seus familiares possam ser, sistematicamente,
articulados entre professores e estudantes é importante e urgente, frente às
dificuldades encontradas por médicos e enfermeiros em seus vários contextos de
trabalho. Ainda que as modificações na formação desses profissionais acerca da
sistematização do tema da morte pareçam um empreendimento difícil, as
representações dos intensivistas reforçam a necessidade de mudanças no modo de
120
lidar com o sofrimento vivido por médicos e enfermeiros em seus cotidianos de
trabalho.
121
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. Educação Médica e Saúde: Possibilidades de Mudança. Rio de
Janeiro: EDUEL, 1999.
AMIB. Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Disponível em <www.amib.com.br>. Acesso em 16/09/2009.
ARIÉS, P. História da morte no Ocidente. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003.
ARIÉS, P. O homem diante da morte. Rio de Janeiro: Francisco Alves, v. 2, 1977.
AZEREDO, N. S. G.; ROCHA, C. F.; CARVALHO, P. R. A. O enfrentamento da morte e do morrer na formação de acadêmicos de Medicina. Revista Brasileira de
Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 35, n. 1, 37-43, jan/mar. 2011.
BASTOS, L. A. M.; PROENÇA, M. A. A prática anatômica e a formação médica. Revista Panamericana de La Salud Publica, Washington, v. 7, n. 6, p. 395-402.
2000.
BATISTA, N. e cols. O enfoque problematizador na formação de profissionais de Saúde. Revista Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 147-61. 2005.
BECKER, E. A. Negação da morte. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976.
BELLATO, R. E CARVALHO, E. C. O jogo existencial e a ritualização da morte. Revista Latino-americana de Enfermagem, São Paulo, v.13, n. 1, p. 99-104, jan/fev.
2005.
BERGER, P. L. The Desecularizaton of the World; Resurgent Religion and World Politics. Washington, DC: Ethic and Politics, 1999.
BERGER, P.; LUCKMANN, T. A Construção social da realidade. Petrópolis: Vozes,
1985.
BERNIERI, J. E HIRDES, A. O preparo dos acadêmicos de enfermagem brasileiros para vivenciarem o processo morte-morrer. Revista Texto e Contexto em
Enfermagem, Florianópolis, v. 16, n. 1, p. 89-96, jan/mar. 2007.
122
BLANK, D. A. propósito de cenários e atores: de que peça estamos falando? Uma
luz diferente sobre o cenário da prática dos médicos em formação. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. 27-31. 2003.
BOEMER, M. R. A morte e o morrer. São Paulo: Cortez, 1986.
BOEMER, M. R. e cols. A idéia de morte em unidade de terapia intensiva - Análise de depoimentos (Análise de depoimentos de pessoal de enfermagem). Em: Cassorla, R. M. S. (coord.) Da morte - Estudos brasileiros. Campinas: Papirus, 1992.
BONET, O. Saber e sentir: Uma etnografia da aprendizagem da biomedicina. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2004.
BRASIL. Ministério da Educação. Parecer CNE/CES n° 1133 de 07 de agosto de
2001. Diretrizes curriculares nacionais dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e nutrição. Brasília, 2001.
____________________________. Lei n° 10861, de 14 de abril de 2004. Institui o
Sistema Nacional de Avaliação da Educação do Ensino Superior (SINAES) e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. VIII Conferência Nacional de Saúde. Brasília, 1986.
____________________________. Portaria GM/MS n° 1884 de 11 de novembro de
1994. Normas para projetos físicos das unidades de saúde. Brasília, 1994.
_____________________________. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196/96. Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos. Brasília, 1996.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação Geral da Política de Recursos Humanos. Programa de Incentivo às Mudanças Curriculares para as Escolas Médicas (PROMED): uma nova escola médica para um novo
sistema de saúde. Brasília, 2002.
BRASIL. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. A aderência dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e odontologia às diretrizes curriculares
nacionais. Brasília, 2006.
123
BRETÃS, J. R. S. e cols. Reflexões de estudantes de enfermagem sobre morte e o
morrer. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 40, n. 4, dezembro. 2006.
BRUCE, S. Religion in Modern Britain. Great Britain: Oxford University Press, 1995.
BUCHMAN, T. G. e cols. Undergraduate education in critical care medicine. Critical Care Medical, Baltimore, v. 20, n. 11, p. 1595-1603, novembro. 1992.
CAPRARA, A.; FRANCO, A. L. S. A relação paciente-médico: para uma
humanização da prática médica. Caderno de Saúde Pública. Rio de Janeiro. v. 15, n. 3, p. 647-54, jul/set. 1999.
CLEMENTE, R. P. D.; SANTOS, E. H. A não-ressuscitação, do ponto de vista da
enfermagem, em uma unidade de cuidados paliativos oncológicos. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 53, n. 2, p. 231-236, abr/jun. 2007.
COELHO, E. A. C. Enfermeiras que cuidam de mulheres: conhecendo a prática sob
o olhar do gênero. São Paulo, 2001. 147 f. Tese (Doutorado). Escola de Enfermagem – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.
COÊLHO, B. M e cols. Residência em psiquiatria no Brasil: análise crítica. Revista
de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, v. 27, n. 1, p. 13-22, jan/abri. 2005.
COMBINATO, D. S.; QUEIROZ, M. S. Um estudo sobre a morte: uma análise a partir
do método explicativo de Vigotski. Revista ciência e saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.16, n.9, p. 3893-3900, setembro, 2011.
DURKHEIM, E. Representações individuais e coletivas. In: Sociologia e Filosofia (E.
Durkheim), Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1970.
ELIAS, N. A Solidão dos Moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
ESSLINGER, I. De quem é a vida, afinal? São Paulo: Casa do Psicólogo; 2004.
FALCÃO, E. B. M.; LINO, G. G. S. P. O paciente morre: eis a questão. Revista
Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 28, n. 2, p. 364-373, mai/ago. 2004.
124
FALCÃO, E. B. M.; MENDONÇA, S. B. Formação médica, ciência e atendimento ao
paciente que morre: uma herança em questão. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 33, n. 3, p. 364-373, mês. 2009.
FEUERWERKER, L. C. M. Além do discurso da mudança na educação médica:
processos e resultados. São Paulo: Hucitec, 2002.
________________________Educação dos profissionais de saúde hoje: problemas, desafios, perspectivas, e as propostas do Ministério da Saúde. Revista ABENO. Rio
de Janeiro, v. 3, n. 1, p. 24-7, jan/abr. 2003.
FRANCO, G. R. A. Unidade de Terapia Intensiva: Um estudo sobre a comunicação
entre profissionais e pacientes. 1999. Nº de fls. (Tese de Doutorado). Escola
Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 1999.
FREITAS, D. M. V.; FÁVERO, N.; SCATENA, M. C. M. O ensino de graduação na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo: suas prospectivas. Revista Latino Americana Enfermagem. Ribeirão Preto, v. 1, n. esp, p.
25-34. 1993.
FREITAS, A. P. P. A morte ainda excluída do ensino médico? 2005. 105 f. Dissertação (Mestrado em Tecnologia Educacional nas Ciências da Saúde) – Núcleo
de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.
GADAMER, H. O caráter oculto da saúde. Petrópolis: Vozes, 2006.
GANZ, F. D et al. The impact of regional culture on intensive care end of life decision
making: an Israeli perspective from the ETHICUS study. Journal Medical Ethics, Incluir cidade, v. 32, p. 196-199. 2006.
GEERTZ, C. O saber local. Petrópolis: Vozes, 1998.
GOMES, A. M. Enfermagem na unidade de terapia intensiva. 2. ed. São Paulo: EPU, 1988.
GUANAES, A.; FILGUEIRAS, N. Ergonomia na Unidade de Cuidados Intensivos. In:
Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Humanização em Cuidados Intensivos. Rio de Janeiro: Revinter, 2004.
125
HUDAK, C. M.; GALLO, B. M. Cuidados Intensivos de Enfermagem: uma abordagem
holística. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007.
JAPIASSÚ, A. Crise na carreira de intensivista. Disponível em <www.artigoscomentados.blogspot.com> Acesso em 25/09/2010.
JODELET, Denise (org). As representações Sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001.
KOIFMAN, L. O modelo biomédico e a reformulação do currículo médico da Universidade Federal Fluminense. História de Ciências em Saúde - Manguinhos. Rio
de Janeiro, v. 8, n. 1, p. 48-70, 2001.
KOVÁCS, M. J. Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
KOVÁCS, M. J. Educação à morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
LAMPERT, J. B. Tendência de Mudanças na Formação Médica no Brasil: tipologia
das escolas. São Paulo: Hucitec, 2002.
LAUTERT, I. O desgaste profissional do enfermeiro. Tese (Doutorado). Faculdade de Psicologia Universidade Pontifícia de Salamanca. Espanha,1995.
LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O Discurso do Sujeito Coletivo. Caxias do Sul, EDUCS, 2001.
LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O Discurso do Sujeito Coletivo. Uma nova opção
em pesquisa qualitativa (Desdobramentos). Caxias do sul: EDUCS, 2005.
LIMA, J. H. V. Trabalhador de enfermagem: de anjo branco a profissional. 1998. 409 f. Tese (Doutorado em Administração) – Escola de Administração de Empresas de
São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 1998.
LIMA, M. G. Assistência prestada pelo enfermeiro em unidade de terapia intensiva: aspectos afetivos e relacionais. Ribeirão Preto, 1993. 129p. Dissertação (Mestrado) -
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
126
LIMA, V.; BUYS, R. Educação para a morte na formação de profissionais de Saúde.
Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v. 60, n. 3, p. 52-63, 2008.
LOCK, M. Twice dead: organs transplants and the reinvention of death. Berkeley: University of California Press, 2001.
MANZINI, E. J. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista semi-estruturada. In: MARQUEZINE: M. C.; ALMEIDA, M. A.; OMOTE; S. (Orgs.) Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, 2003. p. 11-25.
MARTINS, L. A. N. Residência médica: um estudo prospectivo sobre dificuldades na tarefa assistencial e fontes de estresse. 1994. Tese (Doutorado) - Escola Paulista de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994.
MATTA, G. C.; LIMA, J. C. F. Estado, sociedade e formação profissional em saúde: contradições e desafios em 20 anos de SUS. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
MATTOS, R. (org) Trabalho em equipe sob o eixo da integralidade: valores, saberes
e práticas. Rio de Janeiro: IMS/ UERJ, Cepesc, Abrasco, 2007.
MENDONÇA, S. B. Morte: representações sociais de médicos docentes no contexto de um hospital universitário. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro,
2008. 183 f. Dissertação (Mestrado em Educação em ciências e Saúde). Núcleo de Tecnologia Educacional para Saúde – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008.
MENEZES, R. A. Difíceis decisões: etnografia de um Centro de Tratamento Intensivo. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2000.
MENEZES, R. A. Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos. Rio
de Janeiro: Garamond, 2004.
MORAIS, R. Homem e morte: visão antropológico-filosófica e senso comum. Em V. L., Rezende (Org.), Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem interdisciplinar do
paciente terminal. p.95-104. Campinas: Unicamp, 2000.
MORIN, E. O homem e a morte. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
127
MORITZ, R. D; MORITZ, S. C. The knowledge and acceptance of death and dying
by medical and nursing students in a public university in Brazil. In: Proceedings of the Eighty World Congress of Intensive and Critical Care Medicine, Sidney, oct/nov.
2001.
MORITZ, R. D. Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas situações de terminalidade na Unidade de Terapia Intensiva. Revista Brasileira de Terapia
Intensiva, São Paulo, v. 19, n. 4, p. 485-489, out/dez. 2007.
MOSCOVICI, S. La psychanalyse, son image et son public: etude sur la representation sociale de la psychanalyse. Paris: Presses Universitaires de France,
1961.
______________. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2003.
NOGUEIRA, R. P. Dinâmica do mercado de trabalho em saúde 1970-1983. Brasília:
OPAS,1986.
NORONHA, F. G. e cols. A Formação médica e integração de atividades docentes e assistenciais. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 29, n. 3, p. 215-20, 1995.
NOVACZ, F. R.; SOUZA, R. P. “Fatores estressores em UTI”. In: Associação de Medicina Intensiva Brasileira. Humanização em Cuidados Intensivos. Rio de Janeiro: Revinter, 2004.
OLIVEIRA, E. C. N. O Psicólogo na UTI: Reflexões sobre a saúde, vida e morte nossa de cada dia. Rio de Janeiro, 2002.
PALÚ, L. A.; LABRONICI, L. M. A morte no cotidiano dos profissionais de
enfermagem de uma unidade de terapia intensiva. Cogitare Enfermagem, Paraná, v. 9, n. 1, p. 56-79. 2004.
PERAZZO, S. O médico e a morte. In: Perazzo, S. Descansem em paz os nossos
mortos dentro de mim. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.
PERDICARIS, A. A. M. A semiótica da morte e do morrer: um desafio à comunicação institucional. In Rezende, V. L. (org). Reflexões sobre a vida e a morte: abordagem
interdisciplinar do paciente terminal. Campinas: Editora da UNICAMP, 2000. Cap 8, p.107-17.
128
PIANCASTELLI. C. H. Saúde da Família e formação de profissionais de saúde.
Ministério da Saúde/IMIPI, A Educação Profissional em Saúde e a Realidade Social. Organizador: Bertoldo Kruse Grande de Arruda. Recife: Instituto Materno Infantil de
Pernambuco. 2001.
PIERANTONI, C. R.; MACHADO, M. H. Professiones de salud: una formación cuestionada. Educación Médica y Salud, OPS, v. 28, n 2, p. 199-210. 1994.
PIERANTONI, C. R.; RIBEIRO, E. C. A importância do processo de educação
permanente na formação do médico: o docente como inovador/mediador/ indutor de Condições de Auto-aprendizagem. In: KRUSE, B. Educação Médica: da Retórica à
Realidade, 2001.
PINHO, L. B. e cols. Análise do processo de trabalho da enfermagem na unidade de terapia intensiva. Texto contexto em enfermagem. Florianópolis, v.16, n.4, p. 703-11,
out/dez. 2007.
PINTO, J. B. T.; PEPE, A. M. Nursing education: contradictions and challenges of pedagogical practice. Revista Latino Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v.
15, n.1, p. 120-6, p. jan/fev. 2007.
PIRES, D. Hegemonia médica na saúde e na enfermagem: Brasil de 1500 a 1930. São Paulo: Cortez, 1989.
PITTA, A. Hospital: Dor e Morte como Ofício. São Paulo: Hucitec; 1994.
PONTES, A. L. e cols. Saber e prática docente na transformação do ensino médico. Revista Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 2, p. 66-75, 2006.
REGO, S.; PALÁCIOS, M. A finitude humana e a saúde pública. In: Caderno de
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 8, p. 1755-1760, agosto. 2006.
RODRIGUES, J. C. O tabu da morte. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.
SANTOS, F. S. A Arte de Morrer - Visões Plurais. V. 2. Bragança Paulista:
Comenius, 2006.
SCHERER, Z. A. P.; SCHERER, E. A. Reflections on nursing teaching in the post-modernity era and the metaphor of a theory-practice gap. Revista Latino Americana
de Enfermagem. Ribeirão Preto, v. 15, n. 3, p. 498-501, junho. 2007.
129
SCHRAIBER, L. B. Desafios atuais da integralidade em saúde. Jornal Rede Saúde, Rio de Janeiro, v.17, p. 17-9, mai. 1999.
SHIMIZU, H. E; CIAMPONE, M. H. T. As representações sociais dos trabalhadores
de enfermagem não enfermeiros (técnicos e auxiliares de enfermagem) sobre o trabalho em Unidade Intensiva em um hospital-escola. Revista da Escola de
Enfermagem da USP, São Paulo, v. 36, n. 2, p. 148-55. 2002.
________________________________. Sofrimento e prazer no trabalho vivenciado pelas enfermeiras que trabalham em unidades de terapia intensiva em um hospital
escola. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 33, p. 95-106. 1999.3:9
SILVA, S. F. Relacionamento médico-enfermeiro: o caso do Hospital Universitário da
UFAL. 1998. 193 f. Dissertação (Mestrado em Administração) Departamento de Administração e Contabilidade – Universidade Federal de Fortaleza, Ceará, 1998.
SILVA, A. L.; CAMILLO, S. O. A educação em enfermagem à luz do paradigma da
complexidade. Revista da Escola de Enfermagem da USP. São Paulo, v. 41, n. 3, p. 403-410. 2007.
SILVA, G. S. N.; AYRES, J. R. C. M. O encontro com a morte: à procura do mestre
Quíron na formação médica. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v.34, n. 4, out/dez. 2010.
SOUZA, D. M. e cols. Vivência da enfermeira no processo de morte e morrer dos
pacientes oncológicos. Revista Texto e Contexto em Enfermagem, Florianópolis, v. 18, n. 1, p. 41-7, jan/mar. 2009.
SROUR, R. H. Poder, cultura e ética nas organizações. 2ed. Rio de Janeiro:
Campus, 1998.
TAKAHASHI, E. I. U. As fontes de estresse emocional que afetam a enfermeira na assistência à criança grave. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo,
v.19, n.1, p. 5-20. 1985.
TORRES, W. C. e cols. Algumas contribuições à pesquisa sobre a morte - Psicologia social institucional: Atitudes com relação à morte em estudantes de saúde,
psicologia e teologia. Campinas: Papirus, 2003.
130
TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987.
VAITSMAN, J. Saúde, cultura e necessidades. In: FLEURY, S. (org). Saúde:
Coletiva? Questionando a onipotência do Social. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1992. p.157-173.
VIANA, A.; PICELLI, H. O estudante, o médico e o professor de medicina perante à
morte e o paciente terminal. Revista Brasileira de Educação Médica. Rio de Janeiro, v. 44, n. 1, p. 21-7. 1998.
ZAIDHAFT, S. A morte e a formação médica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1999.
ZIEGLER, J. Les vivants et la mort. Paris: Seuil, 1975.
131
APÊNDICE
132
Apêndice 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado a participar da pesquisa intitulada
“Representações sociais de médicos e enfermeiros acerca da morte: implicações
para o atendimento do paciente com risco de vida.” Este estudo busca: 1) Identificar
as representações sociais de morte construídas por médicos, enfermeiros e médicos
residentes intensivistas; 2) Caracterizar a dinâmica de trabalho de médicos,
enfermeiros e médicos residentes intensivistas durante o atendimento ao paciente
com risco de vida; 3) Investigar possíveis relações entre as representações sociais
de morte construídas por médicos, enfermeiros e médicos residentes intensivistas e
o contexto da UTI; 4) Apontar possíveis contribuições educacionais, trazidas pela
vivência de médicos, enfermeiros e médicos residentes na UTI, para a formação
desses profissionais no preparo para lidar com a morte. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa, com a Teoria das Representações Sociais como base teórica. Essa
teoria estuda a forma como as pessoas se comunicam e se relacionam em seu dia a
dia. O estudo será realizado nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), ou seja, na
Unidade de Terapia Intensiva (UTI Geral), na Unidade Coronariana (UC) e na
Unidade de Pós-Operatório de Cirurgia Cardíaca (UPO) do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho/UFRJ. Os sujeitos da pesquisa serão médicos e enfermeiros
que atuam nestes setores, nos diferentes turnos de trabalho e que concordarem em
participar do estudo. Serão realizadas entrevistas semiestruturadas relacionadas ao
tema abordado nos objetivos desta pesquisa, as quais serão gravadas e
posteriormente transcritas na íntegra. A entrevista semiestruturada baseia-se tanto
em perguntas principais, com alternativas definidas, como em outras, mais
espontâneas, que podem surgir no momento da entrevista. Também será realizada
observação no cenário onde trabalha o grupo estudado, durante três meses, e duas
vezes por semana, com vistas a captar a dinâmica do trabalho e o cotidiano de
trabalho na UTI. É garantida a liberdade de não participação nesta pesquisa por
parte dos sujeitos da pesquisa. Assim como a solicitação, por parte desses sujeitos,
da retirada de seu consentimento, em qualquer momento de sua evolução, sem
qualquer tipo de prejuízo para os mesmos. Assumo o compromisso de publicar os
resultados finais dessa pesquisa, seguindo as normas científicas que resguardam o
anonimato pleno de seus participantes. E me coloco à disposição de todos os
133
sujeitos participantes desta pesquisa para quaisquer novos esclarecimentos que se
façam necessários, em qualquer momento da realização desta pesquisa, através
dos seguintes contatos pessoais com a pesquisadora responsável por esse projeto:
Luana Ferreira de Almeida – Enfermeira e aluna doutoranda do NUTES/UFRJ:
[email protected], (021) 7833-3570, (021) 9525-1219, (021) 2447-5465, ou
através de contato com a minha orientadora: a Profa Drª Eliane Brígida Morais
Falcão, Coordenadora do Laboratório de Estudos da Ciência no NUTES/UFRJ. SE
você tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em
contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) – Sala 01D - 46ª – 1º andar,
telefone: 2562-2480 – e-mail: [email protected]. A participação dos sujeitos nesta
pesquisa deverá acontecer por livre e espontânea vontade. Vale ressaltar que não
há despesas pessoais para o participante em qualquer fase do estudo, bem como
compensação financeira relacionada à sua participação.
Consentimento Informado
Eu, _____________________________________, acredito ter sido
adequadamente informado(a), e esclarecido(a) a respeito desta pesquisa. Eu discuti
com a pesquisadora responsável: Luana Ferreira de Almeida – Enfermeira e aluna
doutoranda do NUTES/UFRJ, sobre todos os aspectos da pesquisa e sobre minha
decisão espontânea em participar da mesma. Ficam claros para mim os objetivos da
pesquisa, os procedimentos metodológicos a serem realizados, a garantia de
anonimato das informações registradas, a possibilidade de acesso aos resultados
desta pesquisa, de esclarecimentos permanentes e o de retirada desse
consentimento, em qualquer momento do desenvolvimento dessa pesquisa, sem
nenhum tipo de ônus para minha pessoa. Assim, concordo voluntariamente em
participar dessa pesquisa.
Rio de Janeiro, _________ de _______________________ de 20 ___.
___________________________ ___________________________
Nome do entrevistado Assinatura do entrevistado
_____________________________ _____________________________
Nome do entrevistador/pesquisador Assinatura do entrevistador/pesquisado
134