SAÚDE MENTAL SAÚDE MENTAL SAINT-CLAIR BAHLS IVETE C. FERRAZ.
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INOVAÇÕES NA GESTÃO EM SAÚDE MENTAL:
Um Estudo de Caso sobre o CAPS na Cidade do Rio de
Janeiro
RITA DE CÁSSIA PAIVA RIETRA
Dissertação apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação
Oswaldo Cruz, para obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde
Pública.
Orientador: Nilson do Rosário Costa
Rio de Janeiro
1999
AGRADECIMENTOS
À minha família, que sempre esteve presente em todos os momentos da minha
formação.
Aos professores da Residência e do Mestrado, que contribuíram de forma
decisiva para o meu crescimento profissional, especialmente ao professor Paulo
Amarante, pelo aprendizado, pelas oportunidades e pela amizade.
À CAPES pelo apoio financeiro que possibilitou a realização do mestrado.
Aos professores José Mendes Ribeiro, Otávio Cruz Neto e Paulo Amarante pelas
contribuições dadas no exame de qualificação do projeto.
À todos os amigos que conheci neste período, especialmente ao Ricardo,
Durvalina, Eliane, Zélia e Cíntia, e à Edna e Mônica pelo carinho com que sempre me
ajudaram.
A Hugo Fagundes, Madalena Libério e Andréa da Luz Carvalho, da GSM, e aos
profissionais do IFB, principalmente à Neli Almeida, pela generosidade com que
concederam as entrevistas e documentos, indispensáveis para a realização deste
trabalho.
A todos os profissionais, familiares e pacientes do CAPS Campo Grande, pelo
carinho com que me receberam e pela disponibilidade em dividir seu dia a dia.
Especialmente à Regina e Verônica, que permitiram minha participação no Grupo de
Família, e à amiga Patrícia, pelas longas conversas.
Aos meus amigos, especialmente à Simone, Pascoal e Flávia, que tornaram este
momento muito menos solitário.
Ao querido professor Nilson do Rosário Costa, pelo carinho e dedicação com
que orientou este trabalho e pelo apoio e incentivo a outras conquistas profissionais.
Sim-Toma!
Os saberes científicos
nada sabem
sobre o sacrifício
que o sofrimento implica.
A distância ele diagnostica:
- É loucura!
E aí se inicia
o ritual de imolação no hospício.
Ricardo Aquino
RESUMO
A Secretaria Municipal de Saúde, que sempre esteve afastada da assistência em
saúde mental na cidade, iniciou, em 1996, a construção de uma rede de Centros de
Atenção Psicossocial (CAPS), com o objetivo de inverter o modelo manicomial
hegemônico. Para isso, estabeleceu parcerias com a Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social e com Organizações Não Governamentais: a Fundação Lar São
Francisco de Paula e o Instituto Franco Basaglia (IFB).
O objetivo deste trabalho é estudar o convênio entre a SMS e uma das ONG’s, o
IFB, procurando identificar seus objetivos, vantagens, mecanismos de controle e seus
resultados na assistência .
Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com a gerência de saúde mental
da SMS e a coordenadora do IFB e a análise dos documentos, artigos e fontes
secundárias. Com relação a assistência prestada, foram realizadas entrevistas semi-
estruturadas com 3 profissionais do CAPS, 8 familiares de pacientes, além de um
período de observação participante em um dos CAPS.
A partir do estudo é possível afirmar que os serviços vêm apresentando uma
assistência de qualidade, baseada nas propostas da Reforma Psiquiátrica e nos princípios
do SUS. Entre os fatores que mais contribuem para os resultados estão o empenho de
todos os profissionais do CAPS, da Gerência de Saúde Mental e do IFB e a participação
dos familiares, que aceitaram a proposta de tratamento, mantendo os pacientes em casa
e colaborando com o serviço.
O estabelecimento de parcerias foi a alternativa encontrada, dentro do modelo de
administração direta, para flexibilizar a gestão de recursos humanos, no entanto, quanto
a sustentação do modelo de gestão por parcerias, a ausência de licitação ou de outro
mecanismo que validasse a escolha da ONG traz questões sobre a legitimidade do
processo. Além disso, a responsabilização da gestão está sendo dificultada pela ausência
de cláusulas mais claras, que seriam garantidas por um contrato de gestão.
Palavras Chaves: Reforma Psiquiátrica; Gestão; Serviços de Saúde Mental; Gestão de
Recursos Humanos; Organizações Não Governamentais.
ABSTRACT
The Municipal Secretary of Health (MSH) which did not care for the mental
health of the people of Rio de Janeiro, started to organize, in 1996, a net of
Psychosocial Attention Centers (PSAC) with the purpose to reverse the hegemonic
asylum model. To reach this objective, partnerships where established with the
Municipal Secretary of Social Development and with Non-Governmental Organizations
as House São Francisco de Paula Foundation, and the Franco Basaglia Institute (IFB).
The purpose of this work is the study of the agreement between a MSH and one
of the NGO’s, - IFB, trying to identify theirs objectives, advantages, control
mechanisms, and the results of the assistance work.
Interviews were performed with the mental health management – SMS, and the
IFB coordinator, followed by analysis of documents, articles and others sources of
informations. About the performed assistance interviews were performed with PSAC
professionals and relatives of the patients, including a period of participant observation
in PSAC of Campo Grande, Rio de Janeiro.
From this study, we conclude that the services show a good quality assistance,
based in the proposals of the Psychiatric Reform and the SUS principles. Among the
factors which contribute for the good results are the efforts of professionals of PSAC,
Mental Health management, and IFB, with the help of relatives which accepted the
proposals of treatment, in collaboration with the service.
The establishment of partnership was decided, within the model of direct
administration, to become applicable the management of human resources. Meantime,
the non existence of bidding, or other process to validate the selection of the NGO’s
threatens the continuity of the model of partnership management. Moreover, the
accountability of management becomes difficult due to the absence of clear clauses,
which could be avoided with a management contract.
Key Words: Psychiatric Reform; Management; Mental Health Services; Management of
Human Resources; Nongovernmental Organizations.
SUMÁRIO
Apresentação ....................................................................................................................1
I ) Introdução ....................................................................................................................7
I . 1) As Inovações no Setor Saúde ...................................................................................7
I . 2) A Reforma do Estado..............................................................................................15
I . 3) A Agenda da Reforma do Estado e o Setor Saúde..................................................21
As Inovações Voltadas para Mudanças nas Modalidades de Gestão.............................26
As Inovações Voltadas para a Mudança no Modelo Assistencial..................................27
As Inovações no Subsetor Saúde Mental: a Reforma Psiquiátrica..................................31
II) A Construção de uma Rede de Centros de Atenção Psicossocial..............................46
II. 1 ) A Assistência Em Saúde Mental No Município Do Rio De Janeiro.....................46
II. 2 ) Os Centros de Atenção Psicossocial..................................................................... 60
II. 3 ) A Assistência em Saúde Mental na Zona Oeste....................................................64
II. 4) A Opção pela Parceria com uma Organização Não Governamental.....................65
II. 5 ) Uma Outra Forma de Administração....................................................................66
III ) O CAPS Pedro Pellegrino........................................................................................80
Os Profissionais...................................................................................................93
Convivendo com os Pacientes: as Famílias e a opção por não
internar.................................................................................................................97
IV ) Considerações Finais:............................................................................................111
Bibliografia...................................................................................................................119
ANEXOS
ANEXO 1 - Convênio para Cooperação Técnica e Científica entre a Secretaria
Municipal de Saúde e o Instituto Franco Basaglia para Implantação de CAPS – Saúde
Mental – em Santa Cruz e Campo Grande.
Centro de Atenção Psicossocial de Santa Cruz: Proposta de Convênio
apresentada à Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
ANEXO 2 - Indicadores dos CAPS’s, outubro de 1998. GSM/SMS.
ANEXO 3 - Roteiro de Entrevistas
ANEXO 1
ANEXO 2
ANEXO 3
ROTEIRO DE ENTREVISTAS
ENTREVISTA COM A GERÊNCIA DE SAÚDE MENTAL:
- Qual a política de Saúde do Município (quanto a questão da flexibilização da
gestão)?
- O que determinou a escolha por Irajá, Campo Grande e Santa Cruz, para os
primeiros CAPS?
- Por que os CAPS estão subordinados aos Centros Municipais de Saúde?
- Por que a equipe é mista?
- Por que a escolha pelo convênio?
- Como é feita a responsabilização da gestão?
- Qual o impacto destes serviços no orçamento?
- É feita alguma pesquisa de satisfação do usuário?
- Como é a relação com o grupo de pressão dos familiares (AFDM)?
ENTREVISTA COM COORDENADORA DE PROGRAMAS DO IFB
- Como surgiu o IFB e qual sua proposta de trabalho?
- Como foi o contato entre IFB E SMS?
- Quais foram os termos do convênio e quais as atribuições do IFB?
- O IFB apresenta algum mecanismo de avaliação do trabalho (produzem
indicadores)?
- Qual o impacto da criação dos CAPS na rede de assistência em saúde mental?
- Como foi feito o recrutamento e a seleção do pessoal? Quais os critérios para a
admissão?
- Os profissionais são celetistas?
- Quais os problemas da diferença contratual da equipe (salário, direitos, insegurança
do trabalho)?
ENTREVISTA COM COORDENADORA DO CAPS
- Qual a proposta do CAPS?
- Qual a clientela atendida (diagnóstico, classe social) e como é feita a triagem?
- Qual o encaminhamento para os pacientes não aceitos?
- Qual o número de vagas/
- Quando não há vagas, qual o procedimento?
- De onde são encaminhados os pacientes?
- Quais são as ofertas terapêuticas?
- Como são os contratos terapêuticos?
- Qual o procedimento do serviço nos casos de internação?
- Há acompanhamento dos abandonos e das faltas?
- Em que casos são feitas as visitas domiciliares?
- Quais são os profissionais?
- Qual a diferença com relação ao salário, carga horária e benefícios entre os
profissionais da SMS e do IFB?
- Quais os problemas e vantagens do convênio percebidos na assistência?
- Como é a relação com os familiares?
- Como é a relação com o Conselho Distrital?
- Como é a relação com outros serviços da área?
ENTREVISTA COM OS FAMILIARES
- Como tomou conhecimento do CAPS?
- O que acha do trabalho do CAPS?
- História do paciente?
- Como é o relacionamento em casa?
- O que acha do grupo?
- Por que internar ou não internar?
1
APRESENTAÇÃO:
Meu interesse pela área de saúde pública surgiu durante os estágios
extracurriculares, na graduação em psicologia. No estágio na Colônia Juliano Moreira,
como Auxiliar Psiquiátrica do Núcleo Franco da Rocha, estabeleci meu primeiro
contato com o manicômio e com os chamados “doentes mentais”. Trabalhando
diariamente com os pacientes, era impossível ficar imune ao sofrimento daquelas
pessoas jogadas em pavilhões imundos, convivendo com ratos, marimbondos, urubus e
goteiras, submetidas à normatização de uma instituição produtora de cronificação. Esta
experiência mostrou que o hospital psiquiátrico era uma forma de isolar da sociedade os
seus diferentes e não um local de tratamento para as pessoas com sofrimento psíquico.
A angústia e o sentimento de impotência se confrontavam, o tempo todo, com a
convicção de que aquela realidade precisava ser transformada.
Como alternativa à cronicidade das internações, apontava-se o atendimento
ambulatorial e, dessa forma, no estágio no Centro Psiquiátrico Pedro II, procurei
conhecer este outro tipo de tratamento, optando pelo Ambulatório Central de Adultos.
No entanto, a dificuldade para agendamentos e as longas filas de espera, o grande
intervalo entre as consultas, que duravam cerca de cinco minutos, a predominância das
consultas psiquiátricas e a ausência de um trabalho multiprofissional, revelavam que a
suposta alternativa ainda estava muito distante de responder às necessidades dos
pacientes.
Como Acadêmica Bolsista da Secretaria Municipal de Saúde, realizada num
Centro Municipal de Saúde, pude entrar em contato com um outro tipo de serviço de
saúde. Por acreditar que aquele espaço oferecia muitas possibilidades de trabalho e
reflexão, procurei não ficar restrita aos atendimentos psicoterápicos. Busquei
interlocução com outros profissionais, o que enriqueceu as reflexões acerca da
assistência prestada. A participação em alguns Programas, como o Programa de Saúde
do Escolar e o Programa de Planejamento Familiar, chamou minha atenção para as
dificuldades dos programas verticais, que, embora digam respeito a problemas
significativos, não consideram a especificidade das demandas locais e apresentam
normas muito rígidas, que muitas vezes, levam ao abandono dos usuários. Além disso,
formulários e prontuários preenchidos burocraticamente pelos profissionais eram
2
abandonados, desprezando-se, assim, importantes dados sobre a clientela, que poderiam
orientar o planejamento das atividades de assistência.
Estas experiências mostraram os mecanismos de medicalização e/ou
psicologização de problemas sociais e que os saberes psi não davam conta das questões
que surgiam, sendo fundamental uma compreensão do grupo social que buscava
assistência e suas condições de vida. Mostraram, também, a necessidade de recorrer a
estudos sobre instituições, ciências sociais, antropologia e políticas públicas. Com esse
objetivo, realizei o curso de Especialização em Psiquiatria Social e o curso de
Residência em Saúde Pública, ambos na ENSP/FIOCRUZ. A paixão pelas questões
discutidas nesta trajetória e o interesse pela área acadêmica e de pesquisa me levaram ao
mestrado na mesma instituição.
O curso de Especialização em Psiquiatria Social proporcionou maior
fundamentação teórica para a compreensão da construção da loucura como doença
mental, da psiquiatria como especialidade médica e do hospital psiquiátrico como
instituição terapêutica, permitindo pensar, a partir daí, na desconstrução das formas
manicomiais de lidar com a loucura. O contato com as idéias de Basaglia ratificaram
antigas convicções de que é necessário uma transformação da sociedade para que o
manicômio não seja percebido como tão necessário como ainda é atualmente.
No primeiro ano da Residência em Saúde Pública predominaram os cursos
teóricos ligados a área de Saúde Coletiva, que mostraram a complexidade do campo da
saúde e a necessidade de uma abordagem transdisciplinar. No segundo ano, que prevê a
inserção numa experiência técnico-científica, escolhi o Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Saúde Mental, onde pude estudar, mais detalhadamente, o Processo de
Reforma Psiquiátrica, atuando como monitora da disciplina Determinantes Históricos e
Ideológicos das Técnicas de Intervenção em Saúde Mental e participando das
discussões dos projetos em andamento no LAPS. A pesquisa realizada durante este ano
estava inserida num projeto sobre os novos serviços de saúde mental construídos no
Brasil, suas matrizes discursivas e práticas. Neste sentido, optei pelo estudo do
Hospital-Dia do Centro Psiquiátrico Pedro II. O objetivo era levantar a história da
construção deste novo serviço e procurar identificar, no seu dia a dia, em que medida se
diferenciava dos serviços tradicionais, os conceitos que lhe serviam de referência e as
relações entre pacientes e profissionais.
3
Os estudos desenvolvidos neste percurso chamaram minha atenção para o caráter
limitado das mudanças que vinham ocorrendo na assistência em saúde mental no
município do Rio de Janeiro, enquanto experiências significativas vinham ocorrendo em
todo o país. Os novos serviços eram construídos dentro dos hospitais federais e
universitários, por iniciativa dos profissionais que queriam desenvolver um trabalho nos
moldes da Reforma, rompendo com o modelo imposto pela instituição, como foi
revelado na pesquisa sobre o Hospital Dia do CPPII. Além disso, estas iniciativas não
conseguiam alterar o perfil da assistência psiquiátrica no município, que sempre esteve
centrada nas internações em hospitais psiquiátricos públicos ou privados conveniados.
A Secretaria Municipal de Saúde, por sua vez, não tinha nenhuma participação no
sentido de uma reformulação da assistência em saúde mental, apesar do processo de
municipalização determinado nas diretrizes do SUS e das orientações normativas
criadas para orientar sua implantação.
Esta realidade começa a mudar em 1996, quando a atual Gerência de Saúde
Mental da Secretaria Municipal de Saúde inicia um processo de construção de uma rede
assistencial voltada para a reabilitação psicossocial dos pacientes psiquiátricos - os
Centros de Atenção Psicossocial - CAPS. Os CAPS são serviços de atenção diária, com
abrangência territorial estrita, que oferecem suporte aos familiares, procuram a
reinserção social e laborativa desta clientela e a participação comunitária, para reverter
o estigma que envolve o paciente psiquiátrico.
“Os CAPS representam algo mais que uma mera alternativa ao modelo hospitalar predominante, funcionando de forma a evitar as internações psiquiátricas e diminuir sua reincidência, mas sobretudo por possibilitarem o desenvolvimento de laços sociais e inter-pessoais essenciais para o estabelecimento de novas possibilidades de vida.”(SMS,1997, 5)
Os CAPS foram pensados a partir da constatação da necessidade de mudanças
no modelo hospitalocêntrico, hegemônico na cidade, e de seu caráter iatrogênico. Dessa
forma, para orientar a construção de uma rede que invertesse esse modelo foi realizado,
em 1995, o primeiro Censo dos Internos nos Hospitais Psiquiátricos. O Censo tinha
como objetivo conhecer o perfil clínico e sócio-econômico da clientela psiquiátrica
internada, fornecendo as informações necessárias para subsidiar o planejamento das
ações em saúde mental a serem implementadas pela Secretaria. Embora os resultados
4
com relação à péssima qualidade da assistência prestada já fosse esperada pelos
profissionais e estudantes da área, as informações sobre as condições sociais e
familiares desmentiram antigas crenças de que estes pacientes não teriam como
sobreviver fora do hospital. Dessa forma, foi comprovada não só a necessidade como
também a viabilidade do projeto de construção dos CAPS.
Com base nos dados do Censo, referentes ao local de moradia dos pacientes
internados, e dos mapas de distribuição de serviços na Cidade, iniciou-se a construção
da rede, priorizando-se, inicialmente, as áreas mais carentes de serviços. O objetivo é a
criação de pelo menos um CAPS em cada área de Planejamento, sediados em prédios
públicos desativados. Neste momento, estão em funcionamento os CAPS Irajá, Campo
Grande, Santa Cruz, Ilha do Governador e Jacarepaguá.
Para a implantação destes serviços, a SMS procurou o apoio da Coordenação da
Área e do Conselho Distrital e estabeleceu parcerias com a Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Social (SMDS) e a Fundação Lar São Francisco de Paula.,
(FUNLAR), para implementação do CAPS Irajá, e com uma Organização Não
Governamental, o Instituto Franco Basaglia (IFB), para a implementação dos CAPS
Campo Grande e Santa Cruz.
No caso de Irajá, a SMDS, que recebeu alguns prédios da extinta LBA, forneceu
o prédio anexo ao prédio onde iria desenvolver um Centro de Atenção Social Integrada.
O convênio com a FUNLAR, que trabalha com políticas sociais para deficientes, foi
feito com o objetivo de articular o trabalho com deficientes ao trabalho com os
pacientes psiquiátricos. Alguns dos profissionais do CAPS são do município e outros
foram contratados pela FUNLAR que é responsável, também, pela supervisão clínica.
No caso de Campo Grande e Santa Cruz, o convênio com o IFB tem como
objetivo a colaboração técnica, sendo que o IFB fica responsável pela supervisão clínica
dos casos e contratação de pessoal, permitindo a contratação de profissionais que não
fazem parte da rede e uma maior flexibilidade na reposição de pessoal, no caso de
abandono dos profissionais concursados. Outra preocupação que orientou a contratação
de pessoal foi a questão colocada pela Reforma do Estado com relação ao elevado
número de profissionais do serviço público, que tem trazido problemas como, por
exemplo, as despesas com o pagamento dos funcionários ativos e os encargos com os
inativos.
5
Em todos os CAPS, no entanto, a Secretaria Municipal de Saúde continua
responsável pela gestão e as parcerias são estabelecidas como alternativas, para a
flexibilização da gestão do trabalho.
Dessa forma, a implantação dos CAPS pode ser pensada a partir do contexto de
mudanças que vem ocorrendo no setor saúde na última década. Estas mudanças seguem
duas orientações. Numa delas, as inovações estão voltadas para a superação do modelo
assistencial hegemônico, ou seja, o modelo médico assistencial privatista. Na outra, as
inovações voltam-se para a experimentação de novas modalidades de gestão. Neste
caso, as inovações seguem a tendência da Reforma do Estado e suas exigências de
municipalização; redefinição do papel do Estado, que da execução, passa a promoção e
regulação, direcionando para o terceiro setor a função de produção de serviços;
flexibilização da gestão e sua ênfase na eficiência; autonomia do gestor; controle dos
resultados e controle popular. Neste sentido, os CAPS seguem estas duas tendências de
mudanças: com relação as transformações na modalidade de assistência, baseando-se
nas propostas da Reforma Psiquiátrica e com relação a sua modalidade de gestão,
buscando maior flexibilização na gestão dos recursos humanos.
No entanto, se a orientação para a mudança no modelo assistencial presente na
construção dos CAPS é comemorada, a escolha por parcerias com ONG’s e Fundações
como alternativa de gestão recebe uma série de críticas e acusações. Afirma-se que esta
forma de gestão representa a privatização da esfera pública e a incorporação do modelo
neoliberal à saúde mental, indicando uma resistência à mudança do papel do Estado
como executor das ações de saúde e a tendência a associar o público ao estatal.
Critica-se, também, a ausência de licitação para a seleção dos parceiros pela
SMS e a contratação de pessoal pelas ONG’s, já que, em 1996, foi realizado concurso
público para psiquiatras e psicólogos para a Secretaria Municipal de Saúde e havia
profissionais aprovados aguardando a convocação. Soma-se a esta crítica a pouca
divulgação do processo de seleção dos profissionais contratados para trabalhar nos
CAPS.
Diante deste novo quadro institucional e dos primeiros contatos com as
discussões sobre a Reforma do Estado realizadas durante uma disciplina do mestrado,
surgiu a idéia de estudar a construção dos CAPS, no que se refere a sua modalidade de
gestão. Dessa forma, o objetivo deste trabalho é estudar o convênio entre a Secretaria
Municipal de Saúde e um dos parceiros, o Instituto Franco Basaglia, procurando
6
identificar seus objetivos, vantagens, mecanismos de controle e a assistência produzida
a partir dele. Para isso, tomou-se como caso exemplar o CAPS Pedro Pellegrino –
CAPS Campo Grande.
Para compreender o estabelecimento do convênio e o processo de implantação
dos CAPS, foi feito um estudo de documentos e artigos produzidos pela Gerência de
Saúde Mental e pelo IFB, assim como de fontes secundárias que discutem este processo.
Foram realizadas, também, entrevistas semi-estruturadas com a equipe da Gerência de
Saúde Mental e com a Coordenadora de Programas do IFB.
Com relação a assistência prestada pelo CAPS, foram analisados artigos e
relatórios produzidos pelo IFB e realizadas entrevistas com três profissionais do CAPS
Campo Grande e oito familiares de pacientes. Foi realizado, também, um período de
observação participante nas reuniões de equipe, no Grupo de Família e em algumas das
oficinas, como a Oficina de Teatro e a de Vídeo.
No primeiro capítulo, foi feita uma breve consideração teórica, procurando
mostrar a permeabilidade do subsetor saúde mental às propostas de transformações no
padrão de intervenção do Estado e como o ideal do modelo redistributivo de caréter
exclusivamente estatal tem dificultado a discussão de alternativas para os sistemas de
Welfare State. Dessa forma, foi apresentada a proposta da Reforma do Estado e sua
influência nas transformações ocorridas no setor saúde na última década, voltadas para a
mudança nas modalidades de gestão e no modelo assistencial.
No segundo capítulo foi descrito o processo de implantação dos CAPS no
município do Rio de Janeiro e o estabelecimento do convênio entre a Secretaria
Municipal de Saúde e o Instituto Franco Basaglia, procurando identificar os termos do
convênio, seus objetivos, as atribuições dos parceiros, os mecanismos de controle e
avaliação e o peso que estes novos serviços representam no orçamento.
No terceiro capítulo foi feito o estudo de caso do CAPS Pedro Pellegrino, com o
objetivo de verificar a assistência prestada a partir deste novo desenho organizacional.
Foi feita uma breve descrição da rotina de funcionamento, considerando-se sua
clientela, seus profissionais e os familiares dos usuários.
O último capítulo discute o que foi apresentado nos capítulos anteriores,
apontando os dilemas deste novo modelo de gestão e as dificuldades encontradas por
profissionais e pacientes diante de uma rede assistencial ainda em construção.
7
I ) INTRODUÇÃO
I . 1 ) As Inovações no Setor Saúde:
A necessidade de algum tipo de proteção social que regulasse as condições de
trabalho e minorasse a miséria da população surge com as grandes transformações
sociais, políticas e econômicas decorrentes da industrialização. A partir de então, a
intervenção do Estado nas questões sociais é considerada uma função intrínseca do
Estado moderno. Esta intervenção é feita através das políticas sociais, entendidas como
uma relação social que se estabelece entre o Estado e as classes sociais. Esta relação se
traduz em uma relação de cidadania, isto é, no reconhecimento de uma igualdade
humana básica e no estabelecimento de um conjunto de direitos e deveres que vincula o
cidadão a seu Estado. (Marshall, 1987)
Dessa forma, aponta-se o Welfare State como uma referência fundamental para
se pensar o Estado moderno, já que todos os países desenvolvem algum mecanismo
público de proteção social. Cada país, no entanto, estabelece diferentes formas de
relacionamento entre Estado e sociedade, e, dessa forma, padrões específicos de
intervenção, determinando diferentes modalidades de Welfare State. Embora sejam
semelhantes do ponto de vista formal, já que correspondem a sistemas previdenciários,
assistenciais e de saúde, apresentam muitas diferenças operacionais, como, por
exemplo, diferentes formas de financiamento, cobertura, tipos de programas, acesso,
etc. (Vianna, 1991, 135).
As formas de concretizar as políticas variam, também, segundo as concepções
do papel do Estado (conservadoras, liberais ou neoliberais e intervencionistas ou
regulatórias) e da relação Estado-Mercado ou Estado-Sociedade, ou seja, das
concepções de como, com que peso e grau o Estado deve atuar no social. (Draibe, 1989,
18)
Para organizar a diversidade de experiências e torná-las passíveis de
comparação, relacionando-os a variáveis históricas, econômicas e políticas, foram
desenvolvidas várias tipologias dos Estados de Bem Estar. Dentre as tipologias mais
utilizadas estão a de Titmuss (1974) e de Esping-Andersen. (1985).
8
Titmuss (1974) discrimina três modelos contrastantes de políticas sociais, que
podem ser descritos da seguinte maneira: o modelo residual, o modelo meritocrático e o
modelo institucional-redistributivo. No modelo residual, o Estado só intervem quando
os dois canais considerados naturais, a família e o mercado não conseguem atender as
necessidades individuais. Segundo o modelo meritocrático, a satisfação das
necessidades individuais está vinculada ao mérito e ao desempenho dos grupos
protegidos. O modelo institucional-redistributivo é caracterizado por uma política
universalista e igualitária, e as políticas de bem estar são percebidas como importantes
instituições sociais. (Titmuss, 1976, 30-31)
A tipologia de Esping-Andersen (1985) também discrimina três modelos. No
modelo liberal, dominante nos Estados Unidos, Austrália, Canadá e Suíça, as políticas
sociais têm como alvo os mais pobres, que não podem satisfazer suas necessidades
individuais por meios próprios. Dessa forma, este modelo é residual e estabelece
estreitas fronteiras para a intervenção governamental, maximizando o alcance do
mercado, considerado o espaço privilegiado da distribuição.
No modelo conservador, predominante na Europa continental (Alemanha,
Áustria, França e Itália), a ação protetora do Estado está vinculada ao desempenho dos
grupos protegidos. Os direitos e deveres estão vinculados ao status e à ocupação e não à
condição de cidadania.
O modelo social-democrata se assemelha ao modelo institucional redistributivo
de Titmuss. É um modelo inclusivo, caracterizado pela integralidade e universalidade
das políticas sociais. (Esping-Andersen, 1985)
Para Fleury (1994),
“a busca de tipos ideais no sentido weberiano tem sido atravessada pela recorrente idealização de um modelo perfeito de Welfare State redistributivo (...) Assim, face a este modelo idealizado, os demais deixam de ser vistos como tipos ideais para serem considerados seja como modelos subótimos, seja como etapas anteriores em um curso ascencional inexorável de aperfeiçoamento que culminaria com sua superação pelo modelo social-democrata.” (Fleury, 1994, 102).
Segundo Vianna, 1991, o problema das tipologias de Welfare State está no viés
endogenista, isto é, no privilégio de seus elementos internos, como o financiamento, o
acesso, a extensão da população coberta, mecanismos de controle, etc, em detrimento
dos aspectos aparentemente externos ao sistema. Estes aspectos externos dizem respeito
9
aos condicionantes estruturais, cujos efeitos explicam não só a emergência dos welfare,
como também as características que os diferenciam entre si. São eles, o
desenvolvimento sócio-econômico (grau de industrialização e urbanização), a
mobilização da classe operária (pressão versus ações defensivas do sistema político,
através das instituições do welfare) e o desenvolvimento institucional (extensão do
sufrágio, características do regime político).
Neste sentido, a tipologia de Esping-Andersen é considerada mais abrangente
por utilizar como critério o grau de democratização social alcançado pelo capitalismo.
Para Esping-Andersen, o Estado de Bem-Estar consiste numa articulação de conflitos
distributivos, na qual se relacionam o poder de mobilização política e a democratização
social do capitalismo. Esta implica no preenchimento da seguinte agenda:
desmercantilizar o status da força de trabalho, instituindo-se o salário social e os direitos
de cidadania suplantando os mecanismos de distribuição do mercado; reforço da
solidariedade, substituindo-se os esquemas de proteção social competitivos, seletivos e
corporativos pelo princípio do universalismo (noção de estar no mesmo barco);
redistribuição efetiva, via tributação progressiva e transferências sociais; e pleno
emprego, meta e base financeira dos demais objetivos.
Dessa forma, não é o Welfare que vai proporcionar uma maior
homogeneização/redistributividade, mas é a redistributividade/homogeneização que
torna o Welfare possível. A partir desta argumentação pode-se entender porque os
Estados de Bem-Estar mais desenvolvidos são encontrados nas sociedades européias
mais homogêneas.
“A ênfase nos componentes internos do Welfare State leva, por um lado, à idealização do modelo social democrata, valorizado (e desejado) por sua intrínseca redistributividade, omitindo-se que boa parte do seu sucesso deve ser creditada a uma prévia homogeneização da estrutura sócio-econômica. Por outro, essa ênfase subestima o papel desempenhado pela política na diferenciação de sistemas.” (Vianna, 1991, 142)
Neste sentido, a cidadania, tal como concebida por Marshall, como
incorporação de direitos civis, políticos e sociais, é colocada como dimensão
fundamental para o estabelecimento do Welfare State. A importância não está
relacionada à obediência desta seqüência na incorporação dos direitos mas sim à
10
ampliação da medida de igualdade, representada pelo pertencimento à comunidade, que
se estende a todos e se enriquece pelos direitos. A garantia dos direitos se realizada pela
institucionalização de uma instância pública, separada do mundo privado, que garante a
primazia de regras universais, assegurando uma identidade inclusiva para toda a nação,
contra os privilégios da hierarquia.
Uma peculiaridade presente no sistema de Welfare brasileiro, consolidado
institucionalmente na década de 30, está na forma em que foi conferido o estatuto da
cidadania no Brasil, definido por Santos (1994), como “cidadania regulada”. De acordo
com este autor, cidadania regulada é o conceito de cidadania cujas raízes encontram-se
em um sistema de estratificação ocupacional, definido por norma legal:
“São cidadãos todos aqueles membros da comunidade que se encontram localizados em qualquer uma das ocupações reconhecidas e definidas por lei. A extensão da cidadania se faz, pois, via regulamentação de novas profissões e/ou ocupações, em primeiro lugar, e mediante ampliação do escopo dos direitos associados a estas profissões, antes que por expansão dos valores inerentes ao conceito de membro da comunidade. A cidadania está embutida na profissão e os direitos do cidadão restringem-se aos direitos do lugar que ocupa no processo produtivo, tal como reconhecido por lei. Tornam-se pré-cidadãos, assim, todos aqueles cuja ocupação a lei desconhece.” (Santos, 1994, 68)
É com a concepção de cidadania regulada e de direito como concessão que o
Estado inicia a construção de uma política social, encarregando-se apenas dos cidadãos,
isto é, dos trabalhadores de profissões regulamentadas e reconhecidas por lei. Consagra-
se, assim, uma prática de desigualdade dos benefícios previdenciários, vinculados às
contribuições passadas e com tratamento diferenciado de acordo com a categoria
profissional.
Dessa forma, o sistema de welfare state no Brasil pode ser enquadrado na
categoria meritocrático-particularista, onde o conservadorismo determinou o
corporativismo e a hierarquização da concessão de benefícios sociais.
Cabe, aqui, uma ressalva com relação ao padrão de intervenção do Estado nos
diferentes grupos sociais. O mesmo Estado que até 1930 permanece não interventor
nem assegurador dos direitos, apresenta comportamento oposto com relação aos
doentes mentais. Depois dos servidores militares, por suas funções de preservação
11
nacional, os doentes mentais são o primeiro grupo a ter assegurado o direito a
assistência, com a criação do primeiro Hospital Público - Pedro II - em 1852. Esta
intervenção tem como objetivo a segregação e o confinamento de um grupo
considerado prejudicial à sociedade, iniciando-se, aí, a política oficial de tutela e
segregação do doente mental no Brasil. (Marsiglia, 1987)
Embora o sistema de proteção social brasileiro tenha passado por um processo
continuado de universalização de cobertura, de forma a abranger a quase totalidade da
população, é somente com a Constituição de 88 que se inicia “a primeira experiência
brasileira de uma política social universalizante” (Faveret & Oliveira, 1989, 139)
O SUS representa uma grande ruptura com o padrão de intervenção do Estado
no campo social, moldado na década de 30 e desde então intocado nos seus traços
essenciais. Ao incorporar uma enorme parcela da população anteriormente excluída pela
ausência de contribuição previdenciária, inicia-se uma política social de caráter
redistributivo e universalizante, onde o direito social se torna um atributo da
cidadania.(idem, ibidem)
Segundo Vianna (1991), nesta abordagem otimista do welfare state no Brasil, a
política social passa a ser considerada como uma atribuição do Estado, que deve ser
responsável pelas funções redistributivas e equalizadoras.
No entanto, esta concepção estatista da esquerda não levou em consideração a
necessidade de uma mudança estrutural, na produção, para acabar com a concentração
de riquezas, isto é, o postulado do social como subordinado ao econômico. Dessa forma,
identificou o social como um campo singular, passível de sofrer modificações a partir da
intervenção estatal na distribuição.
A Constituição de 88 é bastante avançada no que tange a Ordem Social, criando
o conceito de Seguridade Social, até então inexistente na legislação anterior,
assegurando os direitos à saúde, à previdência e à assistência social. As boas intenções,
no entanto, estão ameaçadas pela escassez de recursos necessários para a ampliação dos
direitos sociais. O movimento de universalização acompanhou mecanismos de
racionamento como forma de acomodar a ampliação da demanda à uma oferta em lento
crescimento. Os segmentos sociais com condições de acessar o sistema privado
retiraram-se do sistema público, ficando apenas os setores mais carentes. Dessa forma,
embora a vontade política dos reformadores do aparelho estatal esteja voltada para a
transformação do modelo assistencial num modelo institucional redistributivo, os
12
fatores restritivos levaram a um modelo de intervenção residual. (Faveret e Oliveira,
1989).
Estes fatores restritivos foram determinados pela crise fiscal e política do Estado
brasileiro, que ocorria contemporaneamente a implantação do SUS, repercutindo
drasticamente no seu financiamento: “Desse modo, tratou-se de impor novas
responsabilidades a um Estado alquebrado e incapaz de reverter o quadro social
gerado anteriormente e exponenciado pela crise.” (Mendes, 1996, 63)
As dificuldades têm estimulado uma visão negativista das políticas de bem estar
social, cuja argumentação “se expressa na defesa de certas linhas de privatização, na
ênfase dada à questão do défict público, na intransigência quanto ao significado do
gasto social num contexto de crise; enfim, na modernização via mercado.” (Vianna,
1991, 152)
As afirmativas reformadoras, por sua vez, mantém as cobranças ao Estado,
defendendo a política social como ação estatal redistributiva.
Para a autora, a centralidade que o Estado, e não a política, vem ocupando no
debate nacional está obscurecendo a avaliação de alternativas e experiências inovadoras
desenvolvidas em outros países, onde a polêmica sobre o Welfare State não se resume
mais a um embate político-ideológico entre liberais e social-democratas. Na literatura
internacional, a dicotomia Estado versus mercado já não ocupa o centro das atenções.
As soluções possíveis apontam novos arranjos entre público e privado, como o
fortalecimento de setores não governamentais e das iniciativas populares e voluntárias.
Dessa forma, entre o “ótimo abstrato”, defendido pela intelectualidade brasileira, e o
“péssimo concreto” existem alternativas que devem ser buscadas:
“O desafio brasileiro consiste justamente em enfrentar a dupla jornada: assumir o atraso e viver a contemporaneidade. Uma pesada intervenção do Estado na área social ainda se faz imprescindível (até porque nunca foi realmente feita), mas o estatismo acrítico tem que ser rejeitado. Redes de solidariedade societais devem ser valorizadas como alternativas para a proteção social, mas não usadas como isca para a armadilha neoliberal. Formas novas de articulação público/privado e estímulos à solidariedade precisam entrar no circuito, mas não se pode esquecer que há uma batalha a travar contra a privatização do espaço público. Não há solidariedade que se sustente diante da absurda estrutura de desigualdades reinante.” (Vianna, 1991, 157)
13
Algumas das questões apontadas acima como alternativas ao sistemas de
proteção social, como o afastamento do estatismo acrítico em favor de novas relações
societais e as novas relações público/privado estão presentes no debate atual sobre a
Reforma do Estado.
As propostas da Reforma do Estado vêm orientando uma das tendências de
mudanças ocorridas no setor saúde na última década: as inovações na modalidade de
gestão. Entre as experiências que seguem esta orientação está o projeto de construção de
uma rede de serviços territoriais em saúde mental, no município do Rio de Janeiro: os
Centros de Atenção Psicossocial. Para a construção destes serviços, a Secretaria
Municipal de Saúde do Rio de Janeiro estabeleceu parcerias com o terceiro setor, com o
objetivo de flexibilizar a gestão dos recursos humanos. Os CAPS representam, também,
uma inovação na outra linha de mudanças do setor: a mudança no modelo assistencial.
Neste sentido, os CAPS representam uma mudança no padrão de intervenção do Estado
na assistência em saúde mental, orientando-se pelas propostas da Reforma Psiquiátrica.
O objetivo é inverter o modelo hegemônico, centrado nas internações em hospitais
psiquiátricos.
Este padrão, baseado no seqüestro asilar, tem início com o reconhecimento da
cidadania aos indivíduos portadores da razão. O louco, por não ter este atributo, foi
percebido como ausência de obra e passou a ser considerado um não cidadão. Dessa
forma, se para o conjunto de indivíduos, a condição de cidadania plena instituiu um
modelo universal de direitos, para os loucos, instituiu um modelo assistencial centrado
no Estado e na racionalidade médica. Esse modelo assistencial e essa racionalidade
médica caucionaram a retirada dos direitos sociais do campo da loucura, com a exceção
do direito ao cuidado médico e a proteção pelo Estado. Dessa forma,
“institui-se historicamente o lugar paradoxal da loucura no registro da cidadania, na medida em que a figura do louco não se sobrepunha à figura do cidadão, já que não era um sujeito da razão e da vontade. Entretanto, considerava-se agora, nesse contexto histórico, que essa transformação era da ordem do possível, podendo então o louco ser reestruturado como sujeito e como cidadão desde que sua natureza passional fosse corrigida por um processo terapêutico de ortopedia moral.” (Birman, 1992, 81)
14
As reivindicações para a transformação na assistência psiquiátrica se devem ao
reconhecimento do caráter excludente e segregador das políticas dirigidas a este grupo.
Dessa maneira, este subsetor sempre se apresentou receptivo às propostas de mudança
nas políticas sociais.
As propostas de mudança, no entanto, não são homogêneas, podendo assumir
formas bastante diferenciadas entre si. O que demarca a distinção entre as reformas “é a
forma do lidar prático e teórico da desinstitucionalização, conceito este que sofre uma
metamorfose substancial e que abre novas possibilidades para o campo da reforma
psiquiátrica.” (Amarante, 1996, 17)
Em algumas propostas de reforma, a noção de desinstitucionalização é entendida
como desospitalização, com medidas saneadoras e racionalizadoras, como a diminuição
de leitos e de tempos médios de permanência hospitalar, aumento de altas e criação de
serviços intermediários. Neste sentido, a desinstitucionalização está voltada para
objetivos administrativos de redução de custos para os cofres públicos e não para uma
real transformação na assistência e do paradigma psiquiátrico tradicional.
Outra tendência verificável em algumas propostas de reforma é a
desinstitucionalização como desassistência, ou seja:
“como se as políticas de desinstitucionalização não significassem a substituição do modelo hospitalar por outras modalidades de cuidado. Entende-se, nesse sentido, que a desinstitucionalização significaria abandonar os doentes à própria sorte, seja pela premissa crítica, correta, de que seu objetivo pode ser o de reduzir ou erradicar a responsabilidade do Estado para com estas pessoas e familiares, seja por uma compreensão pouco correta do conteúdo teórico que está em jogo.” (Amarante, 1996, 21)
A tendência que têm inspirado a reforma brasileira é a que compreende a
desinstitucionalização como desconstrução, caracterizada pela crítica epistemológica ao
saber médico constituinte da psiquiatria. O objetivo é a extinção/superação da
instituição psiquiátrica a partir da construção de uma nova realidade em torno da
loucura e da psiquiatria. (idem, 22-23)
A partir do movimento de reforma psiquiátrica brasileira estão sendo construídos
muitos serviços com propostas de oposição ao modelo manicomial. Estas experiências
têm sido apontadas como exemplos bem sucedidos dentro da tendência de inovações
15
orientadas para a mudança no modelo assistencial. Os serviços são criados pelo Estado,
apresentam propostas alternativas ao modelo hospitalocêntrico e procuram uma maior
participação da comunidade sem que, com isso, signifiquem a retirada da
responsabilidade do Estado neste setor.
No entanto, as inovações orientadas para mudança na modalidade de gestão têm
sido percebidas como estratégias neoliberais de privatização do setor saúde. Esta
percepção é bastante evidente no subsetor saúde mental, que apresenta uma história de
defesa do setor público estatal e de críticas à política de compra de serviços pelo
INAMPS. Este modelo foi responsável pela comercialização da loucura, que se
transformou em fonte de lucro para os donos de clínicas conveniadas, através das
fraudes e da péssima assistência prestada.
Dessa maneira, se as inovações no modelo assistencial são incentivadas, as
inovações na modalidade de gestão são criticadas, colocando-se em dúvida a viabilidade
dos setores não estatais gerarem bens públicos.
Por outro lado, estas inovações oferecem uma maior flexibilização na gestão
destes serviços, favorecendo o seu funcionamento, já que são serviços em permanente
construção, que precisam evitar a cristalização de suas propostas e agilizar as resposta
às necessidades complexas de suas clientelas.
Dessa forma, vamos fazer uma breve consideração a respeito das propostas da
Reforma do Estado e suas influências no setor saúde e das propostas da Reforma
Psiquiátrica, para, então, verificar como está se dando esta relação entre Estado e
Terceiro Setor na implantação dos CAPS no município do Rio de Janeiro.
I . 2) A Reforma do Estado:
Na década de 90, o mundo assistiu a um intenso debate em torno da crise do
Estado e da necessidade de reformá-lo. A crise foi decorrente do colapso do modelo de
Estado assumido por vários países após a Segunda Guerra Mundial, como resposta a
crise do modelo liberal. Este modelo de Estado, denominado Keynesiano, determinou
um crescimento considerável do Estado que, além de se encarregar das suas funções
específicas, se tornou responsável pela promoção do desenvolvimento econômico e pela
proteção dos direitos sociais. Surgiram, então, o Estado de Bem-Estar Social, nos países
16
desenvolvidos, o Estado Desenvolvimentista e Protecionista, nos países em
desenvolvimento e o Estado Comunista nos países em que o modo de produção estatal
se tornou dominante. Com o tempo, os instrumentos keynesianos para solucionar os
dilemas de desenvolvimento e redistribuição se mostraram esgotados, seja pelas
mudanças decorrentes da globalização da economia e do desenvolvimento tecnológico,
que tornaram a competição entre as nações muito mais acirrada, seja pelas distorções
causadas pelo crescimento excessivo do Estado, que levou a sua captura por interesses
particulares.
As manifestações da crise do Estado foram a crise fiscal, o esgotamento das
formas de intervenção na área econômica e social e a superação da forma burocrática de
administrá-lo. A crise fiscal é definida pela perda de crédito público e pela incapacidade
do Estado de realizar uma poupança pública que permitisse financiar políticas públicas.
O esgotamento das formas de intervenção manifestou-se pela crise do welfare state no
primeiro mundo, pelo esgotamento da industrialização por substituição de importações
nos países em desenvolvimento, e pelo colapso do estatismo nos países comunistas. A
obsolescência da forma burocrática de administrar o Estado foi revelada nos custos
crescentes, na baixa qualidade e na ineficiência dos serviços sociais prestados pelo
estado através do emprego direto de burocratas.
A crise deste modelo criou condições favoráveis para o surgimento de idéias
neo-utilitaristas. Neste sentido, a idéia de captura do Estado por interesses particulares é
a base de uma concepção negativa do Estado. Segundo esta concepção, os agentes
públicos seriam incapazes de realizar condutas em prol do bem coletivo por estarem
comprometidos com suas bases de apoio, estabelecendo relações de troca, isto é,
provendo incentivos, subsídios, empréstimos, empregos, entre outros, para manterem
suas posições de direção.
“A partir dessa definição do uso do aparelho estatal como fonte de renda são definidas as condutas rent-seeking, isto é, os mecanismos para aquisição de renda extra mercado pela ocupação de lugares na máquina pública.(Costa e Melo, 1997, 4)
Para escapar destes efeitos da hipertrofia das funções do Estado, propõe-se sua
redução ao mínimo, substituindo-se o controle burocrático pelos mecanismos de
mercado e por relações contratuais.
17
Estas idéias repercutiram nas análises sobre a crise do Estado brasileiro, que
manifestou-se pela crise fiscal e pelo esgotamento do desenho institucional
desenvolvimentista. Os efeitos da crise fiscal teriam levado as empresas estatais e
instituições públicas a uma situação de ineficiência estrutural pela incapacidade de gerar
recursos para novos investimentos, de assegurar qualidade e baixo custo dos serviços.
Esta ineficiência teria transformado o conjunto de empresas e organizações públicas
estatais em um pesado ônus para as administrações e fonte crescente de insatisfação dos
cidadãos/usuários com a qualidade dos serviços públicos em geral. Dessa forma,
propunha-se a redução do Estado em favor do mercado.
Neste mesmo contexto, surgiram questionamentos a respeito da capacidade
gerencial do Estado e as propostas de reformas administrativas para a busca de
eficiência e efetividade nas organizações públicas, tolerantes a ineficiência por não
sofrerem quaisquer tipos de concorrência ou contratualização.
Esta discussão resultou na formulação de um projeto para a Reforma do
Aparelho de Estado brasileiro. Segundo este projeto, a administração direta acabou por
favorecer a estabilidade, o formalismo e a autonomia da burocracia pública, devido ao
reduzido controle dos cidadãos sobre as decisões dos administradores. Esse arranjo teria
contribuído para a estagnação da administração pública, que não incorpora novas
formas de gestão e está voltada para o controle de procedimentos e não de resultados.
“Esta combinação resultaria em condutas rent-seeking dos dirigentes públicos pela
ausência de mecanismos de responsabilização (accountability) sobre suas decisões e
escolhas. (Costa e Mello, 1997, 6)
Aponta-se o conceito de governance como central para as propostas de Reforma
Administrativa, já que a crise do Estado pode ser considerada como uma crise de
governance, “ou seja, de baixa capacidade dos governos de tornar realidade as
decisões de políticas públicas pelo elevado grau de insulamento da burocracia e pela
inexistência de mecanismos de flexibilização da gestão.” A capacidade de governance
implica na capacidade governamental de criar regras universalistas e assegurar sua
prevalência nas transações sociais, políticas e econômicas, penalizando ou
desincentivando as condutas rent-seeking, promovendo arranjos cooperativos e
reduzindo os custos de transação. Do ponto de vista político, significa a capacidade de
resistência à captura por grupos de interesse por parte das elites governamentais, além
18
da promoção da accountability, ou seja, tornar os governos responsáveis por suas ações.
(Costa, 1998, 13)
No caso da Reforma Administrativa brasileira, a possibilidade de estruturar a
governance se daria pela escolha de um Estado distanciado das tarefas
desenvolvimentistas e de provisão, para fortalecer as funções de promoção e regulação
do desenvolvimento.
Neste sentido, a proposta de reformar o Estado brasileiro significa torná-lo
menor, voltado para as atividades que lhe são específicas, mas mais forte, isto é, com
maior governabilidade, ou seja, com maior poder de governar, e maior governança, ou
seja, com maior poder de implementar políticas públicas. Desta forma, a Reforma é
composta por quatro processos básicos:
a) delimitação das funções do Estado, reduzindo o seu tamanho, principalmente em
termos de pessoal, com programas de privatização, terceirização e “publicização”,
através do qual se dará a transferência para o setor público não-estatal dos serviços
sociais e científicos, atualmente executados pelo Estado;
b) redução do grau de intervenção do Estado na economia e sua transformação em
promotor de competição do país ao nível internacional;
c) aumento da governança do Estado, ou seja, da sua capacidade de tornar efetivas as
decisões do governo, através do ajuste fiscal que devolve autonomia financeira ao
Estado; da reforma administrativa rumo a uma administração pública gerencial (ao
invés de burocrática); e a separação das atividades exclusivas de Estado, entre a
formulação e a sua execução;
d) aumento da governabilidade, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo
espaço para o controle social. ( Bresser-Pereira, 1997, 18-19)
Esse novo desenho do Estado se constitui numa orientação válida para toda a
federação. A adesão à agenda da Reforma é demonstrada pela adoção dos governos
locais à programas de privatização de empresas públicas, aos Planos de Demissão
Voluntária e às estratégias de terceirização para reduzir custos da força de trabalho do
setor público. Esta adesão se deve às dificuldade das diferentes instâncias de governo
em gerar investimentos produtivos ou manterem a qualidade dos serviços públicos pelo
comprometimento da receita com aposentadorias dos servidores, com o salário dos
ativos ou pagamento da dívida pública.
19
A Reforma propõe a construção de um Estado regulador das relações contratuais
ou das concessões aos agentes não estatais de atividades de interesse ou relevância
pública, como nas áreas de infra-estrutura e de serviços sociais. “Essa opção
asseguraria uma razoável equação entre eficiência e responsabilização desses agentes
que executam através de entes privados ou organizações sociais as tarefas contratadas
ou delegadas pelo Estado” (Costa e Mello, 1997, 8)
O financiamento das áreas sociais é uma atividade exclusiva do Estado, já que
consiste em garantir saúde e educação gratuita e universal, mas a sua execução não
precisa ser. Estas atividades são competitivas e podem ser controladas através da
administração pública gerencial, do controle social e da constituição de quase mercados.
A transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos,
é apontada como uma questão de grande relevância porque o Estado não está
conseguindo atender de forma eficiente a crescente demanda a ele dirigida. Além disso,
existe um segmento da sociedade civil, o terceiro setor, pronto a colaborar com a
produção de bens e serviços públicos. Neste processo é estabelecido um sistema de
parceria entre o Estado e a Sociedade, onde o Estado fica responsável por subsidiar os
serviços, buscando o controle e a participação social.(Brasil, 1995)
Esta relação entre o Estado e a Organização que vai prestar o serviço pode ser
analisada segundo o modelo da relação principal - agente. O Estado, (que representa o
principal), estabeleceria um tipo de contrato com uma organização, (que representa o
agente), para executar um serviço. No entanto, “em um mundo de muitos estados de
natureza contingentes, esses contratos não podem especificar todas as eventualidades.”
(Przeworski, 1996, 22) Dessa forma, pode-se identificar uma situação anterior ao
contrato ou delegação (situação ex ante) e uma situação posterior à ele (ex post). Na
análise da relação principal – agente, o mais importante conceito é o de oportunismo,
que descreve à discrepância entre o comportamento dos indivíduos ex ante e ex post
uma situação contratual, devido a assimetria de informações entre os dois. Os agentes
dispõem de informações que os principais não observam diretamente: dispõem de
informações privilegiadas sobre suas capacidades e conhecem suas próprias
preferências. O principal, no entanto, pode observar certos comportamentos dos agentes
ou inferir suas ações a partir dos resultados, ou, ainda, arcar com os custos de monitorar
tais atos. O principal tem que induzir o agente a se conduzir de acordo com o seu
interesse, proporcionando ao agente um rendimento que lhe permita a defesa de seus
20
interesses, também. “Um fator importante nesse arranjo é a alocação de riscos, que
pode ficar por conta de uma das partes ou ser compartilhada por ambas, dependendo
da posição de cada um diante dos riscos.” (Przeworski, 1996, 22)
Como forma de controlar o cumprimento dos contratos foram propostas as
Agências Regulatórias.
Embora estas inovações tenham sido amplamente aceitas pelos gestores,
“ainda é prematuro avaliar as conseqüências desse desenho organizacional sobre a qualidade do governo e a magnitude dos incentivos aos comportamentos oportunistas pela não-observalidade do comportamento dos agentes das novas funções públicas numa situação contratual.”(Costa e Mello, 11)
Aponta-se a necessidade de avaliação dos erros e mudanças de curso das
experiências internacionais em andamento para que este processo tenha êxito. Algumas
questões já vêm sendo problematizado, como:
1) a baixa experiência da administração pública na regulação eficiente das
organizações terceirizadas, potencializando um processo de captura e baixa
responsabilização;
2) a pouca confiança na capacidade de contratualização do Estado;
3) a ameaça aos direitos dos cidadãos de acesso e utilização de bens públicos pela
criação de mecanismos alternativos ao quase-mercado para financiamento
organizações situadas no terceiro setor. Esta ameaça tem recolocado na agenda a
discussão das atividades estratégicas as quais o poder público não pode submeter a
mecanismos de mercado pela ameaça à eqüidade e a justiça distributiva;
4) a indefinição sobre quem arca com os altos custos de transação para estabelecer o
equilíbrio entre principal e agente, e prevenir os contratos contra as condutas
oportunistas;
5) a constatação de que as teorias de mercado aplicados ao setor público podem
produzir resultados incertos e desastrosos, gerando novos gastos pela necessidade de
correção das falhas do mercado em situações de assimetria de informação entre os
agentes ou de controle por um único provedor dos mercados criados pelo setor
público. (Costa, 1998, 19)
21
I . 3) A Agenda da Reforma do Estado e o Setor Saúde:
A Reforma do Estado vem obrigando os gestores a fazerem adaptações na forma
de administrar os serviços públicos, baseando-se nas proposta de Reforma
Administrativa. No caso do setor saúde, estas propostas estão sendo responsáveis por
uma segunda geração de mudanças, desenvolvidas a partir do que foi estabelecido pelo
pacto constitucional de 1988 que criou o SUS. (Costa & Ribeiro, 1997)
A necessidade de mudanças se deve as manifestações da crise do aparelho do
Estado no setor saúde. O Estado não tem sido capaz de exercer as funções de regulação
do SUS, seja nos entes estatais, seja sobre o setor privado, pela ausência de normas
contratuais públicas, frouxidão no controle das fraudes, incapacidade de avaliar os
serviços prestados em qualidade e quantidade, etc.
Segundo Mendes (1996), a categorização polarizada dos espaços sociais na
saúde em espaços público e privado dificulta o entendimento da dinâmica destes
espaços. Dessa forma, propõe que estes espaços sejam categorizados como estatal,
privado e público. O espaço estatal se refere ao que pertence ao Estado. O espaço
privado é propriedade de agentes não-estatais, sejam lucrativos ou não. O espaço
público se caracteriza, economicamente, pela indivisibilidade do bem a ser ofertado
universalmente e, juridicamente, pela pactuação do Estado consigo mesmo ou com
agentes privados sob domínio do interesse público. Os entes estatais e os privados
podem ser publicitados, submetendo-se a mecanismos de controle social pela sociedade
civil. De acordo com esta categorização, nem todas as instituições estatais são públicas:
“Será pública, ainda que estatal, uma Secretaria Estadual de Saúde que, no último período governamental de quatro anos esteve mais de dois anos em greve? Será público um ente estatal penetrado por interesses clientelistas ou corporativos, de grupos políticos, de produtores ou de corporações profissionais, onde falece a missão superior de colocar-se a serviço da população? Por outro lado, um hospital privado, como o IMIP de Recife, contratado pelo SUS sob as normas do Direito Administrativo, que produz os serviços pactuados com eficiência, eficácia e qualidade, não está, sem perder sua razão social privada, prestando serviços públicos?” (Mendes, 1996, 101)
No âmbito da administração pública, o movimento de flexibilização consolidado
nos anos 60 com a instituição das fundações públicas de saúde, foi abortado com a
22
Constituição de 1988. Dessa forma, os mesmos problemas detectados na administração
pública de forma geral foram encontrados no setor saúde. Como exemplo dos resultados
da administração burocrática nos hospitais públicos, uma análise mostrava:
“ sucateamento das instalações físicas e tecnológicas; atraso no acompanhamento da evolução tecnológica; ociosidade de recursos humanos e físicos; comportamentos corporativos e protecionistas; administração desvinculada da realidade; ausência de governança local sobre pessoal e orçamento; impossibilidade de geração de receita própria; concursos públicos complexos e rígidos; dificuldades para prêmios de incentivos; demora excessiva nos processos licitatórios; qualidade técnica discutível dos produtos adquiridos em virtude da Lei 8.666, que privilegia o preço; dificuldade para importação; rigidez orçamentária; impossibilidade de aplicações financeiras no mercado; parafernália de controles externos de caráter burocrático etc.” (idem, 134)
Diante das mudanças do mundo e da crise do Estado, surge a necessidade de
construir uma nova agenda que reconheça a necessidade de uma série de
transformações, tanto gerenciais quanto assistenciais, referidas por um novo paradigma
sanitário, para que os princípios do SUS sejam preservados.
“A agenda está estruturada em torno de uma particular visão do papel do Estado na saúde, distante do estatismo bolorento e do privatismo predatório. Um sistema público de saúde só pode existir sob a regulação de um estado necessário, forte e socialmente legitimado. Um Estado imprescindível na regulação mas acessório na prestação direta dos serviços. Mas nada de Estado mínimo. Aqui, obrigatoriamente, a agenda da saúde, encontra-se com o movimento de reforma do aparelho do Estado.”(idem, 12)
A proposta de redução do tamanho do Estado e de redefinição de suas funções
não significa sua retirada do setor saúde a fim de remeter a regulação sanitária ao
mercado. Com o fim da tarefa de provisão direta do Estado, espera-se que a sua
capacidade de regulação seja fortalecida, através de um sistema regulador democrático,
isento, independente e tecnicamente preparado para resguardar o interesse público. O
grande desafio é a criação deste sistema regulador.
A inclusão do espaço público, diferenciado do espaço estatal e do privado, é de
fundamental importância para orientar as intervenções de resgate do caráter público das
23
instituições estatais e privadas dentro do SUS. “Porque é a publicitação dos espaços
estatais e privados do SUS que vai garantir a construção de um sistema de saúde
republicano onde a cosa nostra prevalecente seja substituída por uma res pública.”
(idem, 101)
Este movimento de publicitação pode ser expresso da seguinte forma:
“ a) A desprivatização do espaço estatal mediante a ruptura dos anéis burocráticos da saúde e da eliminação dos mecanismos patrimonialistas; b) A publicitação do espaço estatal mediante a minimização das intermediações clientelistas e corporativas que aí se manifestam; c) A publicitação do espaço privado contratado com o SUS mediante instrumentos do direito administrativo e controle social pela cidadania; e) A privatização do espaço privado mediante a eliminação de subsídios cruzados e de renúncias fiscais e contributivas; f) A adequação do mix estatal / privado na prestação dos serviços de saúde de forma a fortalecer a capacidade reguladora do Estado e de liberá-lo, relativamente, da prestação, atendendo ás especificidades loco-regionais.” (idem, 105 – 106)
Com relação a administração burocrática, estão sendo propostos modelos
institucionais que permitam a superação dos seus obstáculos e a restauração da
governança dos entes estatais, mantendo, contudo, o seu caráter público.
Entre as propostas está a implantação de instituições públicas não estatais, seja
pela concessão da autonomia da gestão às instituições estatais, que possibilitaria a
flexibilização das instituições, seja pela utilização de parcerias entre estatais e privados.
Entre as características que marcam as tendências de flexibilização das
organizações burocráticas estão a despadronização dos processos de trabalho;
descentralização da produção pela autonomização do trabalho; requalificação dos
recursos humanos; valorização da criatividade; gestão estratégica dos recursos
humanos; foco no cliente; estruturas flexíveis; ênfase nas relações horizontais pela
redução de níveis hierárquicos; ênfase no controle dos resultados; equipes
interdisciplinares.
A proposta de instituições públicas não estatais é justificada por vários motivos,
dentre eles, por oferecer maior autonomia para as instituições, permitindo que operem
com maior produtividade. A autonomia é dada sob o princípio de responsabilização
24
(accountability), com a realização de um contrato de gestão1, em que fiquem claramente
estabelecidas as obrigações de resultados socialmente controláveis. A flexibilização
realiza uma separação entre o financiador e o prestador, submetendo a nova organização
a elementos de competitividade e, dessa forma, aumentando sua eficiência. Além disso,
“ e aqui entra uma razão forte para a parceria com o terceiro setor, o processo de descentralização em curso, ao inibir as contratações nos níveis federal e estaduais, passará, aos municípios, a responsabilidade de repor e de incrementar os recursos humanos do sistema. A absorção desse enorme contingente de pessoal, sob a forma do regime jurídico único, desequilibrará os orçamentos municipais e a distribuição do poder político dentro da prefeitura. Além de criar estruturas de baixa governança porque subjugadas às normas da administração burocrática.” (idem, 136)
Para Draibe (1989), as subvenções estatais a associações voluntárias que executam
políticas sociais, embora não sejam novidade, podem assumir um caráter distinto: o de
manter a responsabilidade do Estado na garantia dos direitos sociais sem que isso
signifique a reprodução das formas estatizadas e burocráticas de produção e distribuição
de serviços sociais. Para isso são necessários uma forte coordenação, o planejamento e o
controle estatais, para que sejam inibidos os desvirtuamentos de todo tipo. (Draibe,
1989, 51)
A flexibilização das organizações de saúde é justificada, principalmente, pela
configuração destas organizações, que são classificadas como organizações
profissionais. As organizações profissionais são aquelas baseadas no trabalho de
especialistas, que produzem serviços que requerem autonomia de práticas, que são
difíceis de avaliar e em que a ética acompanha as decisões. Este tipo de organização
exige formas de gestão mais flexíveis, orientadas por uma ética que privilegie os
cidadãos, que reconheçam o papel central dos profissionais, com um regime de trabalho
orientado por responsabilidades e não por ordens, em que as decisões sejam colegiadas,
em que a gerência seja orientada para o ambiente externo e adaptável às mudanças
demográficas, epidemiológicas, culturais, econômicas e sociais, que privilegie o
trabalho interdisciplinar.
Como garantia do processo de publicitação devem ser exigidas algumas condições
para a autonomia dos entes estatais, como:
25
“a missão será a prestação de serviços de saúde; o controle administrativo será feito mediante contrato de gestão que sele compromissos bilaterais e explicite resultados; o contrato estará submetido ao princípio da responsabilização (accountability) que articula autonomia e responsabilidade; o controle social será realizado, internamente, por meio de juntas diretivas e conselhos curadores e, externamente, pelos conselhos de saúde; a garantia da cessão, pelo Estado, dos bens e dos recursos orçamentários à nova organização; a manutenção dos direitos adquiridos dos servidores cedidos; a fixação de percentual máximo de capacidade instalada a ser utilizada na prestação de serviços privados.” (idem, 139)
A partir deste processo de discussão e da necessidade de mudanças no setor,
estão sendo desenvolvidas uma série de experiências inovadoras na organização e na
gestão dos serviços. No primeiro caso, verifica-se uma tendência a superação do modelo
assistencial hegemônico, baseado no paradigma flexneriano ou médico hospitalar. No
segundo, inicia-se a experimentação de modelos alternativos de gestão dos serviços.
(Costa e Ribeiro, 1997, 1)
Estas inovações apresentam formatos bastante heterogêneos, favorecidas pelo
próprio processo de municipalização, que, com a descentralização político-
administrativa e do financiamento, aumentou a autonomia municipal para formulação
de suas políticas. (Muller Neto, 1992, 43)
A descentralização no SUS ocorre juntamente com o desenvolvimento de arenas
de conflito e pactuação. As inovações decorrem da necessidade dos governos locais
responderem a demandas dos eleitores e de grupos de interesses em arenas políticas.
O efeito combinado destes inputs ao processo decisório origina experiências
inovadoras, como a intensificação da clientelas organizadas (freqüentemente em
associações) frente as questões de saúde (renais crônicos, diabéticos, hemofílicos,
vítimas da Aids, familiares de doentes mentais); emergência de Programas voltados a
população de risco social centrados na adscrição de clientelas (PACS, PSF); introdução
de programas de incentivos financeiros aos profissionais em geral associados a aumento
de produtividade; delegação da contratação e/ou gestão de serviços a terceiros regulados
por contrato de gestão estipulado pela administração pública. (Costa e Ribeiro, 1997, 9)
A predisposição à mudanças explica o baixo veto observado às iniciativas
inovadoras e caracteriza um “experimentalismo gerencial”, pelo qual dentro de uma
mesma secretaria de saúde, como no caso do município do Rio de Janeiro, convivem
26
modelos distintos como a compra de serviços à cooperativas, (no caso do Hospital
Lourenço Jorge), e organizações não governamentais, (no caso do Programa de Médico
de Família da Ilha de Paquetá) e por incentivo à produção (no caso do Hospital Salgado
Filho). (idem, 8)
Estas mudanças refletem a ampla aceitação das propostas da Reforma do Estado
pelo setor Saúde, principalmente pela necessidade de melhoria do desempenho e
eficiência do setor. Esta necessidade se deve não só a insatisfação constante dos
clientes, como também ao interesse dos governantes que, para manter seus mandatos,
precisam apresentar um bom desempenho na administração das organizações públicas.
Outro fator é a aceitação da idéia de responsabilização das organizações, baseada no
pressuposto de que um mau desempenho pode colocar a organização em risco. Isto faz
com que os gestores busquem transparência, indicadores de desempenho, mecanismos
de avaliação e controle dos resultados. A multiplicação destas experiências indica,
também, a difusão, entre os dirigentes do setor público, de novos requisitos para a
avaliação do acesso, utilização e qualidade da atenção. (idem, 2-3)
Algumas destas inovações aprofundam os princípios do SUS, como a ampliação
do papel dos Conselhos de Saúde, o estabelecimento de instâncias de pactuação
intergovernamentais para implementar a descentralização, a proliferação dos consórcios
intermunicipais de saúde e as inovações voltadas à desospitalização, expansão de
cobertura e adscrição de clientelas. Outras inovações contrariam estes princípios, como
as terceirizações, a formação de cooperativas de gestão, a autonomização de hospitais
perante o sistema, que pode provocar dois tipos de clientelas acessando os serviços, uma
através do SUS e outra através de seguradoras. No entanto, todas as inovações não
propõe romper com os princípios de eqüidade no acesso e utilização e de universalidade
do atendimento, gerando um crescimento na oferta de serviços.
As Inovações Voltadas para Mudanças nas Modalidades de Gestão
As inovações quanto ao modelo de gestão receberam uma influência decisiva
das críticas formuladas ao modelo de administração burocrática, identificado como um
obstáculo ao bom desempenho institucional, pela falta de flexibilidade, excesso de
27
controle nos meios e não nos resultados, pela baixa responsabilização das organizações
e pelas dificuldades quanto ao pessoal, causadas pelo Regime Jurídico Único.
Embora as inovações apresentem formas bastante variadas, podem ser
identificadas duas tendências. Numa delas, as mudanças procuram esgotar as
possibilidades de flexibilização e aumento do desempenho organizacional, sem, com
isso, romper com a forma de gestão burocrática. Dessa forma, são limitadas pelos
obstáculos jurídicos desta modalidade de gestão, principalmente no que diz respeito à
contratação de pessoal, que deve ser feita por concurso público, às licitações e contratos
que devem ser submetidos a Lei 8666, etc.
“A opção por inovar procura manter-se dentro das fronteiras organizacionais do serviço público, preservando a estabilidade dos funcionários, a centralização decisória no nível central, baixa autonomia financeira das organizações, assalariamento público das profissões (com destaque na profissão médica) e regime de compra centralizado.” (Idem,17)
A outra tendência é a do modelo de gestão no qual o Estado assume o papel
regulatório, destinando para o setor público não-estatal ou para o setor privado as
atividades de prestação de serviços. Embora possam apresentar várias formas, as
inovações que seguem esta tendência apresentam em comum alterações em regimes de
contratação de pessoal, baseado no diagnóstico de baixa eficiência e efetividade do
modelo burocrático e na falta de profissionais especializados em algumas regiões. Dessa
forma, são flexibilizados os mecanismos de acesso, pela não exigência do concurso
público, de isonomia salarial e planos de cargos e salários, e de contrato, pelos quais
cessa a estabilidade no emprego.
As Inovações Voltadas para a Mudança no Modelo Assistencial Os modelos assistenciais podem ser definidos como “as formas como se
organizam, em determinados espaços-populações, os serviços de saúde, incluindo
diferentes unidades prestadoras de diversas complexidades tecnológicas e as relações
que se estabelecem dentro delas e entre elas.” (Mendes, apud Paim, 1994, 192)
O modelo assistencial hegemônico no Brasil é o modelo médico clássico ou
flexneriano, também denominado de modelo médico assistencial privatista, que pode ser
28
entendido a partir dos elementos que o compõe: uma concepção de saúde doença, um
paradigma sanitário e uma prática sanitária. (Mendes, 1996, 235)
Este modelo apresenta uma concepção negativa da saúde, percebida como
ausência de doença e restrita aos seus aspectos biológico e orgânico. Esta concepção
determina o predomínio do pensamento clínico sobre o processo saúde-doença, que leva
a modelos explicativos restritos e a respostas unilaterais.
O paradigma que fundamenta este modelo é o paradigma flexneriano
consolidado pelo Relatório Flexner2. Este paradigma apresenta os seguintes elementos:
a analogia do corpo humano com a máquina; o reconhecimento exclusivo e crescente da
natureza biológica das doenças e de suas causas e conseqüências; a atenção individual,
excluindo o contexto familiar e social; a especialização médica, desconsiderando a
globalidade do sujeito; a tecnificação do ato médico, com a estruturação de uma
engenharia biomédica como forma de mediação entre os homens, os profissionais e a
doença; a ênfase nos aspectos curativos, prestigiando o diagnóstico e a terapêutica em
detrimento da causa.
A concepção negativa da saúde e o paradigma flexneriano são compatíveis com
uma prática sanitária que valoriza a atenção médica, nos marcos da medicina científica,
e que tem o hospital como referência organizacional.
A valorização da clínica individual desconsidera o papel da epidemiologia, além
de excluir os componentes coletivos da doença. Esta exclusão traz implicações nos
diagnósticos e nas condutas terapêuticas:
“Permite-se, assim, que espancamentos virem hematomas, que dramas e conflitos advindos de um cotidiano violento e violentador sejam captados e tratados como patologias ou doenças mentais. Ou seja, que problemas familiares e sociais se transformem em problemas estritamente biológicos e atinentes aos atos médicos, de forma também exclusiva.” (Mendes, 1996, 242)
Este modelo pretende oferecer a população a maior quantidade possível de
serviços de saúde, reduzidos a serviços médicos, ofertados individualmente e destinados
a tratar enfermidades ou reabilitar seqüelas por meio da clínica e com a intermediação
de tecnologias. Este objetivo baseia-se na crença de que a disponibilidade de serviços
médicos proporciona uma melhora da saúde. Dessa forma, se estes serviços são
29
universais, as disparidades de saúde devem atenuar-se, o que não é verificado na
realidade.
“Ao contrário o sistema constituído pela prática sanitária da atenção médica, pelo paradigma flexneriano e pelo conceito negativo de doença está na raiz da crise da saúde.”(Mendes, 1996, 242)
Este modelo está voltado para a atenção da demanda espontânea, não alcançando
os indivíduos ou grupos populacionais que não percebam a existência de problemas de
saúde. Os recursos assistenciais ofertados à população são organizados para atender à
pressão de uma demanda desordenada, sem considerar as necessidades de uma
população definida. Dessa forma, o modelo tende a prejudicar o atendimento integral do
paciente e da comunidade, além de não se comprometer com o impacto sobre o nível de
saúde da população. (Paim, 1994, 193-194)
A associação de variáveis como especialização, fragmentação, investimento
tecnológico e autonomia decisória da profissão médica resultou numa explosão de
gastos no setor saúde. O alto custo deste modelo, no entanto, nem sempre significou
melhorias nos indicadores de saúde, que se mostraram mais sensíveis às mudanças do
meio, como saneamento e melhor alimentação. (Costa e Ribeiro, 1997)
A capacidade explicativa e a utilidade prática deste modelo no desenvolvimento
de ações integrais de saúde começaram a se revelar limitadas, principalmente com o
aumento da expectativa de vida e da relevância das doenças crônicas e causas externas
em detrimento das doenças transmissíveis.
A partir desta discussão sobre a eficácia do modelo médico clássico para
responder à complexidade das causas e determinantes do estado de saúde, estão sendo
desenvolvidas propostas para transformação deste modelo.
Para Mendes (1996), a construção de um novo modelo assistencial exige
mudanças nos elementos que o compõem. Neste sentido, a concepção do processo
saúde-doença deve ser articulada a condições de vida, por meio da inter-relação entre as
dimensões biológica, ecológica, conduta e acesso a bens e serviços econômicos e
sociais.
Este concepção ampliada de saúde foi incorporada ao Artigo 196 da
Constituição Federal e reafirmada na NOB/96, segundo a qual, o campo de atenção à
saúde compreende o campo da assistência, o das intervenções ambientais e o das
30
políticas externas ao setor, relativas às políticas macroeconômicas, ao emprego, à
habitação, à educação; ao lazer e à alimentação, que interferem nos determinantes
sociais do processo saúde-doença. (Brasil, 1997)
O paradigma flexneriano deve ser substituído pelo paradigma da produção social
da saúde, que considere a saúde como um processo que pode melhorar ou deteriorar
conforme a ação de uma sociedade sobre os fatores que lhe são determinantes, sobre o
estado de saúde acumulado e sobre as conseqüências da perda de saúde. Este novo
paradigma, ao considerar a saúde como um produto social resultante de fatos
econômicos, políticos, ideológicos e cognitivos, permite romper com a setorialização da
realidade, e, dessa forma, com a idéia de um setor saúde. (Mendes, 1996)
A intersetorialidade é preconizada não só pela complexidade dos fenômenos,
mas, também, por partir-se do pressuposto de que uma ação, para ser completa, não
ocorre num setor singular, exigindo a solidariedade de distintos setores. Além disso, “a
ação intersetorial, para ser conseqüente, implica tomar problemas concretos, de gente
concreta, em territórios concretos.” (idem, 253)
A prática da atenção médica deve ser substituída por uma prática social de
vigilância da saúde, que deve “recompor o fracionamento do espaço coletivo de
expressão da doença na sociedade, articular as estratégias de intervenção individual e
coletiva e atuar sobre todos os nós críticos de um problema de saúde, com base em um
saber interdisciplinar e em um fazer intersetorial.” (idem, 244)
Com esta ampliação conceitual e prática, as estratégias de intervenção passam a
combinar três tipos de ação: promoção a saúde, prevenção a enfermidades e acidentes e
atenção curativa.
A NOB/96 aponta estas ações, que atendem ao princípio de integralidade do
sistema de saúde, embora considere que o caráter preventivo deve ser priorizado. Para a
construção de um novo modelo de assistência, a NOB/96 propõe a incorporação do
modelo epidemiológico, que requer o estabelecimento de vínculos e processos mais
abrangentes, ao incorporar como objeto das ações de saúde as pessoas, o meio ambiente
e os comportamentos intersetoriais.
“O modelo vigente (...) deve ser associado, enriquecido e transformado em um modelo de atenção centrado na qualidade de vida das pessoas e do seu meio ambiente, bem como na relação da equipe de saúde com a comunidade especialmente com os seus núcleos sociais primários – as
31
famílias. Essa prática, inclusive, favorece e impulsiona as mudanças globais, intersetoriais” (Brasil, 1997, 15)
Estas são algumas das reflexões que estão servindo de referência para a linha de
inovações centrada na transformação do modelo assistencial. As inovações refletem as
tentativas de dirigentes e técnicos em oferecer respostas às demandas ampliadas ao
SUS, as iniciativas de profissionais por intervenções criativas e em adequar custos
menores a resultados de melhor qualidade. Dessa forma, buscam estratégias de
focalização; aumento de efetividade; redução de custos; ampliação de laços de
solidariedade social, com a domicialização e comunitarização da atenção. (Costa e
Ribeiro, 1997)
As inovações têm proporcionado a mudança no papel do hospital, que passa a
ser um local exclusivo para eventos agudos, a redução do tempo de internação e a
ampliação do escopo do ambulatório em termos de follow up e procedimentos
cirúrgicos e endoscópicos, associados a redomicialização mais precoce do paciente.
Estão sendo implementados, em várias localidades, programas para fortalecer a
atenção primária resolutiva, como os Programas de Médico de Família e de Agentes
Comunitários e programas de assistência domiciliar para idosos e portadores de doenças
crônicas.
Dentre as inovações orientadas para a superação do modelo assistencial, os
equipamentos substitutivos ao hospital psiquiátrico são apontados como mudanças
institucionais significativas, ao desenvolverem a desinstitucionalização dos doentes e a
promoção da atenção domiciliar e comunitária.
As Inovações no Subsetor Saúde Mental: a Reforma Psiquiátrica
Historicamente, as políticas de saúde mental têm sido formas sistemáticas de
exclusão econômica e social de setores da sociedade, isto é, têm sido formas de
marginalização. (Luz, 1994, 86)
Este caráter de marginalização e exclusão tem favorecido o aparecimento de
críticas e de reivindicações para a transformação do padrão de intervenção do Estado
sobre os doentes mentais. Dessa forma, a psiquiatria, enquanto saber e enquanto prática
32
assistencial que legitima e é legitimada por estas políticas, vem passando por uma série
de críticas que questionam sua legitimidade e sua capacidade para tratar e curar os
doentes mentais.
“No fundo, o conjunto da psiquiatria moderna é atravessada pela anti-psiquiatria, se por isso se entende tudo aquilo que recoloca em questão o papel do psiquiatra, antigamente encarregado de produzir a verdade da doença no espaço hospitalar.” (Foucault, 1992, 124)
As propostas contemporâneas de reformas psiquiátricas surgiram no período
posterior a Segunda Guerra. Neste período, a situação de violência, abandono e
cronificação dos internos nos hospitais psiquiátricos deixava clara sua incompetência
para alcançar a finalidade de tratamento e recuperação a que se propunham, além de
lembrar a situação dos prisioneiros de campos de concentração. (Amarante, 1995, 28 –
29)
Os propostas de reforma procuraram criar novas bases teóricas e institucionais
para o tratamento das doenças mentais. As principais experiências foram a Comunidade
Terapêutica, a Psicoterapia Institucional, a Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria
Comunitária.
A Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia Institucional, representavam
reformas restritas ao espaço asilar, que acreditavam que, com uma mudança
institucional, o asilo poderia recuperar sua função terapêutica. A Psiquiatria de Setor e a
Psiquiatria Comunitária propunham ampliar o escopo da psiquiatria à população, saindo
dos limites do asilo para atuar na comunidade. A despeito das transformações operadas
por estas experiências e das diferenças entre elas, pode-se dizer que “seu raio de ação
respeitou os limites da instituição psiquiátrica. Essas experiências não puseram em
xeque o sistema psiquiátrico: na realidade, procuraram aperfeiçoá-lo.” (Bezerra Jr,
1995 , 171)
No entanto, em meados dos anos 60 inicaram-se novas experiências: a
Antipsiquiatria, na Inglaterra e a experiência italiana, em Gorizia e Trieste, que deu
origem ao movimento da Psiquiatria Democrática. “Já não era mais a forma, mas a
essência mesma do modelo psiquiátrico que era posta em questão. Não se tratava mais
apenas de redesenhar o aparelho assistencial, mas de colocar sob análise as próprias
bases e fundações do conhecimento psiquiátrico.” (Idem, 171)
33
Para a Antipsiquiatria, a loucura era o produto da realidade social conformadora
e alienadora, uma experiência radical de contestação dos padrões de comportamento
ditados pela sociedade capitalista. Dessa forma, negar a descrição da loucura como
doença tinha, por um lado, um objetivo clínico de dar positividade, valor social à
experiência psicótica e por outro, um objetivo político de valorizar o campo das
produções psíquicas como palco das transformações estruturais da sociedade. (Idem,
172)
Segundo Amarante (1992), foi na experiência italiana liderada por Basaglia que
a crítica à psiquiatria como prática de segregação e violência encontrou sua forma mais
proeminente. Certo de que a humanização dos manicômios não atinge o cerne da
questão da psiquiatria, na medida em que não são questionados os seus fundamentos, e
consciente dos problemas decorrentes do seu simples fechamento, Basaglia iniciou um
processo de desinstitucionalização que teve como ponto fundamental a desconstrução
do aparato manicomial. Para ele, o hospital psiquiátrico era um lugar de segregação, de
violência e morte que devia ser combatido, negado e superado. (Amarante, 1992, 9).
A instituição negada na experiência italiana “era constituída por um complexo
de aparelhos científicos, legislativos, administrativos, de códigos de referência cultural
e de relações de poder em torno de um objeto específico para o qual foram criados: a
doença, que no manicômio tem a si superposto o objeto periculosidade.” (Rotelli,1989,
14)
Os aparelhos institucionais construídos segundo o paradigma clínico tinham
como objeto a doença e por isso precisavam ser desmontados para que se entrasse em
contato com os sujeitos enquanto existência sofrimento em relação a um corpo social,
reconstruindo-se então a complexidade do objeto, simplificado pelo conceito de doença.
“o obscuro mal da psiquiatria se deve ao fato dela ter estabelecido instituições baseadas na separação de um objeto fictício, a “doença”, da existência global do paciente e do corpo social.” (Rotelli, 1989, pág. 14).
Este novo objeto revela a pobreza das instituições tradicionais para lidar com
ele. A loucura aponta, então, para a necessidade de invenção de outros recursos e para a
criação de oportunidades e probabilidades para o paciente.
34
“A produção de vida e a reconstrução social que são o objetivo e a prática da instituição inventada devem deixar a superfície do olhar clínico, a investigação psicológica e a simples compreensão fenomenológica. Elas devem tornar-se uma rede, engenharia de reconstrução de sentido, de produção de valor, de tempo, se encarregando da identificação das situações de sofrimento e opressão, da reinserção no corpo social e do consumo e produção de intercâmbio, de novos papéis, de outros modos de ser para o outro, aos olhos do outro. (...) tratar significa possibilitar, aqui e agora, a transformação do modo com que os pacientes vivem e sentem seu sofrimento e, concretamente, a transformação de sua vida cotidiana.” (Rotelli, 1989, pág. 16).
A partir destes movimentos, “a discussão sobre a loucura e a psiquiatria saiu
definitivamente dos compêndios para as páginas dos jornais, para as telas dos cinemas
e foi invadida pelos olhares críticos da Filosofia, Antropologia, Sociologia e História.”
(Bezerra Jr, 1995 , 172).
Neste sentido, as obras de autores como Foucault (1991), Castel (1991),
Goffman (1996), Basaglia (1991), entre outros, ganharam repercussão mundial.
Foucault (1991) e Castel (1991), mostram como se constituiu historicamente a
experiência da loucura e sua transformação em doença mental. Dessa forma, rompem
com as supostas continuidades que poderiam levar à idéia de progresso da ciência em
direção ao encontro da verdade da loucura.
Segundo estes autores, o lugar social da loucura, marcado pela exclusão em
locais de violência sob rótulo de tratamento, foi resultado de um processo
historicamente datado, que tem como marco o nascimento da psiquiatria. Constituindo-
se enquanto especialidade médica e procurando legitimar-se cientificamente, a
psiquiatria opera a redução da loucura, transformando-a em doença mental, objeto de
seu saber e sua prática. De porte da verdade sobre a loucura, a psiquiatria constrói um
lugar de tratamento, o hospital psiquiátrico, onde os doentes mentais são internados e
separados de suas famílias e da sociedade em geral, para poderem ser curados. Dessa
maneira, se constrói uma nova cultura, um novo lugar social para a loucura, e esta passa
a ser percebida como violência, desordem e desrazão.
Goffman (1996), a partir de um estudo de campo num hospital psiquiátrico
federal dos Estados Unidos, onde conviveu com os internos por um ano, descreve a vida
das pessoas internadas em instituições que denomina “totais”. As instituições totais
35
podem ser definidas “como um local de residência e trabalho onde um grande números
de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por
considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada.”
(Goffman, 1996, 11)
Ao descrever o processo de “mortificação do eu”, o autor revela toda a violência
presente nestas instituições. Neste processo, o interno é despido de todas as disposições
sociais que lhe permitiam uma organização pessoal, uma concepção de si mesmo. Ao
entrar na instituição, ele perde seus bens e sua aparência individual, perdendo o controle
sobre a forma como se apresenta aos outros; perde o sentido de segurança pessoal, já
que está sempre diante da possibilidade de ser submetido a algum tipo de violência; é
obrigado a adotar posturas consideradas aviltantes; perde o respeito à reserva de
informações a seu respeito; é exposto a condições humilhantes e perde o direito a
privacidade, já que nunca fica sozinho. Além disso, está sempre sujeito a uma sanção
vinda de cima e tem todas as suas respostas ou comportamentos, como apatia ou
agressividade, usados como alvos para ataques futuros.
Dessa forma, a experiência de hospitalização vai determinar uma carreira moral
que vai provocar mudanças no eu do interno e no seu esquema de imagens para julgar a
si mesmo e aos outros. Por mais diferentes que sejam os diagnósticos, os tipos e graus
da doença, as pessoas que se tornam doentes mentais não só enfrentam situações
semelhantes como apresentam respostas semelhantes, o que mostra que estas
semelhanças não são determinadas pela doença, mas sim pelas forças sociais que
resultam num destino comum para essas pessoas.
Para Basaglia (1991), todas as instituições existentes na sociedade, como a
família, escola, fábrica, universidade, hospital, etc, são instituições de violência onde há
uma nítida divisão entre os que têm e os que não têm o poder. Para não expor
abertamente sua face de violência, a sociedade chamada “do bem estar” delega o poder
aos técnicos que vão exercê-la em nome da técnica. Dessa forma, os técnicos ajudam a
perpetuar a violência global através de uma ação aparentemente reparadora. É nesse
sentido que deve ser percebido o poder do psiquiatra.
O contato com a realidade institucional evidencia elementos estranhos à doença
e sua cura, revelando uma contradição nas teorias técnico-científicas. Estes elementos
estranhos têm raízes no sistema social-político-econômico que os determina. Dessa
forma, embora não negue a existência da doença, afirma que ela assume significados
36
concretamente distintos segundo o nível social do doente: as conseqüências da doença
variam segundo o tipo de abordagem adotado em relação a ela. Estas conseqüências não
podem ser consideradas como a evolução direta da doença, mas sim do tipo de relação
que o psiquiatra, e, através dele, a sociedade, estabelece com o doente.
Quando o doente tem o poder contratual, ele não está submetido passivamente
ao poder do médico, o que não acontece com os doentes que são internados em hospitais
públicos. Neste caso, o doente é
“um homem sem direitos, submetido ao poder da instituição, à mercê, portanto, dos delegados da sociedade (os médicos) que o afastou e excluiu. (...) tal exclusão ou expulsão da sociedade resulta antes da ausência de poder contratual do doente (ou seja, de sua condição social e econômica) que da doença em si.”(Basaglia, 1991, 107)
O diagnóstico clínico, em vez de estar baseado em dados científicos, pode ser
considerado uma etiqueta que, por trás de um julgamento técnico especializado, esconde
um significado mais profundo de discriminação.
O poder des-historificante, destruidor, institucionalizante em todos os níveis da
organização manicomial, aplica-se unicamente àqueles que não têm outra alternativa
que não o hospital psiquiátrico: “o problema não é a doença em si (o que é, quais são
suas causas, quais os prognosticos), mas simplesmente de determinar qual tipo de
relação se instaura com o doente.”(idem, 107)
Dessa forma, o autor considera que os doentes, por serem sócio-
economicamente insignificantes, são vítimas de uma violência original do sistema social
que os joga fora da produção, à margem da vida em sociedade, confinando-os nos
limites dos muros do hospital. O reconhecimento de doença faz com que seja internada
sem que haja dúvida do caráter discriminatório do diagnóstico.
A ação do psiquiatra deve ser, então, a negação deste mandato social e o
rechaço do ato terapêutico que pretende, na verdade, resolver os conflitos sociais
adaptando suas vítimas. A solução só pode ser encontrada em uma posição sócio-
econômica que permita ao mesmo tempo a reinserção gradual desses elementos que não
conseguiram participar do jogo. “Falar de uma reforma da atual lei psiquiátrica
significa não somente desejar encontrar novos sistemas e regras sobre os quais apoiar
a nova organização, mas, principalmente, enfrentar os problemas de ordem social que
lhe são correlatos” (idem, 116)
37
Embora estes autores apresentem muitas diferenças em suas idéias,
“todos criticavam a medicalização da loucura e a psiquiatrização do sofrimento; tinham em comum uma perspectiva que lhes fazia ver história, cultura, sociedade naquilo em que a psiquiatria só enxergava biologia e idiossincrasia individual.” (Bezerra Jr, 1995 , 172)
As experiências de transformação do modelo psiquiátrico clássico em
andamento em outros países e as obras destes autores influenciou de forma decisiva o
movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira3, que teve início no final dos anos 70, no
contexto das lutas por redemocratização. Outras fontes de influência foram o
movimento de reforma sanitária, as contribuições da medicina preventiva e social, a
afirmação política dos direitos humanos e a própria prática nas instituições de saúde
mental. (Nicácio, 1994, I)
“Dessa forma, retirado o manto de cientificidade da psiquiatria, torna-se possível percebê-la como instrumento técnico-científico de poder ou como saber e prática disciplinares e normalizadoras. A denúncia da realidade dos hospitais psiquiátricos tornou possível verificar sua função mais custodial que assistencial, mais iatrogênica que terapêutica, mais alienadora que libertadora. Se por um lado a psiquiatria deixava de ser questão exclusiva dos técnicos para tornar-se uma questão que diz respeito à toda a sociedade, por outro, o objeto da psiquiatria deixava de ser a doença – contra a qual ela se mostrara inoperante – para tornar-se o sujeito da experiência do sofrimento. Como conseqüência, em torno do debate da Reforma Psiquiátrica passava a existir um dos mais expressivos e atuantes movimentos sociais, com uma proposta radical de transformação do setor, que tem merecido um destaque sem igual na história da saúde pública do país. (Amarante, 1997, 165)
No primeiro momento da reforma, metodologicamente denominado de trajetória
alternativa, as principais críticas deste subsetor dirigiam-se às condições de violência e
negligência a que eram submetidos os pacientes nos hospitais psiquiátricos, a ausência
de recursos e as péssimas condições de trabalho dos profissionais da área. Criticava-se,
também, o papel de controle social desempenhado pela psiquiatria e a psiquiatrização
38
do social, surgindo mobilizações pela transformação do modelo de atenção existente,
com a construção de projetos assistenciais alternativos. (Amarante, 1995, 94)
Num segundo momento, denominado de trajetória sanitarista, o movimento de
reforma foi orientado pelo marco teórico da Psiquiatria Preventiva. Buscava-se a
construção de um novo modelo assistencial, privilegiando-se os serviços extra-
hospitalares que possibilitariam a superação do manicômio. O objetivo era a desativação
progressiva dos hospitais psiquiátricos através de uma triagem mais eficaz e eficiente,
com a diminuição das internações, reinternações e do tempo médio de permanência
hospitalar. Buscava-se, também, a inversão da política nacional de saúde mental, de
privatizante para estatizante, tomando-se como base, por um lado, o postulado
ideológico da defesa da coisa pública e, por outro, a hipótese de que a deterioração da
coisa pública era conseqüência da política de privilégio do setor privado. (Amarante,
1997, 167)
A partir desta orientação, foram desenhadas diferentes experiências e projetos,
sendo que alguns foram concretizados como políticas oficiais de saúde mental. No
entanto, “esse movimento se colocava no interior do paradigma psiquiátrico
continuando a compreensão da loucura fundida com a da doença mental,
permanecendo o manicômio como centro e necessidade.” (Nicácio, 1994, III)
As análises críticas das experiências desenvolvidas a partir desta orientação, bem
como a presença inalterada dos manicômios determinaram uma nova orientação para o
movimento de reforma. Colocava-se
“a crítica à psiquiatria não mais no âmbito da falência terapêutica, mas no conjunto das questões sociais tendo como fio condutor a exclusão e a cidadania. Fortemente marcado pelo movimento de desistitucionalização da psiquiatria italiana, em particular da experiência de Trieste, este momento representou uma ruptura na trajetória até então delineada; articularam-se novas idéias e pressupostos como a desconstrução do manicômio, a construção da cidadania, o direito à diferença.” (Nicácio, 1994, IV)
Neste terceiro momento, denominado de trajetória da desistitucionalização ou
da desconstrução/invenção, o movimento reuniu-se em torno da utopia “Por uma
sociedade sem manicômios”4. Ao contrário do momento anterior, esta nova proposição
39
não se apresentava como solução, mas sim como uma ruptura epistemológica que abria
um campo de incertezas, de dúvidas, riquezas e possibilidades.
“Nesse sentido, indicou-se a necessidade de um processo prático-crítico de forma a transformar a redução da loucura em doença mental; processo de desconstrução de saberes, instituições e culturas, de ruptura do paradigma fundante da Psiquiatria, da relação mecânica causa-efeito na análise de constituição da loucura.” (Idem, IV – V)
Neste momento iniciaram-se as mais importantes experiências de transformação
da atenção, dentre elas a construção do Centro de Atenção Psicossocial Professor Luís
Cerqueira, em São Paulo, em 1987, que passou a exercer forte influência na criação e
transformação de muitos serviços. (Amarante, 1995, 89)
A construção do CAPS foi resultado de um processo de questionamento dos
tradicionais equipamentos assistencias em Saúde Mental e das mal sucedidas tentativas
de mudança.
“A discussão de alternativas institucionais de atendimento da psicose e neurose grave não se inicia pela decretação pura e simples da falência dos hospitais e ambulatórios, em nome da suposta apreensão imediata do doente num contexto psicossocial.” (Goldberg, 1994, 28)
Neste sentido, ele aponta a análise do funcionamento do modelo tradicional e de
sua repercussão nos pacientes como extremamente importante para a avaliação da
própria possibilidade institucional de enfrentamento da doença, evitando que os efeitos
perversos encontrados nos hospitais psiquiátricos e ambulatórios sejam reproduzidos em
outras instâncias extra-hospitalares. Por isso, a extinção do hospital psiquiátrico e do
ambulatório não garante uma mudança efetiva:
“Parece-nos mais aconselhável, nesse sentido, desmobilizar o aparato em cada um de seus mecanismos mais internos de apreensão da doença, com o que estaríamos visando o cerne da degradação institucional, e não uma figura abstrata de Instituição.” (Idem, 29)
Segundo ele, o modelo psiquiátrico tradicional apresenta um padrão constante de
acolhimento aos pacientes, que se baseia na expressividade dos sintomas e concebe a
40
doença como figura médica. O objetivo é a remissão dos sintomas sem que se procure o
sentido que apresentam na vida do paciente. As ofertas terapêuticas se resumem ao
hospital psiquiátrico, quando os sintomas são agudos, e ao ambulatórios, quando não se
manifestam. Com o tempo, o paciente passa a ser considerado crônico, já que o uso
constante de medicação faz com que os sintomas sejam menos freqüentes. Neste
momento a instituição tem muito pouco a oferecer, procurando, apenas, manter este
quadro e evitar a internação.
Na descrição de alguns casos clínicos atendidos num ambulatório e no hospital
psiquiátrico, o autor relata ter percebido a possibilidade de novos acessos aos casos,
procurando introduzir outras ferramentas, diferentes do manejo dos sintomas.
Entretanto, os meios disponíveis não viabilizaram tais tentativas. Foi constatado, então,
“a necessidade de um outro lugar terapêutico, de um espaço de manobra onde essa fala
pudesse se manifestar numa lógica institucional alienante.” (idem, 100)
O CAPS é um projeto público de atendimento a pacientes psicóticos e neuróticos
graves que oferece uma clínica de cuidados que “ conjuga num mesmo espaço o
tratamento e a reabilitação e busca uma atuação mais globalizada frente às questões
da saúde mental, com a implantação de setores de ensino e pesquisa.” (Goldberg, 1994,
22) Sua proposta é lidar com a psicose e suas determinações de marginalização e
cronificação.
Em 1989, surgiu a oportunidade de colocar em prática a desmontagem do
aparato manicomial, com a implantação de uma rede territorial de atenção à saúde
mental com o propósito de substituir o modelo psiquiátrico tradicional. A partir das
denúncias na imprensa sobre maus tratos, desrespeito e mortes, a Prefeitura de Santos
decretou a intervenção na Casa de Saúde Anchieta, hospital psiquiátrico conveniado
com o INAMPS.
“Partindo do laboratório do ‘Anchieta sob intervenção’ se articulam, se projetam e se constroem cinco Núcleos de Atenção Psico-Social, a Unidade de Reabilitação Psico-Social, o Centro de Convivência TAM-TAM, o Pronto-Socorro Psiquiátrico e o Lar Abrigado República “Manoel da Silva Neto”. (Nicácio, 1994, 81)
Os NAPS, eixo do novo circuito, são serviços regionalizados e funcionam 24
horas por dia e 7 dias por semana, devendo responder à toda demanda psiquiátrico-
psicológica de sua região de abrangência.
41
“A prática terapêutica do NAPS coloca a centralidade da atenção na necessidade dos sujeitos e por isto tem múltiplas valências terapêuticas: garantia de direito de asilo, hospitalidade diurna e noturna, espaço de convivência, de atenção à crise, lugar de ações de reabilitação psico-social, de agenciar espaços de transformação cultural. O NAPS se orienta criando diversidade de redes de relação que se estendem para além de suas fronteiras, ao território. Em outras palavras, têm uma prática terapêutica que, criticando permanentemente formas de objetivação simples e lineares, tende a se configurar como “gestão complexa dos problemas”. (Nicácio, 1994, 91)
As estratégias não assistenciais têm como objetivo manter uma relação
permanente de apoio e participação da comunidade. Entre elas estão o Projeto Tam-
Tam, com iniciativas culturais como programas de rádio, produção de vídeos, artes
plásticas e dramáticas e as Cooperativas Sociais, que têm como objetivo a construção
efetiva de possibilidades sociais, através de ofertas de trabalho para pessoas em
desvantagem social.
Dessa forma, o CAPS e o NAPS apresentam proposta diferenciadas. O CAPS é
uma estrutura intermediária, entre o hospital e a comunidade, atendendo a pacientes no
momento da alta hospitalar, para a passagem à vida comunitária ou evitando a
internação. O projeto CAPS aceita, ainda que de forma provisória, o hospital
psiquiátrico o que, para o projeto NAPS, é inadmissível. Outra diferença é a proposta
terapêutica dos dois serviços. Enquanto o CAPS é um serviço sanitário sensu strictu,
calcado no modelo médico-psicológico de análise, os NAPS são serviços não somente
médicos, mas também sociais e culturais. (Amarante, 1997, 172)
A partir destas considerações, a Reforma Psiquiátrica Brasileira pode ser
entendida como:
“o processo histórico de formulação crítica e prática que tem como objetivos e estratégias o questionamento e a elaboração de propostas de transformação do modelo clássico e do paradigma da psiquiatria.” (Amarante, 1995, 91)
Dessa forma, não fica restrita
“à reformulação de serviços, ao rearranjo do aparato assistencial normativo, nem a restruturação do texto jurídico que trata da matéria; não significa ainda a descoberta de
42
novas técnicas, de uma escuta ou de uma terapêutica perfeitamente qualificada e competente, e por assim dizer, definitiva.” (Amarante, 1994, 43).
Segundo Delgado, “a doença mental é um problema sério demais para ficar
restrito aos psiquiatras...ou aos demais técnicos da extensa confraria Psi. (Delgado,
1987, 173-174) Além disso, ele lembra que as experiências de transformação em curso
não se restringem a empreendimentos de caráter técnico ou administrativo, apontando
para a necessidade de novas estratégias para lidar com a doença mental.
A questão colocada pela Reforma Psiquiátrica, embora privilegie o problema da
assistência, não se restringe a ele, “pois o que está em pauta de maneira decisiva é
delinear um outro lugar social para a loucura na nossa tradição cultural.” (Birman,
1992, 72)
A Reforma Psiquiátrica é, então, o conjunto de iniciativas políticas, sociais e
culturais, administrativas e jurídicas, que parte das transformações na instituição e no
saber médico-psiquiátrico até as práticas sociais em lidar com as pessoas com
problemas mentais e que apresenta como referência fundamental a
desinstitucionalização. (Amarante, 1994).
“Desinstitucionalizar significa tratar o sujeito em sua existência e em relação com suas condições concretas de vida. Isto significa não administrar-lhes apenas fármacos ou psicoterapias, mas construir possibilidades. O tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de violência e mortificação para tornar-se criação de possibilidades concretas de sociabilidade e subjetividade. O doente, antes excluído do mundo dos direitos e da cidadania, deve tornar-se um sujeito, e não um objeto do saber psiquiátrico. A desinstitucionalização é este processo, não apenas técnico, administrativo, jurídico, legislativo ou político; é, acima de tudo, um processo ético, de reconhecimento e uma prática que introduz novos sujeitos de direito e novos direitos para os sujeitos. De uma prática que reconhece, inclusive, o direito das pessoas mentalmente enfermas em terem um tratamento efetivo, em receberem um cuidado verdadeiro, uma terapêutica cidadã, não um cativeiro. Sendo uma questão de base ética, o futuro da reforma psiquiátrica não está apenas no sucesso terapêutico-assistencial das novas tecnologias de cuidado ou dos novos serviços, mas na escolha da sociedade brasileira, da forma como vai lidar com os seus diferentes, com suas minorias, com os sujeitos em desvantagem social.” (Amarante, 1995b, 494).
43
Esta definição mostra o caráter complexo da Reforma que abrange não só o
campo assistencial, como também o conceitual, cultural e político, onde vêm sendo
operadas várias transformações. (Amarante, 1997)
No campo assistencial, estão sendo criados, em todo o país, novos serviços com
propostas de tratamentos diferenciados dos serviços tradicionais, levando-se em
consideração a singularidade e as condições concretas de vida das pessoas que buscam
ajuda. A questão da cidadania também se configura como importante princípio a ser
considerado nestas novas propostas de assistência.
No campo conceitual, surgem novos conceitos que procuram dar conta da
experiência de sofrimento mental, percebida em sua complexidade e não mais pela
objetivação da psiquiatria.
No campo cultural, multiplicam-se pelo país movimentos sociais, como as
associações de familiares e de usuários, além de cooperativas e eventos para
sensibilizar a sociedade para a forma como vêm sendo tratados os pacientes
psiquiátricos e para as propostas da Reforma. O objetivo é possibilitar a construção de
novas formas de convivência e transformar as tradicionais concepções de
periculosidade, erro e desvio associadas a loucura.
Sob influência política e ideológica do Movimento de Reforma e das
experiências de Santos e de São Paulo, o Ministério da Saúde incorporou as
necessidade de novas modalidades de assistência. Através da portaria 189/91, ampliou
e diversificou os procedimentos da tabela SIH/SUS e SIS/SUS, possibilitando o
financiamento de estruturas assistenciais do tipo CAPS, NAPS, hospital-dia e unidades
psiquiátricas em hospitais gerais. Através da portaria 224/925, estabeleceu as condições
de funcionamento das novas estruturas assistenciais e dos hospitais, fechando os
serviços hospitalares mais precários.
No entanto, estas portarias fazem uma equiparação teórica e metodológica de
serviços que, na verdade, apresentam propostas distintas, como o CAPS e o NAPS.
“Esta redução é, sem dúvida, um aspecto que deve ser enfrentado no sentido de que
sejam diferenciados os dois sistemas e que o primeiro caminhe na direção do
segundo.” (Amarante, 1997, 183)
Surgem, então, em todo o Brasil, uma série de novos serviços que se configuram
como experiências múltiplas e heterogêneas. São Centros de Atenção Psicossocial,
Lares Abrigados, Núcleos de Atenção Psicossocial, Hospitais-Dia, Centros de
44
Convivência, entre outros, que mesmo apresentando suas singularidades, têm em
comum a proposta de oposição e transformação do modelo clássico em psiquiatria.
A oposição ao modelo tradicional significa uma mudança na concepção da
loucura. Como foi visto anteriormente a loucura era percebida como ausência de obra e
a psiquiatria acreditava poder restituir-lhe a razão perdida. Segundo Birman (1992),
deve-se reconhecer que o modelo ideal de sujeito e de cidadania baseados na razão
iluminista é apenas uma das modalidades possíveis de subjetividade e que existem
diferentes processos de subjetivação. A loucura aponta para a possibilidade da
diversidade, revelando uma multiplicidade de formas para a existência do sujeito. Desta
maneira, a reforma psiquiátrica implica no reconhecimento de que não há uma falta a
ser preenchida nos loucos. A loucura deve ser percebida como uma outra experiência
possível, uma outra forma de estar no mundo que deve ser respeitada em sua diferença
em vez de corrigida. 1 O contrato de gestão é um compromisso institucional firmado entre o Estado e uma entidade pública estatal ou uma entidade não-estatal, com o propósito de contribuir para que sejam atingidos os objetivos das políticas públicas, mediante o desenvolvimento de um programa de melhoria da gestão. Neste contrato são especificadas as metas e seus indicadores, as obrigações, responsabilidades, recursos, condicionantes, mecanismos de avaliação e penalidades para ambas as partes. Com relação ao Poder Público contratante, o contrato e gestão é um instrumento de implantação, supervisão e avaliação de políticas públicas, na medida em que vincula recursos a obtenção de finalidades públicas. Com relação às organizações contratadas, se coloca como um instrumento de gestão estratégica, na medida em que direciona a ação organizacional e a melhoria da gestão aos cidadãos/clientes beneficiários das políticas. Dessa forma, o contrato de gestão deve apresentar as seguintes partes: - disposições estratégicas: objetivos da política pública a qual se refere, missão institucional, objetivos estratégicos e metas institucionais com seus respectivos planos de ação; - indicadores de desempenho: forma de representação quantitativa e qualitativa para a mensuração da obtenção das metas; - definição dos meios e condições para a execução das metas pactuadas; - sistemática de avaliação: programação das reuniões de acompanhamento e avaliação para a verificação objetiva da obtenção das metas, com base nos indicadores. (MARE, 1998. Organizações Sociais. Cadernos do MARE, 2) 2 O Relatório Flexner foi publicado em 1910, com o propostas para a reformulação do ensino médico, que deveria apresentar as seguintes características: sólida formação em ciências básicas, como anatomia, fisiologia, bioquímica, etc; pouca ênfase nos aspectos de prevenção e promoção da saúde e atenção ambulatorial; valorização da atenção médica individual; valorização da aprendizagem dentro do ambiente hospitalar, recomendando-se que as faculdades tivessem seu próprio hospital de ensino, considerando impróprio o uso de outros serviços; organização minuciosa da assistência médica em cada especialidade; etc. Este relatório influenciou as reformas no ensino nos Estados Unidos, no Canadá, na América Latina , tendo sido implementado no Brasil na década de 40. A este respeito ver MARSIGLIA, R.G. 1995. Relação Ensino/Serviços. Dez Anos de Integração Docente Assistencial (IDA) no Brasil. São Paulo: Hucitec. 3 Maiores informações a respeito da Reforma Psiquiátrica Brasileira consultar Amarante, Paulo, org., 1995. Loucos pele Vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil. Rio de Janeiro: Panorama ENSP. 4 O lema “Por uma sociedade sem manicômios surge em 1987, no II Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, em Bauru. (Amarante, 1995, 99)
45
5 Ministério da Saúde, Secretaria Nacional de Assistência à Saúde; portaria nº 189, de 19 de novembro de 1991 e portaria nº 224, de 29 de janeiro de 1992.
46
II) A CONSTRUÇÃO DE UMA REDE DE CENTROS DE ATENÇÃO
PSICOSSOCIAL
II. 1 ) A Assistência em Saúde Mental no Município do Rio de Janeiro.
A assistência em saúde mental no município do Rio de Janeiro sempre esteve
centrada nas internações em hospitais psiquiátricos, públicos ou privados contratados.
Apesar do movimento de Reforma Psiquiátrica, que impulsionou a construção de uma
série de serviços com propostas de oposição ao modelo manicomial em todo o país,
inclusive no estado do Rio de Janeiro, as experiências inovadoras desenvolvidas no
município estavam localizadas nos hospitais federais e universitários1. Estes serviços
eram criados por iniciativa dos profissionais que, favoráveis às propostas da Reforma,
desejavam romper com o modelo de tratamento desenvolvido nas instituições. No
entanto, estas iniciativas não representavam uma mudança significativa no modelo
assistencial hegemônico em saúde mental, de caráter manicomial.
Em 1997 eram 5636 leitos, sendo que mais da metade, 2958, no setor privado
conveniado. Com este modelo são gastos mais de 19 milhões de Reais por ano, o que
faz do subsetor saúde mental o terceiro item de despesa hospitalar no município.
(Fagundes e Libério, 1997, 30)
A assistência ambulatorial, por sua vez, que na década de 80 foi apontada como
uma alternativa ao modelo hospitalar, oferecendo um acompanhamento periódico aos
pacientes saídos da internação, passou por um processo de sucateamento e acabou por
constituir-se, de fato, em mais um mecanismo de cronificação. Segundo Delgado, 1997,
mesmo apresentando uma clientela composta por pacientes graves, oferecia grandes
filas de espera, consultas de curta duração, limitadas a administração de fármacos, com
grandes intervalos para remarcação e restritas a uma única especialidade profissional.
“Quando o psiquiatra do PAM recebia o paciente em uma reconsulta, muitas vezes este já tinha se reinternado e recebido alta no período entre as duas consultas. O vínculo com o ambulatório era muito tênue, e o paciente se referia à Clínica onde se reinternava sucessivamente como seu atributo principal de pertencimento: eu sou da Humaitá, ou da Gávea, ou da Eiras.” (Delgado, 1997, 42)
47
Mesmo reconhecendo a necessidade de “humanizar o atendimento
ambulatorial”, considera-se que este modelo “com marcação exclusivamente por
agendamento, atendimento centrado na medicalização dos sintomas, embora atenda a
uma demanda específica de clientela não constitui, hoje, um espaço adequado às
necessidades daqueles com sofrimento psíquico ou portadores de agravos à saúde.
(SMS/GSM, 1997, 8)
O município do Rio de Janeiro apresenta, então, “um sistema de saúde
complexo, diluído entre vários gestores, com inúmeros problemas no seu processo de
municipalização, sendo o principal deles a falta de comando único para a rede
assistencial no município”. Com relação saúde mental, apresenta, por sua vez:
“o maior parque manicomial do país, a maior concentração de leitos públicos e privados contratados, uma fiscalização deficiente e inexistência de outras estruturas de cuidados mais intensivos, sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Saúde, que pudesse se oferecer como substitutivas à assistência prestada.”(Gomes, 1999, 4 -5)
A vinculação da assistência psiquiátrica às instituições federais se deve a própria
história do município, que concentra todas as unidades hospitalares do governo federal.
O atendimento a população sempre coube ao governo federal, seja pela Previdência
Social, através da compra de serviços às clínicas privadas (responsáveis pelo
atendimento da população previdenciária), seja pelos hospitais do Ministério da Saúde
(responsáveis pelo atendimento da população sem vínculo trabalhista). Dessa forma, “o
município, enquanto instância gestora, sempre esteve “por fora” da assistência
psiquiátrica.” (Reis, 1996, 60)
Segundo Gomes (1999), esta realidade só começou a mudar no final da década
de 80, quando, com a criação do SUS e o processo de municipalização, associado a
reestruturação da política de saúde mental do ministério da saúde, os municípios foram
chamados a assumir a responsabilidade pelas ações de saúde2.
“Mais do que vontade política, coube aos municípios passar a cumprir as orientações normativas de saúde mental inclusas no processo de municipalização.” (Gomes, 1999, 174)
48
Segundo Fagundes (1997 a), como a Secretaria Municipal de Saúde nunca se
ocupou da clientela psiquiátrica, foi necessário construir uma nova concepção dos
objetivos do Programa de Saúde Mental, apontando para o desenvolvimento de uma
outra lógica de cuidados voltada para a reabilitação psicossocial.
Neste sentido, em 1995, a Gerência apresentou um documento de caráter
normativo que estabeleceu as diretrizes do Programa de Saúde Mental da Secretaria
Municipal de Saúde. Neste documento foram determinadas as principais funções, ações
e projetos da gerência em saúde mental, tendo como base o ano de 1995 para o início
das atividades:
Funções: - Exercer a coordenação técnica, de caráter normativo, do
Subsistema de Atenção à Saúde Mental, do Sistema Único de Saúde do Município do rio de Janeiro;
- Planejar o desenvolvimento da ações de saúde na perspectiva da prestação de serviços de atenção integral. Ações:
- Supervisão técnica dos Programas de Saúde mental desenvolvidos pelas unidades da rede própria;
- Assessoria aos programas de Atenção Integral à Saúde, desenvolvidos nas unidades da rede própria;
- Desenvolvimento de estratégias de qualificação e treinamento de Recursos Humanos no Subsistema de Atenção à Saúde mental, buscando parcerias com as Universidades Públicas e a Escola Nacional de Saúde Pública;
- Desenvolvimento de estratégia integrada, junto aos pólos psiquiátricos, para controle e avaliação do ingresso de usuários em serviços de internação psiquiátrica;
- Supervisão, controle e avaliação da prestação de serviços contratados no Subsistema de Atenção à Saúde mental do Sistema Único de Saúde do Município do Rio de Janeiro. Projetos:
- Realização da pesquisa Censo da população Internada nos hospitais psiquiátricos do Município do rio de Janeiro (rede pública e contratada);
- Montagem de Serviços de atenção diária voltados para o atendimento à clientela de sofrimento psíquico grave;
- Efetiva implantação do Programa de Dispensação de Medicamentos Psicoativos na rede municipal;
- Treinamento e qualificação, em conjunto com a Coordenação de Atendimento às Doenças Crônicas, de profissionais de saúde para atenção aos quadros decorrentes do alcoolismo;
- Organização da rede para o atendimento ambulatorial em saúde mental, buscando a integração entre os serviços e a sua efetiva inserção territorial” (SMS/GSM, apud Gomes, 1999, 189 – 190)
49
Estas diretrizes foram divulgadas na III Conferência Municipal de Saúde,
realizada em 1995 e, dessa forma, “a Coordenação de Saúde Mental consegue ajustar
com a sociedade organizada as diretrizes para o município.”(Gomes, 1999, 191)
Outra contribuição para a legitimação desta carta de intenções foi a passagem do
município para a gestão incipiente, que permitiu maior controle e avaliação das clínicas
contratadas, consideradas o grande foco de tensão da rede. Foram criadas equipes de
supervisão continuada em cada área de planejamento de saúde, que realizam
supervisões periódicas nas clínicas contratadas e públicas.
Partindo da constatação da hegemonia do modelo hospitalocêntrico e de seu
caráter iatrogênico, a Gerência de Saúde Mental da Superintendência de Saúde Coletiva
da Secretaria Municipal de Saúde começou a pensar na construção de um Programa de
Saúde Mental que “invertesse” este modelo.
O objetivo era “tornar viáveis ações assistenciais que oferecessem resposta às
necessidades da população, construindo uma rede de cuidados de base territorial,
hierarquizada, impulsionadora de um processo de resgate da cidadania.” (Fagundes e
Libério, 1997, 30)
Estas ações destinariam-se a pessoas portadoras de “sofrimento psíquico grave”,
que, historicamente, vem sendo submetidas à um “múltiplo processo de exclusão”. Este
processo de exclusão
“se define a partir das condições sócio econômicas, implicando na exclusão da moradia, do trabalho, do lazer, mas que se objetiva pela exclusão socialmente imposta ao direito à informação, à vida comunitária, à sociabilidade, à realização pessoal, profissional e cultural. Acresce-se ainda a exclusão ao direito à assistência, aos cuidados necessários face à singularidade de sua condição de vida.” (Idem, ibidem)
No entanto, para a construção de um outro modelo eram necessárias algumas
informações a respeito da clientela. Como esta se constitui, basicamente, de paciente
internados, foi realizado, em outubro de 1995, o primeiro censo da população de
internos nos hospitais psiquiátricos. Este levantamento foi feito pela Secretaria
Municipal de Saúde, em conjunto com o Instituto de Psiquiatria da UFRJ e com a
Escola Nacional de Saúde Pública / FIOCRUZ.
50
Com o censo, pretendia-se conhecer o perfil clínico e sócio-econômico dos
pacientes, isto é, como se compõem, como é sua vida social, se apresentam laços
familiares, qual a média de internações e sua duração, que tipo de tratamento recebem.
O objetivo era criar um banco de dados que subsidiasse o planejamento das ações em
saúde mental e a alocação de serviços não manicomiais.
Foram entrevistados todos os pacientes internados em hospitais psiquiátricos
ligados ao SUS na data escolhida como referência, 24 de outubro de 1995, excetuando-
se a Colônia Juliano Moreira, onde só foram entrevistados os pacientes do Hospital
Jurandyr Manfredini3.
Como instrumento para a coleta de dados quantitativos, foi elaborado um
questionário fechado, dividido em três sessões: dados identificadores, dados sócio
econômicos e dados clínicos. Além dos dados quantitativos, os pesquisadores foram
orientados a registrar num diário de campo suas impressões sobre o ambiente de
trabalho e a assistência prestada. A partir destes registros foram elaborados relatórios
qualitativos de cada clínica e hospital pesquisado.
Segundo Gomes (1999)4, o censo levantou 3223 pacientes internados na data de
referência. Dentre os itens mais relevantes para o planejamento da implantação dos
CAPS, estão o “endereço do paciente”, que permitiu localizar geograficamente esta
clientela; os itens ligados ao tratamento, seja com relação à qualidade do tratamento
oferecido durante a internação, como “atividades em grupo durante a internação”, seja
com relação ao vínculo terapêutico do paciente entre as internações, como “tratamento
ambulatorial antes da internação”; e os itens que investigam as relações familiares dos
pacientes e suas possibilidades de viver fora do hospital, como, por exemplo “com
quem conta”, “visitas durante a internação”, “vínculo atual referencial de moradia”5.
Estes dados mostraram que os números de pacientes que residiam no hospital, de
pacientes em situação de rua e de pacientes que não dispunham de laços familiares não
eram tão altos quanto se acreditava. Com isso desfizeram-se antigas crenças que
colocavam em dúvida a viabilidade de um projeto não manicomial, que, para ser bem
sucedido, necessita do apoio familiar.
No item “endereço do paciente” foram computados 13 pacientes a mais do que o
universo pesquisado, perfazendo um total de 3236 referências de moradia. Isto se deve
ao fato de 13 pacientes se internarem em duas clínicas diferentes na data de referência.
“A hipótese mais provável para este acontecimento seria a evasão destas pessoas de
51
uma das instituições e a posterior reinternação em outro estabelecimento.”(Gomes,
1999, 200) Das 3236 referências de moradia, 2274 localizavam-se no Rio de Janeiro;
409 localizavam-se fora do Rio e 422 não indicavam localidade. Destes 422, 321 eram
registrados como “moradores do hospital”, 74 registrados como “situação de rua”, 25
informações ignoradas e 2 pacientes registrados como moradores no trabalho. 131
referências de moradia não foram localizadas.
Estes dados mostram que “a maior parte da população internada dispõe de
dados suficientes para a sua localização residencial e, consequentemente, para
estabelecer de forma mais clara a sua rede de pertencimento.” (idem, ibidem)
Gráfico 01 - Endereço dos Pacientes
2274
409
422 131
Endereço indicadolocalizado no Rio
Endereço indicado fora daCidade do Rio
Endereço não indicador delocalidade
Endereço indicado e nãolocalizado
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
O item sobre a vida laborativa dos pacientes antes e depois de sua entrada no
circuito das internações psiquiátricas é destacado por Gomes como um dos mais
importantes. Os dados indicam que a inserção no mercado de trabalho, seja formal ou
informal, diminui drasticamente com o aumento do número de internações. Na época
da primeira internação, 31,55% dos pacientes estavam empregados, enquanto que, na
época anterior à atual internação, esta percentagem caiu para 8,25%. A condição de
beneficiário, por sua vez, caminha em direção inversa: 2,45% de pacientes em benefício
na época da primeira internação, enquanto que, na época da atual internação este
percentual se eleva para 25,22%.
52
Tabela 01. Situação em relação ao mercado de trabalho. Até próximo à época da
primeira internação Até próximo à época da
atual internação Nº % Nº % Empregados 1017 31,55 266 8,25 Desempregados 129 4,00 164 5,09 Biscateiros 240 7,45 237 7,35 Em benefício 79 2,45 813 25,23 Não inseridos no mercado de trabalho
1148 35,62 1555 48,25
Inf. Ign. 610 18,93 188 5,83 Total 3223 100,00 3223 100,00 Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental no Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IPUB/UFRJ
Estes dados, que fazem parte dos dados sócio econômicos, revelam, também a
qualidade da assistência. De acordo com Gomes (1999), embora os dados sejam
considerados conseqüência do “curso natural da doença”, não podem ser dissociados da
assistência prestada:
“A ‘ressocialização’ ou a ‘reabilitação’ são objetivos declarados da assistência psiquiátrica e de suas instituições. O que estes dados revelam é que tais objetivos não estão sendo alcançados. Assim, é imperativo indagar por que razões estes objetivos não estão sendo alcançados estendendo esta interrogação ao modelo de tratamento ministrado. Em outras palavras, o binômio psiquiatrização-exclusão do mercado de trabalho deve ser referido a um terceiro termo: a qualidade do tratamento.” (idem, 204)
O item “tipo de fonte de renda” indicou que 37,22% possuíam fonte de renda
própria, 29,57% tinham os meios de sustento providos por seus familiares e 4,29% não
se conseguiu obter esta informação. Apenas 28,92% dos pacientes não apresentavam
qualquer fonte de renda.
53
Gráfico 02 - Tipo de Fonte de Renda
37,22%
29,57%
28,92%
4,29% Possuem renda própria
Não possuem renda
Suporte familiar
Informação ignorada
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Outros itens que merecem destaque são o “com quem conta” (única variável que
privilegiou a informação do próprio paciente), o “tipo de visitas” e o “número de visitas
durante a internação”, que dizem respeito a existência de laços familiares nesta
população.
71,05% contavam com os próprios familiares, 4,75% com amigos e 20,66% não
contavam com ninguém, o que, para a autora, embora não seja tão alto quanto se
esperava, é um número preocupante.
Gráfico 03 - Com quem conta
71,05%
20,66%
4,75%
Com familiares
Com ninguém
Com amigos
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Com relação as visitas durante a internação, 67,38% dos pacientes receberam
visitas de familiares durante o período de internação; 27,67% não recebiam visitas;
2,33% recebiam visitas de amigos, religiosos, vizinhos e outros. 2,63% não obteve-se
54
esta informação. Com relação à freqüência, 37,94% recebiam visitas pelo menos uma
vez por semana e 12,10% recebiam visitas eventuais.
Gráfico 04 - Visitas durante a internação
67,38%2,33%
27,67%2,63%
Familiares
Amigos, religiosos, vizinhos eoutros
Não recebem visitas
Informação ignorada
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado,Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
12,78%
25,16%
6,70%5,40%
16,94%
28,17%
4,85%
0,00%
5,00%
10,00%
15,00%
20,00%
25,00%
30,00%
Gráfico 05 - Freqüência das visitas
2 ou mais vezes nasemana
Semanalmente
Quinzenalmente
Mensalmente
Só recebiameventualmente
Não se aplica
Não foi registrada afreqüência de visitas
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
55
O item “vínculo atual referencial de moradia” mostram que 57,77% dos
pacientes contavam com moradia regular fora do hospital; 17,13% eram moradores do
hospital com lugar para ficar fora do hospital; 19,58% foram considerados moradores
do hospital, sem outro lugar para ficar; 0,31% foram considerados albergados em
abrigos públicos; 3,94% foram considerados em situação de rua e 1,27% não se obteve
este registro.
Gráfico 06 - Vínculo atual residencial de moradia
57,77%0,31%19,58%
3,94%
1,27%17,13%
Moradia regular
Albergados
Morador do Hospitals/ lugarSituação de rua
Morador do Hospitalc/ lugarInformação ignorada
Fonte: Gomes, M. P. C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio Janeiro. Tese de doutorado, Rio de Janeiro; Instituto de Psiquiatria da UFRJ.
Segundo Gomes (1999), os dados referentes a este item “desmontam a falácia
de que há um aumento de doentes mentais em situação de rua, mas igualmente revelam
a necessidade de se construir políticas e ações de suporte social para esta clientela no
território.” Além disso, somando-se as situações em que não há vínculo de moradia,
encontra-se um percentual de 23,52%, que “indica um número significativo de pessoas
para as quais o processo de reabilitação psicossocial requer ações de suporte social,
entre as quais destaca-se a criação de lares abrigados, pensões protegidas etc.” (idem,
210–211)
Na sessão destinada aos dados clínicos, encontram-se os itens que buscam traçar
o perfil do tratamento prestado pelas instituições, que revelaram “a ausência de uma
perspectiva mais ampla nos cuidados em saúde mental” (idem, 212)
56
Com relação a participação em atividades de grupo, 74,14% não participavam de
qualquer atividade grupal. Com relação à assistência prestada pelos hospitais e clínicas
onde estavam internados os pacientes, 61,55% recebiam apenas tratamento
farmacológico, embora, 99% dos 20 hospitais pesquisados encontrem-se no Grupo de
Internação Psiquiátrico IV e contam com uma equipe multiprofissional. Dessa forma,
“o quadro encontrado pela pesquisa coloca-nos diante do desafio de qualificar a
assistência, apontando sobretudo para o desenvolvimento de políticas de reabilitação
psicossocial.” (Fagundes e Libério, 1997, 32)
Os itens revelam que o pertencimento ao Grupo IV não está significando uma
assistência multiprofissional para os pacientes. Dessa forma, ao desafio de qualificar
esta assistência, apontado acima, pode ser incluída a necessidade de acompanhar ou
mesmo fiscalizar a atenção prestada pelas clínicas conveniadas.
74,14%
9,64%7,17%
1,51%1,08%
0,81%5,65%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
80,00%
Gráfico 07 - Atividades em grupos.
Não part de atividadeem grupo
Grupo operetivo
Grupo psicoterápico
Grupo de ajuda mútua
Gruposociopedagógico
Grupo de familiares
Outros grupos
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese deDoutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
57
61,55%
13,17%
7,43%11,87%
2,75%1,40%1,83%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
70,00%
Gráfico 08 - Tratamento não psiquiátrico
Somente tratamentopsiquiátricoPsicologia
Serviço Social
Terapia Ocupacional
Clínica Médica
Fisioterapia
Outros
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A taxa de reinternações encontrada foi muito alta, o que foi demonstrado no item
“número total de internações psiquiátricas”. 28,79% apresentavam de 2 a 5 internações
psiquiátricas; 13,40% de 6 a 10; 18,40% com mais de 10 internações e em 26,68% não
foi possível verificar o número total de internações em suas vidas. Apenas 12,72%,
estavam passando pela primeira internação.
Gráfico 09: Nº total de internações
28,79%
13,40%18,40%
12,72%
26,68%
2 a 5 internações
6 a 10 internações
mais de 10internações
única internação
inf. Ign.
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
58
Quanto ao tratamento ambulatorial, a maioria dos internos, 56,90% não estavam
freqüentando este tipo de tratamento antes da atual internação e, dessa forma, tinham a
internação como única forma de tratamento. Apenas 26,62% freqüentavam este tipo de
tratamento. Em 16,48% não foi possível verificar este dado.
56,90%
26,62%
16,48%
0,00%
10,00%
20,00%
30,00%
40,00%
50,00%
60,00%
Gráfico 10 - Tratamento ambulatorial.
não freqüentavamtratamentoambulatorial
freqüentavam algumtipo de tratamentoambulatorial
inf. Ign.
Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Para a Subgerente de Saúde Mental, estes dados mostram que as internações
funcionam num sistema de revolving door, sem que as pessoas tenham a oportunidade
de procurar outro tipo de serviço. Após a alta do paciente, a família é orientada a
procurar um Pólo para uma nova internação:
“Então isso mostrava que as internações, elas meio que funcionam num sistema de revolving door. Estas pessoas, elas nem têm oportunidade de procurar outro serviço, além de não serem adequadamente orientadas para isto. Claro que estas clínicas têm um sistema de agenciamento desta população. Então, eles recebem alta, muitas vezes, já com a indicação, a família principalmente, de que eles deveriam procurar um pólo para uma nova internação. Quer dizer, se você quer descosntruir um aparato do tamanho do que se tem no Rio de Janeiro, a perspectiva é, paulatinamente, se construir uma rede para que este população tenha esta opção. Não há como se pensar que este sistema deva ser paulatinamente desconstruído
59
se a gente não puder oferecer então esta perspectiva desse atendimento extra-hospitalar.” (Libério, 1997)
Com relação aos dados qualitativos do Censo, Tenório(1996) mostra algumas
tendências encontradas nos relatórios dos pesquisadores. A maioria das instituições
visitadas encontrava péssimas condições de higiene, disposição arquitetônica
inadequada e ambiência desagradável. Foi mencionado, também, indiferença dos
técnicos ao sofrimento daqueles que lhes cabe assistir; episódios de maus tratos e
violência; agressões de técnicos contra pacientes; ameaça e uso de eletrochoque como
instrumento disciplinar e punitivo; abandono e desassistência; pacientes com medicação
inalterada há mais de um mês; profissionais com péssimas condições de trabalho e
tendo que cuidar de uma quantidade de pacientes muito maior do que um cuidado de
qualidade exigiria; naturalização dos quadros clínicos (isto é, a idéia de que “tais
pacientes são e serão assim, não importa o que se faça”) e rotinização das práticas (faz-
se o mínimo e burocraticamente). Nestas instituições,
“a designação de ‘paciente crônico’ tem, de fato, a força de uma sentença: pacientes que já têm a desvantagem de um prognóstico pouco promissor vêem sua situação agravada pela falta de ambição terapêutica dos técnicos, que se traduz em termos de abandono e desassistência. (...) mais dramática é a inversão segundo a qual os pacientes não são tratados porque não têm esperanças. Ora, eles não têm esperanças porque não são tratados! ... a instituição produz os desgraçados para com eles justificar suas próprias práticas. A lógica perversa produz a desgraça para com ela justificar a si mesma.” (Tenório, 1996, pág. XII).
Os dados obtidos pelo Censo mostram a distância entre os projetos terapêuticos
propostos e a assistência efetivamente oferecida, seus resultados e sua incapacidade para
estabelecer vínculos contínuos de tratamento. Dessa forma, a amplitude dos dados
revelam a complexidade da tarefa de transformação da assistência, apontando dois
vetores para a reestruturação da rede: a rede hospitalar, que deve apresentar uma
perspectiva de cuidados mais amplos, e a rede extra-hospitalar, que deve sustentar a
oferta terapêutica a longo prazo. Para Gomes (1999), é neste sentido que a Gerência de
Saúde Mental tem procurado caminhar: desenvolvendo políticas e ações dirigidas para a
consolidação de uma rede territorial de atenção psicossocial. Um dado interessante
apontado pela autora se refere a utilização do Censo não só como indicador técnico mas
60
como “micro-estratégia de convencimento no interior da Secretaria de Saúde, quanto à
urgência de se transformar a assistência prestada.” (Gomes, 1999, 222)
Como ponto de partida de uma política de reabilitação psicossocial, optou-se
pela construção de uma rede de Centros de Atenção Psicossocial.
II. 2 ) Os Centros de Atenção Psicossocial.
Os CAPS são “dispositivos assistenciais voltados para a atenção integral à
clientela com sofrimento psíquico grave”, com abrangência territorial estrita e são
concebidos como um “espaço de acolhimento e cuidados”, onde os pacientes
psiquiátricos “podem reconstruir sua trajetória e seu estatuto de cidadão”. O objetivo é
integrar esta população historicamente marginalizada pelos recursos assistenciais até
então existentes à uma vida social.
“Os CAPS representam algo mais que uma mera alternativa ao modelo hospitalar predominante, funcionando de forma a evitar as internações psiquiátricas e diminuir sua reincidência, mas sobretudo, por possibilitarem o desenvolvimento de laços sociais e interpessoais essenciais para o estabelecimento de novas possibilidades de vida.” (Fagundes e Libério, 1997, 33)
Como forma de gestão destes serviços, a Secretaria optou pelo estabelecimento
de parcerias com Organizações Não Governamentais, que será discutido mais adiante: a
Fundação Lar São Francisco de Paula (FUNLAR), no CAPS Irajá, e o Instituto Franco
Basaglia (IFB), nos CAPS Campo Grande e Santa Cruz.
Uma das preocupações é
“o risco de se repetir o modelo excludente do manicômio no micro-espaço do novo serviço. Ou seja, além da constituição de uma ética de cuidados, é necessário estar atento para a desconstrução de relações, valores, comportamentos e atitudes decorrentes da concepção de negatividade da loucura.” (Fagundes, 1997 a, 47)
A construção destes serviços está na agenda do Plano Estratégico da Cidade do
Rio de Janeiro e deverá ser objeto de uma articulação intersetorial no campo das
políticas sociais. (idem, 45). Dessa forma, é uma “tarefa da Macro-Função de Políticas
Sociais da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro que integra as Secretarias da Saúde,
61
Desenvolvimento Social, Educação, Esportes e Lazer e Habitação.” (Fagundes e
Libério, 1997, 33)
Esta rede pretende oferecer assistência extra-hospitalar efetiva e resolutiva,
visando adequar o número de leitos psiquiátricos existentes na Cidade ao parâmetro
estabelecido pela Organização Mundial de Saúde (1 leito/2000 hab), estimando a
diminuição do número de internações psiquiátricas para 30000/ano.” (idem, 33)
Com o Censo foi possível verificar a distribuição dos pacientes internados
segundo local de residência6. A área onde residiam o maior número de pacientes,
15,74%, era a AP. 3.3, que corresponde a Irajá. A segunda área em termos de número de
pacientes internados era a AP 3.1, que corresponde a uma área que vai de Bom Sucesso
até Jardim América, com 13,68%. Na zona oeste, nas AP’s 5.1, 5,2 e 5,3, que
correspondem a Bangu, Campo Grande e Santa Cruz residiam mais de 20% dos
pacientes internados.
Outras duas áreas com um número significativo de pacientes eram a AP 2.1, que
corresponde a Botafogo, Gávea, etc e a AP. 3.2, que corresponde aos Bairros de
Engenho de Dentro, Tomás Coelho, etc. No entanto, estas áreas já apresentam recursos
assistenciais importantes, como o IPUB e o Instituto Philippe Pinel, que oferecem
recursos extra-hospitalares, e grande número de leitos das várias clínicas conveniadas,
na primeira e o Centro Psiquiátrico Pedro II, na segunda.
Tabela 02 – Áreas de Planejamento em Saúde. Nº de Endereços % do total de
endereços de referência,
logradouros na cidade do RJ
AP’s onde foram localizados esses
endereços de referência
% do total da população da cidade do RJ que reside na AP. (Censo de 1991)
202 8,88 AP 1 5,5 350 15,39 AP 2.1 11,7 124 5,45 AP 2.2 7,2 314 13,68 AP 3.1 14,3 286 12,58 AP 3.2 11,4 358 15,74 AP 3.3 16,5 182 8,00 AP 4 9,6 244 10,73 AP 5.1 10,9 142 6,24 AP 5.2 6,9 75 3,30 AP 5.3 5,7 Fonte: Gomes, M.P.C., 1999. A Política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: IPUB/UFRJ.
62
Analisando o mapa de distribuição de serviços existentes no município do Rio
de Janeiro e os dados da distribuição da clientela internada segundo local de residência
obtidos com o Censo, a SMS decidiu iniciar a construção desta rede nas áreas onde
havia maior concentração de pacientes e menos recursos assistenciais.
As propostas são apresentadas às Coordenações de Saúde das AP’s e aos
Conselhos Distritais de Saúde, que podem apoiar ou contestar a proposta, de acordo
com o que acreditam ser prioritário para a área. A ampliação do papel destes órgãos
aprofunda os fundamentos do SUS e atende, também, à um dos objetivos da Reforma do
Estado, sobre a institucionalização de mecanismos que permitam uma participação cada
vez maior dos cidadãos. (Bresser-Pereira, 1997, 53). Como exemplo da importância dos
Conselhos Distritais, a proposta de desativar o Posto de Urgência do PAM da Penha
para a implantação de um CAPS foi rejeitada pelo Conselho da AP 3.1, que não quis
abrir mão de um serviço 24 horas. A recusa inviabilizou o projeto, apesar do elevado
número de pacientes residentes na área e da ausência de recursos assistenciais. Há,
também, muitos Conselhos Distritais reivindicando a construção destes serviços, como
o Conselho da AP 5.1 e o da AP 2.2. O próprio Conselho da AP3.1, após recusar a
proposta na Penha, fez um levantamento dos prédios públicos da Ilha do Governador
onde este serviço poderia ser implantado.
“A repercussão disso (dos CAPS), dentro desse movimento dos Conselhos, desse braço de controle social do Sistema Único de Saúde, isso é um dado novo. Isso constrói outras formas de relacionamento com a sociedade. Eu tenho certeza que, denúncias de associações de familiares, como no passado, de desassistência no setor, não encontra parceiros em relação aos conselheiros porque conhecem a política de assistência da Secretaria e são capazes de partir para essa discussão não com esse viés da denúncia, mas de problematizar as questões e claro, de cobrar do setor público as respostas, afinal de contas a gente, sem dúvida alguma, tem uma baita repressão de demanda.” (Fagundes, 1998)
Para a implementação dos CAPS estão sendo utilizados prédios públicos
desativados. A proposta é de que seja criado pelo menos um CAPS em cada área de
Planejamento, a médio prazo, pretendendo-se chegar a atender 1500 pessoas e suas
famílias. Com um regime de atendimento diário, intensivo, com participação familiar e
comunitária, cada CAPS toma a responsabilidade7 pelo atendimento integral de até 150
pessoas e suas famílias.
63
Os CAPS são montados como unidades satélites dos Centros Municipais de
Saúde e estão submetidos à Coordenação de Saúde local. Seu funcionamento como
unidade independente está dependendo da aprovação de um projeto de lei na Câmara
dos Vereadores.
O primeiro CAPS implantado foi o CAPS Rubens Correa, na Ap3.3, (CAPS
Irajá) que iniciou seu funcionamento em maio de 1996. Para isso, foram estabelecidas
uma parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, que cedeu um prédio da
antiga LBA e um convênio com a Fundação Lar São Francisco de Paula – FUNLAR,
que contratou alguns dos funcionários.
Este primeiro CAPS tinha um papel importante, pois do seu sucesso dependeria
a continuação da construção destes serviços. Os profissionais foram treinados no Espaço
Aberto ao Tempo e na Casa do Engenho, que funcionam no CPPII e são serviços com
propostas alternativas ao modelo manicomial.
Para o início das atividades, ainda em caráter experimental, seus profissionais
participaram do Serviço de Recepção e Triagem do CPPII, encaminhando ao CAPS os
pacientes que poderiam se beneficiar de sua proposta de tratamento e que residiam em
sua área de abrangência.
Neste período o serviço funcionava apenas num turno e contava com 18
pacientes. Foram feitas visitas domiciliares, reuniões semanais com familiares e diárias
com os usuários. Atualmente, o CAPS Irajá funciona de 8 as 17 horas e conta com 120
pacientes adscritos, (novembro de 1997). Semanalmente os profissionais se reúnem para
supervisão clínica, através do IPUB/UFRJ. Muitos dos pacientes encaminhados para
tratamento são pacientes egressos de internações hospitalares, na maioria considerados
graves e, ainda assim, desde a sua inauguração até novembro de 1997, foram registradas
apenas 4 internações. (Fagundes e Libério, 1997, 34)
Uma das lições tiradas desta primeira experiência foi a necessidade de manter a
regra da territorialidade e um maior cuidado com o limite de pacientes a serem
matriculados para o tratamento. A princípio, os profissionais do CAPS Irajá aceitaram
pacientes que apresentavam o seu perfil de atendimento mas não residiam na área,
porque não havia outro serviço para se fazer um encaminhamento com garantia de
atendimento. Isto fez com que, mais tarde, com a capacidade de atendimento esgotada,
fosse criada uma grande lista de espera8 de pacientes da área, enquanto pacientes de fora
da área estavam sendo atendidos pelo serviço9.
64
Outra região em que se procurou avançar na construção destes serviços foi a
zona oeste, tendo sido inaugurados em janeiro de 1997, o CAPS Campo Grande e, em
maio do mesmo ano, o CAPS Santa Cruz.
II. 3 ) A Assistência em Saúde Mental na Zona Oeste.
Historicamente, os recursos assistenciais na zona oeste sempre foram escassos.
Na AP 5.3, por exemplo, que corresponde a Santa Cruz e Sepetiba, o primeiro
ambulatório de psiquiatria da rede pública foi criado em 1995, no Centro Municipal de
Saúde Lincoln Freitas Filho. Dessa forma, a população contava apenas com o Pólo de
Emergência Psiquiátrica do PAM Bangu. Os pacientes graves eram atendidos em
clínicas privadas, no CPPII ou no Hospital Manfredini, na Colônia Juliano Moreira.
Os Pólos de Internação foram criados na década de 80 e tinham como objetivo
controlar as internações psiquiátricas, visando a sua redução. Cada área programática
(na época apenas cinco, já que não havia subdivisões) tinha um pólo de internação.
Os Pólos procuravam atender à duas demandas diferentes: o atendimento dos
casos de emergência e o controle e monitoramento das guias de internação. Mesmo com
as dificuldades decorrentes desta dupla missão, os Pólos conseguiram um maior
controle das internações não indicadas e uma maior racionalização da distribuição
geográfica dos serviços. (Delgado, 1997, 37)
No Governo Collor, o Ministério da Saúde fechou a emergência de vários
PAM’s e, com isso, o Pólo de Emergência Psiquiátrica no PAM Bangu foi fechado.
Dessa forma, quando havia uma situação de crise, a população da Zona Oeste tinha que
recorrer ao Centro Psiquiátrico Pedro II ou ao PAM Centro.
A extinção do Pólo do PAM Bangu sempre foi apontada como o principal
problema da assistência psiquiátrica na Zona Oeste e, num primeiro momento, a
Gerência de Saúde Mental pensou em reabrir este espaço. No entanto, esta não parecia
ser a melhor solução, já que o Pólo não é um espaço de tratamento, mas sim, um local
para agenciamento de internações.
Dessa forma, optou-se pela criação dos CAPS que, para a Gerência de Saúde
Mental, tem atendido ao problema. Com eles, a AP5.2, Campo Grande com 498504
habitantes, que dispunha apenas de 5 psiquiatras no PAM Campo Grande e 4 no CMS
65
Belisário Pena e a AP 5.3, Santa Cruz, com 325982 habitantes, passaram a contar com
um serviço que procura inverter este modelo. (Fagundes, 1997 a, 48)10
II. 4) A Opção pela Parceria com uma Organização Não Governamental.
Segundo o Gerente de Saúde Mental, havia algumas questões que precisavam
ser resolvidas para a implantação dos CAPS. Uma delas era a questão dos Recursos
Humanos.
Neste sentido, o processo de municipalização da saúde e da educação tem
trazido um impasse. Embora venha apresentando resultados importantes nestes setores,
este processo tem causado problemas para a administração pública, com o aumento de
encargos decorrente do aumento do número de funcionários municipais. Este aumento
causa dificuldades na gestão financeira do município, principalmente num momento de
retração de recursos para o setor. Além disso, há a cobrança do Estado quanto ao ajuste
do setor público e quanto a aplicação da Lei Rita Camata, que impede os municípios de
despenderem mais de 60% de seus orçamentos com a folha funcional . Dessa forma,
“ É um contexto muito difícil para você fazer expansão e sobretudo se você imaginar que a gente tem uma capacidade instalada grande, que se tivesse recursos humanos a gente poderia estender a cobertura á população mas você não tem capacidade de repor esses quadros”. (Fagundes, 1997 b)
Uma outra questão é a dificuldade que a rede pública sempre encontrou para
sedimentar profissionais na Zona Oeste, que apresenta alto índice de abandonos em
todas as especialidades, devido à distância e a dificuldade de transportes.
A preocupação com a perda de um servidor está associada a morosidade da
administração pública direta na reposição de pessoal: “mesmo após a tomada de
decisão, com toda a vontade política, a efetiva apresentação de um servidor na sua
Unidade de lotação não ocorre antes de 90 dias.” (Fagundes, 1997, 50)
Num tipo de serviço que tem como objetivo se tornar responsável por pessoas
com sofrimento psíquico grave e por suas famílias, a possibilidade de ficar sem
profissionais poderia trazer sérios prejuízos.
66
Além disso, estes serviços trabalham com equipes multidisciplinares e requerem
profissionais que não estão no quadro da Secretaria Municipal de Saúde, como
oficineiros, artistas, artesãos, músico-terapeutas, entre outros. São necessárias, também,
supervisões clínicas para que os casos sejam estudados e discutidos, definindo-se a
melhor estratégia clínica para o tratamento de cada paciente.
Era necessário, então, criar uma maneira de equacionar estes problemas, isto é,
“criar uma alternativa de gestão que tivesse a flexibilidade que este serviço exigiria.”
(Fagundes, 1997 b). Como solução, recorreu-se a uma parceria com o terceiro setor.
As dificuldades com relação aos recursos humanos e a opção pelo terceiro setor
diante da necessidade de mecanismos de flexibilização da gestão dos CAPS revela que,
se o seu funcionamento segue a agenda da Reforma Psiquiátrica, a sua administração
segue a agenda da Reforma do Estado, que determina a transferência das atividades
sociais antes executadas pelo Estado, para as ONG’s, que apresentam maior eficiência e
adequação para a realização dos serviços sociais.(Bresser-Pereira, 1997, 28)
“Entendemos como fundamentais as parcerias com setores que têm em comum com o serviço público o fato de produzirem bens de consumo coletivo, de atenderem a necessidades de caráter público, as Organizações Não Governamentais... Estas organizações têm características de serviço público, entretanto não têm o lastro e a inércia das organizações burocráticas estatais.” (Fagundes, 1997 a, 50)
II. 5 ) Uma Outra Forma de Administração.
Para resolver estas dificuldades, uma das opções seria a terceirização. No
entanto, a Gerência não queria esta alternativa, baseando-se no que ocorre no PAS de
São Paulo. Segundo o Gerente de Saúde Mental, neste modelo, as empresas contratadas
agem na mesma lógica do mercado dos planos de saúde, despendendo apenas um
percentual do seu orçamento com a assistência e glosando o que ultrapassa este
percentual. Dessa forma, atendem as ações de baixo custo operacional, dirigindo ao
setor público os procedimentos de maior complexidade. Isto implica no desrespeito aos
princípios do SUS, principalmente no que diz respeito a rede hierarquizada.
67
As experiências internacionais também têm problematizado a ameaça aos
direitos de acesso e utilização dos serviços, pela criação de mecanismos quase-mercado
para financiamento das organizações do terceiro setor. (Costa, 1998)
No campo da Saúde Mental,
“eqüivaleria à gente colocar, abrir, por exemplo, para o setor contratado, a Dr. Eiras, por exemplo para fazer ambulatório psiquiátrico, montar hospital dia. Se isso for oferecido aos prestadores eu acredito que eles vão querer, eles vão topar. Só que eu acredito que eles vão oferecer um modelo de assistência ruim, porque eu acho que, assim, as premissas da Reforma Psiquiátrica, essas questões da cidadania, de mudar o lugar, o valor, positivar o lugar do louco, do excluído, de exercer políticas de inclusão destas pessoas na sociedade, isto estaria perdido. Porque acho que seria uma relação infantilizante, uma relação de tornar subalterno e institucionalizar o paciente mantendo ad eternum naquela estrutura, tanto que a gente monta serviços tendo como objetivos que os pacientes melhorem o suficiente para cada vez mais poderem se utilizar menos desses serviços. Melhora para a gente é isso, o sujeito estar desenvolvendo laços sociais onde ele se utilize menos desses serviços. Então, houve uma preocupação de manter a diretriz básica do sistema e essa preocupação de conseguir penetrar mesmo na Reforma Psiquiátrica a partir dessas parcerias, estando o tempo todo de olho nessas premissas.” (Fagundes, 1998)
Além disso, o Gerente afirma que não há mecanismos de controle e de regulação
suficientemente maduros para estes contratos, onde há um repasse direto da
responsabilidade da assistência para o prestador.
Esta preocupação também é verificada nas experiências internacionais, que
apontam a baixa experiência da administração pública na regulação eficiente das
organizações terceirizadas como um facilitador dos processos de captura e baixa
responsabilização. (Costa, 1998)
O convênio, por sua vez, embora ainda não tenha mecanismos de regulação e
controle bem estruturados, possibilita um acompanhamento permanente, na medida em
que o faturamento vem para o Fundo Municipal de Saúde e é apresentado na fatura das
unidades de saúde da rede. Além disso, existe um sistema de custos na própria unidade,
seu diretor é um funcionário municipal e os insumos são fornecidos pela Secretaria
Municipal de Saúde.
68
A parceria com Organizações Não Governamentais não foi uma novidade na
Secretaria. Duas experiências antecederam o projeto CAPS: o Projeto Saúde da Maré,
no Complexo da Maré, e o Programa de Saúde da Família, em Paquetá.
No Projeto Saúde da Maré, a Secretaria reformou e equipou uma unidade de
saúde na Favela Nova Holanda e seis minipostos nos CIEPS da área e estabeleceu
convênios com a Associação de Moradores da Maré, a UNIMAR, e com a ONG Maré
Limpa, que cuidam do funcionamento dos serviços. Através da UNIMAR e da Maré
Limpa foram contratados 30 médicos, 30 enfermeiros, 30 dentistas e 60 agentes de
saúde, que foram treinados pela Secretaria e estão desenvolvendo o programa na área.
No caso de Paquetá, após ter sido definido o Programa de Médico de Família
como o melhor modelo para atender à área, era necessário contratar profissionais para
atuarem no programa. Como a Secretaria não apresenta profissionais com este perfil no
seu quadro, foi feito um convênio com uma ONG, a CEDAPS, nos mesmos moldes que
o citado anteriormente.
Estas experiências abriram uma perspectiva para a Gerência de Saúde Mental.
Além disso, havia algumas experiências internacionais, na Suíça, Holanda e Alemanha,
onde o Estado fez parcerias com ONG’s para a criação de serviços com propostas
semelhantes a do CAPS. Nestas experiências as ONG’s ficam responsáveis pela
administração dos serviços, recebendo, para isto, recursos do Estado, que faz o controle
e acompanhamento dos resultados, da qualidade da assistência e a auditoria financeira.
A idéia, no entanto, era manter a gestão municipal e flexibilizar a administração
de pessoal, atendendo as dificuldades mencionadas acima. Dessa forma, foi proposto
um convênio para cooperação técnica e científica entre a Secretaria Municipal de Saúde
e o Instituto Franco Basaglia.
Para a escolha desta ONG não foi feito nenhum mecanismo de avaliação mais
rigoroso que determinasse, por exemplo, que vantagem esta ONG poderia oferecer em
relação a outras. De acordo com as entrevistas, a escolha do IFB pela Secretaria foi
apontada como natural:
“A nossa proposta foi a seguinte: pegar o Instituto Franco Basaglia, que é uma Organização Não Governamental que há anos vem trabalhando para construir dispositivos não manicomiais, que tem como mote “Uma Sociedade sem Manicômios” e com técnicos, com usuários, envolvendo pessoas
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que já debatem, que discutem, que conhecem serviços, enfim.” (Fagundes, 1998)
A ausência de licitação para a escolha da ONG recebeu algumas críticas mas,
como se tratava de um convênio e não de um contrato, este mecanismo não era
necessário:
“Licitação é por um contrato. Convênio não é necessário. O IFB é uma Organização Não Governamental sem fins lucrativos e de notório saber, inserida há anos e tal, enfim, reconhecida na cidade, reconhecida internacionalmente.” (Fagundes, 1998)
O Instituto Franco Basaglia foi fundado em 1989, com o Projeto SOS Direitos
do Louco, que prestava assessoria jurídica aos pacientes, com o objetivo de resgatar sua
cidadania. Atualmente desenvolve trabalhos ligados a pesquisa, informação e cultura,
além de dar suporte a projetos ligados aos direitos dos pacientes e a novas formas de
tratamento. O IFB já havia assessorado programas de outros municípios, como Volta
Redonda e Niterói.
Segundo a Coordenadora de Programas do IFB, a escolha foi determinada pelo
fato desta ONG já vir desenvolvendo um trabalho, seja de defesa de direitos do usuário,
seja de fomento a pesquisa e de já vir pensando em contribuir de forma mais concreta
para a transformação do modelo existente: “parece que foi um pouco lógico poder
contar com o IFB.” (Almeida, 1998)
A partir da proposta de parceria e da apresentação do modelo de assistência que
se pretendia construir, o IFB elaborou o projeto dos CAPS na Zona Oeste, baseando-se
na Portaria 224 do Ministério da Saúde, que regulamenta o funcionamento destes
serviços.
O convênio estabeleceu que o gerenciamento seria da competência do Município
e a supervisão técnica caberia ao IFB. Os profissionais teriam uma composição mista,
uma parte composta pelos quadros do município, e outra contratada pelo IFB. A
seleção dos profissionais não municipais seria feita pelo IFB, sem interferência do
município.
A seleção dos funcionários municipais seguiu as normas do serviço público.
Num primeiro momento as vagas são oferecidas aos profissionais da rede, inscritos para
remanejamento. Em seguida, o restante das vagas é oferecido aos profissionais
aprovados no concurso público, que escolhem as unidades que vão trabalhar segundo a
ordem de classificação.
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O convênio determina, também, a elaboração de relatórios para a prestação de
contas e das atividades do serviço que deveriam ser apresentados à Gerência de Saúde
Mental.
A proposta de parceria feita pela SMS foi levada à uma Assembléia Geral do
IFB, tendo sido convocados todos os associados para que se chegasse a uma decisão
conjunta. O tema causou muita polêmica devido a complexidade das questões
envolvidas. O IFB é uma organização que sempre defendeu o serviço público e esta
proposta parecia contrariar este princípio, assim como a contratação de profissionais que
trabalhariam num serviço municipal sem concurso público. Após muita discussão,
decidiu-se correr o risco e a proposta foi aceita por unanimidade.
“Numa primeira avaliação da contribuição do IFB para a consolidação de uma rede de atenção psicossocial no município do Rio de Janeiro, destacamos, do ponto de vista da racionalidade política-administrativa, a importância de uma modalidade de cooperação entre as estruturas governamentais e entidades não governamentais que, mais do que atribuir eficiência e qualidade ao espaço público de atendimento em saúde garante a própria existência da coisa pública, na concepção que lhe é mais fundamental: equidade e universalidade nos bens indispensáveis à vida.” (Delgado, 1998, 10)
Segundo a Coordenadora de Programas do IFB, a Secretaria estabeleceu esta
parceria com uma ONG, logo, fora do serviço público, mas com a intenção de manter o
serviço público, já que a administração do CAPS é municipal. Esta proposta permitiria
ao IFB “entrar junto à uma política, fortalecendo uma política pública, de serviço
público”, num momento em que o serviço público passa por um processo de
estagnação. “Então não dá para crescer dentro do serviço público, tem que crescer de
fora.” (Almeida, 1998). Além disso, permitiria ao Instituto uma participação mais
efetiva na substituição das estruturas manicomiais que ainda prevalecem no Rio de
Janeiro.
“Ainda não estamos muito familiarizados, na área da saúde mental, com atividades do terceiro setor, isto é, de Institutos como o IFB, que não são nem públicos nem privados, ou privados porém públicos. O desafio é tornar tais entidades privadas radicalmente públicas, e dotadas de argúcia estratégica suficiente para não compartilhar de iniciativas que visem desmantelar o sistema assistencial público. A parceria
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estabelecida entre o Instituto Franco Basaglia e a Secretaria Municipal de Saúde, com todos os riscos e dificuldades, parece-me que poderá contribuir, na parcela possível, para a substituição da psiquiatria asilar hegemônica em terras cariocas.” (Delgado, 1997, 43)
Para o IFB, sua principal contribuição neste projeto é a supervisão técnica, que
determina a orientação clínica do tratamento, garantindo que sejam respeitados os
princípios da Reforma Psiquiátrica. A supervisão permite uma reflexão e um
questionamento constante, para que “estes novos dispositivos possam realmente
cumprir esse papel de rompimento, de ruptura com este modelo já existente.” (Almeida,
entrevista)
“A supervisão técnica tem se mostrado uma ferramenta essencial na estruturação do funcionamento do serviço permitindo uma maior consolidação dos aspectos clínicos, terapêuticos e institucionais cotidianos. Os encontros semanais entre os supervisores técnicos e as equipes dos CAPS têm sido espaços de ampla discussão e definição da linha de trabalho de cada serviço, possibilitando a constituição de uma proposta assistencial sólida. Nessa medida, o suporte técnico, papel essencial do IFB nesta parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, tem se mostrado bastante frutífero.” (IFB, 1997 , 11)
Além das supervisões semanais de equipe, são feitas reuniões mensais com as
Coordenações dos CAPS Campo Grande e Santa Cruz, a Gerência de Saúde Mental e o
IFB. Os outros CAPS em funcionamento, o CAPS Irajá, o Manfredini e o Ilha do
Governador, também queriam participar destas reuniões, que funcionam como uma
gerência clínica. A participação, no entanto, não era permitida porque o IFB não tinha
nenhuma responsabilidade sobre estes CAPS e não havia nenhum dispositivo que a
regularizasse. A partir desta demanda, na renovação do convênio foi incluída uma
cláusula que estabelece que esta atividade pode ser estendida aos outros CAPS já
existentes e aos que forem criados.
Nestas reuniões estão sendo discutidas, entre outras questões, a criação de um
Sistema de Informação que possibilite a utilização de uma linguagem comum entre os
serviços. O que se pretende é facilitar sua comunicação para que se constitua uma
verdadeira rede municipal.
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Esta linguagem comum, no entanto, não significa a construção de um modelo
pré estabelecido. O CAPS é um serviço regulamentado pela portaria 224 do Ministério
da Saúde, mas as peculiaridades do seu dia a dia são construídas nas relações entre
técnicos e pacientes. As oficinas, por exemplo, são criadas a partir da demanda dos
pacientes e da disponibilidade dos técnicos em conduzi-las. As propostas são levadas ao
IFB que estuda uma forma de viabilizar o seu funcionamento no serviço. Dessa forma,
mesmo que algumas oficinas sejam semelhantes, cada CAPS é diferente do outro, se
moldando às pessoas que lá convivem.
O processo de recrutamento e seleção de pessoal feito pelo IFB recebeu muitas
críticas. A Coordenadora de Projetos afirma que os problemas foram causados devido
ao breve período de tempo disponível para a realização do processo de recrutamento e
seleção do pessoal. Como a data de inauguração dos CAPS já estava definida e os
funcionários do município já estavam prontos, a principal preocupação foi que todos os
profissionais começassem a trabalhar ao mesmo tempo, para que se formasse uma
equipe única. Com isto, a divulgação do processo foi muito restrita e poucas pessoas
tiveram acesso. Todos os currículos enviados, no entanto, foram avaliados e, a partir
desta avaliação, alguns foram chamados para uma entrevista, onde foram selecionados
os que iriam compor a equipe dos CAPS. Partindo do reconhecimento desta falha, o IFB
definiu as regras do processo para as próximas seleções, embora admita que não tem
condições de realizar uma seleção tão ampla quanto as realizadas pelo Serviço Público.
A divulgação será feita nas Universidades e nos Serviços de Saúde e a seleção vai
apresentar várias etapas: curriculum vitae com pontuação definida para cada item, prova
escrita e entrevista. Os profissionais contratados pelo IFB são celetistas e têm todos os
direitos garantidos. Os recursos para o pagamento dos salários e benefícios são
repassados ao IFB pelo Município, que não tem nenhuma responsabilidade trabalhista
sobre estes profissionais (vide cláusula 10 do convênio). Embora apresente legislações
diferentes, os profissionais desempenham as mesmas tarefas e o objetivo é que formem
uma equipe integrada.
O IFB está construindo um sistema de informação que permita avaliar a
qualidade da assistência que está sendo prestada. Este sistema ainda está sendo
elaborado e, por isso, as planilhas desenvolvidas para o registro das informações estão
sempre sendo revistas e corrigidas para que possam se adequar ao que acontece no
serviço. O trabalho com indicadores ainda é restrito, limitando-se ao número de
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pacientes que freqüentam por dia e por turno, média de freqüência nas atividades do
CAPS e à comparação entre o número de internações que o paciente apresentou antes de
freqüentar o CAPS e após o tratamento no CAPS. Os dados que se pretende gerar com
a criação deste sistema superam as exigências contratuais, que determinam a elaboração
de relatórios técnicos relatando as atividades realizadas pelo CAPS e o número de
pacientes beneficiados. No entanto, segundo a coordenadora de programas do IFB, um
sistema de informação mais completo interessa tanto ao IFB quanto ao Município, já
que, além de auxiliar na avaliação do serviço, também fornece dados que podem ser
utilizados na defesa deste projeto na Secretaria Municipal de Saúde.
Para a gerência, no entanto, é necessário que os dados sejam disponibilizados
com maior agilidade e, por isso, está desenvolvendo um sistema de informações que
permita uma leitura bimensal dos dados desses serviços. O sistema é específico para
este tipo de serviço, já que os indicadores11 tradicionais não se adequam ao seu
funcionamento. O modelo de captação de informações formulado ainda é preliminar e
vem passando por um processo constante de avaliação mas já permite o
acompanhamento de alguns dados, como o número de pacientes inscritos; o número de
pacientes que se internaram após o início do tratamento no CAPS e quantas vezes; a
freqüência dos pacientes ao tratamento; a distribuição com relação a sexo, faixa etária e
inserção no trabalho; informações acerca daqueles que efetivamente retornaram para o
ensino formal; daqueles que retornaram para o mercado formal de trabalho e daqueles
que passaram a freqüentar menos o serviço porque desenvolveram outros vínculos.
Além disso, a preocupação da Gerência com relação a disponibilidade de dados
que informem os resultados do serviço não está ligada a necessidade de defesa do
serviço junto à Secretaria de Saúde, mas junto à população, revelando a adesão às idéias
gerenciais baseadas na orientação para o cidadão-cliente:
“A gente quer, assim, poder minimamente ter instrumentos para avaliar se vale a pena para a sociedade, se vale a pena para a cidade do Rio de Janeiro despender recursos com esse modelo de assistência. Essa questão tem que estar colocada o tempo todo. Não é, ao contrário do que alguém me falou: ah, a gente precisa preparar dados para mostrar para quem está no poder que isso é importante, e tal. Não. É o contrário. Quem está no poder, somos nós, digamos assim. Partir desse princípio, não é atribuir ao prefeito, ao secretário de Saúde, mas sim pensar do lugar deles, pensar como o gestor do
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sistema e considerar o seguinte, que você tem que mostrar é para a sociedade. Você não deve satisfação para a sua instância superior, não é isso. Você tem que mostrar para a sociedade. Isso tem que ser socialmente sustentável. Tem que ter transparência, tem que ser alguma coisa que possa ser reconhecido como um dinheiro bem empregado, como uma boa forma de utilizar recursos públicos, que são recursos coletivos. Então esse é o momento de enfrentar esse desafio e poder mostrar a eles que, até março, pelo menos, ter já um desenho desse período todo.” (Fagundes, 1998)
Esta modalidade de parcerias ou convênios está se multiplicando na Secretaria
Municipal de Saúde, o que mostra a disseminação das experiências de flexibilização da
gestão. Além dos CAPS, há também as Cooperativas no Hospital Lourenço Jorge e no
Lincohn Freitas e os Programas de Agente Comunitário de Saúde, Saúde da Família e
Consultórios Simplificados, que serão desenvolvidos em toda a cidade. Todas estas
experiências seguem o mesmo princípio do CAPS: a direção é do Município, que é
responsável pelo treinamento e pela avaliação do trabalho.
A flexibilidade é apontada como a principal vantagem do Convênio, permitindo
resolver mais facilmente os problemas e mantendo o controle da Assistência em Saúde
Mental pela Secretaria Municipal:
“Esse expediente dá uma margem de movimentação muito maior do que a assistência direta mas está vinculado dentro da estrutura de ação direta do Estado. Quer dizer, na verdade é um serviço municipal, dirigido por um quadro indicado pelo município, isso é uma coisa importante.” (Fagundes, 1997 b)
Como exemplo, pode ser citada a dificuldade da Secretaria em implementar a
alimentação para os pacientes e profissionais do CAPS Santa Cruz, que é uma questão
essencial para a manutenção do serviço. Embora não estivesse previsto, o IFB está
investindo parte dos recursos do convênio para viabilizá-la, contando com a ajuda da
SMDS.
Com relação aos Recursos Humanos, o convênio atende à todas as questões que
dificultavam a implantação do serviço, permitindo uma maior agilidade na reposição de
pessoal e a expansão do quadro, quando necessário. Permite também que os serviços
disponham de profissionais que não existem no quadro da saúde, possibilitando, dessa
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forma, a maior plasticidade no desenho do serviço ou a contratação de consultorias para
resolver problemas.
Estas experiências seguem a tendência de inovações no setor que buscam
aumentar a flexibilidade da gestão, com o Estado assumindo o papel regulatório e
destinando ao setor público não-estatal a prestação de serviços. A opção por equipes
compostas de profissionais municipais e profissionais contratados pela ONG está
baseada nos mesmos argumentos que vêm determinando as alterações nos regimes de
contratação do setor público: a baixa efetividade e eficiência do modelo administrativo
burocrático e a falta de profissionais especializados.
Além disso, as inovações apresentam a preocupação de preservar as diretrizes
básicas do SUS, como o acesso universal e a rede hierarquizada e, no caso da Saúde
Mental, as diretrizes da Reforma Psiquiátrica.
Segundo o Gerente de Saúde Mental, a preocupação em manter estas premissas
implicou numa preocupação com a escolha dos parceiros. Ainda que esta escolha tenha
sido baseada apenas no conhecimento do trabalho desenvolvido pela ONG, como foi
visto acima, a Secretaria pretende desenvolver mecanismos de regulação e de controle
destes convênios:
“ eu não diria que seria apenas o fato de que um determinado parceiro é idôneo, é uma Organização Não Governamental respeitada na sociedade, são pessoas dignas e tal, acho que isso é muito pouco. Acho que isso não sustenta uma ação de governo de relacionamento com essas organizações. Acho que é necessário se desenvolver instrumentos claros de controle, de acompanhamento destes contratos, instrumentos de regulação e esse é o nosso desafio nesse momento.”(Fagundes, 1998)
Como estes instrumentos de controle ainda não estão estruturados, não há uma
metodologia clara para a análise do desempenho financeiro dos parceiros.
“ainda é uma análise um tanto quanto selvagem, você entendeu, uma coisa de se debruçar nas contas e ter que desenvolver longos textos de justificativa ou de questionamento para poder acompanhar esses convênios.” (Fagundes, 1998)
A não formalização destes instrumentos e a conseqüente ausência de uma
metodologia de análise faz com que o gerenciamento dos convênios seja lento,
causando atrasos na sua renovação. O convênio com o IFB, por exemplo, venceu em
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março de 1998 e ficou um período se sustentando sem renovação, que só foi realizada
em novembro.
“Isso reflete o novo, a dificuldade da máquina administrativa de lidar com a situação nova. O servidor não compreende muito bem, não tem muito claro o que é que deve se avaliar na análise do desempenho financeiro de uma prestação de contas de um convênio desse tipo. Mas acho que é um caminho de ir consertando o avião no vôo, sabe? De permanentemente, de estar em permanente avaliação, o tempo todo fazendo correções aqui ou acolá, sem lamentar defeitos, que, claro, eles aparecem mas, é um processo em construção” (Fagundes, 1998)
Assim como os mecanismos de avaliação, o sistema de custos ainda está em fase
de implementação. Dessa forma, não é possível saber claramente qual é o peso deste
modelo no orçamento. Segundo o gerente de saúde mental, este modelo deve custar um
terço a mais do que o modelo hospitalar.
“Acho que custa um terço a mais, mas acho que o benefício é incomensurável, acho que é sustentável.... Não como um modelo que vá se reproduzir , que você vá reproduzir aqui, sei lá, a experiência da Itália, de um serviço para 100 mil habitante, 120, 150. A cidade tem 100 milhões de habitantes. Não existe essa possibilidade. Se a gente tiver um serviço em cada área, uma rede de uns 10 serviços desse tipo e construir um programa em todos os níveis da rede, quer dizer, construir atuações, ações assistenciais de saúde mental, sobretudo com essas pessoas mais graves, de maior risco, em toda a rede, qualificar toda a rede para atender bem, eu acho que a gente vai poder avançar e sobretudo o seguinte, reduzir um pouco desses serviços hospitalares que a gente encontra.” (Fagundes, 1998)
Uma análise comparativa do que é gasto com os dois modelos exigiria que fosse
levado em conta a relação de custo-benefício. O modelo CAPS tem oferecido melhores
condições de vida aos pacientes, além de proporcionar a reintegração de alguns deles ao
trabalho e ao ensino:
“ se você pensar que são 86 pessoas num serviço, 300 e tantas ao todo, sendo acompanhadas por esse modelo, isso faz pensar que é um caminho certo. Mas também, fazer pensar não, isso
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que eu estou dizendo não pode ser levado em conta. A rigor, não é isso que se espera de um representante do setor público, dizer isso, porque eu tenho que mostrar isso. Eu preciso ter os dados efetivos. Isso a gente tem clareza. A gente só não teve perna porque a Secretaria está montando o Sistema de Custos, então ela começou com os hospitais, depois foi entrando na rede básica, nas estruturas maiores, agora é que está entrando nos CAPS. Então, eu vou ter, eu acredito que mais um mês a gente já tem a possibilidade de estar mostrando isso.” (Fagundes, 1998)
A preocupação em criar indicadores, mecanismos de regulação dos convênios e
um sistema de custos revela a aceitação dos ideais de responsabilização das
organizações públicas, que determinam a busca de transparência e de indicadores de
desempenho. Revela, também, uma mudança com relação a cultura administrativa
burocrática, onde não havia mecanismos de auditagem, avaliação e responsabilização de
desempenho como norma institucional
Os programas de saúde da comunidade, como o Programa de Saúde da Família e
o Programa de Agentes Comunitários de Saúde, estão sendo percebidos pela Gerência
de Saúde Mental como um espaço privilegiado para a expansão da atenção em Saúde
Mental na comunidade. Esta atenção está voltada para os casos em que se encontra um
sofrimento psíquico importante, como nas situações de violência doméstica, abuso
sexual, baixo aporte afetivo ou desagregação nas famílias, uso de álcool ou drogas, entre
outras. Acompanhando as críticas ao predomínio da atenção médica especializada e do
hospital como local de tratamento:
“A gente tá querendo desconstruir essa idéia da psiquiatria como uma especialidade médica, que você precisasse de um ambulatório de referência, de um serviço de referência para encaminhar. Claro, alguns casos mais difíceis talvez precise mesmo, mas que a gente possa treinar um médico generalista que possa fazer assistência psiquiátrica junto com assistência clínica que ele faz, com a ginecologia, com a pediatria, com as ações do generalista.” (Fagundes, 1998)
Dessa forma, os profissionais que trabalham nestes programas, médicos,
auxiliares de enfermagem e agentes de saúde participaram de um curso de capacitação
para desenvolver ações de saúde mental e são acompanhados por um supervisor. Este
trabalho procura tratar destas pessoas na comunidade, recorrendo a dispositivos mais
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estruturados somente quando necessário. O objetivo é identificar recursos da
comunidade que possam reverter quadros de exclusão, auxiliando na promoção da
reintegração social.
Esta iniciativa parece estar ligada a necessidade de intervenções criativas para
adequar custos menores a melhores resultados. Dessa forma, busca-se a atenção
domiciliar e comunitária, ampliando os laços de solidariedade social e a prática da
multidisciplinaridade.
Como exemplo das possibilidades deste trabalho pode ser citado o caso de um
adolescente psicótico que era objeto de chacota na comunidade. A ação das agentes de
saúde conseguiu reverter este comportamento de exclusão, viabilizando que um
comerciante o empregasse como entregador de mercadorias. Dessa forma,
“se criou possibilidades desse garoto começar a ser visto na comunidade como uma pessoa frágil, que precisa de uma sustentação, que precisa ser visto por todos para que tenha um destino melhor na sua vida. Isso eu considero desmontar manicômio também, entendeu? A Reforma Psiquiátrica não é destruir o muro, mas é promover na cidade uma outra forma de se relacionar com o excluído, com aquele que sofre, com o diferente. E esse é um recurso fantástico.” (Fagundes, 1998)
Quanto a mudança na forma de relacionamento com o louco, pode ser citada,
também, a participação de um usuário como conselheiro de um Conselho Distrital, que
é respeitado e desempenha sua função como todos os outros conselheiros.
Para estudar o desenvolvimento deste modelo, foi escolhido o CAPS Campo
Grande, que será apresentado a seguir. 1 No Instituto Philippe Pinel funcionam o CAIS e o NAICAP (para crianças e adolescentes), no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Centro de Atenção Diária, (AP-II); no Centro Psiquiátrico Pedro II, funcionam a Casa d’Engenho, o Espaço Aberto ao Tempo e o Centro Comunitário; na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o Hospital dia Ricardo Montalban (AP – III). NA Colônia Juliano Moreira, em 1995, foi implantado um Centro de Atenção Diária, junto ao Hospital Jurandyr Manfredini, como parte do programa de Residência Médica (AP-IV). Há, também, a Casa das Palmeiras e a Associação Casa Verde, ambas na AP-II, que são serviços privados. (Delgado, 1997) 2 O objetivo deste trabalho não é fazer uma revisão histórica dos principais acontecimentos que determinaram as mudanças na política de saúde mental. Para maiores informações ver REIS, V. L. M., 1996. A Reforma Psiquiátrica no Município do Rio de Janeiro: Perspectivas e Impasses. Tese de Mestrado, Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública e GOMES, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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3 Esta exceção se deve às características do funcionamento da Colônia, onde apenas este Hospital está aberto à novas internações e altas, assim como acompanhamento ambulatorial. Os outros Núcleos funcionam como asilos e sua clientela, que reside no Hospital, apresenta um perfil diferenciado e bem definido, que já foi investigado em outro estudo. 4 Em sua tese, Maria Paula Cerqueira Gomes discute os dados levantados pelo Censo, baseando-se no último relatório preliminar, elaborado por João Paulo Lyra da Silva, que é a versão mais acabada dos dados. Gomes, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 5 Neste trabalho serão apresentados apenas os itens do Censo que permitem uma análise da assistência prestada pelas clínicas e o planejamento da construção dos CAPS. Para maiores informações ver: Gomes, M.P.C., 1999. A política de Saúde Mental na Cidade do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado, Rio de Janeiro: Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 6 Dos 2814 registros de endereço, 131 não foram localizados geograficamente. (Gomes, 1999, 220) 7 “Tomada de responsabilidade” é uma expressão utilizada na Itália e se refere à uma nova modalidade de relação institucional, em que o serviço assume a responsabilidade sobre a saúde mental de toda a área territorial de referência, o que pressupõe um papel ativo na sua promoção. O serviço deve apreender as diversas formas e momentos da existência que sofre, como, por exemplo, situações de miséria, distúrbio e conflito. Deve assumir a demanda com todo o alcance social conectado ao sofrimento e não somente a situação de crise como emergência. Giuseppe dell’Acqua e Roberto Mezzina, 1991. Resposta à Crise. In: A Loucura na Sala de Jantar (J. Delgado, org.), pp. 53 – 81, São Paulo: Ed. Resenha Ltda. 8 Segundo o Gerente de Saúde Mental, com o objetivo de evitar as filas de espera, os CAPS estão criando grupos para acompanhamento de pacientes que já não podem ser absorvidos. O objetivo é procurar um local de assistência, oferecer suporte ou mesmo desconstruir a demanda. (Fagundes, 1998) 9 Estas informações foram obtidas com a Coordenadora do CAPS Irajá, durante uma visita ao serviço em 21 de outubro de 1997. 10 A Área de Planejamento 5.2 circunscreve as XVIII e XXVI Regiões Administrativas denominadas de Campo Grande e Guaratiba, respectivamente. A XVIII RA abrange os bairros de Santíssimo, Campo Grande, Senador Vasconcelos, Inhoíba e Cosmos. A XXVI RA abrangendo os bairros de Guaratiba, Barra de Guaratiba e Pedra de Guaratiba. A AP 5.3, engloba a XIX Região Administrativa de Santa Cruz, abrangendo os bairros de Paciência, Santa Cruz e Sepetiba. 11 Ver em anexo as tabelas com os dados de outubro de 1998. GSM/SMS.
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III ) O CAPS PEDRO PELLEGRINO
O CAPS Pedro Pellegrino iniciou suas atividades no dia 13 de janeiro de 1997.
Nas primeiras reuniões de supervisão foram discutidos alguns procedimentos do dia a
dia do CAPS, como, por exemplo, a definição de como cada profissional iria cumprir a
carga horária, para que a distribuição fosse homogênea; como seriam utilizados os
espaços físicos; quais seriam as primeiras oficinas e os profissionais que iriam conduzi-
las; o horário de chegada dos profissionais; o perfil dos usuários e como seria a triagem.
Houve, também, uma preocupação em visitar os serviços de Saúde Mental da Rede,
como o IPP, o CPPII , a CJM, o PAM e o CMS de Campo Grande, para apresentar a
proposta de trabalho do CAPS, facilitando os encaminhamentos e futuros contatos.
O CAPS fica localizado atrás do ambulatório de Psiquiatria do PAM Campo
Grande, na Praça Major Vieira de Melo, N.º 13, em Comary. Nesta mesma praça
funcionam, também, as outras clínicas do PAM, o Conselho Distrital e a Coordenação
de Saúde da AP 5.2.
Quando o CAPS foi criado, houve algumas contestações do Conselho Distrital.
Alguns moradores da área vinham pleiteando, junto a Gerência de Saúde Mental, a
construção de um centro de atendimento para alcoolistas. Foi feita, então, uma nova
reunião com a participação do Gerente de Saúde Mental e da Coordenação do CAPS,
onde foi lembrado que a área já apresenta um serviço para alcoolistas, enquanto que a
clientela psiquiátrica contava apenas com leitos em clínicas conveniadas.
O Conselho Distrital vem acompanhando o trabalho do CAPS, sendo que uma
parte da equipe participa das reuniões, não só para divulgar o trabalho mas também para
conhecer os problemas de saúde da área. Segundo a Coordenadora do CAPS, muitos
pacientes têm sido encaminhados ao CAPS pelo Conselho, que têm se mostrado
satisfeito com os resultados do tratamento e, principalmente, com as visitas
domiciliares. (Almeida, 1998)
No início do funcionamento, houve alguns problemas no relacionamento com o
PAM. Além de ocupar seu espaço físico, e utilizar alguns de seus recursos, como
telefone, fax, xerox e viaturas, o CAPS trouxe mais trabalho para os funcionários da
farmácia do PAM, que ficaram responsáveis pelos medicamentos de pacientes que não
lhes diziam respeito.
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Com o tempo, no entanto, conseguiu-se uma maior integração entre os serviços e
hoje, não só os psiquiatras do PAM encaminham clientes para o CAPS e vice-versa,
como também, os clientes do CAPS recebem, entre outros, atendimento clínico,
odontológico e laboratorial do PAM. Quando um profissional do CAPS acompanha o
paciente para o atendimento, a proximidade entre eles mostra que a questão da
periculosidade é um mito e que há outras possibilidade de lidar com a loucura. Dessa
maneira, mais do que atender as necessidades dos usuários, esta integração tem um
importante papel no sentido de diminuir o preconceito e o receio de trabalhar com esta
clientela que historicamente apresenta dificuldades para ser atendida por qualquer outra
especialidade.
Um número relevante de pacientes que procuram atendimento no CAPS são
encaminhados por outras instituições, como o PAM, o CMS, a FUNLAR, o CPPII e o
IPP. Para o IFB, isto indica “uma inserção deste serviço na rede de serviços em
saúde”.(IFB, 1998, 19) Há, também, encaminhamentos feitos pelos próprios usuários e
seus familiares e, como já foi dito, pelo Conselho Distrital.
Há alguns casos em que os pacientes são encaminhados ao CAPS mas já
apresentam um acompanhamento psiquiátrico, seja num consultório particular, seja no
PAM ou no CMS. Nestes casos, o paciente mantém esse vínculo e passa a dispor dos
dois recursos.
A clientela do CAPS é constituída basicamente de pessoas de baixa renda,
moradores da área e com várias internações anteriores. Embora a maioria dos pacientes
apresente um diagnóstico de psicose ou neurose grave, este não é um critério para
admissão. A equipe acredita que as pessoas que podem se beneficiar do tratamento são
aquelas que passaram por um processo de adoecimento psíquico, com sofrimento
intenso, comprometimento do seu dia a dia, baixo grau de autonomia e uma vida social
empobrecida. Este é o perfil dos pacientes atendidos pelo CAPS, o que nem sempre é
determinado por um diagnóstico. Não são atendidos pacientes alcoolistas e drogadictos,
nem pacientes que residam fora da área. Este é o único critério de que não se abre mão
porque o projeto CAPS é baseado no conceito de território. Além disso, como são
pacientes graves, uma das modalidades de tratamento é a visita domiciliar e seria
inviável visitar pacientes de fora da área.
O tratamento oferecido pelo CAPS é feito basicamente em grupo, nas oficinas.
Cada oficina é coordenada por dois profissionais e apresenta uma proposta específica
82
que deve ser desenvolvida pelo grupo. As oficinas são criadas ou por sugestão dos
técnicos ou dos próprios usuários. O Grupo de Homens, por exemplo, foi criado a partir
da demanda dos usuários por um espaço para discutir sexualidade sem que as mulheres
estivessem presentes. Em contrapartida, criou-se o Grupo de Mulheres. Além destas,
estão em funcionamento as seguintes oficinas: Panos e linhas; Artesanato; Teatro;
Bonecos, onde são confeccionados os bonecos que podem ser utilizados no teatro;
Jornal; Futebol; Beleza; Assembléia; Alfabetização; Vídeo; Gesso; Biscoito e Nó
Desatado, onde busca-se, através do trabalho com colagem ou escrita, discutir uma
questão que está afligindo o grupo.
Muitas das oficinas preocupam-se com questões do dia a dia do paciente,
revelando uma atenção do serviço com a complexidade desta clientela.
Na Oficina de Alfabetização, coordenada por uma psicóloga da equipe que
também é professora, alguns pacientes que não foram alfabetizados estão aprendendo a
ler e escrever.
A Oficina de Beleza tem como objetivo chamar a atenção para os cuidados com
a aparência e higiene, que, em alguns casos, ficam comprometidos após o adoecimento.
Nela, os pacientes fazem a barba, cortam e lavam o cabelo, fazem as unhas, a
sobrancelha, são alertados da necessidade de usar roupas limpas e, quando necessário,
tomam banho.
Na Assembléia, que tem caráter deliberativo, todos os pacientes se reúnem para
discutir e votar assuntos do seu interesse, como a organização de festividades, os
passeios e qualquer coisa relacionada ao funcionamento do CAPS.
Na Oficina de Gesso e na de Biscoito, o que é produzido é vendido e o lucro
dividido entre os pacientes que trabalharam. Embora pequena, esta quantia é a única
fonte de renda para a maioria deles, permitindo a compra de alguns objetos de uso
pessoal. Além disso, estas oficinas possibilitam uma discussão sobre a qualidade do
produto de seu trabalho. Certa vez, conseguiu-se uma barraca na Feira de Ipanema onde
seriam vendidos os produtos da Oficina de Gesso. Alguns pacientes foram conhecer a
feira e perceberam que os produtos a venda apresentavam uma qualidade superior aos
seus. Dessa forma, voltaram ao CAPS afirmando que precisavam melhorar para poder
vender. Propuseram, inclusive, mudar o material que utilizavam para confeccionar seus
enfeites. Os biscoitos, por sua vez, já têm uma clientela fixa, entre os funcionários do
PAM, do próprio CAPS e os freqüentadores da praça, devido a sua qualidade.
83
A visita domiciliar é realizada, na maioria das vezes, para tratar de um paciente
que está em crise e não quer ir ao serviço, por solicitação de um familiar e para se obter
notícias de pacientes que estejam faltando ao tratamento.
Em janeiro de 1998, 30% da clientela estava ausente ou apresentava freqüência
irregular, sendo que, deste percentual, 10% havia perdido contato com o serviço. Para
reverter esta situação, foram intensificadas as visitas, tendo sido formulado um
programa de estágio para ajudar nesta atividade. As visitas mostraram que estas
ausências e freqüências irregulares correspondiam a casos de abandono; casos de
pacientes que chegaram ao tratamento em crise e, passado este momento, procuraram o
ambulatório, e casos de pacientes que não cumpriam o contrato terapêutico. O contrato
terapêutico representa a forma como cada paciente está ligado ao serviço, indicando os
dias em que deverá comparecer ao CAPS e as oficinas que vai participar. Muitos
passaram a ir menos ao CAPS e, por isso, apareciam na lista de freqüência como
faltosos. Desta forma, foi constatada a necessidade de reavaliação dos contratos.
(Carmello, 19988)
A freqüência dos pacientes vem sendo acompanhada semanalmente pela
supervisora. Quando é detectado que o paciente não compareceu ao serviço por uma
semana, a equipe é comunicada durante a supervisão, para que se determine se a
ausência foi justificada ou não. Na maioria das vezes, a equipe sabe o motivo da falta,
seja pelo próprio paciente ou seu familiar. Quando não há justificativa, é marcada uma
visita domiciliar. Com a intensificação das visitas e o controle semanal da freqüência,
não há mais casos de perda de contato.
Em novembro de 1998, o CAPS apresentava 89 pacientes matriculados. Como
os contratos são muito variados, ainda não se conseguiu saber o número total de
pacientes que poderão ser atendidos. O que se sabe é que, devido ao espaço físico e ao
número de profissionais, o CAPS tem capacidade para atender 35 pacientes por turno.
Até o momento, nenhum paciente foi recusado por falta de vagas, mas, para evitar que
isto aconteça ou que se chegue a um número que comprometa a qualidade do
atendimento, está sendo feito um levantamento dos pacientes e uma reavaliação dos
contratos para que se conheça o número de pacientes de cada turno.
Além das oficinas e das visitas domiciliares, alguns pacientes podem ser
atendidos individualmente ou com a família. Há, também, o grupo de família, que vai
ser discutido mais adiante, e um passeio, realizado uma vez por mês.
84
Todos os pacientes que chegam ao CAPS recebem um primeiro atendimento
denominado “acolhimento”. Neste atendimento se procura saber os motivos da consulta,
alguns dados do adoecimento e o endereço do paciente. Quando o paciente não mora na
área, não se encaixa no perfil de atendimento do CAPS ou deseja um outro tipo de
tratamento, como terapia individual, por exemplo, ele é encaminhado a outra instituição.
Conhecendo-se a carência de vagas para atendimento em Saúde Mental, os
encaminhamentos são feitos para as instituições em que foi feito um contato anterior e,
geralmente, o paciente é referido a um profissional específico. Solicita-se que o paciente
volte ao CAPS para dar um retorno do encaminhamento e, algumas vezes, a equipe
entra em contato com a direção da unidade, pedindo uma vaga. Para a Coordenadora,
esta é uma tentativa de humanizar o atendimento, evitando que o paciente saia
“peregrinando” em busca de tratamento. Embora não garanta a vaga, este procedimento
tem deixado os pacientes mais satisfeitos. (Almeida, 1998)
Quando a pessoa reside na área e apresenta o perfil para o tratamento, é marcada
uma triagem. Nela, é feita uma anamnese para aprofundar os dados sobre o paciente.
Caso as informações não fiquem muito claras, são marcadas outras entrevistas ou se
inicia a triagem em serviço, quando o paciente começa a freqüentar o CAPS,
participando de todas as oficinas. Dessa forma, fica mais fácil para a equipe conhecê-lo
e avaliar se ele poderá se beneficiar com o tratamento. Após este período de
experiência, que vai mostrar se ele vai aderir ao tratamento, o paciente é matriculado e é
feito o contrato. Cada paciente do CAPS apresenta um projeto ou contrato terapêutico
próprio, que é amplamente discutido pela equipe para que se encontre a melhor forma
de ajudá-lo. Ele é feito de acordo com a gravidade do caso e pode ser muito variado. Há
casos em que o contrato é diário, principalmente quando os pacientes estão em crise ou
precisam de um cuidado mais intensivo, mas há, também, contratos quinzenais ou
mesmo mensais. Há pacientes que não querem ir ao CAPS e, ainda assim, continuam
sendo acompanhados pelo serviço. Nestes casos, os contratos podem ser de visitas
domiciliares ou, também, participação do familiar no Grupo de Família.
A evolução do tratamento é permanentemente analisado e quando a equipe
percebe que a estratégia que vinha sendo utilizada já não está servindo, busca-se outra e
o projeto terapêutico do cliente é modificado.
Toda esta flexibilidade foi sendo adquirida com o tempo. Normalmente, mesmo
os serviços mais inovadores apresentam um modelo, uma forma de funcionar e são os
85
pacientes que precisam se adequar a ele. No início do seu funcionamento, o CAPS não
era diferente. A equipe era mais rígida e procurava seguir as regras por ela criadas. Uma
delas, por exemplo, determinava que os pacientes deveriam comparecer ao CAPS nos
dias estabelecidos pelo contrato e teriam que participar das oficinas. A equipe foi
percebendo, no entanto, que alguns pacientes só compareciam ao CAPS quando
sentiam necessidade. Outros, por sua vez, preferiam não participar das oficinas. Dessa
maneira, as regras foram modificadas e hoje existe o contrato “vir quando puder” e foi
incluído a atividade de “convívio” quando o paciente não está nas oficinas.
Anteriormente, quando um paciente não aderia ao tratamento, a equipe afirmava
que ele não servia para o CAPS porque não havia se adaptado àquilo que o serviço tinha
para oferecer. Atualmente esta postura sofreu uma grande modificação e quando o
paciente não adere, a equipe se pergunta: “O que a gente tem a ver com isso?” Neste
sentido, procura perceber qual é a necessidade do cliente e, caso a estrutura do serviço
não se adapte a ele, tenta criar uma estratégia nova, específica para ele.
“Não é o cliente que não se adapta ao CAPS. Eventualmente, o CAPS não está se adaptando àquele cliente. Então, a gente vai tentar construir alguma modificação que possa ajudar a tratar aquele cliente.”(Roquette, 1998)
Com esta mudança, os pacientes que deixaram de comparecer ao CAPS
passaram a ser considerados um fracasso do serviço:
“Eles não sumiram porque são difíceis, porque são chatos, porque são graves. Sumiram porque o que a gente oferece não dá conta da demanda deles... Será que a gente pode conseguir se a gente mudar alguma coisa?” (Roquette, 1998)
Durante as supervisões, fica claro esta forma da equipe ver cada caso em sua
singularidade e propor estratégias também singulares. Estas estratégias, por sua vez,
são apontadas como possibilidades, como tentativas, sem nenhuma garantia de sucesso.
O dia a dia parece mostrar que não há respostas prontas, muito menos definitivas. Como
a equipe costuma dizer: o CAPS é um serviço em construção.
Como exemplo, podem ser mencionados alguns casos de pacientes com um
sofrimento intenso, um cotidiano empobrecido e uma pequena rede de relações, que
pedem para ser encaminhados ao ambulatório ou só comparecem ao CAPS uma vez por
86
mês em busca da medicação. No início do funcionamento, a equipe teria atendido a sua
demanda e feito o encaminhamento. Hoje, ela vem procurando uma outra alternativa,
porque acredita que há algo mais a ser feito do que a medicação. A técnica reconhece
que esta é uma demanda da equipe e não do cliente mas espera que, atendendo ao seu
pedido de vir uma vez por semana para pegar a medicação, possa conhecê-lo melhor e
construir, com ele, uma outra demanda.
“Isso é uma coisa trabalhosa e que você não sabe no que vai dar. Eu posso investir demais nisso e não dar em nada. E achar que não tem problema, que isso não é um problema, que é uma tentativa válida.”(Roquette, 1998)
Como contraponto a estas situações, em que a equipe insiste no tratamento
porque percebe um intenso sofrimento nos pacientes, pode ser citado o caso de um
paciente que apresentava um comportamento fora dos padrões, mas que não lhe trazia
sofrimento, nem comprometia o seu cotidiano. Este paciente morava num sítio na Ilha
de Guaratiba, e, depois de uma briga com uma namorada, passou a apresentar o
pensamento desencadeado. Ele começou o tratamento no CAPS mas, pouco tempo
depois, abandonou e, por isso, recebeu uma visita domiciliar. Com a visita a equipe
pôde perceber que ele não demonstrava sofrimento, continuava fazendo suas atividades,
plantando, colhendo e trabalhando na feira. Sua família convivia com a sua diferença e
nunca o havia internado. Ainda assim, todos foram convidados a voltar ao CAPS para
conversar um pouco mais ou mesmo voltar ao tratamento. Ele não retornou, mas sua
mãe está freqüentando o Grupo de Família.
Este caso causou muita discussão durante a supervisão. Alguns técnicos
achavam que o tratamento poderia beneficiá-lo e, por isso, deveriam insistir para que
retornasse ao CAPS. Outros, por sua vez, questionavam se esta não era uma tentativa de
enquadrá-lo num padrão de normalidade. Como ele estava bem e não sentia necessidade
de tratamento, acreditavam que deveriam aceitá-lo desta forma e atender a mãe, já que
era ela quem parecia ter dificuldades com a situação do filho.
O CAPS apresenta, também, dois pacientes que, desde a primeira crise, só
receberam a internação como tratamento. Com isso, perderam os laços familiares e
sociais e têm o hospital como referência. A equipe tem procurado acompanhar suas
internações, numa tentativa de não perdê-los e de desconstruir esta demanda de
institucionalização.
87
Esta flexibilidade, as diversas formas de contratos, as tentativas de se adequar à
demanda, se por um lado levam em consideração a complexidade da clientela,
atendendo às propostas da Reforma Psiquiátrica, por outro apontam para a questão dos
limites do CAPS. Como o serviço vai manter esse padrão de atendimento e toda essa
diversidade, caso haja um aumento do número de pacientes?
Segundo Roquette (1998), também não existe uma resposta pronta para isso,
mas, caso aconteça, a equipe tem “muita disposição” para “inventar” uma forma. Uma
das estratégias é a intensificação das visitas domiciliares que, recentemente, vem sendo
feitas, também, pelo grupo de família. Neste caso, as visitas são feitas quando um dos
participantes deixa de comparecer ao grupo sem dar notícias, quando um familiar está
com problemas em casa com um paciente ou por solicitação da equipe.
O projeto CAPS vem sofrendo uma série de críticas, principalmente dos grupos
favoráveis ao tratamento hospitalar.
Durante uma reunião do Conselho Distrital, um dos participantes acusou o
serviço de atender a um pequeno grupo de pacientes privilegiados, enquanto o
ambulatório do PAM, com apenas 2 psiquiatras, fazia 70 atendimentos por dia. Sem
questionar a qualidade do atendimento, sugeriu que os profissionais do CAPS fossem
remanejados para o PAM. Esta opinião, no entanto, não foi compartilhada pelo
Conselho, que, depois dessa reunião, foi ao PAM para obter mais informações e
solicitou a diminuição da quantidade de atendimentos para melhorar a qualidade.
A Coordenadora do CAPS concorda que os pacientes são privilegiados porque
recebem um atendimento de excelente qualidade, com profissionais qualificados e
interessados, boa comida e boas instalações. No entanto, o acesso ao serviço é universal,
pelo menos para os moradores da área. Como a intenção da Gerência de Saúde Mental é
criar pelo menos um CAPS em cada área de planejamento, este serviço estará disponível
a todos. (Almeida, 1998)
Embora seja acusado de atender a uma demanda light, muitos pacientes chegam
ao CAPS em crise ou apresentam uma crise durante o tratamento. Nestes casos, a equipe
se prepara para oferecer um cuidado mais intensivo, procurando, sempre que possível,
evitar a internação. O paciente tem sua medicação revista e, quando não está
conseguindo participar das oficinas, o profissional que está como pivô1 procura ficar
mais próximo dele.
88
Em alguns momentos, no entanto, a equipe percebe que a internação é
necessária, principalmente quando a crise está colocando em risco a integridade física
do paciente. Há casos, também, em que é constatado o limite da própria família em
conviver com uma situação de crise. Num grupo de família, por exemplo, o pai de uma
paciente vinha tentando evitar a internação da filha, levando ao CAPS diariamente e
dando a medicação mas a situação já estava muito desgastante. A técnica afirmou,
então, que esta também era uma indicação para internação.
Nos casos de internação, a equipe entra em contato com o Hospital Manfredine,
na Colônia Juliano Moreira, com o Instituto Philippe Pinel ou com o Instituto de
Psiquiatria da UFRJ, onde já existe um intercâmbio que facilita o acompanhamento do
paciente pela equipe do CAPS durante a internação.
Os familiares costumam consultar a equipe antes de internar um paciente, mas,
quando isto não acontece e eles são levados para clínicas conveniadas, a equipe procura
evitar que a internação seja muito prolongada, entrando em contato com a clínica, com
os familiares e, em alguns casos, visitando o paciente na clínica.
Muitas vezes, a internação acaba sendo necessária porque os serviços de atenção
diária não funcionam de forma ininterrupta e alguns pacientes precisam permanecer no
tratamento durante a noite ou nos fins de semana. Como alternativa, vem sendo
apresentadas propostas de criação de leitos psiquiátricos em Hospitais Gerais da mesma
comunidade.
Em abril de 1998 foi realizada uma Reunião do Conselho Distrital, no Hospital
Estadual Rocha Faria, onde foi discutido o atendimento em Saúde Mental na área. Um
dos objetivos da reunião era solicitar à direção do Hospital que atendesse a
determinação legal que determina o funcionamento de dois leitos psiquiátricos na sua
emergência. O Diretor do Hospital não estava presente e, por isso, em agosto de1998,
foi realizada uma nova reunião, no CAPS, desta vez com a presença do Diretor. Na
reunião, a equipe apresentou o trabalho do CAPS, mostrando a necessidade de leitos no
Rocha Faria para que os pacientes não precisassem ser internados em hospitais
psiquiátricos. A idéia era ter 3 ou 4 leitos, funcionando como um local intermediário,
onde alguns pacientes poderiam passar a noite ou o fim de semana. O paciente iria com
a medicação prescrita pelo CAPS e, no dia seguinte, alguém de equipe iria buscá-lo. O
Diretor aceitou a proposta e solicitou que o CAPS continuasse ajudando nos casos em
que o Hospital recebe um paciente com problemas psiquiátricos.
89
Além disso, não existem serviços como Lares Abrigados, que possam receber
pacientes com problemas familiares. Como exemplo da falta que serviços deste tipo
fazem numa rede de atenção psicossocial, pode ser citada uma situação ocorrida durante
a observação participante. Um paciente do CAPS, com algumas internações anteriores e
que mora com a mãe e o padrasto traficante, apresenta uma relação bastante conflituosa
com sua família. Durante uma briga com a mãe, o paciente foi ameaçado de morte pelos
rapazes da vizinhança, que trabalham no tráfico de drogas com o seu padrasto. O
paciente foi ao CAPS e estava muito nervoso, ameaçando quebrar tudo e agredir uma
técnica. Ele estava consciente da situação e tinha medo de voltar para casa. Dessa
forma, tentava forçar a internação agindo de forma agressiva. A técnica entrou em
contato com a mãe, que queria que o filho fosse internado e que o CAPS tomasse as
providências para isto. Como ela não queria assumir nenhuma responsabilidade, a
técnica falou com o padrasto, que também não quis ajudar. Os dois foram informados
que não havia indicação clínica para internação. Outra opção foi o avô do paciente, que
morava muito distante e não podia ficar com ele. Dessa forma, a mãe foi contatada
novamente pela técnica, que garantiu que ele estava mais calmo. Após a mãe aceitar
recebê-lo, a técnica o acompanhou até em casa mas, apesar de todo o esforço, o paciente
foi internado dias depois.
Como já foi dito anteriormente, o IFB pretende construir um sistema de
informação que possa ser utilizado por todos os CAPS da rede municipal. Para isso, foi
elaborado um sistema de registro, que deve ser preenchido diariamente. Os dados são
analisados semanalmente pela supervisora, permitindo a avaliação do desempenho do
serviço e a orientação da equipe quanto aos pacientes que estão faltando, por exemplo.
O registro, no entanto, muitas vezes é feito de forma incorreta, com códigos inexistentes
e informações desencontradas, o que dificultava a análise. A dificuldade em registrar
pode significar a não compreensão dos profissionais de saúde que trabalham na
assistência com relação a importância de um sistema de informações. O registro parece
ser percebido como um procedimento burocrático para prestação de contas do trabalho,
representando quantitativamente o que deveria ser qualitativo.
De acordo com os dados referentes ao ano de 1997, apresentados no Relatório
Técnico referente ao convênio, 832 pessoas foram atendidas durante este ano, sendo
que 69 foram matriculadas, tornando-se clientes de atendimento intensivo. Dos 69
pacientes matriculados, 51, ou seja, 75% apresentou uma freqüência regular ao serviço.
90
Com relação ou número de internações anteriores, considerando-se os pacientes
com freqüência regular, apenas 33% não tinha história de internação, indicando que sua
clientela é constituída, basicamente, por pessoas com uma ou mais passagens por
hospitais psiquiátricos.
Tabela 03 – CAPS Pedro Pellegrino – N.º de internações anteriores à entrada no serviço de janeiro a maio de 1997
Nº de internações
Anteriores à entrada no
CAPS
Nº %
Nenhuma 17 33,3
1 – 2 11 21,6
3 – 4 3 5,9
5 – 6 4 7,8
7 – 8 2 3,9
9 – 10 5 9,8
11 – 12 - -
12 – 13 - -
Várias 9 17,7
Informação ignorada - -
Total 51 100 Fonte: IFB, 1998. Implantação de Serviços Municipais de Atenção Psicossocial nas Regiões de Campo
Grande e Santa Cruz. Rio de Janeiro
Dos usuários com freqüência regular, 82,3% não precisou de internação após a
entrada no CAPS. Dos 9 pacientes que foram internados durante o tratamento no CAPS,
5 tinham de 10 a 20 internações anteriores.
91
Tabela 04 - CAPS Pedro Pellegrino – N.º de Internações após a entrada no serviço de jan. a maio/97. Nº de Internações após a entrada no CAPS
Nº %
0 42 82,3 1 6 11,8 2 2 3,9 3 1 2 Total 51 100 Fonte: IFB, 1998. Implantação de Serviços Municipais de Atenção Psicossocial nas Regiões de Campo Grande e Santa Cruz. Rio de Janeiro Tabela 05 - CAPS Pedro Pellegrino – Perfil dos clientes que freqüentam o serviço e foram internados durante o acompanhamento.
Nº do Prontuário
Sexo Idade Nº de intern.
anteriores
Nº de intern. após a entrada
Duração do acompanha
mento
CID
6086/97 M 20 1 1 1 mês 295.3 0603/97 M 23 + 20 3 10 meses 295.3 0600/97 M 45 2 2 10 meses 295.3 0604/97 M 35 + 10 2 10 meses 298.9.0 0607/97 M 19 + 10 1 10 meses 295.3 2977/97 F 27 + 10 1 8 meses 295.99 2989/97 M 48 20 1 6 meses 295.99 2999/97 M 23 1 1 4 meses 298.9 6087/97 F 33 0 1 1 mês 298.9 Fonte: IFB, 1998. Implantação de Serviços Municipais de Atenção Psicossocial nas Regiões de Campo Grande e Santa Cruz. Rio de Janeiro
De acordo com estes dados, mesmo atendendo pacientes graves, com muitas
internações anteriores, o CAPS vem conseguindo uma modificação na idéia de que
crise é sinônimo de internação.
O trabalho do CAPS Pedro Pellegrino vem sendo possível por uma série de
conjunturas: a estrutura material fornecida pelo município, a supervisão técnica do IFB
e, principalmente, pela equipe que, mais do que conhecimento teórico, técnico ou do
que experiência profissional, apresenta uma disponibilidade interna de refletir sobre o
trabalho que está sendo feito, para melhorar sempre. (Roquette, 1998)
Uma das principais preocupações da equipe é que um novo prefeito decida que o
projeto CAPS não é prioridade e coloque um fim em todo o trabalho que vem sendo
92
construído. Dessa forma, a manutenção do CAPS é uma responsabilidade da própria
equipe, que não só deve insistir na importância deste trabalho junto a Secretaria
Municipal de Saúde como, também, deve procurar integrar a comunidade para que esta
defenda o serviço caso seja necessário. (Roquette, 1998)
Um dos caminhos para esta integração tem sido as festas, almoços, chás, etc,
com venda de ingressos convidando a comunidade a conhecer o serviço. O grupo de
família também tem contribuído neste sentido, porque para resolver alguns dos
problemas que surgem no CAPS, é preciso implicar os vizinhos, os parentes e os
recursos do bairro onde moram. Outra forma é o intercâmbio com outras instituições da
área para solicitar utensílios para o CAPS. Nestes casos, a equipe apresenta o serviço e
convida as pessoas para conhecer o trabalho.
Além da defesa do projeto, a aproximação com a comunidade pode contribuir
para uma nova forma de lidar com o doente mental. Como a questão da diferença não é
discutida nem na escola, nem na família, nem nos meios de comunicação, as pessoas
não aprendem a lidar com ela. O que se aprende é que o doente mental é perigoso e
deve ser excluído. Dessa forma, a integração do CAPS com a comunidade pode levar a
uma mudança cultural das pessoas com relação ao doente mental.
93
Os Profissionais
Para que um serviço como o CAPS possa garantir uma assistência de qualidade,
cumprindo sua proposta de rompimento com um modelo manicomial, vários cuidados
devem ser tomados. O primeiro deles é o questionamento constante do trabalho e das
relações que estão sendo estabelecidas, para que não se reproduza o modelo que se quer
substituir. Além disso, a comunidade e os familiares devem ser convidados a conhecer o
trabalho e a participar do tratamento, para que se construa uma nova forma de lidar com
a loucura.
Para que isto seja possível é preciso que a equipe que vai trabalhar nestas
unidades esteja preparada para assumir um papel bastante diferente do modelo clássico,
onde predominavam o distanciamento e as relações de poder entre técnicos e pacientes.
A montagem da equipe é uma das preocupações mencionadas pela Gerência de
Saúde Mental, e deve ser constituída por “por um conjunto de pessoas com afinidades
entre si, com a firme convicção em um projeto comum de tratamento”. (Fagundes &
Libério, 1997, 34).
Esta preocupação da Gerência parece ter sido atendida apenas num ponto. Todos
os profissionais do município que optaram pelo CAPS fizeram esta escolha por se tratar
de uma proposta diferente, embora alguns não tivessem um conhecimento muito claro
do que era este serviço. Como disse um deles: “Ouvi o galo cantar mas não sabia muito
bem onde.”
A adesão ao modelo superou a questão da distância e mesmo as compensações
salariais, já que todos afirmaram não ter conhecimento prévio da alta produtividade da
Zona Oeste. Como exemplo deste grau de adesão, as duas psicólogas municipais que
trabalham no CAPS obtiveram o primeiro e o quarto lugar no concurso.
A equipe é composta por 4 psiquiatras, 4 psicólogos, 3 terapeutas ocupacionais,
1 enfermeiras, que é a Coordenadora, um oficineiro, um nutricionista, a administradora
e 6 funcionários que trabalham na copa.
Analisando-se o perfil dos profissionais, verifica-se que todos apresentam pelo
menos um curso de especialização. Este é um dado interessante porque poderia se
esperar que os contratados pelo IFB fossem mais qualificados, já que sua seleção foi
baseada na análise de curriculum e entrevista, o que pressupõe alguns requisitos que não
94
são necessários para o município, como cursos de pós graduação e experiência
profissional.
Quadro 01 – O Perfil dos Profissionais do CAPS Campo Grande.
MUNICÍPIO IFB Psicólogo Psicólogo 26 29
PROFISSÃO IDADE CURSOS Especialização em Psiquiatria
Social Especialização em Psiquiatria Social
Psicólogo Psicólogo 30 27
PROFISSÃO IDADE CURSOS Residência em Saúde Mental,
Especialização em Terapia Familiar
Residência em Saúde Mental
Psiquiatra Psiquiatra 36 30
PROFISSÃO IDADE CURSOS Especialização em Psiquiatria
Clínica Residência em Psiquiatria
PROFISSÃO IDADE CURSOS
Psiquiatra Psiquiatra Residência em Saúde Mental
Terapeuta Ocupacional Terapeuta Ocupacional 36 31
PROFISSÃO IDADE CURSOS Psiquiatria Social, Residência em
Psiquiatria e Curso de Metodologia de Pesquisa em Saúde Mental
Curso de Terapia Ocupacional em Psiquiatria
Terapeuta Ocupacional 44
PROFISSÃO IDADE CURSOS
Especialização em Docência Superior
PROFISSÃO IDADE CURSOS
Enfermeira Especialização em Saúde Pública
PROFISSÃO IDADE CURSOS
Nutricionista
Obs.: Não foi possível colher as informações de alguns dos profissionais, indicando-se apenas as informações disponíveis.
95
O desejo de trabalhar num serviço alternativo parece ter sido a única afinidade
da equipe, já que poucos se conheciam. Este pouco contato antes do início do
funcionamento do CAPS é bastante criticado pelos profissionais, que comparam a sua
relação com um casamento em que as etapas foram invertidas. Para eles, em vez de
namorar, noivar e casar, eles casaram para depois namorar. Isto trouxe alguns
problemas, principalmente quando começaram a surgir as primeiras reivindicações,
ligadas as diferenças nos regimes dos contratos dos profissionais.
Os profissionais do IFB recebem um salário bruto de, aproximadamente,
R$1200,00, enquanto o salário dos funcionários municipais não chega a R$ 500,00. O
Município oferece um acréscimo no salário, correspondente a um percentual calculado
de acordo com a produção de serviços, denominado “produtividade”. Este percentual
depende da produção mensal de cada Unidade e, por isso, varia mês a mês. Como a
Zona Oeste apresentam uma alta produtividade, que atualmente fica em torno de
R$500,00 a R$600,00, a diferença entre os salários diminui bastante. No entanto, como
a produtividade não é um salário direto, não é oferecida nas férias ou no décimo terceiro
e pode ser retirado por decisão da Secretaria.
Tanto o IFB quanto o município acreditam que a diferença salarial não é tão
grande e que, além disso, os funcionários do município apresentam uma série de
vantagens que os funcionários celetistas não apresentam, como a estabilidade, licença
prêmio e licença para aleitamento materno. Embora os funcionários do IFB tenham
todos os direitos garantidos pela CLT, não têm estabilidade porque o seu contrato
depende do convênio com o Município, que não apresenta garantia de renovação. Dessa
forma, para se discutir isonomia salarial teria que se incluir estas outras vantagens, que
são difíceis de quantificar.
Embora as discussões por causa desta diferença salarial tenham sido muito mais
freqüentes no início do trabalho, esta questão ainda não está superada. Como exemplo,
pode ser citada uma situação que ocorreu durante o período de observação participante.
Durante uma supervisão, uma técnica do IFB disse que não achava justo a imposição da
presença dos funcionários do IFB nas campanhas de vacinação. A Coordenadora
afirmou que foi uma imposição do IFB, já que formam uma equipe e a presença dos
funcionários municipais é obrigatória. Neste momento, uma técnica do município disse
que as pessoas só reconheciam as diferenças quando se sentiam prejudicadas e que,
dessa forma, não havia apoio para resolver alguns problemas. No início, ela era a única
96
a reclamar da diferença salarial. Alguns técnicos responderam que as diferenças
existem, mas não incomodam. No início eles não formavam uma equipe, mas sim um
grupo e por isso era mais difícil se solidarizar com os problemas dos outros.
Atualmente, com a maior integração, as diferenças podem ser conversadas entre a
equipe, e, dessa forma, flexibilizadas, como aconteceu na decisão de conceder licença
para aleitamento à psiquiatra do IFB. Ela teve um filho e, após os quatro meses de
licença maternidade garantidos pela CLT, solicitou mais alguns meses para continuar o
aleitamento. Este é um direito do funcionalismo municipal, mas o IFB deixou que a
questão fosse resolvida pela equipe do CAPS, que aceitou o seu pedido. Para a técnica,
este é um exemplo de que a flexibilidade só ocorre para os funcionários do IFB. Quando
ela reclama da diferença salarial, tanto o município quanto o IFB afirmam que esta
questão não tem solução, porque são legislações diferentes e que os funcionários do
município apresentam vantagens que os funcionários celetistas não apresentam. No
entanto, as vantagens do funcionalismo público estão sendo estendidas aos funcionários
do IFB, enquanto os funcionários municipais têm que obedecer a todas as regras
municipais, que são muito rígidas. Um outro exemplo acontece com os descontos por
atraso, que são perdoados pelo IFB, o que não acontece com os funcionários do
município.
No CAPS Santa Cruz, há uma outra diferença entre os profissionais, referente a
carga horária. Existe um acordo entre os profissionais do município que trabalham em
Santa Cruz de só comparecerem ao trabalho duas vezes na semana, devido a distância.
Com isso, os profissionais do IFB, que são contratados para cumprir uma carga horária
de 20 horas semanais, ou seja, dois dias inteiros e um turno, reclamam de ter que ir um
dia a mais do que os profissionais do município, já que formam uma equipe. Para o IFB,
a redução da carga horária é inviável, pela própria proposta do serviço de atenção diária,
que exige uma maior participação dos profissionais. Por outro lado, se o IFB aceitasse
reduzir a carga horária dos profissionais de Santa Cruz, os profissionais de Campo
Grande iriam se sentir prejudicados.
Embora a questão das diferenças não esteja superada, ela não representa uma
cisão na equipe, nem parece interferir no andamento do trabalho. Provavelmente, os
pacientes ou as pessoas que visitam o CAPS sem saber que os profissionais tem dois
tipos de contrato não percebem diferenças. Para quem sabe, não é possível identificar
97
quem é do município e quem é do IFB porque os profissionais têm as mesmas
atribuições e se comportam da mesma forma.
A idéia de contratar profissionais via IFB segue a tendência de redução dos
encargos proposta pela Reforma do Estado. No entanto, esta proposta recebe muitas
críticas, principalmente quando se trata de categorias presentes nos quadros do
município. Contra a morosidade na reposição de pessoal em casos de desistência, um
dos motivos alegados para a contratação, acredita-se que há possibilidades de agilizar
este processo. Além disso, muitos profissionais que fizeram o concurso público e
obtiveram uma classificação que não lhes permitiu a convocação estão trabalhando no
CAPS via IFB, enquanto outros com melhor classificação estão esperando a abertura de
novas vagas.
Outra questão criticada é a falta de divulgação do processo de seleção feito pelo
IFB. Algumas pessoas que tinham contato com as instituições em que o processo foi
divulgado, como o IPP, onde fica sediada esta ONG, não tomaram conhecimento, o que
levantou a hipótese de contratação de amigos.
Convivendo com os Pacientes: As Famílias e a Opção por Não
Internar.2
Como já foi apontado anteriormente, uma das tendências encontradas no setor
saúde na última década é o surgimento de propostas de transformação da assistência dos
grupos marginalizados e estigmatizados, como os doentes mentais. Estas propostas se
configuram como um rompimento com uma tradição institucionalizante, segregadora e
cronificante dentro da medicina e da psiquiatria, que contribuiu para que a loucura fosse
associada às noções de periculosidade, irresponsabilidade, desrazão e ausência de obra.
Além disso, esta tradição “teve como correlata a exclusão dos loucos do espaço
familiar, de forma que a instituição psiquiátrica e o Estado passaram a definir os
destinos sociais dos doentes mentais no lugar da instituição familiar.” (Birman, 1992,
pg. 81)
As antigas respostas de asilamento, que retiravam os pacientes do convívio
social e familiar estão sendo substituídas por outras formas de tratamento não
segregadoras. Esta tendência aponta para a necessidade de uma transformação social e
98
cultural, no sentido da criação de possibilidades de convivência com os doentes mentais.
A própria organização dos novos serviços voltados para a
desisnstitucionalização/desconstrução, favorece o efeito transformador do imaginário
social.
“É no lidar cotidiano com as pessoas e familiares de problemas mentais que, superando as formas anteriores de tratamento e assistência (internação em hospícios, isolamento, invalidação e mortificação), e exercitando novas formas de cuidado e acolhimento, centradas em novas escutas, em novas formas de convívio, em novas formas de ação terapêutica, que as mudanças são maiores.” (Amarante, 1997, 176)
Nos novos serviços, o primeiro grupo social envolvido é a família, que passa a
ser chamada a participar concretamente do projeto terapêutico. Em alguns casos, é
necessário conduzir o paciente diariamente ao serviço, conversar com a equipe, ficar
responsável pela administração da medicação e, sobretudo, estar disposto a conviver
com uma pessoa que apresenta uma forma de existência estranha aos princípios da razão
iluminista, com comportamentos fora dos padrões, com momentos de crise, sofrimento
e dificuldade de relacionamento. Dessa forma, os familiares também precisam de um
espaço de acolhimento, onde possam falar das dificuldades que encontram com esta
convivência.
No CAPS de Campo Grande, o grupo de família surgiu a partir da percepção
desta necessidade de acolhimento para os familiares. Além disso, alguns pacientes
traziam questões sobre o relacionamento em casa, pedindo que os técnicos
conversassem com seus familiares. Duas técnicas, uma psicóloga, com especialização
em terapia de casal e família e uma psiquiatra se dispuseram a coordená-lo.
No grupo, os familiares tem a oportunidade de conversar sobre suas dúvidas,
angústias e temores. A partir do relato de um familiar, os outros vão percebendo que,
apesar das singularidades, todos passam pelas mesmas dificuldades e isso tem ajudado a
entender o comportamento dos pacientes.
Certa vez, uma mãe estava relatando sua dificuldade em lidar com o delírio da
filha, que acreditava estar sendo vigiada o tempo todo e que os atores da televisão
falavam com ela. A outra mãe ficou surpresa, porque sua filha apresentava os mesmos
sintomas e ela não conseguia entender nem imaginava que outras pessoas passassem
99
pela mesma situação. Muitas vezes busca-se esclarecer aos familiares o sofrimento
vivido pelos pacientes, que experimentam uma realidade que para as outras pessoas é
irreal. Parece que a partir do grupo, surge uma sensação de “estar no mesmo barco”, que
possibilita redimensionar seus problemas e aprender a lidar melhor com a experiência
vivida pelo paciente.
“O grupo me ajudou muito e tem mais uma coisa. Eu aconselho a todos os que vêm a mim que procurem o CAPS. Porque depois que eu entrei no CAPS eu me senti mais suavizado, mais tranqüilo. Gostei muito do CAPS. Não sei se todos os CAPS mas o CAPS Pedro Pellegrino aqui, que é o que eu conheço, estou muito satisfeito com ele.” (Sr. A, pai de um paciente)
O relato desta mãe exemplifica a dificuldade em aceitar o estado do paciente e a
ajuda do grupo.
“Meu filho tem depressão e o problema dele não é assim tão evidente quanto o da maioria dos clientes do CAPS e, então, em casa há muita dificuldade das pessoas entenderem como doença. Entendem como preguiça, como indolência. Eu mesma como mãe demorei muito para entender, aceitar, assumir isso como doença e ainda preciso aprender muito. A reunião com os pais, com os familiares, me ajuda muito porque eu vejo outras mães, cada uma contando a sua experiência com o seu filho, né? Vão contando certos detalhes que a gente em casa fica lembrando: o meu também faz isso. Faz um pouco, não é tanto, mas é a mesma coisa, eu tenho que entender que é a mesma coisa.” (Sr.ª B, mãe de um paciente)
Além da troca de experiências, os familiares participam dos problemas do
CAPS, buscando soluções para enfrentá-los. Esta participação dos familiares teve início
quando a equipe percebeu que havia alguns problemas que não poderiam esperar por
uma resposta da SMS. O primeiro deles foi o da alimentação dos pacientes, já que não
havia cozinha, nem mantimentos. Alguns pacientes tinham condições de levar marmita
mas outros não. Neste caso, fazia-se uma vaquinha e comprava-se legumes para sopa. A
equipe começou a dividir estes problemas do cotidiano com o Grupo de Família, que
começou a se organizar em busca de soluções. No caso da alimentação, o grupo de
família organizou uma “campanha do quilo” e passou a levar mantimentos ao CAPS.
100
A partir das dificuldades levadas pela equipe, os familiares começaram a se
organizar e a contribuir, surgindo a idéia de fazer uma associação de familiares e
amigos do CAPS. Foram estudados os estatutos das associações já existentes mas o
grupo não se interessou em formalizar a associação. Dessa forma, a associação do
CAPS Pedro Pellegrino existe de fato mas não de direito, já que não existe sede nem
estatuto que o regulamente.
“O que a gente chama hoje de associação é um outro momento do Grupo de Família, que a gente agora divide o grupo de família em dois momentos. Antes era o espaço de discussão das dificuldades que eles enfrentavam no relacionamento cotidiano com o seu familiar que se trata no CAPS. Agora não, agora o Grupo de Família tem esse momento (...) e tem um segundo momento para discutir a associação. A associação foi surgindo no Grupo de Família na medida em que foram surgindo os problemas de funcionamento da casa, do CAPS, e que a gente começou a colocar o Grupo de Família a par desses problemas. Na medida em que eles começaram a intervir, a dar sugestões, a fazer proposta de solução, eles acabaram formando isso que a gente chama de associação. Mas não tem sede própria, não tem nenhum estatuto registrado em cartório. É uma associação, assim, virtual. Ela é virtual na formalidade mas ela é efetiva no funcionamento.” (Roquette, 1999)
Um outro problema levado ao grupo pela equipe foi a questão de alguns
pacientes que deixaram de freqüentar o CAPS por falta de dinheiro para a passagem. O
grupo deu a idéia de fazer uma festa cobrando ingresso para a compra de vale-
transporte. Agora, a compra e distribuição dos vales é um dos assuntos da associação
que formulou uma série de normas para orientar sua distribuição de acordo com o
projeto terapêutico de cada paciente e com o seu estado clínico. Com o objetivo de ter
uma quantia em caixa para qualquer eventualidade, o grupo confeccionou carnês para
pagamento mensal e tem organizado festas, almoços e chás, todos com venda de
convites. Estas festas proporcionam, também, o contato com a comunidade, que passa a
conhecer o serviço e a descobrir uma outra forma de lidar com a doença mental.
Uma das representantes dos familiares está sempre pensando em coisas novas
para a associação como forma de agradecer ao que recebe no CAPS:
101
“Eu não tenho nem como agradecer, não tenho como agradecer. As vezes as pessoas falam para mim assim: “que tanto você vive correndo, e vai não sei a onde, e compra vale, e faz não sei o que?” É o mínimo que eu posso fazer pelo CAPS, o mínimo, porque eu tenho muito que agradecer a todos, todos.” (Sr.ª C, irmã de um paciente)
Outra idéia surgida no grupo foi a de visitar os familiares que estivessem
faltando ao grupo ou os pacientes com dificuldades de freqüentar o tratamento, seja a
pedido da equipe, seja a pedido do familiar.
Recentemente o grupo decidiu auxiliar num caso que há tempos preocupava a
equipe. Uma paciente do CAPS deixou de comparecer ao tratamento, não se cuidava,
quase não se alimentava e não queria mais sair de casa. A equipe tentou fazer visitas
domiciliares mas a casa ficava num morro tão íngreme que impedia o acesso. Os
familiares conseguiram alugar uma casa em outro local, mas estavam com dificuldades
para comprar alimentos e consertar a caixa d’água. O problema foi levado ao grupo e foi
decidido pegar o dinheiro em caixa para comprar uma cesta básica e auxiliar no
conserto da caixa.
O grupo tem se mostrado um excelente apoio aos familiares e contribuído para
uma mudança na concepção da loucura e do tratamento. As entrevistas e a observação
participante nas reuniões revelaram algumas das dificuldades enfrentadas pelos
familiares e suas expectativas quanto ao tratamento.
“Então eu acho que a reunião, a reunião o que é? É eu conversar com você. Então eu vou para casa, eu conversei com ela, ela tá com problema, e tal. Aí você passa aquele sufoco em casa, aí fica pensando na coisa pior que o outro está passando. Aí chega a outra semana, aí você vem novamente à reunião, aí você escuta a outra falar, aí, a gente vai nisso eu não sei até quando, eu não sei até quando. Ajuda mas é um paliativo. É a mesma coisa, Deus queira me perdoar, você vai na igreja, aí chega, seja um pastor, seja um padre, aí diz, isso e isso. Na hora, você sente aquele alívio agora, quando chega em casa, é aquele negócio, vinte e quatro horas convivendo com aquilo é que é o problema. Então, é isso que nós passamos, é isso que nós passamos. E eu não desejo para ninguém. É muito triste. (...) Eu parei no mundo. Eu parei. Estou aposentado, me aposentei obrigado, quer dizer, dinheiro de aposentadoria não dá para nada. Não posso fazer um biscate, não tenho como sair de casa. Você sabe o que é ir ficando atrofiado, ir ficando. Quer
102
dizer, como vou deixar minha mulher sozinha com ela e com uma criança? Não vou.” (Sr.º D, pai de uma paciente)
Existem momentos em que os familiares não sabem o que fazer diante do
comportamento dos pacientes, como mostra esta entrevista:
“Muitas vezes a gente tem que atender a um adulto esquizofrênico como se atende a uma criança. (...) O adulto com aquela esquizofrenia tem expressões de criança e as vezes arranja certas frases que a gente nem esperava existir na mente deles. As vezes elogiando, as vezes condenando a gente e quando a gente é mais íntimo parece que ele mais tem ódio e descarrega naquele que mais gosta. E ele as vezes diz que a mãe é o que eu nunca pensei dele falar, entendeu? Fala também que eu sou. Mas aquilo a gente tem que fazer de conta que não escutou, né? Porque se levar a mal, aí vem o atrito. E as vezes a gente simplesmente pede para ele não fazer uma coisa ele diz que a gente está brigando, por um mínimo que a gente peça.” (Sr.º A, pai de um paciente)
A irmã de um paciente revelou estar ficando assustada com o seu
comportamento diante dele. Sempre que ele se aproxima com agressividade ela finge
estar maluca, imitando o comportamento dele ou fazendo coisas estranhas, como se
debater no chão ou dormir com uma calcinha na cabeça, por exemplo.
“Quando eu percebo que ele vem, eu fico fazendo gesto de tererê, como se eu tivesse ficando maluca. Aí ele pára, ele olha. Quer dizer, eu não sei se isso é normal da minha parte. Eu vou acabar procurando um psiquiatra.” (Sr.ª E, irmã de um paciente)
No entanto, mesmo diante de toda a dificuldade, os familiares parecem só
recorrer à internação em último caso. Quando esse assunto é comentado, pode-se
verificar uma certa confusão de sentimentos. Ao mesmo tempo em que a internação é
apontada como uma alternativa desejada nos momentos mais difíceis, os familiares
acabam por recusá-la. Para discutir esse assunto, pode ser tomado como exemplo uma
discussão ocorrida durante uma reunião do grupo.
Duas famílias foram ao CAPS pedir a internação das pacientes, que estavam em
crise. Uma das pacientes, que estava com marcas nos braços e com um corte na boca,
dizia que seu pai tinha lhe dado um soco e que queria ser internada porque não
103
agüentava sua família. Sua tia disse que ela havia quebrado tudo em casa e estava se
batendo, causando as marcas nos braços. A mãe da outra paciente também pedia a
internação porque a filha estava saindo sem dizer para onde. Na noite de ano novo foi
parar numa praça e dois homens tentaram violentá-la. Ela foi salva por soldados que
ouviram seus gritos e correram para socorrê-la. Numa destas saídas, só não foi
atropelada porque o motorista desviou, subindo a calçada que, por sorte, estava vazia.
No primeiro caso a paciente foi internada mas, no segundo, a médica pediu que a
família a mantivesse em casa porque, como era muito ingênua, uma internação seria
muito difícil para ela. Sua medicação foi aumentada e passou a comparecer ao CAPS
todos os dias. Na reunião da semana seguinte, a mãe desta paciente retornou ao grupo
dizendo que não tinha entendido porque a outra paciente foi internada e sua filha não, já
que estava colocando sua vida em risco.
A coordenadora do grupo afirmou que, quando o familiar não entende ou não
concorda com a atitude do médico, deve deixar isso claro. Além disso, ela poderia ter
internado a filha, a revelia da equipe. A mãe se queixou da dificuldade de levá-la a um
hospital por meios próprios, mas a coordenadora lembrou que ela já tinha feito isso
antes. A irmã de um paciente perguntou se não seria mais difícil internar um paciente
sem o encaminhamento do médico responsável. Temiam, também que o paciente
fingisse estar bem e que o médico não concordasse com a internação. A partir dessas
perguntas, a coordenadora afirmou que a decisão de internar é sempre muito difícil e
que os médicos levam em consideração uma série de fatores, entre eles, a história da
família. Uma das indicações de internação era a dificuldade da família em lidar com o
paciente em casa. Já houve casos, no entanto, em que a equipe recomendou a internação
e a família não aceitou, dizendo que preferia agüentar o paciente em casa. O grupo
passou a discutir a situação e, durante a discussão, ficava clara a confusão de
sentimentos. Alguns achavam que ela deveria ter insistido para interná-la, outros
tentavam justificar a atitude da médica, afirmando que a crise poderia ser curta e, dessa
forma, a internação não seria necessária. Para a irmã de outro paciente, a internação era
uma coisa muito sofrida. Seu irmão já tinha passado por várias internações, em distintos
hospitais e, em todos eles, a situação dos pacientes era horrível. Segundo ela, eles
ficavam jogados e alguns chegavam a comer dejetos. A mãe de um paciente, por sua
vez, disse que havia bons hospitais e defendeu a internação em alguns casos.
As entrevistas também revelaram a opinião dos familiares sobre a internação.
104
“Eu nunca achei bom a internação. Para a gente, pai e mãe, dá um alívio, assim, pelo menos você vai dormir, você deita, você dormiu mas você tá pensando que ela tá lá internada. Então é um sono diferente mas, viver, você continua vivendo naquilo. Agora, você não está convivendo aquilo todo o dia, vendo aquilo todo o dia. Agora, realmente, que a internação é triste, é triste.” (Sr.º D, pai de uma paciente)
Segundo a mãe de um paciente, na época em que seu filho estava internado, dois
pacientes morreram na mesma clínica. Para protegê-lo, ela pagava outros pacientes para
cuidar dele, até que resolveu tirá-lo da clínica antes da alta.
“Eu tirei ele da Raimundo Nonato. Tirei ele com crise e tudo, trouxe ele para casa porque ele só ficava dopado. (...) Eu prefiro ele em casa, mesmo atacado, assim, conforme ele está, do que internar. Prefiro meu filho dentro de casa, comigo. Eu não gostei da internação não. É horrível, horrível, horrível. Você chega lá e vê gente pior do que você.” (Sr.ª F, mãe de um paciente)
A irmã de um paciente relatou que, a primeira vez que ele entrou em crise, ela
fez de tudo para não interná-lo, até que ele a agrediu com muita violência e seu marido
exigiu a internação. Ela não gostava do tratamento oferecido pela clínica e achava que
se ele continuasse lá, nunca melhoraria. Assim que ficou sabendo do CAPS, foi até lá
conversar com a equipe e retirou o irmão da internação imediatamente.
“Eu fiquei tão apaixonada por isso aqui, devido a minha vivência
dentro de um Raimundo Nonato por vinte e quatro dias, eu achei isso
aqui o céu, tá entendendo? Eu falei: “não vou deixar o L. mais lá
não”. Saí daqui, fui lá, falei com o médico dele. “Você tá é doida de
tirar seu irmão e colocar no CAPS. O CAPS é um slogan: doido”.
Assim mesmo que ele falou comigo! “Nunca mais na vida dele ele vai
ter uma vida normal.” Você vê se tem cabimento? Eu fiquei! Eu
disse: “ olha, o senhor não está falando com nenhuma boba,
nenhuma leiga não. Eu já estive no CAPS e vi o trabalho deles lá. Eu
estou aqui há vinte e cinco dias. Me dá o termo de responsabilidade
que eu vou levar o L. daqui agora.” (Sr.ª C, irmã de um paciente)
105
A irmã de um paciente disse que seria ótimo interná-lo, porque ela teria paz, mas
não o faz porque a internação não vai trazer nenhum benefício para ele. Seu relato
mostra que os familiares não têm ilusões quanto à proposta terapêutica da internação,
principalmente em hospitais públicos, revelando a crença de que um serviço privado
poderia oferecer um tratamento melhor. Ela mostra, também, que os familiares acabam
se acostumando com a situação dos hospitais e passam a não sentir pelos outros
pacientes.
“Se o M. for internado eles não vão sentar com o meu irmão para conversar com ele. Interná-lo seria se, eu chegasse lá e encontrasse o M. como se tivesse fazendo uma terapia, sentado com alguns médicos. (...) Interná-lo seria bom até, se nós tivéssemos condições de pagar uma clínica particular para terapia. Internar para se ver livre dele eu não acho necessário. Deu para você entender porque eu não forço a barra de internar? Porque internar para ele ficar largado lá no hospital do Estado, jogado feito bicho, que fica, que eu sei que fica porque eu estou acostumada a ver essas coisas. Consegui me acostumar. Hoje eu posso chegar em qualquer hospital que e posso ver o que for que eu não estou nem aí, sabe? Eu não vou chorar, não vou sentir.” (Sr.ª E, irmã de um paciente)
Uma outra questão importante surgida no grupo foi a expectativa dos pais
quanto a recuperação dos pacientes. Segundo um pai, alguns pacientes tiveram uma
melhora no início do tratamento mas, com o passar do tempo, pareciam estar da mesma
forma. A partir da sua fala, a médica perguntou ao grupo o que era melhorar e
perguntou a mãe de um paciente citado como exemplo, sua opinião sobre o que foi
falado. A mãe não concordava pois, segundo ela, seu filho estava muito melhor e nunca
mais tinha entrado em crise. Os familiares começaram a falar, então, de como seus
pacientes tinham melhorado depois que iniciaram o tratamento no CAPS. Diziam que
antes os filhos não saíam de casa, apresentavam várias crises e precisavam ser
internados, não trabalhavam nem ajudavam nas tarefas domésticas, entre outras coisas.
As entrevistas também revelaram que os familiares perceberam a melhora dos pacientes.
“Ele começou a se tratar aqui e está muito bem, graças a Deus. Ele hoje em dia sai, vai para o cinema, passeia, está tudo muito bom. Eu quase nem falo nada em grupo de família porque não tenho nada para falar. Então eu só fico
106
escutando os outros falarem e as vezes dou opinião. Mas o meu não, graças a Deus está bem. Eu acho que para o meu filho valeu muito.( Sr.ª G., mãe de um paciente)
No entanto, a melhora dos pacientes não corresponde ao que os familiares
esperavam, como ficou claro pelo depoimento de uma mãe no grupo, que afirmou que
seu filho estava melhor, mas ainda não estava como ela queria.
De acordo com a discussão do grupo e com as entrevistas, pode-se perceber que,
embora os familiares estejam aprendendo a conviver com os pacientes e tenham
recusado a internação como resposta, ainda esperam a cura, a restituição da razão
perdida que lhes permitiria participar da sociedade como um igual. Como todos gostam
do tratamento oferecido pelo CAPS, acham que o problema está na medicação.
“ Antigamente ele tomava o remédio e estava bem. Hoje em dia, ele não está bem. É muito difícil agora a gente pegar o Roberto bom. Ele fica bom aqui, mas em casa, ele muda de figura. Eu não sei o que é que é. ... Eu desconfio que é o remédio. Eu estou desconfiada que esse stelazine está sendo falsificado. Eu estou bem desconfiada.” (Sr.ª F., mãe de um paciente)
“O tratamento aqui é cem por cento, o pessoal aqui é cem por cento, o que eu acho mesmo, eu acho que é o remédio, por que é que não está fazendo efeito? E eu estou achando que o filho dela está piorando e a minha filha, não está piorando mas não sai da crise já vai fazer dois anos.” (Sr.º D., pai de uma paciente)
Historicamente, a medicina ensinou que as doenças, inclusive a doença mental,
devem ser tratadas e podem ser curadas, através de remédios e das orientações médicas.
Como, neste caso, é impossível seguir esta linearidade, torna-se difícil para os
familiares entenderem o que se passa com os pacientes, que não conseguem ser curados.
Sem saber o que fazer, os familiares buscam respostas onde podem, como pode ser visto
no relato deste pai:
“A gente vê, que tem algo, e a gente procura, aí chega um, agora, então, com esse negócio de igreja, chega um e fala uma coisa: “essa garota não está doente”, chega um parente: “essa garota não tem doença”. Eles falam certas
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coisas que aparentemente tem lógica, que não é doença. Que seja uma outra coisa, agora, essa outra coisa, o que? Espiritual, que seja isso, a gente fica procurando e não encontra uma solução para isso. Eu já estive em macumba, eu já tive nisso, já tive naquilo. (...) Sinceramente, até agora, eu não cheguei a uma conclusão com a minha filha, sinceramente. Porque, ela fica assim, eu tenho para mim que é dos remédios. Agora, ela tem que tomar remédio. Eu levo ela a igreja, levo em centro, levo na macumba, leva em não sei o que, já se levou e não dá uma solução.( ...) É doloroso ter uma doença dessa. Porque, quando você tá tuberculoso, você vai se tratar ou não tem. Você tá com câncer, é isso, assim, assim. Agora, essa doença, não chega a uma conclusão. Você não chega a uma conclusão com essa doença. As outras doenças ou tem cura ou não tem, agora essa... É triste, muito triste.” (Sr.º D, pai de uma paciente)
Outro exemplo sobre a expectativa quanto as respostas terapêuticas, pode ser
vista na discussão ocorrida durante uma reunião do grupo, que estava sendo realizada
no auditório do PAM. Uma paciente grave, atravessou a praça e entrou na sala,
interrompendo a reunião por três vezes para falar com seu pai. Ela parecia bastante
comprometida, com dificuldade para falar e para se movimentar, aparentando estar
impregnada3. O grupo ficou muito mobilizado e iniciou uma discussão sobre o caso.
Achavam que a paciente estava impregnada e que seu pai deveria exigir que a médica
alterasse a medicação. Os familiares insistiam na modificação da medicação que,
segundo eles, estava causando a impregnação. O pai afirmava que, em toda a história de
seu adoecimento, a paciente nunca havia se adaptado àquela medicação, sugerindo um
outro remédio que, segundo ele, costumava fazer um efeito melhor. Segundo a
coordenadora, os componentes eram os mesmos. Para ela, o que eles estavam buscando
era uma solução mágica para o caso, quando, na verdade, essa solução não existia. Uma
mãe afirmou que aquele era um caso de internação, embora não tenha conseguido
explicar o motivo. O pai, por sua vez, afirmou que preferia ver sua filha morta do que
internada novamente. Os outros familiares também não concordavam com a internação
mas insistiam na mudança da medicação. A coordenadora disse, então, que não poderia
dar falsas esperanças a eles. Segundo ela, a paciente apresentava um quadro muito grave
e não havia uma resposta pronta, muito menos um caminho fácil para a sua recuperação.
Seu tratamento era uma construção diária, com avanços e retrocessos em busca da
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melhor maneira de ajudá-la. No final do grupo, alguns familiares elogiaram as palavras
da médica.
Embora os serviços venham contribuindo para a transformação do imaginário
social, permitindo uma nova relação com a diferença, essa nova relação ainda não
significa sua aceitação. A diferença ainda impede que os pacientes levem uma vida
satisfatória e essa discriminação social aumenta ainda mais seu sofrimento. Isso pode
ser visto com os depoimentos de alguns familiares:
“ Ele não fica muito tempo trabalhando porque aí começa os outros a implicar. Os outros empregados, que são bons, implicam mesmo, a verdade se diz. Começa a implicar, implicar, ele para não brigar ele sai. Aí eu falo, quando começar a te chatear você vem embora. Aí quando leva dois, três dias não vai lá na padaria. Depois torna a ir. E é assim. Ele está levando a vidinha dele, né. Já está um homem com 32 anos, a gente olha assim e os olhos da gente enche de lágrimas. Porque não é uma vida para um homem, né minha filha? Não é mole não.” (Sr.ª G, mãe de um paciente)
Seja nas reuniões do Grupo de família, seja nas entrevistas, os familiares têm se
mostrado muito satisfeitos com o trabalho do CAPS, como mostram estes relatos:
“Aqui, muita coisa foi muito bom para ele. Vem sendo bom porque ele passeia, ele gosta muito desses passeios. Ele estuda. Ele aprendeu a fazer o nome dele; ele aprendeu a fazer algumas coisinhas aqui, trabalhos manuais. Só de escrever o nome dele já foi uma grande coisa. Só em ele passear. Ele vai a praia, as fotos que ele tira, o carinho que ele tem das pessoas aqui. Isso é muito importante.” (Sr.ª E, irmã de um paciente)
O carinho e o afeto nas relações entre profissionais e pacientes é percebido pelos
familiares, que admiram, também, a proximidade nas relações, diferente das relações de
poder e submissão encontradas nos serviços tradicionais.
“Ele não gosta de vir, ele não gosta de vir. Mas quando ele vem a gente se sente melhor, porque ele vai melhor. Ele chega aqui, quando chega aqui, o ambiente aqui é melhor do que mesmo em casa porque ele aqui tem boa alimentação, em primeiro lugar. Tem o carinho das doutoras, do doutor que o atende e tem outras vantagens. ... Eu fiquei satisfeito em ter descoberto esse departamento que é da prefeitura,
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esse departamento que auxiliou e outra coisa, menina eu também me sinto bem, eu também me sinto bem. Eu chego aqui, eu gosto de ficar aqui e tenho também aulas para o tratamento do meu filho em casa. Isso é importante. (...)Porque o CAPS procura amenizar o mal do esquizofrênico com expressão, com carinho, com aconchego. Não tem complexo de superioridade na doutora nem do doutor, no médico, que é formado. Trata do cliente, do doente com carinho. Isso é muito importante. Eu não tenho nada a reclamar, eu tenho que elogiar.” (Sr.º A, pai de um paciente)
A mãe de uma paciente relata que, após ter abandonado o tratamento que fazia
com um psiquiatra no PAM, sua filha passou quatro anos sem sair de casa, saindo do
quarto apenas para almoçar e ir ao banheiro. Ela não aceitava nenhum tratamento, até
que a mãe descobriu o CAPS e relatou o caso. A médica foi até lá e, após umas quatro
visitas, conseguiu convencê-la a freqüentar o CAPS.
“Eu estou gostando muito daqui. Eu digo mesmo. Meu marido também falava, ele nunca veio aqui mas ele falava: olha, aquilo lá caiu do céu. Como é que pode? Um tratamento que não cobra nada da gente. Hoje em dia, tudo é na base do dinheiro né? Olha, a N., do jeito que eu vi a N., eu não achava que ela ia levantar, também não. Mesmo com a fé que eu tinha lá em cima, tinha horas que eu desanimava. Eu achava que ela ia se acabar assim. Todo mundo dizia: a N. vai morrer naquele quarto.” (Sr.ª H, mãe de uma paciente)
A partir do que foi relatado acima, pode-se perceber a importância da presença
dos familiares, que abraçam a proposta do CAPS e evitam a internação, procurando
manter o paciente em casa.
“Os familiares que aprenderam, com as próprias práticas psiquiátricas, que o seu familiar doente deveria ser internado, isolado, desconsiderado enquanto cidadão, podem aprender uma outra forma de lidar com o mesmo, vislumbrando suas potencialidades, suas dificuldades e, enfim, uma outra trajetória de vida que não a da institucionalização.”(Amarante, 1997, 176)
Dessa forma, é verificado um investimento no tratamento, embora ele não
ofereça respostas prontas e definitivas e não negue as dificuldades de tratar do
110
sofrimento psíquico. As observações revelam também, que, social e culturalmente ainda
há muito a fazer para diminuir o sofrimento de familiares e pacientes. 1 Pivô é a denominação dada ao profissional que não está participando das oficinas e fica responsável por fazer o acolhimento das pessoas que chegam ao CAPS, acompanhar os pacientes que não participam das oficinas e dar uma maior atenção aos que estão em crise. 2 As iniciais dos familiares entrevistados e dos pacientes são fictícias. 3 Denomina-se impregnação o efeito colateral determinado pelo excesso ou má prescrição de medicamentos neurolépticos, que atuam no Sistema Nervoso Central. Tem com conseqüência a perda de movimentos, dificuldade de andar, movimentos estereotipados e perda das expressões facias. Estes efeitos podem ser evitados, na medida em que existem outros medicamentos, como os anti-histamínicos, que impedem este efeito.
111
IV ) CONSIDERAÇÕES FINAIS:
O projeto de implantação dos CAPS no município do Rio de Janeiro pode ser
considerado uma inovação da Secretaria Municipal de Saúde, que, como resultado do
processo de municipalização, inicia um projeto de ampliação da oferta de serviços,
assumindo um subsetor que tradicionalmente era oferecido por outras esferas de
governo.
Os CAPS seguem as duas tendências de transformações que vem ocorrendo no
setor saúde na última década. Com relação a inovação na modalidade de gestão, objeto
deste trabalho, o CAPS pode ser tomado como caso exemplar para a análise do modelo
de parcerias entre a administração pública e o Terceiro Setor. Como já foi visto, esta
linha de inovações segue as propostas da Reforma do Estado, que determinam uma
diminuição do tamanho do Estado e uma mudança no seu papel de executor para
regulador, além da substituição da administração burocrática pela administração
gerencial que, por ser mais flexível, atende melhor aos interesses dos cidadãos/clientes.
No caso do CAPS a Secretaria Municipal de Saúde se manteve responsável pela
gerência do serviço e optou pela flexibilização da gestão de recursos humanos, que se
apresentava como entrave para a implantação do projeto.
Segundo o modelo principal-agente, a Secretaria Municipal de Saúde pode ser
identificada como o principal e a ONG, no caso, o Instituto Franco Basaglia, como o
agente. A Secretaria é o contratante, que estabelece o convênio com o IFB, que deve
prestar os serviços contratados. À SMS, por sua vez, cabe a responsabilização da gestão,
garantindo o cumprimento dos termos do convênio e a qualidade da assistência
oferecida a população.
Para que a responsabilização da gestão possa ocorrer, no entanto, é necessário
que os termos do convênio, principalmente as atribuições de ambas as partes e as
penalidades em caso de não cumprimento estejam bem definidas. É necessária, também,
a presença de algumas variáveis que possibilitem o controle, entre elas um sistema de
custos e um sistema de informações. Neste sentido, embora o contrato de gestão venha
sendo apontado como o melhor meio no sentido de garantir a responsabilização da
gestão, não foi o expediente escolhido para o estabelecimento desta parceria. O contrato
de gestão tem como objetivos fortalecer a supervisão, controle e avaliação por parte do
poder público sobre os resultados das políticas públicas sob sua responsabilidade;
112
melhorar o processo de gestão da instituição contratada, auxiliando a ação
organizacional em benefício dos cidadãos/clientes que utilizam os serviços; e promover
o controle social sobre os resultados esperados e dar-lhes publicidade. No contrato de
gestão seriam definidas as metas e seus indicadores, as obrigações e responsabilidades
de ambas as partes, recursos disponibilizados para a execução da missão institucional,
os mecanismos de avaliação e as penalidades para ambas as partes em caso de não
cumprimento de suas atribuições.
Dessa forma, o convênio entre a SMS e o IFB pode ser analisado, tomando
como base as variáveis existentes nas cláusulas de um contrato de gestão. Neste sentido,
o quadro abaixo indica algumas destas variáveis e a sua presença ou não neste convênio:
Quadro 02 – Convênio entre SMS e IFB e as variáveis de um contrato de gestão:
VARIÁVEIS SECRETARIA IFB
Competências Sim Sim
Compromissos Sim Sim
Metas Não Sim
Indicadores Em Construção (disponibilidade parcial)
Em Construção (disponibilidade parcial)
Relatórios de prestação de contas
_ Sim
Relatório das atividades desenvolvidas
Sim Sim
Custo do projeto Sim Não
Valor do Repasse “Os valores correspondentes aos valores dos repasses
mensais serão oportunamente
empenhados”(Convênio, 4)
_
Cláusula permitindo termos aditivos para aprimoramento do convênio
Sim Sim
Cláusula sobre Rescisão Sim Sim
Sistema de Custos Em construção (não disponível)
Sim
Sistema de Informações Em construção (disponibilidade parcial)
Em construção (disponibilidade parcial)
Cláusulas penalizando não cumprimento
Não Não
113
Como foi visto, o convênio estabelece que a gerência compete à SMS e a
supervisão técnica ao IFB. Com relação aos compromissos, cabe à SMS a manutenção
do mobiliário, do instrumental e dos equipamentos em uso no CAPS; a composição, em
proporções convenientes, da equipe e o repasse dos valores correspondentes às despesas
mensais. Ao IFB cabe a contratação de profissionais para compor a equipe e a
apresentação de relatórios para prestação de contas. O relatório com as atividades
desenvolvidas deve ser elaborado conjuntamente pelo gerente do CAPS e pelo
supervisor técnico.
Segundo o projeto do CAPS Santa Cruz proposto pelo IFB e anexado ao
convênio, fica estabelecido como meta que:
“o CAPS Santa Cruz funcionaria tomando como referência uma população geral adscrita, porém estabelecendo critérios de adesão da clientela, podendo atender até cerca de 150 pacientes (os quais do ponto de vista nosológico, em sentido lato, seriam definidos como “psicóticos ou neuróticos graves”, tipologia que vem sendo utilizada nas avaliações de serviços semelhantes).
Progressivamente, integrando-se a rede distrital, o serviço adquiria um perfil misto, aproximando-se de uma estrutura tipo NAPS, isto é, assumindo a responsabilidade pelos eventos graves de saúde mental de uma região circunscrita, dividindo tal responsabilidade com outras instâncias.”( IFB, 1998, 3)
No entanto, não são estabelecidos os indicadores quantitativos e qualitativos que
possibilitariam a mensuração do alcance destas metas. Os indicadores tradicionais são
apropriados à avaliação de serviços hospitalares e não se adequam a serviços de atenção
diária. Embora o trabalho desenvolvido nestes serviços seja de difícil mensuração, é
necessário a elaboração de indicadores específicos que possibilitem o acompanhamento
dos resultados, apontando possíveis mudanças de estratégias para que as metas sejam
atingidas.
Embora haja uma cláusula sobre a rescisão do convênio por decisão de uma das
partes ou por inadimplemento de uma das cláusulas, não foram estabelecidas
penalizações caso isto venha a ocorrer. Dessa forma, não há garantias que evitem riscos
de ambas as partes. Com relação à Secretaria, esta ausência dificulta a responsabilização
da gestão municipal e oferece o risco de interrupção de um trabalho desenvolvido numa
114
área bastante carente de recursos assistenciais em saúde mental. Com relação ao IFB,
uma eventual quebra contratual implica não só na interrupção do trabalho assistencial
nos moldes da Reforma, como defendido pela instituição, como também em problemas
com relação ao pessoal contratado.
Como foi mencionado pelo gerente de saúde mental, os sistemas de informação
e de custos ainda estão em fase de construção. A implantação destes serviços antes que
estes sistemas estivessem prontos foi uma opção da gerência de saúde mental que, se
por um lado dificulta a avaliação do processo, por outro favorece a clientela, que já vem
se beneficiando dos serviços há três anos.
O projeto CAPS aponta uma intencionalidade da Secretaria Municipal de Saúde
e da própria gerência de saúde mental, que vem desenvolvendo ações orientadas para a
mudança no modelo assistencial. Neste sentido, pode ser considerado o senso de
oportunidade da gerência, que, comprometida com as propostas da reforma psiquiátrica,
utilizou o contexto de inovações desenvolvidas pela Secretaria, de estabelecimento de
parcerias para implantação de outros projetos, para iniciar as mudanças em saúde
mental.
A análise deste processo revela a presença de alguns dos pontos
problematizados pelas experiências internacionais.
A baixa experiência da administração pública na regulação eficiente das
organizações terceirizadas, apontada nas experiências em curso, também se aplica aos
convênios, já que, como foi visto acima, os mecanismos de regulação ainda estão em
fase de construção. Nesse sentido, o risco de processos de captura e baixa
responsabilização são favorecidos, podendo prejudicar os resultados.
A indefinição sobre quem arca com os altos custos de transação para estabelecer
o equilíbrio entre principal e agente e prevenir os contratos contra as condutas
oportunistas também está presente, já que não há, no convênio, cláusulas penalizando
estas condutas ou o não cumprimento do que foi estabelecido.
No entanto, a ameaça aos direitos dos cidadãos quanto ao acesso e utilização de
bens públicos, presente nas experiências em curso, não está sendo verificada no caso
dos CAPS, já que a Secretaria Municipal de Saúde não pretende abrir mão dos
princípios do SUS.
Uma outra questão apontado pelas experiências internacionais é a pouca
confiança na capacidade de contratualização do Estado, que, no caso brasileiro, pode ser
115
demonstrada pelas críticas quanto a ausência de licitação do convênio e na falta de
transparência do processo.
A escolha pelo IFB é apontada tanto pelo gerência de saúde mental quanto pelo
próprio IFB como natural. Como se trata de um convênio e não de um contrato,
legalmente não era necessária licitação. O objetivo, aqui, não é questionar a
competência da ONG escolhida, mas sim analisar o modelo de parcerias e, assim, a
ausência de licitação traz algumas questões. Uma questão é a ausência de condições de
competição, já que mesmo outras Organizações que realizam trabalhos na área de saúde
mental não foram informados sobre o processo. Além disso, não foi utilizado nenhum
instrumento que determinasse em que medida a ONG escolhida traria mais benefícios
para o projeto do que outra ONG que realiza o mesmo trabalho. Embora os resultados
sejam favoráveis, a ausência de instrumentos que validem a escolha pode trazer
problemas futuros na sustentação e na legitimação deste modelo.
A ausência de transparência foi a crítica feita, também, a forma como foi
realizada a seleção pelo IFB. Embora a ONG tenha admitido que o processo de seleção
foi pouco divulgado e já tenha determinado novas regras para as próximas seleções,
reconhece que nunca será como um concurso público, já que não tem condições de
realizar uma seleção deste porte. Dessa forma, os critérios de justiça, competição e
igualdade de acesso ficam prejudicados.
Caso isso não seja modificado, as críticas feitas ao modelo burocrático de
administração, quanto ao uso do Estado em benefício de interesses particulares, podem
se reproduzir num modelo de gestão criado como alternativa.
Embora várias experiências internacionais tenham adotado parcerias com ONG’s
na área social, este modelo tem recebido uma série de críticas. Um dos fatores que
favorecem estas críticas é a defesa de um modelo de Welfare State institucional
redistributivo, onde o Estado assuma a responsabilidade pela distribuição dos bens e
serviços. Esta percepção determina a predominância da discussão em torno do papel do
Estado, em detrimento da execução da política social. Dessa forma, valoriza-se um ideal
de Estado a ser alcançado, avaliando-se as propostas alternativas de gestão como
propostas neoliberais, de retirada do Estado da área social sem levar em conta os
resultados sociais alcançados.
Esta discussão tem revelado uma certa contradição entre os profissionais de
saúde mental, que, ao mesmo tempo em que apoiam a ONG escolhida, a construção e o
116
trabalho dos CAPS, criticam a opção pela gestão por parcerias, identificando-a como
um caminho para a privatização do setor. Estas contradições podem ser percebidas em
Gomes (1999). Ao mesmo tempo em que a autora afirma em todo o seu trabalho “ o
esvaziamento das políticas sociais e o cunho privatizante da proposta de reforma do
Estado”, entre elas a NOB/96 e o Projeto das Organizações Sociais, defende o convênio
entre IFB e SMS utilizando as mesmas afirmações presentes no Plano Diretor da
Reforma do Aparelho de Estado:
“as ações e os serviços pertencentes ao campo dos direitos inalienáveis de cidadania, como no caso em questão, são responsabilidade do Estado, mas suas execuções não são exclusivas do Estado, desde que haja mecanismos competentes de regulação por parte das entidades da sociedade organizada e por intervenções do próprio Estado.”(Gomes, 1999, 233)
Afirma, inclusive, que o convênio foi estabelecido mediante contrato de gestão,
sem questionar a forma como foi feita a escolha da ONG e os problemas de legitimação
do modelo daí decorrentes, nem que estes mecanismos de regulação ainda estão em
construção.
Embora a Organização escolhida seja idônea, não tenham sido verificadas
condutas oportunistas e os resultados sejam favoráveis, a análise do modelo de gestão
por parcerias não pode deixar de apontar a necessidade de mecanismos de sustentação
deste modelo, que garantam a responsabilização da gestão pelo contratante e afastem os
riscos de condutas oportunistas pela organização contratada.
Com relação as inovações voltadas para a superação do modelo assistencial, o
CAPS oferece um atendimento intensivo, baseando-se nas propostas de Reforma
Psiquiátrica e procurando evitar a internação.
Os NAPS e os CAPS são as respostas mais criativas no que se refere a
construção de uma rede alternativa ao internamento nos hospitais psiquiátricos. Além
disso, a implantação dos leitos psiquiátricos nos hospitais gerais, como alternativa aos
leitos nos hospitais psiquiátricos, também deveria ser perseguido com determinação.
(Venturini, 1995, 17)
No caso do CAPS Campo Grande, para que este serviço consiga responder à
complexa demanda a ele dirigida deve-se melhorar a rede na qual ele está inserido.
Campo Grande apresenta uma rede ambulatorial restrita, com apenas 2 psicólogos no
Centro Municipal de Saúde Belisário Pena. Dessa forma, muitos pacientes são
117
encaminhados ao CAPS pelos psiquiatras do CMS, para atendimento psicológico
semanal, o que não é a proposta do CAPS. Da mesma forma, alguns pacientes que estão
no CAPS poderiam se beneficiar de um atendimento ambulatorial como suporte ou
referência, permitindo, assim, que as vagas no CAPS fossem ocupadas por pacientes
crônicos, com uma vida social mais empobrecida.
Da mesma forma, como é um serviço de atenção diária e funciona apenas cinco
dias na semana, algumas vezes a internação não pode ser evitada porque não há
alternativas que ofereçam um suporte nos momentos de crise, embora exista a proposta
dos leitos nos Hospitais Gerais, como o Rocha Faria.
Tanto os profissionais do CAPS, quanto a Gerência de Saúde Mental e o IFB
sabem que o CAPS não é suficiente para que se possa oferecer uma assistência integral
em Saúde Mental. Segundo Delgado,
“o centro de atenção diária é apenas parte da rede de atenção psicossocial. Não contamos ainda com lares abrigados, oficinas protegidas, medidas legais de proteção ao trabalho, programas de lazer e de estímulo à sociabilidade. ... Além disso, é necessário retomar, em bases novas, a discussão do sistema de referência de leitos de suporte para situações mais graves, e da implementação do atendimento no território às situações de emergência.” (Delgado, 1997, 43).
Com relação ao dia a dia do serviço, a observação participante e as entrevistas
demostraram a disponibilidade dos profissionais em oferecer uma assistência de
qualidade, questionando-se a todo momento qual a melhor forma de atender a demanda
dos clientes. No serviço, as respostas e certezas tradicionais dão lugar à um tratamento
em permanente construção, que procura diminuir o sofrimento dos pacientes e oferecer
novas possibilidades de vida.
Grande parte do sucesso deste serviço se deve a participação dos familiares que
recusaram a resposta tradicional de internação, identificando-a como abandono e não
como tratamento. Dessa forma, apesar de todas as dificuldades no relacionamento
cotidiano com os pacientes aceitaram mantê-los em casa e contribuir com o serviço no
sentido de construir um outro destino para eles.
A proximidade entre profissionais e pacientes, a participação da família, o
contato com a comunidade nas festividades e o contato com profissionais de saúde de
outras especialidades são maneiras de criar uma nova percepção da loucura,
118
desvinculando-a das noções de desvio e periculosidade. Esta nova percepção pode
contribuir para a aceitação da diferença em lugar da busca da cura.
Segundo Delgado (1998), a implantação dos CAPS de Santa Cruz e de Campo
Grande:
“1) já impactam significativamente a atenção psiquiátrica, na região atendida; 2) um dispositivo de avaliação técnica permanente, indispensável para a qualificação e manutenção de equipamentos tão radicalmente novos no cenário assistencial do município, vem se constituindo e foi colocado em funcionamento; 3) a integração com outras unidades assistenciais do campo da saúde mental, da saúde em geral, e da assistência social, embora difícil, está em processo de implantação; 4) a perspectiva de viabilização de uma rede municipal de
atenção psicossocial tem gerado demandas novas e estimulantes no campo da formação de recursos humanos; 5) expectativas inicialmente desfavoráveis da população, especialmente em função do imaginário hospitalocêntrico ainda dominante, vão sendo revertidas, e já se observa um impacto favorável dos novos centros na cena da política de saúde, com o debate permanente do tema nos conselhos distritais e demais fóruns participativos do setor saúde; 6) os clientes dos novos serviços, e seus familiares, participam de novos circuitos de sociabilidade e apoio psicossocial, com o estímulo de iniciativas diretamente vinculadas à criação dos dois CAPS na Zona Oeste do Município.” (Delgado, 1998, 10)
De acordo com o que foi verificado neste trabalho, o convênio entre a SMS e o
IFB tem produzido resultados positivos, como, por exemplo, a expansão da rede para a
periferia, o tratamento com profissionais qualificados, a diminuição da freqüência de
internações e a contribuição para a mudança cultural na relação com a loucura. É
verificado, também, o investimento de ambas as partes no projeto e a qualidade da
assistência que vem sendo prestada. Dessa forma, respondendo a questão levantada no
início do trabalho, o modelo de gestão por parcerias pode gerar bem público, embora
possam ser utilizados mecanismos que aumentem a legitimação do processo.
119
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