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Iniciativas de elevação de escolaridade e qualificação profissional: considerações
sobre o Projovem – Programa Nacional de Inclusão de Jovens
Hamilton de Godoy Wielewicki
UFSM – PPGEdu/UFRGS – Bolsista CAPES/PICDT
Resumo:
Dentre os inúmeros problemas enfrentados pelos cerca de 24 milhões de jovens brasileiros de
18 a 24 anos (um contingente que responde por 13,5% da população do país) estão os baixos
índices de escolarização e de qualificação profissional, que freqüentemente estão relacionados
a uma situação de alta vulnerabilidade social e que reduzem de forma significativa suas
oportunidades de acesso ao mundo do trabalho. Para complexificar ainda mais tal situação,
podese apontar ainda a carência de políticas públicas capazes de reverter, mesmo que de
forma remedial, tais problemas. Partindo de tal constatação, este trabalho objetiva discutir o
Projovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens) a partir de alguns aspectos de sua
implantação no estado do Rio Grande do Sul. Para tanto, o trabalho inicia pela
contextualização do quadro complexo no qual se situa a juventude brasileira, partindo então
para a caracterização do programa e, subseqüentemente, para a análise de alguns aspectos de
sua gestão e organização didáticopedagógica, e, em especial, de como tais dimensões, bem
como os objetivos do Projovem e as preocupações que dão base à sua origem (ainda em 2005)
relacionamse com o campo das políticas públicas voltadas para a educação (incluindose aí a
elevação de escolaridade) e qualificação profissional para a juventude. Através de uma
avaliação preliminar de avanços, inquietações e perspectivas do Projovem, argumento em prol
de uma maior integração de programas e da construção de políticas públicas mais consistentes
e duradouras, que possam ser capazes de romper com círculo vicioso que se estabelece entre a
insuficiente escolarização, a dificuldade de inserção no mundo de trabalho e os processos
endêmicos de exclusão social.
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Abstract:
Among the several problems faced by the 24 million or so young Brazilians from 18 to 24
years old (which correspond to something 13,5% of the country's population) one can point
out the low levels of schooling and professional qualification, which are, in their turn,
frequently related to a situation of high social vulnerability and that tend to significantly
reduce their opportunities of taking part in the marketplace. To make the issue even more
complex, there is a lack of public policies to revert, even remedially, such problems. Bearing
such context in mind, this paper aims at discussing Projovem (the National Program for
Youth Inclusion) based on some aspects of its implementation in the state of Rio Grande do
Sul. To do so, the paper starts from the contextualization of the complex situation of the
Brazilian youth and then proceeds to the caracterization of the program and, subsequently, to
the analysis of some aspects of its didacticpedagogic management and organization and, in
special, of how such dimensions, as well as the objectives of Projovem and the issues and
concerns underlying its origin (back in 2005) are related to the field of public policies aimed
at youth education (including schooling level figures) and professional qualification. Through
a preliminary assessment of the achievements, concerns and perspectives of Projovem, I argue
for a deeper level of integration of programs and for the construction of more consistent and
lasting public policies, which might allow for overcoming the vicious circle established
among insufficient schooling, difficulty in getting into the marketplace and the endemic
processes of social exclusion.
keywords:
PUBLIC POLICIES – YOUTH – PROJOVEM
Introdução
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O limiar do século XXI confronta a juventude brasileira com um conjunto
significativo de questões e desafios para os quais ainda não parece haver soluções simples ou
de fácil alcance. Dentre estes desafios está o fato de que a população de 18 a 24 anos –
compreendendo 23,4 milhões de pessoas, ou seja, 13,5% da população total i – carece de
políticas públicas que sejam capazes de dar respostas consistentes a problemas crônicos deste
extrato populacional, dentre os quais, a insuficiente escolarização, a dificuldade de inserção
no mundo de trabalho e um decorrente e crescente processo de exclusão social. Não é por
outra razão que se pode dizer que a juventude freqüentemente é vista como o grupo de mais
alta vulnerabilidade social, merecedor, portanto, de destacada atenção por parte do Estado.
Em tal panorama – de falta de políticas públicas consistentes – foram criados em 2005 a
Secretaria Nacional da Juventude e o ProJovem (Programa Nacional de Inclusão de Jovens).
O objetivo deste artigo é discutir os contornos de tal programa e fazer uma avaliação
preliminar de avanços, inquietações e perspectivas do Projovem no contexto da juventude
brasileira, especialmente no que diz respeito às políticas de educação profissional.
O que é o ProJovem?
O ProJovem, nos termos da Lei 11.129/2005 (BRASIL, 2005a) e do Decreto no.
5.557/2005 (BRASIL, 2005b) , que, respectivamente o instituem e regulamentam, bem como
do Parecer CEB/CNE (CNE, 2005) , que o aprova como programa experimental, é
considerado uma política pública emergencial voltada à Juventude e que tem como objetivos a
elevação de escolaridade, a qualificação profissional inicial para o trabalho e a articulação
para a proposição de iniciativas de ação comunitária. É, em função disso, vinculado
estratégica e operacionalmente à recém criada Secretaria Nacional da Juventude (SNJ) ii – e
tem como uma de suas noções basilares o princípio do protagonismo juvenil.
Dentre suas características, o ProJovem é voltado para jovens de 18 a 24 anos, que
tenham completado a quarta, mas não tenham concluído a oitava série do ensino fundamental
e que, além disso, não tenham vínculo empregatício formal. O programa de aulas no
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Projovem tem duração de 12 meses, num total de 1600 horas e os alunos têm direito a um
auxílio financeiro de R$ 100,00 (cem reais) mensais durante o tempo de duração do curso,
desde que tenham um mínimo de 75% de presença.
Do ponto de vista de sua estrutura organizacional, a unidade básica de organização é a
turma, constituída por até 30 alunos. Cada cinco turmas formam um núcleo e cada oito
núcleos formam uma Estação Juventude, conforme se vê na Figura 1.
Figura 1 – Diagrama da estrutura organizacional da Estação Juventude do ProJovem
A inscrição dos alunos participantes é centralizada nacionalmente e, uma vez aceito, o
aluno é designado a uma turma num dos núcleos existentes, onde terá aulas presenciais todas
as noites, sendo que também são previstas atividades não presenciais que ajudam a
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integralizar a carga horária total prevista para o programa. Cada núcleo conta com cinco
profissionais de educação básica, um de educação profissional e cada dois núcleos são
atendidos por um profissional de ação comunitária. Assim sendo, cada núcleo pode contar
com até 150 alunos e oito educadores que têm ao seu encargo organizar e implementar 30
horas semanais de atividades.
O ProJovem previa originalmente atender aos jovens das capitais, e, num segundo
momento, seria estendido para cidades com mais de 200 mil habitantes das grandes regiões
metropolitanas e só após isso previa a oferta de turmas para demais municípios de médio e
grande porte. A meta inicial era de atingir até 200 mil jovens e para tanto foram
disponibilizados cerca de 300 milhões reais em recursos orçamentários federais livres de
contingenciamento. No Rio Grande do Sul, Porto Alegre foi o único município conveniado
para a etapa de implantação inicial do ProJovem, com a previsão de abertura de seis Estações
Juventude permitindo, conseqüentemente, atender a até 7.200 jovens. As atividades de
formação inicial de educadores da primeira Estação Juventude (funcionando na Zona Norte
do município) ficaram ao encargo da FUNDAR (Fundação Darci Ribeiro) e as de formação
inicial da segunda Estação (na Zona Leste) e das outras quatro previstas, bem como as de
formação continuada de ambas as Estações implementadas inicialmente foram feitas, até o
início do mês de junho de 2006, pela FUNDAE (Fundação de Apoio Educacional),
mobilizando professores pesquisadores e bolsistas da Universidade Federal de Santa Maria.
Porto Alegre, além disso, foi o único município brasileiro na qual o programa foi coordenado
por uma Secretaria Municipal da Juventude, uma vez que nos demais municípios tal tarefa
freqüentemente vinha sendo desempenhada pelas secretarias de educação.
O papel da educação básica do ProJovem
De uma forma geral, uma das questões mais cruciais que tem pontuado os debates
sobre educação no Brasil diz respeito à sua dualidade estrutural, ou seja, a escola brasileira
tem, historicamente, conforme indicam, por exemplo, Cunha (2005), Manfredi (2002) e
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Kuenzer (2005), projetos distintos para a formação das elites, de um lado, e para a formação
dos trabalhadores, de outro lado. Tal divisão tem paralelo consistente na valoração claramente
distinta entre trabalho manual – menos valorizado e para o qual se formariam os filhos de
trabalhadores – e trabalho intelectual – historicamente privilegiado e para o qual se dirigiriam
os filhos da elite. Com variações ao longo do tempo e do espaço, tal dualidade teve (e
continua tendo) impactos substanciais na formulação, organização e implementação de
políticas educacionais.
Assim, conforme mencionado anteriormente, o atual momento histórico traz à tona
questões que são particularmente preocupantes para o quadro de exclusão social crônica que
flagela a população brasileira, principalmente aqueles segmentos que historicamente têm sido
alvo e substrato dos processos de expropriação social, cultural e econômica que têm garantido
ao Brasil posição nada invejável nos indicadores de desigualdade e injustiça socialiii. Da
integração entre educação geral e profissional na LDB de 1961, passando pela
profissionalização compulsória no Ensino Médio da reforma de 1971, à completa separação
entre educação básica e profissionalização do Decreto 2208/97, há mais de três décadas o
Brasil tem convivido com uma falta de integração entre educação básica e formação
profissional inicial, o que vem acarretando um crescente descrédito numa possível função de
apoio da escolarização no que concerne ao acesso ao mundo do trabalho.
Assim, dentre os possíveis méritos da proposta do ProJovem, está o caráter integrado
da relação entre educação básica, formação profissional em nível inicial e ação social e
comunitária. Tal proposição parece não somente partir da premissa de que é necessário
superar a dualidade estrutural característica da educação brasileira, como também traz uma
noção ressignificada da relação entre os distintos componentes e dimensões da formação do
aluno. Nesse sentido, talvez seja relevante registrar que tal proposição direciona,
consoantemente com Kuenzer (2005), o olhar da formação geral para o complexo (e muitas
vezes ausente nos currículos escolares) mundo do trabalho. Há que se registrar, entretanto,
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que a questão é controversa e que entre a urgência da ação e a consolidação de novas bases
para a educação há uma longa distância a percorrer.
Organização dos tempos e das funções docentes
Um outro aspecto positivo na concepção do ProJovem diz respeito a como as funções
docentes estão pensadas, uma vez que das 30 horas contratuais, apenas um terço, ou seja, 10
horas, têm previsão de atendimento dentro da área específica de formação do professor. Os
demais dois terços estão comprometidos com as funções de integração com as demais áreas,
com o atendimento a alunos e turmas e com o planejamento e formação continuada. Visto sob
esse prisma, talvez fique evidente que a denominação dos professores atuantes no ProJovem
como educadores, não represente apenas uma opção semântica adequada, mas, antes disso,
uma opção política que transcende a função disciplinar específica e atenta para a educação
dos sujeitos participantes como um todo. Prevêse, portanto, que os educadores devam atuar
como organizadores de aprendizagens, com um papel de fundamental importância no
processo de (re)inserção dos jovens na escolarização e na sociedade. Isso, entretanto, tem
implicações severas no que diz respeito à complexificação da tarefa dos educadores e,
paradoxalmente, vai se apresentar como uma grande solução, mas também como um
problema de igual magnitude, uma vez que os profissionais recrutados têm, salvo melhor
juízo, uma trajetória formativa marcada pela linearidade, pela hiperespecialização e pela
fragmentação típicas do projeto de educação da modernidade. Mais adiante discorrerei sobre
as estratégias para lidar com tal situação, bem como sobre suas limitações e potenciais.
O papel do orientador
Aliada à questão do papel dos educadores, é importante fazer um destaque para a
figura do orientador e, de forma especial, dos temas integradores no âmbito do ProJovem. A
macroestrutura do projeto pedagógico do ProJovem parece ser sensível à idéia de que a busca
de temas de relevância para os alunos seja particularmente vocacionada para a construção de
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interfaces significativas dentre os componentes curriculares e destes com os alunos e seus
projetos identitários e de vida. Assim, importa registrar também que a noção de qualificação
profissional implicada no presente trabalho coadunase com o entendimento de Franzoi
(2006), que argumenta em prol de uma visão de qualificação profissional como construção
social. Nesse particular, entre, também importa registrar a dificuldade que o desempenho da
tarefa de orientador representa, tanto em relação aos aspectos formativos pressumidos pelo
papel, quanto no que diz respeito à necessidade de sensibilização do orientador às questões
emanadas do contexto social no qual os alunos do ProJovem estão inseridos.
O alcance social e político do ProJovem
Em que pese, ainda, as inúmeras dificuldades inerentes à implementação de um
programa de tal porte e complexidade, também é relevante apontar que seu alcance social e
político interessa aos diferentes níveis e entes federativos. Talvez seja por essa razão que seu
modelo organizacional – complexo e hierarquizado – parece ser embasado na premissa da
cooperação federativa, uma vez que se trata de um programa federal, implementado ao nível
(e sob coordenação) municipal, não prescindindo, na maior parte das vezes, da colaboração
com instâncias do governo do estado. Talvez inclusive em função de tal desenho
metodológico, vários problemas gerenciais possam ser explicados, embora não
necessariamente evitados, como é o caso, por exemplo, da forma do cadastro e dos freqüentes
atrasos no pagamento de bolsas ao aluno, fator que, aliás, pode ser responsável por uma
parcela significativa da evasão do programa. Concretamente, além disso, pode se questionar,
em relação à implementação do programa, sua alocação junto à Secretaria Geral da
Presidência da República e à Secretaria Nacional da Juventude. Historicamente, programas de
elevação de escolaridade e qualificação profissional (em diferentes níveis) têm sido alocados
ora no Ministério da Educação, ora no Ministério do Trabalho, ora mais harmonicamente, ora
em meio a pesados embates não somente administrativos, mas também conceituais e
epistemológicos (cf. Manfredi, 2002). O ProJovem, no entanto, embora tenha a participação
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de ambos, não está vinculado a nenhum desses ministérios. Cabe questionar, portanto, em que
medida, tal situação poderá contribuir para o sucesso ou para a continuidade do programa,
inclusive sob a forma de uma política pública consistente e permanenteiv.
Proposta de avaliação e relação entre componentes curriculares
Embora a proposta de processo avaliativo constante no projeto pedagógico do
ProJovem seja relativamente avançada e atribua papéis de grande importância ao processo de
acompanhamento e a uma dinâmica de avaliação que visa a realimentação contínua da ação
pedagógica, na prática, os componentes processuais da avaliação tornamse relativamente
pouco relevantes frente a uma avaliação na qual a manifestação dos produtos da
aprendizagem parecem funcionar muito como controle externo e uma base centralizadora,
inclusive mediante a centralização administrativa da avaliação, realizada, em Porto Alegre,
pela Universidade Federal do Paranáv.
Aliado a isso, há ainda a questão da relação entre componentes curriculares idealizada
no projeto e o conflito visível entre cada uma das propostas e o material didático que lhes dá
existência concreta. Para dificultar ainda mais, os materiais das áreas parecem dialogar muito
pouco entre si e – cada um ou até mesmo o conjunto – com os temas integradores, dando
freqüentemente a impressão de que o material didático fora construído segundo uma lógica
fragmentária e hiperespecializada que colide com a formulação das próprias diretrizes. Esse
problema parece ainda maior se tomada não apenas a relação entre as áreas, mas também,
talvez de forma mais saliente, entre as dimensões (educação básica, qualificação social e
profissional e ação comunitária) operantes na proposta. Esse problema, de meu ponto de vista,
é talvez o mais sério no que concerne à proposta pedagógica do ProJovem, particularmente
pelo fato de haver, por parte dos educandos, uma expectativa de peso sobre a qualificação
profissional, aguçada, inclusive, pelo material publicitário usado para atrailos para a
inscrição e participação no programa. O próprio conceito de formação profissional em nível
inicial é questionado por especialistas por entenderem se tratar de uma formação de “segunda
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categoria” que não conduziria, na prática, a uma efetiva formação. Relatos informais de
alunos, entretanto, fazem um resgate relativo da validade da proposta.
Assim, falando como profissional interessado no sucesso do programa, me vejo, por
um lado, na contingência de reconhecer que a proposta para a educação básica no ProJovem
carece de ser substancialmente mais sintonizada com as preocupações, questões e
problemáticas do mundo do trabalho e, por outro lado, creio que a proposta de qualificação
profissional, mesmo em nível básico, é por vezes, fragmentária e dogmática numa razão
inversamente proporcional ao que gostaria ou poderia ser. Há que se reconhecer, entretanto,
que em alguns estados (e o Ceará parece ser um caso emblemático), os responsáveis locais
pelo ProJovem se articularam suficientemente para imprimir à proposta uma marca de diálogo
com as demandas efetivas da juventude. Isso talvez se dê muito mais pelo nível de discussão e
interação da área de educação profissional do que pela ação dos profissionais da educação
básica que, de uma forma geral, não parecem ter na relação com o mundo do trabalho o cerne
de sua preocupação, perpetuando, dessa forma (mesmo que não intencionalmente), a
representação social prestigiada do trabalho intelectual em detrimento do trabalho de base
manual, ou seja, acentuando o caráter dual marcante na educação brasileira.
Formação inicial e formação continuada dos educadores
Dentre as questões que imputo positivas na concepção do ProJovem, uma delas é a
preocupação de garantir aos educadores atuantes no programa a possibilidade de uma
Formação Inicial e de um processo de Educação Continuada (explicitamente incorporado ao
projeto pedagógico) que vivifica o princípio contido na LDB sobre o exercício profissional do
magistério. Apesar das garantias consistentes de tal espaço na própria jornada dos educadores,
é sensato ponderar que uma dificuldade inicial é construir as condições para uma ruptura com
o pensamento linear e fragmentário sobre a educação, uma vez que a despeito das
argumentações consistentes que se possa fazer sobre a necessidade de um diálogo
interdisciplinar (entre áreas) e multidimensional (entre os três pilares do ProJovem) na
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implementação da proposta, o material didático e a avaliação externa ainda parecem induzir a
um isolamento das áreas e a um controle sobre as tarefas. Penso, nesse sentido, que maior
atenção deve ser dada à relação entre os eixos temáticos, os temas integradores e a
organização das atividades.
Dentre as preocupações que se possa ter quanto à existência e continuidade do
ProJovem, acredito que esteja a sua caracterização como um programa e não como política
pública de caráter mais permanente. Aliase a isso ainda a existência de outros programas com
foco similar (por exemplo, Escola de Fábrica, Consórcio Social da juventude) e que dividem
tanto recursos (já não tão fartos) quanto público que deles poderia se beneficiar. É exatamente
devido à falta de políticas públicas que se pode presumir que a situação (sob muitos aspectos)
dramática da juventude brasileira no que concerne ao seu perfil de escolarização e de inserção
no mundo do trabalho não somente foi incapaz de produzir avanços, mas inclusive
experimentou retrocessos. Felizmente, o governo federal propôs um redesenho dos programas
de atenção ao jovem, no qual o Projovem passa ser a ser o elemento de integração dos
programas mencionados acima e, além disso, estende seu raio de ação para atender a jovens
de 15 a 29 anos.
Uma outra preocupação, já salientada anteriormente neste artigo, diz respeito à relação
tênue entre as dimensões de Educação Básica, de Qualificação Profissional e de Ação
Comunitária no ProJovem. Não parece haver dúvidas sobre a necessidade da interação entre
essas dimensões, não somente do ProJovem, mas talvez – a julgar pelos dados da pesquisa
realizada pelo Instituto Cidadania – no âmbito da educação que tenha jovens como foco de
interesse e como justificativa para existência. É importante, na linha do argumento proposto
por Kuenzer (2005), pensar num projeto de escola que não sentencie os excluídos a uma
exclusão ainda mais drástica e ao desempenho de funções na sociedade com base exclusiva na
origem de classe. Dito de outra forma, já passa há muito da hora de expressarmos da forma
mais cabal e consistente possível, nossa contrariedade em relação a um projeto de escola que
defina sua qualidade em termos da parcela da população para a qual ele é direcionado.
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Essa questão, por sua vez, não está dissociada da constatação de que os profissionais
recrutados para atuarem como educadores têm, como regra, uma formação que ainda não é
capaz de problematizar adequadamente um contexto social e educacional desafiador como o
do ProJovem. Isso impõe, de saída, limites que precisarão ser contornados na formação inicial
e na formação continuada. Da mesma forma, talvez fosse necessário pensar uma forma de
acompanhamento mais dinâmico e solidário dos educadores e dos alunos, especialmente
através das equipes de coordenação pedagógica e administrativo atuantes nas Estações, o que
contrasta com o modelo marcantemente burocratizado testemunhado em muitos municípios
nos quais o ProJovem foi implantado.
Um outro problema com o qual se precisa lidar é a atratividade (relativamente) baixa
do ProJovem e a evasão relativamente alta do programa. Em conversas informais com alunos,
uma causa consistente para a baixa atratividade é o apelo ainda insuficiente da escolarização
para muitos jovens, em que pese ser, paradoxalmente, uma de suas maiores preocupações.
Quanto à baixa atratividade do ProJovem, muitos dos jovens em real situação de
vulnerabilidade já têm problemas com a lei e qualquer programa de inclusão – por mais bem
intencionado que seja – que exija documentação e identificação positiva pode representar um
risco de privação de liberdade que muitos desses jovens podem preferir não correr. Talvez
nesses casos seja necessário pensar, em conjunto com profissionais, entidades de atenção ao
jovem, organismos públicos, ONGs e demais interessados, formas de oferecer possibilidades
mais concretas de romper com a expectativa de vulnerabilidade da juventude.
No que diz respeito à evasão, há relatos de alunos não evadidos de que os atrasos
freqüentes no pagamento de bolsas, a relativa rigidez na condução dos tempos escolares (para
sujeitos que talvez não tenham emprego, mas que freqüentemente vivem do trabalho
informal) e o próprio desinteresse no conhecimento escolarizado podem ser explicações para
que vários de seus colegas tenham desistido de participar do programa. Quando questionamos
porque eles próprios, diante das mesmas circunstâncias, não haviam evadido, a maior parte
prefere se mostrar otimista com a solução ou contorno de tais situações e revela, além disso,
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ter trocado a escola regular “tradicional” ou as classes de EJA pelo ProJovem. Caberia
investigar ainda quais fatores motivam de forma mais central tal migração, mas é
razoavelmente tentador recorrer a explicações que colocam o pagamento de bolsas e a
promessa de qualificação profissional e de possibilidade de ação comunitária aliadas à
elevação de escolaridade como suas molas mestras. Isso, entretanto, reforça a importância do
adequado desenvolvimento desses dois eixos no âmbito do ProJovem.
Conclusão
Frente ao discutido até aqui, espero ter evidenciado, em primeiro lugar, que iniciativas
como o ProJovem são necessárias e têm um potencial de reversão de expectativas de exclusão
social da juventude. Por si só, isso constituiria razão sólida o suficiente para seu apoio.
Entretanto, também espero ter acentuado que há pontos que merecem cuidadosa análise e
debate, dentre os quais destaco a relação entre seus objetivos – elevação da escolarização,
qualificação profissional e ação comunitária – e sua operacionalização, especialmente no que
diz respeito a como as áreas interagem entre si, tanto nas diretrizes curriculares quanto nos
materiais disponibilizados ou ainda nas salas de aula.
Mesmo que tais situações e problemas possam ser contornados, resta ainda, um, que
parece intrinsecamente ligado à administração pública brasileira: o direcionamento das ações
a partir de objetos e programas que parecem estar muito mais focados na caracterização da
administração que os conduz do que na busca de construção de políticas públicas que, além de
otimizar o uso de recursos historicamente escassos, respondam aos desafios de Estado
prioritariamente ao atendimento dos interesses de Governo. Argumento, portanto, na direção
de políticas públicas mais concertadas entre os diversos atores que têm interesse efetivo no
bem estar da juventude brasileira, inclusive sob a forma de elevação de escolaridade, de
qualificação profissional e de uma visão mais crédula no protagonismo juvenil.
Referências
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BRASIL. Lei 11.129/2005 – que institui o Programa Nacional de Inclusão de Jovens –
ProJovem; cria o Conselho Nacional da Juventude – CNJ e a Secretaria Nacional de
Juventude; altera as Leis nos 10.683, de 278 de maio de 2003, e 10.429, de 24 de abril de
2002; e dá outras providências. Publicada em 30/06/2005. (2005a)
BRASIL. Decreto 5.557/2005 – que regulamenta o Programa Nacional de Inclusão de Jovens
– ProJovem instituído pela Lei no 11.129, de 30 de junho de 2005, e dá outras providências.
Publicada em 05/10/2005. 2005b.
CNE . Parecer CNE/CEB 02/2005. Aprovado em 16/03/2005. 2005
CUNHA, L. A. . O ensino profissional na irradiação do industrialismo. São Paulo, SP:
Editora UNESP; Brasília, DF: FLASCO. 2005.
FRANZOI, N. L. Entre a formação e o trabalho: tarjetórias e identidades profissionais.
Porto Alegre, RS, Brasil: Editora da UFRGS. 2006.
KUENZER, A. (Org.) Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do
trabalho. São Paulo, SP: Cortez. 2005.
MANFREDI, S. M. Educação Profissional no Brasil. São Paulo, SP, Brasil: Cortez. 2002.
Notas
i De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios – PNAD – 2003, disponíveis no endereço www.ibge.gov.br.ii A SNJ foi criada juntamente com o ProJovem e com o Conselho Nacional da Juventude em 2005.iii Vários indicadores corroboram tal afirmação, mas apenas para dar um exemplo, sabese que no “Brasil, os 10% mais ricos da população são donos de 46% do total da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres – ou seja, 87 milhões de pessoas – ficam com apenas 13,3%” da renda nacional (fonte: http://www.cidadania.org.br/conteudo.asp?conteudo_id=5468&secao_id=98, acessado em agosto de 2006), embora dados mais recentes dêem conta de uma nova tendência de aumento mais significativo de renda entre a população mais pobre, provavelmente devido aos efeitos de programas oficiais de geração e distribuição de renda, conforme informações baseadas na PNAD2004 (fonte http://www4.fgv.br/cps/simulador/impacto_2006/ic234.pdf#search=%22desigualdade%20social%20brasil%202006%22, acessado em agosto de 2006). De qualquer forma, há muito a ser feito antes que se possa falar em condições sociais minimamente justas no Brasil.ivNa reformulação do programa, em 2007, o Projovem passou a ser o elemento de integração de todos os demais programas de qualificação profissional de jovens do país, inclusive com um aumento de sua amplitude e alcance.vHouve uma tentativa de implementação de uma avaliação de acompanhamento, formulada pela equipe de pesquisadores e bolsistas da UFSM, que embora não tenha persistido, ajudou a perceber dificuldades, tanto do grupo de alunos, como o de educadores atuantes no programa e, neste sentido, foi importante pra a reorientação das atividades da formação continuada. Além disso, o acompanhamento feito pelos próprios educadores, especialmente quando na condição de professoresorientadores, aproximouse, em alguns casos, de uma avaliação processual, com foco na aprendizagem e na permanência dos alunos no programa.