Informativo comentado: Informativo 935-STF · 2019-04-22 · disposto no Artigo 2, item 2, alínea...

32
Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 935-STF Márcio André Lopes Cavalcante Processo ainda não comentado considerando que houve pedido de vista e, por isso, o julgamento não chegou ao fim: ARE 1.180.658 AgR/RN. ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Se for editada MP revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação poderá ser julgada enquanto a MP não for votada (enquanto a MP não for votada, não há perda do objeto). MEDIDAS PROVISÓRIAS Proibição de reedição de medidas provisórias na mesma sessão legislativa. ADVOCACIA PÚBLICA É inconstitucional emenda à Constituição Estadual, de iniciativa parlamentar, que trate sobre a PGE. Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a representação judicial e consultoria jurídica da PGE ficará restrita ao Poder Executivo. Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a assistência jurídica da Administração indireta será exercida por profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros. É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão de Procurador-Geral da universidade estadual. DIREITO ADMINISTRATIVO ATO ADMINISTRATIVO MP que confere status de Ministro de Estado ao chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República não é inconstitucional por desvio de finalidade. DIREITO PROCESSUAL CIVIL COMPETÊNCIA Configura conflito federativo a ação na qual a União e o Estado-membro, em polos antagônicos, discutem os limites das competências previstas no art. 177, IV e no art. 25, § 2º da CF/88. PRECATÓRIOS É constitucional o art. 86 do ADCT da CF/88 inserido pela EC 37/2002. DIREITO PROCESSUAL PENAL TRIBUNAL DO JÚRI Críticas ao princípio do in dubio pro societate na fase da pronúncia.

Transcript of Informativo comentado: Informativo 935-STF · 2019-04-22 · disposto no Artigo 2, item 2, alínea...

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 935-STF

Márcio André Lopes Cavalcante Processo ainda não comentado considerando que houve pedido de vista e, por isso, o julgamento não chegou ao fim: ARE 1.180.658 AgR/RN.

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Se for editada MP revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação poderá ser julgada

enquanto a MP não for votada (enquanto a MP não for votada, não há perda do objeto). MEDIDAS PROVISÓRIAS Proibição de reedição de medidas provisórias na mesma sessão legislativa. ADVOCACIA PÚBLICA É inconstitucional emenda à Constituição Estadual, de iniciativa parlamentar, que trate sobre a PGE. Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a representação judicial e consultoria

jurídica da PGE ficará restrita ao Poder Executivo. Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a assistência jurídica da Administração

indireta será exercida por profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros. É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão de Procurador-Geral da universidade estadual.

DIREITO ADMINISTRATIVO

ATO ADMINISTRATIVO MP que confere status de Ministro de Estado ao chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República não é

inconstitucional por desvio de finalidade.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Configura conflito federativo a ação na qual a União e o Estado-membro, em polos antagônicos, discutem os limites

das competências previstas no art. 177, IV e no art. 25, § 2º da CF/88. PRECATÓRIOS É constitucional o art. 86 do ADCT da CF/88 inserido pela EC 37/2002.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI Críticas ao princípio do in dubio pro societate na fase da pronúncia.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

DIREITO CONSTITUCIONAL

LIBERDADE RELIGIOSA É constitucional lei estadual que permite o sacrifício de animais

em cultos de religiões de matriz africana

Importante!!!

É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana.

STF. Plenário. RE 494601/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 28/3/2019 (Info 935).

Religiões de matriz africana É muito comum hoje em dia se falar em “religiões de matriz africana”. Religiões de matriz africana é uma nomenclatura utilizada para designar as religiões que tiveram origem ou buscaram inspiração nas religiões tradicionais africanas. A história das religiões de matriz africana está diretamente relacionada com a escravidão no Brasil, quando escravos negros chegaram ao país vindos da África e trouxeram seu idioma, conhecimentos, tradições e religiões. Os adeptos dessas religiões sempre sofreram com o preconceito de muitas pessoas com relação às suas práticas religiosas. Podemos citar os seguintes exemplos de religiões de matriz africana: Candomblé, Cabula, Catimbó, Umbanda, Quimbanda, Xambá e Omolocô. Animais em cultos de religiões de matriz africana Algumas religiões de matriz africana realizam sacrifício de animais em seus cultos. É o caso, por exemplo, do Candomblé. A Umbanda, por outro lado, não concorda com essa prática. Os rituais variam de acordo com o grupo religioso. No entanto, em linhas gerais, acontece mais ou menos o seguinte: é escolhido um animal para ser morto no ritual (geralmente galinhas, patos, bodes, carneiros, bois). Depois de morto por um líder religioso que tem essa função (axogum), algumas partes do animal são colocadas em locais específicos para serem oferecidos à divindade religiosa (orixá). O sangue pode ser utilizado para sacramentar imagens. A carne é preparada para servir como refeição e o couro, algumas vezes empregado na confecção de atabaques. Existe uma premissa que é defendida e adotada pela maioria dos terreiros: o animal utilizado no sacrifício deve ser morto de forma rápida com o objetivo de não causar dor. Assim, as lideranças religiosas defendem que não há maus-tratos e condenam praticantes que deixam animais feridos, mas ainda vivos em encruzilhadas. Lei estadual prevendo a possibilidade de sacrifício ritual de animais em cultos O caput do art. 2º da Lei estadual nº 11.915/2003, do Rio Grande do Sul, proíbe uma lista de condutas que são consideradas maus-tratos de animais. O parágrafo único deste artigo, no entanto, prevê que tais vedações não se aplicam para o sacrifício de animais em rituais de cultos de religiões de matriz africana. Veja a redação do dispositivo legal:

Art. 2º É vedado: I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência;

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3

II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade; III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força; IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo; V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal; VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem; VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva. Parágrafo único. Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. (Incluído pela Lei nº 12.131/2004)

ADI O Ministério Público do Rio Grande do Sul ingressou com ADI no TJ/RS alegando que esse parágrafo único seria inconstitucional tanto sob o ponto de vista formal como material. Sob o aspecto formal, a lei teria violado a competência da União para legislar sobre direito penal (art. 22, I, da CF/88). Isso porque este art. 2º, parágrafo único, da Lei estadual teria criado uma causa excludente de ilicitude para afastar a incidência de crime ambiental. Além disso, haveria inconstitucionalidade material pela violação ao art. 19, I, da CF/88 considerando que a lei estadual somente permitiu o sacrifício de animais nos cultos de matriz africana, deixando de fora da regra os cultos de outras religiões:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

A questão chegou até o STF que respondeu ao seguinte questionamento: essa lei é constitucional? SIM. Lei estadual não tratou sobre direito penal A Lei do Estado do Rio Grande do Sul não tratou sobre matéria penal. A Lei nº 11.915/2003, do RS, instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, ou seja, um diploma que estabelece regras de proteção à fauna, define conceitos e afasta a prática de determinadas condutas. Não há, portanto, nenhuma matéria criminal envolvida, razão pela qual não houve usurpação de competência da União. O parágrafo único do art. 2º da Lei prevê uma hipótese de exclusão de responsabilidade administrativa na hipótese de abate de animais em cultos religiosos, que em nada se relaciona com a excludente de ilicitude penal. Em nenhum momento a lei estadual fala em crime ou na sua exclusão. Lei estadual não violou competência da União para editar normas gerais de proteção ao meio ambiente A competência para legislar sobre proteção da fauna e do meio ambiente em geral é concorrente, estando dividida entre a União, Estados, DF e Municípios (art. 24, VI c/c art. 30, I, da CF/88). Logo, compete à União editar normas gerais sobre o tema, cabendo ao Estado suplementar essa legislação federal (art. 22, § 2º). Vale ressaltar que a norma editada pelo Estado não contraria aquilo que está previsto nas normas gerais da União, sob pena de ser inconstitucional. No caso concreto, o STF considerou que o art. 2º, parágrafo único, da Lei gaúcha não ofendeu a competência da União para editar normas gerais de proteção do meio ambiente. Isso porque não existe lei federal tratando sobre o sacrifício de animais com finalidade religiosa. Logo, a lei estadual, ao tratar sobre o tema, não infringiu normas gerais da União.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

A Lei de Crimes Ambientais (Lei federal nº 9.605/98) foi editada para tutelar a fauna silvestre, especialmente em atividades de caça. Ela não tratou, nem mesmo indiretamente, sobre imolação de animais em custos religiosos. Logo, percebe-se uma omissão da União em editar normas gerais sobre esse tema específico (sacrifício de animais em rituais religiosos). A omissão da União na edição de normas gerais faz com que o Estado-membro tenha liberdade para estabelecer regras a respeito, observado o § 3º do art. 24 da CF/88:

Art. 24 (...) § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

Vale ressaltar que, apesar de não ter força de lei ordinária, o Ministério da Agricultura possui a Instrução Normativa nº 3, de 17 de janeiro de 2000, que regulamenta os métodos de insensibilização para o abate humanitário de animais de açougue. Em seu artigo 11.3, o regulamento expressamente prevê que “é facultado o sacrifício de animais de acordo com preceitos religiosos, desde que sejam destinados ao consumo por comunidade religiosa que os requeria ou ao comércio internacional com países que façam essa exigência, sempre atendidos os métodos de contenção dos animais.” Liberdade de culto e de liturgia A discussão em foco envolve a exegese de normas fundamentais, estando relacionada com o exercício da liberdade de culto e de liturgia. A religião desempenha papel importante em vários aspectos da vida da comunidade, tendo recebido especial proteção do legislador constituinte:

Art. 5º (...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Patrimônio cultural imaterial A prática e os rituais relacionados ao sacrifício animal são “patrimônio cultural imaterial”, na forma do disposto no Artigo 2, item 2, alínea “c”, da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial da Unesco. Além disso, como dispõe o texto constitucional, elas constituem os modos de criar, fazer e viver de diversas comunidades religiosas e se confundem com a própria expressão de sua identidade. Vale ressaltar que o Estado brasileiro tem o dever de proteger as “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional” (art. 215, § 1º). Não há violação ao princípio da laicidade O princípio da laicidade significa dizer que o Estado brasileiro é laico (secular ou não-confessional), ou seja, não existe nele uma religião oficial (art. 19, I, da CF/88). Assim, por força deste princípio, o Estado não pode estar associado a nenhuma religião, nem sob a forma de proteção, nem de perseguição. Há, portanto, uma separação formal entre Igreja e Estado. O STF entendeu que, ao contrário do que alegou o MP/RS, a referida lei não viola o princípio da laicidade. A proteção legal às religiões de matriz africana não representa um privilégio, mas sim um mecanismo de assegurar a liberdade religiosa, mantida a laicidade do Estado. Desse modo, a lei gaúcha, na verdade, está de acordo com o princípio da laicidade. Isso porque a laicidade do Estado proíbe que haja o menosprezo ou a supressão de rituais, especialmente no caso de religiões minoritárias que poderiam ser subjugadas pelo Estado.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5

Não há violação ao princípio da igualdade A CF promete uma sociedade livre de preconceitos, entre os quais, o religioso. A cultura afro-brasileira merece maior atenção do Estado, por conta de sua estigmatização, fruto de preconceito estrutural. A proibição do sacrifício de animais em seus cultos negaria a própria essência da pluralidade cultural, com a consequente imposição de determinada visão de mundo. Ao se conferir uma proteção aos cultos de religiões historicamente estigmatizadas, o legislador não ofende o princípio da igualdade. Ao contrário, materializa esse princípio diante do preconceito histórico sofrido. Não há violação ao art. 225 da CF/88 O legislador, ao admitir a prática de imolação (sacrifício), não violou o dever constitucional de amparo aos animais, estampado no art. 225, § 1º, VII, da CF/88:

Art. 225 (...) § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Isso porque se deve evitar que a tutela de um valor constitucional relevante (meio ambiente) aniquile o exercício de um direito fundamental (liberdade de culto), revelando-se desproporcional impedir todo e qualquer sacrifício religioso quando diariamente a população consome carnes de várias espécies. Além disso, deve-se reforçar o argumento de que os animais sacrificados nestes cultos são abatidos de forma rápida, mediante degola, de sorte que a realização dos rituais religiosos com estes animais não se amolda ao art. 225, § 1º, VII, que proíbe práticas cruéis com animais. Em suma:

É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana. STF. Plenário. RE 494601/RS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Edson Fachin, julgado em 28/3/2019 (repercussão geral) (Info 935).

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Se for editada MP revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação poderá ser

julgada enquanto a MP não for votada (enquanto a MP não for votada, não há perda do objeto)

Importante!!!

Determinada lei foi impugnada por meio de ação direta de inconstitucionalidade.

Foi editada medida provisória revogando essa lei.

Enquanto esta medida provisória não for aprovada, será possível julgar esta ADI.

Assim, se chegar o dia de julgamento da ADI, e a MP ainda não tiver sido votada, o STF poderá apreciar livremente a ação, não tendo havido perda do interesse de agir (perda do objeto). Isso, porque a edição de medida provisória não tem eficácia normativa imediata de revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão, paralisação, das leis antecedentes até o término do prazo do processo legislativo de sua conversão.

Embora seja espécie normativa com força de lei, a medida provisória precisa ser confirmada.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

A medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada, a lei de conversão resultará na revogação da norma.

Dessa maneira, enquanto não aprovada a MP, não se pode falar em perda de interesse (perda do objeto).

STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

A situação concreta foi a seguinte: Foi proposta ADI contra a Lei nº 13.502/2017. Em 2019, antes que a ação fosse julgada, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 870 revogando a Lei nº 13.502/2017. Essa MP ainda não foi votada nem esgotou seu prazo de duração. Chegou o dia do julgamento da ADI proposta. Indaga-se: essa ADI perdeu o objeto (perda do interesse de agir) considerando que a MP 870/2019 revogou o ato impugnado (Lei nº 13.502/2017)? NÃO.

Como ainda não foi aprovada pelo Congresso Nacional, o STF entendeu que a MP 870/2019, enquanto estiver nesta condição de medida provisória, apenas “suspendeu os efeitos da eficácia da Lei nº 13.502/2017”. Isso, porque a edição de medida provisória não tem eficácia normativa imediata de revogação da legislação anterior com ela incompatível, mas apenas de suspensão, paralisação, das leis antecedentes até o término do prazo do processo legislativo de sua conversão. Embora seja espécie normativa com força de lei, a medida provisória precisa ser confirmada e, no caso, a MP 870/2019 ainda está em tramitação. A medida provisória é lei sob condição resolutiva. Se for aprovada, a lei de conversão resultará na revogação da norma. Dessa maneira, enquanto não aprovada a MP, não se pode falar em perda de interesse (perda do objeto). STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

MEDIDAS PROVISÓRIAS Proibição de reedição de medidas provisórias na mesma sessão legislativa

Importante!!!

É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente de conversão de medida provisória cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal.

STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

O que é medida provisória? Medida provisória é um ato normativo editado pelo Presidente da República, em situações de relevância e urgência, e que tem força de lei, ou seja, é como se fosse uma lei ordinária, com a diferença de que ainda

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

será votada pelo Congresso Nacional, podendo ser aprovada (quando, então, é convertida em lei) ou rejeitada (situação em que deixará de existir). As regras sobre as medidas provisórias estão previstas no art. 62 da CF/88. Como funciona? O Presidente da República, sozinho, edita a MP e, desde o momento em que ela é publicada no Diário Oficial, já passa a produzir efeitos como se fosse lei. Esta MP é, então, enviada ao Congresso Nacional. Ali chegando, ela é submetida inicialmente à uma comissão mista de Deputados e Senadores, que irão examiná-la e sobre ela emitir um parecer (art. 62, § 9º). Depois, a MP será votada primeiro pelo plenário da Câmara dos Deputados (art. 62, § 8º) e, se for aprovada, seguirá para votação no plenário do Senado Federal. Caso seja aprovada no plenário das duas Casas, esta MP é convertida em lei. Qual é o prazo de eficácia da medida provisória? 60 dias, podendo ser prorrogada, apenas uma vez, por mais 60 dias. Isso está previsto no art. 62, §§ 3º e 7º da CF/88:

Art. 62 (...) § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. (...) § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

O prazo fica suspenso (ou seja, não corre) durante os períodos de recesso do Congresso Nacional (art. 62, § 4º). Vale ressaltar que a MP continua produzindo efeitos. O que fica suspenso é a contagem do prazo para que ela perca sua vigência. Prorrogação é automática Importante esclarecer que a prorrogação da vigência da MP é automática. Assim, terminado o prazo de 60 dias, se a MP ainda não tiver sido votada nas duas Casas do Congresso Nacional, ela será automaticamente prorrogada (o Presidente não precisa pedir a prorrogação). Essa prorrogação pode ocorrer uma única vez. O que acontece se uma MP não é convertida em lei no prazo de eficácia + prorrogação (120 dias)? Se uma medida provisória não for convertida em lei no prazo, ela perde eficácia desde a sua edição (sua eficácia fica exaurida). Ocorrendo essa situação, o Congresso Nacional deverá editar um decreto legislativo disciplinando como ficarão as relações jurídicas que foram afetadas pela MP no período em que ela vigorou (art. 62, § 3º). Em outras palavras, este decreto legislativo irá dizer se os efeitos produzidos pela MP no período em que ela vigorou continuam ou não, mesmo ela não tendo sido aprovada:

Art. 62 (...) § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do §

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

O que acontece se uma MP é rejeitada? Se uma medida provisória é votada dentro do prazo e rejeitada, ela também perde eficácia desde a sua edição, sendo, então, arquivada. Possibilidades da MP A partir do que vimos acima, podemos identificar três ocorrências possíveis para as medidas provisórias

1) Aprovação A MP é votada dentro do seu prazo de duração, sendo aprovada pelo Congresso.

O texto é promulgado e, com isso, a MP é convertida em lei ordinária.

2) Rejeição EXPRESSA

A MP é votada dentro do seu prazo de duração, mas não obtém os votos necessários para ser aprovada (maioria simples).

A MP é arquivada.

3) Rejeição TÁCITA

A MP não é votada dentro do prazo de duração. Diz-se que a eficácia foi exaurida pelo decurso do prazo (perdeu eficácia por decurso do prazo).

A MP é arquivada.

O que é reedição da medida provisória? A definição de reedição da medida provisória mudou com a EC 32/2001. Atualmente, reedição de medida provisória, significa o ato do Presidente da República de editar nova medida provisória com o mesmo teor de uma outra que foi rejeitada ou que não foi votada durante o seu prazo de duração (perdendo a sua eficácia). Ex: em 2017, o Presidente da República editou a Medida Provisória nº 5.000/2017 criando a obrigação “x”. Essa MP não foi votada em 120 dias, de modo que teve a sua eficácia exaurida pelo decurso do prazo. Em 2018, o Presidente edita a Medida Provisória nº 5.010/2018 criando novamente a obrigação “x”. Isso significa que houve uma reedição da medida provisória. É possível a reedição de medidas provisórias? SIM, mas desde que isso ocorra em outra sessão legislativa. Veja o que diz o § 10 do art. 62 da CF/88:

Art. 62 (...) § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

Interpretando esse dispositivo a contrario sensu, é possível a reedição, em outra sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. Sessão legislativa Quando o § 10 do art. 62 fala em “sessão legislativa”, está se referindo à sessão legislativa ordinária. Sessão legislativa é o período anual de trabalho ordinário dos parlamentares no Congresso Nacional. Inicia-se em 02 de fevereiro, é interrompido em 17 de julho para o recesso do meio do ano e recomeça em 1º de agosto, indo até 22 de dezembro. Desse modo, a sessão legislativa ordinária vai de 02 de fevereiro até 22 de dezembro, com uma pausa (intervalo) entre 18 de julho até 31 de julho. Obs: fala-se em sessão legislativa ordinária porque é possível a convocação dos parlamentares para deliberações extraordinárias. É a chamada convocação extraordinária, prevista no art. 57, § 7º:

Art. 57 (...)

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

§ 7º Na sessão legislativa extraordinária, o Congresso Nacional somente deliberará sobre a matéria para a qual foi convocado, ressalvada a hipótese do § 8º deste artigo, vedado o pagamento de parcela indenizatória, em razão da convocação.

Feitas esta breve revisão, imagine a seguinte situação concreta: Em 03/02/2017, o então Presidente da República Michel Temer publicou a Medida Provisória 768/2017, que criou a Secretaria-Geral da Presidência da República, o Ministério dos Direitos Humanos, e alterou a Lei nº 10.683/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Revogação da MP 768 por uma nova MP que tratou do mesmo assunto A MP 768/2017 não foi apreciada no prazo de 60 dias. Diante disso, a MP 768/2017, em 20/03/2017, foi prorrogada por mais 60 dias. A MP 768/2017 iria perder a eficácia pelo decurso do prazo em maio de 2017, ou seja, ela teria que ser votada pelo Congresso até esta data. Ocorre que, em maio de 2017, Temer editou nova medida provisória (a MP 782/2017), que estabeleceu a organização básica dos órgãos da Presidência da República e dos Ministérios, ou seja, tratou sobre o mesmo assunto da MP 768/2017, com algumas pequenas diferenças em relação à primeira MP. Além disso, esta segunda medida provisória (MP 782/2017) revogou expressamente a primeira (MP 768/2017). A segunda medida provisória (MP 782/2017) foi votada e aprovada pelo Congresso Nacional, tendo sido convertida na Lei nº 13.502/2017. Primeira pergunta: o Presidente da República pode “desistir” da medida provisória que ele editou? Ele pode pedir a “retirada” da MP que está tramitando no Congresso Nacional? NÃO. Não existe essa possibilidade na Constituição Federal. Segunda pergunta: é possível que o Presidente da República edite medida provisória revogando medida provisória anterior que está tramitando no Congresso Nacional? SIM. O Presidente da República, embora não tenha disponibilidade sobre medida provisória já editada (não pode retirar do Congresso Nacional), possui legitimidade para editar outra medida provisória com efeito ab-rogante (revogando a MP anterior). O STF entende que não existe, na Constituição, proibição explícita a respeito para a edição de nova MP revogando MP anterior. Vale ressaltar, no entanto, que a segunda MP irá apenas suspender a eficácia jurídica da medida provisória revogada. Isso significa que o Congresso Nacional permanece com o poder de deliberar sobre a validade da MP. Ex: o Congresso pode decidir rejeitar a segunda MP (MP “revogadora”) e aprovar a primeira (que o Presidente queria revogar com a segunda). Veja esta elucidativo precedente da Corte sobre o tema:

(...) 1. Porque possui força de lei e eficácia imediata a partir de sua publicação, a Medida Provisória não pode ser “retirada” pelo Presidente da República à apreciação do Congresso Nacional. Precedentes. 2. Como qualquer outro ato legislativo, a Medida Provisória é passível de ab-rogação mediante diploma de igual ou superior hierarquia. Precedentes. 3. A revogação da MP por outra MP apenas suspende a eficácia da norma ab-rogada, que voltará a vigorar pelo tempo que lhe reste para apreciação, caso caduque ou seja rejeitada a MP ab-rogante. 4. Consequentemente, o ato revocatório não subtrai ao Congresso Nacional o exame da matéria contida na MP revogada. (...) STF. Plenário. ADI 2984 MC, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 04/09/2003.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

Observação importante: Presidente, ao revogar a MP anterior, admite que aquele assunto não é urgente O STF entende que o chefe do Poder Executivo da União, ao revogar determinada medida provisória, abre mão do poder de disposição sobre aquela matéria, com o caráter de urgência que justificava a edição do ato normativo. Ora, se o próprio Presidente revogou a MP anterior, significa que aquele assunto que era nela tratado pode esperar (não é urgente) e, portanto, não deve ser tratado por meio de medida provisória (art. 62 da CF/88). A hipótese corresponde, portanto, à figura da rejeição. Confira precedente neste sentido:

(...) o ato de revogação pura e simples de uma medida provisória outra coisa não é senão uma auto-rejeição; ou seja, o autor da medida a se antecipar a qualquer deliberação legislativa para proclamar, ele mesmo (Poder Executivo), que sua obra normativa já não tem serventia. Logo, reeditá-la significaria artificializar os requisitos constitucionais de urgência e relevância, já categoricamente desmentidos pela revogação em si. (...) STF. Plenário. ADI 3964 MC, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 12/12/2007.

Voltando ao nosso caso concreto: O Presidente da República até poderia ter editado a MP 782/2017 revogando a MP 768/2017. Não há vedação quanto a isso considerando que o Congresso continuaria com o poder de apreciar as medidas provisórias editadas. No entanto, o Presidente não poderia ter veiculado, na MP 782/2017, o mesmo assunto que tratou na MP 768/2017. Isso por duas razões: 1) Quando o Presidente revogou a MP 768/2017 ele admitiu que o assunto ali tratado não era urgente. Logo, se queria apresentar de novo esse tema, deveria fazê-lo por meio de um projeto de lei (e não mais por MP, que exige urgência). 2) A MP 782/2017, ao tratar sobre o mesmo assunto da MP 768/2017, significou, na realidade, a reedição da medida provisória, o que é vedado de ser feito na mesma sessão legislativa, por força do art. 62, § 10 da CF/88. Importante ressaltar que essa vedação do § 10 vale também para hipóteses de revogação da medida provisória anterior, conforme já decidiu o STF:

5. O sistema instituído pela EC nº 32 leva à impossibilidade - sob pena de fraude à Constituição - de reedição da MP revogada, cuja matéria somente poderá voltar a ser tratada por meio de projeto de lei. (...) STF. Plenário. ADI 2984 MC, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 04/09/2003.

Assim, se a MP 782/2017 deveria ter se limitado a revogar a MP 768/2017, sem disciplinar novamente o mesmo assunto. O fato de a MP 782/2017 ter algumas diferenças em relação à MP 768/2017 pode servir como argumento para se dizer que não se trata de uma reedição? NÃO. Se não há modificações substanciais, deve-se considerar que há uma mera reedição. Em outras palavras, a publicação de nova MP com pequenas alterações em relação à MP anterior configura reedição, de sorte que não pode ocorrer na mesma sessão legislativa. Muitas vezes, quando se busca fraudar o dispositivo constitucional, faz-se uma maquiagem na medida provisória para não repetir o teor da outra pura e simplesmente. Assim, a reedição, ainda que parcial, de medida provisória revogada é causa necessária e suficiente para sua incidência na vedação prescrita no § 10 do art. 62 da CF/88:

(...) 1. Num exame prefacial, tem consistência a alegação de que a MP nº 394/07 é mera reedição de parte da MP nº 379/07. Isto porque a mais recente incorpora temas da mais antiga, sem o aporte de modificações substanciais. (...)

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

2. Impossibilidade de reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória revogada. Tese contrária importaria violação do princípio da Separação de Poderes, na medida em que o Presidente da República passaria, com tais expedientes revocatório-reedicionais de medidas provisórias, a organizar e operacionalizar a pauta dos trabalhos legislativos. Pauta que se inscreve no âmbito do funcionamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e, por isso mesmo, matéria de competência privativa dessas duas Casas Legislativas (inciso IV do art. 51 e inciso XIII do art. 52, ambos da CF/88). (...) STF. Plenário. ADI 3964 MC, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 12/12/2007.

Inconstitucionalidade Desse modo, a Lei nº 13.502/2017 (fruto da conversão da MP 782/2017) é inconstitucional A MP 782/2017 representou a reedição da MP 768/2017. Logo, houve a reedição da medida provisória na mesma sessão legislativa, o que é vedado pelo § 10 do art. 62 da CF/88. O § 10 do art. 62 da CF/88 é um mecanismo procedimental que tem por objetivo limitar o abuso no exercício excepcional da função legiferante pelo Presidente da República. A MP 782/2017 trouxe novamente a mesma matéria da MP anterior como forma de burla à Constituição. Logo, em razão disso, houve a contaminação da medida provisória impugnada em sua totalidade, porque a vedação resulta de vício de origem e, assim, abrange todo o ato normativo. O fato de a MP 782/2017 ter sido aprovada pelo Congresso Nacional e, portanto, convertida na Lei nº 13.502/2017 não poderia ser considerada como uma forma de convalidar seus vícios? NÃO. O STF afirmou expressamente que os vícios formais que surgiram com a edição da MP 782/2017 não podem ser convalidados com a sua conversão em lei. Em suma:

É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente de conversão de medida provisória cujo conteúdo normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

ADVOCACIA PÚBLICA É inconstitucional emenda à Constituição Estadual,

de iniciativa parlamentar, que trate sobre a PGE

Importante!!!

É inconstitucional emenda à Constituição Estadual, de iniciativa parlamentar, que trate sobre as competências da Procuradoria Geral do Estado. Isso porque esta matéria é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, da CF/88).

É do Governador do Estado a iniciativa de lei ou emenda constitucional que discipline a organização e as atribuições dos órgãos e entidades da Administração Pública estadual.

STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

A situação concreta foi a seguinte: A Assembleia Legislativa de Roraima aprovou emenda alterando o dispositivo da Constituição Estadual que trata sobre as competências da Procuradoria Geral do Estado.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

Vale ressaltar que essa emenda à Constituição Estadual foi de iniciativa parlamentar (proposta por 1/3 dos Deputados Estaduais). Foi ajuizada uma ADI contra esta emenda sob o argumento de que ela seria formalmente inconstitucional tendo em vista que a iniciativa privativa para propor emendas constitucionais tratando sobre órgãos públicos estaduais seria do Governador do Estado, nos termos do art. 61, § 1º, II, “e”, da CF/88:

Art. 61 (...) § 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; II - disponham sobre: a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.

A tese veiculada na ADI é acolhida pela jurisprudência do STF? SIM. Os projetos de lei que tratem sobre o regime jurídico dos servidores públicos ou a respeito da estrutura e organização dos órgãos públicos são de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, “c” e “e”, da CF/88). Logo, esta emenda constitucional aprovada pela ALE/RR, de iniciativa parlamentar, ao tratar sobre o tema, violou a reserva de iniciativa legislativa privativa do Governador do Estado. Mas o art. 61, § 1º, fala em “leis” e o ato impugnado era uma emenda constitucional... O STF entende que se houver uma emenda à Constituição Estadual tratando sobre algum dos assuntos listados no art. 61, § 1º, da CF/88, essa emenda deve ser proposta pelo chefe do Poder Executivo. Assim, é incabível que os Deputados Estaduais proponham uma emenda constitucional dispondo sobre o regime jurídico dos servidores públicos, por exemplo (art. 61, § 1º, II, “c”). Se isso fosse permitido, seria uma forma de burlar a regra do art. 61, § 1º, da CF/88. Desse modo, “matéria restrita à iniciativa do Poder Executivo não pode ser regulada por emenda constitucional de origem parlamentar” (STF. Plenário. ADI 2.966, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 06/04/2005). Em suma:

É inconstitucional emenda à Constituição Estadual, de iniciativa parlamentar, que trate sobre as competências da Procuradoria Geral do Estado. Isso porque esta matéria é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, da CF/88). É do Governador do Estado a iniciativa de lei ou emenda constitucional que discipline a organização e as atribuições dos órgãos e entidades da Administração Pública estadual. STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

Nesse sentido:

É inconstitucional disciplina, na Carta do Estado, de matéria cuja iniciativa de projeto é reservada ao Governador. STF. Plenário. ADI 3848/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 11/2/2015 (Info 774).

A disciplina normativa pertinente ao processo de criação, estruturação e definição das atribuições dos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual, ainda que por meio de emenda constitucional, revela matéria que se insere, por sua natureza, entre as de iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo local, pelo que disposto no art. 61, § 1º, inciso II, alínea “e”, da Constituição Federal. STF. Plenário. ADI 2654/AL, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/8/2014 (Info 754).

Esse entendimento acima exposto vale também para os casos de emenda à Constituição Federal? NÃO. Não existe iniciativa privativa (reservada) para a propositura de emendas à Constituição Federal. A proibição de que emendas constitucionais tratem sobre as matérias do art. 61, § 1º da CF/88 só vale para emendas à Constituição Estadual. Dito de outro modo:

É possível que emenda à Constituição Federal proposta por iniciativa parlamentar trate sobre as matérias previstas no art. 61, § 1º da CF/88. As regras de reserva de iniciativa fixadas no art. 61, § 1º da CF/88 não são aplicáveis ao processo de emenda à Constituição Federal, que é disciplinado em seu art. 60. STF. Plenário. ADI 5296 MC/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 18/5/2016 (Info 826).

Veja como tema já foi cobrado em prova: (DPE/RN 2015 CESPE) De acordo com a CF, em razão das limitações procedimentais impostas ao poder constituinte derivado reformador, é de iniciativa privativa do presidente da República proposta de emenda à CF que disponha sobre o regime jurídico dos servidores públicos do Poder Executivo federal. (ERRADO) Cuidado para não confundir É possível emenda constitucional de iniciativa parlamentar tratando sobre os assuntos que, em caso de propositura de projeto de lei, seriam de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, da CF/88)? • Emenda à Constituição Federal proposta por parlamentares federais: SIM. • Emenda à Constituição Estadual proposta por parlamentares estaduais: NÃO. Por que existe essa diferença de tratamento entre emenda à Constituição Federal e emenda à Constituição Estadual? O poder constituinte estadual não é originário. É poder constituído, cercado por limites mais rígidos do que o poder constituinte federal. A regra da simetria é um exemplo dessa limitação. Por essa razão, as Assembleias Legislativas se submetem a limites mais rigorosos quando pretendem emendar as Constituições Estaduais. Assim, se os Deputados Estaduais apresentam emenda à Constituição Estadual tratando sobre os assuntos do art. 61, § 1º, da CF/88 eles estão, em última análise, violando a própria regra da Constituição Federal.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

ADVOCACIA PÚBLICA Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a representação

judicial e consultoria jurídica da PGE ficará restrita ao Poder Executivo

Importante!!!

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que a Procuradoria Geral do Estado ficará responsável pelas atividades de representação judicial e de consultoria jurídica apenas “do Poder Executivo”.

Essa previsão viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal.

De acordo com o art. 132 da CF/88 as atribuições da PGE não ficam restritas ao Poder Executivo, abrangendo também os demais Poderes.

STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal Segundo este “princípio”, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal serão os únicos responsáveis pela representação judicial e pela consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Em outras palavras, só um órgão pode desempenhar as funções de representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a Procuradoria-Geral do Estado (ou PGDF). Este “princípio” está previsto no art. 132 da CF/88:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Exceções A jurisprudência do STF reconhece a existência de duas exceções ao princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal. Primeira exceção: Procuradorias do Legislativo e do Tribunal de Contas A primeira exceção é uma criação jurisprudencial e consiste na possibilidade de criação de procuradorias vinculadas ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas, para a defesa de sua autonomia e independência perante os demais Poderes, hipótese em que se admite a consultoria e assessoramento jurídico dos órgãos por parte de seus próprios procuradores. O primeiro precedente que se destaca é oriundo do Amapá. A Constituição daquele Estado previu a existência de Procuradoria da Assembleia Legislativa. Foi proposta uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra esse dispositivo sob a alegação de que ele violaria o princípio da unicidade da representação judicial e da consultoria jurídica dos Estados e do Distrito Federal, previsto no art. 132 da CF/88. O STF julgou a ação procedente, mas apenas para dar interpretação conforme à Constituição ao dispositivo “de modo a excluir do plexo de competências e de representação judicial pela Procuradoria da Assembleia Legislativa as causas não relacionadas à defesa das prerrogativas institucionais da respectiva casa” (STF. Plenário. ADI 825/AP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 25/10/2018). Em outros termos, o Pretório Excelso decidiu que é constitucional a previsão de Procuradoria da Assembleia Legislativa, mas a sua atuação deve ficar limitada à defesa das prerrogativas inerentes ao Poder Legislativo.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

Explicando melhor: a representação jurídica do Estado como um todo, abrangendo os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, compete à Procuradoria-Geral do Estado (PGE), tendo em conta o art. 132 da Carta Magna. Assim, é também a PGE quem faz, em regra, a defesa da Assembleia Legislativa em juízo. No entanto, às vezes, há conflito de interesses entre os Poderes, como na hipótese em que o Poder Legislativo cobra do Poder Executivo o repasse de um valor que ele entende devido e que não foi feito. Nestes casos, é possível, em tese, a propositura de ação judicial pela Assembleia Legislativa cobrando a defesa de suas prerrogativas institucionais e quem irá representar judicialmente o órgão será a Procuradoria da ALE (e não a PGE). Ainda dentro da análise da primeira exceção, chamo atenção para o fato de que o Supremo já decidiu que é constitucional a criação de órgãos jurídicos na estrutura de Tribunais de Contas estaduais, ou seja, Procuradorias jurídicas dos Tribunais de Contas: STF. Plenário. ADI 4070/RO, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/12/2016. O STF fez, contudo, uma ressalva: esta Procuradoria do TCE não pode ter, dentre as suas atribuições, a função de cobrança judicial de multas aplicadas pelo próprio Tribunal. Isso porque, neste caso, haveria usurpação de uma das atribuições dos Procuradores do Estado. Além do que, o STF entende que os Tribunais de Contas não possuem legitimidade para executar suas decisões das quais resulte imputação de débito ou multa. A competência para tal é do titular do crédito constituído a partir da decisão, ou seja, do ente público prejudicado (STF. 2ª Turma. AI 826676 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 08/02/2011). Segunda exceção: art. 69 do ADCT A segunda exceção encontra-se prevista expressamente no texto constitucional, mais especificamente no art. 69 do ADCT da CF/88:

Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.

O art. 69 do ADCT foi uma exceção transitória ao princípio da unicidade orgânica da Procuradoria estadual. Esta exceção foi prevista com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços de representação e consultoria jurídicas que existiam na Administração Pública no período logo em seguida à promulgação da CF/88, quando algumas Procuradorias estaduais ainda não estavam totalmente estruturadas. Em outras palavras, foi pensada como uma forma de evitar lacunas e uma desorganização da Administração Pública. Vale ressaltar que só foram mantidas as consultorias jurídicas que já existiam antes da promulgação da Constituição. Imagine agora o seguinte caso concreto: A Constituição do Estado de Roraima, ao tratar sobre a PGE, estabeleceu o seguinte:

Art. 101. A Procuradoria-Geral do Estado é a instituição que representa o Estado, bem como os Secretários de Estado em razão de suas atividades, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos temos da Lei Complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoria jurídica do Poder Executivo Estadual.

O STF, ao analisar este dispositivo, considerou inconstitucional a expressão “do Poder Executivo” ali prevista. Isso porque o art. 132 da CF/88 atribuiu aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exclusividade no exercício da atividade jurídica contenciosa e consultiva dos órgãos e entidades das respectivas unidades federadas. Essa atividade não está restrita ao Poder Executivo, abrangendo também os Poderes Legislativo e Judiciário. Assim, compete à PGE a representação estadual como um todo, independentemente do Poder.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

Em suma:

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que a Procuradoria Geral do Estado ficará responsável pelas atividades de representação judicial e de consultoria jurídica apenas “do Poder Executivo”. Essa previsão viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal. De acordo com o art. 132 da CF/88 as atribuições da PGE não ficam restritas ao Poder Executivo, abrangendo também os demais Poderes. STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

ADVOCACIA PÚBLICA Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a assistência jurídica da Administração indireta será exercida por profissionais do corpo jurídico que compõem seus

respectivos quadros

Importante!!!

Viola o art. 132 da CF/88 norma da Constituição Estadual que preveja que a assistência jurídica da Administração indireta será exercida por profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que “a representação judicial e extrajudicial dos órgãos da administração indireta é de competência dos profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros e integram advocacia pública cujas atividades são disciplinadas em leis especificas.”

Essa previsão viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal.

O art. 132 da CF/88 atribuiu aos Procuradores dos Estados e do DF exclusividade no exercício da atividade jurídica contenciosa e consultiva não apenas dos órgãos, mas também das entidades que compõem a administração pública indireta.

STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Inconstitucionalidade da previsão de procuradores autárquicos

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que cria o cargo de procurador autárquico em estrutura paralela à Procuradoria do Estado.

Também é inconstitucional dispositivo de constituição Estadual que transforma os cargos de gestores jurídicos, advogados e procuradores jurídicos em cargos de procuradores autárquicos.

STF. Plenário. ADI 5215/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Inconstitucionalidade da previsão de procuradores autárquicos e de advogados de fundação

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que os procuradores autárquicos e os advogados de fundação terão competência privativa para a representação judicial e o assessoramento jurídico dos órgãos da Administração Estadual Indireta aos quais vinculados, e que, para os efeitos de incidência de teto remuneratório, eles serão considerados “procuradores”, nos termos do art. 37, XI, da CF/88.

STF. Plenário. ADI 4449/AL, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

Princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal Segundo este “princípio”, os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal serão os únicos responsáveis pela representação judicial e pela consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. Em outras palavras, só um órgão pode desempenhar as funções de representação judicial e de consultoria jurídica nos Estados e DF e este órgão é a Procuradoria-Geral do Estado (ou PGDF). Este “princípio” está previsto no art. 132 da CF/88:

Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Imagine agora o seguinte caso concreto: Em 2014 foi editada uma emenda à Constituição do Estado de Roraima prevendo que:

Art. 101-A. A representação judicial e extrajudicial dos órgãos da administração indireta é de competência dos profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros e integram advocacia pública cujas atividades são disciplinadas em leis especificas. Parágrafo único. Os profissionais do corpo jurídico da Procuradoria-Geral do Estado que integram a advocacia pública continuarão a representar judicial e extrajudicialmente os órgãos da Administração Indireta até o provimento dos cargos dos quadros próprios dos mesmos.

Desse modo, o que este art. 101-A fez foi dizer que leis estaduais deveriam criar um “corpo jurídico” que faria a representação judicial e extrajudicial nas entidades da administração pública indireta. Em outras palavras, este dispositivo autorizou que fossem criadas procuradorias autárquicas para a defesa das entidades. O STF julgou inconstitucional esse dispositivo. O referido preceito viola: • o art. 37, II, da CF/88, porque não prevê a realização de concurso público para esses cargos; e • o art. 132 da CF/88, que atribuiu aos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal exclusividade no exercício da atividade jurídica contenciosa e consultiva dos órgãos e entidades das respectivas unidades federadas. Em suma:

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que “a representação judicial e extrajudicial dos órgãos da administração indireta é de competência dos profissionais do corpo jurídico que compõem seus respectivos quadros e integram advocacia pública cujas atividades são disciplinadas em leis especificas.” Essa previsão viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal. O art. 132 da CF/88 atribuiu aos Procuradores dos Estados e do DF exclusividade no exercício da atividade jurídica contenciosa e consultiva não apenas dos órgãos, mas também das entidades que compõem a administração pública indireta. STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Leis estaduais de Roraima que previam cargos com atribuições inerentes à PGE Além dessa previsão na Constituição Estadual, havia também em Roraima uma série de leis estaduais que previam cargos de procurador jurídico em entidades da Administração Indireta com atribuições próprias dos Procuradores do Estado (representação judicial e consultoria jurídica). Essas leis também foram julgadas inconstitucionais por afronta à norma do art. 132 da CF/88.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

Além disso, a Tabela II do Anexo II da Lei estadual 944/2013 previa que a remuneração inicial do cargo de procurador jurídico da Agência Reguladora de Serviços Delegados de Roraima corresponde a 35% (trinta e cinco por cento) do subsídio de diretor-presidente. Tal previsão viola o inciso XIII do art. 37 da CF/88, que veda a vinculação de vencimentos para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XIII - é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público;

Não se poderia aplicar o art. 69 do ADCT para se reconhecer válido esse corpo jurídico das entidades? NÃO. O art. 69 do ADCT da CF/88 prevê o seguinte:

Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.

O art. 69 do ADCT foi uma exceção transitória ao princípio da unicidade orgânica da Procuradoria estadual. Esta exceção foi prevista com o objetivo de garantir a continuidade dos serviços de representação e consultoria jurídicas que existiam na Administração Pública no período logo em seguida à promulgação da CF/88, quando algumas Procuradorias estaduais ainda não estavam totalmente estruturadas. Em outras palavras, foi pensada como uma forma de evitar lacunas e uma desorganização da Administração Pública. Vale ressaltar que só foram mantidas as consultorias jurídicas que já existiam antes da promulgação da Constituição. Lei do Estado de Goiás Na mesma linha de entendimento, o STF julgou que:

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que cria o cargo de procurador autárquico em estrutura paralela à Procuradoria do Estado. Também é inconstitucional dispositivo de constituição Estadual que transforma os cargos de gestores jurídicos, advogados e procuradores jurídicos em cargos de procuradores autárquicos. STF. Plenário. ADI 5215/GO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Lei do Estado de Alagoas

É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que os procuradores autárquicos e os advogados de fundação terão competência privativa para a representação judicial e o assessoramento jurídico dos órgãos da Administração Estadual Indireta aos quais vinculados, e que, para os efeitos de incidência de teto remuneratório, eles serão considerados “procuradores”, nos termos do art. 37, XI, da CF/88. STF. Plenário. ADI 4449/AL, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

ADVOCACIA PÚBLICA É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão

de Procurador-Geral da universidade estadual

É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão de Procurador-Geral da universidade estadual. Esta previsão está de acordo com o princípio da autonomia universitária (art. 207 da CF/88).

STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

O caso concreto foi o seguinte: O art. 8º, IV, da Tabela II, do Anexo IV, da Lei estadual 581/2007, de Roraima, criou o cargo em comissão de Procurador-Geral da Universidade Estadual de Roraima. O STF considerou que esta previsão é constitucional e não viola o princípio da unicidade da representação judicial dos Estados e do Distrito Federal (art. 132 da CF/88). Isso porque está de acordo com o princípio da autonomia universitária, consagrado no art. 207 da CF/88:

Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão de Procurador-Geral da universidade estadual. Esta previsão está de acordo com o princípio da autonomia universitária (art. 207 da CF/88). STF. Plenário. ADI 5262 MC/RR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 27 e 28/3/2019 (Info 935).

DIREITO ADMINISTRATIVO

ATO ADMINISTRATIVO MP que confere status de Ministro de Estado ao chefe da Secretaria-Geral da Presidência

da República não é inconstitucional por desvio de finalidade

Não é inconstitucional medida provisória que, ao tratar sobre os órgãos vinculados à Presidência da República, confere status de Ministro de Estado ao chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, ainda que seu titular a ser nomeado, venha a ter foro por prerrogativa de função no STF.

Não há desvio de finalidade na edição deste ato.

A norma, ao estabelecer a organização básica dos Ministérios e demais órgãos ligados à Presidência da República, é matéria que está no âmbito decisório do chefe do Poder Executivo da União.

Não se sustenta, do ponto de vista jurídico, o argumento de que a criação da Secretaria-Geral com status de Ministério de Estado implicaria burla aos postulados constitucionais de moralidade e probidade na Administração, porque a criação ou extinção de ministérios e órgãos da Presidência também está no campo de decisão do chefe do Poder Executivo.

A nomeação de determinada pessoa para o cargo de Ministro de Estado é um ato subsequente e que, em princípio, está na alçada político-administrativa do Presidente da República (art. 84), desde que presentes os requisitos do art. 87 da CF/88.

STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

A situação concreta foi a seguinte: O então Presidente da República Michel Temer editou uma medida provisória, que alterou a Lei nº 10.683/2003, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios. Uma das mudanças implementadas pela MP foi a criação da Secretaria-Geral da Presidência da República. Além disso, a MP estabeleceu que o chefe dessa Secretaria-Geral ocuparia o cargo de Ministro de Estado. Em decorrência dessa nova estrutura, Michel Temer nomeou, por decreto presidencial, o político Moreira Franco para o referido cargo de Ministro de Estado Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República. ADI Foi ajuizada uma ADI contra esta medida provisória. Na ação, alegou-se o seguinte: Moreira Franco é alvo de investigações criminais e a transformação do cargo de chefe da Secretaria-Geral em cargo de Ministro de Estado teve por objetivo conferir a ele foro por prerrogativa de função considerando que compete ao STF julgar os Ministros de Estado (art. 102, I, “b”, da CF/88). Logo, a MP (posteriormente convertida em lei) seria inconstitucional por representar uma forma de burla à jurisdição criminal já que o seu propósito seria o de influenciar na condução das investigações iniciadas, ao assegurar a Moreira Franco prerrogativa de foro com sua nomeação ao cargo de Ministro de Estado. Este argumento exposto sustentado na ADI foi acolhido pelo STF? NÃO. O STF entendeu que não restou configurado desvio de finalidade na edição da medida provisória. A referida MP, posteriormente convertida em lei, promoveu a reestruturação organizacional no âmbito da Administração Pública Federal. A norma estabelece a organização básica dos Ministérios e demais órgãos ligados à Presidência da República. Trata-se, portanto, de matéria que está no âmbito decisório do chefe do Poder Executivo da União, pois disciplina política administrativa de seu interesse e competência. Por não ser matéria vedada a medida provisória, não há que se falar em ilegitimidade na escolha decisória. Não se sustenta, do ponto de vista jurídico, o argumento de que a criação da Secretaria-Geral com status de Ministério de Estado implicaria burla aos postulados constitucionais de moralidade e probidade na Administração, porque a criação ou extinção de ministérios e órgãos da Presidência também está no campo de decisão do chefe do Poder Executivo. A situação em tela espelha hipótese abstrata de criação de órgão, que não está relacionado com o favorecimento de pessoa específica. A nomeação de determinada pessoa para o cargo de Ministro de Estado é um ato subsequente e que, em princípio, está na alçada político-administrativa do Presidente da República (art. 84), desde que presentes os requisitos do art. 87 da CF/88:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os Ministros de Estado; (...)

Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.

Portanto, o STF não acolheu a tese de que a medida provisória seria inconstitucional por desvio de finalidade. Não há sustentação jurídica neste argumento uma vez que se trata de ato normativo geral e abstrato.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

O Min. Luis Roberto Barroso acrescentou que a escolha de Ministro de Estado é decisão política discricionária do Presidente da República, insuscetível de exame no mérito. Concluir que dar foro privilegiado é desvio de finalidade ou obstrução de justiça é entender que a jurisdição do STF não funciona. Em suma:

Não é inconstitucional medida provisória que, ao tratar sobre os órgãos vinculados à Presidência da República, confere status de Ministro de Estado ao chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, ainda que seu titular a ser nomeado, venha a ter foro por prerrogativa de função no STF. Não há desvio de finalidade na edição deste ato. A norma, ao estabelecer a organização básica dos Ministérios e demais órgãos ligados à Presidência da República, é matéria que está no âmbito decisório do chefe do Poder Executivo da União. Não se sustenta, do ponto de vista jurídico, o argumento de que a criação da Secretaria-Geral com status de Ministério de Estado implicaria burla aos postulados constitucionais de moralidade e probidade na Administração, porque a criação ou extinção de ministérios e órgãos da Presidência também está no campo de decisão do chefe do Poder Executivo. A nomeação de determinada pessoa para o cargo de Ministro de Estado é um ato subsequente e que, em princípio, está na alçada político-administrativa do Presidente da República (art. 84), desde que presentes os requisitos do art. 87 da CF/88. STF. Plenário. ADI 5717/DF, ADI 5709/DF, ADI 5716/DF e ADI 5727/DF, Rel. Min. Rosa Weber, julgados em 27/3/2019 (Info 935).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

COMPETÊNCIA Configura conflito federativo a ação na qual a União e o Estado-membro, em polos antagônicos,

discutem os limites das competências previstas no art. 177, IV e no art. 25, § 2º da CF/88

Compete ao STF processar e julgar “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta” (art. 102, I, “f”, da CF/88).

O STF confere interpretação restritiva a esse dispositivo e entende que, para se caracterizar a hipótese do art. 102, I, “f”, da CF/88 é indispensável que, além de haver uma causa envolvendo União e Estado, essa demanda tenha densidade suficiente para abalar o pacto federativo. Em outras palavras, não é qualquer causa envolvendo União contra Estado que irá ser julgada pelo STF, mas somente quando essa disputa puder resultar em ofensa às regras do sistema federativo.

Configura conflito federativo a ação na qual a União e o Estado-membro, em polos antagônicos, discutem se determinado projeto se enquadra como atividade de transporte de gás canalizado (art. 177, IV, da CF/88) ou fornecimento de gás canalizado (art. 25, § 2º).

STF. 2ª Turma. Rcl 4.210/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26/3/2019 (Info 935).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: A Petrobrás e a empresa White Martins celebraram parceria para liquefação e distribuição de gás natural oriundo da Bolívia até o Município de Paulínia (SP). Isso foi denominado Projeto Gemini. De acordo com o contrato celebrado, a Petrobras, por meio de sua controlada, fornece gás natural à empresa privada, mediante ramal do gasoduto Brasil-Bolívia. Após o fornecimento, essa empresa, mediante processo de liquefação, transforma o gás natural em gás natural liquefeito (GNL).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

A planta de liquefação está localizada no Município de Paulínia (SP), dentro da área do contrato de concessão de distribuição de gás natural obtido pela Companhia de Gás de São Paulo (Comgás). O Estado de São Paulo não concordou com esta parceria, por entender que o serviço público de distribuição de gás canalizado é competência exclusiva do Estado (art. 25, § 2º da CF/88) e que o contrato entre Petrobras e a White Martins violou essa competência. Diante disso, a Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), vinculada à Secretaria de Energia de SP, editou uma portaria para regular a distribuição de gás canalizado oriundo de gasodutos de transporte. Essa portaria prejudicou a parceria entre a Petrobrás e a White Martins, razão pela qual elas ajuizaram ação ordinária, na Justiça Federal de São Paulo, contra o Estado de São Paulo e a CSPE questionando o ato. Segundo as autoras, o fornecimento de gás canalizado desta parceria é mera atividade de transporte, de competência da União, como define o art. 177, IV, da CF/88. A União e a Agência Nacional de Petróleo (ANP) requereram o ingresso no feito como assistentes do polo ativo. O Juiz da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária de São Paulo concedeu liminar para ordenar que o Estado de São Paulo se abstivesse de praticar qualquer ato contra o Projeto Gemini. Reclamação O Estado de São Paulo e a Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE) ajuizaram a Reclamação no STF alegando que o caso trata de conflito federativo, o que atrairia a competência do Supremo para julgar a ação, nos termos do art. 102, I, “f”, da CF/88:

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I — processar e julgar, originariamente: f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta;

Conflito entre entes federados x conflito federativo Vale ressaltar que, para se caracterizar a hipótese do art. 102, I, “f”, da CF/88 é indispensável que, além de haver uma causa envolvendo União e Estado, essa demanda tenha densidade suficiente para abalar o pacto federativo. Em outras palavras, não é qualquer causa envolvendo União contra Estado que irá ser julgada pelo STF, mas somente quando essa disputa puder resultar em ofensa às regras do sistema federativo. Confira:

Diferença entre conflito entre entes federados e conflito federativo: enquanto no primeiro, pelo prisma subjetivo, observa-se a litigância judicial promovida pelos membros da Federação, no segundo, para além da participação desses na lide, a conflituosidade da causa importa em potencial desestabilização do próprio pacto federativo. Há, portanto, distinção de magnitude nas hipóteses aventadas, sendo que o legislador constitucional restringiu a atuação da Corte à última delas, nos moldes fixados no Texto Magno, e não incluiu os litígios e as causas envolvendo Municípios como ensejadores de conflito federativo apto a exigir a competência originária da Corte. STF. Plenário. ACO 1.295-AgR-segundo, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/10/2010.

Mero conflito entre entes federados Conflito federativo

Trata-se da disputa judicial envolvendo União (ou suas entidades) contra Estado-membro (ou suas entidades).

Trata-se da disputa judicial envolvendo União (ou suas entidades) contra Estado-membro (ou suas entidades) e que, em razão da magnitude do tema discutido, pode gerar uma desestabilização do próprio pacto federativo.

Em regra, é julgado pelo juiz federal de 1ª instância. É julgado pelo STF (art. 102, I, “f” da CF/88).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

O STF concordou com o pedido feito na reclamação? Neste caso concreto temos um mero conflito entre entes federados ou um verdadeiro conflito federativo? SIM. A 2ª Turma considerou que existe, no caso, um conflito federativo e, portanto, julgou procedente a reclamação para determinar que a Justiça Federal de 1ª instância de São Paulo remeta ao STF a ação ordinária que lá tramita. O conflito federativo estabelecido entre a União e o Estado-membro atrai a competência do STF, na hipótese em que está em causa o pacto federativo, fundamentado no art. 102, I, “f”, da CF/88. Art. 177, IV x art. 25, § 2º da CF/88 O debate judicial envolve a correta interpretação do art. 177, IV e do art. 25, § 2º, ambos da CF/88. A interpretação das normas constitucionais mencionadas conduz a conclusão de que se fixou uma gradação de competências para o cuidado dos serviços de gás. Assim, à União ficou reservado o monopólio do transporte de gás da empresa produtora até as empresas distribuidoras em todo o país. Por outro lado, o cuidado jurídico e administrativo das relações estabelecidas entre as empresas distribuidoras e os destinatários do produto ficou a cargo dos Estados-membros onde elas estiverem localizadas. Tanto a competência dos Estados-membros encontra limitações nas atividades abrangidas pelo monopólio da União, quanto o monopólio da União é limitado pela competência atribuída aos Estados-membros. Há, pois, na verdade, uma limitação recíproca estabelecida em razão do pacto federativo. Diante disso, percebe-se que o debate envolvendo o tema possui status de verdadeiro conflito federativo. No caso concreto, a 2ª Turma do STF entendeu que, além do mero conflito entre entes federados, havia verdadeiro conflito federativo, o que justificou o deslocamento da competência para o STF. Resumindo:

Compete ao STF processar e julgar “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta” (art. 102, I, “f”, da CF/88). O STF confere interpretação restritiva a esse dispositivo e entende que, para se caracterizar a hipótese do art. 102, I, “f”, da CF/88 é indispensável que, além de haver uma causa envolvendo União e Estado, essa demanda tenha densidade suficiente para abalar o pacto federativo. Em outras palavras, não é qualquer causa envolvendo União contra Estado que irá ser julgada pelo STF, mas somente quando essa disputa puder resultar em ofensa às regras do sistema federativo. Configura conflito federativo a ação na qual a União e o Estado-membro, em polos antagônicos, discutem se determinado projeto se enquadra como atividade de transporte de gás natural (art. 177, IV, da CF/88) ou fornecimento de gás canalizado (art. 25, § 2º). STF. 1ª Turma. Rcl 12957/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/8/2014 (Info 756).

PRECATÓRIOS É constitucional o art. 86 do ADCT da CF/88 inserido pela EC 37/2002

É harmônica com a normatividade constitucional a previsão do art. 86 do ADCT na dicção da EC 37/2002 de um regime de transição para tratar dos precatórios reputados de pequeno valor, já expedidos antes da promulgação da Constituição Federal.

STF. Plenário. RE 587.982/RS e RE 796.939/RS, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 27/3/2019 (repercussão geral) (Info 935).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

Regime de precatórios Se a Fazenda Pública Federal, Estadual, Distrital ou Municipal for condenada, por sentença judicial transitada em julgado, a pagar determinada quantia a alguém, este pagamento será feito sob um regime especial chamado de “precatório” (art. 100 da CF/88). No caput do art. 100 da CF/88 consta a regra geral dos precatórios, ou seja, os pagamentos devidos pela Fazenda Pública em decorrência de condenação judicial, devem ser realizados na ordem cronológica de apresentação dos precatórios. Existe, então, uma espécie de “fila” para pagamento dos precatórios:

Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim. (Redação dada pela EC 62/2009)

Exceção ao regime de precatórios O § 3º do art. 100 da CF/88 prevê uma exceção ao regime de precatórios. Este parágrafo estabelece que, se a condenação imposta à Fazenda Pública for de “pequeno valor”, o pagamento será realizado sem a necessidade de expedição de precatório:

§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

“Os créditos de pequeno valor, tal como forem definidos em lei de cada unidade federativa (§4º) não serão pagos em forma de precatório (§3º). Basta a comunicação, pelo juízo de execução, do trânsito em julgado da sentença, instruído com os documentos pertinentes, à Secretaria competente […] para que haja pagamento imediato (evidente que os órgãos públicos necessitam de um período razoável de trinta a sessenta dias, por exemplo) para o exame da documentação e pagamento respectivo.” (OLIVEIRA, Regis Fernandes. Curso de Direito Financeiro. 3ª ed. São Paulo: RT, 2010, p. 583) Quanto é “pequeno valor” para os fins do § 3º do art. 100? Este quantum poderá ser estabelecido por cada ente federado (União, Estado, DF, Município) por meio de leis específicas, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social (INSS). União Para as condenações envolvendo a União, pequeno valor equivale a 60 salários mínimos (art. 17, § 1º, da Lei nº 10.259/2001). E se o ente federado não editar a lei prevendo o quantum do “pequeno valor”? Antes da EC 37/2002: A CF/88 não trazia uma solução para essa situação. Assim, se o Estado/DF ou Município não editasse a lei dizendo o que era “pequeno valor”, os credores do poder público eram obrigados a receber por precatório, mesmo que a quantia fosse pequena. O que fez a EC 37/2002: Acrescentou o art. 87 ao ADCT da CF/88 prevendo que, se o ente permanecesse omisso na definição do que é “pequeno valor”, deveriam ser aplicados determinados parâmetros fixados neste mesmo art. 87. Veja:

Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios. Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100. (artigo incluído pela Emenda Constitucional nº 37/2002)

Desse modo, neste ponto, a EC 37/2002 foi benéfica aos credores das Fazendas Públicas. Regra de transição A EC 37/2002, por outro lado, trouxe uma espécie de regra de transição dizendo que os débitos com precatório expedido que estavam pendentes de pagamento até a data de publicação da emenda, mesmo que se enquadrem no conceito de “pequeno valor”, deverão ser pagos por precatório. Em outras palavras, a EC 37/2002 proibiu a conversão dos créditos já inscritos em precatório no momento da emenda em RPV. Para os credores isso seria ótimo porque iria antecipar o recebimento do valor devido. Se fosse, no entanto, permitida essa conversão, muitos Estados e Municípios não conseguiriam pagar os RPVs já que, de uma hora para outra, teriam que quitar, quase que imediatamente, inúmeras dívidas pendentes. Essa regra de transição foi prevista no art. 86 do ADCT, que foi inserido pela EC 37/2002:

Art. 86. Serão pagos conforme disposto no art. 100 da Constituição Federal, não se lhes aplicando a regra de parcelamento estabelecida no caput do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os débitos da Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal oriundos de sentenças transitadas em julgado, que preencham, cumulativamente, as seguintes condições: I - ter sido objeto de emissão de precatórios judiciários; II - ter sido definidos como de pequeno valor pela lei de que trata o § 3º do art. 100 da Constituição Federal ou pelo art. 87 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; III - estar, total ou parcialmente, pendentes de pagamento na data da publicação desta Emenda Constitucional. § 1º Os débitos a que se refere o caput deste artigo, ou os respectivos saldos, serão pagos na ordem cronológica de apresentação dos respectivos precatórios, com precedência sobre os de maior valor. § 2º Os débitos a que se refere o caput deste artigo, se ainda não tiverem sido objeto de pagamento parcial, nos termos do art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, poderão ser pagos em duas parcelas anuais, se assim dispuser a lei. § 3º Observada a ordem cronológica de sua apresentação, os débitos de natureza alimentícia previstos neste artigo terão precedência para pagamento sobre todos os demais.

Assim, repito, o art. Diante de tal modificação, pretende a agravante a conversão do seu crédito, já inscrito para pagamento através de precatório, em Requisição de Pequeno valor – RPV Questionamento quanto à constitucionalidade do art. 86 Os credores de quantias de “pequeno valor” não se conformaram com essa situação e questionaram a constitucionalidade da previsão, chegando o tema até o STF.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

O STF concordou com os credores? O art. 86 do ADCT, incluído pela EC 37/2002, é inconstitucional? NÃO. O STF, ao apreciar o tema sob a sistemática da repercussão geral, decidiu que:

É harmônica com a normatividade constitucional a previsão do art. 86 do ADCT na dicção da EC 37/2002 de um regime de transição para tratar dos precatórios reputados de pequeno valor, já expedidos antes da promulgação da Constituição Federal. STF. Plenário. RE 587.982/RS e RE 796.939/RS, Rel. Min. Edson Fachin, julgados em 27/3/2019 (repercussão geral) (Info 935).

O legislador constituinte reformador, ao editar o art. 86 do ADCT, teve por objetivo conciliar a satisfação dos credores de dívidas de “pequeno valor” com o planejamento da atividade financeira do Estado. Portanto, não há arbitrariedade uma vez que se trata de regime transitório com parâmetros razoáveis de satisfação dos créditos, em face do Poder Público. Não se extrai do Texto Constitucional qualquer limitação de ordem substancial, para que o Constituinte disponha sobre a sistemática dos precatórios, tal como foi posto na EC 37/2002. Trata-se de decisão constituinte adequada e possível que não desborda para o campo do discrímen arbitrário. Não há violação ao princípio da igualdade entre os credores do Estado tendo em vista que essa distinção foi feita para garantir uma eficiência organizacional e a continuidade do Estado Fiscal.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI Críticas ao princípio do in dubio pro societate na fase da pronúncia

Na fase de pronúncia deve-se adotar a teoria racionalista da prova, na qual não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, no entanto, por outro lado, o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser controlado em âmbito recursal ordinário.

Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias.

STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019 (Info 935).

NOÇÕES GERAIS SOBRE O PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE

Em que consiste o princípio do in dubio pro societate? O princípio do in dubio pro societate significa que, na dúvida, havendo indícios mínimos da autoria, deve-se dar prosseguimento à ação penal, ainda que não se tenha certeza de que o réu foi o autor do suposto delito. Em uma tradução literal, seria algo como “na dúvida, em favor da sociedade”. O princípio do in dubio pro societate contrapõe-se ao princípio do in dubio pro reo (“na dúvida, em favor do réu”).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

O princípio do in dubio pro societate continua vigorando no ordenamento jurídico brasileiro? A doutrina mais moderna critica a existência desse princípio, afirmando que ele é contrário às garantias conferidas ao réu. Apesar disso, a jurisprudência majoritária continua aplicando esse princípio em duas fases: 1) No momento do recebimento da denúncia:

A propositura da ação penal exige tão somente a presença de indícios mínimos de autoria. A certeza, a toda evidência, somente será comprovada ou afastada após a instrução probatória, prevalecendo, na fase de oferecimento da denúncia o princípio do in dubio pro societate. STJ. 5ª Turma. RHC 93.363/SP, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 24/05/2018.

Na fase de deliberação quanto à possibilidade de recebimento da denúncia, na qual vigora o princípio do in dubio pro societate, afigura-se como suficiente para que se autorize a instauração da ação penal tão somente a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade. STF. 1ª Turma. AO 2275, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23/10/2018.

No momento da denúncia, prevalece o princípio do in dubio pro societate. STF. 1ª Turma. Inq 4506/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 17/04/2018 (Info 898).

2) Na decisão de pronúncia no procedimento do Tribunal do Júri:

A pronúncia do réu para o julgamento pelo Tribunal do Júri não exige a existência de prova cabal da autoria do delito, sendo suficiente, nessa fase processual, a mera existência de indícios da autoria, devendo estar comprovada, apenas, a materialidade do crime, uma vez que vigora o princípio in dubio pro societate. STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 1193119/BA, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 05/06/2018. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1730559/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 02/04/2019.

A etapa atinente à pronúncia é regida pelo princípio in dubio pro societate e, por via de consequência, estando presentes indícios de materialidade e autoria do delito - no caso, homicídio tentado - o feito deve ser submetido ao Tribunal do Júri, sob pena de usurpação de competência. STJ. 6ª Turma. HC 471.414/PE, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 06/12/2018.

Na sentença de pronúncia deve prevalecer o princípio in dubio pro societate, não existindo nesse ato qualquer ofensa ao princípio da presunção de inocência, porquanto tem por objetivo a garantia da competência constitucional do Tribunal do Júri. STF. 2ª Turma. ARE 986566 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 21/08/2017.

Nos crimes dolosos contra a vida, o princípio in dubio pro societate é amparado pela Constituição Federal, de modo que não há qualquer inconstitucionalidade no seu postulado. STF. 2ª Turma. ARE 1082664 ED-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/10/2018.

E na análise da autoria e materialidade durante prolação da sentença (sem ser Tribunal do Júri), adota-se aqui também o princípio do in dubio pro societate? NÃO. Nesta fase, adota-se o princípio do in dubio pro reo. A insuficiência de provas conduz à absolvição, nos termos do art. 386, VII, do CPP.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

CASO CONCRETO DIVULGADO NO INFO 935-STF

Imagine a seguinte situação adaptada: José foi denunciado por homicídio doloso, tendo sido impronunciado pelo juiz de 1ª instância. O magistrado consignou que: “não vislumbro nos autos qualquer indício de autoria do crime ora perpetrado que possa ser atribuído ao réu, pois as testemunhas presenciais não o viram golpeando a vítima.” O juiz afirmou que os únicos relatos que incriminam José são da mãe e da esposa da vítima, mas nenhuma delas presenciou efetivamente os fatos. Elas teriam apenas “ouvido dizer” que o réu foi o autor do homicídio. Apelação O Ministério Público interpôs apelação e o Tribunal de Justiça reformou a sentença, pronunciando o réu. O TJ afirmou que havia uma dúvida e que, portanto, deveria ser feita a pronúncia. Decisão do STF A questão chegou até o STF. A 1ª Turma do STF, por maioria (3x2), discordou da decisão do TJ e restabeleceu sentença de impronúncia anteriormente proferida por magistrado de primeiro grau. Reconstrução dos fatos e sua valoração no momento da formação da decisão judicial A “reconstrução dos fatos” passados é um ponto fundamental do processo penal. Isso porque é por meio dela que se pode verificar se a acusação imputada possui lastro probatório produzido nos autos. Contudo, é preciso que a doutrina e a jurisprudência tenham muita atenção também com o momento da valoração dos fatos na formação da decisão judicial. Livre convencimento motivado Houve um momento em que se adotou a teoria da “prova tarifada” na qual o julgador ficava vinculado a critérios de valoração abstratamente fixados na lei. Essa teoria, contudo, já foi superada e atualmente acolhe-se o sistema de “livre convencimento motivado”, segundo o qual a eficácia de cada prova é estabelecida caso a caso, seguindo critérios baseados essencialmente em pressupostos racionais. Teoria racionalista da prova Contudo, saindo de um sistema em que os critérios eram totalmente vinculados, passou-se para um modelo de “livre convencimento”, em que uma pretensa liberdade do julgador ocasionou total abertura à discricionariedade no juízo de fatos. Por isso, é importante que adote uma teoria racionalista da prova segundo a qual: - não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei; - no entanto, por outro lado, o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser controlado em âmbito recursal ordinário. A valoração racional da prova é uma imposição constitucional decorrente: • do direito à prova (art. 5º, LV, CF/88) e • do dever de motivação das decisões judiciais (art. 93, IX). Standard probatório Um pressuposto fundamental para a adoção de uma teoria racionalista da prova é a definição de standards probatórios, que são denominados “modelos de constatação” (KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. Forense, 2007, p. 37).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Os modelos de constatação são níveis de convencimento ou de certeza, que servem de critério para que seja proferida decisão em determinado sentido. Ex: o modelo de constatação para se condenar alguém é baseado em provas concretas produzidas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa no processo judicial. Críticas ao princípio do in dubio pro societate O Min. Gilmar Mendes fez críticas ao in dubio pro societate afirmando que este princípio não encontra amparo constitucional ou legal e “acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova”. Além disso, o Ministro sustentou que esse princípio desvirtua por completo o sistema bifásico do procedimento do júri brasileiro, esvaziando a função da decisão de pronúncia. Assim, não deveria ser aplicado o princípio do in dubio pro societate por duas razões: 1) por absoluta ausência de previsão legal; 2) em razão da existência expressa do princípio da presunção de inocência, que faz com que seja necessário adotar o princípio do in dubio pro reo. Standard probatório para a decisão de pronúncia e a incongruência do in dubio pro societate Para o Min. Gilmar Mendes, a decisão de pronúncia do TJ foi errada porque o Tribunal estava diante de um estado de dúvida, mas havia uma preponderância de provas no sentido da não participação do acusado. Logo, o TJ deveria ter mantido a impronúncia. Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias. Conforme explica parte da doutrina:

“Não se exige, pois, que haja certeza de autoria. Bastará a existência de elementos de convicção que permitam ao juiz concluir, com bom grau de probabilidade, que foi o acusado o autor do delito. Isso não se confunde, obviamente, com o in dubio pro societate. Não se trata de uma regra de solução para o caso de dúvida, mas sim de estabelecer requisitos que, do ponto de vista do convencimento judicial, não se identificam com a certeza, mas com a probabilidade. Quando a lei exige para uma medida qualquer que existam ‘indícios de autoria’, não é preciso que haja certeza da autoria, mas é necessário que o juiz esteja convencido de que estes ‘indícios’ estão presentes. Se houver dúvida quanto à existência dos ‘indícios suficientes de autoria’, o juiz deve impronunciar o acusado, como consequência inafastável do in dubio pro reo”. (BADARÓ Gustavo H. Ônus da prova no processo penal, RT, 2004. p. 390-391).

Função da decisão de pronúncia e a não violação à soberania dos veredictos O procedimento do Júri adota um sistema bifásico. Primeiramente, há uma etapa em que um juiz togado realiza a instrução, com produção de provas em contraditório, findando em uma decisão intermediária entre quatro possibilidades: • pronúncia; • impronúncia; • absolvição sumária e • desclassificação. O acusado, então, somente será remetido para a segunda fase, em que efetivamente ocorrerá um juízo por jurados leigos, se houver a sua pronúncia.

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Tal sistemática busca estabelecer um mecanismo de verificação dos fatos imputados criminalmente pela acusação em que um julgador togado, técnico e com conhecimentos em Direito, analisa a acusação e as provas produzidas para determinar se há base mínima para autorizar o juízo pelos jurados leigos. Ou seja, reconhece-se que o julgamento leigo, ainda que represente uma abertura para o exercício democrático e a manifestação do povo na justiça criminal, ocasiona riscos em razão da falta de conhecimentos jurídicos e da ausência do dever de motivação do veredicto. Diante disso, são estabelecidos mecanismos para reduzir tais riscos de arbitrariedades e, um deles, sem dúvidas, é a necessidade de uma análise prévia do caso por um juiz togado, que condiciona o envio do processo ao Tribunal do Júri. Portanto, a primeira fase do procedimento do Júri consolida um filtro processual, que busca impedir o envio de casos sem um lastro probatório mínimo da acusação, de modo a se limitar o poder punitivo estatal em respeito aos direitos fundamentais. Assim, a pronúncia é uma forma de garantir que o acusado seja submetido a um julgamento injusto. Em suma:

Na fase de pronúncia deve-se adotar a teoria racionalista da prova, na qual não deve haver critérios de valoração das provas rigidamente definidos na lei, no entanto, por outro lado, o juízo sobre os fatos deve ser pautado por critérios de lógica e racionalidade, podendo ser controlado em âmbito recursal ordinário. Para a pronúncia, não se exige uma certeza além da dúvida razoável, necessária para a condenação. Contudo, a submissão de um acusado ao julgamento pelo Tribunal do Júri pressupõe a existência de um lastro probatório consistente no sentido da tese acusatória. Ou seja, requer-se um standard probatório um pouco inferior, mas ainda assim dependente de uma preponderância de provas incriminatórias. STF. 2ª Turma. ARE 1067392/CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/3/2019 (Info 935).

Observação importante: Não se pode dizer que o STF tenha abandonado a aplicação do princípio do in dubio pro societate na fase de pronúncia. Penso que o STF simplesmente entendeu que, neste caso específico, não cabia a pronúncia considerando que as provas produzidas eram mais fortes no sentido de o réu não foi o autor do homicídio. Vale ressaltar que, segundo o voto do Min. Gilmar Mendes, as testemunhas que incriminavam o réu eram apenas testemunhas de “ouvir dizer”. A jurisprudência entende que a testemunha de “ouvir dizer” – conhecida no direito norte-americano como hearsayrule – não produz um depoimento confiável e, portanto, não serve como indício de autoria.

O testemunho por ouvir dizer (hearsayrule), produzido somente na fase inquisitorial, não serve como fundamento exclusivo da decisão de pronúncia, que submete o réu a julgamento pelo Tribunal do Júri. STJ. 6ª Turma. REsp 1373356-BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/4/2017 (Info 603).

Veja como o tema já foi cobrado em prova: (TJ/BA 2019 CESPE) Em decorrência do princípio do in dubio pro societate, o testemunho por ouvir dizer produzido na fase inquisitorial é suficiente para a decisão de pronúncia. ( ) E Logo, suponho que o princípio do in dubio pro societate continuará sendo aplicado pela jurisprudência na fase de pronúncia. Ocorre que se a única testemunha contra o réu for uma testemunha de “ouvir dizer”, neste caso, os Tribunais entendem que não há indícios de autoria, razão pela qual o acusado não deverá ser pronunciado. Qualquer novidade, você será alertada (o).

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É inconstitucional lei estadual que permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz

africana. ( ) 2) Se for editada medida provisória revogando lei que está sendo questionada por meio de ADI, esta ação

poderá ser julgada enquanto a medida provisória não for votada. ( ) 3) (MP/PR 2019) É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido

rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. ( ) 4) É inconstitucional medida provisória ou lei decorrente de conversão de medida provisória cujo conteúdo

normativo caracterize a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória anterior rejeitada, de eficácia exaurida por decurso do prazo ou que ainda não tenha sido apreciada pelo Congresso Nacional dentro do prazo estabelecido pela Constituição Federal. ( )

5) É inconstitucional emenda à Constituição Estadual, de iniciativa parlamentar, que trate sobre as competências da Procuradoria Geral do Estado. ( )

6) (DPE/RN 2015 CESPE) De acordo com a CF, em razão das limitações procedimentais impostas ao poder constituinte derivado reformador, é de iniciativa privativa do presidente da República proposta de emenda à CF que disponha sobre o regime jurídico dos servidores públicos do Poder Executivo federal. ( )

7) É inconstitucional dispositivo de Constituição Estadual que preveja que a Procuradoria Geral do Estado ficará responsável pelas atividades de representação judicial e de consultoria jurídica apenas “do Poder Executivo”. ( )

8) É constitucional lei estadual que preveja o cargo em comissão de Procurador-Geral da universidade estadual. ( )

9) (MP/PR 2019) Não havendo lei municipal que defina obrigação de pequeno valor para efeito de não submissão ao regime de pagamento por precatório, os Tribunais de Justiça poderão regulamentar o tema por meio de resolução. ( )

10) (MP/BA 2018) O juízo de pronúncia é, essencialmente, um juízo de admissibilidade, no qual vigora o princípio in dubio pro reo. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. C 5. C 6. E 7. C 8. C 9. E 10. E

OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio

eletrônico*

Em curso Finalizados

Pleno 27.3.2019 28.3.2019 — 9 92

1ª Turma 26.3.2019 — 4 51 126

2ª Turma 26.3.2019 — 1 3 191

* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 22 a 28 de março de 2019.

CLIPPING DA R E P E R C U S S Ã O G E R A L DJe de 25 a 29 de março de 2019

Informativo comentado

Informativo 935-STF (03/04/2019) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32

REPERCUSSÃO GERAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – SP

RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE

Ementa: Recurso extraordinário com agravo. Servidor público. Lei local. Contagem de tempo de licença para tratamento de saúde

como de efetivo exercício. Aposentadoria e disponibilidade. Matéria infraconstitucional fundada em lei local. Súmula 280/STF. Ausência de

repercussão geral.

1. É infraconstitucional a controvérsia fundada na interpretação de lei local relativa à contagem do tempo de licença para tratamento de saúde como de efetivo exercício para fins de aposentadoria e disponibilidade de servidor público.

2. Ausência de repercussão geral.

Decisão Publicada: 1

OUTRAS INFORMAÇÕES

25 A 29 DE MARÇO DE 2019

Decreto nº 9.739, de 28.3.2019 - Estabelece medidas de eficiência organizacional para o aprimoramento da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, estabelece normas sobre concursos públicos e dispõe sobre o Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal - SIORG. Publicado no DOU em 29.03.2019, Seção 1, Edição nº 61, p. 2.

Supremo Tribunal Federal - STF

Secretaria de Documentação – SDO