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Informativo 610-STJ (27/09/2017) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 610-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Associação de Municípios não pode ajuizar ação para tutelar direitos dos Municípios. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Súmula 591-STJ. Súmula 592-STJ. DIREITO CIVIL DÍVIDA DE JOGO É possível que o cassino cobre no Brasil por dívidas de jogo contraídas no exterior. POSSE Não é possível que oficina retenha veículo até que haja o pagamento do serviço contratado. COMPRA E VENDA Se o vício redibitório foi sanado, o adquirente não tem mais direito ao abatimento do preço. SEPARAÇÃO JUDICIAL E DIVÓRCIO A separação judicial continua existindo no ordenamento jurídico mesmo após a EC 66/2010. TESTAMENTO Validade de testamento feito por cego mesmo sem que tenham sido realizadas duas leituras e ainda que não tenha sido feito o registro da condição de cego no instrumento. DIREITO DO CONSUMIDOR PLANO DE SAÚDE Plano de saúde pode exigir dos médicos que indiquem a CID nas requisições de exames. DIREITO EMPRESARIAL SOCIEDADES Se o indivíduo não é mais acionista no momento do ato de declaração do dividendo, não terá direito de receber os lucros da companhia. RECUPERAÇÃO JUDICIAL A habilitação de crédito deverá limitar a incidência de juros de mora e correção monetária até a data do pedido de recuperação judicial mesmo que a sentença diga de forma diversa. O fato da empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira.

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Associação de Municípios não pode ajuizar ação para tutelar direitos dos Municípios. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. Súmula 591-STJ. Súmula 592-STJ.

DIREITO CIVIL

DÍVIDA DE JOGO É possível que o cassino cobre no Brasil por dívidas de jogo contraídas no exterior. POSSE Não é possível que oficina retenha veículo até que haja o pagamento do serviço contratado. COMPRA E VENDA Se o vício redibitório foi sanado, o adquirente não tem mais direito ao abatimento do preço. SEPARAÇÃO JUDICIAL E DIVÓRCIO A separação judicial continua existindo no ordenamento jurídico mesmo após a EC 66/2010. TESTAMENTO Validade de testamento feito por cego mesmo sem que tenham sido realizadas duas leituras e ainda que não tenha

sido feito o registro da condição de cego no instrumento.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE Plano de saúde pode exigir dos médicos que indiquem a CID nas requisições de exames.

DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADES Se o indivíduo não é mais acionista no momento do ato de declaração do dividendo, não terá direito de receber os

lucros da companhia. RECUPERAÇÃO JUDICIAL A habilitação de crédito deverá limitar a incidência de juros de mora e correção monetária até a data do pedido de

recuperação judicial mesmo que a sentença diga de forma diversa. O fato da empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA Cabem embargos de divergência no âmbito de agravo que não admite Resp sob a alegação de que o mérito do

acórdão impugnado está em sintonia com o entendimento do STJ. EXECUÇÃO FISCAL Alienante do imóvel continua responsável pelos débitos tributários cujo fato gerador ocorreram antes da alienação.

DIREITO PENAL

FALSIDADE IDEOLÓGICA Inserir informação falsa em currículo Lattes não configura crime de falsidade ideológica. LEI DE DROGAS Súmula 587-STJ. LEI MARIA DA PENHA Súmula 588-STJ. Súmula 589-STJ.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI Documento ou objeto somente pode ser lido ou exibido no júri se a parte adversa tiver sido cientificada de sua

juntada com até 3 dias úteis de antecedência.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA Súmula 590-STJ.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A verba relativa a “quebra de caixa” possui natureza salarial e sobre ela incide contribuição previdenciária.

DIREITO ADMINISTRATIVO

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Associação de Municípios não pode ajuizar ação para tutelar direitos dos Municípios

Atenção! Advocacia Pública

Associação de Municípios e Prefeitos não possui legitimidade ativa para tutelar em juízo direitos e interesses das pessoas jurídicas de direito público.

STJ. 1ª Seção. REsp 1.503.007-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/6/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação: FUNDEF significa Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério e vigorou de 1997 a 2006. Foi uma forma encontrada pelo governo para destinar mais recursos para a educação, vinculando a arrecadação de alguns impostos para investimentos no ensino fundamental. A União também deveria participar do FUNDEF aplicando recursos para complementar os valores aplicados pelos Estados e Municípios.

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Diversos Municípios ingressaram com ações contra a União alegando que o valor repassado pelo ente federal por aluno ficou abaixo daquilo que a legislação determinava. Até aí, tudo bem. Estas ações tramitam (ou tramitaram) normalmente. O ponto interessante que eu gostaria de chamar a atenção foi o seguinte: a Associação dos Municípios e Prefeitos do Estado do Ceará – APRECE, com o objetivo de facilitar a situação para os Municípios cearenses, decidiu ingressar, como representante processual, com ação contra a União, objetivando a condenação desta à complementação dos valores do FUNDEF. Em outras palavras, a referida associação falou: meus associados (Municípios) foram prejudicados pelos repasses da União abaixo do valor previsto na lei. Logo, eu quero a condenação da União a pagar os valores corretos em favor de cada um dos Municípios prejudicados. Este pedido pode ser conhecido? A referida associação possui legitimidade para defender, em juízo, os direitos dos Municípios associados? NÃO.

Associação de Municípios e Prefeitos não possui legitimidade ativa para tutelar em juízo direitos e interesses das pessoas jurídicas de direito público. STJ. 1ª Seção. REsp 1.503.007-CE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 14/6/2017 (Info 610).

A ação foi proposta pela associação como representante processual Em primeiro lugar, deve-se deixar claro que a associação ingressou em juízo como representante processual dos Municípios (e não como substituto processual). Isso porque, segundo o STF (RE 573232), o art. 5º, XXI, da CF/88 traz hipótese de representação processual:

Art. 5º (...) XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

No caso concreto, inclusive, havia termo de adesão assinado pelos Prefeitos dos Municípios concordando com a propositura a ação, o que configura a autorização exigida pelo art. 5º, XXI, da CF/88. Quem representa os Municípios em juízo A representação judicial dos Municípios, ativa e passivamente, deve ser exercida por seu Prefeito ou Procurador, conforme previsto no art. 75, III, do CPC/2015:

Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: (...) III - o Município, por seu prefeito ou procurador;

Portanto, não é possível que essa regra expressa seja alterada para que a representação se faça por associação de municípios. A representação do ente municipal não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete às normas de direito público. Assim sendo, não se pode admitir que haja uma delegação para que uma pessoa jurídica de direito privado (associação) possa tutelar interesses de pessoa jurídica de direito público (Município). Em qualquer tipo de ação, permitir que os Municípios sejam representados por associações equivaleria a autorizar que eles dispusessem de uma série de privilégios materiais e processuais estabelecidos pela lei em seu favor. E, como esses privilégios visam a tutelar o interesse público, não há como os Munícipios disporem deles ajuizando suas ações por meio de associações, pois o interesse público é indisponível.

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Existem outros precedentes do STJ no mesmo sentido:

A representação do ente municipal não pode ser exercida por associação de direito privado, haja vista que se submete às normas de direito público. Assim sendo, insuscetível de renúncia ou de delegação a pessoa jurídica de direito privado, tutelar interesse de pessoa jurídica de direito público sob forma de substituição processual. STJ. 2ª Turma. REsp 1446813/CE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 20/11/2014.

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Validade da prova emprestada

Súmula 591-STJ: É permitida a “prova emprestada” no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

Prova emprestada Em regra, a prova que será utilizada pelas partes e pelo juiz no processo é produzida dentro do próprio processo. É possível, no entanto, que uma prova que foi produzida em um processo seja levada (“transportada”) para ser utilizada em outro processo. A isso a doutrina chama de “prova emprestada”. “Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é trasladada para outro processo sob a forma documental.” (DIDIER JR. Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 2. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 52). Quais são os fundamentos que justificam a aceitação da prova emprestada? • Princípio da economia processual; e • Princípio da busca da verdade possível, uma vez que nem sempre será possível produzir a prova novamente. “A utilização de prova já produzida em outro processo responde aos anseios de economia processual, dispensando a produção de prova já existente, e também da busca da verdade possível, em especial quando é impossível produzir novamente a prova.” (NEVES, Daniel Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2013, p. 430). A prova emprestada ingressa no processo com que natureza? A prova que veio de outro processo entra no processo atual como “prova documental”, independentemente da natureza que ela tinha no processo originário. Ex.1: foi colhido o depoimento de uma testemunha no processo 1. Trata-se de prova testemunhal. Se essa inquirição for “emprestada” (trasladada) para o processo 2, ela ingressará no feito como prova documental (e não mais como prova testemunhal). Ex.2: a perícia realizada no processo 1, se for emprestada para o processo 2, ingressará como prova documental (e não mais como prova pericial).

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É possível a utilização, em processo administrativo disciplinar, de prova emprestada validamente produzida em processo criminal? SIM. A jurisprudência do STJ e do STF são firmes no sentido de que é admitida a utilização no processo administrativo de “prova emprestada” do inquérito policial ou do processo penal, desde que autorizada pelo juízo criminal e respeitados o contraditório e a ampla defesa (STJ. 1ª Seção. MS 17.472/DF, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 13/6/2012). Obs: apesar de ser menos comum, em tese, também é possível emprestar para o processo administrativo provas produzidas em uma ação cível. Este “empréstimo” da prova é permitido mesmo que o processo penal ainda não tenha transitado em julgado? SIM. É possível a utilização, em processo administrativo disciplinar, de prova emprestada validamente produzida em processo criminal, independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Isso porque, em regra, o resultado da sentença proferida no processo criminal não repercute na instância administrativa, tendo em vista a independência existente entre as instâncias (STJ. 2ª Turma. RMS 33.628-PE, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 2/4/2013. Info 521). É possível utilizar, em processo administrativo disciplinar, na qualidade de “prova emprestada”, a interceptação telefônica produzida em ação penal? SIM, desde que a interceptação tenha sido feita com autorização do juízo criminal e com observância das demais exigências contidas na Lei nº 9.296/1996 (STJ. 3ª Seção. MS 14.140-DF, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 26/9/2012). Ex.: a Polícia Federal, por meio de interceptação judicial deferida pelo juízo criminal, conseguiu captar conversa na qual determinado servidor público exige quantia para praticar certo ato relacionado com suas atribuições. Com base nessa prova e em outras constantes do inquérito, o MPF oferece denúncia contra esse servidor. A Administração Pública, por sua vez, instaura processo administrativo disciplinar. O STF também decidiu no mesmo sentido afirmando que:

A prova colhida mediante autorização judicial e para fins de investigação ou processo criminal pode ser utilizada para instruir procedimento administrativo punitivo. Assim, é possível que as provas provenientes de interceptações telefônicas autorizadas judicialmente em processo criminal sejam emprestadas para o processo administrativo disciplinar. STF. 1ª Turma. RMS 28774/DF, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 9/8/2016 (Info 834).

PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR Excesso de prazo para conclusão

Súmula 592-STJ: O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar só causa nulidade se houver demonstração de prejuízo à defesa.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

Processo administrativo disciplinar O processo administrativo disciplinar dos servidores públicos federais encontra-se previsto nos arts. 143 a 182 da Lei nº 8.112/90. O processo administrativo disciplinar (em sentido amplo) divide-se em: • sindicância; • processo administrativo disciplinar propriamente dito (PAD).

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Fases do PAD O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases: I — instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão; II — inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório; III — julgamento.

Prazo de duração do PAD No âmbito federal, o prazo de duração do PAD é de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, até a elaboração do relatório. Nesse sentido:

Art. 152. O prazo para a conclusão do processo disciplinar não excederá 60 (sessenta) dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem.

Depois disso, a autoridade julgadora terá 20 dias para proferir sua decisão (art. 167).

Excesso de prazo Tanto o STJ como o STF entendem que o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não gera, por si só, qualquer nulidade no feito. O excesso de prazo só tem a força de invalidar o processo administrativo se ficar comprovado que houve fundado e evidenciado prejuízo à defesa do servidor. Se não há prejuízo, não há razão para se declarar a nulidade do processo. É a aplicação do princípio do pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo). No âmbito federal, a Lei nº 8.112/91 é expressa nesse sentido:

Art. 169 (...) § 1º O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo.

Obs: a súmula 592 aplica-se não apenas para processos administrativos disciplinares de servidores públicos federais, mas também para servidores estaduais e municipais.

DIREITO CIVIL

DÍVIDA DE JOGO É possível que o cassino cobre no Brasil por dívidas de jogo contraídas no exterior

Importante!!!

A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.974-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação hipotética: João gosta muito de cassinos a fim de participar de torneios de poker e foi passar o fim de semana em Las Vegas (EUA), como faz frequentemente. Por ser cliente assíduo do hotel, João possui um privilégio por meio do qual adquire as fichas para o cassino com a obrigação de pagar depois. Isso é chamado de “marker”, créditos concedidos ao jogador, que recebe a antecipação dos valores em forma de fichas e assina uma espécie de promissória.

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João pegou o equivalente a 500 mil dólares em fichas, assinando as respectivas promissórias. Depois de dois dias jogando, o brasileiro perdeu tudo. Ele voltou para o Brasil sem pagar pelas fichas que adquiriu. O cassino ingressou, então, com ação de cobrança na vara cível de São Paulo, local onde mora o réu, pedindo o pagamento de quase R$ 2 milhões, valor atualizado do débito. João contestou a ação alegando que o pedido é juridicamente impossível considerando que o ordenamento brasileiro proíbe a cobrança de dívidas de jogo. O argumento do réu foi acolhido pelo STJ? A ação deve ser julgada extinta sem resolução do mérito pela impossibilidade jurídica do pedido? NÃO.

A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.974-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/6/2017 (Info 610).

O jogo explorado por cassinos é proibido pela legislação brasileira, sendo, no entanto, lícito em diversos estados americanos, como é o caso de Nevada, onde se situa Las Vegas. A questão a ser debatida, então, diz respeito à possibilidade de cobrança judicial de dívida de jogo contraída por um brasileiro em um cassino que funciona legalmente no exterior. O STJ entendeu que é possível. Vamos entender com calma. Dívidas de jogo contraídas no Brasil são inexigíveis O art. 814 do Código Civil preconiza:

Art. 814. As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.

Em caso de obrigação constituída no exterior aplica-se o art. 9º da LINDB Ocorre que a obrigação foi constituída nos EUA. Dessa forma, deve-se aplicar a legislação estadunidense, conforme prevê o art. 9º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):

Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

Assim, a lei material aplicável ao caso é a norte-americana, mais especificamente a do Estado de Nevada. Para obrigação constituída no exterior poder ser exigida em nosso país, deve-se respeitar a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes Vale ressaltar que a lei estrangeira somente pode produzir eficácia jurídica no Brasil se não ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. Em outras palavras, mesmo tendo a obrigação se constituído no exterior, esta obrigação somente será exigível em nosso país se não violar estes valores. Isso é o que estabelece o art. 17 da LINDB:

Art. 17. As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Dessa feita, a possibilidade (ou não) de cobrança de dívida de jogo contraída no exterior está diretamente relacionada com os valores mencionados no referido art. 17.

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A pergunta que surge, então, é a seguinte: cobrar dívida de jogo contraída no exterior viola a soberania nacional, ordem pública e bons costumes? NÃO. Vejamos. Soberania nacional A cobrança de dívida de jogo ocorrida no exterior não ofende a soberania nacional. Ora, a concessão de validade a negócio jurídico realizado no estrangeiro não retira o poder do Brasil em relação ao seu território nem cria nenhuma forma de dependência ou subordinação a outros Estados soberanos. Ordem pública A ordem pública é conceito mutável, relacionado com a moral e com a ordem jurídica vigente em dado momento histórico. Não se trata de uma noção rígida, mas de um critério que deve ser revisto conforme a evolução da sociedade. Existem atualmente no Brasil diversos jogos de azar legalizados, os quais em nada se diferenciam dos jogos estimulados nos cassinos. Não há, portanto, uma absoluta incompatibilidade entre a lei do Estado de Nevada, que autoriza os cassinos supervisionados pelo Estado, com a ordem jurídica vigente no Brasil. Vale ressaltar que o Brasil pune como contravenção penal a exploração de jogos não legalizados (art. 50). Ocorre que os cassinos no Estado de Nevada são jogos legalizados, de forma que não se enquadram na Lei de Contravenções Penais. Bons costumes O meio social e o ordenamento jurídico brasileiros não consideram atentatórios aos bons costumes os jogos de azar. Isso se mostra pelo fato de que diversos deles são autorizados no Brasil, como loterias, raspadinhas, sorteios e corridas de cavalo. Além disso, o próprio art. 814 do CC, em sua parte final, afirma que não se pode recobrar a quantia que voluntariamente se pagou a título de dívida de jogo ou aposta. Ora, se fosse contrário aos bons costumes, não haveria essa regra de irrepetibilidade. Dessa forma, cobrar dívida de jogo contraída no exterior não viola a soberania nacional, ordem pública e bons costumes. Enriquecimento sem causa Além disso, permitir a cobrança, no Brasil, de dívida de jogo contraída no exterior é uma medida que está de acordo com o art. 884 do Código Civil, que proíbe expressamente o enriquecimento sem causa. Aquele que visita país estrangeiro, usufrui de sua hospitalidade e contrai livremente obrigações lícitas não pode retornar a seu país de origem buscando a impunidade civil. Se não fosse permitido que o cassino cobrasse a dívida aqui no Brasil, haveria lesão à boa-fé de terceiro, bem como o enriquecimento sem causa do devedor. Conclui-se, portanto, que o pedido é juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania brasileira. Ademais, deve ser aplicada, no que respeita ao direito material, a lei americana.

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COMPRA E VENDA Se o vício redibitório foi sanado, o adquirente não tem mais direito ao abatimento do preço

O saneamento de vício redibitório limitador do uso, gozo e fruição da área de terraço na cobertura de imóvel objeto de negócio jurídico de compra e venda – que garante o seu uso de acordo com a destinação e impede a diminuição do valor –, afasta o pleito de abatimento do preço.

João comprou apartamento no último andar do edifício, estando previsto no contrato que ele poderia fazer construções na cobertura. Por ter comprado a cobertura, ele pagou 25% a mais. Ocorre que, depois que o prédio ficou pronto, João não pode realizar nenhuma construção na cobertura porque isso foi negado pelo Município sob o argumento de que o prédio já teria alcançado o limite máximo de altura previsto para aquela localidade. Diante disso, João ajuizou ação de abatimento de preço contra a construtora. Três anos após o ajuizamento, houve uma mudança nas regras municipais e o limite de altura dos prédios naquela localidade aumentou. Com isso, passou a ser permitido que ele construísse na cobertura. João não terá mais direito ao abatimento do preço.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.478.254-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação hipotética: João comprou da construtora, na planta, um apartamento no último andar de um edifício residencial. Como se tratava do último pavimento, o projeto idealizado e o contrato assinado autorizavam que João tivesse o uso, gozo e fruição da “laje” do edifício. Assim, ele teria direito de colocar uma churrasqueira, cadeiras de sol, um bar, entre outras coisas que desejasse. Por ter comprado a cobertura, João pagou 25% a mais do preço dos demais apartamentos. Ocorre que, depois que o prédio ficou pronto, João não pode realizar nenhuma construção na cobertura porque isso foi negado pelo Município sob o argumento de que o prédio já teria alcançado o limite máximo de altura (gabarito) previsto pelas regras urbanísticas para aquela localidade. Diante desse fato, João ajuizou ação de abatimento de preço contra a construtora alegando que pagou a mais para ter direito de uso, gozo e fruição da cobertura, mas que isso lhe foi negado por falta de estudo da incorporadora, que não analisou corretamente as regras municipais de urbanismo. Assim, o autor argumentou que houve vício redibitório (popularmente conhecido como “vício oculto”), o que acaba por diminuir o valor do bem. Três anos após o ajuizamento da ação, houve uma mudança nas regras municipais e o limite de altura dos prédios naquela localidade aumentou. Com isso, passou a ser permitido que João construísse em sua cobertura. Mesmo assim, João continuou cobrando o abatimento do preço sob o argumento de que a construtora, na época do contrato, vendeu o que não podia e ela não pode ser beneficiada por uma autorização excepcional que só se efetivou por conta exclusiva de uma legislação extraordinária superveniente, o que configura enriquecimento ilícito. Neste caso concreto, João terá direito ao abatimento do preço? Deverá haver o abatimento do preço do imóvel que, apesar de vendido com direito de uso, gozo e fruição da área de “laje” na cobertura, tal direito só veio realmente a existir após autorização legislativa anos depois da compra? NÃO. Como houve a regularização do problema, João não terá mais direito ao abatimento do preço. Segundo decidiu o STJ:

O saneamento de vício redibitório limitador do uso, gozo e fruição da área de terraço na cobertura de imóvel objeto de negócio jurídico de compra e venda – que garante o seu uso de acordo com a destinação e impede a diminuição do valor –, afasta o pleito de abatimento do preço. STJ. 4ª Turma. REsp 1.478.254-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

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Vamos entender a fundamentação do julgado. Direito real de laje Recentemente, a Lei nº 13.465/2017, alterando o Código Civil, criou o chamado “direito real de laje” (art. 1.225, XIII, do CC). O direito real de laje consiste na possibilidade de o proprietário de uma construção-base ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo (novo art. 1.510-A do CC). Em outras palavras, o Código Civil passa a permitir algo que já existia na prática: alguém tem um imóvel (uma casa, p. ex.) e cede a outra pessoa a parte de cima deste imóvel (a "laje") ou mesmo a parte de baixo (subsolo) para que lá ela construa outra edificação autônoma em relação à construção que já tinha sido feita pelo proprietário. A laje é unidade imobiliária autônoma, devendo ser considerada como célula habitacional distinta (isolada) da construção-base, possuindo, inclusive, matrícula própria. O objetivo da lei foi o de regulamentar realidade social muito comum nas cidades brasileiras, conferindo, de alguma forma, dignidade à situação de inúmeras famílias carentes que vivem alijadas de uma proteção específica, dando maior concretude ao direito constitucional à moradia (art. 6º, da CF/88). Criou-se, assim, um direito real sobre coisa alheia, na qual se reconheceu a proteção sobre aquela extensão - superfície sobreposta ou pavimento inferior - da construção original, conferindo destinação socioeconômica à referida construção. No caso concreto, João tinha direito real de laje? NÃO. Apesar de algumas vezes ter se falado acima em “laje”, a situação de João não se enquadra no “direito real de laje” do art. 1.510-A do CC. Aqui estamos falando da compra de uma unidade ideal (apartamento) de um edifício que inclui também o terraço. Nesse caso, a área construída na cobertura é como se fosse uma espécie de acessão/benfeitoria, de titularidade única, com o mesmo número de matrícula, sem desdobramento da propriedade, não se tratando de unidade autônoma. A cobertura não tem, por isso mesmo, matrícula própria, ao contrário do direito real de laje. No final das contas, o consumidor ficou com o imóvel na forma como ele o adquiriu Não há direito ao abatimento do preço porque o consumidor acabou recebendo o seu imóvel nos exatos moldes em que fora pactuado. Apesar de realmente ter havido um vício oculto inicial, a coisa acabou por não ficar nem imprópria para o consumo, nem teve o seu valor diminuído, justamente em razão da sanatória posterior, que permitiu a construção do gabarito nos termos em que contratado. Assim, realmente, perde fundamento o pedido de abatimento considerando que a coisa não perdeu seu valor, já que foi recebida em sua totalidade. Mas João ficou três anos sem poder construir na cobertura... O que o STJ afirmou é que ele não tem direito ao abatimento do preço, ou seja, a redução daquilo que pagou. No entanto, é possível que ele pleiteie e receba indenização pelos danos materiais decorrentes do período em que acabou ficando impedido de exercer seu direito de uso, gozo e fruição da laje.

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POSSE Não é possível que oficina retenha veículo até que haja o pagamento do serviço contratado

Importante!!!

Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, não pode reter o bem por falta de pagamento do serviço.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.385-ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação hipotética: O carro de João estava apresentando problema na injeção eletrônica. Em virtude disso, João deixou o veículo para conserto na oficina mecânica “Boa Peça”. Após três dias, Luiz, gerente da oficina, liga para o proprietário avisando que o automóvel estava pronto. João foi pegar o carro, mas disse para Luiz que gostaria de pagar pelo conserto somente no mês seguinte, considerando que no momento estava sem dinheiro. Luiz não concordou com a proposta e afirmou que somente devolveria o veículo após o pagamento do serviço. Enquanto isso, ele permaneceria na oficina. Luiz poderia ter feito isso? É possível reter o veículo na oficina até que haja o pagamento do serviço? NÃO.

Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, não pode reter o bem por falta de pagamento do serviço. STJ. 3ª Turma. REsp 1.628.385-ES, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

O direito de retenção encontra-se previsto no art. 1.219 do Código Civil:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

O direito de retenção é uma das raras hipóteses de autotutela permitidas no ordenamento jurídico pátrio, em que o particular pode exercer pessoalmente a tutela de seus interesses, sem a necessidade da intervenção do Estado-Juiz. Por se tratar de medida excepcionalíssima, o direito de retenção somente pode ser exercido nos estritos termos da lei. Pela simples leitura do art. 1.219, percebe-se que o direito de retenção somente pode ser exercido pelo possuidor de boa-fé. No caso concreto, a oficina mecânica em nenhum momento exerceu a posse do bem. É incontroverso que o veículo foi deixado na empresa pelo proprietário somente para a realização de reparos. Isso não conferiu posse à oficina, pois esta jamais poderia exercer poderes inerentes à propriedade do bem, relativos à sua fruição ou mesmo inerentes ao referido direito real (propriedade), nos termos do art. 1.196 do Código Civil. Dessa forma, a oficina teve somente a detenção do bem, que ficou sob sua custódia por determinação e liberalidade do proprietário, que, em princípio, teria anuído com a realização do serviço. Assim, a posse do veículo não foi transferida para a oficina, que jamais a exerceu em nome próprio, mas sim em nome de outrem, cumprindo determinações do proprietário do bem, numa espécie de vínculo de subordinação.

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Em suma, a oficina não poderia exercer o direito de retenção sob a alegação da realização de benfeitoria no veículo, pois, nos termos do art. 1.219 do Código Civil, tal providência é permitida ao possuidor de boa-fé, mas não ao mero detentor do bem. Qual a ação judicial que deverá ser proposta pelo proprietário do carro? Ação de reintegração de posse. Qual a ação judicial que deverá ser proposta pela oficina? Ação de cobrança.

SEPARAÇÃO JUDICIAL E DIVÓRCIO A separação judicial continua existindo no ordenamento jurídico mesmo após a EC 66/2010

Importante!!!

A EC 66/2010 não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação judicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2017 (Info 610).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2017 (Info 604).

EC 66/2010 A EC 66/2010 (conhecida como “Emenda do Divórcio”), alterou a redação do art. 226, § 6º da CF/88, suprimindo os prazos de um ano de separação judicial e de dois anos de separação de fato no divórcio. A EC 66/2010 retirou do texto da CF/88 a referência expressa à existência de separação judicial. Compare as duas redações:

Antes da EC 66/2010 DEPOIS da EC 66/2010

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

Apesar de a CF/88 ter expurgado de seu texto o termo “separação judicial”, o art. 1.571, III, do CC (que menciona a existência de separação judicial) não foi formalmente revogado. Em outras palavras, o constituinte reformador tirou da Constituição a separação, mas ela ainda continua presente no Código Civil. Diante disso, surgiram duas correntes:

O Direito brasileiro ainda admite a existência da separação?

SIM NÃO

Uma primeira corrente defende que a separação judicial continua a ser possível para aqueles que assim desejam. Os autores filiados a essa posição afirmam que existem pessoas que, por razões religiosas ou filosóficas, não admitem o divórcio e, assim, querem ficar apenas “separadas”, mas não “divorciadas”.

Sustenta que o art. 1.571, III, do CC, mesmo não tendo sido alterado expressamente, foi revogado pela EC 66/2010 (não recepção). Logo, não é mais possível que haja separação judicial, mas apenas o divórcio.

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Outro argumento é o de que a separação seria uma alternativa interessante para os casais que não descartam a possibilidade de reatarem, considerando que se estiverem apenas separados poderão restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal. Ao contrário, se estiverem divorciados e desejarem se reconciliar, teriam que casar novamente, o que seria mais burocrático.

Na V Jornada de Direito Civil foi aprovado um enunciado adotando a 1ª corrente: Enunciado 514: Art. 1.571. A Emenda Constitucional n. 66/2010 não extinguiu o instituto da separação judicial e extrajudicial.

Essa segunda posição era defendida por inúmeros doutrinadores, como Paulo Lôbo, Rodrigo da Cunha Pereira, Pablo Stolze, Maria Berenice Dias, Flávio Tartuce, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald.

Qual foi a posição adotada pelo STJ? A 1ª corrente. Decidiu o STJ:

A EC 66/2010 não revogou, expressa ou tacitamente, a legislação ordinária que trata da separação judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.431.370-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 15/8/2017 (Info 610). STJ. 4ª Turma. REsp 1.247.098-MS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 14/3/2017 (Info 604).

Principais argumentos invocados para esta conclusão:

Analisando a literalidade do art. 226, § 6º, percebe-se que a única alteração promovida pela EC 66/2010 foi a supressão do requisito temporal para divórcio, bem como do sistema bifásico, para que o casamento seja dissolvido pelo divórcio. Ocorreu, portanto, facilitação ao divórcio (e não a abolição da separação judicial).

O texto constitucional dispõe que o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. Isso significa que a CF conferiu uma faculdade aos cônjuges, não significando, contudo, que tenha extinguido a possibilidade de separação judicial.

Se o divórcio é permitido sem qualquer restrição, forçoso concluir que também é possível a separação judicial considerando que, quem pode o mais, pode o menos também.

Entender que a alteração promovida pela EC 66/2010 suprimiu a existência da separação extrajudicial ou judicial levaria à interpretação de que qualquer assunto que não fosse mais tratado no texto constitucional por desconstitucionalização estaria extinto, o que seria um absurdo.

Não ocorreu a revogação tácita da legislação infraconstitucional que versa sobre a separação, dado que a EC 66/2010 não tratou em momento algum sobre a separação, bem como não dispôs sobre matéria com ela incompatível.

O novo CPC (Lei nº 13.105/2015) manteve em diversos dispositivos referências ao instituto da separação judicial, inclusive regulando-o no capítulo que trata das ações de família, demonstrando, de forma indiscutível, que a mens legis foi a de manter a figura da separação no ordenamento jurídico pátrio.

Considerando que o divórcio e a separação ainda coexistem no ordenamento jurídico, qual é a diferença entre eles?

Separação (judicial ou extrajudicial) Divórcio

A separação é modalidade de extinção da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e fidelidade, bem como ao regime de bens (art. 1.571, III, do Código Civil) sem, no entanto, dissolver o casamento.

É forma de dissolução do vínculo conjugal e extingue o próprio vínculo conjugal, pondo termo ao casamento, refletindo diretamente sobre o estado civil da pessoa e permitindo que os ex-cônjuges celebrem novo casamento, o que não ocorre com a separação.

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A separação é uma medida temporária e de escolha pessoal dos envolvidos, que podem optar, a qualquer tempo, por restabelecer a sociedade conjugal ou pela sua conversão definitiva em divórcio.

O divórcio é, em tese, definitivo. Caso as pessoas divorciadas desejem ficar novamente juntas, precisam se casar novamente.

TESTAMENTO Validade de testamento feito por cego mesmo sem que tenham sido realizadas duas leituras

e ainda que não tenha sido feito o registro da condição de cego no instrumento

O art. 1.867 do Código Civil traz as seguintes exigências adicionais no caso de testamento feito por pessoa cega. Exige-se:

a) que o testamento seja público;

a) que sejam realizadas duas leituras do testamento (se não for cego, basta uma);

b) que o tabelião declare expressamente no testamento que o testador é cego.

Em um caso concreto, indivíduo cego procurou o tabelionato de notas para fazer um testamento público. O testamento foi produzido no cartório pelo tabelião. Ocorre que houve apenas uma leitura em voz alta pelo tabelião na presença do testador e de duas testemunhas. Além disso, não houve expressa menção no corpo do documento da condição de cego do testador. Apesar disso, o STJ entendeu que não houve nulidade.

O descumprimento de exigência legal para a confecção de testamento público – segunda leitura e expressa menção no corpo do documento da condição de cego – não gera a sua nulidade se mantida a higidez da manifestação de vontade do testador.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.931-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/8/2017 (Info 610).

Testamento. Conceito e características Testamento é um... - negócio jurídico - unilateral (traz obrigações somente para quem elabora), - solene (deve obedecer formalidades previstas em lei, - personalíssimo (ato elaborado exclusivamente pelo testador) e - revogável, - por meio do qual o testador, - observada a legislação vigente, - determina quem irá ficar com seu patrimônio depois que ele vier a falecer, - podendo ainda prever outras regras de caráter não patrimonial. Espécies Quanto à forma, os testamentos podem ser classificados em ordinários e especiais:

ORDINÁRIOS (COMUNS, VULGARES) São aqueles elaborados em condições normais, isto é, sem qualquer situação que possa implicar vício na vontade.

ESPECIAIS (EXTRAORDINÁRIOS) São aqueles elaborados em situação de anormalidade.

Espécies de testamento ordinário: a) testamento público; b) testamento cerrado (místico); c) testamento particular (hológrafo).

Espécies de testamento extraordinário: a) testamento marítimo; b) testamento aeronáutico; c) testamento militar.

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Testamento público O testamento público (também chamado de aberto) é aquele no qual o testador faz as suas declarações de última vontade perante o tabelião de notas (ou seu substituto legal) ou o agente consular, na presença de duas testemunhas, devendo a autoridade lavrar (redigir) o testamento e registrá-lo em livro próprio. Requisitos (art. 1.864) São requisitos essenciais do testamento público: 1) o testamento deve ser escrito pelo tabelião (ou por seu substituto legal) em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador. O testador pode servir-se de minuta, notas ou apontamentos. Em outras palavras, o testador pode levar as suas declarações por escrito (levar uma “cola”) e com base nesse texto ir declarando para o testador. Obs1: o art. 18 da LINDB autoriza que as autoridades consulares brasileiras, fora do território nacional, celebrem testamento público. Obs2: o testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma. 2) depois que o tabelião terminar de lavrar (escrever) o instrumento, ele deverá ser lido em voz alta pelo tabelião para o testador e para as duas testemunhas, a um só tempo. O testador poderá também preferir ler ele próprio em voz alta na presença das testemunhas e do oficial do tabelionato. 3) depois da leitura, o instrumento deverá ser assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião. 4) Se o testador não souber assinar (ex: analfabeto) ou não puder (ex: sofre de alguma doença que o impede), quem assinará pelo testador será uma das testemunhas instrumentárias (art. 1.865). O indivíduo que for SURDO pode fazer testamento público? SIM. O indivíduo inteiramente surdo pode fazer testamento público. Neste caso, como ele não poderá ouvir a leitura feita pelo tabelião, o próprio testador surdo é quem irá ler o seu testamento. Se ele não souber ler, ou seja, for surdo e analfabeto, ele irá designar (escolher) alguém para ler em seu lugar, presentes as testemunhas (art. 1.866). O indivíduo que for CEGO pode fazer testamento público? SIM. Na verdade, a única modalidade de testamento que o cego pode fazer é o testamento público. Em outras palavras, se uma pessoa for cega e quiser fazer testamento, este obrigatoriamente terá que ser público. Caso o cego faça um testamento público, a lei exige que este testamento seja lido para ele, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião (ou seu substituto legal) e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento (art. 1.867). Cego fez testamento público, mas houve apenas uma leitura e não se declarou que o testador era cego O Código Civil traz as seguintes exigências adicionais no caso de testamento feito por pessoa cega:

Art. 1.867. Ao cego só se permite o testamento público, que lhe será lido, em voz alta, duas vezes, uma pelo tabelião ou por seu substituto legal, e a outra por uma das testemunhas, designada pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.

Desse modo, exige-se: a) duas leituras do testamento (se não for cego, basta uma); b) que o tabelião declare expressamente no testamento que o testador é cego.

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Em um caso concreto, indivíduo cego procurou o tabelionato de notas para fazer um testamento público. O testamento foi produzido no cartório pelo tabelião. Ocorre que houve apenas uma leitura em voz alta pelo tabelião na presença do testador e de duas testemunhas. Além disso, não houve expressa menção no corpo do documento da condição de cego do testador. Apesar disso, o STJ entendeu que não houve nulidade, mantendo válidas as declarações do testador. O testamento deve ser mantido, mesmo que descumprida alguma formalidade, desde que esteja demonstrado que o instrumento reproduz a manifestação de vontade do testador. Isso porque as formalidades foram pensadas pelo legislador com uma única finalidade: garantir a vontade do testador. Se esta foi garantida, cumpriu-se a finalidade da norma. O testamento possui três pressupostos que são essenciais (indispensáveis): a) capacidade do testador; b) respeito aos limites do que o testador poderia; c) lídima declaração de vontade. Estando presentes esses três pressupostos básicos, entende-se que a ausência de umas das outras formalidades exigidas por lei, pode e deve ser superada com o objetivo de se preservar a vontade do testador. Em suma:

O descumprimento de exigência legal para a confecção de testamento público – segunda leitura e expressa menção no corpo do documento da condição de cego – não gera a sua nulidade se mantida a higidez da manifestação de vontade do testador. STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.931-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/8/2017 (Info 610).

Cumprimento do testamento Quando há o falecimento do testador, é necessário que o testamento público seja levado a juízo para que seja determinado o seu registro e cumprimento. Este procedimento é previsto no art. 736 do CPC/2015:

Art. 736. Qualquer interessado, exibindo o traslado ou a certidão de testamento público, poderá requerer ao juiz que ordene o seu cumprimento, observando-se, no que couber, o disposto nos parágrafos do art. 735.

Qual é o juízo competente para o cumprimento do testamento? O juízo competente para o inventário. Quanto à competência territorial, será competente o foro do domicílio do autor da herança (falecido), nos termos do art. 48 do CPC:

Art. 48. O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.

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DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE Plano de saúde pode exigir dos médicos que indiquem a CID nas requisições de exames

Não é abusiva a exigência de indicação da CID (Classificação Internacional de Doenças), como condição de deferimento, nas requisições de exames e serviços oferecidos pelas prestadoras de plano de saúde, bem como para o pagamento de honorários médicos.

A exigência de menção da CID nas requisições de exames e demais serviços de saúde decorre do fato de que as operadoras de planos de saúde estão obrigadas a prestar apenas os serviços previstos no contrato. Logo, é importante essa informação para que os pagamentos e as requisições de exames não se voltem para tratamentos que ultrapassem as obrigações contratuais do plano de saúde.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.055-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação hipotética: O plano de saúde “ACEM” exige dos médicos conveniados que, ao atender os pacientes, coloquem na guia de pagamento a CID (Classificação Internacional de Doenças) identificada. Se não houver essa informação, o plano não libera o pagamento dos honorários médicos. Além disso, o plano igualmente exige que o médico, ao requisitar algum exame ou serviço (ex: fisioterapia), também indique a CID. Sem isso, o exame ou serviço não é autorizado. O Ministério Público entendeu que essas exigências eram abusivas e, por isso, ajuizou ação civil pública contra o plano de saúde pedindo que o réu fosse condenado a “se abster, permanentemente, de exigir o preenchimento da CID como condição para realização de exames e pagamento de honorários médicos”. Segundo argumentou o Parquet, a exigência do preenchimento da CID para a realização de exames e para o pagamento de honorários médicos não encontra amparo legal e constitui obstáculo indevido à utilização do plano contratado pelo beneficiário, especialmente tendo em vista que os exames servem, justamente, para facilitar a elaboração de diagnósticos. A tese do MP foi acolhida pelo STJ? NÃO. O STJ entendeu que:

Não é abusiva a exigência de indicação da CID (Classificação Internacional de Doenças), como condição de deferimento, nas requisições de exames e serviços oferecidos pelas prestadoras de plano de saúde, bem como para o pagamento de honorários médicos. STJ. 3ª Turma. REsp 1.509.055-RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

O que é a CID? CID é a denominação comumente dada à Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, confeccionada pela Organização Mundial de Saúde, tendo a importante função de codificar a classificação de doenças e sintomas e sendo uma ferramenta de diagnósticos padrão para epidemiologia, gestão de saúde e propósitos clínicos, incluindo a análise da situação geral de saúde dos grupos populacionais. CID é necessária para que o plano verifique se a doença possui cobertura contratual A exigência de menção da CID nas requisições de exames e demais serviços de saúde decorre do fato de que as operadoras de planos de saúde estão obrigadas a prestar apenas os serviços previstos no contrato. Logo, é importante essa informação para que os pagamentos e as requisições de exames não se voltem para tratamentos que ultrapassem as obrigações contratuais do plano de saúde. Isso porque o contrato

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de plano de saúde “pode limitar as doenças a serem cobertas”, conforme já decidiu o STJ. 4ª Turma. AgRg no Ag 1355252/MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 24/06/2014. Cooperação do usuário do plano de saúde Deve haver um regime de cooperação entre os planos e os usuários com base na boa-fé objetiva. A boa-fé nas relações privadas é uma via de mão dupla, sendo exigida não apenas do fornecedor como também do consumidor. Assim é plenamente razoável que o consumidor/paciente também seja obrigado a fornecer as informações necessárias para uma correta prestação dos serviços pelo plano. Assim como se exige do fornecedor a clara e destacada discriminação de procedimentos que não estejam cobertos pelo plano contratado, há de se exigir do consumidor também que preste informações relevantes e necessárias para o cumprimento da obrigação. Nesse panorama, em face da possibilidade de as requisições de exames voltarem-se a tratamentos que desbordem o plano-referência e os termos do contrato, o condicionamento da informação da CID nas requisições de serviços de saúde não se revela abusivo, tampouco representa ofensa aos princípios fundamentais consumeristas.

DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADES Se o indivíduo não é mais acionista no momento do ato de declaração do dividendo,

não terá direito de receber os lucros da companhia

Não faz jus ao recebimento de dividendos o sócio que manteve essa condição durante o exercício financeiro sobre o qual é apurado o lucro, mas se desliga da empresa, por alienação de suas ações, em data anterior ao ato de declaração do benefício.

Fundamento jurídico: art. 205 da Lei nº 6.404/76.

Ex: o indivíduo possuía 40 mil ações ordinárias da sociedade anônima. Em fev/2015, ele vendeu suas ações. Em abril/2015, a S.A. realizou Assembleia Geral Ordinária e deliberou pagar aos acionistas da companhia os dividendos apurados no ano anterior (2014). Este indivíduo não terá direito ao pagamento porque na data do ato de declaração do dividendo (data da Assembleia), ele já não mais fazia parte do quadro de acionistas da Companhia.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.326.281-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/8/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação hipotética: João possuía 40 mil ações ordinárias da sociedade empresária “AMBET S.A.”. Em fevereiro de 2015, João vendeu suas ações. Em abril de 2015, a “AMBET S.A.” realizou Assembleia Geral Ordinária e deliberou pagar aos acionistas da companhia os dividendos apurados no ano anterior (2014). Um parêntese: dividendo é o valor recebido pelo acionista como participação pelos lucros que a companhia obteve. Quanto maior o número de ações que o acionista possui, maior será o valor dos dividendos que irá receber. Os acionistas da companhia foram pagos, mas João não recebeu nada a título de dividendos. Diante disso, João ajuizou “ação de cobrança de dividendos” em face da “AMBET S.A.” pedindo o pagamento dos dividendos relativos ao ano de 2014. O autor argumentou que alienou suas ações somente em janeiro de 2015, tendo, portanto, sido acionista da companhia durante todo o ano de 2014.

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O pedido de João foi acolhido pelo STJ? Ele terá direito de receber os dividendos? NÃO.

Não faz jus ao recebimento de dividendos o sócio que manteve essa condição durante o exercício financeiro sobre o qual é apurado o lucro, mas se desliga da empresa, por alienação de suas ações, em data anterior ao ato de declaração do benefício. STJ. 4ª Turma. REsp 1.326.281-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 3/8/2017 (Info 610).

A solução para essa controvérsia encontra-se no caput do art. 205 da Lei nº 6.404/76, que preconiza:

Art. 205. A companhia pagará o dividendo de ações nominativas à pessoa que, na data do ato de declaração do dividendo, estiver inscrita como proprietária ou usufrutuária da ação.

O autor vendeu suas ações em fevereiro de 2015. O ato de declaração do dividendo ocorreu em abril de 2015 (data em que foi realizada a Assembleia Geral Ordinária). Neste momento, o autor já não mais fazia parte do quadro de acionistas da Companhia. Logo, ele realmente não tinha mais direito aos dividendos. O simples fato de o autor possuir as ações no período do exercício a que correspondem os dividendos, não faz com que ele tenha direito aos dividendos considerando que existe regra expressa no art. 205 exigindo que a pessoa esteja inscrita como proprietária ou usufrutuária na data do ato de declaração do dividendo.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL A habilitação de crédito deverá limitar a incidência de juros de mora e correção monetária até a

data do pedido de recuperação judicial mesmo que a sentença diga de forma diversa

O credor deverá apresentar ao administrador judicial da falência o valor do seu crédito, atualizado com juros e correção monetária. Vale ressaltar que o termo final da incidência dos juros e correção monetária é a data do pedido de recuperação judicial, nos termos do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005.

Assim, mesmo que a sentença condenatória transitada em julgado tenha determinado que os juros e correção monetária iriam incidir até a data do efetivo pagamento, quando este crédito for habilitado na recuperação judicial ele será atualizado até a data do pedido de recuperação judicial. Segundo o STJ decidiu, isso não ofende a coisa julgada. Nesse sentido:

Não ofende a coisa julgada a decisão de habilitação de crédito que limita a incidência de juros de mora e correção monetária, delineados em sentença condenatória de reparação civil, até a data do pedido de recuperação judicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.662.793-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

Recuperação judicial A recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. A recuperação judicial consiste, portanto, em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Fases da recuperação De forma resumida, a recuperação judicial possui 3 fases: a) Postulação: inicia-se com o pedido de recuperação e vai até o despacho de processamento;

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b) Processamento: vai do despacho de processamento até a decisão concessiva; c) Execução: da decisão concessiva até o encerramento da recuperação judicial. Habilitação dos créditos Depois que a recuperação judicial é decretada ocorre a habilitação dos créditos que deverão ser pagos pela empresa recuperanda. Assim, as pessoas que tiverem créditos para receber da empresa em recuperação deverão apresentá-los ao administrador judicial, na forma do art. 9º da Lei nº 11.101/2005. A verificação dos créditos será realizada, então, primeiro pelo administrador judicial, com base nos livros contábeis e nos documentos comerciais e fiscais do devedor e nos documentos que lhe forem apresentados pelos credores. A partir desse trabalho inicial, confecciona-se um edital cujo teor pode ser alterado por novas habilitações ou divergências quanto aos créditos ali relacionados. Valor do crédito atualizado O credor deverá apresentar ao administrador judicial da falência o valor do seu crédito, atualizado com juros e correção monetária, nos termos do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005:

Art. 9º A habilitação de crédito realizada pelo credor nos termos do art. 7º, § 1º, desta Lei deverá conter: (...) II – o valor do crédito, atualizado até a data da decretação da falência ou do pedido de recuperação judicial, sua origem e classificação;

Vale ressaltar que o termo final da incidência dos juros e correção monetária é a data do pedido de recuperação judicial. Isso significa dizer que todos os créditos serão necessariamente atualizados até a data do pedido de recuperação judicial. A partir de então, poderá o plano deliberar modificação das condições originalmente contratadas, impedindo a fluência de juros e correção monetária após o requerimento de recuperação judicial. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação de indenização contra a empresa “AZZ”, tendo a sentença condenado a ré a pagar R$ 100 mil ao autor. No dispositivo da sentença, constou o comando de que deveriam incidir juros e correção monetária até a data do efetivo pagamento. Houve trânsito em julgado. Antes que João requeresse o cumprimento de sentença, a empresa “AZZ” formulou pedido de recuperação judicial. Diante disso, João teve que habilitar o seu crédito no juízo da recuperação judicial. O juiz proferiu decisão interlocutória determinando a inclusão do crédito de João no quadro geral de credores, com atualização dos valores até 15 de julho de 2016 (data do pedido de recuperação judicial), na forma do art. 9º, II, da Lei nº 11.101/2005. João não concordou e interpôs agravo de instrumento alegando que, uma vez que a sentença transitada em julgado determinou expressamente os critérios de correção monetária e juros de mora, não deve o juízo em que se processa a recuperação judicial alterar esses parâmetros, sob pena de violação da coisa julgada. Em outras palavras, João afirmou o seguinte: a sentença transitada em julgado determinou a incidência de juros e correção até a data do pagamento e isso foi violado pela decisão do juízo da recuperação, que limitou os juros e correção monetária para uma data anterior. O STJ concordou com a tese de João? NÃO.

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Não ofende a coisa julgada a decisão de habilitação de crédito que limita a incidência de juros de mora e correção monetária, delineados em sentença condenatória de reparação civil, até a data do pedido de recuperação judicial. STJ. 3ª Turma. REsp 1.662.793-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

O art. 9º, II, da Lei de Falências afirma expressamente que a atualização do valor do crédito habilitado deverá ocorrer até a data do pedido de recuperação judicial. Todos os créditos devem ser tratados de maneira igualitária, sejam eles fundados em título judicial ou extrajudicial, sempre com vistas à formação harmoniosa do quadro geral de credores e sua desejável realização prática a viabilizar o soerguimento da empresa. Assim, todos os créditos deverão respeitar a regra do art. 9º, II. Além disso, o art. 49, §2º, da Lei de Falências estabelece que “as obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.” Em habilitação de créditos na recuperação judicial, aceitar a incidência de juros de mora e correção monetária em data posterior ao pedido da recuperação judicial implica negativa de vigência ao art. 9º, II, da Lei de Falências. Esse entendimento não representa violação da coisa julgada, significando apenas que está sendo feito um “exercício de interpretação normativa própria da matriz axiológica que norteia o instituto da recuperação judicial” (Min. Nancy Andrighi). Deve-se lembrar, por fim, que o art. 59 da Lei de Falências dispõe que “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos”. A novação do crédito, oriundo de sentença condenatória por reparação civil, permite o ajuste do cálculo da dívida na recuperação, sem que isso implique violação da coisa julgada, pois a execução seguirá as condições pactuadas na novação e não na obrigação extinta.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL O fato de a empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira

O fato de a empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira.

No caso, empresa brasileira foi condenada, em sentença arbitral proferida na Suíça, a pagar determinada quantia a empresa estrangeira. A credora pediu a homologação desta sentença no STJ. A empresa brasileira encontra-se em processo de recuperação judicial no Brasil. Isso, contudo, não impede que o STJ homologue esta sentença estrangeira. Depois, a credora terá que habilitar este crédito no juízo da recuperação.

STJ. Corte Especial. SEC 14.408-EX, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/6/2017 (Info 610).

Em que consiste a arbitragem Arbitragem representa uma técnica de solução de conflitos por meio da qual os conflitantes aceitam que a solução de seu litígio seja decidida por uma terceira pessoa, de sua confiança. Vale ressaltar que a arbitragem é uma forma de heterocomposição, isto é, instrumento por meio do qual o conflito é resolvido por um terceiro. Regulamentação A arbitragem, no Brasil, é regulada pela Lei nº 9.307/96, havendo também alguns dispositivos no CPC versando sobre o tema.

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Convenção de arbitragem As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem (art. 3º). Convenção de arbitragem é o gênero, que engloba duas espécies: • a cláusula compromissória e • o compromisso arbitral. Em que consiste a cláusula compromissória: A cláusula compromissória, também chamada de cláusula arbitral, é... - uma cláusula prevista no contrato, - de forma prévia e abstrata, - por meio da qual as partes estipulam que - qualquer conflito futuro relacionado àquele contrato - será resolvido por arbitragem (e não pela via jurisdicional estatal). Exemplo: "Cláusula 5.1.2 Eventuais controvérsias que porventura surgirem na interpretação ou execução deste contrato serão resolvidas por meio de arbitragem, segundo a Lei nº 9.307/96 e o Código de Processo Civil brasileiro (este aplicado de forma apenas subsidiária à Lei de Arbitragem e ao Regulamento da Câmara de Arbitragem)." A cláusula compromissória está prevista no art. 4º da Lei nº 9.307/96:

Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.

É possível alegar a parcialidade de um árbitro? SIM. Os árbitros, assim como os juízes togados, possuem o dever de imparcialidade, estando isso expresso na Lei nº 9.307/96:

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil. § 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. (...)

A Lei prevê, inclusive, um procedimento para a arguição de suspeição ou impedimento do árbitro:

Art. 20. A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem. § 1º Acolhida a arguição de suspeição ou impedimento, será o árbitro substituído nos termos do art. 16 desta Lei, reconhecida a incompetência do árbitro ou do tribunal arbitral, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, serão as partes remetidas ao órgão do Poder Judiciário competente para julgar a causa.

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§ 2º Não sendo acolhida a arguição, terá normal prosseguimento a arbitragem, sem prejuízo de vir a ser examinada a decisão pelo órgão do Poder Judiciário competente, quando da eventual propositura da demanda de que trata o art. 33 desta Lei.

Qual é a exigência para que uma sentença arbitral estrangeira produza efeitos no Brasil? Para ser reconhecida ou executada no Brasil, a sentença arbitral estrangeira está sujeita, unicamente, à homologação do Superior Tribunal de Justiça (art. 35 da Lei nº 9.307/96). Essa homologação segue o mesmo procedimento adotado para homologação das demais sentenças estrangeiras. Feitos estes esclarecimentos, imagine a seguinte situação adaptada: A empresa alemã “Thy” e a empresa brasileira “Conti” celebraram um contrato empresarial, que previa uma cláusula arbitral. Houve um desentendimento comercial entre elas e, diante disso, foi instaurado procedimento arbitral na “Câmara de Comércio Internacional – ICC”, na Suíça. A ICC proferiu sentença arbitral dando razão à “Thy” e condenando a empresa “Conti” a pagar 720 mil dólares. A empresa “Thy” ingressou, então, com pedido de homologação de sentença arbitral estrangeira aqui no Brasil, no STJ. Após ser citada, a empresa “Conti” pediu o indeferimento da homologação da sentença estrangeira sob o argumento de que ela se encontra em processo de recuperação judicial. Assim, afirma que: • com o deferimento do pedido de recuperação, iniciou-se o período de suspensão de ações e execuções; • os bens da recuperanda devem estar liberados ao Juízo da recuperação, o único competente para decidir sobre atos constritivos de seu patrimônio; • o crédito constituído na sentença arbitral estrangeira está sujeito à recuperação judicial, devendo ser habilitado naqueles autos pelo próprio credor. Os argumentos da empresa “Thy” foram acolhidos pelo STJ? NÃO.

O fato de a empresa se encontrar em recuperação judicial não obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira. STJ. Corte Especial. SEC 14.408-EX, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/6/2017 (Info 610).

O processo de homologação de sentença estrangeira tem natureza constitutiva e tem por objetivo conferir eficácia jurídica, no Brasil, a um provimento jurisdicional alienígena (“sentença estrangeira”). Isso é feito a fim de permitir que a decisão possa vir a ser executada em nosso país. Dessa forma, a homologação é um pressuposto lógico da execução da decisão estrangeira, não se confundindo com o próprio processo de execução, o qual será instaurado posteriormente, se for o caso. Em outras palavras, homologação de sentença estrangeira não é execução do crédito. Trata-se de providência necessária para, no futuro, o credor pedir a execução do crédito. Em virtude disso, o simples fato de a empresa estar em recuperação judicial não faz com que seja proibida a homologação da sentença estrangeira porque não haverá, ainda, qualquer ato de constrição do patrimônio do devedor. Por essa razão, o processo de homologação de sentença estrangeira em face da empresa recuperanda não atrapalha o princípio da preservação da empresa, que é o grande objetivo da recuperação judicial. Não se aplica, no caso, a suspensão de que trata o art. 6º, § 4º da Lei nº 11.101/2005 (Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-

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se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial)? NÃO. Não se aplica o art. 6º, § 4º, da Lei de Falências como óbice à homologação da sentença arbitral, uma vez que se está em fase antecedente à execução, apenas emprestando eficácia jurídica ao provimento homologando. Logo, o pedido de homologação não se enquadra no conceito de “ações” ou “execuções” de que trata o art. 6º, § 4º.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA Cabem embargos de divergência no âmbito de agravo que não admite Resp sob a alegação de

que o mérito do acórdão impugnado está em sintonia com o entendimento do STJ

Cabem embargos de divergência no âmbito de agravo que não admite recurso especial com base na Súmula 83/STJ para dizer que, no mérito, o acórdão impugnado estaria em sintonia com o entendimento firmado por esta Corte Superior.

STJ. 1ª Seção. EAREsp 200.299-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23/8/2017 (Info 610).

Embargos de divergência Os embargos de divergência são um recurso previsto nos arts. 1.043 e 1.044 do CPC/2015, bem como nos regimentos internos do STF e do STJ. Este recurso possui dois objetivos: 1) Obter a reforma ou anulação do acórdão embargado; 2) Uniformizar a jurisprudência interna do STF e do STJ, evitando que prevaleçam decisões conflitantes. Só cabem os embargos de divergência contra decisão de: • órgão fracionário do STJ (turma ou seção) em julgamento de Recurso especial; • órgão fracionário do STF (turma) em julgamento de Recurso extraordinário. A decisão do órgão fracionário do STJ deve ter sido divergente em relação ao julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal (STJ). A decisão do órgão fracionário do STF deve ter sido divergente em relação ao julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal (STF). Veja a redação do CPC:

Art. 1.043. É embargável o acórdão de órgão fracionário que: I - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; (...) III - em recurso extraordinário ou em recurso especial, divergir do julgamento de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia;

Ao propor este recurso, o recorrente deverá realizar uma comparação entre o acórdão recorrido e um acórdão paradigma do mesmo Tribunal provando que o acórdão recorrido foi divergente do acórdão paradigma.

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Imagine a seguinte situação hipotética: João, servidor público federal, ingressou com ação pedindo o pagamento da gratificação “X”. O Juiz Federal e, depois, o TRF1 entenderam que João não teria direito à referida gratificação. Contra o acórdão do TRF1, João interpôs recurso especial, com fundamento no art. 105, III, da CF/88, alegando que a conclusão do TRF1 se mostra divergente da interpretação dada por outros Tribunais:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: (...) c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

Decisão monocrática Chegando o processo no STJ, foi sorteado um Ministro Relator e este, monocraticamente, negou seguimento ao Resp alegando que o pleito do recorrente era manifestamente contrário à jurisprudência do STJ. A decisão monocrática foi baseada Súmula 83 do STJ:

Súmula 83-STJ: Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.

Decisão da 1ª Turma do STJ Contra a decisão monocrática, João interpôs agravo interno. A 1ª Turma do STJ negou provimento ao agravo interno e manteve a decisão monocrática dizendo que o mérito do acórdão impugnado estava em sintonia com o entendimento do STJ. Embargos de divergência Contra o acórdão da 1ª Turma do STJ, João apresentou embargos de divergência argumentando que a 2ª Turma do STJ entende que é devida a gratificação X para os servidores públicos federais. A União apresentou contrarrazões dizendo que os embargos de divergência não deveriam ser conhecidos, aplicando-se o raciocínio contido na súmula 315 do STJ:

Súmula 315-STJ: Não cabem embargos de divergência no âmbito do agravo de instrumento que não admite recurso especial.

A pergunta que surge é a seguinte: cabem embargos de divergência neste caso? SIM.

Cabem embargos de divergência no âmbito de agravo que não admite recurso especial com base na Súmula 83/STJ para dizer que, no mérito, o acórdão impugnado estaria em sintonia com o entendimento firmado por esta Corte Superior. STJ. 1ª Seção. EAREsp 200.299-PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23/8/2017 (Info 610).

Neste caso, no agravo que manteve a decisão monocrática houve verdadeiro exame do mérito do recurso especial, tendo o acórdão da 1ª Turma considerado que os servidores públicos não têm direito à gratificação X. Os precedentes que deram origem à súmula 315 do STJ referem-se acerca do não cabimento de embargos de divergência em sede de agravo de instrumento no recurso especial (atual agravo em recurso especial) quando o acórdão embargado não tivesse examinado o mérito do recurso especial, limitando-se a obstar o seu seguimento em razão da existência de óbices de admissibilidade. Em outras palavras, a súmula 315-STJ aplica-se a situações em que no julgamento do agravo não se apreciou o mérito do recurso especial. Por outro lado, se o mérito foi examinado, não é o caso de incidir a súmula, cabendo, portanto, os embargos de divergência.

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Desse modo, o óbice da súmula 315-STJ aplica-se apenas naqueles casos em que a parte quer apresentar embargos de divergência para rediscutir pressupostos de conhecimento do recurso especial. Isso porque os embargos de divergência têm por finalidade exclusiva a uniformização da jurisprudência interna do Tribunal quanto à interpretação do direito em tese, não servindo para discutir o acerto ou desacerto na aplicação das regras formais de conhecimento do Resp. Nos casos em que o acórdão embargado nega seguimento ao Resp com base na Súmula 83-STJ, o que o acórdão faz é examinar o mérito da controvérsia recursal. Logo, repito, tendo sido examinado o mérito do recurso, é cabível a interposição de embargos de divergência.

EXECUÇÃO FISCAL Alienante do imóvel continua responsável pelos débitos tributários

cujo fato gerador ocorreram antes da alienação

O alienante possui legitimidade passiva para figurar em ação de execução fiscal de débitos constituídos em momento anterior à alienação voluntária de imóvel.

Ex: em 01/01/2015, data do fato gerador do IPTU, João era proprietário de um imóvel; alguns meses mais tarde ele aliena para terceiro; Município poderá ajuizar execução fiscal contra João cobrando IPTU do ano de 2015.

STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 942.940-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/8/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 1º de janeiro de 2015, João passou o réveillon em sua casa de praia. Dia 15 de fevereiro do mesmo ano, João vendeu a referida casa para Pedro. Em março, o Município cobrou de João o pagamento do IPTU da casa. Como já havia transferido a propriedade, ele nem ligou para o boleto. Diante do não pagamento, a Fazenda Pública municipal ajuizou execução fiscal contra João cobrando a dívida. O devedor suscitou a sua ilegitimidade passiva argumentando que, no momento da cobrança, ele já havia alienado o imóvel para terceiro. Logo, a responsabilidade pelo pagamento do IPTU seria do adquirente, nos termos do art. 130 do CTN:

Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.

A tese de João foi acolhida pelo STJ? NÃO.

O alienante possui legitimidade passiva para figurar em ação de execução fiscal de débitos constituídos em momento anterior à alienação voluntária de imóvel. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 942.940-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 15/8/2017 (Info 610).

O fato gerador do IPTU ocorreu em 01/01/2015 e, nesta data, João ainda era o proprietário da casa. Assim, o fato gerador do imposto se deu antes da alienação do imóvel. A correta interpretação do art. 130 do CTN, combinada com a característica não excludente do parágrafo único, permite concluir que o objetivo do texto legal não é desresponsabilizar o alienante, mas sim a de responsabilizar o adquirente na mesma obrigação do devedor original. Trata-se, portanto, de

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responsabilidade solidária, reforçativa e cumulativa sobre a dívida, em que o sucessor no imóvel adquirido se coloca ao lado do devedor primitivo, sem a liberação ou desoneração deste. A responsabilidade do art. 130 do CTN está inserida ao lado de outros dispositivos (arts. 129 a 133 do CTN), que veiculam distintas hipóteses de responsabilidade por sucessão, e localizada no mesmo capítulo do CTN que trata da responsabilidade tributária de terceiros (arts. 134 e 135) e da responsabilidade por infração (arts. 136 a 138). O que há em comum a todos os casos de responsabilidade tributária previstos no CTN é o fim a que ordinariamente se destinam, no sentido de propiciar maior praticidade e segurança ao crédito fiscal, em reforço à garantia de cumprimento da obrigação com a tônica de proteção do erário. O STJ tem entendido que os arts. 132 e 133 do CTN consagram responsabilidade tributária solidária, por sucessão, e o art. 135 ventila hipótese de responsabilidade de caráter solidário, por transferência. Assim, a interpretação sistemática do art. 130 com os demais dispositivos que tratam da responsabilidade tributária no CTN corrobora a conclusão de que a sub-rogação ali prevista tem caráter solidário, aditivo, cumulativo, reforçativo e não excludente da responsabilidade do alienante, cabendo ao credor escolher o acervo patrimonial que melhor satisfaça o débito cobrado a partir dos vínculos distintos.

DIREITO PENAL

FALSIDADE IDEOLÓGICA Inserir informação falsa em currículo Lattes não configura crime de falsidade ideológica

Importante!!!

Não é típica a conduta de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade.

Isso não configura falsidade ideológica (art. 299 do CP) porque:

1) currículo Lattes não é considerado documento por ser eletrônico e não ter assinatura digital;

2) currículo Lattes é passível de averiguação e, portanto, não é objeto material de falsidade ideológica. Quando o documento é passível de averiguação, o STJ entende que não há crime de falsidade ideológica mesmo que o agente tenha nele inserido informações falsas.

STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

Imagine a seguinte situação adaptada: João é professor de uma Universidade Federal. Ele inseriu seu currículo pessoal na plataforma digital Lattes, mantida pelo CNPq. Ocorre que João colocou que seu regime de trabalho na Universidade era de 40 horas semanais, quando, na verdade, era de apenas 20 horas. Essa inexatidão foi descoberta e João foi denunciado, pelo MPF, pela prática do crime de falsidade ideológica, delito previsto no art. 299 do Código Penal:

Art. 299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

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A denúncia narrou o seguinte: “Conforme restou demonstrado nos autos, JOÃO, de forma livre e consciente, inseriu dados falsos na plataforma Lattes (sistema informático da CAPES), com o objetivo de obter uma melhor avaliação do curso de mestrado da Universidade Federal do XXX, do qual seria o coordenador. No dia 22 de fevereiro de 2010, o denunciado inseriu na plataforma mencionada informação inverídica, afirmando que trabalhava como Professor Adjunto Efetivo da XXX num regime de 40 horas semanais, quando, na verdade, seriam 20 horas. As informações lançadas na plataforma Lattes têm relevância no sentido de subsidiarem a atuação do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico no que diz respeito especialmente à avaliação de cursos que podem se beneficiar dos recursos de programas desenvolvidos pela autarquia. Ao inserir na plataforma informações não condizentes com a verdade no que concerne à carga horária que cumpria como professor da XXX, o denunciado pretendeu ludibriar o CNPq nas avaliações trienais sobre o Programa de Pós-Graduação da universidade. Assim agindo, JOÃO praticou o delito previsto no art. 299 do Código Penal.” O STJ concordou com a tese do MPF? A conduta narrada configura crime? NÃO.

Não é típica a conduta de inserir, em currículo Lattes, dado que não condiz com a realidade. Isso não configura falsidade ideológica (art. 299 do CP). STJ. 6ª Turma. RHC 81.451-RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 22/8/2017 (Info 610).

Plataforma Lattes não é considerada documento Conforme vimos acima, o crime de falsidade ideológica consiste em “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante”. Na situação narrada envolvendo João, não há o objeto material do tipo. Isso porque não há “documento” no qual tenha sido inserida declaração falsa. A plataforma Lattes, como se sabe, é virtual e nela o usuário, após colocar seu "login" e senha, insere as informações desejadas. Não se trata, portanto, de um escrito palpável, ou seja, um papel do mundo real, mas sim de uma página em um sítio eletrônico. Para que seja documento eletrônico, é necessária assinatura digital Embora possa existir "documento eletrônico", não está ele presente no caso concreto. Isso porque somente pode ser considerado “documento eletrônico” aquele que consta em site que possa ter sua autenticidade aferida por assinatura digital. Nesse sentido, a MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), dispõe no seu art. 1º:

Art. 1º Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

No Brasil, a infraestrutura de chaves públicas é de responsabilidade de uma Autarquia Federal, o ITI - Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ligado à Presidência da República. Para que pudesse ser considerado documento eletrônico, a plataforma Lattes teria que ter a sua validade jurídica atestada por meio da assinatura digital. Logo, não se pode ter como documento o currículo inserido na plataforma virtual do Lattes do CNPq, porque desprovido de assinatura digital e, portanto, sem validade jurídica.

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Currículo Lattes é passível de averiguação e, portanto, não é objeto material de falsidade ideológica O STJ foi além e disse o seguinte: ainda que o currículo Lattes pudesse ser considerado um documento digital válido para fins penais, mesmo assim não teria havido crime. Isso porque, como qualquer currículo, seja clássico (papel escrito) ou digital, o currículo Lattes é passível de averiguação, ou seja, as informações nele contidas deverão ser objeto de aferição por quem nelas tenha interesse. Quando o documento é passível de averiguação, o STJ entende que não há crime de falsidade ideológica, mesmo que o agente tenha inserido nele informações falsas. Nesse sentido:

(...) Já se sedimentou na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que a petição apresentada em Juízo não caracteriza documento para fins penais, uma vez que não é capaz de produzir prova por si mesma, dependendo de outras verificações para que sua fidelidade seja atestada. (...) STJ. 5ª Turma. RHC 70.596/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 01/09/2016.

(...) somente se configura o crime de falsidade ideológica se a declaração prestada não estiver sujeita a confirmação pela parte interessada, gozando, portanto, de presunção absoluta de veracidade. (...) STJ. 6ª Turma. RHC 46.569/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 28/04/2015.

É a opinião também da doutrina: "(...) havendo necessidade de comprovação - objetiva e concomitante -, pela autoridade, da autenticidade da declaração, não se configura o crime, caso ela seja falsa ou, de algum modo, dissociada da realidade." (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 13ª ed., São Paulo: RT, 2013, p. 1.138)

LEI DE DROGAS Para a configuração do tráfico interestadual de drogas (art. 40, V, da Lei nº 11.343/2006), não se exige a efetiva transposição da fronteira

Súmula 587-STJ: Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva transposição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

Imagine a seguinte situação hipotética: João pegou um ônibus em Campo Grande (MS) com destino a São Paulo (SP). Ocorre que algumas horas depois, antes que o ônibus cruzasse a fronteira entre os dois Estados, houve uma blitz da polícia no interior do coletivo, tendo sido encontrados 10kg de cocaína na mochila de João, que confessou que iria levá-la para um traficante de São Paulo. O agente foi denunciado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), com a incidência de duas causas de aumento previstas no art. 40, III e V:

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se: (...) III - a infração tiver sido cometida nas dependências ou imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sedes de entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, ou beneficentes, de locais de trabalho coletivo, de recintos onde se realizem espetáculos ou diversões de qualquer natureza, de serviços de tratamento de dependentes de drogas ou de reinserção social, de unidades militares ou policiais ou em transportes públicos; (...) V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

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Quando caracterizado o tráfico entre estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal, o réu deverá sofrer uma sanção maior do que aquele que, por exemplo, vende entorpecente a um usuário local. Isso está de acordo com o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF/88). A defesa alegou que o agente não chegou a atravessar a fronteira de nenhum Estado, de forma que não houve tráfico "entre Estados da Federação". Logo, não deveria incidir a causa de aumento do inciso V. Essa tese é aceita pela jurisprudência? Para incidir essa causa de aumento, é necessário que o agente atravesse as fronteiras? NÃO.

Para que incida a causa de aumento de pena prevista no inciso V do art. 40, não se exige a efetiva transposição da fronteira interestadual pelo agente, sendo suficiente a comprovação de que a substância tinha como destino localidade em outro Estado da Federação. STF. 1ª Turma. HC 122791/MS, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 17/11/2015 (Info 808). STJ. 6ª Turma. REsp 1370391/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 03/11/2015.

Esse era o entendimento pacificado no STJ e STF e agora foi sumulado. APROFUNDANDO O que você estudou acima é o suficiente para entender a súmula 587 do STJ. No entanto, acho importante alertar sobre um tema correlato: a necessidade de demonstração da intenção do agente de pulverizar a droga em mais de um Estado para que se caracterize a causa de aumento de pena do art. 40, V, da Lei de Drogas. Veja abaixo: Imagine a seguinte situação hipotética: Pablo comprou cocaína na Bolívia e a trouxe para o Brasil, entrando em nosso país por meio do Município de Corumbá, em Mato Grosso do Sul. De Corumbá, Pablo pegou um ônibus com destino a Brasília, onde iria comercializar a droga. O ônibus passou pelo Estado de Goiás e, quando chegou no Distrito Federal, Pablo foi preso em uma fiscalização de rotina da Polícia Rodoviária Federal. Pablo confessou a prática do crime relatando que adquiriu o entorpecente na Bolívia e que pretendia vendê-lo para um cliente em Brasília. De quem é a competência para julgar este delito? Justiça Federal, considerando que ficou provado o caráter transnacional do delito, nos termos do art. 109, V, da CF/88 e art. 70 da Lei nº 11.343/2006:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;

Art. 70. O processo e o julgamento dos crimes previstos nos arts. 33 a 37 desta Lei, se caracterizado ilícito transnacional, são da competência da Justiça Federal.

Voltando ao exemplo Pablo foi denunciado e condenado pela prática de tráfico de drogas (art. 33 da Lei nº 11.343/2006) com as causas de aumento da transnacionalidade (art. 40, I) e da interestadualidade (art. 40, V):

Art. 40. As penas previstas nos arts. 33 a 37 desta Lei são aumentadas de um sexto a dois terços, se:

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I - a natureza, a procedência da substância ou do produto apreendido e as circunstâncias do fato evidenciarem a transnacionalidade do delito; (...) V - caracterizado o tráfico entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal;

A defesa recorreu alegando que não restou provada a interestadualidade prevista no art. 40, V. O STJ concordou com a tese da defesa? SIM. O magistrado fez incidir a causa de aumento do art. 40, V, sob o argumento de que a droga atravessou mais de um Estado da Federação, considerando que entrou no Brasil no Estado do Mato Grosso do Sul, passou pelo Estado de Goiás e chegou até o Distrito Federal. Ocorre que não existe nenhum indício de que a intenção do agente fosse difundir o entorpecente em mais de um Estado da Federação. A droga, adquirida na Bolívia, atravessou a fronteira com o MS e perpassou outro Estado rumo ao DF (destino final), por imperativos de ordem geográfica e pela própria lógica da importação, de modo que, sem a existência de elementos concretos acerca da intenção do paciente de pulverizar a droga em outros Estados do território nacional, não há como condenar o réu pela majorante do inciso V do art. 40 da Lei nº 11.343/2006 em concomitância com a causa especial de aumento relativa à transnacionalidade do delito, sob pena de bis in idem. Veja precedente do STJ neste sentido:

Embora possível a cumulação das causas de aumento referente a internacionalidade e interestadualidade do tráfico ilícito de entorpecentes, esta última poderá incidir somente quando houver, pelo menos, a comprovação do interesse em difusão da droga em mais de um Estado da Federação. Assim, não se revela admissível sua incidência em hipóteses de mero transporte terrestre da mercadoria proveniente do exterior com destino final certo em localidade estranha ao Estado fronteiriço pelo qual ingressou. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1273754/MS, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 23/10/2014.

Resumindo:

As causas especiais de aumento da pena relativas à transnacionalidade e à interestadualidade do delito, previstas, respectivamente, nos incisos I e V do art. 40 da Lei de Drogas, até podem ser aplicadas simultaneamente, desde que demonstrada que a intenção do acusado que importou a substância era a de pulverizar a droga em mais de um Estado do território nacional. Se isso não ficar provado, incide apenas a transnacionalidade. Assim, é inadmissível a aplicação simultânea das causas de aumento da transnacionalidade (art. 40, I) e da interestadualidade (art. 40, V) quando não ficar comprovada a intenção do importador da droga de difundi-la em mais de um Estado-membro. O fato de o agente, por motivos de ordem geográfica, ter que passar por mais de um Estado para chegar ao seu destino final não é suficiente para caracterizar a interestadualidade. STJ. 6ª Turma. HC 214.942-MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 16/6/2016 (Info 586).

LEI MARIA DA PENHA Não cabe pena restritiva de direitos nos crimes ou contravenções penais cometidos

contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico

Súmula 588-STJ: A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

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Penas restritivas de direitos O Código Penal prevê que, em determinadas situações, em se tratando de pessoa condenada a uma pena privativa de liberdade, pode ser esta reprimenda substituída por uma ou duas penas restritivas de direito. Quais são os requisitos cumulativos para a conversão da pena privativa de liberdade em penas restritivas de direitos? Estão previstos no art. 44 do CP e podem ser assim resumidos:

1º requisito (objetivo): Natureza do crime e

quantum da pena

2º requisito (subjetivo): Não ser reincidente

em crime doloso

3º requisito (subjetivo): A substituição seja

indicada e suficiente

a) Se for crime doloso: • a pena aplicada deve ser igual ou inferior a 4 anos; • o crime deve ter sido cometido sem violência ou grave ameaça a pessoa. b) Se for crime culposo: pode haver a substituição qualquer que seja a pena aplicada.

Regra: para ter direito, o réu não pode ser reincidente em crime doloso. Exceção: se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.

A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias, indicarem que essa substituição seja suficiente (Princípio da suficiência da resposta alternativa ao delito).

Veja a redação do art. 44:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Se o réu pratica um crime com violência ou grave ameaça, mas se trata de uma infração penal de menor potencial ofensivo (pena máxima de 2 anos), ele terá direito à substituição da pena? A doutrina majoritária afirma que sim. Se o agente for condenado por uma infração penal de menor potencial ofensivo, sua pena privativa de liberdade poderá ser substituída por restritiva de direitos mesmo que tenha sido cometida com violência ou grave ameaça. Trata-se de exceção ao inciso I do art. 44 do CP. O argumento utilizado pela doutrina é o de que a Lei nº 9.099/95 (que é posterior ao Código Penal) previu uma série de medidas despenalizadoras para as infrações penais de menor potencial ofensivo (exs: transação penal e composição civil). Logo, seria irrazoável e contrário ao espírito da lei não permitir a aplicação de penas restritivas de direito para tais infrações consideradas de menor gravidade. Quantas penas restritivas de direito o réu terá que cumprir:

Se a pessoa for condenada a...

Pena igual ou inferior a 1 ano de prisão: Pena superior a 1 ano (até 4 anos) de prisão:

A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por: a) multa OU b) 1 pena restritiva de direito

A pena privativa de liberdade aplicada poderá ser substituída por: a) 1 pena restritiva de direito + multa OU b) 2 penas restritivas de direito.

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Discussão sobre a aplicação das penas restritivas para infrações praticadas no âmbito da violência doméstica O art. 17 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) prevê o seguinte:

Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.

Veja, portanto, que esse dispositivo proíbe que o juiz aplique as seguintes penas restritivas de direitos à pessoa que praticou violência doméstica e familiar contra a mulher: • Pena de "cesta básica"; • Quaisquer espécies de prestação pecuniária (art. 45, §§ 1º e 2º); • Pagamento isolado de multa (art. 44, § 2º do CP).

Diante disso, alguns doutrinadores sustentaram a tese de que o art. 17, ao proibir apenas esses tipos de penas, teria, a contrario sensu, permitido que fossem aplicadas outras espécies de penas restritivas de direitos. Essa interpretação foi aceita pela jurisprudência do STJ? É possível a aplicação de penas restritivas de direito para os crimes cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico? NÃO. O STJ pacificou o entendimento de que não cabe a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos crimes ou contravenções penais cometidos contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. O STJ editou a súmula 588 para espelhar essa sua posição consolidada. E o art. 17 da Lei nº 11.340/2006? A interpretação que prevaleceu foi a seguinte: além das sanções previstas no art. 17, são proibidas quaisquer penas restritivas para os condenados por violência doméstica e familiar contra a mulher. Isso porque o art. 44, I, do CP veda penas restritivas de direito em caso de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa. Nesse sentido:

(...) Embora a Lei nº 11.340/2006 não vede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, obstando apenas a imposição de prestação pecuniária e o pagamento isolado de multa, o art. 44, I, do CP proíbe a conversão da pena corporal em restritiva de direitos quando o crime for cometido com violência à pessoa (...) STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1521993/RO, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 04/08/2016.

Vale ressaltar que a Lei nº 9.099/95 não se aplica para os delitos praticados com violência doméstica contra a mulher, por força do art. 41 da Lei nº 11.340/2006:

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

IMPORTANTE. O STF concorda com o teor da súmula 588 do STJ? Em parte. Em caso de CRIMES praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico: o STF possui o mesmo entendimento do STJ e afirma que não cabe a substituição por penas restritivas de direitos. Nesse sentido:

Não é possível a substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ao condenado pela prática do crime de lesão corporal praticado em ambiente doméstico (art. 129, § 9º do CP). A substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos pressupõe, entre outras coisas, que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça (art. 44, I, do CP). STF. 2ª Turma. HC 129446/MS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 20/10/2015 (Info 804).

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Em caso de CONTRAVENÇÕES PENAIS praticadas contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico há uma discordância. Ex: imagine que o marido pratica vias de fato (art. 21 da Lei de Contravenções Penais) contra a sua esposa; ele poderá ser beneficiado com pena restritiva de direitos? • STJ e 1ª Turma do STF: NÃO. Não é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos tanto no caso de crime como contravenção penal praticados contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico. É o teor da Súmula 588-STJ. A 1ª Turma do STF também comunga do mesmo entendimento: HC 137888/MS, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 31/10/2017. • 2ª Turma STF: SIM. Afirma que é possível a conversão da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, nos moldes previstos no art. 17 da Lei Maria da Penha, aos condenados pela prática da contravenção penal. Isso porque a contravenção penal não está na proibição contida no inciso I do art. 44 do CP, que fala apenas em crime. Logo, não existe proibição no ordenamento jurídico para a aplicação de pena restritiva de direitos em caso de contravenções. Nesse sentido: STF. 2ª Turma. HC 131160, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 18/10/2016. Relembre o que diz o inciso I do Código Penal:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

O STJ e a 1ª Turma do STF fazem, portanto, uma ampliação do inciso I do art. 44 do CP para abranger também os casos de contravenção penal praticados com violência ou grave ameaça (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1607382/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/09/2016). A 2ª Turma do STF não admite essa ampliação e trabalha com o texto literal do art. 44, I, do CP.

Resumindo: É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos casos de crimes ou contravenções praticadas contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico? 1) Crime: NÃO. Posição tanto do STJ como do STF. 2) Contravenção penal: • 2ª Turma do STF: entende que é possível a substituição. • 1ª Turma do STF e STJ: afirmam que também não é permitida a substituição.

Em concursos, se o enunciado não estiver fazendo qualquer distinção, fiquem com a posição exposta na súmula e que também é adotada pela 1ª Turma do STF.

LEI MARIA DA PENHA Não se aplica o princípio da insignificância

Súmula 589-STJ: É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas.

STJ. 3ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

Princípio da insignificância Quem primeiro tratou sobre o princípio da insignificância no direito penal foi Claus Roxin, em 1964. Também é chamado de “princípio da bagatela” ou “infração bagatelar própria”. O princípio da insignificância não tem previsão legal no direito brasileiro. Trata-se de uma criação da doutrina e da jurisprudência. Para a posição majoritária, o princípio da insignificância é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material.

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Se o fato for penalmente insignificante, significa que não lesou nem causou perigo de lesão ao bem jurídico. Logo, aplica-se o princípio da insignificância e o réu é absolvido por atipicidade material, com fundamento no art. 386, III do CPP. O princípio da insignificância atua, então, como um instrumento de interpretação restritiva do tipo penal. O princípio da insignificância pode ser aplicado aos delitos praticados em situação de violência doméstica? NÃO. Não se aplica o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. Os delitos praticados com violência contra a mulher, devido à expressiva ofensividade, periculosidade social, reprovabilidade do comportamento e lesão jurídica causada, perdem a característica da bagatela e devem submeter-se ao direito penal. Assim, o STJ e o STF não admitem a aplicação dos princípios da insignificância aos crimes e contravenções praticados com violência ou grave ameaça contra a mulher, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta. Precedentes nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 333.195/MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 12/04/2016. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 318.849/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 27/10/2015. STF. 2ª Turma. RHC 133043/MT, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 10/5/2016 (Info 825). Surgiu uma tese defensiva afirmando que se o casal se reconciliasse durante o curso do processo criminal, o juiz poderia absolver o réu com base no chamado “princípio da bagatela imprópria”. Essa tese é aceita pelos Tribunais Superiores? NÃO. Assim como ocorre com o princípio da insignificância, também não se admite a aplicação do princípio da bagatela imprópria para os crimes ou contravenções penais praticados contra mulher no âmbito das relações domésticas, tendo em vista a relevância do bem jurídico tutelado (STJ. 6ª Turma. AgInt no HC 369.673/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 14/02/2017). O fato de o casal ter se reconciliado ou de a vítima ter perdoado não importará na absolvição do réu. Nesse sentido:

O princípio da bagatela imprópria não tem aplicação aos delitos praticados com violência à pessoa, no âmbito das relações domésticas, dada a relevância penal da conduta, não implicando a reconciliação do casal em desnecessidade da pena. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1463975/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.

Princípio da insignificância x Princípio da bagatela imprópria Não se pode confundir o princípio da insignificância com a chamada “infração bagatelar imprópria”. Infração bagatelar imprópria é aquela que nasce relevante para o Direito penal, mas depois se verifica que a aplicação de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária (GOMES, Luiz Flávio; Antonio Garcia-Pablos de Molina. Direito Penal Vol. 2, São Paulo: RT, 2009, p.305). Em outras palavras, o fato é típico, tanto do ponto de vista formal como material. No entanto, em um momento posterior à sua prática, percebe-se que não é necessária a aplicação da pena. Logo, a reprimenda não deve ser imposta, deve ser relevada (assim como ocorre nos casos de perdão judicial). Segundo LFG, a infração bagatelar imprópria possui um fundamento legal no direito brasileiro. Trata-se do art. 59 do CP, que prevê que o juiz deverá aplicar a pena “conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Dessa forma, se a pena não for mais necessária, ela não deverá ser imposta (princípio da desnecessidade da pena conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato). Ainda de acordo com LFG, no direito legislado já contamos com vários exemplos de infração bagatelar imprópria: • No crime de peculato culposo, a reparação dos danos antes da sentença irrecorrível extingue a punibilidade. Assim, havendo a reparação, a infração torna-se bagatelar (em sentido impróprio) e a pena

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desnecessária. No princípio havia desvalor da ação e do resultado. Mas depois, em razão da reparação dos danos (circunstância post-factum), torna-se desnecessária a pena. • Pagamento do tributo nos crimes tributários; • Colaboradores da justiça (delator etc.) quando o juiz deixa de aplicar a pena.

Infração bagatelar própria = princípio da insignificância

Infração bagatelar imprópria = princípio da irrelevância penal do fato

A situação já nasce atípica. O fato é atípico por atipicidade material.

A situação nasce penalmente relevante. O fato é típico do ponto vista formal e material. Em virtude de circunstâncias envolvendo o fato e o seu autor, constata-se que a pena se tornou desnecessária.

O agente não deveria nem mesmo ser processado já que o fato é atípico.

O agente tem que ser processado (a ação penal deve ser iniciada) e somente após a análise das peculiaridades do caso concreto, o juiz poderia reconhecer a desnecessidade da pena.

Não tem previsão legal no direito brasileiro. Está previsto no art. 59 do CP.

Portanto, nem o princípio da insignificância nem o princípio da bagatela imprópria são aplicados aos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. A súmula 589 do STJ deixou isso expresso quanto ao princípio da insignificância.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

TRIBUNAL DO JÚRI Documento ou objeto somente pode ser lido ou exibido no júri se a parte adversa

tiver sido cientificada de sua juntada com até 3 dias úteis de antecedência

Importante!!!

Segundo o art. 479 do CPP: “Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias úteis, dando-se ciência à outra parte.”

O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do CPP deve ser respeitado não apenas para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri.

Em outras palavras, não só a juntada, mas também a ciência da parte interessada deve ocorrer até 3 dias úteis antes do início do júri.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.637.288-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

Prévia antecedência de 3 dias úteis O CPP prevê a seguinte regra aplicável ao procedimento do júri:

Art. 479. Durante o julgamento não será permitida a leitura de documento ou a exibição de objeto que não tiver sido juntado aos autos com a antecedência mínima de 3 (três) dias ÚTEIS, dando-se ciência à outra parte.

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Imagine agora a seguinte situação: Faltando 5 dias para a realização do júri, o Ministério Público junta aos autos um documento contrário ao réu. O juiz ordena a intimação da defesa para que tome conhecimento desse documento. A defesa é intimada na véspera do julgamento. Repare, portanto, que o documento foi juntado aos autos com antecedência de 5 dias. No entanto, a defesa somente teve ciência de seu teor 1 dia antes do julgamento. Neste caso concreto, o membro do MP poderá ler esse documento durante os debates no júri? Se o documento foi juntado com 3 dias de antecedência cumpriu-se a exigência do art. 479 do CPP, ainda que a parte contrária somente seja intimada com menor antecedência (ex: 1 dia antes)? O que interessa é a juntada aos autos? NÃO.

O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do CPP deve ser respeitado não apenas para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri. Em outras palavras, não só a juntada, mas também a ciência da parte interessada deve ocorrer até 3 dias úteis antes do início do júri. STJ. 6ª Turma. REsp 1.637.288-SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 8/8/2017 (Info 610).

Assim, por exemplo, se o Promotor de Justiça for ler um documento durante os debates no plenário do júri, ele somente poderá fazer isso se o documento estiver nos autos e a defesa tiver tido ciência da sua existência com, no mínimo, 3 dias de antecedência. O que interessa é a data da ciência. A ciência é que deve ter ocorrido no mínimo 3 antes. A intenção do legislador foi a de garantir o julgamento justo, permitindo a ambas as partes (defesa e acusação) não só conhecer de documento relevante para o julgamento como também ter tempo hábil para sobre ele se manifestar. Por essa razão, conclui-se facilmente que o prazo de 3 dias úteis se refere não apenas à juntada, mas também à ciência. De nada serviria esta exigência legal se permitíssemos que a ciência se desse apenas, por exemplo, às vésperas da sessão de julgamento, sem que a parte tivesse tempo suficiente para conhecer a fundo o documento e colher elementos para, se for o caso, refutá-lo. A lei seria inócua. De nada adianta a exigência de que o documento seja juntado em tempo razoável se não vier acompanhada da necessidade de que a parte contrária seja cientificada também em tempo razoável da juntada. Essa é a posição de Eugênio Pacelli e Douglas Fischer: “(...) Exatamente por isso é que há de se compreender que não só a juntada, mas também a cientificação da parte contrária deverá ser realizada dentro do tríduo mínimo previsto em lei. De nada adiantaria haver previsão legal de juntada de documentos no prazo de três dias úteis se a intimação de desse, por exemplo, no dia imediatamente anterior ao julgamento.” (Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 7ª ed., São Paulo: Atlas, 2015, p. 985).

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DIREITO TRIBUTÁRIO

IMPOSTO DE RENDA Liquidação de entidade de previdência e imposto de renda sobre o valor recebido pelo participante a título de rateio

Súmula 590-STJ: Constitui acréscimo patrimonial a atrair a incidência do Imposto de Renda, em caso de liquidação de entidade de previdência privada, a quantia que couber a cada participante, por rateio do patrimônio, superior ao valor das respectivas contribuições à entidade em liquidação, devidamente atualizadas e corrigidas.

STJ. 1ª Seção. Aprovada em 13/09/2017, DJe 18/09/2017.

Previdência complementar Previdência complementar é um plano de benefícios feito pela pessoa que deseja receber, no futuro, aposentadoria paga por uma entidade privada de previdência. A pessoa paga todos os meses uma prestação e este valor é aplicado por uma pessoa jurídica, que é a entidade gestora do plano (ex: Bradesco Previdência). É chamada de "complementar" porque normalmente é feita por alguém que já trabalha na iniciativa privada ou como servidor público e, portanto, já teria direito à aposentadoria pelo INSS ou pelo regime próprio. Apesar disso, ela resolve fazer a previdência privada como forma de "complementar" a renda no momento da aposentadoria. O plano de previdência complementar é prestado por uma pessoa jurídica chamada de "entidade de previdência complementar" (entidade de previdência privada). Entidades de previdência privada Existem duas espécies de entidade de previdência privada (entidade de previdência complementar): as entidades de previdência privada abertas e as fechadas.

ABERTAS (EAPC) FECHADAS (EFPC)

As entidades abertas são empresas privadas constituídas sob a forma de sociedade anônima, que oferecem planos de previdência privada que podem ser contratados por qualquer pessoa física ou jurídica. As entidades abertas normalmente fazem parte do mesmo grupo econômico de um banco ou seguradora. Exs: Bradesco Vida e Previdência S.A., Itaú Vida e Previdência S.A., Mapfre Previdência S.A., Porto Seguro Vida e Previdência S/A., Sul América Seguros de Pessoas e Previdência S.A.

As entidades fechadas são pessoas jurídicas, organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil, mantidas por grandes empresas ou grupos de empresa, para oferecer planos de previdência privada aos seus funcionários. Essas entidades são conhecidas como “fundos de pensão”. Os planos não podem ser comercializados para quem não é funcionário daquela empresa. Ex: Previbosch (dos funcionários da empresa Bosch).

Possuem finalidade de lucro. Não possuem fins lucrativos.

São geridas (administradas) pelos diretores e administradores da sociedade anônima.

A gestão é compartilhada entre os representantes dos participantes e assistidos e os representantes dos patrocinadores.

"Entidades patrocinadoras" (patrocinador) Patrocinador (ou entidade patrocinadora) é a empresa ou grupo de empresas que oferece plano de previdência privada fechada aos seus funcionários. Funciona da seguinte forma: os empregados pagam uma parte da mensalidade e o patrocinador arca com a outra.

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Obs: existem alguns entes públicos que também oferecem plano de previdência privada aos servidores. Neste caso, este ente público é que será o patrocinador. A entidade patrocinadora oferece o plano de previdência privada por meio de uma entidade fechada de previdência privada. Enfim, só existe entidade patrocinadora no caso de plano fechado de previdência privada. Os benefícios mais comuns que são oferecidos pela previdência complementar fechada são os seguintes: aposentadoria por tempo de contribuição, aposentadoria por invalidez e pensão por morte. Participante Participante é a pessoa física que adere ao plano de previdência complementar oferecido por uma entidade fechada de previdência complementar (EFPC). O participante, para poder aderir a esse plano, tem que estar vinculado à entidade patrocinadora (ex: ser funcionário do patrocinador). O valor das contribuições vertidas pelo participante para a entidade de previdência é descontado de seu salário no momento do pagamento. Liquidação extrajudicial As entidades de previdência privada, quando quebram, submetem-se a um processo especial de “falência”, que não é chamado de falência, mas sim de “liquidação extrajudicial”. O processo de liquidação extrajudicial das entidades de previdência complementar é regido pela LC 109/2001 e apenas subsidiariamente será aplicada a Lei de Falências. Veja o que diz a LC 109/2001:

Art. 47. As entidades fechadas não poderão solicitar concordata e não estão sujeitas a falência, mas somente a liquidação extrajudicial. Art. 48. A liquidação extrajudicial será decretada quando reconhecida a inviabilidade de recuperação da entidade de previdência complementar ou pela ausência de condição para seu funcionamento.

Imagine a seguinte situação hipotética: João, assim como milhares de outras pessoas, todos os meses, pagava contribuição para uma entidade de previdência privada com o intuito de, no futuro, usufruir de uma aposentadoria complementar. Após alguns anos, essa entidade de previdência entra em processo de liquidação extrajudicial para ser encerrada. Diante disso, os valores depositados na entidade foram distribuídos entre todos os participantes, dentre eles João. João ficou feliz porque, no total, ele pagou R$ 50 mil (em valores corrigidos) e recebeu no rateio R$ 80 mil, considerando os resultados positivos que a entidade fez de investimentos. Isso pode acontecer, ou seja, o participante pode receber mais do que contribuiu porque o patrimônio das entidades fechadas de previdência privada não é formado somente por contribuições de seus participantes, mas também por quantias recolhidas pelo patrocinador/instituidor e por resultados superavitários de suas operações (ex: a entidade fez investimentos com os valores depositados pelos participantes e estes investimentos tiveram êxito). Assim, em caso de liquidação da entidade, é possível que o valor do rateio para os participantes seja superior às reservas constituídas por suas contribuições. Surgiu, no entanto, uma dúvida: João terá que pagar imposto de renda sobre esse valor recebido? • Sobre o crédito correspondente ao valor da contribuição que ele aportou à entidade em liquidação (R$ 50 mil): NÃO. • Sobre o crédito que exceder ao referido valor (R$ 30 mil): SIM, considerando que se trata de acréscimo patrimonial, que é o fato gerador do imposto de renda, nos termos do art. 43, II, do CTN:

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

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I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Assim, sobre o montante restituído ao participante a título de rateio da entidade de previdência privada, deve incidir o imposto de renda na parte que, porventura, exceder ao valor total das contribuições realizadas pelo participante, atualizadas monetariamente. Esse entendimento foi materializado na súmula 590 do STJ, que pode ser assim reescrita: Em caso de liquidação de entidade de previdência privada, haverá rateio do patrimônio entre os participantes, cada um recebendo uma quantia proporcional às contribuições que fez. Se o valor recebido for igual ou menor do que as contribuições que o participante fez, ele não terá que pagar imposto de renda. Se o valor for maior, ele terá que pagar o imposto sobre a diferença, ou seja, sobre o valor que exceder o total das contribuições vertidas (atualizadas monetariamente). Isso porque, neste caso, terá havido acréscimo patrimonial, que é o fato gerador do imposto de renda.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA A verba relativa a “quebra de caixa” possui natureza salarial

e sobre ela incide contribuição previdenciária

O auxílio quebra de caixa consubstancia-se no pagamento efetuado mês a mês ao empregado como uma forma de compensar os riscos assumidos pela função exercida que envolve guarda e conferência de dinheiro.

Incide contribuição previdenciária sobre o auxílio quebra de caixa.

O auxílio quebra de caixa tem nítida natureza salarial e integra a remuneração. Logo, possuindo natureza salarial, conclui-se que esta verba integra a remuneração, razão pela qual incide contribuição previdenciária.

STJ. 1ª Turma. EREsp 1.467.095-PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Rel. para acórdão Min. Og Fernandes, julgado em 10/5/2017 (Info 610).

CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURIDADE SOCIAL A CF/88 prevê, em seu art. 195, as chamadas “contribuições para a seguridade social”. Consistem em uma espécie de tributo, cuja arrecadação é utilizada para custear a seguridade social (saúde, assistência e previdência social).

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I — do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II — do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

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III — sobre a receita de concursos de prognósticos; IV — do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.

A CF/88 determina que os recursos arrecadados com as contribuições previstas no art. 195, I, “a” e II serão destinados exclusivamente para o pagamento de benefícios previdenciários do RGPS (administrado pelo INSS). Em razão disso, a maioria dos autores de Direito Previdenciário denomina as contribuições do art. 195, I, “a” e II de “contribuições previdenciárias”, como se fossem uma subespécie das contribuições para a seguridade social. Nesse sentido: Frederico Amado. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS A contribuição previdenciária é uma espécie de tributo, cujo montante arrecadado é destinado ao pagamento dos benefícios do RGPS (aposentadoria, auxílio-doença, pensão por morte etc.) Existem duas espécies de contribuição previdenciária:

PAGA POR QUEM INCIDE SOBRE O QUE

1ª) Trabalhador e demais segurados do RGPS (art. 195, II).

Incide sobre o salário de contribuição, exceto no caso do segurado especial.

2ª) Empregador, empresa ou entidade equiparada (art. 195, I, “a”).

Incide sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício.

QUEBRA DE CAIXA O que é auxílio quebra de caixa? Existem determinados tipos de empregado que, no exercício de suas atividades na empresa, são responsáveis pelo controle ou conferência de dinheiro. Trata-se de uma atividade de certa forma arriscada. Isso porque se o dinheiro que estava sob a sua responsabilidade some, eles terão que repor essa quantia. É o caso, por exemplo, do operador de caixa bancário, do auxiliar de caixa, do conferente, do tesoureiro, do cobrador etc. Algumas vezes o sindicato desses profissionais firma acordos ou convenções coletivas obrigando que as empresas paguem uma verba mensal aos empregados como forma de compensar esses riscos. Tal verba é chamada, no Direito do Trabalho, de auxílio quebra de caixa. Assim, o auxílio quebra de caixa consubstancia-se no pagamento efetuado mês a mês ao empregado como uma forma de compensar os riscos assumidos pela função exercida que envolve guarda e conferência de dinheiro. Vale ressaltar que não existe uma lei obrigando o pagamento do auxílio quebra de caixa, sendo esse pagamento feito por liberalidade do empregador que aceita, normalmente via acordo ou convenção coletiva, incorporar essa quantia na remuneração mensal do trabalhador. Incide contribuição previdenciária sobre o auxílio quebra de caixa pago pelo empregador ao empregado? SIM. O STJ entende que o auxílio quebra de caixa tem nítida natureza salarial e integra a remuneração. Logo, possuindo natureza salarial, conclui-se que esta verba integra a remuneração, razão pela qual incide contribuição previdenciária. Deve-se relembrar a seguinte regra: Tem natureza salarial: INCIDE contribuição previdenciária. Possui natureza indenizatória: NÃO incide contribuição previdenciária. Por que o STJ entende que o auxílio quebra de caixa tem natureza salarial? Ele não é uma forma de compensar os riscos do empregado? Não seria mais correto considerá-lo com natureza indenizatória? O STJ adota o seguinte critério: se a verba é paga por liberalidade do empregador, ela não pode ser considerada como sendo de natureza indenizatória. Para o STJ, as verbas de natureza indenizatória são

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obrigatórias. Como o auxílio quebra de caixa não é obrigatório (a empresa poderia ter se recusado a celebrar o acordo/convenção coletiva), não se pode dizer que ela seja indenizatória. O TST possui um enunciado sobre o tema: Súmula 247-TST: A parcela paga aos bancários sob a denominação "quebra de caixa" possui natureza salarial, integrando o salário do prestador de serviços, para todos os efeitos legais. QUADRO-RESUMO: Com base na jurisprudência do STJ, podemos construir a seguinte tabela:

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

INCIDEM sobre NÃO INCIDEM sobre

1. Horas extras e seu respectivo adicional 2. Adicional noturno 3. Adicional de periculosidade 4. Salário maternidade 5. Salário paternidade 6. Participação nos lucros ANTES da MP 794/94 7. Licença para casamento (“gala”) 8. Licença para prestação de serviço eleitoral 9. Férias gozadas 10. Prêmios e gratificações pagos com

habitualidade 11. Auxílio quebra de caixa. 12. Décimo terceiro salário.

1. Terço de férias gozadas 2. Férias indenizadas 3. Terço de férias indenizadas 4. Aviso prévio indenizado 5. Valor pago pela empresa ao empregado nos

quinze dias que antecedem o auxílio-doença 6. Participação nos lucros DEPOIS da MP 794/94 7. Auxílio-transporte (mesmo que pago em

pecúnia). 8. Prêmios e gratificações eventuais. 9. Salário-família.

EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) Associação de Municípios e Prefeitos possui legitimidade ativa para tutelar em juízo direitos e interesses

das pessoas jurídicas de direito público. ( ) 2) É permitida a “prova emprestada” no processo administrativo disciplinar, desde que devidamente

autorizada pelo juízo competente e respeitados o contraditório e a ampla defesa. ( ) 3) (Juiz TJAM 2016 CESPE) A competência para autorizar a interceptação telefônica é exclusiva do juiz

criminal, caracterizando prova ilícita o aproveitamento da diligência como prova emprestada a ser utilizada pelo juízo cível ou em processo administrativo. ( )

4) O excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar causa nulidade. ( ) 5) A cobrança de dívida de jogo contraída por brasileiro em cassino que funciona legalmente no exterior é

juridicamente possível e não ofende a ordem pública, os bons costumes e a soberania nacional. ( ) 6) O saneamento de vício redibitório limitador do uso, gozo e fruição da área de terraço na cobertura de

imóvel objeto de negócio jurídico de compra e venda – que garante o seu uso de acordo com a destinação e impede a diminuição do valor –, afasta o pleito de abatimento do preço. ( )

7) Oficina mecânica que realiza reparos em veículo, com autorização do proprietário, pode reter o bem por falta de pagamento do serviço. ( )

8) A EC 66/2010 revogou tacitamente a legislação ordinária que trata da separação judicial. ( )

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9) O descumprimento de exigência legal para a confecção de testamento público – segunda leitura e expressa menção no corpo do documento da condição de cego – não gera a sua nulidade se mantida a higidez da manifestação de vontade do testador. ( )

10) Não é abusiva a exigência de indicação da CID (Classificação Internacional de Doenças), como condição de deferimento, nas requisições de exames e serviços oferecidos pelas prestadoras de plano de saúde, bem como para o pagamento de honorários médicos. ( )

11) Faz jus ao recebimento de dividendos o sócio que manteve essa condição durante o exercício financeiro sobre o qual é apurado o lucro, mas se desliga da empresa, por alienação de suas ações, em data anterior ao ato de declaração do benefício. ( )

12) Não ofende a coisa julgada a decisão de habilitação de crédito que limita a incidência de juros de mora e correção monetária, delineados em sentença condenatória de reparação civil, até a data do pedido de recuperação judicial. ( )

13) O fato de a empresa se encontrar em recuperação judicial obsta a homologação de sentença arbitral estrangeira. ( )

14) Cabem embargos de divergência no âmbito de agravo que não admite recurso especial com base na Súmula 83/STJ para dizer que, no mérito, o acórdão impugnado estaria em sintonia com o entendimento firmado por esta Corte Superior. ( )

15) O alienante não possui legitimidade passiva para figurar em ação de execução fiscal de débitos constituídos em momento anterior à alienação voluntária de imóvel. ( )

16) Inserir informação falsa em currículo Lattes configura crime de falsidade ideológica. ( ) 17) Para a incidência da majorante prevista no artigo 40, V, da Lei 11.343/06, é desnecessária a efetiva

transposição de fronteiras entre estados da federação, sendo suficiente a demonstração inequívoca da intenção de realizar o tráfico interestadual. ( )

18) A prática de crime ou contravenção penal contra a mulher com violência ou grave ameaça no ambiente doméstico impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. ( )

19) É aplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. ( )

20) O prazo de 3 dias úteis a que se refere o art. 479 do CPP deve ser respeitado não apenas para a juntada de documento ou objeto, mas também para a ciência da parte contrária a respeito de sua utilização no Tribunal do Júri. ( )

21) Constitui acréscimo patrimonial a atrair a incidência do Imposto de Renda, em caso de liquidação de entidade de previdência privada, a quantia que couber a cada participante, por rateio do patrimônio, superior ao valor das respectivas contribuições à entidade em liquidação, devidamente atualizadas e corrigidas. ( )

22) Não incide contribuição previdenciária sobre o auxílio quebra de caixa. ( ) Gabarito

1. E 2. C 3. E 4. E 5. C 6. C 7. E 8. E 9. C 10. C

11. E 12. C 13. E 14. C 15. E 16. E 17. C 18. C 19. E 20. C

21. C 22. E