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NARA FABIANA MARIANO
INFLUÊNCIAS DOS CURRÍCULOS DE ENFERMAGEM NA
FORMAÇÃO ACADÊMICA : REFLEXÕES SOB A PERSPECTIVA
DO MATERIALISMO HISTÓRICO DIALÉTICO.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Graduação em Enfermagem do
Departamento de Enfermagem da FCM –
UNICAMP, como parte dos requisitos ao
recebimento do título de graduada em
Enfermagem.
Orientador: Prof. Dr. Mauro A.P.D. Silva.
CAMPINAS - SP
2008
Sumário
Resumo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
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1 - O percurso Estudantil da Pesquisadora e o surgimento da Pesquisa. . . . . . . . . . . . . . 2
.
2 - Retrospectiva Histórica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.1 - O Ensino de Enfermagem e o Contexto Brasileiro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
2.2 - Considerações sobre o Materialismo Histórico e Dialético. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8
.
3 - Perfil Metodológico. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.1 - Opção Metodológica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.2 - Trajetória Exploratória. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
3.3 - Fase Exploratória: síntese dos pareceres e resoluções. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
.
4 - Análise e Discussão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
4.1 - O regime ditatorial e a Formação em Enfermagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
4.2 - A tentativa de redemocratização do País e o Parecer 314/94. . . . . . . . . . . . . . . . . 15
4.3 - As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os Cursos de Graduação em
Enfermagem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
.
5 - Considerações Finais. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
.
6 - Referências Bibliográficas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
.
1
Resumo
O objetivo do estudo é analisar e comparar os pareceres que instituem os Currículos
Mínimos para a Enfermagem no
163/1972, no
314/1994 e Diretrizes Curriculares
Nacionais para Graduação em Enfermagem no 1133/2001.
A estratégia geral da
pesquisa foi captar e analisar a luz do Materialismo Histórico Dialético as contradições
dos Currículos de Graduação em Enfermagem no âmbito da formação de mão de obra
de profissionais de saúde, em particular as (os) Enfermeiras (os) tendo em vista sua
trajetória. A pesquisa teve como suporte teórico-metodológico a orientação do
Materialismo Histórico Dialético por melhor se adequar aos objetivos propostos. Os
currículos mínimos apontam histórica e comparativamente mudanças progressistas
embasadas na conjuntura política e econômica vigente em cada período. Vemos no
campo da Educação em Enfermagem um do vários eixos para as transformações dos
paradigmas da existência humana, sendo os Currículos e as Diretrizes Curriculares
Nacionais instrumentos que possibilita os profissionais de Enfermagem a compreender
o que ocorre na sociedade, ampliando sua visão sobre o mundo em que está inserido,
podendo desconstruir mitos, formar profissionais comprometidos socialmente, capazes
de programar medidas que venham de encontro com as necessidades da classe
trabalhadora e é isso o que concerne a Enfermagem como Prática Social.
Descritores: Enfermagem, Educação em Enfermagem, Currículos Mínimos.
2
1 – O percurso Estudantil da Pesquisadora e o surgimento da Pesquisa.
A opção por fazer o curso de graduação em Enfermagem ocorreu, em parte,
pela vontade de vivenciar de perto as reais condições de vida em que está inserida a
grande parcela do povo brasileiro.
Ao passar pelos diversos tipos de controle e exclusão social como por exemplo o
vestibular, ficamos surpresas ao constatarmos que fomos selecionadas para cursar a
graduação em Enfermagem em uma Universidade Pública de prestígio como a
Universidade Estadual de Campinas.
Durante o primeiro ano do curso de graduação nos deparamos com questões
ambíguas na Enfermagem, tais como a hegemonia médica, subalternização, divisão
social do trabalho, e por um período esses temas nos incomodaram a ponto de acreditar
que essas questões eram provocadas de forma isoladas e que não tinham conotações ou
explicações históricas.
Após contato com a história da Enfermagem e a aproximação com o movimento
estudantil geral e da enfermagem identificamos que essas questões que aparentam
ambigüidades foram construídas historicamente. A submissão da Enfermagem e à
hegemonia médica na Saúde foram construídas sobretudo pelo papel social
desempenhado pela mulher na sociedade contemporânea, ou seja, as tarefas domésticas,
de cuidado dos filhos e do marido, tarefas essas consideradas sem necessidade de
elaboração ou fundamentação científica, fatos intimamente correlacionados com a
relação submissa da enfermagem.
Através do Movimento Estudantil pudemos vislumbrar as contradições
existentes na sociedade e me colocar enquanto indivíduo e futura enfermeira, ou seja,
trabalhadora, oprimida e explorada pelos donos dos meios de produção, estas condições
apontam para a necessidade da Enfermagem se organizar politicamente.
A partir desta desvelação, não conseguimos mais atuar nos campos de atividades
práticas e estágios durante a graduação sem desviar os olhares para as condições
humanas colocadas, a miséria, a fome, o desemprego, a morte, a criminalidade e
correlacioná-las com o atual modelo de sociedade. Começamos a aprofundar leituras
sobre o histórico da Saúde no Brasil e no mundo e o papel desempenhado pela
Enfermagem nesses cenários.
Percebemos que durante o curso de graduação e pela inserção no movimento
estudantil nacional de enfermagem que nossa formação ainda é majoritariamente
3
curativista, voltada para a atenção complexa, serviços secundários e terceários, e nos
frustramos inúmeras vezes por vislumbrarmos que como Enfermeira continuaríamos
atuando no binômio saúde – doença, não conectados com outras variáveis sociais, e
mesmo assim os problemas da vida da classe trabalhadora continuariam existindo. As
ações que desenvolvemos e desenvolveremos atuariam pontualmente na vida dos
indivíduos explorados pelo capital, e que nossa função seriam recuperá-los para
continuarem sendo exploradas, garantindo assim a produtividade, a mais-valia e por
conseqüência o aprofundamento da divisão de classe. Foi então que decidimos
desenvolver esse Trabalho de Conclusão de Curso voltado para as nossas indagações,
questionamentos, dúvidas e apontamentos.
Portanto, nesse cenário apresentado brevemente, nos propomos discutir o ensino
em enfermagem, pois através deste exercício é possível compreender os rumos do
trabalho da enfermagem desempenhado na sociedade, e o quanto os Currículos
Mínimos de Graduação em Enfermagem contribuíram para aprofundar as diferenças
sociais, pois nos currículos estão impressos nas relações entre o mundo do trabalho e o
padrão de desenvolvimento buscado pela sociedade.
Para superar as contradições acima citadas, é necessário considerar a
Enfermagem como prática social, uma profissão inserida nos órgãos de representação da
classe trabalhadora, como os Sindicatos, os órgãos de luta pela educação, como a
ABEn, buscando: o conhecimento científico e a politização como prática social. Lutar
para que a formação em enfermagem seja um instrumento de libertação popular, que
incentive a participação nos movimentos sociais.
É necessário que as pesquisas em Enfermagem sejam coerentes com as
necessidades do povo, fomentando reflexões e fortalecendo os instrumentos das várias
formas de organização política popular, tais como: os movimentos sociais, movimentos
sindicais, movimentos de categoria profissional, os partidos políticos e o próprio
movimento estudantil.
Pelas inquietações expostas demonstramos o interesse de estudar
comparativamente e de forma descritiva, o Parecer no
163/72 que define o Currículo
Mínimo para os Cursos de Enfermagem e Obstetriz e no 314/94 que coloca o Currículo
Mínimo para os Cursos de Graduação em Enfermagem e a Resolução no1133/2001 que
estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em
Enfermagem.
4
O estudo busca realizar a análise do contexto político-social e conjuntural em
que se dá o ensino de graduação nas Escolas de Enfermagem no Brasil através dos
pareceres e resoluções que influenciaram a formação da (o) Enfermeira (o).
2 – Retrospectivas Históricas
“A dicotomia entre o “pensar” e o “fazer” foi orientada e estimulada de diversas formas pelas diversas ordens
sociais que subordinaram as relações dos homens à sociedade”.
Mauro Antonio P. D. Silva.
2.1 – O Ensino de Enfermagem e o Contexto Brasileiro.
A Enfermagem surgiu do desenvolvimento e da evolução das práticas de saúde,
inicialmente instintivas. Estas primeiras formas de prestação de assistência garantiram
ao homem a manutenção da sua sobrevivência, estando na sua origem, associadas ao
trabalho feminino, caracterizado pela prática do cuidar nos grupos nômades primitivos
(1).
Quando o domínio dos meios de cura passou a significar poder, alguns grupos
aliaram este conhecimento ao misticismo, fortalecendo-o e apoderando-se dele. Dessa
forma, as práticas de saúde começaram a ser abordadas do ponto de vista místico e
religioso pelos sacerdotes, nos templos, na era antes de Cristo. Estas ações
permaneceram por muitos séculos sendo desenvolvidas nos templos que, a princípio,
foram simultaneamente santuários e escolas, onde os conceitos primitivos de saúde
eram ensinados. Posteriormente, surgiram escolas específicas para o ensino da arte de
curar no sul da Itália e na Sicília, expandindo-se pelos grandes centros do comércio,
ilhas e cidades da costa (2)
.
As práticas de saúde, antes místicas e sacerdotais, passaram a se basear
essencialmente na experiência, no conhecimento da natureza, no raciocínio lógico, que
desencadeava uma relação de causa e efeito para as doenças, na filosofia, baseada na
investigação livre e na observação dos fenômenos, limitada, entretanto, pela ausência
quase total de conhecimentos anatomofisiológicos. Essa prática individualista voltou-se
para o homem e suas relações com a natureza e as leis. Este período foi considerado
pela medicina grega como período hipocrático, destacando a figura de Hipócrates, o
qual propôs uma nova concepção de saúde, dissociando a arte de curar dos preceitos
místicos e sacerdotais, através da utilização do método indutivo, da inspeção e da
observação. Não há caracterização nítida da prática de Enfermagem nesta época (2)
.
5
No período medieval, compreendido entre os séculos V e XIII, a Enfermagem se
firma como prática leiga, desenvolvida por religiosos. Foi uma fase que deixou como
legado uma série de valores que, com o passar dos tempos, foram aos poucos
legitimados e aceitos pela sociedade como características inerentes à profissão. A
abnegação, o espírito de serviço, a obediência e outros atributos deram à Enfermagem
uma conotação de sacerdócio, não de prática profissional.
O exercício da Enfermagem no contexto dos movimentos Renascentistas e da
Reforma Protestante, período que foi do final do século XIII ao início do século XVI,
não constituiu fator de crescimento para ela. Enclausurada nos hospitais religiosos,
permaneceu empírica e desarticulada durante muito tempo, vindo desagregar-se ainda
mais a partir dos movimentos de Reforma Religiosa e das conturbações da Santa
Inquisição. O hospital, já negligenciado, passou a ser um insalubre depósito de doentes,
onde homens, mulheres e crianças utilizavam as mesmas dependências, amontoados em
leitos coletivos (2)
.
Sob exploração deliberada, considerada um serviço doméstico, pela queda dos
padrões morais que a sustentavam, a prática da enfermagem tornou-se indigna e sem
atrativos para as mulheres de casta social elevada. Esta fase tempestuosa, que significou
uma grave crise para a Enfermagem, permaneceu por muito tempo e apenas no limiar da
revolução capitalista é que alguns movimentos reformadores, que partiram,
principalmente, de iniciativas religiosas e sociais, tentaram melhorar as condições do
pessoal a serviço dos hospitais.
As práticas de saúde no mundo moderno analisam as ações de saúde e, em
especial, as de Enfermagem, sob a ótica do sistema político-econômico da sociedade
capitalista e ressaltam o surgimento da Enfermagem como atividade profissional
institucionalizada. Esta análise inicia-se com a Revolução Industrial no século XVI e
culmina com o surgimento da Enfermagem moderna na Inglaterra, no século XIX.
A organização da Enfermagem na sociedade brasileira começou no período
colonial e estendeu-se até o final do século XIX. A profissão surgiu como uma simples
prestação de cuidados aos doentes, realizada por um grupo formado, na sua maioria, por
escravos, que nesta época trabalhavam nos domicílios. Desde o princípio da colonização
foi incluída a abertura das Casas de Misericórdia, que tiveram origem em Portugal (2)
.
As transformações econômicas e sociais ocorridas com o advento e a expansão do
capitalismo, determinaram a substituição do modelo Tradicional de Enfermagem pelo
chamado modelo Vocacional ou de Arte, introduzido por Florence Nightingale que
6
considerava que a assistência à saúde era prioritariamente individual, curativista e
desenvolvida nos hospitais (2)
.
Era preciso higienizar, disciplinar e hierarquizar o hospital, considerado como um
morredouro á época. Esta nova enfermagem, considerada moderna, organizada sob a
ideologia da disciplinarização, tanto do ambiente hospitalar como de seus agentes,
estendeu-se a outros países, encontrando nos Estados Unidos condições próprias ao seu
desenvolvimento (2)
.
No Brasil, este modelo se impôs a partir da fundação da Escola de Enfermeiras do
Departamento Nacional de Saúde Pública (atual Escola de Enfermagem Anna Nery) em
1923, sob a orientação de enfermeiras norte-americanas e sob a égide da saúde pública.
Para alguns autores como Fernandes (1985) a necessidade da transição da Enfermagem
tradicional para a Enfermagem vocacional surgiu concomitantemente com as primeiras
políticas públicas de saúde por parte do Estado Brasileiro, que objetivava o controle de
endemias, no controle sanitário portuário mínimo para políticas de exportação e
imigração para o país para atrair mão-de-obra para ser explorada pelo mercado
capitalista (4)
.
Após a II Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram uma posição de
supremacia diante das outras nações. O sistema capitalista se reciclou e renovou,
fortalecendo-se e impondo suas políticas, sobretudo nos países ocidentais. Também no
campo da enfermagem, a influência norte-americana se fez sentir, pela produção
científica e de cursos de Pós-Graduação, as enfermeiras norte-americanas procuraram
desenvolver um corpo de conhecimentos próprios que fosse capaz de conferir á
enfermagem o status de ciência (4)
.
Com o crescimento industrial, a aceleração do processo de urbanização, o crescente
número de assalariados, viabilizava o crescimento dos chamados complexos médico-
hospitalares para prestar assistências aos previdenciários (3)
.
A formação de pessoal de Enfermagem para atender inicialmente aos hospitais
civis e militares e, posteriormente, às atividades de saúde pública, principiou com a
criação, por médicos à luz do modelo francês, da Escola Profissional de Enfermeiros e
Enfermeiras, no Rio de Janeiro, junto ao Hospital Nacional de Alienados do Ministério
dos Negócios do Interior. Esta escola, que é de fato a primeira Escola de Enfermagem
Brasileira, foi criada pelo Decreto Federal nº. 791, de 27 de setembro de 1890, e
denomina-se atualmente Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pertencente à
Universidade do Rio de Janeiro (4)
.
7
É neste contexto que a enfermagem encontra espaço para o seu desenvolvimento.
Com o declínio dos serviços de saúde pública e o avanço da assistência hospitalar a
enfermagem, que era eminentemente de saúde pública sob a égide da organização das
Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), passa agora a ocupar
a rede hospitalar majoritariamente privada, empresarial e lucrativa, atendendo aos
interesses capitalistas, deixando de lado a preocupação com os problemas básicos da
saúde, o que fortaleceria seu papel de ator social, comprometido com a prática social e
política, e trilhando um caminho para dominar as técnicas avançadas em saúde em razão
a evolução científica (4)
.
Em 1922, vinculada ao DNSP, foi criada a Escola de Enfermagem do
Departamento Nacional de Saúde Pública, por meio do Decreto n°. 15.799 de 10 de
novembro, que passou a funcionar em 1923. A escola foi implantada por enfermeiras
norte-americanas enviadas pela Fundação Rockefeller, cujos objetivos eram organizar o
serviço de enfermagem de saúde pública e dirigir a escola, o que fizeram até 1931,
quando repassaram seus cargos para as enfermeiras brasileiras. Em 1926, a escola
recebeu a denominação de Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN) e, em 1931,
Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio de Janeiro (4)
.
Com o incremento das indústrias, a partir de 1950, voltadas para os complexos
médico-hospitalares, aumento dos laboratórios de medicamentos e outros
empreendimentos como, o crescimento da população previdenciária, as questões de
saúde pública começaram a perder a sua importância e a atenção médica hospitalar e
individualizada tornou-se, mais uma vez, o foco da prestação de cuidados, forçando
uma mudança na formação do enfermeiro (2)
.
Atualmente, no Brasil, os currículos de graduação em enfermagem são norteados
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (Resolução CNE/CES n°. 3, de 7 de novembro
de 2001), tendo como suporte a Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, cuja
regulamentação trouxe interferências importantes nas Instituições de Ensino Superior,
determinando mudanças significativas em suas estruturas e conseqüentemente afetando
toda a conformação dos cursos de graduação. Dentre as principais alterações destacam-
se: os diferentes graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira e
a substituição do currículo mínimo por estruturas curriculares apoiadas em Projetos
Políticos Pedagógicos (2)
.
8
2.2 – Considerações sobre o Materialismo Histórico e Dialético.
A Enfermagem historicamente teve grande influência da pesquisa alicerçada na
tradição positivista. O positivismo sempre esteve no bojo das pesquisas das ciências
biológicas, que através dos modelos de pesquisas centradas nos procedimentos,
construídas em fragmentos, valorizam aspectos quantitativos que possam se demonstrar
através de cálculos, experimentos, ou seja, positivados (5)
.
Na Enfermagem, o que chamamos de pesquisa qualitativa nem sempre tem a
mesma compreensão e os mesmos significados. A opção pelo método utilizado na
pesquisa, ou seja, o Materialismo Histórico Dialético (MHD), dependeu das
características pessoais da pesquisadora, de sua história de vida, condições de classe
social, inserções políticas e ideológicas, visões de mundo, dentre outras (5)
.
A escolha pelo Materialismo histórico consiste em entender que a consciência
humana é formada preponderantemente pelo mundo material, submetido e submetendo
a natureza da sociedade, buscando conhecer através do resgate histórico do ensino em
enfermagem no Brasil será capaz de transformar a realidade material (os paradigmas
sociais na enfermagem). Já a dialética é a doutrina da unidade dos contrários, quer dizer,
é o método que não deve pensar somente por contradição, mas buscar pensar por
contradição (5)
.
O Materialismo Histórico Dialético permite o desenvolvimento da criatividade e
a adequação do encaminhamento de resolução das mais variadas questões, como por
exemplo, a que se propõe este trabalho, ou seja, a analisar o contexto histórico em que
foram concebidos os Currículos Mínimos de Graduação em Enfermagem, entender que
os currículos contextualizados com uma conjuntura social que atende as demandas da
classe dominante da sociedade e se molda num contexto de desigualdades e
contradições, portanto a formação e o trabalho em enfermagem também estão
condicionados a sofrem estas influências conjunturais (4)
.
Na atualidade, a formação de força de trabalho em saúde, e em particular dos
enfermeiros, precisa acompanhar as transformações em curso nos setores educação e
saúde, seja no plano macro das políticas sociais, seja nos micro espaços institucionais
que interferem no processo ensino/aprendizagem e saúde/doença (2)
.
Abordar o MHD sob a perspectiva da pesquisa em enfermagem é estimulante e
desafiador, estimulante porque o campo da enfermagem é fértil de contradições desde a
formação profissional até o campo do trabalho, desafiador pois não é uma forma
dominante de pesquisa na área da saúde, e ao optar por esta forma de conduzir este
9
trabalho, acolhemos todos os preconceitos, vieses e dificuldades, nessa perspectiva
contra hegemônica. O método propõe-se a romper com os paradigmas dominantes (7)
.
3 – Perfil Metodológico
3.1 – Opção Metodológica
A pesquisa teve como suporte teórico-metodológico a orientação do
Materialismo Histórico Dialético (MHD) por melhor se adequar aos objetivos
propostos. Esse método se propõe a captar e interpretar um fenômeno de forma
articulada ao ensino em enfermagem, aos processos de produção e a reprodução social
de uma dada coletividade, intervém na conjuntura e estrutura de contextos sociais
historicamente determinados e prossegue reinterpretando para interpor instrumentos de
intervenção (8)
.
3.2 – Trajetória Exploratória
A estratégia geral da pesquisa foi captar e analisar a luz do MHD as
contradições dos Currículos de Graduação em Enfermagem no âmbito da formação de
mão de obra de profissionais de saúde, em particular as (os) Enfermeiras (os) tendo em
vista sua trajetória.
Trata-se de um estudo comparativo e descritivo entre as propostas curriculares
nº. 163/72, nº. 314/94 e nº. 1133/2001. Propõe-se a visualizar como era a formação
acadêmica em Enfermagem a partir da contextualização histórica. A partir do método
propõe-se a determinar e discutir as contradições dos currículos.
3.3 – Fase Exploratória: síntese dos pareceres e resoluções.
3.3.1 - Síntese do Parecer 163/72 aprovado em 27 de janeiro de 1972, que define os
Currículos Mínimos para os Cursos de Enfermagem e Obstetrícia.
O Parecer no 163/72 aprovado traz alguns preceitos para orientar de forma
explícita a maneira de se deve conduzir a formação em Enfermagem no Brasil.
O novo currículo deverá:
1) Ser realmente adequado à formação de um profissional capacitado a exercer as
atividades mais elevadas relativas à enfermagem na forma requerida pelo meio
brasileiro.
2) Fornecer ao enfermeiro um conhecimento científico básico que lhe permita não
só aprender a executar as técnicas atuais mais avançadas, relacionadas com a
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enfermagem, como acompanhar a evolução que estas irão sofrer,
inevitavelmente, pela razão da evolução científica.
3) Dar ao graduado base suficiente para o acesso, através da realização de cursos de
pós-graduação, à docência em nível superior e à participação eficaz na pesquisa.
4) Ajustar-se à filosofia e às exigências da nova legislação do ensino superior.
5) O currículo compreenderá 3 partes sucessivas:
Pré-profissional que compreende as disciplinas básicas;
O tronco profissional comum que abrange as disciplinas consideradas
específicas da enfermagem;
Habilitações que de forma geral se aproxima em aprofundamentos sobre as
áreas da enfermagem: Médico-cirurgica, Saúde Pública, Obstetrícia e
Licenciatura.
3.3.2 - Síntese do Parecer 314/94 aprovado em 06 de abril de 1994 que define os
Currículos Mínimos para os Cursos de Enfermagem.
A formulação da nova proposta de currículo mínimo para Enfermagem tem-se
como pressuposto primordial que deve ser um referencial a ser considerado
nacionalmente quando da elaboração dos currículos plenos assegurando que no processo
de formação do enfermeiro os conteúdos e a duração mínimos permitam:
1) A compreensão conjuntural do País e, nesta, o contexto da saúde;
2) A estreita relação do processo de formação com o processo de trabalho em
saúde, cuja prática deve responder às necessidades de saúde da população, em
consonância com os princípios de universalidade, equanimidade, hierarquização,
integralidade, de e resolutividade das ações de saúde, em todos os níveis de assistência.
3) O domínio dos métodos clínicos e epidemiológicos na abordagem dos
problemas individuais e coletivos de saúde;
4) A Lei do Exercício Profissional.
Neste sentido propõe como alterações estruturais:
5) Extinção das Habilitações, ou seja, que se assegure a integralização e a
terminalidade da formação do enfermeiro sem incluir falsas e precoces
"especializações";
6) O aumento da duração mínima do curso, em horas e anos ;
7) O rendimento das matérias e dos conteúdos das áreas de ciências humanas e
biológicas.
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3.3.4 – Síntese do Parecer 1133/2001 aprovado em 07 de agosto de 2001 que
determina as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Enfermagem.
A) PERFIL DO FORMANDO EGRESSO/PROFISSIONAL
Enfermeiro, com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, com a cidadania,
como promotor da saúde integral do ser humano. Enfermeiro com Licenciatura em
Enfermagem capacitado para atuar na Educação Básica e na Educação Profissional em
Enfermagem.
B) COMPETÊNCIAS E HABILIDADES
Competências Gerais:
Atenção à saúde de maneira ampla, privilegiando um pensar crítico: desenvolver
ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde tanto em nível
individual quanto coletivo.
Tomada de decisões: o trabalho dos fundamentado na capacidade de tomar decisões
visando o uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de
medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas.
Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a
confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros
profissionais de saúde e o público em geral.
Liderança: desenvolver posições de liderança no trabalho em equipe
multiprofissional e com a comunidade.
Administração e gerenciamento: aptos a tomar iniciativa, fazer o gerenciamento e
administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de
informação, da mesma forma que devem estar aptos a ser empreendedores, gestores,
empregadores ou lideranças na equipe de saúde;
Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender
continuamente, proporcionando condições para que haja beneficio mútuo entre os
futuros profissionais e os profissionais dos serviços.
Para conclusão do Curso de Graduação em Enfermagem, o aluno deverá
elaborar um trabalho sob orientação docente.
12
4 – Análise e Discussão.
4.1 – O regime ditatorial e a Formação em Enfermagem.
O parecer no 163/72 que institui o Currículo Mínimo para os Cursos de
Enfermagem e Obstetrícia foi criado num momento muito importante na constituição
histórica do Brasil.
A ditadura civil-militar vigorou no Brasil entre 1964 e 1984 e caracterizou-se
pelo alinhamento da economia nacional ao padrão de desenvolvimento capitalista em
vigor nos anos 1960 e 1970, que se traduziu em autoritarismo do Estado através de Atos
Institucionais, censuras de toda ordem, repressão, torturas, ferrenha perseguição a
opositores, tudo isso sob a vigência da Doutrina de Segurança Nacional, em um modelo
econômico altamente concentrador de renda (9)
.
A forma de dominação burguesa, existente no Brasil a partir de 1946, se mostrou
incapaz de preservar as relações fundamentais do sistema capitalista, sendo a
intervenção das Forças Armadas, em 1964, um meio utilizado pela parcela da burguesia
brasileira que se aliava ao capital internacional, para por fim ao modelo nacionalista de
desenvolvimento e de consolidar a forma imperialista de “progresso” (9)
.
No currículo mínimo de Enfermagem vemos caracterizado esse momento
histórico em vários momentos, tais como, ...“adequado à formação de um profissional
capacitado a exercer as atividades (...) na forma requerida pelo meio brasileiro”..., ou
ainda no trecho, “fornecer ao enfermeiro um conhecimento científico básico que lhe
permita não só aprender a executar as técnicas atuais mais avançadas, ensino tecnicista,
relacionada com a enfermagem, como acompanhar a evolução que estas irão sofrer,
inevitavelmente, em razão a abertura para o capital internacional, pela razão da
evolução científica” (9)
.
É importante lermos as entrelinhas do que está escrito neste parecer. Trechos
escritos no parecer de 1972 deixam claro como deve ser conduzida à formação da
enfermeira ✰
para atender “as necessidades da sociedade brasileira”, ou seja, para
atender demandas do modelo de sociedade capitalista. Tais necessidades seriam a
formação da enfermeira “ajustada ” com as necessidades do meio brasileiro, ou seja, ao
regime ditatorial e a abertura de mercado, de forma dar respostas à evolução científica
que aconteceram inevitavelmente. Ainda no primeiro trecho citado, é colocado que a
✰
Usaremos enfermeira, pois trata-se de profissão majoritariamente formada pelo gênero feminino.
13
formação da enfermeira deve ser “requerida” pelo meio brasileiro, ou seja, o meio
requerido ao padrão de desenvolvimento capitalista.
A compartimentalização do currículo de Enfermagem vem em resposta á
Reforma Universitária (RU) de 1968 descrita na Lei 5.540/68 que prevê primeiro ciclo
de estudos, ciclos básicos, tendo por objetivo a recuperação de insuficiências
evidenciadas pelo concurso vestibular na formação de alunos e orientar a escolha da
carreira e realização de estudos básicos para ciclos posteriores, ainda através da
Reforma Universitária é instituído os departamentos como a menor fração da estrutura
universitária (10)
.
Para melhor compreendermos como no campo da educação as ações e projetos
governamentais também apontam para um alinhamento ao capital internacional sob os
auspícios da ditadura civil-militar, foram assinados, neste período, os chamados
“Acordos MEC-USAID” (Ministério da Educação e Cultura – United States Agency for
International Development), sendo que os técnicos da USAID participaram diretamente
na reorganização do sistema educacional brasileiro. Foi a partir das orientações
estabelecidas pelos acordos MEC-USAID e dos Relatórios do Grupo de Trabalho da
Reforma Universitária, que foram realizadas as reformas educacionais no período
ditatorial (2)
.
Nestas perspectivas, o currículo mínimo estabelece a formação da Enfermeira
em três partes: Pré-Profissional, Tronco Profissional e Habilitações. No ciclo Pré-
Profissional vemos a predominância de disciplinas que reafirmam a concepção de saúde
como a ausência de doença. Já no Tronco Profissional vemos o aprofundamento do
ciclo altamente biomédico, centrado na técnica, nas doenças transmissíveis portuárias,
respondendo as demandas da sociedade vigente. A necessidade centrar a formação na
doença oferece respostas à lógica burguesa de exploração do trabalhador, pois a doença
retira o trabalhador do seu campo de trabalho o que caracteriza queda de produtividade
e redução de lucro.
Outro questionamento indubitavelmente importante, entretanto polêmico, é a
denominação da disciplina com o nome de Médico-Cirurgica , como o próprio nome
diz, não inclui o enfermeiro no processo de decisão como agente que, mais uma vez,
caracteriza a formação profissional da Enfermeira voltada para a lógica
hospitalocêntrica, biológica e médico-centrada.
Sobre o ciclo de Habilitações vemos muito mais definidas à habilitação em
Médico-Cirurgica e Obstetrícia do que na habilitação em Saúde Pública pois atende ao
14
objetivo da formação tecnicista, mais executado nos ambientes hospitalares. A
habilitação em Saúde Pública está voltada para o gerenciamento de serviços médico-
sanitários com intuito de reduzir e prevenir a transmissão de doenças.
4.2 – A tentativa de redemocratização do País e o Parecer 314/94.
A democratização consistia, de um lado, na destituição dos militares do poder
após 21 anos, de outro lado, marcava a ascensão de importantes movimentos sociais
organizados, que fizeram de 1980, não a “década perdida”, mas um período de intensa
mobilização social e de conquistas importantes na história da educação brasileira. Esta
ascensão inaugurou, também, uma intensa participação social nos processos decisórios
do Poder Legislativo brasileiro, nunca antes testemunhado na história, cuja culminância
ocorreu no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988 (11)
.
O movimento de renovação curricular dos anos 80 ocorreu predominantemente
nas regiões Sudeste e Sul, a partir das eleições de governos de oposição ao regime
militar. A intenção prioritária era melhorar a qualidade do ensino oferecido na escola
pública e reduzir as altas taxas de repetência e evasão escolar que penalizavam,
dominantemente, as camadas populares. Procurava-se, também, incentivar a
participação da comunidade escolar nas decisões, de forma a superar o autoritarismo das
reformas anteriores (3)
.
A proposta contida no Parecer no 314/94, em nossa avaliação, foi uma tentativa
que apontava a superação daquela distância, desconsiderada no momento com a
proposta de diretrizes curriculares (3)
. Nesse período de 80 e 90 foram defendidos os
pressupostos para a educação, sendo as mesmas construídas coletivamente,
constituindo-se em uma ação efetiva em direção a um ensino pautado na realidade, com
a tentativa de inserção de conteúdos pertinentes à formação da enfermeira nas reais
necessidades da maioria das pessoas (12)
.
O Parecer no 314/94 nega prioritariamente a formação fragmentada, altamente
especializada, tecnicista, voltado para área hospitalar através das habilitações, pautando
inicialmente a formação de profissionais generalistas e determina que as especializações
lato e stricto senso ocorram na pós-graduação. Propicia e reafirma a necessidade de se
entender o momento histórico vivenciado, ou seja, a tentativa da redemocratização do
país e apresenta para o Projeto Político Pedagógico da Enfermagem.
15
Ainda na década de 80 vemos que com o levante do Movimento pela Reforma
Sanitária, através da Constituição Federal de 1988 vem regulamentar a saúde enquanto
direito e dever do Estado. Cria também o Sistema Único de Saúde, instituindo seus
princípios: universalidade, equanimidade, hierarquização, integralidade, de e
resolutividade das ações de saúde, em todos os níveis de assistência e o novo currículo
deveria dar respostas para a consolidação do SUS.
Apesar do currículo mínimo apontar a Saúde como um direito de todos e dever
do Estado garantido na Constituição Federal, Lima (13)
aponta que em 1988 , segundo
levantamento realizado demonstra que o setor privado autônomo que também integra as
seguradoras de saúde, cooperativas médicas e empresas de medicina de grupo acolhia
naquele mais de mil empresas, movimentando cerca de 14 milhões de dólares por ano.
A carga horária mínima passou a ser de 3.500 horas/aula, incluindo as 500 horas
destinadas ao estágio curricular, com duração não inferior a dois semestres letivos e
desenvolvido sob supervisão docente.
Buscava assegurar a participação do enfermeiro dos serviços de saúde no ensino
através de propostas de integração docente-assistencial, proposição não teve diferentes
interpretações. Permitiu inclusive o entendimento de que supervisão do estágio
curricular poderia ser feita à distância, desde que ancorada em um projeto de integração
docente-assistencial.
Os conteúdos relativos à Saúde Pública, excluídos do currículo mínimo anterior,
retornaram sob a designação de Saúde Coletiva. Entretanto, manteve-se a subdivisão em
especialidades médicas na área temática Assistência de Enfermagem, evidenciando a
dificuldade de ruptura com a matriz flexneriana que orientou o ensino de Enfermagem
desde seu início no Brasil.
4.3 – As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os Cursos de Graduação
em Enfermagem.
Em 2001 foi homologado o Parecer CNE/CES nº. 1133/2001 – que definiu as
“Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina
e Nutrição” e a Resolução nº. 3/2001, que instituiu as diretrizes específicas para o
ensino de graduação em enfermagem. Entretanto, não ficou estabelecido o período de
duração dos cursos, sob o pretexto de que as DCNs tem como princípio assegurar às
instituições de ensino superior “ampla liberdade” na composição da carga horária a ser
16
cumprida para a integralização dos currículos, assim como na especificação das
unidades de estudos a serem ministrados. A análise que fazemos sob essa “ampla
liberdade” é que, na conjuntura vivida no início do ano de 2000 justifica a abertura
indiscriminada de cursos de graduação em Enfermagem.
Em pesquisa realizada no site oficial da SESu/MEC no mês de outubro de 2008
vemos que o número de escolas vem crescendo a nível exponencial, são cerca de 714
escolas de Enfermagem no Brasil, sendo que 345 escolas (48,32%) estão concentradas
na região sudeste, e 162 escolas estão localizadas estado de São Paulo, o que
corresponde a 22,68%.
Os principais objetivos da Diretriz é formar a (o) Enfermeira (o) generalista,
humanista, crítica e reflexiva, capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações
de saúde-doença mais prevalentes no perfil epidemiológico nacional, com ênfase na sua
região de atuação, identificando as dimensões bio-psico-sociais dos seus determinantes.
Capacitado a atuar, com senso de responsabilidade social e compromisso com a
cidadania, como promotor da saúde integral do ser humano.
O que entendemos como formação generalista,crítica e reflexiva? Na descrição
sob as competências e as habilidades que a formação necessita garantir vemos que a (o)
Enfermeira (o) seja capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade
e de procurar soluções para os mesmos.
Segundo Lima(13)
, o impacto do receituário neoliberal incrementado pela
associação da burguesia nacional com a internacional e a conseqüente superexploração
do trabalho sobre a saúde do trabalhador pode ser verificado em dois exemplos muito
perversos. Um elemento visível é a violência urbana, que presenciamos a todo o
momento, no nosso cotidiano, e que é um fenômeno intimamente ligado ao quadro de
desigualdades que se instalou no país, que não estão ligados somente a pobreza. Em
2006 as causas de morte por homicídio, suicídio e agressões foram a segunda maior
causa de mortes, quase equivalentes às neoplasias, configurando a violência como um
grave problema de saúde pública.
Será que a formação em Enfermagem garante a visão crítica da sociedade?
Acreditamos que isso se dará através da prática da leitura concreta das situações
vividas, análise da realidade partindo de um contexto social, de uma conjuntura macro e
micro social e política, sendo estes o papel das disciplinas de Sociologia, Antropologia e
as da Saúde Coletiva.
17
Nossa formação ainda se furta em realizar esse debate, e mesmo que se
aprofundássemos nossa visão e formação para esse viés, apontamos que não é somente
dentro do campo de formação e de trabalho que a Enfermagem configurará soluções
para essa necessidade.
Para conseguiremos solucionar o aumento da exploração do trabalho, as
desigualdades, a miséria e a fome, é necessário se organizar em espaços políticos como
Sindicatos, Associações Docentes, Espaços de Representação Estudantil, nos
movimentos populares e nos partidos, somente desta forma a Enfermeira poderá
identificar a saúde como um direito que está sendo cada vez mais retirado.
Entretanto na formação em Enfermagem ainda é baixo o desenvolvimento a
responsabilidade social, caracterizado pelo modelo de sociedade que passamos, que
pauta a individualismo, a sectarização, a méritocracia, a competição e a fragmentação
da formação (13)
.
A formação em Enfermagem sob a concepção de saúde como um bem estar bio-
psico-social se dará desta forma, ou seja, separada da análise contextual vivida, é
necessária a construção da concepção de saúde ampliada, que é definida como resultado
das relações sociais que os homens estabelecem e deste com a natureza, no processo de
produção de sua existência (13)
.
Esta análise de se entender a saúde está na base da perspectiva da reforma social,
ou na necessidade de uma reforma que não fosse apenas setorial. Agrega-se a esse fato
que a dimensão da historicidade das práticas de saúde só podiam ser compreendidas no
contexto histórico de determinada sociedade e num dado momento de seu
desenvolvimento (13)
.
Do ponto de vista das práticas educativas ou formação profissional em saúde e
em enfermagem, essa nova concepção de saúde vai exigir uma nova concepção de
educação, segundo a qual os trabalhadores deveriam ser educados não apenas para
compreender o seu papel como membro de uma equipe de saúde, mas principalmente
para participar da gestão do sistema, intervir na sua organização e atuar no seu controle.
Quer dizer que, o par „formação-participação‟ é conseqüência direta do lema central do
movimento sanitarista, sintetizada na idéia de Saúde e Democracia (13)
.
A própria formação profissional é entendida aí como uma condição para a
própria participação, no sentido de qualificar as intervenções dos trabalhadores na
definição e organização do sistema de saúde, aliando com isso a dimensão técnica e a
dimensão política na formação dos futuros dirigentes deste sistema.
18
Ainda na discussão sobre as habilidades e competências para a formação em
Enfermagem, vemos que no tópico Liderança é definido que a Enfermeira deve liderar o
trabalho na equipe multiprofissional, sendo apta a assumir essa posição de líder.
Sabemos que isso é impraticável visto a hegemonia do modelo médico na prestação da
assistência à saúde, sendo todos os outros profissionais da saúde, inclusive a
Enfermeira, subordinados a lógica do cuidado médico-centrado.
Sob essa ótica percebemos também que o tópico Administração e
Gerenciamento colocam que os devemos ser empreendedores, ou seja, temos que ter
iniciativa, temos que gerenciar o serviço como se ele fosse nosso, temos que buscar
novas idéias para administrar a falta de recursos humanos e materiais, sem ao menos
perpassar pela política macroeconômica, ou seja, temos que estar aptos a dar respostas
cada vez mais aprimoradas ao baixo financiamento do Estado para o Setor Saúde.
Nas DCNs para os Cursos de graduação em Enfermagem, além dos conteúdos
teóricos e práticos desenvolvidos ao longo de sua formação, os cursos têm que cumprir
estágios curriculares supervisionados, na tentativa de aproximar os docentes do cenário
de prática, em todos os níveis de atenção à Saúde nos dois últimos semestres do Curso
com carga horária de 20% da carga horária total da Graduação.
Há também a instituição dos Trabalhos de Conclusão de Cursos sob orientação
docente, na tentativa de propiciar que todos os estudantes pudessem obter experiências
no campo da pesquisa. O que não está definido é se o Trabalho de Conclusão de Curso
necessita estar articulado com o Estágio Curricular Supervisionado, na tentativa de que
a pesquisa em enfermagem atendesse as necessidades da população que concerne
também às necessidades e apontamentos dos serviços de saúde.
19
5 – Considerações Finais
A universidade exerce um importante papel social, visando à construção do
conhecimento científico e de formas de interação com a prática mediante condições que
estimulam a reflexão, a capacidade de observação, análise crítica de idéias e a
formulação de pressupostos. Para isso, deve propiciar atividade que possibilitem aos
estudantes o desenvolvimento de atitudes e ações crítico-reflexivas, tendo com objetivo
a formação de estudante/pessoa/cidadão(14)
.
Na universidade, lançamos mão dos saberes acumulados que nos antecederam,
para compreender e responder aos problemas sociais que nos defrontamos no cotidiano
e para enfrentar os desafios de compreender porque as coisas são como são, de como
devemos agir, que decisão tomar, etc (14,15)
.
Os Currículos Mínimos e as Diretrizes Curriculares demonstram tentativas em
cada contexto histórico e social de superar as contradições que concernem a
Enfermagem.
A enfermagem como prática social requer o posicionamento dos enfermeiros
como agentes políticos e não apenas como agentes técnicos desprovidos de caráter
questionador, de apreensão correta da realidade e da compreensão própria de seu papel
como transformador da sociedade e nesse sentido os Currículos precisam ser cada vez
mais aprimorados em conjunto com as entidades políticas da Enfermagem e dos
movimentos políticos nacionais que lutam pela educação (16)
.
A formação em Enfermagem funciona como uma das alavancas para a
conquista de espaços. Através desta via, a competência técnica necessita ser
acompanhada de competência científica e política, sendo assim vital para a profissão
sua participação nas definições das políticas de saúde e educação do país (16,17)
.
20
6 – Referências Bibliográficas
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21
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