Influência Do Nevoeiro Salino Na Degradação de Cerâmica Estrutural

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II Congresso Jovens Investigadores em Geociências, LEG 2012 Estremoz, 01-04 Novembro 2012 Livro de Actas Influência do Nevoeiro Salino na Degradação de Cerâmica Estrutural Sea Salt Influence in degradation of construction ceramics B. Sena da Fonseca 1 * , J.A.R. Simão 1 , C. Galhano 1 , R. Martins 2 1 U.N.L. Fac. de Ciências e Tecnologia, Dep. Ciências da Terra, 2829-516 Caparica. 2 Universidade de Évora, Dep. Geociências, Centro de Investigação GeoBioTec, 7004-516 Évora. * [email protected] Resumo: Os materiais cerâmicos estruturais, cuja principal matéria-prima é a argila, são usualmente empregues em diversos tipos de construções como revestimentos e coberturas. Problemas de degradação precoce na generalidade dos materiais presentes nestas construções, são uma preocupação. Estes podem acarretar consequências funcionais, estéticas, económicas e de segurança. Diversos fatores podem contribuir para esta situação os quais estão relacionados com as características dos produtos usados que estão intimamente ligadas às especificidades da matéria- prima e aos processos de fabrico, bem como as características do ambiente onde os produtos são inseridos. A alteração que o nevoeiro salino provoca nestes materiais sob um ponto de vista físico, químico, mecânico e estético foi estudada em três tipos de produtos cerâmicos e as suas variações quantificadas. Palavras-chave: Cerâmica estrutural, alteração, nevoeiro salino, envelhecimento acelerado. Abstract: The structural ceramic materials, which clay is the main raw material, are usually employed in various construction types. Problems of premature degradation of the materials in these constructions are a major concern. This can lead to functional, aesthetic, economic and safety problems. Several factors may contribute to this situation and are related to the characteristics of the products and their material raw, also to the characteristics of the environment where they are applied. The physical, chemical, mechanical and aesthetic alteration produced by salt spray in these materials, were studied in three types of ceramic products and their variations quantified. Key-words: Structural ceramic, alteration, salt spray, accelerated aging test. INTRODUÇÃO Os cerâmicos estruturais cuja matéria-prima predominante é de origem geológica, têm sido amplamente usados em construções desde 8000 a.C.. Se na antiguidade os critérios de qualidade não eram muito exigentes, actualmente a seleção da matéria-prima deverá ser feita de forma cuidada, processo essencial para o sucesso da aplicação e durabilidade do material cerâmico. Para além da sua antiga tradição, recentemente tem-se verificado uma revalorização das coberturas inclinadas revestidas com telhas cerâmicas, com especial incidência na área da habitação. A sua utilização possibilita uma sequência na tradição arquitectónica do país, e a sua diversidade de formas, peças e acessórios permite variados efeitos estéticos. Portugal tem uma grande dimensão histórica no que diz respeito à utilização deste tipo de produto em pavimentos e revestimentos cerâmicos. Colen et al. (2008) refere que, entre 1946 e 2001, os ladrilhos cerâmicos foram o terceiro material utilizado para revestimento de fachadas de edifícios em Portugal.

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Nevoeiro Salino

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Livro de Actas

Influência do Nevoeiro Salino na Degradação de Cerâmica Estrutural

Sea Salt Influence in degradation of construction ceramics

B. Sena da Fonseca1 *, J.A.R. Simão1, C. Galhano1, R. Martins 2 1 U.N.L. – Fac. de Ciências e Tecnologia, Dep. Ciências da Terra, 2829-516 Caparica. 2 Universidade de Évora, Dep. Geociências, Centro de Investigação GeoBioTec, 7004-516 Évora. * [email protected]

Resumo: Os materiais cerâmicos estruturais, cuja principal matéria-prima é a argila, são usualmente empregues em diversos tipos de construções como revestimentos e coberturas. Problemas de degradação precoce na generalidade dos materiais presentes nestas construções, são uma preocupação. Estes podem acarretar consequências funcionais, estéticas, económicas e de segurança. Diversos fatores podem contribuir para esta situação os quais estão relacionados com as características dos produtos usados que estão intimamente ligadas às especificidades da matéria-prima e aos processos de fabrico, bem como as características do ambiente onde os produtos são inseridos. A alteração que o nevoeiro salino provoca nestes materiais sob um ponto de vista físico, químico, mecânico e estético foi estudada em três tipos de produtos cerâmicos e as suas variações quantificadas.

Palavras-chave: Cerâmica estrutural, alteração, nevoeiro salino, envelhecimento acelerado. Abstract: The structural ceramic materials, which clay is the main raw material, are usually employed in various construction types. Problems of premature degradation of the materials in these constructions are a major concern. This can lead to functional, aesthetic, economic and safety problems. Several factors may contribute to this situation and are related to the characteristics of the products and their material raw, also to the characteristics of the environment where they are applied. The physical, chemical, mechanical and aesthetic alteration produced by salt spray in these materials, were studied in three types of ceramic products and their variations quantified.

Key-words: Structural ceramic, alteration, salt spray, accelerated aging test.

INTRODUÇÃO Os cerâmicos estruturais cuja matéria-prima predominante é de origem geológica, têm sido

amplamente usados em construções desde 8000 a.C.. Se na antiguidade os critérios de qualidade não

eram muito exigentes, actualmente a seleção da matéria-prima deverá ser feita de forma cuidada,

processo essencial para o sucesso da aplicação e durabilidade do material cerâmico. Para além da

sua antiga tradição, recentemente tem-se verificado uma revalorização das coberturas inclinadas

revestidas com telhas cerâmicas, com especial incidência na área da habitação. A sua utilização

possibilita uma sequência na tradição arquitectónica do país, e a sua diversidade de formas, peças e

acessórios permite variados efeitos estéticos.

Portugal tem uma grande dimensão histórica no que diz respeito à utilização deste tipo de produto

em pavimentos e revestimentos cerâmicos. Colen et al. (2008) refere que, entre 1946 e 2001, os

ladrilhos cerâmicos foram o terceiro material utilizado para revestimento de fachadas de edifícios em

Portugal.

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O problema da durabilidade destes materiais é desde há muito uma preocupação que se deve ao

desconhecimento das características físicas, químicas e mecânicas dos materiais, que estão

intimamente ligadas à matéria-prima que lhe deu origem. A sua seleção é muitas vezes desadequada

às condições ambientais, nomeadamente nas zonas litorais onde a presença de substâncias

provenientes do mar, “nevoeiro salino”, essencialmente NaCl, é comum em todos os continentes. A

influência marinha na atmosfera é acentuada até aos 20 km para o interior da linha de costa sendo

frequente a interação entre o nevoeiro salino proveniente dos oceanos e os materiais de construção,

nomeadamente os cerâmicos estruturais. A degradação provocada pelo NaCl tem sido amplamente

estudada em rochas ornamentais (por exemplo, Zezza & Macrì, 1995 e Silva & Simão, 2009), contudo

os estudos em materiais cerâmicos são escassos.

Pretendeu-se assim estudar os materiais cerâmicos de construção, quando sujeitos a um ambiente

litoral sob a acção do nevoeiro salino através de diversos ensaios laboratoriais. Determinaram-se as

propriedades funcionais de três produtos cerâmicos, mais afetadas por esta acção, bem como as

características que favoreceram a sua degradação.

METODOLOGIA Para este estudo, utilizaram-se três tipos de produtos cerâmicos distintos: um de cobertura, telha

lusa submetida a uma temperatura de cozedura de 1035 °C, e dois tipos de revestimento exterior,

um grés extrudido e um grés vidrado com cozedura de 1230 °C e 1220 ºC, respectivamente. Foram

efetuadas as curvas granulométricas (EN 196 1966) e análises de consistência (NP 143 1969) às

matérias-primas de dois produtos. Na ausência de uma Norma Europeia para aplicação do ensaio de

envelhecimento acelerado por nevoeiro salino aos materiais cerâmicos, seguiu-se a NP EN 14147

com adaptações. Utilizou-se uma câmara ASCOTT S120T onde os provetes dos produtos foram

submetidos a nebulização com uma solução salina durante 8 horas e de seguida submetidos a

secagem a uma temperatura de 40°C durante 16 horas o que corresponde a 1 ciclo. Realizou-se um

total de 60 ciclos em que, a cada 10 ciclos, os produtos foram retirados da câmara para remoção de

sal por imersão em água destilada durante 9 dias, seguida de determinação de massa. A cada 20

ciclos o estado dos provetes foi inspecionado visualmente e com recurso a lupa binocular, tendo-se

também determinado o módulo de ruptura (NP EN 10545-4) para monitorização da alteração das

características mecânicas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO Na figura 1 é possível identificar que a dimensão média das partículas presentes na matéria-prima

das telhas é superior à das partículas presentes na matéria-prima do grés extrudido. A curva

correspondente ao grés extrudido revela uma inclinação mais suave indicando maior amplitude de

tamanhos e em percentagens equivalentes. Existe uma fração significativa de partículas com

dimensões inferiores a 0,0002 mm, 6,78% para as telhas e 26,99 % para o grés extrudido. Verifica-se

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também que a percentagem de material argiloso é inferior nas telhas de 22,65 % sendo no grés

extrudido de 51,27 %. Contrariamente, a fração de areia é maior na matéria-prima correspondente

às telhas, podendo dizer-se que estas apresentam uma maior uniformidade na sua granulometria.

Figura 1 - Curvas granulométricas das matérias-primas que

originaram os produtos cerâmicos em estudo.

Figura 2 – Filamento de halite que provocou escamação.

Após os ciclos de nevoeiro salino, identificaram-se macroscopicamente eflorescências e depósitos de

sal, que nas telhas se distribuem homogeneamente pela superfície e se acentuam com o decorrer

dos ciclos. No grés, as eflorescências têm uma morfologia distinta e constante ao longo dos ciclos.

Os hábitos dos cristais estão

relacionados com a superfície

do material, a porosidade e o

grau de saturação da solução

que lhes deu origem (Arnold &

Zehnder, 1985). Surgiram na

superfície das telhas e dos

ladrilhos aglomerados de sais

de aspeto botróidal, cristais

individualizados e bem

formados de halite e ainda

sais com aspecto de

filamentos que chegam à

superfície pela porosidade

acessível. Com a evaporação

da solução ocorreu a cristalização de sais com desenvolvimento de tensões e aumento de volume,

devido a estes estarem num espaço confinado, o seu crescimento deu-se para o exterior com

aspecto filamentar (fig. 2). As tensões, verticais e laterais relativamente à superfície do material, por

vezes foram suficientes para provocar pequenas escamações do material envolvente aos poros e

destacamento de minerais (fig. 3). No grés vidrado, apenas ocorreu com frequência a formação

Grés

Telha

0

20

40

60

80

100

0,0001 0,001 0,01 0,1 1

% M

ate

rial

Passad

o

Diâmetros das partículas [mm]

Figura 3 – Sequência ao longo dos ciclos após lavagem de um pormenor da telha

(1). a) Início; b) 20 Ciclos; c) 40 Ciclos; d) 60 Ciclos.

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superficial de cristais individualizados devido ao acabamento vidrado que reduz a porosidade

acessível e dificulta a penetração de solução no seu interior.

Na figura 4, compararam-se os módulos de ruptura obtidos antes e após os ciclos de nevoeiro salino.

As telhas apresentam valores iniciais baixos de 19,2 MPa. O grés vidrado, apresenta o maior valor

médio de 51,5 MPa. Com a evolução dos ciclos de nevoeiro salino, a tendência geral dos três

produtos é a de diminuição de resistência. As telhas, após 20 ciclos, revelam um decréscimo

acentuado da resistência para um valor de 17,1 MPa seguida de um aumento após 40 ciclos. Este

facto é de difícil explicação e carece de trabalhos posteriores para sua justificação. No caso do grés

extrudido ocorre um decréscimo constante e

significativo de aproximadamente 30 %

relativamente ao valor inicial, onde o valor

final verificado após 60 ciclos, foi de 23 MPa.

No grés vidrado, após 20 ciclos, verifica-se

uma redução deste valor em cerca de 2 MPa.

No final dos ensaios de nevoeiro salino, o

módulo de ruptura deste material foi de 41

MPa, uma queda de 20 %.

CONCLUSÃO A acção do nevoeiro salino é uma causa de degradação em materiais cerâmicos aplicados em

construções que se situam em zonas litorais. A acção do nevoeiro salino teve uma influência negativa

nas propriedades do material, diminuindo o módulo de ruptura e portanto a sua resistência.

Compreenderam-se os fenómenos ocorridos superficialmente pela acção do nevoeiro salino e

verificou-se que minerais com características de maior dureza, como o quartzo, e de dimensões

próximas ou superiores a 0,5 mm, quando presentes na superfície do produto, potenciam a perda de

material sob a forma de escamações e destacamento.

A conjugação entre comportamento de materiais de construção e condições ambientais, raramente é

estudada na fase de projecto. Como ficou provado, estes estudos podem ser um importante auxílio

na escolha do material de construção ou matéria-prima mais adequado para a aplicação em

determinado local, evitando assim problemas associados ao tempo de vida útil das construções, bem

como problemas económicos e de carácter estético, funcional e de segurança.

Bibliografia -ARNOLD, A., ZEHNDER, K. (1985) – Crystallization and habits of salt efflorescences on walls II: Conditions of crystallization. Félix G (ed.) Proc. 5th Int. Cong. on the Det. and Conser. of Stone, Lausanne, pp. 269–77. -COLEN, I., BRITO, J., FREITAS, V. (2008) – Condition assessment of façade rendering through in-situ testing. 11ºInternational Conference on Durability of Building Materials and Components. Istanbul. -SILVA Z.S.G., SIMÃO J.A.R. (2009) - The role of salt fog on alteration of dimension stone. Construction and Building Materials. Vol. 23. pp. 3321–3327. -ZEZZA F., MACRI F. (1995) - Marine aerosol and stone decay. Sci Total Environ. Vol. 167, pp. 123-43.

Figura 4 – Evolução ao longo dos ciclos do módulo de ruptura.

19,2 17,1 19,0 18,1

32,0 29,1

25,7 22,9

51,5 49,7

43,1 40,8

0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

0 Ciclos 20 Ciclos 40 Ciclos 60 Ciclos

du

lo d

e R

up

tura

[MP

a]