INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma ... · ANSELMO, Roberto Derivaldo....
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ROBERTO DERIVALDO ANSELMO
INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma
perspectiva para formação de professores/as
JOÃO PESSOA
2016
2
ROBERTO DERIVALDO ANSELMO
INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma
perspectiva para formação de professores/as
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da Paraíba, como
requisito parcial para obtenção do título de Doutor
em Educação, na linha de pesquisa Políticas Públicas
e Práticas Educativas.
Orientador/a: Profa. Dra. Janine Marta Coelho
Rodrigues
JOÃO PESSOA
2016
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A618i Anselmo, Roberto Derivaldo. Inclusão, currículo e formação de professores: uma perspectiva para formação de professores/as /
RobertoDerivaldo Anselmo.- João Pessoa, 2016. 150f. : il.
Orientadora: Janine Marta Coelho Rodrigues Tese (Doutorado) - UFPB/CE
1. Educação. 2. Educação inclusiva. 3. Currículo escolar. 4. Práticas educativas. 5. Formação de professores. UFPB/BC CDU: 37(043
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ROBERTO DERIVALDO ANSELMO
INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: uma
perspectiva para formação de professores/as
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal da Paraíba, como
requisito parcial para obtenção do título de Doutor
em Educação, na linha de pesquisa Políticas Públicas
e Práticas Educativas.
Aprovado em,_____/_____/______
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________
Profª.Dra. Janine Marta Coelho Rodrigues
PPGE/CE/UFPB
Orientadora
_____________________________________
Prof. Dr. Wilson Honorato Aragão
PPGE/CE/UFPB
_____________________________________
Prof. Dr. Otávio M. Lopes de Mendonça
PPCR/CE/UFPB
_____________________________________
Profa. Dra. Maria de Lourdes Soares
PPGSS/CCHLA/UFPB
_____________________________________
Profa. Dra. Maria Creusa Borges
PPGCJ/CCJ/UFPB
5
A relação com o saber se constrói em relações sociais
de saber. Mostrá-lo, analisar suas modalidades e seus
processos talvez seja a tarefa específica de uma
sociologia da relação com o saber. (CHARLOT, 2000,
p.86)
_________________________
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.
6
Dedico
A Deus que, com sua infinita misericórdia, sempre se fez presente
em minha vida, indicando-me os caminhos a seguir. Obrigado,
Senhor, por mais uma vitória alcançada.
A minha fervorosa mãe, Maria Domiciano da Silva Anselmo por
todo amor e carinho a mim dedicados.
A Yara Paiva Rodrigues Anselmo, esposa companheira e
incentivadora do meu crescimento intelectual e humano.
A meu filho Roberto Anselmo Viana Rodrigues, doce presente de
Deus em minha vida.
As pessoas com quem convivo e a saudade das que já se foram, por
ter me conduzido com perseverança até aqui. Com carinho, a minha
companheira e amiga Severina Viana Rodrigues (in memoriam).
Saudades...
Aos meus irmãos e minhas irmãs, em especial, à José Derivaldo
Ancelmo e à Edneide Anselmo que acompanharam bem de perto esta
trajetória.
A todos os professores e professoras que tomam na vida a experiência
formativa na relação com o outro, compreendendo que, no processo
interativo de ensinar e aprender, somos todos iguais em sonhos,
desafios e incertezas.
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AGRADECIMENTOS...
A minha orientadora, Dra. Janine Marta Coelho Rodrigues, pela amizade que construímos
nesses anos de convivência, regada de muito diálogo, paciência e dedicação. Obrigado pela
confiança, incentivo, companheirismo e afeto dedicados no percurso desta jornada.
Aos professores que aceitaram participar da minha pesquisa e gentilmente me concederam seu
tempo e sua atenção.
Aos professores/as Dr. Otávio Machado Lopes de Mendonça, Dra. Maria Creusa Borges,
Dr. Wilson Honorato Aragão e a Dra. Maria de Lourdes Soares pela participação em mais
este momento eternizado de minha vida acadêmica.
Aos Meus colegas de doutorado. Sou grato pelo companheirismo que sempre existiu entre nós.
Em especial, agradeço a Elizabete, Edgleuma e Manuel pelas discussões teóricas ocorridas em
nossos momentos de estudo.
Ao Dr. Wilson Honorato Aragão - pela amizade, pelos incentivos e contribuições na realização
deste trabalho.
Aos Professores do Doutorado pelos conhecimentos compartilhados.
A todos os autores/as que me inspiraram, trouxeram questionamentos, reflexões e apontaram
caminhos.
A CAPES pela bolsa concedida durante os dois primeiros anos de Curso.
Por fim, muito obrigado as Escolas pesquisadas e, particularmente, a toda equipe pedagógica.
A todos o meu muito obrigado!
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
RECNEI- Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
DPE Departamento de Políticas de Educação Infantil
FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
Valorização dos Profissionais da Educação
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LBA Legião Brasileira de Assistência
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
ONU Organização das Nações Unidas
PNE Plano Nacional de Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para Ciência, Educação e Cultura
UNICEF Fundo das Nações Unidas para Infância
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
EAP – Espaço de Apoio Pedagógico
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MCE – Modificabilidade Cognitiva Estrutural
MEC – Ministério da Educação e Cultura
NEE – Necessidades Educacionais Especiais
NIAE – Núcleo Integrado de Aprendizagem Escolar
NIAE - Núcleo Integrado de Atendimento ao Educando
ONU – Organização das Nações Unidas
PEI - Programa de Intervenção Mediatizada
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SMECD – Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Desporto
TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Distribuição por gênero
Gráfico 2 – Distribuição por idade
Gráfico 3 – Distribuição por experiência no magistério
Gráfico 4 – Distribuição por formação acadêmica
Gráfico 5 – Distribuição por jornada de trabalho
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ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusão, currículo e formação de professores: uma
perspectiva para formação de professores/as. Tese de Doutorado. Universidade Federal da
Paraíba. João Pessoa-PB: 2016, 150p.
RESUMO
O objetivo desta tese é discutir a formação dos professores/as frente ao processo de educação
inclusiva, no sentido de se repensar o currículo e as práticas educativas, analisando-as e
modificando-as conforme necessidades do educando. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de
cunho etnográfico. Para o procedimento de coleta de dados foi utilizada a observação
participante, a análise de documentos oficiais sobre a proposta de formação de professores e da
educação inclusiva; entrevistas abertas e semi-estruturadas com os sujeitos participantes. O
método de interpretação dos dados seguiu a proposição de Laurence Bardin conhecida como
análise de conteúdo. Desta análise surgiram concepções categorizadas abordando o professor
como sujeito de sua prática, a reflexão sobre a prática, o ensino e a pesquisa, considerando o
professor autor de seu próprio processo de formação e reconhecer que o processo de ensinar
exige o processo de aprender sempre. Como resultados, a pesquisa aponta a necessidade de
advogar pela constituição de currículos escolares mais abertos para contemplar as necessidades
de aprendizagem de alunos com deficiência, é ai que se encontra o maior obstáculo no que se
refere à aplicação de uma educação de qualidade para todos. O estudo assinala que a escola que
trabalha com a diversidade, o estudante é o foco central de toda ação educacional, e as
intervenções devem adequar-se aos indivíduos e não o contrário. Para que isto aconteça à equipe
de educadores deve conhecer cada aluno, respeitar suas potencialidades e necessidades, e a elas
responder com excelência nas intervenções pedagógicas.
Palavras-chave: Educação. Educação inclusiva. Currículo escolar. Práticas educativas.
Formação de professores.
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ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusion, curriculum and training of teachers: a perspective
for the training of teachers. Phd thesis. The Federal university of Paraíba. João Pessoa-PB: 2016,
150p.
ABSTRACT
The goal of this thesis is to discuss the training of teacher’s front to the process of inclusive
education, in the sense of rethinking the curriculum and the educational practices, analyzing and
modifying them according to the needs of the student. This is a qualitative research related to the
ethnographic. For the procedure of data collection was used the participant observation, analysis
of official documents on the proposal of teacher training and inclusive education; open
interviews and semi-structured with the participant subject. The method of interpretation of the
data followed the proposition of Laurence Bardin known as content analysis. From this analysis
emerged the conceptions categorized addressing the teacher as the subject of your practice,
reflection on practice, teaching and research, whereas the teacher is the author of your own
training process and to recognize that the process of teaching requires the process of learning
always. As a result, the research points to the need to advocate for the establishment of school
curricula more open to address the learning needs of students with disabilities, it is ai that is the
biggest obstacle in regard to the implementation of a quality education for all. The study points
out that the school that works with the diversity, the student is the central focus of all educational
activity, and interventions should be shaped to fit the individual and not the contrary. For this to
happen to the team of educators must know each student, respecting their capabilities and needs,
and responding to them with excellence in the interventions teaching.
Keywords: Education. Inclusive education. School curriculum. Educational practices. Teacher
training
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ANSELMO, Roberto Derivaldo. Inclusion, les programmes et la formation des enseignants:
une perspective pour la formation des enseignants / comme. Thèse de Doctorat. Université
fédérale de Paraíba. João Pessoa-PB: 2016,150p.
RÉSUMÉ
L'objectif de cette thèse est de discuter de la formation des enseignants / l'avant du processus de
l'éducation inclusive afin de repenser les programmes et les pratiques éducatives, en analysant et
en les modifiant en fonction des besoins des élèves. Ceci est une recherche ethnographique
qualitative. Pour la procédure de collecte de données a été utilisé l'observation participante,
analyse des documents officiels sur la proposition de la formation des enseignants et l'éducation
inclusive; interviews ouvertes et des entrevues semi-structurées avec des sujets participants. La
méthode d'interprétation des données suivie Laurence Bardin proposition connue sous le nom
d'analyse de contenu. De cette analyse émergé concepts catégorisés abordant l'enseignant en tant
que sujet de sa pratique, la réflexion sur la pratique, l'enseignement et la recherche, compte tenu
de l'auteur de l'enseignant de son propre processus de formation et de reconnaître que le
processus d'enseignement exige le processus d'apprentissage toujours. De cette analyse émergé
concepts catégorisés abordant l'enseignant en tant que sujet de sa pratique, la réflexion sur la
pratique, l'enseignement et la recherche, compte tenu de l'auteur de l'enseignant de son propre
processus de formation et de reconnaître que le processus d'enseignement exige le processus
d'apprentissage toujours. En conséquence, la recherche montre la nécessité de plaider en faveur
de la création de programmes plus ouverts pour répondre aux besoins des élèves ayant des
troubles d'apprentissage, est là qui est le plus grand obstacle en ce qui concerne l'application
d'une éducation de qualité pour tous. L'étude souligne que l'école fonctionne avec la diversité,
l'étudiant est le point central de toute action éducative, et les interventions devrait être suffisant
pour les individus et non l'inverse. Pour cela l'équipe d'éducateurs devraient connaître chaque
élève, le respect de leurs besoins potentiels et, et ils répondent à l'excellence dans les
interventions éducatives.
Mots-clés: l'éducation. l'éducation inclusive. programme scolaire. pratiques éducatives. La
formation des enseignants
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SUMÁRIO
1INTRODUÇÃO-------------------------------------------------------------------------------------------15
1.1 Objeto de pesquisa, objetivos e justificativa ----------------------------------------------19
1.2 . Abordagem teórico-metodológica---------------------------------------------------------------26
2.FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE----------------------------------------29
2.1 formação de professores no Brasil: saberes, identidade E profissionalização------ 29
2.2 em busca de um modelo emergente na formação de professores/as------------------31
2.2.1 O professor reflexivo------------------------------------------------------------------------------33
2.2.2 O professor pesquisador-------------------------------------------------------------------------34
2.2.3 Relação entre o professor pesquisador e o professor reflexivo------------------------36
2.2.4 O professor crítico---------------------------------------------------------------------------------38
2.2.5 O professor como intelectual-------------------------------------------------------------------40
2.3 os professores e sua profissionalização -------------------------------------------------------42
2.3.1 A profissionalização docente como processo ---------------------------------------------45
2.3.2 Os saberes da docência ------------------------------------------------------------------------46
2.3.3. Saberes dos conteúdos a serem ensinados-----------------------------------------------56
2.3.4 Saberes dos conteúdos pedagógicos--------------------------------------------------------62
2.3.5 Saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados-----------------------------------66
2.3.6 Saberes curriculares------------------------------------------------------------------------------66
2.3.7 Saberes dos contextos---------------------------------------------------------------------------67
2.3.8 Saberes culturais----------------------------------------------------------------------------------69
2.3.9 Saberes sobre os alunos------------------------------------------------------------------------69
2.4 Características pessoais e profissionais do trabalho docente--------------------------- 70
2.4.1 Saberes pré-profissionais----------------------------------------------------------------------- 70
2.4.2 Saberes experienciais da profissão docente-----------------------------------------------71
2.4.3 Saberes profissionais gerais--------------------------------------------------------------------75
2.4.4 Saberes competências-------------------------------------------------------------------------- 77
2.5 Modelos emergente de formação para a autonomia docente----------------------------80
2.6 As práticas pedagógicas e seu entrelaçamento com o currículo e inclusão----------81
3. POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO-----------------------------------------------------89
3.1 Um breve esboço histórico sobre a inclusão--------------------------------------------------89
3.2 Características da educação inclusiva----------------------------------------------------------92
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3.3 Inclusão/ integração---------------------------------------------------------------------------------94
3.3.1 Inclusão escolar – impasses e perspectivas-----------------------------------------------96
3.3.2 Impasses--------------------------------------------------------------------------------------------97
3.3.3 Perspectivas---------------------------------------------------------------------------------------99
3.3.4 O professor e a Inclusão Escolares --------------------------------------------------------100
3.4 Escola inclusiva: uma escola para todos----------------------------------------------------105
3.5 Currículo escolar e a escola inclusiva: conhecimentos ----------------------------------109
4. CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA------------------------------------------110
4.1 O desenho da pesquisa: a etnografia como opção metodológica-------------------------------110
4.2. O universo da pesquisa------------------------------------------------------------------------------113
4.3 Os sujeitos da pesquisa-------------------------------------------------------------------------------115
4.4 Procedimentos de pesquisa--------------------------------------------------------------------------121
4.4.1Observação participante----------------------------------------------------------------------------122
4.4.2 Análise documental---------------------------------------------------------------------------------123
4.4.3 Entrevistas semi-estruturadas---------------------------------------------------------------------124
4.4.5 Análise dos dados-----------------------------------------------------------------------------------125
4.5 Análise e discussão dos dados-----------------------------------------------------------------------126
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ------------------------------------------------------------------------137
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS-------------------------------------------------------------141
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1. INTRODUÇÃO
As razões que nos motivaram a escrever essa tese, com o título; “Inclusão, currículo e
formação de professores: uma perspectiva para formação de professores/as” é fruto de um
breve histórico da nossa trajetória pessoal e profissional, a qual foi marcada por fatores que
influenciaram as muitas escolhas posteriores, inclusive no tema desta pesquisa. Por isso, antes de
explicitarmos mais detalhadamente nossos propósitos e objetivos, acredito ser válido comentar
algumas experiências que tive desde a minha formação inicial e continuada enquanto
profissional da educação, pois minha vivência tem uma relação direta com minhas preocupações
teóricas atuais.
Minha formação iniciou-se em1996, quando ingressei no curso de Licenciatura Plena em
Pedagogia, no Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, Campus I em João
Pessoa-Pb. Minha identificação com o curso levou-me logo cedo a participar dos debates
referentes à área educacional. Assim, em 1996, adentrei no Grupo de Estudos e Pesquisas em
Educação Municipal – GEPEM/UFPB.
Coordenado pelas professoras Edna Maria da Cunha Dias e Glória das Neves Dutra
Escarião, a finalidade do GEPEM era o de possibilitar entre professores e técnicos de ensino da
cidade de João Pessoa, um espaço de análise e reflexões dos eixos gestão, currículo e avaliação
com o propósito de possibilitar a estes profissionais subsídios teórico-metodológicos no sentido
de auxiliá-los na construção de um projeto pedagógico curricular para as escolas da rede, capaz
de levar o educando a conquistar melhores condições de participação cultural, profissional e
sócio político.
A partir daí analisava e refletia em que medida as tensões vividas e equacionadas no
processo de ensino aprendizagem reforçava a reprodução de relações sociais sistêmicas ou
constituíam sinais, efetivos e potenciais, de um currículo emancipatório nas escolas do
município.
Durante minha permanência no GEPEM, o que mais me atraía era a possibilidade de
trabalhar com temas relacionados à formação de professores, educação inclusiva e práticas
pedagógicas, o que fez com que participasse durante dois anos como bolsista do projeto
através do Programa de Licenciatura – PROLICEN, vinculado a Pró-Reitora de Graduação
(PRG) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Ao termino da formação inicial, tive minha primeira experiência no magistério atuando
como professor formador no “Curso de Extensão TV na Escola e os Desafios de Hoje” – Curso
este ligado a Secretaria de Educação a Distancia – SEED do Ministério da Educação e Cultura –
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MEC, cuja finalidade era a de capacitar professores do ensino fundamental e médio para um
melhor uso de recursos audiovisuais no processo educativo, visando melhoria na qualidade do
ensino público de nosso Estado.
É importante ressaltar que esse momento de minha trajetória revelou-se como um marco
de nossa identificação com a temática de minha tese de Doutorado, pois me fez compreender,
que existe certa tendência em responsabilizar os professores por não acompanharem as
exigências educacionais e curriculares impostas pelo fenômeno da globalização, exigindo do
educador novas habilidades e competências, incentivados por projetos prontos e elaborados de
cima para baixo pelo MEC, que não condizem com a realidade local. Compreendo hoje que o
gosto por trabalhar com a formação de professores nasceu desta experiência inicial, preocupava-
me desde então em não reduzir este curso a uma mera instrumentalização mecanicista dos
professores, mas sim em discutir com eles a inserção das novas tecnologias na sala de aula e as
mudanças pedagógicas que eram necessárias em sua prática.
Em 2001, ingressei no Curso de Especialização Em Psicologia Escolar e da
Aprendizagem promovido pela Faculdade Integrada de Patos - FIP, no qual desenvolvi a
monografia de conclusão de curso, intitulada “O papel do educador face à inclusão de alunos
com necessidades educativas especiais no ensino regular”. Nessa pesquisa ficou clara a
responsabilidade atribuída aos professores sobre a necessidade de inclusão dos alunos com
necessidades educativas especiais na escola regular e do desafio do educador em formar
educandos com capacidade de coordenar, atualizar, desenvolver habilidades para gerar novos
conhecimentos adaptados e atualizados no respeito à diversidade humana e ao direito garantido
por lei a educação como um direito de todos. Essa experiência me ajudou a refletir sobre o
processo de inclusão na escola e a formação de professores necessária para atuar nesse processo.
Em 2002, ingressei no Mestrado em educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE) da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). O ingresso no mestrado me
trouxe a convicção de que precisava de novos espaços onde pudesse aplicar os conhecimentos
adquiridos em toda minha vivência acadêmica em favor dos menos favorecidos socialmente, o
que fez com que neste mesmo ano fosse selecionado para participar como Consultor Técnico
Pedagógico do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que em
parceria com o Ministério da Educação e Cultura, através da Secretaria Média e Tecnológica -
SEMTEC/MEC, prestava acompanhamento na implementação e reforma do Novo Ensino
Médio no Estado da Paraíba.
A inserção como Consultor Técnico Pedagógico no PNUD levou-me a compreender, que
as propostas de reforma do novo Ensino Médio para o Estado da Paraíba financiado por
organismos internacionais, contemplam a preparação e inserção dos sujeitos paraibanos para
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aceitação das idéias apresentadas acerca do processo de globalização, de seu significado e de sua
suposta irreversibilidade, fundamentadas no desenvolvimento de competências e de um saber
fazer, que não decorre das idéias dos educadores comprometidos com as classes populares, nem
das necessidades locais e coletivas, mas da transposição curricular estrangeira e das políticas
econômicas neoliberais de submissão da educação aos interesses do mercado produtivo.
Em 2004, conclui a dissertação do Mestrado em Educação intitulada: “Novas tecnologias
da inteligência e educação: habilidades e competências do educador para o século XXI”. Nessa
pesquisa, compreendeu-se que as tecnologias sempre estiveram presentes na escola e as
instituições de ensino tem o papel de formar cidadãos críticos e criativos em relação ao uso das
novas tecnologias. Para tanto é preciso que a escola abandone a prática instrumental das
tecnologias, e faça avaliações sobre o trabalho com a inserção das novas tecnologias educativas.
A mudança na escola começa a partir de uma mudança pessoal e profissional, capaz de
levantar uma escola que incentive a imaginação, a leitura prazerosa, a escrita criativa, favoreça a
iniciativa, a espontaneidade, o questionamento, que se torne um ambiente onde promova e
vivencie a cooperação, o dialogo, a partilha e a solidariedade.
Enfim, é preciso que professor e aluno andem juntos, trabalhem num mesmo ritmo de
cooperatividade, principalmente falem a mesma língua que é a da era da informação, pois
somente trabalhando os interesses da juventude será possível um aprendizado de forma
gratificante e com resultados positivos para ambos os envolvidos no ensino-aprendizagem.
Dessa forma, temos de avaliar o papel das novas tecnologias aplicadas à educação e
pensar que educar utilizando as tecnologias da comunicação e informação é um grande desafio
que tem sido encarado de forma superficial, apenas com adaptações e mudanças não muito
significativas na escola.
O mestrado redirecionou meu olhar, ampliando concepções sobre a filosofia e
epistemologia da formação docente. Além, claro, de me propiciar um olhar mais crítico sobre a
postura em sala de aula e sobre a importância da realização de trabalhos coletivos. Foi um
período de aprendizagem intensa, a equipe de professores sempre questionadora, fazia questão
de desconstruir, "vamos primeiro acabar com as certezas, meu papel inicialmente é o de gerar
dúvidas" dizia a professora Dra. Janine Marta Coelho Rodrigues.
A convivência no Programa de Pós-graduação em Educação foi muito importante, para
fortalecer meu compromisso enquanto educador, de lutar por aqueles desprovidos dos bens
materiais e culturais de nossa sociedade, além de fortalecer minha preocupação com a educação,
o papel do professor, o currículo e dos diferentes aspectos de uma educação inclusiva e
emancipadora.
Ainda em 2004, dei inicio a minha carreira no magistério superior atuando como docente
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na área de formação de professores na Universidade Aberta a Vida (UNAVIDA) e no Instituto
Superior de Educação de Cajazeiras (ISEC), trabalhando com os componentes curriculares de
Didática, Currículos e Programas, Planejamento Educacional, Política Educacional, Gestão,
Educação Especial e Metodologia do Trabalho Científico. Em sala de aula, defrontei-me com
inúmeras situações de dificuldades de aprendizagem por parte dos aprendentes paraibanos,
porém minhas concepções pedagógicas sempre pressionadas a superar o processo de transmissão
do conhecimento, e no respeito ao aprendente como sujeito cognoscente do processo de
aprendizagem, impulsionavam-me a trabalhar com a problematização dos conhecimentos, a
resolução de problemas, o trabalho em equipe e outras estratégias de motivação.
A prática educativa gerada numa ambiência dinâmica e criativa me fez perceber o quanto
uma proposta pedagógica diferenciada e pautada na postura de um professor que pesquise a
própria práxis, amplia horizontes. Começava a compreender que a prática docente tem
especificidades, características diferenciadas, pelos seus cenários, saberes e fazeres. Romper a
barreira do servilismo para o simples treinamento e qualificação para o mercado produtivo era o
nosso compromisso enquanto agente formador dos futuros profissionais da educação.
Com as experiências se multiplicando e desejando um maior aporte teórico para a
condução de pesquisas na área educacional, percebi que deveria investir em novas experiências
pedagógicas. Assim, realizei concurso no ano de 2007 para professor substituto do Departamento
de Habilitações Pedagógicas do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba, na área
de Pesquisa e Planejamento Educacional.
Foi a partir do retorno à UFPB, agora como professor substituto atuando nos cursos de
Pedagogia e Licenciaturas, contaminado com o vírus do professor reflexivo e pesquisador que
me motivei a ingressar no Grupo de Pesquisa sobre “Formação e Profissionalização Docente” da
UFPB, com o propósito de fortalecer minha preocupação com a educação inclusiva, a formação
de professores, as práticas curriculares, e a mediação pedagógica.
Mas, afinal, o que essa história tem a ver com minha pesquisa acadêmica?
Acredito que é exatamente nossa história de vida, que influencia e constitui as condições
de produção dos sentidos que hoje elaboro em minha pesquisa e que se resume nas próximas
páginas as quais deixam transparecer um pouco daquilo em que eu realmente acredito no que diz
respeito à educação, ao ensino e a formação de professores.
Em essência não estou na educação por um determinismo genético, mas sim histórico e
foi sem dúvida essa trajetória de vida que me impulsionou positivamente para a necessidade de
compreender e aprofundar melhor a nossa tese.
Espero que este trabalho traga contribuições efetivas para praticas inclusivas e
emancipadoras em sala de aula, uma vez que minha principal motivação sempre foi a melhoria
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no sentido da justiça e da equidade das relações sociais, que têm início na escola e se propagam
no tempo e no espaço extra-escolar.
Dito isso, apresento a seguir, a temática central da pesquisa, seus objetivos e questões
principais. Além disso, faço uma síntese daquilo que será abordado em cada um dos capítulos
que compõem esse trabalho.
1.1 OBJETO DE PESQUISA, OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA
Este estudo pretende descrever e analisar como vem se dando às práticas pedagógicas
desenvolvidas no processo de ensino aprendizagem em classes comuns do ensino regular de
escolas públicas localizadas na cidade de João Pessoa. Envolve a busca por um projeto de
educação que contemple a inclusão, que necessariamente compreende a conexão entre currículo
e formação de professores, que articulados entre si, atribuem à escola uma nova organização.
Para alcançar tais finalidades faz-se necessário apresentar, ainda que brevemente, o papel
que a escola desempenha hoje na sociedade, pois compreendemos que a escola, como parte
constituinte da sociedade moderna, assume papel relevante na consolidação de determinados
traços sociais.
A instituição escolar pode ser compreendida como um espaço social privilegiado onde,
concomitantemente é socializado saberes sistematizados e transmitidos valores por ela
legitimados. Ao mesmo tempo, a escola assume potencialmente o papel de transformar a
sociedade. Portanto, ela é produto e produtora das relações sociais. Segundo Paro (2010, p. 10),
“Não há dúvida de que podemos pensar na escola como instituição que pode contribuir para a
transformação social. Mas, uma coisa é falar de suas potencialidades... uma coisa é falar “em
tese”, falar daquilo que a escola poderia ser. [...] outra coisa bem diferente é considerar que a
escola que aí está já esteja cumprindo essa função". Infelizmente essa escola é sim reprodutora
de certa ideologia dominante... É sim negadora dos valores dominados e mera chanceladora da
injustiça social, na medida em que recoloca as pessoas nos lugares reservados pelas relações que
se dão no âmbito da estrutura econômica. Contudo, além das funções política e social assumidas
pela escola, faz-se necessário explicitar que estas são “atravessadas pelos interesses das classes
sociais” (VIEIRA, 2002, p. 130).
As instituições de ensino selecionam e privilegiam determinados saberes em detrimento
de outros, em que valores, normas e costumes respondem pela ótica de Bourdieu e Passeron
(2004), aos interesses de grupos e classes dominantes. Tais classes selecionam os saberes que
devem ser transmitidos às gerações mais novas (apregoados na escola por meio do currículo
prescrito e do currículo oculto); expressam a maneira muitas vezes desigual pela qual a escola
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deve organizar-se para atender as diferentes crianças, jovens e adultos; determinam as distintas
escolas para diferentes pessoas, entre outros pontos que fazem da escola uma instituição com
possibilidades e limites para transformar a sociedade.
A escola é hoje conclamada a ser democrática, “para todos”, uma escola inclusiva.
Porém, se não levarmos em consideração os aspectos apresentados anteriormente, corremos o
risco de fazer uma análise ingênua sobre seu papel social. Desta maneira, para estudar a escola e
sua organização, faz-se necessário relacioná-la aos aspectos mais amplos da sociedade como, por
exemplo, a economia e a política, sem perder de vista a troca existente entre esses elementos e o
cotidiano escolar.
Levando em consideração que o processo educativo é complexo e fortemente marcado
pelas variáveis pedagógicas e sociais, entendemos que esse não pode ser analisado fora de
interação dialógica entre escola e vida, considerando o desenvolvimento humano, o
conhecimento e a cultura.
Essa compreensão nos permite perceber o currículo em suas vinculações com a economia
e a produção de características pessoais para o mercado de trabalho capitalista, e constituem
ainda hoje, recursos importantes de uma teoria crítica do currículo. Elas não devem ser
abandonadas. Continuamos a ser uma sociedade capitalista, uma sociedade governada pelo
processo de produção de valor e de mais-valia. Ligar o currículo a este processo é um dos
avanços fundamentais que devemos à vertente crítica da teoria do currículo. Isso não exclui,
entretanto, outras abordagens, outras metáforas, outros conceitos, que possibilitem que
ampliemos nossa compreensão daquilo que se passa no nexo entre transmissão de conhecimento
e produção de identidades sociais, isto é, no currículo. “Acredito que o papel de uma teoria
crítica do currículo é o de ampliar essa compreensão, não o de estreitá-la” (SILVA, 2011, p.
130).
No contexto brasileiro somos um país que carrega consigo uma dívida social muito
grande, pois não somente conseguimos equalizar o processo de desenvolvimento sócio-
econômico, como também carregamos um débito que, por mais que alguns indicadores sociais
indiquem algumas alterações no sentido de reduzir as desigualdades sociais e contrapor as
situações de indigência e pobreza por situações de cidadania e de vida digna, a situação em que
se encontra a educação nacional é desesperadora. Além de passarmos pouco tempo na escola o
tempo que lá ficamos não tem constituído alterações significativas em nossa capacidade de
perceber a realidade ou desenvolver nossas habilidades e capacidades.
Este cenário tem desafiado o modelo e o papel da escola enquanto instituição que prepara
o cidadão para as necessidades de interação social. Dela se espera muito mais do que restringir
sua função à garantia da escolaridade.
21
Diante disto, acreditamos que as reformas sócio-educacionais que vem acontecendo na
América Latina e especialmente no Brasil desde as décadas de 60 a 90, esconde objetivos como
os de adequar o sistema educacional ao processo de reestruturação produtiva, que traduzem os
novos rumos da economia e da sociedade globalizada, neoliberal e neoconservadora, que geram
entre outros fatores, desemprego, recessão e exclusão social.
Nas sociedades capitalistas, sobretudo nos países em desenvolvimento como o Brasil,
quando o Estado traça as denominadas políticas sócio-educacionais, não se está fazendo outra
coisa a não ser gerenciar regras que venham a favorecer a própria sociedade capitalista.
No tocante a política de formação dos profissionais da educação, estas são resultantes das
orientações dos organismos internacionais, dentre eles o Banco Mundial e o Fundo Monetário
Internacional1, que se constituem como propostas eminentemente ideológicas, visando uma nova
estratégia de atuação relacionada diretamente à crise estrutural do capitalismo, que precisa criar
novos meios para operar as contradições do sistema. Estas propostas atribuem à educação
importância decisiva para o crescimento econômico, do processo de globalização, e com isso
minimizar a pobreza nos países em desenvolvimento, em que o Brasil assume lugar de destaque.
O aumento da intervenção estatal em questões educacionais nas últimas décadas tem
agido no sentido de vincular a escolarização ao emprego e à produtividade, reduzindo custos da
educação e controlando os conteúdos do currículo e da avaliação.
No conjunto dessas propostas podemos destacar a promulgação e a implantação da LDB
9.394/962, que oficializa a ideia de um currículo e um sistema de avaliação nacional, dos
Parâmetros Curriculares Nacionais3, para os diferentes níveis de ensino, as Diretrizes
1 O Fundo Monetário Internacional é um organismo com sede na cidade norte-americana de Washington; criado em
1945, seu objetivo é estabelecer a cooperação econômica em escala global. Sua atuação visa garantir estabilidade
financeira, favorecer as relações comerciais internacionais, implantar medidas para geração de emprego e
desenvolvimento sustentável e buscar formas de reduzir a pobreza. O Banco Mundial (World Bank) ou BIRD
(Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento) é uma agência das Nações Unidas criada em 1° de julho
de 1944, a sede está localizada na capital dos Estados Unidos, Washington. Originalmente, foi criado com a
finalidade de ajudar os países que foram destruídos na Segunda Guerra Mundial. Na atualidade o Banco Mundial
fornece financiamentos para governos, que devem ser destinados, essencialmente, para infraestura de transporte,
geração de energia, saneamento, além de contribuir em medidas de desenvolvimento econômico e social.
2 A LDB, (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) é a mais importante lei brasileira que se refere à educação. Esta
lei foi aprovada em dezembro de 1996 com o número 9394/96. A LDB também é conhecida popularmente como Lei
Darcy Ribeiro, em homenagem a este importante educador e político brasileiro, que foi um dos principais
formuladores desta lei. A LDB é composta por 92 artigos que versam sobre os mais diversos temas da educação
brasileira, desde o ensino infantil até o ensino superior. 3 Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são a referência básica para a elaboração das matrizes de referência.
Os PCNs foram elaborados para difundir os princípios da reforma curricular e orientar os professores na busca de
novas abordagens e metodologias. Eles traçam um novo perfil para o currículo, apoiado em competências básicas
para a inserção dos jovens na vida adulta; orientam os professores quanto ao significado do conhecimento escolar
quando contextualizado e quanto à interdisciplinaridade, incentivando o raciocínio e a capacidade de aprender.
22
Curriculares Nacionais4, os Parâmetros em Ação
5, além de mecanismos reguladores e
indicadores de desempenho tais como: o SAEB6, o ENADE
7 e o ENEM
8. Principais armas do
projeto neoliberal, para a manutenção de uma escola divorciada de um objetivo verdadeiramente
democrático.
O Ministério da Educação e Cultura (MEC) estipula de uma forma muito clara os
processos de avaliação como um dos seus eixos estruturantes, orientando o sistema de ensino
para os resultados, uma vez que a cultura do esforço e da melhoria da qualidade se encontra
vinculada à intensificação dos processos de avaliação dos alunos, dos professores e das escolas.
Nesta mesma lógica e sob o discurso da democratização, as unidades escolares acabam
por assumir a responsabilidade pela ação educativa, convertendo-se, então, em foco privilegiado
da gestão. É sobre a escola que incidem as exigências pela formação de uma nova “mentalidade”
política e social. A intervenção estatal redefine padrões da ação educativa, orienta a formação
dos professores e os elege como os principais personagens na efetivação do currículo oficial.
Para isso, o Estado propõe uma formação de professores aligeirada e utilitarista, tendo por base a
prática do professor.
A sala de aula converte-se no principal foco de atenção e, assim, a qualidade e a eficácia
daquilo que aí acontece, passa a ser responsabilidade da classe docente e do esforço, dos alunos e
alunas. Qualquer outro tipo de explicação e causa é silenciada e, assim, as instâncias políticas e a
administração, são libertadas de responsabilidades por possíveis insucessos. Suas obrigações
vão-se diluindo dando lugar a um mercado em que todas as responsabilidades se centram nas
escolas.
Tal controle acaba por empobrecer a forma como se trabalha nas escolas, prestando-se
apenas atenção à informação com possibilidade de se enquadrar nas respostas constantes nos
4 As Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são normas obrigatórias para a Educação Básica que orientam o
planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. 5 Programa desenvolvido a partir de 1998 pela Secretaria de Educação Fundamental do Ministério da Educação
(SEF/MEC), cujo objetivo é a formação continuada de professores, de forma a facilitar a leitura, análise, discussão e
implementação dos Parâmetros e dos Referenciais Curriculares Nacionais. 6 O Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), conforme estabelece a Portaria n.º 931, de 21 de março de
2005, é composto por dois processos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a Avaliação Nacional do
Rendimento Escolar (ANRESC). 7 O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE) avalia o rendimento dos alunos dos cursos de
graduação, ingressantes e concluintes, em relação aos conteúdos programáticos dos cursos em que estão
matriculados. O exame é obrigatório para os alunos selecionados e condição indispensável para a emissão do
histórico escolar. A primeira aplicação ocorreu em 2004 e a periodicidade máxima da avaliação é trienal para cada
área do conhecimento. 8 Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) tem o objetivo de avaliar o desempenho do
estudante ao fim da escolaridade básica. Podem participar do exame alunos que estão concluindo ou que já
concluíram o ensino médio em anos anteriores.
23
testes de avaliação. Registra-se assim um retrocesso e, por conseguinte, um ataque frontal às
metodologias mais ativas, participativas, reflexivas e emancipadoras, por parte dos professores
que passam a receber orientações do MEC em forma de pacotes, que sem reflexão e controle de
sua prática tornam-se alienados, pois as habilidades essenciais para realizá-la de forma refletida
se atrofiam e são esquecidas.
Estamos assistindo a uma desqualificação de nossos professores, pois as habilidades
construídas há décadas por esses profissionais, na definição de metas curriculares, conteúdos,
planejamento e estratégias instrucionais, com base num profundo conhecimento das variadas
culturas dos estudantes, de seus desejos e necessidades estão sendo perdidas, de modo que não
há melhor formula para alienação e o empobrecimento da prática educativa dos professores do
que a falta de controle sobre o seu próprio trabalho.
O papel do professor como formulador do currículo e o espaço da escola como produção
cultural é negado em prol de uma leitura mecanicista em que o dia-a-dia da escola é regido por
normas que lhe são externas. Assim, ao invés de professores profissionais, bastante preocupados
com o que fazem e com as razões de suas ações, poderemos ter professores executores e
alienados de planos alheios.
Deste modo, a formação de professores proposta pela política educacional brasileira não
possibilita a superação da exclusão. Ao contrário, tal proposição consolida a exclusão dos alunos
das classes populares, sendo eles considerados deficientes ou não, no seio mesmo da escola. Não
mais falamos em excluídos da escola, mas em excluídos do processo de aprendizagem no interior
da escola.
Contudo, apesar do Estado assumir o papel de mentor das políticas curriculares, ele
apenas introduz na educação a proposta, mas quem as executa são os professores e os diferentes
profissionais da escola ligados à educação. É ai que vemos as possibilidades para podermos
encontrar no currículo oficial formas de resistência na implementação de uma política cultural
democrática e inclusiva na educação e em outros campos.
Dito isto, nossa tese central é a de que o currículo oficial que em toda sua história
apresenta-se com um caráter regulador, pode contribuir para emancipação social do sujeito, pois
os compromissos que norteiam o currículo oficial não são assim tão estáveis, porém frágeis,
temporários e constantemente sujeitos a ameaças, pois deixam espaços para uma ação mais
democrática e inclusiva por parte dos professores.
Os construtos teóricos do pensamento de Tardif (2011)9 confirmam nossa tese, quando
afirma que tanto os horizontes da reprodução, quanto as experiências e probabilidades
9 TARDIF, Maurice. LESSARD, Claude. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como
profissão de interações humanas. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.
24
emancipatórias não se encontram demarcadas ou isoladas no contexto escolar. Elas são
responsáveis por cruzamentos, por reconfigurações, por rearranjos, por interpretações e
interações sociais, ora efêmeras e fugidias, ora densas e substantivas.
Na obra intitulada Saberes Docentes e Formação Profissional Tardif(2002)10
discorre a
respeito dos saberes docentes e a sua relação com a formação profissional dos professores e
ainda com o próprio exercício da docência. Destaca, a partir de pesquisas realizadas com o
propósito de compreender o que pensam os professores sobre os seus saberes, que o saber
docente é um “saber plural, formado de diversos saberes provenientes das instituições de
formação, da formação profissional, dos currículos e da prática cotidiana” (p.54). Partindo dessa
ideia de pluralidade, o autor discute que a possibilidade de uma classificação coerente dos
saberes docentes só existe quando associada à natureza diversa de suas origens, às diferentes
fontes de sua aquisição e as relações que os professores estabelecem entre os seus saberes e com
os seus saberes. Tardif (2002) destaca a existência de quatro tipos diferentes de saberes
implicados na atividade docente: os saberes da formação profissional; os saberes disciplinares;
os saberes curriculares e, por fim, os saberes experienciais11
.
Paulo Freire (2011)12
também confirma nossa tese. Sua crítica ao currículo está
sintetizada no conceito de educação bancária. Por outro lado, concebe o ato pedagógico como
um ato dialógico em que educadores e educandos participam da escolha dos conteúdos e da
construção do currículo.
Para Giroux(1997)13
a vida social em geral e a pedagogia e o currículo em particular não
são feitos apenas de dominação e controle. Emancipar e libertar, deve acontecer tendo em vista
três conceitos centrais: esfera pública (escola e currículo devem atender às questões propostas
pelos estudantes, seus interesses a partir da vida social); intelectual transformador (mais do que
técnicos capacitados ou simplesmente aplicadores do currículo, os professores são ativos na
crítica e no questionamento); e, voz (os estudantes devem se manifestar, portanto, o currículo,
por conseqüência, tem que dar ouvido a eles).
10
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. 11
Saberes da Formação Profissional - Conjunto de saberes que, baseados nas ciências e na erudição, são
transmitidos aos professores durante o processo de formação inicial e/ou continuada. Também se constituem o
conjunto dos saberes da formação profissional os conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de
ensino (saber-fazer), legitimados cientificamente e igualmente transmitidos aos professores ao longo do seu
processo de formação. Saberes Disciplinares - São os saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos
diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas, etc.). Esses
saberes, produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, são administrados pela
comunidade científica e o acesso a eles deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais. 12
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2011. 13
GIROUX, Henry A. Os professores como intelectuais: rumo a uma pedagogia crítica da aprendizagem [Trad.
Daniel Bueno]. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
25
Nesse sentido, Giroux (1997) critica basicamente a falta de conexões entre as construções
sociais do significado de conhecimento e as relações sociais mais amplas de controle e poder.
Currículo enquanto política cultural é entender o currículo não como um mero reprodutor dos
ditames dos dominadores e detentores de poder, mas sim como fruto da construção de
significados culturais de uma sociedade. Trata-se de significados em disputa, de significados que
são impostos, mas também contestados. Na visão de Giroux (1997), há pouca diferença entre, de
um lado, o campo da pedagogia e do currículo e, de outro, o campo da cultura. O que está em
jogo, em ambos, é uma política cultural.
Tomaz Tadeu da Silva desenvolve melhor essa idéia na sua obra Currículo como
Fetiche14
(2010, p.16), ao afirmar que “devemos ver a cultura e o conhecimento produzido como
relações sociais, que são, na verdade, relações sociais. Mais: elas são hierárquicas, assimétricas,
são relações de poder. O currículo – tal como o conhecimento e a cultura – não pode ser pensado
fora das relações de poder”. Essas relações de poder, transformadas em significados, constituem
a dinâmica social que orienta a construção dos currículos.
Deste modo, defendemos que o trabalho do professor precisa ser feito de um modo
orgânico e conectado aos movimentos sociais progressistas e dos grupos que continuam a
desafiar as múltiplas relações de dominação e poder que existem. Destaco aqui a importância do
trabalho do professor como um ator político, como uma atividade intelectual e não apenas
técnica (GIROUX, 1997), como alguém cuja atividade educacional se estende para além de um
mero executor de tarefas na implementação do currículo oficial, porém como um profissional
potencialmente capaz de usar suas habilidades intelectuais como participantes na luta contra a
hegemonia cultural imposta pelo conhecimento oficial. Segundo Paulo Freire (2011), ninguém
nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como
educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática. Acentuar tal aspecto é
importante, principalmente quando se está em curso o processo de reduzir a prática docente ao
cumprimento de planos, tarefas e procedimentos elaborados por terceiros. Assim, o currículo
14
Para o autor, as políticas curriculares são um importante elemento simbólico do projeto social dos grupos no
poder. Pois, é através desses discursos que certos grupos de especialistas são autorizados e outros desautorizados.
Ainda são capazes de fabricar os objetos epistemológicos de que falam; atribuir ações e papéis específicos; gerar
diretrizes, normas e livros didáticos. A política curricular, a partir do texto, entendida como currículo, define
posicionamentos em sala de aula, os papéis de professores e alunos, bem como redistribui dá autoridade e iniciativa,
determina um conhecimento como válido e formas válidas de verificar sua aquisição, desloca certos procedimentos
e concepções epistemológicas, colocando outros em seu lugar. Efetua, em fim, um processo de inclusão de certos
saberes e de certos indivíduos, excluindo outros. O currículo fabrica saberes competências, sucesso, fracasso,
estabelece diferenças, constrói hierarquias, produz identidades.
26
tanto pode apresentar-se como identificado com a ordem social estabelecida, como pode ao
contrário, significar propostas alternativas desta mesma formação.
Para dar concretude a essa proposta de doutoramento, com os sujeitos praticantes de uma
escola pública de Ensino Fundamental da cidade de João Pessoa, perguntamos: que saberes e
qual formação deve ter o professor para potencializar a inclusão e a emancipação social do
sujeito a partir do currículo oficial?
A partir do exposto os objetivos desta tese são:
Analisar o caráter regulador do currículo oficial para educação básica e se esse currículo abre
possibilidades para inclusão de pessoas com deficiência na escola comum regular.
Conhecer e analisar os saberes que, mobilizados/emergentes na/da prática do professor são
necessários para efetivação de uma pratica pedagógica inclusiva.
Discutir as políticas educacionais de inclusão para o combate à exclusão de crianças e
adolescentes da escola regular.
1.2 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
O referencial metodológico adotado para atingir os objetivos da pesquisa seguiu os
pressupostos da pesquisa qualitativa de cunho etnográfico. De acordo com Moreira e
Caleffe(2008)15
, a etnografia tem como característica enfocar o comportamento social do sujeito
no seu cenário cotidiano, confiando em dados qualitativos obtidos a partir de observações e
interpretações feitas no contexto da totalidade das interações humanas, assim os resultados da
pesquisa são interpretados com referência ao grupo ou cenário, conforme as interações no
contexto social e cultural e a partir do olhar dos sujeitos participantes da pesquisa.
Seguindo as características da pesquisa etnográfica, utilizei os seguintes procedimentos
de coleta de dados: a observação participante, a análise de documentos oficiais sobre a proposta
de formação de professores e da educação inclusiva; entrevistas abertas e semi-estruturadas com
os sujeitos participantes. O método de interpretação dos dados seguiu a proposição de Laurence
Bardin16
conhecida como “análise de conteúdo”.
15
MOREIRA, H. e CALEFFE, L. G. Metodologia da pesquisa para o professor pesquisador. 2. ed. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2008. 16
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
27
Nessa direção para analisar o fenômeno e evidenciar os elementos buscados, pautamos
nossa pesquisa nas seguintes áreas temáticas: a análise da relação escola e sociedade, a
consciência da natureza social do trabalho docente e dos saberes que estão em sua base de
formação profissional; o currículo e as práticas pedagógicas; o compromisso social e ético com
uma educação de qualidade, inclusiva e emancipadora.
O currículo, necessariamente, precisa ser pensado, discutido e viabilizado na perspectiva
da inclusão e da exclusão, numa dimensão relacional, por isso o compreendemos como um
processo de in/exclusão. Em se tratando de tal perspectiva, é importante pensar as práticas
pedagógicas imersas na complexidade de uma escola que, sob o imperativo da inclusão, precisa
abrir-se para incluir a todos/as e, ao mesmo tempo, enfrentar limitações de todas as ordens que
impedem o acesso com garantia de qualidade nas inclusões que promove.
Em decorrência dessa posição buscamos subsídios em autores como Apple (2001),
Nóvoa (1992) Giroux (1997), Freire (2004), Saviani (2008), Sacristán (2000, 2002, 2005, 2007),
Santos (2007), MacLaren (1997), Silva (1992, 1996, 1999 e 2001), Pacheco (2005) Pérez
Gómez, (1992); Marcelo García (1999); Nóvoa, (1992); Schön, (1997,2000); Zeichner, (1993);
Perrenoud, (2000); Tardif, (2002); Ramalho; Nuñes & Gauthier (2004); Moreira (1995); Pimenta
(2005), dentre outros, para análise das questões atuais sobre currículo e prática escolar, sobre a
função social da escola na atualidade e sua potencialidade para o debate no campo do currículo
numa perspectiva inclusiva e emancipadora.
No que se refere à inclusão de alunos com deficiência, dialogamos com as produções de
autores empenhados em pensar a escola comum regular como um espaço de aprendizagem para
todos, necessitando que o currículo escolar seja problematizado para trato das questões de
aprendizagem desses escolares. Dessa forma, as teorizações de Baptista (2004); Beyer ( 2006)
Skliar (2005), Mantoan (2006), dentre outros, ajudam-nos pensar que, em nome da diferença,
não devemos nos afastar dos elementos que nos unem como humanos e, em contrapartida, que,
em nome da igualdade, não neguemos determinadas formas de ser e de estar no mundo.
Para dar prosseguimento às reflexões anunciadas nesta introdução o primeiro momento
propõe uma análise do movimento da profissionalização docente, à luz das profundas
transformações sociais da atualidade e da crise educacional a ela subjacente, seus impactos nas
pesquisas que abordam o processo educativo e a formação de professores/as.
No segundo momento são apresentadas as políticas e práticas de inclusão, partindo de
uma breve discussão sobre o movimento da inclusão até os dias atuais, tecendo, nessa trajetória,
algumas considerações a respeito de integração, inclusão e exclusão. Por fim, apresento algumas
considerações acerca de estudos que apontam possibilidades e limites das práticas pedagógicas
inclusivas com pessoas com deficiência na escola comum regular.
28
Apresento, no terceiro momento do estudo, o contexto da pesquisa de campo, as escolas,
bem como o referencial teórico-metodológico e os procedimentos de coleta e análise dos dados,
além das diferentes visões dos sujeitos participantes da pesquisa sobre a proposta de educação
inclusiva. Nesse capítulo focalizo também as práticas curriculares, o espaço de aprendizagem em
sala de aula e os resultados potenciais relacionando-os a uma visão de inclusão, currículo e
pratica docente comprometida com a emancipação humana.
Por fim, nas considerações finais, que apresenta as sínteses e formulações que foi
possível construir, bem como apontar novas inquietações a partir das reflexões que se realizou
neste estudo.
29
2. FORMAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE
Neste capítulo, iremos refletir sobre formação inicial e a profissionalização docente, com
destaque para alguns elementos importantes nesse processo, tais como a autonomia do professor,
a contraposição da racionalidade técnica e racionalidade prática, o professor como um
profissional reflexivo e como um pesquisador, e por último, a definição das competências,
habilidades, conhecimentos e saberes docentes. Finalizamos o capitulo com uma tentativa em
sugerir uma triangulação formativa convergente para a autonomia docente.
2.1 FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO BRASIL: SABERES, IDENTIDADE E
PROFISSIONALIZAÇÃO
Transformar a experiência educativa em puro
treinamento técnico é amesquinhar o que há de
fundamentalmente humano no exercício educativo: o
seu caráter formador. Se se respeita a natureza do ser
humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se
alheio à formação moral do educando. Educar é
substantivamente formar. (Paulo Freire, 2011)
A formação de professores tem sido um tema recorrente nas pesquisas, debates e
literatura atuais, tanto em nível nacional quanto internacional, seguindo um movimento mundial
de reformas educacionais e de estudos neste campo, sobretudo na Espanha (PÉREZ GÓMEZ,
2010); Portugal (NÓVOA, 1992); Estados Unidos (SCHÖN,1997,2000; ZEICHNER, 1993);
França (PERRENOUD, 2000); Canadá (TARDIF,2000,2002), e, também, na América Latina.
No Brasil, um conjunto de estudos acerca da formação de professores foi desenvolvido,
por Ramalho; Nuñes e Gauthier (2003); Rodrigues (2003); Pimenta (2005), dentre outros.
O movimento de reforma iniciado na da década de 1990 indica que a formação de
docentes da educação básica deve ser analisada tomando como referência três aspectos
intimamente ligados: a reestruturação produtiva, o debate sobre um novo paradigma do
conhecimento e a relação teoria e prática nos cursos de formação.
No que se refere a reestruturação produtiva, os novos conceitos oriundos da produção, as
formas de organização do trabalho e a produção do conhecimento suscitam crescentes exigências
quanto às qualificações profissionais, que se traduzem em novas necessidades relativas à
educação, em especial a dos trabalhadores. Consequentemente, repensar a formação de
professores constitui-se parte fundamental das reformas educacionais, já que são eles que
concretizam as ações e formam os novos sujeitos.
30
Nos dias atuais, marcado por um processo de intensas mudanças, que estão associadas
intrinsecamente à tendência das reformas educacionais, no conjunto das reformas estruturais,
vivenciadas em vários países do mundo, dentre eles o Brasil, orientadas por organismos
internacionais que buscam articular a educação escolar ao novo patamar de acumulação de
capital, denominado, grosso modo, como reestruturação produtiva do capitalismo financeiro
mundial, o conhecimento e a educação passam a ter um valor de grande importância, assim como
a formação do professor torna-se um campo de sérios desafios.
Têm sido recorrentes as críticas feitas pelos variados setores da sociedade civil
organizada em relação aos processos tradicionais de reformulação curricular e a pouca atenção
direcionada ao papel dos professores nessas reformas. Um dos alvos mais freqüentes desse
movimento centra-se na política de formação de professores cujos programas de formação e
avaliação docente encontram-se fundamentados em um controle do desempenho, com orientação
para a eficiência social. Nesse modelo também é visível a adoção de materiais didáticos
padronizados, de conteúdos básicos obrigatórios de forma cada vez mais crescente.
A esse propósito, Schön (1997) argumenta que esse processo de controle tem se realizado
via legislação de ensino que intervém sobre o que deve ser ensinado, quando e por quem,
contemplando ainda os modos de testar o que foi aprendido e se os professores são competentes
para ensinar. Outro aspecto destacado no contexto das reformas é que, para a garantia de sua
implementação, faz-se necessário colocar a profissão docente e a formação de professores no
primeiro plano das preocupações educativas. Esse eixo, em grande medida, exerce força no
discurso de que o desempenho do professor é fundamental, não apenas para o êxito da reforma
educacional, como para a solução de alguns dos problemas que vêm historicamente se
apresentando no sistema escolar.
Alguns autores criticam que, embora os discursos oficiais falem de um novo professor
para uma nova escola, as circunstâncias do trabalho escolar não são enfrentadas na tentativa de
superar as desigualdades e as precariedades nas condições materiais e humanas. Espera-se uma
postura do professor muito mais passiva do que ativa na construção do planejamento do seu
trabalho e, dessa forma, a atividade docente passa a ser valorizada mais pelos aspectos técnicos
do que os de criação, marcando a atividade do ensino como trabalho que envolve processos de
especialização e de divisão do trabalho.
Apesar de a tendência manifestada pela reforma na formação de professores se realizar
em nível superior (Lei 9.39496), os conteúdos dessa formação e, ainda, a duração desses cursos,
sofreram uma redução que contraria o resultado de uma formação que privilegie o papel do
professor como o de um intelectual (NÓVOA,1995).
Podemos perceber entre os indicativos de que as mudanças trouxeram prejuízos ao
31
conteúdo e ao tempo de formação dos professores, algumas críticas destacadas por Nóvoa
(1995), ressaltam a necessidade de reconhecer as deficiências científicas e a pobreza conceitual
dos programas atuais de formação de professores decorrentes do processo de reforma. Este autor
adverte que a formação docente tem-se preocupado com uma fragmentária aquisição de
informação e de competências dirigidas para a prática, minimizando uma orientação intelectual.
Apresenta como resultado de uma série de estudos realizados sobre a educação em países do
Terceiro Mundo, a ênfase que tem sido dada à capacitação em serviço em detrimento da
formação inicial que, segundo os técnicos do Banco Mundial, principal agente financiador desses
programas, rende mais com menos dinheiro.
No discurso da reforma, o estudo do pensamento do professor também vem sendo
apresentado como outra categoria de orientação da formação docente e tem sido objeto de uma
série de críticas por parte dos pesquisadores do currículo. Embora reconhecido pela sua
importância na formação profissional dos professores, o estudo do pensamento do professor tem
sido apropriado pela perspectiva técnica, para estabelecimento de mecanismos de controle da
eficiência do seu trabalho e da sua produtividade em correspondência à aplicação dos princípios
disciplinados pela reforma produzindo novos sentidos.
No conjunto dessas orientações presentes na reforma curricular, também podemos
identificar que a formação de professores passa a ser entendida como um treinamento de
competências e habilidades profissionais para lidar com as situações de ensino, orientando a
prática do professor de forma racional e objetiva, bem como destituindo a formação dos aspectos
de contexto social e político do ensino.
Dessa forma vai ficando evidente que a escola necessita acompanhar, de forma crítica, as
reformas educacionais da sociedade da informação, e nessas mudanças seus profissionais têm um
papel fundamental a cumprir. O fenômeno traz consigo a necessidade de uma revisão profunda
dos modelos formativos e das políticas de aperfeiçoamento e fortalecimento da profissão
docente.
2.2 EM BUSCA DE UM MODELO EMERGENTE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS
Até bem pouco tempo a abordagem tecnicista era a predominante nas políticas de
formação de professores no Brasil, marcada pela tendência da racionalidade técnica17
e da
formação academicista e tradicional. A formação docente restringia-se ao repasse dos saberes
17
A racionalidade técnica consiste numa epistemologia da prática que deriva da filosofia positivista . A
racionalidade técnica defende a ideia de que os profissionais solucionem problemas instrumentais mediante a
seleção dos meios técnicos (Schön, 2000).
32
produzidos pelos especialistas-pesquisadores e o aprendiz (futuro professor), quando muito, a
reproduzir o modelo em sua prática docente (RAMALHO; NUÑES & GAUTHIER, 2003).
Nesse modelo, o professor é reconhecido como um executor/reprodutor e consumidor de
saberes profissionais produzido pelos especialistas das áreas científicas. Nessa perspectiva o
professor em seu processo de formação inicial e continuada constrói seus saberes de maneira
falha e decadente.
Dessa concepção emerge um modelo formativo baseado no treinamento de habilidades,
em conteúdos descontextualizados da realidade profissional e da dicotomia entre teoria/prática.
Para Kuhn (2007) a ciência é compreendida como atividade completamente racional e
controlada. Sendo assim, o modelo conservador de prática que prioriza aulas expositivas,
seqüência lógica no conteúdo, fragmentação entre as disciplinas que compõem a estrutura
curricular corresponde a essa perspectiva formalista do conhecimento.
A aprendizagem, portanto, fica comprometida, pois é receptiva, mecânica e serve
essencialmente para a reprodução de informações, com pouca construção do conhecimento. O
professor, por si só, efetiva seu papel central no processo ensino-aprendizagem, em que serve de
modelo e é o único responsável pela transmissão das informações.
Esse estilo de prática formativa ainda hoje tão fortemente presente em nossa sociedade,
tem mantido sua hegemonia, tornando evidente a necessidade de se apostar na construção de um
modelo teórico inovador, de uma formação que possa contribuir para superação dos diferentes
obstáculos do trabalho docente. Destarte, em contrapartida ao modelo de formação de
professores fundamentado na racionalidade técnica Ramalho, Nuñes & Gauthier (2003) propõem
a construção de um modelo Emergente de Formação a ser tomado como modelo de formação
inicial do professor focada em competências técnicas, pedagógicas, políticas e humanas,
ancoradas na criticidade, reflexividade e transformação, no sentido de estabelecer a inter-relação
entre os pressupostos teóricos e práticos.
Para Tardif (2011) a formação docente prescinde uma aproximação entre esses diferentes
saberes a partir da experiência docente, que permita problematizar e delimitar um campo de
trabalho. Ao processo de formação cabe atualizar e aprofundar os parâmetros da construção,
reflexão e da crítica para que o professor avance no sentido da aquisição de maior autonomia
profissional.
[...] Assumir a reflexão, a crítica, a pesquisa como atitudes que
possibilitam ao professor participar na construção de sua profissão
e no desenvolvimento da inovação educativa, norteia a formação
de um profissional não só para compreender e explicar os
processos educativos dos quais participa, como também para
contribuir na transformação da realidade educacional no âmbito de
seus projetos pessoais e coletivos (RAMALHO; NUÑES &
GAUTHIER, 2003, p.24).
33
O fato de destacar a reflexão, a pesquisa, a critica como atitudes profissionais nos obriga
a olhar o professor como alguém que tem sua história, suas necessidades, interesses e limitações
no processo de crescimento profissional. De modo geral, as contribuições de alguns autores têm
sido tomadas como referência para a essa discussão. Dentre eles destacam-se Tardif (2002) e a
sua abordagem sobre a problemática da constituição dos saberes docentes, resgatando o valor
dos saberes da experiência e a necessária reflexão sobre suas condições de produção e operação;
Shön (2000) e sua análise sobre o professor comprometido com sua prática, com permanente
reflexão sobre essa mesma prática; Giroux (1997) que amplia a proposição de Shön ao rejeitar a
redução dos professores a meros técnicos da reprodução e reclama a sua concepção como
intelectuais transformadores, destacando a pesquisa na formação e prática docente; Zeichner
(1993) e seus estudos acerca da pesquisa-ação como importante experiência de formação do
docente engajado e comprometido socialmente. As idéias e convergências desse referencial
teórico articuladas como um sistema contribui para uma visão mais ampla da atividade
profissional do professor.
2.2.1 O professor reflexivo
A idéia do professor reflexivo tem orientado os discursos acerca da formação de
professores no Brasil desde o início da década de 1990, a partir dos estudos do americano
Donald Schön (2000) sobre o tema. Esse autor propõe uma prática baseada nos conceitos de
“conhecimento na ação”, “reflexão na ação” e "reflexão sobre a reflexão na ação". O
conhecimento na ação está na ação em si, é construído por meio de ações espontâneas, ou seja, é
um conhecimento implícito que surge na ação. A reflexão na ação é a reflexão no momento em
que ocorre a ação, sem interrompê-la. Nesse sentido, nosso pensamento nos leva a dar uma nova
forma ao que estamos fazendo, possibilitando encontrar novas pistas para a solução dos
problemas que se nos apresentam. Por fim, a reflexão sobre a reflexão na ação é considerada um
momento de análise, na qual o indivíduo realiza a posteriori sobre sua prática na ação para
compreensão e reconstrução da sua prática. As Idéias de Donald Schõn a respeito do profissional
reflexivo propõem a reabilitação da razão prática, a aprendizagem por meio da experiência, a
utilização da intuição e da reflexão na ação e sobre a ação, ou seja, a reflexão do professor sobre
sua ação deve ser um processo que contribua para o seu crescimento profissional.
Para Zeichner (1993) a discussão em torno do professor como profissional reflexivo tem
importante papel no reconhecimento do processo de aperfeiçoamento constante que a prática
educativa exige e na conseqüente valorização da formação do professor. Todavia, não são poucas
34
as críticas quanto aos riscos da apropriação indiscriminada superficializada e acrítica da proposta
do professor-reflexivo.
Pimenta (2005), embora concorde com a fertilidade desta epistemologia da prática, alerta
para certo praticismo individualizante dela decorrente. Para a autora, a fertilidade dessa
epistemologia da prática ocorrerá na indissociabilidade do binômio teoria-prática de modo que
ambos possam ser ressignificados e ofereçam novas perspectivas de análise aos problemas
educacionais.
Além disso, ela considera importante também tomar-se a reflexão como prática coletiva
para que seja possível reconhecer a dimensão e o compromisso político que ela encerra, ou seja,
além do conhecimento dos conteúdos de ensino, o professor necessita possuir um conjunto de
saberes abrangentes, didáticos e transversais, provenientes da sua formação contínua, das trocas
com colegas e construídos ao longo de sua experiência. Para Perrenoud (2002) o paradigma
reflexivo pode conciliar, no dia a dia da sala de aula, razão científica e prática, conhecimento de
processos universais e saberes de experiência, ética, envolvimento e eficácia.
Desse modo, para ele a reflexão “situa-se entre um pólo pragmático, onde ela é uma
forma de agir, e um pólo de identidade, onde é fonte de sentido e um modo de ser no mundo”
(2000, p.41). Assim sendo, a formação em pesquisa pode preparar os professores para uma
prática reflexiva porque propicia teorizar sobre a experiência; problematizar, compreender e
enfrentar a complexidade da situação didática; inovar, etc. Ele faz uma crítica aos modelos de
formação docente (seu caráter cientificista e disciplinar) e reclama que a formação de professores
reflexivos não pode se dar desvinculada da prática profissional, porque a postura reflexiva não
pode ser ensinada, ela é resultado da formação de um habitus. Para ele, o professor reflexivo é
um pesquisador.
2.2.2 O professor pesquisador
O professor reflexivo é, pois, fundamentalmente, um professor pesquisador
(PERRENOUD, 2000), pois ele e só ele é capaz de examinar sua prática, identificar seus
problemas, formular hipóteses, questionar seus valores, observar o contexto institucional e
cultural ao qual pertence, participar do desenvolvimento curricular, assumir a responsabilidade
por seu desenvolvimento profissional e fortalecer as ações em grupo. Para Stenhouse (1993) a
ideia do professor como pesquisador baseia-se no pressuposto do professor como um artista, que
melhora sua arte experimentando de forma crítica o desenvolvimento da sua pratica na
construção do currículo. Nessa perspectiva o professor como pesquisador toma sua prática como
objeto de estudo a partir de um processo de auto-análise e reflexão para transformar e
35
consequentemente reconstruir sua prática. “A prática reflexiva pode ampliar a compreensão das
dimensões sociais e políticas da educação” (FREIRE, 2011).
Para Zeichner (1993) o professor reflexivo é aquele que examina, esboça hipóteses e
tenta resolver os dilemas envolvidos em sua prática; estão atentos ao contexto institucional e
cultural no qual ensinam; tomam parte no desenvolvimento curricular e se envolve efetivamente
para a sua mudança; assume a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional e procura
trabalhar em grupo, pois é nesse espaço que vai se fortalecer para desenvolver seu trabalho.
Nessa perspectiva o professor-reflexivo faz pesquisa-ação, experiência que repercute em
três dimensões: a do desenvolvimento profissional, a da prática social e política e, por
conseqüência, dá visibilidade ao conhecimento produzido pelos professores.
Na pesquisa-ação, os professores pesquisam sobre a sua prática e sobre o contexto de seu
trabalho e, refletindo sobre suas atividades, sobre o seu ensino e as condições sociais que o
produzem, criam saberes denominados “teorias práticas do professor”. Os critérios de
legitimidade de uma pesquisa-ação desenvolvidos pelos professores, na concepção de Zeichner,
estão relacionados à clareza das idéias, subjetividade e reflexão por meio do diálogo.
Essa proposta é entendida como uma forma de reação ao tecnicismo e à concepção de
professores como meros executores de ordens, além de romper com a tradição de que o
conhecimento só é produzido na Academia. Seu argumento principal é que os professores
elaboram teorias que sustentam a sua prática e constroem práticas que embasam teorias.
Tomemos o texto de Zeichner (1993) – “Para além da divisão entre professor-pesquisador
e professor acadêmico” – como referência para essa discussão. Zeichner, quando se refere ao
professor-pesquisador da sala de aula, não se refere à produção acadêmica produzida na
universidade, nos programas de pós-graduação, caracterizado por uma prática social numa
comunidade cientifica. Sua visão de professor pesquisador no âmbito escolar se relaciona com o
profissional que participa na produção de saberes com métodos e estratégias sistematizadas,
utilizando a pesquisa como mecanismo de aprendizagem. Portanto, embora afirme a necessidade
de eliminar a separação que atualmente se faz entre o mundo dos professores-pesquisadores e o
mundo dos pesquisadores acadêmicos, define a contribuição dos acadêmicos como provedores
de conhecimentos sobre métodos de pesquisa e fonte de assistência na análise e interpretação dos
dados o que possibilitará aos professores potencializá-los para inovação educativa, e revesti-los
de potencial reflexivo, transformador e emancipador.
2.2.3 Relação entre o professor pesquisador e o professor reflexivo
O professor pesquisador e o professor reflexivo, no fundo, correspondem a conceitos
36
diferentes para dizer a mesma coisa. São nomes distintos, maneiras diferentes dos teóricos da
literatura pedagógica abordarem uma mesma realidade. A realidade é que o professor
pesquisador é aquele que pesquisa ou que reflete sobre a sua prática. Portanto, aqui estamos
dentro do paradigma do professor reflexivo. É evidente que podemos encontrar dezenas de textos
para explicar a diferença entre esses conceitos, mas creio que, no fundo, no fundo, eles fazem
parte de um mesmo movimento de preocupação com um professor que é um professor
indagador, que é um professor que assume a sua própria realidade escolar como um objeto de
pesquisa, como objeto de reflexão, como objeto de análise.
Miranda (2006) chama atenção para a necessidade de uma reforma curricular para que se
possa garantir uma formação teórica sólida do professor pesquisador (formação inicial e
continuada), para que em sua pesquisa não haja um prevalecimento da prática sobre a teoria, do
senso comum sobre o conhecimento sistematizado e assim não se corra o risco de: que sua
pesquisa se converta em mais uma retórica legitimadora da reforma educacional, pondo mais
responsabilidades sobre os ombros dos professores, responsabilizando-os uma vez mais por seus
insucessos.
A preocupação com a formação do professor pesquisador estaria fundamentada na
intenção de tirar a educação apenas da transmissão de conhecimento já formulado, para tanto a
pesquisa possibilitaria aos professores exercerem um trabalho com os alunos que vise à
formulação de novos conhecimentos ou o questionamento tanto sobre a validade quanto sobre a
pertinência dos já existentes.
Neste sentido, a necessidade de formação de um professor pesquisador se apresentaria
pela necessidade da educação para o pensamento e não simplesmente para a recepção de
informações. Assim apresenta-se “mais” um compromisso a ser assumido pelos cursos de
formação de professores, mais precisamente pelos professores destes cursos, pois: se os
professores responsáveis pela formação dos futuros professores não assumirem esse
compromisso (educação para o pensamento e não para a recepção de informações unicamente),
como esperar que os alunos cuja atuação se dará em níveis anteriores da escolarização, e que tem
possivelmente menos condições para enfrentar sozinhos essas dificuldades, realizem essa
importante tarefa.
A formação de um professor pesquisador com bases teóricas sólidas e a adoção de uma
postura reflexiva crítica perante sua prática são processos difíceis, porém abrem as portas para a
melhoria da educação, assim nessa perspectiva de diálogo e formação, as transformações da
prática passam a ser consideradas como sínteses de mediações, continuamente renovadas, entre
ação e reflexão e requerem o papel ativo do professor construindo o seu próprio
desenvolvimento profissional.
37
Essa maneira de conceber a prática pedagógica, como uma prática reflexiva e não como
uma atividade meramente técnica, requer que os docentes apropriem-se de saberes que vão
adquirindo em processos reflexivos com o coletivo dos profissionais e em contínuo diálogo com
as teorias, diálogo este visto como indispensável, pois, a experiência por si só não é formadora.
Deste modo, percebe-se a importância da formação de um professor
reflexivo/pesquisador, ou seja, a formação de um profissional capaz de analisar sua própria
prática e através desta análise aprimorar sua prática pedagógica no sentido de formar cada vez
mais pessoas capazes de pensar, formar para o pensamento e não simplesmente para a recepção
de informações.
Para tanto, percebe-se a necessidade de adequação dos cursos de formação de professores
para que possam possibilitar uma formação teórica sólida aos docentes ou futuros docentes
disponibilizando ferramentas para que estes consigam manter uma postura reflexiva crítica frente
a sua prática e ai sim aprimorá-la.
Demo (2004) propõe tomar mesmo a pesquisa como princípio educativo. Para ele, a ideia
da pesquisa como princípio educativo norteia-se pelo entendimento de que a aprendizagem não
se dá por mero acúmulo de informações e que a construção do conhecimento implica o
desenvolvimento das competências de questionar, analisar, relacionar, inferir. Para Demo (2004),
enquanto “questionamento reconstrutivo” da realidade, torna-se instrumento de formação do
sujeito histórico, sujeito capaz de “tomando consciência crítica, formular e executar projeto
próprio no contexto histórico”. Na perspectiva do autor, tomada como princípio educativo e não
apenas científico, a base da academia e também da educação escolar, sua especificidade e
condição é a pesquisa.
Assim, o exercício permanente da pesquisa é inerente à condição de profissional
comprometido e reflexivo, que o professor se não o é, deveria ser. A pesquisa precisa ser
internalizada como atitude cotidiana, de maneira a qualificar a formação de sua competência
técnica, como sujeito de conhecimento, mas especialmente como competência política, como
sujeito histórico, como agente de transformação, como um intelectual a serviço da mudança
social.
2.2.4 O professor crítico
A prática docente, entendida como um ato político implica o reconhecimento de que,
enquanto educadores, nosso trabalho está inserido em um contexto social representado por
diferentes interesses e valores.
38
As condições impostas pelo poder estabelecido sugerem ao professor, por meio de
engodos e manipulações discursivas de toda ordem, uma escola neutra e mergulhada dentro de
uma pretensa ordem democrática em que as relações de poder são igualmente distribuídas e
mantidas. Conseqüentemente, a figura social do professor encontra-se atrelada a essa frágil
imagem de neutralidade e igualdade, enquanto que, nos bastidores, as decisões políticas e
ideológicas continuam sendo impostas de cima para baixo, restando ao professor à tarefa de
aplicar com a máxima qualidade possível os pressupostos ditados pelas estruturas maiores de
poder e de controle social.
Compreendemos que enquanto o professor não identificar essa barreira que separa o
conhecimento que é desenvolvido dentro da sala de aula e a extensão ideológica desse
conhecimento em relação ao mundo exterior bem como as conseqüências sociais desse
conhecimento, ocorre uma dicotomia radical que condena o trabalho docente às margens, preso
em uma escola, isolado do mundo, passivo em relação às determinações estruturais e seus
respectivos representantes políticos.
Assim, livres de qualquer tipo de reação, entendemos que os partidários do poder
hegemônico sentem-se à vontade para fazerem o que bem entendem, impondo livremente suas
prerrogativas à escola sem que essa ofereça qualquer tipo de reação, estando, dessa forma, presa
a uma ingênua docilidade, conivente com as forças elitizadas que a oprimem.
Nesse ponto, gostaríamos de destacar o papel crucial exercido pela reflexão crítica em
relação a esse cenário. Argumento, valendo-me das idéias defendidas por Paulo Freire (2011),
que o professor crítico-reflexivo deva situar sua práxis no interior de uma vasta e complexa teia
em que encontram-se interseccionados uma gama variada de fios políticos e ideológicos
atrelados a instâncias de ordem econômica, cultural e histórica que atendem, por sua vez, a
interesses de grupos distintos que estão na luta pelo poder. Objetiva-se, com isso, a construção
de discursos contra-hegemônicos que informem toda a insatisfação das maiorias desfavorecidas
frente aos ditames daquelas políticas comprometidas unicamente com a saúde dos mercados e
que, assim, coloquem definitivamente no mapa das lutas políticas os grupos que atualmente
encontram-se marginalizados em decorrência da exclusão econômica e cultural imposta pelas
elites.
Dessa forma, reflexão crítica é entendida como uma prática de questionamento baseada
nas relações tecidas entre os aspectos políticos, econômicos e ideológicos e os contextos em que
a reflexão e a prática se fazem presentes, cotejando, portanto, de forma dialética e conflituosa, os
aspectos referentes aos macro-contextos de poder e os micro-contextos em que o trabalho
docente se manifesta, com vistas a promover transformações em ambas às esferas por intermédio
de uma linguagem problematizadora, contestadora e contra-hegemônica.
39
Dentro dessa postura, o professor reflexivo-crítico tem a possibilidade de transformar a
leitura crítica do mundo social em subsídios para “tornar aquele que aprende ciente de como as
relações de poder, as estruturas institucionais e os modelos de representação trabalham sobre e
através da mente e do corpo de quem aprende, mantendo-o sem poder, aprisionado em uma
cultura de silêncio. Na verdade uma perspectiva crítica demanda que o processo de
aprendizagem seja interrogativo” (GIROUX, 1997, p. 45). Torna-se um desafio para o professor
reflexivo-crítico trabalhar o currículo como um campo em constante diálogo com a ideologia e
com as relações de poder e conhecimento.
Nesse sentido, enxergamos o currículo e todo o seu processo de produção como um
campo de intensa disputa social que envolve diferentes classes sociais, gêneros, raças e etnias.
Considerações dessa qualidade nos informam, definitivamente, que as formações discursivas no
campo escolar estão atravessadas por uma série de interesses inerentes a instituições de poder.
As formações discursivas, dessa forma, seguem um certo rol de regras de formação ligadas, por
sua vez, a uma gênese de natureza histórica e social dispersa em inúmeras redes discursivas
(FOUCAULT, 1984) que implicam em maneiras de ver e de interpretar o mundo. São
considerações dessa ordem que fornecem uma visão sobre a complexidade teórica subjacente ao
currículo e que, são essenciais para que o professor reflexivo-crítico exerça o seu poder de
agência.
Seguindo essa lógica, Apple (1989) destaca a necessidade posta diante dos professores
crítico-reflexivos de se criar formas alternativas de organização que visem a criação e o
desenvolvimento de grupos de estudo e de pesquisa dispostos a desenvolver estratégias que os
incluam como sujeitos ativos na construção dos currículos adotados em suas escolas bem como
estratégias que os incluam no âmbito das decisões políticas e administrativas, re-escrevendo e re-
inventando, dessa forma, os espaços comuns à educação libertadora.
Coerente com tais pressupostos, Giroux (1997) aponta a necessidade de encarar o
professor como um intelectual crítico que visa reconsiderar as condições estruturais em que
trabalha bem como as políticas e ideologias atravessadas nessas estruturas, objetivando
transformar suas condições de trabalho e possibilitar o surgimento de novas estruturas favoráveis
ao desenvolvimento do professor como um pesquisador ativo, que trabalha em colaboração com
seus alunos e com outros professores na direção de uma ação intervencionista voltada para a
democratização da escola.
40
2.2.5 O professor como intelectual
Todas as pessoas são intelectuais, porque pensam, interpretam e constroem uma
visão/representação do mundo, das coisas, das experiências que vivem. Como visto, de algum
modo o pensar é um ato inerente ao estar no mundo. O que começamos a discutir refere-se mais
aos diferentes modos de conhecer e aos usos que fazemos desses conhecimentos. Isso remete a
considerarmos não apenas a natureza do trabalho intelectual, mas sua função social. Assim,
todos são intelectuais, mas nem todos definem sua intervenção/atuação no mundo como
intelectuais. De forma mais ou menos organizada, como integrante de uma categoria
profissional, como trabalhador autônomo ou como sujeito social independente de sua posição no
processo produtivo, parece haver um conjunto de pessoas que marcadamente se colocam no
mundo a partir de sua atividade intelectual. Nesse sentido, é preciso ver a relação entre a
atividade intelectual e seu papel na reprodução, provocação/desafio ou transformação da
estrutura de dominação.
Vários autores alinhados a uma perspectiva histórico-crítica da sociedade têm discutido o
papel do conhecimento e dos intelectuais na reprodução/transformação social. Giroux (1997)
apresenta substancial análise sobre essa questão. A partir das contribuições de Gramsci, ele
defende a importância de considerarmos os professores como intelectuais. O autor inicia suas
reflexões fazendo uma crítica ao imperativo da racionalidade técnica e de suas repercussões na
organização do trabalho, em especial, do trabalho docente. Para ele, o treinamento dos
professores é um campo no qual o domínio da racionalidade técnica tem se manifestado.
Subjacente a essa perspectiva, o professor tem sido visto como mero executor de programas
determinados por outros. Uma conseqüência disso é o esvaziamento da dimensão política do
papel do professor. Fazendo alusão à concepção bancária de educação de Paulo Freire, defende
que o professor tem sido considerado recipiente passivo de tal conhecimento profissional e
incapaz de articular saberes, elaborar/reelaborar currículos, participar criticamente da produção
das políticas educacionais.
Giroux (1997) argumenta que uma maneira de repensar e reestruturar a natureza do
trabalho docente é considerar os professores como intelectuais. Primeiro porque ao
dignificarmos a capacidade do homem para integrar pensamento e prática, fazemos ver o que
significa considerar os professores como atores reflexivos. E, em segundo lugar, porque isso
recoloca a dimensão política no âmbito da análise da formação e da prática docente. Ele propõe
quatro categorias para analisar a função social dos educadores como intelectuais: intelectuais
hegemônicos, intelectuais adaptados, intelectuais críticos e intelectuais transformadores.
41
Os intelectuais hegemônicos são aqueles que conscientemente definem-se pelas formas
de liderança moral e intelectual e se colocam à disposição dos grupos e classes dominantes. Os
intelectuais adaptados, embora em geral adotem uma posição ideológica e práticas
conservadoras, não têm consciência desse processo. Pretensamente neutros, eles se dizem livres
das amarras do engajamento político, mas, por produzir e mediar acriticamente idéias e práticas
sociais, acabam por reproduzir o status quo.
Os intelectuais críticos são ideologicamente alternativos às instituições e às formas de
pensamento existentes. No entanto, assim como os adaptados, assumem uma postura a-política,
desvinculada de organizações/movimentos específicos. Eles têm preocupação com as injustiças e
desigualdades, denunciam a estrutura vigente, mas dificilmente implementam ações coletivas de
enfrentamento do poder dominante. Alguns reclamam a autonomia da razão em relação à
ideologia, ao que definem como um conjunto de idéias necessariamente comprometidas por
interesses políticos.
Assim como para muitos teórico-críticos, para Giroux conhecimento e poder estão
inextricavelmente ligados e, desse modo, parece não ser possível pensar uma educação
descomprometida politicamente. E essa é talvez a principal distinção do intelectual
transformador. Para Giroux, assim como para Paulo Freire, esses intelectuais/educadores, devem
assumir um posicionamento, integrando-se aos movimentos equipados de um conhecimento
emancipatório. Para ele, o fato de que a participação desses intelectuais nesses movimentos
influencia esses intelectuais, tanto quanto estes intelectuais possam influenciar esses
movimentos, é parte inevitável e mesmo necessária a formação do intelectual transformador. O
que os intelectuais críticos esquecem é que a transformação/emancipação não pode ser
conseguida de fora. Como esses intelectuais reconhecem essa indissiociabilidade entre educação
e política, a tarefa principal do intelectual transformador é tornar o pedagógico mais político e o
político mais pedagógico. Isso significa necessariamente o resgate da dimensão política da
educação.
Essa proposição está presente também nas reflexões de Freire. Para ele isso implica
superar uma consciência ingênua em prol de uma inteligência crítica e autônoma. Para Ludke,
(2005) a batalha predominante dos intelectuais consiste em manter (ou criar) a autonomia com o
fim de opor-se aos regimes de verdade e às imagens de criadores do mundo incluída a própria do
intelectual.
Por um lado, reconhecendo os processos educacionais como práticas sociais, constituídos
e constituintes de conflitos de grupos e interesses, formas culturais e ideológicas. Por outro,
agindo de modo a criar espaços e práticas emancipatórias, tomando a educação “como prática
para a liberdade”. Num e noutro caso, significa trabalhar para criar as condições materiais e
42
ideológicas na escola e na sociedade mais ampla que dêem aos alunos a oportunidade de se
tornarem agentes de coragem cívica; isto é, cidadãos que possam atuar como se uma autêntica
democracia realmente prevalecesse, fazendo o desespero parecer inconvincente e a esperança
exeqüível.
Para Giroux (1997) a formação de professores, nesse sentido, deve estar estruturada de
modo que o aprendiz (futuro professor) possa aprender a formular questões sobre os princípios
subjacentes aos diferentes métodos pedagógicos, às temáticas de investigação e às teorias
educativas, a partir da análise dos contextos imediatos e mais amplos onde se inserem.
Nesse sentido, desde fins da década de 80, fortalece-se um movimento internacional
(ZEICHNER, 1993), como uma reação contra a perspectiva dos professores como técnicos, que
coloca em questão a formação de professores e a organização do trabalho docente. Mais do que
defender que os professores deveriam assumir um papel mais ativo na formulação dos propósitos
e fundamentos de seu trabalho ou no desenvolvimento das políticas de educação, em algum
momento, esse movimento toma a reflexão/pesquisa sobre/na prática realizada pelo professor
como experiência formativa fundamental que permite o desenvolvimento da autonomia
intelectual e política. Nesse contexto, as noções de “prático reflexivo” e “professor-pesquisador”
desenvolvem-se e vêm sustentando o debate entre professores, formadores de professores e
pesquisadores sociais.
2.3 OS PROFESSORES E SUA PROFISSIONALIZAÇÃO
Uma das características próprias do conceito de profissão é a posse de um saber
específico que o distinga no mundo do trabalho. Todavia, no caso do professor, é bastante
complexo definir qual é o saber próprio de sua profissão, porque tal compreensão, como aponta
Cunha (2002, p. 131), “[...] está condicionada pelo referencial que se tem da função docente” e
outro aspecto a ser considerado é que, “[...] sendo a educação uma prática social, o exercício da
profissão docente estará sempre circunstanciado a um tempo e a um lugar, num desafio constante
de reconfiguração de suas próprias especificidades”.
As pesquisas que focalizam os saberes docentes representam, seguramente, uma das
frentes em que se procuram soluções para os problemas que afetam a formação e a prática
profissional dos professores no Brasil e em diversas partes do mundo. A perspectiva mais
estimulante, de nosso ponto de vista pessoal, é a possibilidade de compreender mais
profundamente e explicitar, no presente momento histórico, a natureza e a especificidade dos
saberes profissionais do professor.
A perspectiva que aqui defendemos corrobora a ideia de que, paralelamente à busca de
43
conhecimentos para o ensino externamente à profissão, é fundamental identificar os
conhecimentos produzidos no ensino, ou seja, os conhecimentos produzidos pelos professores
em seu contexto sempre complexo de trabalho. Crê-se, desta perspectiva, que tal
empreendimento possa contribuir com o processo de construção da profissionalidade docente e
seu desenvolvimento profissional.
Acreditamos que os conhecimentos produzidos na academia sempre são bem-vindos,
entretanto estes não são os únicos que podem fazer mover e desenvolver a profissão. A força da
profissão deve brotar, fundamentalmente, do seu interior, pelo estabelecimento de uma
comunidade profissional consciente de seu papel no ensino. Ou seja, a perspectiva de análise que
subjaz a essa pesquisa conduz à compreensão dos saberes docentes como componentes nucleares
de sua profissionalidade. Reafirmarmos, que o repertório de conhecimentos profissionais
mobilizados pelo professor em seu trabalho é composto tanto por aqueles conhecimentos
elaborados por investigadores especializados nas diversas áreas afins à educação e à disciplina
que ministra como por aqueles conhecimentos elaborados, individual ou coletivamente, pelos
próprios professores no processo de reflexão sobre suas práticas.
Um aspecto importante das pesquisas sobre o saber docente é a consciência do caráter
social desse saber e da própria profissão do professor (TARDIF, 2001). Esses saberes são
articulados e rearticulados continuamente nos diferentes momentos históricos. Embora procedam
de diferentes fontes, são compósitos, complementares, interdependentes e encontram seu pleno
significado, simultaneamente, no ambiente pedagógico, representado pela sala de aula, e, de
modo mais amplo, na vida cotidiana, no curso geral do processo social e histórico. Para Gauthier
et al. (1998, p. 339), o saber docente é...
o resultado de uma produção social e, enquanto tal está sujeito às
revisões e às reavaliações que podem mesmo ir até a refutação
completa. O espaço da sala de aula, lugar privilegiado da prática
docente, deve ser analisado em sua articulação com os problemas
sociais vividos coletivamente pelo professor, pelos alunos e pela
comunidade escolar. O debate permanece, portanto, aberto.
Fica claro que a busca pelo saber constitutivo da profissão e pela efetivação da
profissionalidade docente deve estar marcado pela reinvenção contínua de práticas em um
contexto de relativa autonomia. Reinventar ou reconstruir práticas e saberes e,
consequentemente, fortalecer uma identidade profissional não significam abandonar,
simplesmente por serem velhas, outras práticas ou saberes. Para Pimenta (2005), uma identidade
profissional se constrói, além do exame constante dos significados sociais da profissão, da
revisão das tradições, a partir da reafirmação de práticas consagradas culturalmente, ou seja,
44
práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da
realidade.
Nessa perspectiva, ao invés de rejeitarem a realidade na qual estão inseridos, idealizando,
no passado ou no futuro, uma determinada circunstância desejada, mas irreal, os professores
podem valorizar a situação diante da qual se encontram como uma oportunidade de pensar,
individual e coletivamente, os saberes necessários ao exercício da profissão. À medida que
supera a concepção tecnicista, na qual o professor é um mero reprodutor de conhecimentos
produzidos em outros âmbitos, reconhece-se como produtor de conhecimentos profissionais por
meio da reflexão sobre suas próprias práticas. Não se trata mais, de acumular técnicas de
pretensa validade para situações indistintas e complexas, mas de dominar um corpo de saberes
capaz de subsidiar discernimentos e tomadas de decisão com o objetivo de promover a melhor
educação.
Parte-se do pressuposto de que as situações profissionais enfrentadas pelo professor
sempre são, em alguma medida, moldáveis e que, deste modo, ele deve desempenhar papel ativo
neste processo. A ideia de negar o domínio de técnicas, com pretensa validade para situações
indistintas e complexas, em favor da posse de certo discernimento na definição de um docente
eficaz não implica sugerir que determinadas técnicas não possam ser aplicadas, mas que a
decisão sobre sua utilização ou não deve estar ancorada no repertório de conhecimentos do
professor, em outras palavras, nos conhecimentos que estão na base de sua profissionalidade
(SACRISTÁN, 2007).
Como podemos ver, trata-se de um trabalho intelectual apurado, que envolve,
considerando os diversos contextos de sua prática, análise, julgamento e deliberação. Nesse
contexto, o professor pode adaptar essas técnicas, modificá-las ou rechaçá-las. O professor não é
um mero executor do currículo escrito ou pré-ativo, é, também, um de seus artífices. Nessa
perspectiva, o profissional compreende que sua atividade só encontra sentido pleno se
considerado o contexto mais amplo no qual ela está inserida. Contexto esse sempre complexo e
dinâmico, que está em constante evolução e transformação.
Destacamos que não é possível investir na edificação dos saberes da docência e pensar
em uma nova profissionalidade para os professores da Educação Básica sem analisar as reais
condições de trabalho a que estão submetidos.
2.3.1 A profissionalização docente como processo
A constituição de um corpo de saberes próprios ou específicos do ofício de ser professor
está na base dos processos de profissionalização e do exercício da profissionalidade docente.
45
Estes saberes são considerados como instrumentos vitais da atuação profissional dos professores.
Considerando as análises de Cunha (2002); Gauthier et al. (1998); Sacristán (2000, 2002,
2005, 2007); Contreras (2002), podemos afirmar que a profissionalização designa um processo
que consiste, por uma parte, em formalizar os saberes, as habilidades e as atitudes necessárias
para o exercício de uma profissão e, por outra, em fazer que se reconheça essa experiência
profissional na sociedade. Trata-se, como afirma Cunha (2002, p. 132), “De um processo
histórico e evolutivo que acontece na teia das relações sociais e refere-se ao conjunto de
procedimentos que são validados como próprios de um grupo profissional, no interior de uma
estrutura de poder”.
Para Gauthier (1998) a profissionalização remete a dois processos diferentes, mas
complementares: a profissionalidade e o profissionalismo. O primeiro, que interessa mais de
perto aos objetivos desta pesquisa, está mais relacionado a processos internos, que “[...] consiste
em um conjunto de características mais ou menos formalizadas de uma profissão em uma época
determinada” (GAUTHIER, 1998, p. 167). É a expressão da atuação prática, o específico de ser
professor, a base para a construção da profissão. O segundo é um processo externo que, como
ressalta o mesmo autor (1998, p. 168), “[...] implica de alguma maneira um trabalho que tende a
favorecer o reconhecimento pela sociedade da experiência que possuem os membros de um
corpo profissional”. Está relacionado, portanto, ao controle ocupacional e à elevação do status
social da profissão.
Para os fins deste trabalho, seguimos a definição proposta por Sacristán (2002, p. 65), que
entende a profissionalidade como “[...] a afirmação do que é específico na ação docente. Isto é, o
conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a
especificidade de ser professor”. Por ser um processo, está vinculado ao aumento do domínio
profissional de uma atividade e visa ampliar a possibilidade de agir sobre a prática a partir de
saberes formalizados.
É fundamental para os interesses desta pesquisa reter a imagem de profissionalidade
docente como aquilo que é específico do professor e, ao mesmo tempo, a ideia de qualificação
para o desenvolvimento mais consciente e autônomo da profissão. A boa prática profissional
docente seria, nesta perspectiva, o resultado de um investimento individual e coletivo mais
consciente e contínuo de integração/produção de saberes profissionais. “Os saberes se
constituiriam como matéria viva que dinamiza e põe em movimento a profissão” (TARDIF,
2011).
O saber profissional compõe, portanto, um aspecto essencial do conteúdo da
profissionalidade docente e pode tornar mais eficaz a ação educativa do professor. Torna-se
evidente a importância da subjetividade do professor no desenvolvimento de seu trabalho e uma
46
abertura, sempre necessária, ao movimento histórico. Como afirma Sacristán (2005, p. 65): “O
conceito de profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser analisado em
função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende
legitimar: em suma, tem que ser contextualizado”.
Ressaltamos que, embora o saber do professor carregue as marcas de sua subjetividade,
estamos diante de um saber que é social, ou seja, que está enraizado na cultura de uma instituição
– a escola – e, mais amplamente, no interior de uma determinada sociedade. A profissionalidade
de qualquer grupo profissional está inextricavelmente, conectada aos desafios, possibilidades e
limites impostos pelo desenvolvimento histórico e social, ou seja, só encontra concretude
histórica e social no interior de um determinado tempo. Por isso, é importante sublinhar que,
como revela a análise histórica da atividade docente, os processos de profissionalização e de
conquista de maior profissionalidade não são lineares nem unívocos. O risco de recuos para
situações de proletarização e de funcionarização reforçadas está sempre presente.
O exercício da profissionalidade docente é marcado pela contingência e pela
imprevisibilidade. Em uma palavra: é circunstancial. Os diferentes contextos e os diferentes
momentos históricos exigem, sob pena de interrupção da relação pedagógica, adequação
constante no conteúdo dessa profissionalidade. Desse modo, a reflexão sobre as mudanças
sociais aceleradas da atualidade e seus impactos no campo educativo é fundamental para o
exercício da profissionalidade docente, visto que condiciona, não resta dúvida, o corpus de
saberes que constitui o núcleo da profissão.
2.3.2 Os saberes da docência
A profissionalização da ocupação de professor só poderá acontecer mediante a definição
e validação dos saberes docentes. Mas, qual o significado que se deve denotar para o termo
saberes? A maioria dos autores da área de formação de professores tem considerado de igual
significado os termos saber e conhecimento. Outros, porém, apontam uma distinção entre eles.
Azzi (2000), por exemplo, mostra que o saber é uma fase do desenvolvimento do conhecimento,
em que a pessoa está organizando unidades preliminares de conhecimento, que por enquanto
atendem as necessidades práticas imediatas, mas não alcança ainda a organização metódica do
conhecimento em si. Neste sentido, a diferença básica entre o saber e o conhecimento, é que o
primeiro é construído pelo próprio indivíduo, ao passo que o segundo é elaborado por
pesquisadores e teóricos. Por outro lado, Gauthier et al (1998) consideram saber e conhecimento
como sinônimos, afirmando que o “ensino exige saberes, ou conhecimentos”.
Para Tardif (2002) saber abrange um sentido amplo que engloba os conhecimentos,
47
competências e habilidades, não sendo inatos, mas construídos ao longo de uma trajetória, ou
seja, envolve aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser. Para
outros autores, há uma clara distinção cronológica entre competências e saberes, pois as
competências mobilizam recursos cognitivos (ou saberes), conforme Perrenoud (2000), e
raramente os saberes estão ligados a uma única competência, sendo que esta é considerada
pragmática, algo para se resolver em campo. Pimenta (2005) utiliza o termo conhecimento para
se referir não apenas a áreas do saber pedagógico (conhecimentos teóricos e conceituais), mas
também a áreas do saber-fazer (esquemas práticos de ensino), assim como de saber porquê
(justificação da prática). O saber pedagógico também é pragmático.
Assim, o conhecimento profissional do professor é um conjunto de saberes teóricos e
experienciais que não pode ser confundido com uma somatória de conceitos e técnicas, pois de
acordo com os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), o conhecimento
profissional docente é aquele que favorece o exercício autônomo e responsável das funções
profissionais, marcadas pela imprevisibilidade, singularidade e complexidade. Deste modo,
chamamos de conhecimento profissional docente aquele conjunto de conhecimentos (ou saberes)
que o professor deve dominar para exercer o seu trabalho como um profissional da educação.
Esses saberes representam um conjunto dos conhecimentos, competências e habilidades que o
profissional da educação necessita compreender no ato de ensinar.
O saber, conforme Gauthier et al (1998), pode ser definido sob três concepções
diferentes: subjetividade, juízo e argumentação. Tendo a subjetividade como origem do saber,
considera-se que o saber é todo tipo de certeza subjetiva produzida pelo pensamento racional.
Neste pensamento, o saber se fundamenta na racionalidade e procede de uma constatação e
demonstração lógica. Sob a concepção do juízo, dizemos que o saber é um juízo verdadeiro e
não é fruto de uma intuição nem de representação subjetiva, como no caso anterior. É
conseqüência de uma atividade intelectual e o juízo a respeito de fatos. Sob a luz da
argumentação, o saber é uma atividade discursiva por meio da qual o sujeito tenta validar uma
proposição ou uma ação, usando a lógica, dialética ou retórica, incluindo o ato de saber
apresentar razões.
O conhecimento, para Pacheco (2004), pode ser definido sob três visões: filosófica
(conhecimento subjetivo, especulativo), experimental (conhecimento do senso comum), e
científica (conhecimento objetivo). Mas, quando se fala em conhecimento do professor, há uma
referência com um saber, ou conjunto de saberes, que corresponde ao conceito aristotélico de
sabedoria (ciência e entendimento intuitivo). Isto reflete as concepções, percepções, experiências
pessoais, crenças, atitudes, expectativas, e dilemas do professor. O que eles pensam, fazem,
escrevem e verbalizam deve-se a um conhecimento que tem um sentido de discurso sobre uma
48
prática ou um modo de ação.
Além disso, o conhecimento é guiado pelos interesses e necessidades humanas, sendo o
saber analisado e interpretado sob diferentes perspectivas (racionalismo, fenomenologia, ciência
social crítica), que indicam diversos tipos de saberes, explicados por Habermas (1990) através da
“teoria dos interesses constitutivos de saberes”, onde o saber do professor é um saber
comunicacional que, para o mesmo autor, pode ser explicado pelo conceito de “racionalidade”
ou “razão comunicacional”. Neste sentido, Pacheco (2004) afirma que o conhecimento docente
integra diversos saberes que, ao responderem ao interesse técnico, dependem de três conceitos
sobre ensino-aprendizagem: cientificidade (a educação e o ensino são atividades teóricas, com
uma fundamentação científica); normatividade didática (a educação e o ensino são atos racionais
que obedecem a uma teoria tecnológica, na base de um conjunto de regras e normas aplicadas
mediante um saber técnico); pragmatismo didático (a educação e o ensino são atividades
práticas, intuitivas e criativas, só possíveis mediante um conhecimento idiossincrático, ou seja,
pela experiência e subjetividade). O autor defende a idéia de que a educação e o ensino são
atividades práticas, por sua natureza, mas não sem uma teoria de suporte e de fundamentação
epistemológica.
As ciências cognitivas distinguem três tipos de conhecimentos, conforme Perrenoud
(2000): conhecimentos declarativos (descrevem a realidade sob a forma de fatos, leis, constantes
e regularidades); conhecimentos procedimentais (descrevem o procedimento a aplicar para obter
algum tipo de resultado, por exemplo, os conhecimentos metodológicos); conhecimentos
condicionais (determinam as condições de validade dos conhecimentos procedimentais).
Apesar das definições de saberes docentes na literatura da área, Gauthier et al (1998)
alertam contra certas concepções de senso comum sobre os saberes do ensino, revelando que
muitos afirmam que para ser professor, basta: conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom senso,
seguir a sua intuição, ter experiência, ter cultura. Concordando com este cuidado, Perrenoud
(2000) cita muitos alunos que, querendo se tornar professores, possuem a ilusão de que basta
dominar os saberes para transmiti-los a crianças ávidas por se instruir, reafirmando aquela
concepção simplista do trabalho docente, já mencionada no item anterior.
Se esta hipótese se mostrasse verdadeira, então qualquer pessoa que demonstrasse ter tais
qualificações e saberes, independentemente de sua formação, poderia, em tese, atuar como
professor. Quanto aos saberes de senso comum e simplificadores acima citados, vale enfatizar
que todos são importantes para qualquer profissional, independente da área de atuação, e não
formam uma base única em que se deve apoiar a profissão de professor.
Sabe-se que um professor constrói uma parte de seus saberes na ação, não simplesmente
aplicando um saber que foi produzido por outros. A profissão docente exige saberes particulares
49
que servem de base para a prática profissional do ato de ensinar. A pergunta de Shulman (1986),
a saber, o que o professor precisa conhecer no mínimo para atuar como tal, indica que não existe
um conhecimento único, mas um corpo de saberes de diferentes naturezas. Esta base de saberes e
conhecimentos costuma ser bem limitada durante a formação inicial, mas, em geral, se aprofunda
com a experiência docente.
Segundo Gauthier et al (1998), para um professor, estes saberes lhe são próprios, sendo
uma construção única, ímpar, só dele; mas há também saberes que lhe foram embutidos ao longo
de sua trajetória profissional e pessoal, e que são iguais aos dos outros professores, sendo saberes
comuns a todos. Por isso, Guarnieri (2005) mostra a importância da articulação de saberes, pois a
aprendizagem profissional ocorre à medida que o professor vai efetivando a articulação entre o
conhecimento teórico-acadêmico, o contexto escolar e a prática docente. Mostrando a
importância desta construção de saberes com a prática docente, Garcia (1992) apresentam cinco
grandes campos dos saberes docentes, propondo uma progressão profissional que abranja tais
campos e que se relacionam com as concepções e dificuldades sobre: o conhecimento científico,
as idéias dos alunos, o conhecimento escolar, a metodologia didática e a avaliação.
Estas questões sobre os saberes da docência têm dominado a pesquisa nos últimos 25
anos, segundo Tardif (2002), e marcado a profissionalização dos professores em vários países. A
partir de 1980, esta questão fez surgir dezenas de milhares de pesquisas no mundo anglo-saxão e
na Europa, aparecendo diversas tipologias e concepções sobre os saberes. Mas, especialmente
desde a década de 90, estes estudos vêm constituindo uma forma riquíssima de investigação para
se levantar os fundamentos e as bases onde eles se alicerçam. Os trabalhos de pesquisa têm
mostrado a importância deste estudo dos saberes docentes, das concepções, das teorias
implícitas, dos dilemas e do conhecimento prático que fazem parte da rotina de trabalho do
professor, procurado entender como o saber está relacionado com a pessoa, a identidade dos
professores, com sua experiência de vida, sua história profissional, suas relações com alunos em
sala de aula e com outros atores na escola (TARDIF, 2011). Com estas pesquisas, novas questões
são colocadas: teoria versus prática, formação inicial versus formação continuada, conhecimento
cientifico versus conhecimento pedagógico, e a análise de cursos que formam professores sob a
perspectiva dialógica-problematizadora. Assim, com o objetivo de se compreender a questão dos
saberes dos professores, diversos trabalhos foram surgindo até atingir o ponto em que, hoje, o
campo de pesquisa dos saberes docentes é bem amplo e há mais de vinte e cinco anos vem se
desenvolvendo de maneira exponencial.
Os trabalhos de Silva (2005), por exemplo, têm contribuído para uma visão panorâmica
desse campo de pesquisa, pois apresentam algumas classificações destes estudos. Os programas
de pesquisa sobre saberes possuem uma diversidade conceitual e metodológica, em que
50
diferentes tipologias corroboram para identificar a complexidade deste campo, sendo que suas
lacunas ainda não são exploradas.
Os trabalhos de Shulman (1986) categorizam cinco programas de pesquisas sobre o
ensino e a docência, mas ele mesmo apresenta, por último, um sexto programa de sua própria
autoria; a análise de Daniel Martin enfatiza a pluralidade metodológica das pesquisas norte-
americanas sobre os professores e seus saberes, reagrupando os estudos segundo a natureza dos
saberes docentes, de acordo com quatro abordagens teórico-metodológicas; e Gauthier (1998)
centraliza suas investigações na natureza dos saberes subjacentes ao ato de ensinar, incluindo
estudos que buscam identificar um repertório de conhecimentos dos docentes e identificando três
paradigmas de pesquisas sobre o ensino.
Em um trabalho posterior, Silva (2005) apresenta um panorama geral destes e outros
programas de pesquisas sobre os saberes, a formação e o trabalho dos docentes, utilizando
critérios de classificação segundo o tipo de abordagem usada pela psicologia e pelas ciências
humanas e sociais, associadas a estes trabalhos, identificando assim: a) pesquisas sobre o
comportamento do professor; b) pesquisas sobre a cognição do professor; c) pesquisas sobre o
pensamento do professor; d) pesquisas compreensivas, interpretativas e interacionistas.
Em nosso trabalho, preferimos classificar os programas de pesquisas sobre os saberes
docentes conforme algumas características semelhantes que encontramos nas apresentações dos
autores acima mencionados, e tentamos categorizar algumas possibilidades de aproximações, de
acordo com a nossa visão geral sobre estes estudos. Desta maneira, encontramos quatro
classificações de pesquisas sobre o ensino, a profissão docente e seus saberes, que: a) priorizam
o conhecimento de conteúdo escolar; b) encaram o ensino como um processo e a aprendizagem
como produto; c) vêem o professor como um profissional que toma decisões ao lidar com
situações específicas na sala; d) levam em conta o contexto (interacionismo) e os sentimentos
(subjetivismo) dos professores.
As pesquisas sobre o ensino que enfatizam o conhecimento de conteúdo como prioritário
é um alerta de que os conteúdos das disciplinas a serem ensinadas constituem-se em um
“paradigma perdido” (SHULMAN, 1986) no sentido de que os professores falham no domínio
de muitos conceitos científicos que deveriam ser ensinados aos alunos. Um programa de
pesquisa voltado para esta preocupação é criado através dos estudos de Shulman (1986, apud
BORGES, 2001), apresentando um enfoque no conhecimento da matéria que os professores
devem ensinar para seus alunos, e categorizando três tipos de conhecimentos que os docentes
devem possuir: conhecimento da matéria ensinada, conhecimento pedagógico da matéria, e
conhecimento curricular. Martin (1992, apud BORGES, 2001) categoriza estas pesquisas como
possuindo uma abordagem curricular, e as descrevem como estudos que objetivam investigar a
51
transformação dos saberes a ensinar no contexto de sala de aula. O autor destaca os trabalhos de
Shulman com seus sete saberes, que funcionam como um amálgama unindo conteúdo e
pedagogia. Estudos apresentados por Martin (1992, apud BORGES, 2001) chegam a enfatizar
que, se existe um saber docente, este é o curricular; se existe um saber indispensável ao
professor, trata-se do saber dos conteúdos que ele ensina, mesmo levando em conta outros
saberes, que são encarados como complementares.
Outra categoria de pesquisa que contempla os saberes docentes é aquela que se compõem
de estudos centralizados no esquema processo-produto. A classificação de Shulman (1986, apud
BORGES, 2001) descreve este programa processo-produto como sendo desenvolvido desde a
década de 50, em que o ensino era encarado como o processo e a aprendizagem como o produto
na Educação. As pesquisas eram centradas nos estudos empíricos de sala de aula, e o rendimento
dos alunos era medido por meio de testes, para se conhecer a eficácia do ensino dos professores.
Além deste programa, a classificação do mesmo autor apresentou o academic learning
time (tempo de aprendizagem acadêmica), cujo programa inovou com a perspectiva de apontar
os indicadores da eficácia do ensino, vinculando a eficácia do professor com o tempo de
aprendizagem dos alunos, porém, continuou usando os mesmos métodos das pesquisas processo-
produto.
Uma terceira categorização são as pesquisas sobre a cognição dos alunos que, segundo o
mesmo autor, centram-se sobre o conhecimento dos alunos, levando em conta a intervenção dos
docentes, ocupando um aspecto intermediário entre as pesquisas de tradição psicológica
quantitativa, processo-produto e tempo de aprendizagem acadêmica, possuindo estratégias
qualitativas vinculadas à sociolinguistica e a etnografia.
Sob um olhar da natureza dos saberes subjacentes ao ato de ensinar, incluindo um
repertório de conhecimentos dos docentes, Gauthier et al (1998) acrescenta que no paradigma
processo-produto, o professor é visto como um gestor de comportamentos que deve organizar os
processos de ensino, visando a aprendizagem dos alunos.
Para Silva (2005), estas pesquisas abordam o comportamento do professor e baseiam-se
na psicologia comportamentalista, centralizando-se no ensino eficaz e estratégico, e no
comportamento dos professores ditos eficientes, sob um olhar característico do tipo processo-
produto. Considera-se o conhecimento como sendo externo ao docente, e não se leva em conta
aspectos subjetivos das interações entre professores e alunos. Os saberes são vistos como
resultantes das pesquisas científicas sobre os procedimentos, métodos mais eficazes, e
conteúdos, por exemplo.
Nota-se que Martin (1992, apud BORGES, 2001) não inclui em sua análise as pesquisas
processo-produto, porque estas não se preocupam com os saberes docentes, e sim com os efeitos
52
de suas ações.
Os trabalhos que se concentram no interacionismo e no subjetivismo do docente são
identificados por Shulman (1986) como focalizando a ecologia da sala de aula. Neste programa
de pesquisa, os estudos embasam-se na antropologia, sociologia e linguística, com uma
metodologia mais qualitativa do que quantitativa. A comunidade é vista como um ecossistema
social, dando-se especial atenção aos acontecimentos em sala de aula, relações interpessoais e
entre os meios. O processo de ensino-aprendizagem é encarado como um continuum, e não como
fatos isolados, inserindo a visão da sala de aula num contexto mais amplo, estabelecendo
conexões com a escola, comunidade, cultura, sociedade. Procura-se observar aquilo que não é
evidente, como os pensamentos, sentimentos e atitudes dos agentes de uma aula.
As pesquisas neste paradigma subjetivo-interpretativo focalizam a dimensão
fenomenológica e interacionista dos saberes docentes. Estes estudos valorizam mais a fala do
que as situações e levam-se em conta as emoções, valores, concepções prévias, idiossincrasias, e
histórias de vida dos professores. Para Borges (2004), estas pesquisas compreensivas,
interpretativas e interacionistas focalizam o docente como uma pessoa que age e interage
mediante as situações do seu cotidiano, vindo-lhe à tona concepções pessoais, emocionais, e sua
história e experiência de vida. Estes tipos de pesquisas costumam combinar a fenomenologia
com a psicologia, a psicanálise, a etnografia e o interacionismo. Num enfoque mais sociológico,
encontram-se combinações entre o interacionismo simbólico, etnografia e etnometodologia, em
que se encara o ensino como uma situação social. Nestas abordagens, o saber do professor é
considerado um saber prático e experiencial, com raízes em seu trabalho cotidiano escolar. Para
Gauthier et al (1998) estas pesquisas reúnem o interacionismo simbólico, a etnometodologia,
etnografia escolar, sociolinguística e o enfoque ecológico. Neste paradigma, o ensino é uma
interação simbólica, onde o foco está nas representações que os professores possuem sobre os
seus saberes e nas interações que estes estabelecem em classe.
A nossa última classificação dos paradigmas dos programas de pesquisas sobre os saberes
docentes inclui o que Gauthier et al (1998) denomina de enfoque cognitivista, sendo
desenvolvido principalmente nas duas últimas décadas, vindo a se constituir nas chamadas
Ciências da Cognição. A abordagem deste paradigma é centrada nos aspectos cognitivos,
pensamento e construção dos esquemas de pensamento. As características deste programa é que
o professor atua como um profissional que toma decisões ao lidar com situações específicas na
sala, utilizando relações entre seus saberes.
No programa de pesquisa sobre a cognição dos professores, a ênfase sobre o que fazem
os professores, é alterada para o que sabem os professores, ou seja, como suas ações, decisões,
pensamentos e atitudes estão ligadas com as ações dos estudantes.
53
O docente é encarado como um profissional dotado de razão, tomando decisões e
julgando casos dentro da sala de aula, reconhecendo que suas ações são guiadas pelos seus
pensamentos e conhecimentos.
Para Daniel Martin (1992), neste programa pode ocorrer uma divisão em duas
abordagens: a obordagem profissional e a psicocognitiva. Na primeira, o saber docente é tomado
a partir das deliberações do próprio sujeito, o professor. Os professores são produtores de
saberes, existindo um saber que emerge da prática profissional. Eles são construtores de um
saber prático, diante da imprevisibilidade ou das situações específicas que surgem nas aulas, o
que exige deles uma capacidade artística, de invenção, e de adaptação à realidade do ensino. Esta
abordagem é uma corrente do professor-pesquisador, divulgado fortemente por Schön. A
abordagem psicocognitiva enfatiza a estruturação mental dos saberes, buscando colocar em
evidência as diferenças entre os docentes experientes e os novatos, e procura analisar como se dá
a complexidade das relações entre os conhecimentos dos professores.
De maneira similar, Borges (1993) subdivide este programa em pesquisas sobre a
cognição do professor e pesquisas sobre o pensamento do professor. De acordo com a autora, as
primeiras são também originadas a partir de conceitos da psicologia, e prosseguiram
principalmente devido às críticas à abordagem processo-produto, enfocando os processos
cognitivos dos professores, porém, sem levar em conta alguns aspectos como o contexto em sala
de aula, e a personalidade do professor. Nestas pesquisas, a preocupação é analisar os processos
cognitivos do docente em relação às suas ações e comportamentos em sala de aula, usando como
modelo o pensamento lógico matemático, e encarando os saberes como um conjunto de
informações, símbolos, roteiros, e esquemas de ação. No caso das pesquisas sobre o pensamento
do professor, que surgiram devido às críticas contra a abordagem cognitiva, conforme Borges
(1993), os pensamentos dos docentes são estudados segundo uma abordagem fenomenológica e
etnometodológica, cujo objetivo central é explicar os processos mentais e significações relativas
às ações docentes. Nestas pesquisas, os saberes pedagógicos e curriculares são reforçados em sua
evidência através da importância atribuída aos saberes das disciplinas, e aos saberes do ensino
das disciplinas.
Estes saberes docentes, ou conhecimentos que os professores precisam ter sobre o seu
trabalho, são essenciais para se pensar na profissionalização do ensino. Gauthier et el (1998)
preferem chamar de “reservatório de conhecimentos”, explicando que este possui um sentido
bem amplo, englobando todos os saberes docentes, cuja categorização mais citada é a de
Shulman (1987) com sete saberes principais que caracterizam a profissão de professor:
conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento pedagógico,
conhecimento do programa, conhecimento do educando e de suas características, conhecimento
54
dos contextos, conhecimento dos fins, objetivos, valores e fundamentos filosóficos e históricos
da educação.
Contudo, apresentando o seu conceito sobre a idéia de Gauthier de um “reservatório de
conhecimentos”, Tardif (2000) afirma que esta é uma visão simplificadora, pois isto transmite a
idéia de que todos os saberes estão igualmente disponíveis na memória do professor. Para o
autor, o conjunto de saberes que servem de base para o ensino pode ser entendida de duas
maneiras: num sentido restrito, ela designa os saberes mobilizados pelos professores eficientes
durante a ação em sala de aula e que deveriam ser incorporados aos programas de formação de
professores. Num sentido mais amplo designa o conjunto dos saberes que fundamentam o ato de
ensinar no ambiente escolar. O saber docente geral pode se constituir a partir dos seguintes
saberes: disciplinares, curriculares, profissionais, e experienciais; e é proveniente de diversas
fontes: a formação inicial e continuada, currículo, socialização escolar, conhecimento das
disciplinas a serem ensinadas, experiência na profissão, cultura pessoal e profissional,
aprendizagem com os pares, etc.
Para Gauthier et el (1998), o “reservatório de conhecimentos”, ou saberes docentes,
possui um subconjunto de saberes, com um sentido mais restrito, denominado por ele de
“repertório de conhecimentos”, também conhecido por “saberes da ação pedagógica”,
representando somente os saberes do gerenciamento da classe e do gerenciamento do conteúdo.
O reservatório de conhecimentos (ou saberes) inclui os seguintes saberes: saberes disciplinares
(matéria), saberes curriculares (programa), saberes das Ciências da Educação (disciplinas
pedagógicas), saberes da tradição pedagógica (uso), saberes experienciais (jurisprudência
individual), saberes da ação pedagógica ou repertório de saberes (jurisprudência pública),
saberes culturais e pessoais (pessoa), saberes pré-profissionais (vida). Especificamente no
processo ensino aprendizagem, Carvalho e Gil-Pérez (1998) apresentam o que devem “saber” e
“saber fazer” os professores, no âmbito de suas necessidades formativas: conhecer a matéria a
ser ensinada, questionar as idéias docentes de senso comum sobre o ensino e aprendizagem,
adquirir conhecimentos teóricos sobre a aprendizagem, saber analisar criticamente o ensino
tradicional, saber preparar atividades voltadas para uma aprendizagem efetiva, saber dirigir o
trabalho dos alunos, saber avaliar, adquirir a formação necessária para associar ensino e pesquisa
didática.
Os agrupamentos e as tipologias dos saberes resultam da análise de uma amplitude do
“caleidoscópio” dos saberes (BORGES, 1993). Os resultados de Borges (1993) atestam este fato,
pois apontam para uma listagem de saberes específicos: conhecimentos das disciplinas
ensinadas; conhecimentos pedagógicos e psicológicos sobre o desenvolvimento e aprendizagem
dos alunos; saberes sobre relações interpessoais e dialógicos, saber ser e saber agir;
55
conhecimentos das Ciências Sociais, Antropologia e Sociologia; conhecimento da sociedade e do
sistema educacional; noção geral dos conteúdos de outras disciplinas; conhecimentos sobre as
condições de trabalho; saberes situacionais (agir no improviso, responder a um evento
inesperado); saber preparar materiais e recursos didáticos, elaborar avaliações e trabalhos,
corrigi-las, etc; saber organizar e distribuir seu tempo; saber preparar aulas, estudar, buscar
conhecimentos; autoconhecimento, reconhecer seus próprios limites e os da educação; saberes
sobre a realidade social, cultural, econômica, cognitiva, afetiva de seus alunos; saberes
provenientes da experiência familiar, valores morais e éticos; arcabouço teórico geral; abertura
às mudanças e vontade de mudar, talento, criatividade, gostar do que faz, amar o ato de ensinar,
falar em público; saber transmitir, apresentar, ensinar os conteúdos; saber transformar os
conhecimentos de uma linguagem complexa para uma mais simplificada e acessível aos alunos.
É possível aproximar saberes em subconjuntos, sob o ponto de vista epistemológico,
reduzindo todos os saberes em um número menor de grandes grupos. O próprio Shulman (1986)
reduz seus sete saberes, agrupando-os em apenas três de maior amplitude: conhecimento do
conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo, e conhecimento pedagógico geral. Pimenta
(2005) realiza um trabalho semelhante ao apresentar três principais saberes: saberes do
conhecimento (ou do conteúdo), saberes pedagógicos, e saberes da experiência. Este último não
é categorizado por Shulman (1986) talvez porque que ele considere a experiência como
permeando todo o processo de raciocínio pedagógico, sendo ela uma condição necessária
(embora não suficiente) para a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo por parte do
professor. Mais compactamente ainda, Pacheco (2004) mostra que todo o conhecimento docente
pode ser dividido em dois componentes: saber profissional e saber prático, que não devem ser
encarados, no entanto, como fragmentados, uma vez que o saber profissional não deixa de ser
um saber prático.
Assim, após esta breve revisão das concepções sobre as classificações dos saberes de
importantes autores da área, e cientes dos problemas de se criar tipologias, pois isto não é uma
tarefa fácil, tentaremos alistar, a seguir, os diversos tipos de saberes em uma seqüência que parte
de uma abordagem impessoal (conteúdo, programa, cultural) e vai se individualizando (mundial,
regional, local, sala, alunos), até atingir o intimamente pessoal (conhecimento de si mesmo, da
própria vida). Reconhecemos que estes saberes não são independentes, nem atuam de forma
individual no sujeito, como um arquivo de conhecimentos à disposição, onde basta selecioná-los
para o docente atuar em seu trabalho segundo a sua necessidade. Assumimos que os saberes
docentes são interdependentes e interligados, podendo ser utilizados pelos professores em
exercício de maneira integralizadora e muitas vezes em conjunto, não separadamente. Deste
modo, um profissional do ensino fará uso, ao mesmo tempo, de mais de um único saber,
56
dependendo da situação vivenciada ou das decisões que o professor tomará frente a casos
particulares e singulares ocorridos em sala de aula. Identificamos, na literatura, os principais
saberes docentes, optando por recondicionar alguns deles a um termo de nosso próprio cunho,
uma vez que os diversos autores definem um mesmo saber com diferentes denominações:
Saberes dos conteúdos a serem ensinados; Saberes dos conteúdos pedagógicos; Saberes didáticos
dos conteúdos a serem ensinados; Saberes curriculares; Saberes dos contextos; Saberes culturais;
Saberes sobre os alunos; Saberes pessoais; Saberes pré-profissionais; Saberes experienciais da
profissão docente; Saberes profissionais gerais; Saberes competências.
2.3.3. Saberes dos conteúdos a serem ensinados
Também denominado de saber disciplinar por Gauthier et al (1998), é aquele saber que
cientistas e pesquisadores produziram a respeito do mundo, sendo que o professor o extrai ao
ensiná-lo, mas não o produz. Igualmente, Tardif (2002) o chama de saberes disciplinares e
afirma que estes são provenientes da formação inicial e continuada dos professores nas diversas
disciplinas oferecidas durante o curso de formação, e correspondem aos diversos campos de
conhecimento. Para Porlán e Rivero (1998), estes são os saberes disciplinares básicos (na
classificação desejável), que correspondem aos saberes acadêmicos (na classificação do
conhecimento profissional dominante), e privilegiam o saber disciplinar que inclui não só os
conhecimentos das disciplinas específicas das quais o professor se gradua como especialista, mas
também os conteúdos das Ciências da Educação. Visto como um dos componentes da
profissionalidade docente, Demailly (1997) os chama de saberes científicos e críticos, mostrando
que são sistematizados em disciplinas científicas e objetos de ensino nas escolas. Reforçando a
idéia de que o professor precisa ter o conhecimento do conteúdo específico relativamente à
disciplina ensinada, Borges (1993) classifica este saber docente como conhecimento disciplinar
ou da matéria ensinada.
Ao mencionar os quatro componentes do conhecimento profissional dos professores,
Garcia (1992) mostra a importância do conhecimento do conteúdo, que inclui não só a
informação, as idéias, tópicos, e conceitos específicos da matéria (conhecimento substantivo),
mas também o domínio dos paradigmas de investigação de cada disciplina, das suas tendências,
perspectivas, e validade (conhecimento sintático): “quando o professor não possui
conhecimentos adequados sobre a estrutura da disciplina que está a ensinar, o seu ensino pode
apresentar erroneamente o conteúdos aos alunos.”
O nível de domínio dos conteúdos que os professores possuem exerce uma forte
influência sobre: o que e como ensinam; o seu discurso na sala de aula; o tipo de perguntas que
57
formulam em suas aulas; o modo como criticam e usam o livro didático. Para Zeichner (1993),
há um consenso de opiniões sobre o fato de que os professores devem ter um conhecimento
profundo das matérias que lecionam, e uma ampla variedade de estratégias e práticas de ensino
para responderem às necessidades dos alunos. No entanto, segundo Garcia (1992), há ainda um
debate aberto sobre o tipo de conhecimento disciplinar que o professor deve possuir. Alguns
argumentam que o professor deve saber menos que um especialista da matéria que ele leciona,
conhecendo pelo menos o que os programas de ensino (currículo) e os livros didáticos trazem.
Outros afirmam que o professor deve conhecer mais do que os especialistas de sua área, pois
envolveria conhecimentos sobre a aplicação destes conteúdos, e o valor social, ético e histórico
deste conteúdo. Uma terceira visão é a de que o conhecimento do professor sobre o conteúdo
específico de sua especialidade deveria ser simplesmente diferente, explícito e autoconsciente,
ou seja, deve ser um conhecimento para ser ensinado.
Garcia (1992) lembra que há uma espécie de conhecimento pertencente ao que se
denomina de currículo nulo ou currículo oculto, que envolve, durante a formação inicial, um
conjunto de mensagens não explícitas verbalmente da parte dos formadores, mas que são
apreendidas pelos alunos de modo indireto. Por exemplo, há a mensagem subjacente do mito de
que a teoria é importante para a aprovação, mas é a prática que realmente os formará como
professores.
Referindo-se a este tipo de saber, Shulman (1986) enfatiza que o professor precisa
possuir o conhecimento do conteúdo específico, que é composto pelos conhecimentos a respeito
do conteúdo da matéria que o professor leciona, e podem ser subdivididos em conhecimento
substantivo (conteúdo da ciência específica propriamente dita); e conhecimento sintático (de
como esta ciência foi construída). O conhecimento do conteúdo (que o professor precisa possuir
para ensinar determinada matéria) é chamado por Shulman (1986) de “paradigma perdido”, pois
a ênfase nas pesquisas não estavam contemplando os saberes sobre conteúdos. Segundo Shulman
(1986), o professor deve possuir uma compreensão mínima dos conceitos envolvidos, precisando
saber não apenas o que ele ensina, mas também por que ele ensina aquele conteúdo, ou seja, sob
quais circunstâncias aquele conteúdo foi construído. No entanto, acreditamos que os conteúdos
deveriam estar presentes na formação do professor, não apenas de uma forma mínima, mas de
modo a ir além daquilo que será trabalhado em sua prática docente com as crianças e os jovens,
uma vez que o conteúdo assume um papel central no desenvolvimento de competências.
Portanto, o conhecimento do conteúdo deve ir além do mínimo.
Contudo, há atualmente um tratamento inadequado dos conteúdos nos cursos de
formação inicial de professores, pois estes geralmente, caracterizam-se por tratar
superficialmente (ou mesmo não tratar) os conhecimentos sobre os objetos de ensino com os
58
quais o futuro professor virá a trabalhar. Para garantir ao futuro docente o domínio e a
consolidação do conhecimento dos conteúdos, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação de Professores da Educação Básica (BRASIL, 2001) apontam para as denominadas
“unidades curriculares de complementação”, que estariam longe de ser simplesmente “aulas de
revisão”:
É, portanto, imprescindível que o professor em preparação para trabalhar na educação
básica demonstre que desenvolveu ou tenha oportunidade de desenvolver, de modo sólido e
pleno, as competências previstas para os egressos da educação básica [...]. Isto é condição
mínima indispensável para qualificá-lo como capaz de lecionar na educação infantil, no ensino
fundamental ou no ensino médio. Sendo assim, a formação de professores terá que garantir que
os aspirantes à docência dominem efetivamente esses conhecimentos. Sempre que necessário,
devem ser oferecidas unidades curriculares de complementação e consolidação dos
conhecimentos lingüísticos, matemáticos, das ciências naturais e das humanidades (BRASIL,
2001).
Mostrando a importância de que os professores precisam dominar os conteúdos com os
quais trabalham, Garcia (1992) afirma que, entre as pesquisas da área, “parece existir um acordo
generalizado quanto à necessidade de os professores possuírem um conhecimento adequado dos
conteúdos”, embora ainda haja discussões a respeito. Segundo o mesmo autor, “conjuntamente
com o conhecimento pedagógico, os professores têm de possuir conhecimentos sobre a matéria
que ensinam”, pois o conhecimento que eles possuem do conteúdo a ensinar também influencia o
processo de ensino-aprendizagem.
Confirmando esta importância, Carvalho e Gil-Pérez (1998) mostram que este saber vai
além dos conteúdos e apresentam alguns aspectos do que seriam, para eles, o conhecimento do
conteúdo necessário a um professor: a) conhecer a história das ciências e como determinados
problemas originaram a construção dos conhecimentos científicos; b)conhecer as orientações
metodológicas empregadas na construção dos conhecimentos; c)conhecer as interações entre
ciência/tecnologia e sociedade; d) conhecer desenvolvimentos científicos recentes e outras
matérias relacionadas; e) saber selecionar conteúdos adequados; f) preparar-se para aprofundar
os conhecimentos e adquirir outros novos. Afinal, professores sem conhecimentos específicos da
matéria a ser ensinada podem se transformar em transmissores mecânicos de conteúdos do livro
didático.
Porém, em muitos casos, quando há conteúdos ministrados na formação inicial, Tardif
(2002) mostra que tais teorias geralmente não possuem, “para os futuros professores e para os
professores de profissão, nenhuma eficácia nem valor simbólico e prático”, além de serem
ensinadas “por professores que nunca colocaram os pés numa escola”. Em conseqüência disso,
59
os professores têm a noção de que não foram e não estão bem preparados, que estão aprendendo
principalmente com a prática, e que a vida lhes ensina para poder ensinar também. De fato,
dominar os saberes científicos geram alguma autonomia que possibilita ao aprendiz (futuro
professor) a capacidade de negociação de suas decisões, alguma capacidade de comunicação,
algum domínio e responsabilização em face de situações.
Para Tardif (2002) uma formação inicial limitada dos docentes parece levá-los a algumas
situações gerais de despreparo: sensação de incapacidade e insegurança, respostas insatisfatórias
para os alunos, falta de sugestões de contextualização, bibliografia e assessoria reduzida, e tempo
reduzido para pesquisas adicionais. Tentando superar essas dificuldades, os docentes vão em
busca das mais variadas fontes de consulta para suas aulas. Dependendo da fonte consultada ou
da resposta obtida, suas concepções alternativas podem ser alteradas ou reforçadas, ou ainda
novas concepções poderão ser geradas. Algumas dessas concepções alternativas sobre
determinados fenômenos podem ficar firmemente arraigadas no professor desde o tempo em que
o mesmo estudava enquanto aluno, persistindo até durante a sua atuação profissional.
Diminuído a importância dos saberes dos conteúdos, promoveu-se a idéia de que o
conhecimento pedagógico geral era mais importante do que o conhecimento do conteúdo, e que
bastavam os saberes pedagógicos por si próprios. Nesta perspectiva, os saberes de conteúdo
seriam simplesmente adaptados às formas-padrões de ensinar, como se existissem ‘moldes’ ou
‘fôrmas’ pedagógicas de ensino, em que qualquer conteúdo pudesse ser ajustado ali para se
trabalhar em sala de aula. No entanto, este modelo se tornou obsoleto quando resultados de
pesquisas mostraram que o saber do conteúdo é essencial para o trabalho do professor. Shulman
(1986) mostrou que frequentemente um professor novato experimenta o ensino de um tópico que
não lhe fora ensinado antes. Nesta visão, a preocupação apresentada no trabalho de Shulman é o
modo como o professor se prepara para ensinar algo que nunca aprendeu, ou seja, como o
aprendizado para o ensino ocorre. O autor demonstra que o professor se apóia, como
conseqüência, nos curriculum materials, ou seja, nos livros didáticos. Porém, como apontam
várias pesquisas, estes possuem sérios erros de conteúdos, falhas metodológicas, conceitos
incompletos, falta (em alguns casos) ou excesso (em outros casos) de conteúdos considerados
significantes. A pergunta de Shulman (1986), portanto, é como o professor transforma estes
textos didáticos em instruções para seus alunos compreenderem?
Outra importante questão sobre o conteúdo a ser ensinado é levantada por Gauthier et el
(1998): como os professores selecionam os conteúdos? Esta é uma questão interessante, visto
que as decisões dos professores quanto aos conteúdos a serem ensinados exercem uma influência
considerável sobre o êxito dos alunos. Os próprios autores respondem a este questionamento
com as seguintes inferências: depende do esforço percebido como necessário pelos professores
60
para ensinar determinado tema; depende da percepção dos professores em relação à dificuldade
que o conteúdo apresenta para os alunos; depende do sentimento de satisfação pessoal de ensinar
um conteúdo específico. Para Garcia (1992) as crenças, atitudes, disposições e sentimentos dos
professores acerca da matéria que ensinam influenciam o conteúdo que selecionam e como
ensinam esse conteúdo. Os professores têm temas preferidos e temas que não gostam de ensinar,
assim como possuem um autoconceito relativamente à sua capacidade para ensinar umas
disciplinas e não outras.
Por outro lado, Pacheco (2005) lembra que os conteúdos já são previamente selecionados,
fragmentados e organizados em disciplinas ou áreas, antes de o professor tomar consciência de
sua existência. Esta seleção prévia é realizada obedecendo-se a três critérios fundamentais,
segundo Pacheco (2005): critério lógico (forças da estrutura da própria ciência); critério
psicológico (variáveis do sujeito que aprende); critério social (forças sociais que buscam na
educação algum tipo de qualidade). Quanto à organização destes conteúdos, segue-se diferentes
modalidades: organização centrada nas disciplinas, organização centrada nas atividades, e
organização centrada nos núcleos temáticos.
Apesar destas pré-organizações de conteúdos, compete ao professor ordená-los
novamente (usando sua autonomia) e esquematizá-los de modo lógico e coerente para que sejam
compreendidos pelos alunos. Nesta ordenação didática, seguem-se fatores lógicos e psicológicos,
podendo optar-se por diferentes vias: multi-pluri-inter-trans-disciplinaridade. Os professores que
obtém êxito em seu trabalho conhecem a matéria de um modo que lhes permite planejar a
criação de aulas que ajudarão os alunos a relacionar os conhecimentos novos aos que já
possuem, pois ensinar exige um conhecimento do conteúdo a ser transmitido, visto que,
evidentemente, não se pode ensinar algo cujo conteúdo não se domina.
Para Pimenta (2005), os saberes do conhecimento ou do conteúdo dizem respeito a todo o
referencial científico, tecnológico, teórico, técnico e cultural, das áreas específicas. Neste caso,
conhecimento não é simplesmente informação. O docente precisa saber trabalhar as informações,
mediando-as, atribuindo um significado a elas, classificando-as, contextualizando-as, e por fim
vincular o conhecimento de modo que seja útil e pertinente, sabendo contemporaneizar os
conhecimentos. Para esta autora, este saber inclui a capacidade do professor transformar
pedagogicamente o conteúdo para uma linguagem compreensível ao aluno.
Definindo o saber acadêmico, no contexto do conhecimento profissional que
normalmente existe nas instituições de ensino, Porlán e Rivero (1998) afirmam que é o conjunto
de concepções disciplinares que os professores possuem sobre o currículo e as Ciências da
Educação, tendo como principal fonte a sua formação inicial. O saber acadêmico organiza-se de
acordo com uma lógica disciplinar, sem uma abordagem contextualizada, mas muito bem
61
fragmentada, o que normalmente é chamada de “teoria”. Por outro lado, o conhecimento
profissional docente que deveria existir (desejável) inclui os saberes disciplinares básicos, que
são compostos por cada uma das disciplinas que estudam variáveis implicadas nos processos de
ensino-aprendizagem e cujo grau e tipo de organização se corresponde com a lógica interna de
cada uma delas. Neste caso, envolveria as várias disciplinas das áreas curriculares (física,
química, por exemplo), das áreas do ensino (pedagogia, história da educação), das áreas da
aprendizagem (psicologia), e das áreas de estudo dos sistemas educativos (sociologia, estrutura),
e muitas outras. Porlán e Rivero (1998) resumem em disciplinas da matéria, psicopedagógicas, e
didáticas especificas, e apresentam um sub-saber do saber profissional desejável: o
conhecimento da matéria a ensinar. Mas, um conhecimento adequado da matéria implica
compreender em profundidade o objeto de estudo, os princípios, leis e teorias mais relevantes, e
as relações entre todos eles, o que levaria o professor a ter a atitude científica de aprofundar nos
conhecimentos e estar pronto para adquirir novos, o que nos remete ao conhecimento substantivo
da matéria, apresentado por Shulman (1986).
No entanto, Porlán e Rivero (1998) mostram que dentro deste saber, há os conceitos
descritivos, explicativos e aplicativos, levando em conta que o conhecimento do conteúdo deve
ser articulado, flexível, plural, crítico e integrador. Há também o conhecimento profissionalizado
do conteúdo, quando os conhecimentos do conteúdo se relacionam com os conhecimentos das
Ciências da Educação, os psicopedagógicos e as Didáticas Específicas. As Didáticas Especificas
usam e reinterpretam os conhecimentos científicos e psicopedagógicos para explicar os
processos de ensino e aprendizagem de uma matéria escolar e para propôr pautas de projeto e
desenvolvimento curricular. Assim, o saber didático é um saber para a ação e é integrador, muito
importante e especial para o conhecimento profissional, pois implica em saber explorar as idéias
dos alunos. A nossa visão, porém, é a de que o saber didático deveria ser muito mais abrangente
do que propõem os autores, sendo formado por um conjunto amplo de saberes, dentro do qual
estaria incluído o saber disciplinar, pois o saber didático é uma espécie de saber que capacita o
professor para a sua ação profissional de ensinar, independente de qual área do saber disciplinar
o docente se especializou. Assim, propomos um repensar sobre a possibilidade de que o saber
disciplinar seja um sub-saber do saber didático, e não o inverso.
2.3.4 Saberes dos conteúdos pedagógicos
Estes conhecimentos funcionam como ferramentas para se efetuar uma leitura da
realidade social, conhecendo-a a ponto de intervir nos processos de ensino e aprimorar a
compreensão da subjetividade de cada um, envolvendo os conhecimentos antropológicos,
62
psicológicos, pedagógicos, e sociológicos (BORGES, 1993), ou seja, os conhecimentos das
Ciências Sociais e Humanas. Para Gauthier et al (2005), que os chama de saberes das Ciências
da Educação, estes são os conhecimentos que o professor adquire durante a sua formação inicial
e, embora não o ajudem diretamente a ensinar, informam-no a respeito de facetas de seu ofício
ou da educação de um modo geral, sendo as fontes principais destes saberes as disciplinas
pedagógicas dos cursos de formação, tais como Sociologia, Antropologia, Psicologia da
Educação, etc. Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), este
saber pedagógico envolve o conhecimento sobre o currículo e desenvolvimento curricular,
questões de natureza didática, avaliação, interação grupal, relação professor-aluno, conteúdos de
ensino, e sobre os procedimentos de produção de conhecimento pedagógico.
Para Shulman (1986), estes saberes incluem conhecimentos e teorias, princípios
relacionados a processos de ensinar e aprender, conhecimentos de contextos educacionais,
modos de gestão da sala, do currículo como política, conhecimento dos alunos, do programa
oficial de ensino, fundamentos filosóficos e históricos, e são chamados pelo autor de
conhecimento pedagógico geral. Um dos quatro componentes do conhecimento profissional dos
professores apresentados por Garcia (1992) é o conhecimento psicopedagógico, ou seja, o
conhecimento relacionado com a aprendizagem, com os alunos, com os princípios gerais de
ensino, tempo de aprendizagem acadêmico, gestão de classe, técnica didáticas, planejamento de
ensino, avaliação, aspectos legais da educação, etc.
Desta forma, este conjunto de saberes transmitidos pelas instituições de formação inicial
ou contínua de professores inclui os saberes das ciências da educação e os saberes pedagógicos,
conforme Tardif (2002), que os denomina de saberes da formação profissional. Os saberes
pedagógicos são doutrinas ou concepções provenientes de reflexões sobre a prática educativa no
sentido amplo do termo, e que se constituem em normas e orientações para a atividade educativa,
articulando-se com os saberes das Ciências da Educação para legitimar “cientificamente” suas
normatividades, através de estudos e trabalhos efetuados pelos teóricos e pesquisadores das
Ciências da Educação, embora seja bastante raro vê-los diretamente no meio escolar, em contato
com os professores. Estes saberes constituem-se no saber-fazer pedagógico, cujos saberes são
relacionados com procedimentos do trabalho em grupo na sala de aula, os meios de ensino, as
tecnologias e as metodologias de ensino.
2.3.5 Saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados
Atuando recentemente na área da transposição didática, divulgado principalmente por
Chevallard (1991), mas introduzido em 1975 pelo sociólogo Michel Verret, o estudo destes
63
saberes tem sido um referencial para se trabalhar conhecimentos enquanto processo de ensino,
pois para ensinar, não bastam apenas os saberes do conteúdo e os saberes pedagógicos, mas
também dos saberes didáticos, que auxiliarão o professor na transformação da linguagem sobre a
Ciência dos cientistas em linguagem sobre a Ciência dos alunos, ou seja, ensinar de um modo
didaticamente compreensível para os alunos (PIMENTA, 2000). Para isso, necessita-se
reinventar os saberes pedagógicos a partir da prática docente, constituindo novas Ciências da
Educação, e superando a tradicional fragmentação dos saberes em disciplinas. A prática social
pedagógica deve ser o ponto de partida e o ponto de chegada, levando em conta a experiência
profissional. Trabalhos contemporâneos de pesquisa na área da Educação costumam enfocar
apenas este saber didático dos conteúdos, ou apenas um, ou ainda alguns saber(es) em específico,
deixando de contextualizar os demais. Esta característica nos textos pode tornar muito
fragmentado o tratamento dos saberes, em detrimento dos outros, com uma ênfase demasiada em
apenas um deles, prejudicando a idéia original do autor. Na área da Educação em Ciências, por
exemplo, parece que o enfoque principal tem sido sobre como ocorre a transposição didática, em
detrimento de outros saberes também importantes.
O saber a ensinar, não é a mera simplificação ou trivialização formal do saber sábio que
se constitui no que conhecemos por conhecimento científico, fruto do trabalho de uma esfera
composta de cientistas e intelectuais. Para se tornar saber a ensinar, é preciso que o saber sábio
sofra uma espécie de degradação com uma perda do contexto original, permitindo uma
reorganização e uma reestruturação de um novo saber, o saber a ensinar, que se constrói a partir
do uso do saber sábio como referência, constituindo-se de uma nova linguagem (ALVES FILHO
et al, 2005). A esfera do saber a ensinar compõe-se basicamente pelos autores de livros e
manuais didáticos, os especialistas e professores da disciplina (não cientistas) que influenciam
nos autores destas publicações, e a opinião pública em geral capacitada a influenciar o processo
de transformação do saber. Para efetivamente ensinar, um professor deve saber algo que outros
não saibam, especialmente seus alunos. O professor deve ser capaz de transformar
entendimentos, habilidades, atitudes ou valores em ações e representações pedagógicas.
Por fim, à luz da transposição didática, ocorre uma terceira transformação do saber,
produzindo o saber ensinado, praticada pelo professor, que sofre pressões externas (por exemplo,
as interferências dos interesses e opiniões da administração escolar, dos alunos e da comunidade)
e internas (por exemplo, as interferências das concepções pessoais do professor) neste processo.
No entanto, é necessário que o professor se responsabilize por esta transposição, o que só poderá
acontecer se ele utilizar a sua autonomia por conhecer com profundidade o conteúdo de sua área
do saber (ALVES FILHO et al, 2005). Há ainda uma quarta situação, segundo Bejarano (2001),
em que o saber assume outra transformação, numa esfera composta pelos alunos que
64
apreenderam o conhecimento trabalhado pelo professor.
Estes saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados são os mesmos que Shulman
(1987) chamou de pedagogical content knowledge, e que já foi erroneamente traduzido por
“conhecimento do conteúdo pedagógico” (Garcia, 1992), ao invés de mais corretamente
“conhecimento pedagógico do conteúdo”. Há uma abismal discrepância de significado em nossa
língua entre estas duas diferentes traduções, o que pode levar o leitor a concluir que
“conhecimento do conteúdo pedagógico” é sinônimo de “conhecimento pedagógico geral”,
quando na verdade, o autor original usou o primeiro para se referir ao “conhecimento pedagógico
do conteúdo”, ou seja, a transformação que o professor efetua da matéria a ser ensinada numa
linguagem compreensiva para os alunos (transposição didática). Por isso, é preciso lembrar dos
cuidados na tradução de termos para que não permita confusões nas interpretações das intenções
originais do autor-fonte. Para Shulman (1987), este novo tipo de conhecimento é construído
constantemente pelo professor ao ensinar a matéria e é enriquecido e melhorado quando se
amalgam os outros saberes (principalmente o conhecimento do conteúdo e o conhecimento
pedagógico geral), sendo uma forma de conhecimento do conteúdo. Inclui a compreensão do que
significa ensinar um tópico de uma disciplina específica assim como os princípios e técnicas que
são necessários para tal ensino.
Denominando-os de saberes didáticos, Demailly (1997) identifica-os como importantes
componentes da profissionalidade docente, em que ocorre a aplicação das ciências humanas para
a transmissão e aquisição de um domínio de saber escolar, que por sua vez, pode ser subdividido
em domínio disciplinar (didáticas das disciplinas), transdisciplinares (didática de uma língua ou
de uma técnica, etc.), ou transversais (didática geral).
No caso da docência, este saber é bem específico da profissão, sendo o único
conhecimento pelo qual o professor pode estabelecer uma relação de protagonismo, pois é de sua
autoria, e aprendido no exercício profissional da docência, pois saber ensinar um determinado
conteúdo envolve pensar nos alunos e como eles concebem aquilo que está sendo ensinado,
levando em conta as limitações e capacidades individuais deles, e que o tempo de aprendizagem
e o tempo de ensino são distintos, conforme Amigues (2004): “o tempo de ensino não é paralelo
ao tempo de aprendizagem, não podendo essas duas temporalidades ser sobrepostas ou
confundidas.” Embora tão importante, a maioria dos especialistas ainda pensa que um bom
domínio dos saberes disciplinares dispensa saberes pedagógicos ou didáticos profundos
(PERRENOUD, 2002). Contudo, como mostra Borges (2004), este saber ensinar assume uma
posição importante no conjunto dos saberes docentes, pois envolve o saber explicar, transmitir,
atrair os alunos, sintetizar, selecionar, e estruturar os conteúdos do programa, ter criatividade,
metodologia, técnicas, didática, etc, enfim, ter conhecimentos sobre como ensinar a sua
65
disciplina.
Defendendo o princípio da integração entre a formação de professores em relação aos
conteúdos propriamente acadêmicos e disciplinares, e a formação pedagógica dos professores,
Garcia (1999) salienta que este conhecimento didático do conteúdo a ser ensinado apresenta-se
como um importante estruturador do pensamento pedagógico do professor. Para Gauthier et al
(1998), este saber pedagógico do conteúdo não é visto como um conhecimento separado do
conhecimento do conteúdo a ser ensinado, mas faz parte no saber disciplinar, de modo que o
docente precisa conhecer os conteúdos para saber fazer a transposição didática, ou conhecimento
pedagógico da matéria (ou do conteúdo), ou imagem operatória da ergonomia cognitiva.
Incluindo este saber entre os quatro componentes do conhecimento profissional dos
professores, Garcia (1999) mostra que o conhecimento didático do conteúdo combina
adequadamente o conhecimento da matéria a ensinar e o conhecimento pedagógico e didático de
como a ensinar. Este tipo de conhecimento inclui conhecer o conteúdo de modo a conseguir
fazer o aluno entender. A investigação sobre este tipo de conhecimento representa uma das
contribuições mais importantes para as pesquisas sobre a formação de professores.
De fato, se considerarmos o conhecimento pedagógico geral (saberes dos conteúdos
pedagógicos) e o conhecimento do conteúdo (saberes dos conteúdos a serem ensinados) como
sendo iguais para professores da mesma área e com as mesmas formações, perguntamos: por que
surgem diferentes maneiras de ensinar o mesmo conteúdo? A resposta poderia estar na reação
que cada profissional possui, frente às situações únicas de uma aula, resultando em diferentes
conhecimentos pedagógicos do conteúdo (saberes didáticos dos conteúdos a serem ensinados).
Outra variável é a influência dos alunos na construção do conhecimento pedagógico do conteúdo
pelo professor, fazendo com que, muitas vezes, o mesmo professor ensine de diferentes maneiras
o mesmo conteúdo. Estas inúmeras formas de ensinar um mesmo conteúdo é chamado de
“repertório representacional”, e conforme os autores da área, este é o saber menos codificado.
2.3.6 Saberes curriculares
Estes saberes correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos
quais a instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e
selecionados (TARDIF, 2004), apresentando-se sob a forma de programas escolares. Para Porlán
e Rivero (1998), o conhecimento do currículo e dos programas oficiais governamentais faz parte
tanto da experiência profissional no campo do conhecimento profissional desejável, como dos
saberes acadêmicos no campo do conhecimento profissional dominante. Gauthier et el (1998)
explicam que a instituição seleciona e organiza certos saberes produzidos pela Ciência e
66
transforma num corpus que será ensinado nos programas escolares, assumindo a forma de
conteúdos programáticos, vestibulares, livros didáticos, LDB e PCN, por exemplo.
A respeito dos livros didáticos, e o modo como eles são concebidos pela maioria dos
professores brasileiros e pelas instituições onde trabalham, pesquisas têm demonstrado que eles
parecem estar investidos de uma superior autoridade intelectual, ou seja, que eles devem ser
obrigatoriamente seguidos (LANGHI, 2005). O professor precisa selecionar conteúdos que
sejam significantes para o trabalho com a sua sala de aula específica, e suprimir outros que ele
considera inapropriados para o contexto em que se insere. Esta atitude reflete a sua própria
autonomia, que só deve ser conquistada a partir de suas próprias competências e habilidades.
Outra característica de alguns destes materiais é a chamada organização didática que neles
constam, muitas vezes copiados de ano em ano, e quando preparados por alguém, nem sempre
consta uma autoria assumida ou responsabilidade intelectual. Sob diferentes perspectivas,
analistas e professores teriam, cada qual, suas próprias opiniões e idéias sobre a melhor ordem
didática dos conteúdos, pois cada profissional vivencia contextos diferenciados. Assim, não
podemos afirmar que existe uma única seqüência didática correta para os livros-texto.
Por outro lado, a disposição de conteúdos nos materiais didáticos do Ensino Médio
preparados por instituições particulares parecem caracterizar um treinamento para vestibulares, e
a forma como são ministradas as aulas neste nível de ensino reforçam esta característica. Após o
período da ditadura, o vestibular transformou-se, de classificatório, para eliminatório (ou mesmo
discriminatório), sendo que atualmente, não há justificativas para a existência dos vestibulares
em instituições particulares, dado o número de vagas. Em outras palavras, são os vestibulares
que estão determinando os conteúdos que devem ser ensinados no Ensino Médio,
comprometendo a autonomia dos professores que primam por um ensino de qualidade com
conteúdos significativos. Além disso, conforme atesta Pietrocola (2005), ao término das
avaliações tradicionais e dos exames para o ingresso no ensino superior, os alunos, em poucos
dias, se esquecem do que lhes foi ensinado, e todo aquele conhecimento físico se esvanece,
gerando um sentimento de tempo perdido estudando (ou decorando, ou ainda, “colando”)
conteúdos que talvez jamais sejam revisados nas vidas dos alunos.
2.3.7 Saberes dos contextos
Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), formam esse
âmbito, conhecimentos relativos à análise da realidade social e política do país, as relações
sociais e sua repercussão na educação, as múltiplas expressões culturais e as questões de poder, o
conhecimento do sistema educativo, a reflexão sobre a dimensão social e política do papel do
67
professor, a discussão de leis relacionadas à infância, adolescência, educação e profissão, as
questões da ética e da cidadania.
Para o ensino, o profissional da educação deve conhecer o seu entorno de trabalho, o
contexto local, regional e mundial. Incluindo estes saberes dos contextos, Gauthier et al (1998)
citam os saberes culturais juntamente com os pessoais como sendo adquiridos fora do exercício
da profissão, mas que podem ser mobilizados para fins específicos ao ensino. Também
denominado de saber cotidiano, Azzi (2000) explica que atividade cotidiana é diferente da
práxis, no sentido de que a vida cotidiana é o conjunto de atividades que caracterizam a
reprodução dos homens particulares, seguida da reprodução social, não havendo transformação.
As características do comportamento e do pensamento cotidiano são: espontaneidade,
economicismo, pragmatismo, probabilidade, imitação, analogia, ultrageneralização (ou juízo
provisório cotidiano, em que estão os preconceitos). Tais características são necessárias, mas não
podemos nos estagnar nelas, pois caso contrário estaríamos nos alienando, sendo que o cotidiano
não pode se tornar uma barreira ao desenvolvimento do pensamento científico.
Segundo Azzi (2000), o saber cotidiano é o que guia as ações do particular, sendo
influenciado pela arte, literatura, religião e ciência geral, necessitando o professor, de um
mínimo de conhecimento (em geral muito fragmentado) nestes campos, pois ele o usará de forma
pragmática durante a sua atuação docente. A instituição escolar é um ambiente em que
encontramos os dois tipos de saberes, além do cotidiano e o não-cotidiano, o pensamento
cotidiano e a teoria, a atividade cotidiana e a práxis. Para Borges (2004), estes saberes do
contexto também são mais proeminentes nos contextos educativos, pois os saberes das
finalidades educativas, segundo a definição da autora, fornecem ao professor uma visão ampla
do processo de ensino, da educação, do papel da escola e do professor.
Outro saber importante e necessário à profissão docente, de acordo com Zeichner (1993),
é o fato de que os professores precisam conhecer muito bem a comunidade escolar, mas deve ir
além disso e saber envolver os pais e outros membros da comunidade no programa escolar, pois
estes devem ser encorajados a participar na educação dos alunos: “a existência de boas relações
entre a escola e a comunidade, bem como o desenvolvimento das capacidades dos professores
para trabalharem eficazmente com os pais, são aspectos de grande importância,
independentemente do contexto” (ZEICHNER, 1997). De fato, a atividade do professor dirige-se
não apenas aos alunos, mas também à instituição que o emprega, aos pais, a outros profissionais.
De fato, para Garcia (1999), o conhecimento do contexto é um dos quatro componentes
do conhecimento profissional dos professores, e se refere a conhecer o local onde se trabalha,
bem como o seu público-alvo (alunos), sabendo adaptar o conteúdo que ensinam às condições
particulares da escola e dos alunos que a freqüentam. É preciso que conheçam o entorno de seu
68
local de ensino, e as características sócio-econômicas e culturais da comunidade e do bairro.
2.3.8 Saberes culturais
Conforme comentado acima, os saberes culturais envolvem o campo da cultura geral
(GAUTHIER et al, 1998) bem como de saberes pessoais culturais, provenientes de sua educação
anterior a uma formação inicial. Porém, para Borges (2004), os saberes culturais vão mais além
de cultura geral, pois abrange temas de interesse dos jovens e de outros campos científicos,
visando relacionar com a sua disciplina, incluindo conhecimentos das novas tecnologias e das
novas descobertas científicas. Por isso, Borges (2004) os denominam de conhecimentos gerais e
de outros campos científicos. Este tipo de saber, conforme os Referenciais para Formação de
Professores (BRASIL, 2002), inclui desde o contato com as diferentes produções da cultura
popular e erudita e da cultura de massas, até a atualização em relação ao que acontece em âmbito
mundial, sob o ponto de vista de diferentes realidades, principais debates em pauta no país e no
mundo, conhecer e interagir com organizações sindicais e associações de caráter científico e
cultural.
2.3.9 Saberes sobre os alunos
Preocupado com o princípio da inclusão social, Zeichner (1993) cita alguns saberes que
os professores deveriam construir a respeito dos jovens a quem ministram suas aulas:
conhecimentos socioculturais gerais sobre o desenvolvimento da criança e do adolescente, sobre
a adoção de uma segunda língua, sobre a maneira como as circunstâncias socioeconômicas, a
língua e a cultura modelam o desempenho e o sucesso escolar, além de conhecimentos
específicos acerca das línguas, culturas e particularidades dos alunos da sua sala de aula. Em
nosso caso, no Brasil, esta inclusão social na sala de aula implica em o professor construir
saberes acerca da linguagem brasileira de sinais (LIBRAS), braile, relações psico-sociais com
portadores de necessidades especiais (deficiências auditivas, de visão, físicas, mentais, etc).
Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002), este saber
envolve compreender quem são os alunos e identificar as necessidades que exigem atenção,
sejam elas relacionadas com os afetos, emoções, cuidados corporais, nutrição e saúde, sejam
relativas às aprendizagens escolares e de socialização, aspectos psicológicos, desenvolvimento
físico e dos processos de crescimento, assim como das aprendizagens dos diferentes conteúdos
escolares em diferentes momentos do desenvolvimento cognitivo.
69
2.4 CARACTERISTICAS PESSOAIS E PROFISSIONAIS DO TRABALHO DOCENTE
Além dos contextos, o professor precisa aprender a descobrir e construir saberes sobre si
mesmo. Como explica Tardif (2004), os saberes pessoais podem fazer parte dos saberes
experienciais, ou seja, da própria experiência, não só profissional como também das experiências
vividas na família, na escola enquanto aluno, e na sociedade. Envolvem também, segundo
Borges (2004), algumas características pessoais relacionadas com o trabalho docente: gosto pela
profissão, o gostar do que faz, o gostar de interagir com crianças e/ou jovens, independente de
suas condições sociais, econômicas, culturais, etc. Por isso, a autora reforça a importância do
saber ser, ter postura, saber agir, demonstrar valores, aplicando estes conhecimentos tanto a nível
pessoal como conhecer bem seus alunos, pois envolveriam saberes que ajudam nos julgamentos
do professor em sala de aula: valores, regras, princípios morais, incluindo posturas e relações
interpessoais, saber agir, saber ser, saber fazer em situações diversas, flexibilidade, tato,
autoridade, autoconhecimento, reconhecer seus próprios limites, os do sistema educacional e os
dos seus alunos.
2.4.1 Saberes pré-profissionais
Antes do profissional da educação tomar a decisão de escolher tal carreira, ele passou por
trajetórias em sua vida que acrescentaram vivências e experiências sobre a sua futura profissão,
mesmo que nem se dê conta disso. Como enfatizam Gauthier et el (1998), todo indivíduo já viu
alguém ensinando; e estas experiências discentes do professor influenciam em seu futuro saber-
ensinar. A vivência com a escola enquanto aluno influencia o professor, o que poderá determinar
se ele vai querer ser professor. Estes saberes pré-profissionais são, então, construídos antes da
profissão docente, e que serão, com certeza, retomados durante o trabalho como professor. Têm
como pano de fundo uma espécie de tradição, e para Gauthier et al (1998), leva o nome de saber
da tradição pedagógica, pois o professor, ao se dirigir a todos ao mesmo tempo, esta “ordem”
cristaliza-se em tradição pedagógica.
Atuando como um conhecimento profissional desejável, Porlán e Rivero (1998)
apresentam estes saberes, que contribuem para a profissão em momentos antes de esta ser
exercida, como saberes metadisciplinares, em que as teorias gerais e cosmovisões dos
professores possuem um auto grau de integração do tipo generalista. Para os autores, é também
um conhecimento acadêmico, e permitem fazer uma análise crítica de outras disciplinas, ou seja,
conhecer o conhecimento, ter uma visão global do conhecimento, envolvendo teorias gerais, tais
como o construtivismo, a complexidade, o evolucionismo, a teoria crítica, etc.
70
2.4.2 Saberes experienciais da profissão docente
Os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002) apresentam este tipo de
saber como o conhecimento construído na experiência articulado a uma reflexão sistemática
sobre ela, não devendo ser confundido com o conhecimento sobre a realidade. No entanto, não
baseia-se apenas em vivências, mas apóia-se em referenciais teóricos para que haja a reflexão
sobre a experiência, pois, durante a sua trajetória de vida profissional, o professor adquire
experiências e “macetes” característicos aprendidos na prática do seu trabalho com os alunos, a
instituição, o currículo, o contexto, e a burocracia escolar. Neste sentido, Pimenta (2000) alerta
contra as ilusões de saberes: ilusão do saber disciplinar, do saber didático, do saber das ciências
do homem, do saber pesquisar, do saber-fazer. Por exemplo, saber sobre Educação e Pedagogia
não geram saberes pedagógicos. Estes só se constituem a partir da prática, mas não só com a
prática e experiência. Por prática, remetemo-nos à definição de Borges (2004): “refere-se ao
exercício da docência propriamente dito, que pode ser posterior à formação inicial ou até mesmo
anterior a ela”.
Denominado de saber experiencial por Gauthier et al (1998), este se constitui como uma
experiência própria adquirida no cotidiano de sua profissão e, acima de tudo, privada e pessoal,
não sendo testado com pesquisas científicas. Muitos professores consideram o saber experiencial
como o fundamento de sua prática e de sua competência, constituindo-se em jurisprudências
particulares dos professores, cuja socialização contribuiria para o trabalho de outros docentes.
Conforme explica Tardif (2004), os saberes experienciais possuem três objetos, ou seja, há três
condições da profissão: a) relações com outros atores no campo de sua prática; b) diversas
obrigações e normas às quais seu trabalho deve se submeter; c) a instituição enquanto meio
organizado e composto de diversas funções. Durante a formação inicial, não se garante essas três
condições, pois não se estabelece relações entre estes saberes experienciais e os saberes da
formação.
Tendo como fonte o próprio contexto escolar, e com forte poder socializador, os saberes
baseados na experiência fazem parte do conhecimento profissional dominante, orientando a
conduta profissional, com um alto grau de organização interna, pois pertencem ao conhecimento
de senso comum. Apresentam características que revelam o seu alto grau adaptativo, com
contradições internas, e impregnado de valorizações morais e ideológicas. Estes saberes
constituem-se, assim, um conjunto de idéias conscientes que os professores desenvolvem durante
o exercício da profissão acerca de diferentes aspectos dos processos de ensino-aprendizagem,
manifestando-se como crenças, princípios de atuação, metáforas, e imagens de conhecimento
71
pessoal. Esboçando uma “epistemologia da prática docente”, Tardif (2004) mostra algumas
características principais do saber experiencial: ele é ligado às funções rotineiras dos professores,
é prático, interativo, sincrético e plural, heterogêneo, complexo, aberto, personalizado,
existencial, pouco formalizado, temporal, social, evolutivo e dinâmico.
Além dos saberes baseados na experiência, há as rotinas e guias de ação formando o
conjunto de esquemas tácitos que predizem o curso dos acontecimentos na aula e com pautas de
atuação concretas e padronizadas para abordá-los. As rotinas e guias de ação ajudam a resolver
uma parte importante de nossa atividade cotidiana, especialmente aquela que se repete com certa
freqüência. Neste caso, os professores têm de evocar suas lembranças sobre acontecimentos em
sala de aula para poder identificar estas rotinas. Este saber é gerado muito lentamente, e por
processos de impregnação ambiental, vendo e convivendo com professores que se comportam
com suas rotinas básicas. A organização deste saber ocorre no âmbito do concreto e se vincula a
contextos muito específicos, respondendo implicitamente a situações diversas na aula.
Partindo para um conhecimento profissional desejável, Porlán e Rivero (1998) citam os
saberes da experiência profissional, com três componentes: os saberes rotineiros (rotinas e guias
de ação), os princípios e crenças pessoais (baseados na experiência), e os saberes curriculares
sistematizados, que representam um conjunto de idéias, hipóteses de trabalho e técnicas, com
cinco aspectos: conhecer a existência de concepções nos alunos e saber usá-las didaticamente;
conhecer como se formula, organiza, e sequencia o conhecimento escolar; saber desenhar um
programa de atividades válido para se tratar de problemas interessantes com potenciais para
aprendizagem (problematizar); saber dirigir o processo de aprendizagem do aluno; saber o que e
como avaliar.
É neste sentido que dizemos que o professor é investigativo, pois não deve depender
totalmente de teorias previamente estabelecidas, mas pode interpretar diferentes problemas de
diferentes maneiras. Deste modo, quando o professor experimenta repetições de situações, vai
construindo um repertório de conhecimentos que influencia as suas decisões. Daí a importância
da reflexão, pois conforme Contreras (2002), quando o professor se depara com novos episódios,
há a necessidade de uma atitude reflexiva, que segue os passos da investigação. Assim, como é
impossível determinar como se transcorrerá determinada situação educacional, exige-se dos
professores uma reflexão usando a sua experiência acumulada. Por isso, a reflexão sobre
determinada ação não pode proceder de outros ou externamente, senão dos próprios envolvidos.
Assim, para Freire (2000), a reflexão sobre a prática deve ser crítica, e é uma exigência da
relação teoria/prática.
Seguindo a analogia das jurisprudências, Gauthier el al (1998) explicam que o saber
experiencial pode se tornar público e testado através de pesquisas (investigações) realizadas em
72
sala de aula, ou então, em discussões com um grupo de professores que relatam suas
experiências pessoais, ou jurisprudências individuais, o que receberia a denominação de saber da
ação pedagógica.
Para Azzi (2000), a experiência é construída enquanto o professor atua no cotidiano de
seu trabalho, fundamentando-se em sua ação, e é chamado de saber pedagógico. Este é o saber
que possibilita ao professor interagir com todo o contexto escolar, havendo uma diferença entre o
saber pedagógico e o conhecimento pedagógico: ao passo que o primeiro é construído pelo
próprio professor, o segundo é elaborado por pesquisadores e teóricos da Educação. O saber
pedagógico é variável porque o contexto, além de afetar a prática, também é afetado por ela.
Assim, diferentes professores terão diferentes atitudes e decisões ao tomarem decisões em sua
prática, pois a sua qualificação (capacidades e habilidades) também determinará esta variação de
saber. A prática determina o conhecimento, mas não é em si mesma o conhecimento. Assumindo
o conceito de idéia como o ato de negar a realidade educacional, e a ação como o ato de
transformar esta realidade, podemos atingir uma cristalização da idéia e da ação que se
caracteriza como sendo a própria prática ou trabalho docente, uma expressão do saber
pedagógico (que é variável), que por sua vez, pode vir a ser a fonte de desenvolvimento da teoria
pedagógica.
O conceito de saberes da experiência, para Pimenta (2000), é mais amplo e abrange o
item considerado anteriormente sobre os saberes pré-profissionais, pois para a autora, a
experiência inclui toda a trajetória de vida e a construção de sua personalidade profissional. Os
alunos de um curso de formação inicial possuem saberes sobre o que é ser professor, e as fontes
destes saberes podem vir a ser: sua experiência como aluno, sua experiência socialmente
acumulada sobre o exercício da profissão de professor, e sua experiência como professores,
atuando reflexivamente em sua prática. Tardif (2004) também não fragmenta os saberes
experienciais em pré-profissionais, mas comenta que há influências que antecedem à profissão.
Dando uma atenção especial à questão dos saberes experienciais, Tardif (2004) explica
que no exercício de sua prática, os professores desenvolvem saberes específicos, baseados em
seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio, brotando da experiência. Eles se
incorporam à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus (já comentado no item
anterior), de habilidades, de saber-fazer e de saber-ser. São denominados de saberes
experienciais ou práticos. O professor ideal desenvolve um saber prático baseado em sua
experiência, mas reúne com destreza os diversos tipos de saberes, que incluem conhecer bem a
matéria a ser ensinada, a sua disciplina, seu programa, possuindo conhecimentos sobre Ciências
da Educação, Pedagogia. No entanto, conforme apresentam os resultados das pesquisas por
Tardif (2004), os professores apontam saberes que denominam de práticos ou experienciais
73
como sendo os de maior importância, gerados pela prática cotidiana, em detrimento dos demais
saberes. Os saberes experienciais constituem-se em um conjunto de saberes atualizados,
adquiridos e necessários no âmbito da prática da profissão docente e que não provêm das
instituições de formação nem dos currículos, não se encontrando sistematizados em doutrinas ou
teorias. São saberes práticos e não da prática, pois há situações singulares que não são passíveis
de definições acabadas, e que exigem improvisação e habilidade pessoal, bem como a
capacidade de enfrentar situações transitórias e variáveis.
Esta complexidade do trabalho docente é acentuada pelo fato de que o trabalho
educacional é sempre singular e contextual, isto é, ocorre sempre em situações específicas. Por
isso, é praticamente impossível ter consciência de tudo o que é realizado durante todo o tempo de
aula levando o docente a uma forma de proceder pouco consciente que o possibilita reagir de
modo imediato às questões do cotidiano escolar, o chamado habitus, ou seja, seu próprio estilo
de ensino, sua personalidade profissional, resultado das constantes interações com os alunos,
com outros professores, com o meio (escola), com suas obrigações, com os programas, com os
pais, etc.
Mostrando que a experiência do trabalho docente exerce uma poderosa influência neste
habitus, Diniz e Campos (2005) afirmam que a disciplina de Prática de Ensino deveria visar a
construção de saberes que os licenciandos necessitarão para a sua prática profissional,
promovendo discussões e reflexões entre os licenciandos para que focalizem as escolhas feitas
por eles, tanto do ponto de vista da seleção dos conteúdos, como da organização e do preparo da
aula.
Por outro lado, Borges (2004) salienta que, embora a Prática de Ensino nos cursos de
formação inicial seja um dos momentos mais importantes na edificação dos saberes docentes, ela
não é suficiente, pois é somente na prática profissional que os professores se vêem confrontados
com os alunos, com um determinado contexto de trabalho, com os elementos que constituem o
trabalho docente propriamente dito. Como dizem os Referenciais para a Formação de
Professores: “tudo isso se aprende a fazer, fazendo” (BRASIL, 2002).
Todos os saberes obedecem a uma hierarquia de importância, e conforme mostra Tardif
(2004), os professores dão uma especial importância aos saberes experienciais, pois têm origem
na prática cotidiana em confronto com as condições de sua profissão, seja individual ou
coletivamente. De fato, os saberes experienciais são o núcleo vital do saber docente, e não
possuem características semelhantes aos demais. São formados de todos os demais, como uma
espécie de transposição dos demais saberes somados às certezas do cotidiano (ou seja, às teorias
particulares que os docentes formulam sobre sua própria prática). Assim, o caminho para a
profissionalização docente percorre as trilhas destas certezas subjetivas, que deveriam ser
74
sistematizadas a fim de transformarem num discurso da experiência capaz de informar ou de
formar outros docentes, ou seja, deve-se sistematizar suas certezas vindas da prática para se
constituírem em teorias ensináveis aos formandos. Para o autor, o ato de partilhar saberes, trocar
idéias e informações entre os professores, fazer reuniões pedagógicas produtivas, ter conversas
construtivas na sala de professores, e participar de congressos, provocam uma retroalimentação
de saberes, filtrando, ou selecionando, saberes julgados úteis ou não, incorporando novos saberes
e rejeitando os de menos importância, numa espécie de re-tradução (transposição, ou adaptação)
dos outros saberes. De fato, Borges (2004) confirmou isto segundo os resultados de sua pesquisa
em entrevistas com uma amostra de professores, ressaltando que o exercício do magistério é
fundamental no processo de vir a ser professor. Nota-se, assim, que os professores ocupam, no
campo dos saberes, um espaço estrategicamente tão importante quanto aquele ocupado pela
comunidade científica, merecendo, portanto, o mesmo prestígio.
2.4.3 Saberes profissionais gerais
Estes saberes são diferentes dos demais analisados até agora, pois estes não são tão
específicos ao trabalho docente, embora muito necessários e desejáveis para a carreira de
professor, bem como para qualquer profissão, pois incluem saberes comuns a qualquer profissão,
como por exemplo, a ética no trabalho, organização do local de trabalho, a estética do serviço, e
assim por diante. De fato, os saberes profissionais gerais e alguns dos competenciais também
podem e devem ser encontrados nos indivíduos de outras profissões, ao passo que os saberes
acima considerados são bem mais indicados e específicos para o profissional de ensino.
Sob um contexto mais amplo para os saberes e competências profissionais gerais, não se
referindo necessariamente ao trabalho docente em especial, Araújo (1999) destaca algumas
qualidades pessoais que conferem grande importância aos atributos pessoais do trabalhador
comum:
-Espírito de equipe: a necessidade do trabalho em equipe e a identificação com os
objetivos da empresa constituem a base do espírito de equipe;
-Responsabilidade: refere-se ao esforço de fazer cumprir o compromisso assumido com a
empresa;
-Autonomia: refere-se à capacidade do trabalhador de se antecipar aos comandos das
chefias e agregar voluntariamente várias tarefas e intensificar seu próprio ritmo de trabalho;
-Iniciativa: é definida como a disposição para assumir e desenvolver um trabalho de
forma espontânea e rápida;
-Capacidade de comunicação: é requerida por exigência da responsabilização grupal pela
75
produção, de maneira a facilitar a troca de idéias e opiniões sobre um assunto até que se alcance
o consenso;
-Flexibilidade: constitui-se em uma reatualização de valores, sob a ótica empresarial; é a
capacidade do trabalhador de mudar hábitos arraigados;
-Cooperação: é definida como uma disposição de trabalhar eficazmente com outras
pessoas em um grupo; prontidão de oferecer espontaneamente ajuda aos outros, sem tirar
proveito da situação. A identificação com os objetivos da empresa reflete uma atitude de
cooperação em torno dos seus objetivos;
-Interesse e atenção: são definidos como a vontade de dirigir os sentidos para situações de
aprendizagem ou trabalho durante certo período. Referem-se, ainda, à valorização da
aprendizagem no trabalho pelo operário.
Embora tais qualidades não estejam diretamente relacionadas com o trabalho profissional
docente, o seu desenvolvimento é apoiado pela LDB para a educação profissional, que explicita
a pessoa competente quando constitui, articula, mobiliza valores, conhecimentos e habilidades
para a resolução de problemas rotineiros e inusitados em seu campo de atuação. Assim, um
indivíduo considerado competente seria aquele que age com eficácia diante do inesperado,
superando a experiência acumulada e partindo para uma atuação transformadora e criadora. As
competências são definidas como capacidades ou saberes em uso, envolvendo conhecimentos,
habilidades e valores.
Visando uma compreensão a respeito dos saberes do perfil profissional, Manfredi (1996)
busca respostas às seguintes questões: O que esse profissional precisa saber (que conhecimentos
são fundamentais)? O que ele precisa saber fazer (que habilidades são necessárias para o
desempenho de sua prática de trabalho)? O que ele precisa saber ser (que valores, atitudes, ele
deve desenvolver)? O que ele precisa saber para agir (que atributos são indispensáveis à tomada
de decisões)? Procurando responde-las, Manfredi (1996) realiza a seguinte conceituação:
-Saber fazer: recobre dimensões práticas, técnicas e científicas adquiridas formalmente
(curso/treinamento) e/ou por meio da experiência profissional;
-Saber ser: inclui traços de personalidade e caráter, que ditam os comportamentos nas
relações sociais de trabalho, como capacidade de iniciativa, comunicação, disponibilidade para a
inovação e mudança, assimilação de novos valores de qualidade, produtividade e
competitividade;
-Saber agir: é subjacente à exigência de intervenção ou decisão diante de eventos (saber
trabalhar em equipe, ser capaz de resolver problemas e realizar trabalhos novos, diversificados).
76
2.4.4 Saberes competenciais
Concomitante com os saberes e conhecimentos profissionais construídos pelo professor
durante a sua trajetória pessoal e profissional, há certas competências e habilidades que devem
fazer parte de sua prática docente. Apesar de as competências e as habilidades estarem
estreitamente ligadas com os saberes docentes, não acreditamos que sejam sinônimos, pois
possuem significados epistemológicos e etimológicos diferentes. Perrenoud (2002) enfatiza em
seus trabalhos que as competências mobilizam saberes, mostrando a estreita relação entre os
significados de ambos os termos. Por isso, preferimos denominar de saberes competenciais o
conjunto de competências e habilidades que o docente precisa dominar ao exercer o seu ofício,
juntamente com os demais importantes saberes, reconhecendo, porém, que são as competências
que permeiam todos os processos do trabalho educativo, enquanto os saberes docentes se fazem
presentes e atuantes em situações específicas.
Mas, como definir competência? O modelo da competência (sem necessariamente estar
ligada diretamente à educação) sugere que a qualificação de um indivíduo está diretamente
ligada à sua “capacidade de agir, intervir, decidir em situações nem sempre previstas ou
previsíveis” (MANFRED, 1998). Apesar de existirem múltiplos significados para competência,
dependendo do contexto de análise, Perrenoud (1999) a define, do ponto de vista da Educação,
como sendo:
Uma capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situação, apoiada em
conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. Para enfrentar uma situação da melhor maneira
possível, deve-se, via de regra, pôr em ação e em sinergia vários recursos cognitivos
complementares, entre os quais estão os conhecimentos (PERRENOUD, 1999).
Para não causar confusões sobre o significado de competência, Perrenoud (1999) declara
que esta não é objetivo de aprendizado, nem desempenho observado, nem uma faculdade
genérica como uma potencialidade de qualquer mente humana. Do latim, Competentia significa
proporção, simetria. Refere-se à capacidade de compreender uma determinada situação e reagir
adequadamente frente a ela, ou seja, estabelecendo uma avaliação dessa situação de forma
proporcionalmente justa para com a necessidade que ela sugerir a fim de atuar da melhor
maneira possível (PERRENOUD, 2002).
Há situações da vida que não se apresenta a necessidade de possuir competências
especializadas. Muitas das situações inéditas da vida são simples o bastante para serem lidadas
sem competências particulares, por meio da óbvia observação, atenção e “inteligência”
(PERRENOUD, 2002). Por outro lado, alguém que dominasse um conjunto maior de grandes
77
meios de observação, informação, análise e experimentação, conseguiria se livrar de um número
grande de situações inéditas, pois para ele, situações que seriam complexas para outros, tornar-
se-iam simples. Entendida deste modo, as competências são importantes metas da formação e os
professores, conforme Garcia (1999) deveriam se comprometer em desenvolver pelo menos seis
tipos de competências: a) empíricas (saber o que ocorre na classe, recolhendo dados e
descrevendo situações); b) analíticas (capacidade interpretar os dados recolhidos para inferir a
teoria); c) avaliativas (saber emitir juízos sobre situações educacionais); d) estratégicas
(capacidade de planejar ações utilizando a análise realizada); e) práticas (relacionar a análise e a
prática, visando produzir o efeito esperado); f) comunicação (saber comunicar e partilhar suas
reflexões e idéias).
Além disso, o texto da Resolução do Conselho Nacional de Educação 01/2002, citado por
Borges (2004), também se refere a seis competências: a) comprometimento com os valores
inspiradores da sociedade democrática; b) compreensão do papel social da escola; c) domínio
dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados em diferentes contextos e sua
articulação interdisciplinar; d) domínio do conhecimento pedagógico; e) conhecimento de
processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática pedagógica; f)
gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional.
Conforme Demailly (1997), os saberes e competências são componentes da
profissionalidade docente e incluem as competências organizacionais, que mobilizam saberes
relacionados com as metodologias de trabalho coletivo e de organização profissional de caráter
geral, estabelecendo comunicações com o meio interno e externo. Segundo os Referenciais para
a Formação de Professores (BRASIL, 2002), a perspectiva de competência permite realizar a
formação prática sem ater-se aos limites do tecnicismo, de modo que o professor aprenda a criar
e recriar sua prática, apropriando-se de teorias, métodos, técnicas e recursos didáticos
desenvolvidos por outros educadores, se submeter-se a um receituário externamente programado
por outros fora de seu contexto. O desenvolvimento da competência profissional permite ao
professor uma relação de autonomia no trabalho, criando propostas pedagógicas, lançando mão
de saberes pessoais.
Há também o que se denomina habilidades que, segundo Garcia (1999), é sinônimo de
competências, porém, para Perrenoud (1999), as habilidades fazem parte da competência, pois
esta relaciona-se ao “saber fazer algo”, que por sua vez, envolve uma série de ações habilidosas.
A partir do momento que o sujeito fizer “o que tem que ser feito” sem sequer pensar, pois já o
fez, não se fala mais em competência, mas sim em habilidades ou hábitos. Do latim, habilitas,
significa aptidão, destreza, disposição para alguma coisa, enquanto capacidade, do latim
capacitas, significa qualidade que uma pessoa ou coisa tem de possuir para um determinado fim,
78
atuando com habilidade e aptidão. Perrenoud (2002) re-define competência, relacionando-a com
as habilidades da seguinte forma: "aptidão para enfrentar uma família de situações análogas,
mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos:
saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de
percepção, de avaliação e de raciocínio" (PERRENOUD, 2002). Todos estes recursos não
provêm da formação inicial nem contínua, pois alguns deles são constituídos ao longo da prática
o que contribui com a construção de habilidades.
Aludindo aos saberes competenciais, Zeichner (1993) afirma que “se os professores
lidassem com os destinos dos seus alunos como lidam os dos seus próprios filhos, estaríamos
mais próximos de compreender a finalidade do ensino numa sociedade democrática”.
Considerando igualmente importantes como componentes da profissionalidade docente,
Demailly (1997) apresenta saberes e competências, sendo que um destes são as competências
éticas, vistas como um conjunto de competências que representa a capacidade do professor de se
posicionar como adulto e cidadão que reflete aos jovens alunos uma certa idéia das relações entre
os homens.
Para Perrenoud (2000), as competências docentes podem ser divididas em macro-
competências (competências de referência) e micro-competências (competências mais
específicas), e identifica as seguintes macro-competências atribuídas ao professor: administrar a
progressão das atividades; administrar a sua própria formação contínua; conceber e fazer evoluir
os dispositivos de diferenciação; enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão; envolver
os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho; informar e envolver os pais; organizar e
dirigir situações de aprendizagem; participar da administração da escola; trabalhar em equipe;
utilizar novas tecnologias.
Seguindo uma linha que, ao nosso ver, se aproxima da definição de competências, Freire
(2000) lista alguns saberes de ordem basicamente pessoais e experienciais: alegria e esperança;
apreensão da realidade; bom senso; compreender que a educação é uma forma de intervenção no
mundo; comprometimento; consciência do inacabamento; convicção de que mudar é possível;
criticidade; curiosidade; diálogo; estética e ética; humildade, tolerância; liberdade e autoridade;
pesquisa; querer bem; reconhecer que a educação é ideológica; reconhecimento e assunção
cultural; reflexão crítica sobre a prática; rejeição a qualquer forma de discriminação; respeito aos
saberes e a autonomia do ser dos educandos; rigorosidade metódica; saber escutar; segurança e
competência profissional; tomada consciente de decisões.
Apesar de as competências e as habilidades estarem estreitamente ligadas com os saberes
docentes, não acreditamos que sejam sinônimos, pois possuem significados epistemológicos e
etimológicos diferentes. Perrenoud (2002) enfatiza em seus trabalhos, que as competências
79
mobilizam saberes, mostrando a estreita relação entre os significados de ambos os termos.
Por isso, preferimos denominar de saberes competenciais o conjunto de
competências e habilidades que o docente precisa dominar ao exercer o seu ofício, juntamente
com os demais importantes saberes, reconhecendo, porém, que são as competências que
permeiam todos os processos do trabalho educativo com autonomia, enquanto os saberes
docentes se fazem presentes e atuantes em situações específicas. Assim, acreditamos que os
saberes competenciais, tais como os denominamos, permeiam todos os demais saberes docentes
durante a atuação do professor.
2.5 MODELO EMERGENTE DE FORMAÇÃO PARA A AUTONOMIA DOCENTE
Com base nas discussões anteriores, apresentamos uma tentativa de articular como um
sistema os conceitos, até então abordados em nossa pesquisa, sobre formação docente, levando-
se em conta a construção da autonomia profissional na educação e a formação inicial de
professores.
Modelo emergente de formação para a autonomia docente
O modelo de formação convergente para a autonomia docente apresentado na figura
acima, se apresenta numa perspectiva da superação da racionalidade técnica, que tem como
Professor intelectual
crítico e transformador
Construção da
autonomia docente
como atributo para
emancipação social
Profissionalização
Docente
Modelo Formativo Fundamentado
na investigação/crítica da prática
em relação dialética com a teoria
Construção/reconstrução das
competências segundo o
desenvolvimento profissional
Construção de saberes,
competências, etc.
Modelo Formativo que traduz a
superação da desprofissionalização
docente fundamentado na
racionalidade técnica (professor
acrítico)
Amplitude dos saberes
docentes construídos na
formação inicial
Conhecimentos específicos dos
conteúdos a serem ensinados
80
principal característica uma abordagem predominantemente conteudista.
À medida que a formação do professor privilegia a construção de saberes docentes, numa
maior amplitude, entendemos que o seu leque de ações amplia-se no sentido de uma ação
profissional cada vez mais autônoma. Os saberes da prática apresentam-se como um dos
caminhos para que o professor entenda o ensino contemplando demais competências e
conhecimentos específicos da área docente.
Enquanto o modelo hegemônico de formação fundamentado na racionalidade técnica
contempla uma condição restritiva para a construção da autonomia docente, onde a criticidade
não tem lugar. O modelo convergente privilegia a construção progressiva da autonomia docente,
no sentido de o professor posicionar-se como um agente de responsabilidade transformadora.
2.6 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E SEU ENTRELAÇAMENTO COM O CURRÍCULO E
INCLUSÃO
A escola pode ser considerada como um dos espaços mais
privilegiados de expressões culturais, exigindo por parte de quem
executa as práticas pedagógicas, desenvolver projetos de
construção de saberes, envolvendo a concretude democrática nas
decisões e adequação dos temas que atendam aos interesses dos
atores do processo, contestando sujeitos de dominação da
história, a partir de veicular práticas de sala de aula às questões
de políticas maiores (GIROUX, 1988).
Para conhecer e analisar os processos que constituem as práticas docentes é preciso
entender como se organiza, seleciona-se e distribui-se o conhecimento e as seqüências didáticas
vividas por professores, alunos e demais agentes escolares que participam desse processo direta
ou indiretamente. Ademais, é preciso levar em conta o papel social da escola moderna, entendida
aqui como locus cultural privilegiado para o desenvolvimento e a humanização das pessoas por
meio dos conhecimentos construídos e sistematizados historicamente.
O conceito de prática pedagógica apresenta-se na literatura sob diferentes abordagens.
Para Garcia (2005), a prática pedagógica pode ser dividida em “práticas pedagógicas de caráter
antropológico” e “práticas pedagógicas institucionalizadas”. A autora explica que a primeira diz
respeito à perspectiva social pela qual se compreende a educação escolar como um espaço
cultural compartilhado, não exclusivo de uma classe profissional concreta, ainda que se conceda
certa legitimidade técnica à ação docente. Já a segunda se refere à atividade docente realizada
nos sistemas educacionais e pelas organizações escolares a que estão inseridos. Neste sentido, “a
prática profissional depende das decisões individuais, que não estão isentas da influência de
normas coletivas e de regulações organizacionais” (GARCIA, 2005, p. 34). Portanto, o conceito
de prática pedagógica não se limita apenas às ações dos professores em sala de aula.
81
Em outros termos, as práticas pedagógicas sempre são influenciadas pelas dimensões
individuais do docente e pelas influências que recebem do contexto sociopolítico e cultural em
que a escola está inserida. As palavras de Sacristán (1999, p. 91) são ilustrativas,
A prática educativa é algo mais do que a expressão do ofício dos
professores. (...) Sua gênese em outras práticas que interagem com
o sistema escolar e, além disso, é devedora de si mesma, de seu
passado. São características que podem ajudar a entender as razões
das transformações que são produzidas e aquelas que não chegam
a acontecer.
O estudo do currículo escolar traz contribuições significativas para entendermos como se
dão essas relações nas salas de aula numa perspectiva inclusiva. Glat (2007) reforça esse
argumento, ao afirmar que o currículo — concebido como uma construção sócio-cultural
abrangente que envolve as práticas e saberes construídos nos processos e interações do cotidiano
escolar — constitui-se como um dos aspectos urgentes a ser investigado frente às mudanças
vivenciadas pelas escolas com a inclusão de crianças com necessidades educativas especiais.
Tomando como base as diferentes relações e ações presentes no interior da escola e a
influência que recebe das práticas externas a ela, nesta tese usaremos o termo prática associado
ao currículo. Entendemos que as práticas curriculares são ações que envolvem a elaboração e a
implementação do currículo em suas diferentes dimensões (planejamento, metodologias,
estratégias de ensino, avaliação, tempo e espaço de aprendizagem), as quais, por sua vez, são
vinculadas ao processo histórico cultural dos sujeitos partícipes. Nessa perspectiva, as práticas
curriculares são desenvolvidas de forma coletiva e não individualizada pelos diferentes sujeitos
presentes na instituição escolar, especialmente professores e alunos, considerando as
contradições, tensões, conflitos, inovações e mudanças que figuram no espaço escolar.
Nesse processo o agente primordial é o professor, pois as suas experiências como
professor e ex-aluno, as características da turma, bem como a organização da instituição escolar
e as prescrições curriculares do sistema no qual se insere, acabam por definir suas opções
didáticas. Compreender a interação e a prática em sala de aula a partir dessas escolhas significa
escrutinar um pouco de cada um desses aspectos. Ainda segundo ela, as opções e práticas
curriculares dos professores acabam por determinar o sucesso ou o fracasso na aprendizagem dos
conteúdos escolares. Em outras palavras, as práticas curriculares são segundo Lunardi (2005,
p.04),
Práticas nas quais convivem ações teóricas e práticas, refletidas e
mecânicas, normativas, orientadoras, reguladoras, cotidianas.
Portanto, quando estudamos a escola estamos diante de práticas
curriculares que são o exercício característico da escola na
organização e desenvolvimento do currículo, ou seja, dos
82
conteúdos de sua transmissão, o que inclui atividades e tarefas
propostas, bem como acompanhamento dos alunos no processo
ensino-aprendizagem. São aquelas implementadas e
recontextualizadas nos condicionantes escolares (tempo-espaço)
envolvendo práticas de seleção e distribuição dos conhecimentos
escolares
Isso reforça, mais uma vez, a necessidade da análise das práticas curriculares no cotidiano
escolar, vinculados às políticas públicas educacionais e dinâmicas socioculturais e econômicas
da atualidade. Por isso, é importante termos clareza sobre os pressupostos curriculares presentes
nas diretrizes oficiais. Lunardi (2008) aponta que a compreensão das práticas curriculares de sala
de aula somente é possível nessa perspectiva.
No Brasil, ao longo da década de noventa, cresceram as discussões sobre práticas
curriculares, especialmente a partir da divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(BRASIL, 1997) elaborados em consonância com o artigo 210 da Constituição Federal. Os
PCNs, tal quais as políticas de inclusão escolar, sofreram influências dos organismos
internacionais em sua elaboração. Foge ao escopo dessa tese fazer uma análise elaborada a
respeito. Contudo, devemos ressaltar que a política de educação inclusiva dirigida às pessoas
com necessidades educacionais especiais não está presente nos PCNs, na medida em que os
mesmos centralizam a educação para diferenças de etnia, classe e gênero, fazendo somente uma
vaga referência à escolarização das pessoas com deficiências ao estabelecer uma educação nos
pressupostos da educação para todos (OLIVEIRA, 2007).
A educação das pessoas com necessidades educacionais especiais só foi incorporada ao
conjunto dos PCNs em 1998, depois da institucionalização dos mesmos, por meio do documento
“Adaptações Curriculares: estratégias para a educação de alunos com necessidades especiais”
(BRASIL, 1998), desenvolvido pela Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação.
Em nossa avaliação, de certa forma, reproduziram-se com isso a histórica estruturação da
educação regular e Educação Especial como sistemas paralelos, pela qual o aluno com
necessidades educacionais especiais continua sendo de responsabilidade exclusiva da Educação
Especial. Em 2005, os conceitos de flexibilização e adaptação foram reforçadas em âmbito
nacional por meio do documento “Subsidiário à política de inclusão” (BRASIL, 2005),
elaborado a partir dos pressupostos contidos no documento “Temário aberto sobre Educação
Inclusiva” publicado pela UNESCO, em 2004.
No documento das Adaptações Curriculares o conceito de currículo é amplo e deve ser
construído a partir do projeto-político-pedagógico da escola, que envolve a identidade da
instituição, sua organização e funcionamento, e ao papel que exerce, a partir das aspirações e
expectativas da sociedade e da cultura. Portanto, deve incluir as experiências postas à disposição
83
dos alunos, planificadas no âmbito da escola, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento
pleno dos educandos. Por último, o documento ressalta que não se fixa no que há de especial na
educação dos alunos, mas flexibiliza a prática educacional para atender a todos (BRASIL, 1998).
Para tal o conceito de currículo se organiza:
Desde os aspectos básicos que envolvem os fundamentos filosóficos e sociopolíticos da
educação até os marcos teóricos e referenciais técnicos e tecnológicos que se concretizam na sala
de aula. Relaciona princípios e operacionalização, teoria e prática, planejamento e ação
(BRASIL, 1998, p. 31).
Para Silva (2008), essa compreensão de currículo em que se entrecruzam mudanças
sociais e educativas, pode estar focando apenas as mudanças nas concepções pedagógicas da
escola e dos professores quanto ao processo de ensino-aprendizagem dos alunos com
necessidades educacionais especiais. A autora também aponta que essa modificação ou
adaptação no currículo parece passar “tão somente pela garantia de maior apoio aos professores,
no que diz respeito às respostas que devem dar aos alunos que sentem/apresentam dificuldades
na sua aprendizagem” (p. 5).
No que se refere à organização do currículo, o documento delineia três níveis:
Adaptações no nível do projeto pedagógico (currículo escolar) que devem focalizar,
principalmente, a organização escolar e os serviços de apoio, propiciando condições estruturais
que possam ocorrer no nível de sala de aula e no nível individual; adaptações relativas ao
currículo da classe, que se referem, principalmente, à programação das atividades elaboradas
para sala de aula; adaptações individualizadas do currículo, que focalizam a atuação do professor
na avaliação e no atendimento a cada aluno.
O conceito de adaptação curricular empregado nesses níveis aparece como:
possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de aprendizagem dos alunos.
Pressupõem que se realize a adaptação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo
apropriado às peculiaridades dos alunos com necessidades especiais. Não um novo currículo,
mas um currículo dinâmico, alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos
os educando (BRASIL, 1998, p. 33).
Garcia (2006) critica a suposta flexibilização/adaptação ou adequação do currículo, termo
usado na atualidade. Para ela isso pode representar um acesso restrito dos alunos com
necessidades educacionais especiais aos conhecimentos historicamente produzidos pela
humanidade, uma vez que propõem “eliminação de conteúdos básicos do currículo” e de
“objetivos básicos – quando extrapolam as condições do aluno para atingi-lo, temporariamente
ou permanentemente” (BRASIL, 1998, p. 38-39). A autora argumenta que, mais uma vez, o
processo de ensino-aprendizagem está calcado nas condições individuais do sujeito em contato
84
com o currículo, e não uma estratégia alternativa e criativa voltada à construção de novas
possibilidades de aprendizagem. Em outro texto, Garcia (2007) sustenta que essa concepção
acaba por reforçar o modelo médico-clínico da Educação inclusiva.
Oliveira (2008), por outro lado, discorda, dizendo que a ênfase das adaptações é o
currículo e a escola entre si associadas, cuja relação deve ser pensada na dialética entre o geral e
o particular. Partilhamos dessa opinião. Ademais, apesar do grande número de instituições
filantrópicas que continuam perpetuando o modelo clínico de Educação Especial, o número de
alunos com necessidades educacionais especiais em escolas comuns públicas vem
paulatinamente crescendo nos últimos anos (BRASIL, 2008). Igualmente cresce o número de
pesquisas educacionais que denunciam e propõem alternativas ao modelo médico, bem como
mostram que as questões relacionadas à Educação Especial estão cada vez mais presentes na
agenda da educação geral (NENES & FERREIRA, 1993; NUNES, GLAT, FERREIRA,
MENDES, 1998; MENDES, FERREIRA & NUNES, 2003; FONTES, 2007; GLAT, 2007,
2008).
Acreditamos que esses dois aspectos, associados também ao impulso das políticas pró-
direitos educacionais e sociais dirigidas para as pessoas com necessidades educacionais especiais
e a participação dos pesquisadores da área em diferentes reuniões científicas — como, por
exemplo, a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) —, estão
forçando uma resignificação da área de Educação Especial, no sentido de superar o modelo
criticado por Garcia.
Um último aspecto presente nas preocupações de Garcia (2006) repousa sobre as
possíveis conseqüências que as flexibilizações e as adaptações no currículo — fortemente
presentes na política de Educação Especial brasileira na perspectiva inclusiva, pautadas pela
restrição dos conteúdos da Educação Básica para os alunos com necessidades educacionais
especiais — podem provocar em toda Educação Básica. A autora acredita que essas medidas
podem ser estendidas ao conjunto da Educação Básica, uma vez que a política central consiste
em oferecer uma escolarização que atende apenas às “necessidades Básicas de aprendizagem”,
pautadas em pressupostos econômicos de custo-benefício. Uma das decorrências dessa visão
parece estar presente no discurso daqueles que defendem a matrícula do aluno com necessidades
educacionais especiais no ensino comum utilizando-se da política de inclusão sem, contudo,
manifestarem preocupações com o desenvolvimento de aprendizagens necessárias para a
participação desse sujeito-aluno de forma autônoma na vida social.
O conceito de adaptações curriculares também é criticado por Batista & Mantoan (2007).
Para essas autoras, ao “invés de adaptar e individualizar/diferenciar o ensino para alguns, a
escola comum precisa recriar suas práticas, mudar concepções, rever seu papel, sempre
85
reconhecendo e valorizando as diferenças” (p.17). Ainda segundo essas autoras o conceito
propõe que apenas alguns alunos conseguem se “adaptar” ao modelo excludente de escola em
vigor, enquanto os demais por serem considerados “casos mais graves”, jamais poderão ser
incluídos nela. Nesse sentido, as autoras defendem que todos devem ser incluídos, alegando que
a escola e as próprias concepções negativas dos profissionais que nela atuam são os maiores
obstáculos nesse processo.
Embora o conceito de flexibilização/adaptação e mais recentemente de adequação
curricular mereça maiores análises críticas, se o tomarmos como uma possibilidade de
reestruturação do currículo comum nacional prescrito para todos os alunos, agora também
dirigido para os alunos com necessidades educacionais especiais — diferentemente de épocas
anteriores, em que o currículo para esses alunos era totalmente diferente daquele oferecido aos
demais — o mesmo representa um avanço para o processo de escolarização desses sujeitos.
Nesta e outras perspectivas as adaptações curriculares, sobretudo na escolarização de alunos com
necessidades mais acentuadas, vem sendo discutidas por diferentes autores (GONZÁLES, 2002;
GLAT & OLIVEIRA, 2003; GOMES, 2005; GLAT, 2007; 2008; OLIVEIRA & MACHADO,
2007; CARVALHO, 2008; OLIVEIRA, 2008). Apesar das inúmeras semelhanças entre as
discussões apresentadas pelos mesmos, consideramos pertinente fazer a apresentação sucinta de
algumas propostas envolvendo o conceito de adaptações curriculares.
Para Glat (2008), a política de educação inclusiva demanda que a escola transforme
concepções e práticas tradicionais de educação pautadas no déficit do aluno para uma concepção
curricular flexível que se adapte às suas necessidades específicas e que propicie a aprendizagem
e construção de conhecimentos. A autora enfatiza que “adaptar um currículo não significa
empobrecê-lo, mas em rever as estratégias e recursos usados para que o aluno com necessidades
educacionais especiais possa participar de todas as atividades da escola” (p.5). As propostas de
Gonzáles (2002) e Carvalho (2008) seguem na mesma linha.
Oliveira e Machado (2007) defendem que a diversidade presente em sala de aula exige
adaptações e que o desenvolvimento de um currículo único, pode ampliar “as práticas
excludentes, agora sob a forma do descaso e do abandono destes alunos ao “fundo da sala de
aula” e aos perigosos rótulos das “dificuldades de aprendizagem” (p.40). A este respeito,
argumentam que a escola só se tornará de fato inclusiva se oferecer as adaptações curriculares.
No entanto, as autoras alertam também que além de modificações curriculares é preciso haver: a)
predisposição política para a inclusão; b) um novo paradigma em educação, que tenha como
pressuposto o respeito à diversidade, como condição para a inclusão de todos os indivíduos
socialmente excluídos.
86
Oliveira (2008), ressalta que para efetivar a proposta de uma educação inclusiva, que
atenda de forma adequada às necessidades educacionais especiais, a escola deve ter autonomia
para realizar as modificações necessárias para garantir a aprendizagem de todos. Dentre essas
modificações a autora cita as adequações curriculares individuais. Também se refere ao sistema
de suporte pedagógico especializado para acompanhar o processo do aluno com necessidades
educacionais especiais, como uma adequação no currículo. Essa proposta possibilita ao aluno a
“permanência, participação e convivência na escola, como também o acesso ao conhecimento
historicamente acumulado (através de seu acesso ao currículo)” (p.131).
Nessa perspectiva, há também aqueles que defendem projetos alternativos e diferenciados
para a educação das pessoas com deficiências em classes comuns. Para Góes (2004) é preciso
oferecer projetos diferenciados para que ocorra desenvolvimento dos alunos com necessidades
educacionais especiais e não apenas promover ajustes na estrutura curricular. Ao
proporcionarmos um ensino indiferenciado para essas pessoas, não temos como explorar a
plasticidade do funcionamento humano. Nesse caso, a autora defende alterações no currículo e
nas metodologias, mas defende também o suporte efetivo ao professor.
Apesar das diferenças e das singularidades presentes nas concepções anteriormente
apresentadas, todos os autores defendem mudanças na estrutura curricular para atender e
promover o desenvolvimento dos alunos com necessidades educacionais especiais inseridos em
classe comum do ensino regular.
Todavia, não podemos deixar de lembrar que, em âmbito nacional, embora os professores
tenham “autonomia” para, a partir do currículo oficial, realizar suas práticas, são obrigados a
participar de avaliações nacionais realizadas com base no currículo prescrito pelos PNCs. Caso
não consigam “bons resultados” nessas avaliações, correm o risco de perder recursos para a sua
escola. Nesse contexto, as avaliações nacionais aumentam o controle sobre as atividades
docentes e consequentemente se transforma em uma ameaça a autonomia docente.
87
3 POLÍTICAS E PRÁTICAS DE INCLUSÃO
Neste capítulo analisa-se o processo de inclusão em educação num cenário político e
econômico contraditório com os valores apregoados por esse paradigma. Assim, é traçado
primeiramente um breve roteiro histórico da Inclusão, tomando por base os marcos legais,
nacionais e internacionais, importantes. Em seguida, abordaremos o tema Inclusão, procurando
sinalizar possíveis encaminhamentos para tratar da questão da Inclusão na escola comum regular,
que vive atualmente o desafio de conviver com a diversidade, o respeito às diferenças e a luta
pela igualdade de direitos entre todos os estudantes.
3.1 UM BREVE ESBOÇO HISTÓRICO SOBRE A INCLUSÃO
A educação como direito social e como um dos componentes da consolidação da
cidadania pressupõe a criação e efetivação de estratégias pelo poder público para que o mesmo
seja garantido no âmbito da concretude. A elaboração de legislação e políticas educacionais no
país se trata de um movimento histórico, que localiza o direito à educação obrigatória em
espaços contraditórios, onde estão presentes os interesses sociais, econômicos e culturais.
A história da educação, enquanto demanda social, está associada à luta pela construção
dos direitos humanos e sociais. No Brasil, a inclusão escolar tem como suporte maior, a
Constituição Brasileira de 1988 que apresenta como fundamento a cidadania e a dignidade da
pessoa humana (art. 1º, incisos II e III). Como alguns dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil são os de construir uma sociedade livre, justa e solidária; promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º, inciso I e IV), a educação é assegurada como um direito de todos (art.
205) e o ensino tem como um dos seus princípios a igualdade de condições para o acesso e
permanência na escola (art.206, inciso I).
Podemos contar também com a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada
na Tailândia em 1990, que aborda a importância de universalizar o acesso à educação e
promover a equidade. Com essa mesma ideia têm-se o Estatuto da Criança e do Adolescente e a
LDB nº. 9.394/96.
Outro marco importante para a inclusão em nosso país é a Declaração de Salamanca,
1994, Conferência Mundial em Educação Especial, pois foi a partir desse ano que o Brasil viu-se
ainda mais envolvido com as recomendações da educação inclusiva, no sentido de que todas as
escolas estivessem preparadas para receber a todos os alunos.
88
O documento ‘Declaração de Salamanca’ recomenda que diante do alto custo de
manutenção das escolas especiais, as escolas comuns devem acolher todas as crianças
independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais,
linguísticas ou outras. (UNESCO, 1994)
Assim, o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem
aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou
diferenças que elas possam ter.
Todavia, em movimento contrário ao da inclusão, de forma paradoxal ao crescente
movimento mundial pela inclusão, nesse mesmo ano de 1994, publicou-se no Brasil o
documento Política Nacional de Educação Especial, cujo texto demarca retrocesso das políticas
públicas ao orientar o processo de “integração instrucional” que condiciona o acesso às classes
comuns do ensino regular àqueles que “(…) possuem condições de acompanhar e desenvolver as
atividades curriculares programadas do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos
normais”. Ou seja, esse documento estava calcado no paradigma integracionista que concebia a
deficiência a partir de um modelo clínico, atribuindo um caráter incapacitante a esses alunos,
mantendo dessa forma um sistema educacional paralelo, substitutivo ao sistema regular de
ensino, seja em escolas ou em classes especiais.
Em 1996 a LDB da Educação Nacional, propõe a adequação das escolas brasileiras para
atender satisfatoriamente todas as crianças. A partir daí, o foco do discurso da inclusão escolar
dá enfoque às diferenças étnicas, sociais, culturais, entre outras.
No início do século XXI, sobretudo a partir da pressão dos movimentos sociais, em lutas
por bandeiras como justiça social, a não-discriminação e inclusão e respaldada por documentos
internacionais como a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiências (ONU, 2006), há
uma ênfase na política de Educação Inclusiva, que resulta na Política de Educação Especial na
perspectiva da Educação Inclusiva, que busca garantir que os alunos com deficiências,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação sejam matriculados em
escolas comuns de ensino regular, com oferta do Atendimento Educacional Especializado
(AEE), realizado, prioritariamente, em salas de Recursos Multifuncionais dentro das próprias
escolas.
De modo a firmar esse atendimento, são criadas Resoluções e Decretos, ao longo da
primeira década do século XXI, que buscam garantir a permanência desses alunos, através não
só de recursos materiais, provenientes do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação
Básica (FUNDEB), como também de recursos humanos através da oferta de programas e ações,
como cursos de formação continuada de professores, sejam a nível de Aperfeiçoamento ou de
89
Especialização, nas modalidades presencial, semi-presencial ou a distância. Esses cursos têm por
objetivo principal ampliar a rede de professores, que se tornarão multiplicadores, para atuarem
no AEE e, dessa maneira, fomentar a política da construção de sistemas educacionais inclusivos.
O processo de democratização do ensino está associado ao acesso para a permanência
com sucesso no interior do sistema escolar. O investimento em educação básica, tendo a
qualidade social, ou seja, a superação de barreiras à participação e à aprendizagem para todos/as
os/as estudantes é um grande desafio para o país, em especial para as políticas e gestão desse
nível de ensino.
De acordo com Carvalho (2006), o conceito de escolas inclusivas está baseado na defesa
dos direitos humanos de acesso, ingresso e permanência com sucesso nas escolas de boa
qualidade, no direito de integração com colegas e educadores, de apropriação e construção do
conhecimento, o que implica disponibilidade de recursos de toda a ordem. Segundo a autora,
implica também “na mudança de atitudes frente às diferenças individuais, desenvolvendo-se a
consciência de que somos todos diferentes uns dos outros e de nós mesmos, porque evoluímos e
nos modificamos” (CARVALHO 2006, p. 36).
Juntamente com essas mudanças nos modelos educacionais, sociais e científicos nossas
concepções, crenças, expectativas e anseios passam por mudanças para adaptar-se ao novo. Estas
mudanças são expressas nas palavras de Floriani (2007) que diz “uma das denúncias
contemporâneas contra a razão é a de que ela não é excessivamente racional, mas irracional.
Como consequência dessa denúncia, as ideias de razão e de verdade são ressignificadas”. Assim,
mudança é o que precisamos para que todos tenham acesso às escolas e estas consigam trabalhar
com as peculiaridades de cada um e considerar as potencialidades de todos com suas
manifestações intelectuais, sociais, culturais e físicas.
De acordo com Mantoan (2006, p. 33):
Mudar a escola para a inclusão é enfrentar muitas frentes de trabalho, cujas tarefas
fundamentais, são: recriar o modelo educativo escolar, tendo como eixo o ensino para
todos; reorganizar pedagogicamente as escolas, abrindo espaços para que a cooperação,
o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados nas
escolas, por professores, administradores, funcionários e alunos, porque são habilidades
mínimas para o exercício da verdadeira cidadania; garantir aos alunos tempo e liberdade
para aprender, bem como um ensino que não segrega e que reprova a repetência;
formar, aprimorar continuamente e valorizar o professor, para que tenha condições e
estímulo para ensinar a turma toda, sem exclusões e exceções.
A educação inclusiva é antes de tudo uma questão de direitos humanos, já que defende
que não se pode segregar a nenhuma pessoa como conseqüência de sua deficiência, de sua
dificuldade de aprendizagem, do seu gênero ou mesmo se esta pertencer a uma minoria étnica.
90
Na definição de Ross sobre educação inclusiva é possível perceber o quanto esse
processo é complexo:
Por inclusão estou me referindo ao acesso, ingresso e permanência desses alunos em
nossas escolas como aprendizes de sucesso e não como número de matrícula ou como
mais um na sala de aula do ensino regular. Estou me referindo a sua experiência
integrada com os demais colegas, participando e vivendo a experiência de pertencer,
isto é, estar no palco sem ser herói ou vilão (Apud CARVALHO, 2006, p. 101).
Percebe-se que estar incluído é mais do que estar matriculado na escola ou inserido em
uma turma, é ser compreendido pelos demais, envolvido com todos, é crescer a partir das
experiências vivenciadas e aprender com as relações estabelecidas nestes espaços.
Quanto à complexidade desse movimento inclusivo, Rossetto (2005, p.42) diz:
Não corresponde a simples transferência de alunos de uma escola especial para uma
escola regular, de um professor especializado para um professor do ensino regular. O
programa de inclusão vai impulsionar a escola para uma reorganização. A escola
necessitará ser diversificada o suficiente para que possa maximizar as oportunidades de
aprendizagem dos alunos com necessidades educativas especiais e aproximar a
convivência de alunos com deficiências ou dificuldades de aprendizagem do grupo de
alunos considerado sem impedimentos para a aprendizagem, com prioridade para os
agrupamentos a partir da faixa etária.
Seguindo esse pensamento, conclui-se que o processo de inclusão exige muito de todos
os envolvidos. É necessário reorganizar a escola, mudar conceitos, quebrar paradigmas,
considerar a diversidade como um fator de enriquecimento, entre outros aspectos que possam
valorizar a oportunidade e a ver a possibilidade de todos os educandos.
Ao destacar a questão da inclusão Carvalho (2006, p. 60), defende e luta pela
universalização da educação, isto é, para que todas as escolas acolham todos os alunos
oferecendo-lhes educação de qualidade, pois, segundo a autora, isso é inclusão.
Assim, não basta simplesmente colocar um aluno com algum tipo de deficiência em uma
classe comum regular. É preciso que a escola passe por adaptações, cabendo aos professores se
especializarem para saber como transmitir ensinamentos para esses alunos especiais.
3.2 CARACTERISTICAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
De acordo com Sassaki (2010, p. 127), as características da educação inclusiva são as
seguintes: meta de participação plena para todos os estudantes; um forte senso de comunidade na
sala de aula, por toda a escola e envolvendo pais e atendentes pessoais; o estudo e a celebração
da diversidade; currículos e métodos que estão adaptados para as necessidades individuais;
parceria ativa com os pais; suportes suficientes para estudantes e equipe da escola.
91
Stainback e Stainback (1999) destacam três componentes práticos interdependentes no
ensino inclusivo. O primeiro é a rede de apoio18
, que envolve a coordenação de equipes e
indivíduos que se apóiam através de conexões formais e informais. Os sistemas de apoio
começam na própria escola, na equipe e na gestão escolar. O segundo é a consulta cooperativa19
e o trabalho em equipe, que envolve indivíduos de diferentes especialidades que trabalham
juntos para planejar e implementar programas para os diferentes alunos em salas integradas. O
terceiro é a aprendizagem cooperativa20
, o ensino. Esse componente está relacionado à criação de
um espaço de aprendizagem, onde todos os alunos possam desenvolver o seu potencial.
18 Na rede de apoio, o aluno com necessidades especiais não é visto como responsabilidade unicamente do professor,
mas de todos os participantes do processo educacional. A direção e a coordenação pedagógica devem organizar
momentos para que os professores possam manifestar suas dúvidas e angústias. Ao legitimar as necessidades dos
docentes, a equipe gestora pode organizar espaços para o acompanhamento dos alunos; compartilhar entre a equipe
os relatos das condições de aprendizagens, das situações da sala de aula e discutir estratégias ou possibilidades para
o enfrentamento dos desafios. Essas ações produzem assuntos para estudo e pesquisa que colaboram para a
formação continuada dos educadores. A família também compõe a rede de apoio como a instituição primeira e
significativamente importante para a escolarização dos alunos. É essencial que se estabeleça uma relação de
confiança e cooperação entre a escola e a família, pois esse vínculo favorecerá o desenvolvimento da criança.
Profissionais da área de saúde que trabalham com o aluno, como fisioterapeutas, psicopedagogos, psicólogos,
fonoaudiólogos ou médicos, também compõem a rede..
19 O ensino colaborativo é um modelo de prestação de serviço no qual um educador comum e um educador
especializado dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar a um grupo heterogêneo de estudantes com
objetivo de criar opções para aprender e prover apoio a todos os alunos na sala de aula da turma comum,
combinando as habilidades do professor comum e do professor especialista. A colaboração mútua proporciona um
apoio psicológico muito positivo para estes profissionais. Isto confirma a necessidade de o gestor escolar em se levar
à sociedade a compreensão da deficiência e assim, continuar promovendo políticas de acessibilidade e de inclusão
educacional para as pessoas com deficiência, levando-as a progredirem e avançarem em sua qualidade de sua vida.
Ver MENDES, E. G. Colaboração entre ensino regular especial: o caminho do desenvolvimento pessoal para a
inclusão escolar. In: MANZINI (org.). Inclusão e acessibilidade. Marília: ABPEE, 2006.
92
Pode-se dizer que uma prática inclusiva implica em desafios consideráveis para o
professor de classe comum que, durante sua formação, em geral não recebe orientações
específicas de como trabalhar com alunos que possuam deficiências, especialmente, aqueles com
deficiência física, com paralisia cerebral e sem fala articulada. Cada vez mais pesquisas apontam
para o princípio de que os professores não devem trabalhar sozinhos, mas em equipes onde as
responsabilidades de planejamento, adaptações e avaliações possam ser compartilhadas.
Para que um trabalho pedagógico seja considerado eficaz torna-se necessário a parceria e
colaboração de todos os profissionais envolvidos nesta prática. Assim, podemos dizer que a
professora da turma comum, a coordenadora pedagógica, a mediadora, a diretora da escola, as
professoras de atividades extras classe e, principalmente, a professora especialista deverão estar
voltadas às questões que envolvam planejamento, adaptações e construções de atividades
pedagógicas, planejamento de estratégias voltadas à interação e comunicação que contemplem as
necessidades educacionais especiais dos alunos.
Pimenta (2005) argumenta que o professor sozinho não consegue refletir sobre sua
prática docente, sendo necessária uma discussão em grupo e de maneira colaborativa. Segundo a
autora, ao auxiliar o professor a entender melhor as dificuldades de ensino, o grupo não estaria
só participando e levantando inovações, mas contribuindo para (re)construção de saberes
escolares com os mesmos, além de sensibilizar o professor para a necessidade de sua formação
permanente.
20 Para Sanches (2005), a aprendizagem cooperativa possibilita condições para que os alunos respeitem o trabalho
realizado e desenvolvam estratégias próprias de resolução de dificuldades, recorrendo à ajuda dos seus pares. É um
aprender em grupo e com o grupo, tornando o aluno responsável e responsabilizam-te. Com o trabalho cooperativo,
da competição passa-se à cooperação, privilegiando o incentivo do grupo em vez do incentivo individual, aumenta-
se o desempenho escolar, a interação dos alunos e as competências sociais. Acrescenta, ainda, a mesma autora que
“quando os vários elementos do grupo dependem uns dos outros para o sucesso final, todos se esforçam para um
bom desempenho, promovendo a cooperação e a colaboração, aplicando a máxima “não se pode ter sucesso sem os
outros” (Sanches, 2005, pp 134). Ver Sanches, I. Compreender, agir, mudar, incluir. Da investigação-ação à
educação inclusiva. Em Revista Lusófona de Educação, v. 5, pp. 127-142, 2005.
93
Para que a escola seja, de fato, inclusiva em uma realidade de marcas políticas e sociais, a
educação inclusiva e a formação de professores deverão estar fundamentadas em discursos
voltados à realidade concreta brasileira. “Temos sempre que considerar que é um desafio [...]
construir uma escola inclusiva num país com tamanha desigualdade, que é fruto de uma das
piores sistemáticas de distribuição de renda do planeta” (MENDES, 2009, p.45).
Segundo Ferreira (2004) “há uma absoluta necessidade de uma formação inicial, para
todos os professores, sejam pedagogos ou licenciados, que aborde a temática da diversidade, da
diferença e das necessidades educacionais especiais e que os estudantes possam perceber “a
diversidade [...] como condição e assumida como enriquecedora das relações entre as pessoas”
(FERREIRA, 2004, p.25) e pensar sobre uma prática pedagógica capaz de considerar esse
pressuposto. Torna-se necessário a criação de espaços educativos e de aprendizagem que
considere a diversidade, a colaboração e a plena participação como base do desenvolvimento
pedagógico.
Neste mesmo sentido abordando a inclusão escolar e social no Brasil, Mendes (2006,
p.14) pontua que “cada comunidade deve buscar a melhor forma de definir e fazer a sua própria
política de inclusão escolar, respeitando as bases históricas, legais, filosóficas e também
econômicas do contexto no qual ela irá efetivar-se”. Conhecer profundamente as deficiências e
suas etiologias não é mais suficiente ou, talvez, até desnecessário, uma vez que o necessário é
refletir sobre o processo educativo desses sujeitos e como a escola brasileira poderá garantir e
ales o acesso pleno ao contexto escolar.
O direito à educação inclusiva vai além do fato de o aluno incluído estar matriculado em
uma escola regular e em turma comum. O princípio fundamental desta política é de que a escola
regular deve atender à diversidade do alunado assegurando-lhe o direito à aquisição de
conhecimento acadêmico e não apenas como local de socialização.
Sassaki (2005, p.21), diz que é visível o crescente número de aliados ao movimento
inclusivista. Quando os princípios da educação inclusiva são implementados de forma aceitável,
obtêm-se imediatamente os seguintes resultados: as escolas regulares se transformam em
unidades inclusivas enquanto as escolas especiais vão se tornando centros de apoio e capacitação
para professores, profissionais e demais componentes dos sistemas escolares; medidas as mais
diversas de adequação dos sistemas escolares às necessidades dos alunos, são implementadas,
nas seis dimensões de acessibilidade, quais sejam: acessibilidade arquitetônica - sem barreiras
ambientais físicas em todos os recintos internos e externos da escola e nos transportes coletivos;
acessibilidade comunicacional - sem barreiras na comunicação interpessoal, na comunicação
escrita e na comunicação virtual; acessibilidade metodológica - sem barreiras nos métodos e
técnicas de estudo, de ação comunitária e de educação dos filhos; acessibilidade instrumental -
94
sem barreiras nos instrumentos e utensílios de estudo, de atividades da vida e de lazer, esporte e
recreação; acessibilidade programática - sem barreiras invisíveis embutidas em políticas
públicas, em regulamentos e em normas de um modo geral; acessibilidade atitudinal – por meio
de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da
convivência na diversidade humana resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos
e discriminações: aplicação da teoria das inteligências múltiplas na elaboração, apresentação e
avaliação das aulas; Incorporação dos conceitos de autonomia, independência e empoderamento
nas relações entre todas as pessoas que compõem cada comunidade escolar. Práticas baseadas na
valorização da diversidade humana, no respeito pelas diferenças individuais, no desejo de
acolher todas as pessoas (princípio da rejeição zero), na convivência harmoniosa (princípio da
cooperação e colaboração), na participação ativa e central das famílias e da comunidade local em
todas as etapas do processo de aprendizagem e na crença de que qualquer pessoa, por mais
limitada que seja em sua funcionalidade acadêmica, social ou orgânica, tem uma contribuição
significativa a dar a si mesma, às demais pessoas e à sociedade como um todo.
Porém, Prieto (2002) faz um alerta para os diferentes discursos sobre a inclusão escolar.
Segundo a autora existe uma visão ingênua que considera que a educação inclusiva já aconteceu,
pois acreditam que o acesso à classe regular de alunos com necessidades educacionais especiais
é suficiente para caracterizá-la. Outros expressam uma visão pessimista, pois consideram a
educação inclusiva irrealizável, pois a educação não tem conseguido nem contemplar os alunos
“normais”. Alguns ainda defendem a educação inclusiva como um processo de ampliação do
atendimento de alunos com necessidades educacionais especiais nas classes comuns, alcançado
através de um trabalho coletivo. E a última posição é daqueles que consideram a possibilidade de
rupturas com o instituído, propondo uma única educação que se responsabilize pela
aprendizagem de todos.
A inclusão escolar, desde o seu surgimento, traz consigo, assim como outros movimentos
mundiais, uma diversidade de opiniões. Pessoas que aceitam as mudanças, e as que não aceitam,
algumas são neutras, outras otimistas e também existem as pessimistas.
Porém, é importante considerar a opinião de todos, os que possuem uma visão sobre esse
movimento e de certa forma contribuem com o debate inclusivo, expondo seus prós e contras,
fazendo com que a inclusão escolar seja repensada através de diferentes olhares.
De acordo com Rosseto (2012), é preciso vencer a homogeneização, é necessário que se
trabalhe considerando os princípios de heterogeneidade. É pelo respeito à identidade e à
condição de todos os sujeitos, pela convivência na diversidade que a educação avançará para a
contemporaneidade de uma sociedade que se caracteriza pela complexidade. Portanto, se
quisermos escolas inclusivas, é preciso urgentemente redefinir os planos para uma educação
95
voltada para a cidadania global, plena, livre de preconceitos e que reconhece e valoriza as
diferenças.
Em decorrência da busca por mudanças e melhorias educacionais muitas escolas e
instituições têm confundido a inclusão escolar com a integração dos seus alunos. Por isso, é
preciso conhecer a diferença entre os dois processos para que o método de ensino tradicional não
se sobressaia.
3.3 INCLUSÃO/ INTEGRAÇÃO
A integração e a inclusão, desde o surgimento do movimento da inclusão escolar, foram
desencadeadoras de muitas dúvidas e incertezas quanto ao seu papel na quebra do paradigma
educacional inclusivo, e atualmente, ainda são alvos de debates que buscam entender se a
integração é um movimento oposto ao da inclusão ou se esta é a continuidade da integração.
De acordo com Guijarro (2005) esses movimentos são diferentes. A inclusão é mais
ampla e de natureza diferente ao da integração de alunos com deficiência ou de outros com
necessidades educacionais especiais. Na integração, o foco de atenção tem sido transformar a
educação especial em apoio à integração de educandos com deficiência na escola comum. Já na
inclusão, o centro da atenção é transformar a educação comum.
Segundo a autora a inclusão educacional é movimento fundamental para tornar efetivos
os direitos dos alunos com deficiência. Com o objetivo de garantir-lhes educação em contexto
normalizado que assegure uma melhor integração na sociedade.
O principal argumento em defesa da integração tem a ver com uma
questão de direitos e com critérios de justiça e igualdade. Por outro
lado, diferentes estudos têm mostrado que se a integração é
realizada em condições adequadas, beneficia não somente aos
alunos integrados, como também aos demais alunos, uma vez que
aprendem com uma metodologia mais individualizada, dispõem de
mais recursos e desenvolvem valores e atitudes de solidariedade,
respeito e colaboração (GUIJARRO 2005, p. 08).
O movimento de inclusão escolar tem como objetivo proporcionar o acesso dos alunos
aos seus direitos: à educação, à igualdade de oportunidades e de participação. É um meio para
garantir uma maior equidade e desenvolvimento de sociedades mais inclusivas.
Um maior nível de eqüidade implica avançar para a criação de
escolas que acolham a todas as crianças e dêem respostas às suas
necessidades específicas. O desenvolvimento de escolas inclusivas
é um meio fundamental para avançar para sociedades mais justas,
integradas e democráticas (GUIJARRO 2005, p. 08).
96
Sassaki (2005) ao se referir ao processo de transição de integração para a inclusão, diz
que a mesma exige um esforço unilateral do deficiente e dos seus aliados, e aquele deve tentar
tornar-se mais aceitável para a comunidade. Na integração é ele que deve adaptar-se aos espaços
que vão recebê-lo e não ao contrário como acontece na inclusão.
A integração sempre procurou diminuir a diferença da pessoa com
deficiência em relação à maioria da população, por meio da
reabilitação, da educação especial e até de cirurgias, pois ela partia
do pressuposto de que as diferenças constituem um obstáculo, um
transtorno que se interpõe à aceitação social. O mérito da proposta
da integração está no seu forte apelo contra a exclusão e a
segregação de pessoas com deficiência. Todo um esforço é
envolvido no sentido de promover a aproximação entre a pessoa
deficiente e a escola comum, entre a pessoa deficiente e a empresa
comum e, assim por diante (SASSAKI 2005, p. 21).
Para Mantoan (2006) a integração ocorre quando a escola não muda como um todo, mas
quando os alunos têm de mudar para se adaptarem às suas exigências. Na integração, o aluno
tem a oportunidade de transitar no sistema escolar em todos os seus tipos de atendimento:
escolas especiais, classes especiais em escolas comuns, salas de recursos, classes hospitalares,
ensino domiciliar e outros. Trata-se de uma concepção de inserção parcial, porque o sistema
prevê serviços educacionais segregados.
A integração escolar pode ser entendida como o “especial na
educação”, ou seja, a justaposição do ensino especial ao regular,
ocasionando um inchaço desta modalidade, pelo deslocamento de
profissionais, recursos, métodos e técnicas da educação especial às
escolas regulares.(MANTOAN 2006, p. 16).
O processo de inclusão, segundo Mantoan (2006), implica em uma mudança de
perspectiva educacional, pois não atinge apenas alunos com deficiência e os que apresentam
dificuldades de aprendizagem, mas todos os alunos. De acordo com a autora os alunos com
deficiência constituem uma grande preocupação para os educadores inclusivos. Porém, a maioria
dos que fracassam na escola são os que não vêm do ensino especial, mas que possivelmente
acabarão nele. Para Mantoan (2006, p. 17) “a inclusão é uma provocação, cuja intenção é
melhorar a qualidade do ensino das escolas, atingindo todos os alunos que fracassam em suas
salas de aula”.
A partir das afirmações dos diferentes autores, podemos concluir que existem diferenças
entre o movimento de integração e o movimento de inclusão, porém, deve-se levar em
consideração a importância dos dois movimentos, que de uma forma ou de outra têm como
objetivo eliminar a exclusão das escolas.
97
A partir desta definição de integração e inclusão é possível perceber o quanto é complexo
e exigente o processo inclusivo. A inclusão tem como objetivo mudanças profundas de
concepções e práticas, entretanto, mudar é uma tarefa árdua que certamente gera impasses, cria
perspectivas e envolve todas as pessoas.
Dessa forma, a inclusão escolar é um movimento bastante amplo, pois busca transformar
a escola em um espaço que recebe e propicia educação de qualidade para todos os alunos.
3.3.1 Inclusão escolar – impasses e perspectivas
Ao se posicionar sobre a inclusão e seus caminhos, Carvalho (2006, p. 74), afirma que
“precisamos construir o caminho por nós mesmos. Mãos à obra com firmeza e com brandura,
com otimismo e muita determinação. Nossos alunos, cidadãos brasileiros bem o merecem”. A
partir das palavras da autora, concluímos que é preciso vencer os impasses e acreditar que essa
mudança é possível e necessária.
3.3.2 Impasses
Infelizmente, assim como todos os dias novas pessoas desejam aplicar e conhecer a
inclusão, também a cada dia surgem impasses em muitos lugares. Sabemos que infelizmente em
alguns são mínimas as reestruturações físicas realizadas nas escolas, poucas mudanças de
planejamento e organização, muitos professores não foram capacitados para atender a essa
diversidade que lhes é apresentada e as mudanças práticas e conceituais não aconteceram. Esses
aspectos podem resultar na mudança do ensino especial para o ensino comum sem garantia de
ensino de qualidade e inclusão escolar.
Porém, sabemos que milhões de crianças não têm acesso à educação e vivem com menor
qualidade de vida do que as outras pessoas. São diversos os impasses citados por pais,
professores e gestores de escolas especiais e comuns para justificar o atraso na adesão da
inclusão. Mantoan (2006, p.172) destaca algumas práticas escolares que se fazem presentes nas
escolas e impossibilitam o pensar e o fazer a inclusão escolar:
Aceitando e estimulando a reprovação e considerando o fracasso escolar de alguns
alunos como natural e esperado; percebendo a evasão escolar como mais um dado
estatístico; priorizando as atividades burocráticas; elaborando planejamentos sem o
conhecimento da clientela e da comunidade escolar; insistindo na transmissão de
conhecimentos universais fragmentados, que buscam verdades absolutas; reconhecendo
a singularidade do aluno como elemento para competir e homogeneizar; provocando
sentimentos de tristeza, infelicidade, frustração e baixa auto-estima entre os alunos, pela
sequência de fracassos.
98
Ao manifestar as razões do atraso na adesão à inclusão escolar, muitos pais, professores,
gestores educacionais de escolas comuns e especiais citam com maior freqüência alguns
aspectos. Dentre eles Mantoan (2006 p. 25) destaca os mais citados:
Escolas que carecem de possibilidades de acesso físico a alunos
com deficiências motoras; salas de aula superlotadas; falta de
recursos especializados para atender às necessidades de alunos
com deficiências visuais; necessidade de se dominar a Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS)e de intérpretes para os alunos
surdos; ausência ou distanciamento de serviços de apoio
educacional ao aluno e professor; resistência de professores, que
alegam falta de preparo para atender aos alunos com deficiência,
nas salas de aulas comuns; reticências dos pais de alunos come
sem deficiência, entre outros. Os motivos relacionados escondem
outros,bem mais complexos, dentre os quais, destacamos a
resistência das organizações sociais às mudanças e às inovações,
dada a rotina e a burocracia nelas instaladas, que enrijecem suas
estruturas, arraigadas às tradições e à gestão de seus serviços.
A educação é um requisito indispensável para todas as pessoas. A mesma deve formar
pessoas capazes de buscar o conhecimento, onde ele estiver, de saber utilizá-lo para os mais
variados fins, autonomamente, condição essa que exige um ensino muito diferente daquele que
se propõe unicamente a transmitir e a distribuir o saber.
De acordo com Mantoan (1997, p. 69):
Os professores do ensino regular têm resistido muito às
experiências de integração no ensino elementar, afirmando não
estarem preparados para essa tarefa na escola. De toda maneira, o
fundamental no momento é que os professores tenham meios,
ferramentas, interesse, disponibilidade para fazer acontecer à meta
pretendida.
Para garantir uma escola inclusiva de qualidade são muitas as barreiras que devem ser
removidas. Guijarro (2005) define três esferas no âmbito educacional; o das concepções e
atividades; o das políticas e o das práticas: Mudanças nas concepções a atitudes, ou seja, a
valorização da diversidade como um elemento que enriquece o desenvolvimento pessoal e social.
Mudanças no âmbito das políticas e dos sistemas educacionais, a educação inclusiva tem de ter
políticas educacionais e intersetoriais e marcos legais que promovam a inclusão em todas as
etapas educacionais. Mudanças na prática educacional, onde a cultura das escolas seja
transformada e convertida em comunidades de aprendizagem e de participação. Para a inclusão
escolar se faz necessário um trabalho em equipe, que exige a participação de todos os
envolvidos.
99
De acordo com Mantoan (2006, p. 13) a inclusão exige a extinção das categorizações e
das oposições excludentes entre iguais e diferentes, normais e deficientes. Porém, segundo a
autora, o ensino curricular de nossas escolas é organizado em disciplinas e desta forma acaba
separando os conhecimentos, em vez de reconhecer suas inter-relações. Pois o “conhecimento
evolui por recomposição, contextualização e integração de saberes em redes de entendimento”.
A inclusão escolar traz consigo diferentes opiniões sobre seus impasses e perspectivas.
Existem pessoas otimistas, pessimistas e neutras, porém, a partir do momento em que estas
forem aceitas como diferentes e capazes, já teremos dado um passo ao encontro do respeito às
diferenças individuais, que é um direito de todos os cidadãos.
Portanto, acreditamos que um dos principais impasses que ainda está presente no que se
refere à inclusão é a falta de disponibilidade humana para mudar seus conceitos e concepções
sobre o outro e sobre si mesmo e, desta forma, poder aceitar o outro como um ser humano que
não é nem superior, nem inferior, é apenas um ser humano que pertence a outro contexto e que
teve outras relações e oportunidades para desenvolver-se. Porém, cabe descobrir como será
possível pregar humanismo em uma sociedade tão desigual.
3.3.3 Perspectivas
Apesar das grandes diferenças culturais, econômicas e políticas presentes em nosso dia a
dia, percebe-se que muitas pessoas estão dando alguns passos em busca da construção de uma
sociedade cada vez mais inclusiva. A presença desse processo nas escolas, na mídia, nas nossas
vizinhanças, nos recursos da comunidade e nos programas e serviços é um sinal dessa busca.
A cada dia que passa, fico sabendo de mais um grupo de pessoas,
neste imenso país, desejando conhecer e aplicar a filosofia e a
metodologia da inclusão escolar, partindo do pressuposto de que
todos os jovens e as crianças, com ou sem deficiência, têm o
direito de estudar juntos para crescerem como cidadãos felizes e
capazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida da
sociedade (SASSAKI, 2005 p. 22).
Trata-se, portanto, de um desafio, pois envolvem os alunos, a escola, os pais e a
comunidade como um todo.
As escolas inclusivas que buscam oferecer serviços de qualidade a todos os alunos, que
atualmente formam uma grande diversidade de culturas, classes, raças, necessidades e
potencialidades, requerem algumas mudanças para garantir a educação de todos.
Na Declaração de Salamanca (1994, VIII) constam as seguintes mudanças:
100
A articulação de uma política clara e forte de inclusão junto com
provisão financeira adequada – um esforço eficaz de informação
pública para combater o preconceito e criar atitudes informadas e
positivas – um programa extensivo de orientação e treinamento
profissional - e a provisão de serviços de apoio necessários.
Mudanças em todos os seguintes aspectos da escolarização, assim
como em muitos outros, são necessárias para a contribuição de
escolas inclusivas bem-sucedidas: currículo, prédios, organização
escolar, pedagogia, avaliação, pessoal, filosofia da escola e
atividades extra-curriculares.
A inclusão escolar com garantia de oferta de ensino de qualidade para todos os alunos,
sem qualquer tipo de preconceito ou discriminação, é ainda um caminho longo a percorrer e
muitas mudanças precisam ser feitas. Porém, deve ser levado em consideração o interesse e o
desejo pela mudança que muitas pessoas têm demonstrado e que são fatores essenciais para
vencer esse desafio.
Portanto, precisamos agir de maneira que busque a conscientização das pessoas para o
fato de que não existem divisões de camadas de iguais e diferentes, mas sim que temos uma
sociedade onde todos possuem necessidades, capacidades e direitos. Nesse dia, ao perceber que
ninguém é superior a ninguém, muita coisa mudará.
3.2 O PROFESSOR E A INCLUSÃO ESCOLAR
O professor tem um papel fundamental na escola. Com a inclusão escolar, as salas de aula
estão cada vez mais diversificadas e o professor precisa compreender o desenvolvimento de
todos os alunos e encontrar um método para garantir ensino de qualidade. Precisam estar
capacitados e dispostos para às possíveis mudanças decorrentes do processo de busca de novas
habilidades.
Uma das formas de adquirir as habilidades essenciais para ser um bom professor é
investir em uma formação inicial e continuada de qualidade, que enfatize, tanto a construção do
conhecimento, como na criação de atitudes e valores do cidadão. Desta forma, a formação vai
além dos aspectos instrumentais de ensino. Porém, infelizmente alguns profissionais da educação
esperam apoio da coordenação das escolas, das secretarias de educação e esquecem o seu
compromisso com a busca pelo aperfeiçoamento do conhecimento.
Com a perspectiva inclusiva nas escolas, o professor precisa estar preparado para receber
e ensinar a todos os alunos. Apesar de parecer uma tarefa difícil, esta é a realidade educacional:
alunos, capacidades, necessidades e potencialidades diferentes.
De acordo com Mantoan (2006, p. 41) o “professor que ensina a turma toda não tem o
falar, o copiar e o ditar como recursos didático-pedagógicos básicos. Ele não é um professor
101
palestrante”. Segundo a autora o professor que ensina a turma toda “explora os espaços
educacionais com seus alunos, buscando perceber o que cada um deles consegue apreender do
que está sendo estudado e como procedem ao avançar nessa exploração”.
Diante desta perspectiva inclusiva, complexa, voltada para um trabalho que atinja de
forma positiva a todos os educandos, parece ser fundamental que todos os professores que se
encontram envolvidos nesse processo estejam dispostos a mudar suas concepções, métodos,
práticas e tenham a formação continuada como projeto profissional.
Para Mantoan (2006, p. 43) se referir a uma formação inicial e continuada direcionada à
inclusão escolar, é estar diante de uma proposta de trabalho que não se encaixa em uma
especialização, extensão ou atualização de conhecimentos pedagógicos.
Para a autora “ensinar, na perspectiva inclusiva, significa ressignificar o papel do
professor, da escola, da educação e de práticas pedagógicas que são usuais no contexto
excludente do nosso ensino, em todos os seus níveis”.
Quanto às ações que deveriam ser tomadas para a capacitação dos professores para
atender as necessidades das escolas inclusivas e principalmente dos alunos que apresentam
diferentes necessidades, destaca-se a Declaração de Salamanca (1994) que faz referência a essas
ações.
Nas escolas práticas de treinamento de professores, atenção
especial deveria ser dada à preparação de todos os professores para
que exercitem sua autonomia e apliquem suas habilidades na
adaptação do currículo e da instrução no sentido de atender as
necessidades especiais dos alunos, bem como no sentido de
colaborar com os especialistas e cooperar com os pais.
Ao discutir a inclusão escolar, a questão presente não é se os alunos devem ou não
receber experiências educativas apropriadas e ferramentas e técnicas especializadas, mas sim,
oferecer a esses alunos os serviços que necessitam em espaços integrados e aos professores
proporcionar atualização de suas habilidades.
Para Ferreira (2005, p. 44) um professor comprometido com a inclusão deve ter em
mente que:
A educação é um direito humano; as crianças estão na escola para
aprender; há crianças que são mais vulneráveis à exclusão
educacional do que outras; e é da responsabilidade da escola e dos
professores criar formas alternativas de ensino e aprendizagem mais
efetivas para todos.
Ao buscar uma escola de qualidade para todos onde todos possam viver coletivamente
experiências que reforcem padrões sociais de cooperação e vivência da cidadania é
imprescindível que, se redimensione o enfoque da formação dos professores cujo objetivo não
102
deve ser, simplesmente, o de adquirir conhecimentos, mas sim o de estimular a curiosidade e
desenvolver a capacidade de adquiri-los. É preciso que a reflexão sobre os problemas da
aprendizagem, e sobre o modo como ela se processa, tome o lugar da reflexão em torno dos
problemas do ensino. Ou seja, ao invés de nos preocuparmos tanto com o como devemos
ensinar, precisamos aprofundar a nossa reflexão acerca de como os nossos alunos aprendem.
De acordo com Carvalho (2006), muitos professores alegam que em seus cursos de
formação não tiveram oportunidade de estagiar, nem de estudar a respeito de alunos da educação
especial. “Muitos professores resistem, negando-se a trabalhar com esse alunado enquanto outros
aceitam, para não criarem áreas de atrito com a direção das escolas. Mas, felizmente, há muitos
que decidem enfrentar o desafio e descobrem a riqueza que representa o trabalho na diversidade”
(CARVALHO 2006, p. 27).
Porém, apenas o esforço e a vontade de querer mudar, apesar de sua importância, muitas
vezes não são suficientes para garantir aos professores o acesso à formação continuada. Sabemos
que muitos ganham pouco e precisam dar aulas em duas ou três escolas para poder sustentar-se e
a suas famílias. A esses professores que trabalham 40 ou 60 horas semanais sobra pouco tempo
para planejar suas aulas e menos tempo ainda para ler um livro ou revista.
O salário médio de nossos professores é muito baixo dificultando-
lhes a aquisição de livros, assinaturas em revistas de educação, ou
a freqüência a cursos. Muitos trabalham em mais de uma escola,
sentem-se cansados e desvalorizados, o que interfere na qualidade
de suas práticas pedagógicas. Há que considerar, também, as
inúmeras lacunas na formação recebida, as resistências frente às
mudanças e ao que qualificam como “despreparo” para lidar com
as diferenças muito significativas de aprendizagem e
desenvolvimento de seus alunos (CARVALHO 2006, p. 113).
A responsabilidade e as habilidades necessárias para os professores atenderem a todos os
alunos nas escolas regulares são bastante exigentes. Esses professores, de acordo com a
Resolução CNE/CEB nº 2/200111 (Art. 18, § 1°), precisam ter competências e valores para:
perceber as necessidades educacionais especiais dos alunos e valorizar a educação inclusiva;
flexibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas de conhecimento de modo adequado às
necessidades especiais de aprendizagem; avaliar continuamente a eficácia do processo educativo
para o atendimento de necessidades educacionais especiais; atuar em equipe, inclusive com
professores especializados em educação especial.
De acordo com Mantoan (2006, p. 43) ao referir-se a formação inicial ou a continuada
direcionada à inclusão escolar, é estar diante de uma proposta de trabalho que não se encaixa em
uma especialização, extensão ou atualização de conhecimentos pedagógicos.
103
Como já nos referimos anteriormente, a inclusão escolar não cabe
em um paradigma tradicional de educação e, assim sendo, uma
preparação do professor nessa direção requer um design diferente
das propostas de profissionalização existentes e de uma formação
em serviço que também muda, porque as escolas não serão mais as
mesmas, se abraçarem esse novo projeto educacional.
Percebemos a partir desta breve teorização que a responsabilidade que recai sobre os
professores é grande. Porém, todos devem assumir suas responsabilidades: a família,
comunidade, o poder público, diretores, gestores e todos os demais envolvidos com a educação.
Assim o processo educacional envolve a todos, também todos poderão desfrutar dos seus
resultados, já que a educação escolar pode propiciar meios que possibilitem transformações na
busca da melhoria da qualidade de vida da população. E isso é de interesse de todos.
3.4 ESCOLA INCLUSIVA: UMA ESCOLA PARA TODOS
A escola inclusiva diz respeito ao espaço educacional que trabalha com uma nova
perspectiva educacional voltada para todos os alunos, pois inclusão não atinge apenas os que têm
deficiência e os que apresentam dificuldades de aprender, mas todos os demais que são
marginalizados pelo insucesso, por privações constantes e pela baixa autoestima, resultantes das
condições de pobreza em que vivem, em todos os seus sentidos. Porém, infelizmente, em muitos
lugares ainda se pensa e se age como se a inclusão fosse, apenas, para pessoas em situação de
deficiência; este é um lamentável equívoco que precisamos esclarecer.
Para Mantoan (2006), os defensores da inclusão precisam se preocupar não apenas com
os deficientes, mas com um amplo grupo de aprendizes que estão desmotivados e infelizes. Esses
alunos são conhecidos das escolas, pois repetem as suas séries várias vezes, são expulsos,
evadem e ainda por cima, são rotulados por serem mal nascidos e por terem hábitos que fogem
ao protótipo da educação formal.
Portanto, não é escola inclusiva aquela que desenvolve um trabalho com vistas ao super
dotado ou ao deficiente que chegou na escola depois da Constituição de 1988 ou depois da
declaração de Salamanca, 1994. Escola inclusiva é aquela que percebe e compreende as
carências, as potencialidades e o processo de desenvolvimento e aprendizagem de todos os
alunos. Pois os que não têm acesso à higiene, ao carinho, a atenção ou a alimentação sempre
estiveram nas escolas e constituem um grande número quando se fala em exclusão.
De acordo com Melli (2001, p. 42),
Inclusão significa diversidade, aponta para as diferenças, para a
riqueza de oportunidades das trocas entre os diferentes, que
compartilham uma natureza comum, para a afirmação de valores
104
humanos como solidariedade, amizade, respeito mútuo, diálogo e
liberdade de escolha e de expressão.
De acordo com Rodrigues (2003), a diversidade e a heterogeneidade não significam
inclusão escolar de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, mas sim pelo fato
de que a própria sociedade é heterogênea e multifacetada. “Os alunos ditos com necessidades
educativas especiais são apenas um caso no seio da diversidade da população escolar, embora
sejam aqueles que carecem de maior atenção e acompanhamento” (p.15).
A partir dos diversos autores que reforçam a existência de uma sociedade heterogênea é
possível prever um futuro educacional cada vez mais voltado para a valorização da diversidade
como um fator de enriquecimento educacional e social.
Stainback e Stainback (1999 p. 22) destacam que “a inclusão funciona para todos os
alunos com e sem deficiência, em termos de atitudes positivas, mutuamente desenvolvidas, de
ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais e de preparação para a vida na comunidade”. Para
que a inclusão escolar seja bem sucedida, as diferenças dos alunos precisam ser reconhecidas
como um recurso positivo. “As diferenças entre os alunos devem ser reconhecidas e
capitalizadas para fornecer oportunidades de aprendizagem para todos os alunos da classe”
(STAINBACK, 1999, p. 11).
É possível perceber, então, que inclusão é importante para o desenvolvimento de todos os
alunos com e sem deficiência e não significa apenas garantir a matrícula e permanência de todos
os alunos na escola, mas sim recebê-los, aceitando e valorizando a diversidade dos mesmos.
Por isso cabe à escola rever suas concepções, desenvolver um projeto político pedagógico
que envolve todos os alunos, fazer as mudanças físicas necessárias que permitam o acesso de
todos. Reestruturações currículos para atender as suas necessidades e criar práticas pedagógicas
que desenvolvam as potencialidades de todos os alunos.
As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas dificuldades de seus
alunos, acomodando os diferentes estilos e ritmos de aprendizagem e assegurando uma educação
de qualidade para todos mediante currículos apropriados, modificações organizacionais,
estratégias de ensino, recursos e parcerias com suas comunidades.
3.5 CURRÍCULO ESCOLAR E A ESCOLA INCLUSIVA: CONHECIMENTOS E
REFLEXÕES
A inclusão, na perspectiva de um ensino de qualidade para todos, exige das escolas novos
posicionamentos que implicam num esforço de atualização e reestruturação das condições atuais,
105
para que o ensino se modernize e para que os professores se aperfeiçoem, adequando as ações
pedagógicas à diversidade dos aprendizes.
No que se refere a essas adequações para a inclusão de todos na escola, o documento
Estratégias para a educação de alunos com necessidades educacionais especiais (2003), diz que
atuar frente à diversidade a as dificuldades de aprendizagem dos alunos pressupõe que se realize
a adequação do currículo regular, quando necessário, para torná-lo apropriado às peculiaridades
dos que possuem necessidades especiais. Não quer dizer um novo currículo, mas um dinâmico,
alterável, passível de ampliação, para que atenda realmente a todos os educandos.
Dessa forma as adaptações curriculares implicam em uma planificação pedagógica e em
ações docentes fundamentadas, em critérios que definem: o que o aluno deve aprender, como e
quando aprender; que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de
aprendizagem e como e quando avaliar o aluno.
Pensamos que uma escola inclusiva deve garantir uma metodologia que possibilite ao
aluno motivação para freqüentar a escola e participar das atividades na sala de aula, possuir
qualidade curricular e metodológica, identificar barreiras à aprendizagem e planejar formas de
removê-las para que cada aluno seja respeitado em seu processo de aprendizagem.
A partir dos diversos autores que enfatizam as mudanças necessárias para transformar
escolas em espaços inclusivos percebemos que não se trata apenas de reestruturações físicas e
curriculares, mas é imprescindível remover barreiras práticas, metodológicas e conceituais.
Conforme Ferreira (2005, p. 44):
nos espaços que trabalham com responsabilidade inclusiva a
prática escolar deve estar fundamentada na crença de que em
qualquer período de sua escolarização, qualquer criança pode
enfrentar dificuldades para aprender ou fazer parte da comunidade
escolar; as dificuldades de aprendizagem que emergem no dia-a-
dia da escola/sala de aula constituem um recurso para melhorar o
ensino; todas as mudanças geradas como resultado da tentativa de
responder às necessidades de aprendizagem de uma dada criança
oferecem melhores condições para todas as crianças aprenderem.
Para Stainback e Stainback (1999, p. 237) o currículo tem sido há muito tempo encarado
e implementado a partir da perspectiva de que as turmas de educação regular possuem um
conjunto padronizado de exigências e habilidades acadêmicas. Porém, as inclusivas exigem uma
perspectiva mais holística e construtivista da aprendizagem.
Nessa perspectiva, os autores citam vários elementos importantes: O aluno é o centro da
aprendizagem, para facilitar sua aprendizagem e o sucesso escolar, a perspectiva holística é
construída a partir de suas potencialidades, ou seja, o que o aluno já sabe; a ênfase em remediar
os déficits e as deficiências é dada a partir do momento que os alunos se interessam pela
106
aprendizagem e se envolvem em projetos e atividades significativas; deve-se reconhecer a
importância de levar em conta a natureza das necessidades dos alunos para serem bem-sucedidos
na vida e no trabalho e para a informação ser aprendida, usada e lembrada ela deve ser
significativa e fazer sentido para os alunos; desenvolver atividades e projetos, considerando o
contexto dos alunos e enfocar atividades reais da escrita, como pontuação, uso de letras
maiúsculas, identificação de substantivo e verbo; encorajar todos os alunos a ler e a escrever,
levando em conta seus níveis de desenvolvimento e seus interesses; o movimento contra ensinar
aos alunos habilidades isoladas em ambientes isolados e a favor de promover a aprendizagem
através do envolvimento de todos em projetos e atividades significativas, da vida real, enquanto
interagem e cooperam um com o outro.
Portanto, planejar e adaptar o currículo escolar para satisfazer às necessidades de todos os
alunos não é uma tarefa fácil. Exige do professor da sala de aula regular e do inclusivo muito
planejamento e diversas adaptações. De acordo com Stainback e Stainback (1999), ao elaborar
um currículo deve-se usar objetivos de ensino flexíveis para serem adequados às necessidades, às
habilidades, aos interesses e às competências de cada aluno. Eles sugerem também que os
professores elaborem o currículo com apoio de uma equipe com pais, professores, alunos da
classe, diretores, terapeutas, fisioterapeutas, especialistas em comunicação e psicólogos
ocupacionais.
Nas escolas inclusivas os alunos não devem ser vistos como atores passivos, que apenas
recebem conhecimento, sem colaborar na construção do mesmo, e sim, como pessoas ativas, que
participam na construção dos seus saberes, dos seus valores, que tenham suas necessidades
respeitadas e suas potencialidades valorizadas.
De acordo com Carvalho (2006, p. 115), no projeto político pedagógico dessas escolas
que assumem o princípio de que todos os alunos são capazes de aprender e acreditam que se
podem melhorar as respostas educativas que são oferecidas atualmente, devem constar inúmeras
funções para essas escolas, das quais a autora destaca: desenvolver culturas, políticas e práticas
inclusivas, marcadas pela responsabilidade e acolhimento que oferece a todos os que participam
do processo educacional escolar; promover todas as condições que permitam responder às
necessidades educacionais especiais para a aprendizagem de todos os alunos de sua comunidade;
criar espaços dialógicos entre os professores para que, semanalmente, possam reunir-se como
grupos de estudo e de troca de experiências; criar vínculos mais estreitos com as famílias,
levando-as a participarem dos processos decisórios em relação à instituição e a seus filhos e
filhas; estabelecer parcerias com a comunidade sem intenção de usufruto de benefícios apenas e
sim para conquistar a cumplicidade seus membros, em relação às finalidades e objetivos
educativos; acolher todos os alunos, oferecendo-lhes as condições de aprender e participar;
107
operacionalizar os quatro pilares estabelecidos pela UNESCO para a educação deste milênio:
aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser, tendo em conta
que o verbo é aprender; respeitar as diferenças individuais e o multiculturalismo entendendo que
a diversidade é uma riqueza e que o aluno é o melhor recurso de que o professor dispõe em
qualquer cenário de aprendizagem; valorizar o trabalho educacional escolar, na diversidade;
buscar todos os recursos humanos, materiais e financeiros para a melhoria da resposta educativa
da escola; desenvolver estudos e pesquisas que permitam ressignificar as práticas desenvolvidas
em busca de adequá-las ao mundo em que vivemos.
Dessa forma, a escola inclusiva que trabalha com todos e para todos os alunos precisa
valorizar a diversidade, enfatizar as potencialidades dos seus educandos e desenvolver todas as
práticas com ênfase na cooperação entre os envolvidos no processo inclusivo.
Para atender a todos os alunos, as escolas da rede regular de ensino devem prever e
prover nas suas classes comuns, flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o
significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos
didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos seus alunos.
Com relação a essas escolhas curriculares, Stainback e Stainback (1999) dizem que é
preciso tomar cuidado para não enfatizar com excesso os interesses pré-definidos como
matemática, geografia, história e outros. Deve-se também valorizar os objetivos educacionais
que estão ligados à socialização e aos valores, como a amizade, respeito e outros. Segundo esses
autores, entre os principais objetivos educacionais que permitem aos alunos serem membros
ativos da comunidade estão os ligados à socialização e a amizade. A esse respeito, dizem
Stainback e Stainback (1999):
Quando os adultos se concentram e estimulam os sistemas de
companheiros e implementam outras atividades para encorajaras
amizades, as crianças podem conquistar o que será a coisa mais
importante de suas vidas – relacionamentos com um grande
número de pessoas, que realmente se importam com elas como
indivíduos. Assim, mesmo que uma criança nunca consiga
aprender nada de matemática ou história, ainda é fundamental que
ela seja incluída nas turmas de educação regular, para que todos os
alunos tenham oportunidades de aprender o respeito mútuo, o
interesse mútuo e o apoio mútuo em uma sociedade inclusiva
(p.234).
Assim sendo, para formar uma nova geração dentro de um projeto educacional inclusivo
é necessário trabalhar diariamente atividades que exercitem a cooperação, a fraternidade, o
reconhecimento e a valorização das diferenças.
Em concordância com os autores, acreditamos que muitas vezes, um aluno que apresenta
experiências de vida negativas ou outras dificuldades pode necessitar muito mais de um bom
108
relacionamento na escola com os professores, boas amizades com os colegas, conhecer
sentimentos e valores que até então eram desconhecidos, do que desenvolver práticas
direcionadas somente para aprender matemática, geografia e outras disciplinas.
Dessa forma, as pessoas envolvidas com a inclusão podem suspirar de alívio se um aluno
com deficiência simplesmente consegue estar presente na sala de aula sem precipitar nenhum dos
desastres previstos, e podem, então, não levantar mais dúvidas sobre a prática inclusiva dessa
escola (STAINBACK e STAINBACK, 1999).
Porém, muitas vezes, as pessoas não têm essa visão de inclusão que possibilita aos alunos
momentos de trocas importantes para o seu desenvolvimento, pois quando chegam às escolas
regulares, os professores já depositam expectativas sobre o processo de alfabetização,
numeralização, deixando de lado os processos de trocas afetivas, nas relações com os demais
iguais e de construção a partir da descoberta do mundo que até então era desconhecida.
Nas escolas que recebem todos os alunos e necessitam oferecer uma educação de
qualidade para todos “o currículo deveria ser adaptado às necessidades das crianças, e não vice-
versa. As escolas deveriam, portanto, prover oportunidades curriculares que sejam apropriadas à
criança com habilidades e interesses diferentes” (Declaração de Salamanca, 1994, p. VIII).
Todas essas estratégias pedagógicas que precisam ser revistas pelas escolas inclusivas são
essenciais para que todos os alunos tenham uma educação de qualidade, aceitação e valorização
das diferenças.
Schneider (2003, p. 8), diz que cabe refletirmos sobre que é ser igual ou diferente. “Pois
se olharmos em nossa volta, perceberemos que não existe ninguém igual, na natureza, no
pensamento, nos comportamentos, nas ações etc. E as diferenças não são sinônimos de
incapacidade ou doença, mas de equidade humana”.
Para garantir a todos os indivíduos igualdade de direitos e de oportunidades,
independente de suas potencialidades e limitações, a educação precisa ser pensada para todos os
alunos.
Por fim Sartoretto (2007, p. 37) diz que:
numa sala inclusiva o aluno não presta atenção ao professor, o
professor é que deve prestar atenção ao aluno. Numa sala
inclusiva, o aluno não é ouvinte, não é assistente. Numa sala
inclusiva, o aluno realiza atividades. Resolve problemas.
Desenvolve projetos. Participa. Opina. Analisa. Cria. E não precisa
decorar nada. A escola inclusiva é a escola do aluno que pensa,
que faz e que cria, e não do aluno que ouve que copia que anota
que decora e que reproduz na prova. E pensar, fazer e criar, cada
um pode fazê-lo a seu modo, no seu ritmo, e sem moldes pré-
determinados.
109
Diante das complexas modificações e conhecimentos necessários para que a diversidade
seja valorizada e as escolas consigam garantir um ensino de qualidade para todos percebemos
que cada aprendiz possui suas peculiaridades e seus interesses. Por isso, a escola precisa tomar
cuidado na elaboração de suas metas e objetivos, pois faz-se necessário desenvolver seu
currículo baseado na heterogeneidade e não na homogeneidade.
110
4. CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA
Este capítulo apresenta o referencial teórico e o caminho percorrido para a construção do
objeto de pesquisa, bem como o campo de investigação, os procedimentos de coleta e análise dos
dados, as escolas e os sujeitos que participaram da investigação. Ressaltamos que o presente
estudo é de caráter qualitativo, com abordagem etnográfica. Esse tipo de pesquisa privilegia a
compreensão das práticas sociais a partir da perspectiva dos próprios sujeitos investigados, em
seu contexto particular.
4.1 O DESENHO DA PESQUISA: A ETNOGRAFIA COMO OPÇÃO METODOLÓGICA
A palavra etnografia foi cunhada no fim do século XIX para caracterizar cientificamente
narrativas e relatos realizados por viajantes sobre os povos não-ocidentais. O termo vem do
grego “graf(o)” e significa “escrever sobre” um tipo social particular — um “etn(o)”. Pode ser
definida, portanto, como a escrita sobre sujeitos ou determinados grupos sociais, com o objetivo
de compreender a cultura, as relações estabelecidas no interior de um grupo ou entre grupos
sociais.
Os primeiros estudos etnográficos foram realizados por antropólogos preocupados em
compreender sociedades desconhecidas e sua cultura — hábitos, valores, linguagens,
representações, crenças —, a partir das interações estabelecidas pelos sujeitos que a compunham
(CLINFFORD, 2002). Por cultura entendemos aqui as visões de mundo, os estilos, as histórias,
as expressões e os símbolos usados por um grupo, ou seja, seus conceitos e conhecimentos que
são transmitidos para as novas gerações (TEZANI, 2000).
Até meados do século passado, as pesquisas em educação enfatizavam análises
macrossociológicas de questões como, por exemplo, o acesso à escola e a origem social do
aluno, deixando de lado as diferentes dimensões do ambiente intra-escolar. Sob outra
perspectiva, as chamadas análises de interação focalizavam o estudo do contexto intra-escolar
para questões curriculares e de avaliação sob a influência da psicologia comportamental,
priorizando o comportamento de professores e alunos em sua interação.
Esse tipo de análise reduzia os comportamentos dos sujeitos a unidades passíveis de
tabulação e mensuração, sem levar em consideração o contexto social mais amplo em que se
situavam.
De acordo com André (1997), essa abordagem contribuiu pouco para a compreensão dos
fenômenos envolvidos no processo de ensino aprendizagem propriamente dito. Como alternativa
111
metodológica, deu-se um crescente diálogo com a antropologia, o que possibilitou uma
compreensão mais refinada das práticas pedagógicas realizadas dentro de determinada realidade
social.
Por seguir protocolos menos normatizados, a etnografia se tornou um importante
referencial metodológico para pesquisas da realidade escolar preocupadas com a compreensão
dos processos envolvidos no cotidiano dessas instituições.
A etnografia é também conhecida como pesquisa social, interpretativa ou analítica, e tem
como maior preocupação a descrição densa das ações e relações dos atores sociais pertencentes
ao grupo investigado. A mesma comporta e combina diferentes técnicas para a coleta de dados, a
saber: a observação participante, a realização de entrevistas, a análise de documentos, entre
outros, as quais possibilitam uma prática descritiva, densa e interpretativa das ações pertencentes
ao grupo investigado.
Como referencial teórico-metodológico, a etnografia permite descrever as relações e
processos configuradores da experiência cotidiana dos agentes envolvidos no contexto
investigado, por meio da relação direta entre o pesquisador e o pesquisado. Assim, possibilita
entender o dia-a-dia dessas relações, constituídas por “mecanismos de dominação e de
resistência, de opressão e de contestação, ao mesmo tempo em que são veiculados e reelaborados
conhecimentos, atitudes, valores, crenças, modos de ver e de sentir a realidade e o mundo”
(ANDRÉ, 1997, p. 41).
Em outros termos, a etnografia deve levar em conta o contexto social que existe além da
escola e da comunidade. Isto é, os dados da pesquisa etnográfica:
Não são coisas isoladas, acontecimentos fixos, captados em um
instante de observação. Eles se dão em um contexto flutuante de
relações: são fenômenos que não se restringem às percepções
sensíveis e aparentes, mas se manifestam em uma complexidade
de oposições, de revelações e de ocultamento (RAMPAZZO,
2002, p.60).
Nessa mesma direção seguem autores como Peirano (1995) e André (1997), para os
quais, inclusive, o reducionismo e a descontextualização, poderiam vir a comprometer a
credibilidade de toda uma linha de pesquisas educacionais com essa abordagem. Outrossim, é a
etnografia que melhor expressa e dá conta das relações e dos processos particulares estudados, é
conseqüência do trabalho teórico e não da matéria-prima para começar a fazê-lo.
Geertz (1989), aliás, já havia sinalizado este aspecto quando afirmou que as técnicas não
definem o empreendimento etnográfico, mas sim o tipo de esforço intelectual que ele representa.
Portanto, a falta de clareza sobre os princípios que norteiam a etnografia e a fragilidade do
112
referencial teórico utilizado na construção do objeto acabam levando muitos trabalhos a uma
análise simplista do “cotidiano pelo cotidiano”. Para André, os autores de trabalhos desse tipo:
Parecem acreditar que a mera coleta de dados de campo seja
suficiente para caracterizar um estudo etnográfico. Esquecem-se
de que não basta reproduzir o real, mas é preciso tentar reconstruí-
lo, o que só se torna possível quando há uma orientação, uma
proposta teóricometodológica a seguir (ANDRÉ, 1997, p. 6).
Feitas estas ressalvas, registramos que, como referencial teórico-metodológico, a
etnografia possibilita dar voz aos sujeitos observados. Por esta característica, Fontes, Pletsch &
Glat (2007) apontam que o uso de seus pressupostos em pesquisas educacionais sobre educação
inclusiva tem proporcionado uma compreensão mais acurada da realidade escolar e do processo
de ensino-aprendizagem de pessoas com necessidades educacionais especiais, permitindo,
inclusive, apontar caminhos para possíveis práticas alternativas.
Além disso, ao proporcionar o contato direto do pesquisador com a situação investigada,
permite um maior entendimento das relações e processos estabelecidos entre os sujeitos
participantes e os significados das ações presentes nas práticas escolares.
A partir do exposto, entendemos que a pesquisa etnográfica pode contribuir para
conhecer as práticas dirigidas para alunos com necessidades educativas especiais incluídas no
ensino comum de escolas públicas estaduais de João Pessoa. No entanto, Caivano (2001) adverte
que para falar do cotidiano escolar, “para ver o que acontece entre suas paredes, para saber de
suas alegrias anônimas e de suas inquietações ocultas, para captar tudo de belo e de atroz que
pode haver nelas”, deve-se saber olhar sem intermediários. Para ele, falar do cotidiano da escola
é falar da escola que realmente existe, “essa grande ou pequena escola em que atuam educadores
anônimos”, na maioria das vezes.
A escola pode ser pequena e remota, mas para muitos estudantes é o centro do mundo, é
o espaço onde a esperança sobrevive para muitas pessoas subjugadas pela pobreza e pela
ignorância, ambas filhas da injustiça e da opressão; a escola e seus protagonistas formam um
mural esculpido no mármore da coragem e do compromisso.
Portanto, o pesquisador não deve julgar os acontecimentos observados, mas compreendê-
los à luz das experiências e dos significados atribuídos pelos próprios sujeitos investigados e do
referencial teórico adotado. A este processo, Mattos (2004) chama atenção para a importância da
ética do pesquisador etnográfico que, muitas vezes, durante a análise dos dados enfatiza
demasiadamente o “produto” e não o entendimento do “processo”, do que está acontecendo no
contexto em estudo.
113
O contato direto do pesquisador, que traz consigo toda uma história de vida permeada por
valores, permite que o mesmo responda ativamente às circunstâncias que são encontradas ao
longo da pesquisa de campo. No entanto, como adverte André (1997), o pesquisador deve estar
ciente de que suas vivências e seus pontos de vista afetam a construção do objeto de pesquisa.
Por isso mesmo, deve alimentar certos procedimentos para que sua capacidade de análise não
saia prejudicada, como a permanente crítica de seus próprios pressupostos, a flexibilidade e a
sensibilidade.
A estas características, André (1997) acrescenta a tolerância à ambigüidade, ou seja,
saber conviver com as dúvidas e as incertezas; por último, destaca a habilidade de expressão oral
e escrita. Este aspecto para a autora é fundamental, pois muitas vezes o pesquisador faz um bom
trabalho de campo, os dados colhidos são ricos e significativos, mas ele não consegue expressar
pela escrita o que observou, ouviu e sentiu, relacionando com o referencial teórico adotado.
Além disso, pesquisas em escolas devem levar em consideração a subjetividade e as
singularidades individuais sempre de maneira relacional, isto é, a partir da sua interação com
uma coletividade, uma cultura, um dado contexto social.
Para tal, este estudo seguirá três orientações: a) estudar o contexto sempre da maneira
mais global possível; b) envolver os agentes investigados na pesquisa, ou seja, construir o
trabalho de forma que os participantes colaborem com a coleta de dados; c) revelar relações
significativas, a fim de impulsionar o diálogo entre teoria e empiria no curso da atividade de
pesquisa.
Assim, os dados serão analisados e entendidos não como idiossincrasias pessoais, mas
como práticas coletivas produzidas historicamente entre sujeitos em interação.
4.2. O UNIVERSO DA PESQUISA
Considerando-se que a problemática central do nosso estudo tem como foco central a
prática pedagógica dos professores das séries iniciais do ensino fundamental, numa perspectiva
inclusiva e emancipadora tomamos como campo de estudos duas escolas do ensino fundamental
da rede pública estadual de João Pessoa (que serão denominadas escolas A e B), de um total de
10 (dez) que trabalham com a proposta de educação inclusiva.
A escolha das escolas atendeu a alguns critérios tais como: a disponibilidade em receber
o pesquisador, disponibilidade para realização das entrevistas, localização geográfica, mas,
sobretudo, pelo fato dessas escolas fazerem parte do universo de escolas da rede estadual de
ensino que desenvolvem programas e práticas de educação inclusiva.
Para Cruz Neto (2003, p.52):
114
Definindo bem o nosso campo de interesse, nos é possível partir
para um rico diálogo com a realidade. Assim, o trabalho de campo
deve estar ligado a uma vontade e a uma identificação com o tema
a ser estudado, permitindo uma melhor realização da pesquisa
proposta.
Caracterizaremos a seguir, as escolas tomadas como lócus da pesquisa:
A escola A fica localizada no centro de João Pessoa e foi fundada em 1977. Essa
instituição de ensino funciona nos três turnos, sendo que, as turmas do 6º ao 9º ano são
disponibilizadas nos turnos manhã e noite, e as séries que vão do 1º ao 5º ano funcionam no
turno da tarde.
Em relação ao corpo técnico-administrativo, os profissionais estão distribuídos da
seguinte forma: 01 diretor, 02 diretores adjuntos e 48 professores. A equipe técnica pedagógica é
formada por 01 orientador educacional, 01 psicólogo, 02 supervisores e 01 coordenador
pedagógico.
Com relação a sua estrutura a escola possui 14 salas de aula, uma quadra poli-esportiva,
rampa para acesso interno atendendo as exigências mínimas dos padrões de acessibilidade,
banheiro feminino e masculino, secretaria, sala de professores, sala da coordenação e direção,
cozinha, sala de artes, auditório, laboratório de informática e biblioteca. O número total de
alunos/as por sala varia de 45 a 50.
A escola em discussão possui uma classe especial, onde os alunos com necessidades
educacionais especiais ficam até o 4º ano. Só a partir do 5º ano é que esses alunos (as) são
incluídos nas salas regulares. Atualmente a escola possui 10 alunos (as) com necessidades
educativas especiais.
A escola B localiza-se no Bairro dos Estados em João Pessoa. Fundada em 1975 a escola
é administrada por 01 diretor, 02 diretores adjuntos, 01 coordenadora pedagógica geral, 01 (um)
psicólogo, 02 (dois) supervisores educacionais e 200 professores.
A escola atende a 2.200 alunos/as, da educação infantil ao ensino médio. A educação
infantil e o ensino fundamental menor são oferecidos nos turnos manhã e tarde. A segunda fase
do Ensino Fundamental (do 5º ao 9º ano), também é oferecido nos turnos manhã e tarde. Já o
ensino médio é oferecido nos turnos manhã, tarde e noite.
O número máximo de alunos por turma é de 35 a 40, com exceção da educação infantil
que não pode ultrapassar o numero máximo de 25 alunos/as por sala. O índice de evasão escolar
é zero e o padrão de leitura dos alunos é classificado como internacional.
A escola oferece assistência a crianças portadoras de necessidades educativas especiais e
o projeto “Ande na Faixa certa”, para que o aluno tenha atividades complementares visando
superar suas dificuldades de aprendizagem em determinados conteúdos de ensino.
115
Todos os professores/as dispõem de um programa de capacitação e serviços, com 04
(quatro) horas semanais de atualização pedagógica. A escola tem se destacado como referencia
em educação pública de qualidade. Há treze anos a escola tem uma gestão participativa com o
apoio da comunidade. Os pais dos alunos (as), através de uma cooperativa, colaboram com a
administração.
Com relação a sua estrutura a escola possui 26 salas de aula, refeitório, cozinha, banheiro
feminino e masculino, duas salas de recursos, uma sala destinada para a classe especial, um
parquinho e um pátio central. No fundo da escola há outro pátio e, ao lado, uma quadra de
esportes, sala da direção, coordenação pedagógica e a secretaria, auditório, sala de artes,
laboratório de informática, biblioteca e sala de vídeo.
4.3 OS SUJEITOS DA PESQUISA
Constituíram-se participantes desta pesquisa 10 (dez) professores/as do ensino fundamental
I (1º ao 5º ano) de 02 (duas) escolas estaduais de ensino da cidade de João Pessoa.
Primeiramente, é importante explicitar que os protagonistas foram escolhidos de forma
intencional.
Escolhemos a amostra de pesquisa a partir da sua atuação com alunos/as com necessidades
educativas especiais, sendo 05 (cinco) da escola A e 05 (cinco) da escola B. Deste número, 08
(oito) são professoras e 02 (dois) são professores.
Para Richardson (1999), no que se refere a uma abordagem qualitativa, o importante não é
a quantidade de sujeitos envolvidos na pesquisa que atesta a validade dos resultados, mas é a
qualidade e profundidade das informações.
Iniciado o processo de coleta de dados, o nosso primeiro contato foi com as supervisoras
educacionais das escolas que prontamente se propuseram a conversar com os/as professores/as
para participarem da pesquisa.
Nesse sentido, julgamos essencial apresentar o perfil dos professores pesquisados, que foi
elaborado a partir de informações coletadas no primeiro momento de entrevista que ocorreu no
segundo semestre de 2011.
Na elaboração do perfil, consideramos relevante dados sobre a formação, situação
funcional na rede, experiência profissional, e algumas características das condições de trabalho.
Essa opção se justifica porque, segundo Tardif (2005, p. 115), ultimamente as pesquisas sobre
professores se baseiam demasiadamente em abstrações, sem levar em consideração fatos
simples, mas fundamentais, como o tempo de trabalho, a matéria a ser dada e sua natureza, os
116
recursos disponíveis, os condicionantes presentes, as relações com os pares, os saberes dos
agentes, o controle da administração escolar.
Para apresentar o perfil dos participantes da pesquisa, optamos por nomeá-los através de
números, para preservar o sigilo da identidade de cada um.
QUADRO 1
CARACTERÍTICAS DOS PROFESSORES
Participantes Idade/
sexo
Formação Série Turno Tempo de
magistério
Jornada de
trabalho
P1 40F Pedagogia
2º ano Manhã 19 anos 20h
P2
42F Pedagogia 3º ano
Manhã 20 anos 40h
P3
30F
Pedagogia
1º ano
Tarde
11 anos
20h
P4
38F
Pedagogia
1º ano
Tarde
15 anos
40h
P5
26F
Pedagogia
1º ano
Tarde
09 anos
20h
P6
40F
Pedagogia
4º ano
Manhã
19 anos
40h
P7
38F
Pedagogia
2º ano
Manhã
08 anos
20h
P8
29M
Pedagogia
3º ano
Tarde
04 anos
40h
P9
44F
Pedagogia
2º ano
Tarde
25 anos
40h
P10 40M Pedagogia
3º ano Tarde 15 anos 20h
Fonte: Questionário aplicado com os professores/as
117
Gráfico 1 – Distribuição por gênero
Feminino80%
Masculino20%
Sexo
Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011
Diante do Gráfico 1, pode-se observar pela síntese do perfil dos professores e professoras,
que 08 (oito) dos professores (as) são do sexo feminino e apenas 02 (dois) do sexo masculino, o
que comprova uma predominância do sexo feminino do magistério nas series iniciais do ensino
fundamental.
A feminização do mundo do trabalho acontece com mais ênfase em alguns setores da
economia, com baixa remuneração e status, ainda qualificando o trabalho feminino como um
complemento para a renda familiar e não como uma carreira à qual a mulher deve dedicar-se
como o homem faz. A educação é um destes setores onde a maioria dos trabalhadores é de
mulheres em sala de aula, secretarias e outros serviços no espaço da escola.
Para Hirata (2011), o magistério tornou-se uma profissão predominantemente feminina,
principalmente entre os professores das series iniciais. Segundo a autora, o conceito de
feminização do magistério não se refere apenas à participação maciça das mulheres nos quadros
docentes, mas também à idéia de adequação do magistério as características associadas
tradicionalmente ao feminino, como o cuidado, o carinho, o instinto materno, além do fato de
conciliar as tarefas domesticas com as atribuições da docência.
Em sala de aula, observamos que nas séries iniciais do ensino básico e fundamental I e II
a grande maioria é de professoras. No ensino médio, onde os salários são maiores, os homens
ocupam mais espaço.
118
Oscilando entre a permissão e as conquistas a mulher ocupou os espaços públicos e a
escola é um destes lugares apropriados por trabalhadoras que enfrentam muitas dificuldades no
seu cotidiano tanto no trabalho como nos espaços fora dela.
Em levantamento realizado, constatamos a feminizacão do trabalho docente, com dados
que chegam a 90% do corpo docente composto de mulheres em sala de aula e os números
aumentam quando inserimos os dados de trabalhadoras em outras áreas na Escola – como
secretarias, limpeza, cozinha, etc.
Contudo, contar com a participação de mulheres ou de homens na atividade de
professoras e professores é pensar em uma pequena parte das dimensões simbólicas da realidade
educacional. Qualquer momento da vida educacional de uma criança pode permear uma
realidade de trabalho a uma pessoa do sexo feminino quanto masculino, pois as dimensões de
feminilidade criadas socialmente, o cuidado, a emoção, a sensibilidade, podem estar presentes
em qualquer pessoa.
As escolas não são meras instituições receptoras de práticas da sociedade como
masculinidades e feminilidades, que transportadas para seu interior condicionam sua realidade,
elas produzem significados que contribuem com o processo de formação dos indivíduos, da
infância a vida adulta.
Assim, torna-se tarefa importante do professor refletir e avaliar, as concepções de
educação historicamente construídas e atualmente vigentes, revelando as dimensões conflituosas
vivenciadas por professoras e professores, na perspectiva da construção de relações mais justas e
solidárias.
Gráfico 2 – Distribuição por idade
12%
19%
13%
25%
31%
Idade
Entre 20 e 25 Entre 26 e 30 Entre 31 e 35 Entre 36 e 40 Entre 41 e 44
Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011
119
Em relação à faixa etária dos professores/as entrevistados/as há uma variação entre 26 a
44 anos. Contudo, percebe-se a predominância de profissionais com faixa etária entre 36 a 44
anos, o que representa juntos 56% dos educadores.
Gráfico 3 – Distribuição por experiência no magistério
37%
63%
Distribuição por experiência no magistério
Professores com mais de 10 anos Professores com menos de 10 anos
Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011
Verificamos, ainda, que 06 (seis) professores tinham mais de 10 (dez) anos de
experiência em escolas públicas, 63% dos professores/as. Ainda, sobre a experiência no
magistério, apenas 03 (três) professores tinham menos de 10 (dez) anos de atuação no espaço
escolar público, o equivalente a 37% dos profissionais.
120
Gráfico 4 – Distribuição por formação acadêmica
100%
Distribuição por formação acadêmica
Habilitados à sala de aula
Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011
Quanto à formação acadêmica, todos os 10 (dez) entrevistados tinham formação em
nível superior e estavam habilitados para ensinar nas séries iniciais do ensino fundamental.
Em nome de uma formação geral e específica de qualidade defendemos a ideia de
formação voltada para os conteúdos, métodos, técnicas e recursos específicos a cada tipo de
modalidade de ensino. Estamos convictos de que a inclusão escolar, não pode ocorrer de forma
ingênua e descompromissada, uma vez que existe uma legislação que lhe garanta o direito de ter
acesso e permanência a um ensino de qualidade.
Este fato está em consonância com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96, em seu
capítulo VI artigo 62, que define a formação de docentes para atuar na educação básica em nível
superior, em curso de licenciatura plena, em universidades e institutos superiores de educação.
121
Gráfico 5 – Distribuição por jornada de trabalho
50%50%
Distribuição por jornada de trabalho
Dupla Jornada de trabalho 20 horas aulas
Fonte: Primária, João pessoa - PB, 2011
Com relação à jornada de trabalho, como aparece no Quadro I supracitado, constatamos
através do questionário que, todos os professores/as pesquisados/as cumpriam com as horas-aula
semanais recomendadas pela LDB/ Lei 9.394/96 capítulo IV em seu artigo 13 inciso V e pela Lei
nº 891/2004 que delibera a carga horária de 20 (vinte) horas semanais de efetivo exercício em
sala de aula e 05 (cinco) horas de planejamento pedagógico. Além da jornada de trabalho
dispensada às respectivas escolas-campo, 05 (cinco) professores (as) declararam que
trabalhavam em mais duas instituições de ensino, exercendo a função de professor/a com 20h
semanais em cada uma das escolas. Desse modo, percebemos que do grupo de 10 (dez)
professores/as entrevistados 05 (cinco) cumpriam uma dupla jornada de trabalho, equivalendo,
aproximadamente, a 40 (quarenta) horas semanais de trabalho em sala de aula.
Estas informações expressam uma realidade que caminha contrariamente ao texto da
LDB, no seu Título VI, especialmente, no art. 67, que trata da valorização dos profissionais da
educação. Inclusive, nos incisos que o compõe, definem um conjunto de direitos: formação
continuada, piso salarial profissional, progressão funcional, período destinado a estudos e
condições adequadas de trabalho. No entanto, as situações materiais nas quais esses profissionais
122
se inserem, não refletem o conjunto de direitos idealizados por essa Lei. Pois, uma das
prioridades da Lei de Nº 9.394/96, é a valorização do magistério, incluindo também, a
valorização salarial.
A despeito disso, reportamo-nos a um estudo sobre as políticas públicas para o ensino
fundamental, onde Coraggio (2003) analisa e discute as políticas sociais, particularmente, as
educativas. Nesse estudo, o autor esclarece que as políticas públicas educacionais passaram por
um processo cruel de reformas, do ponto de vista social e educacional. As conseqüências desse
processo – alimentado pelo modelo de desenvolvimento social neoliberal – acarretaram para os
setores da sociedade civil, e aqui focalizamos o setor educacional escolar, profundas perdas de
direitos sociais para os professores do ensino público brasileiro: O que significou, entre muitos
efeitos, o enfraquecimento da profissionalidade dessa categoria; crescentes perdas salariais,
precárias condições de trabalho, imobilismo sindical e descrédito social.
De acordo com Giroux (1988), essa realidade representa a proletarização do
professorado, que resulta, pelas próprias circunstâncias materiais e culturais, no desaparecimento
crescente de um trabalho intelectual de grande importância para a resistência e a mobilização
contra as atuais formas hegemônicas de poder.
4.4 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA
Para atingir os objetivos desta pesquisa, seguimos os pressupostos descritos por André
(1997) e dividimos o trabalho em três fases distintas, mas interligadas.
Na primeira fase, realizamos uma leitura ampla da literatura especializada sobre o tema e
o contexto estudado. Esta fase foi fundamental para a formulação do problema de pesquisa e a
construção do “olhar” que orientou o trabalho de campo. Nesta fase nasceram os
questionamentos e as principais categorias de trabalho. Também foram realizados os primeiros
contatos e reuniões com a equipe técnica das escolas para obtermos a autorização necessária à
realização do estudo. Para escolha das escolas, além de levarmos em consideração o fato das
mesmas estarem inseridas em programas de atendimento a sujeitos com necessidades educativas
especiais, levamos em consideração a motivação e o interesse dos professores/as em participar
de nossa pesquisa. Mantivemos também o foco do estudo restrito ao 1° segmento do Ensino
Fundamental, pois é justamente nesse nível de ensino que o aluno ingressa na cultura escrita, que
concentra o processo de exclusão escolar.
A segunda fase consistiu no trabalho de campo propriamente dito. Utilizamos como
técnicas de coleta de dados a observação, a entrevista semi estruturada, a análise de documentos
e a aplicação de questionário que foi aplicado como fonte secundária, cumprindo com o objetivo
123
restrito de caracterizar o perfil dos envolvidos na investigação. O trabalho iniciou-se em março
de 2011 e seu término aconteceu no mês de novembro desse mesmo ano.
Para a coleta de dados seguimos os procedimentos a seguir.
4.4.1 Observação participante
A observação direta e constante da realidade, bem como a aproximação com os atores nos
contextos sociais investigados, tem sido considerada uma importante técnica para a pesquisa
científica. Na etnografia, a observação participante é o principal instrumento de investigação e
tem no pesquisador o agente fundamental, a quem cabe selecionar, interpretar, sentir e articular o
conjunto de fenômenos observados em campo. Diz-se “participante” porque o pesquisador
sempre interage, em maior ou menor grau, com a realidade que se propõe a conhecer. Ao mesmo
tempo em que o pesquisador se envolve com os sujeitos observados, “deve também desenvolver
certa alteridade, estranhamento, de modo a não influenciar o quadro de relações e
comportamentos já estabelecidos com as suas posições teóricas e ideológicas” (PLETSCH, 2005,
p. 47). Isto requer que o pesquisador lide com as opiniões e percepções, reconstruindo-as a partir
das observações de campo, sem ignorar as experiências pessoais, mas tomando como apoio o
referencial teórico para entendê-las. É o momento de dialogar entre o vivido em campo e o
referencial teórico adotado.
A este respeito, Fontes, Pletsch & Glat (2007) sugerem que o pesquisador saiba delimitar
a questão da objetividade em relação à sua participação no universo de pesquisa, pois a
participação do pesquisador no grupo investigado pode gerar equívocos em sua forma de
compreensão do objeto, que também é sujeito do estudo, levando-o a substituir revelações
originadas no campo por opiniões particulares preexistentes. Para essas autoras, saber trabalhar
com o envolvimento e a subjetividade, mantendo o necessário distanciamento que requer um
trabalho científico, é um grande desafio. Ainda segundo elas, isto não deve ser lido como
sinônimo de neutralidade científica, mas sim de rigor acadêmico.
O julgamento, a sensibilidade e a tolerância à ambigüidade pelo investigador são os
melhores instrumentos para captar a complexidade e a polissemia dos fenômenos educativos,
bem como para se adaptar às mudanças e ao surgimento de acontecimentos imprevistos. Como
lembra Geertz (1999, p. 14), a observação participante não ocorre de forma linear, mas sim por
“vias tortuosas, desvios e ruas estreitas, pois o trajeto não está mapeado a priori e, por isso, não
se pode esperar caminhar por uma estrada reta, onde se anda incansavelmente para frente”.
Os registros ou notas de campo sobre os diferentes momentos da pesquisa, incluindo
indagações, bem como gestos e olhares presentes na subjetividade observada nos atores sociais,
124
foram registrados em diário de campo. Essas informações foram anotadas de forma sucinta
durante as observações e, após o retorno do campo, sistematizadas e transformadas em diários de
campo, conforme orientações de Bogdan & Biklen (1994).
O diário de campo é imprescindível para relembrar acontecimentos e a seqüência dos
fatos. A releitura do diário das observações de campo, nas palavras de Tura (2003, p. 189), “é
um mergulho profundo na vida de um grupo com o intuito de desvendar as redes de significados,
produzidos e comunicados nas relações interpessoais. Há segredos do grupo, fórmulas, padrões
de conduta, silêncios e códigos que podem ser desvelados”.
Partindo desses princípios, as observações foram realizadas em diferentes momentos e
espaços da vida escolar, como: a sala de aula (observamos a relação entre os alunos, entre
professor e aluno, quais atividades eram propostas e como os alunos respondiam a estas
atividades), o conteúdo em foco (currículo), o interesse dos alunos pelas atividades, os recursos
usados. Também observamos as discussões em reuniões, o trabalho realizado pela gestão escolar
e aspectos arquitetônicos da escola.
Cabe apontar que a relação de confiança e troca estabelecida com os participantes da
pesquisa foi fundamental para realização do nosso trabalho.
4.4.2 Análise documental
A análise documental constitui uma técnica importante na pesquisa qualitativa, “seja
completando informações obtidas por outras técnicas, seja desvelando aspectos novos de um
tema ou problema” (LUDKE & ANDRÉ, 1986, p. 38). Para essas autoras a vantagem da coleta
de dados via documentos:
Constituem uma fonte estável e rica. Persistindo ao longo do
tempo, os documentos podem ser consultados várias vezes e
inclusive servir de base a diferentes estudos, o que dá mais
estabilidade aos resultados obtidos; constituem também uma fonte
poderosa de onde podem ser retiradas evidências que
fundamentem afirmações e declarações do pesquisador;
representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são
apenas uma fonte de informação contextualizada, mas surgem num
determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo
contexto (LUDKE & ANDRÉ, 1986, p. 39).
Neste estudo foram analisados o conjunto de documentos que norteiam as práticas
educativas e políticas públicas voltadas para inclusão de alunos com necessidades educacionais,
tanto no âmbito nacional quanto local. O corpus documental foi composto por documentos
normativos e documentos orientadores. Os primeiros são aqueles considerados com status de lei.
125
Os segundos compreendidos como aqueles que são publicados em nível nacional e internacional
com a função de estabelecer propostas sobre as diferentes questões educacionais (GARCIA,
2004, 2007).
Além disso, a pesquisa documental levou em conta, ainda, os documentos produzidos
pelas instituições escolares investigadas, tais como o projeto pedagógico, relatórios de
professores, fichas de alunos, atas de reuniões, e outros encontrados no decorrer da pesquisa.
4.4.3 Entrevistas semi-estruturadas
Na pesquisa etnográfica as entrevistas representam um importante instrumento de coleta
de dados. A interação com o sujeito pesquisado durante a entrevista é essencial para que o
mesmo se sinta seguro e a vontade para falar. Na concepção de Cruz Neto:
A entrevista não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se
insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto
da pesquisa que vivenciam uma determinada realidade que está sendo focada.
(CRUZ NETO, 2003, p. 57).
Em etnografia, comumente se realizam entrevistas abertas, que acontecem de maneira
informal, sem um roteiro rígido pré-estabelecido, permitindo, assim, o depoimento espontâneo
do entrevistado.
No entanto, em função dos objetivos delimitados, realizamos entrevistas semi-
estruturadas, cuja intenção era a de coletar os depoimentos dos professores sobre o processo de
organização do conhecimento na escola, o entendimento acerca do papel de educador na
organização do conhecimento, bem como as concepções sobre inclusão e currículo. As perguntas
foram formuladas previamente, seguindo um roteiro de questões bem definido, ainda que
relativamente flexível. Vale ressaltar que todos os roteiros das entrevistas semi-estruturadas
foram construídos a partir das informações recolhidas no decorrer das observações de campo.
Todas as entrevistas foram previamente agendadas, gravadas e posteriormente transcritas na
íntegra. Para Richardson (1999, p.218) “Transcrever é um trabalho cansativo e tedioso, mas
enormemente útil. Permite estudar cada entrevista e fazer uma análise preliminar dos resultados
alcançados”.
4.4.5 Análise dos dados
A análise das informações colhidas em campo ocorreu de modo constante durante toda a
investigação. Essa conduta permitiu definir prioridades, como, por exemplo, que eventos deviam
126
que ser mais observados e quem devia ser entrevistado. No entanto, a análise formal e
sistemática teve início somente após o fim da coleta de dados. Nesse momento, o distanciamento
temporário do campo foi importante para que construíssemos um fio condutor que desse
coerência teórica à análise das informações colhidas.
A leitura e releitura das notas de campo, entrevistas e documentos possibilitaram
confirmar as diferentes inferências registradas no diário de campo, bem como analisar as
recorrências e discrepâncias nas ações dos sujeitos observados. O entrecruzamento e a
comparação entre os diferentes registros e fontes de dados, denominada de triangulação, serviu
para checar e validar os dados obtidos para comparar e estabelecer relações entre as informações
coletadas.
Com base na triangulação dos dados foi possível detectar as divergências entre os
mesmos, os pontos de tensão, as contradições e as expressões de um modo singular de ser, de
pensar ou agir. Em síntese, a triangulação “dos métodos de recolha de informação, bem como a
multiplicação das fontes, obedece ao duplo requisito da abrangência dos processos de pesquisa e
da confirmação de informação” (SARMENTO, 2003, p.157).
Para analisar os dados, utilizamos a técnica conhecida como análise de conteúdo,com
base no referencial de Bardin (1977), Minayo (2000), Pletsch (2005) e Glat (2008). Segundo
esses autores, a análise de conteúdo abrange as seguintes fases: pré-análise, exploração do
material e interpretação dos dados.
A pré-análise é a fase da organização e sistematização dos dados em que ocorre uma
retomada dos objetivos iniciais da pesquisa em relação ao material coletado, bem como a
elaboração de indicadores que orientarão a interpretação dos dados.
Na fase de exploração do material, a mais longa da análise, todos os dados “brutos” da
pesquisa foram codificados para que fosse possível uma maior compreensão do material. Ou
seja, o material foi organizado em núcleos temáticos que originaram, por sua vez, as categorias
temáticas de análise: Inclusão, Prática educativa e Currículo.
A análise foi realizada a partir da triangulação dos dados coletados na observação
participante, nas entrevistas semi-estruturas e na leitura dos documentos. Para tal foram
realizadas inúmeras leituras e releituras de todos os dados coletados. Os dados coletados foram
continuamente confrontados com o referencial teórico estudado.
Apresentaremos a seguir a análise dos dados da pesquisa, procurando cotejar a relação
entre inclusão, o currículo e o processo de ensino-aprendizagem.
127
4.5 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
No que se refere à política de inclusão de pessoas com necessidades educacionais
especiais em classes comuns, apesar de concepções contraditórias e, muitas vezes, negativas
sobre as possibilidades dos alunos, ambas as escolas mostraram-se favoráveis, mas apontaram
diversas dificuldades. As falas selecionadas a seguir evidenciam esse aspecto:
QUADRO 2
PROFESSOR Quando perguntados acerca do seu entendimento sobre educação
inclusiva, os professores/as responderam.
P1
A inclusão é uma inovação, cujo sentido tem sido muito distorcido e um movimento muito
polemizado pelos mais diferentes seguimentos educacionais e sociais. No entanto, inserir
alunos com déficits de toda ordem, permanentes ou temporários, mais graves ou menos
severos no ensino regular nada mais é do que garantir o direito de todos à educação e assim
diz a constituição.
P2
Eu vejo a inclusão de forma complicada, porque na prática não é uma inclusão. Na verdade
o aluno está sendo colocado na sala de aula, mas o professor não está dando condições nem
realizando atividades dirigidas diferentes para que esse aluno se desenvolva junto com os
outros alunos. Você se quer tem condições de dar apoio a esse aluno, nem viabiliza as coisas
para esse aluno e ele acaba sendo excluído dentro da própria sala de aula.
P3
A inclusão, tudo bem, é muito legal as pessoas terem uma mesma oportunidade, mas para
quem está vivendo a inclusão e tem que participar da inclusão fica muito difícil porque é o
professor com aquilo que ele sabe, com aquilo que ele aprendeu que é muito pouco,
tentando dar uma oportunidade para crianças que precisam de alguma coisa específica, de
uma situação específica, de uma forma específica e eu não me sinto apta para fazer isso.
Essa é a minha questão. Entendo o que é a inclusão, mas a forma que está sendo feita que eu
não sei...acho que precisaria estar preparada.
P4
Eu acredito que incluir é você acrescentar, é você colocar mais um em algum lugar. Incluir é
colocar alguém que tem certa dificuldade na aprendizagem, na escola para aprender com os
mesmos objetivos que os outros. Incluir é diferente de integrar. Não estou sabendo me
expressar bem, eu acho que incluir é diferente de integrar. Incluir é mais profundo vai além
do que interagir e integrar é mais momentâneo. Incluir é mais permanente.
P5
Incluir é colocar alguém em algum lugar, porém nem professor não está capacitado para
receber aquele aluno com necessidades educativas especiais, não está em condições
pedagógicas. Então fica difícil determinadas inclusões. Você trabalhar com os ditos normais
hoje já é difícil, imagina com um aluno com deficiência.
P6 É o tipo de educação que usa a integração dos alunos especiais ao ensino regular, isto é,
incluí-los integralmente na sociedade.
P7
É a experiência de disseminação do conhecimento a ampla, procurando abranger e alcançar,
indistintamente, cada sujeito do processo ensino – aprendizagem.
P8
Vejo a inclusão como fajuta, pois não temos o mínimo necessário para trabalhar. Cada vez
mais são mais exigências para preencher papéis e relatórios de toda ordem.
P9
Eu vejo a inclusão de forma positiva para os alunos que tem dificuldades, como é o caso dos
alunos com necessidades especiais. Mas, por outro lado, nos professores temos uma
dificuldade muito grande para trabalhar com eles por conta da estrutura mesmo, de apoio
pedagógico. Enfim, mas assim olhando para o lado do aluno, principalmente o lado social e
afetivo. Acho muito importante a inclusão, pois possibilita a eles terem a oportunidade de
conviver com os outros alunos que não tem as mesmas dificuldades.
P10
Entendemos que, com a educação inclusiva a tendência é diminuir cada vez mais o índice de
discriminação em relação aos deficientes físicos e dessa forma construirmos um mundo
melhor.
Fonte: Os questionários aplicados com os professores
128
Podemos depreender das falas acima, que apesar da posição favorável à inclusão, os
professores/as denunciaram as inúmeras dificuldades que vivem no seu dia-a-dia.
Alegaram os professore/as que não recebem o suporte pedagógico necessário para atender
às demandas instauradas com a inserção de um aluno com necessidades educacionais especiais
em sua sala de aula. Reconhecem que tais alunos deveriam participar das atividades escolares e
se beneficiar dos conteúdos ali ministrados, por meio de atividades diferenciadas, e não apenas
se resumirem a ter o convívio social. Assim, o uso de estratégias e recursos diversificados é um
dos aspectos centrais para a inclusão.
Os professores/as apontaram ainda que se sentiam despreparadas para a tarefa pedagógica
com esses alunos. No entanto, parece continuar sendo um dos maiores obstáculos ao processo de
inclusão.
Outro aspecto presente nas diferentes falas durante a pesquisa e apontado por uma das
entrevistas é a diferença entre integração e inclusão. Os referidos termos eram usados
recorrentemente pelos participantes da pesquisa como sinônimos. Em conversa informal, uma
das participantes explicou que essa “confusão” do uso de um e de outro está relacionado com as
diretrizes oficiais que continuam usando o termo integração e não inclusão.
Em relação ao conceito educação inclusiva, os entrevistados apresentaram respostas
parecidas (Tab. 1) e, assim como no trabalho de Costa (2010), percebeu-se que houve uma
mistura de ideias sobre educação especial e integração escolar. Para Costa (2010),
Os conceitos de integração e inclusão ainda geram muitas polêmicas no meio
acadêmico, principalmente pelo fato de alguns autores os contraporem e outros
acreditarem que se complementam. A confusão entre os conceitos se faz quando
atribuem à educação inclusiva o processo de inserir o aluno com necessidade
educacional especial no espaço de aula regular, tendo que para isso adaptar-se. Basta
inseri-lo. Isso cria a ilusão que estão em correspondência com preceitos inclusivos.
Os professores entrevistados consideram a inclusão um problema e um dever da
sociedade, que deve proporcionar às pessoas com necessidades especiais apoio, educação,
aprendizagem, formação, atuação, desenvolvimento, preparo e atendimento de suas
necessidades.
É possível observar na fala de alguns professores que apesar das dificuldades e dos
problemas, os alunos devem ser respeitados por suas potencialidades e diferenças. Os
professores demonstram a compreensão de que o modelo educacional padronizante e arbitrário
que considera os iguais como “normais” e os diferentes como “anormais”, torna difícil falar em
educação inclusiva sem a ruptura e uma transformação radical de um modelo de escola que não
respeita as diferenças. A esse respeito Carmo (2005) considera que as escolas públicas e
129
privadas, na forma como se apresentam, historicamente, tem cumprido, dentre outras funções, a
de perpetuar as desigualdades sociais.
A educação inclusiva exige do professor uma mudança de postura, no sentido de redefinir
seu papel, que é fundamental no desenvolvimento de seu aluno. O educador deve aprender a
respeitar o seu aluno, seus interesses e desenvolver suas atividades a partir disso: ouvindo,
formulando desafios e situações novas acompanhando seu processo de desenvolvimento, não se
direcionando aos seus interesses. O professor que trabalha em sala de aula numa perspectiva
inclusiva e emancipadora deve oferecer aos seus alunos oportunidades diárias para pensar,
refletir e evoluir em direção ao pensamento lógico.
Conviver e reconhecer as deficiências e as diferenças é um grande desafio, aceitar que
somos diferentes e quebrar os velhos paradigmas da educação, para atender as necessidades
individuais de todos os educandos tenha ou não necessidades educativas especiais. A educação
inclusiva possui uma filosofia que defende a educação acessível para todos, e as escolas
enquanto comunidades educativas devem satisfazer as necessidades de todos os alunos. A
inclusão surge no momento em que à teoria e a pratica pedagógicas não estavam dando certo. É
preciso aceitar a diferença, marca indelével de cada individuo. (FELTRIN, 2004, p. 48)
A escola com seus profissionais devem assumir este compromisso, acreditando que as
mudanças são possíveis desde que haja uma transformação nos atuais moldes do ensino, sendo a
escola uma das instituições (senão a principal) responsável pela construção desta sociedade,
atendendo a todos indiscriminadamente.
Claro que não queremos aqui afirmar que esse processo ocorrerá de maneira fácil, sem
maiores complicações. Os desafios são muitos, os paradigmas a serem superados são
indefinidamente complexos, mas necessariamente possíveis. Para isso, um grande passo foi
dado: muitas escolas tem empenhado esforços significativos nessa direção.
A Constituição Federal de 1988 significou um grande avanço em termos educacionais no
Brasil, pois garante e propõe avanços significativos para educação escolar, vislumbra a cidadania
e a dignidade da pessoa humana (art.1º,incisos II e III) como um dos seus fundamentais fins: a
promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras
formas de discriminação( art. 3º, inciso IV) e também garante o direito a igualdade ( art.5º) e
trata no artigo 205 e seguintes , do direito de todos à educação . Esse direito deve destacar "o
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a cidadania e sua qualificação para o
trabalho". Além disso, prevê igualdade de condições, acesso e permanência na escola "(art.206,
inciso I). A Convenção de Guatemala, datada de 28 de maio de 1999, prevê a eliminação de
todas as formas de discriminação contra pessoas com deficiência e o favorecimento da sua
130
integração na sociedade, define a discriminação e dá outras providências. Há ainda a Declaração
de Salamanca datada de 1994 que é considerada mundialmente como um dos mais importantes
documentos que visam à inclusão social.
Tornar realidade a educação inclusiva, por sua vez, não se efetuará por decreto. Devem
ser avaliadas as reais condições que possibilitem a inclusão planejada, gradativa e continua.
Deve ser gradativa por ser necessário que tanto a educação especial como o ensino regular
possam ir adequando-se á nova realidade educacional, construindo políticas, práticas
institucionais e pedagógicas que garantam o incremento da qualidade do ensino, o que envolve o
desenvolvimento de competências por parte do professor articulados aos diferentes saberes
exigidos para uma prática docente de qualidade comprometida com a inclusão e a emancipação
social dos sujeitos escolares.
Espera-se que a escola seja um espaço vivo de formação para todos. Neste contexto, um
ambiente verdadeiramente inclusivo requer políticas públicas de educação direcionadas à
inclusão, além de educadores envolvidos seriamente com as mudanças, mostrando que a inclusão
é um momento de ganhos para professores e para comunidade escolar como um todo.
Claro que tais mudanças de perspectiva exigem muito mais do que ir à escola e fazer o
que se faz todo dia do mesmo jeito. Uma prática significativa, que desenvolve uma educação
baseada na diversidade e na superação de limites, envolve respeito às diferenças tanto em sala de
aula, quanto fora dela. A escola é apenas o ponto de partida para a ação maior que é chamada de
inclusão.
À instituição escolar, precisa da ajuda dos pais e de toda a comunidade local, para formar
uma rede de apoio de modo a fazer o melhor por estes educandos. Desde o desenvolvimento de
suas potencialidades até o pleno desenvolvimento da sua cidadania.
Enfim, a escola inclusiva é aquela que acomoda todos os alunos independentemente de
suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas, sendo seu principal desafio
desenvolver uma pedagogia centrada no aluno.
QUADRO 3
PROFESSOR Quando perguntados acerca de quais práticas curriculares os
professores devem implementar frente aos desafios da educação
inclusiva
P1
Olha, na minha prática encontro muita dificuldade até pela nossa própria formação, a gente
não é preparada para trabalhar com essas crianças e nem as crianças que estão sendo
incluídas e nem as crianças com algumas deficiências de aprendizagem, déficit de
concentração, a gente não tem essa preparação. Então, na verdade, nós ficamos tentando
correr atrás do prejuízo sozinha, praticamente.
P2 O meu trabalho é desenvolvido na medida do possível, de modo comum a todos, tentando
adaptá-lo da melhor forma à necessidade específica do aluno com a ajuda da coordenação.
Para mim só deveria ser incluída na escola regular a criança que tivesse completa
131
P3 capacidade, igual aos outros de nível intelectual. Trabalhar com essa diversidade de alunos
sobrecarrega demais o professor.
P4
Acho que a inclusão depende do que pensa e faz o professor que vai trabalhar com o aluno
com necessidades educacionais especiais. Esse ano ele pode não aprender nada, mas no ano
que vem troca de professora, uma que investe nele, que acredita nesse sujeito, que tem um
olhar, aí ele caminha, ele se desenvolve, vai embora.
P5
Em meu dia-a-dia em sala de aula procuro nunca isolar a criança deficiente, pelo contrário,
procuro inserí-la dentro da turma. A minha prática com o aluno com necessidades
educativas especiais não muda muita coisa não, eu simplesmente faço com que esses alunos
se sintam a vontade e sejam eles mesmos. Isso é muito importante. Na minha prática
curricular procuro articular os conhecimentos dos livros didáticos com a realidades de vida
dos alunos.
P6 A gente precisa conhecer todo histórico da criança, para que a gente possa trabalhar com ela
em sala de aula. Então a gente vai fazendo as adaptações curriculares. Muitas vezes a gente
precisa trabalhar muito a socialização em sala de aula, porque às vezes, ela chega na escola
e não consegue se agrupar aos coleguinhas.
P7
Em sua prática curricular o professor precisa ter a consciência que ele é um instrumento de
transformação, ele é um facilitador. Ele contribui para que o conhecimento fique mais
significativo a cada dia para o aluno.
P8
Mostrando para os alunos que o que eles trazem de casa tem importância. Os professores
têm um papel primordial. Os alunos veem os professores como um modelo, um exemplo.
P9
Levando os alunos a refletirem sobre a realidade, questionando, opinando, criticando por
meio de debates, leituras reflexivas para formarmos cidadãos preparados para reivindicar
seus direitos e exercer coerentemente seus deveres. Essa prática educativa deve ser realizada
constantemente para que o desenvolvimento do educando seja completo e possa desarticular
essa atual realidade brasileira, onde o poder e as riquezas estão centralizados nas mãos de
poucos.
P10
Minha prática curricular está centrada no aluno, pois é preciso compreender que temos de
criar várias formas de ensinar. Acolher independente do aluno. Acima de tudo amar e
respeitar sem preconceito. A palavra “inclusão” é um sinônimo de amar.
Fonte: Os questionários aplicados com os professores
Iniciamos este tópico com as falas das professoras quando questionadas sobre o que
pensavam sobre suas práticas curriculares no processo de escolarização dos seus alunos e
particularmente dos alunos considerados com necessidades educativas especiais.
A partir das falas das professoras é possível depreender diferentes concepções sobre as
práticas curriculares e sobre as possibilidades de aprendizagem oferecidas aos seus alunos. Mais
uma vez a falta de conhecimentos e a “adaptação” das atividades para atender ao aluno especial
são apontadas.
Através da análise do depoimento da professora P2, percebemos uma forte tendência a
não inserção de si mesmo como sujeito da sua própria prática educativa. Quando em seu
pronunciamento fica demarcado que é preciso haver uma ajuda da coordenação para a prática
educativa, ele remete a responsabilidade na condução do seu pensar-fazer educativo a outrem.
Para Giroux (1985) a atividade dos professores e das professoras não pode ser vista como
uma ação meramente técnica, burocrática e burocratizante, mas como uma atividade de natureza
crítica, indagadora, a serviço do desenvolvimento de processos que contestem as relações de
132
poder presentes nas relações sociais e educacionais e, posicionem os sujeitos na luta pela
autonomia e liberdade.
Diante disso, é oportuno desde já, colocarmos que os textos dos demais professores e
professoras entrevistados apontaram pistas para o desenvolvimento de uma prática educativa que
se aproxima como uma direção política e cultural. Os demais professores e professoras, através
dos depoimentos colhidos nas entrevistas, retrataram a sua atividade profissional numa
perspectiva inclusiva atribuindo-lhe um caráter formador e transformador, o que nos leva a
entendê-la como uma prática em permanente movimento.
Evidenciaram-se nas impressões relatadas por esses profissionais, que as perspectivas de
mudanças no processo de organização do conhecimento escolar, imerso na prática educativa,
requerem essencialmente a presença dos alunos e alunas. Assim, Freire (2010, p.25) nos
confirma que “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das
diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro”.
Nesta forma de compreender a prática educativa, os sujeitos envolvidos nela mantêm
uma relação dialética, parafraseando o autor: quem forma os/as alunos/as se re-forma e se forma
no processo de formação, ao mesmo tempo, quem é formado forma-se e forma, também, o
formador. É sob esse ponto de vista que a prática educativa é uma relação formadora e
transformadora.
Apenas um docente atribui à concepção de educação inclusiva o amor. Costa (2010)
defende que com a perda de consistência dos discursos e falta segurança na representatividade da
educação inclusiva há um apelo emotivo e afetivo onde se conclui que a educação inclusiva é
uma atividade de amor. De acordo com a autora “as dificuldades sucumbem ante a nobreza do
sentimento” e isso se dá porque ainda imagina-se “uma docência revestida de amor e cuidado”
como nos tempos de outrora. Ainda assim, alguns dos participantes do trabalho de Costa (2010)
acreditam que para lidar com alunos com necessidades educacionais especiais é inevitável amá-
los, uma vez que “é preciso muita paciência, dedicação, cuidado”.
Logo, remete-se à reflexão apresentada no título deste trabalho: os docentes estão ou não
preparados para trabalhar com a educação inclusiva? Mesmo que no decorrer de alguns anos
tenha-se notado um fortalecimento no processo de inclusão, há muito a evoluir e entre tantos
fatores, concorda-se com Sant’Ana (2005) que defende um reajuste na formação docente e Silva
(2009) que afirma que o desenvolvimento da inclusão educacional “só pode ter bons resultados
se forem feitos por meio da qualificação profissional”. Dessa forma, a ampliação e continuidade
dos cursos de capacitação são indispensáveis para a preparação dos educadores – agentes que
atuam diretamente no processo de inclusão social. Investimentos em tecnologias e em e materiais
didáticos não devem ser descartados.
133
O que se espera é que o corpo docente esteja preparado para o trabalho da inclusão
educacional e principalmente, em acordo com Silva (2009), “que com a educação inclusiva
sejam abandonadas definitivamente as barreiras seletistas de aprendizagem” e que o meio social
se adapte ao aluno incluído ao invés de buscar-se que o estudante se adapte à sociedade.
A análise das entrevistas individualizadas leva-nos a afirmar que existe uma forte
preocupação desse grupo de professores e professoras de desenvolver junto com alunos e alunas,
em seu ato educativo, aquilo que Freire (2002) concebe por rigorosidade metódica. Pode-se,
assim, dizer que esses profissionais reconhecem como estratégia alternativa a importância de
aproximar os/as aluno/as dos conteúdos a serem conhecidos com capacidade crítica, curiosa,
questionadora, tentando fazer a mediação, destes, com suas experiências de vida, seus problemas
cotidianos, seu mundo.
Para Freire (2002) o ensinar e o aprender estão imbuídos de curiosidade que movimenta a
aproximação crítica sobre os conteúdos e/ou objetos do conhecimento. Põe-nos diante da
realidade cognoscível com desejo de decifrá-la, inventá-la e de transformá-la em benefício nosso
e dos outros. Esse desejo se materializa na forma como professores/as e alunos/as dão tratamento
aos conteúdos, aos procedimentos, à relação professor-aluno, ao currículo. Na maneira como
conduzem suas experiências com os outros, no mundo e com o mundo. A prática educativa é,
essencialmente, tomar parte em e com, como sujeitos da produção do conhecimento e da sua
própria humanização. É por isso que a educação escolar é uma atividade que pela própria
natureza do seu pensar, fazer e ser, denominamos formadora e transformadora.
Essas questões de ensinar, aprender e ser que se colocam na e pela prática educativa,
obviamente, tem tudo a ver com as práticas curriculares. São tão impregnadas umas nas outras,
que às vezes, não conseguimos distinguir os elementos do currículo ou do que vêm a ser o
próprio currículo. O currículo é muito mais de que o conjunto dos elementos que o compõem.
Apresenta-se como um projeto de sociedade que se reflete em um projeto de ser humano, por
conseguinte, passa a ser compreendido como o sentido e a forma atribuídos à prática educativa.
Em outras palavras, a forma como se pensa e se faz o currículo está circunscrita ao modo
como se vem historicamente se assumindo, enquanto um ser político, crítico e transformador. A
análise e a direção que se imprimem ao currículo têm que ir além das questões de procedimentos
didáticos e pedagógicos, consiste naquilo que se reflete criticamente, que se opõe, defende-se,
que se quer manter e/ou transformar. Portanto, não se pode pensar, elaborar e materializar o
currículo fora de uma concepção de mundo, de homem e de mulher. Fora do que se entende e se
reivindica por direitos individuais e coletivos, como possibilidade de, além de ter acesso aos bem
sociais, poder ouvir, falar, utilizar expressões que a própria cultura absorve no seu espaço
temporal.
134
Nessa perspectiva, analisamos as declarações obtidas nas 10 (dez) entrevistas com
professores/as, com o objetivo de contemplar a visão que esses profissionais tinham sobre
currículo, bem como a sua participação enquanto sujeitos de produção do currículo.
QUADRO 4
PROFESSOR Quando perguntados se os professores/as participam da organização e
elaboração do currículo escolar
P1
Os conteúdos são trabalhados, basicamente, nas reuniões, onde definimos o programa anual
da disciplina. Cada professor define como trabalhar os conteúdos que estão no livro
didático.
P2
Nas reuniões pedagógicas nas quais é passada toda a plataforma que vai ser executada, nós,
professores sempre estamos presentes dando a nossa colaboração nos planos de cursos.
P3
Não temos esse nível, ainda, de amadurecimento para reunir os profissionais da educação e
tentar elaborar o currículo, priorizando, justamente as necessidades dos nossos alunos. Sei
que temos a flexibilidade de montar os nossos planos de cursos e de aulas, mas em termos
de currículo não caminhamos ainda.
P4
A escola oferece espaço para que todo professor participe. Sempre questionar, colaborar
com o currículo da escola. Quais são os conteúdos que mais interessam aos alunos? O que é
importante para que o aluno realmente tenha condições de sair da escola com a formação
adequada.
P5
Não temos um currículo definido. Cada professor faz seu plano de curso. Temos a
possibilidade de estarmos conversando para saber quais as atividades que podemos
desenvolver juntas, para que não se tenham atividades repetidas.
P6 Quando vamos fazer a programação do ano, a escolha dos livros didáticos, eu procuro
caminhar na direção do que está mais próximo do cotidiano dos alunos.
P7
O projeto político pedagógico existe, mas ninguém nem toca. É uma coisa oficial, mas ao
mesmo tempo fictícia, porque ninguém se senta coletivamente para trabalhar nesse sentido.
Até mesmo os livros didáticos estão aquém dos objetivos que se pretendem na escola. Isso
não é discutido no projeto político pedagógico.
P8
Apenas participo das reuniões que vinculam algumas atividades propostas na escola.
P9
Participo na medida em que venho para as reuniões e estou sempre conversando com a
coordenadora, diretores e demais funcionários da escola, procurando sempre melhorar o
processo de ensino-apredizagem.
P10
Não, apenas das reuniões quando sou convidado.
Fonte: Os questionários aplicados com os professores
Diante das reflexões dos professores e professoras em torno do currículo exposto no
quadro acima, constatamos indicações diferentes de como este se faz entender.
Temos a primeira concepção referente a cinco (05) profissionais que definem currículo
como: seleção de conteúdos, programa anual de disciplina, livro didático, plano de curso e
reunião didática. Logo, tal concepção traz presente o currículo como uma questão de organização
de conteúdos desejáveis para se transmitir aos alunos e alunas.
A segunda concepção aponta para o que não é currículo. Aqui, estamos reconhecendo que
o fato das professoras afirmarem que ainda, não se tem na escola uma definição no campo do
currículo, leva-nos a crer que elas não estão considerando que o currículo são procedimentos e
métodos de seleção de conteúdos, elaboração de plano de curso e programa de disciplina.
135
Portanto, está implícito nessa noção que o currículo não é um instrumento meramente técnico e
neutro de racionalização de resultados de aprendizagem.
A terceira concepção contempla as falas da professora Jussara e da professora Sandra,
referindo-se a: espaço coletivo de debate, projeto político pedagógico. A nosso ver, essa é a
noção que melhor se aproxima do que vimos considerando por currículo, tendo como base
teórica os estudos mais recentes sobre o mesmo como campo investigativo.
Diante de essas três concepções (que estamos considerando como concepções de
currículo), parece-nos, provavelmente, aceitável dizer que a maioria desses profissionais está
impregnada pela vivência de questões curriculares eminentes de conotações política, social e
cultural em sua prática educativa escolar.
Reconhecemos então, que embora esses profissionais não façam a decifração desses
pensamentos e ações que geram a sua prática educativa - enquanto pensamentos e ações que se
materializam como o próprio currículo - eles/as estão envolvidos com o currículo e têm uma
concepção a respeito dele, aliás, uma concepção enquanto projeto político e cultural e construção
coletiva. O que nos parece é que há um eventual equívoco adquirido, talvez, nos cursos de
formação desses profissionais: o fato de eles não terem conhecimento do campo de estudo do
currículo para o desígnio dessas atividades com o mesmo.
Mesmo que as escolas-campo não tenham um projeto/documento socialmente construído
e situado culturalmente, esses/as professores/as estão delineando novos focos de pensar e fazer
currículo - embora não os compreendam como tal - a partir de uma prática que não esmorece
frente aos padrões culturais postos nos livros didáticos, programas de governo e nas relações
desiguais que se estabelecem na escola.
Insistimos em afirmar, que a maioria desses profissionais pensa e age currículo, pois se
aproximam do que Santiago define: “O currículo, portanto, apresenta-se como um processo de
fala-escuta; (...) como um processo de discussão, de tomada de decisão como definição política
[...]” (SANTIAGO, 1998, p.40).
Outro fato que certamente implica na dificuldade das professoras e professores fazerem a
relação entre a sua prática educativa escolar e o currículo, diz respeito às discussões sobre este
campo de estudo que raramente ganham o caminho da escola pública, embora nos últimos anos,
tenham se intensificado as análises sobre o currículo enquanto campo de investigação,
colocando-o num lugar de destaque no âmbito educacional escolar. Apontamos a necessidade,
haja vista o que vem sendo posto por nós nessa pesquisa, de ampliarmos as discussões em torno
desse campo, atribuindo maior importância ao currículo. Pois é verdade que as transformações
que o pensamento curricular vem incorporando, como a sua relevância em um projeto maior de
sociedade, não se traduz no cotidiano das inúmeras escolas públicas brasileiras.
136
E quando essas discussões chegam às escolas, na maioria das vezes acontece de forma
meramente técnica, abordando questões referentes às disciplinas e à carga horária. De fato, como
expõe Silva (1997, p.184), “o currículo é tomado como algo dado e indiscutível, raramente sendo
alvo de problematização, mesmo em círculos educacionais profissionais”.
Todavia, o currículo é o instrumento de identidade da escola. Como afirma Freire: “a
compreensão do currículo abarca a vida mesma da escola, o que nela se faz ou não se faz, as
relações entre todos e todas as que fazem a escola. Abarca a força da ideologia e sua
representação não só enquanto idéias, mas como prática concreta” (FREIRE, 1991, p.123)
Portanto, faz-se necessário perguntarmos: como alguns professores e professoras podem
deixar de entender o currículo como artefato meramente técnico e neutro? Parafraseando Freire
(1991), se as reformas curriculares são pensadas e elaboradas por um grupo de intelectuais
burocratas - que transitam no cenário ministerial com ares de iluminadores - cujos resultados são
“pacotes curriculares” encaminhados às escolas para colocarem em ação as propostas
educacionais através de suas instruções e guias, dificultarão, desse modo, a construção de
propostas curriculares relacionadas ao contexto social e cultural dos professores e dos alunos e
de suas experiências educacionais como elementos elaboradores de práticas educativas.
O currículo é sempre movimento de construção e reconstrução. Quando não é
compreendido assim, inviabiliza-se, tornando-se tão somente prescrição.
Tentando responder a questão pontuada logo acima, concebemos que do mesmo modo,
consideramos o potencial de resistência, pesquisa, crítica e criatividade dos professores e das
professoras que pensam sobre a sua prática educativa e a escola. Esta última é um espaço de
debate e, é preciso que neste espaço, sejam fomentadas propostas mais compatíveis com as
idéias do grupo e com as necessidades e interesses das pessoas que convivem nela e com ela.
Focalizamos que, talvez, as dificuldades de compreensão dos profissionais pesquisados,
quanto ao currículo, sejam de natureza teórica. Por isso, é interessante, entre outras estratégias,
que busquem o intercâmbio com os centros acadêmicos especializados e questionem a formação
continuada que estão recebendo das secretarias de educação a que estão vinculados, além de se
assumirem enquanto intelectuais orgânicos, pesquisadores constantes, elaboradores, condutores
convincentes e dirigentes. Não devem se conformar com o que está dado, mas descobrir e usar o
conhecimento, a imaginação, a criatividade, a ousadia, o sonho. Voltarem-se sobre a necessidade
de construção de um trabalho coletivo que contemple as especificidades dos alunos, diversidades
culturais e o conhecimento organizado.
Precisamos dedicar um pouco mais do nosso tempo à investigação do cotidiano escolar.
Porque, a escola como terreno cultural, ideológico e de convencimento produz conceitos,
imagens, valores. Oculta a realidade, mas também a desvela, pode negar ou instituir direitos,
137
deforma ou forma e transforma pessoas. Por isso mesmo, cabe-nos lembrar que Gramsci (1995)
considera a escola como um dos componentes da sociedade civil, responsável por fomentar
estratégias de luta por uma nova hegemonia.
Quanto mais informações sobre a organização do trabalho escolar que envolve, entre
outras coisas, as condições materiais, situações de ensinar/aprender, relações sociais, conteúdos
prescritos, currículo como gênese da produção do conhecimento, mais condições haverá na
busca de possibilidades coletivas para compreendê-lo, de intervir constantemente na e com a
realidade escolar. Portanto, a perspectiva de currículo que se distancia da perspectiva tecnicista
curricular, ainda tão impregnada no pensamento e na ação de muitos professores e professoras,
revela que todas as atividades da escola, da matrícula do aluno à sua aprovação ou reprovação,
quando não lhe é castrado o direito de permanência, tem a ver com o currículo.
Nesse panorama, o currículo ganha uma dimensão maior com as recentes discussões
delineadas pelo campo dos Estudos Culturais que lhe atribuem o caráter social e cultural. Dessa
maneira, não vimos o currículo como artefato de transferência de conteúdos, mas como um
projeto de direção política e cultural. Significa que os objetivos, descaminhos e caminhos que a
escola toma no movimento constante, envolvem a sua assunção enquanto “esfera pública
democrática”, na expressão de Giroux (1988). A escola e o currículo devem ser espaços de
discussão e participação ativa dos envolvidos. Onde haja lugar para a crítica, aquisição do
conhecimento significativo e para os confrontos e convergências de opiniões. Eis a maneira de
pensarmos a escola e o currículo: um projeto de sociedade democrática.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, as informações transmitidas acerca do currículo, inclusão e formação de
professores, apontaram que a predominância da prática educativa desenvolvida nas escolas
pesquisadas, fundamenta-se no conhecimento oficial do livro didático, imposto pelo mercado
editorial. Esse mercado é definido a partir dos acordos de financiamento das políticas
educacionais mencionadas anteriormente.
Em tal perspectiva, a prática educativa escolar hegemônica é aquela que reproduz o
conhecimento universal impresso no livro didático que, na maioria das vezes, é desarticulado da
realidade social dos educandos.
Com efeito, isto mostra um dos desdobramentos da hegemonia do conhecimento oficial
concebido de forma absoluta, inviabilizando, assim, o processo de construção de uma prática
educativa histórica fundamentada no pensamento e nas ações dos sujeitos envolvidos nela. A
discussão em volta dessa problemática tem sido cada vez mais refletida em torno da defesa de
138
que a função dos professores – intelectuais, críticos, reflexivos e pesquisadores - é
imprescindível na construção do processo de emancipação soacial.
Nesse sentido, é preciso refletir sobre a natureza da prática educativa tomando como base
teórica a categoria de intelectuais. Isso significa dizer que o papel dos professores e professoras
em convivência com os diversos saberes - com a forma como os alunos e as alunas interagem
com o conhecimento, em suas relações social e comunicante, no ouvir, no falar e no silenciar - é
alçada de um plano meramente técnico para um reflexivo e de atuação transformadora.
O estudo constatou que um dos maiores desafios postos em tempos muito recentes para a
educação escolar é encaminhar todo o seu trabalho político pedagógico e curricular em direção
da formação do ser humano.
Tal fato se constitui em um desafio, por que é certo que a forma como a sociedade
brasileira está organizada reforça as discriminações relativas à etnia, gênero e cultura,
alimentando as desigualdades sociais, culturais e de oportunidades. No entanto, tem que haver
um comprometimento, uma tomada de decisão e de partido. Quem verdadeiramente vive não
pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida.
Por isso odeio os indiferentes”. (VASCONCELOS, 2003, p.49)
Se ficarmos esperando que ocorram mudanças necessárias para a consecução dos bens
sociais, culturais e materiais pela maioria da população que, hoje, encontra-se praticamente
excluída desses bens, elas poderão jamais acontecer. Porque se depender das estratégias da
ideologia neoliberal, os direitos sociais historicamente adquiridos não se efetivarão de fato.
É preciso, então, o enfrentamento dessas questões, viabilizando um projeto de escola que
responda aos anseios de transformação. A prática educativa escolar pela própria natureza do seu
trabalho de formação e transformação é impregnada de significações, motivações, sonhos,
experiências, saberes.
Destarte, este estudo apontou que a maioria dos profissionais sinaliza saídas que podem
contribuir para a transformação social. Entre algumas pistas, detivemos cada vez mais, um novo
olhar sobre um espaço único, de domínio de professores/as e alunos/as, que na maioria das
vezes, não é reconhecido como tal, e principalmente não é visto como um território de produção
de novas formas de discursos, práticas e culturas.
Com efeito, a sala de aula é o principal espaço do/a professor/a “profissional”. É
imperativo que ele/a considere o lugar como um campo propício para concorrer às mudanças,
que passa primeiramente pelo abandono da posição centralizadora do conhecimento e, depois,
pela adoção da descentralização do mesmo. Nessa direção, a sala de aula constitui um espaço
onde diferentes atores pensam e agem coletivamente, com toda sua carga cultural; seus medos,
desejos, esperanças, saberes e afetos. Sob esse ponto de vista, os alunos/as são “[...] como atores
139
coletivos em suas várias características de classe, culturais, raciais e de sexo, em conjunto com
as particularidades de seus diversos problemas, esperanças e sonhos”. (GIROUX, 1988, p. 33)
Além do mais, o fato de se conceber os/as professores/as como profissionais, contribui
para que haja uma maior mobilização para se superar os desafios impostos pela ordem vigente.
De modo que a escola se constitua em espaço público democrático, onde gestores, alunos/as,
pais, mães, funcionários participem ativamente das decisões tomadas quanto ao currículo,
possíveis conhecimentos, futuro da escola e da sociedade. Ao mesmo tempo, os/as professores/as
percebem que a sala de aula é a extensão desse projeto maior de educação e de currículo. Por
isso, não podem agir de forma apolítica e burocrática. Ao contrário, grande parte da luta por uma
educação de qualidade social está em suas mãos.
Desse modo, ser e agir como profissional é fundamental para ajudar os alunos/as a se
sentirem valorizados na sua própria cultura e capazes de produzir novas formas de culturas tão
importantes para sua afirmação na sociedade. Isso nos faz pensar que, se queremos mesmo
construir essa educação, é urgente tratar o núcleo do currículo, o conhecimento, como um
processo multicultural, em construção e inconcluso. Por conseguinte, questões inerentes a tal
processo não podem ser dispensadas: Quais os conteúdos devem estar presentes ou não? Por que
ensinar determinados conteúdos? Quem são os nossos alunos/as? Com quais finalidades
ensinamos e com que objetivos sociais?
As respostas para tais indagações só podem ser buscadas em situações de debates
coletivos no cotidiano da escola e da sala de aula. O que sugerimos é que a sala de aula seja
notada como um espaço de construção de conhecimento, onde os/as professores/as dêem a
palavra aos alunos e alunas para que narrem suas experiências, sua vida, suas interpretações do
mundo, para que seus problemas, suas dificuldades diárias sejam contextualizadas. A construção
coletiva do conhecimento cria possibilidades para que os/as aluno/as confrontem sua carga
cultural com os conteúdos do mesmo, produzindo novas formas de condições materiais e
ideológicas no enfrentamento da sua vida cotidiana. (GIROUX, 1988)
É decisivo que os/as professores/as assumam, ainda mais, o seu lugar de destaque no
processo de construção do conhecimento na sala de aula. Quer queiram, quer não são eles que
garantem a voz ou não dos alunos no espaço escolar. São os/as professores/as, em sua tarefa
constante de pesquisadores, que estão atentos às necessidades de aprendizagens afetivas,
socialização e solidariedade dos alunos e alunas das nossas escolas públicas. São os intelectuais
atentos a tudo que acontece nelas, problematizando o conhecimento e utilizando o diálogo como
abertura para as relações de ensinar/aprender e aprender/ensinar, a fim de que os alunos vão
adquirindo confiança, auto-estima, motivação.
140
Destarte, esta pesquisa constatou que os professores e professoras identificaram algumas
condições para que seja produzido um conhecimento realmente significativo, isto é, um
conhecimento crítico, criativo e aproximado com a solução dos problemas práticos do dia-a-dia
dos alunos, vinculando-se às necessidades concretas, aos seus interesses e seus sonhos.
Tal conhecimento é produzido de forma singular e coletiva a partir da interação com
várias práticas culturais, na busca de possíveis saídas, na luta por conquistas sociais, por direitos
à saúde, à alimentação, ao lazer, à felicidade.
Em outras palavras, não há como isolar o objeto do conhecimento da dinâmica das
relações entre os seres humanos e deles com a realidade natural e social construídas cultural e
historicamente. E o conhecimento passa a ter sentido para os alunos quando possibilita o desvelo
da realidade, transformando-a e usufruindo-a.
No tocante a este caso, destacamos nos depoimentos dos professore e professoras, a
preocupação com esse aspecto, em torno de que os/as alunos/as não só elaborassem
determinados conceitos, narrativas e práticas, mas que mediante eles, pudessem refletir a
realidade tentando compreendê-la, apreendendo as suas relações reais para nela intervirem.
Voltamos aqui, a reiterar que precisamos entender que qualquer tentativa de mudanças
implicará no surgimento de empecilhos, porque impõe investigar o que justifica as coisas serem
de uma forma e não de outra. Todavia, é preciso acreditar na construção de uma escola de
qualidade social, desde que todos envolvidos nessa construção, tenham clareza de que os alunos
das classes economicamente desfavorecidas precisam apropriar-se de habilidades e
conhecimentos úteis para a luta cotidiana por uma vida justa e democrática, por mobilização e
mudança social.
Queremos deixar claro, então, que nos depoimentos analisados, detectamos que muitas
dessas pistas pontuadas aqui, por nós, já estão sendo seguidas pela maioria dos profissionais das
escolas pesquisadas. Nessa direção, é urgente que as escolas encaminhem suas propostas
político-pedagógicas e curriculares, a fim de que essas práticas pedagógicas funcionem como
alternativas reais - capazes de desfazer práticas culturais dominantes - e reconstrua novas
produções culturais que surtam efeitos na materialização de formas de resistência, denúncia e
experiências que finquem os nossos lugares de direito no mundo.
Esperamos ter contribuído para discussões futuras de outros estudiosos no assunto,
dispostos a pesquisar o tema sobre outro enfoque, num outro momento e com outras
perspectivas, preservando a história de uma área do conhecimento rica em conteúdos no que diz
respeito ao ensino do aluno com deficiência.
141
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146
APÊNDICES
147
APÊNDICE A – Formulário de identificação:
1)Naturalidade: __________________________ Nacionalidade: _____________________
2)Sexo: a) Feminino ( ) b) Masculino ( ) 3) Idade: _____________________ anos
4) Nome da Escola em que atua (em caso de mais de uma escola colocar o nome de todas):
Escola a:________________________________________________________________ Escola
b:________________________________________________________________ 2) Indique o
período em que você trabalha em cada uma das escolas mencionadas: Escola a: ( ) Manhã (
) Tarde ( ) Ambos os períodos Escola b: ( ) Manhã ( ) Tarde ( ) Ambos os períodos Sobre
a graduação
3) Graduação e ano de conclusão:_____________________________________________
4) Tipo do curso: ( ) Licenciatura ( ) Bacharelado
5) Nome da Faculdade ou Universidade:________________________________________
6)Possui outra formação? ( ) Sim. ( ) Não
Qual?__________________________________ Ano de conclusão:___________________
7) Na grade curricular do seu curso de Graduação você cursou alguma disciplina que abordava o
tema pessoa com deficiência? ( ) Sim.
Qual?__________________________________ ( ) Não ( ) Não me lembro
8) Se sim, essa disciplina era de caráter: ( ) Obrigatório ( ) Optativo
9) Durante o período da graduação você teve alguma experiência em trabalhar com pessoas com
deficiência? ( ) Sim. ( ) Não
Qual a experiência?__________________________________ Qual o tipo de
deficiência?________________________________________________________________
Sobre a experiência docente
10)Há quanto tempo você trabalha como professor?
11)Você possui alguma experiência de trabalho, fora do ambiente escolar, com pessoas com
deficiência? Qual a experiência? Qual o tipo de deficiência?
12)Do total de turmas que você ministra aulas, em quantas delas, há alunos com deficiência?
13)Os alunos com deficiência estão matriculados em qual série/ano?
14)Em média, há quantos alunos com deficiência nas turmas em que você ministra aulas?
Sobre os alunos com deficiência:
148
15)A escola oferece alguma Proposta Pedagógica, preestabelecida, a ser seguida nas aulas que
faça referência à inclusão de alunos com deficiência?
Aspectos acadêmicos:
16 - Qual é a sua habilitação profissional? _________________________________________
a) Curso superior: Licenciatura ( ) Bacharelado ( ) em que?___________________________
___________________________________________________________________________
b) Tem curso de Pós - graduação? Sim ( ) Não ( )
Especialização ( ) Especifique-o: ________________________________________________
Mestrado ( ) Especifique-o: ____________________________________________________
Doutorado ( ) Especifique-o: ___________________________________________________
Aspectos profissionais:
17)Tempo de atuação no magistério _________________________ anos.
18)Tempo de serviço nesta unidade de ensino? ____________________________________
19) Em quantas escolas trabalha, sejam públicas ou privadas fora esta? __________________
20) Quantas turmas leciona nesta escola? __________________________________________
21) Carga horária de trabalho nesta escola: ________________________________________
149
APÊNDICE B – Roteiro temático para entrevista
Temas norteadores: Inclusão, Prática Educativa e Currículo.
1 – O que você entende por inclusão?
2 – Em que medida você se sente capaz de modificar e/ou re-inventar o processo de organização
do conhecimento na escola?
3 – Você participa da organização e elaboração do currículo escola? Como?
150
APÊNDICE C - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Estamos realizando uma pesquisa vinculada ao Programa de Pós-graduação em Educação, da
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, intitulada “INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE
PROFESSORES: UMA PERSPECTIVA PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS” referente à elaboração de
Tese de Doutorado, e gostaríamos que participasse da mesma.
A pesquisa tem como objetivo geral analisar a relação entre inclusão, currículo e formação docente, tendo
com meta proporcionar ao professor o acesso a recursos e estratégias pedagógicas que colaborem para a inclusão
educacional de alunos com e sem deficiência. E, de modo específico, identificar as principais dificuldades do
professor que tem alunos com deficiência matriculados em sua sala de aula.
Participar desta pesquisa é uma opção e você poderá desistir a qualquer momento.
Caso aceite participar, gostaríamos que soubesse que ela ocorrerá em quatro etapas:
Etapa 1 - Realização de encontro com todos os professores da escola que ministram aulas para alunos com
deficiência, para identificar as principais dificuldades diante da inclusão educacional desses alunos;
Etapa 2 - Caracterização do contexto das aulas, por exemplo, a dinâmica das aulas, as atividades fornecidas pelo
professor, às dificuldades que os alunos apresentam para realizar essas atividades.
Etapa 3 - Participação dos professores, que estiveram nas Etapas 1 e 2, em aulas teóricas que abordarão temas para
suprir as dúvidas, dificuldades e necessidades dos professores diante da inclusão educacional do aluno com
deficiência;
Destacamos que os dados coletados e os seus resultados serão divulgados para fins científicos, como
revistas e congressos. Salienta-se que fica assegurado o anonimato de todos os participantes, não havendo a
identificação dos participantes.
Eu,__________________________________________________RG:_____________aceito participar da
pesquisa. “INCLUSÃO, CURRÍCULO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA PERSPECTIVA PARA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS”. Declaro ter recebido as devidas explicações sobre os objetivos e
procedimentos da referente pesquisa, e concordo que a minha participação é voluntária e que a desistência poderá
ocorrer a qualquer momento.
Ciente, ____/____/___
Assinatura________________________________________________________
Certos de poder contar com a sua participação, colocamo-nos à disposição para esclarecimentos, por meio
do e-mail: [email protected]
_______________________________________________
Profª. Drª. Janine Marta Coelho Rodrigues
ORIENTADOR
______________________________________________
Roberto Derivaldo Anselmo
Doutorando