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XXI Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos 1 IMPORTÂNCIA DE BACIAS-ESCOLA NO GERENCIAMENTO DE RISCO E DESASTRES ASSOCIADOS A FLUXO DE DETRITOS Masato Kobiyama 1 * & Gean Paulo Michel 2 Resumo A ocupação e utilização das regiões montanhosas vêm sendo intensificadas, assim como a ocorrência de desastres associados a fluxos de detritos. Portanto, o presente trabalho teve como objetivos: (i) apresentar medidas integradas para gerenciamento de riscos e desastres associados a fluxo de detritos; e (ii) enfatizar a importância de bacias-escola neste gerenciamento. Assim, foi apresentado um fluxograma representando o processo de gerenciamento. Inicialmente, devem-se realizar análises hidrológica, geomorfológica, geológica e histórica a fim de identificar os canais e bacias propensas ao fluxo de detritos. Posteriormente, é necessário construir bacias-escola implementando o monitoramento de diversas variáveis. Todos os dados obtidos nas pré-análises, investigações ambientais da bacia e monitoramento serão armazenados com a construção de um banco de dados. O sistema de monitoramento deve ser em tempo real, sendo utilizado na previsão dos fenômenos considerados no sistema de alerta. Ainda, diversos setores devem compartilhar o banco de dados, o sistema de monitoramento, etc. e utiliza-los para a educação relacionada às ações de proteção e defesa civil. Assim, as bacias experimentais tornam-se bacias-escola para a comunidade local. Salienta-se que a presente proposta é direcionada para as populações locais, que são os usuários finais e as potenciais vítimas. Palavras-Chave – Fluxo de detritos, bacia-escola, gerenciamento de desastres hidrológicos. IMPORTANCE OF SCHOOL CATCHMENTS IN MANAGEMENT OF RISK AND DISASTER RELATED TO DEBRIS FLOW Abstract – The occupations and use of the mountain regions have been intensified, as well as the occurrence of debris flows. Therefore, the present study aimed to: (i) propose integrated measures for management of risk and disaster associated with debris flow; and (ii) emphasize the importance of school catchments in this management. Thus, a flowchart showing such management process was presented. Initially, the identification of channels and catchments susceptible to debris flow, hydrological, geomorphic, geological and historical analyses should be performed. Subsequently, it is necessary to construct school catchments through implementation of monitoring of several variables. All the data obtained in pre-analysis, environmental research and monitoring will be stored with the construction of a database. The monitoring system must be on real-time and should be used in predicting the phenomena in the context of the warning system. Several sectors must share the database, the monitoring system, etc. and use them for education related to actions of protection/civil defense. Hence, the experimental catchments become school catchments for the local community. It should be noted that this proposal is aimed for local people who are the end users and potential victims. Keywords – Debris flow, school catchment, hydrological disasters management. 1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. [email protected] 2 Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. [email protected] * Autor Correspondente

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IMPORTÂNCIA DE BACIAS-ESCOLA NO GERENCIAMENTO DE RISCO

E DESASTRES ASSOCIADOS A FLUXO DE DETRITOS

Masato Kobiyama 1* & Gean Paulo Michel 2 Resumo – A ocupação e utilização das regiões montanhosas vêm sendo intensificadas, assim como a ocorrência de desastres associados a fluxos de detritos. Portanto, o presente trabalho teve como objetivos: (i) apresentar medidas integradas para gerenciamento de riscos e desastres associados a fluxo de detritos; e (ii) enfatizar a importância de bacias-escola neste gerenciamento. Assim, foi apresentado um fluxograma representando o processo de gerenciamento. Inicialmente, devem-se realizar análises hidrológica, geomorfológica, geológica e histórica a fim de identificar os canais e bacias propensas ao fluxo de detritos. Posteriormente, é necessário construir bacias-escola implementando o monitoramento de diversas variáveis. Todos os dados obtidos nas pré-análises, investigações ambientais da bacia e monitoramento serão armazenados com a construção de um banco de dados. O sistema de monitoramento deve ser em tempo real, sendo utilizado na previsão dos fenômenos considerados no sistema de alerta. Ainda, diversos setores devem compartilhar o banco de dados, o sistema de monitoramento, etc. e utiliza-los para a educação relacionada às ações de proteção e defesa civil. Assim, as bacias experimentais tornam-se bacias-escola para a comunidade local. Salienta-se que a presente proposta é direcionada para as populações locais, que são os usuários finais e as potenciais vítimas. Palavras-Chave – Fluxo de detritos, bacia-escola, gerenciamento de desastres hidrológicos. IMPORTANCE OF SCHOOL CATCHMENTS IN MANAGEMENT OF RISK

AND DISASTER RELATED TO DEBRIS FLOW Abstract – The occupations and use of the mountain regions have been intensified, as well as the occurrence of debris flows. Therefore, the present study aimed to: (i) propose integrated measures for management of risk and disaster associated with debris flow; and (ii) emphasize the importance of school catchments in this management. Thus, a flowchart showing such management process was presented. Initially, the identification of channels and catchments susceptible to debris flow, hydrological, geomorphic, geological and historical analyses should be performed. Subsequently, it is necessary to construct school catchments through implementation of monitoring of several variables. All the data obtained in pre-analysis, environmental research and monitoring will be stored with the construction of a database. The monitoring system must be on real-time and should be used in predicting the phenomena in the context of the warning system. Several sectors must share the database, the monitoring system, etc. and use them for education related to actions of protection/civil defense. Hence, the experimental catchments become school catchments for the local community. It should be noted that this proposal is aimed for local people who are the end users and potential victims. Keywords – Debris flow, school catchment, hydrological disasters management.

1 Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. [email protected] 2 Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Brasil. [email protected] * Autor Correspondente

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INTRODUÇÃO O desenvolvimento e a ocupação humana avançam cada vez mais sobre as regiões

montanhosas no Brasil. Opções de atividades de recreação e ecoturismo em meio ao ambiente montanhoso estão sendo cada vez mais exploradas e procuradas. A deterioração da qualidade da água superficial nos grandes rios obriga comunidades locais a procurar e utilizar outros mananciais de água superficial de pequeno porte. Isto naturalmente faz com que os órgãos públicos de abastecimento de água construam infraestruturas de captação, tratamento e abastecimento de água nas regiões montanhosas. Além disso, nas regiões que apresentam crise de energia hidrelétrica, há uma tendência de construção de PCHs em regiões montanhosas.

Assim sendo, a ocupação das regiões montanhas e a sua utilização têm sido cada vez mais intensificadas. Semelhante à ocupação urbana, a ocupação na área montanhosa não é bem planejada. Portanto, facilmente são observadas zonas de desordenamento e desorganização territorial no ambiente montanhoso.

Os movimentos de massa, em geral, são um tipo de fenômeno natural no qual o conjunto de solo e/ou rocha se movimenta com a força gravitacional atuando como o principal agente. Devido à complexidade envolvida em seus mecanismos de ocorrência, em condições naturais, existem diversas tentativas de classificá-los. Dentre as classificações existentes, são mais utilizadas as de Varnes (1978), Cruden e Varnes (1996) e Hungr et al. (2001). Entretanto, o presente trabalho convencionalmente considera que os movimentos de massa consistem em: rastejamentos, escorregamentos (translacional e rotacional), fluxos de detritos e quedas de bloco.

Em termos de ocorrência, os movimentos de massa possuem fatores intrínsecos e extrínsecos, sendo que os intínsecos determinam a frequência e/ou magnitude e os extrínsecos são responsáveis pela iniciação da ocorrência. Os fatores intrínsecos podem ser características do solo (textura e granulometria; densidade das partículas e do solo seco; porosidade total e distribuição dos poros; condutividade hidráulica saturada e não saturada; coesão do solo e da raiz; ângulo de atrito interno; profundidade do solo; pH; matéria orgânica; mineralogia; entre outros), características morfológicas das encostas (declividade, geometria), uso e cobertura do solo, entre outros.

Por outro lado, os fatores extrínsecos (ou causadores) são normalmente terremotos, erupção de vulcão, chuva e suas combinações. Quando movimentos de massa ocorrem devido a terremotos e erupções, a massa que se movimenta está seca, enquanto que, quando ocorrem devido a chuva, a massa está úmida. Consequentemente, os mecanismos de ocorrência de movimentos de massa seca e úmida são completamente diferentes. Como resultado, ambos os tipos devem ser tratados de maneira diferenciada.

Assim, o avanço do conhecimento científico trouxe a necessidade de elaboração de uma nova classificação dos desastres naturais, para distinguir os movimentos de massa seca e úmida, classificando o primeiro como desastre geofísico e o segundo como hidrológico. Scheuren et al. (2008) relataram que o Emergency Disaster Data Base (EMDAT) do Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED), órgão parceiro da Organização Mundial da Saúde, reclassificou os tipos de desastres naturais, os quais foram divididos em seis sub-grupos: biológicos, geofísicos, climatológicos, hidrológicos, meteorológicos e extraterrenos (meteoritos). Segundo Below et al. (2009), o CRED e a Munich Reinsurance Company (MunichRe), os quais possuem os principais bancos internacionais de dados de desastres, tiveram a iniciativa de elaborar esta nova classificação e decidiram adotá-la de maneira comum para os seus respectivos bancos de dados. Kobiyama e Michel (2014) sucintamente apresentaram as classificações antiga e atual (Tabela 1). Lamentavelmente, a Codificação Brasileira de Desastres – COBRADE (Ministério da Integração Nacional, 2012) não coincide com a classificação do CRED.

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Tabela 1 – Classificações antiga e atual dos desastres naturais no CRED – ONU. Classificação antiga Classificação atual Principais tipos Geológico Geofísico Terremotos, vulcões, movimentos de massa (seca) Meteorológico Tempestades Hidrometeorológico Hidrológico Inundações, movimentos de massa (úmida) Climatológico Temperaturas extremas, secas, incêndios Biológico Biológico Epidemias, pragas, infestações de insetos (Fonte: Kobiyama e Michel, 2014)

Neste contexto, adotando a classificação internacional dos desastres naturais do CRED, o presente trabalho teve como objetivos: (i) apresentar medidas preventivas integradas para gerenciamento dos desastres hidrológicos (inundação e movimento de massa úmida), mais especificamente fluxo de detritos; e (ii) enfatizar a importância da construção de bacias-escola neste gerenciamento. No Brasil, os fluxos de detritos recentemente vêm causando muitas mortes humanas (Kobiyama e Michel, 2014), especialmente nas áreas montanhosas (Znamensky, 2014). Além disso, devido a seu altíssimo poder destrutivo, nos canais fluviais, frequentemente traz prejuízos a sistemas de abastecimento de água, como relatado por Kobiyama et al. (2011). Portanto, encontra-se a necessidade de buscar metodologias estratégicas para prevenção e redução de desastres associados a estes fenômenos.

Embora diversas propostas tenham apresentado metodologias de gerenciamento voltadas para pesquisadores e gestores, por exemplo Corominas et al. (2014), o presente trabalho elabora uma proposta voltada para populações locais, que são os usuários finais e as potenciais vítimas. Salienta-se que, como os fluxos de detritos normalmente não ocorrem em áreas planas, o presente trabalho se direciona às regiões montanhosas e/ou às bacias hidrográficas com encostas declivosas.

DESASTRES HIDROLÓGICOS NA REGIÃO MONTANHOSA Os processos hidrológicos ocorrem naturalmente, o que é totalmente independente das

atividades humanas. Entretanto, tais atividades normalmente podem intensificar a magnitude desses fenômenos. No contexto da classificação do CRED, as inundações e os movimentos de massa úmida são fenômenos naturais associados ao ciclo hidrológico e geram prejuízos à sociedade, justamente por isso, neste caso, sendo chamados de desastres hidrológicos. As inundações bruscas, escorregamentos translacionais e fluxos de detritos são os fenômenos mais comuns causadores de desastres hidrológicos na região montanhosa.

Embora existam diversas classificações de tais fenômenos, em condições reais, eles apresentam caráter transitório, e portanto, distinguir um de outro é a tarefa difícil. Do ponto de vista reológico, Costa (1988) apresentou a diferença entre inundação, fluxo hiperconcentrado e fluxo de detritos (Tabela 2). Considerando a velocidade do fenômeno e a concentração de sedimento, Kobiyama et al. (2010) graficamente mostraram esta classificação (Figura 1). Na Figura 1, observa-se que fluxos de detritos podem ocorrer na forma de combinação entre inundação brusca e escorregamento.

De qualquer maneira, os fluxos de detritos geram problemas no mundo inteiro. Kobiyama e Michel (2014) apresentaram os históricos da ocorrência de fluxo de detritos e seus estudos no Brasil, comentando que um aumento na ocorrência destes fenômenos a partir da década de 1990 resultou no aumento do número de publicações.

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Tabela 2 – Diferenciação reológica dos tipos de fluxo.

Tipo Concentração de sedimento

Resistência cisalhante (dina/cm2)

Tipo de fluidez Tipo de fluxo

Inundação 0,4 – 20% em volume

0 – 100 Newtoniano Turbulento

Fluxo hiperconcentrado

20 – 47% 100 – 400 Não newtoniano Turbulento a laminar

Fluxo de detritos 47 – 77% > 400 Não newtoniano Laminar (Adaptada de Costa, 1988)

Figura 1 – Classificação conceitual dos desastres hidrológicos (Fonte: Kobiyama et al., 2010)

MEDIDAS PREVENTIVAS INTEGRADAS CONTRA FLUXO DE DETRITOS A meta final (ou principal objetivo social) envolvida em compreender os mecanismos dos

fluxos de detritos é a redução dos desastres associados ao mesmo. Para tal redução, existem medidas estruturais e não estruturais. Em relação às estruturais, pode-se citar a construção de barragens de tipo aberto (grid-check dam ou slit-check dam) e de zonas de tampão com reflorestamento, entre outros (Huebl e Fiebiger, 2005). Em relação às não estruturais, estabelecimento de leis, determinação de áreas de perigo, implementação de sistema de alerta e evacuação, entre outros.

Em geral, a ocorrência de fluxo de detritos manifesta forte tendência unidimensional, enquanto que as inundações bruscas e graduais manifestam tendência bidimensional. Em outras palavras, a ocorrência de fluxo de detritos abrange, relativamente, menor área, atingindo menor número de casas (famílias) do que as inundações. Entretanto, causa elevado número de mortes humanas, quando comparado às inundações. Devido ao elevado poder destrutivo dos fluxos de detritos, as medidas estruturais empregadas geralmente demandam alto custo, o que as fazem possuir, relativamente, menor eficiência. Portanto, isto aumenta ainda mais a necessidade de investimento em medidas não estruturais, principalmente no caso da redução de desastres associados a fluxos de detritos.

Nas medidas não estruturais, o desenvolvimento de tecnologias de previsão de ocorrência e alcance de fluxos de detrito é de extrema relevância, tanto para o planejamento de medidas estruturais, quanto para o mapeamento de áreas susceptíveis e o estabelecimento de sistemas de alerta e evacuação. O mapeamento de áreas de perigo naturalmente vai limitar os locais propícios ao livre acesso e ocupação humana e, por isso, provavelmente far-se-á necessária a relocação e, eventualmente, evacuação da população destes locais, resultando em grandes prejuízos econômicos.

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Justamente por isso, o mapeamento e o sistema de alerta/evacuação devem ser executados com embasamento científico e tecnológico bem consolidado. Com esta finalidade, Michel et al. (2015) propuseram uma metodologia para mapear áreas susceptíveis a escorregamentos e fluxos de detritos por meio de uso de modelos computacionais. Assim, pode-se dizer que tal desenvolvimento é uma das metas finais do estudo cientifico de desastres.

A Figura 2 apresenta um fluxograma dos mecanismos de gerenciamento para prevenção e redução de riscos e desastres associados a fluxos de detritos. Inicialmente, devem-se realizar análises hidrológica, geomorfológica, geológica e histórica a fim de identificar os canais e bacias susceptíveis ao fluxo de detritos. Posteriormente, é necessário construir bacias-escola (Kobiyama et al., 2009) por meio de instalação de estações pluvio, fluvio, sedimento, piezo e tensiométricas. Na execução do monitoramento com estas estações, recomenda-se que o tempo de intervalo de medição seja de no máximo 10 minutos, devido à velocidade do mecanismo de ocorrência. Nas bacias-escola, ainda é necessário realizar investigações de topografia, profundidade do solo e do sedimento no leito do canal, características pedológicas e reológicas, entre outros. Todos os dados obtidos nas pré-análises, investigações e monitoramento devem ser armazenados com a construção de um banco de dados. Os dados, além de utilizados para estudos, devem ser disponibilizados para a comunidade em geral, visando o aumento da familiaridade da população com dados ambientais.

Por meio do uso destas bacias, os pesquisadores podem acumular informações no banco de dados, e, consequentemente, aumentar o conhecimento acerca deste fenômeno. Além disso, os dados monitorados devem ser inseridos no sistema de monitoramento em tempo real, sendo utilizados na previsão dos fenômenos no contexto do sistema de alerta. Ainda, diversos setores e instituições devem compartilhar este sistema de monitoramento e utiliza-lo para a educação relacionada às ações de proteção e defesa civil. Assim, finalmente as bacias experimentais tornam-se bacias-escola para a comunidade local.

BACIAS-ESCOLA A bacia-escola é definida como uma bacia experimental que serve para pesquisas científicas e

atividades de educação ambiental (Kobiyama et al., 2009). Abordando assuntos relacionados à hidrologia, geomorfologia, entre outros, ela pode ser eficientemente e adequadamente utilizada para educação e treinamento de proteção e defesa civil.

Para exemplificar o processo de implementação de uma bacia-escola, destaca-se o episódio onde no município de São Vendelino-RS, o Grupo de Pesquisa em Desastres Naturais (GPDEN) do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS realizou, no dia 30 de março de 2015, um conjunto de palestras sobres desastres naturais e sua prevenção, apresentando seu projeto de extensão universitária: “Bacia-escola para gerenciamento participativo de desastres naturais e recursos hídricos”. A atividade foi realizada no Centro de Complementação Curricular do município de São Vendelino e contou com a presença dos estudantes e professores da Escola Estadual Leonardo Fritzen. Esta atividade foi registrada pelo jornal local “Primeira Hora” (http://www.primeirahora.rs/02-04-2015/pesquisadores-da-ufrgs-palestram-para-estudantes-da-leonardo-fritzen). A apresentação do projeto abriu espaço para a criação da bacia-escola, que envolve o GPDEN e a comunidade deste município. Todos os participantes perceberam que os moradores demonstram maior compreensão, sensibilidade e até mesmo vontade de atuar quando exemplos locais são apresentados, tratados e discutidos. Isto claramente implica na necessidade do uso da bacia-escola no contexto de prevenção e redução de desastres associados ao fluxo de detritos.

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Para a conscientização e/ou treinamento, é ideal que sejam utilizados materiais de alta qualidade, com técnicas e ferramentas avançadas utilizadas de maneira bem-sucedida em outras localidades, juntamente com informações locais da região. A fim de obter melhor entendimento e reconhecimento da população local, é essencial que se utilizem informações do próprio local e que se contextualizem as técnicas e ferramentas introduzidas. Na produção de materiais didáticos para conscientização, a existência de bacias-escola é essencial.

CONSIDERAÇÕES FINAIS No Japão, a ocorrência de desastres associados a fluxos de detritos e escorregamentos nos

municípios de Kure e de Hiroshima, no mês de junho de 1999, fez a população reconhecer a necessidade de fortalecimento de medidas estruturais, estabelecimento de métodos de evacuação mais eficientes, limitação de atividades humanas nas áreas de perigo, entre outros. Assim sendo, o governo japonês estabeleceu a Lei de Promoção de Medidas Preventivas contra Desastres de Sedimentos nas Áreas de Alerta de Desastres de Sedimentos (Lei de Prevenção de Desastres de Sedimentos) no mês de abril de 2000 (IPR, 2003). Desta maneira, o Brasil também deveria estabelecer leis similares a esta, visando à redução de perdas humanas e econômicas relacionadas a estes desastres.

Entretanto, não é possível assegurar proteção total à população somente através das leis estabelecidas. A previsão de ocorrência (quando, onde e qual o volume) de fluxos de detritos com alta confiabilidade é extremamente difícil. As características destes fluxos, tais como mecanismo de ocorrência e energia destrutiva, ainda não são bem compreendidas, nem sequer no âmbito científico. Devido à característica de ocorrência bastante repentina, a velocidade do movimento é alta e seu poder destrutivo é extremamente elevado, sendo que apenas um evento isolado é capaz de causar um enorme dano. Justamente por isso, a principal instrução relacionada aos fluxos de detritos deve ser similar àquele ensinamento e treinamento utilizado no caso de ocorrência de tsunamis, ou seja, “Salve sua vida com suas próprias forças”, por exemplo, uma reportagem da tragédia do Japão em 2011 (Sawaji, 2012).

Para que cada indivíduo possa salvar sua própria vida, não é suficiente correr e se afastar do local de perigo. Cada indivíduo precisa receber orientação relacionada à ações de proteção e defesa civil, aprendendo o que são os fluxos de detritos e como ocorrem. Portanto, é necessário que se construam mais bacias-escola para que cada comunidade possa compreender melhor os processos hidrológicos e as condições críticas de sua região. Assim, a implementação de bacias-escola é urgentemente necessária nas regiões montanhosas do Brasil.

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