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A cidade de São Paulo tem se notabilizado por manter a posição de liderança na economia brasileira, embora, juntamente com o Estado de São Paulo, venha sofrendo, nas últimas décadas, um processo de desindustrialização e diminuição de sua participação no Produto Interno Bruto do país. O novo modelo de inserção do Brasil na economia mundial, pautado por reformas estrutu- rais de caráter liberalizante, tem como uma de suas mais importantes expressões espaciais a con- solidação da capital paulista como pólo de cone- xão da economia e do território brasileiros com os fluxos globais de capital. São Paulo tem adquiri- do, assim, nos últimos anos, características de uma metrópole informacional, deixando de ser uma economia de produção de bens para tornar- se uma economia de desempenho de funções. A cidade segue a mesma tendência observada nas mais importantes metrópoles do planeta e, à me- dida que o Brasil se integra à economia mundial, passa a ser mais um centro de articulação do ca- pitalismo contemporâneo, alçado à condição de sistema mundial. 1 O processo de transformação da vocação econômica da cidade de São Paulo acentuou-se durante a década de 1990, e entre as inúmeras e diversificadas atividades terciárias, tem cabido à capital paulista concentrar os centros decisórios das corporações cujos produtos e serviços carac- terizam o capitalismo transnacionalizado da épo- ca atual. Em São Paulo estão as matrizes brasilei- ras da maior parte das empresas de finanças, tec- nologia, mídia, telecomunicações, publicidade, consultoria empresarial e companhias “pon- to.com” em atividade no país. Na capital paulista concentram-se ainda os segmentos mais qualifica- dos do mercado de trabalho brasileiro, a maior universidade e alguns dos melhores centros de pesquisa do país, a maior infra-estrutura de tele- comunicações do território nacional, o maior mer- IMPACTOS DA MUNDIALIZAÇÃO SOBRE UMA METRÓPOLE PERIFÉRICA Wagner Iglecias RBCS Vol. 17 n o 50 outubro/2002

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A cidade de São Paulo tem se notabilizadopor manter a posição de liderança na economiabrasileira, embora, juntamente com o Estado deSão Paulo, venha sofrendo, nas últimas décadas,um processo de desindustrialização e diminuiçãode sua participação no Produto Interno Bruto dopaís. O novo modelo de inserção do Brasil naeconomia mundial, pautado por reformas estrutu-rais de caráter liberalizante, tem como uma desuas mais importantes expressões espaciais a con-solidação da capital paulista como pólo de cone-xão da economia e do território brasileiros com osfluxos globais de capital. São Paulo tem adquiri-do, assim, nos últimos anos, características deuma metrópole informacional, deixando de seruma economia de produção de bens para tornar-se uma economia de desempenho de funções. Acidade segue a mesma tendência observada nasmais importantes metrópoles do planeta e, à me-dida que o Brasil se integra à economia mundial,

passa a ser mais um centro de articulação do ca-pitalismo contemporâneo, alçado à condição desistema mundial.1

O processo de transformação da vocaçãoeconômica da cidade de São Paulo acentuou-sedurante a década de 1990, e entre as inúmeras ediversificadas atividades terciárias, tem cabido àcapital paulista concentrar os centros decisóriosdas corporações cujos produtos e serviços carac-terizam o capitalismo transnacionalizado da épo-ca atual. Em São Paulo estão as matrizes brasilei-ras da maior parte das empresas de finanças, tec-nologia, mídia, telecomunicações, publicidade,consultoria empresarial e companhias “pon-to.com” em atividade no país. Na capital paulistaconcentram-se ainda os segmentos mais qualifica-dos do mercado de trabalho brasileiro, a maioruniversidade e alguns dos melhores centros depesquisa do país, a maior infra-estrutura de tele-comunicações do território nacional, o maior mer-

IMPACTOS DA MUNDIALIZAÇÃOSOBRE UMA METRÓPOLE PERIFÉRICA

Wagner Iglecias

RBCS Vol. 17 no 50 outubro/2002

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cado consumidor e a melhor rede de serviços cor-porativos de apoio às atividades de gestão dogrande capital (hotéis, centros de convenções,shopping centers, restaurantes, espaços de cultu-ra e lazer etc.), entre outras características.

Na metrópole de São Paulo localizavam-se,em 1998, as sedes de 35 dos cem maiores gruposempresariais brasileiros. Entre as cem maiores em-presas estrangeiras com atividades no Brasil, 54 ti-nham suas matrizes sediadas na capital paulistaou nas cidades de sua região metropolitana. Entreos cem maiores bancos privados nacionais, 44 ti-nham sede em São Paulo e um em Osasco, cida-de vizinha. Entre os bancos estrangeiros em ativi-dade no país, que não chegam a contabilizar umacentena, 94% possuíam suas matrizes brasileirasna cidade de São Paulo.

Enquanto no segmento dos maiores gruposnacionais e estrangeiros a metrópole paulista con-centra o maior número de sedes de empresas, em-bora – em razão de recentes fusões e privatiza-ções de companhias –, seja crescente o númerode corporações com sedes em vários Estados doBrasil, no setor financeiro a primazia da cidade deSão Paulo é incontestável. Entre os dez maioresbancos privados nacionais, sete tinham sede emSão Paulo no ano de 1998. Entre os dez maiores

bancos estrangeiros em atividade no país naquelemesmo ano, nove tinham suas matrizes na capitalpaulista. Além disso, a recente transferência daparcela do mercado de capitais que cabia à Bolsade Valores do Rio de Janeiro para a de São Paulotem concentrado a quase totalidade das corretorasde valores na cidade de São Paulo. Não bastassea concentração crescente destas empresas na ca-pital paulista, a maior parte delas instala suas se-des na porção sudoeste do município, alçada qua-se à condição de um novo centro da cidade.

A capital paulista caracterizou-se, no decor-rer do século XX, por concentrar as funções decomando de cada etapa histórica de desenvolvi-mento do capitalismo brasileiro. A formação, nadécada de 1990, de uma nova centralidade na ci-dade – para onde convergem as funções de arti-culação do mercado e do território brasileiros coma economia mundializada – é o objeto de reflexãodo presente texto, ainda que, por mais paradoxalque possa parecer, esse novo centro da cidade deSão Paulo se localize territorialmente junto à par-cela mais excluída da periferia paulistana. Comoafirmou Milton Santos, a metrópole paulista viveum processo de mundialização incompleto, seleti-vo e desigual. Nela se justapõem e se superpõemtraços de opulência, devidos à pujança da vida

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Tabela 1Concentração das Sedes das Grandes Corporações por Estado -1998* (%)

CEM MAIORESEMPRESAS PRIVADAS

NACIONAIS

CEM MAIORESEMPRESAS ESTRANGEIRAS

CEM MAIORESBANCOS PRIVADOS

NACIONAIS

BANCOSESTRANGEIROS

Região.Metropolitana de SP

35 54 45 94

Interior de SP 3 7 0 0

RJ 18 13 22 3

RS 9 4 7 0

MG 6 7 5 0

BA 7 1 2 0Outros Estados 22 14 19 3

TOTAL 100 100 100 100

* Por Receita Operacional LíquidaFonte: Balanço Anual – Gazeta Mercantil

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econômica, bem como suas expressões materiaise sinais de desfalecimento, graças ao atraso dasestruturas sociais e políticas. Tudo o que há demais moderno pode aí ser encontrado, ao ladodas carências mais gritantes (Santos, 1990).

A magnitude das transformações pelas quaistem passado a economia mundial no último quar-to de século permite inclusive que se avance emalguns aspectos da clássica leitura que Braudel eWallerstein fizeram do processo de desenvolvi-mento do capitalismo. Efetivamente transformadonuma economia-mundo de proporções planetá-rias, o capitalismo contemporâneo parece nãomais se organizar em zonas simplesmente concên-tricas, mas, em razão das possibilidades da revo-lução tecnológica das últimas décadas, em formade uma extensa rede composta de áreas geográfi-cas específicas pelas quais circulam seus fluxos demundialização (Castells, 2000). Está em curso umprocesso de redefinição das relações clássicas en-tre o centro e a periferia do sistema, e é a intera-ção entre um grupo de cidades dispersas espacial-mente pelo mundo que possibilita a organizaçãoe a otimização das funções da valorização do ca-pital em escala global. Uma espécie de nova LigaHanseática, cujos limites e dimensões são agoraplanetários. De fato, muitos centros urbanos sãodesnacionalizados, ou mundializados, e ainda quecada metrópole possua suas particularidades his-tóricas próprias e sofra os impactos da mundiali-zação a seu modo, os lugares específicos que asmetrópoles representam na economia global têmsido transformados por uma dinâmica comum, ca-racterizada pela mobilidade crescente do capital.É possível que esteja em curso a formação de umenorme sistema urbano, de caráter transnacional.É por meio deste novíssimo sistema urbano quese expressa material e territorialmente a mundiali-zação do capital. Obviamente, tal expressão nãose restringe a este sistema urbano, como nos mos-tra o exemplo dos tecnopólos, mas é nele que seconcretizam seus aspectos mais importantes.2

Parece não existir, porém, um tipo ideal decidade no capitalismo contemporâneo, mas ape-nas um sistema de cidades nos quais se articulamos processos de mundialização das relações capi-talistas. Neste sistema urbano transnacional as di-

ferentes metrópoles ocupam nichos específicosdentro das hierarquias funcionais nele estabeleci-das. Embora remonte ao início do século XX, oconceito de sistema mundial de cidades voltou aganhar fôlego nos anos de 1980, a partir de um ar-tigo de John Friedman e Goertz Wolff em que osautores procuravam relacionar a emergência denovos processos de urbanização em grandes me-trópoles do mundo a forças econômicas globais.3

A bibliografia sobre as cidades globais ou mun-diais é extensa e bastante heterogênea, congre-gando desde os entusiastas da idéia de que asgrandes metrópoles mundiais inserem-se, demodo crescentemente competitivo, numa searaglobal pautada pela luta por investimentos priva-dos até os que acreditam que, como categoriaanalítica, o conceito de “cidade global” ou “cida-de mundial” aplica-se a um reduzidíssimo conjun-to de metrópoles, as quais efetivamente concen-tram as funções de comando e controle da econo-mia contemporânea. Autores seminais na questãodas “cidades globais”, como John Friedman e Sas-kia Sassen, sustentam que tais metrópoles articu-lam espaços regionais, nacionais e internacionaisna economia mundial, sendo que entre aquelasque articulam espaços internacionais existem asmais notabilizadas, responsáveis pelas funções decontrole e comando das articulações financeirasmundiais. Neste seleto grupo estariam Nova York,Londres e Tóquio.4

Embora seja arriscada a comparação entre ci-dades tão distintas quanto Tóquio, Londres eNova York, ou São Paulo, Seul e México, ao se to-mar por semelhantes realidades muito diversas,cumpre notar que há uma série de característicaseconômicas, sociais, culturais e políticas comunsque são cada vez mais perceptíveis em todas es-sas aglomerações urbanas.5 As diversas metrópo-les que fazem parte do sistema urbano mundiali-zado deixaram de ser centros industriais e tiveramparte de sua economia urbana transformada pelodesempenho de novos papéis, sobretudo os rela-cionados às funções de comando e controle dosprocessos de valorização do capital que se difun-dem territorialmente pelo mundo. Elas são, na suamaioria, cidades “pós-fordistas”, com o predomí-nio do setor de serviços e emprego de recursos

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tecnológicos avançados em grande parte dos pro-cessos produtivos; sediam o capital global, ousuas filiais espalhadas pelo mundo, com destaquepara os grandes conglomerados financeiros mun-diais, as administrações das corporações transna-cionais e todos os serviços altamente qualificadosa eles associados (também chamados de setorquaternário), como os grandes escritórios de audi-toria e consultoria empresarial, as grandes segura-doras, os fundos de pensão, as bancas de advoca-cia, as agências de publicidade, os centros depesquisa universitária etc. Nessas metrópoles con-centram-se também as sedes das corporações dossetores de mídia, informática e telecomunicações,responsáveis pela profusão de produtos como no-tícias, cultura, tecnologias, estilos de vida etc.Maiores centros econômicos de seus respectivospaíses ou regiões são, em geral, os seus maiorescentros financeiros, comerciais e turísticos. Cons-tituem os maiores mercados consumidores e asmaiores áreas metropolitanas de seus países. Sãodestinos de fluxos de emigração e imigração econcentram os mais importantes portos e aeropor-tos de seus países.6

As forças econômicas globais incidem nãoapenas sobre a funcionalidade econômica dessascidades, mas também sobre suas estruturas so-cioespaciais. Essas metrópoles sofrem fortes pro-cessos de desindustrialização, com o abandono deáreas geográficas inteiras que não conseguiramsuperar o paradigma de produção anterior (fordis-mo, economia de escala, linha de produção con-tínua e pouco flexível etc.). Por conseguinte, en-frentam o desemprego estrutural, devido tanto àsinovações dos processos produtivos quanto à bai-xa qualificação de grande parte de seus contin-gentes de mão-de-obra urbana. Esta dinâmica temconduzido à informalização e à precarização dasrelações de trabalho, com a proliferação de ativi-dades desenvolvidas à margem da economia for-mal, bem como à deterioração urbana de modogeral, expressa na decadência dos padrões de qua-lidade de vida, no aumento da criminalidade vio-lenta, na degradação ambiental etc. Territorialmen-te, os impactos das transformações nos principaismercados de trabalho dessas grandes cidades refe-rem-se à polarização socioespacial urbana, com a

formação de espaços urbanos extremamente dife-renciados e segmentados, como os enclaves fortifi-cados, os guetos, os centros empresariais sofistica-dos, os shoppings centers etc. No entanto, a trans-formação das funções econômicas das cidades pa-rece não conduzir, necessariamente, como afirmamalguns autores, à dualização do mercado de traba-lho urbano e tampouco a reflexos disso na totali-dade da espacialidade urbana.7 A importância e adiversidade econômicas das metrópoles e o desem-penho das novas funções relativas às conexõescom os fluxos globais do capital podem dar origema uma vasta gama de atividades intermediárias, tan-to salarial quanto funcionalmente. O que caracteri-za as grandes metrópoles na atualidade é a visibili-dade de um extraordinário contraste social por oca-sião da proximidade espacial de uma extrema ri-queza ou pobreza, aparente em determinados bair-ros ou regiões da cidade, e não obrigatoriamenteem todo o espaço urbano.

Nas cidades conectadas aos fluxos globais decapital, convivem num mesmo território, dois cir-cuitos econômicos crescentemente apartados. Aomesmo tempo em que a casta de funcionários en-volvidos na gestão do capital transnacional semundializa, por meio da interligação cotidianacom seus pares alocados em outras regiões domundo, desenvolve-se nessas metrópoles umlumpen proletariado praticamente descartado daeconomia formal, também denominado de under-class, lumpentrash etc., e altamente fragmentado,tanto em razão da feroz disputa pelos parcos re-cursos disponíveis às parcelas urbanas mais pau-perizadas, como por clivagens variadas, relativas àetnia, à religião, à localização geográfica no meiourbano etc.8 A reestruturação econômica e a mu-dança social das grandes cidades resultam na cria-ção de uma massa de indivíduos pobres progres-sivamente isolados, cujas chances de avançar emtermos de mobilidade econômica e social sãomuito pequenas. As mudanças estimuladas pelareestruturação econômica mundial fizeram comque as agências governamentais municipais de-senvolvam estratégias para tornar suas cidadescompetitivas em termos de atração de investimen-tos privados. Os segmentos sociais menos favore-cidos são vitimizados tanto pelo desaparecimento

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dos postos de trabalho quanto pelas inversões deprioridades nas intervenções públicas, crescente-mente voltadas à viabilização de atividades corpo-rativas. O caso de São Paulo é modelar neste sen-tido, conforme veremos adiante.

Os dois modos de construção da cidade

O tema do crescimento vertiginoso e desi-gual da metrópole de São Paulo no decorrer doséculo XX já é relativamente conhecido. Existeuma significativa literatura a respeito, desenvolvi-da principalmente por cientistas sociais e urbanis-tas paulistas. Em geral, as pesquisas e reflexõessobre o tema apontam para um modelo de cresci-mento que se deu de modo discriminatório, porparte do poder público, em relação aos diversoscontingentes socioeconômicos presentes na me-trópole (Singer, 1975; Santos, 1990; Kowarick,1994; Maricato, 1996). Algumas pesquisas apon-tam questões mais específicas, como a da habita-ção, e mostram como, desde as primeiras décadasda industrialização paulista, a questão da moradiafoi bastante problemática para as classes trabalha-doras, obrigando-as a desenvolver estratégias queresultaram em encortiçamento, favelização e auto-construção de casas em loteamentos periféricos(Bonduki, 1994). Outros estudos demonstram asestratégias desenvolvidas pelas elites paulistanaspara isolarem-se das camadas populares, criandoespaços sociais diferenciados e exclusivos na me-trópole, bem como o abandono recorrente dessesespaços e sua ressignificação por parte das classespopulares (Rolnik, 1994; Frúgoli, 1998).

A polarização entre as “terras altas”, nos bair-ros de Campos Elíseos, Higienópolis e AvenidaPaulista, e as “terras baixas”, nos bairros do Brás,Bom Retiro e Barra Funda, que opunha industriaise barões do café a operários no início do séculoXX, atravessou as décadas e reproduziu-se em ou-tros territórios da capital paulista. Ao lado de umaideologia reacionária, que substituiu a mentalida-de higienista da elite paulistana do início do sécu-lo pela especulação imobiliária pura e simples so-bre terrenos ocupados pela população de baixarenda, sempre se manteve historicamente o dese-jo de auto-isolamento dos mais ricos e a tendên-

cia de concentração, num mesmo espaço urbano,das atividades de gestão do grande capital e a mo-radia das camadas mais abastadas da população.É por conta desta conjunção de fatores que a his-tória da urbanização da cidade de São Paulo é ahistória da periferização da pobreza e da criaçãoe do abandono de centralidades.

A periferização da cidade, que é responsávelpelas medidas grandiosas que caracterizam SãoPaulo e sua região metropolitana, se deu em todasas direções geográficas, em especial nos quadran-tes sul e leste. A criação de novas centralidades,porém, obedece há décadas um percurso, a partirdo centro histórico da cidade, em direção ao qua-drante sudoeste. Enquanto nos primeiros temposda industrialização paulistana a Praça da Sé e seuentorno concentravam as atividades políticas, so-ciais e econômicas desenvolvidas pelas elites, como decorrer das décadas, no entanto, o centro histó-rico teve suas funções econômicas redefinidas e aAvenida Paulista e arredores consolidaram sua he-gemonia como bolsão residencial dos setores so-ciais mais elevados e como centro de serviços so-fisticados, passando a sediar empresas do setor ter-ciário, como os grandes bancos paulistas.

Durante os anos de 1960 um boom imobiliá-rio consolidou a tendência paulistana de concen-trar numa mesma região da cidade a moradia daelite econômica e as atividades de ponta do capi-tal. A expansão do bairro dos Jardins, iniciada ain-da nas primeiras décadas do século, atingiunaquele período a margem do rio Pinheiros euniu-se ao então ainda pouco habitado bairro doMorumbi. A Avenida Brigadeiro Faria Lima, quecorta a região, foi alçada à condição de vetor des-ta nova expansão do centro em direção à regiãosudoeste da cidade. A extensão imaginária da Fa-ria Lima, composta pelo traçado ligando a imensaárea entre os bairros de Itaim e de Santo Amaro,paralela ao rio Pinheiros, começava, a partir deentão, a ser objeto de um novo movimento deespeculação imobiliária e valorização urbana.Centenas de terrenos, muitos ainda vazios, ouocupados por galpões industriais e residências declasse média, foram adquiridos por grandes agen-tes imobiliários e estocados, numa estratégia devalorização a longo prazo. Poucas plantas fabrisforam instaladas na região a partir de então, e to-

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das as apostas do mercado imobiliário apontavampara o crescimento das atividades de serviços emdireção ao bairro de Santo Amaro.

Santo Amaro, aliás, desde os anos de 1950 jáse notabilizava como a principal região fabril dacidade. O antigo município de vocação agrícola,situado ao sul da capital paulista, se transforma-ria, a partir dos anos de 1960, numa região vasta-mente povoada, principalmente pelas camadaspopulares, formadas por milhares de trabalhado-res migrantes que afluíam para a metrópole atraí-dos pelo emprego industrial ou pelas atividadesde suporte a ele. Acompanhando o rio Pinheirose a antiga linha da ferrovia Sorocabana, estabele-ceu-se ali o principal pólo da grande indústria nomunicípio de São Paulo. Os trabalhadores empre-gados nas fábricas ocuparam, ao longo do tempo,as regiões menos valorizadas, nos barrancos en-tre as represas (enfrentando uma legislação deproteção dos mananciais que impediria a ocupa-ção dessas áreas) e, no lado oeste do Pinheiros,adensando a ocupação de distritos como CampoLimpo e Capela do Socorro, e ao longo das estra-das do M’Boi Mirim e Itapecerica. A chegada des-sa população operária transfigurou completamen-te o antigo bairro de Santo Amaro, sendo a ex-pressão mais visível disso o Largo Treze de Maio,espaço central de toda a região. Ele se tornou nãoapenas ponto regional de conexão dos transpor-tes, mas também centro de comércio e convivên-cia onde ressaltam os traços de uma cultura nor-destina transplantada (Sader, 1988).

Cenesp e Berrini: marcos históricos e geográficos

O traçado entre a Avenida Brigadeiro FariaLima e o bairro de Santo Amaro experimentou, en-tre as décadas de 1970 e 1990, tanto uma brutal va-lorização imobiliária quanto uma modificação sig-nificativa de sua vocação econômica e de sua pai-sagem arquitetônica. A região já possuía uma sériede equipamentos urbanos, construídos pelo poderpúblico, que constituíam seu potencial como futu-ra extensão territorial das atividades de gestão dogrande capital. Entre eles destacam-se as marginaisdo rio Pinheiros e o Aeroporto de Congonhas, bem

como uma diversificada malha viária que desde oinício do século servia de interligação entre o bair-ro de Santo Amaro e o centro da cidade.9

No espaço de vinte anos formou-se o maiordistrito corporativo do país. A região urbana aquidenominada “Vetor Sudoeste” refere-se à extensãoda Avenida das Nações Unidas, também conheci-da como Marginal Pinheiros, compreendida notrecho de cinco quilômetros entre a Avenida dosBandeirantes e a Ponte Transamérica, na zona su-doeste da cidade de São Paulo. Neste trecho,outrora caracterizado pela presença de plantas egalpões industriais, bairros residenciais de classemédia e terrenos baldios, à margem direita, e porfavelas e bairros de classe média baixa, à margemesquerda do rio Pinheiros, está se formando, des-de o início dos anos de 1990, a região terciáriamais dinâmica da América Latina. Na margem di-reita do rio estão sendo construídos os maiores,mais caros e mais avançados empreendimentosimobiliários do país, nos quais se instalam corpo-rações brasileiras e transnacionais de setores deponta da economia contemporânea, bem comohotéis de luxo, centros de consumo sofisticado einfra-estrutura diferenciada de lazer. Na margemesquerda do rio consolidam-se os bairros habita-dos por populações de baixa renda.10

Os marcos históricos e territoriais do VetorSudoeste são o Centro Empresarial São Paulo, fun-dado em 1977, e a Avenida Eng. Luiz Carlos Ber-rini, construída sob uma região de várzea, porconta dos empreendimentos imobiliários ali reali-zados pela construtora e incorporadora Bratke eCollet. No Centro Empresarial São Paulo concen-tram-se sedes de algumas grandes corporações ena Berrini existem mais de quarenta edifíciosonde espalham-se centenas de empresas de su-porte às transnacionais que se instalaram em todoo Vetor Sudoeste. Enquanto a Berrini, situada nobairro do Brooklin, interliga-se à Avenida dosBandeirantes e aos bairros do Itaim, Moema e Ae-roporto, numa região relativamente próxima aocentro da cidade, o Centro Empresarial São Paulolocaliza-se quase no outro extremo da MarginalPinheiros, próximo ao centro de Santo Amaro eao Jardim São Luís, bairro situado à margem es-querda do rio e porta de entrada da periferia dazona sul de São Paulo.11

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O bairro do Brooklin faz parte do cinturãode regiões intermediárias entre o centro da cida-de de São Paulo e o antigo município de SantoAmaro, e começou a ser urbanizado ainda na dé-cada de 1910, quando já havia interligação férreaentre as duas localidades. O Brooklin é, efetiva-mente, uma região que sofre processos de espe-culação e valorização imobiliária desde o iníciodo século XX. O bairro que tinha, até meados dosanos de 1970, uso predominantemente residenciale, em menor escala, industrial, tornou-se, a partirdos anos de 1980, o entorno da mais marcante in-tervenção do capital privado sobre o traçado ur-bano da história da cidade de São Paulo. A cons-trução da Berrini, a avenida que corta o bairro, foiuma invenção da Bratke Collet, numa operaçãopraticamente monopolista (Fujimoto, 1994; Frúgo-li, 1988). Já o bairro do Jardim São Luís tem suaorigem no processo de periferização da cidade,formado por áreas até hoje pouco valorizadaspelo mercado imobiliário e habitadas pelas popu-lações de baixa renda, que nele difundiram o pa-drão tradicional de moradia popular em São Pau-lo, com a multiplicação de favelas e a autocons-trução de casas próprias.

Em termos arquitetônicos, o Vetor Sudoestedestaca-se de todas as outras regiões da cidade. Osvários prédios erguidos na extensão da MarginalPinheiros nos últimos anos caracterizam-se peloestilo “pós-moderno”. As torres rompem com aausteridade da arquitetura modernista, que valori-zava as formas retas e funcionais, a parcimônia dascores e, como materiais, o concreto e o vidro. Háum uso maior de diagonais, de volumes que saemdo retângulo ou criam incisões nele, de elementoslúdicos, de materiais coloridos, de transparências,de sacadas e paisagismos. O andar térreo da maio-ria das torres possui um saguão com pé direito altoe bastante jardinagem. Trata-se de uma arquiteturaque não se pretende tão racionalista quanto a mo-dernista, dando mais espaço à subjetividade dosefeitos e ornamentos. No lugar do concreto, expe-rimentam-se combinações inusitadas entre granitoe vidro, diagonais, cilindros longitudinais, alumí-nio, reentrâncias, originando uma simetria inusita-da das formas dos prédios com a planície espelha-da do rio Pinheiros e configurando um skylinetotalmente novo no horizonte da cidade e comple-tamente diverso da tradicional imagem da São

Paulo cinzenta dos mil prédios, que tanto caracte-rizou a metrópole em seu período industrial.12

Não há, em todo o território nacional, con-centração tão expressiva de empreendimentoscom padrão de construção e funcionamento tãoavançados quanto no Vetor Sudoeste da capitalpaulista. As torres de escritórios que estão sendoconstruídas na região incorporam também todasorte de inovações tecnológicas em termos de ad-ministração predial, segurança patrimonial e infra-estrutura de telecomunicações internacionais. Es-tas torres são popularmente conhecidas como“prédios inteligentes”. Possuem área de laje supe-rior a 1000 m2, sistema de ar-condicionado central(ACC), sistema de termoacumulação, sistema de re-gulagem automática da iluminação artificial internados prédios de acordo com a luz vinda do ambien-te externo, estruturas flexíveis para upgrades dehardware e de telecomunicações, toda sorte deequipamentos para o estabelecimento de conexõescom qualquer parte do mundo, como redes corpo-rativas de intranet, internet e salas de video-confe-rência ligadas por antena via satélite a diversas lo-calidades do mundo, além de avançados sistemasde segurança predial, como detectores de variaçõesbruscas da temperatura ambiente e sistemas anti-in-cêndio. As instalações internas são bastante flexí-veis e permitem modificações de utilização deenergia e de layout, providenciais para os upgradesde hardware que se sucedem a cada ano.

Real Parque e Peinha: marcos da fronteira

Enquanto a margem direita do rio Pinheirosse notabiliza por concentrar as sedes de algumasdas mais importantes corporações transnacionaisdo setor terciário avançado, na margem esquerdado mesmo rio situam-se duas favelas, Real Parquee Peinha, cuja fundação data dos anos de 1960, ecuja localização em frente ao novíssimo distrito denegócios configura uma espacialidade bastante tí-pica das grandes metrópoles mundiais no atualperíodo de expansão capitalista, com uma pro-nunciada proximidade física entre realidades so-cioeconômicas extremamente díspares. São comu-nidades que foram poupadas do processo recente

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de remoção de favelas ocorrido no Vetor Sudoes-te e, encravadas nos morros da margem esquerdado Pinheiros, simbolizam toda uma vastidão peri-férica que se inicia a partir delas, em direção aosquadrantes sul e sudoeste da cidade, onde suce-dem-se uma multiplicidade de bairros formadospelos ciclos de periferização da cidade ao longodas últimas décadas, nos quais vivem alguns mi-lhões de indivíduos desde sempre privados demelhores condições e oportunidades de vida.

As favelas inseriram-se, em certo momentohistórico, numa determinada lógica de expansãoimobiliária da cidade e de barateamento, para ocapital, dos custos de reprodução da força de tra-balho. A maior parte delas, situadas em terrenospúblicos e regiões altamente cobiçadas pela espe-culação imobiliária, foi paulatinamente arrancada,ao longo dos anos, do caminho por onde o gran-de capital fez a sua marcha em São Paulo. Nãoraro o poder público colocou-se ao lado do inte-resse privado e expulsou com violência os mora-dores de inúmeras favelas para as regiões maisperiféricas da cidade e mesmo para outros muni-cípios da região metropolitana.13 Às reformassaneadoras do início do século que visavam cir-cunscrever e controlar as classes populares e hi-gienizar a cidade, por meio do combate à disse-minação das pestes atribuídas aos mais pobres,sobrepôs-se sem rodeios o puro e simples interes-se econômico do capital imobiliário. Algumasgestões municipais da cidade de São Paulo nasúltimas décadas reproduziram a velha imagem as-sociada aos cortiços e habitações populares doinício do século, pela qual as favelas eram vistascomo uma anomalia do desenvolvimento urbanoe um mal a ser extirpado. Por trás desta formula-ção ideológica, residiam as pressões do capitalimobiliário pela desobstrução de regiões inteiras aserem redimensionadas, valorizadas e ocupadas poroutros estratos sociais e por outras funções urbanas.

Fundada em meados dos anos de 1960, a fa-vela da Peinha encontra-se assentada sobre terre-nos público e privado, num morro no Jardim San-to Antônio, emoldurada pela Marginal Pinheiros epela avenida João Dias. Tem como vizinhos oCentro Empresarial São Paulo, a empresa Origindo Brasil e o terminal de ônibus João Dias. Sua

população, estimada em 2,5 mil pessoas divididasem 446 famílias, mora, em sua grande maioria, emcasas de alvenaria construídas no sistema de auto-construção (85%), sendo que o restante possuibarracos de madeira em áreas de risco de desaba-mento. A maior parte dos moradores é proceden-te de Minas Gerais, mas há uma pequena verten-te nordestina, proveniente das zonas rurais dePernambuco, Alagoas e Bahia. A grande maioriados descendentes destes migrantes já é nascidaem São Paulo. Em geral, seus moradores têm bai-xo grau de escolaridade e desempenham funçõesde pouca qualificação no mercado de trabalho.

Fundada também em meados dos anos de1960, por trabalhadores migrantes que vieram aSão Paulo para a construção do Estádio do Mo-rumbi, a favela Real Parque encontra-se assentadaem terreno público sobre um morro do subdistri-to de mesmo nome, entre os bairros do Morumbie do Brooklin, separados pela calha do rio Pinhei-ros. Tem como vizinhos um terreno desocupado,de propriedade da Eletropaulo, e diversos condo-mínios residenciais de alto padrão, situados nosubdistrito vizinho de Paineiras do Morumbi. Suapopulação foi estimada, em 1994, em 7,5 mil pes-soas. A maior parte de seus habitantes tambémmora em casas de alvenaria construídas no siste-ma de autoconstrução, embora ainda existam di-versos barracos construídos com material precá-rio, como madeira e papelão, e grande parte dasmoradias está situada em área de risco de desaba-mento. A maior parte dos moradores é formadapor migrantes mineiros e nordestinos, mas seusdescendentes são nascidos em São Paulo. O níveleducacional e o padrão de qualificação profissio-nal dos moradores é bastante semelhante ao dosmoradores da favela da Peinha.

O Vetor Sudoeste, pelos seus atores

O que o senhor vai querer perguntar para um

homem pobre, analfabeto e feio como eu?

Sr. Valdomiro, morador da Favela Real Parque

Vivemos na era do capitalismo mundializa-do, de cunho financeiro e transnacional, cuja ma-

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nutenção recai sobre centenas de milhares deexecutivos ao redor do mundo que, por meio deseu trabalho cotidiano, realizam aquilo que sechama, genericamente, de globalização. Na cida-de de São Paulo a maior concentração desses pro-fissionais ocorre na região sudoeste.

Trabalhadores de alta qualificação, os gesto-res ou executivos das corporações transnacionaislidam com uma rotina de trabalho dominada porfluxos imateriais de capital. Estão envolvidos ematividades tão diversas como finanças, desenvolvi-mento de software, auditoria e consultoria empre-sarial, negócios jurídicos, mídia, publicidade, enge-nharia, arquitetura, administração da produção etc.Lidam com bens e serviços de produção e circula-ção mundial. Têm à sua disposição vasta gama deinformações, variáveis e condicionantes para querealizem tomadas de decisões e se destacam aque-les que fazem uso destas ferramentas com mais in-teligência e criatividade. Ao contrário das antigaschefias dos primórdios da industrialização ou dosfuncionários de colarinho branco surgidos do apro-fundamento da divisão social do trabalho na linhade produção, cujas funções eram controlar o ritmodo processo de trabalho, é da utilização ótima dosrecursos informacionais e intelectuais que têm adisposição que os trabalhadores envolvidos na altagestão das transnacionais movimentam a dinâmicade produção do valor nos dias de hoje. É de se su-por que, para tanto, possuam habilidades em com-preender e apreender novos conceitos e adaptar-sea novas situações, e que, por esta razão, ocupem otopo da pirâmide salarial.

O perfil educacional e socioeconômico queestá se formando no interior das corporações pre-sentes no Vetor Sudoeste e nas atividades de su-porte a elas é significativamente diverso da médiado restante da metrópole. O nível educacional dosfuncionários empregados é bastante elevado, secomparado ao mercado de trabalho paulistano ebrasileiro.14

O nível educacional dos nossos funcionários estádentro de uma média comparada às outras em-presas de tecnologia. Mas no caso da Oracle, euacho que 90 a 95% das pessoas são graduadas; onível é muito alto nesse aspecto, porque a opera-ção precisa de pessoas com esse perfil. Existe

também um número muito grande de pessoaspós-graduadas. Em todas as funções gerenciaispara cima nem entra se não tiver graduação. Issoé pré-requisito (Érica Ramos, Gerente de Comuni-cações da Oracle).

Outra característica marcante do perfil edu-cacional dos funcionários das corporações trans-nacionais que se instalam no Vetor Sudoeste da ci-dade é o conhecimento avançado de pelo menosuma língua estrangeira, preferencialmente a ingle-sa, considerada ferramenta corriqueira para as ro-tinas de trabalho.

O funcionário do ABN é jovem, de 20 a 29 anos,90% é graduado, alguns são pós-graduados. Aquina Matriz, como são pessoas com cargos mais ele-vados, isso muda um pouco o perfil socioeconô-mico, que é mais alto. Pelo fato de o banco serinternacional, a maioria das pessoas que traba-lham aqui tem pelo menos mais um idioma, queé o inglês, e, em alguns casos, é desejável o es-panhol. Isso muda muito o perfil das pessoas quetrabalham aqui, pois quando você vai selecionaro funcionário você leva em conta os idio-mas...nem todos aqui, desde o boy até o presi-dente do banco, estão nesse nível. Mas pelo fatode termos mais cargos gerenciais do que opera-cionais aqui, o nível é mais elevado. E com rela-ção ao perfil dos trabalhadores da região, talvezseja possível afirmar que haja semelhanças, poisnão há fábricas nos arredores, e a vocação dasempresas aqui é praticamente a mesma (RuthSampaio, Gerente de Recursos Humanos do ABNAmro Bank).

Os níveis de remuneração desses trabalha-dores e seus efeitos em termos de poder aquisiti-vo são proporcionais tanto às responsabilidadesque acumulam na gestão de grandes operaçõesquanto à exigência crescente que as empresas fa-zem em termos de qualificação.

Eu diria que também noventa e tantos por centodas pessoas têm carro, têm apartamento, têm te-lefone. Se alguém fizesse uma pesquisa de poderaquisitivo, desse tipo de coisa, de aquisição debens materiais, eu acho que a média seria muitoelevada. Todo mundo faz viagem internacional,todo mundo fala uma segunda língua. O nível émuito alto (Érica Ramos, Gerente de Comunica-ções da Oracle).

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Nós temos um salário médio da ordem de 4.500dólares mensais; eu diria que é um perfil acimada média, tanto para o mercado bancário quantopara o mercado em geral (Carlos Alberto Miranda,Vice-Presidente do Chase Manhattan Bank).

Desenvolve-se entre os funcionários das em-presas da região sudoeste uma identidade corpo-rativa, que não apenas atravessa as distinções na-cionais e culturais mas parece inclusive ser maisforte do que elas.

O nosso funcionário tem acesso às tecnologias deponta no que diz respeito à informática, que sãosuportes, ferramentas, e no que diz respeito aprodutos e serviços internacionais. Nós comercia-lizamos produtos e serviços internacionais. Todosnós temos acesso a isso, ou por estarmos traba-lhando com esses produtos e serviços, ou atravésde treinamentos específicos sobre determinadosprodutos que estão disponíveis. Nós temos umsistema de e-mail com o qual falamos com omundo inteiro em real time. Com todo mundoque é Chase people, Chase mundo, a gente fala(Carlos Alberto Miranda, Vice-Presidente do Cha-se Manhattan Bank).

A rotina cotidiana de trabalho nos escritóriosé concebida a partir da operação global das corpo-rações, a qual pressupõe um intenso contato entreprofissionais oriundos dos mais diversos países,conforme mostram os depoimentos abaixo.

Eu, mais uma vez, acho que as empresas de tec-nologia têm muito desse perfil, e a Oracle tam-bém se destaca nisso. Gerência para cima todomundo faz pelo menos uma viagem a trabalhopor ano. É essa coisa da integração, da interaçãocom a operação mundial. A Oracle teve um pro-cesso forte de globalização há três ou quatro anosatrás. Hoje se você trabalha na área de suportetécnico e tem uma reunião da área de suporte téc-nico em Orlando, ou em San Francisco, ou ondequer que seja, se você tem aqui uma função es-pecífica que requer que você vá para lá, você vaicom muita facilidade. Então, viagens internacio-nais para reuniões, para encontros, para eventos,isso é muito comum. Temos todo tipo de cone-xão, de comunicação para fora, através de inter-net, intranet, linha especial, linha dedicada, cone-xões de todo tipo, vídeo-conferência, equipamen-to para conference call, temos todos os recursos

para se comunicar com o mundo... para nós émuito simples. E não podia ser diferente, a Ora-cle é uma empresa de tecnologia (Érica Ramos,Gerente de Comunicações da Oracle).

Temos um ambiente de trabalho moderno, forte-mente informatizado, ligado em rede, nacional einternacionalmente. O contato com o mundo, via-gens e contatos com estrangeiros são freqüentes.Há muito intercâmbio eletrônico de informaçõescom as demais Andersens do mundo (Mark Niel-sen, Diretor de Recursos Humanos da AndersenConsulting).

Temos aqui na região um escritório do bancopara a América Latina e Caribe. As pessoas quetrabalham lá ficam muito mais fora do país do queaqui. E ali circulam muitas pessoas de vários paí-ses todos os dias. Os contatos com o exterior sãodiários, daí o porquê da necessidade da língua. Ocontato é intenso, e o banco não sobreviveria semele (Ruth Sampaio, Gerente de Recursos Huma-nos do ABN Amro Bank).

Embora haja cotidianamente um contato tãopronunciado com pessoas originárias de várias re-giões do mundo, cuja circulação na região su-doeste da cidade de São Paulo é cada vez maior,parece ser pouco comum aos profissionais que alitrabalham uma aproximação com outros grupossociais que lhes sejam geograficamente próximos.O diálogo com a executiva da Oracle deixa trans-parecer o gradual distanciamento que está ocor-rendo entre os setores do mercado de trabalhoalocados nas grandes corporações e o restante dacidade, e, em especial, com os demais contingen-tes presentes na sua porção sudoeste.

P: Tem uma vida pública na rua, mas as pes-soas usam o passeio público ou ficam no escritó-rio o tempo todo? As pessoas andam na rua, inte-ragem, vêem pessoas de outros níveis?

R: Acho que pouco. Acho que aqui lembraum pouco o jeitão americano mesmo: grandesempresas, com grandes pátios de estacionamento,as pessoas entram e passam os seus dias inteirosaqui. Eu diria que você gasta alguns minutos indoalmoçar, nada mais que isso. Não é como umaavenida Paulista, onde se tem um ambiente exter-no grande, diversificado... aqui não. Mas quandovocê anda, é um perfil muito alto. Todo mundotem o mesmo perfil. É outro universo. Mesmo eu

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que estou aqui há muito tempo, estranho quandoando em outro lugar, como na Paulista, eu me sin-to totalmente desconfortável. Porque aqui é umperfil único mesmo.

Carlos Alberto Miranda, Vice-Presidente doChase, concorda: “Sim, tem um pouco isso de sairna rua, mas é uma coisa pequena. O cara anda150, 200 metros, e volta.

Há problemas infra-estruturais na região que,se não impedem, dificultam em muito o uso dopasseio público pelos executivos que ali trabalham.Não houve, ao longo do tempo, a criação de umainfra-estrutura urbana minimamente agradável paraum uso da via pública que não o dos automóveis.“A praça, enquanto lugar público em que se en-frentam formas de sociabilidade antagônicas, é ocenário de exorcização das diferenças sociais pormeio do sentimento comunitário, portanto, palcoprivilegiado para a exibição dos conflitos e seu en-frentamento através da palavra, dos gestos e postu-ras corporais. Ao esvaziamento da praça corres-ponderá um silêncio das vozes” (Andrade, 1997).

Existe um pouco de trotoir, mas é pouco, porqueo espaço é completamente inadequado para isso.As calçadas e as ruas não foram projetadas paraesse tipo de coisa. As poucas praças que existempor aqui são anteriores ao desenvolvimento da re-gião e não foram pensadas para essa função. Asruas não têm tamanho para comportar o númerode carros que afluem para a região e o caos notrânsito é enorme aqui (João Marcelo R. Saraiva,Consultor da Watson Wyatt).

Além das dificuldades práticas para o uso doespaço público, aflora nos depoimentos dos exe-cutivos a questão da criminalidade, permeadapela visão que associa espaço público e violência.

Esta é uma região relativamente tranqüila. Aqui écurioso que você não tem talvez aquele movimen-to típico da avenida Paulista, os pequenos roubos,os assaltos, porque lá é um número muito maiorde pessoas, porque o perfil é mais diversificado...mas aqui você tem grandes roubos, grandes assal-tos em que matam pessoas na porta do Carrefour,ou assaltos a banco ali na esquina, em que matamdois vigias no carro forte. Você tem um outro tipode violência. Não é aquela violência típica do rou-bo da carteira, mas são coisas mais pesadas. Aqui

a gente fica sabendo de grandes coisas. É engra-çado, aqui, quando a gente fica sabendo, sãograndes assaltos, ação de quadrilhas. Eu acho queaté em função do perfil que tem nessa região. Operfil de assalto é outro. Eu já presenciei vários.Vem helicópteros. A questão da segurança aquinão vai para o cidadão comum, mas para a pró-pria segurança das empresas (Érica Ramos, Geren-te de Comunicações da Oracle).

Na região podem haver eventuais arrombamentosde carros. O que dá medo aqui é que a noite asruas são extremamente escuras, o bairro é muitodeserto, todos os pontos comerciais fecham apósas 18h00. Mas o bairro, durante o período diurno,é bem mais tranqüilo do que o Centro ou a Pau-lista (Ruth Sampaio, Gerente de Recursos Huma-nos do ABN Amro Bank).

A questão do aumento da criminalidade vio-lenta na região é vista, no entanto, como umaquestão de tempo. Circundados por uma realidadesocial na qual a violência adquire característicasquase epidêmicas, a tendência é que os funcioná-rios corporativos, tomados por uma sensação deque estão sendo sitiados pelo ambiente externo, sefechem cada vez mais dentro de suas torres deescritórios.

Aqui é um lugar tranqüilo. Aqui é bem mais segu-ro do que a Paulista. Agora, se você sobe mais 1000metros e esbarra na avenida Santo Amaro, vocêpassa a ter todos esses tipos de problemas. O cor-redor de trânsito e o fluxo de pessoas aqui aindanão suscitou esse tipo de violência, mas eu acredi-to que isso vai ser uma questão de tempo. A regiãovai passar a ser alvo deste tipo de ocorrência, natu-ralmente. A violência é gerada por um desníveleconômico e social muito forte. Essas pessoas queestão fazendo a violência estão tentando sobreviverde alguma forma, ganhar o dinheiro delas de algu-ma forma, e na hora que a coisa começa a ficarmais difícil de se fazer isso lá na Paulista, ou na ave-nida Santo Amaro, eles vão ver o que é mais fácil.Mas vai ser na rua isso, não dentro do prédio, vaiser no passeio público (Carlos Alberto Miranda,Vice-Presidente do Chase Manhattan Bank).

Enquanto em alguns depoimentos se reco-nhece a desigualdade social e econômica acentua-da que caracteriza a realidade brasileira, outras fa-las parecem reduzir toda a questão da proximida-

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de física de contingentes tão díspares entre si auma questão praticamente naturalizada, a qualpode ser evitada com o reforço dos aparatos desegurança.

Não vemos nenhum problema. Nunca tivemosnenhum problema aqui. Temos uma equipe e umsistema de segurança muito eficazes. Essa é umaquestão social, com a qual temos de conviver.Essa realidade não nos prejudica de forma algu-ma (Gabriela Andrade, Gerente de Marketing doWorld Trade Center).

Atravessa também os depoimentos dos fun-cionários corporativos certa desesperança em re-lação à mudança deste estado de coisas, desta dis-paridade aguda que é vista e reconhecida, aindaque a experiência cotidiana dessas pessoas estejacada vez mais influenciada pelos condicionantesglobais. As falas dos executivos das transnacionaisnão exprimem propriamente um desprezo em re-lação aos mais pobres que moram em favelas aoalcance de seus olhos através das janelas dos es-critórios em que trabalham. Numa cidade comoSão Paulo não se pode deixar de perceber a po-breza. Mas as falas denotam certa descrença emrelação à solução do problema, à superação deuma característica tão forte da nossa conformaçãosocial. Talvez denotem simplesmente indiferença.Como afirmou Milton Santos, os fragmentos resul-tantes do processo de mundialização articulam-sesegundo lógicas duplamente estranhas: por suasede longínqua, distante do espaço da ação, epela sua inconformidade com o sentido preexis-tente da vida na área em que se instala, produzin-do uma verdadeira alienação territorial (Santos,2000). O executivo da Birmann utiliza a metáforado conquistador inglês na Índia, imortalizada emfilmes clássicos, para fazer referência não propria-mente à pretensa e discutível missão civilizatóriados colonizadores britânicos no Oriente, mas simpara aludir à extrema disparidade de condiçõessocioeconômicas entre uma elite reduzida cercadade pobreza por todos os lados, tão visível nas te-las de cinema quanto nas ruas de São Paulo.

Nós que vivemos em São Paulo vivemos dessamaneira. Somos mais ou menos como o conquis-

tador inglês que vivia na Índia. Esse é o nossopresente. E não há nada que diga que essa situa-ção vá mudar no futuro. Isso deve se aprofundar.Há um mecanismo que traz esse pessoal mais po-bre para um nível de consumo mais aceitável.Mas a dinâmica contrária é muito maior. Não hánada nos três níveis de governo ou da iniciativaprivada, em termos de iniciativas, que apontempara a mudança dessa situação (Ricardo Pinheiro,Diretor de Projetos da Birmann).

Diante do insulamento dos funcionários cor-porativos nas torres de escritórios e do aumento dacriminalidade violenta que é atribuída à proximida-de espacial de populações tão distintas em termossocioeconômicos, especula-se que o capital possa,uma vez mais, reproduzir seu padrão de cresci-mento territorial na cidade e eventualmente expul-sar para regiões longínquas as populações pobresque ainda habitam as proximidades das sedes dascorporações. Talvez possa mais do que expulsar,deslocando essas populações para “mais longe”.

Eu tenho medo que essas pessoas excluídas sejamainda expulsas para lugares mais longínquos. Vejao exemplo da Águas Espraiadas. Tiveram poder detirar aquelas pessoas de lá e tiraram. Não acho queos pobres possam invadir nossa região, mas quenós tenhamos poder de invadir, crescer e jogar es-sas populações ainda mais para longe. E eu não seionde é esse mais longe (Ruth Sampaio, Gerente deRecursos Humanos do ABN Amro Bank).

Do receio à indiferença, e da indiferença àbarbárie, pode ser um passo. Como bem diz Vi-viane Forrester em O Horror Econômico, “já nãoignoramos, não podemos ignorar que ao horrornada é impossível, que não há limites para as de-cisões humanas. Da exploração à exclusão, da ex-clusão à eliminação, ou até mesmo a algumas iné-ditas explorações desastrosas, será que essa se-qüência é impensável?” (Forrester, 1997). Talvez aíresida o caráter de funcionalidade da tragédia hu-mana que tem atingido tão fortemente a outramargem do rio.15

Você está vendo como os jovens estão se acaban-do? Sempre, sempre nós vai em velório. Velóriode pessoas amigas que moram por aqui. A gente

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que ainda não morreu ainda vai no velório dosoutros. Eu não sei se você pensa como eu penso,ou se você vê o que eu vejo, mas faz dó, rapaz.A gente vai no velório de alguém, no enterro dealguém, de cada vinte pessoas que são sepultadaspor dia, de cada vinte, quinze é jovem. E isso étodos os dias, uma rotina, todos os dias (Valdomi-ro Lima da Silva, Morador da Favela Real Parque).

Valdomiro, assim como inúmeros outros mo-radores das favelas Real Parque e Peinha, é ummigrante, que se instalou em São Paulo entre finsdos anos de 1960 e início dos de 1970. Traz emsua fala um gosto amargo, que muitas vezes nãoé corroborado por outros indivíduos que vierampara a metrópole na mesma situação que ele.

Eu sou, como diz, muito feliz em São Paulo. Mastambém tenho muitas guerra que eu já passei. SãoPaulo é um lugar muito bom, lugar de pessoa quesabendo levar a vida, ela vive. Mas sobre a vio-lência, também é demais. A gente pensa que temjustiça, mas não tem justiça. [...0 Tem violência,você vê aí, essa mortandade. Eu mesma perdi umfilho, meu filho não era bandido, nem marginal,menino trabalhador, menino honesto. Morreucom 25 anos, não teve nenhuma sujeira em com-putador nenhum. Perdi uma filha com 28 anos.Agora tá fazendo nove meses que mataram umneto meu com 19 anos. Ele era segurança aqui doprédio. Então eu sou uma pessoa muito revolta-da. Mas só que eu fiz muitos amigos aqui, que meajudou, como esse meu marido Antônio. São Pau-lo foi ótima, graças a Deus (D. Maria do SocorroPereira, moradora da Favela da Peinha).

Na maioria das vezes relegadas a uma con-dição menor pelo poder público, foi na sociabili-dade desenvolvida entre iguais, em relações deajuda mútua, que as populações pobres de SãoPaulo criaram noções de pertencimento no espa-ço metropolitano e deram sentido às suas vidas.Conseguiram trabalho, constituíram família e con-quistaram um lugar no mundo. “E foi por esseviés citadino de pertença à vida urbana, mesmofora da esfera da participação política, que a po-pulação encontrou o caminho para fazer valerseus interesses pela cidade. Tecendo uma rede deauto-ajuda e formas de sobrevivência nos porosda cidade, a população excluída fez do que lhe

restou da cidade um mundo de arrimo às suas ne-cessidades, numa referência de suas práticas,onde cabia até mesmo o devaneio, o sonho deuma feliz – cidade” (Pechman, 1997).

São Paulo toda vida pra mim foi boa. Tem maisvantagens do que a própria minha terra. Porquese a minha terra fosse boa eu tava lá. A minha ter-ra é muito difícil, muito escassa as coisas (D. Luí-za dos Santos, moradora da Favela Real Parque).

É importante notar que a experiência de vidaem São Paulo foi boa, como diz Luíza, ou ótima,como quer, apesar de tudo, Maria do Socorro. Masé situada no passado. De fato, para os migrantes,São Paulo foi boa porque na metrópole eles pu-deram, segundo sua ótica, experimentar algumgrau de mobilidade social, ter acesso a bens eoportunidades com as quais seus antepassados ja-mais puderam sonhar e, talvez, até mesmo vencerna vida. Esta noção de realização e êxito guardarelação com o referencial existencial original. Re-lativamente à situação social nos locais de nasci-mento, pode-se dizer que a longa trajetória que en-volveu a viagem até São Paulo, o estabelecimentona cidade por meio da obtenção de um lugar paramorar e um trabalho de onde tirar o sustento, aidentificação com este trabalho, o aprendizado denovos códigos de conduta, a formação de relaçõessociais de ajuda mútua, a constituição de uma fa-mília na cidade, o sentimento de ajudar a construira cidade, a afetividade daí decorrente resultaram,finalmente, na idéia de conquista de um lugar nomundo. Mas que se retenha a idéia de que SãoPaulo foi boa para as populações que para ela mi-graram e nela se estabeleceram, conquistando oseu lugar. Será que ainda continuaria a sê-lo?

Quando a gente chegou aqui, tinha muito empre-go. Mas de três anos pra cá São Paulo fracassou.Quando nós viemos pra cá tinha emprego demaisda conta. Só não trabalhava quem não quisessetrabalhar. Vinham buscar o pessoal em casa pratrabalhar. Agora é que tá desse jeito aí. Nós já vi-mos o que passamos na vida nossa. Agora, essacriançada que está aí agora, se Deus não por amão pra ver, como é que vai ser essa criançada,essa rapaziada nova, como é que vai ser? Nãopode comer porque não tem serviço mais? Não

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pode ninguém trabalhar então? (Sr. Antônio, mo-rador da Favela da Peinha).

Parece estar em vias de extinção a civilizaçãodo trabalho, fundada nas relações contratuais de-correntes de décadas de luta das classes trabalha-doras em todo o mundo, cuja maior característicaera o potencial para integrar milhões de indivíduos.

Olha, pensando bem, eu não sei nem como ana-lisar. Eu não sei nem o que falar. Eu não sei nementender como a maioria do povo vive. Tem pes-soas aqui que é trabalhador mesmo. Mulheres ehomens, são trabalhador mesmo. Mas não temaonde trabalhar, não consegue trabalhar. E tá vi-vendo. Agora, como, meu amigo, eu não sei. Ocampo de serviço, a faixa de emprego, a oportu-nidade para viver com o suor do próprio rosto,ninguém tá dando pra ninguém. A gente tá viven-do pela misericórdia de Deus (Valdomiro, mora-dor da Favela Real Parque).

Está em curso um processo de alteraçõesprofundas na existência material e na subjetivida-de dos pobres. Os grupos sociais menos privile-giados são os mais atingidos pela dinâmica econô-mica que assola uma metrópole como São Pauloe vivem hoje um sentimento de desilusão dianteda distância que se aprofunda entre os anúncios eas possibilidades oferecidas pela cidade. Se a in-dustrialização dos anos de 1950 em diante signifi-cou a chance, para milhões de brasileiros, de me-lhorar de vida através da migração para a metró-pole e, bem ou mal, a integração num universomaterial e simbólico marcado pelas idéias de cres-cimento, progresso e oportunidades para todos,os desdobramentos socioeconômicos que se aba-tem sobre a maior cidade do país só podem sig-nificar, neste momento, um sentimento de desen-canto, de decepção, de traição. Nas palavras deValdomiro:

No sentido de favorecer a vida do pobre, do traba-lhador, a coisa complicou. Então, quer que eu digacomo tá São Paulo agora? Agora? Uma droga. Todomundo inseguro, meu irmão. Vive todo mundo in-seguro. Agora não tem mais em quem acreditar.Não se sabe se acredita em governo... os governosatuais, prefeitos atuais, até mesmo na polícia.

Como acreditar? Não tem mais como acreditar. En-tão para mim está uma droga. Piorou. Recursos?Recursos para o pobre viver aqui? Aqui no sul dopaís, na grande cidade brasileira, tem mais pobredo que nas cidades mais pobres do Nordeste. NoNordeste o cara ganha dois reais por dia, três reais,mas sobrevive. Aqui as vezes o cara consegue ga-nhar vinte reais, mas ele é obrigado a gastar trintacom as explorações, de farmácia, de mercado,tudo. Aqui se paga pra tudo. Então não tem como.Não se vê o lado dos pobres. Muitos nordestinos,muitos da gente está aqui de teimoso, porque nãopode voltar para as suas terras. Desfez o que tinhalá, confiando em São Paulo, confiando no sul dopaís, confiando nos governos de São Paulo, dei-xando o que tinha lá... ou as vezes os mais ricostomaram dos mais pobres o que eles tinham lá.Veio parar aqui, o pobre veio parar aqui. Agora tálascado, porque agora nem aqui, nem lá (Valdomi-ro, morador da Favela Real Parque).

Após anos enfrentando as dificuldades de in-tegração a uma realidade completamente nova,pela qual tiveram de abandonar boa parte das re-ferências que balizavam suas condutas, adquirirnovas habilidades e tecer novas relações para in-corporar-se à vida metropolitana, os mais pobres,em especial os migrantes, sofrem as conseqüênciasda desarticulação do principal instrumento de for-mação de uma teia de relações sociais que permi-te a integração à sociedade: o trabalho. O desem-prego que se abate sobre os contingentes de mi-grantes que há décadas mudaram-se para São Pau-lo, e na cidade puderam estabelecer uma existên-cia social relativamente sólida, embora sempre per-meada de dificuldades, provoca perplexidade entreos indivíduos afetados, pervertendo o sentido queestes davam às suas trajetórias de vida. Em suma, acrise que se instala hoje sobre as populações pau-perizadas põe em xeque o lugar que elas ocupamno mundo. Como afirma Ianni, “é principalmentenas grandes cidades, metrópoles, megalópoles e,freqüentemente, nas cidades globais, que se locali-za a subclasse: uma categoria de indivíduos, famí-lias, membros das mais diversas etnias e migrantes,que se encontram na condição de empregadosmais ou menos permanentes” (Ianni, 1996).

Desmobilizados politicamente, mesmo vi-vendo na periferia da zona sul de São Paulo, umadas regiões mais efervescentes, nos anos de dita-

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dura militar e abertura política, em termos de mo-bilização política popular, os moradores das fave-las Peinha e Real Parque encontram-se impossibi-litados, em razão da falta de renda oriunda do de-semprego, de transitar pelo espaço urbano maisamplo. É comum nos dias de hoje se deparar comdezenas ou centenas de adultos, em dias úteis ounão, ociosos dentro de seus barracos. A cidadetransforma sua vocação econômica e sua paisa-gem e tudo o que os favelados conseguem expri-mir é estranhamento diante do que vêem.

Eu saio pouco daqui. Saio pouco. Mas às vezes eutenho que resolver umas coisinhas minhas, lá nocentro, e então eu vou. Teve uma época, uns tem-pos atrás, eu passei três meses sem ir à cidade. Aíeu peguei um ônibus pra ir lá no centro e eu fuilá no centro. Nós aqui nós pega essa avenida San-to Amaro quase toda. Ó, rapaz, faz dó, viu? Por-que eu conheci no decorrer dessa avenida SantoAmaro, tanto de um lado como do outro, direitae esquerda, cheio de lojinhas, fabriquinhas, bares,que há cinco, seis, oito, dez anos atrás, funciona-vam bonitinho, todo mundo fazia seus movimen-tos. Hoje em dia você anda lá, tá tudo fechado.Fechado. As portas tudo fechadas. Pichadas. Aplaca “aluga-se”, “aluga-se”, “vende-se”. E nin-guém se arrisca a alugar nada. É movimento zero(Valdomiro, morador da Favela Real Parque).

Como afirmou Kevin Lynch (1960), a cidade éo suporte material da memória. Mas Valdomiro jánão consegue reconhecer no espaço construído acidade que conheceu anos atrás. Busca resgatar ossignos de um tempo em que a metrópole davachances a todos, ou a quase todos, através da efer-vescência das atividades econômicas, tanto as maiscomplexas como, e principalmente, as mais sim-ples, como as lojinhas e fabriquinhas que funciona-vam “direitinho”, conferindo vigor e movimento àcidade, abrindo oportunidades e integrando indiví-duos. Ele se utiliza dos fragmentos da lembrança deoutros tempos e tenta ressignificar a realidade urba-na, ressaltando a infinidade de placas de aluguel evenda de imóveis que viu pela avenida Santo Ama-ro, e arrematando com a metáfora tão comum a tra-balhadores como ele: “é movimento zero”.

Possivelmente pelo fato de constituírem rea-lidade ainda nova, os prédios da Marginal Pinhei-ros são vistos pelos moradores das favelas, mas

não são reconhecidos, identificados ou captura-dos por elaborações mentais que possam lhe atri-buir gama muito variada de significados, pelo me-nos até o momento. A única percepção mais con-solidada é aquela imediata, que aponta para a hie-rarquização do espaço urbano. O diálogo comValdomiro ilustra a sensação de pouca familiarida-de diante da nova cidade que está se construindobem em frente à sua janela. Na impossibilidade defazer uso de referências novas para compreendero que significa sua nova vizinhança, Valdomiroserve-se da explicação da exploração da força detrabalho empregada na construção das torres paraconferir significado ao que vê.

P: A cidade está mudando muito. Muitas fábricasforam embora, existe muito desemprego, muitosprédios de escritórios estão chegando... porexemplo, aqui na nossa frente há todos esses pré-dios, o que será que a gente pode esperar disso?R: Eu acho que para o pobre, para a classe domédio ao pobre, quanto mais cresce a cidade,quanto mais se embeleza a cidade, quanto maispintam os prédios, é mais miséria pra gente. Maismiséria para o pobre. Porque pra fazer um prédiodesse, eu sei, eu que sou carpinteiro, eu sei o queé a construção civil porque eu sou carpinteiro, euajudei a construir muitos prédios aqui dentro dafavela, enfim, que hoje tá aí. Pra fazer um prédiodesses, se os donos quiser, eles faz dentro de umano, um prédio de vinte, vinte e cinco, trinta an-dares. A covardia está tanta, a lei está tão fajuta,tem empresário aí que faz um prédio de trinta an-dares dentro de um ano com os trabalhadorestudo clandestinos. Tudo clandestino. Com umano o prédio está pronto. Ninguém recebeu direi-to trabalhista, a miséria do trabalhador continua eos empresários é quem tá beneficiado. Só.

D. Luíza, por sua vez, vê na construção dastorres uma séria ameaça à permanência das popu-lações de baixa renda nos entornos da Marginal.Talvez a experiência traumática de ter presenciadoa retirada das favelas que existiam sobre o leito docórrego Águas Espraiadas, localizadas ao lado doque hoje são o Centro Empresarial Nações Unidase a sede da Rede Globo, seja o motivo mais forteque confere significação, aos olhos dela, para a vi-zinhança opulenta que se instala também diante dajanela de sua casa.

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Isso tudo aí era terreno vazio e favela. Isso dá umpouco de medo, porque o pessoal já fica cismadocom os prédios, né? Porque o rico pra tirar o po-bre é daqui pra ali. Então eles vai apertando comos prédios, né, e pra onde vai os pobres? (D. Luí-za dos Santos, moradora da Favela Real Parque).

Em determinados trechos da Marginal Pinhei-ros a imagem de grandes prédios envidraçadosnão dialoga com o restante do ambiente construí-do, como no caso do edifício sede da Microsoft,localizado numa região ainda pouco verticalizada,ao lado da Ponte João Dias e de frente para a Fa-vela da Peinha. Há um isolamento concreto entreo prédio e seu entorno que provoca um choquevisual entre a torre e o restante do que pode sercaptado pelo ângulo visual. Em outros trechos daavenida, notadamente na Chácara Santo Antônio ena região da Berrini, já bem mais edificadas, as tor-res se perfilam em número significativo, constituin-do propriamente a imagem de uma outra cidade,encravada dentro da cidade. As combinações inu-sitadas entre granito, alumínio e vidro, as formasdiagonais, cilíndricas, longitudinais e as reentrân-cias que compõem a estética desses prédios pare-cem fazer uma permanente homenagem a si mes-mas, demarcar uma ruptura com o tempo históri-co e com o espaço geográfico, ignorar tanto o en-torno construído quanto a dinâmica social exteriore isolar os prédios e seus freqüentadores em simesmos, através das paredes de vidro externas,que tão bem refletem o leito do Pinheiros comoespelham quem tenta invadi-las com o olhar.16

Ao contrário da São Paulo dos mil prédios,de um Copan ou de um Edifício Itália, por exem-plo, que com suas dimensões generosas pareciamquerer dizer para a cidade o quão capazes éramosem ser a locomotiva do país, a capital do progres-so, a cidade que não podia parar, as novíssimastorres de escritórios do Vetor Sudoeste parecemquerer demarcar, através da linguagem de suasformas, o quão diferentes são do restante da cida-de. Ao contrário da estética portentosa represen-tada na verticalidade fálica do mar de prédios,que caracterizava e tanto orgulhava a metrópolenos anos 1960 e 1970, e que afinal possuía umafunção integradora da imagem da cidade, a pare-de de torres de escritórios que se forma à margem

direita do Pinheiros dá ares de não querer estabe-lecer diálogo com o restante do espaço urbano.Não tem a pretensão de ser orgulho para ninguém(a não ser para seus incorporadores, construtorese proprietários, obviamente). Com efeito, umaúnica torre, como no caso da localizada ao ladoda Ponte João Dias, já é suficiente para demarcaras distinções em relação às cercanias.17

Daí talvez a dificuldade manifestada pelosmoradores do outro lado do rio em compreenderaquilo que se modifica tão rapidamente bem dian-te dos seus olhos. A estética que o horizonte da ci-dade adquire pode ser tão incompreensível quan-to as transformações do modo de acumulação quese processa, neste mesmo espaço urbano, nos úl-timos anos. Para Valdomiro, os prédios significammaior grau de exploração da mão-de-obra barata,farta como nunca na cidade. Para D. Luíza, repre-sentam a expulsão física da população pobre daregião para locais ignorados, desfazendo suas teiasde sociabilidade e desmantelando seus meios deganhar a vida. O desenvolvimento recente dos cir-cuitos de valorização do capital na cidade, todavia,podem indicar uma terceira opção, possivelmentepior do que as manifestadas por Valdomiro e Luí-za: a negação do acesso dessas populações à eco-nomia formal e aos direitos de cidadania. Não pro-priamente o aprofundamento da exploração a queestiveram submetidos durante anos, e que foi fun-cional em determinado momento do desenvolvi-mento econômico da cidade e do país, e tampou-co a expulsão para rincões periféricos, dada a pró-pria lógica da urbanização de favelas levada acabo em São Paulo desde 1992. Mas sim a mortecivil desses contingentes, desprezados pelo capitale servindo, na avenida de maior circulação da me-trópole, apenas como moldura visual de uma cida-de supostamente harmônica.

Expectativas para o futuro

As investidas realizadas pelo grande capital,associado a uma certa concepção histórica de in-tervenção do Estado sobre o espaço público, sãovistas como as causas do aprofundamento das di-ferenças econômicas e distâncias materiais e sim-

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bólicas entre os vários estratos sociais presentesna cidade. O acirramento das desigualdades, a ex-plosão da violência, a queda brutal de qualidadede vida, inclusive para os segmentos sociais maiselevados, são todos fatores apontados como resul-tantes da lógica que preside tanto a dinâmica eco-nômica atual, quanto o modo de se construir a ci-dade e a própria postura dos estratos que evitamou mesmo abandonam a intermediação públicapara a resolução dos conflitos.

Acho que as pessoas ou os poderes que estãoconstruindo esse mundo bem moderno aqui nafrente deixa de lado a vizinhança; por não tercontato, acho que eles vão sair perdendo. O quemudou em São Paulo é que nem para rico SãoPaulo é hoje uma cidade mais tranqüila. Antiga-mente acho que era. Nem segurança vai conse-guir manter quando esses mundos ficam tão dis-tantes. Acho que um dia vai ter conflito (Rudolf,da Associação Comunitária Monte Azul).

Vejo com pesar o destino que São Paulo está to-mando. Se, de um lado, São Paulo é uma cidadede diferenças que já abrigou raças e credos diver-sos, e por causa disso cresceu e se enriqueceucomo metrópole, por essa própria razão pode es-tar se acabando. Isto porque acho que São Paulosente direta e intensamente o acirramento de to-das as diferenças socioeconômicas e culturais exis-tentes no país. E isto faz com que a distância en-tre as pessoas de cada classe ou realidade cadavez aumente, com globalização versus marginali-zação, tornando muito difícil a convivência pacífi-ca. Conflituosidade e indiferença já são caracterís-ticas presentes, mas podem ser mitigadas pelasiniciativas já existentes que visam promover maiorcooperação e aproximação, defesa de direitos e dequalidade de vida, com movimentos de bairro, decidadania... é rezar e esperar!... (Patrícia Carvalho,Assistente Senior Marketing do BEAL).

Valdomiro, morador da Favela Real Parque,revela seu sonho:

P: Seu Valdomiro, o senhor tem algum sonho devida, que o senhor espera, o que o senhor espe-ra pra daqui a dez anos, pra vida do senhor e pravida do pessoal aqui?R: Em primeiro lugar, eu queria que mudassem asleis do nosso país. Que nós tivéssemos governos,autoridades mais sérias, que tivessem mais respei-

to com a nação. Que cumprissem o que eles pro-metem. Que chegasse ao conhecimento deles anecessidade de cada brasileiro, de cada pai de fa-mília, de cada mãe de família, e da juventude, queeles dizem e sabem que é o progresso do país.Essa juventude aí, ela é uma horta. Mas o donotem que zelar da horta. Se não zelar a lagarta vailá e come tudo. Acaba. E quem é o dono dessahorta? Não é as autoridades? Não é o senhor pre-sidente, não é os senhores governo, não é os se-nhores juizes? Não é esse povo? Então eles têmque cuidar da horta, porque senão o carunchocome. E o que é o caruncho? O que é o insetoque tá querendo devorar a horta? É a falta de cul-tura, que os jovens não vão ter...do jeito que vai,não vão ter; hoje em dia quem tem a oitava série,simplesmente a oitava série, é um analfabeto, éconsiderado ainda um analfabeto. Não é verdade?Então esse povo tem que abrir campo, abrir cam-po de estudo, de educação. E também nem só aeducação, como outros cuidados. Cuidados commoradia, dignidade, segurança para o jovem.Você está vendo como os jovens estão se acaban-do? Sempre, sempre nós vai em velório. Velóriode pessoas amigas que moram por aqui. A genteque ainda não morreu ainda vai no velório dosoutros. Eu não sei se você pensa como eu penso,ou se você vê o que eu vejo, mas faz dó, rapaz.A gente vai no velório de alguém, no enterro dealguém, de cada vinte pessoas que são sepultadaspor dia, de cada vinte, quinze é jovem. E isso étodos os dias, uma rotina, todos os dias. Agora,por que isso? Falta de segurança para a nação.Falta de educação para os jovens, falta de autori-dade para combater o tráfico de drogas, combateras drogas. Combater a prostituição. Ninguém vênada, ninguém vê nada, meu amigo. E se as au-toridades não tomar uma providência sobre issoaí... ai dos seus filhos, coitado do futuro dos seusfilhos, e também dos filhos deles também.

Faço do sonho de Valdomiro, homem “feio,pobre e analfabeto”, como ele mesmo se definiuquando de nosso primeiro contato, o sonho de mi-lhões de brasileiros que vivem cotidianamente a ex-periência da separação material e simbólica de ummundo que fazia sentido até outro dia, e que se re-cusam, através dos apelos a formulação de umaregulação social pública, a serem reduzidos ao pa-pel de párias. Eis o homem de escolaridade poucae de oportunidades de vida tão radicalmente estrei-tas que utiliza as lembranças da infância rural para

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metaforizar a sociedade e dar sua explicação sobreo mundo. Que o caruncho da privatização das rela-ções sociais não destrua a horta de Valdomiro. Quenão destrua a horta de todos nós.

Conclusão

O desenvolvimento recente do bairro globali-zado na região sudoeste da cidade de São Paulo de-monstra a prevalência de um capital que crescente-mente se mundializa, atravessa fronteiras territoriais,serve-se do Estado para maximizar a sua valoriza-ção e ignora parte significativa dos entornos geográ-ficos e sociais. Desenvolve laços de sociabilidadeque parecem ser mais fortes entre seus componen-tes, interligados em redes informacionais, do quepropriamente com atores e grupos sociais que lhesão distintos.

O processo de mundialização do capital trans-figura as espacialidades ao redor do mundo e rede-fine a morfologia das metrópoles. Se a metrópoleclássica, tal qual a conhecemos nos escritos de umEngels, de um Dickens, de um Benjamin ou na poe-sia de Baudelaire, era vinculada aos processos demodernização, tendo a dimensão do trabalho in-dustrial como organizadora de uma economia, deuma sociabilidade e de uma estética próprias, asmetrópoles contemporâneas, sejam as do países donúcleo do capitalismo mundial ou não, com suasilhas de globalidade e suas subversões às dimen-sões de tempo e espaço, significam o fim de umaregulação política da dinâmica social, ou, na melhordas hipóteses, significam a redução radical da capa-cidade regulatória do Estado, voltado ao atendimen-to das demandas de apenas alguns grupos e espa-ços urbanos, notadamente os mais mundializados.

A volatilidade crescente do capital solapa asvontades reguladoras do planejamento urbano,desmantela as reivindicações de inúmeros grupossociais presentes na cidade e, no limite, pode im-possibilitar a construção de uma sociedade plausí-vel. O Estado, assumindo apenas o papel de ge-rente das necessidades do grande capital, refuta aidéia de uma reelaboração da dimensão política eignora as demandas da maioria da população ur-bana. Como nos diz Rancière, daí decorre o desen-

tendimento (1996). Logo, àqueles que não têmsuas demandas reconhecidas só resta lutar paraconquistar o reconhecimento de seus pleitos, desuas falas, de seus discursos, fundando no confli-to a sua reivindicação, fazendo os grupos privile-giados os reconhecerem como sujeitos de direitose obrigando o Estado a se repolitizar e se abrir aodiálogo. Enquanto as condições sociais objetivaspara tanto não se tornam realidade, o que se ob-serva nas grandes cidades do mundo é que a faladas populações desprivilegiadas tem se dado atra-vés de gritos, numa tentativa desorganizada de fa-zer valer os reclamos das maiorias. No caso de SãoPaulo, a explosão da violência, antes restrita aoscircuitos periféricos e atualmente generalizadapelo espaço urbano e transbordando para dentroinclusive da ilha de globalidade representada peloVetor Sudoeste, ilustra a dimensão da gravidade daadoção de uma estratégia de preparar um peque-no recorte da cidade para ter competitividade in-ternacional e ignorar todo o restante. A questão defundo é: até que ponto a construção de um encla-ve, pelo capital privado e pelo Estado, é eficaz emmanter tal espaço asséptico e imune à violência, àpobreza, à decadência econômica e ao abandonoque se passam fora dele? Ou, extrapolando a ques-tão ao plano nacional, até que ponto o desenvol-vimento brasileiro vai poder continuar se dandoaos saltos, sempre a adentrar em novos ciclos deinserção internacional sem, no entanto, resolver osdesequilíbrios criados pelos ciclos anteriores?

Pode-se dizer que, em todos os ciclos pelosquais passou a cidade ocidental, da antiga cidademercantil à cidade industrial, a mais marcante ca-racterística urbana sempre foi o encontro de umagama de atividades econômicas diversas, empreen-didas por indivíduos os mais variados, envolvidosnum conjunto de trocas que constituem o cerne dasociabilidade. Hoje, no entanto, é possível que,diante tanto das revoluções tecnológicas em curso,que ensejam a explosão de processos imateriais devalorização do capital e virtualização do espaço,quanto do afastamento progressivo, no espaço ur-bano, entre grupos sociais diferentemente relacio-nados com os fluxos globais de capital que atraves-sam o mundo, estejamos assistindo à implosão doconceito clássico de metrópole.

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Em cada período histórico, caracterizado porsuas técnicas e tecnologias próprias, existe um tipoespecífico de uso e interação com o espaço. Numaépoca em que a cidade deixa de ser industrial epassa a ser atravessada por inúmeros fluxos imate-riais, é possível que a relação com o espaço se tor-ne virtual, pelo menos para aqueles indivíduos egrupos sociais mais diretamente envolvidos com amundialização do capital. Este pode ser o caso dosexecutivos das transnacionais, permanentementeconectados ao mundo através das tecnologias deinformação cuja experiência social cotidiana é cres-centemente desmaterializada. Sob esta perspectiva,poderíamos dizer que esses estratos não vivemmais a cidade. Pois viver a cidade, tal qual a vive oflâneur, por exemplo, é andar pelo passeio públi-co, é deslocar o corpo no espaço, é interagir, co-nhecer e reconhecer o outro, exercitar e desenvol-ver identidades a partir do encontro com o diver-so, apreender a materialidade urbana e criar no-ções de pertencimento.18

Se os indivíduos já não compartilham estaexperiência, e vivem muito mais a deslocar-se pe-los espaços virtuais ou reais das torres de escritó-rios, ou se vivem reduzidos a circunscrições urba-nas diminutas, por ocasião de estarem sendo des-cartados pelos processos de acumulação, o quetemos é a desconstrução de nossas metrópoles,ou, pelo menos, do clássico conceito que as defi-ne. Mais correto, talvez, seria chamá-las de misan-trópoles. Do grego misanthropos, que refere-seàquele que tem aversão à sociedade, que evita aconvivência, que é solitário, insociável, antropófo-bo. O verbete, segundo os principais dicionários,pode, por associação, ser estendido ao conceitode melancólico. Pois é isso o que se tem quandodois grupos sociais tão díspares como os aquiabordados não mais se encontram no espaço ur-bano e tampouco compartilham um conjunto mí-nimo de valores e uma medida comum através daqual possam estabelecer o diálogo, marcar as dis-tinções e interagir socialmente.

A cidade vive e enquanto viver será objetode disputa. O que é característico dela agora é oaprofundamento radical das distâncias não apenassociais e materiais, mas sobretudo valorativas. Se,por um lado, alguns estratos adotam a tática coti-

diana de evitar a convivência da aversão ao am-biente que lhes é externo, estranho, diverso, poroutro lado, outros indivíduos não conseguemapreender e compreender a magnitude das trans-formações a que estão sendo submetidos. Oexemplo do Vetor Sudoeste é, mais uma vez, em-blemático neste sentido. Nele estão colocadosfrente à frente dois contingentes que experimen-tam trajetórias sociais opostas, ocasionadas pelamesma dinâmica econômica: enquanto à margemesquerda os favelados perdem o seu lugar nomundo, na margem direita os executivos fazem domundo o seu lugar. Se é faculdade dos homens,como nos diz Simmel, construir caminhos, er-guendo pontes para vincular aquilo que, em prin-cípio, na natureza, não tinha vinculação alguma, eerguendo portas para separar aquilo que original-mente era vinculado, é possível dizer que as pon-tes que interligam as duas margens do Pinheirosestão hoje, e por enquanto, fechadas.

A conformação socioespacial da região su-doeste da cidade de São Paulo evidencia um pro-cesso de constante reposição de desigualdades,produzidas e reproduzidas a cada novo ciclo deexpansão econômica que o país atravessa. Maisdo que herdeiro de um pesado fardo socioeconô-mico, o Brasil é penalizado por seu próprio pre-sente e possivelmente pelo seu futuro, que inau-guram novos padrões de desigualdade social,agravados, de fato, no caso brasileiro, pela heran-ça anterior. A atualidade da pobreza se acentua namedida em que os pobres são cada vez mais pe-nalizados pelo conjunto de transformações estru-turais que atinge a sociedade brasileira e têm asua inserção plena na economia de mercado enos direitos da cidadania mais uma vez adiada etalvez definitivamente comprometida.

Cabe ressaltar, contudo, que o caso aquiabordado aponta não exatamente para uma cida-de e, consequentemente, uma sociedade, extre-mamente polarizada entre ricos e pobres, entreglobalizados e excluídos, ou entre insiders e des-conectados, mas mais propriamente para a cons-trução, a partir da crescente desigualdade socioe-conômica entre os diversos grupos urbanos, deuma espacialidade caleidoscópica, profundamen-te dividida em territorialidades com lógicas eco-

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Tabela 2 Principais Corporações cujos Escritórios Centrais no Brasil

Localizam-se no Vetor Sudoeste da Cidade de São Paulo

SETOR EMPRESA PAÍS DEORIGEM

SETOR EMPRESA PAÍS DE

ORIGEM

Finanças SantanderDeutsche BankSogeralLloyds BankABN Amro BankBanco Exterior de EspañaChase Manhattan BankBCNBEAL West LBAmerican ExpressVisaBankBoston (futura sede)

EspanhaAlemanhaFrançaInglaterraHolandaEspanhaEUABrasilAlemanhaEUAEUAEUA

Consultoriaempresarial

AndersenConsultingArthur AndersenBooz AllenCoopers & LybrandMcKinseyWatson Wyatt

EUAEUAEUAEUAEUAEUA

Tecnologia America On LineBay NetworksComputer AssociatesCompaqEpsonEricssonHewlett PackardIntelMicrosoftOracleSun MicrosystemsTexas Instruments3COM

EUAEUAEUAEUAEUASuéciaEUAEUAEUAEUAEUAEUAEUA

Indústria AgfaAlcanAlcoaBayerBenettonBMWCaterpillarCiba-GeigyChryslerDow ChemicalGessy LeverHoechstMultibrásNestléMobil OilParmalatPepsiCo.PfizerPhilipsProcter & GambleRhodiaSantista

BélgicaCanadáEUAAlemanhaItáliaAlemanhaEUASuíçaEUAEUAHol. / Inglat.AlemanhaEUASuíçaEUAItáliaEUAEUAEUAEUAFrançaArgentina

Ponto.com Yahoo!Submarino.comArremate.comViajo.comLokau.comZeid.comLatinstocks.comIdeia.comAutomóvel OnlineOrganic.comSubmarino.comTerra.comStarMedia

EUABrasilBrasilMéxicoBrasilBrasilBrasilBrasilBrasilBrasilBrasilBrasilEUA

Telecomunicações AT&TBCP CelularGTENorthern TelecomHiperNet

EUABrasilEUAEUABrasil

Mídia Rede Globo (sede SP)Gazeta MercantilReutersNet

BrasilBrasilEUAEUA

C o m é r c i o eServiços

CarrefourFederal ExpressMeliá SolWorld Trade Center

FrançaEUAEspanhaEUA

Entretenimento

Time WarnerCinemarkColumbia TristarSilicon Graphics

EUAEUAEUAEUA

Mercado imobiliário Bratke ColletBirmann / TurnerMackenzie HillRichard EllisTishman Speyer

BrasilBrasil / EUAEUAEUAEUA

Fonte: Pesquisa de campo realizada pelo autor.

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nômicas e sociais muito particulares e muito dis-tintas no tocante a suas relações com os fluxos demundialização do capital. São territorialidadescontíguas umas às outras, as quais podem vir acaracterizar, nos próximos anos, não apenas aporção sudoeste, mas todo o espaço metropolita-no da maior cidade do Hemisfério Sul.19 Emboraa desigualdade socioespacial possa ser encontra-da em diversas metrópoles brasileiras, é em SãoPaulo que ela se apresenta mais forte, dadas asatribuições que cabem à capital paulista no atualmomento de expansão do sistema capitalista emescala planetária. Provavelmente os autores maiscéticos em relação ao uso generalizado do con-ceito de cidade global ou mundial tenham razão,pois ao menos no caso de São Paulo, a cidadenão se mundializa uniformemente. O que está seformando na região sudoeste da capital paulista éum enclave global avizinhado de favelas quasecompletamente reduzidas à dimensão local. Cu-riosamente, a avenida que separa as duas mar-gens do Pinheiros chama-se Nações Unidas, masé popularmente conhecida como Marginal. O pri-meiro nome sugere o cotidiano dos executivosdas transnacionais presentes na região. O segun-do remete à situação dos habitantes das favelaspróximas. Ao lado da avenida está sendo cons-truída uma nova linha de metrô, que atualmenteopera de modo parcial. Dentro de algum tempoela deve atravessar o rio e interligar-se a outra li-nha, que está sendo construída na outra margem.Talvez a partir de então essas pessoas tão próxi-mas e tão distantes possam se entreolhar dentrode um mesmo vagão. Mas enquanto não surgemno horizonte as primeiras luzes do comboio, per-manecemos todos aqui, na Estação Incerteza.

NOTAS

1 No decorrer do texto utilizo tanto os termos “mun-dial” quanto “global”, mas procuro utilizar o termo“mundialização”, em vez de “globalização”, por en-tender que este, embora muito mais difundido naliteratura, sofreu nos últimos anos um processo debanalização que parece ter lhe turvado a nitidezconceitual, tendo inclusive sido apropriado por inte-resses mais voltados a adulações ideológicas do quepropriamente à análise criteriosa da realidade social.

2 Como afirma Nicolas, “os espaços que se encontramintegrados em forma reticular (de rede) não depen-dem tanto de seus espaços vizinhos imediatos (nãointegrados às redes) quanto de lógicas extraterrito-riais e não raro extranacionais, que representam jus-tamente o avanço da mundialização sobre a interna-cionalização” (Cf. Nicolas, 1994).

3 Trata-se do texto “World city formation. An agendafor research and action”, publicado no Internatio-nal Journal of Urban and Regional Research, em1982 e, mais tarde retomado, em 1986, por Fried-man, em artigo publicado na revista Developmentand Change com o título de “The world city hipo-thesis”. Segundo Anthony King, porém, a idéia dacidade mundial como metrópole que concentra par-te significativa dos negócios mundiais mais impor-tantes surge com Patrick Geddes em 1915. FernandBraudel, por seu turno, utilizou o termo “cidademundial” para denotar o centro de economias-mun-do específicas, como centros urbanos de concentra-ção de funções de comando. Friedman e Wolffusam o termo como “a articulação espacial do emer-gente sistema-mundo de produção e mercados atra-vés de uma rede mundial de cidades”. Segundoeles, as cidades mundiais são as principais regiõesurbanas da rede na qual a maior parte das ativida-des econômicas mundiais devem estar concentra-das; são regiões que jogam um papel vital no gran-de empreendimento capitalista que organiza o mun-do para a extração eficiente de lucro. Saskia Sassen,outra referência nos estudos sobre a urbanizaçãocontemporânea, fala em “capacidade de controleglobal”, referindo-se às cidades mundiais, as quaisseriam “locais de produção de serviços altamenteespecializados e funções elevadas de controle e ge-renciamento”. Ver King, 1990; Friedman, 1986;Friedman e Wolff, 1982.

4 Friedman, 1995; Sassen, 1995, 1998.

5 Octavio Ianni (1996) chega a chamar as “cidadesglobais” de “cósmopoles”, não apenas por concen-trarem as funções decisórias da economia mundial,mas porque, “de tanto crescer pelo mundo afora, a ci-dade global adquire características de muitos lugares.As marcas de outros povos, diferentes culturas, distin-tos modos de ser podem concentrar-se e conviver nomesmo lugar, como síntese de todo o mundo”.

6 Fainstein, Gordon e Harloe, 1992; Benko, 1996.

7 Penso aqui na própria argumentação de Sassen de-senvolvida em obras recentes, na qual ela afirmaque o mercado de trabalho das metrópoles tende auma polarização funcional e salarial, cuja forma se-ria uma ampulheta. Edmond Preteceille (1994), quehá anos pesquisa as transformações da economia da

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Paris, ressalta, entretanto, que as atividades maisglobalizadas representam uma parte relativamentepequena do emprego urbano, o que implica a rela-tivização da tendência de dualidade social a partirda reestruturação do mercado de trabalho.

8 O termo underclass foi cunhado por GunnarMyrdal, em 1962, para fazer referência aos indiví-duos situados à margem da economia. O termo pas-sou a ser freqüentemente usado por sociólogos nor-te-americanos, a partir de então, para se referir aostrabalhadores mal pagos, não brancos e, em espe-cial, imigrantes, situados no último degrau da estru-tura ocupacional dos EUA. Ganhou, nos EUA, cono-tação racial e passou a referir-se sobretudo aos ha-bitantes dos guetos negros urbanos. Mais recente-mente, a partir dos anos de 1980, o termo under-class passou a ter uso mais generalizado, quando osníveis de desemprego atingiram padrões até entãoinexistentes, e começou a ser aplicado inclusive àrealidade européia, onde não teve qualquer conota-ção racial. O termo é usado hoje em dia para se fa-zer referência a todos aqueles indivíduos cuja inser-ção no mercado de trabalho é frágil ou inexistenteem um grande número de sociedades capitalistasavançadas, e alguns autores, diante do agravamen-to das disparidades socioeconômicas em curso nasmais variadas sociedades, avançadas ou não, já dei-xaram de utilizar o termo e adotaram o neologismoundercaste para fazer referência aos contingentesacima citados. No entanto, o termo underclass éainda utilizado pelos conservadores morais e peloseconomistas neoliberais para se referir aos indiví-duos que não se adaptam à sociedade por supostafraqueza individual e moral, motivados pela nature-za assistencial do Welfare State. Segundo esta ótica,os indivíduos da underclass criam uma subculturadesviante, evidente nos bairros decadentes dasgrandes metrópoles. William Julius Wilson, presti-giado sociólogo norte-americano de orientação pro-gressista, por sua vez, sustenta que o declínio doemprego industrial e o crescimento de empregosprecários no setor terciário empurraram para forado mercado de trabalho os contingentes menosqualificados, como negros e hispânicos. Estes con-tingentes teriam sido deslocados para a economiainformal e para o crime, ou quando muito para umaposição altamente insegura e marginal dentro domercado de trabalho. Ver, a esse respeito, Gans,1996; Wacquant, 1996 e Wilson, 1996.

9 Cabe notar que, embora a região já contasse comuma série de equipamentos públicos, foram priori-zados, no decorrer dos anos de 1990, novos inves-timentos infra-estruturais, em especial no setor detransportes, com a abertura de novas avenidas, tú-neis e a construção de oito novas estações de trem

ao longo da Marginal Pinheiros, sob um traçado queem breve deverá ser transformado na linha 5 do Me-tropolitano de São Paulo.

10 Diversos termos são utilizados, na literatura, para fa-zer referência à região da capital paulista aqui retra-tada, como “quadrante”, “porção”, “setor” etc. Utili-zo o termo “vetor” para realçar tanto o sentido dedireção para onde se cria a mais nova centralidadepaulistana quanto as possibilidades daquilo que acidade pode vir a ser no futuro, dada a dinâmicaque preside o seu desenvolvimento, tendo em vistaas novas peculiaridades da polarização socioespa-cial que está sendo construída naquela parcela doespaço paulistano.

11 A região que se inicia a partir da margem esquerdado rio Pinheiros, em direção ao sul e sudoeste daGrande São Paulo constitui a porção mais pauperi-zada da periferia da metrópole, contando com altosíndices de desemprego e violência. Nela destacam-se bairros como Campo Limpo, Capão Redondo eJardim Ângela.

12 Cf. “A nova arquitetura paulistana: o pós-modernis-mo da marginal Pinheiros substitui o modernismoda Paulista”. Gazeta Mercantil, 21/06/1996.

13 Ver, a esse respeito, o trabalho de Mariana Fix(1996), a respeito da remoção recente do conjuntode favelas situado no entorno do que é, atualmen-te, a Avenida das Águas Espraiadas, levada a cabopor iniciativa da Prefeitura Municipal de São Paulo,gestão 1992-1996.

14 Segundo a Pesquisa Emprego e Desemprego doconvênio Seade/Dieese, era a seguinte a distribui-ção dos ocupados no município de São Paulo, se-gundo a escolaridade, no ano de 1997: 3,7% deanalfabetos, 39,3% de indivíduos com o 1º grau in-completo, 18,1% dos indivíduos com o 2º grauincompleto, 22,6% de indivíduos com o 3º grau in-completo e 16,3% com o 3º grau completo. Não ha-via na pesquisa dados sobre pós-graduados, mas épossível pressupor que sejam uma proporção bas-tante diminuta do mercado de trabalho.

15 Segundo o Mapa da Exclusão Social, elaborado pelaPUC em 2000 e publicado em 24 de setembro da-quele ano pela Folha de São Paulo, eram as seguin-tes as taxas de homicídios, para cada 100 mil habi-tantes, entre a população de 15 a 24 anos, em cin-co distritos da periferia sul da cidade de São Paulo,no ano de 1999: Jardim Ângela, 206,87; Jardim SãoLuís, 186,85; Grajaú, 185,55; Capão Redondo,166,50; Campo Limpo, 142,98. A taxa média de ho-micídios na cidade de São Paulo no mesmo ano erade 121,33 para cada 100 mil habitantes entre 15 e 24anos. O Grajaú, o Jardim Ângela e o Jardim São

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Luís, contíguos ao Vetor Sudoeste, ocupavam em1999 a primeira, a segunda e quinta posições, res-pectivamente, no número absoluto de homicídiosde jovens no município de São Paulo.

16 Penso aqui nas torres da Marginal Pinheiros emoposição à idéia das casas de vidro de que nos falaBenjamin (1985).

17 Trata-se do edifício Birmann 20, sede da Microsoftno Brasil.

18 Ver o artigo “Cidade virtual desmaterializa a cidadereal”. O Estado de São Paulo, 20/10/1996.

19 A hipótese da transformação das metrópoles em es-paços não propriamente dualizados, mas sobretudofragmentados, vem sendo defendida por EdmondPreteceille (1994) e reforçada por Luiz César Quei-rós Ribeiro (2000).

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IMPACTOS DA MUNDIALIZA-ÇÃO SOBRE UMA METRÓPO-LE PERIFÉRICA

Wagner Iglecias

Palavras-chaveSão Paulo; Metrópole; Mundializaçãodo capitalismo; Corporações transna-cionais; Favelas; Sociabilidade.

Este artigo analisa alguns dos novosarranjos de sociabilidade que surgi-ram na cidade de São Paulo em anosrecentes. Isto se deu em virtude deuma paulatina modificação da voca-ção econômica da metrópole – deum tradicional perfil industrial, tor-nou-se um grande centro de comér-cio e serviços. O recorte aqui utiliza-do refere-se à região sudoeste domunicípio, onde vem se concentran-do, sobretudo a partir da década de1990, as sedes brasileiras de inúme-ras corporações transnacionais do se-tor terciário avançado, no mesmo es-paço geográfico ocupado há anospor populações de baixa renda.Acreditamos que os novos vizinhosnem estabelecem comunicação, nemcompartilham valores comuns. É pro-vável também que eles estejam desli-gando uma parte significativa de seuslaços com o espaço públco e com osdemais contingentes populacionaispresentes na metrópole.

GLOBALIZATION IMPACTSON A PERIPHERAL METROPOLIS

Wagner Iglecias

KeywordsSão Paulo; Metropolis; CapitalismGlobalization; TransnationalCorporations; Slums; Sociability.

This article analyses some of thenew sociability arrangements thathave appeared in the city of SãoPaulo in recent years. Such transfor-mation has happened due to thesteady changing of the metropolis’seconomical vocation – from a fairlytraditional industrial profile to ahuge commerce and service center.The detailed analysis refers to thecity’s southwest area, where count-less transnational corporations ofthe advanced tertiary sector havechosen their headquarters to be,especially in the 1990’s, in the samegeographical area that had beenoccupied by low-income popula-tion. We believe the newcomers nei-ther establish communication norshare common values. It is probablethat a significant part of their links tothe public space has been disrupted,as well as their connection to otherkinds of population found in themetropolis.

IMPACTS DE LA MONDIALISATION SUR UNEMÉTROPOLE PÉRIPHÉRIQUE

Wagner Iglecias

Mots-clésSão Paulo; Métropole;Mondialisation du capitalisme;Corporations transnationales;Bidonvilles; Sociabilité.

Cet article analyse certains des nou-veaux arrangements de sociabilitéqui sont apparus dans la ville de SãoPaulo au cours de ces dernièresannées. Cela a eu lieu en vertud’une modification graduelle de lavocation économique de la métro-pole – d’un profil industriel tradition-nel vers un grand centre de com-merce et de services. Le découpageque nous utilisons ici se rapporte àla région sud-ouest de la commune,dans laquelle se concentrent, surtoutà partir des années 1990, les siègesbrésiliens d’innombrables corpora-tions transnationales du secteur ter-tiaire avancé, dans le même espacegéographique occupé depuis desannées par des populations à basrevenus. Nous sommes persuadésque les nouveaux voisins n’établis-sent ni de communication, ni nepartagent des valeurs communes. Ilest probable qu’ils seraient en traind’abandonner une partie significa-tive de leurs liens avec l’espace pub-lic et avec les autres contingents dela population présents dans lamétropole.

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