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IMPACTOS CAUSADOS POR NECROCHORUME DE CEMITÉRIOS: MEIO AMBIENTE E SAÚDE PÚBLICA Victor Santos Carneiro 1 Resumo: Ao longo da historia, o tratamento dado aos corpos dos mortos varia, contudo, o mais utilizado ultimamente é o enterro dos mesmos em cemitérios. Foi constatada na antiguidade que esta pratica contamina fontes de água próximas a esses locais. No inicio do século XVIII, foram criadas legislações no Brasil proibindo o sepultamento em igrejas e zonas urbanas, demonstrando a preocupação com a saúde publica. Atualmente, o Conselho Nacional de Meio Ambiente possui duas resoluções que discorrem sobre os aspectos construtivos dos cemitérios, devido ao processo de decomposição do cadáver no qual é liberado o necrochorume, líquido composto por água, sais minerais e substancias orgânicas, responsável pela contaminação do solo e aqüíferos subterrâneos. O cadáver fica infestado de bactérias, vírus e microorganismos patogênicos com capacidade de infiltração no solo com ajuda hídrica. Mesmo com densidade superior a da água, ainda não é conhecida a mobilidade do necrochorume no solo. Visando a manutenção da qualidade ambiental, é necessário escolher criteriosamente o local de implantação e métodos de construção dos cemitérios, através de estudos geológicos e sanitários das áreas e verificação das possibilidades de contaminação do solo e água subterrânea. Abstract: Throughout history, the treatment given to dead bodies varies, but the most used latelly is burial them in cemeteries. Was found in the antique that this practice contaminates water sources near these places. At the beginning of the 18 th century, laws were created in Brazil prohibiting the burial in churches and urban areas, showing concern for public health. At present, the Enviroment Nacional Council has two resolutions about the aspects of cemeteries construction, due the process of decomposition of the body which is released cemetery leachate or necro-leachate, liquid composed of water, minerals and organic substances, responsible for the contamination of soil and underground aquifers. The corpse is infested with bacteria, viruses and pathogenic microorganisms capable of infiltration into the soil with water aid. Even with density higher than water, isn’t known yet the mobility of cemetery leachate into the soil. Aiming the maintenance of environmental quality, it’s necessary to choose carefully the location and methods of cemeteries construction, through geological and sanitary studies of the area, cheking the possibilities of contamination of soil and grounwater. 1 Universidade Federal da Bahia. Departamento de Engenharia Ambiental. Rua Prof. Aristides Novis, 02 – Federação. CEP: 40210-910. Salvador-BA. Fone: (71) 8779 0400. E-mail: [email protected]

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  • IMPACTOS CAUSADOS POR NECROCHORUME DE CEMITRIOS: MEIO AMBIENTE E SADE PBLICA

    Victor Santos Carneiro1

    Resumo: Ao longo da historia, o tratamento dado aos corpos dos mortos varia, contudo, o mais

    utilizado ultimamente o enterro dos mesmos em cemitrios. Foi constatada na antiguidade que

    esta pratica contamina fontes de gua prximas a esses locais. No inicio do sculo XVIII, foram

    criadas legislaes no Brasil proibindo o sepultamento em igrejas e zonas urbanas, demonstrando a

    preocupao com a sade publica. Atualmente, o Conselho Nacional de Meio Ambiente possui duas

    resolues que discorrem sobre os aspectos construtivos dos cemitrios, devido ao processo de

    decomposio do cadver no qual liberado o necrochorume, lquido composto por gua, sais

    minerais e substancias orgnicas, responsvel pela contaminao do solo e aqferos subterrneos.

    O cadver fica infestado de bactrias, vrus e microorganismos patognicos com capacidade de

    infiltrao no solo com ajuda hdrica. Mesmo com densidade superior a da gua, ainda no

    conhecida a mobilidade do necrochorume no solo. Visando a manuteno da qualidade ambiental,

    necessrio escolher criteriosamente o local de implantao e mtodos de construo dos cemitrios,

    atravs de estudos geolgicos e sanitrios das reas e verificao das possibilidades de

    contaminao do solo e gua subterrnea.

    Abstract: Throughout history, the treatment given to dead bodies varies, but the most used latelly is

    burial them in cemeteries. Was found in the antique that this practice contaminates water sources

    near these places. At the beginning of the 18th century, laws were created in Brazil prohibiting the

    burial in churches and urban areas, showing concern for public health. At present, the Enviroment

    Nacional Council has two resolutions about the aspects of cemeteries construction, due the process

    of decomposition of the body which is released cemetery leachate or necro-leachate, liquid

    composed of water, minerals and organic substances, responsible for the contamination of soil and

    underground aquifers. The corpse is infested with bacteria, viruses and pathogenic microorganisms

    capable of infiltration into the soil with water aid. Even with density higher than water, isnt known

    yet the mobility of cemetery leachate into the soil. Aiming the maintenance of environmental

    quality, its necessary to choose carefully the location and methods of cemeteries construction,

    through geological and sanitary studies of the area, cheking the possibilities of contamination of soil

    and grounwater.

    1 Universidade Federal da Bahia. Departamento de Engenharia Ambiental. Rua Prof. Aristides Novis, 02 Federao. CEP: 40210-910. Salvador-BA. Fone: (71) 8779 0400. E-mail: [email protected]

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    Palavras-chave: necrochorume, contaminao, gua subterrnea.

    1 - INTRODUO

    O ser humano est habituado a conviver com a morte. O significado da mesma varia com a

    cultura e poca ocorrida. O tratamento dado ao corpo tambm uma varivel ao longo da histria

    da humanidade.

    Os corpos de pessoas mortas, ao longo da antiguidade, j foram enterrados, mumificados,

    cremados, jogados ao mar, etc. A partir do sculo XVII foi adotado mais comumente o enterro dos

    corpos dos mortos.

    No incio, as pessoas eram enterradas no interior ou ao redor das Igrejas para que estivessem

    mais prximas da salvao divina. A Igreja incentivava, mas segregava os ricos e pobres pelos

    locais onde eram enterrados.

    Este comportamento comeou a ser criticado por membros da comunidade que se

    incomodavam com o odor gerado pela decomposio dos cadveres dentro das Igrejas. Comeou a

    se desconfiar que os gases liberados poderiam contaminar as pessoas que o inalassem com a mesma

    doena que veio a matar o indivduo enterrado.

    A proibio desta prtica no demorou muito para sair em todos os lugares do mundo,

    principalmente na Europa, continente mais desenvolvido quela poca. Gerou confuso e irritao

    na comunidade crist que no aceitava ser enterrada longe do caminho para a salvao. Por fim, foi

    proibida no sculo XX pela prpria Igreja que reconheceu que esta prtica no era higinica e

    saudvel para os fiis.

    A contaminao de mananciais de gua foi estudada e constatada na histria por pessoas que

    ingeriam gua de fontes prximas a locais de enterro como Igrejas e cemitrios. A contaminao

    ocorre pelo necrochorume, lquido liberado na decomposio do corpo por microorganismos como

    vrus e bactrias.

    A constituio do necrochorume importante de ser conhecida para prever seu

    comportamento no solo e na gua subterrnea. No apenas contamina o ambiente com

    microorganismos patognicos que podem alcanar o ser humano, como tambm insere compostos

    atpicos ao meio em que percolou. Em outras palavras, uma carga grande de materiais orgnicos e

    outros compostos presentes no corpo humano alcana o meio que no est preparado para receber

    isto, podendo sofrer danos irreparveis (WHO, 1998)[1].

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 3

    Existem Legislaes Ambientais que versam sobre os cemitrios ao redor do mundo e no

    Brasil. O Conselho Nacional de Meio Ambiente CONAMA dispe em duas Resolues sobre o

    Licenciamento Ambiental de cemitrios.

    O conhecimento da mobilidade do necrochorume no solo fundamental para saber para qual

    meio fsico o contaminante vai percolar: solo ou aquoso. Para isso necessrio analisar no apenas

    o lquido, mas tambm o tipo de solo onde est instalado o cemitrio.

    Quando o necrochorume alcana o aqfero subterrneo ele contamina a gua que pode estar

    sendo usada como fonte de gua potvel. Se pessoas desinformadas beberem a gua contaminada

    podem pegar patogenias graves como a febre tifide, hepatite A, ttano, tuberculose e outras.

    Diante desta problemtica, torna-se necessrio um estudo que avalie o impacto gerado por

    estas fontes poluidoras. As pesquisas sobre a contaminao por necrochorume e suas propriedades

    fsico-qumicas so muito escassas o que dificulta a melhor compreenso do fenmeno.

    No obstante, a disseminao de cemitrios ao redor do mundo vasta. Praticamente todo

    municpio e vilarejo possuem um local de enterrar os cadveres. E no Brasil, geralmente, quanto

    menor o local, mais carente a populao e mais precria a preocupao com a salubridade

    ambiental.

    2 - MTODO

    Para realizao deste trabalho foram aplicados conhecimentos aprendidos em diversas

    disciplinas do Curso de Engenharia Sanitria e Ambiental. Dentre elas, destacam-se: Saneamento

    Ambiental, Mecnica dos Solos, Qualidade do Solo, Biologia Sanitria e o curso de Extenso de

    Biorremediao de reas Degradadas.

    Foram realizadas pesquisas de monografias, teses, artigos cientficos e trechos de livros para o

    embasamento terico; consulta legislao nacional que trata do licenciamento ambiental de

    cemitrios. Foram utilizadas ainda reportagens e publicaes sobre o assunto.

    E por fim, foi realizada uma visita ao cemitrio de Santa Isabel, no municpio de Mucug, na

    Bahia. L foram feitas observaes da construo e localizao do cemitrio com ajuda de

    depoimentos de moradores locais. Infelizmente no foi possvel fazer um estudo geolgico e

    topogrfico mais detalhado do local.

    3 - DESENVOLVIMENTO

    3.1 - A Histria do Cemitrio

    Desde os primrdios da existncia do homem, o significado de sua morte e de seus

    semelhantes encarado de maneiras diferentes, a depender da poca e civilizao. Assim, o

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    significado da morte varia necessariamente no decorrer da histria e entre as diferentes culturas

    humanas (COMBINATO e QUEIROZ, 2006, p. 210)[2].

    O sentido dado morte distinto e modifica-se de acordo com a cultura e costumes de cada

    povo e sofre alteraes ao longo da evoluo dos valores cultuados por cada sociedade, que sofre

    influncias da cultura de outras civilizaes. (AGRA e ALBUQUERQUE, 2008)[3].

    Segundo Giacoia Jnior (2005)[4], nas civilizaes da Mesopotmia os mortos eram

    enterrados meticulosamente e eram acompanhados de seus utenslios, como objetos de uso

    cotidiano e roupas, que serviam para identificar sua identidade pessoal e familiar. Este ritual servia

    para representar a personalidade e status social do indivduo enquanto vivo, j que a morte seria o

    apagamento desta existncia.

    Entre os antigos hindus a incinerao crematria era o destino dado aos seus mortos. O

    cadver era consumido pelo fogo, e as cinzas eram lanadas ao vento, ou nas guas dos rios, sendo

    o morto despojado de todos os seus traos de identidade (GIACOIA JNIOR, 2005)[4]. A

    cremao representava a purgao de todos os pecados, sendo a prpria vida individual considerada

    uma transgresso que deveria ser expiada pela morte. [...] o verdadeiro sentido da vida consiste no

    despojamento do corpo e na preparao para a morte. [...] (GIACOIA JNIOR, 2005, p. 17)[4].

    Na antiga Grcia, o ritual fnebre diferenciava os tipos dos mortos. Apesar de haver a

    incinerao em ambos os casos, a cerimnia dos homens comuns era distinta dos grandes heris. Os

    primeiros eram cremados coletivamente e suas cinzas enterradas em valas comuns. O grande heri

    era merecedor de homenagens durante a cremao. Ele teve a vida digna de ser lembrada e

    acreditava-se que sua morte era a prova de sua virtude.

    Para os judeus e cristos que acreditavam na ressurreio aps a morte, esta seria o acesso

    para outra dimenso da vida que poderia ser no inferno ou no paraso, conforme os seus feitos

    terrenos a partir da observao dos mandamentos de Deus.

    Somente na Idade Mdia que o cemitrio comeou a ser utilizado da forma que conhecemos.

    Nesta poca a morte era vista com naturalidade e os enterros aconteciam no centro da cidade, nos

    arredores da Igreja Catlica.

    Ainda na Idade Mdia, as idias teocentristas estavam difundidas em toda a Europa, aonde a

    Igreja Catlica mantinha a populao presa s suas idias. Existia um grande temor do ps-vida,

    local onde o esprito iria descansar em paz no paraso ou sofrer por toda a eternidade no inferno.

    Ento, para ficar o mais prximo possvel do paraso, as pessoas queriam ser enterradas no interior

    ou ao redor da Igreja. Os mortos socialmente importantes eram enterrados no interior. Aqueles

    menos importantes eram enterrados em um terreno ao lado, e os indignos sociais eram enterrados

    em vala comum que permanecia aberta at a completa lotao.

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    Com o aumento da populao, faltavam cada vez mais espaos vazios onde as pessoas

    poderiam ser enterradas prximas ou no interior da Igreja. Contemporaneamente, comearam a

    proliferar na Europa as idias protestantes, que terminaram por dividir a Igreja Catlica. Desta

    maneira, protestantes no mais podiam ser enterrados nas Igrejas Catlicas, sendo necessria

    construo de novos locais propcios para sepultamento. Foi nesta poca que cemitrios comearam

    a ser construdos desligados fisicamente da Igreja, mas esta ainda exercia grande influncia sobre os

    mesmos.

    Contudo, o fator que culminou com o fim do sepultamento no interior das igrejas foi o inicio

    da importncia que foi dada sade pblica. O corpo humano quando em estado de putrefao

    libera gases e fortes odores que podem contaminar quem for exposto a fortes concentraes. Corpos

    sepultados nas igrejas liberavam esses gases para o interior das mesmas, tornando-as um ambiente

    imprprio para os deveres que lhe so conferidos.

    Relatos antigos da poca colonial do Brasil exemplificam o incomodo da populao. Um

    destes o relatrio apresentado Assemblia Legislativa Provincial de Minas Gerais, em 1876,

    pelo presidente desta mesma provncia, o Baro da Vila da Barra. No relatrio citado que o

    enterro nas Igrejas intolervel e condenado pelas regras de higiene. Alm disto, afirma que este

    costume depe contra a civilizao da provncia (VIEIRA, 2002)[5].

    O conceito de civilizao aplicado pelo Baro da Vila da Barra se referia ao desenvolvimento

    da provncia. Na metade deste mesmo sculo acreditava-se que as doenas eram causadas e

    disseminadas por aspectos do meio, difundira-se a teoria miasmtica que afirmava serem as

    epidemias oriundas de lugares insalubres onde a circulao do ar ficava prejudicada.

    (MASTROMAURO e SALGADO, 2007, p. 2)[6].

    Baseadas nesta teoria, as autoridades tomaram atitudes visando melhoria da qualidade de

    vida da populao no mesmo momento em que eclodiram diversas epidemias em algumas cidades.

    Ento, em 1850 foi criada a Junta Central de Higiene que se ocupava da coordenao do sistema de

    sade. Foi estabelecido que a localizao dos cemitrios deveria ser na rea externa da cidade para

    afastar da populao as periculosidades que estes lugares implicavam. Contudo, estas medidas

    demoraram para atingir as regies mais distantes do Rio de Janeiro.

    Segundo Vieira (2002)[5] o cemitrio de Mariana j existia desde 1720 (Grfico 1), contudo

    era usado apenas para o sepulcro de indigentes e escravos negros. quela poca o Brasil era uma

    sociedade escravista que negros e brancos eram diferenciados em todos os aspectos e inclusive sob

    a lei.

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    % total dos seputamentos de livres e escravos

    1,1% 1,5% 2,1%

    97,1% 92,6% 95,8%

    1719/1728 1745/1747 1777/1781

    Livres

    Escravos

    Grfico 1. Sepultamentos no cemitrio da Matriz/S Catedral (1719-1781).

    Fonte: Vieira (2002)

    Com todo esse contexto histrico dos cemitrios antigos, foi rdua a tarefa do Estado para

    fazer com que a populao aceitasse o enterro fora das Igrejas. Foram institudas leis que obrigavam

    a construo de cemitrios fora da cidade, mas no foram colocadas em prtica de imediato devido

    resistncia da comunidade.

    Em alguns locais mais interioranos do Pas o Poder Judicirio era exercido pelas famlias mais

    influentes e poderosas da regio. Segundo Funch (2002)[7], no municpio de Mucug, Bahia, os

    impactos do enterro no interior da Igreja de Santa Isabel eram percebidos com grande facilidade. O

    nvel do lenol fretico em Mucug elevado, desta maneira em pocas chuvosas o lenol atingia a

    superfcie e a gua brotava pelos pontos mais baixos da pequena cidade. Com um cemitrio na

    cidade, a qualidade da gua que era consumida pela populao estava comprometida j que estava

    contaminada pelo necrochorume.

    A necessidade de proibir o enterro no interior da cidade era visvel e urgente. Foi construdo

    ento um cemitrio afastado da cidade, na regio mais alta conhecida como Serra do Cruzeiro.

    Porm, mesmo com a divulgao da possvel contaminao da gua ainda existia resistncia da

    populao para ser enterrada longe da Igreja que representava a proximidade com o paraso.

    Para satisfazer a todos e solucionar o problema, os tmulos foram construdos em formato de

    igrejas (Figura 1). As pessoas ento seriam enterradas no interior de rplicas e, portanto mais

    prximas da salvao.

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    Figura 1. Cemitrio de Santa Isabel.

    Fonte: acervo pessoal.

    Apesar da escolha adequada da localizao, o cemitrio ainda apresentava irregularidades

    pois os corpos no eram enterrados no solo. As rplicas de Igrejas so construdas sobre o leito

    rochoso (Figura 1) e com a putrefao dos corpos, o necrochorume infiltrava nas paredes das

    rplicas e era lixiviado sobre a rocha at atingir o solo.

    O cemitrio de Mucug construdo no sculo XIX ainda utilizado pela populao. Recebeu

    o codinome de Cemitrio Bizantino e foi transformado em ponto turstico da regio pela

    particularidade de seus jazigos (Figura 2).

    Figura 2. Cemitrio de Santa Isabel.

    Fonte: acervo pessoal.

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    Assim, como o cemitrio de Santa Isabel, em Mucug, muitos outros foram construdos de

    maneira irregular e sem nenhuma preocupao com a contaminao ambiental que um espao como

    este pode causar.

    3.2 Histrico da Legislao no Brasil

    A preocupao com a sade pblica na poca colonial aumentava com o surgimento de

    violentas epidemias. As provncias ento comearam a se organizar com a criao de leis prprias

    que baniam o sepultamento em Igrejas.

    No sculo XVIII, os mortos comearam a receber ento uma viso mdica. Esta nova viso

    foi reconhecida pelas autoridades administrativas que, no final do mesmo sculo comearam a se

    preocupar com a sade pblica e higiene relacionados com os cemitrios.

    Em 1789, a rainha de Portugal, D. Maria, enviou uma recomendao ao bispo do Rio de

    Janeiro [...] para que os cemitrios fossem construdos separados das Igrejas, tal como j se fazia na

    Europa (OLIVEIRA, 1998, p. 23)[8].

    Alguns anos depois, mais especificamente em 1798, o Senado da Cmara Municipal do Rio

    de Janeiro, ao dirigir uma representao a alguns mdicos locais, manifestou, tambm, pela

    primeira vez, sua preocupao com o estado sanitrio da cidade (FERREIRA, 1999, p. 2)[9].

    Em 1801, uma carta rgia de Minas proibia os sepultamentos na Igreja e ordenava ao

    governador da capitania que procurasse, com o auxilio do bispo, fazer construir cemitrios

    separados da cidade. (OLIVEIRA, 1964 apud VIEIRA, 2002)[5].

    Esta legislao importante por representar, alm da primeira proibio das tradicionais

    formas de sepultamento, a expanso das preocupaes sanitrias para todos os centros urbanos do

    Brasil. As primeiras preocupaes higienistas citadas anteriormente limitavam-se apenas a cidade

    do Rio de Janeiro, maior centro urbano da Colnia.

    Esta legislao foi responsvel pelo desencadeamento de inmeros protestos populares em

    toda a Colnia que impediram a implementao da mesma. Isto por que ela foi de encontro aos

    anseios da cristandade colonial e eclesistica que previa para todos os cristos, o direito de serem

    enterrados em solos sagrados, como afirma o Regimento do Auditrio Eclesistico citado por

    Vide (1853) apud Vieira (2002), p. 8 [5]:

    ... que nenhuma pessoa de qualquer estado, condio, e qualidade que seja, enterre ou mande

    enterrar fora do sagrado defunto algum, sendo cristo batizado, ao qual conforme a direito se deve

    dar sepultura eclesistica, no se verificando nele algum impedimento [...] pelo qual se deve

    negar....

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    Anos mais tarde, em 1828, uma lei imperial reiterava a proibio do sepultamento na Igreja e

    ordenava a construo de cemitrio fora da cidade. A incumbncia do projeto foi delegada s

    Cmaras Municipais que, pela primeira vez, se viram responsveis pelas questes de sade pblica.

    O estigma do cemitrio exerceu forte influncia na populao, que resistiu lei imperial de

    1828 e continuou com sepultamento em locais imprprios e teve seu fim definitivo somente 1927

    quando o Cdigo de Direito Cannico proibiu definitivamente esta prtica. (TRINDADE, 1928

    apud VIEIRA, 2002) [5].

    Apesar de a lei exigir que os cemitrios fiquem localizados em locais separados da cidade,

    ainda hoje se encontram cemitrios localizados em territrio estritamente urbano, o que comprova

    que em certas localidades, os mortos nunca foram afastados da cidade.

    3.3 Legislao Vigente

    A Legislao mais atual que discorre sobre os aspectos construtivos de cemitrios recente

    no Brasil. Somente em 3 de abril de 2003 foi divulgada a Resoluo n 335 do Conselho Nacional

    de Meio Ambiente (CONAMA) que dispe sobre o licenciamento ambiental de cemitrios

    (BRASIL, 2003) [10].

    Trs anos mais tarde, em 28 de maro de 2006, foi publicada a Resoluo CONAMA n 368

    que altera a Resoluo anterior e dispe sobre pontos considerados equivocados ou ineficientes para

    o controle da contaminao.

    Em outros pases como Inglaterra, Frana e Holanda as legislaes sobre as distncias de

    cemitrios e poos para abastecimentos de gua potvel existem desde a dcada de 50 do sculo

    passado.

    Mesmo com a existncia das Resolues CONAMA, no existe o controle do estado nas

    construes e as obrigaes so passadas da federao para o estado, e deste para o municpio, que

    geralmente no possui corpo tcnico capaz de acompanhar o processo (PACHECO, 2006) [11].

    A seguir sero apresentados alguns itens das resolues que possuem relevncia para este

    projeto. Inicialmente, a Resoluo CONAMA n 335/03 dispunha a rea de fundo das sepulturas

    deve manter uma distncia mnima de um metro e meio do nvel mximo do aqfero fretico. Esta

    distncia no considerada suficiente para manter livre de contaminao o lenol fretico segundo

    pesquisa realizada por Matos (2003) [12]. A pesquisa comprova que vrus foram transportados no

    mnimo 3,2 metros na zona no saturada at alcanar o aqfero.

    A Resoluo CONAMA 368/06 repete o mesmo valor da distncia das sepulturas ao nvel

    mximo do aqfero, mas complementa que este nvel mximo deve ser medido na poca de cheia.

    A distncia de 1,5 metros ser aplicada para solos com coeficientes de permeabilidade entre 10-5 e

    10-7 cm/s. Em solos mais permeveis necessrio que a distncia seja, no mnimo, de 10 metros.

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    Ainda segundo o CONAMA: proibida a instalao de cemitrios em reas de Preservao

    Permanente ou em outras que exijam desmatamento de Mata Atlntica primria ou secundria, em

    estgio mdio ou avanado de regenerao, em terrenos predominantemente crsticos, que

    apresentam cavernas, sumidouros ou rios subterrneos, bem como naquelas que tenham seu uso

    restrito pela legislao vigente, ressalvadas as excees legais previstas (BRASIL, 2006, p. 2) [13].

    So obrigados tambm a adoo de tcnicas e prticas que permitam a troca gasosa do corpo

    em putrefao com o meio, para que haja condio de adequada para sua decomposio. Obriga-se

    ainda o estudo da fauna e flora para construes acima de cem hectares, recuo da rea de

    sepultamento em relao ao permetro do cemitrio, dentre outras especificaes.

    Os rgos estaduais podem tambm criar novas exigncias de forma a aumentar a segurana

    ambiental no processo de licenciamento ambiental. A Companhia de Tecnologia de Saneamento

    Ambiental - CETESB (So Paulo, 2008) [14] exige a apresentao de curvas de nvel do local de

    implantao do cemitrio que indiquem ruas, equipamentos urbanos, fontes, drenos, poos e

    mananciais. Estabelece ainda como obrigatrio o projeto do empreendimento com ruas, passagens

    internas para pedestres, posio das sepulturas e edificaes. A CETESB alm de exigir o

    conhecimento nvel do lenol fretico no perodo de cheia recomendado pelo CONAMA exige

    tambm o conhecimento do fluxo das guas subterrneas. Este procedimento importante para o

    caso de uma contaminao, pois possvel conhecer sua fonte e para onde est sendo carreado.

    Todas as obrigaes e recomendaes da Resoluo CONAMA 335/03 deveriam ser

    aplicadas at setembro de 2003 e as da Resoluo CONAMA 368/06 at maro de 2008. Estas

    servem para o licenciamento de novos cemitrios mas obriga os j existentes a se adequarem nas

    Resolues.

    Contudo, poucos cemitrios atenderam solicitao do CONAMA. O no cumprimento da

    Resoluo CONAMA 368/06 implica em sanes penais e administrativas. (PACHECO, 2006) [11].

    3.4 Constituio do Necrochorume

    O corpo humano depois de morto decomposto, assim como qualquer outro ser vivo. Passa

    ento a servir de ecossistema para outros organismos como artrpodes, bactrias, microorganismos

    patognicos e destruidores de matria orgnica e outros, podendo pr em risco o meio ambiente e a

    sade pblica.

    Durante o processo de decomposio do corpo liberado um lquido chamado pelo

    CONAMA de produto da coliqao, conhecido tambm como necrochorume. Este lquido o

    responsvel pela contaminao do solo e aqferos subterrneos.

    A composio mdia do necrochorume pesquisada por Lopes [200-] [15] est apresentada no

    Grfico 3

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    60%30%

    10% gua

    Sais minerais

    Substnciasorgnicas

    Grfico 3. Composio mdia do necrochorume.

    Fonte: LOPES [200-] [15].

    O necrochorume viscoso, de cor castanho-acinzentada, forte cheiro e grau variado de

    patogenicidade. (ALMEIDA e MACDO; 2005) [16]. Apresenta densidade mdia de 1,23 g/cm3

    (mais denso que a gua), e a relao entre o volume de necrochorume produzido e o peso do corpo

    igual 0,60 L/Kg (LOPES, [200-]) [15].

    Segundo Almeida e Macedo (2005) [16], a decomposio das substncias orgnicas do corpo

    pode produzir diaminas como a cadaverina (C5H14N2) e a putrescina (C4H12N2), que ao ser

    degradadas geram NH4+, substncia que apresenta toxicidade em altas concentraes.

    A cadaverina e putrescina so danosas tambm por serem responsveis pela transmisso de

    doenas infecto-contagiosas como a hepatite e a febre tifide. Essas substncias podem se proliferar

    em um raio superior a 400 metros de distncia do cemitrio, a depender da geologia da regio

    (LOPES, [200-]) [15].

    Depois de morto, como foi citado, o corpo humano fica infestado de bactrias, vrus e

    microorganismos patognicos. Estes tm a capacidade de infiltrao no solo com ajuda hdrica,

    podendo contaminar o corpo dgua abaixo do cemitrio.

    Os vrus e as bactrias possuem resistncia muito elevada no solo e principalmente na gua.

    Podem causar epidemias se atingirem de fato a via aqutica subterrnea. Segundo World Health

    Organization WHO (1998) [1], os organismos tpicos presentes no aqfero subterrneo que

    causam doenas so micrococcaceae, estreptocos, bacilos e entrobacterias.

    Segundo WHO (1998) [1], em trs cemitrios do Brasil localizados no estado de So Paulo,

    foram detectadas bactrias do grupo coliforme nas guas subterrneas. Os vrus so mais facilmente

    fixados pelas partculas do solo do que as bactrias, por isso estas ltimas atingiram o lenol

    fretico.

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 12

    Segundo Lance [19--] e Gerba [19--] citados por WHO (1998) [1], vrus com carga negativa

    inferior a um determinado nvel so imediatamente adsorvidos enquanto vrus com uma forte carga

    negativa so movidos a locais mais distantes.

    Esta diferena explicada pela constituio e propriedades qumicas do solo. A argila possui

    gros muito pequenos carregados eletronegativamente. Quando vrus muito carregados de eltrons

    passam pelos gros de argila so repulsados por que tm cargas iguais. J os vrus poucos

    carregados conseguem ficar retidos nos gros por afinidade qumica (Troca catinica).

    Por esta razo fundamental o estudo do solo abaixo do local onde ser implantado o novo

    cemitrio. A Resoluo CONAMA 368/06 j expe este pensamento ao obrigar que a distncia do

    lenol fretico s covas precisam ser maiores para solos mais permeveis, como a areia e o cascalho.

    Os caixes tambm so importantes no processo de manuteno da qualidade ambiental do

    sistema. Eles devem ser construdos de materiais que se decompem rapidamente e no liberam

    subprodutos qumicos persistentes no ambiente.

    Os cemitrios podem causar poluio ambiental nos aqferos subterrneos e no solo da

    regio no somente em virtude da toxicidade do necrochorume e dos microorganismos patognicos

    presentes.

    O aumento da concentrao natural de substncias orgnicas e inorgnicas presentes

    anteriormente ou no solo j um fator que deve ter seu risco analisado. Alteraes em um ambiente

    natural devem ser consideradas importantes e acompanhadas de perto pelos rgos ambientais pois

    podem tornar o solo ou o aqfero inutilizveis.

    3.5 Mobilidade do Necrochorume no Meio Ambiente

    O contaminante, de uma maneira geral, ao entrar no solo sofre algumas reaes que podem

    ret-lo, deix-lo passar livremente ou atenu-lo no meio slido. O comportamento do contaminante

    depende de suas propriedades fsico-qumicas e do meio onde foi derramado. O necrochorume

    considerado como um contaminante e seu movimento no solo deve ser investigado antes da

    construo do cemitrio.

    Solos arenosos possuem gros maiores e conseqentemente reas superficiais menores. Isto

    implica que no possuem capacidade de reter gua ou contaminante em seus interstcios. O solo

    arenoso ainda considerado pobre biologicamente.

    O solo argiloso consegue reter lquido, pois seus gros so muito pequenos e sua rea

    superficial maior, onde as molculas do lquido conseguem ficar sorvidas. Para retirar gua ou

    contaminante de solos argilosos necessria uma presso maior do que em solos arenosos. Isto

    explicado pela capilaridade existente no solo argiloso interstcio mais fino gera maior presso de

    reteno (OLIVEIRA, 2008) [17].

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 13

    A mobilidade do poluente no solo medida pela condutividade hidrulica do mesmo. A

    condutividade hidrulica depende do peso molecular e densidade do poluente e significa a

    velocidade de infiltrao em solo saturado.

    No existem grandes quantidades de pesquisas que estudam o comportamento do

    necrochorume no solo. sabido apenas que sua densidade maior que a da gua. Isto favorece a

    infiltrao pelo solo at atingir o aqfero subterrneo.

    Contudo, segundo WHO (1998) [1], pesquisas revelam que existe a atenuao do

    necrochorume na camada vadosa do solo. Na camada vadosa existe ar no solo, e com isto, h maior

    concentrao de microorganismos aerbios que consomem o necrochorume com maior eficincia

    do que em condies anaerbias.

    Com isto, aconselhvel que o solo acima do caixo no seja compactado no reaterro para

    que haja maior aerao do corpo. Por outro lado, a aerao libera gases txicos e extremamente mal

    cheirosos para a atmosfera.

    A atenuao do necrochorume mais eficiente em argilas, j que estes possuem mais

    microorganismos em seu interior. Para garantir maior degradao do necrochorume antes de atingir

    o aqfero, aconselhvel manter o tmulo mais afastado possvel do aqfero. Com isto existir

    mais camada slida para o poluente atravessar e ser degradado.

    Os vrus presentes no necrochorume ficam adsorvidos nos gros de argila, dificultando sua

    chegada ao aqfero. Porm em solos arenosos e cascalhos, os vrus podem alcanar longas

    distncias. (DUBOISE, 1976 apud WHO, 1998) [1].

    A chuva ajuda a percolao e infiltrao do necrochorume no solo at atingir o aqfero. Com

    a chuva, a carga hidrulica maior sobre o solo o que aumenta a velocidade de infiltrao. Quanto

    mais rpido o contaminante atravessar o solo, menos tempo ter para ser degradado e adsorvido

    pelo solo.

    Segundo OBrien e Newman (1997) citados por WHO (1998) [1], as plantas podem remover

    os vrus e bactrias do solo, alm de consumir parte da carga orgnica proveniente do necrochorume.

    As rvores tambm retm a gua da chuva que carrega consigo os contaminantes para o aqfero. O

    nvel da gua do lenol fretico reduzido em locais com grandes rvores j que estas conseguem

    retirar a gua do solo. Este fenmeno aumenta a capacidade de biodegradao do necrochorume

    pelo solo.

    Aps todos os processos que ocorrem no solo, se o necrochorume alcanar a franja capilar do

    aqfero ele ir atravess-la por que mais denso que a gua. No existem estudos de solubilidade

    do necrochorume, ento qualquer definio de comportamento no aqfero ser imprecisa.

    O necrochorume quando no interior do aqfero pode ser dissolvido (a depender da

    solubilidade), carreado no sentido de fluxo do aqfero ou se depositar na camada inferior

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 14

    impermevel do mesmo. Apesar da densidade do necrochorume ser maior que a da gua (d = 1,23

    g/cm), seu valor no to elevado a ponto de todo o poluente atravessar o aqfero at sua camada

    impermevel. Com isto, parte do necrochorume dever ser carreada com o aqfero no sentido do

    fluxo da gua e ser espalhado pela regio.

    3.6 Impactos do Necrochorume ao Meio Ambiente e Sade Pblica

    Os cemitrios so considerados fontes poluidoras por serem construdos sem qualquer

    preocupao de revestimento da camada inferior do solo para que o necrochorume liberado na

    decomposio dos corpos no atinja o solo e aqfero subterrneo.

    A contaminao por necrochorume pode ser pelo aumento da carga orgnica no meio

    ambiente, que desencadeia uma srie de alteraes prejudiciais harmonia do ecossistema, ou pode

    ser ainda pela disseminao de microrganismos patognicos como vrus e bactrias.

    Por ser mais denso que a gua, o necrochorume quando atinge o aqfero subterrneo migra

    para sua parte inferior at atingir a camada impermevel. A partir da, parte dele pode seguir o fluxo

    da gua ou pode escoar por gravidade sobre o substrato impermevel do aqfero. Esta

    contaminao do aqfero mais problemtica de ser remediada j que geralmente encontra-se a

    grandes profundidades. Alm disto, para descontaminar o aqfero necessria a construo de

    barreiras hidrulicas para retirar a gua contaminada, de forma que o tratamento da mesma ocorra

    ex situ, reduzindo a carga hidrulica do aqfero.

    Quando o necrochorume atinge o aqfero subterrneo carreado para locais mais distantes.

    Se o necrochorume ao chegar no aqfero, ainda contiver contaminante, o manancial estar

    comprometido. Vrus e bactrias mais resistentes contaminam a gua e a tornam imprpria para

    consumo humano. Para isto imprescindvel o conhecimento profundo dos mesmos (WHO, 1998)

    [1].

    Por outro lado, estudos relatados pelo WHO (1998) [1] confirmam locais onde a pluma de

    contaminao diminui rapidamente com a distncia da sepultura, provavelmente pela degradao

    biolgica feita pelos microorganismos presentes no solo. Na Holanda, outro estudo indicou grandes

    plumas com altas concentraes de cloreto, sulfato e bicarbonato abaixo das sepulturas. Nenhuma

    informao foi dada sobre o tipo de solos desses estudos.

    No cemitrio de Botnica na Austrlia foram medidas aumentos na condutividade eltrica ou

    salinidade prximo de sepulturas recentes. Foram encontradas tambm elevadas concentraes de

    ons de cloreto, nitrato, nitrito, amnia, fosfato, ferro, sdio, potssio e magnsio abaixo do

    cemitrio, no solo e tambm no lenol fretico. A gua subterrnea foi considerada adequada para

    fins de irrigao, conforme especificado nos critrios da qualidade das guas australianas. (DENT,

    1998 apud WHO, 1998) [1].

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 15

    Em trs cemitrios de So Paulo e Santos Brasil foi constatada a contaminao do aqfero

    subterrneo por microorganismos como coliformes totais e termotolerantes, estreptococos fecais,

    clostrdios sulfito redutores e outros oriundos da decomposio dos corpos sepultados por

    inumao no solo (PACHECO et al.;(1991) [18].

    A pesquisa de maior impacto sobre contaminao de guas subterrneas por cemitrio no

    Brasil de PACHECO et al. (1991) [18] que estudou trs cemitrios dos municpios de So Paulo e

    de Santos e constatou a contaminao do lenol fretico por microrganismos coliformes totais,

    coliformes fecais, estreptococos fecais, clostrdios sulfito redutores e outros oriundos da

    decomposio dos corpos sepultados por inumao no solo.

    O risco de contaminao microbiolgica com a construo de cemitrios em meio urbano

    presumvel. A gua subterrnea mais atingida pela contaminao por vrus e bactrias. Nascentes

    naturais ou poos rasos conectados ao aqfero contaminado podem transmitir doenas de

    veiculao hdrica como ttano, gangrena gasosa, toxi-infeco alimentar, tuberculose, febre tifide,

    febre paratifoide, vrus da hepatite A, dentre outros (LOPES, [200-]) [15]. A populao carente e de

    baixa renda est mais propcia a ser infectada por essas doenas. Geralmente vivem em regies

    onde no existe acesso rede pblica de gua potvel e possuem sistema imunolgico natural baixo.

    De todas as contaminaes provocadas pelos cemitrios, os maiores problemas esto

    relacionados ao vrus, devido sua grande capacidade de sobrevivncia, mobilidade, adaptao ao

    meio adverso, mutao e permeao atravs at de meios semipermeveis. Foram encontrados

    vetores de contaminantes de vrus em lenol fretico h quilmetros de distncia dos cemitrios. Os

    vetores ainda poderiam causar problemas sade da populao desavisada que ingerisse a gua

    contaminada (LOPES, [200-]) [15].

    4 CONCLUSO

    A cultura do sepultamento est disseminada pela sociedade ao redor do mundo. Os cemitrios so

    fontes poluidoras e de contaminao do solo e mananciais. Suas conseqncias afetam a sade da

    populao que vive prxima ou no a cemitrios, devido capacidade de adveco do contaminante.

    Dada a necessidade do aumento do nmero de locais para enterro em pases que apresentam

    limitaes territoriais, preciso identificar mais precisamente os impactos nocivos para o meio

    ambiente e sade pblica.

    Para a minimizao dos impactos ambientais gerados pela decomposio do corpo,

    necessria uma preocupao maior com a escolha do local de implantao e mtodos de construo

    de cemitrios. Devem ser evitados solos muito permeveis como areia, cascalho e rochas

    permeveis. O solo mais aconselhvel para maximizar a reteno dos produtos de degradao uma

    mistura de argila e areia de baixa porosidade e um pequeno percentual de gros de textura fina.

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 16

    Assim como em aterros sanitrios, pode ser estudada a implantao de uma manta subterrnea

    que funcione como barreira que impede a contaminao do solo e conseqentemente do lenol

    fretico pelo chorume produzido na decomposio do lixo.

    Como forma de proteo do lenol fretico, a Resoluo CONAMA 368/06 recomenda a

    existncia de uma distncia entre o fundo da cova e o lenol fretico, a depender da permeabilidade

    do solo. Para auxiliar na reteno dos contaminantes do chorume, podem ser plantadas rvores que

    retm microorganismos e consomem o excesso de matria orgnica que chega ao meio.

    A distncia at o nvel dgua (zona no saturada) auxilia na degradao efetiva dos vrus e

    bactrias pelos microorganismos naturais do solo, pela absoro, pela ao das razes das rvores e

    pela adsoro nas partculas do solo que servem como um filtro. Quanto maior esta distncia, mais

    tempo o necrochorume permanecer no solo e assim ser mais degradado.

    Outro ponto importante a diferena de altitude entre o cemitrio e a rea circundante. Um

    cemitrio no deve ser localizado na parte mais baixa de uma rea, para onde as guas pluviais

    convergem. A gua potencializa a velocidade de infiltrao do necrochorume pelo solo e reduz seu

    potencial de degradao.

    A implantao de cemitrios deve ser realizada de forma criteriosa para garantir a manuteno

    da qualidade ambiental. So necessrios estudos geolgicos e sanitrios das reas dos cemitrios e a

    verificao das possibilidades de contaminao do solo e da gua subterrnea.

    5 - REFERNCIAS

    [1] WHO; World Health Organization; Regional office for Europe; The impact of cemiteries on

    enviroment and public health. 1998. Disponivel em: www.who.dk. Acesso em: 19 nov. 2008.

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    [13] BRASIL; Resoluo CONAMA n 368 de 28 de maro de 2006. Dispe sobre o licenciamento

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    [14] SO PAULO; Cetesb. Licenciamento Ambiental Unificado Roteiro de Estudos: Cemitrios,

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    Vrzea em Recife-PE. Revista guas Subterrneas, v.20, n.2, p.19-26, 2006. Disponvel em:

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    dez. 2008.

    [17] OLIVEIRA, Iara Brando. Material de Consulta da disciplina ENG 022 - Qualidade do Solo

    Departamento de Engenharia Ambiental. Universidade Federal da Bahia. Tpico I. Salvador, 2008.

  • XV Congresso Brasileiro de guas Subterrneas 18

    [18] PACHECO, A.; MENDES, J. M. B.; MARTINS, T.; HASSUDA, S.; KIMMELMANN, A. A.

    Cemeteries A Potencial Risk to Groundwater. Water Science Technology; vol. 24 (11), p. 97-104,

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