Impacto Doenca Alzheimer Relacoes Otica

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA

    MARCIA LIMEIRA DOURADO

    O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS

    RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO

    CUIDADOR

    So Paulo

    2006

  • MARCIA LIMEIRA DOURADO

    O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS

    RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO

    CUIDADOR"

    Monografia apresentada como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Especialista em Terapia Familiar e de Casal do Ncleo de Famlia e Comunidade da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, sob orientao da Professora Doutora Mathilde Nedder.

    PUC - So Paulo

    2006

  • AGRADECIMENTOS minha orientadora, Professora, Doutora Mathilde Nedder, pelas preciosas

    contribuies para a realizao deste trabalho, pela pacincia em ouvir e esclarecer

    minhas dvidas.

    Professora, Doutora Maria Luiza Rodrigues Meijome Pieszezman que, desde o

    incio, apoiou-me em todos os sentidos e por acreditar que este projeto fosse

    possvel.

    todas professoras do curso de especializao em Terapia Familiar e de Casal,

    exemplos de grandes profissionais em conhecimento, respeito e tica.

    Isaura Amaral Arruda Oliveira, Psicloga, Psicoterapeuta, por ter me acolhido,

    incentivado e pelo seu carinho incondicional.

    A Rosilene Alves Lima, Psicloga, Gerontloga, pela oportunidade de participar de

    um projeto to especial, sua disponibilidade em esclarecer minhas dvidas e

    incentivo profissional.

    Ao Claudio L. Dourado pelo incentivo, apoio e por acreditar no meu potencial como

    profissional.

    minha famlia querida que me serviu de base para que eu pudesse me tornar uma

    pessoa com valores e princpios morais importantes para meu desenvolvimento.

    todas as famlias de Portadores de Doena de Alzheimer que contriburam direta

    ou indiretamente para meu conhecimento e sensibilidade aos seus sofrimentos ao

    enfrentarem esta experincia.

    Com Carinho,

    Muito Obrigada!

  • RESUMO

    O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    Marcia Limeira Dourado

    NUFAC Ncleo de Famlia e Comunidade da PUC- So Paulo

    Atualmente questes sobre o envelhecimento saudvel tm sido um tema recorrente entre os meios de comunicao, desde as especficas para profissionais da sade at novelas, abrangendo assim a populao de modo geral. Sendo assim, refletir e discutir sobre o processo de envelhecimento, torna-se uma questo fundamental tambm para o campo da terapia familiar considerando que esta etapa da vida envolve temas como a velhice, o adoecimento e a morte, presentes no ncleo familiar destes idosos. As doenas degenerativas, tambm conhecidas como demncia, provocam um grande impacto no idoso e nas relaes familiares. O alto grau de comprometimento leva a um intenso sofrimento que abala a estrutura familiar. Entre os diversos tipos de demncias, a Doena de Alzheimer (D.A.) a que vem recebendo maior destaque devido o seu grau de severidade. Trata-se de uma doena neurolgica degenerativa, progressiva e de cura ainda desconhecida. Acreditamos que, com este estudo, poderemos contribuir para a ampliao do tema, mais especificamente na rea de sade da famlia. O objetivo ser investigar e avaliar o impacto e as mudanas ocorridas nas relaes de familiares de pacientes portadores de Doena de Alzheimer. Atravs da Teoria Sistmica, podemos observar e refletir sobre este impacto e sua influncia nas relaes intrafamiliares. Escolhemos utilizar o mtodo qualitativo pois a pesquisadora membro atuante do grupo no qual foram selecionados os sujeitos para estudo. Trata-se de um grupo aberto, coordenado por duas psiclogas e uma pedagoga, voluntrias e 26 (vinte e seis) familiares/cuidadores que esto diretamente envolvidos com os pacientes. Foram selecionados 4 (quatro) participantes que sustentaram o mtodo de nosso estudo. Como instrumento, escolhemos utilizar os depoimentos destes participantes, registrados em um livro ATA. Os relatos escolhidos fazem referncia s questes relativas ao cuidado com o paciente, bem como, os aspectos envolvidos nas relaes entre cuidadores e outros familiares do portador de D.A.. Observamos que a negao a primeira reao da maior parte dos cuidadores e familiares. As fantasias sobre morte e adoecimento fazem parte do cotidiano destas pessoas, podendo levar a desmotivao e a falta de controle quando no elaboradas. O suporte para o enfrentamento da morte lenta e constante do portador de D.A. se faz necessrio para compreenso da doena, preparao para lidar com o portador e com o prprio sofrimento, bem como, para a multiplicao de informao, apoio e troca entre os envolvidos.

    Palavras-chave: Envelhecimento, Demncias, Doena de Alzheimer, Cuidador, Relaes Familiares.

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ........................................................................................................ 7 1.1. JUSTIFICATIVA ................................................................................................ 9

    2. OBJETIVOS .......................................................................................................... 11 3. MTODO ............................................................................................................... 13 3.1. O MTODO QUALITATIVO ............................................................................ 13 3.2. SUJEITOS ...................................................................................................... 13 3.3. INSTRUMENTOS ........................................................................................... 14

    4. ATUALIZAES SOBRE A QUESTO DO ENVELHECIMENTO ....................... 17 4.1. ALGUNS ASPECTOS DA HISTRIA DA VELHICE....................................... 17 4.2. O PERFIL DO IDOSO NA ATUALIDADE ....................................................... 18 4.3. ENVELHECIMENTO SAUDVEL OU BUSCA POR UMA ETERNA JUVENTUDE? ....................................................................................................... 20 4.4. ASPECTOS BIOLGICOS DO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO ......... 21 4.5. A VELHICE E AS DOENAS DEGENERATIVAS .......................................... 25

    5. CONHECENDO A DOENA DE ALZHEIMER (D.A.) ........................................... 30 5.1. ALTERAES CEREBRAIS OBSERVADAS NO PORTADOR DE D.A. ....... 31 5.2. DISTRBIOS ASSOCIADOS DOENA DE ALZHEIMER: DEPRESSO, ANSIEDADE E DISTRBIOS DO SONO .............................................................. 37

    6. A DOENA DE ALZHEIMER NO CONTEXTO FAMILIAR DO IDOSO ................. 40 6.1. A FASE LTIMA DO CICLO VITAL ................................................................ 40 6.2. A FAMLIA E AS DOENAS DEGENERATIVAS ........................................... 43 6.3. A DOENA DE ALZHEIMER, O CUIDADOR E AS RELAES FAMILIARES: ASPECTOS SOCIAIS E EMOCIONAIS ................................................................ 46 6.4. OS BENEFCIOS DAQUELES QUE CONSEGUEM A SUPERAO ............ 53

    7. A DOR DA PERDA E O LUTO ANTECIPADO ...................................................... 55 8. QUESTES RELEVANTES PARA O CUIDADOR E FAMILIARES ...................... 61 8.1. SINAIS DE ALERTA DA DOENA DE ALZHEIMER...................................... 63 8.2. ONDE BUSCAR AJUDA ................................................................................. 63

    9. ANLISE QUALITATIVA DOS DADOS................................................................. 66 10. CONSIDERAES FINAIS ................................................................................ 72 11. ANEXOS ............................................................................................................. 76 12. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................... 80

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    INTRODUO

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

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    1. INTRODUO

    Atualmente questes sobre o envelhecimento saudvel tm sido um

    tema recorrente entre os meios de comunicao, desde as especficas para

    profissionais da sade at novelas, abrangendo assim a populao de modo geral.

    Diante disto acreditamos que todos, em algum momento, j ouviram falar ou leu em

    algum lugar que o aumento da populao idosa um fato real em todo o mundo. As

    pesquisas mostram que os avanos na medicina, das condies tecnolgicas, da

    economia, so alguns dos fatores que contribuem para esta mudana social. So

    muitos aspectos envolvidos na questo do envelhecimento social que merecem uma

    reflexo, pois envolve toda a populao em maior ou menor grau. Sobre este

    aspecto, Debert (1999:94) diz o seguinte:

    ...Na populao idosa, sobretudo o grupo com 85 anos ou mais que ter um crescimento maior nas prximas dcadas. As redes de parentesco, pela primeira vez na histria, contaro com um nmero maior de velhos do que jovens, ao mesmo tempo em que os casados tendero a ter um nmero de filhos menor que o de pais idosos.

    Sendo assim, refletir e discutir sobre o processo de envelhecimento,

    torna-se uma questo fundamental tambm para o campo da terapia familiar

    considerando que esta etapa da vida envolve temas como a velhice, o adoecimento

    e a morte, presentes no ncleo familiar destes idosos. Neste percurso, pretendemos

    destacar a famlia e todo o contexto envolvido, que possui em sua composio pelo

    menos um idoso.

    As doenas degenerativas, tambm conhecidas como demncia,

    provocam um grande impacto no idoso e nas relaes familiares. O alto grau de

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    comprometimento leva a um intenso sofrimento que abala a estrutura familiar. Entre

    os diversos tipos de demncias, a Doena de Alzheimer (D.A.) a que vem

    recebendo maior destaque devido o seu grau de severidade. Trata-se de uma

    doena neurolgica degenerativa, progressiva e de cura ainda desconhecida.

    Descoberta em 1906 pelo mdico Alois Alzheimer, durante muito

    tempo foi considerada como demncia senil. S recentemente, com o aumento da

    populao idosa e, conseqentemente, maior nmero de casos de portadores da

    Doena de Alzheimer, que se intensificaram as pesquisas sobre a doena.

    Por ainda ser pouco conhecida entre a populao em geral,

    percebemos uma grande dificuldade das famlias em cuidar do portador de D.A..

    Considerando sua complexidade, notamos que grande parte desta dificuldade se

    deve falta de informao sobre a doena e sua evoluo.

    Na rea mdica, os profissionais a consideram como a doena do

    sculo, devido aos fatores sociais que apresentamos acima e pelo fato de haver um

    alto grau de comprometimento neurolgico atingindo sobremaneira as funes

    intelectuais e de comportamento do indivduo portador.

    Percorreremos algumas questes importantes sobre a Doena de

    Alzheimer como: o que os profissionais cientistas relatam sobre o tema no que se

    refere s caractersticas biolgicas da doena, sua influncia no contexto familiar e

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    social, o sofrimento e o luto antecipado pela presena da doena, bem como,

    algumas questes relevantes para o cuidador e familiares.

    Acreditamos que, com este estudo, poderemos contribuir para a

    ampliao do tema, mais especificamente para a rea da sade da famlia.

    1.1. JUSTIFICATIVA

    A escolha deste tema partiu inicialmente por um interesse em

    estudar o envelhecimento e as doenas que normalmente esto presentes em

    pessoas idosas. Alm disso, tenho um membro em minha famlia com diagnstico de

    Alzheimer e fao acompanhamento de pessoas que esto passando por esta

    situao. Semanalmente ns nos encontramos e estes familiares fazem seu

    depoimento de como foi a semana com o portador, o que observaram de diferente,

    suas dvidas e suas angstias. So pessoas comuns que compartilham umas com

    as outras, num contexto grupal, sua experincia como cuidador.

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    OBJETIVOS

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    2. OBJETIVOS

    O objetivo ser investigar e avaliar o impacto e as mudanas

    ocorridas nas relaes de familiares de pacientes portadores de Doena de

    Alzheimer. Para tanto, estaremos discutindo questes sobre o envelhecimento, a

    Doena de Alzheimer, o contexto familiar e a fase ltima do ciclo vital, as doenas

    degenerativas, o luto antecipado, com consideraes finais.

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    MTODO

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    3. MTODO

    3.1. O MTODO QUALITATIVO

    A pesquisa definida como qualitativa, pois consideramos que neste

    mtodo o pesquisador parte fundamental da pesquisa, estabelecendo uma relao

    dinmica importante com o(s) sujeito(s) pesquisado(s). Neste estudo, a

    pesquisadora membro atuante do grupo no qual foram selecionados os sujeitos

    para estudo, estabelecendo assim uma relao mais prxima com cada indivduo e

    com a sua problemtica.

    Alm disso, faremos uma reflexo sistmica sobre as relaes

    familiares e como a D.A. afeta o sistema como um todo, apresentando aspectos que

    julgamos relevantes ao estudo.

    3.2. SUJEITOS

    Para realizar esta investigao, escolhemos utilizar o registro escrito

    de depoimentos dos participantes de um grupo de apoio psicolgico oferecido ao

    familiar/cuidador de portadores de Alzheimer. O grupo composto por 26

    participantes e estes depoimentos foram registrados manualmente em um Livro

    ATA. Trata-se de um grupo aberto, coordenado por duas psiclogas e uma

    pedagoga, voluntrias, que possuem conhecimento em gerontologia e demncias.

    Dos 26 componentes do grupo de apoio selecionaremos 4 (quatro) participantes que

    sustentaro o mtodo de nosso estudo. Os relatos sero utilizados a ttulo de

    ilustrao das reflexes apresentadas no captulo em que discutiremos as relaes

    familiares.

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    Local e horrio das reunies:

    As reunies ocorrem semanalmente, numa sala cedida pela igreja

    So Joo Bosco, na Lapa. A durao dos encontros de 02:30 hs e ocorre s 5as.

    feira, das 19:30 s 22:00 hs. As pessoas participam voluntariamente no tendo

    nenhuma vinculao financeira e/ou oficial.

    3.3. INSTRUMENTOS

    Consideramos os depoimentos um instrumento importante para

    ilustrar o presente estudo. Sendo assim, utilizaremos os relatos que fazem referncia

    s questes relativas ao cuidado com o paciente, bem como, os aspectos envolvidos

    nas relaes entre cuidadores e outros familiares do portador de D.A.

    Os participantes da pesquisa so pessoas diretamente envolvidas

    com os cuidados necessrios ao portador de D.A.; so familiares que possuem os

    seguintes graus de parentesco entre eles: o marido, a esposa, uma filha e um filho.

    Visando a preservao tica dos participantes, lhes ser

    apresentado um termo de consentimento e autorizao para a utilizao de seus

    depoimentos no presente estudo.

    A partir de todo o material pesquisado, nas investigaes feitas e

    com a necessria reflexo sobre o tema, faremos uma discusso com o leitor,

    abordando questes encontradas ao longo do estudo, analisando-as luz da

    literatura pertinente. Em diferentes captulos discutiremos questes sobre o

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    envelhecimento, Doena de Alzheimer, nos seus aspectos Clnicos e Sociais, o

    contexto familiar do portador de D.A., implicaes emocionais e sociais do

    familiar/cuidador, o luto antecipado, anlise qualitativa dos dados e questes

    relevantes para o cuidador e familiares.

    O estudo versar sobre o histrico da D.A. com informaes

    atualizadas sobre o tema. As Consideraes Finais viro a seguir.

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    ATUALIZAES SOBRE A QUESTO

    DO ENVELHECIMENTO

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    1. PETERSON, R. (editor-chefe).Guia da Clnica Mayo sobre o Mal de Alzheimer. Traduo de Marcos Jos da Cunha. Rio de Janeiro: Anima, 2006, 222 p., p.5. 2. So Paulo, Prefeitura de. Estatuto do Idoso: Voc faz parte desta Construo. So Paulo: Coordenadoria da Participao, 2003, p.07.

    4. ATUALIZAES SOBRE A QUESTO DO ENVELHECIMENTO

    4.1. ALGUNS ASPECTOS DA HISTRIA DA VELHICE

    O aumento da expectativa de vida tem crescido significativamente

    conforme observamos nas pesquisas estatsticas. Este fator se d por diversos

    motivos: avanos tecnolgicos, crescimento na rede de saneamento, melhoria na

    sade pblica e medicina preventiva; conseqentemente houve uma significativa

    diminuio da taxa de mortalidade e aumento da qualidade de vida da populao.

    No incio do sculo passado, a expectativa de vida no atingia os 50 anos.

    Atualmente, esta projeo est na casa dos 80 anos, com forte estimativa de

    crescimento nos prximos anos.1

    No incio do sculo XX, foram criadas a Geriatria e a Gerontologia,

    cincias destinadas a estudar a velhice. E, aps a dcada de 50, outras reas do

    conhecimento humano, passaram a aprofundar seus estudos nos diversos aspectos

    envolvidos nesta faixa etria, j que com sua extenso, passa a implicar em

    mudanas de ordem social, cultural e educacional. Torna-se necessrio ento, uma

    conscientizao sobre o envelhecimento em toda a sua complexidade. So criados

    ainda espaos de discusso e ensino atravs de matrias e cursos voltados a este

    tema. Os meios de comunicao passam a falar mais sobre o assunto para a

    populao de modo geral, ou seja, a velhice se torna uma questo pblica e de

    gesto do poder pblico, atravs da criao do estatuto do Idoso, Lei n 10.741, de

    1 de Outubro de 2003.2 Nos seus artigos e pargrafos, a lei estabelece direitos e

    deveres importantes, assegurando uma cidadania mais digna pessoa idosa.

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    Contudo, apesar de ser um tema recorrente na literatura e nos meios

    de comunicao, pensar no envelhecimento ainda no faz parte do cotidiano da

    maior parte da populao brasileira. Percebemos, principalmente nos povoados

    distantes, uma dificuldade de acesso e compreenso da velhice num contexto mais

    amplo. notvel que as medidas citadas acima, proporcionaram que o tema sasse

    do papel e passasse a fazer parte das polticas pblicas e sociais. Porm,

    concordamos com Debert (1999:62) quando ela diz:

    ...No se trata mais apenas de resolver os problemas econmicos dos idosos, mas tambm lhes proporcionar cuidados culturais e psicolgicos, de forma a integrar socialmente uma populao tida como marginalizada.

    Atender s necessidades desta populao requer um olhar

    respeitoso para com o indivduo dando espao para sua expresso, como o direito

    de qualquer outro cidado.

    Segundo Pereira (2005: 29), so vrios fatores que influenciam no

    processo de envelhecimento: classe social, acesso educao, questes ligadas

    hereditariedade e as condies de sade individual, as diferenas de gnero, tipo de

    personalidade, histria de vida e o contexto scio histrico. Alm destes, tambm

    consideramos importante, a influncia da famlia durante este estgio da vida,

    questo que daremos enfoque nos prximos captulos.

    4.2. O PERFIL DO IDOSO NA ATUALIDADE

    Fazer parte de uma categoria com direitos e deveres sociais sem

    dvida uma grande conquista. No entanto, reduzir a velhice posio de problema

    discriminao. Infelizmente esta ainda a idia dominante em nossa realidade

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

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    social. Consideramos que dentre outras perdas, deixamos de desfrutar de uma

    riqueza que s o velho possui: a experincia. O velho, nas sociedades capitalistas,

    muitas vezes se retrai em seu canto e se cala; fecha-se em seu mundo, guardando

    consigo uma histria passada que no nos conhecida, pois ainda no passamos

    pela velhice. Esta memria que o situa no tempo e no espao, se no evocada ficar

    perdida, sem narrativa.

    Alm disso, observamos que muitos sujeitos no se prepararam

    para a vida depois da aposentadoria. Geralmente este teve seus anos de plena

    atividade profissional e com o afastamento do trabalho, pela idade, resta-lhe a

    famlia e sua vida pessoal. Esta pode ser uma etapa de grandes descobertas,

    atravs da realizao de atividades que antes o tempo escasso no permitia; a

    possibilidade de convivncia com os netos, com o cnjuge e os filhos, tambm

    podem ser grande fonte de prazer e alegria. No entanto, a representao social que

    o indivduo passa e recebe da sociedade, muitas vezes de algum que espera

    pelo fim. Neste sentido, concordamos com Lima (2004:12) quando se refere que:

    O indivduo no dorme jovem e um dia acorda velho. Ele pode se dar conta, mas ele ter uma boa parte da vida para alicerar as suas condies de vida atual e futura, nos vrios aspectos, biopsicossocial e financeiro".

    Pesquisadores da Gerontologia Social afirmam que no faz parte de

    nossa cultura nos prepararmos para o envelhecimento e, conseqentemente, para o

    cuidado com a pessoa idosa. Ao longo de nosso desenvolvimento aprendemos a ser

    filhos, fase de aprendizagem que se inicia na infncia, segue pela adolescncia e,

    muitas vezes, se estende at a idade adulta. Depois, com o advento da

    maternidade, temos que aprender a ser pais.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 20

    3. WAGNER, E. M. (1998). A contribuio da psicologia no campo da gerontologia social. Revista a Terceira Idade, So Paulo, Ano X n 13 Abril de 1998, pg. 58.

    S com a presena de um idoso, que nos damos conta de que

    esta convivncia pressupe clareza dos papeis que desempenhamos dentro do

    sistema familiar, principalmente do nosso despreparo para lidar com esta faixa

    etria.3

    4.3. ENVELHECIMENTO SAUDVEL OU BUSCA POR UMA ETERNA JUVENTUDE?

    ...O corpo ingovernvel, as traies que o corpo faz s vontades individuais so, antes, percebidas como frutos de transgresses conscientemente impetradas, abominaes da natureza humana. (Debert, 1999:22)

    A maneira como tratado o idoso est intimamente ligada ao

    contexto scio-cultural em que ele vive. A avaliao das pessoas sua volta, a auto-

    imagem e a necessidade de adaptaes aos elementos novos que aparece, so

    fatores que influenciam como a velhice ser recebida. Geralmente, as mudanas

    biolgicas so as primeiras denncias de que o corpo j no mais o mesmo.

    Ignorar estas transformaes pode incorrer num conflito individual, familiar e social,

    pois ser difcil lidar com os desafios que esta etapa da vida apresenta.

    A concepo sobre a velhice, em nossa cultura, ainda bastante

    distorcida e negativa. Muitas so as recomendaes de hbitos saudveis que

    favorecem um final de vida menos sofrido. Espaos como academias, clubes,

    parques, centros culturais, o trabalho voluntrio, o turismo, entre outros, tm

    oferecido aos idosos uma convivncia social e cultural comum, favorecendo a

    incluso social. At mesmo a denominao desta categoria populacional sofreu

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 21

    mudanas. Hoje o idoso tratado como fazendo parte da melhor idade. Espera-se

    que estas pessoas permaneam ativas e saudveis por um perodo maior de tempo.

    Estas medidas representam um espao para uma categoria antes

    totalmente ignorada, o que muito positivo, considerando que pressupe uma

    mudana. No entanto, esta mudana ainda deixa a desejar quando percebemos que

    a busca por um corpo mais sarado no significa, muitas vezes, uma conscincia do

    papel que o sujeito deva desempenhar, mas sim de acompanhar um ritmo mais

    jovem, de uma sociedade em constante crescimento tecnolgico. Alm disso, cria-se

    uma falsa imagem ou imagem artificial que no corresponde ao comportamento

    esperado nesta faixa etria.

    Esta postura muito reforada pela opresso social que o idoso

    vivencia ao enfrentar a burocracia, por exemplo, para receber a aposentadoria ou

    assistncia mdica. Alm disso, h uma opresso psicolgica, quando a sua opinio

    no encontra escuta, pois considerada ultrapassada. As cidades mudam em busca

    da modernidade e a referncia que o idoso tinha resta apenas em sua memria,

    atravs das lembranas que foram registradas ao longo de sua trajetria.

    4.4. ASPECTOS BIOLGICOS DO PROCESSO DE ENVELHECIMENTO

    Envelhecer condio inerente a qualquer ser vivo. Ns humanos,

    medida que envelhecemos, sofremos mudanas fsicas, como outras espcies

    animais, e psicolgicas, o que nos diferencia das outras espcies. Como j

    discutimos em captulos anteriores, somos seres sociais, e todo o contexto nossa

    volta nos influencia e somos influenciados pelo mesmo. No entanto, h uma parte

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

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    deste processo que vai da infncia velhice que tem suas leis prprias de

    funcionamento: o corpo biolgico.

    Nosso organismo como um todo sofre as aes do tempo: a viso

    vai se deteriorando, os msculos no respondem agilidade de antes, o corao

    necessita de mais esforo para bater; os pulmes j no possuem o vigor que antes

    nos permitia correr, enfim, aos poucos envelhecemos. O corpo vai sentindo as

    limitaes em cada parte. Alguns especialistas dizem que o envelhecimento ocorre

    quando nos damos conta destas limitaes e fundamental que respeitemos estes

    sinais que vamos recebendo. E, alm disso, importante mudar as atitudes a fim de

    no comprometer o processo natural do desenvolvimento fsico.

    A fora, a agilidade e a destreza vo, a cada dia, ficando mais

    comprometidas. O crebro envia um comando, mas o ritmo em que este ser

    realizado muito diferente quando comparado a um corpo jovem. Freqentemente,

    alguns idosos necessitam de acompanhamento mdico para conhecer mais

    intimamente estas limitaes e tratar e/ou prevenir doenas prprias desta faixa

    etria.

    Alm de patologias fsicas, os idosos podem desenvolver transtornos

    mentais, muitas vezes concomitantes ao adoecimento orgnico. Estas no so

    exclusivas da velhice, mas tambm so comuns nesta faixa etria e podem se

    desenvolver por diversos fatores: uma predisposio gentica, fatores sociais,

    culturais e familiares. O isolamento, a depresso, as alteraes de humor e a

    agressividade so alguns dos sintomas que denunciam um desequilbrio psquico.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

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    Mas envelhecer no necessariamente significa adoecer.

    Percebemos que, com os avanos cientficos, tecnolgicos e, principalmente, a

    conscientizao e preparao para a velhice, muito comuns em algumas culturas,

    podem trazer benefcios que refletem tanto no orgnico, quanto no psquico,

    favorecendo uma aceitao e respeito pelos limites que o corpo impe.

    Senilidade descrita no dicionrio como originria da palavra latina

    senilis, ou seja, homem velho. Este conceito representa um conjunto de perdas

    cognitivas ou comportamentais observadas em adultos mais velhos. Este dficit

    ocorre porque o crebro quem controla praticamente todo o restante de nosso

    organismo, desde os instintos mais bsicos responsveis pela nossa sobrevivncia,

    a pensamentos complexos e elaborados. Nossas emoes, as funes orgnicas e

    nossas aes so organizadas pelo crebro que, junto com a medula espinhal,

    compe nosso sistema nervoso central (SNC). Atravs de nervos que se estendem a

    partir da medula espinhal, todo o nosso corpo estabelece uma comunicao perfeita

    com o SNC, atravs do sistema nervoso perifrico (SNP). Esta comunicao muito

    rpida e fica armazenada em nossa memria. Nosso crebro funcional dividido em

    estruturas: encfalo cerebelo e tronco enceflico, hemisfrios esquerdo e direito,

    lobos frontal, parietal, temporal e occipital, mais o sistema lmbico, so

    responsveis por uma variedade de tarefas e funes cognitivas, funcionais e

    emotivas que do vida e movimento ao nosso corpo.

    O funcionamento bsico do sistema nervoso e do crebro so os

    neurnios.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 24

    4. PETERSON, R. (editor-chefe).Guia da Clnica Mayo sobre o Mal de Alzheimer. Traduo de Marcos Jos da Cunha. Rio de Janeiro: Anima, 2006, 222 p., p. 4 20.

    Os neurnios emitem impulsos eltricos que conduzem as

    mensagens por todo o crebro e da para o organismo. Estes so protegidos por

    clulas chamadas neuroglia que os nutre, protege e os sustenta. Para seu

    funcionamento, necessrio o estmulo, que pode ser externo ou interno.

    O SNC e o crebro, em toda sua complexidade, para manter pleno

    equilbrio, precisam estar funcionando eficaz e harmoniosamente. No processo de

    envelhecimento, as mudanas que o crebro sofre podem comprometer o equilbrio

    e a eficcia de seu funcionamento. Todos os dias, nossas clulas nervosas morrem

    e outras so regeneradas para substitu-las. No processo demenciativo, por

    exemplo, estas clulas no so regeneradas e perdem sua funo. Como

    conseqncia do envelhecimento, o cerebelo, o crebro e o hipocampo (responsvel

    pela seleo e armazenamento de informaes em sees apropriadas da memria,

    evocando-as quando necessrio), sofrem uma grande perda celular

    comprometendo, por exemplo, a memria, o equilbrio corporal e os movimentos.

    Porm, possvel levar uma vida normal, fazer as atividades dirias, relacionar-se,

    sem grandes prejuzos. 4

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 25

    *http://www.alzheimermed.com.br/m3.asp.cod_pagina=1094. Acesso em: 25 de jan. de 2007.

    4.5. A VELHICE E AS DOENAS DEGENERATIVAS

    Consideramos como doenas degenerativas ou distrbios

    degenerativos, aquelas que apresentam em sua evoluo clnica um grau de

    severidade mais acentuado. So patologias que afetam o sistema nervoso central,

    pois envolvem uma degenerao dos neurnios em grau muito mais acentuado que

    no envelhecimento normal, causando dependncia parcial ou total. Um exemplo

    que, num processo de envelhecimento normal, a pessoa esquece alguns fatos, mas

    quando tenta contextualizar, ela se lembra do esquecido, por associao, enquanto

    que no processo degenerativo esta estratgia no funciona j que o indivduo se

    perde ao tentar reconstruir a situao. Estes quadros clnicos so chamados de

    demncia.

    Desde antes de Cristo h escritos sobre a demncia, porm ao

    longo do tempo este conceito foi modificado e ampliado, medida que novas

    descobertas eram feitas ao se analisar as alteraes cerebrais destes indivduos. A

    primeira nomeao foi demncia senil ou pr-senil*, estabelecidos pelos mdicos

    Celso e Areteu da Capadcia (30 a.C a 50 d.C.). Pinel, no sculo XIX, amplia o

    conceito definindo-o como ausncia de juzo ou raciocnio. A principal caracterstica

    do quadro demenciativo a presena de placas senis (da o nome demncia senil),

    presentes no crebro destes pacientes. Em 1906, o mdico Alois Alzheimer,

    observou em uma paciente de 55 anos que, alm das placas senis, em seu crebro

    havia uma degenerao neurofibrilar, uma leso microscpica que mais tarde veio a

    ser classificada como Doena de Alzheimer.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 26

    ** http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol32/n3/119.html. Acesso em: 25 de jan. de 2007.

    Quadro de diferenciao entre as demncias mais conhecidas**

    Doena cortical difusa dos Corpsculos ou Corpos de Lewy

    Fronto-Temporais (Doena de Pick)

    Demncia Vascular

    Demncia Mista

    - Flutuaes da cognio - Alucinaes visuais - Sintomas parkinsonianos - Declnio progressivo

    - sndrome neuropsicolgica marcada por disfuno dos lobos frontais e temporais - raro, em geral afeta pessoas dos 45-65 anos

    - Infartos corticais - Hipertenso - Diabetes - Colesterol alto

    - Piora abrupta + sinais clnicos de AVC

    Estes tipos de demncias relacionadas acima requerem uma

    avaliao criteriosa, geralmente feitos por neurologista, psiquiatra ou geriatra, para

    um diagnstico diferencial que inclui exames laboratoriais, de imagem e testes

    funcionais. Na Doena de Pick e dos Corpos de Lewy, o diagnstico definitivo s

    possvel atravs de necropsia, assim como na Doena de Alzheimer.

    Apesar de na maioria das demncias no haver cura, pode-se

    retardar a sua evoluo e at reverter alguns sintomas, como, por exemplo,

    recuperar o prejuzo cognitivo.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 27

    Patologias que podem evoluir para um quadro demenciativo***

    Depresso Doena de Huntington Doena de Parkinson

    - Com declnio das funes cognitivas

    - hereditria - Evolui para demncia - Ocorre em adultos entre 25-50 anos de idade

    - Neurodegenerativa - Atinge a coordenao - Pode evoluir para demncia quando prolongada ou em pessoas acima de 70 anos

    Caractersticas diferenciais das patologias podem evoluir para demncia

    Corpos de Lewy acmulo destas substncias no crtex cerebral;

    Doena de Pick comprometimento frontal e fronto-temporal, mas

    principalmente, no comum em idosos e muito rara;

    Demncia Vascular trombose ou derrame obstruo de pequenas artrias

    cerebrais;

    Depresso quadro depressivo grave, prolongado, em que h um

    comprometimento das funes cognitivas;

    Doena de Huntington O gene que provoca esta doena localiza-se no brao

    curto do cromossomo 4;

    Doena de Parkinson diagnstico de Parkinson;

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 28

    A Doena de Alzheimer

    Dentre as demncias, a Doena de Alzheimer a mais comum.

    Trata-se de uma doena degenerativa, progressiva, que leva a uma incapacidade

    total do indivduo ao longo do desenvolvimento da doena. O diagnstico difcil

    pois outras demncias apresentam sintomatologia parecida e sua causa

    desconhecida. Neste caso, existe a necessidade de uma constante adaptao da

    famlia para suportar, entre outras situaes, as dificuldades prprias do ciclo

    evolutivo da doena.

    A seguir destacaremos aspectos importantes sobre o Alzheimer,

    tema central de nosso estudo.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 29

    CONHECENDO A DOENA DE ALZHEIMER (D.A.).

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 30

    * http://www.psiqweb.med.br/geriat/alzh.html. Acesso em 14 de nov. de 2006.

    5. CONHECENDO A DOENA DE ALZHEIMER (D.A.)

    A Doena de Alzheimer degenerativa, caracterizada por um

    progressivo atrofiamento das clulas cerebrais, levando morte das mesmas. So

    leses cerebrais causadas por uma protena chamada beta-amilide*, que tem efeito

    txico sobre os neurnios, formando placas senis. Outro dano observado nos

    exames de imagem, so emaranhados nas estruturas essenciais dos neurnios,

    formando verdadeiros ns. Conseqentemente h uma deteriorao progressiva da

    linguagem (afasia), das habilidades motoras (apraxia) e da percepo (agnosia). Sua

    causa ainda no bem definida, no entanto, a herana gentica est entre as

    possibilidades de maior aceitao nas teorias cientficas. O diagnstico preciso s

    possvel atravs da autpsia, onde se faz uma avaliao do tecido cerebral.

    Enquanto em vida, h alteraes significativas no sistema nervoso que so

    observadas atravs de exames de imagem que, em conjunto com outros testes

    cognitivos e funcionais, chega-se ao diagnstico de Alzheimer. A principal

    diferenciao entre a D.A. e outras demncias so as alteraes de comportamento

    e comprometimento da parte funcional do paciente.

    Os sintomas iniciais so da memria episdica, isto ,

    esquecimentos de hbitos rotineiros que, em determinado momento, passam a ser

    percebido por alguma pessoa prxima, geralmente um familiar. Inicialmente, este

    evento ignorado ou considerado como coisas de velho caducando. Com o tempo,

    outras situaes de confuso e esquecimento passam a acompanhar o idoso,

    interferindo na sua espontaneidade em realizar tarefas do dia a dia.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 31

    Mesmo agora fazendo parte da ateno familiar, acredita-se que se

    deve a velhice e por isso, muitas vezes, so ignorados. medida que a doena

    evolui, so diversas as situaes de esquecimentos, acompanhadas de alteraes

    de comportamento e da personalidade. Paralelamente, o portador vai perdendo sua

    capacidade de orientar-se no tempo e no espao.

    5.1. ALTERAES CEREBRAIS OBSERVADAS NO PORTADOR DE D.A.

    A primeira rea do crebro a ser afetada pela Doena de Alzheimer

    o hipocampo, que o principal responsvel pelo sistema da memria. Depois so

    afetados os lobos frontal, parietal e temporal. Com a progresso da doena, todo o

    crebro afetado. Porm, no podemos saber ao certo quais so as prximas reas

    que sofrero leso. Os neurnios so destrudos, bem como os neurotransmissores,

    causando um curto circuito. Estes neurotransmissores (Acetilcolina, Dopamina,

    Glutamato e Norepinefrina) so responsveis por funes importantes como a

    cognio, a aprendizagem, os movimentos corporais, a emoo, o humor e a

    ansiedade. Com o comprometimento do sistema lmbico, podem aparecer sintomas

    de parania e a agressividade em alguns portadores.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    **PETERSON, R. (editor-chefe). Guia da Clnica Mayo sobre o Mal de Alzheimer. Traduo de Marcos Jos da Cunha. Rio de Janeiro, 2006, 222p., p.32.

    32

    Uma das principais caractersticas que diferenciam o Alzheimer de

    outras demncias a alterao de comportamento. Porm, cada pessoa responder

    de modo particular a cada fase da doena. Isto ocorre em funo de fatores como a

    idade, traos de personalidade, sade fsica, antecedentes familiares, aspectos

    culturais e tnicos. O ritmo e o tempo de vida, tambm so fatores que divergem de

    uma pessoa para outra. O que percebemos que, em alguns casos, o diagnstico

    precoce, uma boa orientao mdica e familiar, medicao adequada favorecem a

    extenso, principalmente da fase inicial, em que h uma boa resposta ao tratamento

    medicamentoso. Os medicamentos especficos para D.A. so: Donepezil,

    Rivastigmina, Metrifonato e Galantamina. Alm destes, o mdico pode administrar

    remdios para tratar os sintomas associados doena.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 33

    Em estgio mais avanado, as pessoas mais prximas tambm

    entram para o esquecimento. O portador de Alzheimer no consegue reconhecer

    aquela fisionomia que lhe era familiar. Os estgios mais conhecidos da doena so

    trs: Fase inicial, fase intermediria e fase avanada ou Terminal.

    Fase Inicial: Neste primeiro estgio j se evidenciam alguns lapsos

    da memria recente e dificuldade em relao a atividades cotidianas. Como por

    exemplo, esquecer o fogo aceso, trocar algum ingrediente na hora de fazer uma

    comida, por um objeto em lugares inadequados. Coisas pequenas que no chamam

    muito a ateno. Desta forma, muitas famlias levam um tempo at desconfiar que o

    paciente no est bem. Ao longo desta fase, tambm percebemos uma confuso

    espao-temporal (no consegue lembrar alguma palavra durante um dilogo ou se

    perder num trajeto conhecido), mudanas no humor repentinas, ritmo mais lento,

    dificuldades em lidar com dinheiro e controlar as contas, dificuldade de julgamento e

    de iniciativa em determinadas situaes; descuido com a aparncia e a higiene

    pessoal. Estas alteraes comportamentais, muitas vezes, so associadas a outros

    fatores como a idade, o stress, ou mesmo o prprio idoso que ao perceber algo

    estranho, tenta esconder de outras pessoas repetindo situaes conhecidas.

    Geralmente esta atitude de disfarar as falhas so para evitar lidar com a

    frustrao e a dependncia. comum em alguns portadores, o surgimento da

    depresso por se sentirem impotentes diante da perda de controle das situaes.

    Pesquisas mostram que esta fase pode durar de dois a quatro anos,

    dependendo muito de uma interveno rpida atravs de avaliao neurolgica,

    exames e tratamento dos sintomas atravs de medicao. Apesar de percebemos

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    34

    que nem todos os pacientes respondem bem ao uso dos medicamentos, o objetivo

    retardar ao mximo, a evoluo da doena.

    Fase Intermediria: Nesta fase percebemos uma acentuada perda

    de memria, a ateno e concentrao esto mais comprometidas, h uma

    dificuldade em reconhecer objetos, familiares e amigos, os movimentos ficam

    repetitivos, aumenta a repetio da fala, aumentam os lapsos durante a construo

    das frases (o portador cria histrias diferentes para tentar explicar o que desejava

    dizer). comum o idoso esquecer aparelhos ligados e quando chamados no

    conseguem lembrar o porque de t-lo ligado. A medicao tambm pode ser um

    problema, pois ele no se lembra que precisa tom-la, para que faz uso e, alguns se

    negam a ingerir alegando que ir prejudic-lo. Tarefas que necessitam de

    movimentos especficos como amarrar os sapatos, fazer clculos, pagar contas, ir ao

    supermercado, so tarefas que tambm no so mais realizadas autonomamente.

    Com o tempo aparecem comprometimentos da parte motora: dificuldades para

    andar, se vestir, se alimentar, necessitando de superviso constante. A comunicao

    atravs da leitura e da escrita perdida e, em alguns casos, so freqentes

    sintomas como medo, ansiedade, persecutoriedade, alucinaes e delrios,

    necessitando de interveno psiquitrica. H uma variao do sono, alguns dormem

    mais de doze horas seguidas, outros no conseguem ter quatro horas de sono

    tranqilo durante a noite. E preciso coordenar a hora do sono para no trocar o dia

    pela noite, j que o doente perdeu a noo do tempo. Nesta fase, torna-se

    imprescindvel a presena de um cuidador e esta tarefa traz conflito e tenso para

    toda a famlia. A sobrecarga de trabalho intensa e tende a aumentar, j que o

    paciente caminha para uma total dependncia. O cuidador ter que ser orientado

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    35

    adequadamente, pois a nica ferramenta o conhecimento sobre a doena e sua

    evoluo. Esta fase pode durar de dois a dez anos dependendo, principalmente, do

    grau de estimulao para manter a autonomia nas atividades que o paciente ainda

    consegue realizar sozinho.

    Fase Avanada ou terminal: No estgio mais avanado da doena,

    seu portador est quase totalmente dependente de seu cuidador, como apresenta o

    autor Franca (2004: p. 50) em seu artigo:

    ...O esquecimento que era fortuito, leva perda total da memria, evoluindo da memria atual antiga. ...o portador perde a auto-referncia a ponto de cumprimentar aquele que l est, por no reconhecer sua prpria imagem refletida.

    Neste estgio, a angstia aumenta, pois o portador perde a sua

    identidade e a famlia tem que lidar com a indiferena. Este j no reconhece mais

    ningum, nem a sua prpria imagem no espelho. A memria j est bastante

    comprometida, h a perda de algumas funes orgnicas importantes como a fala, a

    compreenso da fala do outro, a expresso da emoo quase inexistente, o

    cuidado com a aparncia e a higiene requer ajuda; necessrio o uso de fraldas,

    pois no h mais o controle esfincteriano, o sujeito fica fraco e mais suscetvel a

    infeces; no consegue mastigar e engolir os alimentos, levando a perda de peso.

    No consegue reconhecer e segurar objetos; dorme com mais freqncia. Este

    estgio pode durar de 1 a 3 anos, os cuidados clnicos so mais intensos

    necessitando, muitas vezes, de um profissional de enfermagem presente o tempo

    todo.

    O sofrimento, a tristeza, a apatia esto mais presentes nas famlias

    neste estgio, pois a qualquer momento o portador pode vir a falecer. E enquanto a

    morte no chega, a famlia sente uma dor muito grande ao cuidar de um corpo sem

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    36

    vitalidade, em suas relaes, no h mais a comunicao e a troca. Esta uma

    questo sobre o qual discorreremos no prximo captulo.

    Na fase terminal, o portador est totalmente dependente de

    cuidados, muitos necessitam de sondas para se alimentar, fisioterapia para evitar o

    atrofiamento muscular, precisando, em alguns casos, ficar acamado. Com respeito

    particularidade de cada caso, pouco se pode fazer para reverter tais condies.

    um corpo que ainda est vivo, que precisa de amor, carinho, mas pouco pode dar

    em troca. Neste estgio, algumas famlias optam por internar em clnicas

    especializadas, pois a demanda por cuidados de enfermagem intensa.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 37

    ****PETERSON, R. (editor-chefe). Guia da Clnica Mayo sobre o Mal de Alzheimer. Traduo Marcos Jos da Cunha. Rio de Janeiro: Anima, 2006, 222 p., p.32.

    5.2. DISTRBIOS ASSOCIADOS DOENA DE ALZHEIMER: DEPRESSO, ANSIEDADE E DISTRBIOS DO SONO

    A depresso a alterao mais comum em pacientes que

    desenvolvem a Doena de Alzheimer. A tristeza, o isolamento e a irritabilidade

    podem estar associados ao declnio mental, principalmente no incio que, como

    mencionamos, o idoso ainda mantm a crtica preservada percebendo as alteraes

    e dificuldades de memria. Este estado o que conhecemos como sintomas

    depressivos. No entanto, as alteraes biolgicas provocadas podem provocar um

    agravamento da depresso que se confunde pelos familiares com os sintomas da

    D.A.. Retraimento, apatia, falta de apetite, insnia, baixa auto-estima, oscilao do

    humor e a dificuldade de concentrao, so sintomas que revelam um quadro de

    depresso.

    Outra alterao importante a ansiedade. A presena de um medo

    real ou imaginrio, de fatos que iro acontecer, eleva o nvel de ansiedade causando

    stress e fadiga. Conseqentemente h uma alterao do comportamento, do humor

    e do sono, que podem estar associados a um quadro depressivo.

    Em relao ao sono, so vrios distrbios que podem surgir no

    portador de Alzheimer: apnia do sono, sndrome das pernas inquietas e

    movimentos peridicos dos membros durante o sono, dificuldade na respirao,

    formigamento nas pernas, pesadelos, etc.****

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 38

    Em geral, estas alteraes do sono so mais intensas nos estgios

    mais avanados da doena; so tratveis atravs de medicao apropriada e devem

    ser levadas ao conhecimento mdico, pois alm de comprometer a cognio, o

    humor e a qualidade de vida do portador, afetam a pessoa responsvel pelo seu

    cuidado.

    Aps levantarmos alguns pontos importantes, a saber, sobre

    envelhecimento e Doena de Alzheimer, gostaramos de discutir sobre o contexto

    familiar. Como se situa o portador dentro deste microsistema.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 39

    A DOENA DE ALZHEIMER NO

    CONTEXTO FAMILIAR DO IDOSO

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 40

    6. A DOENA DE ALZHEIMER NO CONTEXTO FAMILIAR DO IDOSO

    6.1. A FASE LTIMA DO CICLO VITAL

    Cerveny (2002:17) considera a famlia como um sistema em

    constante evoluo e transformao que permite aos seus membros a base

    necessria para o desenvolvimento. um processo circular que permite a

    diferenciao do indivduo, ao mesmo tempo em que mantm a coeso necessria

    para manuteno do sistema. Sabemos que o ncleo familiar possui suas regras,

    hierarquia e a criao de papeis, que estabelece e compe as relaes entre os

    membros do sistema. Esta estrutura pode ser rgida ou flexvel, funcional ou

    disfuncional, de acordo com a dinmica interacional com o meio e a herana

    adquirida pelas geraes anteriores. O indivduo tambm compe um subsistema

    que influncia e influenciado pela unidade familiar.

    Do ponto de vista intergeracional, podemos observar a famlia at a

    sua quarta ou quinta gerao. Neste contexto, observamos que h uma juno de

    geraes, com transmisso de valores, normas e regras prprias da famlia, que por

    si s uma questo bastante relevante, implicando numa reorganizao familiar.

    Evidentemente, a realidade social em que uma av de 48 - 50 anos vivenciou, no

    coincide com a que as crianas vivenciam atualmente, da a constante necessidade

    de adaptao de todos.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 41

    A famlia passa por desafios externos, como por exemplo,

    aposentadoria recebida por um dos membros gestores, e internos, quando h o

    surgimento de uma doena crnica. Pensando no sistema maior, a sociedade, esta

    determina como a instituio familiar deva se constituir e se apresentar numa

    determinada poca. A transmisso dos valores culturais outro elemento importante

    a ser considerado, pois situa as normas a serem cumpridas em situaes de conflito,

    como as que apresentamos acima. So situaes que implicam num esforo de

    todos para enfrentar estas mudanas em busca de novos reajustes a fim de se obter

    a reorganizao e equilbrio.

    Sabemos que a convivncia entre avs e netos pode proporcionar

    experincias mpares de afeto e troca. No entanto, esta ltima fase do ciclo vital traz

    questes prprias do desenvolvimento individual que necessitam de um olhar

    cuidadoso. Geralmente, neste estgio encontramos momentos diferentes com

    relao ao ciclo vital familiar. A dade conjugal tem que lidar ao mesmo tempo com o

    desejo dos filhos que esto sendo lanados para o mundo, a chegada dos netos, o

    ninho vazio e a idade avanada dos pais. Mesmo no convivendo no mesmo espao

    fsico, culturalmente h uma expectativa de que os filhos assumam os cuidados de

    que o idoso necessita. Esta demanda maior em relao s mulheres, supomos que

    seja pela sua tendncia a maternagem. Sobre isso poderamos at levantar uma

    reflexo sobre a questo de gnero, mas deixaremos para uma outra oportunidade.

    Observamos que diante da dificuldade em conviver com as

    diferenas: a criana vvida em aprender, o adolescente em fase de constituio de

    uma identidade diferenciada da dos pais, o velho tido como caduco, ultrapassado

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    42

    e, por vezes, incmodo. Sua expresso diverge, seu tempo antigo, no h espao

    para rememorar fatos que no fazem parte da realidade atual. Muitas famlias

    tomam conta de sua identidade, tutelando seus direitos como de uma criana ou, por

    vezes, ignorando sua expresso.

    Dezoti (2004:16), referindo-se a idosos, ela diz que a velhice

    apresenta questes importantes e caractersticas desta fase. So elas:

    Contato com a morte e a necessidade de aceit-la como algo que

    no podem mudar;

    As mudanas no corpo em contradio com os modelos de beleza

    vigentes;

    A perda do trabalho e as adaptaes necessrias nova fase e

    ocupao do tempo livre de outra maneira.

    Conviver com o idoso requer uma disponibilidade para criar espaos

    em que estas preocupaes tambm sejam consideradas. Neste sentido, Debert

    (1999:86) diz o seguinte:

    Entretanto, ...outras pesquisas enfatizam que as relaes familiares ainda so fundamentais na assistncia ao idoso e nas expectativas em relao ao processo de envelhecimento.

    Sendo assim, preparar a famlia para lidar com os desafios e

    mudanas que aparecero, fundamental para uma relao de reciprocidade, de

    crescimento e amadurecimento que esta convivncia pode proporcionar a cada

    indivduo.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 43

    Quando nos referimos a um idoso portador de uma doena

    degenerativa, alm do desafio em lidar com as questes prprias desta etapa de

    vida, h um elemento muito mais complicador e que demanda uma reestruturao

    de todo o sistema e uma reviso dos papeis e dos valores que at ento imperavam

    na famlia. A estrutura criada, no ser mais suficiente para absorver as mudanas

    que aparecero com o desenvolvimento da doena e o tempo escasso visto que a

    progresso inevitvel.

    6.2. A FAMLIA E AS DOENAS DEGENERATIVAS

    Lidar com as limitaes, as perdas e a necessidade de ajuda, torna-

    se um desafio maior quando presente um idoso portador de uma doena

    degenerativa. O drama que muitas famlias vivenciam entre mant-lo em casa ou

    institucionaliz-lo, faz com que os valores e as crenas sejam confrontadas. Em

    muitos casos, observamos um sentimento de culpa nos cuidadores por no se

    sentirem capazes de mudar tal situao. O amor, o respeito e a confiana so

    abalados quando h a necessidade de assumir a responsabilidade pelo cuidado de

    algum que sempre foi o cuidador, o provedor.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 44

    Sentimentos como dor, ansiedade, medo, raiva e a negao, esto

    presentes nas famlias que tm que enfrentar este tipo de situao. Em muitos

    momentos, o conflito por ter que assumir uma direo no cuidado, soma-se

    expectativa do que o futuro reserva para o doente e para a famlia. Esta incerteza

    traz a necessidade de enfrentamento dos medos mais primitivos, como o sofrimento

    e a morte. Pressionados pelo stress e a necessidade de muitas mudanas, em geral,

    um parente mais prximo, como filha, filho, marido ou esposa, so impulsionados a

    assumir o cuidado pelo doente. Esta deciso nem sempre tomada pelo prprio

    cuidador, mas por uma srie de circunstncias que levam-no a ocupar esta posio.

    Franca (2004: p. 51) refere-se a esta situao dizendo:

    O grupo familiar coloca um membro, que se deixa colocar, no lugar de cuida-dor. s vezes as condies habitacionais, econmicas etc., contribuem para isso... Assim sendo, o cuida-dor aquele que cuida da dor. Que cuida do outro que foi atingido por uma doena avassaladora e impiedosa, cujo alvo no somente o sujeito, mas todos aqueles que o cercam, em um raio bastante amplo.

    Percebemos que ao lidar com um portador de doena degenerativa

    o cuidador principal, aquele que assume totalmente o cuidado, acaba perdendo a

    autonomia e a independncia, visto que ter que se dedicar quase que

    integralmente o seu tempo para o doente. medida que a doena evolui, a

    demanda de trabalho tende a se intensificar, no obstante, h uma exausto pelo

    excesso de cuidado. O horror pela falta de controle e impotncia, leva muitos

    cuidadores ao adoecimento precoce. Vemos nas pesquisas e nos relatos destes,

    que muitos, por no suportarem a angstia, so afastados para tratamento.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 45

    Mesmo depois de eleito o cuidador principal a questo est longe

    de ser resolvida. Assumir esta tarefa rdua implica em manejar outras relaes

    afetivas, que acabam por serem envolvidas na situao. Sabemos que o movimento

    que impera no sistema circular, sendo assim, todos, de uma forma ou de outra

    sofrero com a doena. Na literatura, pouco se tem escrito sobre Alzheimer e as

    relaes familiares. Apesar de alguns autores considerarem que se trata de uma

    doena familiar e que ns compartilhamos desta idia, no h trabalhos especficos

    aprofundando esta questo.

    Tentaremos levantar esta reflexo no prximo item, a partir de

    estudos feitos com famlias de doentes crnicos e, principalmente, atravs de nossa

    experincia ao lidar com os cuidadores num contexto de grupo de apoio, utilizando

    parte dos depoimentos como ilustrao.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 46

    * ABRAz. Associao Brasileira de Alzheimer. 100 anos da doena Alzheimer: No h tempo a perder! So Paulo. So Paulo, set/out de 2006, 4 p.

    6.3. A DOENA DE ALZHEIMER, O CUIDADOR E AS RELAES FAMILIARES: ASPECTOS SOCIAIS E EMOCIONAIS

    A famlia no contexto social em que se insere, possibilita a influncia

    mtua que pode oferecer cuidado e proteo. Quando esta relao famlia-

    comunidade bem estabelecida, as famlias conseguem buscar meios de

    sustentao e apoio na comunidade e em pequenos grupos que tem em comum a

    mesma problemtica. Esta expanso para alm do ncleo familiar diminui a solido

    e o isolamento, neste sentido, o papel da rede oferecer subsdios para o

    enfrentamento do processo de perda.

    A Doena de Alzheimer tem sua maior incidncia em pessoas acima

    dos 65 anos de idade*. Muitos j esto aposentados, os recursos financeiros so

    reduzidos, restando as famlias buscar nos recursos pblicos como postos de sade,

    hospitais pblicos e instituies, os profissionais especializados no tratamento das

    demncias. No entanto, muitas comunidades carentes no possuem informao ou

    mesmo no conseguem usufruir destes servios devido extrema carncia de

    recursos.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 47

    **Nomes Fictcios

    Muitos portadores ultrapassam os 90 anos. Com o impacto do

    diagnstico, as famlias se deparam com questes que abalam a auto-estima, a

    segurana e a esperana. Como o caso de Mauro**, cuidador responsvel por sua

    me. Ele diz:

    Minha me tem 92 anos e h alguns anos comeou com D.A.. Ela no quer fazer nada, nem mesmo a higiene pessoal. Eu no tenho pacincia, fico nervoso, irritado. Preciso entender melhor esta doena.

    Alm dos recursos mdicos para diagnstico e tratamento da D.A., a

    famlia precisar contar com amigos, vizinhos e pessoas estratgicas que auxiliem

    num momento de dificuldade. O paciente, na fase inicial da doena, ainda possui

    autonomia para sair s e muitos no aceitam companhia, pois como se atestasse a

    sua incapacidade. Esta questo trazida por Leila**, cuidadora da me, que diz:

    Minha me anda todos os dias pela manh, por duas horas e ela no aceita ningum acompanhando a no ser eu...Eu trabalho o dia todo e no posso acompanh-la.

    Mas em algum momento o portador ir perder a referncia mesmo

    de ruas antes muito conhecidas, ento, necessrio que a notcia ultrapasse as

    barreiras de casa para que o padeiro, o carteiro ou mesmo o dono da banca possa

    auxiliar o portador a retornar a sua casa. Muitas famlias so orientadas a identificar

    o paciente com os seus dados pessoais e o diagnstico, para no caso dele tomar um

    nibus e no souber voltar para casa, receber ajuda. Como se refere D. Antonia**,

    cuidadora de seu esposo:

    Ele costumava sempre ir igreja sozinho e um dia ele se perdeu. Quando o encontramos, ele disse: - Eu no estou louco!.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 48

    **Nomes Fictcios

    Cuidados com dinheiro tambm so importantes neste incio, pois

    no h como saber em que momento as notas no sero mais reconhecidas. Evitar

    a disponibilidade de talo de cheques, cartes, podem prevenir problemas neste

    sentido. Os funcionrios do banco podem ajudar fazendo parte desta rede de apoio,

    orientando o portador quando este solicitar por gastos bancrios, por exemplo.

    Relativo a esta questo, tem o relato de D. Antonia**, cuidadora j mencionada:

    Eu no achava que ele tinha D.A., at que um dia sumiu o talo de cheques, eu procurei pela casa e no encontrei; ela j no conseguia mais fazer contas.

    A relao com a comunidade tambm pode oferecer espaos para

    atividades de lazer e distrao que possibilitam uma convivncia mais estreita entre

    o idoso, as famlias e a rede. No incio da Doena de Alzheimer, tarefas como jogos,

    trabalhos manuais, leitura, entre outras atividades, podem estimular a memria e

    ajudar na manuteno das habilidades motoras.

    Com a evoluo da doena, os idosos correm mais riscos ao sarem

    sozinhos, permanecendo por mais tempo em casa. Neste caso, cuidados com

    medicamentos e objetos cortantes so necessrios para evitar acidentes. Em alguns

    casos necessrio colocar etiquetas em portas e objetos para auxili-lo na

    identificao j que a memria est mais falha. Ainda com D. Antonia, ela diz:

    Ele toma banho s, se lava bem e direito; depois se seca com a toalha e veste a roupa (eu deixo a roupa toda em cima da cama); depois ele seca o banheiro... mas eu tenho que deixar tudo separado.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    49

    Neste estgio, a demanda por uma vigilncia constante, pois o

    portador comea a se perder dentro da prpria casa e ter atitudes incoerentes que

    podem comprometer a sua segurana. O espao ntimo que antes oferecia

    segurana, agora necessita de modificaes estruturais como grades nas janelas,

    retirada das chaves das portas e portes, corrimo nas escadas, medidas que

    auxiliem na preveno de possveis acidentes. Como podemos observar no relato de

    D. Antonia**:

    ...Ele j tentou pular o porto de casa e disse que queria ir trabalhar comigo.

    Quando o doente um dos cnjuges, o marido ou esposa,

    geralmente se encontra na terceira idade tambm, neste caso a situao mais

    vulnervel, pois o cuidador ter que lidar com o seu prprio envelhecimento, muitas

    vezes, antecipando o adoecimento e a dependncia devido o stress. Nesta altura,

    mesmo os filhos oferecendo apoio financeiro e emocional, estes precisam continuar

    com sua rotina de responsabilidades, desafiando a capacidade fsica, emocional e

    social do cuidador ao enfrentar a deteriorao fsica e emocional do companheiro

    doente. neste contexto conflituoso que, em muitos casos, faz-se necessrio eleger

    um filho ou filha para assumir os cuidados com o portador. Novamente citamos D.

    Antonia**, que diz:

    Eu estava muito agitada, agora estou bem. H 14 anos fao tratamento com psiquiatra do Hospital So Paulo e ele tem me orientado. Eu tambm tomo medicao.

    Os membros da famlia so afetados, por mais distantes que

    estejam geograficamente, pela Doena de Alzheimer. Devido a enorme demanda de

    reestruturao e cuidado que o portador despende ao longo do desenvolvimento da

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    50

    doena. Mesmo as famlias que optam por colocar o portador numa clnica

    especializada, o stress no eliminado, pois a superviso deve ser constante,

    considerando a complexidade dos sintomas que acompanham a doena.

    O stress inevitvel. Questionamentos sobre a expectativa de

    vida, medo de desenvolver a doena, so os medos mais freqentes que notamos

    no discurso dos familiares. o que percebemos no relato de Carlos**, cuidador de

    sua esposa:

    Eu sofro pela doena, pela minha esposa e pelos meus filhos que esto preocupados em ter a doena de Alzheimer.

    Analisando as relaes familiares, percebemos que o cuidador,

    muitas vezes tem que lidar com o medo, a insegurana, a intromisso e a rejeio

    vinda de outros membros que, de uma forma ou de outra esto envolvidos com o

    portador. O relacionamento conjugal entra em desequilbrio; a relao com os filhos

    e netos fica mais vulnervel a discusses; a impacincia e a intolerncia diante de

    atitudes incoerentes do doente e a inverso de papis, so as questes mais

    comuns que observamos na dinmica destas famlias. o mesmo, o esposo quem

    fala:

    Minha filha, mora junto com a gente, fica nervosa, irritada.

    Ainda nesta questo, Leila** diz:

    Eu conversei com meu irmo sobre a doena da mame e ele no aceita, est deprimido.

    As questes mal resolvidas em outras fases da vida ressurgem nos

    momentos de conflito e desapontamentos. No relacionamento conjugal, a

    expectativa de serem felizes para sempre h muito foi desmistificada, mas ao se

    deparar com uma doena grave, podem surgir ressentimentos, frustraes e

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    51

    sentimento de culpa que no foram elaborados no passado e passam a ocupar um

    lugar no presente. Porm, o doente no ter mais recursos para resgatar estes

    momentos, ao contrrio, ele necessitar de ateno e cuidado e estes sentimentos

    precisaro encontrar outro lugar para sua expresso. D. Antonia**, esposa j

    mencionada diz:

    Eu tenho mgoa, pois quando eu precisei dele, ele nem ligava para mim e tambm, s vezes ele me agride.

    Novamente ela diz:

    Eu sempre tentei apaziguar as abrigas; ele sempre foi muito agitado. ...Eu preciso dos meus filhos para me ajudar, eu no consigo sozinha.

    Entre os filhos, os primeiros impasses consistem na deciso sobre

    institucionalizar o doente ou mant-lo em casa e quem ir se responsabilizar pelos

    cuidados. Em relao internao, h uma crena de que ao faz-lo, alguns filhos

    acham que estaro abandonando ou mesmo punindo o doente. Porm, mesmo

    optando por coloc-lo em uma clnica especializada, estes precisaro de superviso

    e cuidado. Em muitos casos, necessria a presena de um cuidador particular para

    viabilizar o cuidado dos sintomas associados a D.A.. Por outro lado, mant-lo em

    casa, demanda que um dos filhos assuma o cuidado e, com as complicaes que a

    doena acarreta, o cuidador entra em conflito com os irmos por no suportar o

    cansao e o sofrimento. Voltando filha (Leila) **, ela diz:

    Faz nove meses que assumi o cuidado de minha me e sinto que estou ficando deprimida, mas procuro melhorar porque no quero tomar remdio. Estou num momento difcil, as pessoas no meu trabalho percebem que estou mais triste. Estou cansada, mas se eu parar de trabalhar aonde vou arrumar outro emprego.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    52

    Muitos cuidadores se queixam da falta de apoio de outros familiares,

    porm alguns no conseguem pedir ajuda, pois acreditam que ao se afastarem do

    doente, ele pode piorar. A necessidade de controle muitas vezes mascara uma

    dificuldade de aceitao da doena e da morte. A angstia ao sentir a perda do ente

    querido a cada dia mobiliza sentimentos intensos que, se no compartilhados,

    podem levar o cuidador ao adoecimento. O fato de no conseguir pedir ajuda, pode

    levar a uma relao de co-dependncia entre o cuidador e o doente. Voltando ao

    esposo j mencionado, ele diz:

    Eu no tenho coragem de me desvincular da minha esposa; ...Os meus filhos no podem cuidar; ...Ela j ficou em duas casas de repouso e no deu certo, ento, eu que tenho que cuidar dela.

    Outra questo que percebemos no discurso dos participantes

    sobre a inverso de papis. Sabemos que num certo momento o portador de D.A.

    ser totalmente dependente dos cuidados de outra pessoa. Aquele que um dia foi o

    provedor, o cuidador dos filhos, agora necessita de cuidados. preciso estar atento

    para que esta inverso no acontea durante o perodo em que o portador ainda

    possui autonomia e conhecimento para realizar tarefas. Quando isto acontece, o

    cuidador responsvel abre mo de sua vida pessoal submetendo-se apenas ao

    papel de responsvel pelo doente. Desta forma, outras pessoas podem se sentir

    constrangidas em ajudar no cuidado do doente e este, por sua vez, pode se retrair

    por no ter o convvio familiar e social.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 53

    6.4. OS BENEFCIOS DAQUELES QUE CONSEGUEM A SUPERAO

    Resilincia um termo da fsica que significa energia armazenada.

    Em situaes extremas de dor e perda, algumas pessoas conseguem lanar mo de

    uma energia latente para se resignar e continuar a vida. Na Doena de Alzheimer,

    tambm acompanhamos cuidadores e familiares que, em algum momento,

    conseguem se reestruturar aps o impacto do diagnstico. Desta forma, com o alvio

    da angstia, transformam o convvio com a doena em aprendizado e uma ltima

    chance de aproveitarem cada momento com o portador.

    Esta mudana positiva reflete tambm nas relaes familiares

    favorecendo a compreenso e participao dos demais membros, cada um h seu

    tempo. Atravs do pedido de ajuda, seja ele explcito ou implcito, o sujeito est

    reconhecendo seus limites e condies pessoais como cuidador, aliviando a

    sobrecarga e quebrando uma aliana muito perigosa j que pode levar ao

    adoecimento do responsvel pelo portador de D.A. e a excluso de outras pessoas.

    Nos grupos de apoio, os participantes compartilham e aprendem

    sobre situaes semelhantes que trazem angstia e sofrimento. Acreditamos que

    esta a fora que une e potencializa os recursos de cada participante na incessante

    luta ao lidar com a complexidade da Doena de Alzheimer.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 54

    A DOR DA PERDA E O LUTO

    ANTECIPADO

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 55

    1 BROMBERG, M. P. F. Morte e luto na famlia. In: Congresso de Terapia Familiar, 1, So Paulo, SP, 1994. Terapia Familiar no Brasil: Estado da arte. PUC SP NUFAC, So Paulo: Rosa Maria Stefanini de Macedo, 1994, p. 419-434. 2 NEDDER, M. (1995). Atendimento psicolgico a pacientes hospitalares, no domiclio. Revista de Psicologia Hospitalar. So Paulo, vol.10, n 2, ano 5, p. 2-3, 1995.

    7. A DOR DA PERDA E O LUTO ANTECIPADO

    O tema da morte sofre variaes em sua compreenso e

    enfrentamento conforme os valores scio-culturais e o tempo histrico em que o

    indivduo est inserido. Bromberg1 refere que o homem ocidental criou estratgias

    para lidar com a morte utilizando a tecnologia modificando os costumes e os rituais.

    A pessoa morre nos hospitais e no mais em casa. De l mesmo j vai para o velrio

    e depois para o enterro. No h a cultuao do corpo e poucas pessoas tm acesso

    notcia, a no ser os mais ntimos. Outros buscam apoio nas religies, no intuito de

    compreender sobre este fenmeno que desafia o homem e todo o seu

    conhecimento.

    Atualmente, tem havido um movimento por parte de alguns

    profissionais de sade e familiares no sentido de reaproximar o doente da famlia.

    Esta convivncia pode se dar nos hospitais, onde criado um espao para acolher

    os parentes mais prximos, ou em casa, com a superviso de uma equipe

    multiprofissional. Esta atitude influencia sobremaneira no tratamento em termos de

    adeso do paciente aos procedimentos mdicos propostos. No caso do paciente

    terminal, tambm percebemos um retorno ao lar, em que a famlia poder

    acompanhar o paciente, resgatando os valores, os rituais de despedida, ao mesmo

    tempo em que possibilita a expresso de amor e carinho dos entes queridos. Neste

    caso, a presena do terapeuta familiar imprescindvel na assistncia ao doente, ao

    cuidador e famlia, ajudando na reorganizao do sistema, na relao entre os

    membros e o doente e na elaborao da perda. 2

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 56

    Na esfera individual, a ltima fase do ciclo vital antecipa o

    pensamento sobre a morte. Tendemos a considerar que o idoso, por ser mais velho,

    naturalmente est mais perto de morrer. De fato, o que geralmente acontecia. Com

    o avano da medicina aliado aos avanos tecnolgicos, principalmente na rea

    preventiva, a longevidade atual possibilita ao indivduo usufruir desta conquista junto

    famlia e a rede social. A morte se distancia quando no h uma ocorrncia

    traioeira que antecipe sua chegada. Nesta fase, o sujeito pode rever o que foi feito

    e manejar o novo. A mudana de uma etapa de investimento e ao, d espao para

    momentos de reviso e reflexo sobre o fim da vida.

    A maneira como cada um vai lidar com o processo de luto, depende

    de como foram construdas as relaes em outras fases do ciclo familiar.

    Naturalmente as crenas e rituais que foram transmitidos por geraes anteriores,

    embasaro a maneira de agir no momento da morte. Porm, muitos

    questionamentos surgem no s pela morte em si, mas tambm a respeito da vida.

    Perguntas como: Porque isto est acontecendo comigo? Esto presentes nos

    pensamentos de quem tem que enfrentar o processo de luto.

    No caso da Doena de Alzheimer, cada vez mais os profissionais de

    sade so chamados para intervir neste processo de elaborao de uma perda que

    est prxima de chegar. Sua atuao ser com o paciente, com os familiares e, em

    algumas situaes, com diferentes membros da equipe envolvida no cuidado com o

    portador. O portador no tem mais condies para corrigir os erros, mudanas so

    necessrias e h pouco espao para elaborao da perda.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 57

    **PERINA, E. M. Interior: Psiclogos trabalham a dor decorrente da morte junto a pacientes terminais, familiares e equipes de sade. Jornal de Psicologia. So Paulo, p. 06, 147, jun. de 2006.

    A psicloga Perina, E. M.**, ressalta questes importantes a se

    considerar quando atuamos com pessoas em processo de luto, diz ela:

    preciso refletir sobre a morte como parte da vida um acontecimento que provoca, por exemplo, depresso, angstia e sentimento de perda para comear o processo de enfrentamento.

    O medo, o horror e a tristeza acometem aquele que est

    testemunhando de perto, a cada dia, junto ao portador o seu desligamento da vida.

    Sentimentos como raiva, impotncia e culpa, acompanham aquele que, minuto a

    minuto, est testemunhando a evoluo da doena em seu ente querido. Este um

    momento crucial, no s pela proximidade da morte, mas por levar o familiar

    cuidador a refletir sobre todo o seu envolvimento com o paciente. como se o

    cuidador fizesse um balano de todo o processo de cuidar, em que est presente o

    questionamento sobre a qualidade de seus cuidados, o tempo despendido com o

    portador e o envolvimento de outros familiares. O diagnstico de Alzheimer antecipa

    o processo de luto, visto que ainda no h cura para a doena. Alm disso, a

    informao de que o portador caminha para total dependncia, desestabiliza o

    funcionamento do sistema familiar, que precisar encontrar recursos para se adaptar

    e resgatar o equilbrio necessrio para sua sobrevivncia. O apoio neste momento

    imprescindvel, pois ajudar as famlias a encontrar novas formas de enfrentamento,

    ao mesmo tempo em que, cria-se um espao para expresso da dor. A experincia

    de compartilhar o medo e a insegurana, possibilita que os cuidadores e familiares

    possam aproveitar melhor o tempo que ainda tem com seu ente querido. O amor e o

    carinho so fundamentais neste momento de resgate e despedida.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    58

    o que percebemos no discurso de Leila**, filha j citada:

    Eu percebo o quanto triste lidar com a morte daquela pessoa que antes da doena era outra. Mas, por outro lado, a gente valoriza mais os momentos da vida.

    Como apontamos acima, at h pouco tempo, a morte tinha lugar

    certo para acontecer. Era nos hospitais e testemunhada pelo mdico que, muitas

    vezes, era quem determinava a hora, conforme o quadro clnico do doente. No caso

    das doenas degenerativas, a questo de como conduzir o final de vida do portador,

    colocada fortemente, pois este, na fase final, j no tem mais autonomia e

    discernimento para decidir onde morrer. Cuidar dos sintomas e prolongar a sua vida

    atravs de aparelhos, pode significar priv-lo de amor, carinho e da presena dos

    familiares, numa luta sem fim, j que este procedimento no ir impedir o seu

    falecimento. Nesta situao a famlia estar diante de escolhas difceis: deixar a

    cargo da medicina a responsabilidade de conduzir a hora de sua partida ou enfrentar

    a perda acompanhando os ltimos momentos do doente. O que seria mais humano?

    Receb-lo em casa cuidado ou abandono?

    Esta uma deciso muito difcil e que demanda uma mudana de

    compreenso a respeito da morte. A famlia ou o cuidador ter que rever os seus

    valores e sentimentos sobre a perda para enfrentar tal situao e as reaes de

    outras pessoas prximas do doente. Estes tambm se questionaro sobre o melhor

    a fazer.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 59

    Algumas famlias, mesmo com a presena de uma doena

    degenerativa, no conseguem refletir e se organizar para este momento e quando

    se vem diante de tal conflito, desesperam-se ou preferem deixar que os mdicos

    decidam como proceder. Entretanto, percebemos junto aos familiares de portadores

    de D.A., atitudes comuns como mant-lo em casa ou em clnicas especializadas que

    permite um maior acesso da famlia.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 60

    QUESTES RELEVANTES PARA O CUIDADOR E FAMILIARES

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 61

    8. QUESTES RELEVANTES PARA O CUIDADOR E FAMILIARES

    Atualmente, a Doena de Alzheimer representa 50 a 70% dos casos

    de Demncia. Nos anos 60, percebeu-se que o envelhecimento da populao

    europia estava crescendo muito rpido, conseqentemente, aumentou o nmero de

    pessoas com Alzheimer na Europa. Devido os avanos da cincia, a partir da

    dcada de 70, aumentaram o nmero de pesquisas a fim de se obter mais

    informaes sobre a doena. Desde ento, algumas medidas foram tomadas para

    oferecer mais recursos e assistncia ao idoso com Alzheimer. Em 21 de setembro se

    comemora o Dia Mundial da Doena de Alzheimer. Instituies e famlias se renem

    organizando eventos com o objetivo de aumentar a conscientizao sobre o tema.

    Outra medida foi a criao de organizaes espalhadas pelo mundo, com o intuito

    de desenvolver pesquisas, oferecer informaes e orientao aos portadores e

    familiares.

    No Brasil, temos a Associao Brasileira de Alzheimer. Sua principal

    misso formar multiplicadores, ou seja, que cada vez mais pessoas estejam

    preparadas para orientar quem tem necessidade e interesse sobre o assunto. Uma

    das maneiras de formar multiplicadores atravs dos grupos de orientao e apoio,

    um trabalho desenvolvido por profissionais voluntrios em diversas regies do pas.

    Os recursos pblicos se ocupam em oferecer assistncia mdica ao portador e

    distribuio gratuita de medicamentos de alto custo. Alm disso, h vrios

    profissionais estudando as causas da doena, como preveni-la e cur-la.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 62

    Muitos cuidadores, por ainda no encontrarem a cura na medicina,

    lanam mo de cuidados paliativos. A Organizao Mundial da Sade considera

    como cuidado paliativo, todo e qualquer procedimento com intuito de aliviar o

    sofrimento do paciente com doenas crnico-evolutivas, que no respondem aos

    tratamentos convencionais oferecidos nos sistemas de sade. Sua funo primordial

    poder controlar a dor, o sofrimento psicolgico, social e espiritual do paciente e dos

    familiares.

    A Psicologia vem, como outras reas da sade, aprofundando seu

    conhecimento e forma de atuao diante de tais situaes. Atualmente se fala at na

    preveno do sofrimento destes pacientes, buscando uma melhor qualidade de vida

    no estgio inicial da Doena de Alzheimer, alcanando a famlia atravs de

    informao, conscientizao e interveno teraputica.

    Nosso principal objetivo no grupo de apoio psicolgico, trabalhar a

    aceitao da doena, os cuidados necessrios com o doente, bem como, a auto-

    estima e o auto-conceito do cuidador. Refletir sobre o conjunto de valores, crenas,

    princpios morais, ticos e religiosos atuantes nas famlias e comunidades que

    passam a ter que cuidar de um portador de Doena de Alzheimer. No grupo,

    notamos o quanto estes valores e crenas ficam em evidncia em momentos de

    dificuldade e contradio que os familiares cuidadores experienciam durante as

    fases evolutivas da doena. No existe o certo ou o errado, apenas discutimos em

    que momento lanar mo destes princpios e de que maneira eles podem ajudar no

    alvio do sofrimento e do sentimento de culpa.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 63

    *PETERSON, R. (editor-chefe). Guia da Clnica Mayo sobre o Mal de Alzheimer. Traduo de Marcos Jos da Cunha. Rio de Janeiro: Anima, 2006, p.55.

    8.1. SINAIS DE ALERTA DA DOENA DE ALZHEIMER*

    So Dez sinais de alerta associados Doena de Alzheimer:

    1. Perda de memria;

    2. Dificuldade de executar tarefas familiares;

    3. Problemas de linguagem;

    4. Desorientao no tempo e no espao;

    5. Falta ou reduo do discernimento;

    6. Problemas com o pensamento abstrato;

    7. Colocar coisas em lugar errado;

    8. Alteraes no humor e no comportamento;

    9. Alteraes de personalidade;

    10. Perda da iniciativa.

    Estes sintomas no necessariamente surgem nesta ordem e o mais

    freqente o esquecimento, que deve persistir por meses e progredir ao longo do

    tempo.

    8.2. ONDE BUSCAR AJUDA

    ABRAz - Associao Brasileira de Alzheimer

    Rua Frei Caneca, 915 Conj. 3

    CEP: 01307-003 So Paulo SP

    Tel/Fax: (11) 3237-0385

    Fale Conosco: (11) 0800-55-1906

    Site: www.abraz.org.br

    E-mail: [email protected]

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    Hospitais em So Paulo/SP

    Hospital So Paulo da Escola Paulista de Medicina UNIFESP

    Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da USP

    Santa Casa da Faculdade de Medicina da Santa Casa

    Grupo de Apoio Psicolgico Zona Oeste

    Igreja So Joo Bosco (Dom Bosco)

    Rua Cerro Cor, 2101 Alto de Pinheiros So Paulo SP

    Tel.: 3021-3114

    *Reunies todas s 5as feira, s 19:30 hs.

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    ANLISE QUALITATIVA DOS DADOS

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR 66

    1. CERVENY, C. M. O. ; BERTHOUD. C. M. E. Visitando a famlia ao longo do ciclo vital. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2002, p. 85-126, 200 p.

    9. ANLISE QUALITATIVA DOS DADOS

    Os participantes deste estudo so familiares/cuidadores

    responsveis pelo portador de Doena de Alzheimer. Com exceo do cuidador

    Mario, que mora em outra casa, estas pessoas convivem no mesmo espao fsico

    com o doente, acompanhando cada detalhe da evoluo da doena. Junto com eles

    tambm moram outros parentes e empregados domsticos que auxiliam no cuidado

    com o paciente. Estes cuidadores participam das reunies do grupo de apoio

    psicolgico, trazendo suas experincias ao conviver com o doente. Percebemos nos

    depoimentos destes cuidadores que os diversos graus de parentesco apresentam

    caractersticas diferenciadas no modo de lidar com o portador.

    Quando o cuidador um dos cnjuges, o papel de marido ou esposa

    se perde na necessidade imperativa de prestar assistncia quele que no mais

    capaz de exercer a funo marital. Diferentemente acontece quando o cuidador

    principal um dos filhos, cuja relao com os pais envolve outro tipo de vinculao e

    expectativas. desejvel que os filhos possuam condies fsicas e emocionais

    para cuidar dos pais, quando estes envelhecem. No entanto, com o surgimento de

    uma doena degenerativa, o desafio e as dificuldades se tornam ainda maiores,

    visto que ser necessria muita mudana ao longo do desenvolvimento da doena.

    No caso do Sr. Carlos sua esposa a portadora de D.A.. A famlia

    encontrava-se na fase madura1 quando receberam o diagnstico.

  • O IMPACTO DA DOENA DE ALZHEIMER NAS RELAES FAMILIARES SOB A TICA DO CUIDADOR

    67

    Os filhos, j crescidos, seguiam sua vida de conquistas e criao de

    projetos pessoais; a esposa, cuidadora do lar, acompanhava o crescimento

    profissional dos filhos e os planos do marido para aposentadoria. Cerveny (2002:85)

    observou que nesta etapa, a expectativa que relao conjugal passe por

    mudanas, reavaliando o vnculo e a reorganizando o sistema aps a sada dos

    filhos de casa. A educao oferecida aos filhos e os frutos colhidos desta dedicao,

    do um norte de como se constituram as relaes intrafamiliares.

    Na famlia do Sr. Carlos, com o desenvolvimento da doena de

    Alzheimer, este processo foi interrompido medida que a portadora no possua

    mais condies de ocupar o lugar de esposa e me. A possibilidade de fazer esse

    resgate e os reajustes importantes para a relao conjugal, no teve mais espao

    para acontecer. Lidar com a frustrao por no ter a oportunidade de iniciar um novo

    ciclo, trouxe dor e sofrimento, pois no houve chance para rever o que foi feito.

    O casal que antes compartilhava decises, dvidas e planos, agora

    tudo recai sobre um a deciso de qualquer mudana. A Doena de Alzheimer ocupa

    o lugar mais importante no sistema familiar. No h mais a troca e o cuidador ter

    que se ocupar do outro, em muitos momentos, colocando-se no lugar do