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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS INSTITUTO DE LETRAS BRUNO DEUSDARÁ IMAGENS DA ALTERIDADE NO TRABALHO DOCENTE: ENUNCIAÇÃO E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE RIO DE JANEIRO 2006

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

INSTITUTO DE LETRAS

BRUNO DEUSDARÁ

IMAGENS DA ALTERIDADE NO TRABALHO DOCENTE:

ENUNCIAÇÃO E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE

RIO DE JANEIRO

2006

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

INSTITUTO DE LETRAS

BRUNO DEUSDARÁ

IMAGENS DA ALTERIDADE NO TRABALHO DOCENTE: ENUNCIAÇÃO E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras – Área de concentração em Lingüística, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de mestre.

Linha de pesquisa: Práticas de linguagem e discursividade

Orientador: Prof. Dr. Décio Rocha

RIO DE JANEIRO

2006

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/CEHB

D486 Deusdará, Bruno. Imagens da alteridade no trabalho docente: enunciação e

produção de subjetividade / Bruno Deusdará. – 2006. 249 f. Orientador : Décio Rocha. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Instituto de Letras. 1. Análise do discurso – Teses. 2. Comunicação na educação –

Teses. 3. Recursos audiovisuais - Teses. I. Rocha, Décio. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras. III. Título.

CDU 82.085

3

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Letras – Área de concentração em Lingüística, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de mestre. Banca Examinadora: Prof. Dr. Décio Rocha – Orientador Doutor em Lingüística Aplicada Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Profa. Dra. Marisa Lopes da Rocha Doutora em Psicologia Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Profa. Dra. Bethania Mariani Doutora em Lingüística Universidade Federal Fluminense – UFF Suplentes: Profa. Dra. Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna Doutora em Lingüística Aplicada Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ Profa. Dra. Maria Cecília P. de Souza-e-Silva Doutora em Lingüística Aplicada Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP

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A todos aqueles e aquelas que não perderam a

capacidade de se indignar diante das desigualdades.

Às seis pessoas que sabem (re)inventar uma convivência

cotidiana afetiva e saudável, em um mundo impossível:

Às quatro mulheres que pude chamar de mãe, Cecília e

Ignácia, Bené e Francisca, pelo exemplo de coragem e de

força. Vocês são inspiração constante na certeza de que

nada pode parecer impossível de ser mudado!

Ao Rodolfo, que, com sua irreverência, atenção e carinho,

renova diariamente o sentido da palavra amigo. Valeu!

À Pâmella, pelo companheirismo e o carinho, sobretudo

pela insistência no desafio de ser mulher, em tempos de

profunda desigualdade. Minha admiração!

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Décio Rocha, presença fundamental e constante no desenvolvimento desta pesquisa e de minha formação como professor e pesquisador. Com você, aprendi que é possível ser pesquisador sem ser solitário, numa experiência efetivamente dialógica de pesquisa. Obrigado por compartilhar sempre leituras novas, discussões, debates. Obrigado pela possibilidade de experimentar, ao longo desta pesquisa, um trabalho coletivo! Ao(à)s profissionais de educação, em especial ao(à)s colegas do C. E. Herbert de Souza, pela possibilidade de continuarmos acreditando na Educação Pública. À Prof. Del Carmen Daher, à Prof. Vera Sant’Anna e ao(à)s colegas do Seminário Temático, nas suas várias gerações, Isabel e Ângela, Luciana e Talita, Cristina Giorgi e Dayala, Charlene e muito(a)s outro(a)s, pela convivência, pelas sugestões e, sobretudo, por trilharmos juntos um percurso coletivo de pesquisa. Ao(à)s pesquisadore(a)s do Grupo Atelier, em especial a Prof. Cecília Souza-e-Silva, a Profa. Glória Di Fanti e o Prof. Marcos Vieira, pelos espaços de diálogo acadêmico. À Prof. Marisa Lopes da Rocha, a quem posso chamar de co-orientadora dessa pesquisa, pela paciência, atenção e sugestões de leitura preciosas que certamente construíram “linhas de fuga” e possibilitaram reflexões sobre o trabalho, em um paradigma ético-político. À Prof. Bethania Mariani, pela gentileza com que nos recebeu nos encontros coletivos de seu grupo de pesquisa. A todo(a)s que contribuem para fazer do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE/RJ) um espaço de ação coletiva. Ao(à)s companheiro(a)s Pâmella, Denise, Rodolfo, Guilherme, Bid, Rogério, Veraci, Jackson, Danilo, e muito(a)s outro(a)s imprescindíveis, por experimentarmos a solidariedade e o coletivismo necessários e por compartilharmos juntos a utopia de uma sociedade socialista e libertária. À Juliana e à Bárbara, pelo carinho sempre.

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O tempo perdido Diante do portão da fábrica O operário de repente pára O dia lindo agarrou-o pelo paletó E como ele se volta E olha o sol Vermelhinho redondinho Sorrindo no céu de chumbo Pisca-lhe o olho Familiarmente Pois é camarada Sol Você não acha Que é babaquice Dar um dia destes Para um patrão?

(PRÉVERT, Jaques. 1985. Poemas. Trad. de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Col. Poesia de todos os tempos)

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo, de um ponto de vista enunciativo, discutir os processos de produção de imagens discursivas do trabalho docente, a partir de discursos que circulam na sala de professores, e analisar o mural como dispositivo de produção de disciplinamento do trabalho docente. Como percurso para a apreensão da complexidade relativa ao trabalho docente, optamos pelo deslocamento de imagens classicamente identificadas com esse métier (a interação professor-aluno em sala de aula), procedendo à pesquisa de campo com base em coordenadas de espaço e tempo que privilegiam a sala de professores de uma escola da rede pública estadual do Rio de Janeiro. Identificando o quadro-mural como elemento importante da comunicação entre a administração da escola e os profissionais, bem como entre eles próprios, o elegemos como dispositivo privilegiado de acesso às interações ocorridas em tal espaço. Nosso córpus de análise, portanto, é constituído por textos que foram afixados no mural. Para fundamentar nossa abordagem teórica, partimos do princípio dialógico da linguagem (Bakhtin, 1992; 2000), segundo o qual as práticas linguageiras se constituem pelo primado da interação. Aliada a esse princípio, encontra-se a concepção de prática discursiva de Maingueneau (1997; 2001), que articula, em um movimento de interlegitimação, uma dupla produção: a produção de textos e a produção de uma comunidade discursiva de sustentação desses textos. Valemo-nos ainda das noções de poder, como relação de forças, de saber, como formações (Foucault, 2002; 2004a), e de produção de subjetividade, como processos maquínicos (Guattari & Rolnik, 2005). Em nossas análises, sustentamos a idéia de que o mural pode ser compreendido como um dispositivo de disciplinamento do trabalho docente, explicitando, a partir das noções de gêneros do discurso (Bakhtin, 2000) e cenografia (Maingueneau, 1997; 2001), diferentes níveis de embates em seu funcionamento. Adotando ainda o discurso relatado (Authier-Revuz, 1990) como noção operatória, com ênfase para a forma de discurso narrativizado (Sant’Anna, 2004), identificamos, na materialidade discursiva, estratégias de apagamento de saberes / atividades inerentes ao trabalho docente. Como resultados, observamos na produção de imagens discursivas o confronto entre subjetividades individualizadas ou não no interior de agenciamentos coletivos e também a constituição de um espaço discursivo para o trabalho docente destituído de atuação ético-política. Palavras-chave: Análise do Discurso, enunciação, produção de subjetividade, alteridade, trabalho docente, poder-saber, quadro-mural.

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RÉSUMÉ

Ce travail a pour objectif de mettre en question d’un point de vue énonciatif les processus de production d’images discursives du travail enseignant à partir des discours qui circulent dans la salle des enseignants, et mettre en analyse le tableau mural comme dispositif de production de disciplinarisation du travail enseignant. Pour capter la relative complexité du travail enseignant, nous avons fait le choix de déplacer les images classiquement identifiées à ce métier (l’interaction enseignant-apprenant en classe) et, comme terrain, nous avons accordé une place centrale à la salle des enseignants d’un lycée du réseau public d’enseignement de l’état de Rio de Janeiro, Brésil. Envisageant le tableau mural comme un élément important de la communication entre l’administration de l’école et les professionnels, et aussi parmi les professionnels, nous l’avons choisi comme dispositif privilégié d’accès aux interactions qui y ont lieu. Notre corpus d’analyse est formé de textes qui ont été affichés au mural. Pour étayer notre approche théorique, nous avons adopté le principe dialogique du langage (Bakhtin, 1992; 2000), selon lequel les pratiques langagières se constituent par le primat de l’interaction. En plus, nous avons eu recours au concept de pratique discursive (Maingueneau, 1997; 2001), qui articule, dans un mouvement d’interlégitimation, une double production: la production de textes et la production d’une communauté discursive qui soutient ces textes. Nous avons encore adopté comme cadre théorique les notions de pouvoir comme relation de forces, celle de savoir, comme formations (Foucault, 2002; 2004a), et aussi la notion de production de subjectivité, comme processus machiniques (Guattari & Rolnik, 2005). Dans l’analyse de notre corpus, nous avons soutenu l’idée que le mural peut être compris comme un dispositif de disciplinarisation du travail enseignant, permettant l’appréhension de différents niveaux d’affrontement à travers l’approche des genres de discours (Bakhtin, 2000) et de la scénographie discursive qui s’y actualisent (Maingueneau, 1997; 2001). Finalement nous nous sommes tourné vers le discours rapporté comme notion opératoire, l’accent étant mis sur sa forme narrativisée (Sant’Anna, 2004), choix qui nous a permis d’identifier dans la matérialité discursive des stratégies d’effacement de savoirs et activités constitutifs du travail de l’enseignant. Nous avons conclu sur l’affrontement de subjectivités individualisées ou pas à l´interieur d’agencements collectifs et sur la mise en place d’un espace discursif dans lequel le travail enseignant serait destitué de sa dimension éthico-politique. Mots-clés: Analyse de discours, énonciation, production de subjectivité, altérité, travail enseignant, pouvoir-savoir, tableau mural.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Relação entre o número de ocorrências e o percentual de cada uma das

categorias de discurso relatado

124

Quadro 2 – Número de ocorrências de DR em cada um dos gêneros do discurso 125

Quadro 3 – Encadeamento de situações de enunciação em DN 1 143

Quadro 4 - Encadeamento de situações de enunciação em DN 2 144

Quadro 5 - Encadeamento de situações de enunciação em DN 3 145

Quadro 6 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia 1 149

Quadro 7 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia de

jornal 2

152

Quadro 8 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia 3 153

Quadro 9 – Identificação das vozes reportadas de dos termos dicendi, na notícia 4 154

Quadro 10 – Relação entre espaço hierárquico e vozes “autorizadas” no gênero notícia

de jornal

155

Quadro 11 - Relação entre vozes reportadas e termos dicendi, no gênero circular 168

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SUMÁRIO Considerações iniciais ...................................................................................................... 13 Capítulo 1 – Produção de sentido e trabalho docente ................................................... 24 1. Trabalhar na periferia do capitalismo ........................................................................ 25

1.1 Entre a escravidão e a liberdade ......................................................................... 25

1.2 Precário e flexível: o trabalho nos dias atuais .................................................... 27

2. Trabalho e produção de subjetividade ........................................................................ 30

2.1 A opção pela enunciação .................................................................................... 33

2.1.1 Esboço para uma teoria enunciativa em Foucault ...................................... 35

2.1.2 Bakhtin e a teoria do enunciado concreto ................................................... 40

2.2 Entre vítimas e algozes: dos limites do sujeito individual à produção

maquínica de subjetividade...............................................................................

43

2.2.1 Individuação e produção de subjetividade no capitalismo ......................... 45

2.2.2 Singularidade e agenciamentos coletivos ................................................... 49

Capítulo 2 – Escola: espaço e memórias do trabalho docente ...................................... 53

1. Preliminares: por uma perspectiva dialógica de pesquisa ......................................... 55

2. De toupeiras e de serpentes: a escola entre o disciplinamento e o controle .............. 60

3. Entrando na escola ..................................................................................................... 62

3.1 Implicações na definição do cenário de estudo .................................................. 63

3.1.1 Nosso envolvimento com a escola ............................................................. 63

3.1.2 Ressonâncias de outros tempos no mesmo espaço ..................................... 66

3.2 Alterando as coordenadas de espaço e tempo do trabalho docente .................... 67

3.2.1 A opção pela sala de professore(a)s ........................................................... 68

3.2.2 A sala de professore(a)s como situação de trabalho .................................. 71

Capítulo 3 – Cenografias do trabalho docente ............................................................... 73

1. Por que o mural da sala de professore(a)s ................................................................. 74

1.1 Usos do mural ..................................................................................................... 76

1.1.1 O mural como metáfora em ambientes virtuais .......................................... 77

1.1.2 O mural como “recurso” institucional para a aprendizagem ...................... 78

11

1.2 O mural como “acesso a uma dada massa de textos .......................................... 79

2. A construção do córpus de análise ............................................................................ 83

2.1 Os critérios de delimitação do córpus ................................................................ 83

2.2 Critérios de agrupamento dos gêneros do discurso ............................................ 87

2.2.1 Gênero Mapa de Controle de Freqüência ................................................... 90

2.2.2 Gênero Versículo bíblico ............................................................................ 91

2.2.3 Gênero Notícia de Jornal ............................................................................ 91

2.2.4 Gênero Cartaz publicitário ......................................................................... 92

2.2.5 Gênero Circular ............................................................................... 93

2.2.6 Gênero resolução ........................................................................................ 95

2.2.7 Gênero Bilhete ............................................................................................ 96

2.2.8 Gênero Poema ............................................................................................ 96

2.2.9 Gênero Nota Informativa ............................................................................ 97

2.2.10 Gênero Panfleto ........................................................................................ 97

3. Genealogia do mural da sala de professore(a)s: um dispositivo de disciplinamento do trabalho docente ...........................................................................................

97

3.1 Uma inspiração nas leituras de Foucault ............................................................ 99

3.2 O mural: “transmissão de informações” ou produção de saberes? ..................... 101

3.3 Dispositivo de produção de um interesse coletivo ............................................. 105

3.3.1 Produção de sujeitos individualizados ........................................................ 108

3.3.2 Processos coletivos de subjetivação ........................................................... 112

3.4 Dispositivo de produção de prescrição do trabalho docente .............................. 116

4. Conclusões parciais ................................................................................................... 118

Capítulo 4 – Alteridade no trabalho docente ................................................................. 120

1. Alteridade na constituição do discurso ...................................................................... 121

2. As formas de agenciamento da presença do outro .................................................... 123

2.1 Discurso direto .................................................................................................... 128

2.2 Ilha textual .......................................................................................................... 132

2.3 Modalização em discurso segundo ..................................................................... 133

2.2 Discurso indireto ................................................................................................ 135

2.5 Intertexto ............................................................................................................. 135

12

2.2 Discurso narrativizado ........................................................................................ 139

3. Análise das ocorrências de DR .................................................................................. 147

3.1 Gêneros que disputam uma certa interpretação do real ...................................... 148

3.1.1 O gênero notícia de jornal ......................................................................... 148

3.1.2 O gênero panfleto ....................................................................................... 157

3.2 Gêneros que propõem prescrições para o trabalho docente ............................... 161

3.2.1 O gênero Nota Informativa ......................................................................... 162

3.2.2 O gênero circular ....................................................................................... 163

4. Conclusões parciais ................................................................................................... 171

Considerações finais ......................................................................................................... 174

Referências Bibliográficas ............................................................................................... 182

Anexo 1 - Textos do córpus cujo original é manuscrito ................................................... 189

Anexo 2 - Textos do córpus cujo original é impresso .......................................................193

Anexo 3 - Quadros com ocorrências de Discurso Relatado ............................................. 208

Anexo 4 - Esquema de encadeamento das situações de enunciação condensadas em DN.221

13

Considerações iniciais |

Nestas Considerações iniciais, discutimos, em um primeiro momento, as

motivações que nos conduziram à elaboração desta dissertação de Mestrado como

profissional de educação, atuando no Ensino Fundamental e Médio, e como pesquisador, na

área de Análise do Discurso. Ressaltamos que tais motivações não emergem apenas de

questões eminentemente pessoais, mas que têm, em nossas vivências e experiências,

ressonâncias coletivas cujas vozes pretendemos restituir no exercício de escritura em que se

configura nossa dissertação.

Com efeito, pensar no trabalho docente como tema de pesquisa mobiliza-nos a partir

de interesses de ordem diversa. Ora falaremos, em nosso texto, como pesquisador dos

grupos PraLinS1 e Atelier2, ora assumiremos o lugar de profissional de Educação

preocupado com as questões relativas ao ensino público. Somam-se a essas outras vozes,

oriundas de nossa militância como ativista social, por nos indignarmos diariamente com a

realidade de extremas desigualdades vivenciada na periferia do capitalismo.

1 Grupo de pesquisa que reúne profissionais oriundos da UERJ interessados na interface entre os estudos da linguagem e as práticas sociais 2 O grupo de pesquisa ATELIER reúne pesquisadores de diferentes universidades brasileiras interessados na interface linguagem e trabalho (PUC/SP, UERJ, UNIRIO, UNISINOS, UFRGS, UFMT, USP, UFPE).

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Eu não ando só / Só ando em boa companhia3

Neste item, em cada uma das motivações expressas acima, ressaltaremos a seguir

detalhamentos a partir dos quais centraremos a justificativa da presente pesquisa, o

problema específico a que pretendemos responder com os questionamentos elaborados e

elementos que considerem a relevância social das reflexões que vimos desenvolvendo no

âmbito do curso de Mestrado em Letras.

No que tange à justificativa relativa à presente pesquisa, manifestamos o interesse

de desenvolver reflexões a partir de uma perspectiva discursiva. Como pesquisadores,

associamo-nos às preocupações sistematizadas por Rocha, Daher e Sant’Anna (2002), que

destacam a necessidade do retorno social de pesquisas desenvolvidas nas universidades

brasileiras (sobretudo, nas instituições públicas). É tempo, dizem eles, de os lingüistas

assumirem-se como cientistas sociais.

Nesse sentido, o espaço aberto por pesquisas voltadas para a interface linguagem e

trabalho tem, ao menos, contribuído, juntamente com inúmeras outras iniciativas, para pôr

na ordem do dia a discussão acerca da relação entre universidade e sociedade. O encontro

de tais iniciativas potencializaria um golpe necessário na torre de marfim em que se alojam

as instituições universitárias brasileiras, rumando para metamorfoseá-las numa “caixa de

ressonância” das transformações sociais necessárias e urgentes.

Somos animados ainda por um interesse relativo ao quadro teórico da Análise do

Discurso de base enunciativa. A nosso ver, a compreensão da linguagem como intervenção

no social tem se mostrado muitíssimo produtiva na superação da dicotomia clássica

lingüístico / extralingüístico. A exemplo do que se tem proposto como encaminhamento nas

pesquisas que se pautam pela interface linguagem e trabalho, consideram-se as práticas de

linguagem não como reflexo de algo anterior, já dado, mas como uma das dimensões da

práxis social no trabalho, que (se) constitui (n)a sua complexidade, percorre outras

dimensões e é por elas atravessada. Propõe modos próprios de organização.

Ainda no que tange ao nosso interesse teórico, ressaltamos que esses modos de

organização do social próprios à linguagem inscrevem-se no histórico, na medida em que

os sentidos não residem na língua, atravessam-na. Os sentidos se produzem sempre em

3 Trecho da música intitulada “Para viver um grande amor”, de autoria de Vinicius de Moraes e Toquinho.

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relação a outros sentidos4. O que marca, em AD, a remissão / atualização dos sentidos em

relação a outros é o primado do interdiscurso.

Com o primado do interdiscurso, pretende-se definir um campo conceitual que se

afasta de certas concepções de discurso que o tomem como sinônimo de texto. Para

Maingueneau (1997), as práticas discursivas associam, simultaneamente, produção de texto

e uma dada produção de social. Tal concepção contribui com a reformulação da relação

texto / contexto (classicamente manifestada na dicotomia lingüístico / extralingüístico, a

que no referimos acima), abandonando tanto os modelos que concebiam o entorno como

mera moldura da produção de linguagem, quanto os esquemas que compreendiam entre a

linguagem e seu “exterior” a existência de leis de determinação e causalidades lineares.

Por interdiscurso, entende-se o caráter dialógico das práticas de linguagem. Esse

caráter dialógico sublinhado pela noção de interdiscurso remete à idéia de que a produção

de sentido se dá a partir de relações de filiação ou contraposição que as palavras assumem

nas situações concretas de enunciação.

Falamos também, inevitavelmente, como profissionais de Educação. Somos quase

cem mil profissionais na rede estadual de ensino (77 mil professores e cerca de 22.600

funcionários), com lotação funcional nas 1.673 unidades escolares5. Trabalhamos

diariamente com cerca de 1,3 milhão de crianças, jovens e adultos do estado do Rio de

Janeiro. Sentimos na pele, cotidianamente, o que significa estar fora da agenda de

prioridades do governo, em tempos de neoliberalismo. Não temos data-base, não sabemos o

valor anual de nossos salários; nosso piso salarial, como funcionários administrativos, está

em torno de duzentos e cinqüenta reais e, como professores, não chega a quinhentos reais.

Nosso Plano de Carreira, além de incidir sobre um piso baixíssimo, teve a progressão e o

enquadramento por formação “congelados”. Não podemos eleger as direções de nossas

escolas, o pleito realizado entre nós serve apenas para enviar uma lista tríplice à Secretaria.

Ao longo de oito anos, durante os mandatos de Garotinho (1999-2002) e Rosinha

(2003-2006) no governo do estado, ambos estabeleceram como política prioritária para a

Educação estadual o Programa Nova Escola. Quando todas as reivindicações acima

4 Rocha, D. (prelo). O que queremos dizer quando sustentamos a circulação de sentido. Artigo aprovado para publicação em Cadernos de Estudos Lingüísticos, Unicamp. 5 Informações extraídas da página eletrônica da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro (http://www.see.rj.gov.br)

16

elencadas foram levadas ao governo, a resposta foi a mesma: o Nova Escola é a principal

política de incentivo do governo na área de Educação. Apesar das diversas formas de

manifestação contrária por parte da categoria e de sua entidade representativa, o Sindicato

Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe/RJ), tais como: deliberações em assembléia,

resoluções congressuais, cartas das escolas, manifestações pessoais, atos públicos,

paralisações, greves, etc, manteve-se insensível o governo na defesa de seu programa de

gratificação.

Implementado desde 2000, a adesão ao Programa deu-se inicialmente de maneira

voluntária, por cada uma das unidades escolares. No entanto, atualmente, não é mais

possível recusar-se a participar de sua avaliação anual, com vistas a um resultado em nota

que pode variar de um a cinco e o pagamento de gratificação proporcional à nota obtida na

avaliação.

Há pouco material disponível sobre o Programa e os critérios de avaliação nas

escolas. Muitas delas não têm sequer a legislação relativa a ele. Na ausência de uma

comunicação oficial com as unidades escolares, sobram os recortes de jornal, os bilhetes, as

cartas escritas pela comunidade, conversas, comentários, reclamações e diversos outros

textos que possuem como temática o Nova Escola.

Na página eletrônica da Secretaria de Educação, consta a seguinte descrição do

Programa:

“O que é – Programa lançado em 2000 que propõe critérios de avaliação das escolas em cinco itens: prestação de contas; gestão da matrícula, integração com a comunidade, desempenho dos alunos (estudantes da 2ª a 8ª séries do ensino Fundamental e 1ª a 3ª séries do ensino médio fizeram provas de Língua Portuguesa e Matemática) e fluxo escolar. A partir dos resultados, o programa concede aos professores e demais profissionais gratificações proporcionais às suas realizações educacionais”6

Aspectos tão díspares como a prestação de contas e o fluxo escolar, ou seja, o índice

de aprovação / reprovação do(a)s aluno(a)s, bem como o de evasão constituem uma única

nota, que, no dizer da Secretaria, reflete as “realizações educacionais” dos profissionais de

determinada escola.

6 Texto extraído da página eletrônica oficial da Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro: http://www.see.rj.gov.br/index5.aspx?tipo=categ&idcategoria=191&idsecao=71, consultada em 07-08-2006.

17

Não é difícil imaginar as críticas feitas ao programa. A ausência de textos oficiais

sobre o programa leva ao desconhecimento dos critérios de avaliação.

Nas provas realizadas pelo(a)s aluno(a)s, por exemplo, o que se espera? Quais são

os critérios? Com que objetivos se aplica uma prova? O que a existência de uma prova

única para alunos de uma mesma série que estudam em unidades escolares tão distintas

(que vão de unidades de Ensino regular a unidades de Ensino à Distância, de escolas

prisionais a escolas técnicas) pressupõe? Apesar de não haver um programa único a ser

seguido pelo(a)s profissionais de toda a rede, (o que há são Parâmetros Curriculares

Nacionais ou Reorientações curriculares elaboradas pela Secretaria), qual é o significado de

uma prova única? Quem a elabora? Com base em quê? Como convencer alunos a

realizarem uma prova a cujo resultado não terão acesso?

Um outro exemplo é a prestação de contas. Mesmo em escolas sob intervenção, cuja

direção interventora é indicada pela Secretaria (e, em muitos casos, não se trata sequer de

profissionais daquela unidade), a prestação de contas influirá nas “realizações

educacionais” dos profissionais.

Para alguns, os índices de evasão escolar e de aprovação / reprovação do(a)s

aluno(a)s é mais facilmente identificado com o trabalho do(a)s profissionais do que a

prestação de contas da escola. Para outros, a preocupação com o financiamento da

Educação deve restringir-se aos gestores públicos e nada teria a ver com o trabalho em sala

de aula. Nessa profusão de sentidos que se produzem e circulam, não há como delimitar um

sentido original de trabalho do qual os demais derivariam. O que há, parece-nos, são

verdadeiras máquinas de produção de sentido cujo funcionamento precisa ser mapeado,

cartografado, nas palavras de Guattari e Rolnik (2005).

Quando e onde trabalha o(a) professor(a)?

Acima, explicitamos interesses diversos que nos levam a falar sobre o trabalho

do(a)s profissionais de educação. Ao longo de nossa pesquisa, foi necessário fazer algumas

opções acerca do tema trabalho do(a)s profissionais de educação. A primeira delas foi

exatamente a de tratar particularmente do trabalho docente. De maneira alguma, isso

significa dar prioridade a um setor em detrimento do outro. Antes, essa foi uma escolha

necessária, na medida em que optamos por uma abordagem razoavelmente distinta das que

18

propõem analisar textos de jornal, livros especializados, ou mesmo a legislação referente à

área, bem como das que objetivam compreender as interações em sala de aula.

Poderíamos pretender analisar os modos de organização dos espaços da escola, com

o intuito de perceber que imagens do(a)s diferentes trabalhadore(a)s a divisão dos espaços

pressupõe. Apesar de essa questão se articular de maneira aproximada com o que estamos

propondo, não era exatamente isso o que nos afligia.

O que nos interessava era construir um espaço de análise que pudesse dar conta das

seguintes questões: o que se constitui como trabalho docente? quando e onde o(a)s

profissionais trabalham?

Essas questões, que refletem um interesse mais geral de nossa parte, dialogam com

demandas variadas. Vejamos alguns exemplos. Recentemente, a Confederação Nacional

dos Trabalhadores em Educação (CNTE) fez levantamento do perfil pessoal e profissional a

partir de uma pesquisa realizada em dez estados brasileiros (Tocantins, Espírito Santo, Rio

Grande do Norte, Paraná, Alagoas, Mato Grosso, Piauí, Minas Gerais, Goiás e Rio Grande

do Sul)7. Nas entrevistas, realizadas com 4.656 pessoas, abordaram-se três grandes eixos:

dados pessoais, dados funcionais e aspectos relacionados ao trabalho, lazer e saúde. Quanto

aos objetivos da referida pesquisa, segue trecho do próprio relatório:

“A intenção da CNTE, portanto, é usar esses números como ponto de partida para discussão das necessidades dos trabalhadores em educação na medida em que a satisfação dessas demandas seja parte da formulação de políticas públicas que assegurem ensino público, gratuito e de qualidade para todos em todas as etapas do aprendizado” (CNTE, 2003)

Dos dados apresentados, alguns apenas confirmam o que parece ser de

conhecimento geral: trata-se de uma categoria majoritariamente feminina. Outros deveriam

efetivamente merecer destaque, como a faixa etária que se estende dos 25 aos 59, com

predominância da faixa entre 40 e 59 anos, haja vista as sucessivas medidas que os

governos vêm tomando em relação à previdência, alterando direitos adquiridos de uma

parcela considerável de trabalhadoras que se encontra na iminência de gozá-los.

Além dos direitos adquiridos que se alteram sem nenhum tipo de prestação de

contas pública do que vem sendo feito, a faixa salarial desse(a)s profissionais também

7 Essa pesquisa intitula-se “Retrato da Escola”, realizada em 2000 e 2001. O relatório completo encontra-se na página eletrônica da Confederação (www.cnte.org.br).

19

demonstra uma situação alarmante: em 2001, encontrava-se entre R$ 500,00 e R$ 700,00.

De acordo com os dados de referência fornecidos pelo Fundo das Nações Unidas para

Educação e Cultura (Unesco) e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), as informações anteriores relativas à faixa salarial do(a)s

profissionais, comparadas com a de outros trinta e dois países de economia equivalente à

brasileira, colocam-nos entre os que possuem os piores salários para o(a)s trabalhadore(a)s

em Educação.

Ressaltamos, entre as demais informações apresentadas pela pesquisa, um dado que

dialoga com angústias do cotidiano do(a)s profissionais: os entrevistados declararam

dedicar, em casa, cerca de oito horas semanais a atividades “extra” vinculadas à sua

profissão.

Questionamo-nos: que atividades “extra” são essas? elaboração de planejamento, de

plano de aula, de prova são atividades “extra”? e o comparecimento ao conselho de classe

ou a uma reunião de pais pode-se considerar como tal? o que falar a respeito de festas

previstas no calendário letivo? pode-se compreender “extra” como equivalente a opcional?

é possível deixar de realizar alguma dessas atividades? se se trata de uma “obrigação”, há

remuneração equivalente?

Até aqui, vimos questionamentos de ordens variadas sempre colocando o problema

da definição da noção de trabalho em relação ao magistério e da identificação de

coordenadas de espaço e tempo, relativas à produção / circulação de sentidos sobre o

trabalho docente. Identificamos assim a necessidade de superar as imagens consideradas

como clássicas em relação ao trabalho docente, quais sejam, aquelas produzidas nas

interações professor(a)-aluno(a) em sala de aula.

Embora tivéssemos que fazer essa opção de nos restringirmos ao trabalho docente,

julgamos que o percurso constituído por essa trajetória abre espaço para uma análise

comparativa entre os resultados aqui explicitados e encaminhamentos possíveis em

pesquisa que possa ser realizada acerca do trabalho do(a)s funcionário(a)s

administrativo(a)s nas escolas.

Queríamos entender os modos de produção de imagens discursivas do trabalho

docente. Os questionamentos a respeito da constituição das referidas imagens foram

amadurecendo: as imagens que se constroem na relação em sala de aula são as mesmas na

20

relação com outro(a)s profissionais? em que espaços e de que maneiras distintas o(a)

professor(a) se mostra trabalhando?

Considerar-se um dado conjunto de atividades como “extra” mas não exatamente

opcionais não remete a uma espécie de “código de conduta” do(a)s profissionais que não

precisa estar escrito para entrar em funcionamento? Que relações de poder se estabilizam

na configuração desses pressupostos do trabalho docente? Que saberes sobre o métier

docente se produzem e circulam ao apreender certas atividades como “extra” e inerentes a

uma atividade profissional? Essas são as questões a que pretendemos responder.

Os questionamentos até aqui elaborados constituem terreno fecundo de reflexões e

problematizações. Assim, explicitamos a seguir os objetivos gerais de nossa pesquisa:

Discutir os processos de produção de imagens

discursivas do trabalho docente, a partir de discursos que

circulam na sala de professores e analisar o mural como

dispositivo de produção de disciplinamento do trabalho

docente.

A partir desse problema, delimitamos os seguintes objetivos específicos:

(i) identificar, nos textos que circulam no mural, diferentes modos de produção /

circulação de sentidos sobre o trabalho do(a) professor(a);

(ii) analisar de que modo a atividade de afixar textos no mural contribui para a

constituição de um espaço a partir do qual se possa falar ao(à)s professore(a)s em situação

de trabalho;

(iii) reconhecer que saberes os textos afixados no mural “fazem ver” como

pressupostos do trabalho docente;

(iv) analisar estratégias de poder que constituem certos funcionamentos discursivos,

na produção de imagens do trabalho docente.

Para dar conta de tais reflexões, apresentamos nossa dissertação em quatro

capítulos, organizando-se da maneira que explicitamos a seguir.

21

No primeiro capítulo, discutimos os pressupostos teóricos que fundamentam as

análises propostas acerca do trabalho docente como temática. Desse modo, interessou-nos

iniciar realizando um breve percurso dos sentidos atribuíveis à noção de trabalho.

Elegemos dois caminhos para dar conta de tal percurso. O primeiro deles tomou como

referência uma consulta a verbetes de dicionário. Neles destaca-se a abrangência das

definições, ampliando-se inclusive por diversos termos da linguagem popular. O segundo

caminho, igualmente breve, constitui-se de uma retomada dos sentidos atribuídos a

trabalho por alguns autores que se destacaram nessas reflexões, no pensamento ocidental.

Feito esse levantamento inicial, nosso intuito era demonstrar a amplitude e,

sobretudo, a complexidade das discussões acerca da noção de trabalho. No segundo

momento desse capítulo, o que nos move é a tentativa de explicitar de que modo as teorias

enunciativas podem contribuir nas reflexões sobre a produção de sentido relativa à noção

trabalho. Discutimos assim as contribuições das teorias enunciativas recorrendo a autores

como Foucault (2004b) e Bakhtin (2000).

Seguimos, nesse capítulo, discutindo as imagens do trabalho docente estabilizadas,

quais sejam, a de vítima ou a de algoz. Associamos tais imagens a modelos de produção de

subjetividade, ressaltando quais seriam os desafios a serem superados em uma pesquisa em

AD, compreendendo a subjetividade como um processo que se constitui a partir da relação

poder-saber.

No segundo capítulo, registramos as reflexões que fundamentaram a opção pela

observação empírica. Como preliminares, discutimos de que modo alguns manuais de

metodologia têm proposto o que chamam de “procedimentos de coleta de dados”, refletindo

acerca de certas estratégias de apagamento das implicações do(a) pesquisador(a) frente a

seu objeto. A seguir, partindo do pressuposto de que o espaço observado não é mera

moldura das interações, ou seja, não vemos o que é, mas o que se permite ver em função de

certos regimes de visibilidade, pensamos sobre o lugar da instituição escolar na sociedade

contemporânea. Para tanto, valemo-nos das reflexões sobre as sociedades disciplinares, de

Foucault (2004a) e as sociedades de controle, de Deleuze (2005). Num terceiro momento,

explicitaremos os critérios de escolha do cenário de estudo, a saber: uma escola da rede

pública estadual do Rio de Janeiro. Trata-se de um espaço em que estivemos há doze anos

como aluno, em outra instituição de ensino que lá funcionou. Ao discutir esses critérios,

22

destacamos a opção pela sala de professores como forma de superar as imagens

classicamente identificadas do trabalho docente.

No terceiro capítulo, procuramos relacionar as diversas interações ocorridas na sala

de professores com um dado funcionamento do mural. Para isso, é necessário desnaturalizar

a idéia de que o mural seriam um mero “veículo de informações”, passando a vê-lo como

um dispositivo de produção de disciplinamento do trabalho docente. Tal perspectiva se

instaura a partir da ruptura com modelos lineares de comunicação e a consideração de que a

relação entre texto e mural se articula de maneira complexa.

Esses posicionamentos defendidos ao longo do capítulo sustentam-se em algumas

noções importantes, tais como a de gênero do discurso (Bakhtin, 2000) e a de mídium

(Maingueneau, 2001). A partir delas, iniciamos as análises dos textos recolhidos ao longo

de oito meses de observação empírica, dividindo-os em diferentes gêneros do discurso.

Utilizamo-nos para isso dos critérios de identificação dos gêneros propostos por

Maingueneau (2001) numa tentativa de discutir os critérios de definição dos textos

encontrados durante as nossas observações na sala de professores em gêneros do discurso.

Em seguida, ao falarmos de uma “genealogia do mural”, inspiramo-nos em leituras

foucaultianas, com o intuito de promover um diálogo entre a relação poder-saber proposta

por Foucault (2002 e 2004) e uma dada perspectiva discursiva. Fazendo convergirem esses

pontos de vista, pudemos compreender o mural como dispositivo de disciplinamento do

trabalho docente, vendo seu funcionamento atualizar-se de diferentes modos: como

produtor de saberes, de um interesse coletivo, e de prescrição do trabalho docente.

Já no quarto capítulo, optamos por uma outra proposta de recorte do córpus8 de

análise. Nosso objetivo era discutir a produção de imagens discursivas do trabalho docente

a partir da materialização de certas estratégias de poder no funcionamento discursivo. O

mural é compreendido agora como um dispositivo de poder, que agencia diferentes (e

mesmo divergentes) vozes, autorizando-as a falar ao(à)s professore(a)s em situação de

trabalho.

8 Utilizamos a grafia córpus, acompanhando a seguinte justificativa dada pelo Prof. Décio Rocha: Tendo em vista a forte recorrência da palavra no campo dos estudos lingüísticos, evitam-se as formas latinas corpus (sing.), corpora (pl.), preferindo-se conferir « cidadania portuguesa » a « córpus » (sing. e pl.). Trata-se de forma (ainda) não dicionarizada em língua portuguesa, situação que difere da que se verifica em francês, língua em que se atesta o registro de formas como « le(s) corpus » já no século XIX (Lexis – dictionnaire de la langue française, Larousse).

23

Retomando as análises do material, percebemos que a categoria de discurso relatado

nos permitiria discutir o funcionamento discursivo, de uma perspectiva enunciativa,

mapeando a ocorrência de vozes e seus diferentes modos de apresentação. Dessa forma, a

partir das ocorrências de discurso relatado identificadas nos textos analisados, elaboramos

critérios de natureza quantitativa e qualitativa no sentido de explorar, entre todas as

ocorrências identificadas de discurso relatado, um conjunto que fosse, ao mesmo tempo,

significativo e produtivo. Centramos nossas análises na comparação entre as ocorrências da

categoria de discurso narrativizado, nos gêneros notícia de jornal, panfleto, nota

informativa e circular. As reflexões empreendidas a partir dos diferentes modos de

apresentação da categoria discurso narrativizado nos textos analisados nos permitiu

compreender certas estratégias de poder e de produção de saberes pressupostos do trabalho

docente.

24

Capítulo 1 |

Produção de sentido e trabalho docente

“Desinventar objetos. O pente, por exemplo. Dar ao pente funções de não pentear. Até que ele fique à disposição de ser uma begônia. Ou uma gravinha. Usar algumas palavras que ainda não tenham idioma”9

No presente capítulo, discutiremos os fundamentos teóricos que nos levaram a

propor uma análise sobre o trabalho docente. Em um primeiro momento, pretendemos

desestabilizar certos sentidos sobre o trabalho, em geral. Para isso, destacaremos um breve

percurso dos sentidos atribuíveis a trabalho. A partir de uma consulta em verbetes do

dicionário e em um texto de Antunes (2005a) sobre o trabalho no pensamento ocidental,

destacaremos que não há um único sentido original de trabalho do qual todos os outros

seriam derivados. Essa iniciativa já se insere na concepção adotada aqui acerca das práticas

de linguagem.

9 BARROS, Manoel de.1997. O livro das ignorãças. Rio de Janeiro: Record.

25

No segundo item, procuramos oferecer os contornos de uma perspectiva enunciativa

e de que modo, assumindo-se tal ponto de vista, pode-se refletir sobre o trabalho docente.

Nesse sentido, julgamos necessário explicitar as contribuições de autores como Foucault e

Bakhtin na configuração de um quadro teórico enunciativo da Análise do Discurso.

Levando em conta esses elementos, discutiremos as insuficiências de modelos de produção

de subjetividade subjacentes a imagens do trabalho docente que circulam no cotidiano,

associando-as aos aspectos oferecidos por uma compreensão da subjetividade como

produção maquínica.

1. Trabalhar na periferia do capitalismo

Entre o sofrimento e a emancipação, o trabalho constitui-se no desafio da reflexão

proposta pela presente pesquisa. Antes mesmo de refletirmos acerca dos sentidos que se

produzem e circulam sobre o trabalho docente, julgamos ser conveniente explicitar o que

estamos entendendo por trabalho. Sabemos não se tratar de questão simples a que se

responderia de um só lance.

1.1 Entre a escravidão e a liberdade

Um breve folhear do dicionário nos dará a dimensão da multiplicidade de sentidos

que circulam sobre a noção de trabalho. Esses sentidos remetem do “esforço incomum” à

criação, da responsabilidade à satisfação, da tortura à emancipação. Seguiríamos ainda no

levantamento dos sentidos atribuídos a trabalho em expressões como “trabalho de parto”,

para referir-se aos fenômenos mecânicos e fisiológicos envolvidos no parto, “trabalho

beneditino”, mencionando-se a necessária paciência na execução de certa empreitada,

“trabalho de Sísifo”, para o qual se reuniria esforço considerável e inútil, já que sua

realização seria interminável, ou ainda em “dar-se o trabalho de”, considerando o empenho

de alguém ao realizar algo, que, de alguma forma, se contrapõe a “dar trabalho”, na medida

em que essa outra expressão significaria exigir atenção, cuidados10.

Um levantamento dos possíveis sentidos atribuídos a trabalho não se esgota nas

páginas do dicionário, uma vez que nos mantivemos restritos ao verbete “trabalho”, sem

10 Cf. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.

26

percorrer as remissões a que o dicionário nos conduz. Nossa trajetória seguiria explorando

leituras em obras filosóficas e literárias, desde o mundo antigo. A esse respeito,

mencionamos o percurso elaborado por Antunes (2005a) na “Apresentação” de seus

ensaios sobre as mudanças no mundo do trabalho reunidos no livro O caracol e sua

concha11. No texto, o autor atenta para a abrangência da noção de trabalho, deslocando-se

de sentidos que remetem da sujeição à criação.

Para exemplificar tal amplitude conferida a essa noção, o autor mencionará, do

mundo antigo, Hesíodo e Ésquilo. Ao primeiro atribui-se a autoria de uma ode ao trabalho,

em Os trabalhos e os dias. O segundo, autor de Prometeu acorrentado, ressaltava a

condenação humana ao sofrimento.

Antunes prossegue o percurso relativo à complexidade da noção de trabalho citando

como outro exemplo o pensamento cristão. Segundo ele, a tradição cristã teria dado

conseqüência à controvérsia do trabalho, associando-o, simultaneamente, ao martírio e à

salvação (Antunes, 2005a).

Na modernidade, Antunes (2005a) cita três autores: Weber, Hegel e Marx. O

primeiro, para Antunes, “com sua ética positiva do trabalho, reconferiu ao ofício o

caminho para a salvação, celestial e terreno, fim mesmo da vida” (Antunes, 2005a, p.11-

12). Em Hegel, a dialética do senhor e do escravo salienta o fato de que o senhor torna-se

para si apenas considerando-se em relação ao escravo, e o mesmo processo ocorreria com o

escravo.

No que tange ao pensamento marxista, Antunes sintetiza sua compreensão acerca do

problema do trabalho da seguinte maneira: “trabalhar era, ao mesmo tempo, necessidade

eterna para manter o metabolismo social entre humanidade e a natureza. Mas, sob o

império (e o fetiche) da mercadoria, a atividade vital metamorfoseava-se em atividade

imposta, extrínseca e exterior, forçada e compulsória” (Antunes, 2005a, p. 12).

Ao aprofundar a perspectiva assumida no que diz respeito à metamorfose do

trabalho de atividade vital a atividade imposta sob a lógica do capital, Marx analisa a

historicidade do trabalho, ao mesmo tempo em que delineia os contornos de uma teoria da

atividade.

11 Antunes, R. O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2005a.

27

No próximo item, discutiremos algumas das particularidades que a noção de

trabalho assume no capitalismo contemporâneo.

1.2 Precário e flexível: o trabalho nos dias atuais

Nas últimas duas décadas do século anterior, a nossa sociedade produziu um

conjunto bastante extenso e heterogêneo de discursos acerca do mundo do trabalho.

Discursos esses que circularam desde os Parlamentos nos estados nacionais aos organismos

internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, desde as grandes

mídias ao cotidiano de trabalho, pondo em questão a forma de trabalho tal como vinha

sendo conhecida entre o século XIX e a primeira metade do século XX.

Se o esforço dominante, na década de 80, fora o de decretar o fim da história e a

aparente vitória das democracias liberais e do livre mercado, nas décadas seguintes,

ensaiou-se dar adeus ao trabalho12. Em muitos países, como foi o caso do Brasil, houve

contra-reformas (como a da Previdência, para citar um exemplo) cuja questão central

antevê-se ligada à desregulamentação dos direitos adquiridos pelo(a)s trabalhadore(a)s nas

décadas anteriores. Sob o rótulo da “flexibilidade”, um processo de precarização tomou

conta do mundo do trabalho, promovendo a perda de direitos, a diminuição dos postos de

trabalho fixos e o aumento do regime parcial.

Diversos autores se propõem a discutir os processos envolvidos nas transformações

em curso. Antunes (2003) centra-se na dimensão estrutural da crise, analisando o processo

de reestruturação produtiva, as novas formas de acumulação do capital e as conseqüências

desse processo na organização e nas lutas da classe-que-vive-do-trabalho. Assim, segundo

o referido autor, se assistimos atualmente a uma aparente flexibilização das rígidas rotinas

das linhas de montagem no modelo fordista das indústrias, isso se dá acompanhado de uma

intensificação dos processos de extração de sobretrabalho:

“O mundo do trabalho viveu, como resultado das transformações e metamorfoses em curso nas últimas décadas, particularmente nos países capitalistas avançados, com repercussões significativas nos países do Terceiro Mundo dotados de uma

12 Uma reflexão crítica acerca das diferentes teses que propõem o fim da sociedade do trabalho encontra-se em Antunes (2005b).

28

industrialização intermediária, um processo múltiplo: de um lado verificou-se uma desproletarização do trabalho industrial, fabril, nos países de capitalismo avançado. Em outras palavras, houve uma diminuição da classe operária industrial tradicional. Mas, paralelamente, efetivou-se uma significativa subproletarização do trabalho, decorrência das formas diversas de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal, ao setor de serviços, etc. Verificou-se, portanto, uma significativa heterogeneização, complexificação e fragmentação do trabalho” (Antunes, 2003, p.209)

Outro autor cujas análises se constituem em um importante referencial para a

compreensão das transformações que vimos atravessando é Richard Sennett. Em seu texto

intitulado “A nova sociedade urbana”, ao tratar do espaço urbano possibilidade de

desenvolvimento de uma consciência de si mais complexa e mais rica, enfoca, nas

experiências urbanas, o movimento entre a uniformidade e a diversidade.

Segundo ele, o desafio colocado à arquitetura urbana seria proveniente dos

processos de flexibilização do trabalho pela globalização. As duas ou três últimas décadas

caracterizaram-se pelos seguintes processos:

“Tentou-se ‘diluir’, suprimir, alguns postos administrativos (utilizando as novas tecnologias da informática para substituir os burocratas) e acabar com a prática da atividade fixa para substituí-la por equipes que trabalham em períodos curtos e tarefas específicas. Nessa nova estratégia, as equipes entram em competição umas com as outras, procurando satisfazer o mais rápido possível os objetivos fixados pelo topo da hierarquia” (Senett, 2001, p.2)

Assistimos a um processo de hipervalorização do indivíduo como instância nuclear

da competição e do empreendedorismo. O que fora considerado como direito básico a que

todo(a)s deveriam ter acesso, como saúde e educação, passa a ser considerado como

mercadoria. Proliferam-se os planos de saúde que se subdividem em níveis A, B ou C, alfa,

beta ou ômega, considerando como critérios a abrangência de atendimento e também o

conforto oferecido. Cada um terá “direito” de usufruir de maior ou menor rede de

atendimento, maior ou menor escala de conforto, de acordo com o que for capaz de pagar.

O discurso da qualidade emerge como uma das promessas da chamada flexibilização.

29

O discurso da qualidade vincula-se, em termos macropolíticos, à falência do welfare

state. A segurança oferecida pelos mecanismos reguladores do aparato de estado deu lugar

a um regime flexível, em que seguros, garantias e direitos são substituídos pela necessidade

de correr riscos. Aspectos como os planos de carreira, seguros e outros benefícios sofreram

críticas severas por supostamente interferirem na competição “natural” entre os seres

humanos no mercado de trabalho. A imagem ideal de trabalhador não mais se territorializa

entre seus direitos e deveres, mas se constitui de sua capacidade de arriscar-se, investir-se

no empreendedorismo.

Nesse contexto, o discurso da qualidade associa-se à eficiência, rapidez e

flexibilidade exigidas. Com efeito, a qualidade, por mais paradoxal que possa parecer,

emerge nesse cenário como elemento mensurável a partir do cumprimento das metas, do

tempo gasto, entre outros aspectos. Eficiência e rapidez falam-nos de um metabolismo de

produção acelerado e insaciável. Ao trabalhador cabe assumir as metas como riscos,

investir nelas como empreendimento. O cartão de ponto das indústrias foi substituído por

formulários de metas que não cessam de se reelaborar.

A esse respeito, Deleuze afirma:

“o controle é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado, ao passo que a disciplina era de longa duração, infinita e descontínua. O homem não é mais o homem confinado, mas o homem endividado” (Deleuze, 2006, p.224)

Da rigidez das instituições disciplinares, a partir de estratégias de confinamento, à

flexibilidade das sociedades de controle, cujas estratégias de sujeição produzem sujeitos

endividados, as transformações do mundo do trabalho distanciam-se de qualquer

possibilidade de liberdade ou criação, já que nada pode escapar ao controle. O que se tem

com a aparente autonomia da produção é o aumento das tarefas subentendidas no

desenvolvimento de cada função, bem como uma aceleração do tempo de produção com

metas que não cessam de se renovar. A flexibilidade encontra-se longe de uma ampliação

da inserção dos trabalhadores no sistema produtivo associada à qualidade não só no que

tange ao trabalho, mas à vida em geral. As promessas mais otimistas dos receituários

“consensuais” produziram um sistema flexível sinônimo de precário.

30

2. Trabalho e produção de subjetividade

Neste item, procuramos discutir alguns elementos que constituem a multiplicidade

de sentidos do trabalho, em especial o trabalho docente. Um primeiro aspecto que devemos

ter em mente é a “invisibilidade” de uma série de atividades, um conjunto complexo de

processos desenvolvidos na escola, mas que não ganham o estatuto de trabalho, em termos

conceituais.

“As atividades desenvolvidas na escola são muitas vezes feitas na intimidade, silenciosamente, ninguém percebe nem quer perceber o esforço, muitas vezes excessivo praticado pelo(a) trabalhador(a) – nem a sociedade, nem o governo, nem os pais dos alunos, muitas vezes nem os próprios alunos (embora em nossas pesquisas descobrimos que ainda são os alunos que os[as] trabalhadores[as] percebem como aqueles que reconhecem seu trabalho)” (Silva et al., 2003, p.53)

À guisa de ilustração, narramos situações que procuram dar conta de certo

percurso dos sentidos do trabalho docente. Essas narrativas são motivadas por experiências

e vivências variadas, fazendo-nos refletir acerca dos conflitos a que cada uma dessas

situações (e muitas outras, já passadas e ainda por vir) remete. Se tais narrativas não se

vinculam a uma situação concreta, isso reflete nosso desejo de mapear os percursos, marcar

possibilidades de sentido extraídas de conversas, comentários, desabafos presenciados por

nós. Incluímo-nos, em muitos momentos, entre os que poderiam (e puderam) ter posto em

circulação tais sentidos.

Passemos às narrativas. É comum encontrarmos colegas que reservem parte de seus

dias (uma manhã, uma tarde, ou mesmo um dia inteiro) para atividades relativas a sua

profissão (tais como elaboração de exercícios, correção de provas, etc.) ou a sua vida

pessoal. Trata-se de um período dedicado, em alguns momentos, a questões profissionais,

em casa ou em outro espaço que não seja o da escola, chamado habitualmente de “dia

livre”. Perguntando a esse profissional acerca da possibilidade de agendar reunião nesse

horário, não é difícil obter a seguinte resposta: “Tudo bem, nesse horário não trabalho,

apenas monto exercícios ou corrijo provas, vou ao banco ou marco consulta no médico”.

Que sentido está sendo atribuído a trabalho? Se em tal horário o colega não se considera

trabalhando, quando o faria?

31

À primeira vista, poderíamos imaginar que o critério subjacente à situação acima

referida para definir a noção de trabalho seja a coordenada de espaço, isto é, mesmo

envolvido em atividade facilmente identificada com o trabalho docente (a correção de

prova, por exemplo), estar em casa ou em outro lugar que não seja a própria escola seria

suficiente para caracterizar tal atividade como não-trabalho.

Façamos ainda um comentário a respeito da jornada de trabalho, cuja reflexão

acerca de seu prolongamento excessivo caracteriza-se como uma das demandas da presente

pesquisa. Se, desde Marx (2000), a jornada de trabalho não pode se restringir ao tempo

gasto no trabalho, há algumas particularidades, no que tange ao(à)s profissionais de

educação, que caberia registrar, a partir do exemplo anterior:

“No máximo se levam em conta as tarefas e o trabalho que se espera, mas não se considera o trabalho que é de fato realizado, nem tampouco o todo o esforço que os(as) trabalhadores(as) de escola despendem para dar conta do que se espera e do que cada situação exige.

“(...) Por outro lado, os(as) trabalhadores(as) diante desse quadro apontado e do jeito de ser dos humanos, buscam muitas vezes inventar o melhor modo de trabalhar, isto é, o modo mais adequado ao contexto específico em que se encontram. Buscam criar um ambiente quanto possível favorável a seu trabalho de educador(a). Procuram responder às demandas e necessidades dos alunos e alunas, produzindo apostilas. Experimentando outras dinâmicas de ensino, deixando limpas as salas de aula, a refeição o mais gostosa possível, tomando conta do portão com atenção redobrada etc.” (Silva et al., 2003, p. 51-3)

Vejamos agora se a coordenada espacial se constituiria como critério fundamental

na definição do trabalho docente. Mencionaremos a seguir outro exemplo cujo sentido

produzido sobre trabalho evidencia a insuficiência de se considerar apenas a coordenada

espacial como definidora do trabalho docente. O exemplo anunciado remeteria a uma

situação em que um colega, encontrando-se em um tempo de hora-aula intercalado sem

desenvolver atividade em sala de aula13, responda afirmativamente a uma solicitação de

reunião, justificando tal possibilidade da seguinte maneira: “Ok, eu estou em tempo vago e

13 Os tempos de hora-aula intercalados durante a jornada em um mesmo turno são conhecidos como “janela” e considerados “tempo vago” do professor.

32

aproveitei para adiantar a elaboração da prova”. Por que “aproveitar” o momento para

realizar uma dada atividade? O que estaria previsto para esse momento? Por que “adiantar a

elaboração da prova”? Onde tal elaboração deveria se dar? Por que parece incompatível

utilizar um tempo supostamente vago para elaborar provas? Que saberes pressupostos ao

trabalho docente atravessam esses sentidos, evidenciando tal dissimetria?

Retornaremos aqui a nossa iniciativa de vislumbrar, entre os sentidos que circulam

sobre trabalho, em particular o trabalho docente, que critérios colaboram na definição de

tais sentidos. Vimos até o momento situações em que se entrevêem limitações das

coordenadas de espaço e tempo como critérios definidores de tais noções. Faltaria ainda

experimentar a possibilidade de considerar a atividade como critério definidor de tal noção,

imaginando talvez que pudéssemos pensar no trabalho docente como um elenco de

determinadas atividades. No entanto, os exemplos referidos acima mostram que, nem

sempre, uma mesma atividade (como a elaboração de prova, por exemplo) é considerada

como trabalho. Nesse sentido, tal critério estaria diante também de certas insuficiências,

para que pudesse ser adotado como o mais adequado na definição do trabalho do professor.

Gostaríamos de comentar ainda uma outra situação que contribui com pistas

interessantes no empreendimento assumido aqui ainda muito superficialmente. Como

ilustração do que estamos querendo sublinhar, remeteríamos a uma situação em que, por

hipótese, o professor chegasse à escola bastante resfriado e rouco. Diante do

questionamento de um colega de como daria aula em tais condições, ele responderia da

seguinte forma: “É, não estou bem mesmo. Não estou em condições de dar aula, por isso

vou passar um vídeo”. Não nos parece ser possível, em tal exemplo, afirmar que o colega

não se veja trabalhando, mas apenas que o que entende por aula limita-se a certos modos de

construção da relação professor-aluno bastante específicos. O que estamos querendo dizer é

que, provavelmente, mesmo sem o reconhecer “dando aula”, os colegas perceberiam sua

atitude como um esforço para não faltar ao trabalho. Embora sua saúde impusesse

limitações à atividade em sala de aula, ter comparecido à escola e entrar em sala de aula

representou trabalhar. Os sentidos conferidos a aula e a trabalho em tais circunstâncias nos

permitem afirmar que o professor pode estar em sala de aula, com alunos desenvolvendo

uma atividade (como passar vídeo, por exemplo), sem que isto seja considerado como aula.

Cumpre-se um dia de trabalho supostamente sem dar aula.

33

Os dois exemplos anteriores e o comentário desenvolvido acima nos levam a pensar

que, em primeiro lugar, não há uma resposta simples ao questionamento proposto na

abertura do presente capítulo. Conseqüentemente, os sentidos atribuíveis a trabalho docente

não são únicos. O que faremos, neste capítulo, é discutir os fundamentos teóricos que nos

levam a considerar o trabalho como uma realidade complexa.

Antes, porém, de passarmos à discussão acerca das teorias enunciativas,

elencaremos alguns elementos importantes que atravessam a noção de trabalho como

realidade complexa. O primeiro desses elementos refere-se a uma possível definição de

atividade como “(...) o que face à tarefa – que é aquilo que se deseja obter ou o que se deve

fazer – é o realmente feito para se chegar o mais próximo possível dos objetos fixados”

(Barros, 2003, p. 66). Assim, entre o que se quer fazer e o que realmente se faz, há um

emaranhado de elementos que se entrecruzam formando uma rede muito complexa. Isso

porque “a atividade condensa o sucesso do saber e o revés ocasionado pelo real, com um

compromisso que contém uma dimensão de invenção” (Barros, 2003, p. 67).

A complexidade do trabalho aponta ainda para uma dimensão sócio-histórica. No

caso do(a)s profissionais de educação, o desenvolvimento de seu trabalho em instituições

muito antigas como a escola precisa ser compreendido como concretização de um processo

de investimentos de poderes variados tanto sociais, quanto históricos:

“A escola constrói dispositivos que, no cotidiano, facultam uma estratificação hierarquizada – áreas de concentração de pequenos poderes, distribuídos pela população escolar, que se traduzem em instrumentos responsáveis pela instituição de um certo regime de autoridade” (Rocha, 1998)

Dessa forma, o desafio de uma AD de base enunciativa que se proponha investindo

em reflexões acerca do trabalho como realidade complexa reside, entre outros aspectos, em

oferecer possibilidade de entrada pelo funcionamento discursivo na apreensão de

materialidades das relações de poder-saber, instituídas sócio-historicamente no trabalho.

2.1 A opção pela enunciação

Neste item, pretendemos discutir de que modo a opção pela enunciação nos permite

dialogar com a questão acima proposta, qual seja: “quando e onde o professor trabalha?”.

34

Dessa forma, ressaltaremos as possibilidades instituídas por certos modelos de produção de

linguagem que melhor se adequam ao nosso empreendimento.

O termo enunciação, em lingüística, não remete a um único conceito, nem mesmo a

um só ponto de vista. Tanto Charaudeau e Maingueneau (2005), quanto Flores e Teixeira

(2005) atribuem a Charles Bally a introdução mais sistemática desse conceito na

terminologia lingüística. No entanto, é com Benveniste que um ponto de vista sobre a

enunciação parece tomar corpo na lingüística.

Ressaltando que originalmente as questões relativas à enunciação estariam

vinculadas a análises dos fatos de língua, Charaudeau e Maingueneau afirmam que:

“A reflexão sobre a enunciação pôs em evidência a dimensão reflexiva da atividade lingüística: o enunciado só faz referência ao mundo na medida em que reflete o ato de enunciação que o sustenta” (Charaudeau e Maingueneau, 2005, p. 193)

Destacam ainda o valor ilocutório do enunciado que residiria exatamente no fato de

ele “mostrar” as pessoas e o tempo nele inscritos através de sua ancoragem na situação de

enunciação. A partir desse problema mais geral a que se procuraria responder com uma

perspectiva enunciativa, os referidos autores vão propondo distinções na definição de

enunciação.

Em primeiro lugar, observam a enunciação variando entre uma concepção

lingüística e outra discursiva. De um ponto de vista estritamente lingüístico, a enunciação é

concebida como “o conjunto de atos que o sujeito falante efetua para construir, no

enunciado, um conjunto de representações comunicáveis” (Relpred In: Charaudeau e

Maingueneau, 2005, p. 194). Já em termos discursivos, a enunciação é compreendida como

acontecimento que se ancora num dado contexto, articula intrinsecamente práticas de

linguagem e produção do social.

Nesses termos, o que interessa não são as operações de um sujeito falante em um

ato individual de realização da linguagem, mas as possibilidades de emergência histórica de

certas práticas de linguagem associadas a produções sociais e suas múltiplas formas de

apreensão. Assim, de um ponto de vista discursivo, estudam-se não os modos de que um

sujeito da enunciação se utiliza para se propor na linguagem, mas os modos de inscrição

histórico-social das práticas de linguagem.

35

Em seguida, no mesmo verbete, Maingueneau e Charaudeau distinguem uma versão

restrita e outra ampla de enunciação, fazendo referência a Kerbrat-Orecchioni (1980). Tal

distinção implica perceber, de um lado, certos estudos que se pautam pelas marcas do

sujeito da enunciação no enunciado (pronomes, desinências verbais, certos advérbios, etc),

que comporiam a versão restrita dos estudos enunciativos e, de outro, na versão ampla, os

diferentes modos de inscrição do contexto no enunciado. Para os autores citados, essa

distinção atravessa uma outra, aquela que oporia uma versão fraca a uma forte da

enunciação. Incluem-se na versão dita fraca os estudos atribuídos a uma lingüística dos

fenômenos de enunciação, ou seja, a preocupação que se restringe ao emprego de certas

marcas que remeteriam à situação. Já entre os estudos que comporiam uma versão forte da

enunciação estariam aqueles que partilhariam da idéia de que...

“uma concepção enunciativa da linguagem consiste em sustentar que é na enunciação – e não em realidades abstratas pré-construídas como a língua ou a proposição – que se constituem essencialmente as determinações da linguagem humana” (Relpred In: Charaudeau e Maingueneau, 2005, p. 194).

A partir desse panorama acerca dos estudos enunciativos inspirados no Dicionário

de Análise do Discurso, pretendemos explicitar, a seguir, certos fundamentos da teoria

enunciativa proposta pela Análise do Discurso. Iniciaremos com as contribuições de

Foucault essencialmente considerando suas propostas na Arqueologia do Saber (2004b).

2.1.1 Esboço para uma teoria enunciativa em Foucault

Este item procura discutir os fundamentos de uma teoria da enunciação prevista no

pensamento foucaultiano. Encontramos nas reflexões do referido autor destaque para

noções como as de discurso, prática discursiva, enunciado, formação discursiva, etc.

Embora, em sua maioria, essas noções se definam de modo distinto em relação ao uso que

delas tem feito a AD, em especial Maingueneau, a importância das reflexões foucaultianas

reside, se não na definição que oferecem dos referidos conceitos, ao menos no fato de tais

conceitos se inserirem em um projeto coerente de análise.

Nesse quadro, destaca-se a Arqueologia do Saber, livro em que Foucault responde

aos críticos de suas obras anteriores, procurando acertar eventuais “problemas”. É nesse

esforço, por exemplo, que se situa a substituição do conceito de episteme por práticas

36

discursivas. Tal substituição parece ser evidência não só da tentativa de afastar-se de

possíveis influências estruturalistas, mas também de uma busca por coerência em todo o

projeto.

Não é só com seus críticos que Foucault dialoga nesse livro, é também com teóricos

de outras disciplinas. O método arqueológico proposto oferece-se como resposta à

insuficiência apontada na História das Idéias.

A respeito do termo “arqueologia”, Revel (2005) sublinha sua ocorrência em três

obras de Foucault: Nascimento da clínica: uma arqueologia do olhar médico, de 1963; As

palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas, de 1966; Arqueologia do

Saber, de 1969. Essa tripla ocorrência permitiria observar o percurso metodológico de

Foucault até o final dos anos 70. Trata-se, assim, de constituir um conjunto de observações

e problemas que viabilizem refletir sobre as possibilidades de emergências de certos objetos

de saber, conceitos, etc. Com isso, Foucault pretendia ultrapassar uma descrição histórica

muito à moda da história das idéias, que privilegiava a continuidade linear e a evolução do

pensamento como modelos de história.

Revel delimita esse percurso que se estende até a década de 70 da seguinte maneira:

“Ao invés de estudar a história das idéias em sua evolução, ele [Foucault] se concentra sobre recortes históricos precisos – em particular, a idade clássica e o início do século XIX –, a fim de descrever não somente a maneira pela qual os diferentes saberes locais se determinam a partir da constituição de novos objetos que emergiram num certo momento, mas como eles se relacionam entre si e desenham de maneira horizontal uma configuração epistêmica coerente” (Revel, 2005, p. 16).

Pautando-se no percurso acima descrito em que se insere a Arqueologia do Saber,

tem-se a dimensão das questões a que pretende responder. De acordo com o próprio

Foucault, a afirmação desse percurso passa por um trabalho inicial de cunho negativo, qual

seja, o de determinar certas insuficiências teóricas presentes em conceitos como os de

tradição, influência, desenvolvimento, evolução, espírito, mentalidade. Tais noções

refletiriam uma concepção de história como continuidade, em cuja sucessão linear os

acontecimentos se inseririam, por uma ordem causal. Assim, acontecimentos dispersos se

arrumariam numa cadeia de movimento lento, que, pouco a pouco, vão constituindo uma

linha de comunicação e transmissão entre eles. Desse modo se definiriam grandes recortes

37

históricos, cada um desses períodos constituiria o espírito de uma época, uma mentalidade

própria ao recorte histórico dado. As mudanças de um período a outro refletiriam não uma

ruptura, mas um acúmulo de idéias e ações.

Caberia questionar de que modo tal projeto ofereceria contribuições à constituição

de teorias enunciativas. Para responder a tal questionamento, é preciso perceber o que está

em jogo no tal trabalho negativo que seria necessário, bem como observar o lugar atribuído

a certos conceitos na proposta do método arqueológico.

Em um texto de 1968, intitulado Sobre a Arqueologia das Ciências. Resposta ao

Círculo de Epistemologia14, Foucault sintetiza a relação entre o que deveria ser posto em

suspenso e o lugar atribuído ao conceito de enunciado em seu método arqueológico:

“De fato, o sistemático apagamento das unidades previamente dadas permite, de início, restituir ao enunciado sua singularidade de acontecimento: ele não é mais considerado simplesmente como a colocação em jogo de uma estrutura lingüística, nem como a manifestação episódica de uma significação mais profunda do que ele; ele é tratado em sua irrupção histórica; o que se tenta observar é essa incisão que o constitui, essa irredutível – e bem freqüentemente minúscula – emergência” (Foucault, 2005, p. 93)

As unidades previamente dadas a que Foucault se refere são o livro e a obra. Seria

preciso, segundo ele, desnaturalizar, pôr em suspenso tais unidades, na medida em que,

entre outros aspectos, seria indesejável pensar no livro como um todo acabado, unidade

delimitável por si mesma. É a autonomia que um livro manteria na relação com outros

livros que Foucault pretende atacar. Com efeito, o que estaria em jogo nessa discussão é a

ilusão de homogeneidade supostamente garantida por uma coerência interna do livro frente

aos outros livros.

Em que se assentaria essa ilusão de homogeneidade interna do livro ou da obra

senão na existência de um autor? Eis, portanto, um outro aspecto do qual a arqueologia

deveria afastar-se: a relação habitualmente proposta entre livro ou obra e autor. Do ponto

de vista até então recorrente, o livro ou a obra figurariam como resultado de um projeto

14 Originalmente publicado nos Cahiers pour l’analyse, no 9: Généalogie des sciences, verão de 1968, encontra-se em FOUCAULT, M. (2005). Ditos e Escritos II: arqueologia das ciências e história dos sistemas de pensamento. Trad. de Elisa Monteiro. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

38

intencional de seu autor, isto é, os sentidos produzidos a partir de um livro ou uma obra

seriam estabilizados por seu autor no momento mesmo de sua concepção.

Para manter-se distante de tais aspectos em sua definição de enunciado, Foucault o

distingue da frase e da proposição. É a essa distinção que faz menção ao negar como

característica do enunciado a estrutura lingüística e a manifestação da significação

profunda. O referido autor vinculará o enunciado ao contexto, tratando-o em termos de

emergência histórica.

“O enunciado não é, pois, uma estrutura (isto é, um conjunto de relações entre elementos variáveis, autorizando assim um número talvez infinito de modelos concretos); é uma função de existência que pertence, exclusivamente, aos signos, e a partir da qual se pode decidir, em seguida, pela análise ou pela intuição, se eles ‘fazem sentido’ ou não, segundo que regra se sucedem ou se justapõem, de que são signos, e que espécie de ato se encontra realizado por sua formulação (oral ou escrita)” (Foucault, 2004b, p. 98)

No trecho acima aparecem duas outras idéias que estarão indissociavelmente

vinculadas à definição de enunciado, a de função e a de regra. De acordo com a

arqueologia, a estrutura definiria a frase como unidade de realização da língua, pertencente

à ordem do repetível, das virtualidades. Já o enunciado é da ordem do irrepetível. Se a frase

define-se em termos de realização de unidades virtuais da língua, o enunciado é marcado

não por pré-condições estruturais, mas pela materialidade de certas condições históricas de

emergência. Assim, ele não representa outra coisa, está em seu próprio lugar.

“Esse valor [dos enunciados em relação à formação discursiva] não é definido por sua verdade, não é avaliado pela presença de um conteúdo secreto; mas caracteriza o lugar deles, sua capacidade de circulação e de troca, sua possibilidade de transformação, não apenas na economia dos discursos, mas na administração, em geral, dos recursos raros” (Foucault, 2004b, p. 136)

Não serão, portanto, condições externas como verdades que ele se proporia a

representar, ou mesmo significações profundas que ele esconderia que definirão seu lugar.

A função enunciativa delimita-se pela emergência de campos de possibilidades, de

regularidades da circulação da troca de enunciados. O próprio sujeito configura-se em uma

função enunciativa, conseqüentemente destrona-se o indivíduo como fonte produtora de

39

enunciados. Evidentemente isso não significa ignorar a existência de uma realidade

empírica de produção da linguagem. No entanto, o que se opera é a constituição de uma

ordem própria dos discursos, que goza de certa autonomia frente ao empírico. Essa

autonomia marca-se, ao menos, na tentativa de romper com certos modelos que vislumbram

uma relação causal entre a ordem dos discursos e a empiria. Essa parece constituir-se em

uma das principais preocupações de Foucault na definição de seu método, ao longo de toda

a Arqueologia.

“(...) descrever um conjunto de enunciados, não em referência à interioridade de uma intenção, de um pensamento ou de um sujeito, mas segundo a dispersão de uma exterioridade; descrever um conjunto de enunciados para aí reencontrar não o momento ou a marca de origem, mas sim as formas específicas de um acúmulo, não é certamente revelar uma interpretação, descobrir um fundamento, liberar atos constituintes; não é, tampouco, decidir sobre uma racionalidade ou percorrer uma teleologia” (Foucault, 2004b, p. 141)

Certamente, nossa preocupação manifestada aqui não é a de perceber detalhamentos

da proposta arqueológica. Como já anunciamos, nosso intuito é o de extrair dos

contrapontos, das observações, das ressalvas elementos que forneçam as bases de uma

teoria enunciativa. Com isso, estamos querendo definir a abordagem enunciativa de que

pretendemos lançar mão não como resultado de um acúmulo de saberes a respeito da

enunciação elaborados em seqüência linear. Sabemos que a configuração de um quadro

teórico da AD de base enunciativa pauta-se não em um percurso, mas em múltiplas

iniciativas, em certos gestos de ruptura com modelos de análise e interpretação dominantes.

Entre esses gestos de ruptura, encontra-se o método arqueológico de Foucault.

É possível compreender nos trechos acima transcritos não apenas uma preocupação

metodológica, mas sobretudo a insatisfação com certas concepções de linguagem. Com

efeito, é essa insatisfação que nos interessa, uma vez que é ela que fundamenta certos

modelos de teorias enunciativas que não se restringem ao estudo de fenômenos de

enunciação, mantendo a linguagem, em grande medida, vinculada a um domínio de

virtualidades. A partir da definição de campos de regularidade de emergência histórica dos

enunciados, Foucault organiza um espaço de análise em que o lingüístico e o histórico são

indissociáveis.

40

É mesmo uma outra concepção de linguagem e do trabalho com ela que está em

jogo, que se distancia das análises formais, por não considerar o enunciado como

proposição, nem como unidade gramatical. O enunciado, portanto, não se define como

totalidade fechada em si mesma, mas como uma figura lacunar e retalhada. A raridade é sua

condição. Não possui identidade própria que o defina em termos de estruturas, mas

proximidades, positividades que se marcam na relação com outros enunciados.

A concepção de linguagem que subjaz ao método arqueológico compreende o

enunciado como estando em seu próprio lugar, materialidade que irrompe historicamente.

O enunciado não está no lugar de outro, nem é mesmo a superfície que encobre uma

significação profunda. O lugar do enunciado não é o de outra coisa que ele viria calar, mas

o de campos de emergência, de dispersão.

Fiquemos provisoriamente com uma das definições propostas pela Arqueologia:

“...ele [o enunciado] não é em si mesmo uma unidade, mas sim uma função que cruza um domínio de estruturas e de unidades possíveis e que faz com que apareçam, com conteúdos concretos, no tempo e no espaço” (Foucault, 2004b, p. 98)

2.1.2 Bakhtin e a teoria do enunciado concreto

Se Foucault dialogava com historiadores, sociólogos, filósofos, é com os próprios

lingüistas que se confronta Bakhtin. Em particular no livro Marxismo e Filosofia da

Linguagem, já em 1929, esse autor oferece alguns elementos para pensar a enunciação. Tal

reflexão se dará apontando insuficiências nos estudos então predominantes no âmbito da

lingüística.

Os delineamentos de uma teoria da enunciação em Bakhtin configuram-se, portanto,

a partir das críticas que fará às correntes por ele denominadas objetivismo abstrato (cujo

principal autor é F. de Saussure) e subjetivismo idealista (que conta com K. Vossler e B.

Croce, entre outros). Na obra referida acima, há dois capítulos em especial que fornecem

contribuições importantes ao debate que pretendemos empreender no presente item, os

quais passamos a discutir em seguida. Daremos ênfase ao primeiro deles, aquele em que

Bakhtin apresenta alternativas à proposta de uma Lingüística saussuriana e melhor dialoga

com o conjunto das questões aqui discutidas como referencial teórico.

41

No capítulo 5, intitulado Língua, Fala e Enunciação, Bakhtin se proporá a

argumentar no sentido de justificar por que, de seu ponto de vista, a língua como um

sistema sincronicamente definido constitui mera ficção. É interessante acompanhar o

percurso que o leva de uma crítica à idéia de língua como sistema depositado na mente dos

falantes a uma compreensão da língua como indissociavelmente vinculada dos contextos

concretos de realização.

Vejamos a seguir um fragmento em que o autor elabora os elementos iniciais de sua

crítica:

“A consciência subjetiva do locutor não se utiliza da língua como de um sistema de formas normativas. Tal sistema é mera abstração, produzida com dificuldade por procedimentos cognitivos bem determinados. O sistema lingüístico é o produto de uma reflexão sobre a língua, reflexão que não procede da consciência do locutor nativo e que não serve aos propósitos imediatos da comunicação” (Bakhtin, 1992, p. 92)

No trecho acima, ressaltaríamos fundamentalmente dois aspectos. O primeiro

determina o sistema lingüístico como “mera abstração”, “produto de uma reflexão sobre a

língua”. O sistema lingüístico é, assim, o resultado de uma atividade reflexiva, e não o

conhecimento que o falante teria de sua própria língua. O outro destaca a distância

assinalada por ele entre o sistema lingüístico e os propósitos imediatos do falante. Essa

distância servirá de evidência para afirmar que a língua, para o falante, constitui-se não de

uma realidade abstrata, mas apenas assume importância na enunciação, como ancoragem

em situações concretas de realização.

A crítica ao sistema lingüístico e a afirmação da enunciação como elemento central

da relação do falante com a língua, gradualmente, nos permite vislumbrar o lugar que a

noção de enunciação assume para Bakhtin.

“Na realidade, o locutor serve-se da língua para suas necessidades enunciativas concretas (para o locutor, a construção da língua está orientada no sentido da enunciação da fala). Trata-se, para ele, de utilizar as formas normativas (admitamos, por enquanto, a legitimidade destas) num dado contexto concreto” (Bakhtin, 1992, p. 92)

Ora, se o sistema é considerado como mera abstração, ao mesmo tempo em que a

língua e a enunciação da fala se aproximam, não é somente a um ou outro conceito que se

42

dirige a crítica de Bakhtin, mas a todo o ponto de vista. É essa crítica ao ponto de vista

hegemônico até então, em grande medida, o alicerce para a retomada feita do pensamento

bakhtiniano pela Análise do Discurso, sobretudo pelas iniciativas que tomaram corpo a

partir da década de 80.

Todo o esforço em separar a língua de sua realização começa a ruir. Critica-se a tese

de que a língua seria a representação psíquica de sua realização. O falante não se reconhece

utilizando estruturas de um sistema, mas formas que circulam em dado contexto. A

enunciação é exatamente a atualização desses modos de circulação.

Associada à crítica ao estudo das formas lingüísticas como pertencentes a uma

dimensão autônoma e sistemática, Bakhtin nos fala da língua como indissociável dos

contextos concretos de enunciação. Com efeito, o que ele propõe como problema teórico

relativo à linguagem abrange ainda uma crítica aos modelos de comunicação que se

instituem em esquemas informacionais, que opõem o emissor ao receptor. Essas instâncias

não podem mais ser compreendidas em situações em que apenas um produz enquanto o

outro recebe, criando entre ambos uma dinâmica de troca de lugares. Se o que há não é

meramente um conjunto de formas às quais subjaz a mensagem, os pólos da comunicação

não podem mais ser vistos como instâncias de processamentos psíquicos para produção e

para recepção. Enunciados que circulam em contextos concretos de enunciação não

possuem instâncias de produção e recepção, mas co-produtores que interagem

continuamente.

À concepção então corrente de que o suposto receptor decodificaria formas

lingüísticas, Bakhtin responde negativamente. “Não; o essencial na tarefa de

descodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num

contexto concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação particular”

(Bakhtin, 1992, p. 93)

Assim, a posição de Bakhtin no que tange à enunciação define-se pelo primado da

interação. Para ele, a linguagem só faz sentido se ancorada em situações concretas de

enunciação. Seus princípios teóricos parecem sintetizar-se no seguinte fragmento:

“Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc. A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial.

43

É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida” (Bakhtin, 1992, p. 95)

2.2 Entre vítimas e algozes: dos limites do sujeito individual à produção

maquínica de subjetividade

Até aqui constituímos um percurso teórico que nos possibilita compreender de que

modo a opção por uma Análise do Discurso de base enunciativa possibilita a abertura de

trajetórias no sentido de responder aos questionamentos elaborados na presente pesquisa.

Vimos, portanto, que a dicotomia lingüístico / extralingüístico remete a um quadro teórico

insuficiente no que tange à produção de sentido constituído no social. As práticas

linguageiras não podem se autonomizar frente às situações concretas de enunciação, na

medida em que é essa ancoragem contextual (ressaltando-se que o contexto aqui abrange

tanto a situação mais imediata, quanto o contexto histórico-social em que as práticas de

linguagem se constituem) que permite compreender o enunciado como pertencente a uma

realidade dialógica, indissociavelmente vinculado a enunciados anteriores, com os quais

estabelece laços de filiação e/ou contraposição, e a enunciadores futuros, aos quais de

algum modo se antecipa como resposta.

Neste item, trataremos, inicialmente, de certas imagens estabilizadas do trabalho

docente, quais sejam: o professor-vítima e o professor-algoz. Essas imagens circulam

cotidianamente como suporte de justificativas para a precariedade das relações de trabalho,

a crise da instituição escolar, enfim, propõem-se como resposta às demandas diárias.

No entanto, temos percebido que tais imagens vinculam-se a modelos de produção

de subjetividades que nos parecem insuficientes como resposta aos desafios de

compreensão/ação contemporaneamente colocados. Gostaríamos de, na presente pesquisa,

dialogar com tais imagens. É preciso salientar que a inversão a que pretendemos proceder

se dá exatamente no modo como pretendemos construir esse diálogo. Queremos ultrapassar

o que julgamos ser uma cilada produzida pelas evidências, ou seja, partir de ambas as

imagens como únicas possíveis, naturalizá-las, deixar-nos polarizar por elas e buscar meios

de, numa suposição mais radical, comprovar qual delas estaria mais adequada, ou, numa

suposição mais moderada, verificar os modos de construção de uma e de outra imagem.

44

Como justificativas para as condições precárias em que se dá o trabalho em

Educação hoje (aqui, esse termo assume a abrangência necessária para designar não apenas

as condições que afetam o(a)s profissionais, mas também aquelas que se referem ao

trabalho dos alunos, dos problemas infra-estruturais à ausência de políticas de

permanência), costumam circular imagens que dão ao(à) profissional o centro da cena, ora

como algozes, ora como vítimas.

Quando não investem em sua própria formação, não têm intencionalidade em sua

própria prática, não se mexem por outras condições, essas seriam as circunstâncias em que

o(a)s profissionais são apontados como principais responsáveis pela atual situação. De

outro lado, há quem diga que o(a)s profissionais nada teriam a fazer, são vítimas de um

sistema perverso que não tem na Educação uma de suas prioridades, contra o qual são

inviáveis quaisquer resistências.

Não estamos (e não poderíamos mesmo) a desconsiderar que tais questões

atravessam o cotidiano. Apenas chamamos a atenção para o fato de que entre uma e outra

imagem, ou seja, entre vítimas e algozes, há um enorme abismo que não pode ser

desprezado. Não se pode deixar apartar a questão entre dois pólos constituídos de maneira

tão rígida: de um lado o(a)s super-profissionais, aptos a acabar com todos os problemas e

que só não o fazem por falta de vontade; de outro, seres passivos, cujo cotidiano é fruto e

resultado direto de ações de outros, muito mais poderosos do que eles.

É evidente que a apatia é um dos entraves para as transformações necessárias, ao

mesmo tempo em que também não podemos ignorar as relações extremamente

hierárquicas, burocráticas, centralizadoras. Ressaltamos, no entanto, que esses pólos não se

excluem. Trata-se de processos de subjetivação que correspondem à mesma máquina de

produção de modos de existências segmentadas, serializadas, enfim, sujeitados, destituída

de atuação ético-política15.

15 Compreendemos a ética aqui de modo distinto daqueles que a entendem como propriedade, como qualidade de que é ético. Associamo-nos aos que entendem a dimensão ética como exercício. Nessa polêmica, concordamos com Domingues (1999): “A ética estaria referida ao exercício do pensamento e aos valores imanentes bom e mau. Enquanto a moral estaria no registro da normatividade fundada sobre o plano do Bem e do Mal, fazendo com que a relação com as regras remeta à culpabilização e à servidão” (Domingues, 1999, p. 154-155). Remetendo a Espinosa, a referida autora propõe a seguinte definição: “a ética como afirmação especulativa não solicita obediência e não oferece princípios reguladores da ação, mas é um exercício constante do pensar e conseqüentemente a transformação constante de nós mesmos e do mundo” (Domingues, 1999, p. 156-157).

45

Com efeito, Guattari e Rolnik (2005) consideram que a produção de subjetividade

não se restringe à superestrutura, mas constitui a matéria-prima das forças produtivas no

estágio atual do capitalismo.

Aproximando ambos os modelos, teríamos a forma-indivíduo como fundamento da

produção de subjetividade, cuja interioridade se caracterizaria pela existência de uma

consciência. No modelo do algoz, fica evidente que os problemas identificados no trabalho

docente seriam o resultado direto de escolhas racionais (ou parcialmente racionais). Já no

modelo da vítima, seria a própria ausência de consciência plena da realidade dita “exterior”

a causa de sua atual condição.

Pressupondo as situações cotidianas como acontecimentos sociais complexos,

vemos o trabalho do(a)s profissionais atravessado por valores, saberes e práticas instituídos,

produzindo subjetividades segmentadas e serializadas. Nos subitens abaixo, analisamos os

modos de produção da forma-indivíduo, como processo de subjetivação próprio ao

capitalismo, e, em seguida, apresentaremos a noção de agenciamentos coletivos, como

alternativa à subjetivação individualizada.

2.2.1 Individuação e produção de subjetividade no capitalismo

Há muito se tem falado do descentramento do sujeito. Em geral, esse

descentramento tem sido definido pelo que o sujeito não é. Entre as possibilidades de

definição do descentramento, teríamos que “o sujeito não é origem do dizer”, “o sujeito não

é estável”, “o sujeito não é homogêneo”, entre outras tantas.

Em princípio, pareceria um tanto quanto óbvio ressaltar que, quando se fala sobre o

descentramento do sujeito, cabe pressupor a existência de um enunciador que sustentaria a

idéia de que o sujeito é centrado, ou seja, ponto de referência, estabilidade, homogeneidade,

origem da produção de subjetividade. Se considerarmos, no entanto, que o enunciador que

sustentaria tal dito é ninguém menos do que a própria tradição do pensamento ocidental,

compreende-se a necessidade não só de negá-lo, mas de constituir trajetórias alternativas,

no conjunto dessa reflexão.

Desde Descartes, um tal modelo de sujeito teria se tornado hegemônico por alguns

séculos. Poderíamos considerar o pensamento cartesiano como “gesto inaugural” de uma

concepção de sujeito centrada, fundada na racionalidade como sua essência. O modelo que

46

se institui a partir da máxima penso, logo existo se assenta na lógica das dicotomias sujeito

/ objeto; interior / exterior; dentro / fora. De acordo com essa proposta, a produção de

conhecimento se daria a partir do encontro entre um sujeito cognoscente e um objeto

cognoscível. Haveria, assim, um exterior objetivado que seria apreendido por um interior.

Um inconveniente percebido em tal concepção residira no pressuposto de que as

fronteiras entre um dentro e um fora estariam previamente definidas, de modo que o

exterior poderia ser apreendido, representado através do conhecimento, pela subjetividade.

Pensando nos modos de produção / circulação do conceito de subjetividade a partir

do discurso científico, vemos as dicotomias sujeito / objeto e interior / exterior como

esquema privilegiado para a definição desse conceito. Seja para rejeitá-la, seja para tomá-la

como referencial, a subjetividade remeteu, a partir de Descartes, a fronteiras bem marcadas

entre um dentro e um fora, a interioridade do sujeito e a exterioridade do social.

A esse respeito, Miranda (2005) afirma:

“(...) a subjetividade, via de regra, vem acompanhada de um ‘subjetivismo’, ora sendo negada em nome da objetividade científica, a chamada neutralidade, ora avançando em nome de uma constituição estrutural e universal do sujeito. No entanto, ambas as concepções, ‘objetivista’ ou ‘subjetivista’, apontam para o mesmo lugar: o sujeito transcendental, a subjetividade individualizante, prisioneira de uma interioridade”(Miranda, 2005, p. 30-31).

As fronteiras tão bem marcadas entre sujeito e objeto, de acordo com Foucault, só

poderiam ser compreendidas se considerarmos essas marcações como resultado de

processos históricos. Com efeito, uma análise genealógica da noção de sujeito deve remeter

à passagem das sociedades de soberania para as sociedades disciplinares.

Na trajetória de crítica ao modelo de sujeito individualizado, Foucault nos leva a

questionar a naturalização de certos conceitos, de certas imagens, como produto de relações

de força. A individuação da subjetividade, ou seja, a produção da subjetividade circunscrita

à forma-indivíduo, em detrimento dos processos coletivos, deve-se a estratégias de poder

historicamente situadas.

“(...) o poder disciplinar é individualizante porque ajusta a função-sujeito à singularidade somática por intermédio de um sistema de vigilância escrita ou por um sistema de panoptismo pangráfico

47

que projeta atrás da singularidade somática, como seu prolongamento ou como seu começo, um núcleo de virtualidades, uma psiquê, e que estabelece além disso a norma como princípio de divisão e a normalização como prescrição universal para todos esses indivíduos assim constituídos” (Foucault, 2006, p. 69)

O sistema de vigilância escrita e o sistema de panoptismo pangráfico mencionados

acima compõem estratégias não só de exercício de poder, mas também de regimes de

verdade. O poder disciplinar se capilariza e se exerce sobre o indivíduo em permanente

vigilância associando-se à produção de saberes que tem como característica dizer se o

indivíduo se comporta ou não dentro das normas, se ele se adapta ou não ao instituído.

As estratégias de normalizações nunca atingem a todo(a)s. Há sempre algo que

sobre. Esse resíduo é próprio dos dispositivos disciplinares. Tem de haver sempre algo não

classificado, algo não plenamente encaixado nas normas, adaptado a elas, para que o

exercício do poder possa se reformular, apresentar a cada momento novas técnicas de

intensificação de sua atuação sobre os corpos e seus movimentos (Foucault, 2005).

A esse respeito, os modelos clássicos das linhas de montagem fordista são exemplos

eloqüentes de como nossa sociedade hierarquiza saberes: os conhecimentos formais, de um

lado, oriundos de teorias de administração e organização do trabalho, valorizados por seu

caráter técnico-científico, e os conhecimentos “informais” – ou ainda, saberes sujeitados,

no dizer de Foucault (2002)16 –, de outro, oriundos das práticas do(a)s trabalhadore(a)s, não

apenas desvalorizado(a)s, mas tido(a)s como indesejáveis. Desse modo, os saberes oriundos

das práticas do(a)s trabalhadore(a)s aparecem como interferência no equilíbrio das linhas

de montagem. Tal equilíbrio seria atingido, no modelo fordista, sempre que se conseguisse

desenvolver formas de regulação plena do trabalho humano.

A noção de equilíbrio no trabalho assim definida sustenta-se a partir de tentar fazer

coincidir a norma e o trabalho real, ou seja, opera-se o apagamento da distância existente

entre a prescrição e o trabalho real, alçando assim os saberes oriundos da prática a um nível

secundarizado. Nesse modelo, a gestão do trabalho centra-se nas normas e prescrições, 16 Segundo Foucault, ao denominar certos saberes como científicos, “nobres”, outros são desqualificados. Desse modo, o discurso científico encontra-se, necessariamente, associado a certas estratégias de poder que o institucionalizam e, por conseguinte, ocultam as lutas e embates entre esses diferentes tipos de saberes. Nesse sentido, o referido autor define sua proposta genealógica da seguinte forma: “Chamaremos, se quiserem, de ‘genealogia’ o acoplamento dos conhecimentos eruditos e das memórias locais, acoplamento que permite a constituição de um saber histórico das lutas e a utilização desse saber nas táticas atuais” (Foucault, 2002, p. 13)

48

atribuindo a tudo o mais que a elas escapa valores negativos, não reconhecidos e, por

conseguinte, não remunerados (Athayde, 2004).

A noção de atividade definida no item anterior, evidenciando o distanciamento entre

o feito e o que se deve ou deseja fazer, ressalta a existência de movimento, dando

visibilidade aos saberes práticos, valorizando-os. Não é possível, por mais próximo que se

chegue, realizar a mesma atividade, repeti-la. Há sempre algo que escapa, tecendo uma rede

de diferença.

No cotidiano escolar, o exercício de poder disciplinar conforma uma escala de valor

que hierarquiza as ações, valorizando as que mais se aproximam do prescrito. O “bom”

professor é aquele que consegue fazer suas aulas coincidirem (ao menos se esforça muito

para isso) com o que estava planejado, entrega as notas nas datas previstas, comparece às

reuniões. O “bom” aluno define-se não por resolver as questões propostas a partir de

soluções criativas, mas por redigir respostas em uma prova que mais se aproximem do

gabarito. Quanto mais próximo do esperado, maior será a recompensa.

Na lógica instituída da gestão na escola, o trabalho perde seu caráter processual e

singular, passando a ser visto como realidade que se pode quantificar em estatísticas

legitimadoras de padrões a serem cumpridos e apreender em avaliações permanentes

sustentadas a partir de regras e leis universais aplicáveis a qualquer unidade escolar da rede

pública estadual. A ênfase em propostas burocráticas define funções bem marcadas entre os

profissionais: alguns seriam responsáveis por questões administrativas (execução do

orçamento, prestação de contas, definição do calendário, previsão de atividades a serem

desenvolvidas) e aos demais caberiam as atividades pedagógicas (dar aulas, corrigir provas,

elaborar material didático). Mesmo a elaboração do projeto político-pedagógico, que se

insere entre as iniciativas de descentralização da gestão, acaba sendo tratada como

atividade prioritária daqueles que exercem funções administrativas.

No que tange à relação com o(a)s aluno(a)s, esse modelo de subjetividade

individualizada e essencializada o(a)s classifica a partir do binômio “norma” / “desvio”. O

que não se enquadra nos caracteres previstos é considerado desvio, cujas “causas” são

atribuídas a um psicologismo. Agindo sobre os “desvios”, propondo mais normalização, a

escola atualiza uma visão clínico-assistencial, diagnosticando, tratando, prevenindo (Rocha,

1998).

49

O resultado dos modos de produção de existências individualizadas, constituídas a

partir de normalização e de disciplinamento, configura processos de exclusão tanto de

aluno(a)s, quanto de professore(a)s. Ao desnaturalizar o que se mostra como dado,

imutável, colaboramos com a abertura de condições de possibilidade.

“Uma mudança no sistema educacional tem que partir da ressignificação de conceitos como cooperação, autonomia e eficiência, que hoje estão baseados em concepções imediatistas vinculadas à lógica empresarial” (Rocha, 2001b, p. 223).

2.2.2 Singularidade e agenciamentos coletivos

No início do subitem anterior, mencionamos um conjunto de definições do que não

é a noção de sujeito a partir da perspectiva do descentramento. Nesta parte do texto,

gostaríamos de recorrer a um dado modelo de produção de subjetividade e evidenciar as

possibilidades oferecidas por tal modelo na apreensão da complexidade do trabalho

docente.

Nosso diálogo constitui-se a partir de uma tentativa de desnaturalizar imagens

aparentemente cristalizadas, por acreditarmos que elas correspondem a dois modelos de

produção de subjetividade cujas insuficiências impossibilitariam o tratamento por nós

desejado da complexidade da referida questão. Como primeira insuficiência, poderíamos

apontar a questão tratada acima, relativa ao fato de os dois modelos tratarem ou de sujeitos

dotados de razão plena e poderes suficientes para unicamente a partir de suas próprias

iniciativas alterar o estado de coisas atual, ou de sujeitos absolutamente acorrentados, sem

qualquer possibilidade de resistência. Como segunda insuficiência, essa decorrente dos

modelos de sujeito explicitados acima, identifica-se a imobilização do real em categorias

estanques e incomunicáveis. Porque correspondem a modelos antagônicos, não vislumbram

possibilidade de mediação entre eles. Ignoram, portanto, a dimensão processual

constituinte do real.

Além de evitarmos a cilada de nos deixarmos polarizar por uma ou outra imagem,

considerando-as como estabilizações de um real já dado, estamos nos afastando de uma

concepção representacional da linguagem. Para sustentar tal afastamento, recorremos à

leitura do artigo intitulado O que queremos dizer quando sustentamos a circulação de

sentido, de Rocha (prelo). Nesse artigo, ao discutir a questão da circulação de sentidos,

50

Rocha evidencia as insuficiências a que uma perspectiva discursiva viria responder ao

propor a superação do modelo de sujeito racional.

Acerca da produtividade de tal debate, Rocha nos diz:

“A vantagem de tal perspectiva que recusa a mera superposição de camadas (das mais antigas e sedimentadas às mais recentes e inconsistentes) é a seguinte: postular um momento primeiro de estabilidade ao qual se somaria um outro de maior fluidez implicaria assumir uma perspectiva representacional da linguagem em seu sentido forte, ou seja, implicaria a existência de um mundo previamente instaurado, de significações estabilizadas, que daria apoio à representação (dimensão ontológica do conceito); o conhecimento seria algo de objetivo, pois corresponderia em todos os pontos, e de forma absolutamente adequada, ao mundo (dimensão epistemológica do conceito)” (Rocha, prelo)

Contrapondo-se à ilusão de uma base estável na produção de sentidos, Guattari e

Rolnik (2005) criticam os modelos essencialmente representacionais. De acordo com os

referidos autores, nas sociedades contemporâneas, é possível falar em uma economia

coletiva do desejo, em máquinas de produção de subjetividade, de tal modo que esses

processos não se restringem à superestrutura, mas corresponderiam ao nível da infra-

estrutura social. A esse respeito, os autores argumentam:

“Quando uma potência como os Estados Unidos quer implantar suas possibilidades de expansão econômica num país do assim chamado Terceiro Mundo, ela começa, antes de mais nada, a trabalhar os processos de subjetivação” (Guattari e Rolnik, 2005, p. 36)

Nas sociedades capitalistas atuais, o controle das relações sociais se promove a

partir do funcionamento de uma complexa máquina de semiotização. Com isso, os autores

querem afastar modelos de causalidades lineares entre uma base econômica e os processos

de subjetivação.

Além de se distanciar da idéia de representação, um outro elemento trazido por essa

teorização aponta para a superação da dicotomia individual X social. Conceber a

subjetividade como produção maquínica significaria sustentar um duplo descentramento,

tanto em relação ao indivíduo, quanto em relação aos “agentes grupais”:

51

“Esses processos são duplamente descentrados. Implicam o funcionamento de máquinas de expressão que podem ser tanto de natureza extrapessoal, extra-individual (sistemas maquínicos, econômicos, sociais, tecnológicos, icônicos, ecológicos, etológicos, de mídia, ou seja, sistemas que não são mais imediatamente antropológicos), quanto de natureza infra-humana, infrapsíquica, infrapessoal (sistemas de percepção, de sensibilidade, de afeto, de desejo, de representação, de imagem e de valor, modos de memorização e de produção de idéias, sistemas de inibição e de automatismos, sistemas corporais, orgânicos, biológicos, fisiológicos e assim por diante)” (Guattari e Rolnik, 2005, p.39).

As subjetividades não são imagens, nem representações, mas processos que não

cessam de se movimentar. As subjetividades constituem redes de circulação contínua no

social. Segundo Guattari e Rolnik (2005), trata-se de processos essencialmente sociais,

sendo assumidos pelos indivíduos nas existências particulares. Esses processos se alternam

entre uma relação de opressão, ou relações de expressão e de criação.

Com efeito, a produção maquínica de subjetividade constitui níveis diversos de

criação, que nos permitem compreender o trabalho como tensão entre a diferença e a

repetição. Considerar a não equivalência entre leis e regras (dimensão prescritiva) e a

atividade significa perceber processos de singularização17. O desafio seria exatamente o de

produzir processos de singularização e de práticas de liberdade.

Tais processos de subjetivação nos permitem compreender no trabalho uma

dimensão inventiva. Para além dos processos de gestão do trabalho que habitualmente

ganham visibilidade, há muito mais sendo engendrado no cotidiano do que a ordem

burocrático-hierárquica permite perceber. O problema da gestão do trabalho insere-se

exatamente entre as práticas instituídas e outras formas de pensar/agir.

“O que estamos tentando afirmar é que uma forma de gestão sempre está presente em germe, quase ‘informulada’ nos diferentes ambientes de trabalho. As possibilidades de administração das situações de trabalho vão, apenas, modificar, dilatar essa dimensão

17 Uma possível definição de singularidade pode-se extrair do seguinte fragmento: “Quando vivemos nossa própria existência, nós a vivemos com as palavras de uma língua que pertence a cem milhões de pessoas; nós a vivemos com um sistema de trocas econômicas que pertence a todo um campo social; nós a vivemos com representações de modos de produção totalmente serializados. No entanto, viveremos e morreremos numa relação totalmente singular com esse cruzamento” (Guattari e Rolnik, 2005, p. 80).

52

gestionária, mas não vão inventá-la. Gerir, trabalhar, desloca-se sobre uma multiplicidade de registros, que inclui a gestão de eventualidades específicas ao ofício, do objeto da atividade, das interfaces, dos tempos, das relações internas às equipes” (Barros, 2003, p. 71).

Ao rejeitar a compreensão de indivíduo não como forma dada a priori, e sustentá-la

como invenção, que se institui a partir de uma maquinaria social que associa exercício

permanente de poder disciplinar e produção de saberes de vigilância, abre-se a

possibilidade de discutir os modos de existir do(a) trabalhador(a) e as formas do trabalho

docente para além dos valores instituídos no mundo do trabalho, na sociedade

contemporânea. Assim sendo, acreditar na existência de outros modos de gestão do trabalho

e de produção de subjetividade que emergem nos processos de singularização possibilita

colaborar no germinar de práticas outras, além das instituídas.

“O desafio é a gestão coletiva do sentido da vida escolar, ou seja, da política que orientará aquela comunidade e o processo de ensino-aprendizagem, a partir do qual serão estabelecidos os objetivos do trabalho, o modo de funcionamento dos dispositivos criados e a dinâmica de relação e intervenção dos diferentes segmentos” (Rocha, 2001a, p.223).

Um possível desafio para as teorias enunciativas residiria no necessário

desenvolvimento de uma trajetória de apreensão, a partir da materialidade das práticas de

linguagem, de pistas para a análise dos agenciamentos coletivos, dos diferentes modos de

singularização.

53

Capítulo 2 |

Escola: espaço e memórias do trabalho docente

No capítulo anterior, anunciamos nosso objetivo de superar as imagens

classicamente identificadas com o trabalho docente. O intuito é possibilitar uma análise que

não se restrinja a reconhecer os sentidos que habitualmente se estabilizam sobre o trabalho

docente, mas tentar problematizar seus modos de produção / circulação. Falamos ainda

sobre a noção ampliada de trabalho, de modo a nos permitir apreender uma certa

historicidade do ser humano no trabalho, ou seja, trabalhar, desse ponto de vista, é, em

alguma medida, produzir história, relacionar-se com os outros através do tempo.

Neste capítulo, pretendemos dar desenvolvimento a essas questões, procurando

evidenciar as opções por nós empreendidas ao longo da pesquisa, opções essas que, em

nosso entendimento, extrapolam o modelo tradicional segundo o qual teoria e metodologia

se articulam como sendo a primeira – a teoria – um construto conceitual engendrado fora

de um tempo e um espaço determinados, pairando sobre os conflitos sociais, e a segunda –

a metodologia – como um conjunto previamente dado de encaminhamentos, um passo a

passo que pretende se mostrar aplicando uma determinada teoria.

54

A nosso ver, qualquer elaboração teórica emerge em contextos histórico-sociais

determinados, é atravessada por eles. Seu suposto distanciamento frente aos embates não

pode constituir-se senão como um efeito de sentido.

O mesmo se dá com a metodologia, que, em muitos manuais, é apresentada como

aplicação de uma dada teoria. Toda aplicação requer mais do que os procedimentos pré-

estabelecidos. Isso (longe de se constituir em um defeito) representa um de seus elementos

constitutivos, ou seja, uma metodologia sempre precisará de “ajustes”. No presente

capítulo, procuraremos defender a idéia de que esses “ajustes” são mais do que “correções”;

compõem, na verdade, uma parte importante do fazer do pesquisador que permanece, de

algum modo, invisível frente ao predomínio dos procedimentos pré-estabelecidos. Esses

“ajustes” implicam, de fato, pôr em funcionamento a caixa de ferramentas que é o aparato

conceitual, que não só existe para ser gasto, mas ainda vai se deixando marcar por cada

uma dessas utilizações, assim como as ferramentas. Dessa forma, uma teoria mede-se não

por servir àquilo a que se previu um dia, mas, principalmente, por “improvisações” que foi

possível operar com ela.

Como parte dos encaminhamentos propostos, optamos inicialmente por observar

empiricamente a produção / circulação de sentidos do trabalho docente. Evidentemente, um

material que viabilizasse um diálogo com os objetivos propostos por nossa pesquisa

poderia ser encontrado, considerando-se a circulação de textos em situações diversas: leis,

manuais, textos de jornal, produção de associações e sindicatos, entre outros. A opção pela

observação empírica na escola pressupunha que, embora o professor circulando na escola

se mostre sempre como o mesmo profissional, as imagens do trabalho docente se constroem

de modos distintos nos diferentes espaços da mesma escola. O confronto entre o mesmo e o

outro parece conformar o cerne da questão que nos mobiliza. Estamos falando assim de um

regime de visibilidade que faz ver a diferença como variação de um mesmo, não como

processo de produção de singularidades.

Nas observações preliminares deste capítulo, evidenciamos os afastamentos entre o

que se tem entendido como observação empírica em manuais de metodologia e sua

compreensão a partir de uma perspectiva dialógica de pesquisa, preocupados com o

distanciar-se necessário de certos modelos de pesquisa acadêmica que privilegiam o

55

conhecimento como descoberta, em detrimento da intervenção e das implicações que

constituem esse jogo dialógico18.

Em seguida, retomamos a discussão relativa ao lugar social da escola e das

tecnologias de poder que a constituem, a partir das reflexões acerca das sociedades

disciplinares (Foucault, 2004a) e dos mecanismos de colonização das instituições

disciplinares pelas estratégias de controle (Deleuze, 2005).

O terceiro item deste capítulo contém os diversos aspectos que, a nosso ver,

precisam constituir a opção pela observação empírica empreendida por uma pesquisa em

Análise do Discurso. Inicialmente, esse item proporá uma análise das implicações na

definição do cenário de pesquisa, abrangendo desde nosso envolvimento com o espaço da

escola até a explicitação de um certo percurso histórico do referido espaço que atravessa

nosso envolvimento. Em seguida, explicitamos as motivações que nos conduzem ao que

chamamos de alteração das coordenadas de espaço-tempo do trabalho docente.

Pressupondo a sala de aula como território produtor de imagens clássicas, a “alteração”

proposta considera uma série de expectativas e um conjunto de critérios que serão

evidenciados. Ainda nesse terceiro item, incluímos algumas reflexões sobre o mural, desde

diferentes usos de um quadro-mural àsua definição como campo produtor de pistas para

análise, vulgo “fonte de coleta de dados”.

1. Preliminares: por uma perspectiva dialógica de pesquisa

Antes de iniciarmos as reflexões propostas neste capítulo, parece-nos adequado

registrar certos distanciamentos entre a terminologia habitual dos manuais de metodologia

científica (e dos modelos de pesquisa a eles subjacentes) e um modelo dialógico de

pesquisa. O registro desse distanciamento se restringirá aos aspectos tematizados no

presente capítulo, quais sejam: a opção pela observação empírica em uma unidade escolar,

bem como seus desdobramentos.

18 Não há como não fazer referência às reflexões de Nietzsche presentes em A Verdade e as formas jurídicas (Foucault, 2005). Nesta obra, Foucault discute o que ele chama de uma história externa da verdade. Ainda na primeira palestra, ele opõe a tradição ocidental cartesiana, que veria na produção de conhecimento uma descoberta, a Nietzsche, que defende o conhecimento como uma violência, ou seja, produto não da descoberta de uma essência das coisas, mas uma invenção. A partir do ponto de vista inaugurado pelo filósofo alemão, a suposta correspondência entre o conhecimento e a coisa conhecida não passa de um efeito de sentido.

56

Num breve levantamento realizado em manuais de metodologia de pesquisa, desde

os que se propõem a ser mais gerais, sem especificar a área de aplicação dos métodos

descritos ou abrangendo as ciências naturais e sociais19, aos que se dirigem explicitamente

ao campo das ciências sociais, ou mesmo restringindo-se à pesquisa em Educação20, o lugar

conferido à observação insere-se nos “procedimentos de coleta de dados”.

Santos (1999), por exemplo, chega a distinguir a “caracterização das pesquisas

segundo os procedimentos de coleta de dados” da “caracterização das pesquisas segundo a

fonte de informação”. O primeiro grupo subdivide-se em pesquisa experimental, ex-post-

facto, levantamento, estudo de caso, pesquisa-ação, pesquisa bibliográfica, pesquisa

documental. No segundo grupo, encontram-se três fontes de dados: campo, laboratório e

bibliografia.

Como não pretendemos nos deter nos pormenores dessa discussão, ressaltaremos

um aspecto mais geral e de fundo que emerge dessas propostas de caracterização das

pesquisas, destacando a postura assumida por pesquisas que optem por um ponto de vista

dialógico. Esse aspecto refere-se ao fato de que ideais de imparcialidade e neutralidade

atualizam-se na aparência de distanciamento criada entre o pesquisador e seus “dados”. A

relação entre um dado e outro e um dado e seu contexto de produção / circulação dota-se de

relativa autonomia. De acordo com alguns modelos de uma certa pesquisa científica hoje

dominantes, o conjunto de dado coletados pode ser extraído de seu contexto e analisado

independente dele, desde que respeitados certos procedimentos.

De um ponto de vista dialógico, essa relativa autonomia não passa de ficção, que

encontra nos procedimentos de coleta seus modos de construção. Com efeito, essa

autonomia não é anterior à presença do pesquisador; mostra-se como tal a partir dos

procedimentos utilizados, em que vão se configurando as etapas de autonomização dos

dados.

Seria, portanto, indesejável nos mostrar aqui “coletando discursos”21, até mesmo

porque os discursos não estão previamente “cortados” à espera do pesquisador. O cuidado

metodológico desenvolvido em pesquisas como esta deve-se à caracterização necessária

19 Entre os manuais analisados com propostas mais gerias, estão: Lakatos e Marconi (1985), Santos (1999) e Alves-Mazzotti e Gewandsznajder (2000). 20 Entre os manuais que se dirigem especificamente ao público de pesquisadores em ciências sociais está Triviños (1992) e, aos pesquisadores em Educação, Lüdke e André (1988). 21 A esse respeito, ressoam aqui as preocupações manifestadas por Vargens (2005).

57

dos “cortes” feitos, dos critérios adotados para tal, dos contextos de produção / circulação,

entendendo a relação enunciado e contexto como indissociável na produção de sentidos.

Vejamos o que nos diz Bakhtin a respeito dessa relação:

“Não pode haver enunciado isolado. Um enunciado sempre pressupõe enunciados que o precederam e que lhe sucederão; ele nunca é o primeiro, nem o último; é apenas o elo de uma cadeia e não pode ser estudado fora dessa cadeia” (Bakhtin, 2000, p. 375).

Além disso, o texto, como materialidade da produção discursiva, pode encenar certa

autonomia. Encenação esta que não pode ser naturalizada pelo pesquisador. É necessário

mostrar a “coleta” de certos textos não como a extração de unidades dadas, mas como

recorte possível em certo contexto, considerando-se expectativas de como aquele dado

recorte e não outro pode responder às questões propostas por nossa pesquisa. Não estamos

assim a coletar textos ou discursos, mas a recortá-los arbitrariamente, a intervir nos

contextos de produção / circulação e produzir um dado arranjo desses textos, que

convencionamos chamar de córpus.

Deslocamento ou corte, o que importa é dar destaque à intervenção que se opera na

construção do córpus de análise. Deixar ver os enunciados para além de sua aparência de

autonomia, compreendendo-os a partir de suas condições de possibilidade. Acrescentamos,

a esse respeito, as observações de Fischer (2002):

“Insisto: nossos objetos em construção poderão tornar-se mais densos na medida em que os tratarmos efetivamente como objetos históricos que são, vistos em suas descontinuidades e permanências, naquilo que oferecem como ruptura ou como (provisória) fixação de modos de ser e existir” (Fischer, 2002, p. 65).

No trecho acima citado, Fischer nos fala dos objetos vistos como densidades

históricas, rupturas, ou seja, uma vez mais o esforço é o de evitar ver (como

tradicionalmente se fez) os objetos como realidades autônomas, totalidades fechadas em si

mesmas. A saída encontrada é a de compreendê-los como ruptura. É como uma pedra

lançada contra um vidro, depois de quebrá-lo, o vidro não é mais o mesmo, nem a pedra.

Essa tentativa de restituir o movimento histórico-social constitutivo dos objetos das

ciências humanas a que Fischer faz menção é um desdobramento das propostas

foucaultianas. Se habitualmente as ciências humanas descreveram o real como algo estático

58

e bem comportado, isto nos fala não exatamente do que é ou não “um” real, mas deve-nos

levar a entender um ponto de vista e os dispositivos que marcam a emergência dessas

ciências assim constituídas.

A respeito da insistência de Foucault na dimensão histórica dos discursos (que se

constituem no objeto da presente pesquisa), Fischer afirma:

“Foucault é quase teimoso na sua afirmação e reafirmação de que os discursos são históricos, não só porque se constroem num certo tempo e lugar, mas porque têm uma positividade concreta, investem-se em práticas, em instituições, em um número infindável de técnicas e procedimentos que, em última análise, agem nos grupos sociais, nos indivíduos, sobretudo os corpos” (Fischer, 1996, p. 55).

Seja partindo do texto como indissociável do contexto dialógico de seu tempo, seja

partindo da noção de discurso como acontecimento, que se articula de modo complexo com

outros níveis de acontecimentos (políticos, econômicos, etc), podemos aproximar Bakhtin

de Foucault considerando a preocupação de que texto e contexto não devem ser vistos

como realidades absolutamente autônomas, ou mesmo sobredeterminadas, mas como uma

rede complexa de atravessamentos mútuos.

Com efeito, a oposição recorrente entre pesquisa de campo e em laboratório se

desloca em relação à maneira como tem sido habitualmente tratada. Não é propriamente a

essa oposição que nos referimos, mas a certos aspectos que ela faz supor. Mencionamos

especificamente a idéia de que em laboratório, sob condições controladas, ter-se-iam

experimentos num contexto artificial. Não se trata de tentar opinar acerca da idéia de

condições controladas, até mesmo porque não poderíamos fazê-lo. O que nos interessa na

distinção citada é o outro lado da comparação, ou seja, o que sobraria como caracterização

da pesquisa de campo. Ora, se a pesquisa em laboratório se daria sob condições

controladas, em contexto artificial, a lógica formal nos leva a pressupor que a pesquisa de

campo transcorreria em contexto naturalístico.

Retornamos à citação de Bakhtin. Tratar os enunciados (os textos) em cadeia, como

ele propõe, significa não poder retirá-los de sua ancoragem sócio-histórica. Assim sendo, o

contexto não pode ser considerado como mero entorno da produção / circulação de textos.

Parece-nos que a oposição entre natural e artificial restringe consideravelmente a noção de

espaço, reduzindo-a a sinônimo de espaço físico. Ou ainda, nas palavras desse autor:

59

“O ato humano é um texto potencial e não pode ser compreendido (na qualidade de ato humano distinto da ação física) fora do contexto dialógico de seu tempo (em que figura como réplica, posição de sentido, sistema de motivação)” (Bakhtin, 2000, p.334)

Em nosso caso, dizer que observar o trabalho docente na escola é considerá-lo em

seu contexto natural é por demais empobrecedor. Trata-se de imaginar o cenário como um

já-lá, reduzindo-o à sua dimensão física que é anterior e, possivelmente, independente das

interações que nele transcorrem. O que não podemos fazer é tomar esta como única

definição de espaço.

No caso da escola que observamos, seu prédio já abrigou duas outras instituições de

ensino, ambas em caráter provisório. Como justificativa para esse caráter provisório, conta-

se que tal prédio teria sido, inicialmente, projetado para ser um hospital e que, por certos

aspectos conjunturais, teria sido cedido, circunstancialmente, a essas instituições. Se

reduzíssemos a noção de espaço, ignoraríamos os sentidos que circulam nessa versão para a

existência do prédio. Haveria certas semelhanças entre a arquitetura de um hospital e a de

uma escola que permitiriam que um mesmo prédio pudesse abrigar tanto uma quanto a

outra instituição. Ou ainda que os diferentes modos de apropriação de um mesmo espaço

poderiam evidenciar certas pistas acerca das interações que nele ocorrem.

Não estamos nos propondo a fazer a história dos modos de apropriação do prédio.

Contudo, estamos atentando para o fato de que considerar apenas a estrutura física como

definição possível para a idéia de espaço em pesquisa com os objetivos semelhantes aos

que nos orientam pode esbarrar em certas insuficiências da reflexão. Apontaríamos duas

insuficiências que nos proporíamos superar: i. afastamento entre o espaço e as interações

que nele transcorrem; ii. separação entre as coordenadas de espaço e tempo.

Para dialogar com tais insuficiências, fundamentamos a observação empírica a partir

do seguinte ponto de vista: “A pesquisa de campo, numa perspectiva dialógica, em vez de

simplesmente colher dados para a constituição de um corpus, consiste na criação de um

espaço de intercâmbio que possibilita a co-construção de saberes” (Vargens, 2005, p. 28)

Um espaço de intercâmbio constitui-se a partir de um reconhecimento mútuo entre

os pares envolvidos nessa co-construção. O próximo item pretende dar um passo nesse

sentido ao buscar uma reflexão mais de fundo para caracterizar as relações de poder e saber

no espaço escolar.

60

2. De toupeiras e de serpentes: a escola entre o disciplinamento e o controle

Muito se tem falado atualmente sobre a crise da instituição escolar. A nosso ver, não

é apenas a instituição escolar que está em crise, mas toda a sociedade que se constituiu a

partir da difusão de instituições como a escola. Neste item, discutiremos os aspectos

vinculados a tal crise, desde o ponto de vista de Foucault, acerca das sociedades

disciplinares, associando-o às observações sobre as sociedades de controle, propostas por

Deleuze.

Iniciaremos apresentando alguns dos elementos que fundamentam a análise das

relações de poder nas sociedades disciplinares, de acordo com Foucault (2004a). O que

Foucault caracterizará como sociedades disciplinares é o alastramento de certas estratégias

de exercício de poder, oriundas de diversos lugares e que, por razões conjunturais, “(...) não

cessaram, desde o século XVII, de ganhar campos cada vez mais vastos, como se

tendessem a cobrir o corpo social inteiro” (Foucault, 2004a, p. 120).

Esse poder alastra-se pelo corpo social, constituindo-se no momento histórico das

disciplinas:

“(...) o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe” (Foucault, 2004a, p.119)

Como supor que a constituição histórica de uma dada estratégia de poder, de

coerções sobre os movimentos, esquadrinhamentos, manipulações calculadas do corpo, dos

gestos não esteja articulada com uma dada configuração espacial? Como imaginar um

distanciamento entre o espaço e as relações sociais que nele transcorrem? Como não

perceber o atravessamento que as constitui?

Chegamos aqui ao ponto crucial de nossa reflexão acerca da noção de espaço. Essa

noção afasta-se do espaço tomado em seu aspecto físico, simplesmente, e estará

61

absolutamente vinculado à apropriação do espaço escolar e ao contexto histórico das

sociedades disciplinares.

Um primeiro aspecto que se deve considerar na apropriação disciplinar do espaço da

escola é o que Foucault chama de “a arte das distribuições”. O momento histórico das

disciplinas, ou seja, o período entre os séculos XVIII e XIX, é marcado pelo processo de

industrialização e de urbanização europeu. Agrupamentos de indivíduos que outrora

encontravam-se espalhados no campo, a partir de então aglomeram-se nas cidades. É

preciso substituir relações de apropriação dos corpos como as que presidiam às relações de

escravidão ou de vassalagem. As disciplinas não atuam sobre os resultados das ações, mas

sobre o movimento dos corpos. Para isso, é necessário distribuí-los no espaço. A cada

indivíduo, seu lugar (Foucault, 2004a).

O quadriculamento do espaço permite o exercício da vigilância constante,

repartindo, isolando, individualizando os movimentos.

“Importa estabelecer as presenças e as ausências, saber onde e como encontrar os indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-lo, sancioná-lo, medir as qualidades ou os méritos” (Foucault, 2004a, p. 123).

As carteiras enfileiradas, durante muito tempo, representaram o espaço da escola. A

qualquer momento é possível contar o número de alunos presentes, controlar se falta

alguém. Gerenciar os movimentos, impedir gestos indesejáveis. Articula-se em um mesmo

procedimento a sujeição dos corpos e a utilidade dos movimentos.

Essa organização em fileiras, atribuindo a cada um uma posição, instaura não

somente a vigilância, mas propõe uma economia do tempo. Evita desperdícios. Permite a

circulação na sala, previne tempo dissipado com brincadeiras, antecipa-se à ociosidade.

Insere o docente numa dinâmica de vigilância regular e contínua. As fileiras estão sempre

na iminência de se desfazerem, os movimentos de se confundirem, os corpos de se

aglomerarem. É preciso evitar qualquer instante de desperdícios.

Mesmo que um professor entre pela primeira vez em uma determinada sala de aula,

será pouco provável que ele precise perguntar em que espaço habitualmente os professores

se instalam. Pode haver uma mesa, ou não, esta pode ser maior do que as outras, ou

resumir-se a um pequeno apoio para livros e diário. Pode chegar a haver tablado. No

62

entanto, o que parece determinar o lugar do professor na sala de aula é aquele para o qual

todas as outras cadeiras estão viradas.

Essa posição destacada não só permite maior visibilidade de todos os presentes,

como também parece dispensar a presença de outro profissional. Esta, portanto, é, entre

outras, uma marca da solidão do trabalho docente. Ora, se o tempo de permanência do

professor no ambiente escolar calcula-se tomando como referência a hora-aula, isto nos

leva a perceber que o contato com outros profissionais pressupõe-se bastante reduzido.

A tão propalada crise da escola poderia ser pensada, com Deleuze (2005), como

uma crise das instituições de confinamento. Os confinamentos são moldes que estão sendo

substituídos pelas modulações das sociedades de controle.

“Reformar a escola, reformar a indústria, o hospital, o exército, a prisão; mas todos sabem que essas instituições estão condenadas, num prazo mais ou menos longo. Trata-se apenas de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, até a instalação das novas forças que se anunciam. São as sociedades de controle que estão substituindo as sociedades disciplinares” (Deleuze, 2005, 220).

Essa passagem do disciplinamento ao controle caracteriza-se pela colonização das

instituições disciplinares pela lógica da empresa. Exemplo da intensificação do exercício do

poder, da centralização da gestão do trabalho é o Programa de gratificação Nova Escola.

Conforme já explicitamos anteriormente, trata-se do pagamento de gratificação, de acordo

com uma certa classificação, a partir de um processo de avaliação das unidades escolares.

Princípios como o da isonomia salarial, instituído pela ordem constitucional vigente, são

burlados. Direitos como o da licença maternidade são abolidos, na prática. As profissionais

que gozarem de licença maternidade ficarão ausentes do espaço escolar por um período

superior a um percentual mínimo estabelecido pela própria SEE/RJ. Ou seja, essas

profissionais teriam de escolher gozar a licença maternidade ou receber a gratificação que,

em alguns caso, pode elevar o valor do salário ao dobro.

3. Entrando na escola

“As estrelas. Elas formavam desenhos de propósito, para brincar ou para falar com os cá de baixo? Ou os desenhos eram

63

coisa de homens e de vigias insones, feitos por cima dos pontos para lembrar histórias passadas?”22

3.1. Implicações na definição do cenário de estudo

Ao adotar uma perspectiva discursiva, sentimo-nos desobrigados de lançar mão de

estratégias de apagamento das implicações do pesquisador na definição do cenário de

estudo. Dessa forma, a argumentação que sustenta tal escolha não precisa buscar razões

“objetivas” e dados estatísticos que pudessem transformar o cenário escolhido em uma

escola “representativa” do conjunto da rede pública estadual.

Tal escolha se deu por uma série difusa de experiências e sentimentos que

antecedem mesmo o início dessa pesquisa. Remetem, na verdade, a dois momentos de vida

deste pesquisador, que, por algumas circunstâncias, acabaram se encontrando como duas

pontas de um papel que se dobra.

Essa dobradura começou a se dar a partir do momento em que tivemos de

comparecer à Coordenadoria da Região Metropolitana X, da Secretaria de Estado de

Educação do Rio de Janeiro (SEE/RJ), para receber a designação da escola em que

estaríamos lotados. Esse processo de designação do profissional a uma unidade escolar é a

última etapa dos procedimentos adotados para ingresso no magistério da rede pública

estadual.

3.1.1. Nosso envolvimento com a escola

O percurso que passamos a narrar põe em análise nossas implicações com uma certa

memória que habita o espaço escolhido para nossa pesquisa de campo. A esse respeito, as

seguintes palavras de De Certeau (2000) encontram ressonâncias em nossas vivências

explicitadas adiante:

“O caminhar de uma análise inscreve seus passos, regulares ou ziguezagueantes, em cima de um terreno habitado há muito tempo. Somente algumas dessas presenças me são conhecidas. Muitas, sem dúvida mais determinantes, continuam implícitas –

22 BERNARDO, Gustavo. 1999. A alma do urso. Belo Horizonte: Formato editorial. p. 16

64

postulados ou dados estratificados nesta paisagem que é memória e palimpsesto” (De Certeau, 2000, p. 35).

Daremos conta então apenas das experiências que nos são conhecidas. Muitas serão

as nossas dívidas com as trajetórias que apenas aparentemente estariam silenciadas ou

esquecidas pelo tempo.

Retornando ao episódio na Coordenadoria Metropolitana, em que recebemos a

designação, não era exatamente o nome da escola em que iríamos trabalhar que provocava

em nós sentimentos muito diferentes: desejo e um certo estranhamento. Aquele endereço

(“Barão de Itapagipe, 311”) era absolutamente familiar.

Havia doze anos tínhamos decidido não mais retornar lá. Bastavam-nos as histórias

de abandono e destruição das instalações, dos laboratórios. Até então, nossa escolha havia

sido a de permanecer com as lembranças do pátio repleto de alunos, dos momentos que

passamos lá, fossem eles bons ou ruins, mas certamente cheios de vida. Os dois anos em

que o CAp/UERJ funcionou naquele endereço, os momentos vivenciados na quinta e na

sexta séries do Ensino Fundamental retornavam com alguma concretude.

Da Coordenadoria até nosso novo endereço de trabalho, era preciso subir uma

ladeira. O sol forte de um meio-dia de verão no Rio tornou a subida mais cansativa e

demorada. Quanto mais eu me aproximava do endereço, mais nítidas ficavam as

lembranças daquela segunda-feira de setembro, agora distante em lembranças.

O cansaço que sentia ao subir contrastava com a lembrança da farra que fizéramos

ao descer. Afinal, que adolescente de 12 anos não comemoraria um dia sem aula?

Passamos às lembranças de como foram os últimos dias naquele prédio em que

agora tínhamos de retornar, como professor, em outra escola, mas no mesmo lugar.

Não tínhamos então idéia de como aquele dia nos marcaria. A comemoração de

todos não nos permitira perceber que o “liguem amanhã para saber se a situação já estará

regularizada” representava de fato uma despedida.

O tempo passou. Descobrimos que telefonemas ameaçadores nos tinham impedido

de voltar. A falta de água fora a maneira encontrada pela escola de não nos alarmar para a

sensação de insegurança que havia tomado conta da escola.

Onze anos depois, as lembranças já distantes, e o retorno era agora mais do que

certo, tratava-se da nomeação de um funcionário público. Na fachada, o nome da escola

havia sido substituído. No lugar do emblema da Universidade, encontrava-se uma placa de

65

identificação do governo do estado. Com a retirada do emblema, parecia ter ido junto a

memória de que ali, outrora, havia funcionado o Colégio de Aplicação Fernando Rodrigues

da Silveira / UERJ.

O portãozinho de ferro estava aberto, como se tivéssemos acabado de sair. Parecia

menor e mais estreito. Os degraus, apesar de muitos, não eram mais tão numerosos,

podíamos subi-los agora de três em três.

Cheguei à quadra aberta. De longe, vi a mureta em que sentávamos para conversar

no recreio (até porque adolescente não senta em banco) e as raízes daquela velha árvore.

Segurei um fio que restava de vontade de escalá-la.

Finalmente avistei o prédio. Era exatamente o mesmo, apesar de o branco da

fachada ter dado lugar a um rosa mais forte. Nas janelas, a madeira deu lugar a um

revestimento de alumínio.

Para cada lugar que olhava, despertava-se em mim uma sensação de reconhecimento

e de surpresa, aproximação e estranhamento. Eu estava cindido. Uma parte de mim

reencontrava o prédio da escola que havia deixado para trás há onze anos. A outra parte

parecia descobrir a sensação de entrar em um novo local de trabalho.

Esses sentimentos se confundiam, trocavam de lugar. Quando me virava para

procurar algo, já não estava mais lá. Onde antes não havia nada, agora funcionava a

reprografia. O hall de entrada estava completamente modificado. No chão, as pastilhas

deram lugar a um granito bem encerado. A coordenação, a sala de professores e o refeitório

continuavam no mesmo lugar.

Percebi, com isso, que a permanência e a mudança coabitavam aquele espaço. Os

diferentes matizes com que o mesmo e o outro se constituíam naquele lugar o

singularizavam. Aquele prédio parecia me sussurrar algumas décadas de história, ao mesmo

tempo em que eu cobria cada um de seus pedaços com as minhas experiências.

Ao final deste item não é difícil perceber que, apesar de estar intitulado “definição

do cenário de estudo”, as circunstâncias subverteram a ordem e, no lugar de termos de

escolher um “cenário de estudo”, antes mesmo de nos darmos conta, aquele prédio havia

nos escolhido para contar uma de suas histórias.

66

3.1.2. Ressonâncias de outros tempos no mesmo espaço

Como dissemos, o prédio que hoje abriga uma escola da rede pública estadual,

inaugurada em 2002, já foi cenário de outras duas instituições de ensino. A primeira dentre

as instituições de ensino a ocupar aquele prédio foi a Escola de Enfermeiras Rachel

Haddock Lobo. Recebeu este nome em homenagem à primeira enfermeira brasileira que

dirigiu a Escola de Enfermagem Anna Nery (UFRJ). Criada pelo Decreto-Lei 6.275, em 16

de fevereiro de 1944, permaneceu do ano de sua criação até 1952, no número 137 da Rua

Carlos Seidl, no Caju Retiro.

Em 1952, mudou-se então para o número 311 da Rua Barão de Itapagipe. Lá

permaneceu durante nove anos, quando em 15 de dezembro de 1961, com a Lei Estadual no

93, foi incorporada, com o nome de Faculdade de Enfermagem Rachel Haddock Lobo, à

então Universidade do Estado da Guanabara (atualmente, Faculdade de Enfermagem da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Passou, naquele ano, à sua sede própria, onde

permanece até hoje, no Boulevard 28 de Setembro, no 157, em Vila Isabel23.

Ainda na década de sessenta, o prédio da rua Barão de Itapagipe abrigou uma outra

instituição de ensino: o Colégio de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira. Criado em

1o de abril de 1957, o então Ginásio de Aplicação da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras passou a funcionar improvisadamente no número 269 da Rua Haddock Lobo, no Rio

Comprido, com as quatro séries ginasiais (equiparadas hoje às quatro últimas séries do

Ensino Fundamental). O nome Fernando Rodrigues da Silveira foi uma homenagem

posteriormente feita ao seu fundador e primeiro diretor do colégio. Em 1961, além das

séries ginasiais, o Colégio passou a oferecer também os cursos Clássico e Científico

(equivalentes ao atual Ensino Médio).

Nesse período, em busca de mais autonomia de funcionamento e maior flexibilidade

de horário, o Colégio de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira mudou-se para o prédio

da Rua Barão de Itapagipe, 311. O improviso inicial durou cerca de três décadas. Em 1994,

também improvisadamente, o CAp passou a ocupar o Pavilhão João Lyra Filho, no campus

Maracanã da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Permaneceu lá durante quatro

23 Informações extraídas da página eletrônica da Faculdade de Enfermagem da UERJ: http://www2.uerj.br/~fenf/historia.html.

67

anos, quando mudou-se definitivamente para o prédio da Rua Santa Alexandrina, 288, no

Rio Comprido24.

Embora possa parecer despropositada a digressão acima, é interessante perceber que

a descrição de um cenário talvez não se deva restringir à sua constituição física. Tanto

durante o período em que fui aluno do Colégio de Aplicação, naquele espaço, quanto

atualmente, como professor da instituição sediada lá, as questões físicas, como variação no

tamanho das salas, inexistência de uma escada de emergência, tipo de elevador, sempre

foram atribuídas a um hospital, que teria sido a primeira instituição a ocupar aquelas

instalações físicas.

3.2. Alterando as coordenadas de espaço e tempo do trabalho docente

Até aqui procedemos a diversas escolhas, cujas motivações e justificativas

apresentamos acima. Optamos por observar a produção / circulação de práticas linguageiras

na escola. Como dissemos anteriormente, nosso retorno ao espaço que se constitui como

cenário de estudo da presente pesquisa precede o investimento de estudo aqui realizado.

Retornamos inicialmente como professor de Língua portuguesa.

A opção em fazer do nosso local de trabalho (e espaço-tempo de muitas outras

vivências) também nosso cenário de pesquisa nos colocou o desafio de nos projetar não só

no lugar de docente daquela escola, mas também no lugar de pesquisador. Isto demandou

de nós um exercício de escuta para além daquele que habitualmente teríamos como

trabalhador.

É importante ressaltar que esta outra escuta a que nos referimos foi, a cada passo,

tornando-se um compromisso. Os colegas que compartilhavam os dias de trabalho conosco

sabiam de nosso projeto de pesquisa. Não éramos os únicos a realizar uma pesquisa de

observação naquele espaço, o que fez com que a temática das pesquisas surgisse não apenas

por iniciativa dos pesquisadores, mas também por questionamentos, sugestões, dúvidas,

curiosidades dos demais colegas, em geral, os mais próximos.

Talvez por ter circulado no mesmo espaço em outro período, certos modos de

circulação das pessoas foram me chamando a atenção. Até ser inaugurado como unidade da

24 Consulta feita à página eletrônica do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira: http://www2.uerj.br/~cap/historico.htm

68

rede pública estadual, o prédio ficou cerca de seis anos em completo abandono. No entanto,

a distribuição dos espaços guardou certos traços de manutenção.

Ao chegar ao hall de entrada, à esquerda localiza-se a escada que dá acesso aos

andares onde ficam as salas de aula. Em frente a essa escada, encontra-se uma sala, que,

antes, servia de ante-sala para o gabinete da direção e, agora, com peitoril e grade, funciona

como lugar de atendimento ao público da secretaria da escola.

Seguindo em frente, há quadros-murais, a placa de inauguração da escola e o quadro

em que está retratado Herbert de Souza, o Betinho, patrono da escola. Entre o mural e o

quadro, há uma porta de entrada para uma sala espaçosa, a maior dentre as salas do hall de

entrada. Nesta sala, há dois banheiros e janelas para ventilação. Sua entrada é o primeiro

local avistado por quem entra no hall da escola. Esta porta corta um corredor de acesso, à

direita, para o setor administrativo da escola e, à esquerda, vê-se o refeitório.

3.2.1. A opção pela sala de professore(a)s

A cada dia, a chegada no prédio, o convívio com os colegas, a observação do

movimento das pessoas (re)faziam nossa relação com aquele espaço. Lembro-me de ter

estranhado ao ver que o pátio (outrora um espaço absolutamente livre para o trânsito de

alunos) agora estava tomado por carros. Só me dei conta disso procurando uma vaga no

espaço deixado entre alguns grupos de alunos.

A sensação de vivenciar, simultaneamente, um mesmo e um outro espaço estava

aflorada. Tal experiência foi nos sensibilizando e direcionando nosso olhar. Fomos

elaborando certas hipóteses acerca dos modos de apropriação do espaço da escola, como

forma de tentar responder às semelhanças que percebíamos.

Nessas hipóteses, certas evidências estabilizadas permaneciam. Por exemplo, o fato

de a sala de professores situar-se em lugar de destaque entre as salas do hall de entrada

parecia marcar o lugar do docente na hierarquia da escola. Diferenciando-se dos espaços

reservados aos funcionários, as regalias de banheiros próprios, aparelho de ar condicionado,

filtro de água, televisor, etc. dão à sala de professores um trânsito enorme de pessoas.

As grades instaladas na entrada da escada, no acesso ao corredor de entrada de

salas como a direção e a coordenação pedagógica marcavam impedimentos de circulação,

69

dividindo as pessoas entre aquelas que têm trânsito livre e as que não podem ultrapassar

certos limites.

No entanto, não eram exatamente tais evidências que habitavam nossas

preocupações. Aliás, esses regimes de visibilidade tão naturalizados, tão dados e

reconhecidos por todos é que começavam a nos desafiar. O exemplo a que nos referimos há

pouco em relação ao carro é ilustrativo desse incômodo: mesmo tomados pelo

estranhamento, sentíamo-nos impelidos a procurar nossa “vaga” num dado estado de coisas

que se mostra aparentemente estável e exterior a nossas possibilidades.

Esses momentos de reflexão solitária e de registro de observações em nosso diário

de bordo eram interrompidos por conversas, discussões, perguntas, reclamações, na sala de

professores. Somente nos demos conta de que o privilégio de ter reservada uma sala com

água, cafezinho, banheiro, ar condicionado, de alguma forma, é também sujeição, quando

fomos convidados por alguns colegas a descer, na hora do recreio. Naquele momento, nos

percebemos completamente inseridos em uma dinâmica de circulação que até então

jurávamos questionar, pretender desnaturalizar.

“Vamos descer para fumar”. O convite foi feito a mim num certo tom de

conspiração, acompanhado de expressões faciais que insinuavam não ser bem o cigarro a

motivação de tal convite. Um outro colega imediatamente fez um movimento com a mão,

solicitando que eu o acompanhasse.

Chegando ao pátio, o(a)s colegas revelaram certo incômodo com o ambiente.

Segundo diziam, lá não ficavam à vontade para falar sobre determinados temas. Havia

incompatibilidades no relacionamento entre o(a)s profissionais que começávamos então a

notar. Contudo, o que assumiu o centro de nossas preocupações foi a relação que aquele

grupo mantinha com a sala de professores. O distanciamento deles marcava não somente

incompatibilidades de relacionamento, começava a me indicar um gesto de resistência

frente a uma realidade de movimentos orquestrados, previstos. Não é preciso ensiná-los,

aprende-se quase naturalmente.

Atentando especificamente para o(a)s trabalhadores docentes, a dinâmica de

circulação parece fazê-lo(a)s transitar entre a sala de professores e a sala de aula. Chegam

cedo, dirigem-se à sala de professores, assinam o ponto, aguardam o sinal tocar, os alunos

sobem, logo em seguida, o(a)s professore(a)s. Na hora do intervalo, o retorno. O(a)s alunos

70

espalham-se no pátio, já o(a)s professores retornam para a sala destinada a ele(a)s. Bebem

água e café, dirigem-se ao banheiro, conversam. Ao término do intervalo, toca novamente o

sinal, aguardam o(a)s alunos subirem e, mais uma vez, dirigem-se às salas de aula.

Esse modo de circulação do(a)s profissionais estava em consonância com a idéia de

que, nas instituições disciplinares, a cada indivíduo é dado um lugar. Não é só a evidência

da hierarquia que está em jogo, mas todo um controle sobre os movimentos. Essa separação

que se dá nos movimentos entre professores, aluno(a)s e funcionário(a)s administrativo(a)s

manifesta relações de poder, produzindo expectativas, pressupostos, enfim, um conjunto de

saberes sobre o trabalho dos indivíduos pertencentes a cada uma dessas categorias.

Uma trajetória de questionamentos conduziu nossas reflexões a esses contornos ora

assumidos. Referenciamo-nos em estudos anteriormente desenvolvidos no âmbito da AD

cujo foco principal apontava para as interações professor-aluno em sala de aula. Esses

estudos nos inspiraram a seguir o(a) professor(a) por outros espaços para além da sala de

aula. Começávamos assim a dialogar com uma demanda que se mantém latente no

cotidiano desse(a)s profissionais. Embora os tempos de sala de aula sejam referencial mais

classicamente identificado para considerar o(a) professor trabalhando, há um conjunto de

outras atividades, estejam elas vinculadas ou não à atividade desenvolvida em sala de aula,

que caracterizam o(a) professor(a) em situação de trabalho.

Será que no desenvolvimento dessas outras atividades veremos o(a) mesmo(a)

professor(a) trabalhando? Não representando a hora-aula uma demarcação entre o que é ou

não trabalho do(a) professor(a), o que esse referencial caracteriza? Como extrapolar os

limites da sala de aula e acompanhar o professor em diferentes situações de trabalho?

Esperamos o final da aula. Bateu o sinal. Saímos atrás do(a) professor(a). Chegamos

à sala de professores. Iniciávamos nossas observações naquele espaço. Dessa forma, os

questionamentos a seguir orientam o conjunto de reflexões que pretendemos desenvolver

neste texto. Que procedimentos devemos adotar para apreender as descontinuidades

enunciativas onde aparentemente vemos o(a) mesmo(a) trabalhador(a)? A que definição de

situação de trabalho precisamos recorrer para considerar o(a) professor(a) trabalhando, para

além da sala de aula? A partir de que material lingüístico é possível apreender essas

imagens discursivas do trabalho docente?

71

3.2.2. A sala de professore(a)s como situação de trabalho

Antes de detalharmos os procedimentos adotados ao longo da observação, cabe

discutir a partir de que ponto de vista é possível considerar também a sala de professore(a)s

como situação de trabalho. É importante dizer que assumimos este ponto de vista em

consonância com os objetivos já explicitados por esta pesquisa.

Em Ergologia, poderíamos destacar uma certa flexibilidade das aplicações do

conceito de situação de trabalho. Essa noção pode envolver desde os aspectos mais

imediatos necessários ao desenvolvimento da atividade a aspectos mais gerais como o

sócio-histórico, o econômico, o jurídico, etc. Assim percebemos, em primeiro lugar, que a

ergologia procura distanciar-se de uma compreensão corrente, evitando tratar a situação de

trabalho como equivalente a postos de trabalho, considerando as insuficiências que tal

compreensão poderia trazer a pesquisas que se debruçam sobre o mundo do trabalho.

Não há, portanto, uma definição única de situação de trabalho aplicável a qualquer

pesquisa. O que há são noções constitutivas das análises que pretendem considerar o

trabalho como prática de transformação e, assim, uma atividade complexa, atravessada por

diversas dimensões da vida humana.

Assim, como ressalta Nouroudine (2002), embora o ergonomista geralmente

demonstre maior interesse por componentes mais imediatos à atividade, há deslocamentos

em termos de prioridades para outras disciplinas que definam o trabalho como objeto.

De que critérios nos utilizamos para definir as coordenadas de espaço-tempo da sala

de professore(a)s como situação de trabalho? É importante destacar que as observações

aqui feitas não são aplicáveis a qualquer sala de professores.

Se a sala a que nos referimos fosse utilizada somente como espaço para guardar

livros didáticos, diários de classe, ou outros materiais de apoio técnico, em que a

possibilidade de interação entre os trabalhadores fosse muito restrita, talvez tivéssemos um

pouco mais de dificuldade de caracterizá-la como situação de trabalho.

Por outro lado, se funcionasse como uma sala de estudos, para onde os docentes se

dirigissem para produzir e organizar o material didático, corrigir provas, fazer reuniões,

provavelmente se consideraria com maior facilidade que nos encontramos diante de uma

situação de trabalho. Muito embora não haja relação direta com alunos, eles estão

diretamente implicados já que são os interlocutores do material didático produzido, ou

72

mesmo indiretamente, na medida em que possivelmente as relações em sala de aula

constituem a temática das reuniões dessa nossa sala fictícia.

Nem um exemplo, nem outro: a sala de professore(a)s em que transcorreram nossas

observações é o principal ponto de encontro dos professore(a)s na hora do recreio. Seja

pelo cafezinho, seja pelo banheiro, a maior parte dos professore(a)s da escola dirige-se a ela

no horário do intervalo.

Apesar de não possuir as fronteiras bem demarcadas dos exemplos caricaturais

anteriormente mencionados (e duvidamos mesmo que um pouco mais de atenção não nos

mostraria também nos exemplos a complexidade inerente às situações de trabalho),

consideramos a sala de professore(a)s como situação trabalho, porque nos possibilita

extrapolar os limites de sua organização física e nos permite vislumbrar, além de atividades

que podem ser facilmente associadas ao trabalho docente, outros componentes como a

constituição de um coletivo de trabalho, capaz de planejar ações de diferentes ordens, a

ação das coerções sobre os atores do trabalho.

73

Capítulo 3 |

Cenografias do trabalho docente

No capítulo anterior, tratamos dos diferentes aspectos metodológicos relativos à

escolha do cenário de estudo. Ressaltamos a insuficiência do funcionamento

tradicionalmente estabelecido para a discussão metodológica. Romper com certas

estratégias de apagamento do trabalho do pesquisador constituiu-se a tônica de algumas de

nossas preocupações. Em seguida, procuramos mostrar que o que chamamos de cenário de

estudo corresponde a um cruzamento de espacialidades e temporalidades diversas.

No presente capítulo, destacamos os diferentes modos de articulação das interações

ocorridas na sala de professore(a)s, enfatizando as razões que nos conduziram à opção pelo

mural como campo produtor de pistas para a análise. Insistimos, para isso, na

desnaturalização do mural como mero “veículo de transmissão de informações”,

considerando-o como um dispositivo produtor de disciplinamento do trabalho docente.

Optar pelo mural significa reconhecer, sobretudo, que não há uma relação linear

entre os textos afixados nele e as interações orais (sejam elas conversas, debates, ou

informações dadas oralmente) ocorridas na sala de professore(a)s. Com efeito, a articulação

complexa entre os textos do mural e as interações orais nos permite pensar o confronto

74

entre os diferentes textos como produtor de narrativas do trabalho docente, confrontando de

diferentes modos “expectativas”, prescrições, saberes. Tal ponto de vista emerge inspirado

em nossas leituras foucaultianas, com destaque para o livro “Eu, Pierre Rivière, que degolei

minha mãe, minha irmã e meu irmão”.

Em seguida, descrevemos o material “recolhido”, no curso dos oito meses de

observação empírica realizada na sala de professore(a)s, agrupando-o em gêneros do

discurso25. Consideramos que a produção / circulação de textos no mural institui-se a partir

de uma dispersão dos enunciadores validados pelos diferentes gêneros. Ao serem retirados

de seus contextos “habituais” de circulação, esses diferentes gêneros fazem ver que seu

deslocamento em relação ao seu suporte “original” provoca alterações na totalidade do

gênero.

O esforço de desnaturalização do mural como “transmissão de informações” nos

permitiu compreender seu funcionamento como o de um dispositivo de disciplinamento do

trabalho docente. Assim, procuramos evidenciar certos modos de funcionamento,

enfatizando alguns de seus aspectos, entre eles, a tensão existente nos modelos de mural

como “transmissão de informações” ou “produção de saberes”, o confronto nos modos de

constituição de imagens de trabalhador como co-enunciador dos textos do mural, o mural

como prescrição para o trabalho docente.

1. Por que o mural da sala de professore(a)s

No capítulo anterior, discutimos a chamada crise da escola, à luz das reflexões de

Foucault (2004a) acerca das instituições disciplinares, e de Deleuze (2005), a respeito da

colonização de tais instituições por estratégias de controle, levando esse autor a analisar de

que modos as instituições que se espalharam por todo o tecido social nos séculos XVIII e

XIX – constituindo o que Foucault (2004a) chamou de sociedades disciplinares – foram

sofrendo transformações no sentido de estender o exercício do poder para além da

vigilância, através do controle.

A partir de tal ponto de vista, podemos compreender a “crise” não como uma

deficiência no funcionamento dessas instituições, mas como um modo próprio de operar.

25 A noção de gênero do discurso aqui adotada remete à sua definição em Bakhtin (2000) e aos critérios de agrupamento dos textos elaborados por Maingeneau (2001).

75

Essa idéia de deficiência geraria um movimento próprio a essas instituições de ter sempre

de se reformar, aumentar sua eficiência, agir com mais intensidade sobre os corpos. Em

Vigiar e Punir, seu autor já expunha o problema da prisão, que não servia como instituição

de reabilitação dos presos, mas sim como uma máquina de produção da delinqüência

(Foucault, 2004a).

Nesse sentido, a arquitetura da escola é gerenciada para fazer ver mais e melhor.

Corredores, salas de aula, pátios, refeitório, cada espaço deve ser dotado de certos

dispositivos, de dadas estratégias que permitam a vigilância e que, principalmente, façam

os indivíduos se sentirem observados. Sobre o espaço escolar, Costa afirma que “neste

espaço físico, cronometricamente pensado para produzir ordem, os alunos deviam mover-

se obedecendo a um tempo não menos rígido e calculado” (Costa, 1999, p. 182).

O capítulo anterior tratou, de algum modo, de explicitar que também o trabalho

do(a) professor(a) obedece a um tempo rígido e calculado, cujas jornadas se estendem por

diversas outras atividades que não aquelas que são classicamente identificadas com seu

trabalho: as interações ocorridas em sala de aula. Mencionamos a sala de professores como

um espaço inserido nessa mesma lógica docilidade-utilidade, própria ao poder disciplinar.

Diferente do que se possa imaginar, na sala de professore(a)s o(a)s profissionais não

encontram um espaço de descanso, mas de atividades e de prescrições distintas daquelas

que circulam na sala de aula. De qualquer modo, acabam por fazer daquele espaço-tempo

situação de trabalho.

Justificamos, a partir desses elementos, nossa opção pela sala de professore(a)s

como espaço-tempo de nossa pesquisa de campo. As observações iniciaram-se em abril de

2005 e se prolongaram até dezembro do mesmo ano. Comparecemos à sala de

professore(a)s, no horário do recreio, duas vezes por semana, durante o período de oito

meses em que transcorreram nossas observações.

Nesse período, estivemos munidos de um "diário de bordo", em que registrávamos

as interações ocorridas na sala de professore(a)s. A nosso ver, um diário de bordo é espaço

para o registro de descrições e também de impressões e dúvidas. Não basta estar de posse

do detalhamento da descrição do movimento de textos no quadro de avisos. Problematizar

seu funcionamento como mero “veículo de informações” precisa vir acompanhado,

portanto, de um conjunto de observações que dêem conta dos modos de funcionamento do

76

quadro de avisos: quem está autorizado a enunciar utilizando-o como mídium, a freqüência

de aproximação e leitura dos textos afixados pelos co-enunciadores, associados a que rede

de práticas discursivas e não discursivas se dão seus modos de funcionamento.

Nesse sentido também às dúvidas é preciso atribuir um certo lugar de destaque. Há,

naturalmente, aquelas que tratam de aspectos mais elementares, tais como a data de

publicação de algum texto, por exemplo. A essas podemos responder em seguida com

alguma tranqüilidade. Há outras, porém, que não tratam de aspectos meramente pontuais e

merecem algum destaque. Fazemos referência aqui a um tipo de dúvida que pode tornar

mais explícito um diálogo do pesquisador que tenha a ele próprio como co-enunciador,

integrante da dinâmica de aproximação / afastamento da experiência necessária à

compreensão de suas implicações no jogo dessas interações.

Ao tratarmos dessas dúvidas mais de fundo, queremos explorar a idéia, nos limites

de uma reflexão desse tipo nesse trabalho, de que uma observação realizada no âmbito das

ciências humanas não pode se constituir tal qual os modelos de distanciamento e “assepsia”

na produção de conhecimento próprios das observações em laboratórios. Se acreditamos

que, ao longo de uma observação, não se estabelece unicamente a relação observador-

observado, há dúvidas que podem remeter exatamente aos conflitos oriundos da dinâmica

de lugares atribuídos na observação, que certamente atravessam qualquer enunciação sobre

ela. O pesquisador encontra-se sempre no jogo das interações sociais. O afastamento,

portanto, não é constitutivo da observação, mas uma das estratégias que podem ser

assumidas ao longo do percurso.

1.1 Usos do mural

No período em que freqüentamos a sala de professore(a)s, chamou-nos especial

atenção o lugar atribuído ao quadro mural. Trata-se de um quadro de madeira, coberto, em

toda a sua extensão, por um feltro verde, como os diversos quadros murais com os quais

estamos habituados a conviver em espaços escolares, repartições públicas em geral,

hospitais, escritórios, recepções.

Assim sendo, antes de explicitarmos as justificativas utilizadas na opção pelo

quadro mural como campo produtor de pistas para análise, faremos uma breve descrição de

usos habituais desse tipo de “recurso”.

77

Como dissemos acima, o recurso ao quadro mural compõe um certo conjunto de

experiências cotidianas partilhadas por todos nós. A existência do quadro mural chega a ser

característica de algumas instituições, como a própria escola. É possível mesmo freqüentar

esses espaços e não notar sua existência. Recorremos a ele apenas quando desejamos uma

informação ou precisamos dela. Caso contrário, a impressão que temos é a de que podemos

prescindir de tal objeto.

Talvez por naturalizarmos sua existência, por pressupormos que ele sempre esteve e

estará lá, quando precisarmos dele, é que não nos questionamos sobre quem o teria posto

naquele local, respondendo a que necessidades ou expectativas, por que razões o teria feito,

ou ainda quem estaria responsável por mantê-lo atualizado.

Com o intuito de colaborar na desnaturalização dos usos do mural, procedemos a

um levantamento em uma página de busca na Internet, recolhendo instruções de uso,

explicações a respeito do mural, ou mesmo menções a sua utilização.

1.1.1 O mural como metáfora em ambientes virtuais

Demos como entrada, na página de busca, as seguintes palavras-chave: “quadro-

mural”, “mural”, “o que é mural”. Em todas elas, os resultados nos encaminhavam a

algumas centenas de páginas. Na maior parte das ocorrências, tratava-se da referência aos

murais constantes em páginas eletrônicas. Tais murais são utilizados como espaço de

diálogo entre os usuários e o provedor da página. Neles são “afixadas” perguntas com as

dúvidas de seus usuários, seguidas das respostas dadas pelo provedor. Algumas chegam

mesmo a pôr em cena um espaço delimitado com moldura, de fundo verde (simulando a

cobertura habitual de feltro desse tipo de “recurso”) ou marrom (aproximando-se dos

modelos compostos por cortiça).

Nesses exemplos, o mural encena um diálogo entre indivíduos (é possível também

que a pessoa responsável pela manutenção da página eletrônica fale não em nome próprio,

mas como representante de uma empresa ou entidade), cuja divulgação é pública. Ou seja,

qualquer um que tenha dúvidas, reclamações, ou questões de outra ordem a colocar terá

acesso às trocas de mensagens anteriores. Tal interação pressupõe coenunciadores em

situações de enunciação distintas.

78

Além de pôr em cena um dado funcionamento democrático da página, ou mesmo da

instituição à qual ela está vinculada, como um todo, já que, nessas seções, pode-se ter

acesso aos elogios, mas também às críticas, o fato de o diálogo entre os coenunciadores

poder ser visto por outros usuários da página produz sentidos relativos à aparente

transparência de suas ações. O espaço democrático garantido e a transparência de suas

ações contam com o usuário da página, mesmo que sem lançar mão de tais recursos, como

testemunha. Percebe-se assim uma importante estratégia do mural, ao mesmo tempo em

que se legitima como espaço democrático e afeito à transparência, assegura o leitor como

sua testemunha.

1.1.2 O mural como “recurso” institucional para a aprendizagem

Seguindo em nossa busca virtual, encontramos alguns manuais que se propõem a

prescrever a utilização do quadro mural como “recurso” pedagógico. Entre eles, havia um

proveniente de uma instituição militar.

No referido manual, o mural é compreendido como um “recurso” de comunicação

entre “instrutor-instruendo”. Cabe ao instrutor sua utilização, associando a ele diferentes

recursos visuais e materiais com uma finalidade determinada: “motivar os instruendos”.

Nesse manual, o mural se define da seguinte maneira:

“Os quadros murais são um valioso recurso para auxiliar o processo ensino-aprendizagem, uma vez que facilitam a comunicação instrutor-instruendos e contribuem para motivar os instruendos. Podem ser fixos ou móveis ou então afixados em quadros ou em cavaletes específicos26”.

O mural, como recurso pedagógico em instituições militares, tem um projeto bem

definido: acessório de comunicação do instrutor, tem como finalidade gerar um conjunto de

motivações no instruendo. Para atingir tal finalidade, o manual prescreve procedimentos

básicos de utilização do mural:

“(1) Preparar um esboço prévio, atentando para a disposição do que conterá o quadro mural; (2) Usar letreiros nítidos que permitam a leitura sem esforço; (3) Utilizar ilustrações atraentes;

26 Fragmento extraído da página eletrônica, http://www.easa.eb.mil.br/paginas/manual_instrutor/cap_5.html com acesso realizado em 18-06-2006.

79

(4) Utilizar recursos como barbante, fitas, setas e linhas coloridas para caracterizar a idéia de fluxo ou seqüência, quando for o caso; (5) Manter o quadro mural atualizado; (6) Utilizar legendas simples e objetivas; (7) Fixar o quadro mural a uma altura conveniente, para que todos os instruendos possam ver; e (8) Dar tempo suficiente para que possa ser lido”.

1.2 O mural como “acesso a uma dada massa de textos”

Como já dissemos no capítulo anterior, para uma perspectiva discursiva, a idéia de

“coletar” enunciados ou textos produz sentidos indesejáveis a respeito do trabalho do

pesquisador. Desse modo, compreendemos a opção pela observação empírica como um

dispositivo de co-produção de sentidos. O que habitualmente é percebido como “captação”

de sentidos reforça, sobretudo, a idéia de que tais sentidos existiriam previamente,

residindo nos objetos independentemente da presença do pesquisador. Isso, a nosso ver,

garante-se através de certas estratégias que, ao mesmo tempo em que legitimam tal pré-

existência dos sentidos frente à presença do pesquisador, validam a imparcialidade e a

neutralidade como constitutivo do referido ponto de vista.

Neste item, seguiremos com o esforço de desnaturalizar o mural, retirá-lo do lugar

convencionalmente atribuído a ele, qual seja: o de um mero veículo de informações.

Agora, pensando-o como um dispositivo de acesso a enunciações anteriores e a certos

pressupostos sobre o trabalho docente que têm na sala de professores seu contexto

privilegiado de produção / circulação de textos.

Para isso, é necessário considerar que, quando alguém afixa algo no mural, de

algum modo dialoga com certos pressupostos acerca do trabalho docente. Como exemplo,

diríamos que, quando alguém afixa um texto sobre gravidez na adolescência, deve-se supor

que, de algum modo, os profissionais que circulam por aquele espaço, ou seja, os

professores da escola, estariam implicados com esse tema. Em se tratando de uma escola de

Ensino Médio, cujo corpo discente é formado basicamente de adolescentes, provavelmente

tal texto não pretende que os professores estejam apenas “informados”, mas que

desenvolvam algum grau de compromisso com o tema, levando-o para a sala de aula.

Como afixar textos no mural, simultaneamente, produz e pressupõe um conjunto de

pré-condições (o hábito de ler os textos do mural por parte dos profissionais, a expectativa

80

de que tais textos sejam importantes profissional ou pessoalmente, necessidades de

conhecimento relativo a certos temas, possibilidade de alguém “alimentar” o mural com

textos, entre outros aspectos), consideramos tal atividade como a enunciação de certos

saberes que se supõem necessários ao trabalho docente.

A partir de tal ponto de vista, não podemos atribuir à afixação de cada um dos textos

um certo jogo de causalidades lineares, tentando fazer corresponder a cada texto uma

intenção. De fato, ao tratarmos a atividade de afixar textos no mural como enunciação,

devemos considerar a emergência dos textos como “irrupção de acontecimentos”

(Foucault, 2004b, p. 28), que constituem “um elo da cadeia muito complexa de outros

enunciados” (Bakhtin, 2000, p. 291). Não há, portanto, uma correspondência biunívoca,

mas um jogo em que combates de diferentes ordens e saberes de diversos níveis cruzam-se.

Assim, optar pelo mural como campo produtor de pistas para análise implica não

somente a explicitação dos critérios adotados em relação ao tempo de observação e aos

diferentes elementos lingüísticos considerados na construção do córpus. É necessário

também compreender o lugar conferido ao mural no jogo complexo de interações ocorridas

na sala dos professores. Ao fundamentar a escolha do mural como fonte da produção /

circulação de textos da presente pesquisa, aproximaremos idéia de “acesso a dada uma

massa de textos” formulada por Rocha, Daher e Sant’Anna (data) para tratar da entrevista

em situação de pesquisa acadêmica. Nosso objetivo com tal aproximação constitui-se em: i.

sustentar a “coleta de textos” do mural como um dispositivo enunciativo; ii. dar visibilidade

à intervenção do pesquisador em tal atividade.

Em relação ao primeiro objetivo, diríamos que, de alguma forma, retomamos o que

já foi dito acima acerca da idéia de coletar dados ou textos. De um ponto de vista

enunciativo, trabalhar com os textos do mural não se restringe a retirá-los do mural,

providenciar cópias e afixá-los novamente. Há uma reflexão prévia acerca do lugar

conferido a tal dispositivo de circulação de textos no conjunto das interações realizadas na

sala dos professores. A própria existência de uma sala dos professores, em detrimento de

uma sala dos funcionários, por exemplo, contribui para a compreensão do mural como

dispositivo de circulação de textos que não pode ser ignorada.

O segundo objetivo é, portanto, desdobramento do anterior, na medida em que

propõe que o conjunto de reflexões destacadas acima seja explicitado como intervenção do

81

pesquisador. Trata-se de um esforço no sentido de afastar a idéia de que o pesquisador

simplesmente “coleta” algo que o preceda. Ao optar pelo mural, para nos mantermos nos

marcos deste trabalho, compreendemos tal escolha como um diálogo entre o pesquisador e

o conjunto de situações de enunciação ocorridas em tal espaço. A proposta de o acesso aos

textos produzidos por tais enunciações restringir-se ao mural precisa ser entendida como

intervenção.

A respeito da opção pela utilização da pesquisa como dispositivo de acesso a uma

dada “massa de textos”, Rocha, Daher e Sant’Anna (2004) afirmam que:

“Para abordar a entrevista no âmbito da pesquisa acadêmica, partimos da evidência de diferentes textos que circulam em espaços e suportes variados (impressos, conversas cotidianas, interações sistemáticas ou casuais, de mais fácil ou mais difícil acesso, etc.) e que se revelam, por extenso, indicadores da existência de diferentes comunidades discursivas. A referida evidência da existência desses textos é que nos possibilita ingressar em uma atividade de pesquisa: só se propõe, por exemplo, a realização de uma entrevista no curso de uma pesquisa quando se sabe que determinado(s) texto(s) existem(m) no universo de discursos produzidos” (Rocha, Daher e Sant’Anna, 2004, p. 169).

Desse modo, ao optarmos pelo mural como campo produtor de pistas para a análise

estamos pressupondo que haja uma “massa de textos”, um conjunto de interações sendo

produzido na sala de professore(a)s, dos quais o mural representa um possível recorte. A

própria existência do mural já pressupõe uma escolha de alguns entre tantos outros textos,

que circulam por outros momentos e em outros espaços, tendo como referência um certo

propósito comunicativo de falar ao(à)s professore(a)s. Assim como a escolha de alguns

entre tantos outros textos pressupõe um certo funcionamento do mural, põe em ação seu

propósito comunicativo, a seleção a que procedemos desses textos não pode ser

compreendida como uma simples “coleta”, mas como uma “nova situação de enunciação”

que viabilizará a construção de um outro textos, de uma outra possibilidade de falar sobre o

trabalho docente.

Rejeitando a entrevista como “captura da verdade do entrevistado”, os referidos

autores consideram a entrevista como um dispositivo complexo, atribuindo-lhe três

momentos:

82

“• o momento da preparação da entrevista: momento em que, lançando mão dos saberes que possuímos acerca do outro e com base em objetivos determinados, produzimos uma espécie de ‘roteiro’ condutor de algo que se poderia considerar uma ‘interação antecipada’ com o outro que se pretende entrevistar; • momento da realização da entrevista: situação que estará assentada nas bases definidas por um roteiro, responsável por atualizar, sob o signo da interação entrevistador-entrevistado, textos já produzidos anteriormente em diferentes situações de enunciação; • momento que se segue à entrevista: situação na qual o pesquisador estará em condições de finalmente decidir sobre um córpus sobre o qual trabalhará, a partir do conjunto de textos produzidos” (Rocha, Daher e Sant’Anna, 2004, p. 177).

Por analogia aos três momentos definidos anteriormente, as etapas de coleta e

seleção dos textos escolhidos para a análise se configuraram a partir de um processo de

reflexões. A opção pelo mural é o primeiro desses momentos. No entanto, cabe esclarecer,

à luz do que os referidos autores tratam a respeito da entrevista, a própria escolha do mural

é motivada por alguns pressupostos. Nossa tarefa é explicitá-los (conforme o fizemos no

item anterior) e discutir sua relevância no que tange aos objetivos propostos por esta

pesquisa.

Em nosso caso, o momento de preparação para a seleção de textos do mural

representa o conjunto de questionamentos elaborados acerca desse dispositivo

aparentemente de “transmissão de informações”. Essa problemática do suporte nos

mobilizou na primeira etapa.

Em seguida, procedemos à coleta do material ao longo de oito meses de observação

empírica. Essa coleta envolveu ainda um conjunto de anotações em nosso diário de bordo

acerca dos contextos de emergência de cada um desses textos.

No terceiro momento, deu-se início a uma leitura detalhada dos textos, atentando

sobretudo para possíveis entradas lingüísticas que dessem conta dos objetivos aqui

propostos. Esse é o momento de elaboração de critérios e de construção do córpus de

análise.

83

2. A construção do córpus de análise

Neste item, descreveremos o movimento de circulação de textos observados, dando

ênfase aos critérios utilizados na construção do córpus de análise. Em relação ao

funcionamento do mural, não há combinado ou regra explícita sobre a sua utilização, ou

seja, não se prevê quem pode ou não atualizar os textos do mural.

Desde o início do ano, o quadro mural encontrava-se ornamentado com uma barra

interna, acompanhando toda a moldura, um personagem representado por uma formiga27 e

duas flores coloridas. Todos esses elementos enumerados anteriormente foram produzidos a

partir de recortes de cartolina colorida, cuidadosamente montados no mural, afixados com

grampos. Além desses objetos em cartolina, observamos dois pequenos textos, com letras

grandes impressas em uma folha branca, recortada de tal modo que parece constituir-se em

um balão de fala do "Smilingüido".

Como já dissemos, realizamos nossas observações acompanhados de um "diário de

bordo", em que registrávamos a ocorrência dos textos no mural, com as respectivas datas.

Se considerarmos o conjunto dos textos observados, encontramos um número bastante

razoável de textos – cerca de trinta e cinco, se incluirmos nessa contagem também os que

não compõem nosso córpus de análise. No entanto, se levarmos em conta que nosso

período de observações abrangeu oito meses, perceberemos a freqüência de menos de cinco

textos por mês. Surpreendeu-nos ainda a permanência dos textos no mural por períodos

prolongados. A maior parte dos textos afixados até o recesso do mês de julho permaneceu

no mural durante todo o primeiro semestre.

2.1 Os critérios de delimitação do córpus

Ao falarmos dos critérios de delimitação do córpus, há uma série de aspectos que

devemos levar em consideração e que vão, gradualmente, produzindo recortes,

especificações, enfim, um conjunto complexo de elementos que restringem um dado

percurso de diálogo com as interações.

Há textos que tematizam o trabalho do(a) professor(a) circulando em diferentes

contextos. Nesta pesquisa, o cotidiano de trabalho desse(a)s profissionais pareceu-nos

27 Trata-se de uma formiga personificada, retratada em cartões e histórias em quadrinho de inspiração religiosa. As falas atribuídas a esse personagem, nos cartões e HQ, são enunciados extraídos da Bíblia cristã.

84

constituir um espaço importante de diálogo. Na escola, optamos pela sala de professore(a)s

como contexto de produção / circulação de textos distintos daqueles com que habitualmente

lidamos na sala de aula.

Agora, cabe discutir a elaboração de critérios que nos permitam perceber quais dos

textos que circularam pelo mural poderiam dialogar com as questões colocadas por esta

pesquisa de maneira que pudéssemos refletir adequadamente acerca da produção /

circulação de imagens discursivas do trabalho docente.

De antemão, anunciamos que, de uma perspectiva discursiva, o critério da

quantidade ou a freqüência de textos sobre um ou outro tema, interpelando o profissional

dessa ou daquela maneira, não se sustenta. O que nos interessa são textos que nos permitam

discutir os diferentes modos de falar ao(à)s profissionais em situação de trabalho, bem

como os saberes que se pressupõem necessários para o seu trabalho.

O conjunto de textos observados abrange uma diversidade considerável, tal como

podemos notar na seguinte descrição: textos administrativos de circulação institucional –

como o mapa de controle de freqüência, comunicados oficiais, textos transcritos do Diário

Oficial –, de circulação restrita à escola – como as circulares, os bilhetes –, textos

publicitários – cartazes de divulgação de livros didáticos, anúncios de promoções de

eletrodomésticos –, textos retirados de jornais – notícias que tematizam o trabalho do(a)s

profissionais de educação, a gravidez na adolescência, os casos recentes de corrupção de

parlamentares, conhecidos como "mensalão" –, poema, textos políticos – que tratam da

legislação trabalhista e da organização político-sindical do(a)s profissionais.

Sabemos que todos os textos que figuraram no mural no período de nossas

observações constituem material importante para compreender os diferentes modos de

produção / circulação de saberes do trabalho docente, na sala de professore(a)s. Por

exemplo, a presença de um artigo de jornal abordando o episódio recente da política

nacional em que parlamentares e ministros vinculados ao governo federal são acusados de

corrupção (episódio que ficou conhecido como “mensalão”) fala-nos de um mural que

pressupõe a existência de um leitor que se interessa (ou se deseja que assim o seja) por

questões que, ao menos aparentemente, extrapolam seu cotidiano mais imediato. O referido

texto, assim como vários, evidenciam uma dimensão importante do mural, não interpelam

85

seus leitores apenas como professore(a)s de uma determinada escola, mas também como

cidadãos, membros de uma determinada categoria, etc.

Com efeito, um texto que tematiza o episódio conhecido como “mensalão”

interessa, em consonância com os objetivos propostos por esta pesquisa, apenas

indiretamente, na medida em que nos chama a atenção para um funcionamento do mural

distinto daquele que se poderia esperar.

Diante de tal diversidade de material, compreendemos assim a necessidade de

elaborar critérios que nos permitissem confrontar esse conjunto de textos. Desse modo, o

primeiro critério elaborado considerou a temática trabalho, em geral, não se restringindo ao

trabalho docente. A opção por não especificar de antemão o tema trabalho docente deve-se

ao fato de que, em se tratando de uma escola pública, podem circular no mural leis ou

resoluções que tratem não apenas do trabalho do(a) professor(a), mas do funcionalismo

público, em geral. Nesse caso, o(a)s professore(a)s constituem parte de um grupo mais

geral.

Tal critério incluiu os seguintes gêneros do discurso: mapa de controle de

freqüência, notícia de jornal, cartaz publicitário, circular, nota informativa.

No mapa de controle de freqüência, consta a lista de profissionais lotados na escola

ordenados pelo número de matrícula, da mais antiga à mais recente. Em tal mapa, como seu

próprio nome o revela, registra-se a freqüência de cada um(a) do(a)s profissionais,

mensalmente. Consideramos que cada código atribuído à freqüência do(a)s profissionais

representa uma enunciação que tem como finalidade falar sobre o trabalho do(a)s

professore(a)s, atestando sua freqüência.

Já em relação ao gênero notícia de jornal, estamos considerando como parte de

nosso córpus de análise quatro textos que tratam dos seguintes temas: a mudança nas regras

do Programa “Nova Escola” de gratificação do(a)s profissionais de educação da rede

pública, instituído pelo governo do estado em 1999; agressão ao(à)s profissionais de

educação por parte da polícia militar do estado do Rio de Janeiro, durante manifestação

ocorrida em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo estadual; substituição dos

tradicionais quadros-de-giz por quadros brancos, nas escolas da rede pública estadual; falta

de verbas relativa ao aumento do funcionalismo público estadual. Seja tratando diretamente

das condições do trabalho, através das questões relativas à remuneração (conforme as

86

notícias sobre o Programa “Nova Escola” e sobre a suposta falta de verba para conferir

aumento salarial ao funcionalismo público), ou de aspectos infra-estruturais (conforme a

notícia sobre a substituição dos quadros-de-giz por quadro brancos), seja falando sobre elas,

indiretamente, noticiando as manifestações realizadas pelo(a)s servidore(a)s, a temática que

atravessa todas essas notícias vincula-se ao trabalho do(a)s profissionais de educação.

No gênero cartaz publicitário, consideramos pertinentes os textos de publicidades de

livros didáticos, excluindo-se assim, por exemplo, propagandas de eletrodomésticos.

Quanto à circular e à nota informativa, ambos os textos remetem a prescrições para

o trabalho, seja determinando datas de prova, de recuperação, de conselho de classe, seja

estabelecendo processos relativos à licença prêmio e à movimentação de servidores.

O segundo critério elaborado para a definição dos textos que compõem o córpus de

análise estabelece a necessidade de uma marca lingüística que identifique o(a)s

profissionais de educação, em geral, ou o(a)s professore(a)s, em particular, como

interlocutores prioritários dos textos afixados no mural. A partir de tal critério estariam

incluídos a resolução, o bilhete e o panfleto. Embora alguns bilhetes tematizem de modo

mais explícito o trabalho docente, tal temática nem sempre encontra-se em evidência no

texto. Há um bilhete que simplesmente convoca alguns professores a comparecerem ao

SOP (Serviço de Orientação Pedagógica).

Diante desses dois critérios mais gerais, ainda assim houve textos importantes, que

estariam incluídos em nosso córpus. Nesse sentido, consideraremos uma justificativa que

não se pauta pela temática, ou mesmo por certas marcas lingüísticas, mas que atentam para

o funcionamento de tais textos com o intuito de incluí-los no corpus de análise.

Esses textos são os versículos bíblicos e o poema “o analfabeto político”, de Brecht.

Sustentamos que tais textos devem permanecer entre os que compõem nosso córpus de

análise. Primeiro, em relação ao versículo bíblico, ele faz parte da ornamentação do mural.

Esse é, portanto, o único texto que permaneceu ao longo de todo o ano. Além disso,

implicitamente, trata de uma certa moral para o trabalho. Neste sentido, esse texto tematiza,

mesmo que implicitamente, o trabalho, em geral. Estando ele no mural, fazendo parte de

sua ornamentação, naquele contexto de circulação, constrói como seu interlocutor o

docente que se encontra na sala de professore(a)s.

87

Já o poema “O analfabeto político”, apesar de não se dirigir explicitamente ao(à)s

professore(a)s, nem tematizar o trabalho docente, é afixado no mural em um período em

que a rede estadual estava promovendo paralisações periódicas. Havia, portanto, um debate

aberto na escola acerca da adesão dos profissionais e sua participação em atividades de rua

e assembléias. Nesse período, consideramos que houve uma seqüência, cronologicamente

organizada, de três textos: o primeiro deles é o poema, seguido de dois panfletos, um que

trata da inconstitucionalidade de aplicar o código 61 como punição aos grevistas e outro

que pretende fazer uma avaliação das mobilizações ao longo do ano. É por figurar nessa

seqüência que sustentamos que esse texto deva figurar no córpus de análise.

2.2 Critérios de agrupamento dos gêneros do discurso28

Neste item, procuraremos, em um primeiro momento, recuperar alguns dos aspectos

fundamentais da noção de gênero do discurso, a partir de uma perspectiva bakhtiniana, e

discutir a proposta de critérios de definição dos gêneros, apresentada por Maingueneau

(2001). Em seguida, passaremos à descrição dos gêneros encontrados, considerando essa

proposta de critérios.

A noção de gênero do discurso em Bakhtin insere-se em sua preocupação de

apresentar meios para que os estudos da linguagem possam dar à linguagem em uso

enfoque de objeto científico. Isto, está claro, vai na contramão daqueles que propunham ser

a estrutura imanente às realizações o centro de suas reflexões. Para o autor russo, considerar

um enunciado isoladamente remete ao individual. Tal remissão, para os padrões científicos

da época, poderia ser considerada de cientificidade duvidosa. Com o objetivo de se

defender dessa “acusação”, afirma perceber, entre as realizações da língua e as esferas da

atividade às quais estão vinculadas, a elaboração de “tipos relativamente estáveis de

enunciados” (Bakhtin, 2000, p. 280).

É essa estabilidade relativa da produção de enunciados associada às diferentes

esferas da atividade humana que permite superar o ponto de vista segundo o qual a

linguagem em uso seria heteróclita e, portanto, não se viabilizaria como objeto científico.

É necessário ressaltar que, para salientar a relativa estabilidade das realizações

lingüísticas, essas realizações devem estar indissociavelmente ligadas às diversas esferas da

28 Os textos que constituem o córpus da apresente pesquisa constam nos anexos 1 e 2.

88

atividade humana. A respeito dessa observação, vejamos o que o próprio Bakhtin nos diz:

“A utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais ou escritos), concretos e

únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”

(Bakhtin, 2000, p. 280).

O referido autor oferece ainda três elementos que, associados, comporiam o todo de

um gênero do discurso. São eles o conteúdo temático, o estilo e a construção

composicional. A idéia de que o todo do gênero é representado pela fusão desses três

elementos, entre outros aspectos, distancia-se do uso que o formalismo russo fez do

conceito de gêneros literários, os quais eram identificados como resultado, o último

elemento da dissecação dos textos. Os gêneros literários seriam como o somatório de certas

estruturas.

Para Bakhtin, uma vez que a comunicação verbal se dá por gêneros dos discursos,

esses tipos relativamente estáveis permitem que o interlocutor tenha uma posição ativa na

interação. A compreensão do gênero a que pertencem os enunciados confere às produções

de linguagem uma totalidade e é essa noção de acabamento do gênero que possibilita a

troca na interação verbal.

“É necessário o acabamento para tornar possível uma reação ao enunciado. Não basta que o enunciado seja inteligível no nível da língua. Uma oração totalmente inteligível e acabada, se for uma oração e não um enunciado – constituído de uma única oração – não poderá suscitar uma reação de resposta: é inteligível, está certo, mas ainda não é um todo” (Bakhtin, 2000, p. 299).

A articulação entre a idéia de indissociabilidade dos três aspectos que compõem o

gênero (o conteúdo temático, o estilo e a construção composicional) e a de acabamento dos

gêneros tem como desdobramento o modelo de interação verbal em que a relação entre os

interlocutores não é de mão única, como propõem certos esquemas comunicacionais. Não

são, portanto, mensagens que se transmitem, mas enunciados que se estabilizam em dado

contexto sócio-histórico.

O co-enunciador, para Bakhtin, assume uma postura que ele chama de compreensão

responsiva ativa. Assim, o interlocutor não é mera instância de recepção passiva de

enunciados aos quais responderia somente após seu processamento. A compreensão possui

um elemento de resposta. Ao concordar, discordar, completar, interromper, retirar-se, o co-

enunciador manifesta-se ativamente.

89

Dito isto, acerca da noção de gênero do discurso em Bakhtin, é preciso ainda, para

finalizar, dizer que, na interação verbal, se o co-enunciador não é mera instância de

recepção, o enunciador também não pode ser considerado ponto original de uma

determinada troca. Para dar conta deste aspecto, Bakhtin irá arrematar, afirmando que...

“o próprio locutor como tal é, em certo grau, um respondente, pois não é o primeiro locutor, que rompe pela primeira vez o eterno silêncio de um mundo mudo, e pressupõe não só a existência do sistema da língua que utiliza, mas também a existência dos enunciados anteriores – emanantes dele mesmo ou do outro – aos quais seu próprio enunciado está vinculado por algum tipo de relação (...)” (Bakhtin, 2000, p. 291)

Passemos agora à proposta de critérios para definição de gêneros do discurso

elaborada por Maingueneau (2001). Tal proposta é motivada por insuficiências de pontos

de vista que consideram ou apenas tipologias enunciativas, ou somente tipologias

comunicacionais/situacionais. De um lado, as tipologias enunciativas parecem não levar em

conta a inscrição social da atividade enunciativa. Por outro, as tipologias

comunicacionais/situacionais não consideram o funcionamento lingüístico dos textos.

Como proposta de superação das insuficiências apontadas em ambos os modelos,

Maingueneau salienta que tipologias discursivas deveriam procurar articular um dado

funcionamento lingüístico com sua inscrição social.

A partir da noção de gêneros do discurso elaborada por Bakhtin, Maingueneau

(2001) propõe cinco critérios para conceber um gênero. São eles:

a. uma finalidade reconhecida;

b. o estatuto de parceiros legítimos;

c. o lugar e o momento legítimos;

d. um suporte material;

e. uma organização textual.

Ao considerar em sua proposta, tanto aspectos comunicacionais/situacionais como

os das letras “a”, “b”, “c” e “d”, quanto aspectos lingüísticos como “e”, Maingueneau

expressa a preocupação de superar, conforme explicitado acima, modelos que optem

somente por um ou outro aspecto da produção de linguagem. Com efeito, uma tal tipologia

discursiva contribuiria para não apartar, de um lado, uma inscrição social dos textos, e, de

outro, um dado funcionamento lingüístico correspondente.

90

A partir desses critérios, é possível notar que, quer tenham sido “retirados” de seu

contexto habitual de circulação, quer tenham sido produzidos para figurar no mural, o

suporte material dos gêneros atravessa a todos. Todos os gêneros, independente das

diversas motivações, puderam ser afixados no mural. Ao observarmos este critério sendo

articulado simultaneamente com os demais e não sendo tratado secundariamente,

procuraremos destacar de que modo esse aspecto se mostra, em dadas circunstâncias como

estruturador de certos níveis de lutas constitutivas do mural. O fato, portanto, de um gênero

ter sido, supostamente, retirado de seu contexto habitual de circulação promove um

deslocamento não só do suporte material, mas reconfigura os embates entre os parceiros da

comunicação, o tempo e o espaço da enunciação, etc.

Antes de passarmos à descrição dos gêneros encontrados e dos critérios de definição

de cada um deles, salientamos que há uma superposição da “finalidade reconhecida” de

cada gênero do discurso com uma espécie de finalidade geral do mural, sobre a qual já

falamos no item acima que trata do funcionamento do mural.

2.2.1 Gênero Mapa de Controle de Freqüência

O mapa de controle de freqüência é um dos gêneros que foram retirados de seu

contexto “habitual” de circulação. Trata-se de um documento oficial cuja enunciação se dá

entre a direção da escola e a Coordenadoria Metropolitana. Esta relação supõe que a

direção conhece e controla a freqüência de cada professor(a), em cada turno, de cada um

dos dias do mês. O que se constitui entre os parceiros é uma luta pela verdade, a partir de

saberes de vigilância. Ou seja, não basta o funcionário assinar o ponto, é preciso que haja

uma chefia que ateste sua presença tal qual fora declarado. Em particular, na escola

observada, além do cartão de ponto individual trimestral, a direção desenvolveu um outro

ponto diário.

Esse texto tem por objetivo notificar à Coordenadoria e a Secretaria de Estado a

freqüência dos profissionais de ensino daquela unidade. O que fora afixado no mural é a

fotocópia do original remetido aos órgãos oficiais.

O tempo dessa enunciação é periódico, ou seja, mensalmente o cartão de ponto

assinado pelos professores é “transcrito” para uma tabela, que tem em suas linhas os nomes

completos dos profissionais, seqüenciados por ordem crescente de matrícula. Essa forma de

91

organização tem como resultado o fato de a lista ser encabeçada sempre pela matrícula mais

antiga e que o último profissional é aquele de ingresso mais recente nos quadros da SEE.

Nas colunas, constam os dias do mês. O cruzamento entre ambos produz, em cada célula, o

código de freqüência de cada professor(a), em cada um dos dias do mês.

As paralisações ou greves com assinatura de ponto constituem um exemplo do

desencontro entre os documentos citados acima que teriam como finalidade produzir uma

dada interpretação do real. Neste caso, o(a) profissional grevista pode assinar o cartão de

ponto, uma vez que tal assinatura é assegurada legalmente; no entanto, ao transcrever o

período referente à greve ou às paralisações no mapa de controle de freqüência, as direções

são orientadas pela Secretaria de Educação a lançar o código 61 (equivalente a falta por

greve) ou mesmo o 30 (equivalente a falta simples).

2.2.2 Gênero Versículo bíblico

Conforme já dissemos anteriormente, este gênero faz parte da ornamentação do

mural. O embate que se constrói coloca o enunciador no lugar de alguém que fala em nome

de uma determinada doutrina religiosa e o co-enunciador, no lugar de fiel, seguidor daquela

doutrina.

Associando à idéia de sua permanência ao longo do ano, podemos perceber que

gêneros como os versículos bíblicos pretendem se instituir a partir de uma referência de

tempo indefinida, de modo que essa enunciação possa permanentemente se inscrever em

qualquer momento, parecer sempre atual. Tal enunciado pode ser posto em prática,

assumido como verdade a qualquer momento. Os dois textos pertencentes a esse gênero

caracterizam-se por serem curtos (extensão equivalente a uma frase) e se aproximarem de

uma enunciação proverbial.

2.2.3 Gênero Notícia de Jornal

Pertencentes ao gênero notícia há quatro ocorrências no mural, excetuando-se já

aqueles que, de acordo com o que foi anunciado acima, foram observados, mas não

compõem o córpus de análise. Essas quatro notícias tematizam os seguintes aspectos: o

Programa Nova Escola, que paga gratificação aos profissionais das escolas a partir de

critérios como prestação de contas, freqüência de alunos, aprovação/reprovação; a

92

substituição dos quadros de giz por quadros brancos; remuneração dos servidores estaduais;

paralisações e greves; negociação com governos de pauta de reivindicação, entre outros

aspectos.

Muito já se falou sobre a notícia de jornal29 e não nos caberia aqui pretender

qualquer definição mais elaborada desse gênero. Basta-nos acrescentar ao que foi dito

acima o fato de que a notícia estabelece como estatuto legítimo entre os falantes uma

posição privilegiada do enunciador-jornalista frente aos fatos e aos comentaristas

autorizados desses fatos 30.

2.2.4 Gênero Cartaz publicitário31

Observamos a ocorrência de dois cartazes publicitários, ambos vinculados a editoras

de livros didáticos. Este gênero pressupõe um enunciador que tenha um produto ou um

serviço a oferecer e um co-enunciador que se convença da necessidade ou desejo de

adquirir um produto ou fazer uso do serviço oferecido.

29 A esse respeito, consultar estudo minucioso realizado em manuais de redação e estilo de dois jornais distintos, bem como suas propostas acerca de possíveis definições para os gêneros jornalísticos a partir de uma perspectiva discursiva em Sant’Anna (2004).

30 Ao discutir as formas de apropriação do empírico pela imprensa escrita, Sant’Anna (2004) destaca a existência de tensão entre informar e/ou opinar, o que levaria a um cruzamento dos atos de fala. Por outro lado, ao tratar o jornal como suporte, é possível notar diferentes posições enunciativas sendo assumidas, o que, do ponto de vista macro, se caracterizaria como marca de heterogeneidade (Sant’Anna, 2004).

A autora passa, a partir dos aspectos levantados anteriormente, a procurar diferenciar o jornal de outras práticas linguageiras. Para isso, chama a atenção para a discussão de definição do jornal como gênero ou não.

“As restrições que a empiria impõe na caracterização do enunciador, do público-genérico, das formas de circulação, do suporte – bem como da distribuição interna que o organiza, definindo a paginação, os temas, os recursos verbais e não-verbais –, fazem-nos retornar à questão anterior, de saber se o jornal é um gênero” (Sant’Anna, 2004, p. 134).

Essa discussão acerca da existência de um gênero jornalístico leva à consideração de que, quando se pretende informar ou opinar, esse gênero se atualiza de forma independente. A autora considera ser possível identificar as coerções genéricas em dois planos:

• as características do suporte, que determinam uma certa organização de qualquer elemento que venha a ser atualizado num determinado veículo, e que estariam ligadas a um nível superior de discurso jornalístico, no qual se constata uma separação muito clara entre informar e opinar;

• o plano dos textos em estudo, os gêneros notícia, editorial e artigo –, isto é, as atualizações efetuadas, por meio do suporte, como a forma concreta de operacionalizar as coerções da ordem abstratas do nível superior, nas quais se constata que a separação entre opinar e informar não se dá de modo tão óbvio como se poderia esperar (Sant’Anna, 2004, p. 135).

É interessante notar, portanto, que a referida autora irá definir notícia em contraposição ao artigo e ao editorial, como “textos informativos em sentido lato (...), que não se pretendem opinativos, podendo ter ou não autoria definida” (Sant’Anna, 2004, p. 147). 31 Os enunciados relativos aos cartazes publicitários constam no Anexo 1. Embora tenham circulado em meio impresso, dado seu tamanho equivalente a duas folhas de A3, não conseguimos fazer cópia dos cartazes. Assim sendo, registramos os enunciados constantes neles e os transcrevemos para o anexo desta dissertação.

93

Uma publicidade pretende que o momento de sua enunciação corresponda à

necessidade ou ao desejo de consumo do produto ou serviço em questão. Já a referência

espacial vincula-se habitualmente aos espaços de seu consumo. Essa é uma das razões que

justificam o fato de observarmos dezenas de comerciais televisivos ou publicidades

impressas de cerveja cujo ambiente retratado seja uma praia e não o escritório de uma

empresa.

No que tange aos cartazes publicitários analisados, destaca-se o PNLEM e,

conseqüentemente, o momento de escolher o livro didático. Há um apagamento da presença

dos coenunciadores, talvez por pressupor que a escolha do livro didático seja realizada

apenas pelo(a) professor(a). Não se encontra também marca explícita de indicação do

momento da enunciação. Tal referência está implícita no anúncio de que teria chegado a

hora de escolher o livro didático. Assim como se deu em relação ao co-enunciador, é

possível que se pressuponha que faça parte do conhecimento prévio do(a) professor(a) o

fato de os livros didáticos do ano seguinte serem escolhidos ao final do ano anterior.

A nosso ver, a ausência de marcas explícitas que identifiquem o co-enunciador e as

coordenadas de tempo da enunciação dos cartazes evita restringir o perfil e estabelecer

pressupostos que possam conduzir a efeitos de sentido indesejáveis para o anunciante.

Supondo uma dada publicidade de livros didáticos em que se coloca um(a) professor(a)

falando sobre a necessidade de ser organizado, de ter cuidado na escolha e, por isso, não

deixar de fazê-la ao final do ano, tais referências poderiam fazer pensar que aqueles que

fazem a escolha do livro no início do ano letivo seguinte são desorganizados ou

descuidados. Além disso, sem marcas explícitas os cartazes permanecem válidos por um

período mais extenso.

2.2.5 Gênero Circular

Entre o material observado, as ocorrências do gênero circular foram as mais difíceis

de serem identificadas, dada a diferença entre elas. Começaremos discutindo o critério em

que as ocorrências do gênero circular mais se distanciam: a organização textual. Dos quatro

textos, dois deles, referentes ao primeiro e ao terceiro bimestres, possuem certas marcas

próprias a documentos, tais como papel timbrado, data e numeração da circular, carimbo e

assinatura da direção da escola e da supervisão pedagógica. Os textos foram fotocopiados e

94

distribuídos para todo(a)s o(a)s professore(a)s, o(a)s quais tiveram de assinar uma lista

atestando recebimento.

Quanto ao texto relativo ao segundo bimestre, foi afixado no mural, em uma folha

de rascunho, com letras grandes, manuscritas. Sua organização textual o aproxima de um

bilhete. Já o texto que circulou no quarto bimestre parece estar em um grau de formalidade

intermediário entre ambos. Embora não haja tantas marcas como as observadas

anteriormente, uma vez que é manuscrito em uma folha de caderno, possui data, a escolha

lexical também confere ao texto tom mais formal.

Diante de tantos distanciamentos, o que haveria de aproximações que nos fizessem

caracterizá-los como um mesmo gênero? O critério utilizado tomou como referência o

funcionamento discursivo desse gênero.

Inicialmente, pensamos na realidade da escola que observamos, seu funcionamento

em três turnos (matinal, vespertino e noturno), com, em média, trinta turmas de Ensino

Médio em cada um dos turnos. Vemos que a circular tem uma função sócio-histórica bem

definida. Os profissionais de doze tempos semanais em sala de aula comparecem à escola

com uma freqüência de dois a três turnos por semana. Isto significa que, provavelmente, há

muitos profissionais que trabalham no mesmo turno, chegando a compartilhar turmas com

outros colegas e que cotidianamente não se encontram.

Neste contexto de solidão do trabalho docente em relação ao contato com outros

profissionais, a integração, o diálogo e as possíveis trocas (se é que pode haver, com uma

estrutura como essa) passam necessariamente por um gerenciamento da parte

administrativa. Assim sendo, o gênero circular aponta em seu funcionamento não só a

necessidade de que a informação chegue a todos, como também que ela seja a mesma para

todos. Isto inscreve a circulação de informação como algo necessariamente público,

transparente e o mesmo para todos.

Imaginemos que, no lugar de uma circular afixada no mural, a síntese das

informações supostamente veiculadas na circular não estivesse escrita em um papel e

afixada em local de visibilidade. Uma das formas possíveis seria o comunicado oral, feito

em cada turno de cada um dos dias da semana, no horário do recreio. Ainda assim, haveria

o risco de alguém, por não ter descido no horário do recreio, por exemplo, não ter ficado

ciente das informações.

95

Como critérios de identificação desse gênero, consideramos que as circulares

encenam uma enunciação da direção da escola aos professores. Esta enunciação define

como espaço a própria escola e como tempo o início de cada um dos quatro bimestres. Os

temas que aparecem nas quatro ocorrências são: instrução acerca do provão, marcação de

datas de prova, recuperação e conselho de classe.

Assim sendo, não obstante todas as diferenças já apontadas quanto à organização

textual, os quatro textos atualizam uma situação de enunciação entre a direção da escola e

todos os professores. Essa enunciação tem como finalidade divulgar certas decisões acerca

da organização de atividades pedagógicas como prova, recuperação, etc. É importante notar

a periodicidade regular com que a direção toma a palavra para dirigir-se aos professores.

Há, portanto, um tempo (o início de cada bimestre) em que se espera por tal enunciação.

Essa regularidade temporal distancia ocorrências deste gênero do que aqui chamamos de

bilhete, já que esse último caracteriza-se por ser pontual e imediato. Por exemplo, ao avisar

que uma aluna faltará porque não está bem, essa enunciação vale apenas para o dia em que

se produziu. Por outro lado, as datas e outras informações constantes nas circulares perdem

sua validade apenas ao final de cada bimestre, momento este em que se espera por uma

nova circular.

2.2.6 Gênero resolução

De acordo com o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, resolução significa,

entre outras acepções, “ato de deliberar; deliberação” (Dicionário Houaiss, 2001). Dessa

forma, o gênero resolução pressupõe um enunciador com autoridade para deliberar, decidir

algo que caberia ao co-enunciador cumprir ou tomar conhecimento de que outro o fará.

A publicação de uma resolução deixa entrever uma outra situação de enunciação,

anterior a ela, na qual a decisão é tomada. Ao registrá-la em texto escrito, com coerções

bem definidas, tal como ocorre com o conjunto de gêneros incluídos no que se

convencionou chamar de redação oficial, espera-se que o leitor não só tome conhecimento

dela, mas passe a agir de acordo com o que ela prescreve. No caso de a resolução não se

dirigir diretamente ao leitor, isto é, não prescrever um comportamento seu, estabelece-se,

de certa maneira, uma relação de cumplicidade entre o leitor e o cumprimento da lei. O

leitor pode/deve vestir-se de uma espécie de autoridade de vigilância. Estando diante de

96

casos de descumprimento da lei, o leitor pode/deve evocá-la. Sua omissão em tais

circunstâncias pode torná-lo cúmplice do não cumprimento da lei.

2.2.7 Gênero Bilhete

Como gênero do discurso, o bilhete pressupõe coenunciadores com algum grau de

proximidade, estabelecendo como finalidade reconhecida entre os falantes a possibilidade

de lembrar / avisar ao outro sobre algo que possivelmente não sabe ou não se lembra. Tal

enunciação é dotada de uma temporalidade que aponta para momentos muito próximos

daquele em que o texto tenha sido produzido. O bilhete encena uma enunciação informal,

institui certa proximidade entre os coenunciadores. Distanciando-se de enunciações

formais, parece retirar a relação entre eles do campo das obrigações, passando a um pedido

informal. Contribui com um abrandamento das coerções do mural, comprometendo o leitor

não pela “força” da lei, mas por sentir-se implicado com o enunciador, pela proximidade.

2.2.8 Gênero Poema

Há definições bastante variadas do gênero poema. Lembraríamos apenas que, de um

ponto de vista discursivo, seu funcionamento assume algumas particularidades. Não

possuem uma finalidade reconhecida facilmente identificável. No que tange à organização

textual, ressalta-se um certo efeito estético criado por ele. Diferente do que se possa esperar

de um bilhete, a produção / circulação de um poema não se pode prever. Desse modo,

diversos estatuto podem se configurar entre os falantes.

No caso do poema afixado no mural, esse texto insere-se em uma seqüência de

textos que tinha como finalidade dar visibilidade a uma determinada atuação política

organizada de alguns dos membros daquele coletivo. Trata-se ainda de um conjunto de

denúncias acerca das posturas autoritárias por parte da SEE/RJ e recomendadas às direções

de escola. Tal texto tem sua circulação em diferentes contextos, aparentemente autônomo

do seu meio de circulação “original”. Na folha de papel, constava apenas o nome do autor,

sem a obra de referência.

97

2.2.9 Gênero Nota informativa

Do gênero nota informativa observamos duas ocorrências. Trata-se de uma

enunciação que põe em cena parceiros bem definidos: o gerente administrativo da

Coordenadoria Metropolitana X e as direções das escolas vinculadas à referida

Coordenadoria. O tempo dessa enunciação é pontual, ou seja, equivale ao momento

necessário para esclarecer-se acerca de uma determinada questão, dirimir uma dúvida. O

espaço de circulação desse texto é institucional, entre a Coordenadoria a as direções de

escola.

2.2.10 Gênero Panfleto

A identificação do gênero panfleto também se deu a partir de alguns

questionamentos acerca da proximidade entre os textos. Um deles propõe-se como um

“esclarecimento” e o outro como um “boletim informativo”. No entanto, como dissemos na

definição do gênero poema, esses textos inseriram-se em uma seqüência temporal que nos

levou a observar proximidades em seu funcionamento discursivo.

Ao mostrar-se esclarecendo uma situação, ou informando sobre um conjunto de

atos, em ambos os textos o que prevalece é uma avaliação sobre a atuação política do(a)s

profissionais, acompanhada sempre de um convite a comparecer nas atividades, participar

das mobilizações. Mais do que supostamente “dar uma informação” ou “tirar uma dúvida”,

tais textos parecem apresentar como finalidade reconhecida entre os falantes a chamada à

participação política organizada.

3. Genealogia do mural da sala de professore(a)s: um dispositivo de

disciplinamento do trabalho docente

Neste item, buscamos enfatizar possibilidades diversas de abordagem do mural

como problema, em torno do qual possam dialogar as reflexões sobre a relação poder-saber

de Foucault (2004a, 2006) e uma dada perspectiva da Análise do Discurso. Tal

aproximação pretende contribuir com uma perspectiva que possa, ao mesmo tempo, pôr em

xeque a autonomia do texto (tal qual preconiza a dicotomia lingüístico / extralingüístico) e

analisar a produção de saberes e prescrições do trabalho docente, a partir do exercício do

poder disciplinar.

98

No item anterior, a descrição do material “recolhido” durante a pesquisa de campo

nos permite observar um conjunto bastante diversificado de gêneros do discurso, tendo a

sala de professores(as) como contexto de circulação / produção.

À primeira vista, textos tão distintos como versículo bíblico, resolução e notícia de

jornal podem parecer unidades autônomas que, somente por circunstâncias muito

específicas, poderiam compartilhar o mesmo espaço. Nesse caso, deveria se considerar que

tais textos possuem contextos próprios de circulação. O observador hipotético diria, com

toda a razão, que a resolução teria sido transcrita do Diário Oficial, a notícia, recortada de

um jornal e o versículo, como a própria referência o indica, extraído da Bíblia cristã.

No entanto, se atentarmos para a existência de recursos como o do mural,

perceberemos que a presença de textos diversos não é circunstancial, mas constitutiva.

Assim sendo, não é mera casualidade a emergência de textos distintos, trata-se de uma

prática que se “institucionaliza” em dispositivos como o do mural. Não teríamos assim um

“desvio” dos textos em relação aos seus contextos “habituais” de circulação, mas o

funcionamento de um dispositivo que pressupõe a possibilidade de deslocamento dos

contextos de produção / circulação dos textos.

O modo aparentemente “irregular” do funcionamento do mural evidencia tratar-se

de engrenagens de tamanhos e importâncias variados. A repercussão, os comentários que se

fazem a respeito de cada um dos textos são bastante distintos, não obedecem a simples

determinismos. Opera-se um movimento interessante.

Desde nossas primeiras incursões na sala de professores, o mural chamou-nos a

atenção por mostrar um conjunto bastante diverso de material, em certa medida bastante

disperso também. O fato de o mural se estender por quase toda a extensão da parede, situar-

se em local de grande visibilidade, nos fez considerá-lo como elemento de importância no

cotidiano dos profissionais que circulam naquele espaço. Some-se a isso a leitura eventual

dos textos nele afixados que alguns profissionais realizavam.

A leitura dos textos do mural mencionada acima dava-se de maneira irregular.

Alguns se dirigiam silenciosa e individualmente, como que para tomar ciência dos textos,

procurar saber se havia algo que se julgasse importante. Retornavam em seguida para seus

lugares, entre os demais colegas na mesa. Outros, no entanto, ao se depararem com algo

que merecia elogio ou contra o que se devia protestar, convidavam os presentes a se

99

manifestarem sobre o assunto, virando-se para a mesa e perguntando-lhes se já haviam

visto a data do próximo conselho de classe (marcado para um sábado), por exemplo. Havia

ainda aqueles que, sem terem se aproximado do mural, mesmo à distância, ao perceberem

um novo texto que merecesse destaque, tomavam a palavra, convocando todos(as) a uma

leitura coletiva, dizendo: “Vocês já viram o que está ali? Fulano – dirigindo-se a um colega

que esteja mais próximo ao mural –, o que diz esse texto?”.

Esses diferentes modos de se aproximar do mural nos ocuparam sobremaneira em

nossas primeiras observações. Percebemos que, durante esse período, eram afixados não só

textos que provocavam a discussão, mas também textos que dialogavam com outros

assuntos já discutidos, ou seja, estavam lá como resultado de interações anteriores. Havia

outros, no entanto, diante dos quais os profissionais silenciavam. Chegamos ainda a

observar textos cuja presença no mural representava uma transgressão. Este foi o caso, por

exemplo, do panfleto intitulado “Esclarecimento acerca do famigerado código 61”.

3.1 Uma inspiração nas leituras de Foucault

Este item, entre as referências de Foucault citadas anteriormente, é inspirado em

uma leitura do livro “Eu, Pierre Rivière,...”. Tal leitura correspondia a uma expectativa

nossa de que pudéssemos, através das análises que ele apresenta no referido livro, refazer o

percurso proposto por Foucault e a equipe de pesquisadores por ele coordenada. Queríamos

seguir seus passos, questioná-lo acerca de suas opções, travar uma relação dialógica, com o

intuito de refletir sobre as nossas próprias opções, sobre os desafios metodológicos que

então se avizinhavam.

Na apresentação do livro, é o próprio Foucault que justifica a escolha do caso

Rivière: trata-se de um caminho para enveredar pela história das relações entre a justiça

penal e a psiquiatria. Nas pesquisas desenvolvidas por Foucault e sua equipe, encontrou-se

a publicação desse caso nas páginas dos Annales d’hygiène publique et de médecine légale,

em 1836.

Os relatos do caso eram compostos de um conjunto de textos provenientes de

origens muito diversas. Produz-se um certo arranjo entre eles, a possibilidade de confronto

entre esses textos os torna “extraordinários”, nas palavras de Foucault. Em sua composição,

esses relatos contavam com três séries de relatórios médicos, distintos tanto no que tange ao

100

gênero de análise proposto por cada um deles, quanto no que concerne à relação que

estabeleciam com a instituição médica; um conjunto de textos que compõem o processo

jurídico, como os textos oficiais e as declarações das testemunhas; o memorial, de autoria

do próprio Pierre Rivière, que tinha por objetivo relatar mais detalhadamente seu crime,

bem como apresentar as explicações para tal evento.

Os diferentes textos que compõem o dossiê do caso Rivière cruzam-se por

aparentemente falarem do mesmo acontecimento. É em torno do crime cometido por

Rivière que se coloca em funcionamento a maquinaria do discurso jurídico, das análises

médicas, os relatos dos camponeses, etc.

“(...) é que se tratava de um ‘dossiê’, isto é, de um caso, de um acontecimento em torno do qual e a propósito do qual vieram se cruzar discursos de origem, forma, organização e função diferentes: o do juiz de paz, do procurador, do presidente do tribunal do júri, do ministro da justiça, do médico de província e o de Esquirol, o dos aldeões com seu prefeito e seu cura. Por fim o do assassino”(Focault, 1977, p. XI e XII).

Ao falar de cruzamento de discursos de origem, forma, organização e função

distintos, tal perspectiva propicia rejeitar um dado ponto de vista que veria nos discursos a

conseqüência e no evento a causa. O que interessa é perceber o que uma tal produção

discursiva faz ver, ou seja, validando lugares a partir dos quais se pode falar sobre certos

objetos de saber, bem como os diversos níveis das relações de poder apreendidos a partir do

funcionamento do discurso. Tais saberes se formam legitimando (e sendo legitimados) por

certas instituições e instâncias de enunciação prescritas por essas instituições.

Afastando-se dos modelos que preconizam entre o empírico e o discursivo uma

relação de causalidades lineares, trata-se de iluminar os movimentos, as singularidades

emergindo das ressonâncias polifônicas em discursos que falam aparentemente sobre um

mesmo acontecimento.

“Todos falam ou parecem falar da mesma coisa: pelo menos é ao acontecimento do dia 3 de junho que se referem todos esses discursos. Mas todos eles, e em sua heterogeneidade, não formam nem uma obra nem um texto, mas uma luta singular, um confronto, uma relação de poder, uma batalha de discursos e através de discursos. E ainda dizer uma batalha não é dizer o bastante, vários combates desenrolaram-se ao mesmo tempo e entrecruzando-se(...)” (Focault, 1977, p.XII)

101

A composição do mural guarda alguns distanciamentos em relação ao dossiê P.

Rivière. Não temos um evento que desencadeie a produção / circulação de discursos, não é

a respeito de um mesmo acontecimento que se dá a motivação de afixar textos no mural.

Entre um texto e outro, não há qualquer unidade temática. Alguns deles são afixados,

considerando eventos com alguma visibilidade do cotidiano, outros, nem tanto.

O que talvez parece recobrir textos tão distintos é o fato de todos eles pretenderem

falar aos mesmos professores, tematizando de algum modo, seu trabalho. Notícias de jornal,

e poemas, publicidades, e bilhetes, circulares e versículos bíblicos, todos eles, ao serem

afixados no mural, passam a dirigir-se aos mesmos profissionais, a falar com eles em

situação de trabalho e, assim, a produzir um conjunto de saberes como pressupostos de seu

trabalho.

3.2 O mural: “transmissão de informações” ou produção de saberes?

Uma das idéias que residem no cerne de nossas reflexões a respeito do mural trata

da superação do modelo que supõe serem os suportes da comunicação “recursos” que se

restringem a transmitir informações. Embora muito já se tenha dito a esse respeito, parece

ainda ser hegemônico o ponto de vista segundo o qual haveria informações que seriam

produzidas em dadas circunstâncias e que, a partir de então, poderiam ser apenas

veiculadas, sem qualquer tipo de interferência por parte daquele que a transportaria.

De uma perspectiva discursiva, a questão do mídium inscreve-se no questionamento

de uma suposta cisão entre a produção e a circulação de discursos, isto é, não há um

discurso produzido a priori que tenha nos meios de circulação um funcionamento

secundário. Isto significa dizer que o mídium não é apenas uma moldura dos discursos.

Assim sendo, o que estamos propondo como reflexão neste item é compreender, a

partir da noção de mídium (Maingueneau, 2001), a articulação entre texto e mural como

componentes da “totalidade do gênero”, isto é, analisar os sentidos produzidos pelo

deslocamento do texto frente aos seus contextos “habituais” de circulação.

Trazendo essa discussão para o mural da sala de professores, se imaginássemos que

o surgimento do mural se deve à necessidade de publicizar alguns textos, isto nos levaria a

supor uma relação linear entre o texto e o mural.

102

Se, no empírico, há diversas evidências que nos conduzem à idéia da anterioridade

do texto em relação ao mural, no plano discursivo, há poucas razões que nos permitam

sustentar tal idéia. Ao contrário, assumi-la como válida acabaria por nos levar a pensar que

os textos teriam um funcionamento próprio, independente do mural.

Nosso problema aqui é, portanto, o de considerar que “o mídium não é um simples

‘meio’, um instrumento para transportar uma mensagem estável: uma mudança importante

do mídium modifica o conjunto de um gênero de discurso” (Maingueneau, 2001, p. 71-72).

Se analisássemos os bilhetes de justificativa de ausência de aluno ou as circulares

de conselhos de classe produzidos na própria escola e afixados no mural, talvez fosse mais

facilmente reconhecida essa discussão acerca do mídium. Isto porque a produção de

bilhetes manuscritos com o objetivo de informar ao conjunto de professores que freqüentam

aquela sala de algo que esteja acontecendo no cotidiano daquela escola parece, de algum

modo, inverter o problema. A produção de bilhetes como esse poderia nos levar a pensar

que a opção pelo registro no papel no lugar de um aviso oral, por exemplo, supõe a

existência prévia do mural. O problema de aparência de linearidade, ou seja, de

preexistência ou do mural como “veículo de informações importantes”, ou de “informações

importantes” que precisam de um veículo para serem transmitidas permanece.

Procurando pontos de contato entre os textos produzidos na própria escola e os

textos produzidos em “outros lugares” e trazidos para o mural, deve-se, em primeiro lugar,

romper com a idéia de precedência entre um ou outro elemento, isto é, a linearidade que

ambos os percursos de circulação de textos acima descritos faz supor traria um efeito de

sentido indesejável numa pesquisa em AD. A questão que antecederia, portanto, àquela que

pretende compreender o texto e seu meio de circulação como componentes da totalidade de

um gênero é a de como romper com um dado modelo linear de produção e circulação de

textos.

Do ponto de vista teórico, seria possível responder a isto considerando que essa

concepção de mídium manifesta uma ruptura com um modelo linear de comunicação,

segundo o qual primeiro se teria algo a comunicar, em seguida, se escolheria o meio de

difusão, então se produziria o texto e, somente ao final deste percurso, haveria o suposto

encontro com o destinatário.

103

Ainda assim, restaria uma questão: a que encaminhamento metodológico recorrer

para que não se reproduza na análise uma separação indesejável entre os textos e o mídium?

Mostraremos a seguir, a partir da análise de alguns elementos lingüístico-

discursivos, em que medida podemos pensar o mural como um dispositivo de produção de

sentidos.

O gênero notícia de jornal, por exemplo, caracteriza-se, entre outros aspectos, por

ter o tempo da enunciação válido por um dia. O fato de circularem em jornais diários

produz uma renovação acelerada dos textos. A partir do momento em que são afixadas no

mural, certas notícias expandem o tempo de sua enunciação. Essas notícias passam a

compor um quadro absolutamente distinto daquele que seria seu contexto “habitual” de

circulação. Faremos a análise de alguns textos, evidenciando que, apesar de algo

permanecer, a mudança do suporte não é detalhe, produz sentido.

Iniciaremos nossas análises pelo texto intitulado “Mudam as regras do Nova

Escola”. Este texto foi retirado do jornal O Dia, jornal de grande circulação no estado do

Rio e conhecido por trazer sempre matérias sobre o funcionalismo público estadual. Tem

como público alvo camadas mais populares que outro jornal como O Globo, por exemplo.

Falando especificamente sobre o texto observado, este pertence à seção “Nosso Rio”, com

o subtítulo “O que acontece perto de você”.

O título da seção (“Nosso Rio”) parece aproximar o jornal de seu leitor, garantindo

haver entre eles algo em comum: o Rio. A ocorrência do pronome possessivo “nosso”

encena tratar-se de relação afetuosa com o Rio que é compartilhada entre os

coenunciadores. Com isso, constrói um espaço de afeto em comum e, conseqüentemente,

de proximidade entre o jornal e seu leitor.

O subtítulo “o que acontece perto de você” parece restringir entre as preocupações

em comum em relação ao Rio aquelas que interessam mais particularmente ao seu leitor.

No entanto, é ao jornal que cabe a responsabilidade de chamar a atenção de seu leitor para o

que acontece a seu lado, bem próximo. Este movimento do texto não só coloca o assunto

mais próximo do leitor do que do jornal, como também, por conseqüência, aproxima a

situação da escola pública do leitor, em especial as questões concernentes à mudança do

“Nova Escola”.

104

Percebemos assim que o deslocamento da notícia citada em relação ao seu contexto

“habitual” de circulação (o jornal), para ser afixado no mural, altera todo o quadro de

referências. O pronome “nosso” deixa de ser abrangente em relação aos leitores do jornal,

incluindo apenas o enunciador-jornalista e os co-enunciadores do mural. Interpela o leitor à

procura de informações sobre o “Nova Escola” como alguém que se preocupa com o Rio,

que estabelece com ele uma relação afetuosa.

Deslocamento semelhante se dá em relação ao pronome “você”. Se, como subtítulo

de uma seção de jornal, tal pronome encena uma proximidade em relação ao leitor,

demonstrando saber o que acontece em seu entorno, deslocando-se o texto para o mural, o

pronome passa a referir-se ao(à)s profissionais.

A segunda notícia analisada intitula-se “Professores e PMs entram em conflito”. A

extensão dessa notícia é equivalente a meia página de jornal. A maior parte do espaço

reservado à notícia é ocupado por três fotos. Das três, a de maior destaque mostra o

Batalhão de Choque da Polícia Militar do Rio de Janeiro, atrás de seus escudos, com

cassetetes empunhados, espirrando spray de pimenta contra os profissionais de educação.

Há alguns profissionais caídos no chão e outros tentando socorrê-los. Na segunda foto, há

um profissional deitado no chão, rodeado por alguns policiais militares. Na terceira foto,

mostra-se a manifestação em frente ao Palácio Guanabara.

É interessante notar o distanciamento entre o que há no título da notícia e o que as

fotos retratam. Entrar em conflito pressupõe ações que configurem um ataque de ambos os

lados. No entanto, as fotos retratam ação da polícia militar contra os profissionais, que, por

sua vez, apenas aparecem em posição defensiva.

Além disso, as designações para fazer referência aos profissionais variam de acordo

com imagem representada em cada uma das fotos. Na foto em que a manifestação está

reunida na porta do Palácio a legenda afirma: “Professores em frente ao palácio, onde um

assessor os recebeu”. O Palácio, nesse enunciado, é identificado como espaço em que os

profissionais teriam sido recebidos por um assessor. O fato de serem recebidos pressupõe

algum tipo de negociação entre as partes, cuja iniciativa é atribuída ao governo, a final, é

um de seus representantes que recebe os manifestantes.

No caso da foto de maior destaque, a legenda diz o seguinte: “O Batalhão de

Choque da PM forma uma barreira para deter os manifestantes na Rua Pinheiro Machado

105

e um dos policiais joga spray de pimenta”. Se, no título, a idéia de “confronto” pressupõe

igualdade entre as partes, aqui a barreira formada pela PM é mostrada como reação, meio

para “deter” o(a)s profissionais. Com efeito, o uso do spray de pimenta passa a representar

mais uma das formas de “defesa” dos policiais em relação aos manifestantes.

Na foto em que há um profissional deitado no chão, a legenda destaca: “Um grevista

deitado na pista: a passeata causou congestionamento”. As designações parecem ir

gradativamente incorporando o clima de tensionamento que as fotos vão retratando:

professores-manifestantes-grevistas. Cabe destacar ainda a referência negativa que fazem à

manifestação, tais como “deter os manifestantes” e “causou congestionamento”.

Ao longo de alguns ensaios de análise aqui propostos, pudemos identificar um

conjunto de deslocamentos produzidos a partir da alteração do meio de circulação de textos.

Vimos, assim, que esses deslocamentos, na medida em que alteram o sistema de referências

do texto, por exemplo, produzem sentidos. Não poderíamos dizer que o pronome “nós”,

para ilustrarmos um desses deslocamentos, deixou apenas de se referir ao conjunto dos

leitores do jornal. O confronto entre os diferentes textos faz um dado propósito

comunicativo do mural encontrar-se em permanente disputa. Ora o arquienunciador (que

sustentaria o conjunto das enunciações do mural) se atualizaria “travestido” de enunciador-

jornalista, ora como o enunciador-pastor dos versículos, ora como enunciador-militante do

panfleto. Podemos afirmar, portanto, que a presença ou ausência de um texto ou de outro

não representa apenas uma “informação” a mais ou a menos, mas possibilidades distintas

de percorrer os textos do mural, compreender seus embates.

3.3 Dispositivo de produção de um interesse coletivo

No item anterior, discutimos a noção de mídium, apontando sobretudo para o fato de

que o deslocamento do texto frente ao suporte não pode ser visto como um processo

secundário, mas altera todo o quadro de referência do texto.

Neste item, continuaremos sustentando a idéia de que esse deslocamento produz

sentido, enfatizando agora uma outra questão: os diferentes modos de leitura do mural

propiciados pela diversidade de material produzem imagens discursivas do trabalho

docente, a partir de múltiplos confrontos.

106

Para tanto, recorreremos à noção de cenografia (Maingueneau, 2001; 2006a), com o

intuito de confrontar diferentes modos de produção de imagem do co-enunciador do mural,

ora como sujeito individuado, ora como sujeito coletivo.

A noção de cenografia, a que nos referimos acima, insere-se no conjunto de cenas

da enunciação, tal como o propõe Maingueneau (2001). De acordo com esse autor, “um

texto não é um conjunto de signos inertes, mas o rastro deixado por um discurso em que a

fala é encenada” (Maingueneau, 2001, p.85).

O quadro cênico envolve a cena englobante, que se refere ao tipo de discurso, e a

cena genérica (que se delimita pelo gênero do discurso). Desse ponto de vista, um leitor do

mural deve ser capaz de diferenciar um panfleto ou um cartaz publicitário, reconhecendo a

que tipo de discurso remetem (ou seja, ao discurso político ou publicitário) e, por

conseguinte, de que modo interpela seu leitor (como membro de uma categoria, ou como

consumidor).

A cena genérica confere papéis determinados aos participantes da enunciação.

Define também uma finalidade, modos de circulação etc.

Uma circular, por exemplo, encena um diálogo entre um enunciador (em nosso

caso, a diretora da escola), que teria o dever de fazer as informações circularem, e um co-

enunciador (os professores, em geral), do qual se espera compromisso com as referidas

informações.

Há ainda um modo de circulação próprio ao gênero circular: as circulares

distribuídas do início de cada semestre dispunham de uma cópia afixada no mural, e outras

entregues individualmente, a cada um dos professores, mediante a assinatura em uma lista,

atestando seu recebimento. Já as circulares distribuídas no início do segundo e quarto

bimestres foram redigidas em uma folha de papel formato A4, na horizontal. Manuscritas,

tais circulares são compostas apenas de um original, afixado no mural da sala dos

professores.

As cenas da enunciação descritas por Maingueneau (2001) compõem-se do quadro

cênico definido acima, associado ao que esse autor chamou de cenografia. Se a cena

englobante remete ao tipo de discurso e a cena genérica, aos diferentes gêneros, a

cenografia se institui a partir do próprio discurso, conduzindo o quadro cênico a se deslocar

para um segundo plano.

107

Assim, Maingueneau adverte para o fato de que “não é diretamente com o quadro

cênico que se confronta o leitor, mas com uma cenografia” (Maingueneau, 2001, p.87).

Portanto, quando sustentamos a idéia de que o mural constitui um arquienunciador que se

manifesta a partir de diferentes investimentos cenográficos, estamos considerando que, ao

serem afixados no mural, os textos passam a compartilhar de uma finalidade reconhecida,

pressupondo para cada um dos participantes da interação papéis definidos.

Por exemplo, imaginemos que a discussão acerca do Programa Nova Escola possa

se atualizar através de um bilhete, encenando uma proximidade entre o mural e os

professores, em um tom familiar, tratando-os não como parte de uma categoria, ou como

funcionários da Secretaria, mas como colegas, que convivem diariamente, compartilhando

expectativas, anseios etc. Por outro lado, na medida em que ela se atualiza por notícias de

jornal, já não é mais o tom familiar que propicia a existência do vínculo entre os

coenunciadores, mas a sua possibilidade de gerenciar falas autorizadas, encenando um

panorama sobre a questão, ao mesmo tempo em que faz algumas polêmicas emergirem; o

Secretário de Educação falando dos avanços do Programa, os diretores de escola relatando

problemas administrativos, lideranças sindicais denunciando a falta de condições de

trabalho e salários insuficientes.

O leitor da notícia citada anteriormente confronta-se não com um enunciador-

jornalista, pretendendo informá-lo de algo, “cavando” uma matéria, selecionando as falas

que irão integrá-la, mas é o próprio embate engendrado na presença de diferentes (e

dissonantes) vozes.

Isso porque “todo discurso, por sua manifestação mesma, pretende convencer

instituindo a cena de enunciação que o legitima” (Maingueneau, 2001, p.87), ou seja, a

cenografia não apenas “reconhece” enunciadores autorizados em certos assuntos e os põe a

falar, é o próprio fato de lhes passar a palavra, reunir a todos falando sobre um mesmo

assunto que legitima o embate assim constituído.

Produz, assim, a idéia de que, para falar acerca de tal assunto, é preciso recorrer a

esses coenunciadores, a partir de certas coordenadas de espaço e tempo. Valida-se,

portanto, a cenografia instituída pelo próprio discurso. Assim, um discurso que se inscreve

a partir de uma dada cenografia acaba por validá-la em seu dispositivo de enunciação.

A esse movimento, Charaudeau e Maingueneau denominaram processo em espiral:

108

“Tem-se, portanto, um processo em espiral: na sua emergência, a fala implica uma certa cena de enunciação, que de fato, se valida progressivamente por meio de sua própria enunciação”(Charaudeau e Maingueneau, 2005, p.96).

É com esse caráter processual que se pretende evitar ver no discurso o resultado de

pré-condições, como simples conseqüências de um dado “contexto” anterior e, portanto,

exterior a ele. Trata-se, então, de analisar entre um e outro ressonâncias dialógicas, longe

de se inscrever em uma mera correspondência.

“A cenografia é, assim, ao mesmo tempo, aquilo de onde vem o discurso e aquilo que esse discurso engendra, ela legitima um enunciado que, em troca, deve legitimá-la, deve estabelecer que essa cenografia da qual vem a fala é, precisamente, a cenografia necessária para contar uma história, denunciar uma injustiça, apresentar sua candidatura numa eleição” (Charaudeau e Maingueneau, 2005, p.96)

Por fim, quando optamos por analisar os processos de instituição e validação de

certas cenografias para falar do professor em situação de trabalho, estamos propondo uma

certa leitura do trabalho docente.

Os diferentes gêneros do discurso compõem, para o mural, uma diversidade de

cenografias, isto é, construindo para si e para seu leitor diferentes posições enunciativas,

coordenadas de tempo e espaço.

“Além de uma figura de enunciador e uma figura de co-enunciador, a cenografia

implica uma cronografia (um momento) e uma topografia (um lugar) das quais um discurso

pretende surgir” (Charaudeau e Maingueneau, 2005, p. 96).

Neste item, daremos ênfase aos modos como diferentes gêneros põe em cena co-

enunciadores ora como instâncias produzidas a partir de processos de individuação, ora

como instâncias coletivas. Com o intuito de confrontarmos esses diferentes modos de

encenação do co-enunciador, analisaremos os versículos bíblicos e o mapa de controle de

freqüência, de um lado, e o poema e um dos textos do panfleto, de outro.

3.3.1 Produção de sujeitos individualizados

Como podemos perceber em:

109

“Descansa junto ao Senhor, espera nele; não te inflames contra aquele que tem sucesso”32.

A enunciação proverbial, característica dos versículos bíblicos33, constitui o que

Maingueneau (2006b) chamou de fórmula34, ou seja, “enunciados curtos cujo significante e

significado são considerados no interior de uma organização pregnante (pela prosódia,

rimas internas, metáforas, antíteses...), o que explica que sejam facilmente memorizados”

(Maingueneau, 2006b, p. 72).

Realçados por certos efeitos estéticos, tais enunciados mostram-se como

destacáveis, em seu texto original. No caso do versículo acima, entre os efeitos estéticos

ressaltados, pode-se notar a aliteração do fonema /s/. O funcionamento de tais enunciados

encena certa facilidade em ser reutilizado, são curtos, provocam certo impacto pelas

imagens que constroem, ou pelos efeitos sonoros produzidos em sua enunciação.

Percebemos assim que, de algum modo, a citação de um versículo bíblico acaba por

fazer o arquienunciador do mural falar não em nome de uma teoria ou de uma instância

administrativa, mas como pertencente a uma determinada comunidade religiosa.

O enunciado citado diferencia-se de outros provérbios mais conhecidos como “O

Senhor é meu pastor, nada me faltará”. Nesse, trata-se de um enunciador que se assume

como fiel e que reconhece a Deus como seu pastor. A instância do co-enunciador é

apagada, não se tem qualquer pista lingüística de identificação daquele com quem se fala.

Aparentemente, o leitor / ouvinte desse provérbio seria apenas a testemunha de uma

confissão, imbuída de coragem e certeza.

No enunciado que aparece no mural, no entanto, é o co-enunciador que assume o

centro da cena. É a ele que se deseja convencer da confiança e da paciência que se deve ter

diante de Deus.

Os verbos no imperativo motivam uma dupla interpretação. De um lado, seria

possível ver um tom de aconselhamento, que teria no modo imperativo reforçada a certeza

que o fiel deve ter diante de Deus, a confiança em seus desígnios; de outro, um tom que se

32 Ver Anexo 1: textos do córpus cujo original é manuscrito. 33 Os versículos bíblicos implicam, como condições de sua produção / circulação, os seguintes aspectos: (i) todos eles teriam sido extraídos de um único livro; (ii) destaca-se o caráter perene de sua enunciação, uma vez que se pretende que seus preceitos possam ser levados a cabo a qualquer momento e em qualquer lugar; (iii) quem cita se mostra motivado, em última instância, por aquele que se responsabiliza pela enunciação do Livro, o próprio Deus (Maingueneau, 2006b); (iv) a motivação anterior se evidencia na ausência de marcas de discurso relatado nas citações, o reconhecimento de tal condição cabe ao leitor / ouvinte (Maingueneau, 2006b). 34 A esse respeito, ver artigo intitulado: “Citação e Destacabilidade” em Maingueneau (2006b).

110

aproxima da ordem para que o fiel se adeque ao tempo de Deus e não o inverso, pondo em

evidência um comportamento resignado e desprendido.

É interessante notar que a visibilidade daquele a quem se dirige o aconselhamento /

ordem, ou seja, o fiel, é acompanhada do apagamento do enunciador, conferindo-lhe certa

resignação. Com o apagamento do pastor-enunciador, iluminam-se o fiel e o próprio Deus.

Se o que a paciência e a perseverança emergem como conteúdo temático do enunciado, seu

modo de enunciação, realçando não a figura do enunciador-pastor, mas as próprias

características que constituem um perfil desejável para o fiel, mostram-no como exemplo

de resignação e perseverança a ser seguido.

Cabe destacar ainda que nesse versículo o pastor não fala por todo o rebanho, mas

para cada um de seus fiéis, individualmente (observe-se o uso da 2ª pessoa do singular).

Se, no versículo anterior, o co-enunciador apresenta-se como sujeito individuado, no

versículo seguinte não há nenhuma designação explícita para o enunciador ou mesmo para

o co-enunciador.

Vejamos:

“A porta estreita e o caminho difícil levam para a vida, e poucos encontram esse caminho”35.

A perseverança necessária ao cristão que se ressalta no enunciado materializa-se nas

imagens da “porta estreita” e do “caminho difícil”. Uma vez mais, a resignação e o

desprendimento imprimem-se no modo de enunciar: não se diz explicitamente que quem

passa pela “porta estreita” e pelo “caminho difícil” chegará à salvação; as imagens assim

criadas, portanto, contribuem para dar destaque não aos fiéis, mas às virtudes necessárias à

salvação.

Diferente do versículo anterior, nesse os verbos se encontraram no modo indicativo.

O que nos faz pensar que o conselho não se explicita, permanece subentendido. Quando se

diz que “poucos encontram esse caminho”, podemos ler tanto como um conforto para

aqueles que atualmente se encontram em dificuldades, isto é, que estejam atravessando a

“porta estreita”, afirmando estarem eles no caminho “difícil”, porém correto, quanto como

um conselho para aqueles que desejam a salvação divina, indicando-lhes que não procurem

facilidades, não se pautem pelo comportamento da maioria, “poucos” apenas alcançarão o

caminho prometido. 35 Ver Anexo 1: textos do córpus cujo original é manuscrito.

111

Vemos assim que os versículos atingem a leitores individuados, não é à coletividade

dos profissionais de educação que freqüentam a sala dos professores que os enunciados se

dirigem, mas a cada um deles. Sua mensagem os interpela individualmente, na medida em

que a salvação por ela prometida também o faz. Demanda uma reflexão interior,

comedimento nas ações.

Dirigindo-se explicitamente ao fiel ou não, ambas as enunciações se aproximam

pelo fato de apagarem as marcas que indicam a presença do enunciador. A ausência de tais

marcas permite atentar para duas leituras: primeiro, sua enunciação é inspirada e

legitimada, em última instância, por Deus e, dessa forma, dispensa-se a marca da presença

de qualquer outra pessoa; segundo, estabelece para o enunciador o etos de resignação e

desprendimento, próprio ao cristianismo.

Fala-se aos professores como indivíduos, espera-se que sejam conscientes de seus

preceitos morais, tenham-nos em mente, ajam a partir das técnicas de autocontrole.

Encontrar o caminho “correto” significaria aceitar as dificuldades, como poucos, resignar-

se diante delas de modo exemplar.

No caso do mapa de controle de freqüência, trata-se de um texto que se presta pouco

à instituição de diferentes cenografias, não se distinguindo da cena genérica. Devemos

ressaltar, no entanto, que nosso objetivo aqui não é o de procurar uma dissimetria entre a

cena genérica e a cenografia. O que nos interessa é observá-las como modos de atualização

distintos do arquienunciador do mural e de seu co-enunciador. Nesse texto, encena-se a

vigilância diária do profissional pela direção da escola. Nas duas colunas situadas à

esquerda, vemos em cada linha um número de matrícula que corresponde, na coluna ao

lado, ao nome completo do profissional. Nessas colunas, o(a)s profissionais ordenam-se por

número de matrícula, do mais antigo ao mais novo.

Na medida em que tal documento constitui-se em um quadro preenchido pela

direção da escola e enviado à Secretaria de Educação, o(a)s profissionais que circulam pela

sala de professores lêem o texto e, não sendo ele(a)s os interlocutores privilegiados desse

texto, acabam por servir de testemunha ao que é asseverado pela direção da escola à

SEE/RJ, ao mesmo tempo em que é a respeito de seu próprio cotidiano de trabalho que esse

quadro fala. O(a)s profissionais são, simultaneamente, objeto da enunciação e testemunhas

de sua própria objetivação.

112

O investimento pela escrita na constituição de mapas, quadros, caracteriza-se como

um elemento importante nas instituições disciplinares. Através da escrita registram-se os

atos e seus resultados, continuamente:

“Enfim, a visibilidade contínua perpétua assegurada assim pela escrita tem um efeito importante: a extrema prontidão da reação do poder disciplinar que essa visibilidade, que é perpétua no sistema disciplinar, possibilita. (...) Tem-se uma tendência, inerente ao poder disciplinar, a intervir no nível do que acontece, no momento em que a virtualidade está se tornando realidade; o poder disciplinar sempre tende a intervir previamente, antes até do próprio ato, se possível, e isso por meio de um jogo de vigilância, de recompensas, de punições, de pressões, que são infrajudiciárias” (Foucault, 2006, p. 63)

Mapas, quadros, prontuários, cartões de ponto aproximam-se do dispositivo

panóptico por fazerem ver cada indivíduo em um lugar determinado, como instância de

produção a ser controlada, por permitirem que qualquer um, a qualquer momento possa ler

os registros, por constituírem normas, padrões, codificações para a escrita e, sobretudo, por

operarem a dissociação do par ver-ser visto: os indivíduos antecipam-se ao controle

externo.

Com efeito, o mapa de controle de freqüência, ao ser afixado no mural, produz um

duplo efeito: ao mesmo tempo em que se permite ao(à)s profissionais que vejam o que foi

dito sobre ele(a)s, age sobre a virtualidade das ações, faz o(a)s profissionais se anteciparem

frente ao registro.

3.3.2 Processos coletivos de subjetivação

Trataremos agora dos gêneros que constituiriam referências para seu co-enunciador

que extrapolam o plano do individual. Entre eles, teríamos o poema e o panfleto. É

interessante registrar uma certa ordenação cronológica entre eles que parece anunciar um

processo político de organização do(a)s profissionais. Tal ordenação abriu espaços de

resistência no mural.

O primeiro texto afixado foi o poema intitulado “O Analfabeto político”. A cena

instituída remete a uma enunciação de panfleto político, cujo tema é a alienação frente aos

embates sociais. Para tal, fala-se sobre um dado perfil de atores sociais, o “analfabeto

113

político”. A ele é atribuído o desconhecimento de que sua situação econômica mais

imediata (“o custo de vida”) dependeria de “decisões políticas”. Tais decisões poderiam ser

mais ou menos favoráveis, a depender de sua atuação. Como o que caracterizaria o

“analfabeto político” seria exatamente o “orgulho” de odiar política, ele acabaria, em última

instância, pendendo a luta política para o lado dos exploradores.

O tom eloqüente do texto, apropriado a intervenções em reuniões como plenárias e

assembléias, constitui um etos apaixonado de defesa do povo explorado e de indignação

frente à “ignorância”, à burrice do “analfabeto político”. Assim, não haveria espaço para

opções individuais na luta política. A opção de neutralidade, ou de ódio à política levaria os

indivíduos à base de sustentação dos explorados. Ou se está do lado dos explorados,

conscientes de suas tarefas políticas, ou se acaba por apoiar o surgimento “(d)a prostituta, /

(d)o menor abandonado, (d)o assaltante e o pior dos bandidos / que é o político vigarista,

pilantra, / o corrupto e o lacaio dos exploradores do povo”.

Aproximadamente dois meses depois, foi afixado o panfleto intitulado

“Esclarecimentos acerca do famigerado código 61”. Esse texto circulou no mural, no

momento em que vinham sendo feitas paralisações consecutivas, marcadas em assembléia

da categoria. Essas paralisações de 24 horas previam a assinatura do ponto, uma vez que o

código 61, relativo a falta por greve, estaria sendo usado pelo governo como mecanismo de

pressão para evitar manifestações políticas coletivas. Com isso, o código, que teria, a partir

da resolução que o instituiu, um caráter meramente informativo, passou a ser utilizado para

fins de desconto de salário.

Um texto que se propõe ser um “esclarecimento” estabelece, entre os

coenunciadores, uma relação em que um saberia de algo que o outro desconhece. O

destaque dado à expressão “famigerado código 61” parece evidenciar que não se trata

“apenas” de esclarecer, mas de oferecer elementos para uma tomada de posição. Um

esclarecimento sobre o código 61 poderia ser dado inclusive pela própria Secretaria de

Educação. No entanto, desde o título, uma opinião sobre o código é evidenciada.

O texto segue por mais duas páginas, com nove itens, em que se explicita uma série

de questões que não se restringem ao referido código, mas tratam principalmente da greve

como direito constitucionalmente assegurado. Ao longo desses itens, citam-se leis,

resoluções, portarias, projetos de lei e a própria constituição federal.

114

Na terceira página do texto, as leis deixam de falar ao(à)s profissionais e o

enunciador narra uma leitura anterior que teria feito de textos do mural e então teria

descoberto que a “direção não aplicaria o famigerado código 61”.

As leis, supostamente favoráveis às manifestações dos(as) profissionais, seriam um

pretexto pra uma ação conjunta: “temos que nos unir em torno de um único objetivo:

‘valorização do magistério”. Há um confronto entre a “nossa realidade” e “a idéia

equivocada e maldosa de que ganhamos bem pelas nossas horas e dias de trabalho, como

disse o sr. Secretário de Educação”.

Entra em cena um sujeito coletivo, que se produz a partir da luta e da organização

de todo(a)s. A união seria a arma para combater posturas “covardes” entre o(a)s

profissionais. “Nada adianta” ou “nada muda” seriam falas atribuídas ao(à)s que se

acovardam. Tomados talvez por um “analfabetismo político”, ou seja, por ignorância, ou

por falta de “esclarecimento” acerca da legislação pertinente.

O gênero panfleto inclui outro texto: o boletim “Fala, Betinho!!”, publicação de

responsabilidade da “representação do C. E. Herbert de Souza no SEPE”. Tal texto

apareceu no mural no mês de novembro, após o “último ato dos profissionais da educação

da rede estadual, realizado no dia 04 de outubro”.

Vemos assim uma seqüência de textos que inicia com o poema, passa por um

panfleto apócrifo, convocando o(a)s profissionais a participarem dos atos e paralisações

propostos pelo sindicato e aprovado em assembléias da categoria. O boletim põe em cena

uma enunciação que pressupõe a existência de um coletivo.

A presença do pronome “nós” e os verbos em primeira pessoa do plural encenam

uma coincidência entre as vozes da representação e a dos representados. Aqui, diferente das

cenas instituídas a partir dos textos anteriores, não há propriamente a possibilidade de

escolha entre os dois lados da luta política. Haveria um projeto coletivo de “mudar esta

realidade”.

Assim como nos textos anteriores, o abatimento e o desânimo diante da luta política

são denegados (“Não podemos nos deixar abater por um governo que não tem

compromisso com a qualidade dos serviços” e “Se não conseguimos mobilizar o suficiente,

não é hora de procurar culpados entre nós ou na diretoria do Sindicato (eleita por nós

para nos representar e não nos substituir!!)”).

115

Por fim, há um conjunto de referências a outros textos como “Um galo sozinho não

tece uma manhã”, de João Cabral de Melo Neto, e uma paráfrase da música de Geraldo

Vandré, “Para não dizer que não falamos de flores”.

Se confrontarmos os diferentes modos de produção dos co-enunciadores da

seqüência versículo bíblico-mapa de controle de freqüência, de um lado, e poema-panfleto,

de outro, veremos que a primeira seqüência privilegia o indivíduo, enquanto a segunda

seqüência dirige-se a grupos, mesmo que, como ocorre com o texto intitulado

“Esclarecimento acerca do famigerado código 61”, a noção de grupo esteja associado à

idéia de conjunto de indivíduos dotados de direitos e deveres.

Desse modo, poderíamos destacar, em um primeiro momento, uma oposição nos

processos de subjetivação entre indivíduo e grupos, para, em seguida, identificarmos os

diferentes modos de produção da noção de grupo.

Quanto aos indivíduos, é o exercício material do poder disciplinar que faz ver uma

dada produção de sujeito como dimensão interior dos corpos. Se o poder soberano se

apropriava do produto do trabalho do camponês, por exemplo, o poder disciplinar constitui

dispositivo de disciplinamento para atuar não sobre os resultados, mas sobre os corpos, os

gestos (Foucault, 2006).

No caso dos versículos bíblicos, vimos que, ao mesmo tempo em que se fala sobre a

paciência e a perseverança, o apagamento do enunciador parece encenar a resignação cristã.

O pastor deve ser reconhecido entre os fiéis apenas como intermediário de Deus, aquele

cujas palavras são animadas pela divindade. Na medida em que não tematiza a resignação,

mas a encena, o enunciador põe em jogo a idéia de que se deve ensinar algo a alguém não

somente através de palavras, mas principalmente por gestos e atitudes.

A esse respeito, Jurandir Freire Costa ressalta o exemplo como elemento importante

de constituição do “bom educador”:

“O diretor ou professor não deviam ensinar apenas pelo salário nem ter a única intenção de administrar conhecimentos aos alunos. O essencial da função educativa residia no exemplo moral que se poderia dar às crianças: o ‘bom educador’, o que compreende bem a dignidade e a altura de sua posição, previne muitas vezes com uma palavra, um gesto, um olhar, muitos castigos. A vigilância constante e sabidamente benévola, a amabilidade respeitosa de que

116

ele se reveste, têm um poder mágico na manutenção da disciplina escolar” (Costa, 1999, p.198)

Essa estratégia de normalização, em alguma medida, também atravessa o mapa de

controle de freqüência. O “bom educador” deve agir de acordo com os preceitos esperados

por todos, deve evitar ter faltas, atrasos, ou quaisquer tipos de outras anotações que possam

desabonar sua conduta. A Educação é vista como ação individual de sujeitos exemplares.

De outro lado, teríamos a encenação de sujeitos que se encontram necessariamente

inseridos na luta política. Tal inserção faria ver não atores individuais, mas lados, grandes

grupos nos quais se situariam, por compartilhar de um projeto de sociedade.

Rocha e Aguiar (2003) atentam para o fato de que muitas teorias que se proporiam a

criticar os modelos sustentados, no capitalismo, a partir de subjetividades individuadas

mantêm resquícios de tais modelos. Essa perspectiva seria assumida, com maior nitidez,

pelo poema e pelo primeiro panfleto. Neles, a idéia de que a luta política deveria centrar-se

em dar a conhecer, em “esclarecer” os problemas atuais conduz a uma suposição de que a

lucidez é o caminho necessário para a liberdade.

No segundo panfleto (o boletim “Fala, Betinho!!”), a questão central não se

restringe ao esclarecimento, à lucidez plena como objetivo a ser alcançado no caminho da

liberdade. Diferentes vozes são agenciadas na inscrição do pronome “nós” como instância

enunciativa.

3.4 Dispositivo de produção de prescrição do trabalho docente

O mural também pode ser compreendido como dispositivo de produção de

prescrição do trabalho docente. Essa dimensão do mural poderia ser apreendida aqui a

partir de variadas perspectivas.

Antes, caberia citar as seguintes observações de Souza-e-Silva acerca da prescrição

no trabalho docente:

“Como nas demais profissões, o trabalho do professor consiste em utilizar procedimentos concebidos por outros, advindos de uma cascata hierárquica, desde o nível nacional, como a Lei de Diretrizes e Bases, passando pelos PCN, os quais são retomados / repensados no âmbito de cada estabelecimento escolar e dos coletivos de trabalho” (Souza-e-Silva, 2004, p.90)

117

Poderíamos, por exemplo, considerar a encenação que os versículos bíblicos

impõem como produtora de certos saberes morais supostamente necessários à prática

docente. Veríamos assim a constituição de diferentes estratégias de controle de si, fazendo

os(as) profissionais introjetarem as normas do poder disciplinar. Ressaltaríamos perfis de

“bom educador” pressupostos, a partir do mural como produção / circulação de textos.

Nota-se assim que, mesmo aqueles que não dizem explicitamente que o(a)

professor(a) deve agir de um dado modo ou outro, o mural teria uma dimensão prescritiva

que leva à leitura da maioria de seus textos como produtores de regras e normas para o

trabalho.

Neste item, citaremos as circulares como parâmetro de comparação com os bilhetes,

entendendo-os para além de sua função “informativa”. Sendo assim, perceberíamos que

informar algo a alguém em situação de trabalho, em alguma medida, traz subjacente uma

dada pressuposição, ou seja, produz também a idéia de que algo deve ser feito quando se

toma ciência de uma “informação” tal.

As circulares são documentos oficiais com periodicidade regular. No início de cada

bimestre, divulga-se uma circular em que constam, basicamente, as datas de prova, de

recuperação, de entrega de notas e do Conselho de Classe. Percebemos uma variação

quanto à organização textual das ocorrências desse gênero do discurso. As circulares do

primeiro e do terceiro bimestres (iniciando o primeiro e o segundo semestres,

respectivamente) assumem maior formalidade no tratamento aos seus co-enunciadores,

tratando-os, por exemplo, como “senhores professores” ou “nossos colegas professores”.

Esses textos são impressos, enquanto os outros dois (circulares referentes ao segundo e ao

quarto bimestres) apresentaram-se em manuscrito.

As circulares que assumem maior grau de formalidade oferecem detalhamentos do

que o(a) professor(a) deve fazer: composição das médias, procedimentos relativos à

recuperação, etc. Além disso, a enunciação desse documento é atribuída à direção da escola

e à orientação pedagógica, cujas assinaturas são acompanhadas do número de matrícula.

De modo distinto, o bilhete encena uma enunciação informal. Institui certa

proximidade entre os coenunciadores. Distanciando-se de enunciações formais, parece

retirar a relação entre eles do campo das obrigações, passando a um pedido informal.

118

Contribui com um abrandamento das coerções do mural, comprometendo o leitor não pela

“força” da lei, mas por sentir-se implicado com o enunciador, pela proximidade.

O bilhete dispensa justificativas, na medida em que, como enunciação informal,

parece não ter obrigação de responder. Como, em geral, não se explicita nenhum tipo de

solicitação e, em princípio, bastaria tomar ciência de tal fato, tais textos são bastante úteis

como prescrição.

Vejamos um exemplo:

“Professores Edésio, Ma. José e Albertone, A aluna Regina Lúcia, gestante c/ gravidez de

risco não está bem hoje, pediu p/ avisar”36. À primeira vista, diz-se apenas que a aluna “não está bem hoje”. O fato de ela ter

pedido a alguém que avisasse aos(às) professores(as) nos faz pressupor que ela não

comparecerá na escola naquele dia. Caso contrário, ela mesma poderia avisar. O aposto

“gestante c/ gravidez de risco” parece justificar o fato de esse ter sido o único bilhete

afixado no mural que tratasse de ausência de um aluno.

É possível subentender que, embora a finalidade mais visível do texto seja a

justificativa para a falta da aluna, espera-se que os(as) professores(as) compreenderão sua

situação e possam abonar sua falta.

4. Conclusões parciais

A opção por uma determinada perspectiva em relação às práticas linguageiras,

segundo a qual a produção de linguagem se associa, simultaneamente, a uma dada

produção de social, permitiu-nos problematizar a idéia de que o mural possa se constituir

tão-somente como “transmissão de informação”.

Foi possível perceber que textos tão distintos produzem níveis variados de embates,

propiciando o questionamento da suposta autonomia do texto frente ao mural. Vimos,

assim, que a existência de dispositivos como o mural corresponde a uma dada conformação

de social. Nesse aspecto, o diálogo promovido entre as reflexões de Foucault e o referencial

de análise da AD nos permitiu compreender uma dada conformação de social a que nos

36 Ver Anexo 1.

119

referimos anteriormente como espaço-tempo de exercício do poder disciplinar. Foucault

propõe a seguinte síntese em relação à mecânica do poder disciplinar:

“E podemos resumir toda essa mecânica da disciplina dizendo o seguinte: o poder disciplinar é individualizante porque ajusta a função-sujeito à singularidade somática por intermédio de um sistema de vigilância escrita ou por um sistema de panoptismo pangráfico que projeta atrás da singularidade somática, como seu prolongamento ou como seu começo, um núcleo de virtualidades, uma psique, e que estabelece além disso a norma como princípio de divisão e a normalização como prescrição universal para todos esses indivíduos assim constituídos” (Foucault, 2006, p. 69)

A vigilância e a norma têm no mural um dispositivo de produção de disciplinamento

do trabalho docente. Tal produção pôde ser apreendida a partir de diversas possibilidades

de análise em que interagiram uma dada visão do social, proposta por Foucault, e um

conjunto de ferramentas conceituais, oferecidas pela Análise do Discurso.

A partir das noções de gênero do discurso e de mídium pudemos analisar o

deslocamento dos textos em relação a diferentes contextos de circulação para o mural como

produtor de sentido. Ao deslocar textos, altera-se o quadro de referências, o modo de

consumo dos textos. Com efeito, tais alterações nos permitem entender que os textos não

compõem unidades autônomas, mas enunciados que podem ser lidos de diferentes modos e

a partir de diversos lugares.

Como desdobramento possível, a cenografia instituída a partir dos textos do mural

nos permitiu confrontar a produção de imagens distintas para o co-enunciador. Vimos

assim que os(as) professores ora são convocados a ler os textos como sujeitos individuados,

tal como são produzidos pelas estratégias de disciplinamento, ora como sujeitos coletivos,

forjados na luta política.

Por último, vimos também que o mural atualiza prescrições para o trabalho docente

que não se explicitam, em diversos exemplos, como ordens ou solicitações diretas.

Produzem-se prescrições que se encontram subentendidas em bilhetes, por exemplo. Vimos

ainda que sua utilidade residiria exatamente no aspecto de dispensar um poder central

atuando constantemente, o que há é um auto-controle por parte dos profissionais que se

atualiza, entre outras situações, no reconhecimento dos implícitos citados anteriormente.

120

Capítulo 4 |

Alteridade no trabalho docente

No presente capítulo, optamos por uma outra proposta de recorte do córpus de

análise. Nosso objetivo é discutir a produção de imagens discursivas do trabalho docente a

partir da materialização de certas estratégias de poder no funcionamento discursivo. O

mural é compreendido agora como um dispositivo de poder, que agencia diferentes (e

mesmo divergentes) vozes, autorizando-as a falar ao(à)s professore(a)s em situação de

trabalho.

Retomando as análises do material, percebemos que a categoria de discurso relatado

nos permitiria discutir o funcionamento discursivo, de uma perspectiva enunciativa,

mapeando a ocorrência de vozes e seus diferentes modos de apresentação. Dessa forma, a

partir das ocorrências de discurso relatado identificadas nos textos analisados, elaboramos

critérios de natureza quantitativa e qualitativa no sentido de explorar, entre todas as

ocorrências identificadas de discurso relatado, um conjunto que fosse, ao mesmo tempo,

significativo e produtivo. Centramos nossas análises na comparação entre as ocorrências da

categoria de discurso narrativizado, nos gêneros notícia de jornal, panfleto, nota

informativa e circular. As reflexões empreendidas a partir dos diferentes modos de

apresentação da categoria discurso narrativizado nos textos analisados nos permitiu

121

compreender certas estratégias de poder e de produção de saberes pressupostos do trabalho

docente.

1. A alteridade na constituição do discurso

O sintagma “heterogeneidade lingüística” parece inevitavelmente nos conduzir às

reflexões de Authier-Revuz (1990). Para tratar desta questão, Authier-Revuz irá buscar no

“exterior” da lingüística referências para afirmar que toda produção de linguagem instaura a

presença do outro.

Essa reflexão acerca da presença do outro no discurso assenta-se nas noções de

“dialogismo”, tomadas ao círculo bakhtiniano, e de “sujeito clivado”, da psicanálise

lacaniana. Embora sejam referências já há muito conhecidas no âmbito dos estudos da

linguagem, faremos uma brevíssima explicitação das particularidades que a autora fez

ressaltar na articulação desses dois conceitos.

As referências a Bakhtin encontram-se no terreno da já consagrada tese do

“dialogismo”, segundo a qual o discurso é sempre resposta a um outro. Não haveria

produção de linguagem que não remetesse necessariamente a um outro. Já no que tange à

noção de “sujeito clivado”, esta apontaria para um descentramento do sujeito da linguagem.

O modelo de sujeito intencional, senhor de seu dizer, cede lugar à idéia de que a produção

de linguagem não poderia ser a exteriorização de um querer dizer, mas sim de um processo

de negociação com o outro.

A partir das referências à noção de “dialogismo” e de “sujeito clivado”, Authier-

Revuz produz o par conceitual heterogeneidade constitutiva / heterogeneidade mostrada.

Por heterogeneidade constitutiva, deve-se entender que não há um centro estável em

torno do qual os sentidos do discurso gravitam. Estes são múltiplos e constituem-se na

tessitura social, para a qual não há nem ponto de partida, nem ponto de chegada.

Ao falar de tessitura social, pretendemos retomar a idéia de atravessamento: o fio de

um tecido precisa ser atravessado por outros. No caso do tecido, é possível puxar um fio

solto e destacá-lo dos demais. Teríamos, com isso, a ilusão da unidade que forma, com

outras unidades, o todo do tecido. Por um instante ao menos, o todo pode equivaler à soma

das partes.

122

A própria metáfora do tecido encontra aqui seu limite. Não é possível puxar

palavras para encontrar sua origem. As palavras estão sempre em disputa múltiplas,

atravessadas por vários outros. É esse movimento inclusive que as inscreve na história e

produz sentido. No terreno do discurso a propriedade privada não passa de mera ilusão.

A esse respeito, Authier-Revuz afirma:

“Sempre sob as palavras, ‘outras palavras’ são ditas: é a estrutura material da língua que permite que, na linearidade de uma cadeia, se faça escutar a polifonia não intencional de todo discurso, através da qual a análise pode tentar recuperar os indícios da ‘pontuação do inconsciente” (Authier-Revuz, 1990, p. 28).

Ou ainda:

“Em ruptura com o EU, fundamento da subjetividade clássica concebida como o interior diante de uma exterioridade do mundo, o fundamento do sujeito é aqui deslocado, desalojado, ‘em lugar múltiplo, fundamentalmente heterônimo, em que a exterioridade está no interior do sujeito” (Authier-Revuz, 1990, p. 29).

A noção de heterogeneidade mostrada37 refere-se, por outro lado, às manifestações

explícitas (marcadas ou não) de negociação com a fala do outro. Entre essas manifestações,

encontra-se o discurso relatado. Com ele põe-se em cena uma luta do discurso para limitar a

um determinado ponto, a uma extensão localizável, a presença do outro, que,

contrariamente a essa representação, o constitui integralmente.

Nesse embate, que produz como resultado a ilusão de uma suposta fronteira entre

um discurso e outro, é possível recuperar sistemas de referência que evidenciam situações

de enunciação distintas. Em particular, no caso do material que estamos analisando, essas

diferentes situações de enunciação são postas em confronto para fazer falar aos professores

em situação de trabalho.

Assim sendo, a categoria de discurso relatado (DR) permite-nos identificar e

problematizar que vozes são convocadas a falar aos professores em situação de trabalho.

Perguntamo-nos, nesse sentido, como a opção pelo discurso relatado como categoria de

37 Authier-Revuz (1990) propõe dois planos da heterogeneidade enunciativa: a heterogeneidade constitutiva (um princípio teórico segundo o qual as práticas de linguagem são, por constituição, heterogêneas) e a heterogeneidade mostrada (materialidades apreensíveis da heterogeneidade, criando a ilusão de que a presença do outro se restringe a essas entradas).

123

análise pode contribuir com a discussão acerca do trabalho do professor. Tal opção nos

permite definir níveis distintos de vozes em combate, configurando espaços discursivos

diferentes.

2. As formas de agenciamento da presença do outro38

Neste item, apresentaremos um levantamento quantitativo das ocorrências de

discurso relatado em dois quadros. No primeiro deles, indicaremos o percentual de

ocorrências por categoria de DR. Em seguida, distribuiremos as categorias por cada um dos

gêneros em que identificamos a presença de discurso relatado. Posteriormente aos

resultados quantitativos, definiremos cada uma das categorias de discurso relatado e

descreveremos as marcas lingüísticas consideradas na identificação de tais categorias.

Com o levantamento que segue pretendemos objetivar a riqueza do material

encontrado. Antes de passarmos à análise dos resultados obtidos, cabe ainda ressaltar que

os quadros abaixo nos levam estritamente a ver, de modo sintético, a diversidade do

material com o qual decidimos trabalhar. Os dados apresentados não poderiam ter como

objetivo produzir um conjunto de saberes acerca de determinados gêneros, até mesmo

porque o equilíbrio do material não é critério a priori, ou seja, o confronto que pretendemos

fazer toma como referência os gêneros a que pertencem e não uma mesma extensão de

textos. Estamos confrontando, portanto, o gênero notícia com o gênero bilhete,

considerando as coerções de cada um, os lugares instituídos a partir dos quais cada um dos

enunciadores se põe a falar aos professores, os temas, entre outros aspectos, muito embora

haja quatro notícias de jornal, três delas de página inteira e apenas 5 bilhetes de extensão

equivalente a uma ou duas linhas.

Com todas essas ressalvas, alguém poderia nos questionar acerca da validade da

apresentação, em termos quantitativos, de tal resultado. Ora, estaria correto afirmar que o

critério quantitativo por si só não poderá presidir à opção por uma ou outra entrada de

análise. No entanto, a variedade significativa de ocorrências de discurso relatado nos leva a

ter de fazer escolhas para viabilizar a análise. Essas escolhas devem se orientar, em

primeiro lugar, pelos objetivos gerais propostos por este trabalho. O que estamos tentando

38 Nos anexos 3 e 4, constam os quadros com as ocorrências de discurso relatado identificadas nos textos do córpus.

124

construir aqui são formas de mediação entre a considerável quantidade de ocorrências de

discurso relatado e os objetivos de trabalhos a que nos propusemos.

Talvez tal mediação fosse dispensável se, de antemão, tivéssemos definido que

trabalharíamos com apenas um determinado gênero, ou que optaríamos pelo confronto

entre um e outro, previamente determinados. No entanto, nossa opção inicial tomou outra

orientação. Desejávamos levantar que gêneros do discurso circulam no mural da sala dos

professores, conforme o fizemos no capítulo anterior. Desde o início, sustentamos ser a

diversidade de gêneros um dos critérios fundamentais, considerando que seria interessante

analisar de que lugares e a quem se fala na sala dos professores. Esse critério, de ordem

qualitativa, deve-se manter também nas análises propostas neste capítulo. Assim sendo,

estamos aqui reiterando o confronto entre os diversos gêneros do discurso como caminho

produtivo a ser percorrido.

Resta-nos agora elaborar os passos que nos permitirão apontar os gêneros que

comporão o percurso comparativo a que nos propomos. É nesse momento que o recurso a

dados quantitativos parece ser interessante. Vemos, portanto, esse recurso a dados

quantitativos como desdobramento necessário, na etapa atual de análise, e parte dos

desafios que nos são colocados na medida em que optamos pela diversidade de gêneros do

discurso como critério de composição do córpus.

Em todo o material, identificamos 150 ocorrências de discurso relatado. Essas

dividem-se entre diferentes categorias, de acordo com o quadro abaixo:

Quadro 1 – Relação entre o número de ocorrências e o percentual de cada uma das categorias de discurso relatado

Categoria Número de ocorrências

Percentual

Discurso direto (DD) 19 12% Ilha textual (IT) 3 2% Modalização em discurso segundo (DS)

12 8%

Discurso indireto (DI) 23 15% Intertexto (Int.) 26 17% Discurso Narrativizado (DN) 71 46% Total 154 100%

Seguiremos aqui a lógica do continuum que organizaria, da esquerda para a direita,

uma progressão gradativa das formas de apagamento do relato. Adotamos, para organizar

125

as ocorrências de discurso relatado, a lógica do continuum proposta por Sant’Anna (2004).

A referida autora, ao discutir a inscrição do gênero notícia na tensão entre informar e

opinar, problematiza a noção de objetividade no discurso jornalístico, assumindo a

perspectiva da heterogeneidade enunciativa. Ao identificar as diversas vozes que

atravessam a notícia, percebe uma dada categoria de relato do discurso do outro que tem

como característica o apagamento da fonte. O discurso narrativizado, como ela nomeia tal

categoria, “ao confundir-se com a idéia de ‘informar objetivamente’, corresponde a uma

forma narrativizada de um possível discurso indireto” (Sant´Anna, 2004, p. 180).

A objetividade a que se refere a autora representaria, de acordo com a imagem de

fazer jornalístico constante nos manuais de redação e estilo dos jornais analisados, o

domínio desejável de tal atividade. É nesse debate, em que se discutem formas mais ou

menos apagadas de inscrever diferentes vozes nos discursos, que Sant’Anna propõe

“sistematizar esse processo de identificação de discurso relatado em nosso córpus, das

mais explícitas em relação à atribuição do dito a outro até a mais apagada (...)”

(Sant’Anna, 2004, p. 182). Essa sistematização produz a lógica do continuum mencionada

anteriormente, que tem como critério de organização, da esquerda para a direita, um grau

crescente de apagamento da presença de um discurso citado em um discurso citante.

Sant’Anna (2004, p. 183) propõe, para tanto, o seguinte continuum:

(1)

(2) (3) (4) (5) (6) (7)

entrevistas discurso direto

ilhas de discurso direto

discurso segundo

discurso indireto

intertexto discurso narrativizado

O quadro que apresentamos a seguir quantifica as ocorrências de cada uma das

categorias identificadas por gênero.

Quadro 2 – Número de ocorrências de DR em cada um dos gêneros do discurso Gênero DD IT DS DI Int DN Total Notícia 18 0 12 8 8 30 76 Cartaz publicitário

0 0 0 0 0 1 1

Circular 0 0 0 3 0 18 21 Bilhete 0 0 0 1 0 1 2 Poema 0 0 0 1 0 0 1 Nota Informativa 1 0 0 8 9 13 31

126

Panfleto 0 3 0 2 9 8 22 Total 19 3 12 23 26 71 154

O quadro acima, que discrimina as ocorrências de discurso relatado por gênero por

categoria, nos mostra uma oscilação significativa tanto em relação ao número de

ocorrências por categoria, quanto às ocorrências por gênero. Assim, temos o gênero notícia,

com 75 ocorrências ao todo, ao mesmo tempo em que no gênero bilhete há apenas três

ocorrências identificadas. Retornamos aqui ao problema antecipado nos parágrafos

anteriores. Dizíamos que o recurso a elementos quantitativos poderia ser interessante. Até

que ponto, certamente nos questionariam. O problema da falta de equilíbrio entre a

“quantidade” de textos permanece. Assim, uma quantidade de textos desigual redundaria,

sem dúvida, numa quantidade de ocorrências desigual.

Se, por um lado, tem razão o argumento segundo o qual o desequilíbrio na

“quantidade” de textos pertencentes a cada um dos gêneros do discurso levaria a supor

igualmente um desequilíbrio nas ocorrências de discurso relatado identificadas, por outro,

entretanto, essa relação não se estabelece de acordo com uma proporcionalidade direta. O

que impede que se trate de uma relação direta é exatamente o fato de estarem em jogo

gêneros diversos. Com isso, mesmo sem negligenciar o desequilíbrio nas “quantidades”,

estamos querendo afirmar que os percentuais não refletem uma lógica meramente

quantitativa, mas que os resultados a que chegamos com ela parecem apontar um caminho

produtivo.

A julgar pelos quadros acima, quatro gêneros do discurso destacam-se por contarem

com uma incidência considerável de ocorrências. São eles: a notícia, a circular, a nota

informativa e o panfleto. Essa realidade evidenciada pelas informações quantitativas acima

mencionadas requer de nós ainda um esforço de tentar justificar se tal resultado dialoga

com os objetivos aqui propostos de maneira satisfatória.

Considerando que seria enfadonho e pouco produtivo percorrer todas as ocorrências

de cada uma das categorias de discurso relatado, a questão da produtividade deve, portanto,

organizar os recortes necessários. Um outro aspecto que também nos toca é a questão do

confronto entre os gêneros. O confronto proposto verticalmente a atravessar toda a pesquisa

nos impediria também aqui de limitar as análises no âmbito não das categorias, mas de cada

um dos gêneros.

127

O cruzamento desses dois aspectos – de um lado, a preocupação com a

produtividade e, de outro, o confronto proposto entre os gêneros – nos faz ver com bons

olhos os quatro gêneros que emergiram dos quadros anteriormente apresentados. Em

primeiro lugar, porque dois deles (a notícia e a nota informativa) figuram no mural por um

“desvio de rota”, ou seja, foram retirados de seu contexto “habitual” de circulação. Os

outros dois (a circular e o panfleto) teriam no mural seu meio de divulgação por excelência.

Por meios de circulação “originalmente” distintos, os gêneros do discurso têm no

mural um ponto de convergência. Esse encontro nos permite enxergar a produtividade não

só de cada um deles, em termos de quantidade de ocorrência, como estaria anunciado nos

quadros explicitados, mas, acima de tudo, no que tange ao problema do mural como

mídium. A convergência observada a partir do momento em que são postos em circulação

no mural da escola também abre espaço para a demarcação de confrontos diversos entre os

gêneros. A notícia, circulando nos jornais, põe em cena como co-enunciador o leitor em

geral. Afixada no mural, o enunciador-jornalista fala a um público bastante restrito. Esse

deslocamento produz sentido não somente no que diz respeito ao gênero notícia, mas

reconfigura toda a questão do mural e sua relação com seu leitor.

Sendo assim, optamos por recuperar as definições de cada uma das categorias nos

autores anteriormente mencionados, e, em seguida, apresentar exemplos identificados em

nosso material, juntamente com os critérios considerados para definição.

Feita essa apresentação das definições, faremos um outro recorte no material

analisado. Consideraremos apenas os quatro gêneros em que houve o maior número de

ocorrências identificadas, quais sejam: a notícia, a circular, a nota informativa e o panfleto.

Um primeiro critério que nos leva a tal opção é a questão da produtividade.

Supondo que organizássemos nossas análises por categorias, discutir cada uma das

ocorrências faria das análises um exercício enfadonho e que teria pouca possibilidade de

problematizar a construção de imagens discursivas do trabalho docente em tal verticalidade.

Por outro lado, organizar a análise por gênero do discurso e percorrer cada um dos

gêneros, sem considerar o fato de que há uma enorme desigualdade na distribuição de

ocorrências seria igualmente improdutivo.

128

Nesse sentido, optamos por reduzir a quantidade dos gêneros do discurso para que

seja possível confrontar, por exemplo, as ocorrências de intertexto e seus modos de

apresentação em cada um dos quatro gêneros.

Além da questão da produtividade das análises e da viabilidade da apresentação dos

resultados, queremos sustentar que os quatro gêneros que nos são apontados pelos quadros

anteriormente apresentados como de maior ocorrência das categorias de discurso relatado

dialogam de um modo interessante com os objetivos de trabalho aqui propostos. De um

lado, com a circular e o panfleto teríamos gêneros que, de alguma forma, prevêem o mural

como seu modo “habitual” de circulação. De outro, estão a notícia e a nota informativa, que

são deslocados de seus modos “habituais” de circulação. As notícias que compõem o

córpus de análise são oriundas de jornais de grande circulação (O Dia e O Globo). Já as

notas informativas são documentos enviados pela Gerência Administrativa da

Coordenadoria Metropolitana X às direções de escola. Vemos, assim, que tais documentos

são deslocados de um espaço de circulação institucional e são afixados no mural. Nosso

esforço aqui é o de articular as evidências mostradas pelos dados quantitativos com

aspectos de ordem qualitativa. Assim, não basta ter figurado como gêneros que apresentam

maior número de ocorrências de discurso relatado identificadas, é necessário marcar o

distanciamento entre tais gêneros e discutir que confrontos esse distanciamento permite

entrever. Estaremos, assim, antecipando conflitos e embates que se mostrem produtivos.

2.1 Discurso direto

O discurso direto situa-se entre as formas registradas como clássicas de discurso

relatado. Os estudos tradicionais (Garcia, 1967/1998, por exemplo) costumam atribuir a

essa forma valor de literalidade: afirma-se que o discurso direto reproduz as palavras de

outro tal qual foram pronunciadas, ou seja, a elas seria atribuída a idéia de fidedignidade, de

veracidade. Para sustentar tal idéia, argumenta-se com base na autonomia da estrutura

sintática de tais enunciados e nas formas de introdução de outro discurso, que explicitam a

presença “fiel” de outro enunciador.

De acordo com Maingueneau (2001, p. 143), as formas para introduzir o discurso

direto devem satisfazer a dois critérios básicos: a. “indicar que houve um ato de fala”; b.

“marcar a fronteira que o separa do discurso citado”. Dessa forma, os recursos para

129

introdução do discurso direto, em geral, articulam marcas tipográficas como as aspas, dois

pontos, travessão, etc. com os chamados verbos dicendi (dizer, perguntar, responder,

afirmar, entre outros). É característica também recorrente do discurso direto a autonomia

sintática que delimitaria, em sua estruturação, o discurso citado e o discurso citante. Esses

limites formais bem marcados levaram a que os estudos tradicionais afirmassem que tal

citação reproduz fielmente as palavras do outro.

De uma perspectiva discursiva, a presença marcada de um discurso em outro

discurso insere-se em um conjunto de outras formas que mostram a inscrição da alteridade.

Assim sendo, longe de representar fielmente as palavras de outro, o discurso direto, tal

como se apresenta nos estudos enunciativos, contribui para problematizar a noção de

objetividade.

Tal objetividade teria como finalidade desresponsabilizar o enunciador pela citação.

Para tanto, a autonomia sintática de que falávamos acima permite que se instaurem no

enunciado dois sistemas de referenciação distintos, que remeteriam a duas diferentes

situações de enunciação. A respeito disso, Maingueneau afirma:

“(...) o discurso direto (DD) não se contenta em eximir o enunciador de qualquer responsabilidade, mas ainda simula restituir as falas citadas e se caracteriza pelo fato de dissociar claramente as duas situações de enunciação (...)” (Maingueneau, 2001, p. 140)

É essa suposta restituição que teria levado os estudos tradicionais a falar em

representação fiel das palavras de outro. Fica claro, portanto, que, para a AD, o que

interessa é perceber, de um lado, de que modo essa suposta fidelidade incide na relação

entre os coenunciadores e de outro, observar de que forma as duas situações de enunciação

se articulam.

Em nosso córpus de análise, essa categoria é identificada centralmente no gênero

notícia (com dezoito ocorrências) e apenas uma ocorrência no gênero nota informativa. No

continuum que registra as formas do discurso relatado em uma progressão de apagamento

da pressuposição de um discurso citado por um discurso citante, o discurso relatado é a

forma de maior evidência da presença do outro.

Entre as diversas possibilidades de apresentação do discurso direto, vejamos a

seguinte ocorrência:

130

“Antes, era preciso entregar a documentação no prazo. Agora, vamos comparar dados e checar se há reincidência em erros como notas fiscais vencidas, preenchimento incompleto de informações ou não-pagamento de imposto”, explica a superintendente de administração financeira, Maria Thereza Lopes. [Extraído da notícia 1]

O exemplo foi extraído de uma notícia. Como já discutimos em outros momentos a

relação entre os coenunciadores do jornal, trataremos aqui centralmente dos modos de

inscrição das duas situações de enunciação. A situação de enunciação atual caracteriza-se

por ser aquela que se atualiza a cada leitura do jornal e que põe em cena o enunciador-

jornalista e o co-enunciador-leitor. No exemplo transcrito acima, a situação de enunciação

atual é marcada pelo enunciador-jornalista apresentando a “explicação” dada no discurso

citado. Utilizam-se, para isso, o verbo dicendi “explicar” e as aspas.

Essas formas introdutórias evidenciam as fronteiras entre os discursos. Além dessas

formas, ressaltaríamos o papel de dêiticos como “antes” e “agora”. A cada vez que

pronunciamos o advérbio “agora” estamos fazendo referência a um momento distinto.

Portanto, “agora” equivaleria a afirmar tratar-se do “momento presente”. Retomando o

exemplo anterior, caberia esclarecer: presente em relação a quê? à enunciação atual ou à

anterior?

Assim também a oposição “antes” X “agora”, define um marco temporal em relação

ao qual é possível comparar aspectos anteriores com outros que passariam a ocorrer a partir

de então. O “momento presente” mencionado no exemplo corresponde à situação de

enunciação anterior, cujo enunciador seria “a superintendente de administração financeira”,

e co-enunciador, o jornalista.

Como último aspecto desse item, gostaríamos de questionar que motivações, de uma

perspectiva discursiva, levariam à escolha do discurso direto como forma de relato.

Maingueneau (2001) aponta cinco possíveis justificativas. Referimo-nos a três delas.

Inicialmente, um relato em DD conferiria certa autenticidade, na tentativa de assegurar que

as palavras citadas correspondem àquelas proferidas. A autenticidade cria, por conseguinte,

um distanciamento em relação ao relato, seja por não querer comprometer-se com ele, seja

por atitude de respeito (em casos de citação de autoridade). Com o DD, seria possível ainda

atribuir ao enunciador seriedade no relato.

131

Antes de passarmos à próxima ocorrência, cabe ainda discutir de que modo essas

justificativas para utilização do discurso direto como forma de marcar a alteridade

contribuem para o problema de pesquisa aqui colocado. Deveríamos nos questionar acerca

das possibilidades que a identificação do discurso relatado, em particular, do discurso direto

abriria, ou seja, o que é possível discutir a partir de tais ocorrências.

Nas ocorrências de DD em nosso córpus, retomam-se situações de enunciação cujos

responsáveis seriam o Secretário de Educação, o Coordenador do Nova Escola, a

Superintendente de Administração financeira da Secretaria, os Coordenadores gerais do

Sindicato.

Partindo do fato de que todas essas ocorrências foram identificadas no gênero

notícia, é necessário pensar de que modo a notícia no mural se constrói como gênero

discursivo e, portanto, que perfis de leitor constitui. A começar pela notícia, esta parece

configurar-se como mediadora entre seus leitores e as pessoas que estariam autorizadas a

falar. Para a construção dessa idéia de mediação, o DD cria a ilusão da presença “fiel” dos

enunciados atribuídos a um outro, ou seja, as palavras seriam captadas de modo autêntico, o

mais fiel possível a sua ocorrência original. Ora, ao mesmo tempo em que a notícia encena

a captação de falas autorizadas, legitima-se como mediadora entre alguém que

reconhecidamente se mostraria como detentor de um determinado saber e o público em

geral, que o desconheceria ou necessitaria da confirmação de existência de tal informação

através de fontes autorizadas.

A relação que se estabelece entre o enunciador-jornalista e o leitor, ao prever a

existência de fontes autorizadas a falar sobre determinado assunto, produz também a

legitimidade da mediação e, por que não, o desejo / necessidade de o leitor se informar

sobre algo. O excesso de informação no qual estamos imersos produz não só a legitimidade

das agências de informação, como também se consome o desejo / necessidade de informar-

se.

Por outro lado, na medida em que a autonomia sintática entre o discurso citado e o

citante cria um efeito de distanciamento, ou seja, o enunciador-jornalista não se

responsabiliza pelas palavras do outro, os limites bem marcados entre ambos instauram

respeito mútuo. As fontes de DD identificadas no material aqui analisado não só mostram-

se como autorizadas a falar sobre um dado assunto, como também parecem gozar de certo

132

reconhecimento social para tanto. É preciso perceber que as fontes são apresentadas pelo

nome próprio acompanhado do cargo que ocupam ou da função que exercem, pondo em

cena a idéia de que uma dada forma de organização do mundo conferiria a algumas pessoas

a autorização a falar sobre certas questões.

2.2 Ilha textual

Essa categoria é proposta por Authier-Revuz (2001) como forma híbrida, uma vez

que o enunciador diz e menciona o dizer, simultaneamente. A referida autora dará,

portanto, o nome de ilha textual à citação destacada por aspas, integrada à estrutura

sintática do enunciado.

De acordo com Maingueneau, “Temos, então, uma forma híbrida: mesmo tratando-

se globalmente de discurso indireto, este contém algumas palavras atribuídas aos

enunciadores citados” (Maingueneau, 2001, p. 151).

Em nosso córpus de análise, encontramos 3 ocorrências de ilha textual, todas elas

em um dos textos pertencentes ao gênero panfleto. Vejamos:

“O momento é mais do que oportuno de nos organizarmos, unirmo-nos e lutarmos pelos nossos direitos. Não podemos fugir à luta, escondermo-nos debaixo de desculpas que já viraram chavões, como: “nada adianta” e “nada muda”. Na verdade, é mais cômodo um discurso CURTO E GROSSO como esse, do que “ir à luta”. [Extraído do texto “Esclarecimentos acerca do famigerado código 61]

É interessante notar que as três ocorrências encontram-se no mesmo fragmento,

mesmo funcionando a partir de lógicas distintas. O que há de comum às três ocorrências é o

fato de nenhuma delas, inicialmente, ser assumida pelo enunciador. Dizemos inicialmente,

por que o enunciador parece propor ao co-enunciador que abandone as duas primeiras

ocorrências (“nada adianta” e “nada muda”) para assumir a última (“ir à luta”), embora esta

não esteja sintaticamente adequada para que seja atribuída como fala de alguém. O que,

indo ao encontro de tudo o que já dissemos, nos leva a pensar que as palavras entre aspas

representam situações de enunciação, atitudes que, espera-se, sejam tomadas pelo co-

enunciador. No que tange às duas primeiras ocorrências, uma relação de oposição por parte

do enunciador e, a última, de filiação.

133

Nesse sentido, vemos que o uso de ilhas textuais manifesta não apenas um

distanciamento do enunciador. No fragmento analisado, as ocorrências constituem a

polarização de um embate, em que estariam, de um lado, formas contra as quais o

enunciador se insurge e, de outro, formas com as quais concorda. Na relação com o co-

enunciador, haveria enunciações que aparecem em ilha textual, cujo abandono é proposto

pelo enunciador. Ao mesmo tempo, ele apresenta outras formas que ele desejaria ver

assumidas pelo co-enunciador. Tal categoria nos permite analisar confrontos entre imagens

distintas de profissionais sendo construídas, confrontando quem sustentaria um enunciado

ou outro, constituindo expectativas acerca do(a)s profissionais.

2.3 Modalização em discurso segundo

O discurso segundo seria, no dizer de Maingueneau (2001, p. 139), “um modo mais

simples e mais discreto para um enunciador indicar que [ele próprio] não é o responsável

por um enunciado”. A simplicidade e a discrição talvez residam no fato de tal recurso

dispensar uso de marcas tipográficas como dois pontos ou aspas. É introduzido por

modalizadores, tais como “para x, ...”, “segundo x, ...”, “de acordo com x, ...”, etc.

Em nosso material de análise, as 12 ocorrências de modalização em discurso

segundo identificadas restringiram-se ao gênero notícia. No discurso jornalístico, tal forma

de apresentação do discurso do outro parece responder a uma dupla necessidade: a

primeira, de não comprometer o jornal com palavras que são atribuídas a outros; a segunda,

de pôr, através da mediação do enunciador-jornalista, o leitor em contato com autoridades

ou especialistas em determinado assunto. Vejamos dois exemplos:

“Segundo Guilhermina Rocha, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), as principais reivindicações do movimento são o reajuste salarial de 56,39%, para repor perdas acumuladas nos últimos anos, e a incorporação dos profissionais de 40 horas semanais no plano de carreira da rede estadual de ensino” [Extraído da notícia 2].

No fragmento acima, grifamos em itálico o modalizador do discurso segundo.

Conforme afirmamos anteriormente, o modalizador é suficiente para atribuir tal enunciação

a outro, dispensando-se, assim, quaisquer outras marcas tipográficas como aspas ou dois

pontos.

134

O enunciador-jornalista parece oferecer-se como mediador entre o leitor e a

coordenadora do Sindicato. A enunciação da pauta de reivindicações é atribuída a quem

teria autoridade para falar em nome do movimento. Simultaneamente a isso, o enunciador-

jornalista encena distanciar-se de tal enunciação não só por não estar autorizado, mas

também, e sobretudo, por não comprometer-se com ela.

Lembramos que, não só nesse exemplo, mas em todas as demais formas de discurso

relatado, a encenação do distanciamento não exime o enunciador da escolha de um

fragmento e não outro, bem como das formas de introdução de tal enunciação citada.

Vejamos um outro exemplo:

“Se para os antigos estudantes o giz guarda um significado nostálgico, para os profissionais ele já deveria ter sido expulso da escola pública desde que a Fiocruz elaborou um relatório sobre a saúde dos profissionais de ensino do Rio” [Extraído da notícia 3].

O fragmento acima chama a atenção especialmente por deslocar-se um pouco dos

casos clássicos. Nele, introduzidas por modalização em discurso segundo, confrontam-se

duas enunciações: uma atribuída aos “antigos estudantes” e outra, aos “profissionais”.

O tema da notícia é a substituição dos quadros-negros por melanímicos, os quadros-

brancos. No confronto, os “antigos estudantes” manifestariam nostalgia em relação ao giz e

ao quadro-negro, já “os profissionais” teriam certa repulsa. De um lado, estariam as

recordações, lembranças, certo grau de afetividade, de outro, condições de trabalho

prejudiciais à saúde.

É interessante perceber que, ao longo da notícia, diversos são os profissionais que se

manifestam em relação aos prejuízos causados pelo quadro-negro. Inicialmente, o

secretário de Educação do Estado do Rio explica as razões de tal motivo. Em seguida,

aponta-se a existência de um relatório elaborado pela Fiocruz sobre tal situação. Também é

dada a voz a uma representante do SEPE (Sindicato Estadual dos Profissionais de

Educação). O que nos leva a questionar quando e onde tal voz de “antigos estudantes” fora

captada.

O verbo “guardar” no tempo presente, sem qualquer outro dêitico de referência,

possibilita que tal enunciação seja atualizada por outros “antigos estudantes”, sem tempo e

lugar definidos. Tais vozes parecem ter sido captadas a partir de um conhecimento de

135

mundo partilhado entre enunciador-jornalista e leitor, de modo que tal referência não seria

questionada.

2.4 Discurso indireto

Nos estudos tradicionais, o discurso indireto (DI) figura como oposição do discurso

direto, pelo fato de a citação em DI constituir, com o discurso citante, uma única estrutura

sintática. Considerando-se apenas o elemento sintático como distintivo de ambos os modos

de apresentação do discurso relatado, são bastante comuns os exercícios tradicionais de

transposição de DD para DI.

No entanto, é necessário perceber que a estrutura sintática constitui-se em apenas

um dentre os planos de diferenciação observável entre DD e DI. Sistematizaremos a seguir

os critérios de identificação de ambas as categorias propostos por Authier-Revuz (2001).

Cabe iniciar reafirmando que o discurso relatado não se limita a retomar as palavras de

outrem, é antes a referência a toda uma situação de enunciação.

A partir desse aspecto estruturante da compreensão do discurso relatado de um

ponto de vista enunciativo, perceberemos que noções como as de objetividade e de

fidelidade não podem se constituir como critério de distinção, na medida em que essas

noções não seriam característica própria a um ou outro modo de apresentação. São, sim,

efeitos de sentido. O que diferencia uma categoria da outra não é a relação que estabelece

com a situação de enunciação à qual remetem, mas a operações lingüístico-discursivas que

geram efeitos de sentido distintos.

2.5 Intertexto

De acordo com Sant´Anna (2004), o intertexto (Int.) distingue-se das ocorrências de

discurso indireto, pelo fato de que aquele não põe em cena uma pessoa como fonte, mas

“documentos que adquirem força a fim de serem responsáveis pela execução de diferentes

ações” (Sant’Anna, 2004, p. 180).

À primeira vista, sustentar que a mudança de fonte do discurso de uma pessoa para

um documento é suficiente para abrir uma nova categoria pode parecer, de certa forma,

excessivo. Lembrando que a citação de um discurso por outro não se restringe ao acesso a

136

um enunciado, mas a toda uma situação de enunciação, talvez o deslocamento da fonte não

devesse ser compreendido como uma outra categoria.

No entanto, há um problema colocado a partir dessa discussão que nos interessa,

para além mesmo da constituição de uma nova categoria metodológica. A referida autora

atinge com essa definição o centro do problema que o intertexto, assumido como categoria

distinta do discurso indireto, nos coloca. É preciso perceber que relatar um outro discurso e

atribuí-lo a um outro texto situa-se além das fronteiras da mera referência. Esse mecanismo

de citação parece reconhecer um funcionamento autônomo dos textos. A eles é atribuída a

responsabilidade “pela execução de diferentes ações”.

O interesse pela análise de ocorrências de intertexto se dá pelo fato de, em primeiro

lugar, investigar que textos são trazidos pelos diferentes gêneros observados no mural da

sala de professores e, em segundo lugar, de que modo o funcionamento discursivo do

intertexto pode contribuir para a construção de imagens discursivas do trabalho docente.

Das 27 ocorrências, 18 põem em cena textos oficiais, tais como: leis, resoluções, a

constituição federal, a proposta orçamentária do governo do estado, circulares. Esses textos

possuem um modo próprio de apresentação, acompanhados da numeração pela qual são

conhecidos, uma sigla ou um termo que os associe a determinada instância do aparato de

estado e a data de sua publicação. Para retomar o exemplo do parágrafo anterior, a

designação “Resolução SEE 2854/2005” aponta para o gênero do texto (Resolução), o

órgão responsável por sua elaboração (SEE, Secretaria de Estado de Educação), um

determinado número (2854) e o ano de sua publicação (2005, na forma abreviada, já que na

primeira menção à Resolução, explicitou-se a data de 29 de abril de 2005).

Toda essa formalidade constitutiva da menção ao texto legal aponta para

particularidades interessantes. Supostamente, as informações fornecidas na menção do

texto legal remontam o percurso burocrático e institucional que um indivíduo deveria

refazer para ter acesso ao texto na íntegra. Assim sendo, mesmo que ninguém refaça este

percurso (não estamos aqui descartando essa possibilidade, mas elaborando uma hipótese),

é necessário que a identificação do texto da lei evidencie tal trajetória.

Há ocorrências ainda em que apenas o número da lei mostra-se insuficiente,

(provavelmente para evitar a dificuldade de refazer o percurso institucional, ou mesmo pelo

pressuposto da impossibilidade do leitor de retomá-lo), nesses casos, apresenta-se também

137

uma outra forma de identificação do texto a que se atribui a responsabilidade pelo relato,

como em:

“Não existe lei que regulamente o art. 37, inciso VII, da Constituição da República, especificamente quanto à greve no serviço público. Assim, o SERVIDOR QUE PARTICIPAR DE PARALISAÇÃO (GREVE) DE SUAS ATIVIDADES FUNCIONAIS, POR ANALOGIA À LEI No. 7.783 / 89 (LEI DE GREVE) EXISTENTE, NÃO PODERÁ SOFRER NENHUMA PENALIDADE PECUNIÁRIA, SEJA MULTA OU DESCONTOS DOS DIAS EM QUE DEIXOU DE EXERCER SUAS FUNÇÕES LABORIAIS, EXATAMENTE POR INEXISTIR, NO ORDENAMENTO PÁTRIO, LEGISLAÇÃO QUE CONCEDA O DIREITO AO ADMINISTRADOR PÚBLICO DE CORTE DE VENCIMENTOSE/ OU VANTAGENS” [Extraído do panfleto 1].

Além do número e do ano de publicação da lei, é necessário identificá-la como “lei

de greve”. O acréscimo de uma outra identificação entre parênteses parece instituir uma

certa relação didática entre os coenunciadores, em que o enunciador criaria condições mais

favoráveis do que as recorrentes (nesse caso, a identificação apenas pelo número e a data de

publicação da lei). Talvez nem todos os leitores precisassem dessa outra identificação; para

outros, porém, ela pode ter sido imprescindível.

Há outros exemplos ainda que chegam a dispensar o modo de identificação corrente

dos textos legais. Este é o caso de:

“O projeto de Lei Estadual enviado recentemente à Assembléia Legislativa e que visava restringir o direito de greve no âmbito da administração estadual foi amplamente rejeitado” [Extraído do panfleto 1].

No exemplo acima, a identificação se dá por meio de uma oração adjetiva (“que

visava restringir o direito de greve no âmbito da administração estadual”). Além do

“Projeto de Lei Estadual” a que se faz referência, é possível recuperar outra informação

acerca da situação de enunciação original, o espaço da “Assembléia Legislativa”.

Mostra-se assim uma certa distinção no trato com os textos legais. Deve haver

alguns “iniciados” e outros que necessitem do auxílio de “tradutores”. Essa cisão entre os

que possuem saberes jurídicos e os que precisam de tradução na apresentação das leis

constitui hierarquias, em que conhecer as leis, enfronhar-se nelas, orienta-se por uma

138

obrigação e um desejo. Obrigação que produza sujeitos corretos, adequados às leis. Desejo

que, num mergulho cada vez mais profundo nos meandros da lei, possa produzir a ilusão de

uma liberdade cidadã. O conhecimento das leis e das normas, dos “direitos” e “deveres”,

produz a ilusão de um cidadão normal, consciente do lugar social conferido a ele através

dos saberes jurídicos que detém.

Se, por um lado, tal modo de apresentação responde a um dado modelo de

democracia formal, por outro, todas essas marcas parecem legitimar um funcionamento

autônomo das leis, resoluções, etc.

Entre as nove ocorrências restantes, cinco textos são relativos ao Programa Nova

Escola, que, apesar de se constituírem a partir de um percurso institucional, possuem

funcionamento distinto do dos textos de leis, resoluções, etc, que se materializam em

modos de apresentação distintos. Outras duas tratam também de textos com percurso de

circulação institucional com particularidades semelhantes às do Programa Nova Escola: o

Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) e o PNLEM (Programa

Nacional do Livro do Ensino Médio).

Restam apenas duas ocorrências. A primeira delas põe em cena uma edição anterior

do jornal O Dia, recuperável pela menção à data. A segunda refere-se a um quadro em que

estariam afixadas as “carências reais” das escolas pertencentes àquela Coordenadoria

Metropolitana.

Destacamos também o fato de que em 13 ocorrências os textos são introduzidos

pelos verbos “prever”, “autorizar”, “estabelecer”, “restringir” e “apenar”. Entre esses

cinco verbos, que comumente introduzem referências a textos legais, podemos constituir

um continuum da relação de força que cada um deles pressupõe, indo, portanto, do mais

brando, “prever”, ao mais incisivo, “apenar”. No entanto, é interessante notar estratégias no

funcionamento textual que apontam para um equilíbrio dessa relação de força. Uma das

ocorrências do verbo “prever” tem seu sentido reforçado por estar acompanhado do termo

“mais rigor”. Por outro lado, o verbo “apenar” é abrandado, aparecendo na voz passiva.

O equilíbrio que parece constituir a ocorrência dos verbos aponta para um

funcionamento que, como foi explicitado acima, conforma relações de poder que colocam

em cena o poder não como algo autônomo, como coisa em si, mas como relação, que

pretende não punir, mas corrigir, controlar os movimentos dos corpos, através de uma

139

relação positiva. É preciso criar o máximo de docilidade com o máximo de utilidade no

movimento dos corpos (Foucault, 2004a, p.119). Não se pode apenas impedir ou punir, é

necessário controlar seus gestos.

Nas outras ocorrências ora são atribuídas explicitamente ações aos textos citados,

como em:

“Esta determinação mudou completamente o protocolo para concessão do GOZO de tal licença, uma vez que passou a ser da SEE [Extraído de Nota Informativa 1]”.

Ora encena-se tratar-se de mera referência a eles, como se pode perceber no

exemplo a seguir:

“O ‘QUADRO DE CARÊNCIA REAL’ das Unidades Escolares estará afixado na Portaria desta COORDENADORIA REGIONAL METROPOLITANA X, a partir de 25 de Novembro (sexta-feira) e será atualizado diariamente, conforme as movimentações acontecerem” [Extraído de nota Informativa 2].

Assim, a grande incidência de referência a textos oficiais, tendo um terço de suas

ocorrências introduzidas pelos verbos “prever”, “autorizar” e “estabelecer”, nos leva a notar

o relevo assumido por saberes jurídicos. Esses saberes jurídicos são invocados ora para

legitimar programas de avaliação do trabalho docente e processos administrativos, ora para

assegurar o direito à greve e impedir punições administrativas.

2.6 Discurso narrativizado39

A categoria do discurso narrativizado (DN) foi elaborada por Sant’Anna (2004), em

seu estudo relativo ao mundo do trabalho em notícias sobre o Mercosul. Tal categoria situa-

se no continuum proposto pela autora como a forma mais apagada da presença da

alteridade. Como ressalta Sant’Anna (2004, p.180), esse apagamento confunde-se com a

idéia de “informar objetivamente”.

39 É possível encontrar em Todorov (1986) referência a um dado modo de indicar a ocorrência de enunciações anteriores que se aproximam do que Sant’Anna (2004) chamou de discurso narrativizado. Segundo Todorov, ao apresentar o que ele chamou de “discurso contado”, “limitamo-nos aqui a registrar o conteúdo do acto de fala sem lhe reter nenhum elemento. Imaginemos esta frase: ‘Informei a minha mãe da minha decisão de casar com Albertina’; ela indica-nos claramente que houve uma ação verbal, e qual seu teor, mas ignoramos tudo acerca das palavras que teriam sido ‘realmente’ (isto é, ficticiamente) proferidas” (Todorov, 1986, p45)

140

O discurso narrativizado é assim definido fazendo referência a “enunciados cuja

existência é apresentada pelo enunciador-jornalista como um dizer que este capta e

transforma, apagando as fonte do relato de forma decisiva” (Sant’Anna, 2004, p.181).

“Uma confusão que tem se mostrado comum, desde a publicação dessa Resolução, é a diferença entre DIREITO e GOZO da Licença Especial” [Extraído da Nota Informativa 2]

Através do termo “confusão” temos acesso a situações de enunciação qualificadas

como geradoras de confusão. Esse termo mostra-se com força dicendi, na medida em que

nos permite entrever uma série de situações de enunciação anteriores, referentes à diferença

entre gozo e direito, que são inclusive caracterizadas por ele, como já o dissemos.

Embora não haja nenhum dado mais detalhado de tais situações anteriores, ou seja,

não se sabe quem teria produzido enunciações confusas, onde ou mesmo quando, a

caracterização que se faz dela é a única informação que se tem e parece ser suficiente. O

que nos interessa discutir nesse momento é que, juntamente com essa caracterização, o que

esse termo atesta é a existência de situações de enunciação anteriores.

Assim, cabe questionar: como o enunciador teve acesso a tais situações? Vemos

assim que há um apagamento não só das referências dessas situações anteriores, isto é, de

seus coenunciadores e das referências de tempo e de lugar, mas também de como o

enunciador-jornalista teria tido acesso a tais enunciações. Nesse sentido, passaremos a

discutir que critérios adotamos para identificar uma certa força dicendi em segmentos

verbais e também nominais, conforme exemplo acima.

Como referencial para essa discussão, recorremos ao trabalho de Arias (2003), que

estuda a construção noticiosa do projeto de lei que institui a obrigatoriedade do espanhol

como língua estrangeira no ensino regular brasileiro.

O referido trabalho parte da categoria de discurso narrativizado elaborada por

Sant’Anna (2004), propondo critérios de identificação de ocorrência desse modo de

captação de discurso do outro na construção da notícia. O primeiro critério fora

originalmente elaborado por Sant’Anna (2004), ao qual somam-se os outros dois

formulados por Arias, como operação de identificação da proposta de Sant’Anna (2004):

a. Apagamento da fonte: não é possível recuperar de que modo o enunciador-

jornalista teria tido acesso a tal situação de enunciação. “Estamos nos referindo a

enunciados cuja existência é apresentada pelo enunciador-jornalista como um

141

dizer que este capta e transforma, apagando a fonte do relato de forma decisiva”

(Sant’Anna, 2004, p.181).

b. Encadeamento de situações de enunciação: Arias (2003, p.73) afirma que

haveria, em ocorrências de discurso narrativizado, a simulação de uma conjuntura

tal como é explicitada pela seguinte formulação: “alguém (x) – não se sabe ou não

importa quem – disse para o enunciador jornalista que alguém (x ou y ou z)

emitiu (emitirá, possivelmente emita, etc.) um dito”. Na formulação anterior,

percebem-se três situações de enunciação encadeadas. Uma situação atual, em que

o enunciador-jornalista se dirige ao leitor, por exemplo; uma situação

intermediária, em que uma fonte desconhecida (ou não relevante de ser

identificada) faz o enunciador-jornalista saber de algo; e, por fim, uma situação

original, em que o dito do qual o enunciador-jornalista toma conhecimento é (será,

ou pode vir a ser) emitido.

c. Concepção não restrita do elemento dicendi: a idéia de maior grau de

apagamento da presença do outro no discurso narrativizado, entre as ocorrências

de discurso relatado, leva a perceber que esse aponta para um ato de fala, sem dar

detalhes do dito. Atesta apenas a existência de um dizer. Ao falarmos do

apagamento da presença do outro, estamos dizendo que a indicação de existência

de um ato de fala será feita de maneira sutil. Nesse sentido, faz-se necessário

ampliar a concepção de elemento dicendi, extrapolando o que tradicionalmente se

definia como tal. Arias (2003, p.75) afirma que a inscrição da voz do outro no

discurso pode se dar tanto em termos de ordem verbal, quanto de ordem nominal.

A seguir, discutiremos como a proposta acima explicitada contribuiu para a

identificação de ocorrência de discurso narrativizado em nosso material. Tendo em vista a

diversidade de gêneros do discurso que compõe o córpus dessa pesquisa, relataremos os

passos dados na tentativa de, a partir da orientação anterior, definir critérios para

identificação de ocorrências de discurso narrativizado.

Fizemos uma primeira leitura levantando possíveis termos ou mesmo trechos que

pudessem remeter a situações de enunciação anteriores. Observamos, entre esses possíveis

termos, verbos como pensar e preocupar-se com, locuções verbais como serão emitidos, foi

decidida e deverá ser ratificado, nomes como queixa e colaboração, até mesmo fragmentos

142

de oração como enfrentarão questões, são checados dados e ficou marcado um novo

encontro.

Em seguida, procedemos a uma revisão do material identificado na primeira leitura.

Apesar de ser possível notar que cada termo, de formas distintas, fazia remissão a

enunciações anteriores, esse primeiro percurso nos mostrou uma certa dificuldade em

encontrar elementos de aproximação entre todos os termos a que atribuíamos força dicendi.

Decidimos então destacar os trechos nos quais haveria ocorrência de discurso

narrativizado para recuperar as três situações de enunciação propostas acima.

As etapas anteriormente delimitadas estavam, de alguma forma, previstas na

contribuição dada por Arias (2003), conforme explicitamos nos três critérios adotados na

identificação do discurso narrativizado (apagamento da fonte, encadeamento de situações

de enunciação, concepção não restrita do elemento dicendi). Dada a dificuldade de

identificação do discurso narrativizado, sentimos a necessidade de explorar o que estamos

entendendo por concepção não restrita do elemento dicendi. Para tanto, um último passo

dado foi no sentido de delimitar, passadas todas as etapas anteriores, grupos de marcas

lingüísticas a que atribuímos sentido dicendi. Tal percurso foi necessário, uma vez que

trabalhávamos com material diverso, que não só apresenta certas variações nos modos de

inscrição do discurso narrativizado na materialidade lingüística, como também produz

relações diferentes entre os coenunciadores, nos diversos gêneros.

Nesse momento da análise, pretendemos evidenciar de que forma agrupamos as

marcas lingüísticas identificadas, ou seja, queremos explicitar o que estamos chamando de

termo dicendi e por que razões. Embora as especificidades relativas a cada um dos gêneros

no que tange às ocorrências de discurso narrativizado venham a ser discutidas no próximo

item, como parte das análises propostas, julgamos importante acrescentar no item em que

tratamos dos critérios de identificação dessa categoria de discurso relatado um passo dado

senão no sentido de superar as dificuldades, ao menos no de contribuir para recolocar certas

polêmicas.

A partir da orientação proposta por Arias (2003) e das ocorrências identificadas no

material estudado, delimitamos as marcas lingüísticas encontradas em três grupos. No

primeiro deles, consideramos os termos de ordem estritamente verbal (verbos ou locuções

143

verbais). Nesse grupo, chamam-nos especial atenção as locuções verbais em voz passiva,

conforme exemplo abaixo:

“Mesmo com o encontro, os profissionais de ensino marcaram, para o dia 28 deste mês, o Dia de Discussão nas Escolas, para debater a pauta de reivindicações. Foi decidida também uma nova paralisação de 24h no dia 7 de julho”. [Extraído da notícia 2]

No fragmento acima, destacamos a locução verbal “foi decidida” como marca

lingüística de discurso narrativizado. Julgamos assim que decidir se materializa por um ato

de fala, especialmente em se tratando de uma paralisação. Nosso conhecimento de mundo

nos mostra que optar pela realização de uma paralisação se dá em uma reunião, em que

propostas são elaboradas, discutidas e votadas. Somente a partir de um processo de

discussão, uma proposta pode tornar-se decisão. Sendo assim, é possível afirmar que a

‘paralisação de 24h no dia 7 de julho” tenha sido inicialmente uma proposta levada à

reunião (provavelmente uma assembléia da categoria). Tal proposta pode ter sido a única

elaborada, ou confrontada com outras. Em seguida, tais propostas teriam ido a votação no

plenária da assembléia e, apenas ao final desse processo, pode-se chamar de decisão o seu

resultado. Assim sendo, estabelecemos para tal ocorrência o seguinte esquema de situações

de enunciação. Quadro 3 – Encadeamento de situações de enunciação em DN 1

Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: foi decidida Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: paralisação de 24 h Situação de enunciação original • enunciador: profissionais • co-enunciador: profissionais • tempo: momento da assembléia • espaço: indefinido • tipo do dito que poderá ser emitido: intervenções em assembléia

A situação de enunciação original é anterior à situação de enunciação atual e

corresponde ao momento da assembléia. Essa situação equivale, portanto, ao processo de

discussão que torna uma proposta decisão. Entre as enunciações produzidas na assembléia

que a locução verbal “foi decidida” deixa entrever e aquela que se dá entre o enunciador-

jornalista e seu leitor, há uma intermediária cuja existência se supõe dado o apagamento da

fonte de tal informação. Quem teria dito ao jornalista que tal paralisação ocorrerá e que ela

144

teria sido objeto de decisão? O jornalista esteve presente à assembléia ou soube por

alguém? Nesse caso, por quem? Essas informações apagam-se no discurso narrativizado.

O segundo grupo de marcas lingüísticas por nós identificado associa elementos de

ordem verbal a outros de ordem nominal. Tal associação é necessária, uma vez que, em

certas circunstâncias, o sentido dicendi do termo somente poderia ser atribuído ao conjunto

e não aos elementos isoladamente. Esse é o exemplo de:

“Além de provas de Português e Matemática, aproximadamente 600 mil alunos, enfrentarão questões de Ciências da Natureza – Meio Ambiente, Biologia, Química e Física, de acordo com a série em curso”. [Extraído da notícia 1]

O verbo “enfrentar”, no fragmento acima, não possui, isoladamente, sentido dicendi.

É possível enfrentar enormes desafios sem dar uma palavra. Apenas quando associado ao

elemento “questões” é que o verbo adquire força dicendi, ou seja, passa a referir-se a um

ato de fala. “Enfrentar questões” remete à leitura que os alunos farão da prova, bem como

às enunciações necessárias à sua resolução. Assim, esse termo parece sintetizar enunciações

como ler questões, produzir resoluções, anotar respostas.

Para tal fragmento, elaboramos o seguinte quadro: Quadro 4 – Encadeamento de situações de enunciação em DN 2

Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: enfrentarão questões Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: 600 mil alunos farão prova Situação de enunciação original • enunciador: 600 mil alunos • co-enunciador: banca de correção das provas • tempo: projetado para o futuro • espaço: local de realização das provas tipo do dito que poderá ser emitido: questões das disciplinas

A informação de que 600 mil alunos enfrentarão questões das disciplinas

discriminadas no fragmento citado é fornecida ao enunciador-jornalista por alguém que se

desconhece. A fonte é apagada. No entanto, a situação de enunciação original, que se

inscreve através do termo “enfrentarão questões”, pode ser recuperada. É interessante notar

que, embora a designação original possa remeter à idéia de anterioridade, no caso discutido,

a situação de enunciação original está projetado para o futuro, tal como se pode perceber

pelo tempo verbal.

145

O terceiro e último agrupamento das marcas lingüísticas identificadas caracteriza-se

por se tratar de grupos nominais. Entre os três tipos de marcas discutidas aqui, essa nos

pareceu de maior dificuldade na identificação por dois motivos; por um lado, há poucos

elementos da situação original que podem ser reconstituídos; por outro lado, em muitos

casos, o tema central do enunciado não era aquele destacado pela marca lingüística.

Vejamos um exemplo:

“Uma das principais mudanças no Nova Escola 2005 é a validade das notas para todas as séries que fizerem o provão”. [Extraído da notícia 1]

No fragmento anterior, o tema ressaltado é a “validade das notas”. Por se tratar de

mudanças, é possível fazer a hipótese de que no Programa Nova Escola do ano de 2004

nem todas as séries que fizeram a prova tiveram seus resultados válidos para a avaliação.

Esse novo critério só foi possível porque, entre ele e o anterior, houve enunciações que

produziram mudanças no Programa. Provavelmente pelo enfoque ter sido dado à validade

das notas, pouco importa quando as mudanças ocorreram, quem as propôs, etc.

Consideramos o grupo nominal “mudanças no Nova Escola 2005” como termo

dicendi, mesmo não sendo o tema central abordado pelo enunciado, por indicar a existência

de enunciações que transformaram os critérios antigos em novos. Como afirmamos acima,

exatamente por não ser o tema central, houve dificuldade de reconstituir com maiores

detalhes os elementos relativos a tais situações. Vejamos o quadro abaixo: Quadro 5 – Encadeamento de situações de enunciação em DN 3

Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: mudanças no Nova Escola 2005 Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: mudanças no nova Escola 2005 Situação de enunciação original • enunciador: Secretaria de Educação • co-enunciador: servidores avaliados pelo Nova Escola • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: resolução oficial

Dada a dificuldade identificada anteriormente, optamos por recorrer a nosso

conhecimento de mundo a fim de reconstituir os coenunciadores e o tipo de dito que poderá

ser emitido na situação de enunciação original. Assim sendo, começamos por perceber que

o Programa Nova Escola fora instituído por resolução oficial da Secretaria de Educação.

146

Nesse sentido, quaisquer alterações só poderiam ocorrer através do mesmo caminho, o que

nos leva a crer que as mudanças a que o enunciado faz referência só podem ter se tornado

novos critérios a partir da publicação de uma nova resolução, substituindo elementos da

anterior. Assim também, percebemos que somente a Secretaria de Educação teria

legitimidade para produzir tal tipo de dito, atribuindo a ela o lugar de enunciador. Além

disso, imaginamos que tal resolução, entre os possíveis leitores, teria como co-

enunciadores, principalmente, os profissionais que serão avaliados pelos novos critérios.

Notamos, portanto, que a reconstituição da situação de enunciação original se deu,

fundamentalmente, por hipóteses elaboradas a partir de nosso conhecimento de mundo.

Ao final dessa discussão, gostaríamos de destacar dois elementos que foram

importantes no desenvolvimento de nossas reflexões acerca da identificação do DN. O

primeiro deles trata de um suposto quarto critério utilizado nesta pesquisa de delimitação

das marcas lingüísticas introdutórias de DN em três grupos distintos. Esses grupos nos

permitiram refinar nossas análises no sentido de apreender não somente o relato de uma

situação original de enunciação, mas a um conjunto de situações de enunciação

condensadas. Assim, ao lidarmos com gêneros de discurso diferentes, notamos que o

funcionamento do DN se dá em todos do mesmo modo como havia sido pensado a partir

dos gêneros jornalísticos.

O segundo elemento a ser destacado trata de um dispositivo originalmente pensado

por Authier-Revuz (2001). A referida autora define dois critérios de identificação das

fronteiras do relato. São eles: “um traço semântico de ‘dizer” e “uma informação mínima

sobre o elemento m [a mensagem] de e [a enunciação relatada]”. Esses dois critérios são

recontextualizados na presente pesquisa, permitindo-nos ter acesso a um tipo de relato cujo

verbo introdutório, isoladamente, nada teria de dicendi. Esse é o caso de “aplicar a sua

prova”. Ao contratar um fiscal para um determinado concurso, o termo “aplicar uma prova”

remete a um dado ritual que se inicia um pouco antes do início da prova e termina logo em

seguida, com a entrega dos pacotes de prova à coordenação de fiscalização. No entanto, tal

termo em uma circular dirigida ao(à)s professore(a)s não remete ao ritual de prova, mas a

um conjunto encadeado de situações de enunciação e de atividades que se pressupõem

inerentes ao trabalho docente. A partir desse dispositivo, foi-nos possível ter acesso a um

conjunto de saberes / atividades que se pressupõem inerentes e, por isso mesmo, dispensam

147

formas de explicitação, encontram-se apagadas do discurso, diluídas como saberes prévios

necessários ao desenvolvimento de uma dada profissão.

3. Análise das ocorrências de DR

Nas análises constantes no capítulo anterior, percorremos os gêneros do discurso,

com o intuito de discutir os múltiplos atravessamentos que produzem sentido. Neste item,

pretendemos desenvolver reflexões pautadas no agenciamento de diferentes vozes,

mapeadas a partir das ocorrências de discurso relatado. Nessas ocorrências, destacaremos

os diferentes modos de apresentação das vozes, problematizando o apagamento da

atribuição dessas vozes a outros enunciadores, a instituição de referenciais de tempo e

espaço a partir dessa retomada; também identificaremos de que modo essas ocorrências de

discurso relatado ativam as relações de poder e de saber.

Em consonância com os critérios discutidos anteriormente, daremos ênfase às

categorias de discurso narrativizado (DN) e intertexto (Int.). O que nos leva a privilegiar

tais categorias não se restringe a elementos de ordem quantitativa, mas considera também

que, por se tratar de formas mais apagadas da presença do outro, tais categorias nos

permitem problematizar a constituição de certos jogos de poder-saber, que acabam por

naturalizar a evidência de informações, a existência de algo dado anterior, de formas

instituídas de saber, em detrimento de outras.

As análises que seguem têm como objetivo discutir as estratégias de produção de

certos saberes como pressupostos ao trabalho docente. Para isso, mapearemos as

ocorrências de DN e I, identificando diferentes modos de funcionamento dessas ocorrências

e problematizando de que maneira as enunciações relatadas se vinculam ao trabalho

docente.

Nesse sentido, organizamos os quatro gêneros do discurso que compõem o córpus

das análises aqui apresentadas do seguinte modo: de um lado, estariam os gêneros que

disputam uma certa interpretação do real (ou seja, notícia de jornal e panfleto); de outro, os

que propõem prescrições para o trabalho docente (isto é, nota informativa e circular). Esse

agrupamento dos gêneros analisados tem como propósito permitir o confronto dos modos

de funcionamento de discursos que concorreriam a uma mesma finalidade.

148

3.1 Gêneros que disputam uma certa interpretação do real

3.1.1. O gênero notícia de jornal

As análises aqui propostas acerca da constituição dos sentidos no gênero notícia de

jornal consideram como ponto de partida a seguinte observação de Sant’Anna (2004) sobre

o DN: “esta seria a forma mais próxima da ‘informação objetiva’, isto é, a não-opinião, a

tão defendida não inclusão da subjetividade do jornalista” (Sant’Anna, 2004, p. 190).

Na primeira notícia, intitulada “Mudam regras do Nova Escola”, observamos a

constituição de tal aparência de objetividade nos relatos, alternando-se entre as formas de

DN e I. Ora o enunciador-jornalista relata as “mudanças” como “fatos objetivos” a serem

“passados” ao co-enunciador, ora os documentos alterados são chamados a “falar”.

Vejamos a seguir um exemplo de tal alternância:

“Vão mudar de novo as regras do Programa Nova Escola, que avalia e classifica colégios da rede estadual para pagamento de gratificação a quase 88 mil servidores” [Extraído de notícia 1]

No fragmento acima, a ocorrência de DN garante o apagamento da fonte de tal

relato, ou seja, não se explicita quem teria informado ao enunciador-jornalista a respeito

das mudanças nas regras do Programa Nova Escola. Somem-se a isso as ações de “avaliar”

e “classificar” os colégios da rede estadual que se atribuem ao Programa.

Nesse fragmento, as estratégias de apagamento não se limitam à fonte das

“informações”, estendem-se ainda a quem teria sido o responsável pela mudança nas regras,

bem como pelo processo de avaliação e classificação das escolas da rede estadual.

Esse apagamento, que se constitui no funcionamento discursivo, materializa-se na

estrutura sintática do período citado anteriormente, de modo que abre a possibilidade para

duas interpretações sintáticas. Na primeira, poderíamos afirmar que se trata de um

enunciado atribuído a uma enunciação coloquial, em que a locução verbal “vão mudar”

representaria um caso de indeterminação do sujeito, isto é, alguém (não se sabe quem)

mudará as regras do Programa. Na segunda possibilidade de interpretação, que nos parece

mais adequada dado o contexto da notícia, teríamos “as regras do Programa Nova Escola,

que avalia e classifica colégios da rede estadual para pagamento de gratificação a quase

88 mil servidores” como o sujeito da oração, na ordem inversa. Considerando esta, que, a

nosso ver, seria a interpretação sintática mais adequada, percebemos uma certa

“entificação” das regras, secundarizando o processo de mudança.

149

O apagamento da fonte do relato e dos responsáveis pela mudança das regras

produz, assim, um privilégio do resultado (as novas regras) em detrimento dos processos (a

mudança). A “objetivação” das informações assim constituída privilegia um perfil de co-

enunciador atento à realidade como algo dado, de certo modo, mais pragmático e menos

questionador.

No quadro a seguir, organizamos a identificação das vozes reportadas,

acompanhadas dos termos dicendi introdutores do relato.

Quadro 6 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia de jornal 1

Vozes reportadas Termo dicendi

SEE “estuda” “terá que definir”

O secretário de Educação

“pensou”

O Programa Nova Escola

“avalia” “classifica” “avaliar” “propor metas”

O Edital

“prevê” “estabelece”

As avaliações de 2003 e de 2004

“classificaram”

Os alunos “enfrentarão questões”

Diretor(es) de escola “prestarem contas” “se preocupa”

Vozes não definidas

“Vão mudar as regras” [A prestação de contas] “será avaliada” “serão emitidos” [ certificados] [O provão do Nova Escola] “será aplicado” “mudanças no Nova Escola 2005” “alvo de duras críticas” “é apurada” [a organização de quadros de horários, prestação de contas, integração com a comunidade e assiduidade de professores] “são checados” [dados] “ver o desempenho” [dos alunos]

Ao considerarmos como termos dicendi marcas lingüísticas que remetem ao

encadeamento de enunciações, em que não há somente uma situação de enunciação

original, mas uma condensação delas, identificamos relatos cuja ênfase centra-se na

objetivação das ações, dispensando mesmo atribuição de responsabilidade ao cumprimento

dessas ações.

Assim, quando se diz que “a prestação de contas será avaliada”, por exemplo, não se

está apenas a definir uma situação de enunciação prospectiva (aquela em que a prestação de

150

contas será analisada por alguém), mas a condensar um conjunto de situações. Tal

condensação parece reduzir a avaliação a um único evento, desconsiderando um conjunto

de opções inerente à atividade de avaliar. Para avaliar a prestação de contas, é necessário

definir algumas diretrizes básicas, delimitando mesmo o que se entende por prestar contas.

Com efeito, apagam-se não só os processos constitutivos da atividade de avaliar, como

também aqueles relativos à prestação de contas. Pressupõe-se que se fala sempre de um

mesmo saber, compartilhado pelo enunciador e o co-enunciador.

Caso semelhante se dá quando se diz que “o provão do Nova Escola será aplicado”.

Nesse exemplo, não cabe ao trabalho pedagógico apenas saber que ocorrerá uma situação

de aplicação de prova, embora essa situação envolva um conjunto de enunciações

(definição dos horários e locais de prova, elaboração de instruções aos alunos, entre outras).

É à própria existência de um provão que nos referimos, em que se pressupõe a necessidade

de um programa, de uma banca, de hierarquização dos saberes a serem avaliados, da

escolha do perfil de alunos que se deseja ver privilegiado nas provas, entre diversas outras

situações de enunciação implicadas na constituição de uma prova.

Desse modo, dispensa-se qualquer tipo de visibilidade a quais seriam os critérios

adotados ou a quem estaria responsável por avaliar a prestação de contas, emitir

certificados, aplicar o provão do Nova Escola, apurar a organização de quadros de horários,

prestar contas, integrar escola e comunidade e assiduidade de professores, checar dados, ver

o desempenho dos alunos.

Cabe ainda destacar que a condensação de situações de enunciação referida

anteriormente não pode ser considerada como característica inerente a todas as ocorrências

de DN. Há algumas, porém, que não se prestarão a tantos desdobramentos quantos

observados nos exemplos anteriores. Estariam fora dessa caracterização exemplos de

marcas lingüísticas tais como “serão emitidos certificados”, cujo relato aponta para uma

única situação de enunciação, aquela em que teríamos um conjunto de atividades

envolvendo a emissão do certificado.

É evidente que não estamos aqui a defender que todas as situações de enunciação

pressupostas em um dado relato devam ser evidenciadas. Parece-nos bastante claro que tal

condensação constitua as práticas de linguagem. O que nos interessa sublinhar nesses

exemplos é compreender de que modo as diferentes estratégias de apagamento do relato

151

nos possibilitam perceber, materializados no funcionamento discursivo, a formação de

certos jogos de saber e de exercícios de poder, do contexto sócio-histórico atual.

O quadro acima, ao evidenciar um desequilíbrio entre as vozes reportadas em DN,

possibilita o questionamento relativo ao que viria ser considerado como “informação

objetiva”, a partir do ponto de vista construído pela notícia. Uma leitura mais detalhada dos

relatos cujas vozes reportadas não se encontram identificadas mostraria que quase a

totalidade das situações relatadas pode ser atribuída à Secretaria de Educação. Apenas

aquele que identifica as “duras críticas” em relação ao Programa não poderia integrar-se ao

conjunto anterior. Uma dessas críticas é relatada em DD no texto da notícia, atribuída a um

diretor do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação.

Na referida notícia, confere-se maior peso à voz institucional, identificada de

diferentes modos: como SEE, genericamente, ou através do secretário, dos documentos

oficiais (o Programa, o edital), ou ainda através dos relatos cuja identificação das vozes

reportadas não se explicita, mas se pode facilmente atribuir à Secretaria ou a outro órgão

delegado por ela a exercer tal função. Afinal, quem poderia emitir certificados, checar

dados, etc., que não a própria SEE?

Até aqui, ressaltamos alguns elementos que devem ser destacados. As coordenadas

de tempo das enunciações reportadas tomam como marco as mudanças nas regras do Nova

Escola. A partir desse ponto de referência, vimos, por exemplo, que o Edital “prevê” e

“estabelece”, produzindo um corte entre as avaliações anteriores e o que passará a ocorrer.

Preparando o edital, o secretário “pensou” em considerar alguns critérios. No momento

atual, em que transcorre a mudança nas regras, a SEE “estuda”, um diretor de escola “se

preocupa”. Uma vez consolidadas as alterações, “a prestação de contas será avaliada”,

“serão emitidos certificados”.

Cabe ressaltar também que parece haver planos distintos de relato bem marcados

nesse texto. A voz institucional é apresentada em DN, quando atribuída à SEE, ao Edital,

ao Programa, ao secretário, ou através de “vozes não definidas”. Essas instâncias estariam

autorizadas a produzir verdades instituídas, a partir das quais pode-se polemizar, discutir,

mas sempre tomando-as como ponto de partida. Nessa dinâmica, por exemplo, a voz do

coordenador do Programa Nova Escola é trazida ora em DS, ora em DD.

152

Vemos produzir-se assim uma dissociação entre o que poderíamos considerar como

“fatos” e o que seriam as “opiniões”. Como exemplo, teríamos, em DN, a explicitação de

que o Nova Escola “é alvo de duras críticas”. Aqui, marca-se a existência de enunciações

anteriores acerca do Nova Escola, reunidas sob o rótulo de “críticas”. Esse seria o plano dos

“fatos”, dos conhecimentos partilhados. Para ter acesso a tais críticas, seria preciso recorrer

a pontos de vista particulares, a polêmicas localizadas, a partir das “verdades” instituídas.

Os embates constroem-se como reação ao instituído.

Impossível aqui não remeter a Rocha (1998), quando, ao tratar da lógica instituída

no fazer pedagógico, ressalta os processos de constituição do conhecimento em nossa

sociedade. Destacaremos alguns dos elementos que dialogam com a dissociação de planos

mencionada anteriormente. Segundo a referida autora, observa-se na escola uma divisão do

processo entre uns que estariam pré-destinados a escutar e outros, a transmitir. O saber

produzido a partir dessa divisão agencia representantes e estabelece as condições de quem

fala e em nome do quê e de quem se fala (Rocha, 1998).

Na segunda notícia, intitulada “Professores e PMs entram em conflito”, observa-se

um funcionamento das ocorrências de DN um pouco diferenciado do do texto anterior.

Nesse texto, a maior parte dos relatos identificados são atribuídos aos profissionais de

educação ou a seus representantes, diretores do SEPE. Os relatos atribuídos aos

profissionais referem-se basicamente a marcação de paralisações e atos. As informações

tidas pelo referido texto como “objetivas” restringem-se ao calendário de mobilizações dos

profissionais ou debate da pauta de reivindicações em geral.

Quadro 7 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia de jornal 2

Vozes reportadas Termos dicendi Professores e funcionários administrativos da rede estadual de ensino

“reivindicar”

Professores

“marcam” [dia] “debater” [reivindicações] “Suspenderam a paralisação”

Os profissionais de ensino

“marcaram” [o Dia de Discussão nas Escolas] “debater” [a pauta de reivindicações] “foi decidida” [uma nova paralisação] “querem”

Categoria “quer” Professores da rede municipal de ensino de Niterói e o Secretário de Educação

“iniciaram uma negociação”

Vozes não definidas “marcado” [um novo encontro]

153

“será criada” [uma agenda de negociação] Tal texto é constituído por outras ocorrências de DR. As vozes dos coordenadores

do sindicato são trazidas em DS, para especificar quais seriam as principais reivindicações

do movimento, tais como o reajuste de 56,39% relativos às perdas salariais acumuladas e a

incorporação dos profissionais de 40 horas no plano de carreira, ou em DI, para afirmar que

“a categoria cobra ainda um piso salarial de cinco salários-mínimos para professores e de

três e meio para os funcionários administrativos”. O enunciador-jornalista traz também a

voz dos “profissionais de ensino”, em DN, sobre a eleição para diretores de escola e

melhores condições de trabalho.

A partir de tais relatos, vemos ser constituído, para os profissionais de educação, um

espaço de conflitos e reivindicações, enquanto que aos governos se atribuiria o espaço da

negociação.

Na terceira notícia, intitulada “Quadro-negro será abolido das escolas estaduais”,

notamos o tema de que trata o texto sendo trazido, em DN, pela voz do secretário de

Educação. Assim, a “abolição” dos quadros-negros da escola é tida como resultado de

determinação do secretário. Em seguida, a voz do secretário é novamente trazida em DN,

agora para “recomendar” aos diretores de escola que tal determinação seja cumprida,

utilizando-se da verba de manutenção. Apresentam-se ainda três outros relatos de falas

atribuídas ao secretário, essas agora em DS e DD.

O quadro a seguir mapeia as diferentes ocorrências de DN na notícia citada.

Quadro 8 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia de jornal 3

Vozes reportadas Termos dicendi O secretário de Educação

“determinou” “recomendou”

Professores “queixa” Fiocruz “elaborou” Sindicato “critica”

Podemos ver aqui também uma dissociação entre os “fatos” e as “opiniões”

elaboradas a partir deles. Isto se dá na medida em que a determinação do secretário é

apresentada, para que ele, em seguida, seja convocado a falar em DS e DD, justificando a

medida e comentando as possibilidades de melhora obtidas a partir dela. O outro fato

residiria na existência de “queixas” por parte do(a)s profissionais, cujos comentários e

acréscimos são detalhados a partir das “críticas” do sindicato.

154

Na notícia 4, intitulada “Sem verba para dar aumento”, o enunciador-jornalista

menciona, em DN, edição anterior do próprio jornal que teria antecipado a suposta falta de

verba destinada ao aumento dos servidores. Tal informação teria sido agora confirmada

pelo secretário de Controle e Gestão do Estado.

Em seguida, atribui-se à proposta orçamentária enviada pelo governo à Assembléia

Legislativa do Estado (ALERJ) a previsão de aumento de verba destinada à folha de

pagamento do funcionalismo, em relação ao ano anterior. Retoma-se a voz do secretário,

em DS, para afirmar que tal verba já teria seu destino definido. Por último, deputados de

oposição são convocados a falar sobre a questão. O intertítulo anuncia, em DN, a crítica por

parte dos referidos deputados, que teriam dois relatos atribuídos a eles, em DD. A última

voz trazida para comentar a questão é a do líder do governo na ALERJ, em DD, anunciando

a possibilidade de reajuste.

As ocorrências de DN e I trazidas ao longo da notícia encontram-se organizadas no

quadro abaixo.

Quadro 9 – Identificação das vozes reportadas e dos termos dicendi, na notícia de jornal 4

Vozes reportadas Termos dicendi Jornal O Dia [informação] “antecipada pelo” Proposta orçamentária “prevê” Deputados de oposição “criticam”

Vemos, mais uma vez, o DN como organizador discursivo da notícia, em que duas

“informações” são relatadas como “fatos” a partir dos quais pessoas autorizadas são

convocadas a falar. Nesse caso, as vozes retomadas em DD e DS são as do secretário de

governo, cuja pasta estaria relacionada à questão orçamentária, e os parlamentares, tanto da

oposição, quanto os governistas.

Ao optarmos por analisar, prioritariamente as ocorrências de relato em DN e I, o

fizemos com o intuito de percorrer os modos de constituição da estratégia de apagamento

de vozes em cada um dos gêneros, para que, em seguida, pudéssemos confrontar esses

diferentes modos, a fim de problematizar a produção de “informações objetivas” como

saberes pressupostos do trabalho docente.

Para dar maior visibilidade às análises feitas até agora, organizamos no quadro 4.7

as vozes reportadas constantes nos quadros anteriores, categorizadas nos espaços

hierárquicos que foram emergindo na leitura dos textos e se constituindo como vozes

“autorizadas” a falar a respeito dos diversos temas tratados.

155

Quadro 10 – Relação entre espaço hierárquico e vozes “autorizadas” no gênero notícia de jornal Vozes “autorizadas”

Espaço hierárquico A quem é atribuída a voz Marcas lingüísticas Estadual

SEE O secretário de Educação O Programa Nova Escola O Edital As avaliações de 2003 e de 2004 Proposta orçamentária

“estuda” “terá que definir” “pensou” “avalia” “classifica” “avaliar” “propor metas” “prevê” “estabelece” “determinou” “recomendou”

Governo

Municipal o Secretário de Educação “iniciaram uma negociação” Parlamentares estaduais Deputados de oposição “criticam”

Administração da escola

Diretor(es) de escola “prestarem contas” “se preocupa”

Instituições Fiocruz “elaborou” Sindicatos Sindicato “critica”

Trabalhadores(as)

Professores e funcionários administrativos da rede estadual de ensino Professores Os profissionais de ensino Categoria Professores da rede municipal de ensino de Niterói

“reivindicar” “marcam” [dia] “debater” [reivindicações] “Suspenderam a paralisação” “marcaram” [o Dia de Discussão nas Escolas] “debater” [a pauta de reivindicações] “foi decidida” [uma nova paralisação] “querem” “queixa”

Alunos Os alunos “enfrentarão questões” Imprensa Jornal O Dia [informação] “antecipada pelo”

O quadro acima é inspirado nos encaminhamentos propostos por Sant’Anna (2004)

em suas análises acerca dos modos de construção dos diferentes níveis de embates em

notícias sobre acordos econômicos relativos à indústria automotiva.

A esse respeito, a referida autora explicita a seguinte opção:

“(...) verificar o papel que podemos atribuir aos verbos dicendi, utilizados pelo enunciador-jornalista para marcar a entrada do discurso relatado, na definição de um certo perfil da ação destinada a cada um dos espaços, em cada uma das enunciações” (Sant’Anna, 2004, p.209)

Com o intuito de identificar embates que colaborem com nossas análises acerca da

produção / circulação de sentidos a partir dos textos afixados no mural, problematizaremos

algumas questões, motivadas pelo quadro 4.7, que se propõe síntese dos quadros anteriores.

156

Poderíamos tratar as vozes do governo manifestadas tanto através de seus agentes,

como de documentos elaborados pelas referidas instâncias. Essas vozes assumem forte

relação de filiação, de modo que se completam, comentam, interlegitimam. A essas vozes

se atribui o espaço da decisão, da avaliação, da classificação. Parte delas a possibilidade

não só de estabelecer leis, resoluções, programas, ou seja, prescrições para o trabalho

do(a)s profissionais de educação, como também de avaliar e classificar, isto é, categorizar a

partir de instrumentos determinados.

Aos parlamentares da oposição cabe o espaço da crítica, assim como ao sindicato.

Tal crítica mostra-se como pontual, já que tanto os parlamentares como o sindicato são

convocados a "comentar" as iniciativas da SEE/RJ. As polêmicas se instauram, tendo as

ações da Secretaria como "fatos" dados, acerca dos quais se pode "criticar", "queixar-se",

etc. Entre as instâncias referidas anteriormente e o governo, encena-se a existência de

conflitos localizados, de tal modo que esses conflitos representam reações críticas às

iniciativas governamentais.

Quanto ao(à)s profissionais, o espaço atribuído a ele(a)s é o da queixa, da

reivindicação, através de espaços como o de assembléias ou o de manifestações. Suas

iniciativas limitam-se à marcação de atos e realização de debates, como eventos

esporádicos. Na divisão do trabalho encenada, o(a)s profissionais são excluído(a)s dos

processos de tomada de decisão. A gestão do trabalho dá-se de modo burocrático e

hierárquico, concentrado na Secretaria.

É interessante notar ainda de que modo essas imagens discursivas se articulam com

as fotos presentes nas notícias. No primeiro texto, há uma imagem visual e uma foto. A

imagem visual retrata um quadro-negro sobre o qual são expostos, de maneira esquemática,

os critérios de avaliação do Programa Nova Escola. Em cada um dos lados desse quadro,

são representados alunos com uniforme escolar. Na foto, o(a)s diretores(as) de escola estão

reunidos com o secretário de Educação.

Somente no segundo texto, o(a)s profissionais apareceram. São três fotos,

organizadas da seguinte maneira: na maior delas, o(a)s profissionais são atacado(a)s com

cassetetes e spray de pimenta por policiais militares que se protegem atrás de seus escudos;

nas duas outras, a manifestação é retratada ora por um diretor do sindicato deitado no chão,

157

ora por um grupo de profissionais defronte ao Palácio Guanabara, sede do governo

estadual.

3.1.2. O gênero panfleto

Incluímos o gênero panfleto entre aqueles que disputam uma certa interpretação do

real, na medida em que, ao pretender convencer alguém de engajar-se em uma determinada

atuação política, esse gênero propõe a necessidade de transformações sociais, ou ainda o

impedimento de que algo aconteça. De algum modo, caberia ao enunciador compartilhar

com o co-enunciador uma dada perspectiva sobre o real.

No primeiro panfleto, intitulado “Esclarecimentos acerca do famigerado código

61”, institui-se um dispositivo cenográfico cujos contornos apontam para uma relação

desigual entre os coenunciadores. O fato de o texto propor-se como “esclarecimento”

pressupõe que o enunciador ou saberia de algo que o co-enunciador desconheceria, ou que

ele teria um ponto de vista equivocado. Nesse caso, o desconhecimento ou o equívoco por

parte do co-enunciador refere-se ao “famigerado código 61”.

Na primeira ocorrência de I, vê-se a Constituição federal ser convocada para

“estabelecer” o direito de greve como “direito fundamental dos trabalhadores”. Em seguida,

menciona-se a ausência de legislação específica que regulamente a greve no serviço

público, sendo citada, por analogia, a Lei de Greve (Lei no 7.783/89), atribuindo-se a ela,

em I, o impedimento de o funcionário em greve sofrer “penalidade pecuniária”, em razão

de manifestação política. As duas referências a leis relatadas anteriormente são seguidas, no

texto, por outras cinco citações de lei a que se atribuem a impossibilidade de apenar

qualquer desconto de salário em razão de greve, bem como a de considerar tal desconto

como abuso de poder por parte do gestor público que o tiver cometido.

Se, antes da leitura do texto, levantávamos a questão de que o “esclarecimento”

pode pressupor desconhecimento ou equívoco do co-enunciador acerca do código 61,

considerando o fato de, em nenhum dos itens, a legislação relativa a esse código ter sido

mencionada, afastamos a possibilidade de se considerar que o co-enunciador desconheça tal

questão. O que parece haver é o equívoco sobre o desconto de salário atualmente feito pelo

governo do estado, utilizando-se do referido código.

158

Na terceira página, há uma breve narrativa em que se produz um embate entre

“nossa classe” e o “sr. Secretário de Educação”. Esse embate parece estar atravessado por

uma disputa pela noção de “valorização do magistério”. Estando, no texto, esse termo entre

aspas, teríamos, de um lado, os professores afirmando que “Valorização do Magistério

significa antes de tudo salário digno, compatível com nossa atividade laborial” e, de outro,

“a idéia equivocada e maldosa de que ganhamos bem pelas nossas horas e dias de

trabalho”, como fala, em ilha textual, atribuída ao secretário.

Embora não haja uma explicitação de quem teria redigido esse panfleto, o que faz

dele um texto apócrifo, há várias marcas lingüísticas de uma enunciação atribuídas a um(a)

do(a)s professore(a)s da escola, como em:

“Esta notícia [a de que a direção não aplicaria o famigerado 61] poderá fazer parte de nossa realidade um dia. Entretanto, muitos passos terão que ser dados para que tal aconteça sem prejuízo de nossa classe e sem vermos rolar algumas “únicas” cabeças”.

A expressão “nossa classe”, neste texto, refere-se à categoria dos profissionais de

educação da rede pública estadual. Dessa forma, o enunciador assume o lugar de um entre

os membros dessa “classe”. Além disso, a notícia a que ele faz referência põe em cena não

o conjuntos das direções de escola da rede, mas especificamente uma, a da escola em que o

texto circula40. Assim sendo, não coincidem as duas ocorrências do pronome possessivo

“nossa”, não possuem o mesmo referente. Acompanhado de “classe”, refere-se ao conjunto

da categoria. Já em “nossa realidade”, faz menção ao contexto restrito daquela escola.

Podemos discutir agora alguns dos elementos relativos às vozes trazidas e seus

modos de apresentação. A lei constitui-se, a partir desse texto, como arma principal no

enfrentamento entre professores e administradores públicos estaduais. O ritual de verdade

inscreve-se não da lei ao indivíduo, mas, ao contrário, do indivíduo à lei. A lei constitui-se

assim em instrumento de sujeitos conscientes que possam exigir seu cumprimento, evitar

abusos.

Vemos assim atualizar-se um modelo de produção de subjetividade vinculado à

consciência e à racionalidade. Antes de qualquer embate com o governo, nesse texto,

combate-se o equívoco, a falta de esclarecimentos, o “analfabetismo político”. O sucesso da 40 Chamamos atenção para o fato de que tal leitura só é possível, se considerarmos que o mídium não é apenas uma moldura dos discursos. Com efeito, o quadro de referências altera-se se esse panfleto estiver no mural, ou se for distribuído em uma assembléia.

159

luta política, ou melhor, a possibilidade de começar a travá-la, de modo mais coletivo,

estaria vinculada a saberes jurídicos instituídos, aos quais não se teria acesso.

O segundo panfleto, um boletim intitulado “Fala, Betinho!!”, representa o terceiro

texto de uma seqüência já referida no capítulo anterior. Essa seqüência é iniciada pelo

poema de Brecht (“O Analfabeto político”) e nos permite perceber uma certa atuação

política mais coletiva do(a)s profissionais da escola, materializando-se em “disputa” por

espaço no mural. O segundo texto da referida seqüência é o panfleto analisado acima.

Esse terceiro texto diferencia-se dos outros dois por ter sua enunciação atribuída à

“representação do C. E. Herbert de Souza no SEPE”. Novos discursos passam a ser

produzidos, configurando posições enunciativas não observadas anteriormente. A

emergência de tal texto é acompanhada por um processo de participação e de organização

política, junto ao sindicato.

O texto inicia dando voz a um poema de João Cabral de Melo Neto, em I. Tal texto

é convocado a falar por uma relação de equivalência com a “sensação” que teria tomado

o(a)s profissionais de educação no último ato público realizado no ano de 2005. Em

seguida, a voz do secretário de Educação é relatada, em DN, em que se condensam

enunciações anteriores nas quais ele teria acusado o(a)s profissionais e o(a)s coagido a

“fabricar” estatísticas. Em contraponto à condensação de enunciações atribuídas ao

secretário, o(a)s profissionais são chamado(a)s a “apontar os responsáveis pela atual

situação”.

Se, no primeiro panfleto, o convencimento acerca da luta política conduzia à lei

como principal instrumento, fazendo do intertexto um elemento organizador do discurso,

nesse segundo panfleto, o centro parece ser o agenciamento de vozes a partir da produção

de subjetividades coletivas. Tal agenciamento se produziria a partir do compartilhamento

de “sensações” com o poema de João Cabral de Melo Neto, da denegação de algumas vozes

(“não é hora de procurar culpados”) e da afirmação de outras. Assim, o horizonte não se

orienta mais pela lei como instrumento favorável na disputa de uma lucidez, ou de um

estado de consciência plena, mas no agenciamento de vozes que apontam para práticas

políticas de confronto com a ordem instituída.

As análises a que procedemos até aqui parecem apontar para dois modelos de

produção de verdade distintos. Ao operar com a lei como referencial, opta-se por verdades

160

instituídas a priori e exteriores às próprias práticas coletivas. A lei representaria assim uma

espécie de pacificação dos combates. De um outro lado, teríamos uma dada produção de

verdade que se constitui a partir do agenciamento de diferentes vozes, apontando para as

experiências concretas como espaços privilegiados.

Observar um certo deslocamento entre um e outro, mesmo que pequeno, mesmo que

ainda em gestação, nos permite vislumbrar uma análise da questão do poder como exercício

material, como propõe Foucault (2004a). Haveria um certo postulado da legalidade, na

análise do poder, que ele viria afastar. Esse postulado é definido por Deleuze, do seguinte

modo:

“Postulado da legalidade: o poder de Estado exprimir-se-ia na lei, sendo esta concebida ora como um estado de paz imposto às forças brutas, ora como o resultado de uma guerra ou de uma luta ganha pelos mais fortes (mas nos dois casos a lei é definida pela cessação forçada ou voluntária de uma guerra, e se opõe à ilegalidade, que ela define por exclusão; e aos revolucionários só resta alegar outra legalidade, que passa pela conquista do poder e pela instauração de um outro aparelho de Estado)” (Deleuze, 2005, p. 39)

Tal postulado teria sido questionado por Foucault, alegando que a lei não se opõe à

ilegalidade, a lei produz a ilegalidade, define-a. Os códigos jurídicos teriam sido definidos

no e pelo poder de soberania. Trata-se de um tipo de poder dispendioso que age sobre o

produto das ações humanas, é sobre o produto da terra arrendada que age o rei. Com a

emergência, nos séculos XVIII e XIX, das sociedades industriais, foi preciso desenvolver

estratégias de poder menos dispendiosas e mais eficazes. Cada vez mais os procedimentos

de normalização, gestados por essas sociedades, colonizam o discurso jurídico. A

normalização tomou conta do poder de Estado (Foucault, 2002).

“É assim que as mudanças da lei, no correr do século XVIII, têm como fundo uma nova distribuição dos ilegalismos, não só porque as infrações tendem a mudar de natureza, aplicando-se cada vez mais à propriedade e não às pessoas, mas porque os poderes disciplinares recortam e formalizam de outra maneira essas infrações, definindo uma forma original chamada ‘delinqüência’, que permite uma nova diferenciação, um novo controle dos ilegalismos” (Deleuze, 2005, p. 39)

161

Se se encontra no fundamento dos códigos jurídicos a idéia de igualdade, essa se

atualizará em nossas sociedades ocidentais de diferentes maneiras. Tal fenômeno pode ser

compreendido se adotarmos como ponto de vista não a oposição lei-ilegalidade, mas a idéia

de que as leis agenciariam ilegalismos, já que a lei não representa um estado de paz, mas “é

a própria guerra e a estratégia dessa guerra em ato, exatamente como o poder não é uma

propriedade adquirida pela classe dominante, mas um exercício atual de sua estratégia”

(Deleuze, 2005, p. 40).

Com efeito, o código 61, por exemplo, se já fora utilizado como meramente

informativo da adesão do(a)s profissionais ao movimento grevista, atualmente funciona

como um mecanismo punitivo, com desconto pecuniário. A partir do momento em que se

instalou o uso do referido código, instituiu-se um procedimento que permitiu à SEE/RJ

chegar a cada um, mapear seu movimento diário, criaram-se normas e procedimentos de

controle, de agenciamento dos ilegalismos. O mesmo código que teria sido criado para

reconhecer o movimento de greve passou a ser utilizado na identificação e punição dos

grevistas.

O paternalismo/autoritarismo parecem-nos elementos importantes na compreensão

da questão trabalhista, no Brasil. Apesar de esta não ser a questão destacada neste item,

ressaltaremos alguns aspectos que nos permitam melhor entender o papel das leis na

atuação política do(a)s trabalhadore(a)s, em geral, e do(a)s profissionais de educação, em

particular. Nosso comentário se faz necessário, na medida em que o Brasil conta com uma

legislação trabalhista extensa e bastante detalhada41. À primeira vista, poderia parecer

tratar-se de um reconhecimento dos direitos que o(a)s trabalhadore(a)s teriam. No entanto,

vemos, ao longo de nossa história, diversos exemplos em que a legislação ora beneficia, ora

controla, disciplina, regula as reivindicações. Ao mesmo tempo em que reconhece direitos,

apazigua os conflitos42.

3.2 Gêneros que propõem prescrições para o trabalho docente

41 A esse respeito, consultar French (2001). 42 Se, nos anos oitenta, diversos direitos sociais tornaram-se leis, a partir das pressões populares, atualmente esses direitos conquistados estão sendo cinicamente utilizados como argumentos para um enxugamento da máquina pública.

162

3.2.1. O gênero Nota Informativa

Pretendemos associar, nas análises que seguem, uma dada forma de referência ao

gênero informativo e a seus temas. De circulação restrita, a enunciação desse gênero é

atribuída à Gerência Administrativa da Coordenadoria Metropolitana X e dirige-se aos

diretores de escola da referida Região Metropolitana.

Sua afixação no mural desloca-o de seu contexto de circulação “habitual”. Dizemos

“habitual”, porque nele põem-se em cena a Gerência Administrativa da Coord. Regional e

as direções das escolas. Os professores são apenas expectadores. Ao mesmo tempo, esse

deslocamento parece instituir uma certa relação de cumplicidade, na medida em que, ao

romper o contexto “habitual” de circulação, a direção da escola mostra-se transparente na

relação com os professores.

Por se tratar de um “informativo”, pressupõe-se em seu funcionamento que seja

motivado por dúvida, confusão, incompreensão, desconhecimento, etc. a que se possa

responder com informações. Essa resposta refere-se à ausência de enunciações, no âmbito

das escolas, acerca de determinado tema que o “informativo” se proporia a inaugurar, ou

ainda a enunciações “equivocadas” que ele se prestaria a corrigir.Vejamos:

“O critério novo é este estabelecido pela Resolução SEE 2854/2005: O GOZO DEPENDERÁ DE PRÉVIA APROVAÇÃO DA SEE” (Informativo “Licença Prêmio”)

Ou ainda:

“Os critérios antigos – que permanecem válidos – são: • A licença não pode ser gozada no mesmo ano de sua

publicação; • O servidor interessado em gozar seu direito deve

solicitar, por escrito, à direção da Unidade escolar em que está lotado, até 15 de Dezembro do ano anterior. • O gozo pode ser parcelado, no entanto, deve-se

respeitar o intervalo de, no mínimo, um ano entre cada parcela.

A licença em período único pode ser interrompida pelo servidor depois de um mês de gozo, através de solicitação por escrito à Coordenadoria” (Informativo “Licença Prêmio”)

No caso do informativo em questão, caracteriza-se a enunciação anterior no âmbito

da escola como “confusão”. Sem fazer referência aos enunciadores responsáveis pela

suposta “confusão”, determina o intervalo de tempo em que ela teria transcorrido, “desde a

163

publicação dessa Resolução [SEE 2854/2005]”, até o momento presente da enunciação do

“informativo”.

Propondo-se a prestar esclarecimentos que possam dirimir a “confusão” e tendo

estabelecido como marco temporal a publicação da referida resolução, o texto apresenta

modos distintos de encenação do intertexto. Entre os exemplos citados acima, o segundo

faz menção a “critérios antigos”, provavelmente estabelecidos por uma resolução anterior.

Estes dispensam referência explícita, basta afirmar que, embora sejam “antigos”, esses

“permanecem válidos”. Em seguida, os critérios são apresentados. Pressupõe-se, portanto,

que indicações como “critérios antigos” e a enumeração de alguns deles, sem qualquer

outra explicitação, sejam pistas suficientes para que o co-enunciador reconheça aquilo de

que se fala.

Mesmo que não haja referência explícita a uma resolução anterior, sustentamos

tratar-se de intertexto considerando “critérios antigos” como termo dicendi, ao que se

acrescentam os critérios, introduzidos pelo verbo ser e enumerados por um marcador.

Em contraposição à referência implícita, no primeiro exemplo, notamos a

apresentação explícita do texto com o termo “Resolução SEE 2854/2005”. Esta

explicitação da fonte justifica-se pelo fato de ter se dado a “confusão”, a partir da sua

publicação.

3.2.2. O gênero circular

No gênero circular, a organização discursiva aponta diferenças importantes em

relação às análises que vimos discutindo acerca da notícia de jornal, por exemplo. Se, na

notícia de jornal, podemos observar formas distintas de relato alternando-se na construção

do texto, o mesmo não podemos dizer em relação à circular.

No que tange ao DR como elemento organizador do gênero, três das quatro

circulares (do primeiro, do terceiro e do quarto bimestres) iniciam com um DI, em que é

dada a voz a um “nós” que “comunica” as “decisões”.

Vejamos o fragmento a seguir, extraído da circular do primeiro bimestre:

“Comunicamos aos Senhores Professores às seguintes decisões a respeito dos procedimentos pedagógicos, referentes ao 1º. Bimestre / 2005 e solicitamos a colaboração de todos, no sentido de que

164

consigamos realizar um excelente trabalho durante este ano”.

Ao mostrar-se comunicando algo, o enunciador faz pressupor a existência de uma

situação de enunciação anterior, sendo relatada em DI. As “decisões” mencionadas

funcionam como uma antecipação das “informações”, que se encontram enumeradas ao

longo de todo o texto. Nas demais ocorrências de DI, que se encontram no início das

circulares do terceiro e do quarto bimestres, o modo de apresentação do relato se explicita

de maneira mais convencional.

Observemos os fragmentos:

“Comunicamos aos nossos colegas professores que a semana de provas do 3º. bimestre/ 2005 dar-se-á entre os dias 26 e 30 de setembro, cabendo a cada professor aplicar a sua própria prova de acordo com o conteúdo desenvolvido em sala, neste período. Portanto não haverá provão” [Fragmento extraído da circular do terceiro bimestre].

Ou ainda: “Informamos que o Conselho do 4º bimestre

será realizado nos seguintes dias e horários (...)” Nesses casos, vemos que não se trata exatamente do relato do discurso de um outro,

mas do enunciador que se mostra a si próprio retomando outras vozes. No fragmento

relativo à circular do primeiro bimestre, menciona-se a existência de “decisões”, que são

enumeradas consecutivamente. Provavelmente tais “decisões” teriam sido tomadas em

reunião cuja pauta abrangeria a definição de procedimentos pedagógicos para o primeiro

bimestre. Trata-se, portanto, de uma situação de enunciação anterior àquela em que se

comunica algo.

Nos dois fragmentos posteriores, dá-se um movimento distinto. Conforme ressaltam

o tempo dos verbos “dar-se-á” e “será realizado”, não são mais as “decisões” por uma ou

outra data que tomam a cena agora. Trata-se de enunciados prospectivos, cujo foco aponta

para situações de enunciação posteriores àquela em que o enunciador se encontra

comunicando.

De qualquer modo, o funcionamento do DI nesses casos parece apresentar todo o

texto como um relato. Embora não se saiba quem teria tomado tais “decisões” e em que

circunstâncias, podemos afirmar que os diversos elementos apresentados nesses textos são

atenuados como prescrições para o trabalho docente. O enunciador é alguém que

165

“comunica”, afastando-se, por exemplo, das enunciações de lei, em que se determina,

obriga, etc.

Analisaremos alguns fragmentos de circulares em que se relatem outras vozes,

trazidas em DN. Tais análises pretendem apontar as particularidades no encadeamento das

situações de enunciação das ocorrências de DN nas circulares, em relação aos outros

gêneros aqui analisados.

“1. Quanto ao período de provas deste bimestre, que se realizará durante o mês de abril, ficará a cargo de cada professor, haja vista que não haverá Provão. Caberá ao professor aplicar a sua prova no seu tempo de aula, até o dia 22 de abril”.

Há uma determinada atividade sendo atribuída a cada um dos professores (a

aplicação das provas) em um período de tempo previamente estipulado (o limite de 22 de

abril). Além disso, uma das possibilidades de atualização desta atividade (o provão) é

denegada em tal texto.

Ora, vemos aqui algo mais sendo “comunicado” do que a data de realização da

prova; atribui-se essa realização a cada um dos professores, individualmente. Afasta-se a

realização de uma única prova (o provão), realizada coletivamente entre os professores de

uma mesma série. Esses elementos nos fazem ver não somente a importância da data, mas

de que modo o que irá acontecer nessa data deve se atualizar.

Notamos, portanto, que, ao falar em “aplicar a sua prova”, há toda uma situação de

enunciação prevista. Embora o verbo aplicar não introduza, em seu uso largo, uma

enunciação (como é o caso de comunicar, informar, etc.), nosso conhecimento de mundo

nos permite dizer que “aplicar a sua prova” pode ser considerado um termo dicendi, na

medida em que introduz uma situação de enunciação que pressupõe uma dada configuração

do espaço (alunos em fileiras, com o material guardado, etc.), um tempo de realização

definido (a duração da prova), interlocutores com funções previstas, além, é claro de um

dito de ambas as partes (as perguntas da prova; as respostas dadas pelos alunos).

Vemos também que “aplicar a sua prova” condensa um encadeamento de outras

atividades que implicam enunciações. Por exemplo, a elaboração da prova, a marcação de

data em sala, solicitação de cópias para todos os alunos são todas atividades inerentes ao

trabalho docente e que se atualizam através de práticas de linguagem. Afinal, como se

elabora uma prova ou se marca uma data de prova com alunos(as)?

166

Assim, ao estabelecer uma data limite para a realização da prova e prever sua

aplicação, a circular supõe ser responsabilidade do co-enunciador-professor pressupor a

existência dessa seqüência de atividades que implicam enunciações previstas. E mais: é a

ele que cabe pôr todas elas em funcionamento. Há, portanto, um saber que moveria o

interlocutor, mas esse saber não é explicitado na circular.

O modo pouco "econômico" que apontávamos acima como característica do gênero

circular mostra-se produtivo na medida em que faz pressupor um conjunto de atividades

inerentes ao trabalho docente sem precisar explicitá-las. O poder se exerce de maneira

pouco dispendiosa: basta marcar a data da prova e pressupor que todas as demais atividades

passam a ser de responsabilidade de “cada professor”.

A “informação objetiva” que se inscreve no discurso citante, a partir da forma do

DN no gênero circular, condensa todas as atividades / enunciações atribuíveis ao professor

até a realização da prova e prevê, por parte dele, ainda uma organização no encadeamento

dessas atividades / enunciações, sem que para isso seja necessário mostrar alguém

comandando cada uma dessas ações.

“3. A Recuperação Paralela desenvolver-se-á no período de 25 a 30 de abril, durante os tempos de aula de cada turma e nenhum aluno poderá ser liberado das aulas. Ao final da recuperação, o aluno deverá obter média 5 ou continuará com a média anterior à recuperação”.

No enunciado acima, é possível notar que não se faz referência ao enunciador, nem

ao co-enunciador. Apenas os “alunos” são mencionados em estrutura com voz passiva:

“nenhum aluno poderá ser liberado”. Consideramos tratar-se de uma outra ocorrência de

DN, uma vez que o verbo liberar (que, no exemplo, encontra-se no particípio) não só

explicita quem vai ser liberado ou não, mas pressupõe alguém que o libere.

Temos no enunciado outras marcas da enunciação expressas pelo verbo liberar.

Embora não haja um responsável por ela explicitado, a marcação de tempo se dá de

maneira bem precisa (os tempos de aula de cada turma, durante a semana de 25 a 30 de

abril). O espaço e o enunciador responsáveis pela situação de enunciação prevista ficam,

portanto, facilmente subentendidos, a partir da marcação precisa do tempo: o espaço é a

própria sala de aula e o enunciador é o professor. Em qualquer escola, basta dirigir-se ao

quadro de horário e cruzar o dia da semana com o tempo de aula que é possível chegar ao

167

professor responsável por aquela turma, naquele intervalo de tempo. Assim, a enunciação

de liberar ou não o aluno em um tempo definido configura-se como enunciação, já que

liberar passa pela produção de um enunciado oral ou escrito, ou mesmo um gesto

representando consentimento ou reprovação frente à solicitação de liberação por parte de

um aluno. E a responsabilidade de tal enunciação é atribuída ao professor.

Na medida em que consideramos a existência de um termo dicendi em “[nenhum

aluno] poderá ser liberado”, percebemos que se produz, com o apagamento de tal

fragmento como relato, um determinado efeito sobre o trabalho docente em sala, sem que

os coenunciadores sejam explicitados. Quem estaria impedindo o(a) professor(a) de liberar

o(a)s aluno(a)s?

Trata-se de uma interdição que se exerce sem mesmo pôr em cena os interlocutores.

A situação não mostra a direção impedindo o professor de liberar o aluno, ou mesmo

obrigando-o a ficar em sala com alunos que não estão participando da recuperação. A

impossibilidade de liberar os alunos é relatada como "informação".

Ora, o fato de não se explicitar a interdição não só retira de cena o embate direção X

professores, mas também os faz pensar em estratégias de trabalho diferenciado para os

alunos que estão em recuperação e os que não estão. Em um mesmo tempo de aula,

teríamos ao menos duas atividades distintas sendo realizadas. Esse é um outro elemento

importante para caracterizar o trabalho docente: não só há um conjunto de atividades que se

pressupõem necessárias e não são ditas, como também se espera do(a) profissional que

realize duas atividades simultaneamente.

Vemos que o poder se exerce não somente a partir do estabelecimento de atividade a

ser realizada pelo(a) professor(a), mas ele(a) próprio(a) se impõe uma série de atividades /

enunciações que entende como constitutivas do seu trabalho, as quais podemos entrever, já

que estão pressupostas nas diversas enunciações analisadas.

Vejamos um outro exemplo de relato em DN:

4. Nos dias de Conselho de Classe, cada professor dará um (1) tempo de aula em cada uma das suas turmas, até o horário do recreio, assim distribuídos: Manhã (7h às 8h; 8h às 9h; 9h às 10h), Tarde (13h às 14h; 14h às 15h; 15h às 16h). Após o recreio, realizar-se-á o Conselho.

168

O enunciado acima evidencia mais uma citação em DN em que a atividade /

enunciação relatada é posterior à situação atual, estando prevista por ela. Neste caso, como

se trata de um rearranjo do horário, há referências explícitas aos coenunciadores da situação

prevista (“cada professor” e “cada uma das suas turmas”) e ao tempo (os dias de Conselho

de Classe, nos horários determinados até o horário do recreio). Quanto ao espaço, como já

afirmamos anteriormente, por se tratar de tempos de aula, pressupõe-se que transcorram nas

salas de aula das referidas turmas.

Os desdobramentos implicados nessas orientações parecem permanecer no plano do

individual. "Comunica-se" que o(a) professor(a) "dará um tempo de aula em cada turma", a

atividade a ser desenvolvida, a organização das trocas de professor(a), entre outros aspectos

mantêm-se como aspectos a serem tratados individualmente.

10. A entrega das notas deverá ocorrer até o dia 09 de maio de 2005, à Orientadora Pedagógica, Paulina, juntamente com uma (1) cópia de suas respectivas provas, correspondente a cada série, para constar em seus arquivos.

No fragmento anterior, três elementos são destacados como orientação para a

leitura. Evita-se que o co-enunciador perca tempo. O texto o conduz aos elementos mais

importantes. O que deve fazer, quando e dirigindo-se a quem: essas são as informações de

que o(a) professor(a) necessitaria.

Considerando que todas as outras ocorrências de DR identificadas no gênero

circular restringem-se ao DN, elaboramos um quadro em que relacionamos as vozes

reportadas aos termos dicendi que as introduzem no discurso. O quadro apresentado a

seguir tem o intuito de permitir delimitar as aproximações e afastamentos entre cada uma

das ocorrências, bem como ressaltar o papel do DN no funcionamento discursivo da

circular.

Quadro 11 – Relação entre vozes reportadas e termos dicendi, no gênero circular

Vozes reportadas Termo dicendi Todos “colaboração” Os professores “não poderão dispensar” Cada professor

“aplicar sua prova” “dará um (1) tempo de aula” “a entrega das notas” “A entrega dos planejamentos” “deverá marcar a sua prova” “aplicar sua própria prova”

o professor “marcar um (x)”

169

[os canhotos e diários de classe] “preenchidos e assinados” Vozes não identificadas

“nenhum aluno poderá ser liberado” “mantendo” [os canhotos] “deveram ser entregues” [a dependência] “será dada” “esclarecimentos”

Quanto aos modos de introdução dos DR e sua relação com as situações de

enunciação relatadas, observamos alguns distanciamentos, que passaremos a destacar. Um

primeiro elemento trata da diversidade considerável do que delimitamos como termo

dicendi. Tal diversidade aponta para verbos cujo sentido habitual não seja propriamente

atribuído ao de relato. Esse seria o caso de dar, ou aplicar, que, associando-se a um

sintagma nominal, remetem não a uma situação de enunciação apenas, mas a um conjunto

de atividades / enunciações condensadas nesses termos.

Há ainda termos dicendi que se constituem a partir de elementos nominais, como “a

entrega das notas”, ou “a entrega dos planejamentos”. Para que se entregue o

planejamento, por exemplo, é preciso que, no mínimo, o próprio planejamento tenha sido

elaborado. Podemos ver, em tais termos, o relato de uma única situação de enunciação, qual

seja, aquela em que os formulários de notas ou os planejamentos sejam entregues stricto

sensu (além de passar algo às mãos de alguém, é preciso ainda requerer do outro a

confirmação de que está recebendo, seja oralmente, seja por escrito). No entanto, parece-

nos que, do ponto de vista do(a) trabalhador(a), o menos relevante nesse exemplo seja a

própria entrega dos documentos. Essa data funciona apenas como meta a ser atingida,

limite para que uma série de outras atividades / enunciações se desenvolvam. Para entregar

as notas na data proposta, o(a) professor(a) precisa realizar, corrigir, devolver, somar todas

os instrumentos utilizados para quantificar o rendimento dos(as) alunos(as).

Um outro aspecto concernente ao relato em DN refere-se ao fato explicitado

anteriormente, em que o termo dicendi pode remeter a uma situação ou a um conjunto de

enunciações e atividades. Nesses casos, encontramos a possibilidade de mais de uma

interpretação para cada uma das ocorrências.

Retomaremos aqui dois termos dicendi, para que possamos exemplificar algumas

das possibilidades de interpretação apontadas anteriormente. Vejamos os seguintes termos:

"não poderá dispensar" [os alunos] e "deverá marcar a sua prova".

A partir do primeiro termo, podemos considerar possível não dispensar os(as)

alunos(as), supondo que o(a) professor(a) entre em sala e diga que nenhum(a) aluno(a)

170

poderá sair de sala, ou ainda que, diante da solicitação de liberação por parte de um(a)

aluno(a), o(a) professor(a) responda negativamente. Há também a possibilidade de um(a)

professor(a) preferir criar estratégias de manutenção dos(as) alunos(as) em sala não por um

impedimento, mas por uma relação de trabalho, "aplicando" um exercício diferenciado para

aqueles(as) que já estão aprovados(as). Esse(a) professor(a) pode ainda propor que os(as)

alunos(as) aprovados(as) sejam seus ajudantes, colaborando com o trabalho a ser realizado

pelos(as) demais colegas.

No que tange às imagens discursivas construídas por esses discursos e através deles,

notamos que, embora a solicitação seja feita a “todos”, tal como está prescrito nesses

textos, a “colaboração” pode se dar somente como resultado do trabalho individual de

“cada professor”, ou seja, colaborar significaria corresponder às expectativas (aplicando

provas nas datas previstas, dando a recuperação no período reservado para tal, não

liberando o(a)s aluno(a)s, etc.). O plural aqui remete sempre à soma de unidades.

Noções como a de solidariedade restringem-se à colaboração para que todas as

atividades sejam cumpridas nos prazos. Esvazia-se o sentido político da convivência entre

os(as) profissionais, na medida em que as solicitações, os prazos, as datas marcadas dão

visibilidade a um trabalho solitário e individual.

Talvez estejamos diante de relatos que extrapolam os limites do que se tem

considerado como DN, apontando para a atividade docente. As datas previstas e os

procedimentos acordados destacam-se, silenciando os processos que os levam a cabo.

Nessas circulares, os produtos ganham relevo frente aos processos. Reduz-se a

gestão das atividades na escola a procedimentos burocráticos, em que apenas se definem

datas e prazos, gerando um processo de desvalorização do espaço de atuação política. Esses

percursos de solidão no trabalho engendram valores que acabam por remeter ao plano

individual.

Vemos assim bastante pertinente a crítica de Rocha (2004), relativa ao destaque

considerável que a individualização assume em tal contexto:

"A autonomia dos indivíduos não representa a individualização dos sujeitos e a reprodução das normas sociais, porque a autonomia é uma construção que tem início no processo de autonomização dos grupos que, pelo exercício ético-político de suas

171

práticas, criam sentidos comuns para seu fazer" (Rocha, 2004, p. 223).

A configuração da gestão do trabalho materializada no funcionamento discursivo

das circulares parece dispensar a atuação coletiva, na medida em que produz expectativas

sobre o trabalho docente que aparentemente se solucionariam individualmente. Uma vez

estabelecidas as "metas" comuns, cada um teria de desenvolver estratégias próprias para

atingi-las. Pressupõem-se assim práticas que não apontam para uma atuação ético-política

coletiva, mas que hipervalorizam o indivíduo como instância solitária, sob a ilusão de uma

(pretensa) autonomia.

4. Conclusões parciais

Neste capítulo, foi intenção nossa continuar explorando a idéia de que os textos

afixados não são unidades autônomas em relação ao funcionamento do mural, nem

fechadas em si mesmas, apresentando-se como blocos superpostos. As diversas

possibilidades de se lerem os textos do mural constituem diferentes níveis de embates. A

partir desses embates, ao mesmo tempo em que se constroem imagens discursivas do

trabalho docente, produzem-se “expectativas” sobre esse mesmo trabalho.

Partindo de uma concepção polifônica de linguagem, optamos por apreender a

construção dessas diferentes imagens discursivas a partir das formas de agenciamento de

vozes materializadas no DR. Discutimos uma concepção ingênua de DR, segundo a qual

através dele teríamos acesso às palavras de um outro, com maior ou menor “fidelidade”.

Tal ponto de vista fora afastado de nosso horizonte de análise, uma vez que não temos ali as

palavras de um outro captadas, mas a encenação de acesso a uma situação de enunciação

relatado. Um dos efeitos de sentidos atribuíveis, discursivamente, a essa forma de agenciar

diferentes vozes remeteria à ilusão criada de que o DR encena a presença do outro

circunscrita aos seus próprios limites, quando o que teríamos seria um discurso que é

integralmente outro, constituído pela alteridade.

No capítulo anterior, havíamos sustentado a idéia de que o mural configura um

dispositivo de disciplinamento do trabalho docente, considerando que os textos nele

afixados, antes de “transmitir informação” produzem saberes que se pressupõe serem

necessários às atividades docentes. Neste capítulo, o recurso ao DR nos permitiu mapear as

172

vozes reportadas, bem como seus diferentes modos de introdução, destacando a

configuração de espaços discursivos para os embates constituídos entre as referidas vozes.

Vimos ainda, entre os gêneros que disputam uma dada interpretação de real, que o

recurso a formas mais apagadas de introdução de outras vozes produz uma organização dos

discursos em dois planos: no primeiro plano, trazidas como vozes menos apagadas,

teríamos sua encenação como “informação objetiva”, os “fatos” a partir dos quais pessoas

autorizadas seriam convocadas a falar; o segundo plano, seria, portanto, aquele em que se

dariam os comentários, em que se evidenciariam as polêmicas, tomando os “fatos” como

ponto de partida. Tal recurso explicita-se com maior clareza na notícia de jornal, em que as

diferentes formas de introdução das vozes do outro aparecem alternadas. No entanto, um

plano mais factual pode ser observado sendo construído no panfleto em que se retomam os

textos de leis.

Nas notícias de jornal, vimos o espaço da decisão sendo construído fora da escola.

Estabelecer critérios, prever regras, avaliar, classificar são ações atribuídas à SEE e

centralizadas nela; aos profissionais caberia comentar critérios, “queixar-se” deles. As

ações coletivas restringem-se a cumprir tais normas exteriores ao trabalho ou a marcar atos

e manifestações pontuais. De acordo com o que se encena nas notícias de jornal, os

tensionamentos reduzem-se a iniciativas pontuais. Não haveria, desse ponto de vista,

nenhum projeto por parte do sindicato, nenhuma iniciativa coletiva mais consolidada sendo

gestada pelo(a)s profissionais ou pelo movimento organizado. Constitui-se, assim, a

imagem de profissionais desprovidos de atuação ético-política.

Nos panfletos, inicialmente, notamos uma reafirmação da idéia de que as decisões

seriam exteriores ao cotidiano de trabalho. A proposta de um “esclarecimento” deixa

entrever esse ponto de vista, na medida em que o esclarecedor convoca a constituição

federal, leis, regulamentos para fomentar a participação em atos e manifestações, afastando

a legalidade de desconto pecuniário, em razão da participação do(a)s profissionais. As leis

convocadas remetem igualmente a normas exteriores ao cotidiano.

No entanto, na segunda parte do mesmo texto, o enunciador-esclarecedor e o co-

enunciador-esclarecido aproximam-se ao falar de “nossa realidade”. As leis passam a ser

um instrumento de esclarecimento, de conscientização para uma atuação coletiva.

173

No segundo panfleto, sustentada por um “nós”, a enunciação mostra-se sendo

compartilhada pelos coenunciadores. As vozes dissonantes são assumidas por todo(a)s,

mesmo quando denegadas (“Não podemos nos deixar abater por um governo (...)”). Desse

modo, a negociação, as decisões não são exteriores, mas se definem a partir do próprio

coletivo. Vemos assim a configuração de uma imagem de profissional-atuante.

Entre os gêneros que propõem prescrições ao trabalho docente, encontramos

novamente leis e portarias sendo trazidas no sentido de regular certos procedimentos

burocráticos. Contudo, o que nos parece ser mais significativo nesses gêneros trata de uma

apropriação bastante peculiar do DN. No gênero circular, discutimos uma dada ocorrência

de DN que não remete a uma única situação de enunciação original, antes pressupõe um

conjunto delas, condensadas. Percebemos também que, através de um modo particular de

DN, é possível ter acesso não só a situações de enunciação originais, mas a um conjunto de

atividades que se consideram inerentes ao trabalho docente. Se um(a) professor(a) orienta

sua prática no sentido de conseguir “aplicar sua prova” no dia determinado pela direção da

escola, o faz movido por um conjunto de saberes pressupostos acerca de seu ofício. Ele(a)

regula seu trabalho, sem que isso precise ser explicitado. Teríamos a evidência de que

ele(a) se encontra apenas cumprindo datas, prazos, combinados, regras. Entretanto, em seu

fazer diário, há um conjunto de “ajustes” sendo operados que não se mostram, nem se

enunciam como trabalho. As decisões cotidianas necessárias à sua prática profissional

acabam por se evidenciar como “problemas” individuais, percalços que seria preciso

superar.

Compreendemos assim que o mural, como dispositivo de disciplinamento, põe em

circulação um conjunto de saberes sobre o trabalho docente a partir de certas estratégias de

apagamento. A partir da constituição de certas imagens discursivas, produz “expectativas”

sobre o fazer cotidiano desse(a)s profissionais. Essas imagens acabam por instituir um(a)

trabalhador(a) desprovido(a) de atuação coletiva, cujos conteúdos ético-políticos são

seqüestrados por mecanismos centralizadores da gestão de seu trabalho.

A dimensão coletiva emerge, em um primeiro momento, como resistência à

hierarquização e burocratização das decisões. Abre frestas, faz as engrenagens rangerem,

tendo por horizonte a restituição da atuação ético-política de seu trabalho.

174

Considerações finais |

“Acreditar no mundo significa

principalmente suscitar acontecimentos, mesmo pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-tempos, mesmo de superfície ou volume reduzidos”43

Chegamos, assim, às considerações finais deste trabalho que pretendemos que seja

um pequeno acontecimento. Acontecimento esse que nada tem a ver com escolhas

racionais, mas que é concebido como um pequeno e limitado ponto que, junto com muitos

outros pontos, possa contribuir na produção de tensões que constituem os sentidos do

trabalho docente.

Para isso, percorremos inicialmente os sentidos atribuíveis a trabalho, em geral.

Percebemos que esses sentidos se deslocam entre as noções de responsabilidade e

satisfação, tortura e emancipação. Discutimos, em seguida, particularidades da noção de

trabalho nas sociedades contemporâneas, cujo regime “flexível” (ou melhor, precarizado)

se propõe rompendo as amarras da rotina, ao mesmo tempo em que gera relações

imediatistas, utilitárias, trazendo para o cotidiano de trabalho a competitividade em larga

escala. As pretensas reformas até agora realizadas e as que se avizinham (há promessas no

Congresso Nacional de que o próximo ano seja marcado pelas reformas previdenciária,

43 DELEUZE, G. 2006. Conversações. São Paulo: Editora 34. p. 218.

175

sindical e trabalhista) promoveram tão-somente a desregulamentação de direitos

conquistados, que estão sendo substituídos pela hipervalorização do indivíduo como

instância nuclear das relações sociais. Segundo essa lógica, cada um deve cuidar para

garantir a si e aos seus o acesso ao atendimento à saúde e à educação de acordo com o que

for capaz de pagar, ou seja, de acordo com os resultados que cada um conseguir para si na

competição diária.

Esse processo tem se refletido no cotidiano de profissionais em jornadas que se

estendem e tomam seu tempo fora do trabalho. Identificamos, assim, um conjunto de

saberes e atividades que se pressupõem inerentes ao trabalho docente, sem que sejam

explicitados. Essa demanda nos mobilizou no intuito de construir possibilidades de análise

desses saberes e atividades que circulam no cotidiano escolar, a partir de um exercício

material de poder.

Recorremos à pesquisa de campo como dispositivo que possibilita o confronto de

saberes variados, constitui espaço de produção de sentidos sobre o cotidiano. Afastando-

nos de modelos de pesquisa como descoberta de verdades estáticas, compreendemos nossa

trajetória em campo como produtora de encontro e estranhamento (Amorim, 2004). Não se

trata, portanto, de nos apropriarmos do outro, mas de confrontar sentidos, co-produzir

deslocamentos múltiplos, sem que se tenha nem a si, nem ao outro como pólos de

referência, entre os quais os saberes transitariam, mas como pontos de tensão, geradores de

movimento.

Na escola, consideramos a sala de professores como situação privilegiada em que

saberes e atividades inerentes ao trabalho docente se produzem e circulam como

pressupostos, sem que ganhem visibilidade. Tal reflexão nos levou à hipótese de entender a

sala de professores como situação de trabalho.

Com o intuito de discutir se podemos considerar a sala de professores como situação

de trabalho, propusemos um determinado recorte nas interações ocorridas nesse espaço,

tomando o mural como “acesso a uma dada massa de textos”. Tal opção fora motivada pela

compreensão de que na alteração do contexto de circulação dos textos há uma série de

deslocamentos que alteram todo o quadro de referências dos textos, produzindo sentido. Em

uma notícia de jornal, por exemplo, pressupõe-se que seu tema seja de interesse do(a)s

profissionais, que tais textos podem ser comentados, gerar outros.

176

Com o objetivo de analisar estratégias de poder que constituem certos

funcionamentos discursivos, na produção de imagens do trabalho docente, compreendemos

o mural como dispositivo de disciplinamento desse mesmo trabalho, abordando alguns de

seus modos de funcionamento que passaremos a apresentar a seguir.

Consideramos o mural como dispositivo de produção de saberes sobre o trabalho.

Buscamos, para isso, fundamento teórico na AD de base enunciativa para nos opormos aqui

à tese de que o suporte apenas “transmite” informações e faz textos circularem. Recorremos

a exemplos como o da notícia de jornal (talvez fosse esse o exemplo mais adequado para

sugerir que o mural apenas “veicula” textos), para evidenciar a alteração do quadro de

referências do texto como argumento para sustentar que o deslocamento dos contextos

“habituais” de circulação também produz novos efeitos de sentido. Seguindo no exemplo

da notícia de jornal, a presença de um pronome em 1ª pessoa do plural no título da seção

(“Nosso Rio”) evidencia que, embora no deslocamento de textos haja elementos a serem

considerados como permanentes, há um conjunto de elementos que se altera de acordo com

o contexto.

Julgamos ser o mural também um dispositivo de produção de um interesse comum,

na medida em que, ao se afixarem textos no mural, deve-se pressupor que tais textos sejam

interessantes ou necessários para seus possíveis leitores. Assim sendo, haveria um projeto

que unificaria os textos afixados no mural: a idéia de que o(a)s professore(a)s desejariam ou

necessitariam da leitura de tais textos no contexto da sala de professores. Um projeto de

comunicação assim constituído produziria um leitor-modelo, ou seja, o(a)s profissionais

que circulam na sala de professores seriam motivado(a)s a ler os textos do mural

movido(a)s por um interesse comum.

Consideramos ainda o mural como dispositivo de produção de prescrição do

trabalho docente. Desse ponto de vista, simultaneamente à produção de um interesse

coletivo, o mural faria circular um conjunto de “expectativas” sobre o trabalho, de

prescritos que normalizam um certo perfil de professor(a). Um(a) “bom(oa) professor(a)”

seria aquele que saberia lidar com as adversidades, de maneira resignada (de acordo com os

versículos bíblicos), cumpriria prazos, datas, colaboraria para o funcionamento burocrático

da escola (tal como pressupõem as circulares).

177

Seguimos nossas análises, discutindo que, se os textos afixados no mural não se

fecham em unidades autônomas, mas produzem diferentes níveis de embates, seria preciso

compreender, no funcionamento discursivo, a construção de vozes “autorizadas” a falar

sobre o trabalho docente, constituindo espaços discursivos diversos. Para isso, analisamos

as ocorrências de discurso relatado (DR), enfatizando as formas de intertexto (Int.) e

discurso narrativizado (DN) como formas mais apagadas de apresentação das vozes do

outro.

A dinâmica de apresentação das ocorrências de DR parecia articular dois planos. No

primeiro deles se situariam as “informações objetivas” apresentadas como “fatos” a partir

dos quais fossem geradas polêmicas, questionamentos, esclarecimentos, e que seriam, no

segundo plano, alvo de comentários, críticas, queixas. Nessa dinâmica, foi possível

perceber que a gestão do trabalho do(a)s profissionais de educação situa-se no exterior do

cotidiano, através de relações hierárquicas e burocráticas que fazem um conjunto de leis,

normas e regulamentações agirem sobre o trabalho docente. Sua atuação política se

restringiria a um movimento reativo, a queixas e críticas em relação às decisões tomadas

pela SEE/RJ.

Ao recorrermos às formas mais apagadas de DR, foi possível também dar conta do

objetivo de reconhecer que saberes os textos afixados no mural “fazem ver” como

pressupostos do trabalho docente. Esses saberes, em sua maior parte, remetem ao campo

jurídico: leis, regulamentos, toda uma legislação que se refere tanto à Educação, quanto às

questões trabalhistas. Há saberes também de ordem burocrático-administrativa, exigindo

do(a)s profissionais conhecimento relativo a uma série de processos administrativos, desde

a entrega de documentos na escola até aqueles necessários para o estabelecimento de

processo burocrático para o gozo da licença-prêmio (um direito constitucionalmente

garantido!). Encontramos ainda saberes relativos a sua organização política como membros

de uma categoria, através de seu sindicato, promovendo assembléias, atos, passeatas,

greves. Ao(à)s profissionais, caberia saber que “marcar ato”, por exemplo, dá-se através de

assembléias, discussões coletivas, etc.

A produção / circulação de saberes / atividades inerentes ao trabalho docente,

identificados a partir das ocorrências de DN, nos permitiram compreender um

funcionamento muito particular dessa forma de relato. O funcionamento a que nos

178

referimos aqui é aquele a partir do qual não podemos remeter a uma única situação de

enunciação original (seja ela anterior ou futura em relação à “situação atual de

enunciação”), mas a um conjunto de situações “condensadas”. Esse funcionamento

“condensado” de relatos nos possibilitou ter acesso não somente a enunciações, mas

também a atividades condensadas.

Tal reflexão foi-se delineando em nosso estudo sobre o DN, na medida em que nos

deparamos com o desafio de identificar suas ocorrências não só no gênero notícia de jornal,

mas também em outros como a circular e o panfleto, por exemplo. Diante da diversidade

referida anteriormente, foi necessário detalhar os critérios de identificação, já que tal modo

de apresentação do relato teria funcionamentos distintos em diferentes gêneros do discurso.

Nesse detalhamento, sentimos a necessidade de agrupar as marcas lingüísticas de

introdução de relato em DN. Com isso, percebemos que, a partir do que Arias (2001)

chamou como concepção não restrita do elemento dicendi, estávamos identificando vozes

em relato introduzidas não apenas por verbos (ou locuções verbais), mas também por verbo

associado a sintagma nominal e ainda por sintagmas nominais.

À guisa de ilustração, vemos que ao verbo “aplicar” por si só não pode atribuir força

dicendi, mas ao grupo “aplicar prova” sim. Para isso, é necessário levar em conta alguns

aspectos. Em primeiro lugar, pressupõe-se a atividade de “aplicar prova” como inerente ao

trabalho docente. Em segundo lugar, a ação de “aplicar prova” realiza-se, em grande

medida, através de enunciações. Em terceiro lugar, para “aplicar prova”, o(a) professor(a)

deve ter proposto um percurso de estudo com a turma, com aulas, atividades, etc. Precisa

ainda elaborar a prova, providenciar sua reprodução em cópias para todo(a)s o(a)s aluno(a)s

e agendar a data com a turma. Sendo assim, podemos considerar que “aplicar prova” é uma

marca lingüística que nos permite ter acesso a um conjunto de situações de enunciação,

mesmo que não explícitas.

Com os relatos introduzidos por grupos nominais, foi possível ter acesso a relatos

cujo grau de apagamento nos levou a desdobramentos das reflexões acima. Se, com os

verbos associados a sintagmas nominais, foi possível apreender situações de enunciação

não-explícitas (bem como atividades e saberes pressupostos por elas), com os sintagmas

nominais, pudemos sublinhar uma questão importante acerca da concepção pragmática da

linguagem. Vimos com a marca lingüística “mudanças no Nova Escola” que tal fragmento

179

não remete a uma “informação objetiva”. Isto significa dizer que designar certas alterações

no Programa Nova Escola como “mudança” configura-se como relato de outras vozes.

Poderíamos, mesmo que hipoteticamente, imaginar que os críticos do Programa chamariam

a essas alterações de “maquiagem”. Tal hipótese nos levar a pensar que muito do que se

mostra como “informação objetiva” é, na verdade, oriundo de relato de outras enunciações.

Desse modo, pretendemos contribuir com a idéia de que a linguagem não apenas reflete

uma organização do mundo. O que se apresenta como parte dessa organização (que se

objetivaria na linguagem) é fruto de práticas de linguagem, reportadas de enunciações

anteriores.

Com efeito, essas reflexões sobre o DN nos possibilitaram também pensar que dos

relatos depreendem-se não apenas enunciações anteriores, mas também atividades e saberes

pressupostos por tais enunciações e que não se explicitam. A não-explicitação desses

saberes e atividades evidencia relações de poder que atravessam o trabalho docente. Um

poder que não se exerce por imposição: não é preciso que ninguém diga ao(à) professor(a)

que, uma vez marcada a prova, ele(a) precisaria se organizar para discutir em sala os

conhecimentos que serão avaliados nessa prova, elaborá-la, reproduzi-la. Teríamos assim

tais pressupostos remetendo a saberes que são compartilhados pelo(a)s profissionais,

constituindo um certo conjunto de práticas de si, ou seja, uma gestão do seu trabalho a

partir de parâmetros que não apenas circulam por um relação repressiva, mas que

constituem normas introjetadas.

Subjazendo à pressuposição de saberes / atividades inerentes ao trabalho docente,

vimos (tanto no terceiro, quanto no quarto capítulos) serem constituídas imagens do(a)

trabalhador(a)-professor(a) ora individuado, ora coletivizado. Nos processo de

subjetivação, a forma-indivíduo atualizou-se em enunciações que pressupunham o(a)

professor(a) como cumpridor de regras, prazos, ou como indivíduo dotado de direitos e

deveres, na ordem jurídica, vigente. Os processos de constituição da forma-indivíduo

situam-se na lógica hierárquico-burocrática que seqüestra do cotidiano a gestão do trabalho,

regula do exterior as diversas relações que o atravessam, institui a previsibilidade das

ações a partir de instâncias que se situam fora do espaço de trabalho. Já os processos

coletivos de produção de subjetividade instituem-se a partir da ação direta, da atuação

180

ético-política do(a)s profissionais, em práticas de auto-organização, envolvendo debates em

conjunto e atuação coletiva.

Ao longo de nossas análises, experimentamos algumas das possibilidades oferecidas

pelo referencial teórico da AD de base enunciativa que nos permitiram abordar diferentes

modos de produção / circulação de sentidos do trabalho docente. Vimos no funcionamento

discursivo do mural da sala de professores a materialização de relações de poder variadas,

produzindo saberes e explicitando atividades inerentes ao trabalho docente. Essa dinâmica

nos faz pensar que as leituras possíveis do mural não se restringem a textos que, pela

reunião de algumas circunstâncias, estariam afixados no mural. Fica evidente, portanto, que

não consideramos que cada texto fora levado ao quadro por uma pessoa dotada de uma

intencionalidade. Cada texto não pode ser atribuído a uma causa anterior a ele. Ao ser

afixado, cada um dos textos pressupõe e, concomitantemente, legitima um conjunto de

condições de possibilidade de emergência. A reunião dos textos configura, assim, uma

complexa rede de condições sócio-históricas que permitem possibilidades diferentes de

leitura. Com efeito, tal rede não cruza apenas textos. Estes são a materialidade mais

imediata com a qual nos defrontamos. Há um conjunto de valores, expectativas, ações

sendo mobilizadas por essa rede, criando níveis diferentes de combates.

Com o objetivo de analisar de que modo a atividade de afixar textos no mural

contribui para a constituição de um espaço a partir do qual se possa falar ao(à)s

professore(a)s em situação de trabalho, consideramos que o mural não é um mero

acessório de fazer circularem textos, mas que seria dotado de um projeto comunicativo, que

se explicitaria em uma finalidade reconhecida entre os coenunciadores, possuindo

coordenadas de espaço e tempo bem marcadas e coenunciadores definidos. Temos,

portanto, o ato de afixar textos no mural como um ato enunciativo. Desse modo, não temos

“informações”, mas expectativas / normas sobre o trabalho do(a)s profissionais, saberes que

não são apenas transmitidos, mas que se julgam necessários, atividades que se pressupõem

como inerentes. Assim, o mural não é “veículo de informações”, mas dispositivo de

produção de prescrições, saberes e atividades pressupostos do trabalho docente.

Acrescentaríamos a isso a idéia de que, de uma dada perspectiva discursiva, a

produção de linguagem se associa, simultaneamente, a uma dada produção de social

(Maingueneau, 1997). Dessa forma, as condições explicitadas anteriormente

181

(coenunciadores definidos, coordenadas de espaço e tempo delimitadas, uma finalidade

reconhecida) não são pré-condições, mas elementos que se interlegitimam sempre que o

mural é posto em funcionamento (o mural funciona pressupondo tal organização do real, ao

mesmo tempo em que o próprio funcionamento do mural instituirá tal ordem de coisas),

constituindo o que, pela natureza mesma desse movimento, Maingueneau (2001) chamou

de enlaçamentos paradoxais. Ou seja, falar dos textos é sempre falar também (e

simultaneamente) de uma comunidade de sustentação desses textos, sem que haja entre um

e outro relação de precedência.

Impossível não remeter aqui (esse é o movimento da cadeia de enunciados) a

Bakhtin (2000), quando esse autor afirma que o ato humano é um texto em potencial.

Talvez pudéssemos propor uma reformulação, dizendo agora que os textos são atos

humanos (ao menos, em potencial). Como separar uma reflexão acerca dos movimentos de

gestão das enunciações do mural de questionamentos sobre a gestão dos espaços da escola?

Teríamos, nas análises sobre a produção de sentido do trabalho docente, a constituição da

AD como possibilidade de ler o social e refletir sobre, de algum modo, a ação humana no

trabalho.

Gostaríamos, assim, que as reflexões aqui propostas, de algum modo, pudessem

contribuir para valorizar a ação humana no trabalho, fazendo emergir discursos sobre o

trabalho em uma sociedade que faz “flexível” equivaler a “precário”. Como propõe

Vargens (2005), “talvez, desse modo [ampliando o espaço de diálogo para a co-construção

de novos discursos sobre o trabalho], sejamos capazes de encurtar as distâncias entre os

saberes, entre os trabalhadores, entre as pessoas ‘aproveitáveis’ e ‘descartáveis”

(Vargens, 2005, p. 97).

Esses novos discursos representam, portanto, a possibilidade de produção de novos

textos e de novas comunidades de sustentação, restituindo saberes do(a)s trabalhadore(a)s

em processos coletivos de subjetivação. Continuemos apostando na possibilidade de uma

atuação ética (entendida como participação) e política (compreendida como auto-

organização) coletiva que faça as grandes máquinas de produção serializada e segmentada

de seres humanos ruírem!

182

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188

ANEXOS

189

ANEXO 1 Textos do córpus cujo original é manuscrito

Gênero Versículo bíblico

• versículo 1

“Descansa junto ao Senhor; espera nele; não te inflames contra aquele que tem sucesso”

Sl. 17, 7

• versículo 2

“A porta estreita e o caminho difícil levam para a vida, e poucos encontram esse caminho”

Gênero Cartaz publicitário

• Cartaz 1 – “PNLEM 2006: chegou a hora de escolher o livro didático”

• Cartaz 2: “Os melhores livros para um importante programa. O PNLEM vem aí!

A Editora Ática oferece livros da mais alta qualidade na disciplina de Matemática”

Gênero circular

• Circular 2º. bimestre:

“Caros colegas, neste bimestre não haverá provão por motivo de mudança nas turmas.

Cada professor deverá marcar a sua prova na semana de 27 à 01-07.

COC 16-07. Recuperação – 11 a 15-07

Maiores esclarecimentos com Paulina ou Adriane.

Grata”

• Circular 4º bimestre

Rio de Janeiro, 06 de dezembro de 2005.

Comunicado Importante!

Informamos que o Conselho de Classe do 4º. bimestre será realizado nos seguintes

dias e horários:

190

3º. Ano – 12/12/05 – M 8h / T 13h / N 19h

2º. Ano – 13/12/2005 – M 8h / T 13h / N 19h

1º. Ano – 14/12/2005 – M 8h / T 13h / N 19h

É imprescindível a presença do professor nos dias do Conselho, uma vez que

estamos decidindo a vida do aluno.

Encerrada a Recuperação, o professor deverá dirigir-se à Secretaria para marcar com

um (x), a lápis, na Ata do Conselho, os alunos que não completaram 20 pontos da sua

disciplina, ainda que tenham prestado exame de recuperação do 4º. bimestre.

No dia do Conselho, os canhotos com as notas do 4º. bimestre e com as médias

finais deverão ser entregues na Secretaria, assim como os Diários de Classe deverão

permanecer, devidamente preenchidos e assinados pelo professor.

Contamos com a colaboração de todos.

Atenciosamente,

Gênero Resolução

• Resolução (Falta abonada)

DO de 12-07-2004

Srs. Servidores,

Resolução SARE no. 3034 de 09-07-2004

Institui a obrigatoriedade de realização de avaliação médica preventiva de

servidores públicos estaduais.

Ao computar a 6ª. Falta abonada (falta mediante atestado – cód. 11) em um

intervalo de até 90 (noventa) dias, o servidor deverá ser encaminhado à Superintendência

de Saúde e Qualidade de Vida da SARE, para fins de realização de avaliação médica

(AIM-BIM).

O intervalo de 90 dias tem como tempo inicial a data do primeiro afastamento.

Gênero Bilhete

• Bilhete 1 (aviso de passeio):

191

“Profs. das turmas 2146, 2144, 2151

dependendo do bom tempo

iremos fazer uma trilha

o passeio será no dia 20-06 (2ª. Feira)

Obrigada pela compreensão, R.”

• Bilhete 2 (Profs. de LP e LA):

“Atenção,

Profs. coordenadores de LP e LA.

Comparecer ao SOP.

Falar com Paulina.

Obrigada!”

• Bilhete 3 (Ausência de aluna):

“Professores

Edésio, Ma José e Albertone

a aluna Regina Lúcia, gestante c/ gravidez de risco não está bem hoje, pediu p/ avisar”.

• Bilhete 4 (Diário de Classe):

“Caro colega,

Caso você tenha deixado alguma turma, favor entregar o diário de classe a Paulina

ou Adriane

Grata,

Coord. Pedagógica”

• Bilhete 5 (conteúdos de Geografia):

“Profs o conteúdo de geo do 1º. Bimestre, vai até o capítulo 15 (10 ao 15).

Do 16 ao 23 deverá ser cobrado no 4º. Bimestre.”

192

Gênero Poema

• Poema 1 O analfabeto político O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem de decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior dos bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio dos exploradores do povo. Bertolt Brecht

193

ANEXO 2 – Textos do córpus cujo original é impresso Gênero Notícia de Jornal

• Notícia 1 – “Mudam regras do Nova Escola”

194

• Notícia 2 – “Professores e PMS entram em conflito”

195

• Notícia 3 – “Quadro-negro será abolido das escolas estaduais”

196

197

• Notícia 4 – “Sem verba para dar aumento”

198

Gênero Circular

• Circular “calendário 1º bimestre”

199

• Circular – Semana de provas do 3º. Bimestre

200

Gênero Nota Informativa

• Nota Informativa 1 - “Licença Prêmio”

201

202

• Nota Informativa 2 – “Movimentação de servidores”

203

204

Gênero Panfleto

• Panfleto 1 – “Esclarecimento acerca do famigerado código 61”

205

206

207

• Panfleto 2 – “Fala, Betinho!!”

Fala, Betinho!! Informativo da Representação do C. E. Herbert de Souza

no SEPE

“ Um galo sozinho não tece uma manhã ”

“ Precisará sempre de outros galos ”, diz o poema de João Cabral de Melo Neto. Foi exatamente com esta sensação que ficamos no último at o dos profissionais da educação da rede estadual, realizado no dia 04 de outubro, na Candelária.

Nós, que começamos o ano sob acusações as mais diversas por parte da Secretaria de Educação, que somos coagidos a “fabricar” estatísticas que não condizem com a realidade, que enfrentamos situações de trabalho muito adversas, merecíamos nos dar um fim de ano mais digno. Precisamos concluir o ano de cabeça erguida.

Não podemos nos deixar abater por um governo que não tem compromisso com a qualidade dos serviços prestados pelo estado. Somente os profissionais em conjunto com a popul ação diretamente atendida poderão mudar esta realidade. Se não conseguimos mobilizar o suficiente, não é hora de procurar culpados entre nós ou na diretoria d o Sindicato (eleita por nó s para nos representar e não

nos substituir!!). Temos sim de apontar os responsáveis pela atual situação: o governo cínico.

Ora, se não conseguimos apostar nem em nós mesmos e em nossas potencialidades na luta, é porque as condições precárias de trabalho e m toda a rede estadual nos têm empurrado para um desânimo e uma apatia generalizados.

Qual será a solução? A solução é começarmos agora mesmo a discutir toda a pauta de reivindicações que temos, desde os reajustes salariais até as melhorias na educação que desejamos ver. Temos de nos preparar para entrarmos o ano de 2006 muito mais fortalecidos, conscientes dos nosso deveres e, sobretudo, que uma Educação de qualidade passa pela luta por direitos.

Somente fortes, conseguiremos convocar uma assembléia no pr imeiro dia de aula, para discutir o que faremos. Juntos sempre!!

Transformando o tédio em melodia!!

Para não dizer que não falamos de flores: Atenção!! Se você foi aprovado no concurso de 2004 e ainda não foi

chamado, ou conhece alguém nesta situação, o SE PE, através do seu jurídico, ganhou na Justiça uma liminar que impede o estado de contratar alguém antes de chamar todas/os que estão na fila.

O SEPE ganha e a vitória é nossa!!

208

ANEXO 3

Quadros com ocorrências de Discurso Relatado

Quadro 1 – Ocorrências no gênero notícia de jornal Texto “Mudam regras do Nova Escola”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• Vão mudar de novo as regras do Programa Nova Escola, que avalia e classifica colégios da rede estadual para pagamento de gratificação a quase 88 mil servidores.

Programa Nova Escola

Intertexto “avalia e classifica”

• Após série de reuniões de equipe e com diretores das unidades, o secretário estadual de Educação, Cláudio Mendonça, montou edital que prevê mais rigor nos critérios prestação de contas e desempenho de estudantes.

Edital Intertexto

“prevê”

• A publicação do edital está prevista para os próximos dias e estabelece efeito de pontuação para as provas aplicadas aos alunos da 2a, 4a, da 5a à

8ª série do Ensino Fundamental e do 1o ao 3o ano do Ensino Médio. Na última avaliação, apesar de os alunos de todas as séries terem feito exames de Matemática e Português, apenas as notas aplicadas a estudantes da 4ª, 8ª e do 3º ano serviram de base para as pontuações das escolas no critério desempenho.

Edital

Intertexto

“estabelece”

• Segundo o coordenador do Nova Escola, Francisco Tadeu Correia, alunos da 3ª. série do Ensino Fundamental não farão as provas porque esta é uma série intermediária.

o coordenador do Nova Escola, Francisco Tadeu Correia

DS

“Segundo x, ...”

• “A 2ª. série encerra o ciclo básico de alfabetização e, a 4ª., um segundo ciclo de estudos. Vimos que é desnecessário avaliar o desempenho dos estudantes na 3ª”, justifica.

o coordenador do Nova Escola, Francisco Tadeu Correia

DD

Aspas + verbo justifica

• “Antes, era preciso entregar a documentação no prazo. Agora, vamos comparar dados e checar se há reincidência em erros como notas fiscais vencidas, preenchimento incompleto de informações ou não-

a superintendente de administração financeira, Maria Thereza Lopes.

DD

Aspas, com verbo explica

209

pagamento de imposto”, explica a superintendente de administração financeira, Maria Thereza Lopes. • Para diretor, teste ficará mais difícil Diretor DS “Para X,...” • Para ele [Diretor do Colégio Estadual Teodorico Fonseca, em Valença, Vitor Hugo Vilarinho], a avaliação é necessária, mas as escolas estão despreparadas.

Diretor do Colégio Estadual Teodorico Fonseca, em Valença, Vitor Hugo Vilarinho

DS

“Para X, ...”

• “As regras são impostas. E as mudanças sempre ocorrem de uma hora para outra. Em dezembro, a forma de prestar contas mudou radicalmente. Eu, que sou biólogo e não contador, perdi o prazo em janeiro”, lembra.

Diretor do Colégio Estadual Teodorico Fonseca, em Valença, Vitor Hugo Vilarinho

DD

Aspas, com verbo lembra

• “Foi um ótimo resultado. Mas é claro que, com questões de Ciências e outras matérias, a prova ficará mais difícil. Não houve preparação. Nem tivemos acesso às provas passadas”, comenta.

Diretor do Colégio Estadual Teodorico Fonseca, em Valença, Vitor Hugo Vilarinho

DD

Aspas + verbo comenta

• Segundo o secretário de Educação, Cláudio Mendonça, essas 88 unidades serão submetidas a avaliação diferenciada, com visitas de equipes e aplicação de questionários.

o secretário de Educação, Cláudio Mendonça

DS

“Segundo x, ...”

• “Ainda estamos estudando como será feito. Por suas características, as unidades não podiam ser avaliadas em fluxo e desempenho. As Especiais e Infantis não reprovam. Os Supletivos não têm sistema presencial e, nas de presídios, a rotatividade é alta”, explica o secretário.

o secretário

DD

Aspas + verbo explica

• Mendonça pensou em baixar para 3 o conceito máximo a ser obtido por essas escolas: “No fórum de diretores, houve a contraproposta de uma avaliação especial. Resolvi acatar”.

Mendonça

DD

(aspas), sem verbo dicendi

• “Os servidores ainda são do estado. A gratificação está garantida”, afirma o coordenador do Nova Escola, Francisco Tadeu Correia.

o coordenador do Nova Escola, Francisco Tadeu Correia

DD

Aspas, com verbo afirma

• ”Vamos redistribuir o peso dos outros itens”, adianta Tadeu.

Tadeu DD

Aspas, com verbo adianta

• A pontuação segue escala do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) – 175 para alunos da 4ª. Série, 225 para estudantes da 8ª. Série e 250 para os que estão no 3º. Ano.

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb)

Intertexto “segue”

210

• “Estabeleceremos a pontuação para as séries intermediárias dentro da escala de 0 a 500 pontos. Estamos analisando os resultados das últimas avaliações para montar a tabela”, adianta o coordenador Francisco Tadeu Correia.

o coordenador Francisco Tadeu Correia

DD

Aspas, com verbo adianta

• “No geral, o aproveitamento foi pior em Matemática”, diz Tadeu.

Tadeu DD

Aspas, com verbo diz

• Entre os objetivos, fazer com que 80% dos alunos de cada unidade tenham domínio da leitura e da Matemática. Outra meta é acompanhar índices de evasão escolar, que não poderiam ultrapassar 10% por ano.

Objetivos do programa

Intertexto

“Entre os objetivos”, “outra meta”

• O Nova Escola é alvo de duras críticas. As avaliações de 2003 e do ano passado classificaram a maioria das unidades com os conceitos mais baixos. Em 2003, nenhum colégio teve 5. Em 2004, foram 15.

Avaliação de 2003 e 2004

Intertexto

“classificaram”

• “Através do Nova Escola, o estado aponta falhas, mas não se dispõe a aumentar o investimento e os salários”, diz o diretor do Sindicato Estadual do Profissionais de Educação, Gualberto Tinoco.

o diretor do Sindicato Estadual do Profissionais de Educação, Gualberto Tinoco

DD

Aspas, com verbo diz

Texto “Professores e PMS entram em conflito”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• Professores e funcionários administrativos da rede estadual de ensino fizeram ontem uma paralisação de 24 horas para reivindicar reajuste salarial e incorporação ao plano de carreira da Secretaria de Educação.

Professores e funcionários administrativos da rede estadual de ensino

DI

“reivindicar”

• Segundo Guilhermina Rocha, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe), as principais reivindicações do movimento são o reajuste salarial de 56,39%, para repor perdas acumuladas nos últimos anos, e a incorporação dos profissionais de 40 horas semanais no plano de carreira da rede estadual de ensino.

Guilhermina Rocha, coordenadora do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe)

DS

“Segundo x, ...”

• Gualberto Tinoco, outro coordenador do Sepe, informou que a categoria cobra ainda um piso de cinco salários-

Gualberto Tinoco, outro coordenador do Sepe

DI verbo informou + que

211

mínimos para os professores e de três e meio para os funcionários administrativos. • Os profissionais de ensino também querem a volta das eleições para a escolha de diretores de escola e melhores condições de trabalho.

Os profissionais de ensino

DI

querem

• No mês passado, os professores suspenderam a paralisação após o secretário [municipal de Educação, Waldeck Carneiro] afirmar que só negociaria com a categoria caso a greve terminasse.

o secretário [municipal de Educação, Waldeck Carneiro]

DI Verbo afirmar

Texto “Quadro-negro será abolido das escolas estaduais”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• O secretário estadual de Educação, Cláudio Mendonça, determinou a substituição dos quadros-negros por quadros melanímicos (aqueles brancos) em todas as escolas que passarem por reforma a partir de agora.

O secretário estadual de Educação, Cláudio Mendonça

DI

Verbo determinou

• Aos diretores das escolas estaduais o secretário recomendou a utilização da verba de manutenção para a troca dos quadros.

o secretário

DI

recomendou

• ─ O giz traz vários problemas à saúde dos profissionais, principalmente no momento em que o professor apaga o quadro – explicou Cláudio Mendonça.

Cláudio Mendonça

DD

Travessão com verbo explicou

• Segundo o secretário, o primeiro estado a abolir o quadro-negro foi o Mato Grosso do Sul.

o secretário

DS

Segundo x, ...

• ─ O objetivo é melhorar as condições de trabalho dos profissionais de ensino. É claro que a substituição do quadro negro pelo quadro branco vai onerar os custos de manutenção porque a caneta pilot é mais cara que o giz. Mesmo assim a mudança é muito importante – disse Mendonça.

Mendonça

DD

Travessão com verbo disse

os antigos estudantes

DS “Para x, ...” • Se para os antigos estudantes o giz guarda um significado nostálgico, para os profissionais ele já deveria ter sido expulso da escola pública desde que a Fiocruz elaborou um relatório sobre a saúde dos profissionais de ensino do

os profissionais

DS

“Para x, ...”

212

Rio.

• Segundo a coordenadora do Sindicato dos Profissionais de Ensino do Rio (Sepe), Gesa Linhares, a substituição do quadro-negro é uma velha reivindicação da categoria, mas não acaba com os riscos para a saúde do professor.

a coordenadora do Sindicato dos Profissionais de Ensino do Rio (Sepe), Gesa Linhares

DS

“Segundo x,...”

• ─ Há muitos anos lutamos pelo fim do quadro-negro, mas este não é o único problema que afeta a saúde do profissional. A Síndrome de Burnout é o estresse provocado pelo desejo do professor de realizar bem o seu papel e a falta de condições mínimas para fazê-lo. E isso inclui o problema da remuneração – disse a coordenadora.

a coordenadora

DD

Travessão com verbo disse

• Segundo o Sepe, atualmente os professores do estado estão ganhando muito mal, sendo obrigados a trabalhar em vários empregos e com problemas de excesso de alunos na rede.

o Sepe

DS

“Segundo x,...”

• ─ As salas de ensino médio chegam a ter 75 alunos. Além disso, a grade escolar encolheu, o que dificulta ainda mais o aprendizado. Isso tudo provoca Burnout. E a falta de tratamento para o problema pode levar o profissional de ensino a sofrer de doença mental – denunciou Gesa.

Gesa

DD

Travessão com verbo denunciou

• Segundo ela [Gesa], além de substituir o quadro-negro nas escolas públicas, o secretário deveria intervir para que a governadora atendesse a comissão de professores que há meses tenta uma audiência no Palácio Guanabara para discutir a campanha salarial. A próxima paralisação está marcada para quinta-feira, dia 7.

ela [Gesa]

DS

“Segundo x,...”

Texto “Sem verba para dar aumento”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• Secretário admite que servidor estadual não deverá ter reajuste

secretário DI verbo admite

213

O Dia Intertexto Antecipada pelo

• Os servidores estaduais devem ficar sem reajuste de salários em 2006. A informação, antecipada pelo DIA em 30 de setembro, foi confirmada ontem pelo secretário de Controle e Gestão, Flávio Silveira, em audiência pública de discussão do Orçamento Estadual de 2006 na Assembléia Legislativa (Alerj)

secretário em audiência pública na ALERJ

DI Foi confirmada

• A proposta orçamentária enviada pela governadora Rosinha Garotinho prevê R$ 13,3 bilhões para pessoal em 2006, R$ 800milhões a mais que este ano.

A proposta orçamentária

Intertexto prevê

• O acréscimo, porém, segundo Silveira, será gasto com o reajuste concedido aos policiais este ano e no pagamento aos novos servidores que serão contratados em concursos previstos para 2006.

segundo Silveira

DS

“Segundo x,...”

• “É má notícia”, disse Alessandro Molon (PT).

Alessandro Molon (PT)

DD com aspas

• Para Luis Paulo (PSDB), “o Governo do estado acredita em milagre arrecadatório que não vai acontecer”.

Luis Paulo (PSDB) DD com aspas

• Já Noel de Carvalho (PMDB), líder do governo, acha possível o reajuste: “Vamos agir para aumentar a receita”.

Noel de Carvalho (PMDB), líder do governo

DD com aspas

Quadro 2 – Ocorrências no gênero circular Texto 1º. Bimestre

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• Comunicamos aos Senhores Professores às seguintes decisões a respeito dos procedimentos pedagógicos, referentes ao 1º. Bimestre / 2005 e solicitamos a colaboração de todos, no sentido de que consigamos realizar um excelente trabalho durante este ano.

Nós

DI

verbo comunicamos

Texto 3º. Bimestre

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

214

• Comunicamos aos nossos colegas professores que a semana de provas do 3º. bimestre/ 2005 dar-se-á entre os dias 26 e 30 de setembro, cabendo a cada professor aplicar a sua própria prova de acordo com o conteúdo desenvolvido em sala, neste período. Portanto não haverá provão.

Nós [assinatura e carimbo de Diretora Geral, Diretora Adjunta, Coordenadora Pedagógica]

DI

verbo comunicamos

Texto 4º bimestre

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• Informamos que o Conselho de Classe do 4º. bimestre será realizado nos seguintes dias e horários: 3º. Ano – 12/12/05 – M 8h / T 13h / N 19h 2º. Ano – 13/12/2005 – M 8h / T 13h / N 19h 1º. Ano – 14/12/2005 – M 8h / T 13h / N 19h

Nós

DI

Informamos que

Quadro 3 – Ocorrências no gênero Bilhete

Texto “ausência de aluna”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

Professores Edésio, Ma. José e Albertone a aluna Regina Lúcia, gestante c/ gravidez de risco não está bem hoje, pediu p/ avisar

a aluna Regina Lúcia DI

Verbo pediu

Quadro 4 – Ocorrências no gênero Poema

Texto “O Analfabeto Político”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política.

O Analfabeto político DI dizendo

Quadro 5 – Ocorrências no gênero Nota Informativa

215

Texto “Licença Prêmio” Fragmento A quem é atribuída

a responsabilidade Tipo Marca

lingüística Resolução da SEE no. 2854, de 29 de abril de 2005

DI

com verbo estabeleceu

• Srs. Diretores, A RESOLUÇÃO SEE no. 2854, de 29 de abril de 2005, estabeleceu as competências das Coordenadorias Regionais, com algumas novidades. Dentre elas, uma nova orientação sobre a LICENÇA ESPECIAL, a saber: “Parágrafo único: O gozo da licença especial dependerá de prévia autorização do Titular da Pasta, ouvida a Subsecretaria-Adjunta de Planejamento Pedagógico e a Superintendência de Recursos Humanos”

Resolução da SEE no. 2854, de 29 de abril de 2005

DD com aspas

• Esta determinação mudou completamente o protocolo para concessão do GOZO de tal licença, uma vez que passou a ser da SEE.

Esta determinação Intertexto mudou

• A Licença Especial continua sendo um DIREITO que o servidor adquire a cada cinco anos de efetivo exercício, comprovados mediante PROCESSO DE CONCESSÃO. Após a apuração das condições legais e publicada a concessão, o servidor tem reconhecido o seu DIREITO à Licença Especial. No entanto, isso não significa que o GOZO possa ser imediato.

Processo de Concessão

Intertexto

comprovados mediante

• Para o GOZO do direito à Licença Especial existem outros critérios. Antigos e novos.

Outros critérios Intertexto

Critérios antigos

Intertexto

• Os critérios antigos – que permanecem válidos – são:

• A licença não pode ser gozada no mesmo ano de sua publicação;

• O servidor interessado em gozar seu direito deve solicitar, por escrito, à direção da Unidade escolar em que está lotado, até 15 de Dezembro do ano anterior.

• O gozo pode ser parcelado, no entanto, deve-se respeitar o intervalo de, no mínimo, um ano entre cada parcela.

• A licença em período único

O servidor interessado em gozar seu direito

DI

deve solicitar

216

pode ser interrompida pelo servidor depois de um mês de gozo, através de solicitação por escrito à Coordenadoria.

• O critério novo, é este estabelecido pela Resolução SEE 2854/2005: O GOZO DEPENDERÁ DE PRÉVIA APROVAÇÃO DA SEE.

Resolução SEE 2854/2005

Intertexto estabelecido

o servidor

DI

“esclarecer”

1o Ofício de solicitação de gozo, emitido pelo servidor interessado e endereçado à direção da unidade administrativa em que está lotado. Nesse mesmo ofício, o servidor deve:

• esclarecer o motivo para o gozo da Licença Especial, e

declarar que aguardará em exercício a autorização da SEE.

o servidor

DI

“declarar que”

a direção administrativa

DI

“solicitando”

2o Ofício da direção da unidade administrativa, solicitando à concessão de gozo da licença especial do servidor. Nesse mesmo ofício deve informar:

• como será suprida a carência deixada pelo servidor, especificando nome e matrícula de quem estará suprindo a carência.

Número do processo de aposentadoria, quando este for o motivo para o gozo da Licença Especial.

direção administrativa

DI

“deve informar”

Texto “Movimentação de Servidores”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• A SUPERINTENDÊNCIA DE RECURSOS HUMANOS/SEE, através da C.I. GAB/SURH no. 173, de 18 de Novembro de 2005, em resposta à reivindicação dos Coordenadores Regionais e em concordância com o Exmo. Sr. Secretário de Estado de Educação, autoriza a MOVIMENTAÇÃO DE PROFESSORES E SERVIDORES DE APOIO NO ÂMBITO DA

A Superintendência de Recursos Humanos / SEE

DI

autoriza

217

COORDENADORIA REGIONAL. Enunciador

DI solicito que Solicito, pois, que os senhores divulguem essa informação em sua Unidade Escolar, bem como os critérios e estratégias estipulados, a saber:

Os senhores DI

divulguem

Vale lembrar que, dentro dos critérios vigentes, o professor movimentado será considerado o MAIS NOVO NA U.A. e, portanto, os professores mais antigos terão direito de escolherem primeiro seu dia e horário de atuação, independente daqueles vivenciados em 2005. Ou seja: a vaga real que, em 2005, existia em um turno e dia da semana, pode estar em outro turno e/ou dia da semana para 2006. Não tem como essa Gerência de Administração determinar isso antes da digitação do QUADRO DE HORÁRIO – 2006.

Critérios vigentes

Intertexto

Dentro dos

7. A lotação com o COORDENADOR PEDAGÓGICO é critério da Direção da U.A. e deve seguir os critérios estabelecidos pela Resolução 2336/200 e o Manual do Quadro de Horários-2005. a saber: ter GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA; ser PAAE I, PAAE II GRADUADO ou PROF. DOC II GRADUADO E EXCEDENTE NA METROPOLITANA. A Gerência de Administração não poderá fazer lotação de professores movimentados nessa função.

Resolução 2336/200 e o Manual do Quadro de Horários-2005

Intertexto

Estabelecidos por A saber

8. Servidores com função gratificada – como, por exemplo, Secretário Escolar – não poderão ser movimentados pela autorização dada por essa C.I. Deverão abrir processo de exoneração da função e aguardar sua publicação em D.O. antes de estarem liberados para qualquer movimentação.

Essa C.I.

Intertexto

“autorização dada por”

9. Movimentação para outra Coordenadoria Regional continuam seguindo os critérios e trâmites estabelecidos pelo AMPARO ESPECIAL, ou seja, mediante processo a ser analisado pela COORDENAÇÃO DE MOVIMENTAÇÃO DE PESSOAL/SEE. A C.I. só autoriza movimentação NO ÂMBITO da mesma Coordenadoria Regional.

A C.I.

Intertexto

“autoriza”

218

Quadro 6 – Ocorrências no gênero Panfleto Texto “Esclarecimentos acerca do famigerado código 61”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

• 1. A Constituição da República estabelece em seu artigo 9º. o direito de greve como um direito fundamental dos trabalhadores.

A Constituição da República

Intertexto estabelece

• 2. Não existe lei que regulamente o art. 37, inciso VII, da Constituição da República, especificamente quanto à greve no serviço público. Assim, o SERVIDOR QUE PARTICIPAR DE PARALISAÇÃO (GREVE) DE SUAS ATIVIDADES FUNCIONAIS, POR ANALOGIA À LEI NO. 7.783 / 89 (LEI DE GREVE) EXISTENTE, NÃO PODERÁ SOFRER NENHUMA PENALIDADE PECUNIÁRIA, SEJA MULTA OU DESCONTOS DOS DIAS EM QUE DEIXOU DE EXERCER SUAS FUNÇÕES LABORIAIS, EXATAMENTE POR INEXISTIR, NO ORDENAMENTO PÁTRIO, LEGISLAÇÃO QUE CONCEDA O DIREITO AO ADMINISTRADOR PÚBLICO DE CORTE DE VENCIMENTOSE/ OU VANTAGENS.

LEI NO. 7.783 / 89 (LEI DE GREVE)

Intertexto

Por analogia a

• 3. O projeto de Lei Estadual enviado recentemente à Assembléia Legislativa e que visava restringir o direito de greve no âmbito da administração estadual foi amplamente rejeitado.

O Projeto de Lei Estadual

Intertexto

visava restringir

• 5. O Administrador do Estado somente pode fazer valer as regras previstas em lei. Seus agentes servidores, que não têm o direito de desconhecer a lei, podem responder judicial e administrativamente pelo corte de ponto e/ ou de vencimentos e vantagens.

A lei

Intertexto

“previstas em”

• 6. Ordens manifestamente ilegais não devem ser cumpridas, sob pena de responsabilização penal, civil e administrativa do servidor que, desacatando a legislação (art. 37, caput, da Constituição Federal combinado com o artigo 285, Inciso VIII, do

art. 37, caput, da Constituição Federal combinado com o artigo 285, Inciso VIII, do Decreto 2.479/79

Intertexto

Entre parênteses

219

Decreto 2.479/79), trouxer prejuízo para seus colegas. • 7. Corte de ponto em razão de greve, também, não está previsto no Regime Jurídico do Servidor Público Estadual ou Federal. Corte de Ponto é crime de abuso de autoridade que poderá ser apenado pela Lei 4.898/68.

Lei 4.898/68

Intertexto

poderá ser apenado pela

• 8. Os superiores hierárquicos que insistirem nessa pressão flagrantemente ilegal de corte de salário, estarão sujeitos à abertura de sindicâncias, inquérito administrativo e / ou representação no Ministério Público Estadual por prática de ato ímprobo, de acordo com o disposto na Lei de improbidade Administrativa – Lei 8.429/92.

Lei de improbidade Administrativa – Lei 8.429/92

Intertexto

“de acordo com o disposto em X”

Valorização do Magistério significa antes de tudo salário digno, compatível com nossa atividade laborial, em oposição à idéia equivocada e maldosa de que ganhamos bem pelas nossas horas e dias de trabalho, como disse o sr. Secretário de educação, Cláudio Mendonça.

o sr. Secretário de educação, Cláudio Mendonça

DI

disse

Sem fonte Ilhas aspas

Sem fonte Ilhas aspas

• O momento é mais do que oportuno de nos organizarmos, unirmo-nos e lutarmos pelos nossos direitos. Não podemos fugir à luta, escondermo-nos debaixo de desculpas que já viraram chavões, como: “nada adianta” e “nada muda”. Na verdade, é mais cômodo um discurso CURTO E GROSSO como esse, do que “ir à luta”.

Sem fonte (um nós genérico, fala que pode ser assumida por qualquer da categoria)

Ilhas aspas

Texto “Fala, Betinho”

Fragmento A quem é atribuída a responsabilidade

Tipo Marca lingüística

“Um galo sozinho não tece uma manhã” “Precisará sempre de outros galos”, diz o poema de João Cabral de Mel Neto. Foi exatamente com esta sensação de ficamos no último ato dos profissionais da educação da rede estadual, realizado no dia 04 de outubro, na Candelária.

O poema de João Cabral de Melo Neto

Intertexto Diz

Atenção!! Se você foi aprovado no concurso de 2004 e ainda não foi chamado, ou conhece alguém nesta

Uma liminar Intertexto Impede

220

situação, o SEPE, através do seu jurídico, ganhou na Justiça uma liminar que impede o estado de contratar alguém antes de chamar todas/os que estão na fila.

221

ANEXO 4 Esquema de encadeamento das situações de enunciação condensadas em DN

Ocorrência: A secretaria ainda estuda maneira de punir professores faltosos. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: estuda Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação atual de enunciação • conteúdo do dito: punição a professores faltosos Situação de enunciação original • enunciador: secretaria de educação • co-enunciador: professores • tempo: a partir do presente da situação de enunciação atual • tipo do dito que poderá ser emitido: indefinido Ocorrência: • Além de provas de Português e Matemática, aproximadamente 600 mil alunos, enfrentarão questões de Ciências da Natureza – Meio Ambiente, Biologia, Química e Física, de acordo com a série em curso. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: enfrentarão questões Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: 600 mil alunos farão prova Situação de enunciação original • enunciador: 600 mil alunos • co-enunciador: banca de correção das provas • tempo: projetado para o futuro • espaço: local de realização das provas tipo do dito que poderá ser emitido: questões das disciplinas Ocorrência: A prestação de contas será avaliada também qualitativamente. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: será avaliada Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual

222

• conteúdo do dito: Avaliação qualitativa da prestação de contas das escolas Situação de enunciação original • enunciador: responsáveis pelo Programa Nova Escola • co-enunciador: direções das escolas • tempo: próximo período de avaliação do Programa tipo do dito que poderá ser emitido: verificação de prestação de contas de acordo com critérios chamados de qualitativos Ocorrência: Serão emitidos certificados aos diretores que prestarem contas corretamente. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: serão emitidos certificados Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: emissão de certificados a diretores que prestarem contas de acordo com critérios estipulados Situação de enunciação original • enunciador: Secretaria de Educação • co-enunciador: diretores de escola • tempo: projetado para o futuro tipo do dito que poderá ser emitido: emissão de certificado Ocorrência: O diretor se preocupa com o provão. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: se preocupa Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: preocupação com a prova do Programa Nova Escola Situação de enunciação original • enunciador: diretor • co-enunciador: indefinido • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: conversa informal ou entrevista Ocorrência: Mendonça pensou em baixar para 3 o conceito máximo a ser obtido por essas escolas: “No fórum de diretores, houve a contraproposta de uma avaliação especial. Resolvi acatar”. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal

223

• marca lingüística: pensou Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação atual de enunciação • conteúdo do dito: redução do conceito máximo de algumas escolas, na avaliação do Programa Nova Escola Situação de enunciação original • enunciador: Cláudio Mendonça • co-enunciador: provavelmente, os presentes no fórum de diretores • tempo: momento de realização do fórum • espaço: local de realização do fórum • tipo do dito que poderá ser emitido: proposta levada ao fórum de diretores Ocorrência: O provão do Nova Escola será aplicado também em alunos da 4aa 8a séries de colégios recentemente municipalizados em 35 cidades, como Mesquita, Resende e Valença. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: O provão do Nova Escola será aplicado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: aplicação de prova do Programa Nova Escola em alunos de colégios recentemente municipalizados Situação de enunciação original • enunciador: responsáveis pela aplicação da prova • co-enunciador: alunos • tempo: momento de realização da prova • espaço: espaço de realização das provas • tipo do dito que poderá ser emitido: instruções necessárias à aplicação da prova Ocorrência: Uma das principais mudanças no Nova Escola 2005 é a validade das notas para todas as séries que fizerem o provão. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: mudanças no Nova Escola 2005 Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: • conteúdo do dito: Situação de enunciação original • enunciador: Secretaria de Educação • co-enunciador: servidores avaliados pelo Nova Escola

224

• tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: resolução oficial Ocorrência: A Secretaria de Educação terá que definir escalas para a 2a, 5ª, 6ª, 7ª séries e para o 1º e 2º ano, já que, a partir da próxima avaliação, notas de todas as provas aplicadas valerão como efeito de pontuação para o critério Desempenho Escolar. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: terá que definir escalas Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: definição de escalas de rendimento das provas aplicadas como avaliação do Programa Nova Escola Situação de enunciação original • enunciador: Secretaria de Educação • co-enunciador: profissionais de Educação • tempo: projetado para o futuro • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: publicação de resolução Ocorrência: O programa foi criado em 2000 para avaliar o ensino da rede e propor metas para modernizar a gestão escolar. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: foi criado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: criação do Programa Nova Escola Situação de enunciação original • enunciador: Secretaria de Educação • co-enunciador: Profissionais de Educação • tempo: ano de 2000 • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: resolução de criação do Programa Nova Escola Ocorrência: O Nova Escola é alvo de duras críticas. As avaliações de 2003 e do ano passado classificaram a maioria das unidades com os conceitos mais baixos. Em 2003, nenhum colégio teve 5. Em 2004, foram 15. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal

225

• marca lingüística: é alvo de duras críticas Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: • conteúdo do dito: críticas feitas ao Programa Nova Escola Situação de enunciação original • enunciador: indefinido • co-enunciador: indefinido • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido • tipo do dito que poderá ser emitido: crítica Ocorrência: A avaliação foi dividida em três critérios pela secretaria. Na gestão escolar, é apurada a organização de quadros de horários, prestação de contas, integração com a comunidade e assiduidade de professores. No fluxo, são checados dados de aprovação, reprovação, freqüência e evasão. Para ver o desempenho de alunos, há um provão. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: foi dividida em três critérios Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: divisão da avaliação do Programa Nova Escola em critérios Situação de enunciação original • enunciador: membros da Secretaria • co-enunciador: Profissionais de educação • tempo: indefinido • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: resolução ou documento formal que regulamente a resolução do Programa Nova Escola Situação de enunciação atual 2 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: é apurada Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: divisão da avaliação do Programa Nova Escola em critérios Situação de enunciação original • enunciador: membros da Secretaria • co-enunciador: Profissionais de educação • tempo: indefinido • espaço: indefinido • tipo do dito que poderá ser emitido: verificação de documentos e dados Situação de enunciação atual 3 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: são checados dados

226

Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: divisão da avaliação do Programa Nova Escola em critérios Situação de enunciação original • enunciador: membros da Secretaria • co-enunciador: Profissionais de educação • tempo: indefinido • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: verificação de dados Situação de enunciação atual 4 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: ver o desempenho Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: divisão da avaliação do Programa Nova Escola em critérios Situação de enunciação original • enunciador: membros da Secretaria • co-enunciador: alunos • tempo: indefinido • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: aplicação de prova para verificação de rendimento Ocorrência: Na reunião, ficou marcado um novo encontro para a próxima quarta-feira, quando será criada uma agenda de negociação com o governo. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: ficou marcado um novo encontro Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: marcação de novo encontro Situação de enunciação original • enunciador: representante do governo • co-enunciador: representante dos profissionais • tempo: momento da reunião • espaço: espaço da reunião • tipo do dito que poderá ser emitido: negociação de data Situação de enunciação atual 2 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: será criada uma agenda de negociação Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: criação de uma agenda de negociação

227

Situação de enunciação original • enunciador: representante do governo • co-enunciador: representante dos profissionais • tempo: quarta-feira • espaço: Provavelmente, sede do governo tipo do dito que poderá ser emitido: discussão de pauta de reivindicação Ocorrência: Professores marcam dia para debater reivindicações Situação de enunciação atual 1 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: marcam dia Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: marcação de data Situação de enunciação original • enunciador: professores • co-enunciador: professores • tempo: momento da assembléia • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: propostas de data para serem deliberadas em assembléia Situação de enunciação atual 2 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: debater Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: debate de reivindicações Situação de enunciação original • enunciador: professores • co-enunciador: professores • tempo: quinta-feira • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: discussão da pauta de reivindicações em assembléia Ocorrência: Mesmo com o encontro, os profissionais de ensino marcaram, para o dia 28 deste mês, o Dia de Discussão nas Escolas, para debater a pauta de reivindicações. Foi decidida também uma nova paralisação de 24h no dia 7 de julho. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: marcaram o Dia de Discussão nas Escolas Situação de enunciação intermediária

228

• enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: marcação do Dia de Discussão nas Escolas Situação de enunciação original • enunciador: profissionais de ensino • co-enunciador: profissionais de ensino • tempo: momento da assembléia • espaço: indefinido • tipo do dito que poderá ser emitido: proposta de data Situação de enunciação atual 2 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: debater Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: debate sobre a pauta de reivindicações Situação de enunciação original • enunciador: profissionais • co-enunciador: profissionais • tempo: dia 28 de maio de 2005 • espaço: • tipo do dito que poderá ser emitido: intervenções em assembléia sindical Situação de enunciação atual 3 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: momento da assembléia • espaço: • marca lingüística: foi decidida Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: paralisação de 24 h Situação de enunciação original • enunciador: profissionais • co-enunciador: profissionais • tempo: momento da assembléia • espaço: indefinido • tipo do dito que poderá ser emitido: intervenções em assembléia Ocorrência: Categoria quer piso de cinco salários-mínimos Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: quer Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: reivindicação por piso de cinco salários-mínimos Situação de enunciação original • enunciador: categoria • co-enunciador: governo • tempo: indefinido • espaço: indefinido

229

tipo do dito que poderá ser emitido: apresentação de pauta de reivindicação Ocorrência: Os profissionais de ensino também querem a volta das eleições para a escolha de diretores de escola e melhores condições de trabalho. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: querem Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: reivindicação dos profissionais Situação de enunciação original • enunciador: profissionais de ensino • co-enunciador: Secretaria de Educação • tempo: presente • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: pauta de reivindicação, assembléia, atos públicos, etc. Ocorrência: Hoje, professores da rede de ensino de Niterói e o secretário municipal de Educação, Waldeck Carneiro, iniciaram uma negociação, após 72 dias de greve da categoria. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: iniciaram uma negociação Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: negociação de reivindicações Situação de enunciação original • enunciador: professores da rede de ensino de Niterói • co-enunciador: secretário municipal de Educação • tempo: hoje, data do jornal • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: intervenções em reunião de negociação Ocorrência: No mês passado, os professores suspenderam a paralisação após o secretário [municipal de Educação, Waldeck Carneiro] afirmar que só negociaria com a categoria caso a greve terminasse. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: suspenderam a paralisação Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista

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• tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: suspensão de paralisação na rede pública de Niterói Situação de enunciação original • enunciador: professores • co-enunciador: professores (governo?) • tempo: mês anterior à publicação do jornal • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: deliberação de proposta em assembléia Ocorrência: Fim do giz é antiga queixa dos professores Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: queixa Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: substituição do quadro de giz Situação de enunciação original • enunciador: professores • co-enunciador: indefinido • tempo: passado (qualificar antiga) • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: queixa Ocorrência: Se para os antigos estudantes o giz guarda um significado nostálgico, para os profissionais ele já deveria ter sido expulso da escola pública desde que a Fiocruz elaborou um relatório sobre a saúde dos profissionais de ensino do Rio. Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor • tempo: data do jornal • marca lingüística: elaborou Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação atual de enunciação • espaço: • conteúdo do dito: elaboração de relatório pela Fiocruz sobre a saúde dos profissionais de ensino do Rio Situação de enunciação original • enunciador: Fiocruz • co-enunciador: indefinido (leitores do relatório) • tempo: anterior • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: relatório científico Ocorrência: Sindicato critica turmas com até 75 alunos Situação de enunciação atual • enunciador: jornalista • co-enunciador: leitor

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• tempo: data do jornal • marca lingüística: critica Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: crítica a turmas com 75 alunos Situação de enunciação original • enunciador: Sindicato • co-enunciador: indefinido • tempo: indefinido • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: fala ou nota à imprensa Ocorrência: PNLEM 2006: chegou a hora de escolher o livro didático Situação de enunciação atual • enunciador: publicitário • co-enunciador: leitor • tempo: atualiza-se a cada leitura da propaganda • marca lingüística: escolher o livro didático Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: publicitário • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: escolha do livro didático Situação de enunciação original • enunciador: pressupõe-se que seja o professor • co-enunciador: pressupõe-se que seja o aluno • tempo: indefinido • espaço: tipo do dito que poderá ser emitido: intervenções em reunião de professores Ocorrência: A Editora Ática oferece livros da mais alta qualidade na disciplina de Matemática Situação de enunciação atual • enunciador: publicitário • co-enunciador: leitor • tempo: presente • marca lingüística: oferece livros Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: oferta de livro didático Situação de enunciação original • enunciador: Editora Ática • co-enunciador: professores • tempo: a partir do presente • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: publicidade da editora Ocorrência: Comunicamos aos Senhores Professores às seguintes decisões a respeito dos procedimentos pedagógicos, referentes ao 1º. Bimestre / 2005 e solicitamos a colaboração de todos, no sentido de que consigamos realizar um excelente trabalho durante este ano.

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Situação de enunciação atual • enunciador: Nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular (válida durante todo o 1º. Bimestre) • espaço: escola • marca lingüística: colaboração Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: indefinido • espaço: indefinido • conteúdo do dito: solicitação de colaboração dos professores Situação de enunciação original • enunciador: professores (todos) • co-enunciador: nós • tempo: durante todo o 1º. bimestre • espaço: escola • tipo do dito que poderá ser emitido: enunciações que se pressuponham colaborando com as decisões Ocorrência: Quanto ao período de provas deste bimestre, que se realizará durante o mês de abril, ficará a cargo de cada professor, haja vista que não haverá Provão. Caberá ao professor aplicar a sua prova no seu tempo de aula, até o dia 22 de abril. Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: aplicar a sua prova Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido • conteúdo do dito: calendário de provas Situação de enunciação original • enunciador: professores • co-enunciador: alunos • tempo: horário de aula do professor, até o dia 22 de abril • espaço: escola • tipo do dito que poderá ser emitido: instruções relativas à aplicação de prova Ocorrência: A Recuperação Paralela desenvolver-se-á no período de 25 a 30 de abril, durante os tempos de aula de cada turma e nenhum aluno poderá ser liberado das aulas. Ao final da recuperação, o aluno deverá obter média 5 ou continuará com a média anterior à recuperação. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • espaço: escola • marca lingüística: desenvolver-se-á Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: calendário de recuperação paralela Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: aluno

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• tempo: período de 25 a 30 de abril • espaço: sala de aula de cada turma tipo do dito que poderá ser emitido: aula de recuperação paralela Situação de enunciação atual 2 • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • espaço: escola • marca lingüística: poderá ser liberado das aulas Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: liberação de alunos dos tempos de aula Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: aluno • tempo: período de 25 a 30 de abril • espaço: sala de aula de cada turma tipo do dito que poderá ser emitido: impedimento de emitir liberação de aluno do tempo de aula Ocorrência: Nos dias de Conselho de Classe, cada professor dará um (1) tempo de aula em cada uma das suas turmas, até o horário do recreio, assim distribuídos: Manhã (7h às 8h; 8h às 9h; 9h às 10h), Tarde (13h às 14h; 14h às 15h; 15h às 16h). Após o recreio, realizar-se-á o Conselho Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: dará um (1) tempo de aula Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: • conteúdo do dito: definição de calendário de aula nas datas de Conselho de Classe Situação de enunciação original • enunciador: Professor • co-enunciador: alunos • tempo: 1 tempo de aula • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: aula Ocorrência: A entrega das notas deverá ocorrer até o dia 09 de maio de 2005, à Orientadora Pedagógica, Paulina, juntamente com uma (1) cópia de suas respectivas provas, correspondente a cada série, para constar em seus arquivos Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: professor • tempo: data da circular • marca lingüística: A entrega das notas deverá ocorrer Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós

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• tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: • conteúdo do dito: calendário de entrega das notas Situação de enunciação original • enunciador: Professores • co-enunciador: Orientadora Pedagógica • tempo: até o dia 09 de outubro • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: preenchimento de canhotos apropriados para entrega de notas Ocorrência: A entrega do Planejamento e dos Projetos deverá ser feita até o dia 01 de abril de 2005. Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: professor • tempo: data da circular • marca lingüística: A entrega do Planejamento e dos Projetos deverá ser feita Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: jornalista • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: definição de data para entrega do planejamento Situação de enunciação original • enunciador: Professores • co-enunciador: Orientadora Pedagógica • tempo: até o dia 01 de abril de 2005 • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: preenchimento e entrega de planejamento Ocorrência: Cada professor deverá marcar a sua prova na semana de 27 à 01-07 Situação de enunciação atual • enunciador: enunciador • co-enunciador: leitor • tempo: data do bilhete • marca lingüística: deverá marcar a sua prova Situação de enunciação intermediária (situação intermediária não está necessariamente pressuposta) • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: enunciador do bilhete • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: • conteúdo do dito: calendário de prova bimestral Situação de enunciação original • enunciador: Cada professor • co-enunciador: alunos • tempo: período anterior à semana de 27 a 01 de julho de 2005 • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: marcação de data Ocorrência: Maiores esclarecimentos com Paulina ou Adriane Situação de enunciação atual • enunciador: Orientação Pedagógica • co-enunciador: professores

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• tempo: data da circular espaço: sala dos professores • marca lingüística: esclarecimentos Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Orientação Pedagógica • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido • conteúdo do dito: indefinido Situação de enunciação original • enunciador: Professor • co-enunciador: Paulina ou Adriane • tempo: projetado para o futuro • espaço: Escola tipo do dito que poderá ser emitido: perguntas ou solicitações Ocorrência: Comunicamos aos nossos colegas professores que a semana de provas do 3º. bimestre/ 2005 dar-se-á entre os dias 26 e 30 de setembro, cabendo a cada professor aplicar a sua própria prova de acordo com o conteúdo desenvolvido em sala, neste período. Portanto não haverá provão. Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: nossos colegas professores • tempo: data da circular espaço: escola • marca lingüística: aplicar sua própria prova Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido • conteúdo do dito: calendário de provas Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: alunos • tempo: período entre os dias 26 e 30 de setembro • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: instruções para aplicação de prova Ocorrência: A recuperação paralela será realizada de 3 a 7 de outubro, mantendo todos os alunos em sala. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: nós • co-enunciador: nossos caros colegas • tempo: data da circular • marca lingüística: A recuperação paralela será realizada Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido • conteúdo do dito: calendário de recuperação paralela Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: alunos

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• tempo: período de 3 a 7 de outubro • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: aulas de recuperação Situação de enunciação atual 2 • enunciador: nós • co-enunciador: nossos caros colegas • tempo: data da circular • marca lingüística: mantendo todos os alunos em sala Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: orientação relativa à circulação de alunos na escola Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: alunos • tempo: período de 3 a 7 de outubro • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: estratégias de manutenção dos alunos em sala Ocorrência: A entrega dos canhotos com as respectivas notas e faltas de todas as turmas deveram ser entregues no dia do conselho. Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: nossos caros colegas • tempo: data da circular • marca lingüística: A entrega dos canhotos Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: calendário de entrega das notas Situação de enunciação original • enunciador: professores • co-enunciador: Provavelmente, funcionários da secretaria • tempo: dia do Conselho de Classe • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: entrega de documentos Ocorrência: Quanto as dependências, será dada em 2 bimestres, com 2 notas, uma vez que os alunos ficaram reprovados nos módulos de 2004. Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: nossos colegas professores • tempo: data da circular • marca lingüística: será dada Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual

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• conteúdo do dito: procedimentos relativos às aulas de dependência Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: alunos • tempo: período relativo a 2 bimestres • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: aula de dependência Ocorrência: Os professores não poderão dispensar os alunos antes do término da aula, pois os alunos fogem, atrapalhando a aula dos últimos tempos.• Cada professor deverá marcar a sua prova na semana de 27 à 01-07 Situação de enunciação atual 1 • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: não poderão dispensar os alunos Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: dispensa dos alunos no período de recuperação paralela Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: alunos • tempo: período de recuperação • espaço: sala de aula • tipo do dito que poderá ser emitido: estratégias de manutenção dos alunos em sala de aula Situação de enunciação atual 2 • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: deverá marcar a sua prova Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: calendário de prova Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: alunos • tempo: até a semana de 27 a 07 de julho • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: agendamento de avaliação Ocorrência: Encerrada a Recuperação, o professor deverá dirigir-se à Secretaria para marcar com um (x), a lápis, na Ata do Conselho, os alunos que não completaram 20 pontos da sua disciplina, ainda que tenham prestado exame de recuperação do 4º. bimestre. Situação de enunciação atual • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: marcar com um (x) Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós

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• tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: identificação dos alunos que não atingiram a pontuação necessária para aprovação Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: professores reunidos em COC • tempo: após a recuperação • espaço: secretaria tipo do dito que poderá ser emitido: marcação de X Ocorrência: • No dia do Conselho, os canhotos com as notas do 4º. bimestre e com as médias finais deverão ser entregues na Secretaria, assim como os Diários de Classe deverão permanecer, devidamente preenchidos e assinados pelo professor. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: as médias finais deverão ser entregues Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: orientação para entrega de médias finais Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: Funcionários da Secretaria da escola • tempo: dia do Conselho de Classe • espaço: Secretaria da escola tipo do dito que poderá ser emitido: protocolo de entrega de documento Situação de enunciação atual 2 • enunciador: nós • co-enunciador: professores • tempo: data da circular • marca lingüística: preenchidos e assinados Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: nós • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: orientação relativa aos diários de classe Situação de enunciação original • enunciador: professor • co-enunciador: funcionário de Secretaria da escola • tempo: até o dia do Conselho de Classe • espaço: Secretaria da escola tipo do dito que poderá ser emitido: preenchimento e assinatura dos diários de classe Ocorrência: “Profs o conteúdo de geo do 1º. Bimestre, vai até o capítulo 15 (10 ao 15). Do 16 ao 23 deverá ser cobrado no 4º. Bimestre.” Situação de enunciação atual • enunciador: Indefinido • co-enunciador: Professores

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de Geografia • tempo: data do bilhete • marca lingüística: deverá ser cobrado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Enunciador do bilhete • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: definição dos capítulos relativos ao 4º. bimestre Situação de enunciação original • enunciador: Professor de Geografia • co-enunciador: Alunos • tempo: período relativo ao 4º. bimestre • espaço: sala de aula tipo do dito que poderá ser emitido: avaliação de conteúdo Ocorrência: Uma confusão que tem se mostrado comum, desde a publicação dessa Resolução, é a diferença entre DIREITO e GOZO da Licença Especial. Situação de enunciação atual • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: confusão Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: confusão em relação à diferença entre direito e gozo da Licença Especial Situação de enunciação original • enunciador: servidores • co-enunciador: indefinido • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: Escolas e/ou sede da Metro X tipo do dito que poderá ser emitido: dúvidas ou solicitações “equivocadas” em relação à Resolução Ocorrência: 1o Ofício de solicitação de gozo, emitido pelo servidor interessado e endereçado à direção da unidade administrativa em que está lotado. Nesse mesmo ofício, o servidor deve:

• esclarecer o motivo para o gozo da Licença Especial, e declarar que aguardará em exercício a autorização da SEE. Situação de enunciação atual • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: Direções da escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: emitido Situação de enunciação intermediária

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• enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da MetroX • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: emissão de ofício de solicitação de gozo de Licença Especial Situação de enunciação original • enunciador: Servidor interessado • co-enunciador: direção da escola • tempo: indefinido • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: ofício Ocorrência: 4o O ofício de solicitação de gozo emitido pelo servidor interessado, deve ser ratificado pela direção da unidade administrativa e pela coordenadoria regional. Situação de enunciação atual • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: deve ser ratificado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: solicitação de gozo de licença especial Situação de enunciação original • enunciador: servidor interessado • co-enunciador: direção da unidade • tempo: indefinido, projetado para o futuro • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: ofício de solicitação de gozo de licença especial Ocorrência: O processo, assim, instruído, será encaminhado à Coordenadoria Regional, com entrada obrigatória pelo PROTOCOLO. Após verificação pela Gerência de Administração – Núcleo de Processos, será encaminhado à Coordenadora Regional, para seu ratifico e, então, enviado para a Superintendência de Recursos Humanos/SEE, através de malote e guia de remessa. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: será encaminhado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: solicitação de licença especial Situação de enunciação original

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• enunciador: servidor interessado • co-enunciador: Protocolo da Coordenadoria Regional • tempo: indefinido, projetado para o futuro • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: relativos a encaminhamento de processo a setor de protocolo Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: verificação Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: solicitação de licença especial Situação de enunciação original • enunciador: Gerência de Administração da Metro X • co-enunciador: Coordenadora Regional • tempo: posterior ao encaminhamento da solicitação ao protocolo • espaço: Metro X tipo do dito que poderá ser emitido: leitura do processo e conferência da documentação Situação de enunciação atual 3 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: será encaminhado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: solicitação de licença especial Situação de enunciação original • enunciador: Gerente administrativo da Metro X • co-enunciador: Coordenadora Regional • tempo: posterior à verificação • espaço: Metro X tipo do dito que poderá ser emitido: relativo a encaminhamento de processo Situação de enunciação atual 4 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: seu ratifico Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: solicitação de licença especial Situação de enunciação original

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• enunciador: Coordenadora Regional • co-enunciador: indefinido • tempo: posterior ao recebimento do processo • espaço: Metro X tipo do dito que poderá ser emitido: assinatura, etc. Ocorrência: A SUPERINTENDÊNCIA DE RECURSOS HUMANOS/SEE, através da C.I. GAB/SURH no. 173, de 18 de Novembro de 2005, em resposta à reivindicação dos Coordenadores Regionais e em concordância com o Exmo. Sr. Secretário de Estado de Educação, autoriza a MOVIMENTAÇÃO DE PROFESSORES E SERVIDORES DE APOIO NO ÂMBITO DA COORDENADORIA REGIONAL Situação de enunciação atual 1 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: reivindicação Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidores entre as escolas Situação de enunciação original • enunciador: Coordenadores regionais • co-enunciador: Superintendência de Recursos Humanos • tempo: anterior à publicação a 18 de novembro de 2005 • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: reivindicações orais ou por escrito Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: concordância Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidores entre as escolas Situação de enunciação original • enunciador: Secretário de Educação • co-enunciador: Superintendência de Recursos Humanos • tempo: anterior a 18 de novembro de 2005 • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: assinatura, evidenciando concordância formal Ocorrência: 3. Embora a movimentação seja autorizada no período acima, sua efetivação só acontecerá em 31 DE DEZEMBRO. Portanto, os servidores deverão permanecer na U.A. atual até o final desse ano.

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• Professores regentes, se apresentarão à nova U.A. no dia 31 de DEZEMBRO, entrando em férias a partir de 02 de Janeiro e iniciando suas atividades no dia 01 de Fevereiro. • Professores em função extra-classe (incluindo readaptados) e Pessoal de Apoio, se apresentarão à nova U.A. em 31 de DEZEMBRO e iniciará suas atividades no dia 02 de Janeiro de 2006. O gozo de suas férias será acordado com a Direção da nova U.A. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: se apresentarão Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidores entre as escolas Situação de enunciação original • enunciador: Professores regentes • co-enunciador: direção da escola para a qual foi transferido • tempo: 31 de dezembro de 2005 • espaço: Escola para a qual foi transferido tipo do dito que poderá ser emitido: apresentação pessoal, munido de memorando de encaminhamento redigido pela Metro Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: se apresentarão Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidores entre as escolas Situação de enunciação original • enunciador: Professores em função extra-classe (incluindo readaptados) e Pessoal de Apoio • co-enunciador: direção da escola para a qual foi transferido • tempo: 31 de dezembro de 2005 • espaço: Escola para a qual foi transferido tipo do dito que poderá ser emitido: apresentação pessoal, munido de memorando de encaminhamento redigido pela Metro Situação de enunciação atual 3 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: será acordado com Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente

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Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidores entre as escolas Situação de enunciação original • enunciador: Professores em função extra-classe (incluindo readaptados) e Pessoal de Apoio • co-enunciador: direção da escola para a qual foi transferido • tempo: posterior a 31 de dezembro • espaço: Escola para a qual foi transferido tipo do dito que poderá ser emitido: acordo Ocorrência: 4. O horário, dia e turno de atuação na nova U.A., em 2006, será definido pela sua Direção. Essa Gerência de Administração não fará movimentação por turno ou dia da semana, mas apenas por VAGA. Caberá aos Diretores alocar os novos professores regentes no QUADRO DE HORÁRIO – 2006, na ocasião de sua digitação, a saber: de 12 a 30 DE DEZEMBRO DE 2005. Vale lembrar que, dentro dos critérios vigentes, o professor movimentado será considerado o MAIS NOVO NA U.A. e, portanto, os professores mais antigos terão direito de escolherem primeiro seu dia e horário de atuação, independente daqueles vivenciados em 2005. Ou seja: a vaga real que, em 2005, existia em um turno e dia da semana, pode estar em outro turno e/ou dia da semana para 2006. Não tem como essa Gerência de Administração determinar isso antes da digitação do QUADRO DE HORÁRIO – 2006. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: será definido Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: definição de dia e horário de trabalho Situação de enunciação original • enunciador: direção da escola • co-enunciador: servidor movimentado • tempo: projetado para o futuro • espaço: nova escola tipo do dito que poderá ser emitido: montagem de quadro de horário Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: terão direito de escolherem Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual

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• conteúdo do dito: definição de dia e horário de trabalho Situação de enunciação original • enunciador: profissionais mais antigos na escola • co-enunciador: direção da escola • tempo: projetado para o futuro, anterior à escolha dos demais • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: montagem de quadro de horário Situação de enunciação atual 3 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: determinar Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: definição de dia e horário de trabalho Situação de enunciação original • enunciador: Gerência Administrativa • co-enunciador: direção das escolas • tempo: projetado para o futuro • espaço: Metro X tipo do dito que poderá ser emitido: impedimento de interferência na montagem do quadro de horário Ocorrência: Uma vez feita a movimentação (entre 28 de Novembro e 09 de Dezembro), o servidor não poderá solicitar nova movimentação com base nessa C.I. Caso o horário, turno ou dia de atuação na nova U.A. se mostre menos favorável que os da antiga lotação, NÃO PODERÁ RETORNAR. Nesse caso, deve negociar com a Direção da nova U.A. e seus colegas de trabalho. A movimentação autorizada mudará a U.A. de lotação mediante um CADASTRO realizado pela Coordenadoria Regional no SISTEMA DO QUADRO DE HORÁRIO. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: não poderá solicitar Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidores Situação de enunciação original • enunciador: servidor • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: projetado para o futuro, posterior à primeira movimentação • espaço: Metro X tipo do dito que poderá ser emitido: impedimento de nova movimentação

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Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • co-enunciador: direções das escolas da Metro X • tempo: data da nota informativa • marca lingüística: deve negociar Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Gerente Administrativo da Metro X • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: movimentação de servidor Situação de enunciação original • enunciador: servidor movimentado • co-enunciador: direção da escola • tempo: projetado para o futuro • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: negociação de montagem de quadro de horário Ocorrência: O projeto de Lei Estadual enviado recentemente à Assembléia Legislativa e que visava restringir o direito de greve no âmbito da administração estadual foi amplamente rejeitado. Situação de enunciação atual • enunciador: Profissional-enunciador • co-enunciador: Profissional-leitor • tempo: ?? • marca lingüística: foi amplamente rejeitado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Profissional-enunciador • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: direito de greve Situação de enunciação original • enunciador: Deputados • co-enunciador: deputados • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: Assembléia Legislativa tipo do dito que poderá ser emitido: votação de projeto de lei Ocorrência: Ele tem nos humilhado em demasia, é insípido com nossa classe e indiferente com nossa situação aflitiva. Situação de enunciação atual • enunciador: Profissional-enunciador • co-enunciador: Profissional-leitor • tempo: ?? • marca lingüística: tem nos humilhado Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Profissional-enunciador • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: relação do Secretário de Educação com a categoria

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Situação de enunciação original • enunciador: Secretário de Educação • co-enunciador: Profissionais de educação • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: declarações em jornais Ocorrência: Valorização do Magistério, não é nos permitir um salário miserável, GLP(s), “nova Escola” e contratos que são prorrogados inconstitucionalmente com a intenção de enxugar gastos com a educação e explorar a nós, educadores. Situação de enunciação atual 1 • enunciador: Profissional-enunciador • co-enunciador: Profissional-leitor • tempo:?? • marca lingüística: são prorrogados Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Profissional-enunciador • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: prorrogação inconstitucional de contratos temporários Situação de enunciação original • enunciador: Secretário de Educação • co-enunciador: profissional contratado • tempo: passado que se estende ao presente tipo do dito que poderá ser emitido: prorrogação de contrato Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Profissional-enunciador • co-enunciador: Profissional-leitor • tempo: enunciação do panfleto • marca lingüística: com a intenção de enxugar gastos Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Profissional-enunciador • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: enxugamento de gastos da Secretaria de Educação Situação de enunciação original • enunciador: Secretário de Educação • co-enunciador: indefinido • tempo: passado que se estende ao presente • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: anúncio de medidas econômicas Ocorrência: Nós, que começamos o ano sob acusações as mais diversas por parte da Secretaria de Educação, que somos coagidos a “fabricar” estatísticas que não condizem com a realidade, que enfrentamos situações de trabalho muito adversas, merecíamos nos dar um fim de ano mais digno. Precisamos concluir o ano de cabeça erguida. Situação de enunciação atual 1

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• enunciador: Representante sindical de base • co-enunciador: Profissionais de educação da escola • tempo: data do panfleto • marca lingüística: acusações as mais diversas Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Representante sindical de bas • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: acusações aos profissionais de educação Situação de enunciação original • enunciador: Secretaria de Educação • co-enunciador: Profissionais de educação • tempo: início do ano • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: acusações Situação de enunciação atual 2 • enunciador: Representante sindical de base • co-enunciador: Profissionais de educação da escola • tempo: data do panfleto • marca lingüística: somos coagidos Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Representante sindical de base • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: coação aos profissionais de educação Situação de enunciação original • enunciador: indefinido • co-enunciador: profissionais de educação • tempo: anterior à situação de enunciação atual • espaço: atual tipo do dito que poderá ser emitido: coação Situação de enunciação atual 3 • enunciador: Representante sindical de base • co-enunciador: Profissionais de educação da escola • tempo: data do panfleto • marca lingüística: “fabricar” estatísticas Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Representante sindical de base • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: estatísticas da educação Situação de enunciação original • enunciador: Profissionais de educação • co-enunciador: Secretaria de Educação • tempo: indefinido • espaço: escola tipo do dito que poderá ser emitido: preenchimento de documentos

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Ocorrência: Se não conseguimos mobilizar o suficiente, não é hora de procurar culpados entre nós ou na diretoria do Sindicato (eleita por nós para nos representar e não nos substituir!!). Temos sim de apontar os responsáveis pela atual situação: o governo cínico. Situação de enunciação atual • enunciador: Representante sindical de base • co-enunciador: Profissionais de educação da escola • tempo: data do panfleto • marca lingüística: apontar os responsáveis pela atual situação Situação de enunciação intermediária • enunciador: fonte desconhecida • co-enunciador: Representante sindical de base • tempo: anterior à situação de enunciação atual • conteúdo do dito: situação atual Situação de enunciação original • enunciador: Profissionais de educação • co-enunciador: indefinido • tempo: projetado para o presente em diante • espaço: indefinido tipo do dito que poderá ser emitido: manifestações

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