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Page 1: Imagem do cartaz: Paulo Brighenti...à “dramaturgia da dança: tempo, espaço, som e voz”. A coordenação desta edição estará a cargo da jornalista Cláudia Galhós. PROGRAMA

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Direcção Rodrigo FranciscoProdução Ana Patrícia SantosPublicidade Carina Verdasca e Susana Fernandes Colaboram neste número Ângela Pardelha e José Gabriel AntuñanoIlustração da capa Paulo BrighentiPaginação João GasparImpressão Grafedisport, impressão e artes gráficas, SA PropriedadeDistribuição e publicidade Companhiade Teatro de Almada, CRL

Teatro Municipal Joaquim Benite, Av. Prof. Egas Moniz, Almada Telefone: 21 273 93 60 | Fax: 21 273 93 67 | [email protected] www.ctalmada.pt | www.facebook.com/TeatroMunicipalAlmada

Um par de parênteses no quotidiano

N . º 3 1 | F E S T I VA L D E A L M A D A 2 0 1 8

Aprogramação do 35.º Festival de Almada foi inevitavelmente afectada pelo resulta-do do recente concurso público de apoio às artes, que determinou um corte de 25%no financiamento da nossa actividade, por

parte da Direcção-Geral das Artes, em relação ao quadriénio anterior. A presente edição só é possível porque a Câmara Municipal de Almada, num último recurso face aos compromissos por nós assumidos junto dos grupos participantes, atribuiu um financia-mento de emergência para este ano ao Festival de Almada. A subvenção do Ministério da Cultura ao maior festival de teatro do País é já inferior àque-la que existia em 1997, há mais de duas décadas. Desenvolvemos regularmente a nossa actividade em Almada há 40 anos, e repudiamos a desresponsabi-lização do Governo central no que toca ao seu dever de proporcionar o acesso dos cidadãos à cultura. Numa altura em que os decisores políticos já assu-miram que o actual regulamento de financiamento às artes está errado, esperamos que a reformulação da lei seja célere — ainda a tempo de salvaguardar a importância do Festival de Almada para a Cidade e para o País.

Olga Roriz dirige “O sentido dos Mestres”

A inscrição no curso faz-se mediante o envio de CV e carta de motivação para [email protected] e tem um

custo de 20€ (10€ para os Assinantes do Festival).

Acoreógrafa e bailarina Olga Roriz será a próxima responsável pelo curso de forma-ção O sentido dos Mestres, que o Festival de Almada organiza desde 2014 em co-laboração com a Share Foundation. Olga

Roriz sucede a criadores como Luis Miguel Cintra, Pe-ter Stein, Ricardo Pais e Juni Dahr, na direcção destas sessões destinadas a profissionais e estudantes das artes do espectáculo, mas também ao público. O programa O sentido dos Mestres assenta na partilha das experiências de criadores com um percurso artístico reconhecido, no sentido de dotar as gerações vindouras de conhecimentos que possam contribuir para o desenvolvimento das suas carreiras. Para Olga Roriz, as sessões que decorrerão a partir das 15h00 nos dias 9, 11 e 12 de Julho na Casa da Cerca, em Almada, constituirão uma forma de expor “o meu sentir ao longo de uma vida dedicada a interpretar e criar a minha dança”, incluindo um espaço dedicado à “dramaturgia da dança: tempo, espaço, som e voz”. A coordenação desta edição estará a cargo da jornalista Cláudia Galhós.

PROGRAMA

Quinta 12 Julho A DANÇA

- Ambiguidade, paradoxo, ficção e real- A eloquência e o erotismo do corpo

- As moradas do bailarino

A DRAMATURGIA NA DANÇA- Texto e voz - A noção de ‘tempo’ / Banda sonora / Sons- O espaço e o enquadramento / Espaço cénico / Figurinos

- Alinhamento e composição

Quarta 11 JulhoA CRIAÇÃO

- Temas e projectos - A pesquisa criativa - Delinear aproximações - A improvisação

Segunda 09 JulhoA FORMAÇÃO

- O percurso de Olga Roriz- A importância do domínio de várias técnicas

- As dualidades que se contaminam: bailarino / intérprete / actor- Dominar o passado para criar o futuro

Apesar das circunstâncias, realizámos os mais vigo-rosos esforços para garantir a qualidade da progra-mação deste ano. Nesse sentido, renovámos as co-laborações com alguns dos principais teatros lisbo-etas. Julgo que não defraudaremos as expectativas do nosso público, cujo valor vai a par com o prestígio que o Festival tem alcançado no Mundo. Assim sen-do, e apesar do dramático corte na subvenção que nos é atribuída pelo Ministério da Cultura (mais grave ainda do que durante a anterior legislatura, quando esse Ministério foi extinto), conseguimos apresentar na presente edição um conjunto equilibrado de es-pectáculos, dando espaço a uma nova geração de encenadores que são já uma referência para quem segue de perto o teatro europeu. Reunimos em 2018 uma assinalável diversidade de linguagens artísticas, abordando as várias corren-tes estéticas das distintas formas de olhar o Mun-do: visitam-nos criadores de paragens tão distintas como a Alemanha, o México ou o Burquina Faso. A alacridade da programação deste ano encontra ex-pressão no teatro de texto, na dança, na poesia, no teatro sem palavras, na música, nos espectáculos de rua — convocando as várias disciplinas das artes

de palco e procurando estimular a sensibilidade e a curiosidade daqueles que reservam a tradicional quinzena de Julho para saborearem o Festival de Al-mada: um par de parênteses nos seus quotidianos. Ao homenagearmos Yvette Centeno (uma das mais distintas personalidades da cultura portuguesa, que tanto tem dado ao teatro); ao mantermos o preço das Assinaturas para todos os espectáculos em valores reduzidos; ao darmos as mãos às artes plásticas; ao privilegiarmos a reflexão e o encontro entre os cria-dores e o público; ao estendermos a Festa à Cidade, indo ao encontro dos almadenses e daqueles que nos visitam — ao conservarmos, apesar das restri-ções intoleráveis, os princípios que nos trouxeram até aqui, estamos a honrar o compromisso de con-fiança mútua estabelecido com os nossos especta-dores, que se torna mais fraterno e mais forte a cada ano que passa. Assim o Estado cumpra, como lhe compete, o financiamento ao serviço público de tea-tro consagrado na Constituição Portuguesa — e nós cá estaremos, com o rigor e a alegria costumeiros, para organizarmos o Festival de Almada por muitos e bons anos.

Rodrigo Francisco

VENDA ANTECIPADA DE ASSINATURAS

Assinaturas à venda nas lojas FNAC, na bilheteira do TMJB e em www.ctalmada.pt

* Com cartão válido até 18 de Julho de 2018 ou posterior

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PEP TOSAR (ESPANHA)

Federico GarcíaA partir da vida e da obra de Federico García LorcaDramaturgia de Evelyn Arévalo e Pep Tosar | Enc. de Pep Tosar

Qua. 18 > 22:00 eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

CoMpAGNie Le FiLS du GrANd réSeAu (FRANÇA)

Apremelodrama burlescoDe Pierre Guillois Co-escrito por Agathe L’huillier e olivier Martin-Salvan

Qua. 04 > 22:00eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

ARTISTAS UNIDOS (PORTUGAL)

Nada de mimTexto de Arne Lygre | encenação de pedro Jordão

Qui. 05 e Qui. 12 > 18:00 e 21:00 Sex. 06, Sáb. 07, Qua. 11, Sex. 13 e Sáb. 14 > 21:00 Ter. 10 > 18:00 | Ter. 17 e Qua. 18 > 19:00TeATro dA poLiTéCNiCA

CoMpANhiA de TeATro de ALMAdA (PORTUGAL)

Bonecos de luzA partir de romeu Correia | encenação de rodrigo Francisco

Qui. 05 e Ter. 10 > 20:00 Sex. 06, Sáb. 07 e Seg. 09 > 19:00 Dom. 08 > 17:00 | Qua. 11 > 21:30TeATro MuNiCipAL JoAQuiM BeNiTe

TeATro NACioNAL São João (PORTUGAL)

Lulu Texto de Frank Wedekind | encenação de Nuno M Cardoso

Qui. 05 > 21:30 | Sex. 06 > 19:00TeATro MuNiCipAL JoAQuiM BeNiTe

TeATro do BAirro (PORTUGAL)

Colónia penalTexto de Jean Genet | encenação de António pires

Qui. 05, Sex. 06, Sáb. 07, Qua. 11, Qui. 12, Sex. 13 e Sáb. 14 > 21:30 Seg. 09, Ter. 10, Seg. 16 e Ter. 17 > 18:00 TeATro do BAirro

FASo dANSe ThéÂTre (BURQUINA FASO)& hALLeS de SChAerBeeK (BÉLGICA)

Kalakuta republikConceito e coreografia de Serge Aimé Coulibaly

Sex. 06 > 22:00 eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

MINI TEATER (ESLOVÉNIA)

Final do amorTexto de pascal rambert | encenação de ivica Buljan

Sáb. 07 e Dom. 08 > 15:00 | Seg. 09 e Ter. 10 > 18:00 TeATro-eSTúdio ANTóNio ASSuNção

TeATro de BABeL (MÉXICO)

ArizonaTexto de Juan Carlos rubio | encenação de ignacio García

Sáb. 07 > 17:00 | Dom. 08 > 19:00FóruM roMeu CorreiA

GAVeLLA drAMA TheATre (CROÁCIA)

A reunificaçãodas duas CoreiasTexto de Joël pommerat | encenação de paolo Magelli

Sáb. 07 > 21:00 | Dom. 08 > 16:00TeATro NACioNAL d. MAriA ii

NEEDCOMPANY (BÉLGICA)

o quarto de isabelladirecção de Jan Lauwers

Dom. 08 > 22:00eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

ThéÂTre GérArd phiLipe – CeNTre drAMATiQue NATioNAL de SAiNT-deNiS (FRANÇA)

Liliomou a vida e a morte de um vagabundoTexto de Ferenc Molnár | encenação de Jean Bellorini

Seg. 09 > 21:00 | Ter. 10 > 19:00TeATro MuNiCipAL JoAQuiM BeNiTe

TrANSQuiNQueNNAL (BÉLGICA)

philip Seymour hoffman, por exemploTexto de rafael Spregelburd | encenação colectiva

Ter. 10 > 22:00eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

TeATro dA TriNdAde iNATeL (PORTUGAL)

CarmenA partir de Vozes dentro de mim, de Carmen doloresDramaturgia e encenação de Diogo Infante

Qui. 12, Sex. 13, Sáb. 14 e Dom. 15 > 21:30TEATRO DA TRINDADE

eMiLiA roMAGNA TeATro FoNdAZioNe e CoMpAGNiA pippo deLBoNo (ITÁLIA)

A alegriaConcepção e direcção de pippo delbono

Qui. 12 > 22:00eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

CoMpAGNie MiChÈLe NoireT (BÉLGICA)

Fora de campoGuião, encenação e coreografia de Michèle Noiret

Sex. 13 > 21:00CeNTro CuLTurAL de BeLéM

CoMpANhiA NACioNAL de BAiLAdo (PORTUGAL)

A tecedura do caosdirecção e coreografia de Tânia Carvalho

Sex. 13 > 21:30 | Sáb. 14 > 19:00TeATro MuNiCipAL JoAQuiM BeNiTe

(PORTUGAL)

Melodramas de horrorTextos de Gottfried August Bürger, Nikolas Lenau, erik Satie, Johann Wolfgang von Goethe e Adolf von pratobeveraMúsica de Franz Liszt, erik Satie, richard Wagner e Franz Schubert

Sáb. 14 > 15:00 | Dom. 15 > 19:00 FóruM roMeu CorreiA

ThéÂTre de LA ViLLe (FRANÇA)

estado de sítioTexto de Albert CamusEncenação de Emmanuel Demarcy-Mota

Sáb. 14 > 21:00 | Dom. 15 > 17:30 TeATro São LuiZ

CoMpANhiA oLGA roriZ (PORTUGAL)

A meio da noiteDirecção de Olga Roriz

Sáb. 14 > 22:00 eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

STRUCTURE PRODUCTION E C.I.C.T. – ThéÂTre deS BouFFeS du Nord (FRANÇA)

ActrizTexto e encenação de pascal rambert

Dom. 15 > 16:00 | Seg. 16 > 19:00 TeATro NACioNAL d. MAriA ii

eLMANo SANCho (PORTUGAL)

A última estaçãode elmano Sancho

Seg. 16, Ter. 17 e Qua. 18 > 19:00 TeATro MuNiCipAL JoAQuiM BeNiTe

FAMiLie FLÖZ (ALEMANHA)

Dr. Nestde Fabian Baumgarten, Anna Kistel, Björn Leese, Benjamin reber, hajo Schüler, Mats Suethoff e Michael Vogeldirecção de hajo Schüler

Seg. 16 > 22:00 eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA

MÜNChNer KAMMerSpieLe (ALEMANHA)

A sonâmbula A partir da ópera em dois actos de Vincenzo Bellini e Felice romani | encenação de david Marton

Ter. 17 > 21:30 | Qua. 18 > 19:00 TeATro MuNiCipAL JoAQuiM BeNiTe

CriAção

CriAção

CriAção

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na o r i g e m d e s t a p e ç a e s t e v e a l g u m a c o n t e c i m e n t o p a r t i c u l a r ?Em 2014 estalou uma nova revolução no Burquina Faso. O povo estava contra uma enésima emenda à Constituição, que per-mitiria ao chefe de Estado, Blaise Compa-oré, candidatar-se ao quinto mandato. Hoje em dia, ainda que os líderes que nos gover-nam continuem a ser os mesmos, alguns obstáculos desapareceram: as pessoas es-tão vigilantes e prontas a defender os seus direitos. Neste contexto, do meu ponto de vista, é importante que um artista esteja política e socialmente comprometido.

Fo r a m e s s a s c o n v i c ç õ e s q u e o l e v a r a m a Fe l a K u t i , p o r t a -v o z d a c o n t r a c u l t u r a e d a r e s i s t ê n c i a n i g e r i a n a s ?Estabeleci de imediato um paralelismo entre esses acontecimentos e a música contestatária de Fela Kuti. Em todas as minhas peças tenho utilizado, pelo menos, uma das suas canções. Para esta criação, decidi inspirar-me totalmente nele. Há dois anos, quando comecei a pesquisa, conhecia apenas o mito Fela. Foi então que parti para a Nigéria, no seu encalço, para entrar em contacto com a sua reali-dade, e visitar os locais onde viveu, indo ao encontro de uma parte da sua família. Também acumulei documentos, nomeada-mente sobre as suas influências musicais e políticas. Tentei compreender os mecanis-mos que tornaram este homem num artista revoltado e comprometido. Fela Kuti não fazia concessões. Era um homem corajo-

so, que levava a sua acção até às últimas consequências. Foi esse traço que inspirou esta criação: uma dança directa e violenta, que nunca pára. Fela é também um pretex-to para falar da minha condição de artis-ta nos dias que correm — e da razão pela qual os artistas existem.

Es s a s q u e s t õ e s t a m b é m s e e n c o n t r a m n o t r a t a m e n t o d a m ú s i c a d e Fe l a K u t i ?Efectivamente, há dois ambientes musi-cais na peça. O primeiro baseia-se nas mú-sicas originais de Fela. O segundo consiste numa criação de Yvan Talbot. Pedi-lhe que trouxesse o Fela para os nossos dias.

co m o é q u e t r a b a l h o u c o m o s s e u s b a i -l a r i n o s ?Pedi-lhes que me surpreendessem. Tenho sempre vontade de ser surpreendido; tal-vez seja por isso que trabalho muito com os meus bailarinos a partir de improvisa-ções, colocando-lhes perguntas. Perguntei--lhes, por exemplo, por quê ou por quem estariam (ou não) dispostos a sacrificar-se. Mas também tenho coisas muito precisas na cabeça, como a urgência, que foi um dos principais motores da peça.

co m o é q u e c o n c e b e u o e s p a ç o c é n i c o ? Durante seis meses trabalhei com a minha cenógrafa e a minha videasta para criar ambientes. Tentámos conceber um lugar que pudesse ser futurista: uma no man’s land, algo totalmente indefinido. A pri-meira parte, a preto e branco, representa o

mundo actual: o medo, a violência e a indi-ferença que constantemente nos detêm. A segunda parte, a cores, retrata um pouco a fealdade do Mundo, uma vez que vivemos num espaço em decadência. Passar do pre-to e branco à cor consiste também numa fantasia artística e estética, que é uma das marcas da evolução histórica, tanto no ci-nema como na televisão. E consiste ainda numa metáfora, para dizer que as guer-ras podem igualmente ser portadoras de esperança. Para a cenografia, inspirámo-nos sobretudo no Shrine, um templo onde Fela rezava com os seus espectadores, e que era também a boîte onde dava os seus concertos. As paredes desse local estavam cobertas de frases, de palavras, e também de imagens. Os textos projectados em cena são uma combinação de frases que pode-riam ter sido ditas por Fela ou pelo filósofo esloveno Slavoj Žižek. Interpelam-nos, tal como as imagens de arquivo que utiliza-mos: imagens da NASA, nas quais vemos a acção dos drones americanos, cenas de destruição e multidões em marcha, deslo-cadas pelas guerras. Para mim, a marcha é a marcha do Mundo; a natureza da hu-manidade. O que é formidável na marcha é que contém em si a capacidade de trans-formar o Mundo. É a própria natureza da humanidade, a sua esperança. E é também o tema do meu espectáculo, que é uma es-pécie de marcha, de transe, sem fim.

EntrEvista conduzida por Francis cossu (adaptada)

Nasceu em 1972 em Bobo-Dioulas-so, no Burquina Faso. Em 1993 pas-sou a integrar a companhia Feeren. Em 2001 o seu caminho cruzou-se com o de Nathalie Cornille, em Lille, e com o de Claude Brumachon, em Nantes, passando depois pela Bélgi-ca e pelos ballets C. de la B, onde se destacou nas peças Wolf, de Alain Platel, e Tempus Fugit, de Sidi Lar-bi Cherkaoui. Em 2002 fundou a sua própria companhia, a Faso Danse Théâtre, e criou o seu primeiro solo: Minimini. Desde então já criou nove peças, através das quais tem reflec-tido sobretudo sobre as suas origens africanas: entre elas encontram-se, por exemplo, A Benguer (2006), So-litude d’un homme intègre (2007) e Nuit blanche à Ouagadougou (2014).

Serge Aimé Coulibaly

Fela Kuti: em cima do vulcãoFela Kuti (1938-1997) ficou para a História como o criador do afrobeat. Mas, para o coreógrafo Serge Coulibaly, Kalakuta Republik é sobretudo uma forma de evocar o activismo político do compositor nigeriano. Naquele que, para o jornal Les Echos, é “o melhor trabalho” de sempre de Coulibaly, é-nos dada uma África que rejeita os clichés, e que prefere colocar perguntas a dar respostas. Kalakuta Republik revelou-se um dos êxitos do último Festival d’Avignon: “é como dançar num vulcão”, escreveu a Sceneweb; “as barreiras explodem”, apontou o Le Monde.

Kalakuta republikSexta 06 > 22:00

Escola D. António da Costa

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Jan Lauwers é um artista no sentido renascentista do ter-mo — quer pela polivalência na utilização de diferentes linguagens, quer pela refle-xão permanente que pratica acerca da sociedade do seu

tempo, bem como pelo questionamento que faz da importância da arte enquanto voz reflexiva e crítica do Mundo contem-porâneo. A desconstrução, a fragmentação textual, os espectáculos apoiados na ima-gem (fortemente sensoriais e apostando na beleza), a linguagem multidisciplinar, a reiteração dos temas (morte, violência, poder, voyeurismo, prazer, eros, insatisfa-ção ou hostilidade do Mundo ou da socie-dade) — são as principais características de um encenador que aposta na inovação e em contar histórias. E que não só se preo-cupa com a narratividade cénica, como se esmera no trabalho dramatúrgico. Na sua longa carreira destacam-se seis espectácu-los, agrupados em duas trilogias: a Snake-song Trilogy (1994-1998), composta por Le voyeur, Le pouvoir e Le désir; e Sad face (2004-2008), de que fazem parte O quarto de Isabella, Le bazar du homard e La maison des cerfs.

UM ESPECTÁCULO NECESSÁRIOEm O quarto de Isabella o tema central é a morte. O falecimento do pai de Jan Lauwers levou-o a criar este espectáculo,

no qual os intérpretes, a música e a narrati-va linear (pouco habitual neste artista) pro-porcionam ao público um falso sentimento de segurança perante a morte. Talvez se trate de um espectáculo irrepetível, uma vez que o acto criativo, a arte, é utiliza-do como lenitivo para esquecer a própria dor. Para Lauwers este foi um espectáculo necessário: um tributo à memória do pai, que lhe serviu para se reencontrar com a humanidade e para aliviar o seu próprio sofrimento.

PALAVRA E EMOÇÃOA dramaturgia de O quarto de Isabella não obedece a regras pré-estabelecidas, mas sim à palavra performativa, àquilo que o público ouve em cena. Isto é, o es-pectáculo assenta na relação (e reacção) entre a palavra dita no palco (que produz no espectador um instante criador, não por causa de quaisquer emoções psicologistas mas pelo próprio efeito que tem em nós) e as entranhas do público. Neste contexto, os intérpretes não são criadores de ilusão: constituem-se tão-só como instrumentos ao serviço do processo de comunicação — esse sim dominante. O quarto de Isabella é sem dúvida o espectáculo no qual este processo dramatúrgico é mais claro.

CÚMPLICE OU VOYEUR?Nesta homenagem ao falecido pai, Lauwers constrói a cena com objectos

herdados do seu progenitor: trata-se de velharias, artefactos arqueológicos, ou re-cordações de viagens que o encenador não sabia se havia de deitar fora ou guardar. Esses elementos acabaram por converter- -se no ponto de partida para o espectáculo. O êxito de O quarto de Isabella deve-se ao talento do seu autor e encenador para remexer nas suas próprias recordações, in-terpelando-as artisticamente — bem como à interpretação da protagonista, Viviane de Muynck, uma das grandes actrizes das últimas décadas. A introspecção proposta por Isabella mescla o passado e o presen-te, ficções sublimadas e realidades, senti-mentos e emoções, encontros e desafecto — colocando em cena fragmentos da exis-tência de personagens que conduzem o espectador na busca de um sentido para a vida, com a morte à espreita. Assim sendo, O quarto de Isabella, que é a história do próprio Lauwers, permite-nos transcender essa narrativa particular para estimular o imaginário do espectador, que se constitui como cúmplice ou voyeur – dependendo do lugar que escolha –, mas nunca como sujeito indiferente. Harmonia, beleza, composição cénica, diálogo entre baila-rinos e actores — são os elementos que fazem parte deste espectáculo, no qual se conjugam a emoção do acto de recordar e a beleza estética.

José GabriEl antuñano

Nasceu em 1957 em Antuérpia e es-tudou Pintura na Academy of Art em Ghent. Em 1979 fundou o Epigone-nensemble, com o qual agitou a cena teatral flandrina. Em 1986 fundou a Needcompany, com Grace Ellen Ba-rkey, consolidando o seu trabalho como artista multidisciplinar. Entre 2009 e 2014 a Needcompany foi a companhia residente do Burgtheater de Viena. Jan Lauwers foi condecora-do, em 2012, por serviços prestados à República da Áustria e recebeu, em 2014, o Leão de Ouro da Bienal de Veneza pelo conjunto da sua carrei-ra. Foi o primeiro artista belga a re-ceber este galardão na categoria de Teatro.

Jan Lauwers

Deixem falara IsabellaNa origem de O quarto de Isabella está o espólio que Jan Lauwers herdou do pai: uma colecção de objectos africanos, a um tempo exóticos e testemunhos do colonialismo europeu. Isabella (interpretada por Viviane De Muynck, “a melhor actriz viva” para a revista LesInrockuptibles), uma mulher cega cuja vida atravessa o século XX, desfia as suas memórias desde as duas Grandes Guerras até ao actual recrudescimento da extrema-direita europeia. Estreado em 2004, o espectáculo já viajou por mais de 100 cidades em todoo Mundo: “uma peça explosiva”, para o Libération.

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o quarto de isabellaDomingo 08 > 22:00

Escola D. António da Costa

DRAMATURGIA PORTUGUESA CONTEMPORÂNEAcolecção dirigida por Rui Pina Coelho e Carlos Alberto Machado

À VENDA NOS TEATROS E NAS LIVRARIAS

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po r q u ê m o n t a r a g o r a e s t a p e ç a ?Liliom permite experimentar as emoções que caracterizam o teatro de que gosto. Estamos numa feira popular, perante a di-versão, os risos, mas também o medo e a brutalidade. As personagens têm sonhos – têm a cabeça nas nuvens – mas a violência da realidade em que vivem mantém-nas com os pés bem assentes na terra. E depois temos a metáfora dos carrinhos de choque, a embriaguez das luzes e da música – que é emblemática do equilíbrio frágil de um teatro alegre, mas que espelha claramen-te o nosso mundo. Finalmente, existe em Liliom, graças ao estilo de Molnár, uma relação particular com a língua: é possível sentirmos até que ponto um Homem pri-vado da linguagem fi ca refém. Faz-se um hino à literatura, ao teatro e à palavra.

Q u e e c o s t e m a p e ç a n o m u n d o a c t u a l ?É a história de um saltimbanco de feira, um lobo com pele de cordeiro que maneja o reino das ilusões e que se apaixona por uma criada: Julie. A relação entre ambos abre uma perspectiva de liberdade e de es-perança: passa a ser possível uma transfor-mação. Mas o círculo acaba por fechar-se: irrompem o desemprego, os expedientes, a miséria e os infortúnios. Só que por en-tre a resignação surda e o desespero, eis que desponta uma possibilidade de futuro: anuncia-se um fi lho. Liliom volta a sonhar: planeia emigrar para a América com a sua

futura família. Só que para fi nanciar essa viagem acabará por ter de cometer um acto que o levará à ruína. Estamos perante uma fábula enigmática, entre o real e o oníri-co. Liliom é uma personagem que anda às voltas, daquelas que acabam na berma da estrada. É um rapaz incapaz de ser dono da sua própria vida, de se tornar adulto. A riqueza do texto reside, muitas vezes, nos silêncios: naquilo que as personagens não chegam a exprimir. Todos somos fei-tos de contradições mas às vezes, por um instante, pomo-nos de acordo connosco próprios. As personagens de Liliom vivem nesse confl ito: andam à procura desses ra-ros momentos de serenidade.

no s s e u s e s p e c t á c u l o s é h a b i t u a l h a v e r d i s t a n c i a m e n t o . E e m Liliom?Os momentos musicais e a feira popular são da ordem da memória colectiva, de um eco íntimo, da recordação de um ou-tro tempo. O coro e a música constituem as manifestações visíveis daquilo que se tece durante a representação: a comunhão efémera entre pessoas que se reúnem para dizer e ouvir palavras. No meu entender, esta peça deve ser tratada como um es-pectáculo de variedades, com constantes passagens do riso às lágrimas. E depois temos também o homem mal vestido que nos conta a história: o bater do coração da narrativa. Nunca nos devemos esquecer de que estamos no teatro. O acto teatral

é, por defi nição, vivo. E esta peça revela uma grande nostalgia, uma verdadeira me-lancolia. À imagem de uma linha melódica dada por um violino, na qual não é claro se o instrumento ri ou chora, a vibração que emana de Liliom enche-nos de alegria. Por alegria, entendo uma força vital. Acho que vamos ao teatro para sermos tocados. Para vermos e ouvirmos o Homem. Porque é no teatro que o Homem fala ao Homem. É no teatro que o tempo ganha um outro valor e a presença humana outra dimensão. E é também no teatro — nalguns momentos, por muito raros que sejam — que podemos sentir de forma quase concreta o laço invi-sível que nos liga a todos: a Vida.

EntrEvista conduzida por marion canElas (adaptado)

O vagabundo magnífi co

Liliom é a peça mais conhecida do escritor húngaro Ferenc Molnár (1878-1952), e foi um dos textos escolhidos por Jean Bellorini para o repertório do Théâtre Gérard Philipe quando o jovem encenador assumiu a direcção do teatro parisiense. No protagonista do texto, o anti-herói Liliom, projectam-se os sonhos (e as desilusões) de um fura-vidas sonhador, que Bellorini (“um dos encenadores mais talentosos da sua geração”,segundo a France Presse) traz para os dias de hoje, sem perder o perfume encantatório do texto original. ©

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Nasceu em 1981 e estreou-se na en-cenação em 2002 com Piaf, l’ombre de la rue, que deu mais de 300 apre-sentações. No ano seguinte fundou a companhia Air de Lune. Entre 2011 e 2013 foi artista convidado do Théâtre National de Toulouse, e a Air de Lune foi companhia residente no Théâtre Gérard Philipe de Saint-Denis, cuja direcção o encenador acabou por assumir em Janeiro de 2014. Em Ju-nho desse ano, foi distinguido com dois prémios Molière: para Melhor Espectáculo e Melhor Encenador. Em 2015 criou O suicida, de Nicolaï Erdman, no Berliner Ensemble e, no ano seguinte, Os irmãos Karamazov,no Festival de Avignon.

Jean Bellorini

Liliom Seg. 09 > 21:00 | Ter. 10 > 19:00

Teatro Municipal Joaquim Benite

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A alegria é u m a f o r m a d e s u p e r a r a t r i s -t e z a c a u s a d a p e l a m o r t e d a s u a m ã e ?A alegria não é uma forma de superar a tristeza, mas sim uma luta. Não é um pon-to de chegada, mas sim um caminho. Para nos aproximarmos dela, temos de passar pelo sofrimento. Nos espectáculos e nos fi lmes que fi z depois da morte da minha mãe, a dor tinha passado; tinha sido pro-cessada, ou estava a sê-lo. Em A alegria, o sofrimento esteve presente durante a cria-ção: não tinha passado, não foi processado. O espectáculo não é o testemunho de algo que se superou, mas antes de um estado de alma que está presente. A alegria é um de-sejo. O desejo de uma realização profunda e, portanto, muito difícil. A dor em A ale-gria não é, como nos outros espectáculos, causada por uma perda, por uma doença ou por uma morte: é qualquer coisa de muito mais profundo e mais forte.

co m o d e s c o b r i u a a l e g r i a n a Í n d i a ?No nosso mundo partilhamos uma triste-za que é de todos, que às vezes disfarça-mos com uma falsa alegria. Na Índia, mas também em África, em Manila, noutros lugares marcados pela dor, vi e senti uma alegria que pertencia a todos. Aquelas pes-soas – que viviam com coragem no meio da miséria e da guerra, sempre sorriden-tes, com os olhos sempre a brilhar, sem o ar apagado que me parecem ter no nosso metropolitano, na nossa cidade cheia de

negócios e de reclamos luminosos – colo-caram-me simplesmente uma pergunta: o que é a alegria? Onde está a alegria?

Fa z o s s e u s e s p e c t á c u l o s p o r s i , p e l a s u a f a m í l i a / c o m p a n h i a o u p e l o p ú b l i c o ?Para mim, o teatro é cada vez mais um ritual de comunicação e de partilha. Cada vez menos é uma narração, uma conven-ção, uma fi cção. A alegria é mais um pas-so nesta direcção. Eu formei-me, não no teatro, mas nos concertos de rock, naquele ritual quase tribal em que o público dança, canta, grita a uma só voz com os artistas, e no qual a distância entre o performer e os espectadores se esbate, se extingue. É como nas cerimónias antigas, ancestrais, antes de o teatro virar peça, encenação, comédia. É a procura de uma forma de co-munhão. Uma psicanalista junguiana que encontrei por acaso em Paris disse-me que queria estudar os meus espectáculos en-quanto forma de catarse colectiva.

sa b e n d o q u e n ã o v i s i t a f r e q u e n t e m e n t e o teatro de texto, d e q u e f o r m a A morte de Ivan Ilitch infl uenciou A alegria?Não sobrou nada de A morte de Ivan Ilitch, de Tolstoi, em A alegria: nem sequer uma única citação. Mas foi a sua leitura que me serviu de ponto de partida: a história des-te homem que, no seu leito de morte, revê toda a sua existência com um olhar dife-rente, com um olhar sábio e alegre.

im a g i n a -s e u m d i a a f a z e r e s p e c t á c u l o s s e m a s u a c o m p a n h i a ?Na verdade, fi z muitas experiências sem a minha companhia, mas mantenho-me sem-pre ligado a ela. Há uns anos criei Erpres-sung com os actores do Residenztheater do Mónaco, mas eu e o Bobò aparecíamos nos vídeos que eram projectados durante o espectáculo, e chamei como assistentes o Pepe e outros membros da companhia que queria ter perto de mim durante a criação. Os actores do Residenztheater provinham de uma escola muito prestigiada, mas esta-vam muito longe da minha maneira de tra-balhar, não tinham contacto com o corpo nem com a improvisação. Quando fi nal-mente “compreenderam que não deviam compreender”, criámos juntos um espec-táculo belíssimo. Interessa-me sempre abrir-me a outros artistas, mas permaneço sempre ligado aos meus actores.

co m o v ê a s i t u a ç ã o p o l í t i c a e m it á l i a ?A Europa atravessa um momento muito difícil. A minha companhia, a comunidade em que vivo, é feita de pessoas diferentes. Seja por extracção social ou racial, por doença ou simplesmente por diversidade. Nós fomos sempre contrários e diferentes. A sociedade à nossa volta torna-se mais fechada e intolerante, mas nós acredita-mos simplesmente naquilo em que sempre acreditámos: que é o Homem que deve mudar para transformar o Mundo.

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A alegria de Pippo Delbono

“No jardim fl orido de Delbono é tempo de esperança”:é desta forma que o jornal Il Manifesto celebra a mais recente criação do encenador italiano, que o público do Festival já conhece de Orquídeas e Evangelho. Só que, neste espectáculo, a melancolia e a raiva dão lugar a um sentimento luminoso: A alegria parte d’A morte de Ivan Ilitch, de Tolstoi, para nos reconciliar com a vida. Foi numa viagem à Índia, junto dos mais miseráveis, conta-nos Delbono, que o criador aprendeu a saborear a beleza delicada das fl ores.

Nasceu em 1959, em Varazze, e é actor, encenador, dramaturgo e rea-lizador. No início dos anos 80 fundou a Compagnia Pippo Delbono, com a qual levou à cena a maioria dos seus trabalhos, desde O tempo dos assassinos (1987) a A Alegria (2017), apresentados em mais de 50 países. A sua obra tem sido amplamente premiada, e a sua relação com o Fes-tival de Almada remonta a 2004, ano em que apresentou Guerra no CCB. O seu teatro assenta na vida e nos constantes cruzamentos entre os te-mas fracturantes que aborda, a sua própria biografi a e as histórias de vida dos seus indefectíveis actores, que sempre o acompanham em cena.

Pippo Delbono

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A alegria Quinta 12 > 22:00

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Aos 17 anos montei Calí-gula com um grupo de estudantes. Foi após a morte de Malik Ousseki-ne, assassinado em 1986, há trinta anos atrás. Viví-amos um momento im-

portante, revoltados com aquilo que tinha acontecido, com as posições insuportáveis da extrema-direita e com a violência das brigadas motorizadas da polícia. Aquilo que não suportávamos alimentava-nos a cólera. Já passaram 30 anos: e onde esta-mos? Os atentados e o medo — legítimo, é verdade, mas que exige que reflictamos sobre ele e que tomemos uma posição. Voltou a assaltar-me a necessidade de regressar ao autor que tinha alimentado a minha adolescência com O Homem re-voltado, A peste, O mito de Sísifo — que para mim foram livros determinantes. E redescobri alguém apaixonado pelo teatro, que ama as palavras, o pensamento, e que defende uma vida estimulada pela revolta — uma vida à qual a revolta dá sentido, mas sem nunca chegar a ser agressivo para o próximo. Um homem cuja paixão pelo teatro ou pelo futebol o levava a acredi-tar no trabalho de equipa. Voltei então a ler Estado de sítio, escrita em 1948, logo após os horrores da II Grande Guerra. E para mim tornou-se uma evidência propor aos actores da companhia montarmos este texto, que merece ser redescoberto e nos encoraja, nos dias que correm, a tomar po-sições que despertem o optimismo.

UMA GRANDE ALEGORIAA peça constitui-se como uma grande ale-goria na qual a Peste é o tema central, e essa Peste é encarnada por uma persona-gem real, que tem um nome e se faz acom-panhar de uma secretária: nada menos do que a própria Morte. “A Peste, que eu quis que pudesse ter várias camadas”, diz Ca-mus, “acabou por ser lida, evidentemente, como a resistência europeia ao nazismo”. Hoje em dia, como é óbvio, poderíamos pensar nos diferentes climas de medo que percorrem o planeta — desde o recrudes-cimento dos extremismos na Europa e no Mundo às tentações de rejeição do outro e de fechamento sobre nós mesmos. Nes-te texto, um determinado mundo — que aparenta ser passadista, sem sonhos nem ideais, no qual o governador se declara ele próprio “rei da imobilidade” — vê-se virado do avesso pela Peste e a sua secre-tária. Tomado o poder, estas duas persona-gens estabelecem um sistema identificável como um regime ditatorial. E então, atra-vés das peripécias de dois jovens namo-rados, Diego e Victoria (uma espécie de Romeu e Julieta dos tempos modernos), a peça acaba por revelar a pujança dos seus diferentes temas: a luta pelos valores humanistas face aos poderes do terror; a força do povo quer através das suas re-núncias, quer através das suas revoltas; a impossibilidade de alguns aderirem a uma crença, ou a um ideal qualquer, e a forma como pagarão por isso; a autoridade dos pais, real ou simbólica; o poder do amor;

e a liberdade imutável dos indivíduos. Estado de sítio faz ecoar em nós aquilo que Albert Camus disse quando recebeu o Prémio Nobel da Literatura, no ano de 1957: “Não há dúvida de que todas as ge-rações acham que têm de mudar o Mun-do. No entanto, a minha geração sabe que já não poderá fazê-lo. Mas a sua missão talvez seja maior: consiste em impedir que o Mundo se desfaça”.

UMA OBRA-MUNDOA peça Estado de sítio propõe também uma espécie de teatro total. A sua escrita é tanto realista (referindo-se à instalação de uma ditadura) quanto fantástica (quando descreve a sociedade que aborda). Estou contente por reunir em torno desta obra-mundo a companhia que me acompanha há tantos anos, e por procurar, com este grupo de actores, reafirmar a nossa pulsão de estabelecer em conjunto, com a força da arte, um território comum, poético. Porque temos sido visitados por uma per-gunta: que papel pode ter a arte face aos perigos tão terríveis que vivemos? A essa pergunta gostaríamos de responder: a arte pode servir para duvidarmos em conjun-to, para pôr em causa as nossas certezas, as convenções, os preconceitos; para fa-zer avançar o pensamento, a verdade, e não as trevas. Face às pulsões de morte, a arte pode servir para exaltar a pujança da vida.

EmmanuEl dEmarcy-mota (adaptado)

A peste saiu à rua num dia assimA peça Estado de sítio, de Albert Camus, nunca foi levada à cena em Portugal, chegando agora ao Festival pela mão de um encenador bem conhecido do público de Almada: o luso-francês Emmanuel Demarcy-Mota, que há três anos regressou às suas leituras da juventude para esconjurar o medo que se apossou da sociedade francesa após os atentados de Paris, em 2015. “Quando fecharam os teatros, lutei pela sua reabertura imediata”, explica o criador, que se lançou na montagem “desta grande alegoria” com o seu grupo de actores indefectíveis.

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Filho do encenador Richard Demarcy e da actriz Teresa Mota, já nasceu dentro do teatro. Aos 17 anos funda, com os colegas do liceu, a Compag-nie des Millefontaines, que mantém durante o curso universitário. Em 1994 é convidado a encenar a His-tória do soldado no Théâtre de la Commune, aonde regressa sucessi-vamente. Em 1999 inicia uma rela-ção com o Théâtre de la Ville, onde cria vários espectáculos — que traz também a Portugal, nomeadamen-te ao Festival de Almada. Em 2001é nomeado director da Comédie de Reims, e em 2008 assume a direcção do Théâtre de la Ville, onde se insta-la com a sua companhia de actores, que tem levado em digressão aos mais destacados teatros do Mundo.

Emanuel Demarcy-Mota

estado de sítio Sáb. 14 > 21:00| dom. 15 > 17:30

Teatro São Luiz

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co m o é q u e n a s c e u Actriz?Na sequência do sucesso que Final do amor teve no Teatro de Arte de Moscovo, pediram-me que pensasse num novo es-pectáculo — e, como sempre, propus-me escrever para os actores. Passei lá algum tempo, e fui assistir aos espectáculos todas as noites: encontrava-me com os actores, estudava as encenações, observava o esta-do do teatro russo. Passei a ter uma grande familiaridade com os elementos daquele elenco, no plano artístico. Lembro-me de um pormenor que me marcou nesses dias: quando voltava para o hotel à noite, depois dos ensaios, a única coisa que ainda estava aberta e brilhava na neve eram as floris-tas. Em Moscovo as floristas ficam aber-tas a noite toda. São quiosques cheios de flores e com muita condensação, porque no interior está calor e no exterior estão -15º. Impressionaram-me bastante essas pequenas guaritas, muitas vezes à luz dos néones: uma Moscovo toda branca, com flores num cubo de vidro. Aquilo que me arrebatou foi precisamente esse universo plástico — universo, esse, que é também o meu. A escrita de todas as minhas peças começa assim.

Daí as flores que entram no espectáculo.Fui a todas as estreias no Teatro de Arte. À esquerda de cena, nos bastidores, eles têm um sítio onde, antes do espectáculo, os espectadores vão deixar ramos de flores. Porque na Rússia aquilo que se vai ver ao teatro são os actores: o papel do encenador

é bastante secundário. E, quando chega a altura dos agradecimentos, as pessoas vêm pelo corredor central da plateia buscar as flores que tinham deixado nos bastidores e entregam-nas aos actores. Este ritual de-mora que tempos, e eu acho-o maravilho-so. Para mim, esta cerimónia faz parte do amor pelo teatro. Foram essas flores, esse amor pelos actores, o ponto de partida.

E o s e u f a s c í n i o p e l a s a c t r i z e s ?Adoro escrever para as actrizes; dar-lhes trabalho. Talvez seja precisamente essa a minha função: criar-lhes grandes papéis. É como se, no fundo, estivesse a emendar uma espécie de injustiça estrutural. Sem-pre houve, ao longo dos tempos, drama-turgos que, de forma mecânica, acabaram por escrever mais para os homens do que para as mulheres. Mas parece-me que a partir de certos autores contemporâneos — como Bernard-Marie Koltès ou Jean- -Luc Lagarce, por exemplo — as coisas começam a mudar. E bem. Em todo o caso, faço-o de forma muito consciente. Tento propor às actrizes papéis em que elas pos-sam verdadeiramente realizar-se — e não apenas aparecer em cena.

Q u e e s p a ç o i m a g i n o u p a r a e s t a p e ç a ?O espectáculo passa-se num quarto ver-dadeiro, branco, à luz do néon. Há uma cama, uma mesa e um piano. É o quarto enorme de uma grande actriz, que trabalha muito e que pode viver confortavelmente. E nesse quarto estão algumas centenas de

Do puro amor pelas actrizesPascal Rambert gosta das actrizes — e de escrever para elas, contrariando a tendência na História do Teatro para a predominância de protagonistas masculinos. Actriz surge no âmbito de uma residência que o autor e encenador realizou no Teatro de Arte de Moscovo, sendo também uma consequência do amor pelos actores que descobriu no público russo. Para a protagonista da versão francesa da sua peça convidou Marina Hands, que a crítica considerou “sublime” (La Terrasse) e “deslumbrante” (Guide Critique), atribuindo-lhe um Prémio Molière para Melhor Actriz.

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Nascido em 1962, é dramaturgo, en-cenador, realizador e coreógrafo. Foi distinguido em 2016 pela Academia Francesa pelo conjunto da sua obra. É artista associado do Théâtre des Bouffes du Nord, do El Pavón Teatro Kamikaze, e autor associado do Te-atro Nacional de Estrasburgo. Entre 2007 e 2017 foi director do Théâtre de Gennevilliers. Das suas criações, há que destacar, por exemplo, Clôtu-re de l’amour (Prémio do Sindicato da Crítica e Grande Prémio de Litera-tura Dramática do Centre National du Théâtre). Actrice, originalmente cria-da para o elenco do Teatro de Arte de Moscovo, encontra-se em digressão na sua versão francesa, que estreou em Dezembro, com Audrey Bonnet e Marina Hands nos principais papéis.

Pascal Rambert

ramos de flores, oferecidos pelos seus ad-miradores. Estamos portanto, ao mesmo tempo, num espaço real e numa espécie de instalação extremamente colorida, com todos estes ramos que as visitas continuam a trazer ao longo da peça. Toda a gente traz flores a esta actriz: há um pouco este lado de Dama das camélias. Muitas vezes diz- -se no texto: é preciso abrir as janelas, es-tas flores matam-na, etc.. Aquele quarto tanto parece uma espécie de florista exu-berante como, ao mesmo tempo, uma mor-gue. Esta grande vedeta está já no interior de uma morgue.

Es t a s p e r s o n a g e n s f a l a m d o t e a t r o c o m o “ aquilo que mantém o ser humano de pé, através da palavra” .Acredito piamente nessa definição, porque é absolutamente verdadeira: se deixarmos de falar, morremos. Na peça a actriz morre com um tumor no cérebro, mesmo que isso nunca seja explicitamente dito e ela pró-pria se recuse a proferir tal palavra. Olhe, a esse propósito, fiquei fascinado com a atitude de François Mitterand, que soube que tinha um cancro algumas semanas depois da sua eleição e que veio a morrer alguns meses após o fim do segundo man-dato. Aguentou-se até ao fim — e depois parou. É um tema que me fascina, o facto de alguém ser capaz de aguentar-se até ao último segundo, de se manter de pé.

EntrEvista conduzida por HélènE tHil (adaptada)

Actrizdom. 15 > 16:00| Seg. 16 > 19:00

Teatro Nacional D. Maria II

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Para o enredo de La son-nambula (estreada em Milão, em 1831) Bellini foi beber ao ballet-panto-mima escrito por Eugène Labiche e estreado em Paris quatro anos antes.

O tema da composição vai ao encontro de um certo interesse que o fenómeno do sonambulismo despertava à época, e não procura fugir à fórmula de sucesso do tri-ângulo amoroso. Estamos numa bucólica aldeia suíça, onde se prepara a celebração da boda entre o jovem (e abastado) agri-cultor Elvino e a órfã Amina, criada pela moleira local. Lisa, a estalajadeira do sítio, sofre de amores pelo noivo, enquanto vai debelando os avanços de Alessio. Eis que chega um viajante com ares de nobre, que ninguém reconhece mas que é nada menos do que o Conde Rodolfo, descendente do falecido dono do castelo. Apesar de ser ad-vertido pelos aldeões para a existência de um fantasma, o Conde decide pernoitar na estalagem: e nessa noite, enquanto se vai deixando seduzir no seu quarto pela fogosa Lisa, é surpreendido por um ruído no cor-redor. Acto contínuo, a estalajadeira esca-pula-se e o Conde descobre que quem veio visitá-lo não é um fantasma, mas Amina, cuja beleza ele próprio não pudera deixar de notar nessa tarde, à chegada. Só que a jovem dorme em pé: é sonâmbula, e não pára de repetir apaixonadamente o nome do seu noivo. É nestes preparos que os dois são surpreendidos por um grupo de cam-

poneses que entra de rompante na estala-gem, aonde tinha vindo saudar o Conde cuja identidade fora entretanto descoberta. O escândalo chega aos ouvidos de Elvino, que de imediato rompe o noivado e anun-cia o casamento com Lisa, que fica esfu-ziante. No dia seguinte, debalde o Conde tenta convencer o noivo enraivecido de que Amina está inocente. Eis senão quando a jovem surge a caminhar, sonâmbula, no te-lhado da casa da sua mãe adoptiva, que por sua vez mostra a Elvino o lenço que Lisa deixara cair no quarto do Conde quando tentara seduzi-lo na noite anterior. Gira de novo a roda do amor, da fortuna (e do moi-nho). Elvino despreza Lisa e retoma a boda com Amina — se a estalajadeira acaba, ou não, por aceitar Rodolfo não reza a histó-ria. A produção mais célebre da ópera de Bellini será porventura aquela que Viscon-ti encenou no alla Scala de Milão em 1955, com Maria Callas no papel de Amina — papel esse que, mais recentemente, já foi gravado, por exemplo, por cantoras como Frederica von Stade ou Cecilia Bartoli.

UM ESPECTÁCULO ARREBATADORO crítico do Münchner Merkur escreveu que a desconstrução que David Marton criou a partir de La sonnambula resulta “num espectáculo arrebatador de teatro musical: inteligente, humorístico, poético — e nunca caindo na superficialidade”. De facto, o encenador foi capaz de preservar tão naturalmente tanto a delicadeza como a inocência do enredo original, que dir-se-

Quando o teatro vai à óperaLa sonnambula é uma das mais célebres obras de Vincenzo Bellini (1801-1835) – e constituiu o ponto de partida para um dos mais inspiradores espectáculos desta edição do Festival de Almada. O jovem encenador David Marton revisita a ópera do compositor italiano, recriando algumas das suas mais belas árias e trazendo o enredo para os nossos dias. O elenco de cantores/músicos/actores é uma das chaves do êxito da sua encenação, que o BILDdescreveu como “inteligente e enormemente divertida”, na citação que faz do célebre Étant donnés de Duchamp.

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Nasceu na Hungria em 1975. Depois de uma formação como pianista, em Budapeste, ingressou na Academia de Música Hanns Eisler, em Berlim. Acabou por se voltar acidentalmente para o teatro e para a colaboração com encenadores como ChristophMarthaler e Frank Castorf, cujas in-fluências são bem visíveis no seu trabalho. Actualmente trabalha tanto em teatros independentes, como em teatros públicos, como o Burgtheater de Viena, o Royal Theatre de Cope-nhaga, a Staatsschauspiel Stuttgart e o MC93 em Paris. Também encena regularmente para a Ópera de Lyon. Em 2009 foi eleito pela DeutscheBühne “Encenador de ópera do ano”pelo espectáculo Don Giovanni. Keine Pause.

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ia estarmos perante uma história dos nos-sos dias. Para esta sensação contribui sem dúvida a distribuição heterogénea do elen-co multifacetado: Amina é uma soprano japonesa formada na tradição lírica euro-peia; Elvino um jovem árabe que se revela um susto no belcanto; Lisa é uma sedutora cantora jazz croata; o Conde um trompe-tista americano; Rodolfo uma espécie de teórico (o próprio encenador?) que procu-ra escalpelizar os insondáveis mecanismos da criação e do amor — e há ainda um par de virtuosos músicos alemães que passam Bellini pelo sintetizador como se actuas-sem num bar de Kronberg. Para o crítico do Süddeutsche Zeitung, o tratamento que David Marton faz da ópera de Bellini al-cança “momentos fenomenais: invoca-se a voz de Maria Callas, a própria Yuka Ya-nagihara canta em cena, Michael Wilhel-mi começa a improvisar ao piano, Jelena Kuljic pega nessa ária e transforma-a em jazz, Paul Brody junta-se, com o saxofone — e depois começa tudo de novo. Marton retira à ópera toda e qualquer superficia-lidade”. Numa época na qual é cada vez mais difícil encontrar uma criação cuja originalidade se destaque naquilo que se vem constituindo como o gosto dominante dos festivais internacionais de teatro, La sonnambula surge como uma brisa diáfana e singela (mas complexa), que esbate com sensibilidade e humor as fronteiras entre o teatro e a ópera.

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A sonâmbula Ter. 17 > 21:30| Qua. 18 > 19:00Teatro Municipal Joaquim Benite

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Quantas vezes não damos por nós a co-mentar um episódio da nossa vida quoti-diana, ou imagens te-levisivas ou da inter-net, e a exclamarmos:

“Estarei a alucinar”? O mundo que nos rodeia parece-nos por vezes uma realidade alucinada. As mais das vezes, a rapidez e a globalização da informação privam-nos do distanciamento necessário para des-codificarmos aquilo que vemos. Será que nos tornámos actores/espectadores de um grande teatro no qual a realidade e a fic-ção se misturam incessantemente, sem que possamos separá-las? Em Fora de campo estabelecem-se laços cada vez mais estrei-tos entre as artes de palco (a coreografia em particular) e a imagem filmada. O es-pectador mergulha num universo multidi-mensional, no qual a pluralidade de pontos de vista é verdadeiramente fascinante.

UMA ESCRITA CÉNICA PLURALCostumo inventar, com os meus colabora-dores, uma escrita cénica complexa, que mistura as técnicas de iluminação, vídeo, cenografia, composição musical e som — recorrendo à respectiva aparelhagem técnica necessária. A coreografia é interde-pendente da cenografia, que por sua vez se metamorfoseia continuamente em palco. As imagens que ambas produzem são pro-

jectadas em ecrãs, relacionando-se com os ambientes criados pela iluminação. Não se trata, portanto, de justapor imagens à dança, ou de criar uma coreografia num estúdio para em seguida lhe juntar a ceno-grafia e a luz. A concepção do espaço em que ensaiamos é completamente diferente: deve permitir trabalhar simultaneamente todos estes elementos. Neste contexto, as tecnologias — interactivas ou não — rela-cionadas com o som e com a imagem reve-lam-se preciosas, uma vez que permitem criar universos com uma grande força po-lifónica, reinventando um espaço-tempo a todos os níveis singular. É importante que o tratamento da imagem e do som, através das distorções impostas ao real, estilha-ce os códigos de percepção, abolindo as limitações cénicas habituais e proporcio-nando-nos uma zona de errância, intensa e desestabilizadora: “O palco não existe”, dizia Francis Picabia, “só existe o espaço no qual o nosso espírito gosta de errar”.

IMAGEM VS. DANÇA?Nesta dança-cinema procuro mergulhar os espectadores num universo multidimen-sional: são-lhes dados os corpos que dan-çam no palco e a projecção desses mesmos corpos captados pelas câmaras, em directo ou em diferido, assim como planos exte-riores montados em estúdio. Esses distin-tos pontos de vista geram novas realida-des: constrói-se um jogo de ecos entre a

personagem (e os seus duplos) e o espaço que habita. Por outro lado, é criado em cena um espaço fora de campo que con-funde a percepção: aquilo que vemos no ecrã durante a representação é uma ima-gem em directo ou uma montagem? Onde é que acaba uma e começa a outra? Quan-do é que embarcamos na ficção (no filme), e quando é que estamos na realidade do palco (o próprio instante da representa-ção)? Desta forma, a dança participa numa criação a que convém chamar cinemato-gráfica. Não se trata, portanto, de justapor a imagem à dança. A imagem não existe para ilustrar, nem comentar — mas para se integrar numa composição global. Esta dança-cinema permite efectuar passagens de um universo a outro, dar saltos tempo-rais, bem como juntar e relacionar diferen-tes cenas e realidades. O espectador é livre para criar o seu próprio filme, dependendo do ponto para onde decida olhar. Um bai-larino pode simultaneamente estar e não estar num determinado sítio; o seu passa-do coexiste com aquilo que pressentimos ser o seu futuro, ao mesmo tempo que o seu olhar é enquadrado de uma forma qua-se entomológica por uma câmara. Esta dança-cinema constitui uma ferramenta formidável para revelar as metáforas do carácter infinito dos seres — algo que, no fundo, tenho procurado perscrutar nos es-pectáculos que faço.

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Cinco bailarinos,um “cameraman”

Fora de campo, de Michèle Noiret, inscreve-se na pesquisa que a coreógrafa belga tem realizado a partir do cruzamento da dança com o vídeo. Num espectáculo no qual os bailarinos e as imagens captadas ao vivo(ou gravadas) se complementam, o êxito de Forade campo assenta em grande medida no virtuosismo dos seus intérpretes, amplamente louvado pela crítica: “cinco bailarinos magníficos” (Le soir); “um trabalho coreográfico notável” (Libération); “um espectáculo raríssimo” (Le Nouvel Observateur).

Fez a sua formação com Maurice Béjart, entre 1976 e 1979. Em 1977 deu início a uma profícua colabora-ção com Karlheinz Stockhausen e, em 1982, partiu para Nova Iorque, onde conheceu Trisha Brown e a sua dança-contacto. De regresso à Bélgi-ca, fundou a sua própria companhia em 1986 e desenvolveu a sua activi-dade como coreógrafa, explorando as tecnologias do som e da imagem e colaborando, por exemplo, com o compositor Todor Todoroff, o videas-ta Fred Vaillant e o cineasta Thierry Knauff. Foi artista associada do Tea-tro Nacional de Bruxelas, entre 2006e 2017, e faz parte da Academia Real da Bélgica.

Michèle Noiret

Telef.: 212 756 494Telem.: 96 393 68 29

Rua Capitão Leitão, N.º 34 A – 2800-132 Almada

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Tel: 21 982 66 90 | Fax: 21 982 66 99 [email protected]

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Rua Gomes Freire Andrade, 2 - 1º Esq. Paivas – 2845-114 Amora

Tel: 939 307 847 [email protected]

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FÁBRICA DE SERRAÇÃO E CARPINTARIAFerragens – ContraplaCados | Madeiras – portas

ACESSÓRIOS DE COZINHA E ROUPEIROagloMerados – platex | MdF | laMipan | agloMerite | laMinite

Rua Manuel Febrero, 114 – 2805-191 ALMADAApartado 42 – 2806-801 ALMADA

Telefones gerais: 21 276 78 49 | 21 276 76 34Secção comercial: 21 276 49 10 | 21 274 90 44 | 93 887 20 22Carpintaria: 21 274 37 57 | 93 887 20 23 | Fax: 21 275 76 74

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Page 12: Imagem do cartaz: Paulo Brighenti...à “dramaturgia da dança: tempo, espaço, som e voz”. A coordenação desta edição estará a cargo da jornalista Cláudia Galhós. PROGRAMA

12

eSpeCTÁCuLoS DE RUA

hoTeL LA rue

TOTONCO TEATRO

SEXTA 06 às 22:00Rua Cândido dos Reis (Cacilhas)

QUARTA 04 às 21:30Praça da Portela (Feijó / Laranjeiro)

AFFeTTo d’AMore

CLoWN CABAreT

CiA. oMphALoZ

SÁBADO 07 às 22:00Rua Cândido dos Reis (Cacilhas)

Mr. MuSTAChe

SÁBADO 14 às 22:00Rua Cândido dos Reis (Cacilhas)

ON AIR

SÁBADO 14 às 21:30Praça da Portela (Feijó / Laranjeiro)

SEXTA 13 às 22:00 Rua Cândido dos Reis (Cacilhas)

ANdreA FideLio

MÚSICANAeSpLANAdA

MÁRIO MARQUES & GoNçALo peSCAdA

homenagem a Astor piazzollaàs 20:30

SEGUNDA 16

SoNS de São ToMéAmôle te Foce

às 20:30A nova música tradicional

às 24:00

QUARTA 18

EDISON OTERO &The LATiN JAZZ CoLLeCTiVe

homenagem a Antonio Arnedo às 20:30

Standards Sul-Americanosàs 24:00

SÁBADO 14

riNi & BASToLiNihomenagem a Nino rota & Valsas

às 20:30

TERÇA 10

QUINTA 12

TRIO MOTIVpertinho do Mar

às 20:30

ANGeLiCA SALVi & iSABeL ANJo

Canções Sobretardeàs 20:30

DOMINGO 08

ESPÍRITO NATIVOhomenagem a Chavela Vargas

às 20:30Cumbias e Merengues

às 24:00

SEXTA 06

MÁRCIO PINTO & CATAriNA ANACLeTo

homenagem a Zeca Afonsoàs 20:30

QUARTA 04

ENTRADA LIVRE EM TODOS OS CONCERTOS

SEXTA 13

riTA redShoeSàs 22:00

FerNANdo Tordoàs 22:00

DOMINGO 15

SÁBADO 07

MANeL CruZàs 22:00

eSCoLA d. ANTóNio dA CoSTA