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Jos Marcelino Poersch

SIMULAES CONEXIONISTAS: A INTELIGNCIA ARTIFICIAL MODERNAJos Marcelino Poersch*Resumo: Nas ltimas duas dcadas, principalmente a partir de 1986, significativos progressos na

rea do paradigma conexionista foram planejados e executados. As tcnicas de simulao conexionista colaboraram para se compreender melhor a maneira como as funes mentais so adquiridas, armazenadas e, em certos casos, perdidas. Os modelos conexionistas baseiam-se num processamento distribudo em paralelo (PDP). Apesar de suas evidentes e valiosas contribuies, o conexionismo est longe de apresentar uma soluo definitiva para os problemas da cognio. Esse paradigma corresponde mais a uma fora explicativa do que a uma simulao perfeita dos verdadeiros processos cerebrais. Palavras-chave: cognio; simulao; conexionismo; inteligncia artificial; linguagem.

1 INTRODUOO paradigma conexionista apresenta um forte impacto no campo da cognio porque oferece respostas alternativas a velhas questes e encontra solues para problemas ainda no resolvidos. Naturalmente, necessrio entender o funcionamento dos modelos conexionistas para alcanar suas reais possibilidades e predizer seu futuro. A distribuio da informao nos neurnios e o processamento em paralelo so caractersticas que o distinguem do paradigma simblico guiado por regras que combinam os smbolos de forma serial (RUMELHART e MCCLELLAND, 1986; CHRISTIANSEN e CHATER, 1999; PINKER e PRINCE, 1988; PLUNKETT, 2000; POERSCH, 2001). A modelagem conexionista no processamento cognitivo constitui uma atividade altamente controvertida. Enquanto alguns estudiosos (PLUNKETT, 2000; SEIDENBERG e MACDONALDS, 1999; RUMELHART e MCCLELLAND, 1986) pleiteiam que essa modelagem pode ser entendida em termos conexionistas, outros (SMOLENSKY, 1988; PINKER e PRINCE, 1988) afirmam que os mtodos* Professor titular do Programa de Ps-Graduao em Letras da Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Doutor em Lingstica, com ps-doutorado em Lingstica Cognitiva na Universidade da Califrnia Berkeley. E-mail: [email protected]. Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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conexionistas no conseguem abarcar, de forma completa, nenhum aspecto da linguagem. A partir da metade da dcada de 80, vrias limitaes do conexionismo foram superadas; com isso reabriu-se a possibilidade de alar esse paradigma no como uma abordagem adicional mas como um modelo alternativo do pensamento. O conexionismo, baseado numa inspirao neuronial, significa que o crebro consiste em um grande nmero de processadores, os neurnios, que se encontram maciamente interligados formando uma complexa rede (HAYKIN, 1994). Muitas dessas redes operam simultaneamente e de forma cooperativa no processamento da informao. Os neurnios dessas redes mais parecem comunicar valores numricos do que mensagens simblicas, podendo ser considerados como fazendo corresponder dados numricos de entrada com dados numricos de sada. Dessa forma, a rede constitui um processador totalmente distribudo, munido de uma propenso natural para armazenar conhecimento experiencial e torn-lo utilizvel. Assemelha-se ao crebro sob dois aspectos: 1. O conhecimento adquirido pela rede atravs de um processo de aprendizagem; 2. As foras de conexo interneuronial, conhecidas como pesos sinpticos, so utilizadas para armazenar conhecimento. Enquanto a modelagem simblica, realizada em computadores digitais, objetiva modelar a mente como um processador de smbolos, o conexionismo (processador de distribuio em paralelo) tem uma origem diferente: procura projetar computadores inspirados no crebro. O nmero de neurnios que integram uma determinada rede neuronial est intimamente ligado ao algoritmo de aprendizagem utilizado para treinar a rede. Todos os algoritmos esto estruturados em trs camadas: uma camada de neurnios de entrada liga-se a uma camada de neurnios de sada. Entre essas duas camadas existem as unidades intermedirias, responsveis pelo processo de aprendizagem da rede. Objetiva o presente artigo, com vistas a uma teoria alternativa de aquisio da linguagem, promover uma discusso introdutria dos pressupostos tericos do paradigma conexionista e apresentar aspectos da inteligncia artificial moderna instanciados pela modelagem cognitiva. Tenta-se, inicialmente, responder pergunta Por que um novo paradigma para a cognio?. resposta dessa pergunta, segue uma viso panormica das caractersticas do conexionismo. A seo seguinte aborda o tema central do trabalho: o que so simulaes conexionistas, como funcionam e para que servem? Finalmente so apresentados dados sobre trs simulaes desenvolvidas no Centro de Pesquisas Lingsticas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul.442Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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2 POR QUE UM NOVO PARADIGMA PARA A COGNIO?A conceituao de cincia da cognio varia de acordo com o ponto de vista adotado. Assim, por exemplo, Simon e Kaplan (1989, p. 3) definem-na como o estudo da inteligncia e de seus processos computacionais. Para os objetivos operacionais deste artigo, com base nos achados da neurocincia, conceitua-se a cincia da cognio como a rea do saber que estuda a entrada, o armazenamento, o processamento e a recuperao do conhecimento, quer seja esse conhecimento declarativo ou procedimental, quer seja natural ou simulado em computador (POERSCH, 1998, p. 37). A cincia consiste numa constante busca da verdade, isto , de teorias que explicam determinados fenmenos da natureza. Somente so cientficas as teorias que apresentam (oferecem) possibilidades de avaliao, teorias cuja veracidade pode ser colocada em dvida. As teorias existentes devem ser constantemente reavaliadas e testadas; assim novas teorias surgiro em funo das limitaes das antigas (POERSCH, 1998). Cabe ao cientista descobrir os pontos positivos e as limitaes de cada teoria. Dentre as teorias de aquisio do conhecimento, h dois paradigmas clssicos, antagnicos e baseados em correntes filosficas distintas: o behaviorismo e o mentalismo (simbolismo). O paradigma behaviorista (Fig. 1), baseado na filosofia empiricista, coloca a nfase nos sentidos, na experincia, ao abordar o processo de aquisio do conhecimento. um paradigma neuronial; nega a existncia da mente (TEIXEIRA, 1998). O conhecimento aprendido atravs de estmulo e resposta.

Figura 1 Paradigma BehavioristaLinguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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O paradigma mentalista ou simblico (Fig. 2) enfatiza o papel da mente nos processos cognitivos. Configura-se dentro da posio dualista cartesiana de corpo e mente (DESCARTES, 1949, p. 24 e 55), exposta em sua Meditatio II: De natura mentis humanae quid ipsa sit notior quam corpus. Segundo essa viso, mente e crebro constituem duas realidades de substncias diferentes; a primeira inextensa e imaterial, a segunda extensa e material (TEIXEIRA, 1998, p. 46). A interface entre essas duas realidades seria a glndula pineal (TEIXEIRA, 2000, p. 29 e 55). Os processos cognitivos de nvel superior acontecem na mente onde se localiza a memria duradoura. Esse paradigma postula a existncia de idias (regras) inatas. A cognio se processa atravs da representao do mundo na mente mediante o uso de smbolos prontos dispostos serialmente.

Figura 2 Paradigma SimblicoCom o aprofundamento dos estudos neurocientficos, o paradigma simblico comeou a revelar uma srie de limitaes, de aspectos inexplicveis (POERSCH, 1998, p. 40) relacionados basicamente distino mente/crebro, ao armazenamento do conhecimento em forma de smbolos prontos e localizados, serialidade do processamento mental e interface entre o pensamento e a fala. Entre as limitaes mais significativas arrolamos as seguintes: a) Como se realiza a passagem do conhecimento codificado no crebro (substncia fsica) e arquivado na mente (substncia metafsica)? b) Os conceitos so abstraes. Como que uma realidade abstrata, que no ocupa lugar no espao, pode ser armazenada na mente?1

Em termos da Teoria dos Princpios e Parmetros (Chomsky, 1993), poder-se-ia substituir a palavra regras por princpios. Aprender ou adquirir conhecimento seria testar a validade das hipteses inatas. Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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c) A mente armazena os smbolos que representam a realidade do mundo e so objetos do conhecimento declarativo. Como que pode ser armazenado o conhecimento procedimental, no representado por smbolos? d) A fala e a escritura so produtos que se apresentam de forma serial embora sejam o resultado de um sem nmero de soluo de problemas que acontecem em paralelo; e) Como se realiza a passagem do pensamento, realidade abstrata e analgica, para a linguagem, realidade concreta e digital? f) No signo verbal, o smbolo e seu objeto so realidades distintas de natureza concreta; como que essas realidades podem relacionar-se na mente sob a forma de signo mental (lingstico), constitudo de conceito e de representao sonora, onde um constituinte ativado pelo outro? Essas limitaes foram os cientistas a pleitearem um novo paradigma. Esse paradigma o conexionismo.

3 CARACTERSTICAS DO CONEXIONISMOO conexionismo (Fig. 3) um paradigma cognitivo baseado nos achados da neurocincia e no em hipteses explicativas (o simbolismo hipotetiza a existncia da mente para explicar os processos cognitivos). Todos os processos cognitivos ocorrem no crebro; a mente nada mais do que o conjunto desses processos. A mente no constitui um ens in se, um fenmeno que ocorre, um ens in altero. O crebro contm milhes de neurnios ligados em paralelo formando redes interneuroniais. Cada neurnio (Fig. 4) constitudo de uma massa central e de dois tipos de filamentos responsveis pela formao das redes: os axnios, transmissores de eletricidade, e dendritos, receptores de impulsos eltricos. Nos pontos onde um axnio encontra um dendrito h um espao onde se processam reaes qumicas: as sinapses. Essas reaes so responsveis pelo aprendizado. Aprender significa alterar a fora das sinapses (YOUNG e CONCAR, 1992). O crebro munido de um mecanismo inato, um conhecimento geneticamente engramado que possibilita seu funcionamento. No existem regras inatas para o processamento da linguagem (RUMELHART e MCCLELLAND, 1986);Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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Figura 3 Paradigma Conexionista.as regras so inferidas atravs de um processamento estatstico dos dados provindos da experincia (SEIDENBERG e MACDONALDS, 1999). O conhecimento declarativo da lngua e do mundo, bem como o conhecimento procedimental das diversas habilidades, so codificados no crebro no em forma de smbolos prontos e em lugares determinados mas como elementos atomizados e distribudos em pontos diferentes conectados entre si. O processamento no ocorre serialmente como na teoria da informao mas em paralelo, isto , diversos processos ocorrem simultaneamente.

Figura 4 Esquema de um neurnio.H estudos importantes para simular o funcionamento do crebro (RUMELHART e MCCLELLAND, 1986; PLAUT, 1999; SEIDENBERG e MACDONALDS, 1999; PLUNKETT e MARCHMAN, 1993). A modelagem feita no atravs de algoritmos que orientam o funcionamento de forma serial mas atravs446Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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de redes conexionistas neuroniais munidas de um dispositivo para aprender a partir de dados de entrada. Veremos a seguir o significado e o funcionamento dessas redes.

4 SIMULAES CONEXIONISTASUma das metas principais do conexionismo fornecer explicaes para os mecanismos que embasam o processamento cognitivo (POERSCH, 2001). Os conexionistas esto interessados em descrever os processos cerebrais mesmo tendo que considerar sua natureza fundamentalmente associativa. Os modelos conexionistas apresentam uma estrutura cada vez mais complexa. No incio de seu ressurgimento, os pesquisadores maravilhavam seu pblico com o fato de que muito podia ser conseguido com modelos relativamente simples, dispensando parte da bagagem excessiva das teorias cognitivas clssicas. Atualmente verificamos o uso de modelos cada vez mais sofisticados pelos pesquisadores que tentar explicar uma srie cada vez maior de fatos e explorar o aumento vertiginoso dos conhecimentos sobre os sistemas neuroniais no crebro (PLUNKETT, 2000, p. 111). Falta verificar se as limitaes aparentes na construo dos modelos conexionistas correspondem a uma reinveno dos princpios propostos pela psicologia cognitiva de dcadas anteriores mesmo que em termos associacionistas. A evidncia, no entanto, que o conexionismo se fixou como uma das correntes importantes das cincias cognitivas.

4.1 O que so redes neuroniais?O reconhecimento de que o crebro computa informao de uma forma totalmente diferente do computador digital convencional (combinao serial de smbolos) fundamentou a atividade das redes neuroniais. O crebro possui uma quantidade impressionante de neurnios, sistematicamente interconectados entre si. Disso resulta que ele constitui uma estrutura altamente eficiente. O crebro se apresenta como um computador em paralelo de alta complexidade. Ele capaz de organizar os neurnios de maneira tal que consiga realizar certas computaes muitas vezes mais rpido do que o mais rpido computador digital. O que lhe caracterstico a capacidade de construir suas prprias regras a partir da experincia. Essa experincia corresponde ao aprendizado que ele adquire atravs dos anos. Nos primeiros anos de vida essaLinguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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aprendizagem dramaticamente significativa produzindo bilhes de sinapses por segundo.

Figura 5 Diagrama da comunicao interneuronial.2As sinapses (Fig. 5) so elementos unitrios tanto na sua estrutura quanto na sua funo; elas medeiam a interao entre neurnios (HAYKIN, 1994, p. 2). Um processo pr-sinptico libera uma substncia transmissora que se espalha na juno sinptica entre os neurnios e provoca um processo ps-sinptico. Dessa forma, um sinal eltrico pr-sinptico convertido, na sinapse, em uma reao qumica que, por sua vez, novamente produz um impulso eltrico. Admite-se que as sinapses so conexes que provocam uma ativao recproca entre os neurnios. A plasticidade oferecida pelas sinapses constitui uma caracterstica importante do crebro. Essa plasticidade permite a que o sistema neuronial se adapte ao meio ambiente. As sinapses instanciam-se por meio de dois filamentos celulares: o axnio e o dendrito. Da mesma maneira como a plasticidade essencial para o funcionamento dos neurnios no crebro humano, tambm o nas redes neuroniais, construdas com neurnios artificiais. Pode-se afirmar que a rede neuronial constitui uma mquina projetada para simular a maneira como o crebro realiza uma2

Adaptado de users.rc.com/jkimball.ma.ultranet/BiologyPages/N/Neurons.html. Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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determinada tarefa ou funo. A rede normalmente implementada por componentes eltricos ou simulada em software (programa algortmico) capaz de realizar operaes atravs de um processo de aprendizagem que utilize uma macia interconexo de unidades simples de processamento. Uma rede neuronial constitui um processador totalmente distribudo em paralelo que tem uma propenso natural de armazenar conhecimento experiencial e torn-lo utilizvel (HAYKIN, 1994, p. 2). O procedimento utilizado para processar o aprendizado denominado de algoritmo de aprendizagem; sua funo alterar os pesos sinpticos da rede a fim de atingir um objetivo proposto.

4.2 Como so arquitetadas as redes neuroniais?No mago do modelo conexionista existe uma teia interconectada de unidades de processamento. Convm conceber cada unidade de processamento como um neurnio ativado por outros neurnios atravs das conexes sinpticas (Fig. 6). Semelhantemente ao que acontece com os neurnios reais no crebro, a atividade de um neurnio conexionista depende da quantidade de ativao que o atinge. As sinapses entre os neurnios produzem excitaes que variam num contnuo que vai do mximo at o nulo. O nulo corresponde uma situao inalterada, de repouso. O padro de conectividade de uma rede conexionista determina a maneira como ela responder entrada de informao vinda de outras redes com as quais ela se comunica. Um aspecto importante das redes conexionistas sua capacidade de aprendizagem. A maioria dos modelos conexionistas vem equipados com um algoritmo de aprendizagem que os habilita a aprender a partir de suas experincias. Existe uma ampla variedade de algoritmos de aprendizagem atualmente em uso. Esses algoritmos alteram a fora das conexes na rede como resposta atividade neuronial proporcionada por uma informao de entrada sobre outras redes. A alterao dos pesos das conexes entre neurnios codifica (engrama), na rede, informao vinda de seu meio ambiente (Fig. 7). Os modelos conexionistas se apresentam sob diversas formas, cada qual com sua prpria arquitetura, com suas prprias regras e premissas de como o meio ambiente apresentado ao modelo. Todas essas variveis restringem a atuao do modelo e sua capacidade de aprender do meio ambiente. Uma escolhaLinguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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Figura 6 Esquema de uma rede neuronial.3judiciosa da arquitetura da rede e das regras de aprendizagem tudo quanto exigido para assegurar um determinado efeito ao ser dado um conjunto de experincias. O problema est na identificao clara das caractersticas do sistema que acarretam essas restries. Essas caractersticas oferecem uma ampla estratgia para investigar uma srie de modelos conexionistas e determinar sua ampliao para diferentes tipos de domnios cognitivos e lingsticos. Uma estratgia comum procurar o tipo mais simples de estrutura de rede (consistente com o conhecimento da estrutura cerebral) capaz de mapear os dados comportamentais quando exposta a um meio ambiente estruturado.

Figura 7 O peso das conexes responsvel pela codificao da informao.43 4

Adaptado de www.Citations.neural/networks/Haykin.html. Adaptado de www.Citations.neural/networks/Haykin.html Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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Um aspecto importante descobrir a transao entre os recursos do ambiente e a complexidade da arquitetura, e o ajustamento de tempo da interao entre eles. Os modeladores conexionistas exploram essa transao investigando uma ampla srie de premissas conceptuais relacionadas natureza do ambiente aos aparelhos computacionais e sua respectiva aplicao (PLUNKETT, 2000).

4.3 Os algoritmos de aprendizagemOs modelos conexionistas podem ser arquitetados e treinados para executar uma vasta gama de atividades como, por exemplo, formar o plural dos substantivos, realizar a concordncia sujeito/verbo, adivinhar a palavra seguinte numa frase, recodificar letras em sons na leitura de textos, passar verbos para sua forma do passado. Qualquer que seja a tarefa, o algoritmo de aprendizagem (Fig. 8) ajusta a fora das conexes na rede at ser alcanado o desempenho desejado. A rede pode ser analisada para verificar como ela realiza a tarefa; assim podem, por exemplo, ser levantadas hipteses sobre a forma como o adulto realiza essa mesma tarefa. Pode-se, igualmente, examinar as diversas etapas de desenvolvimento da rede at chegar ao seu estado final tomando flashes da rede em intervalos regulares. Se, durante o treinamento, o comportamento da rede se assemelhar ao comportamento da criana em seu perodo de desenvolvimento, possivelmente esses flashes podero dizer algo sobre o estado da criana nesses diferentes momentos do desenvolvimento. De maneira semelhante, se uma alterao artificial introduzida na rede produzir padres de desempenho semelhantes ao comportamento de sujeitos possuidores de deficincias, novas explicaes podero ser dadas sobre as causas dessas deficincias. As redes aprendem alterando a fora das conexes como resposta atividade neuronial. Normalmente, essas mudanas ocorrem gradualmente, determinadas pelo ritmo de aprendizagem. Em termos gerais, a repetio de experincias de aprendizagem ocasiona um incremento na fora das conexes. O xito dos modelos conexionistas em reproduzir o desenvolvimento cognitivo e/ou lingstico deve-se a sua sensibilidade a regularidades estatsticas encontradas na realidade ambiental. de vital importncia escolher o tipo adequado de rede que se ajuste a esses aspectos estatsticos. Uma vez selecionada a rede (ou sistema de redes), esta pode receber informaes de vrias fontes eLinguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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Figura 8 Os algoritmos de aprendizagem.5sob diversas modalidades a fim de construir representaes que no poderiam ter emergido de reas isoladas. Com base nessas consideraes, a modelagem conexionista oferece ao lingista cognitivo uma ferramenta poderosa para descobrir explicaes tanto interacionistas quanto epigenticas de perfis gerais de desenvolvimento, de diferenas individuais na aprendizagem e nos efeitos causados em perodos crticos.

5 A SIMULAO LEVADA A SRIOAqui esto trs simulaes realizadas no Centro de Pesquisas Lingsticas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS) sob a orientao de Jos Marcelino Poersch e com a valiosa ajuda de pesquisadores conexionistas de renomados centros internacionais de pesquisa.

5.1 A aquisio de construes passivas: um estudo translingsticoGabriel (2001) projetou e construiu uma rede neuronial conexionista para a simulao de sua pesquisa no Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de Oxford com a ajuda de Kim Plunkett, utilizando o programa TLearn.5

Adaptado de Plunkett (1997, p. 44). Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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Essa investigao pretendeu lanar luzes sobre a compreenso da natureza da linguagem e da mente. A construo passiva constitui um tema de considervel interesse na pesquisa psicolingstica nas ltimas dcadas. Inserida nos estudos de aquisio da linguagem, o objetivo encontrar resposta para a questo: Como as crianas aprendem as construes passivas? Para respond-la, duas tcnicas foram utilizadas: anlise de dados empricos e simulao computacional de processamento neuronial. Para a coleta dos dados empricos foi realizada testagem tanto da compreenso quanto da produo de construes ativas e passivas de falantes monolnges de portugus e ingls, numa amostra de 300 sujeitos integrada por crianas variando entre 3 a 10 anos e por adultos. Os resultados dos estudos translingsticos forneceram subsdios para a construo de um modelo de rede neuronial em computador que procurou simular a aquisio e o processamento das construes passivas. Concluiu-se dos resultados que o input lingstico carrega informaes de natureza explcita e implcita e que se um modelo computacional capaz de aprender essas informaes, por que no o seria tambm o crebro humano?

5.2 O aprendizado de estratgias inferenciais em leituraSigot (2002) teve a assistncia de Walter e Eillen Kintsch e projetou a arquitetura de sua simulao com o auxlio de Reall OReilly utilizando o programa LEABRA++ no Instituto de Cincia Cognitiva da Universidade do Colorado em Boulder. Presume-se que o ambiente no qual estudantes aprendem uma lngua estrangeira influencia o aprendizado da leitura visto estarem expostos a dados e a contextos diferentes. Baseado nessa premissa, foram investigadas as diferenas na construo da representao mental de textos produzidos por estudantes brasileiros aprendendo o ingls como lngua estrangeira no Brasil e nos Estados Unidos. Procedeu-se a uma anlise da inferenciao leitora desses estudantes em dois nveis. Num primeiro nvel, procedeu-se construo da base textual e da representao do modelo situacional; num nvel mais baixo de anlise, utilizaramse redes conexionistas. Os dados empricos foram coletados de aprendizes de ingls como lngua estrangeira tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Em seguida, foi realizada uma simulao eletrnica com esses dados e procedeu-se anlise das diferenas entre os dados empricos e os dados virtuais. Verificou-se uma clara diferena entre os grupos de estudantes no que se refere representao textual. Por outro lado, verificou-se que as diferenas observadasLinguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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nos resultados da simulao refletiam as diferenas observadas nos dados empricos. Houve diferenas em relao gerao de influncias produzidas por adultos aprendendo ingls como lngua estrangeira no Brasil e nos Estados Unidos.

5.3 A transferncia translingstica dos processos de leitura em uma lngua estrangeiraZimmer (2003) desenhou sua rede neuronial no Departamento de Psicologia da Universidade Carnegie Mellon, sob a orientao de David Plaut, mediante o uso do simulador LENS. Um dos principais aspectos que diferenciam a aquisio da lngua materna (LM) e a aquisio de uma lngua estrangeira (LE) o fato de que padres de aprendizagem da LM so geralmente transferidos para a LE. Assim, presume-se que conhecimentos sobre a relao letra/som sejam transferidos quando leitores em lngua portuguesa recodificam palavras em ingls. Como a maioria das letras comum a ambas as lnguas mas os sons correspondentes no o so, muitas palavras inglesas podem ser pronunciadas com um sotaque portugus devido tendncia de atribuir s letras da LE sons iguais ou semelhantes queles que eles ativariam no sistema fonolgico na LM. Embora a sonorizao das palavras inglesas como lngua materna tenha sido estudada com certa nfase durante os quinze ltimos anos, tal sonorizao ainda no foi estudada com falantes do ingls como lngua estrangeira. O objetivo do estudo de Zimmer (2003) consistiu em analisar os processos de transferncia dos conhecimentos da relao letra/som do portugus para o ingls em 157 brasileiros adultos durante sesses de recodificao. O produto oral foi transcrito foneticamente; posteriormente foram inventariados os processos de transferncia. Depois de concluda a pesquisa emprica, foi construda a modelagem computacional de leitura em voz alta em portugus. A anlise dos resultados desta pesquisa leva a pesquisadora a afirmar que os aprendizes adultos podem no produzir a leitura oral sem sotaque numa segunda lngua porque seu sistema cognitivo foi largamente empregado na resoluo de outros problemas incluindo, em particular, a compreenso e a produo de sua lngua materna, uma vez que a percepo de categoriais acsticoarticulatrias da LM enforma o espao fontico do aprendiz. A criana, por sua vez, provavelmente alcana um melhor desempenho porque seu sistema cognitivo no est ainda totalmente entrincheirado no conhecimento da LM. Chega-se, ento, a uma formulao conexionista da transferncia lingstica como sendo o454Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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processo de entrincheiramento do conhecimento prvio - da LM e de outras lnguas estrangeiras a que o aprendiz tenha sido exposto que modula a percepo e a produo dos fones da LE.

6 CONCLUSOA modelagem conexionista do processamento da linguagem tem apresentado posies bastante controvertidas. Enquanto alguns estudiosos asseveram que nenhum aspecto da linguagem pode ser captado integralmente por mtodos conexionistas, outros afirmam exatamente o contrrio.E a controvrsia fica acalorada porque, para muitos, o conexionismo no constitui um mtodo adicional para o estudo do processamento da linguagem mas uma alternativa para as tradicionais explicaes simblicas. Na verdade, o simples fato de o conexionismo substituir em vez de complementar os correntes paradigmas de cognio lingstica, j constitui um assunto de debate. (CHRISTIANSEN e CHATER, 1999, p. 417)

O conexionismo, diferentemente do simbolismo que projetou computadores digitais tradicionais que seguem regras para a combinao de smbolos, elaborou computadores inspirados no crebro, computadores que aprendem a partir de dados de entrada, a partir da experincia. Diferentemente do grupo liderado por Fodor e Pylyshyn (1988), Pinker e Prince (1988) e Smolenky (1988) que tipicamente afirmam que a modelagem conexionista deveria comear com modelos de processamento simblico e ser incrementada por redes conexionistas, e diferentemente de Chater e Oaksford (1990) que argumentam a favor de uma influncia recproca entre teorias simblicas e conexionistas, os conexionistas radicais no campo do processamento da linguagem afirmam que o novo paradigma substitui a abordagem simblica em vez de complement-la. Seidenberg e MacDonalds (1999) tambm argumentam que os modelos conexionistas sero capazes de substituir os modelos simblicos de estrutura e de processamento lingstico dentro da cincia cognitiva da linguagem. O conexionismo comea a influenciar consideravelmente a cincia da psicolingstica. A extenso final dessa influncia ir depender do grau de desenvolvimento que se consiga emprestar prtica dos modelos conexionistas a fim de conseguirem lidar com aspectos complexos do processamento lingstico deLinguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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maneira realstica e psicolgica. Se os modelos conexionistas de processamento da linguagem puderem realmente ser fornecidos, poder ser exigido um reexame radical, no somente da natureza do processamento da linguagem mas da prpria estrutura.

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Jos Marcelino Poersch

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Recebido em 26/08/03. Aprovado em 06/02/04.

Title: Connectionist simulations: the modern artificial intelligence Author: Jos Marcelino Poersch Abstract: During the last two decades, especially after 1986, significant developments in the field

of the connectionist paradigm were planned and executed. The connectionist simulation tools have helped to better understand how mental functions are acquired, stored and, in certain cases, lost.Linguagem em (Dis)curso, Tubaro, v. 4, n. 2, p. 441-458, jan./jun. 2004

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The connectionist models are based on a parallel distributed processing (PDP). In spite of its obvious and valuable contributions, the connectionism is far from exhibiting a final solution for cognitive problems. Such a paradigm corresponds more to an explicative power than to a perfect simulation of real mental processes. Keywords: cognition; simulation; connectionism; artificial intelligence; language.

Ttre: Simulations connexionnistes: lintelligence artificielle moderne Auteur: Jos Marcelino Poersch Resume: Dans les deux dernires dcennies, surtout partir de 1986, des progrs importants

dans le domaine du paradigme connexionniste furent conus et excuts. Les techniques de simulation connexionniste ont colabor pour quon puisse mieux comprendre la manire selon laquelle les fonctions mentales sont acquises, retenues et, selon les cas, perdues. Les modles connexionnistes se fondent dans un procs distribu en parallle (PDP). Malgr ses contributions videntes et valables, le connexionnisme se trouve loin de prsenter une solution dfinitive pour les problmes de cognition. Ce paradigme correspond plutt une force explicative qu une simulation parfaite des vrais procs crbraux. Mots-cls: cognition; simulation; connexionnisme; intelligence artificielle; language.

Ttulo: Simulacin conexionistas: la inteligencia artificial moderna Autor: Jos Marcelino Poersch Resumen: En las ltimas dos dcadas, principalmente a partir de 1986, significativos progresos

e el rea de paradigma conexionista fueron planeados y ejecutados. Las tcnicas de simulacin conexionista colaboraron para comprenderse mejor la manera como las funciones mentales son adquiridas, armazenadas y, en ciertos casos, perdidas. Los modelos conexionista se basean en un procesamiento distribuido en paralelo (PDP). Apesas de sus evidentes y valiosas contribuciones, el conexionismo est lejos de presentar una solucin definitiva para los problemas de la cognicin. Ese paradigma corresponde ms a una fuerza explicativa de que a una simulacin perfecta de los verdaderos procesos cerebrales. Palabras-clave: cognicin; simulacin; conexionismo; inteligencia artificial; lenguaje.

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