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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL ULBRA Programa de Ps-Graduao em Educao PPGEDUMestrado em Educao

PRATICANDO ESTUDOS CULTURAIS A histria do walkman da Sony

Luciano do Amaral Dornelles Kassius Nitzke da Silva

Canoas - 2010

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Sumrio1. Introduo .............................................................................................................. 3 2. Dando sentido ao Walkman ................................................................................... 4 3. As muitas origens da idia ................................................................................... 10 4. Sony empresa global ........................................................................................... 11 5. Pblico e Privado ................................................................................................. 12 6. Referncias Bibliogrficas .................................................................................... 12

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1. IntroduoEste texto vem examinar cultura e a enorme expanso de tudo que est associado a ela, especialmente na segunda metade do sculo XX, e o seu papel constitutivo, hoje, em todos os aspectos da vida social. E porque a cultura se encontra no centro de tantas discusses e debates, no presente momento? Em certo sentido, a cultura sempre foi importante. As cincias humanas e sociais h muito reconhecem isso. Nas humanidades, o estudo das linguagens, a literatura, as artes, as idias filosficas, os sistemas de crena morais e religiosos, constituram o contedo fundamental, embora a idia de que tudo isso compusesse um conjunto diferenciado de significados - uma CULTURA - no foi uma idia to comum como poderamos supor. Os seres humanos so seres interpretativos, instituidores de sentido. A ao social significativa tanto para aqueles que a praticam quanto para os que a observam: no em si mesma, mas em razo dos muitos e variados sistemas de significado que os seres humanos utilizam para definir o que significam as coisas e para codificar, organizar e regular sua conduta uns em relao aos outros. Estes sistemas ou cdigos de significado do sentido s nossas aes. Eles nos permitem interpretar significativamente as aes alheias. Tomados em seu conjunto, eles constituem nossas culturas. Contribuem para assegurar que toda ao social cultural, que todas as prticas sociais expressam ou comunicam um significado e, neste sentido, so prticas de significao. Percebemos como est massivo o interesse em objetos culturais, tanto que nas Universidades e Faculdades um assunto que tem emergido com ares de nova disciplina, nos campos da sociologia e linguagem. Entretanto as cincias humanas e sociais nem sempre tem dado cultura uma centralidade substantiva ou o peso epistemolgico que ela merece. importante que esta diferenciao entre os aspectos substantivos e epistemolgicos da cultura (du Gay et al., 1997) seja desvendada nesta tentativa inicial de compreenso. Por substantivo, entendemos o lugar da cultura na estrutura emprica real e na organizao das atividades, instituies, e relaes culturais na sociedade, em qualquer momento histrico particular, aqui aparece o crescimento nos meios de comunicao, novos sistemas e fluxos de informao global e novas formas visuais de comunicao tm diariamente em nossa vida diria. Por epistemolgico nos referimos posio da cultura em relao s questes de conhecimento e conceitualizao, em como a cultura usada para transformar nossa compreenso, explicao e modelos tericos do mundo.

1.1 A cultura frente economia e a poltica

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No sc. XX vem ocorrendo uma revoluo cultural no sentido substantivo, emprico e material da palavra. Sem sombra de dvida, o domnio constitudo pelas atividades, instituies e prticas expandiu-se para alm do conhecido. A velha distino que o marxismo clssico fazia entre a base econmica e a superestrutura ideolgica de difcil sustentao nas atuais circunstncias em que a mdia , ao mesmo tempo, uma parte crtica na infra-estrutura material das sociedades modernas, e, tambm, um dos principais meios de circulao das idias e imagens vigentes nestas sociedades. Um exemplo bastante claro deste fenmeno o surgimento do walkman da Sony, porque ele um artefato e meio cultural tpico da cultura moderna, e merece um estudo mais aprofundado pois um produto construdo para e pela cultura, ao estudarmos como a cultura funciona hoje, invariavelmente precisamos entender a estrutura, estratgia e cultura dos empreendimentos comerciais a exemplo da Sony. Em termos de padres absolutos de julgamento e preferncia estticos, os produtos culturais desta revoluo no podem ser comparados em termos de valor s conquistas de outros momentos histricos as civilizaes egpcias e da antiga China, por exemplo, ou a arte do Renascimento italiano. Entretanto, em comparao com a estreita viso social das elites, cujas vidas foram positivamente transformadas por esses exemplos histricos, a importncia das revolues culturais do final deste sculo XX reside em sua escala e escopo globais, em sua amplitude de impacto, em seu carter democrtico e popular. A sntese do tempo e do espao que estas novas tecnologias possibilitaram, introduz mudanas na conscincia popular, visto que vivemos em mundos crescentemente mltiplos e virtuais.

1.2 Os cinco processos culturais

So cinco os processos culturais que norteiam o estudo de um artefato cultural: Representao; Identidade; Produo; Consumo e; Regulao. Tomados desta forma eles so o circulo da cultura, e sendo assim, no importa por onde comea o estudo do fenmeno, e sim que todos os cinco processos sejam contemplados.

2. Dando sentido

ao Walkman

Walkman uma marca registrada e pertence Sony Corporation. uma marca popular de uma srie de tocadores ou leitores de udio portteis pertencente Sony. O termo Walkman tambm utilizado para se referir a aparelhos portteis similares de reproduo de udio estreo de outros fabricantes. Com sua chegada, costuma-se dizer que mudaram os hbitos musicais, uma vez que cada pessoa

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pode carregar e ouvir seus sons preferidos e, principalmente, sem incomodar outras pessoas. O Walkman original foi criado em 1979 no Japo e levava o nome de Soundabout, no exterior. Foi criado pelo coordenador do setor de udio da Sony Nobutoshi Kihara para um dos scios da empresa, Akio Morita, que queria escutar pera durante seu trabalho desgastante.

Na foto acima, uma publicidade da poca do lanamento do toca-fitas destaca uma curiosidade que foi descontinuada: o Walkman de 1979 tinha duas entradas para fones de ouvido, para escutar junto com outra pessoa. Mas o aparelho era vendido apenas com um par de fones e o recurso quase no era usado. O aparelho tambm chegou a ter gravador muito utilizado por jornalistas e rdio. O toca-fitas foi sucedido pelo Discman, baseado em CD, nos anos 1980. A Sony continuou usando o nome Walkman em uma srie de produtos portteis, incluindo o Network Walkman, uma espcie de iPod que no deu certo, e os atuais modelos MP3 e com HD interno. De qualquer forma, o Walkman j gravou seu lugar na Histria. Ah, uma curiosidade: as fitas K-7, aquelas que viviam enroscando no aparelho, se popularizaram com o Walkman. E mais: elas foram as precursoras da pirataria. O cara comprava o LP, gravava em fitas e distribua para a turma. Foi o estopim. O Walkman rapidamente foi difundido pelo mundo, passou a povoar os sonhos e os desejos de milhes de pessoas, literalmente passou a fazer parte da cultura. Este artefato comercial ento agora cultural ganhou significados, e com estes acabou ultrapassando o mundo material que coisifica, alcanando o mundo simblico, da linguagem, do pensamento e da imaginao. Estudando o walkman culturalmente estamos analisando e entendendo a prpria cultura.

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2.1 Tudo cultura? O que cultura?

Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) um conceito desenvolvido inicialmente pelo antroplogo Edward Burnett Tylor para designar o todo complexo metabiolgico criado pelo homem. So prticas e aes sociais que seguem um padro determinado no espao. Refere-se a crenas, comportamentos, valores, instituies, regras morais que permeiam e identificam uma sociedade. Explica e d sentido cosmologia social; a identidade prpria de um grupo humano em um territrio e num determinado perodo. Para Raymond Williams (Keywords, 1976) cultura um dos quatro ou cinco conceitos-chave do conhecimento social moderno. O termo j foi sinnimo de civilizao no iluminismo, utilizado para descrever o desenvolvimento e o progresso humano em contraste com as sociedades mais rudes e menos civilizadas, e ganhou diferentes significados em cada poca posterior, estes traos de cultura permanecem ativos at hoje, sendo o trao mais marcante aquele que ligou cultura ao significado, enfatizando claramente a ascenso das cincias humanas e sociais. Willians chamou isto de definio social da cultura, na qual a cultura a descrio de um particular modo de vida que expressa certos significados e valores, no apenas na arte e na aprendizagem mas tambm nas instituies e no comportamento comum.

2.2 Significados e prticas Damos significado s coisas do mesmo modo que as representamos, e o principal meio de representao a linguagem. Imagine um tempo logo anterior a criao do walkman, no era possvel linguagem descrev-lo, pois ainda no existia. Ao encontrar o novo, a linguagem recorre ao que temos de mais prximo, h uma representao do real, mapeando-o em relao ao que j conhecemos, ou o construmos a partir de velhos significados com novas significaes. O walkman ganhou nestas ltimas dcadas, significados que vo alm das descries mais tpicas ou literais, como sinnimo de high tech, modernidade e tecnologia japonesa. Ele ganhou significados prprios ao se associar com a juventude, diverso, mundo da msica e sons mecnicos, ele ganhou uma rede

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semntica de significados, onde a referncia a conotaes e discursos mais amplos expande ou especifica o significado de um objeto. Outra forma de construir um significado marcar sua similaridade e sua diferena com outras coisas que lhe parecem. Assim a identidade do aparelho demarcada, pois um aparelho de escutar msica, assim como outros, mas usada de forma mvel. a combinao destas similaridades e diferenas que d ao objeto sua posio especfica como singularidade cultural. Da mesma maneira a prtica e o uso do objeto que o torna parte da nossa cultura. Historicamente a viso o sentido mor da cultura contempornea, imagens, filmes, fotografias, possumos uma cultura visual, so inmeros os exemplos desta dominao sensorial. Concomitante a este domnio, a revoluo tecnolgica tambm permitiu ao som e ao sentido da audio uma grande ascenso, tanto na gravao quanto na reproduo. Os novos estilos musicais, a melhoria da qualidade de som, a popularidade da msica em grupos culturais dos mais diversos, fez surgir um chamado cenrio sonoro cultural. Diferente da viso, to prtica, to registradora de fatos, a audio um sentido mais imaginativo, podemos facilmente escutar um som sem ver sua origem, o que faz com que o sistema nervoso crie uma imagem virtual do som, e ento podemos com o estmulo sonoro imaginar cenrios no reais. O walkman trouxe para a individualidade, para a intimidade do sujeito, a principal restrio antes apresentada pela tecnologia sonora, a de que toda msica tinha de ser ouvida em grupo. E mais, a partir de agora posso levar minhas imaginaes e lembranas sonoras aonde eu for, pois ele porttil. Assim como rompeu com uma barreira antes intransponvel, a infinita repetibilidade da arte. At o walkman, era improvvel, para no dizer impossvel, para a comunidade popular, a reproduo de sons e ainda inspida a de imagens. Todo conceito atual de compartilhamento de arquivos comeou com o simples ato de gravao de uma msica do vinil para o K7. Os discos, CDs e arquivos de mp3, assim como os toca-discos, reprodutores de CD e drives portteis de armazenamento so tambm meios de significado cultural, mas todos devem ao walkman e a fita K7 o incio desta nova cultura. Claro que o walkman no fez tudo isso sozinho, teve como grande aliada a propaganda, que para conseguir atingir o pblico alvo, analisa os significados adquiridos pelo aparelho e de forma neutra, propositada e sistemtica persuadir ou influenciar com fins ideolgicos, polticos ou comerciais, as emoes, atitudes, opinies e aes de pblicos-alvo atravs da transmisso controlada de informao. Du Gay destaca que a histria do Walkman no pode ser somente analisada pelos processos e tcnicas de produo, mas sim culturalmente, atravs de seus significados (cdigos e discursos) e sua representao (linguagem oral e visual). Ainda refora a idia que o significado no inerente a um objeto cultural, mas deriva de sua representao nas diversas formas de linguagem.

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O objeto Walkman no possui um significado intrnseco, e a sua maneira de chegar ao pblico atravs da propaganda. A propaganda a linguagem cultural que fala em nome do produto. As empresas atravs de aes de marketing criam situaes e idias de necessidades e desejos para atingir seu pblico para vender. No caso da Sony, vender uma idia ou conceito acerca do produto, identificando com a juventude, mobilidade e tecnologia. Outra idia do texto, que para atingir um mercado com possibilidades de expanso e originalidade foi necessrio um redimensionamento da empresa. Ela teria que propor aes de marketing internacional, o chamado marketing global. Mas, esse seria atravs de nichos de mercado ao invs de massa j saturado. Dar a propaganda interpessoalidade foi a estratgia da Sony para dar representatividade (identidade) ao segmento da populao jovem e estilos de vida. Como melhor exemplo, o discurso seja quem voc for, o Walkman traz satisfao. O Walkman torna-se uma metfora para um estilo de vida jovem. E, este grupo assume uma nova identificao cultural, o de ser ativo, saudvel, belo e inovador.

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Exemplos de propaganda de discos.

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Exemplo de propaganda de veculo.

3. As muitas origens da idiaEstivemos dissecando as implicaes da centralidade da cultura tanto nos seus aspectos substantivos quanto nos epistemolgicos. Tentar entender a produo do walkman no se resume apenas ao processo fsico, mas em todas as leituras e narrativas dos fatos que foram associados tecnologia. Lembramos aqui como eram contadas as primeiras histrias gregas, onde os fatos se misturavam com a mitologia, fazendo surgir fatos verdadeiros que no existiram da mesma forma que mitos que existiram.

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Como a origem exata do walkman foi perdida na poeira da histria, ficam as muitas verses, os insights sobre o carter contestado da produo cultural e indicam como o walkman no apenas acumulou diferentes significados na publicidade e no meio de diferentes grupos de consumidores, mas tambm no meio daqueles que participaram em sua produo. A empresa produtora, a Sony, uma multinacional que cresceu muito com seus produtos sendo vendidos em todo mundo, mas como consequencia direta desta globalizao, sofreu o mesmo processo descrito por Stuart Hall na obra Da Dispora, pois se tornou uma empresa estrangeira no mundo todo, por ser japonesa, mas pela mesma globalizao que a fez crescer, tornou-se uma estrangeira dentro do prprio Japo. Possua todas as caractersticas de uma empresa tipicamente japonesa, na qualidade, na hierarquia dos funcionrios, na higiene, mas tambm tinha caractersticas que quebravam as regras japonesas, uma concorrncia agressiva, utilizao de gnios excntricos.

3.1 Produzindo o walkman

O produto foi pensado para atingir uma populao jovem, a propaganda, o formato do aparelho, a mobilidade, ou seja, o prprio nome do aparelho foi guiado pela suposio da reao dos consumidores, e at com um retorno destes, um feedback sobre a atividade do consumidor. O preo final do produto tinha de condizer com o que os jovens podiam pagar ento muito da miniaturizao deve-se a este fato, peas menores so mais baratas e mais rpidas de montar, especialmente por mulheres, que tornavam as linhas de montagem da Sony perfeitas, ou como dizia o slogan da empresa: DZ = Defeito Zero.

4. Sony empresa globalO sucesso tanto do walkman quanto de outros produtos da Sony no elevou a empresa a um monoplio mundial, muito disso em funo da grande competio global, o que iniciou uma tambm grande reorganizao empresarial, buscando ao mesmo tempo a globalizao e a sinergia. A globalizao foi e ainda uma meta, alcanar novos mercados, novos consumidores, enquanto a sinergia fez com que a empresa buscasse parceiros que produzissem produtos com tecnologia compatvel, para o reprodutor de CD, o prprio CD, e assim por diante. A Sony acabou por adquirir uma gravadora e uma produtora de filmes, para assim ter os softwares necessrios para seus hardware criados, ela passa a produzir cultura em nvel industrial. Esta cultura industrial rapidamente expandiu o consumo

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destes produtos, acumulando uma vasta acumulao de cultura material, resultando em uma importncia crescente do lazer e das atividades de consumo na sociedade ocidental moderna. Por outro lado, h tambm um aumento da capacidade para o controle ideolgico, dominao e manipulao da populao, sem possibilidade de uma existncia social autntica. Desde seu aparecimento o aparelho foi bastante criticado, por ser individualista, atomizante e anti-sociais, ele permitia um desligamento da realidade, e isto provavelmente tornava as pessoas mais introvertidas, auto-suficientes e antisociais. Mas o consumo do walkman nunca foi estimulado por necessidades fsicas ou sociais, e sim culturais, o desejo de possuir um aparelho destes est muito mais relacionado com o gosto do que pelo necessito. O consumo sempre e ao mesmo tempo uma atividade simblica e material. Envolve discriminao ativa atravs da compra, uso e avaliao dos produtos e portanto sua construo como objetos significativos.

5. Pblico e PrivadoO uso do walkman possibilitou o rompimento de outra barreira antes inabalvel, a fronteira entre as esferas pblica e privada. Como o usurio pode escutar msica e caminhar ao mesmo tempo, aparentemente estranhas e ao equipamento envolvido, um pequeno toca-fitas com fones de ouvido. Sua presena de certa forma ofendia ao domnio pblico, sua rebeldia em manter neutro o seu ouvinte frente ao que acontece neste domnio foi sempre vista como algo fora do lugar, algo para ser repreendido e excludo. Mas seu efeito continua sendo protegido, pois ele ocupa uma posio nica entre o pblico e o privado, imagem clara quando vemos uma pessoa colocando os fones no meio de uma multido.

6. Referncias BibliogrficasDU GAY, P., HALL, S., JANES, L., MACKAY, H. & NEGUS, K. (1997) Doing cultural studies: the story of the Sony Walkman, Londres, Sage/The Open University (Livro 1 desta srie). HALL, S. The centrality of culture: notes on the cultural revolutions of our time. In.: THOMPSON, Kenneth (ed.). Media and cultural regulation. London, Thousand Oaks, New Delhi: The Open University; SAGE Publications, 1997. ( Cap. 5)