História recontada “Grande Sertão: Veredas” em HQ · LITERATURA “Grande Sertão: Veredas”...

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LITERATURA “Grande Sertão: Veredas” em HQ Clássico de Guimarães Rosa ganha versão em graphic novel ALEXANDRE LUCCHESE Soldados, jagunços e o pró- prio demônio são algumas das ameaças que podem estar ocul- tas nas áridas paisagens do ser- tão nordestino. Assim é descrita a região por João Guimarães Rosa (1908 – 1967) no clássico Grande Sertão: Veredas, que re- vela um universo com disputas de poder, códigos de conduta e mitos próprios, pelo qual dois reconhecidos artistas gaúchos resolveram se aventurar. Ambos voltaram vivos – e com um belo resultado a exibir: uma luxuosa graphic novel de 180 páginas, reconstruindo por meio do roteiro de Eloar Gua- zzelli e das ilustrações de Rodri- go Rosa a história original do es- critor mineiro, lançada em 1956. A edição tem tiragem limitada e numerada de 7 mil exemplares. Rodrigo tem outras impor- tantes adaptações de clássicos da literatura brasileira no cur- rículo. Em 2009, lançou uma HQ de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e, em 2011, de Os Ser- tões, de Euclides da Cunha. Em visita a Porto Alegre, o artista gráfico que mora na Colôm- bia contou que o trabalho de transpor o calhamaço de mais de 600 páginas de Grande Ser- tão: Veredas para os quadrinhos custou cerca de um ano de tra- balho intenso: – O grande desafio foi a di- mensão da obra. Foram muitos meses de longos turnos, às ve- zes de 12 horas, desenhando e colorindo as páginas. Tal como o original de Gui- marães Rosa, o livro acompa- nha o relato do sertanejo Rio- baldo sobre sua própria vida. Integrante de um grupo de jagunços, ele acaba desenvol- vendo uma forte amizade com um companheiro de andan- ças, o valente Diadorim – uma complexa relação que se torna um dos principais fios condu- tores da narrativa. Diadorim exerce no protagonista uma atração que mistura admiração, camaradagem e paixão. Tudo isso em meio a uma intensa guerra entre dois bandos de ja- gunços rivais. Também um artista gráfico reconhecido, Guazzelli encarou o desafio de criar o roteiro da obra: – Fiquei muito contente em ser convidado como roteirista. É uma forma de obter um re- conhecimento mais amplo de uma atividade que exerço há muito tempo em animações. Natural de Vacaria, o artista afirma que não teve dificuldade de mergulhar com profundi- dade no universo de Riobaldo. Para ele, é fácil fazer uma analo- gia entre o gaúcho do passado e os sertanejos da HQ: – Para ambos os grupos, a honra, entendida como a atitu- de de manter a palavra e ser ver- dadeiro, é fundamental. É esse valor, que precisa ser resgatado, que está nas páginas de Guima- rães Rosa. HISTÓRIA RECONTADA Linguagem Pesquisa Roteiro As expressões carac- terísticas do sertão nor- destino e do vocabulário singular de Riobaldo fo- ram mantidas na adap- tação de Eloar Guazzelli e Rodrigo Rosa. – Se você se permitir entrar na história, logo se acostumará ao estilo da narrativa e irá apreciar o trabalho do escritor com a linguagem – diz Guazzelli. Para recriar o sertão nor- destino, Rodrigo reuniu mais de mil imagens alusivas ao ce- nário e aos personagens des- critos por Guimarães Rosa: – Fiz desde buscas apro- fundadas no Google até con- tato com artistas e fotógrafos que já haviam trabalhado na região ou com a obra de – Meu trabalho não foi escrever, apenas cortar. Foi uma espécie de garimpo, encontrando grandes joias do modo poético de escre- ver de Guimarães Rosa – conta Guazzelli. A HQ não traz o texto in- tegral, mas mantém o eixo central da narrativa. Já as descrições visuais foram parar onde deviam: nos de- senhos de Rodrigo Rosa. QUINTA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 2014 DO SEU JEITO 4

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LITERATURA

“Grande Sertão: Veredas” em HQClássico de Guimarães Rosa ganha versão em graphic novel

alexandre lucchese

Soldados, jagunços e o pró-prio demônio são algumas das ameaças que podem estar ocul-tas nas áridas paisagens do ser-tão nordestino. Assim é descrita a região por João Guimarães Rosa (1908 – 1967) no clássico Grande Sertão: Veredas, que re-vela um universo com disputas de poder, códigos de conduta e mitos próprios, pelo qual dois reconhecidos artistas gaúchos resolveram se aventurar.

Ambos voltaram vivos – e com um belo resultado a exibir: uma luxuosa graphic novel de 180 páginas, reconstruindo por meio do roteiro de Eloar Gua-zzelli e das ilustrações de Rodri-go Rosa a história original do es-critor mineiro, lançada em 1956. A edição tem tiragem limitada e numerada de 7 mil exemplares.

Rodrigo tem outras impor-tantes adaptações de clássicos da literatura brasileira no cur-rículo. Em 2009, lançou uma

HQ de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, e, em 2011, de Os Ser-tões, de Euclides da Cunha. Em visita a Porto Alegre, o artista gráfico que mora na Colôm-bia contou que o trabalho de transpor o calhamaço de mais de 600 páginas de Grande Ser-tão: Veredas para os quadrinhos custou cerca de um ano de tra-balho intenso:

– O grande desafio foi a di-mensão da obra. Foram muitos meses de longos turnos, às ve-zes de 12 horas, desenhando e colorindo as páginas.

Tal como o original de Gui-marães Rosa, o livro acompa-nha o relato do sertanejo Rio-baldo sobre sua própria vida. Integrante de um grupo de jagunços, ele acaba desenvol-vendo uma forte amizade com um companheiro de andan-ças, o valente Diadorim – uma complexa relação que se torna um dos principais fios condu-tores da narrativa. Diadorim exerce no protagonista uma

atração que mistura admiração, camaradagem e paixão. Tudo isso em meio a uma intensa guerra entre dois bandos de ja-gunços rivais.

Também um artista gráfico reconhecido, Guazzelli encarou o desafio de criar o roteiro da obra:

– Fiquei muito contente em ser convidado como roteirista. É uma forma de obter um re-conhecimento mais amplo de uma atividade que exerço há muito tempo em animações.

Natural de Vacaria, o artista afirma que não teve dificuldade de mergulhar com profundi-dade no universo de Riobaldo. Para ele, é fácil fazer uma analo-gia entre o gaúcho do passado e os sertanejos da HQ:

– Para ambos os grupos, a honra, entendida como a atitu-de de manter a palavra e ser ver-dadeiro, é fundamental. É esse valor, que precisa ser resgatado, que está nas páginas de Guima-rães Rosa.

História recontada

Linguagem

Pesquisa

RoteiroAs expressões carac-

terísticas do sertão nor-destino e do vocabulário singular de Riobaldo fo-ram mantidas na adap-tação de Eloar Guazzelli e Rodrigo Rosa.

– Se você se permitir entrar na história, logo se acostumará ao estilo da narrativa e irá apreciar o trabalho do escritor com a linguagem – diz Guazzelli.

Para recriar o sertão nor-destino, Rodrigo reuniu mais de mil imagens alusivas ao ce-nário e aos personagens des-critos por Guimarães Rosa:

– Fiz desde buscas apro-fundadas no Google até con-tato com artistas e fotógrafos que já haviam trabalhado na região ou com a obra de

– Meu trabalho não foi escrever, apenas cortar. Foi uma espécie de garimpo, encontrando grandes joias do modo poético de escre-ver de Guimarães Rosa – conta Guazzelli.

A HQ não traz o texto in-tegral, mas mantém o eixo central da narrativa. Já as descrições visuais foram parar onde deviam: nos de-senhos de Rodrigo Rosa.

QUINTA-FEIRA, 18 DE DEZEMBRO DE 2014 do seu Jeito 4