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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 7292 HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DAS OBRAS PRECURSORAS E PRIMEIROS ESTUDOS ACADÊMICOS ÀS PESQUISAS SOBRE INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS 1 Paulo Ricardo Bonfim 2 Introdução O presente artigo tem por objetivo apresentar uma leitura acerca da história da escrita da historiografia educacional brasileira, ponderando as diferentes perspectivas e metodologias na produção dessa história educacional. No âmbito desse escopo geral, apontamos as possiblidades de recentes pesquisas sobre instituições educacionais, forjando, ao distinguirem-se como abordagem no campo da história educacional, novos objetos e repertórios teórico-metodológicos próprios, demandando, ao passo que se consolidam no interior de programas de pós-graduação, a sistematização de fontes diversas de pesquisas. Nesse sentido, sinalizamos alguns estudos que se inscrevem nessa vertente de maneira a explorar a diferenciação teórico-metodológica, sondar possíveis influências ou afinidades em relação à nouvelle histoire e assinalar seu potencial explicativo. Antes, porém, como forma de subsidiar os propósitos deste artigo, contextualizando a escrita da história da educação brasileira e, no interior deste campo, a constituição relativamente recente de linhas de pesquisas centradas na história de instituições educacionais, evocamos, recuando no tempo, alguns textos de grande valor nesta historiografia educacional, seja pelo caráter “precursor” de alguns estudos, servindo de base e fonte às primeiras pesquisas já em contexto acadêmico, seja pela influência que alguns trabalhos exerceram – e ainda exercem! – sobre pesquisadores da área, fornecendo, não raro, chaves de leitura em investigações desenvolvidas no âmbito dos programas de pós-graduação, ressonância que pode ser identificada em importantes trabalhos, fornecendo modelos interpretativos ou fomentando, ainda hoje, revisões críticas. O presente trabalho não pretende, evidentemente, fornecer uma leitura definitiva das obras e personalidades que ajudaram a escrever a história da educação em nosso país, tampouco oferecer um balanço preciso das pesquisas sobre história das instituições 1 O presente artigo sintetiza um estudo, há muito iniciado, que contou, em parte, com a cuidadosa indicação e discussão de pertinente bibliografia pelos pesquisadores Dr. Moysés Kuhlmann Jr. e Dra. Paula Leonardi, embora absolutamente isentos de qualquer responsabilidade sobre a análise ora apresentada. 2 Mestre em Educação pela Universidade São Francisco. Discente na Pós-Graduação em Gestão Escolar / PECEGE – Universidade de São Paulo. E-mail: <[email protected]>.

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HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: DAS OBRAS PRECURSORAS E

PRIMEIROS ESTUDOS ACADÊMICOS ÀS PESQUISAS SOBRE

INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS1

Paulo Ricardo Bonfim2

Introdução

O presente artigo tem por objetivo apresentar uma leitura acerca da história da escrita

da historiografia educacional brasileira, ponderando as diferentes perspectivas e

metodologias na produção dessa história educacional. No âmbito desse escopo geral,

apontamos as possiblidades de recentes pesquisas sobre instituições educacionais, forjando,

ao distinguirem-se como abordagem no campo da história educacional, novos objetos e

repertórios teórico-metodológicos próprios, demandando, ao passo que se consolidam no

interior de programas de pós-graduação, a sistematização de fontes diversas de pesquisas.

Nesse sentido, sinalizamos alguns estudos que se inscrevem nessa vertente de

maneira a explorar a diferenciação teórico-metodológica, sondar possíveis influências ou

afinidades em relação à nouvelle histoire e assinalar seu potencial explicativo. Antes, porém,

como forma de subsidiar os propósitos deste artigo, contextualizando a escrita da história da

educação brasileira e, no interior deste campo, a constituição relativamente recente de linhas

de pesquisas centradas na história de instituições educacionais, evocamos, recuando no

tempo, alguns textos de grande valor nesta historiografia educacional, seja pelo caráter

“precursor” de alguns estudos, servindo de base e fonte às primeiras pesquisas já em contexto

acadêmico, seja pela influência que alguns trabalhos exerceram – e ainda exercem! – sobre

pesquisadores da área, fornecendo, não raro, chaves de leitura em investigações

desenvolvidas no âmbito dos programas de pós-graduação, ressonância que pode ser

identificada em importantes trabalhos, fornecendo modelos interpretativos ou fomentando,

ainda hoje, revisões críticas.

O presente trabalho não pretende, evidentemente, fornecer uma leitura definitiva das

obras e personalidades que ajudaram a escrever a história da educação em nosso país,

tampouco oferecer um balanço preciso das pesquisas sobre história das instituições

1 O presente artigo sintetiza um estudo, há muito iniciado, que contou, em parte, com a cuidadosa indicação e discussão de pertinente bibliografia pelos pesquisadores Dr. Moysés Kuhlmann Jr. e Dra. Paula Leonardi, embora absolutamente isentos de qualquer responsabilidade sobre a análise ora apresentada.

2 Mestre em Educação pela Universidade São Francisco. Discente na Pós-Graduação em Gestão Escolar / PECEGE – Universidade de São Paulo. E-mail: <[email protected]>.

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educacionais no cenário brasileiro, tarefa que certamente demandaria um estudo exaustivo

da produção nessa linha de investigação. Todavia, apesar da brevidade, a discussão

empreendida visa contribuir para uma caracterização, tão sucinta quanto esquemática,

história da historiografia educacional brasileira, por fornecer uma leitura – certamente

ligeira, mas não inconclusa – desse campo epistêmico como construção histórico-social.

A Contribuição de Estudos Precursores

Destacamos, a seguir, alguns estudos – um roteiro de leitura, dentre outros possíveis

– a partir dos quais procuramos analisar a historiografia educacional brasileira, evidenciando

os contextos histórico-culturais distintos, os recursos metodológicos, os objetos e recortes

privilegiados, identificando continuidades e mudanças nas produções nesse campo de

pesquisa. Pelas mãos de “precursores” dessa historiografia, intelectuais com formações

diversas, sob influências institucionais e teóricas igualmente heterogêneas, é que se inicia a

escrita de nossa história educacional. Não obstante a ausência de uma metodologia específica

a orientar essa prática, observa-se, como um traço comum a muitas obras, o recurso

prioritário a documentos oficiais, sobretudo legislação e levantamento estatístico, e a

necessidade de situar a evolução da instrução nacional em relação aos padrões

internacionalmente divulgados de civilidade e progresso.

Nessa perspectiva, Moysés Kuhlmann Jr. (1999) situa, como marco inicial das

primeiras iniciativas de elaboração de uma história educacional brasileira, a coleção de

estudos produzidos para divulgação e ilustração do “progresso nacional” na “Exposição de

História do Brasil’, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 1881.

Nessa iniciativa, destaca-se o nome do médico Benjamin Franklin Ramiz Galvão,

membro do Imperial Instituto Histórico, Geográfico Brasileiro (IHGB), responsável pela

organização do Catálogo para a referida exposição, pela Biblioteca Nacional do Rio de

Janeiro. Ramiz Galvão também coordenou a organização do Livro do Centenário, em 1900, e

do Dicionário Histórico, Geográfico e Etnográfico Brasileiro, publicado pelo IHGB, em 1922

(KUHLMANN JR., 1999, p. 161-162; VIDAL, FARIA FILHO, 2003, p. 42).

Diana Gonçalves Vidal e Luciano Faria Filho (2003) apontam, ainda, o artigo do

paraense, bacharel em letras, Frederico José de Santa-Anna Nery, L’instruction publique au

Brésil, publicado na revista francesa Revue Pédagogique, em 1884. Santa-Anna Nery

também foi autor de outros textos versando sobre a instrução pública no Brasil, como o livro

Le Brèsil en 1889. Segundo Kuhlmann Jr. (1999, p. 162; 2001, p. 43-44), esse livro foi escrito

em ocasião da "Exposição Universal” de Paris (1889) e é possível identificar, no capítulo

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dedicado à instrução pública, uma intenção comparativo-evolutiva a indicar os progressos do

país, num esforço por aproximá-lo das civilizações europeias.

No rastro dos trabalhos precursores, analisaremos mais detidamente o livro do

médico José Ricardo Pires de Almeida, publicado no Rio de Janeiro, em 1889, sob o título

L’instruction publique au Brèsil: histoire et legislation (1500-1889). Reconhecida a sua

importância para a história da educação brasileira, a obra foi traduzida e reeditada em 2000.

Dedicado ao Conde D’Eu e escrito em francês – segundo o autor, por tratar-se de uma língua

universal – o livro destaca-se como o primeiro dedicado exclusivamente a narrar a história da

instrução pública brasileira, embora tenha ficado relativamente negligenciado na

historiografia educacional, provavelmente pela deferência do autor ao Império num período

de transição para o regime republicano. Contudo, é importante destacar que, apesar de suas

preferências políticas, o autor não deixou de apontar reveses na promoção da instrução

pública após a emancipação política, em 1822.

Tal como Kuhlmann Jr. (1999, p. 164), Vidal e Faria Filho (2003, p. 42) destacam a

importância deste livro para a compreensão da história da educação brasileira,

diferentemente da interpretação de Clarice Nunes (1995, p. 57), que não a considera uma

obra fundadora desta historiografia em razão de não ter sido utilizada nos currículos das

escolas normais e institutos de educação. No entanto, como alertam os autores, o livro

encontra-se citado por personalidades de destaque na produção da história da educação

brasileira, como Afrânio Peixoto, Primitivo Moacyr, Fernando Azevedo e Theobaldo Miranda

dos Santos.

O livro de Pires de Almeida tem como escopo divulgar os avanços da instrução no

Império, equiparando o Brasil aos países europeus nos esforços por civilizar-se por meio da

difusão da escola, aspecto que o aproxima bastante do livro Le Brèsil en 1889, de Santa-Anna

Nery. O autor enumerou as várias iniciativas do governo para difundir a instrução, sobretudo

através de leis e decretos, destacando, por outro lado, as dificuldades encontradas, em

especial nos anos após a Independência. Para Pires de Almeida, os desafios no primeiro

reinado, principalmente para manter a unidade nacional, justificavam a menor atenção que o

governo dedicou à instrução pública, deixando-a de lado por algum tempo.

Esse autor nos deu notícia sobre a introdução do método lancasteriano de ensino

mútuo ou monitorial e ressaltou a favorável relação custo-benefício em tempos de poucos

recursos humanos e financeiros, tanto do Estado quanto das municipalidades, lamentando,

ainda, a falta de edifícios preparados para do ensino segundo as exigências desse método.

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Trabalhos recentes analisaram a difusão do método lancasteriano/mútuo/monitorial

em contextos marcados pelas expectativas de extensão da instrução elementar às camadas

populares. Segundo Fernandes e Menezes (2004), no início as escolas de primeiras letras

funcionavam de forma precária, geralmente nos espaços domésticos, com a utilização do

método individual. Nesse sentido, os autores destacam, a exemplo de Pires de Almeida, as

dificuldades decorrentes da aprovação da Lei de 20 de outubro de 1823, pela Assembleia

Constituinte, segundo a qual qualquer cidadão poderia abrir uma escola de primeiras letras,

dispensando-se a necessidade de exame, licença ou autorização. Diante disso, os autores

chamam atenção para as dificuldades que se impunham à consolidação do ensino

lancasteriano no Brasil, em razão da total liberdade conferida aos mestres, com qualidade

duvidosa e, em alguns casos, beirando a charlatanice. No Brasil, o referido método foi

introduzido oficialmente pelo Decreto das Escolas de Primeiras Letras, de 15 de outubro de

1827. Essa que foi a primeira Lei sobre a instrução pública nacional dispunha sobre a criação

de escolas elementares com a utilização do método monitorial/mútuo como orientação

pedagógica (PIRES DE ALMEIDA, 2000, p. 57-58; FERNANDES, MENEZES, 2004, p. 556-

557; BASTOS, 2005, p. 34).

Maria Helena Camara Bastos (2005, p. 40-41) também analisou a legislação sobre a

introdução do método monitorial/mútuo no Brasil, apontando inúmeras referências de sua

adoção no período de 1819 a 1827, indicando, ainda, as dificuldades para a sua implantação

dadas as conhecidas limitações de recursos financeiros e profissionais suficientemente

preparados. Segundo a autora, a partir de 1820, o Estado gradativamente implantará o

método como uma orientação oficial: uma determinação ministerial exigia que todas as

províncias do Império enviassem soldados para aprenderem o método, visando difundi-lo.

Nesse sentido, destacou as afinidades entre o meio militar e método em questão, pela ênfase

dada à disciplina e à ordem, mantendo-se por muitos anos o recrutamento de professores nos

quadros do Exército – até 1837, quando o Império torna incompatíveis as funções de militar

e professor público. Vale lembrar, o método lancasteriano representava uma alternativa ao

ensino individual segundo o qual cada aluno aprendia separadamente sem um programa a

ser adotado ou seguido, apresentando, assim, grande variação entre as escolas. Situando o

limite da experiência do método mútuo/monitorial no Brasil, apesar da dificuldade existente

em se delimitar com precisão seu período de vigência, Bastos indicou como marco legal a

Reforma de Couto Ferraz – Decreto nº 1331, de 17 de fevereiro de 1854, que regulamenta a

instrução primária e secundária do Município da Corte – estabelecendo o método de ensino

simultâneo nas escolas. Não obstante algumas iniciativas, o método lancasteriano/ mútuo/

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monitorial não chegou a ser implantado no Brasil tal como foi preconizado pelos seus

idealizadores, pelas dificuldades de recursos e professores efetivamente com domínio

metodológico, como já alertava Pires de Almeida, limitando-se apenas à adoção de medidas

legais e ao debate acerca das vantagens e desvantagens dessa metodologia de ensino.

Quanto aos feitos do Império para a instrução de sua gente, o texto-documento de

Pires de Almeida salientava os esforços do governo de modo a não deixar o reino brasileiro

em situação de desvantagem frente à república argentina, apontando os “avanços”, mesmo

em momentos de reveses, enquanto relativiza os números do país vizinho. Para tal, forneceu

várias informações sobre o número de escolas e alunos na monarquia brasileira, chamando

atenção para a dimensão do reino brasileiro e as dificuldades decorrentes para a promoção da

instrução pública. O recurso constante às fontes oficiais – legislação e estatística –,

conferindo-lhes primazia na escrita histórica, remete Pires de Almeida à tradição

historiográfica inaugurada pelo IHGB, entidade da qual era membro honorário, partilhando

de “seus objetivos de coligir, metodizar, publicar ou arquivar os documentos necessários para

a história e a geografia do Império, respeitando uma postura positivista de escrita da

história”; fiel ao estilo da narrativa do IHGB, Pires de Almeida partilhava, ainda, de outro

aspecto marcante nessa tradição historiográfica, qual seja, a preocupação com as origens da

formação da nação brasileira, iniciada com a colonização portuguesa e potencializada com a

transferência da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808 (VIDAL, FARIA FILHO, 2003, p. 41).

Pires de Almeida destacou as contribuições da família real para o desenvolvimento de

uma base fértil para a difusão do saber no Brasil, sobretudo pela efervescência cultural

resultante da fixação da Corte na cidade do Rio de Janeiro. Assim, narrou as iniciativas em

diversas áreas da cultura letrada: direto, medicina, engenharia, forças armadas, minas,

astronomia, belas-artes, música, bibliotecas e associações profissionais.

É interessante notar que o autor esboçou uma crítica moderada à concentração

fundiária e ao uso do braço escravo nas lavouras brasileiras, bem como à pouca atenção

dedicada ao ensino agrícola para um país cujas principais riquezas advinham do meio rural.

Assim, apesar do caráter elogioso, não se isentava de fazer algumas críticas, mesmo que

moderadas. A falta de coordenação central das políticas educacionais também foi alvo de

censura quando chamava atenção para as consequências do Ato Adicional (1834) na área da

instrução publica, pelo direito conferido às assembleias legislativas provinciais de decidirem

sobre a instrução primária e secundária, nos limites de sua competência, ficando somente o

ensino superior e toda a instrução no Município da Corte a cargo do poder executivo central.

Segundo o autor, as assembleias provinciais não demoraram em fazer uso de suas novas

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atribuições, aprovando, entretanto, uma série de leis “incoerentes”, geralmente pela a falta de

plano e método. Muitas escolas foram criadas apenas no papel, por leis ou decretos, sem se

concretizarem em razão da falta de instrutores, sobretudo dos profissionais hábeis nesse

ofício, situação agravada, ainda, pela baixa remuneração oferecida.

Outra importante contribuição à escrita inicial da nossa história educacional é a obra

A Instrução e o Império: Subsídios para a História da Educação no Brasil, 1823-1853, de

Primitivo Moacyr, publicada em 1936. Advogado, Primitivo Moacyr organizou uma vasta

obra voltada à história da educação, com base em farto levantamento e compilação de leis,

estatutos, regimentos escolares, memórias, relatórios e pareceres sobre a instrução pública e

privada, nos diversos níveis: primário, secundário, profissional e superior. Vidal e Faria Filho

(2003, p. 43-44) atentam para a sua relação com Instituto Nacional Estudos Pedagógicos,

ligado ao Ministério da Educação e Saúde, e sua aproximação aos renomados educadores

Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira. Segundo esses autores, é possível

situar a obra de Moacyr no âmbito da tradição do IHGB na construção de uma narrativa

histórica, tão bem representada na figura de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro.

Destaca-se, ainda, a obra do engenheiro Paulo Krünger Corrêa Mourão, colaborador assíduo

da revista do IHGB-MG, com estudos históricos sobre a instrução no império3 realizados no

âmbito do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais (CBPE-MG), ligado

ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP (VIDAL, FARIA FILHO, 2003, p. 46).

Outro contexto de teorização e escrita da história da educação se abre com a inclusão

da História da Educação como disciplina no currículo da Escolar Normal do Rio de Janeiro,

em 1928, no contexto das reformas que, na década de 1920, visavam modificar a educação

nacional “introduzindo princípios da escola ativa, posteriormente aglutinados em torno do

ideal da escola nova no ensino primário, e elevando o preparo docente pela ampliação e

especialização do curso normal” (VIDA, FARIA FILHO, 2003, p. 47). Já a História da

Educação Brasileira, como observa Leonor Maria Tanuri (1998), é mais recente como

disciplina acadêmica. Segundo a autora, a disciplina passa a ser incluída nos cursos de

formação de professores por meio das ações dos chamados renovadores da educação: no Rio

de Janeiro, com a reforma empreendida por Anísio Teixeira (Decreto 3810, de 19/03/32) e,

em São Paulo, através da reforma realizada por Fernando de Azevedo (Decreto 5846, de

21/02/33).

3 Em pesquisa realizada sobre a bibliografia do autor, conseguimos localizar o trabalho O ensino em Minas Gerais no tempo do Império, publicado em 1959.

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Autor do primeiro manual didático brasileiro de história da educação, Noções de

História da Educação (1933), o médico e membro da Academia Brasileira de Letras Júlio

Afrânio Peixoto deixou seu legado à história da educação brasileira: um modelo na escrita de

manuais e a identificação do movimento da Escola Nova como um marco na história da

educação brasileira. Esse modelo foi duradouro na produção da história da educação das

décadas seguintes, reproduzido em diversos manuais: Pequena História da Educação (1936),

das franciscanas Peeters e Maria Augusta de Cooman; História da Educação (1941), de Bento

de Andrade Filho; Lições de História da Educação (s/d), de Aquiles Archêro Júnior; e

Noções de História da Educação (1945), de Theobaldo Miranda dos Santos. Ainda, próximo

desse modelo de escrita, embora efetuasse um apagamento da memória dos renovadores em

razão das distensões entre os educadores católicos e liberais, destaca-se a obra Esboço da

História da Educação (1945), de Ruy de Ayres Bello. Outro aspecto apontado como

importante na constituição da história da educação como campo de pesquisa foi a unificação

das disciplinas de História e Filosofia nos cursos Normais, nas décadas de 1920 e 1930, o que

contribuiu para dotar os estudos em história da educação, realizados nesse âmbito, de um

apelo moral, afastando-os de certas práticas metodológicas e do recurso às fontes primárias,

procedimentos característicos da pesquisa histórica (VIDAL, FARIA FILHO, 2003, p. 49-51).

Segundo Tanuri (1998, p. 140-142), a história da educação, junto às ciências de base

da educação (psicologia, sociologia e biologia), cumpria no currículo dos cursos de formação

de professores a função de ser útil para o presente, motivo pelo qual, segundo a autora, essa

escrita da história educacional foi feita por educadores e não por historiadores. Somente a

partir da criação dos cursos de Pedagogia, a disciplina passaria a ganhar maior densidade. Os

já mencionados livros didáticos de Theobaldo M. Santos e Afrânio Peixoto, populares nos

cursos normais, narravam uma história da educação que remontava às antiguidades orientais

e clássicas, alcançando, apenas no último capítulo, a educação brasileira, denotando um

caráter evolutivo que culminaria com a ação dos renovadores da educação. Destaca-se

também que no currículo dos cursos de Pedagogia a história da educação brasileira era

inexistente como disciplina autônoma, figurando apenas como um complemento nos

programas de história da educação; somente na década de 1970 a disciplina ganharia lugar

como disciplina autônoma.

Situamos, até aqui, alguns dos primeiros trabalhos de história da educação brasileira,

produzidos por aqueles que denominamos de “precursores” dessa escrita histórica. Uma

produção singularizada pela formação heterogênea de seus executores: médicos, literatos,

engenheiros e advogados. Tal característica na produção dessa historiografia revela a

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educação como um campo de interesse social para agentes diversos, intelectuais que

pensaram a escola a partir de lugares e propósitos igualmente distintos. À medida em que

avançava o processo de institucionalização da instrução pública, desde meados do século

dezenove, a educação adquiria, paulatinamente, relevância social para os grupos sociais nos

contextos de sua época; diversos intelectuais buscaram inserir-se nesse processo,

construindo narrativas em diferentes circunstâncias institucionais e políticas, ainda, sob

variável orientação teórica ou filosófica, o que, evidentemente, não diminui a importância

desses trabalhos na construção de uma memória da educação brasileira legada às gerações

futuras de pesquisadores.

Sínteses Analíticas e Modelos Interpretativos: a Contribuição de Importantes Estudos Acadêmicos na Formação de Pesquisadores

Nesta seção destacamos uma seleção de textos singulares por oferecerem uma visão

panorâmica da história da educação brasileira, fornecendo sínteses analíticas e chaves de

leitura que, em graus diferenciados, influenciaram a formação de pesquisadores, tanto na

escolha de modelos de análise e interpretação, repertório temático, periodização e definição

de corpus documental, quanto na revisão crítica que suscitaram em estudos posteriores.

Uma obra certamente importante na formação dos pesquisadores, principalmente das

gerações que antecedem a organização dos programas de pós-graduação em educação, é A

Cultura Brasileira (1943), de Fernando de Azevedo. Vidal e Faria Filho (2003, p. 52-54)

destacam seu caráter paradigmático para a escrita da história da educação brasileira

realizada nas universidades, de 1940 a 1970. Os autores ressaltam a inserção política de

Azevedo, tornando-se, ele e sua obra, porta-vozes de um grupo de reformadores da educação

ligados à defesa da Escola Nova, com grande penetração na esfera governamental, acadêmica

e na imprensa, sobretudo no jornal o Estado de São Paulo. A obra de Azevedo insere-se nos

estudos que se dedicavam à interpretação de nossa cultura, conferindo especial atenção à

educação, erigindo uma memória educacional onde os reformadores da educação – grupo do

qual o próprio Azevedo era uma das principais expressões – desempenhavam um papel

preponderante, quase heroico.

A obra de Azevedo e a historiografia da educação brasileira produzida nas academias

sob sua influência, pelo menos até a década de 1970, carregam o estilo de uma “síntese

sociológica”, com foco na análise do presente e no papel preponderante atribuído aos

reformadores da educação – pela memória instituída por esse grupo –, apoiando-se em

fontes secundárias em detrimento da busca e análise de fontes primárias. Segundo Bruno

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Bontempi Jr. (2005, p. 51-52), a História, para Azevedo, desempenharia um papel

secundário, produzindo dados que subsidiariam a síntese sociológica, como se observa n’A

Cultura Brasileira onde o autor se isenta da tarefa de lidar com fontes primárias, apoiando-

se no que já havia sido produzido, cuidando de distinguir interesses e ideologias e reunindo o

que havia de comum nas interpretações sobre o Brasil, produzindo “um consenso apartado

de qualquer zona de perigo”. Por esse expediente, conseguiu acomodar a memória dos

pioneiros da educação numa zona de consenso que lhe garantiu longevidade como referencial

de análise nas pesquisas em história da educação. Neste trabalho, não nos deteremos ao

estudo pormenorizado desta obra, limitando-nos apenas a ponderar sua influência indireta

sobre trabalhos de outros pesquisadores que aqui destacaremos. Seria, contudo,

injustificável, tendo em vista os propósitos deste artigo, não o mencionar, ainda ligeiramente.

De forma mais detida, analisaremos um artigo de Raul Jobin Bittencourt, A educação

brasileira no Império e na República, publicado na Revista Brasileira de Estudos

Pedagógicos, em 1953. Médico, político e intelectual de grande envergadura, Bittencourt teve

uma trajetória acadêmica e política bem-sucedida, conciliando a atuação em importantes

universidades com posições de grande prestígio na administração pública do Rio Grande do

Sul e do Governo Federal. Participou também como delegado daquele estado na Primeira

Conferência Nacional de Educação, reunida em Curitiba, promovida pela Associação

Brasileira de Educação (ABE), em 1927, entidade que presidiu no biênio de 1945-1946.

Embora o título do artigo faça referência apenas aos tempos do Império e da

República, aos quais dedicou mais atenção, o autor iniciou com uma sucinta apresentação da

educação nos tempos coloniais, destacando o caráter essencialmente católico e humanístico

do empreendimento educacional naquele período, sobretudo pela ação dos inacianos,

embora tenha tido o cuidado de não se calar sobre as iniciativas de franciscano, beneditinos e

carmelitas; também chamou atenção para o hiato que se abriu nas iniciativas educacionais a

partir da expulsão dos jesuítas, em 1759, não deixando de indicar uma retomada lenta a

partir da inauguração de “escolas menores”, de caráter público, elementar e leigo,

totalizando, em 1777, apenas 42 estabelecimentos, além da instituição de “aulas régias”, de

grau médio, e escolas de disciplinas isoladas, de gramática latina, grego e retórica, mantendo-

se, portanto, um “currículo” de caráter humanístico. Destacou, ainda, o sentido renovador

atribuído ao Seminário de Olinda, fundado em 1800, posteriormente transferido para Recife,

representando, entre nós, uma primeira repercussão tanto da reforma universitária coimbrã,

de 1772, quanto dos ideais liberais iluministas (BITTENCOURT, 1953, p. 41-42).

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Nos oitocentos, o autor situou as transformações trazidas pela transferência da Corte

para o Rio de Janeiro, em 1808. Tal como Pires de Almeida, Bittencourt destacou o legado de

D. João VI no campo da cultura e da educação, recorrendo também à legislação como fonte

para a compreensão dos empreendimentos educacionais nos períodos analisados. Ao analisar

os feitos educacionais daquele período, pontuou a preocupação com a formação dos

professores, e, nesse sentido, destacou a criação de algumas escolas normais, a começar pela

de Niterói, em 1830, no Rio de Janeiro, pioneira no Brasil e na América4. É esclarecedora a

análise que fez sobre o legado do Ato Adicional no campo da política educacional no Brasil,

recorrendo ao texto da Lei para indicar que a divisão de competências entre as províncias e

governo central, no que tange aos níveis de ensino, deve-se mais a uma certa interpretação

que se fez daquela Lei do que uma determinação claramente fixada pelo texto legislativo

(BITTENCOURT, 1953, p 45-46).

Em seu artigo, o autor alcança o tempo em que escreve, reconhecendo algumas

iniciativas “úteis” e “fecundas” na área educacional realizadas pelo governo centralizador de

Vargas. Dentre elas, destacou, a criação da Faculdade Nacional de Filosofia e a Escola

Nacional de Educação Física e Desportos, instituída e organizada como parte da

Universidade do Brasil (1939) – instituições as quais esteve vinculado. Salientou, ainda, a

criação do INEP, considerando-o, por sua vocação institucional de pensar os problemas da

educação brasileira, como uma continuidade – “renascimento” – do Pedagogium, agora, com

estrutura e recursos ampliados. A Reforma Capanema, em 1942, também mereceu destaque,

bem como a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), resultado da

colaboração da indústria privada com o poder público (BITTENCOURT, 1953, p. 65-67).

Sobre a periodização adotada na história da educação é oportuno citar A educação

brasileira e a sua periodização, de Laerte Ramos de Carvalho, escrito para o Encontro

Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário Internacional de Estudos Brasileiros,

realizados entre os dias 13 e 25 de setembro de 1971, na Universidade de São Paulo. O texto

circulou em cópias mimeografadas até ser publicado, no ano seguinte, nos Anais do evento5.

Bruno Bontempi Jr. (2003) analisou o contexto de produção do referido estudo situando-o

entre os mais importantes na historiografia da educação brasileira, principalmente em

função da proposta, “inovadora”, de uma periodização para a história da educação brasileira

a partir de novos marcos que não guardam, obrigatoriamente, identidade com os eventos

4 A Escola Normal de Niterói foi a primeira instituição pública do gênero no continente, porque as escolas normais estadunidenses, anteriores a 1839, eram privadas (BITTENCOURT, 1953, p. 44).

5 O estudo foi republicado na Revista Brasileira de História da Educação, em 2001, como forma de divulgar um dos textos fundamentais para a compreensão da história da historiografia da educação brasileira.

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político-administrativos ao longo da nossa história. Segundo o pesquisador, o texto sintetiza

a experiência de um grupo de pesquisadores articulados em torno de Ramos de Carvalho, à

época, diretor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (1969-1972), onde

ocupara, anteriormente, a Cadeira de História e Filosofia da Educação, da Faculdade de

Filosofia, Ciências e Letras (1955-1968). O grupo lançou-se à tarefa pioneira de revisar a

historiografia da educação brasileira, num trabalho coletivo, de fôlego, que se ancorou na

busca por sistematizar, além das fontes primárias e das obras raras para esse campo de

pesquisa, toda a história da educação no país, organizando-a em recortes temáticos e

temporais “bastante distintos” daqueles que vinham pautando essa historiografia.

Uma década antes da criação dos primeiros programas de pós-graduação em

educação, o grupo de Ramos de Carvalho – constituído em 1962 quando ele ainda era regente

da Cátedra de História e Filosofia da Educação (FFCL/USP) – se distanciava do modelo

descritivo de arrolamento de fontes oficiais, geralmente legislativas, característico à escrita

da história da educação brasileira nos moldes cunhados pelo IHGB. A tarefa do grupo de

pesquisadores liderados por Ramos de Carvalho era árdua, pois tratava-se de iniciar todo um

levantamento dos estudos e fontes em bibliotecas e acervos, contando com os precários

recursos da época. Desse esforço resultou o primeiro catálogo de fontes de história da

educação brasileira, servindo de orientação à localização da documentação e das obras raras

nesse campo de pesquisa. Exemplificando a preocupação de Ramos de Carvalho com a

criação de condições favoráveis à ampliação das pesquisas nesse campo, Tanuri (1998, p.

144) ressalta sua insistência, junto aos pesquisadores, para que houvesse o cuidado de fazer

constar nas referências o local onde as fontes pudessem ser localizadas, favorecendo, assim, o

fácil acesso aos documentos.

A ambição de ultrapassar o caráter descritivo na busca da compreensão histórica

estava, como indica Bontempi Jr. (2003, p. 55-56), expressa na divergência de Ramos de

Carvalho às características da obra de Primitivo Moacyr, considerada por ele um “repositório

de documentos”. Duas obras destacavam-se como balizadoras na tentativa de estabelecer

uma periodização mais apropriada à história da educação brasileira, são elas: A Cultura

Brasileira, de Fernando de Azevedo, e Primórdios da educação no Brasil, de Luiz Alves de

Mattos. Não obstante a semelhança com os marcos apresentados nas referidas obras, a

periodização proposta por Ramos de Carvalho obedece a critérios próprios, pautados em

aspectos da história educacional, refletindo os estudos dos pesquisadores do grupo. São três

os marcos principais para a periodização da história da educação brasileira, conforme

constam em A educação brasileira e sua periodização: de 1549 a 1759, abarcando a

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experiência jesuítica, desde a instalação dos primeiros estabelecimentos até a expulsão da

ordem; de 1759 a 1889, portanto sem referência à independência por considerar reduzidos

seus impactos no campo educacional, findando com o advento da República; de 1889 à 1930,

período cujas características principais englobam o laicismo, a descentralização educacional,

as conquistas no sentido de um ensino livre e os esforços na organização de um sistema

escolar nacional. Há, ainda, um quarto período, somente esboçado, tendo início com a

promulgação da Lei de Diretrizes e Bases de 1961.

Chamando atenção para uma certa influência da historiografia produzida pelo grupo

de Ramos de Carvalho sobre os pesquisadores da época, Tanuri (1998) defende que a partir

da divulgação dos resultados inicia-se a construção de uma tradição de pesquisa no campo da

história da educação que vai desde a periodização, a partir de marcos próprios à educação, à

preocupação principal com a história das instituições e, também, das ideias na educação.

Ainda segundo a autora, os resultados alcançados pelo grupo constituem referências

obrigatórias no estudo da historiografia da educação brasileira, pelas obras “quase clássicas”

e pela influência perene em pesquisas posteriores, mesmo com a instalação dos programas de

pós-graduação em educação. No mesmo sentido, Bontempi Jr. (2003) reconhece no referido

texto-documento de Ramos de Carvalho, bem como no conjunto de pesquisas desenvolvidas

por seu grupo, um legado à história da educação brasileira, seja pela contribuição à

consolidação desse campo de pesquisa, seja pelo fornecimento de um “modelo de análise”

que ainda ressoa em pesquisas na área, tais como a dicotomia centralização-descentralização,

a pesquisa sobre as reformas educacionais e a análise sobre as ações educativas do Estado. A

preferência por marcos propriamente educacionais privilegia a pesquisa sobre instituições e

sistemas de ensino, bem como sobre os acontecimentos que produziram impacto nestes.

Destacamos, a seguir, dois textos de Jorge Nagle que consideramos ainda de grande

inspiração, como chaves de leitura, para a pesquisa da história da educação brasileira.

Sob o título Introdução da Escola Nova no Brasil (Antecedentes), elaborado, em

1964, como parte e subsídio de um projeto mais amplo sobre “Educação e Sociedade

Brasileira (1920-1930)”, o artigo de Nagle nos oferece uma introdução ao ideário

escolanovista no Brasil a partir de um levantamento dos dados e acontecimentos, visando

esquematizar os principais antecedentes da institucionalização dessa corrente de ideias

educacionais, cumprindo, ainda, a função de ampliar as discussões a respeito dessa corrente

de ideias pedagógicas em nossa historiografia educacional.

Também de Nagle, destacamos outro texto de grande valor na formação de muitos

historiadores da educação: A educação na Primeira República (1978). Trata-se do capítulo

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sétimo, do tomo terceiro, da célebre obra História Geral da Civilização Brasileira. Nele,

Nagle adverte para a cautela no recurso aos marcos cronológicos da história política quando

nos ocupamos da história da educação brasileira. Neste estudo, Nagle analisou o período

compreendido pela Primeira República, mas identificando momentos significativos para o

estudo da história do processo difusão da escola, distinguindo continuidades de discursos e

práticas, diferentes grupos e propostas, interferências de novas ideias no debate sobre a

educação, sempre pautando a educação em relação às questões mais amplas que mobilizavam

a sociedade. Sugeriu, assim, uma periodização própria, identificada pelas expressões “fervor

pedagógico”, “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”.

Com espírito de síntese, mas sem negligenciar aspectos importantes, Nagle

apresentou um panorama das aspirações e realizações da Primeira República no campo da

educação pública, demonstrando que, tanto em termos quantitativos quanto qualitativos,

essas aspirações e propostas não alcançaram o êxito esperado, pendendo-se a força inicial –

herdada dos anos finais do Império – e frustrando-se no quadro de dificuldades diversas, de

caráter social e político, existentes no novo regime. Os fóruns que se constituíram para a

análise das questões educacionais, como os congressos, conferências e inquéritos, não

conseguiram, salvo algumas exceções, superar as exposições genéricas e pouco sistemáticas

sobre os desafios da educação apresentados pela sociedade da época. Nagle ressaltou o

caráter, diríamos, isolacionista das discussões do período, indicando, por conseguinte, a

necessidade de se perspectivar a educação em relação aos problemas que desafiam a

sociedade em cada época; destacava, ainda, a importância que adquiriu o apelo nacionalista,

em suas diversas manifestações políticas, imbricado nos discursos que se centravam na

urgência do progresso nos quadros da economia capitalista (NAGLE, 1978, p. 290-291).

Uma importante contribuição de Nagle nesse campo de pesquisa foi a crítica que fez

quanto aos limites e inconveniências do uso de uma cronologia baseada em marcos da

história política. Vale lembrar, Jorge Nagle fez parte do grupo de pesquisadores articulados

em torno de Ramos de Carvalho. Embora fizesse referência aos marcos político-

administrativos, sugeria divisões próprias, mais adequadas ao tratamento da história da

educação brasileira, indicando, ao superar a rigidez dos marcos convencionais, continuidades

históricas e inflexões nos debates e realizações no processo de escolarização. O autor também

alertou para os limites do federalismo republicano, impondo dificuldades à organização de

um sistema nacional de educação, mantendo-se o caráter descentralizado das políticas

educacionais desde o Ato Adicional, em 1834 (NAGLE, 1978, p. 261).

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Mais à frente, na década de 1980, Marta Maria Chagas de Carvalho, filha de Laerte

Ramos de Carvalho, põem em discussão as categorias de análise cunhadas por Jorge Nagle ao

defender sua tese de doutoramento, publicada, em 1998, sob o título Molde Nacional e

Fôrma Cívica: higiene, moral e trabalho no projeto da Associação Brasileira de Educação

(1924-1931). No capítulo terceiro, O entusiasmo pela educação na cidade invadida pela

fábrica, a pesquisadora examinou as acepções de educação em circulação no movimento

educacional, principalmente no Rio de Janeiro, vislumbrando a amplitude das questões

imbricadas no projeto da ABE, partindo da análise do discurso dos integrantes da associação

para resgatar três temas que funcionavam como eixos pelos quais se ampliavam as acepções

de educação: “saúde”, sobretudo na vertente higienista, “moral” e “organização racional do

trabalho” (CARVALHO, 1998, p. 9).

A autora empreendeu uma análise da inserção social dos membros da ABE, sobretudo

os mais destacados, atentando para a produção dos discursos que orientavam as ações dessa

entidade, seja na realização de cerimônias, teatralizando os benefícios de uma formação

amparada nos princípios da higiene, da moral e do trabalho, seja na difusão de suas ideias

por meio de diversas publicações. Nesse percurso, divergiu de Jorge Nagle na interpretação

da ação social da ABE, chamando atenção para a importância de se distinguir no discurso da

entidade um projeto político-cultural mais amplo (e ambicioso) – ao invés de uma proposta

mais restrita à instrução formal – no qual se articula, através da educação, uma proposta

autoritária e excludente centrada no disciplinamento do brasileiro, segundo os princípios da

higiene, do civismo e do trabalho; nesse aspecto residiria a ação demiúrgica das elites

congregadas na ABE, bem como em outras agremiações e movimentos à época. A educação

pensada no âmbito da ABE cumpriria a função formativa de erigir o novo brasileiro – com

propostas diferentes para os pobres e para os abastados.

História das Instituições Educacionais: das Análises Gerais à Compreensão das Experiências Singulares

A seleção de artigos sobre recentes pesquisas acerca de instituições educacionais

cumpre aqui a função de exemplificar essa modalidade de investigação no campo da história

da educação, de modo a evidenciar o potencial desses estudos para a compreensão dos

processos de escolarização em nosso país.

É preciso, antes, situar essa perspectiva na história da escrita dessa historiografia,

bem como destacar suas relações com a ampliação temática e teórico-metodológica ensejada

pelos novos referenciais analíticos reunidos sob o signo da nouvelle histoire, expressão, de

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certo, muito genérica, caracterizada principalmente pela emergência de novos problemas,

abordagens e objetos no campo dos estudos históricos, como sugerem os historiadores

Jacques Le Goff e Pierre Nora (1979).

Conforme Décio Gatti Jr. (2002, p. 12), a história da educação no Brasil só foi se

desenvolver claramente nos anos 80, quando passou a se inclinar mais para a História, sob os

influxos dos novos referenciais teórico-metodológicos, do que para a Educação/Pedagogia,

forjando-se um campo interdisciplinar de intercambio entre a “História” e a “História

Educacional”. Nesse sentido, situa a criação do grupo de trabalho em “História da Educação”

pela Associação Nacional de História, em 1997.

As linhas de pesquisa em história das instituições educacionais vêm se estruturando

no âmbito da História e da História da Educação, oferecendo, além da sistematização de

fontes e repertórios de pesquisa, princípios teóricos e metodológicos específicos, subsidiando

estudos históricos aprofundados dos espaços sociais destinados aos processos de ensino e

aprendizagem, estudando elementos que conferem identidade às instituições educacionais e

oportunizando análises singulares sobre processos sócio-históricos que, muitas vezes,

conhecemos apenas em linhas gerais. A estruturação dessas linhas de pesquisa propicia um

trabalho coletivo de estudo das diversas instituições educacionais espalhadas por todo o país,

oferecendo, ainda, a oportunidade de análises comparativas, bem como a possibilidade de se

vislumbrar um panorama mais geral dessas instituições em determinados períodos da

história, contribuindo, dessa forma, vigorosamente para uma compreensão mais crítica da

história da educação brasileira.

A emergência de uma historiografia centrada no espaço local, conferindo-lhe

especificidade histórica ao invés de ofuscá-lo em grandes sínteses explicativas, favoreceu a

construção de novos objetos no campo da história da educação, como é o caso das

instituições educacionais e dos municípios pedagógicos, este último mais comum entre os

pesquisadores portugueses. Segundo Gonçalves Neto e Magalhães (2009, p. 2), em Portugal e

no Brasil, tanto os municípios pedagógicos quanto as instituições educacionais são

estruturantes da história local e instâncias fundamentais na mediação entre a história local e

a história nacional. Os autores destacam a importância da esfera local como uma construção

histórica forjada por fatores endógenos, ligados a questões identitárias, e forças exógenas, de

dominação e assimilação externa.

O artigo de Marcus Vinícius Fonseca, Perfil dos domicílios e grupos familiares com

crianças nas escolas de Minas Gerais do século XIX (2010), também publicado na revista da

Sociedade Brasileira de História da Educação, analisou o perfil dos domicílios e grupos

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familiares com crianças nas escolas, na província de Minas Gerais, durante os oitocentos, com

destaque para o comportamento de segmentos mais específicos da população, como os

formados pelos negros livres e pelas mulheres que assumiam a chefia de seus domicílios. Esse

estudo foi construído a partir da aproximação entre a história da educação e os estudos

demográficos sobre Minas Gerais, principalmente os que tratam das questões relativas às

famílias. O material utilizado como fonte principal para a pesquisa foi um conjunto de listas

nominativas de habitantes que constitui um acervo censitário, proveniente de algumas

tentativas de contagem da população mineira, nos anos de 1830. As listas nominativas

registraram o nome de cada um dos indivíduos do fogo\domicílio, a “qualidade” (branco, preto,

pardo, crioulo, africano, índio), a “condição” (livres ou escravos), a “idade”, o “estado civil” e,

por último, a “ocupação”, ou seja, a atividade exercida por cada indivíduo.

Como observou o autor, até a década de 1980, a historiografia tradicional apresentava

a crise da economia aurífera como deflagradora do declínio econômico da capitania de Minas

Gerais, embora esta continuasse a manter o maior plantel de escravos do país, situação essa

interpretada como contraditória. Esse paradoxo instigou pesquisadores a laçarem-se em

pesquisas empíricas que revelaram que a crise resultou de uma transformação da economia

mineira, que “evoluiu” para uma configuração mais diversificada. A singularidade do

processo de desenvolvimento da sociedade mineira, fez com que aumentasse o número de

pesquisas que passaram a considerar uma abordagem interdisciplinar que recorria a

procedimentos de áreas como economia, demografia, educação e antropologia.

Como demonstrou, a importância da trajetória percorrida por Minas Gerais é

reafirmada pelo predomínio dos negros nas escolas de instrução elementar, durante o século

dezenove, pois representavam o grupo racial que dominava a estrutura demográfica de Minas

Gerais – inclusive na população livre – e isso se refletia nas escolas de primeiras letras. Esse

aspecto da sociedade mineira é um elemento importante para ampliar a reflexão em torno da

relação entre a escravidão e os processos que envolviam a escolarização (FONSECA, 2010, p.

15-16). Ao apontar uma relação de correspondência entre o perfil populacional da sociedade

mineira e os segmentos sociais que estavam na escola elementar, Fonseca indicou uma

estratégia, no caso das mulheres e da população negra (ambos, segmentos discriminados),

para afirmar-se socialmente, uma vez que poderiam ter percebido a importância da

escolarização na sociedade mineira oitocentista.

Destacamos, ainda, a revisão crítica de Kuhlmann Jr. (2013) sobre o Pedagogium,

instituição educacional criada nos primeiros anos da República, na capital federal,

interpretada pela historiografia da educação como um órgão difusor das modernidades no

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campo educacional, segundo a avaliação de alguns pesquisadores, espaço de “produção do

discurso oficial” e agente coordenador das atividades pedagógicas e culturais, a projetar um

modelo para as demais instituições de instrução daquele período. Segundo o autor, essa

instituição educacional foi criada a partir do Decreto nº 667, de 16/08/1890, assinado pelo

próprio Marechal Deodoro da Fonseca, à época, chefe do Governo Provisório, e pelo Ministro

e Secretário de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, General

Benjamin Constant Botelho de Magalhães.

Quanto ao nome que recebeu, embora a documentação analisada não explicite os

motivos da escolha, Kuhlmann Jr. (2013, p. 34-36) nos indica algumas possibilidades: o

termo em latim indicaria a intenção de conferir à instituição um tom solene, convergente à

ideia de “templo”; o latim também poderia ser associado à ciência, na tentativa de situar o

empreendimento no âmbito dessa modernidade. Em ambos os casos, parece que o nome em

latim visava conferir à instituição certa distinção e imponência. Na história romana há

referências a um certo Pedagogium, remontando à antiguidade clássica, bem como a uma

outra instituição de mesmo nome, no século dezoito, inaugurada por Francke, um

reformador educacional pietista, em domínios germânicos. Contudo, o historiador salienta

que nada consta na documentação e bibliografia consultadas que relacionem o Pedagogium

brasileiro a essas duas experiências distantes no tempo. A referência quanto ao nome parece

ter sido, como sugerem as fontes, a escola de mesma denominação existente em Viena,

embora a aproximação entre as duas não vá muito além do nome, uma vez que a instituição

austríaca estava mais restrita à condição de escola normal.

Neste estudo o autor baseou-se principalmente na legislação republicana referente ao

Pedagogium e na Revista Pedagógica, editada pela instituição, cotejando esse material com

as interpretações mais recorrentes sobre a importância desse empreendimento em nossa

história educacional. Como avalia o autor, muitos intelectuais superestimaram o papel e o

significado histórico dessa instituição, obscurecendo, dessa forma, os limites dessa

instituição no contexto da instrução pública do novo regime. Como observa, o Pedagogium

foi monumentalizado desde a sua criação, num contexto sociocultural, no final do dezenove e

início do vinte, marcado pela difusão internacional dos padrões legitimadores do Estado-

Nação moderno, com destaque para as exposições internacionais e os congressos e

associações científico-culturais, amplamente noticiados na Revista Pedagógica.

Segundo o autor, a análise das fontes, principalmente do regulamento da instituição,

não permite atribuir ao Pedagogium uma função coordenadora das atividades pedagógicas e

culturais em nível nacional, distanciando-se muito daquilo que poderia ser considerado um

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“lugar de produção do discurso oficial”, como parte de um projeto republicano de

transformação da sociedade brasileira pela educação, limitando-se, apenas, a uma certa

“influência moralizadora” – talvez, tão vaga quanto efêmera foi a sua existência.

Como sugerimos no início, a influência de algumas obras precursoras sobre a

historiografia educacional iniciada nas academias, servindo de fonte, pelos dados coligidos, e

gerando modelos de interpretação da história educacional, poderia explicar a centralidade

atribuída ao Pedagogium por diversos autores, independentemente das fontes oficiais não o

caracterizarem como tal. Nessa linha de raciocínio, Kuhlmann Jr. (2013) aponta como o texto

de José Veríssimo, n’O livro do Centenário, em 1900, parece ter fornecido a interpretação

que se perpetuou na historiografia educacional, repetida em outras importantes obras como

A Cultura Brasileira (1943), de Fernando de Azevedo, e textos de Raul Bittencourt (1953) e

Jorge Nagle (1964), já citados neste trabalho. O excerto abaixo traz as considerações de José

Veríssimo sobre o Pedagogium, provavelmente a fonte dos autores anteriormente citados,

como observa Kuhlmann Jr.

Das creações ou reformas de Benjamin Constant, a mais considerável, a mais importante para o novo regimen de completa descentralização foi o Pedagogium, no pensamento que o creou destinado a servir de centro impulsor das reformas e melhoramentos de que carecia a instrucção nacional, e de centralizador de quanto pelo Brasil se fizesse em matéria de ensino publico. Qual era fundado, e vindo a desenvolver-se, esse instituto teria a mesma funcção do Bureau of education dos Estados Unidos, e poderia ser, como este efficazmente tem sido, o agente da unidade na variedade da instrucção publica nacional, e assim um poderoso factor da mesma unidade nacional, Esta instituição não foi, entretanto, póde-se dizer sem exagero, comprehendida (VERÍSSIMO DE MATOS, 1900, p. 25).

As aspirações de José Veríssimo, como as de muitos intelectuais de sua época, quanto

à necessidade de um órgão centralizado para atuar na educação nacional teriam que aguardar

até a década de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pública durante o

governo provisório de Getúlio Vargas.

Considerações Finais

Os estudos destacados, mesmo os mais recuados no tempo, mostram-se fecundos em

informações sobre as iniciativas e reveses na área educacional, bem como sobre a produção

histórica dessa historiografia da educação brasileira. Fornecem um panorama das

interpretações sobre os caminhos da educação brasileira, situando ideias e movimentos,

polêmicas e consensos, rupturas e continuidades. Não obstante sejam produções datadas,

portanto defasadas em vários aspectos, constituem ainda importante roteiro a todos os

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interessados em uma compreensão mais acurada sobre a história educacional, bem como

sobre a historiografia a ela dedicada.

Mais recentemente, as pesquisas sobre instituições educacionais, vincadas pela

ampliação teórico-metodológica que se operou na escrita da história, evidenciaram a

importância dos estudos empíricos sobre experiências específicas, revelando novos cenários e

atores sociais, expondo, assim, alguns limites de interpretações mais gerais quando

contrapostas a pesquisas com recortes mais específicos no tempo e espaço, problematizando,

assim, ideias cristalizadas pela narrativa tradicional. Nessa linha de investigação,

descortinam-se novos cenários, experiências educacionais em circunstâncias sociais e

institucionais específicas, sem negligenciar, evidentemente, as relações entre o contexto mais

imediato – da esfera local e das instituições educacionais – e as polêmicas, consensos e

desafios colocados à sociedade e ao Estado em cada período.

Ao propormos uma leitura analítica acerca da historiografia educacional brasileira,

certamente muito mais complexa do que seria possível contemplar nos limites deste estudo,

situamos – num roteiro de estudo, dentre outros possíveis – algumas obras de referência

nesse campo historiográfico, qualificadas aqui como “precursoras”, anteriores às pesquisas

que se desenvolveriam já em âmbito acadêmico. Dentre essas últimas, destacamos algumas

em função de sua relevância como sínteses interpretativas, exercendo alguma influência

sobre a escrita da história educacional nas pesquisas que as sucederam; mais recentemente,

nos quadros institucionais dos programas de pós-graduação, destacamos as investigações

dedicadas ao estudo das instituições educacionais, representando não uma ruptura, mas uma

diversificação teórica e metodológica que sinaliza a vitalidade e dinamismo desse campo

investigativo como construção histórico-social.

Referências

BASTOS, M. H. C. O ensino monitorial/mútuo no Brasil In: STEPHANOU, M.; BASTOS, M. H. C. Histórias e memórias da educação no Brasil. Vol. II: século XIX. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p.34-51. BITTENCOURT, R. J. A educação brasileira no Império e na República. Rev. Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 19, n. 49, jan/mar, p. 41-76. 1953. BONTEMPI JR., B. A educação brasileira e a sua periodização: vestígio de uma identidade disciplinar. Rev. Brasileira de História da Educação, SBHE, jan/jun, n. 5, p.43-68. 2003.

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ISSN 2236-1855 7311

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