Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

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Departamento de Engenharia Naval e Oceânica Escola Politécnica da Universidade de São Paulo HIDRODINÂMICA I Alexandre Nicolaos Simos Texto de apoio à disciplina PNV5200 VERSÃO PRELIMINAR 2006

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Departamento de Engenharia Naval e Oceânica

Escola Politécnica da Universidade de São Paulo

HIDRODINÂMICA I

Alexandre Nicolaos Simos

Texto de apoio à disciplina PNV5200

VERSÃO PRELIMINAR

2006

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Hidrodinâmica I

Índice

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 1

2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS ............................................... 19 2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica ... 20 2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Potencial ........................................................ 29

2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades ........................................................................ 30 2.2.2. O Problema de Contorno .......................................................................................................... 33 2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno ................................................... 36 2.2.4. Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................................. 40 2.2.5. Massa Adicional ....................................................................................................................... 49

3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE ................................................... 53 3.1. Nota Histórica ................................................................................................................ 54 3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas .............................................. 58 3.3. Energia............................................................................................................................ 69 3.4. Efeitos de Profundidade Variável................................................................................. 72 3.5. Superposição de Ondas Planas ..................................................................................... 77 3.6. Ondas Irregulares .......................................................................................................... 83

3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar................................................................................................ 87 3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar .................................................................................... 93 3.6.3. Espectros de Energia Padrão .................................................................................................. 101 3.6.4. Espalhamento Direcional........................................................................................................ 106 3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar..................................................................... 107

4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS....................................... 116 4.1. Hipóteses Simplificadoras ........................................................................................... 116 4.2. Definições e Hidrostática............................................................................................. 121 4.3. Forças Hidrodinâmicas ............................................................................................... 127

4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação .................................................................... 132 4.3.2. Forças de Excitação em Ondas ............................................................................................... 135

4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas .................................................................. 139 4.3.2.2 A Fórmula de Morison.................................................................................................. 142

4.4. Resposta em Ondas Regulares.................................................................................... 144 4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso............................................................................... 150

4.5. Resposta em Ondas Irregulares.................................................................................. 152 4.5.1. A Abordagem no Domínio do Tempo .................................................................................... 155

4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais................................................................. 158 5. UMA INTRODUÇÃO AOS EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE SEGUNDA-ORDEM ............................................................................................................................. 161

REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS ............................................................................. 162

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Hidrodinâmica I 1

1. INTRODUÇÃO

“...there was far more imagination in the head of

Archimedes than in that of Homer.”

Voltaire

O curso: Objetivos, conteúdo, abordagem e aspectos gerais

A mecânica dos fluidos é uma das ciências fundamentais para diversas

áreas da engenharia, como a engenharia mecânica, hidráulica, aeronáutica, naval

e oceânica. Obviamente, cada uma das diferentes áreas de aplicação tecnológica

requer conhecimentos específicos e, assim, por exemplo, efeitos de

compressibilidade no escoamento se mostram de fundamental importância para a

engenharia aeronáutica, enquanto efeitos de superfície-livre estão freqüentemente

presentes nos estudos de engenharia naval e oceânica.

O desafio do engenheiro naval consiste em projetar sistemas que

naveguem ou permaneçam estacionários na superfície da água ou imersos de

forma eficiente. A medida de tal eficiência depende do tipo de sistema em

questão, mas, de uma maneira geral, objetivos como a redução da potência

necessária para navegação, um bom comportamento em ondas, estabilidade

direcional e manobrabilidade são constantemente perseguidos. Para que estes

objetivos possam ser alcançados, é fundamental o conhecimento das forças

externas que atuarão sobre o sistema, permitindo uma correta avaliação de sua

dinâmica sobre a ação destas forças. Além das forças aerodinâmicas decorrentes

da ação do vento, os sistemas navais e oceânicos estão constantemente

submetidos à ação de correntezas e ondas de superfície. Conseqüentemente, a

hidrodinâmica assume papel crucial na formação do engenheiro naval, permitindo

que o mesmo modele a ação destes agentes ambientais e, dessa forma, possa

prever suas conseqüências sobre o sistema a ser projetado.

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Hidrodinâmica I 2

As aplicações da hidrodinâmica na área de engenharia naval e oceânica

são vastas. Em geral, o estudo do desempenho hidrodinâmico de uma

embarcação pode ser desmembrado em três áreas principais: resistência e

propulsão, manobrabilidade e comportamento no mar (seakeeping). Este último

tópico de estudo é, justamente, o alvo principal deste curso.

A disciplina PNV 5200 (Hidrodinâmica I) foi elaborada como uma disciplina

básica em hidrodinâmica, sugerida como um estágio inicial àqueles que

pretendem uma especialização nesta área. Seu enfoque recai sobre aspectos de

comportamento no mar de navios e sistemas oceânicos, dando maior ênfase a

estes últimos (sistemas estacionários), os quais englobam, por exemplo,

plataformas flutuantes de prospecção de petróleo no mar. Ao contrário dos

estudos de resistência, propulsão ou manobrabilidade, para os quais os efeitos de

viscosidade e vorticidade do escoamento são primordiais, os movimentos de

corpos flutuantes em ondas não são, grosso modo, afetados por tais efeitos de

forma tão significativa. Assim, boa parte da teoria apresentada neste texto é regida

pela hipótese de fluido ideal. As bases para o estudo de escoamentos potenciais

já foram estabelecidas nas disciplinas de mecânica dos fluidos e, para os

graduandos ou graduados em engenharia naval, na disciplina de mecânica dos

meios contínuos. Dessa forma, este texto apresenta apenas uma breve revisão

das equações constitutivas da mecânica dos fluidos e das hipóteses

simplificadoras que adotaremos para a modelagem matemática. Espera-se

também que o aluno tenha conceitos básicos de funções analíticas1 e

conhecimentos de dinâmica dos corpos rígidos, mecânica analítica e estatística,

bem como noções fundamentais de métodos numéricos normalmente empregados

para a solução de problemas de contorno (especialmente o Método de Elementos

de Contorno apresentado aos alunos do curso de engenharia naval nas disciplinas

de métodos computacionais).

Após uma breve revisão de mecânica dos fluidos, o curso passa a enfocar

a modelagem do ambiente marítimo, adentrando pela Teoria Linear de Ondas de

1 É procedimento usual tratar os potenciais de velocidade do escoamento como funções

complexas, tomando partido do caráter harmônico de suas variações no tempo.

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Hidrodinâmica I 3

Gravidade como base para a representação estatística das ondas de superfície do

mar. Neste contexto, são também discutidos aspectos básicos de geração de

ondas marítimas. Segue-se um estudo do comportamento dinâmico de estruturas

flutuantes em ondas e a discussão dos métodos computacionais usualmente

empregados para a solução do problema de escoamento potencial, suas

vantagens e limitações. O curso se encerra com uma introdução aos problemas

causados por efeitos hidrodinâmicos não-lineares e qual a metodologia básica

para o tratamento dos mesmos.

É importante mencionar, porém, que, muito embora boa parte do curso seja

realmente dedicada à apresentação e discussão dos fundamentos teóricos de

hidrodinâmica de superfície, os objetivos estarão sempre vinculados a problemas

reais enfrentados atualmente no projeto de sistemas oceânicos, especialmente no

contexto nacional. O caráter aplicado do curso se apresenta através da

abordagem de problemas atuais de engenharia naval e oceânica e da introdução

às técnicas hoje disponíveis para a avaliação e solução destes problemas.

Atualmente, no cenário mundial de exploração de petróleo e gás no mar,

um dos principais desafios tecnológicos que se impõem diz respeito à viabilização

de operações em águas profundas e ultra-profundas, acima de 2000 metros de

lâmina d’água. No contexto nacional, esse desafio adquire uma relevância

especial, uma vez que a maior parte das reservas comprovadas em território

nacional se encontram em águas profundas. O problema tem seus

desdobramentos nas mais diferentes áreas tecnológicas em engenharia oceânica,

e, particularmente, no estudo hidrodinâmico dos sistemas flutuantes. De fato, uma

das principais barreiras hoje enfrentadas neste estudo é a crescente dificuldade,

ou mesmo a impossibilidade, já na maioria dos casos, de se realizar ensaios

completos em tanques de provas com modelos em escala reduzida. Esse fato é

decorrência direta das limitações físicas destes tanques e do crescente aumento

das lâminas d’água operacionais, fato que será discutido mais profundamente

adiante. Em razão das dificuldades crescentes para a avaliação experimental do

comportamento no mar de sistemas oceânicos em águas profundas, os métodos

numéricos têm se tornado importantes ferramentas de auxílio em projeto. Cada

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Hidrodinâmica I 4

vez mais, uma abordagem combinada unindo técnicas experimentais e análises

numéricas vem se definindo como padrão para o projeto de novos sistemas

oceânicos de produção de petróleo e gás. Assim, ao longo deste curso, pretende-

se discutir problemas relevantes na área de engenharia oceânica e quais são as

técnicas, tanto experimentais quanto numéricas, hoje disponíveis para sua

solução, fornecendo o embasamento teórico necessário para a compreensão e o

desenvolvimento de tais técnicas.

No que se refere a este texto, ele deve ser entendido mais como um guia

para a orientação dos estudos, os quais devem ser complementados através de

referências bibliográficas específicas sugeridas ao longo do mesmo. O conjunto de

referências fundamentais que servirão de apoio para o curso é composto tanto por

textos já clássicos em hidrodinâmica marítima, que possibilitam um

aprofundamento nos conceitos básicos, como textos mais modernos que abordam

especificamente técnicas experimentais ou numéricas usualmente empregadas no

contexto da engenharia naval e oceânica. O aluno deve ter em mente que o

estudo destes textos complementares é fundamental para a solidificação dos

conceitos que serão discutidos no curso e para permitir um maior aprofundamento

nos diferentes tópicos de interesse, constituindo requisito básico para uma

especialização adequada àqueles que atuam ou pretendem atuar na área. Uma

descrição mais detalhada das principais referências bibliográficas sugeridas é

apresentada ao final deste primeiro capítulo.

Alguns Problemas Atuais de Interesse

A necessidade de exploração em águas profundas e ultra-profundas orienta

o desenvolvimento tecnológico no contexto atual da engenharia oceânica mundial

e, particularmente, no caso brasileiro. Esse desafio tem influenciado a área de

pesquisa e desenvolvimento em engenharia oceânica há anos, desenvolvimento

este que converge, por exemplo, para novas concepções de sistemas flutuantes

capazes de viabilizar técnica e economicamente a exploração de petróleo a tais

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Hidrodinâmica I 5

profundidades. No contexto nacional, a importância estratégica de se enfrentar

esse desafio é clara. A Petrobras estima, para 2006, uma produção de 1.9 milhões

de barris por dia, dos quais 70% serão provenientes de reservas em águas

profundas e ultra-profundas na Bacia de Campos. Recentemente, a Petrobras

anunciou a descoberta de um campo de óleos leves na Bacia de Santos, de

excelente qualidade, a profundidades médias de seis mil metros.

Como regra, os custos iniciais envolvidos na concretização de um novo

sistema de produção são razão direta da profundidade na qual o mesmo será

instalado. À parte as maiores dificuldades de perfuração dos poços, o montante de

linhas de amarração, cabos umbilicais e risers aumenta, assim como aumentam

as exigências estruturais sobre os mesmos e, conseqüentemente, seu custo por

metro. As maiores dificuldades de fundeio também contribuem para elevações dos

custos. Dessa forma, para garantir a viabilidade econômica da exploração, uma

maior capacidade de produção se faz necessária, com plantas de capacidade na

faixa de 300.000 bopd. Por fim, as maiores exigências de payload, em conjunto

com as maiores cargas de linhas e cabos, acabam por impor maiores dimensões

dos sistemas flutuantes.

Uma outra característica tem sido perseguida constantemente nos projetos

de sistemas recentes: uma excelente resposta à excitação de ondas, com baixos

movimentos verticais resultantes. Um bom comportamento no mar é decisivo para

viabilizar o emprego dos chamados risers rígidos. Estes, são compostos

basicamente de uma estrutura de aço com uma concepção estrutural bem mais

simples se comparada aos chamados risers flexíveis (ver Figura 1), e, por isso,

mesmo, seu custo/metro é muitas vezes inferior.

Uma vez que os custos dos subsistemas submersos (linhas e cabos)

respondem por boa parte do custo total inicial de um sistema de produção, os

risers rígidos rapidamente se tornaram objeto do desejo das indústrias de petróleo.

Não obstante a questão do custo, um outro aspecto torna a necessidade de

emprego de risers rígidos ainda mais premente. Os risers flexíveis já esbarram,

atualmente, em limitações de integridade estrutural para resistir às pressões

impostas a grandes profundidades.

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Hidrodinâmica I 6

Figura 1 – Representação esquemática da estrutura de um riser flexível (fonte:www.zentech.co.uk)

Por outro lado, os risers rígidos, embora tenham uma resistência estrutural

muito superior ao colapso, sofrem mais quando expostos a cargas dinâmicas,

principalmente aquelas impostas por movimentos verticais nos pontos de conexão

com os sistemas flutuantes. Não suportando a flambagem localizada, as cargas de

compressão dinâmica às quais estarão submetidos devem ser limitadas. Uma vez

que estas cargas variam diretamente com as amplitudes de movimento de

primeira-ordem do sistema flutuante, decorrem exigências mais restritivas quanto

ao comportamento no mar dos sistemas que desejem empregar risers rígidos.

Há, ainda, uma outra fonte de economia diretamente dependente de uma

boa resposta em ondas: a possibilidade de se adotar completação seca. Por

completação seca entende-se que todo o comando de válvulas do poço é feito no

próprio sistema flutuante e não nas cabeças dos poços (sistema de completação

molhada).

À medida que a produção avançava para profundidades maiores, diferentes

concepções de casco foram desenvolvidas. As plataformas semi-submersíveis,

tipo de casco que reinava praticamente absoluto entre os sistemas flutuantes de

produção nas décadas de 1970 e 1980, passaram a perder espaço para novas

concepções como as plataformas de pernas tracionadas (Tension Leg Platforms,

ou TLPs) e as plataformas SPAR.

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Hidrodinâmica I 7

Figura 2 – Representação de Plataforma TLP

Os cascos das plataformas TLP em

muito se assemelham aos das semi-

submersíveis, mas seus movimentos

verticais são minimizados pela ação de

tendões pré-tracionados fundeados

verticalmente no fundo do mar, os quais

também conferem a necessária

restauração no plano horizontal.

Plataformas TLP passaram a ser

empregadas especialmente no Golfo do

México e hoje operam instaladas em

profundidades superiores a 1000

metros.

Ao contrário das plataformas TLP, as

chamadas plataformas SPAR, procuram

reduzir seus movimentos verticais

minimizando as forças hidrodinâmicas

de ondas. Seus cascos cilíndricos de

grandes calados proporcionam baixa

excitação em primeira-ordem, tirando

proveito do decaimento exponencial do

campo de pressões linear induzindo

pelas ondas com a profundidade.

Figura 3 – Concepção de Plataforma SPAR

Obviamente, a redução de movimentos verticais almejada pelos novos

sistemas apresenta um custo em termos de projeto. As TLPs são concepções de

altíssimo custo inicial. As plataformas SPAR, por sua vez, sofrem com outros tipos

de excitação hidrodinâmica, como os movimentos induzidos por vórtices (vortex

induced motions, ou VIM) resultantes da ação de correntezas marítimas. Para

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Hidrodinâmica I 8

atenuar estes movimentos, supressores de vórtices (denominados strakes) devem

ser posicionados ao longo do casco da plataforma e representam um custo

considerável. Além disso, como efeitos hidrodinâmicos não-lineares devidos à

ação de ondas decaem mais lentamente com a profundidade, as plataformas

SPAR sofrem com movimentos angulares de baixa-freqüência (os chamados slow-

pitch e slow-roll)2.

No Brasil, condições ambientais menos severas do que aquelas que se

apresentam no Golfo do México ou no Mar do Norte, aliadas a uma conjuntura

econômica particular da Petrobras, levou à priorização de uma configuração

diferente de sistema de produção: os sistemas FPSO (Floating Production,

Storage and Offloading systems). Ao final da década de 1980, a Petrobras

contava com uma frota de navios petroleiros do tipo VLCC (Very Large Crude

Carriers) prestes a se tornar obsoleta por sua idade média e também em virtude

de novas leis internacionais de navegação que exigiam cascos-duplos para

petroleiros. A possibilidade de conversão destes navios em sistemas de produção

abria, então, uma alternativa econômica interessante para o emprego destes

navios e, tomando partido de condições ambientais relativamente brandas nas

costas brasileiras, vários sistemas FPSO passaram a ser instalados na Bacia de

Campos já no início da década de 1990.

Figura 4 – Sistema FPSO

Os sistemas FPSO apresentam

vantagens consideráveis em termos de

payload e capacidade de

armazenamento do óleo, mas seus

elevados movimentos em ondas

inviabilizam o emprego de risers rígidos

e de completação seca.

2 Uma discussão mais detalhada destes fenômenos será apresentada no Capítulo 6, que traz uma

introdução a problemas hidrodinâmicos não-lineares.

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Hidrodinâmica I 9

Em virtude destas condições particulares, os sistemas oceânicos flutuantes

que entraram em operação no Brasil nos últimos anos foram todos baseados em

sistemas FPSO e plataformas semi-submersíveis.

No entanto, como mencionado acima, o emprego de FPSOs traz consigo

problemas inerentes principalmente aos movimentos induzidos por ondas. Como

seus cascos não foram projetados para serem “transparentes” às ondas, estes

sistemas são normalmente sujeitos a movimentos verticais de grandes amplitudes,

se comparados aos outros tipos de sistemas flutuantes. As forças de correnteza

experimentadas por seus cascos também podem atingir valores elevados,

exigindo sistemas de amarração mais robustos. Inicialmente, procurando

minimizar os esforços ambientais combinados de ondas, ventos e correntezas, os

sistemas FPSO eram usualmente concebidos na chamada configuração Turret.

Este tipo de configuração consiste em um cilindro inserido na proa do navio e que

suporta todos os risers e linhas de amarração. Através de um sistema de

rolamentos, o casco pode, então, pivotar em torno do turret, o que permite que o

navio se alinhe com a resultante dos esforços ambientais. Mais recentemente,

porém, sistemas alternativos de amarração passaram a ser empregados, caso por

exemplo do sistema DICAS (Differential Compliance Anchoring System), o qual

consiste, basicamente, em dois conjuntos de amarras com rigezas diferentes à

proa e à popa do FPSO, o que confere uma certa flexibilidade ao sistema em

termos de aproamento. Qualquer que seja a configuração da amarração, contudo,

os sistemas FPSO sofrem intensas solicitações ambientais. Em situações

extremas de ondas os movimentos verticais são de tal ordem que inviabilizam o

emprego de risers rígidos, uma séria desvantagem deste tipo de sistema.

A operação de descarregamento (ou alívio) dos sistemas FPSO envolve o

acoplamento de um navio petroleiro (shuttle), normalmente à popa do navio-

cisterna, e o transbordo do óleo é realizado através de um mangote. Dependendo

do porte relativo dos dois navios, esta operação pode levar dias, período no qual

os navios estarão sujeitos a variações climáticas de ondas, correnteza e ventos.

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Hidrodinâmica I 10

O sistema composto pelos dois navios

acoplados (em tandem) pode apresentar

problema de instabilidade dinâmica,

conhecido por fishtailing. O risco

inerente à operação faz com que

normalmente sejam empregados

rebocadores ou, mais recentemente,

navios aliviadores dotados de sistema

de posicionamento dinâmico (SPD). Figura 5 – Operação de Alívio de Sistema

FPSO

De qualquer forma, a operação de alívio envolve um risco considerável e

tem sido objeto de diversos estudos numéricos e experimentais. Devido à

proximidade entre os dois corpos, os efeitos de interferência hidrodinâmica entre

os dois navios desempenham um papel importante nas forças de ondas e de

correnteza e, conseqüentemente, na dinâmica do sistema tandem. Apenas alguns

simuladores dinâmicos no mundo são capazes de considerar os efeitos de

interferência de origem potencial (nas forças de ondas) ao longo das simulações

de operações de alívio e poucos possuem um modelo teórico ou numérico

consolidado para o cálculo das interferências devido à esteira rotacional à jusante

do sistema FPSO. Este tópico é um dos objetos atuais de pesquisa na área.

Outro tema central para a engenharia oceânica atual continua sendo o

desenvolvimento de novas concepções de casco que combinem um bom

comportamento em ondas (viabilizando o emprego de risers rígidos) com outras

características que facilitem a viabilização econômica da exploração em águas

profundas como, por exemplo, a capacidade de armazenamento do óleo ou a

possibilidade de emprego de completação seca. Novas propostas de casco estão

sendo analisadas atualmente para o cenário nacional como possibilidades

promissoras.

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Hidrodinâmica I 11

Figura 6 – Plataforma MonoBR

Uma dessas concepções é a chamada

plataforma MonoColuna, consistindo

em um casco cilíndrico dotado de uma

abertura interna (moonpool) cuja

função é reduzir os movimentos de

ondas do casco. Um sistema deste

tipo foi projetado no PNV EPUSP em

parceria com a Petrobrás (projeto

MonoBR) e alia bom comportamento

em ondas, capacidade de

armazenamento de óleo além de

permitir completação seca.

O PNV participa também do desenvolvimento de uma nova concepção de

casco FPSO, denominado FPSOBR, que apresenta uma nova geometria e

dimensões maiores do que os FPSOs atuais, visando reduzir os movimentos de

primeira-ordem induzidos por ondas e viabilizar o emprego de risers rígidos.

Simultaneamente, novas plataformas semi-submersíveis encontram-se em

construção para operação na Bacia de Campos. Em geral, a configuração atual se

baseia em quatro colunas e quatro pontoons e os cascos apresentam dimensões

avantajadas (com deslocamentos superiores a 80.000 toneladas).

Como ponto em comum, estes novos sistemas se caracterizam por um

aumento de suas dimensões principais, se comparados aos sistemas mais

antigos. Isto serve a dois propósitos interessantes: em primeiro lugar, propicia um

aumento do payload e, portanto, da capacidade de produção, o que favorece a

viabilidade econômica para sistemas em águas ultra-profundas.

Concomitantemente, permite uma elevação dos períodos naturais de movimento

de heave, roll e pitch (valores acima de 30 segundos são típicos para estes

sistemas) e, assim, os afasta dos períodos de ondas de maior energia e garante,

por fim, menores movimentos de primeira-ordem.

Todavia, esses benefícios não se apresentam sem acarretar o

aparecimento de novos problemas. Ensaios em tanque de provas destas novas

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Hidrodinâmica I 12

concepções já apontam para o preocupante aparecimento de ressonâncias nos

movimentos verticais induzidas por efeitos hidrodinâmicos não-lineares, fato, até

então, não observado para plataformas semi-submersíveis ou sistemas FPSO3.

Este tipo de fenômeno pode trazer conseqüências graves, especialmente em

termos de fadiga dos risers rígidos e já constitui um novo e importante tema de

investigação.

Em resumo, através desta breve introdução, é possível perceber que os

desafios impostos pela exploração de petróleo e gás em águas profundas e ultra-

profundas são enormes. Vários tópicos de pesquisa na área de hidrodinâmica

estão ainda em aberto e requerem extensos estudos teóricos, numéricos e

experimentais. Cada vez mais, o engenheiro que pretende atuar nesta área

precisa aprofundar seus conhecimentos teóricos e técnicos na busca de soluções

adequadas para estes problemas. O objetivo deste curso é apresentar os

fundamentos de hidrodinâmica necessários para um estudo mais específico de

diversos problemas atuais na área de engenharia naval e oceânica. Ao longo de

todo o texto, procura-se relacionar os tópicos de estudo com as tarefas de

responsabilidade dos profissionais desta área, descrevendo os principais

problemas reais associados a estes tópicos e orientando estudos futuros.

Breve Discussão sobre o Estado da Arte

O desenvolvimento computacional presenciado nas últimas décadas

possibilitou um significativo avanço dos métodos numéricos para a engenharia em

geral e, hoje, o projetista conta com uma vasta gama de ferramentas numéricas já

bem consolidadas. Todavia, os alunos de engenharia naval e oceânica percebem,

desde o início do curso, que as técnicas experimentais são ainda hoje de

fundamental importância para a área, tanto em se tratando do projeto de navios

como para o projeto de sistemas oceânicos. Em se tratando de hidrodinâmica, o

3 Uma discussão mais aprofundada destes efeitos de 2a ordem é apresentada no Capítulo 6.

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Hidrodinâmica I 13

que se observa hoje é uma crescente interação entre métodos numéricos e

experimentais, o que tem proporcionado processos de projeto mais expeditos e

reduzido o número de ensaios necessários entre as fases de concepção e o

projeto final de um navio ou sistema oceânico.

O emprego de ferramentas numéricas de computational fluid dynamics

(CFD), destinadas à solução das equações constitutivas de escoamentos de

fluidos reais, já é comum no projeto de navios para auxiliar na predição de

resistência ao avanço e propulsão. Em função principalmente dos elevados

números de Reynolds que caracterizam o problema, a aplicação dessas técnicas

é, ainda hoje, limitada, e não permite excluir totalmente as avaliações

experimentais em tanque de provas. Contudo, análises de CFD são incorporadas

rotineiramente nas etapas preliminares de projeto para a avaliação de variações

geométricas nos cascos e nos apêndices, eliminando assim a necessidade de um

grande número de modelos em escala reduzida ou do emprego de métodos

estatísticos e suas inerentes imprecisões. Ainda no tocante à resistência ao

avanço, ferramentas computacionais baseadas no método de elementos de

contorno (boundary-elements method, BEM) são amplamente empregadas para o

estudo do corpo de proa e da influência do bulbo na geração de ondas. Com isso,

é possível perceber um declínio constante nas encomendas de testes realizadas

por estaleiros nos principais tanques de provas mundiais desde a década de 1980.

Este declínio é parcialmente compensado, por outro lado, por um aumento dos

ensaios financiados por instituições de fomento à pesquisa e destinados

principalmente à validação dos códigos numéricos.

Quando se trata do estudo de manobras, a aplicabilidade dos métodos de

CFD fica ainda mais comprometida. A grande influência de efeitos viscosos

devidos a variações na esteira rotacional e as alterações no campo de ondas

associadas às acelerações do corpo não podem ser reproduzidas numericamente

com a precisão necessária. Ainda hoje, portanto, a avaliação de manobras recai

sobre métodos semi-empíricos nos quais as forças hidrodinâmicas são calibradas

através de coeficientes experimentais obtidos em tanques de provas. Testes de

manobras com modelos em escala reduzida (empregando os chamados planar-

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Hidrodinâmica I 14

motion e yaw-rotating mechanisms) são realizados para a obtenção de

coeficientes de forças hidrodinâmicas que serão introduzidos nas equações do

movimento do navio e permitirão uma avaliação de seu comportamento por

intermédio de simuladores dinâmicos.

No que se refere ao comportamento no mar (seakeeping), os métodos

numéricos já assumem um papel crucial. Em virtude da menor influência de efeitos

de viscosidade no escoamento, o problema normalmente pode ser tratado sob a

ótica dos escoamentos potenciais, o que permite soluções numéricas com maior

grau de precisão. Para o projeto de navios, ensaios de comportamento no mar já

são realizados apenas para efeitos de validação do projeto final, com exceção de

alguns tipos particulares de embarcações (caso dos navios ro-ro), para os quais

as regulamentações da IMO (International Maritime Organization) ainda exigem

alguns estudos experimentais relativos à segurança no mar. No projeto de

sistemas oceânicos, devido às maiores restrições de movimentos induzidos por

ondas, os ensaios em tanque de provas ainda são parte inerente do processo de

projeto, especialmente em se tratando de novas concepções de cascos. Todavia,

o emprego de programas de BEM em etapas preliminares de projeto para a

predição das características de comportamento no mar já é uma constante.

A aplicação de métodos numéricos baseados em BEM para a predição do

comportamento no mar de embarcações com velocidade de avanço apresenta um

fator complicador representado, basicamente, pela superposição do campo de

ondas estacionário gerado pelo deslocamento da embarcação com os campos de

ondas irradiados e difratados pela mesma. Quando a velocidade de avanço não é

nula é necessário discretizar a superfície-livre do fluido e a existência de diversos

campos de ondas com comprimentos e direções de propagação diferentes

dificultam o ajuste da malha numérica e a solução do problema. Em aplicações

offshore, por outro lado, normalmente se trabalha com o problema de velocidade

de avanço nula. Nesse caso, a solução do problema é mais simples e, nas

análises lineares, normalmente é possível evitar a necessidade de discretização

da superfície-livre através do emprego de funções matemáticas (funções de

Green) que satisfazem automaticamente a condição de contorno linearizada na

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Hidrodinâmica I 15

superfície. Os métodos baseados em BEM (normalmente referenciados como

métodos do painéis ou panel methods) podem determinar as forças e os

movimentos induzidos por ondas tanto no domínio do tempo como no domínio da

freqüência.

Desde o início da década de 1980,

pacotes comerciais desenvolvidos no

MIT (programas como WAMIT, TIMIT e

HITIM) foram rapidamente aceitos pela

indústria e instituições de pesquisa e

hoje são amplamente empregados em

projetos da área offshore. Movimentos e

forças de primeira-ordem são calculados

através destes programas de forma

confiável e com excelente precisão.

Figura 7 – Malha numérica de plataforma S/S gerada para emprego de software baseado

em BEM

Todavia, muitos dos problemas de interesse na área naval e oceânica são

inerentemente não-lineares e, nestes casos, a análise numérica se torna muito

mais complexa e custosa em termos computacionais. Deve-se ter em mente que o

processo de linearização do problema de contorno que caracteriza as análises de

comportamento no mar admite, como premissas básicas, uma baixa declividade

de ondas e baixos movimentos do corpo flutuante. Assim, os movimentos de

navios ou plataformas em mares extremos certamente apresentam não-

linearidades, mas, usualmente, as mesmas podem ser negligenciadas em termos

práticos de projeto. As forças de deriva em embarcações são um fenômeno não-

linear que também pode ser tratado através de aproximações com base nos

resultados de análises lineares sem maiores conseqüências na maioria dos casos.

Alguns problemas mais específicos, entretanto, requerem necessariamente um

tratamento não-linear. Na área naval, um exemplo clássico é o problema de

resistência adicional em ondas (added resistance in waves), causada na maior

parte por perturbações causadas no fluido devido ao movimento do navio em

ondas. Em virtude destas perturbações, a resistência ao avanço do navio será

maior em ondas do que em águas calmas. Trata-se de um efeito de segunda-

Page 18: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 16

ordem proporcional ao quadrado das amplitudes de movimentos do navio.

Exemplos de problemas na área offshore que exigem um tratamento não-linear

incluem a predição de air-gap em plataformas semi-submersíveis, o problema de

wave runup em colunas de plataformas e cascos de navios (e conseqüentemente,

a predição de água no convés ou greenwater). Nestes casos, os efeitos não-

lineares são fundamentais para uma correta avaliação do problema em situações

extremas de ondas, uma vez que os mesmos são tanto maiores quanto maior for a

declividade das ondas (wave steepness). Pode-se mencionar ainda os efeitos de

springing (forças verticais de segunda-ordem em alta freqüência) e ringging

(forças causadas pelo impacto de ondas de alta declividade sobre o casco) que

excitam os tendões de plataformas TLPs. Problemas de excitação de movimentos

ressonantes por forças de segunda-ordem de baixa freqüência são usuais em

plataformas do tipo SPAR (slow-pitch e/ou slow-roll) e, atualmente, começaram a

ser observados também em plataformas semi-submersíveis e até mesmo em

sistemas FPSOs em razão do aumento de suas dimensões e períodos naturais de

oscilação.

Via de regra, para o tratamento dos problemas mencionados acima, uma

análise numérica racional ainda não é viável como parte da metodologia de

projeto, quer seja pela não consolidação ou validação dos métodos ou em função

dos elevados custos computacionais. Assim, em muito dependem, ainda hoje, de

análises experimentais e do emprego de modelos semi-empíricos ou abordagens

estatísticas. No que se refere ao comportamento no mar de navios ou plataformas

oceânicas, a modelagem analítica ou numérica destes problemas não-lineares

constitui, atualmente, um dos principais focos de pesquisa e desenvolvimento na

área hidrodinâmica.

A Bibliografia Básica do Curso

A bibliografia referenciada ao longo deste texto é extensa e compreende

desde livros indicados para um acompanhamento geral do curso até trabalhos que

Page 19: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 17

abordam problemas específicos com elevado grau de profundidade. Nesta seção,

pretende-se discutir os primeiros, através de uma revisão sucinta dos principais

textos que devem ser adotados pelos alunos como um complemento fundamental

aos estudos.

Faltinsen (1990) apresenta uma visão geral do estado da arte na área de

hidrodinâmica de navios e sistemas oceânicos e discute alguns dos principais

problemas enfrentados atualmente neste campo. O livro apresenta uma visão

geral dos modelos teóricos e das técnicas experimentais e numéricas usualmente

adotadas no tratamento destes problemas. Não há uma abordagem aprofundada

em cada tópico, mas o livro é bastante completo e apresenta uma excelente

coleção de referências para estudos suplementares, o que o torna uma boa opção

para uma primeira leitura.

Bertram (2000) trata exclusivamente da hidrodinâmica de navios. Por ser

um livro recente, é uma boa referência para um primeiro contato com os métodos

numéricos empregados atualmente para o estudo de resistência ao avanço,

propulsores, comportamento no mar e manobras.

Uma excelente apresentação da teoria linear de ondas de gravidade e da

modelagem teórica de comportamento no mar de sistemas oceânicos pode ser

encontrada em Newman (1977), texto já clássico em hidrodinâmica marítima. O

enfoque apresentado é eminentemente teórico e requer um conhecimento básico

prévio de mecânica dos fluidos e cálculo. É uma leitura fortemente recomendada

para o acompanhamento do curso.

Massel (1996) discute tópicos mais específicos da teoria de ondas do mar

com maior profundidade, como, por exemplo, aspectos da teoria de geração de

ondas e abordagem estatística das ondas do mar (espectros de energia). Uma

outra boa opção para um estudo mais profundo da teoria de ondas é o livro de Mei

(1989).

Price & Bishop (1974), outro livro já clássico em hidrodinâmica marítima, dá

um enfoque probabilístico à modelagem das ondas e do comportamento no mar.

Já Chakrabarti (1994) discute exclusivamente técnicas experimentais empregadas

para diversos fins no contexto de hidrodinâmica marítima e representa a principal

Page 20: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 18

fonte complementar para as discussões referentes a ensaios em tanques de

provas com modelos em escala reduzida.

Por fim, completando o rol de referências fundamentais, o livro editado por

Okhusu (1996) é uma fonte recomendada para um melhor entendimento do

estado da arte em hidrodinâmica marítima e os principais tópicos de pesquisa

atuais na área. Discute as técnicas atualmente empregadas para o tratamento de

diferentes problemas como, por exemplo, o emprego de CFD para o escoamento

no entorno de navios, a modelagem numérica do comportamento de navios em

ondas e hidrodinâmica de alta velocidade, propulsores e impacto hidrodinâmico.

Page 21: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 19

2. FUNDAMENTOS DE MECÂNICA DOS FLUIDOS

Todos os homens tendem por natureza a saber.

Aristóteles (Metafísica)

Um primeiro objetivo deste capítulo é rever alguns conceitos básicos de

mecânica dos fluidos que permitirão recordar as hipóteses fundamentais por trás

do estudo do escoamento de fluidos ideais. O entendimento destas hipóteses e

suas implicações é necessário para se divisar com exatidão as vantagens obtidas

em termos de complexidade matemática do problema e, principalmente, as

limitações desta abordagem. Assim, a seção 2.1 trará uma revisão das equações

de movimento que descrevem a dinâmica de um fluido. Uma vez que todos os

conceitos e a formulação apresentados já foram discutidos ao longo do curso de

graduação, não haverá a preocupação em se deter nos pormenores das deduções

matemáticas, devendo o aluno recorrer, para isto, aos textos básicos de mecânica

dos fluidos ou mecânica dos meios contínuos. Além disso, não se pretende

simplesmente reproduzir uma série de equações que já foram vistas e revistas ao

longo do curso de graduação, o que tornaria a leitura, no mínimo, desinteressante.

Tirando proveito do fato que os conceitos fundamentais por trás da formulação já

foram (ou deveriam ter sido) absorvidos pelo aluno, procura-se, então, rever os

conceitos fundamentais sob uma perspectiva histórica e, até certo ponto,

cronológica. Esta abordagem pode não ser a melhor do ponto de vista didático,

mas (espero eu), torna a recordação mais instingante.

Já a seção 2.2 tratará exclusivamente da teoria de escoamentos potenciais.

A intenção aqui será a de estender os conceitos apresentados na graduação

através de uma discussão de aspectos matemáticos fundamentais para uma maior

compreensão da abordagem empregada no equacionamento e das técnicas

existentes para a solução de diferentes problemas envolvendo escoamentos

Page 22: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 20

potenciais, dentre eles o problema de comportamento no mar, que será

apresentado mais adiante.

Por fim, deve-se mencionar que a notação seguida ao longo do texto segue

de perto aquela introduzida nas apostilas de PNV2340 (Mecânica dos Meios

Contínuos) e PNV2441 (Métodos Numéricos para Engenharia I).

2.1. As Equações Constitutivas da Dinâmica dos Fluidos: uma perspectiva histórica

As evidências da existência de fricção nos fluidos foram levantadas muito

antes dos estudos de Sir Isaac Newton (1642-1727)4, mas coube a Newton

formular, de maneira inédita, uma lei que descrevesse a interdependência entre as

tensões de cisalhamento entre diferentes “camadas do fluido” e os parâmetros que

caracterizam o movimento das mesmas. Em seu Philosophiae naturalis principia

(1687), Newton escreveu que se uma porção de um corpo fluido é mantida em

movimento, este movimento gradualmente se comunica ao restante do fluido.

Esses feitos, já observados muito antes de seu nascimento, foram atribuídos por

ele a um defectus lubricitatis, ou seja, um defeito de lubrificação ou uma fricção

interna ou, finalmente, viscosidade.

Newton postulou uma lei para a fricção em um fluido através do seguinte

modelo: Considere-se duas placas paralelas, cada qual com uma área unitária,

separadas por uma região fluida preenchendo a distância y, como representado

na figura abaixo:

4 Para uma descrição mais detalhada sugere-se a leitura de Tokaty (1994).

Page 23: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 21

V

V

y

V

V

V

V

y

Figura 8 – Modelo de Fricção de Newton

Se a placa superior é posta em movimento com uma velocidade V com

respeito à placa inferior, então o perfil de velocidades no fluido entre as placas é

linear e a força necessária para manter o movimento é proporcional a:

yVµτ = ou

dydVµτ = (2.1)

onde:

µ: coeficiente de viscosidade dinâmica do fluido ( )smkg . ;

τ: força de cisalhamento por unidade de área ou tensão de cisalhamento

(N/m2)

A equação (2.1), de fato, funciona bem para escoamentos com baixos

números de Reynolds (elevadas viscosidades e/ou baixas velocidades), em geral,

até Re=2000.

Após os trabalhos de Newton, a Mecânica dos Fluidos ganhou grande

impulso em termos de sua modelagem matemática, especialmente através dos

estudos dos iluministas. No entanto, 150 anos se passariam após a lei postulada

por Newton para que a viscosidade do fluido fosse, finalmente, integrada às

equações gerais do movimento dos fluidos.

Antes que isso acontecesse, ver-se-ia surgir a descrição matemática que

descreve os movimentos dos fluidos através do equacionamento que hoje nos é

Page 24: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 22

familiar e que, ao ignorar a influência da viscosidade, forma a base do que hoje

conhecemos como dinâmica dos fluidos ideais.

Leonhard Euler (1707-83)5, de forma inédita, empregou de forma

sistemática e organizada conceitos de cálculo diferencial e integral ao estudo da

dinâmica de meios contínuos e, dessa forma, deduziu um conjunto de equações

que lhe rende o título de fundador da área que hoje conhecemos como Mecânica

dos Fluidos. Somente a partir dos trabalhos deste grande matemático, a dinâmica

dos escoamentos passou a ser estudada através de uma modelagem matemática

estruturada. Em 1755, Euler aplicou os conceitos da segunda lei de Newton ao

problema de escoamento de um fluido. Para fluidos incompressíveis (ρ=cte), o

conjunto de equações diferenciais que representa as equações de movimento

propostas por Euler e que leva seu nome é dado por:

zz

zz

yz

xzz

yy

zy

yy

xyy

xx

zx

yx

xxx

gzp

zv

vyv

vxv

vt

vDt

Dv

gyp

zv

vy

vv

xv

vt

vDt

Dv

gxp

zv

vyv

vxv

vt

vDt

Dv

−∂∂

−=∂

∂+

∂∂

+∂∂

+∂

∂=

−∂∂

−=∂

∂+

∂+

∂+

∂=

−∂∂

−=∂

∂+

∂∂

+∂∂

+∂

∂=

ρ

ρ

ρ

1

1

1

(2.2)

na qual o campo vetorial ktxvjtxvitxvtxv zyx

rrrrrrrr ),(),(),(),( ++= representa o campo

de velocidades do fluido e, em conjunto campo escalar ),( txp r que representa o

campo de pressões no escoamento, definem o conjunto de 4 incógnitas a serem

determinadas como solução do problema matemático.

Em sua forma vetorial, a equação de Euler pode ser escrita de forma mais

compacta:

5 Euler, Leonhard (1707-83): brilhante matemático suíço, gerou contribuições fundamentais para

diversos ramos da matemática e suas aplicações: equações diferenciais, séries infinitas, cálculo de

variações, funções analíticas, mecânica e hidrodinâmica. Foi um dos nomes de maior destaque na

ciência durante o século XVIII.

Page 25: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 23

gpvvtv rrrr

−∇−=∇+∂∂

ρ1)( (2.3)

No conjunto de equações (2.2), ρ representa a densidade (ou massa

específica) do fluido. Percebe-se, assim, que o conjunto de forças sugerido por

Newton e expresso em (2.1) também não se encontra incorporado às Equações

de Euler. As equações de Euler representam, portanto, as equações de

movimento de escoamentos do que hoje conhecemos como fluidos ideais

(incompressíveis e inviscidos).

Euler introduziu, também, o conceito de linhas de corrente (streamlines),

definindo-as como o conjunto de curvas (imaginárias) tangentes em cada ponto ao

vetor velocidade do escoamento. Se uma destas curvas é descrita

parametricamente por em um instante de tempo t qualquer, então as

linhas de corrente são as soluções de:

),( tsxx rr=

),( txvdsxd rrr

=

em um instante de tempo fixo t. Em um sistema de coordenadas cartesianas, esta

equação vetorial dá origem a três equações escalares:

zyx vdsdzv

dsdyv

dsdx

=== ;;

ou, de maneira equivalente:

zyx v

dzvdy

vdx

== (2.4)

Obs: As linhas de corrente não devem ser confundidas com as trajetórias (paths)

descritas pelas partículas fluidas e representadas por:

),( txvdtxd rrr

=

e, portanto, as linhas de corrente coincidem com as trajetórias das partículas, em

geral, apenas para o caso de escoamento permanente.

Page 26: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 24

Outra inestimável contribuição de Euler foi a dedução da equação

diferencial da continuidade, que expressa a conservação de massa na forma:

0)()()(=⎟⎟

⎞⎜⎜⎝

⎛∂

∂+

∂+

∂∂

+∂∂

zv

yv

xv

tzyx ρρρρ (2.5)

e que, sob a hipótese de fluido incompressível e homogêneo se reduz

simplesmente a:

0=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂∂

+∂

∂+

∂∂

=⋅∇=zv

yv

xv

vvdiv zyxrr (2.6)

Dessa forma, tem-se um conjunto de quatro equações formado por (2.2) e

(2.6) que permite obter as quatro incógnitas procuradas, as quais, uma vez

determinadas, caracterizam qualquer escoamento de fluido ideal.

Euler, assim, abriu um novo campo para o estudo de escoamentos fluidos,

até então de caráter eminentemente empírico. Como escreveu Lagrange6,

“através das descobertas de Euler, toda a mecânica dos fluidos foi reduzida a um

problema de cálculo e, se as equações algum dia se mostrarem integráveis, as

características do escoamento e o comportamento de um fluido sob a ação de

forças estarão determinados para todas as circunstâncias”. Na verdade, hoje

percebemos um certo exagero na constatação de Lagrange, mas é inegável que o

trabalho de Euler forneceu as bases para avanços posteriores, como a

incorporação dos efeitos de viscosidade.

De fato, Lagrange chegou à conclusão que as Equações de Euler poderiam

ser resolvidas apenas em duas condições específicas: escoamentos irrotacionais

6 Lagrange, Joseph Louis (1716-1813): nascido na Itália, desenvolveu seus trabalhos mais

importantes na França e revolucionou o estudo da mecânica. Foi um dos fundadores do cálculo

variacional, posteriormente expandido por Wierstrass, e introduziu os princípios analíticos no

estudo da mecânica e fluido-dinâmica.

Page 27: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 25

( 0rrr

=×∇= vvrot ) ou escoamentos rotacionais, mas permanentes. O primeiro caso

levou à definição do potencial de velocidades ),( txrφ , uma função escalar com a

seguinte propriedade: ),(),( txtxv rrr φ∇= .

Observando a equação de Euler (2.3) e lembrando a identidade (verificar

como exercício):

)()(21)( vvvvvv rrrrrr

×∇×−⋅∇=∇

pode-se escrever:

)(21 2 vvpv

tv rrr

×∇×=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛++∇+

∂∂ β

ρ

onde já se adotou a hipótese de que as forças de campo são exclusivamente

conservativas e, portanto, podem ser escritas por um potencial de força β (se as

únicas forças atuantes forem gravitacionais e kggrr

−= , então )(gz−∇=β ).

Mas, se o escoamento for potencial ( ),(),( txtxv rrr φ∇= ), então,

necessariamente (demonstrar): 0rrr

=×∇= vvrot

e a equação de Euler se reduz a:

021 2 r

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛+++

∂∂

∇ βρ

φ pvt

e, Lagrange então deduziu que (e esta é a conhecida integral da equação de Euler

proposta por Lagrange para escoamentos irrotacionais de fluido incompressível):

)(21 2 tCpv

t=+++

∂∂ β

ρφ (2.7)

No caso particular de escoamento irrotacional e permanente 0=∂∂ tφ e,

portanto:

Cpv =++ βρ

2

21 (2.8)

Page 28: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 26

As equações (2.7) e (2.8) são duas formas da conhecida equação atribuída

a Daniel Bernoulli7, deduzidas para o caso particular de escoamento irrotacional.

Bernoulli, contemporâneo de Euler, realizou uma série de estudos sobre

escoamentos de fluidos. Foi o responsável pelo primeiro texto didático em

mecânica dos fluidos, seu Hydrodynamica (1738), no qual relaciona, de forma

inédita, o campo de pressões ao campo de velocidades. É interessante notar,

todavia, que as relações deduzidas por Bernoulli, no entanto, apresentam uma

forma diferente daquela expressa na equação que carrega seu nome, obtida

mediante a integral de Lagrange das Equações de Euler.

Deve-se notar também, que as equações de Bernoulli também são válidas

para o segundo caso previsto por Lagrange, o caso de escoamentos permanentes

e rotacionais, embora, neste caso, sua aplicação seja restrita às linhas de corrente

do escoamento. De fato, retomemos a equação:

)(21 2 vvpv

tv rrr

×∇×=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛++∇+

∂∂ β

ρ

Uma vez que o escoamento é permanente 0=∂∂ tvr e, portanto:

)(21 2 vvpv rr

×∇×=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛++∇ β

ρ

Sabe-se que é um vetor perpendicular à superfície f(x)=cte, e, assim, o

vetor deve ser perpendicular às superfícies nas quais:

f∇

)( vv rr×∇×

Cpv =++ βρ

2

21 (2.9)

Mas, )( vv rr×∇× é perpendicular tanto a vr como a vr×∇ . Dessa forma, as

superfícies nas quais a equação (2.9) se aplica são as superfícies que contém os

vetores e . Um conjunto de linhas que satisfaz esta propriedade é o

conjunto de linhas de corrente do escoamento. Assim, embora as equações (2.8)

e (2.9) sejam matematicamente idênticas, no caso de escoamentos permanentes

vr vr×∇

7 Bernoulli, Daniel (1700-82): Nascido na Holanda, membro de uma famosa família suíça da qual

vários se destacaram como importantes matemáticos, é conhecido por seus trabalhos em

mecânica dos fluidos e teoria cinética dos gases. Também trabalhou em astronomia e magnetismo.

Page 29: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 27

rotacionais, (2.9) se aplica apenas ao longo de uma linha de corrente. Valores

diferentes da constante C são atribuídos às diferentes linhas de corrente. Já no

caso de escoamentos irrotacionais (permanentes ou não) a equação de Bernoulli

(na forma (2.8) ou (2.7)) se aplica indistintamente entre quaisquer pontos no

domínio do fluido.

Ao longo do século XVIII, a fluido-mecânica se desenvolvia rapidamente.

Vários pesquisadores trabalhavam em diversos problemas práticos de

escoamentos fluidos, sobre o novo ferramental proporcionado pelo cálculo

diferencial e integral. Dentre estes trabalhos, merece destaque, por exemplo, o

estudo realizado por D’Alembert8 sobre a resistência oferecida por um fluido a

corpos que se deslocam através do mesmo. Em sua obra Essai d’une nouvelle

theorie de la resistance des fluides (1752), D’Alembert introduziu o importante

conceito de ponto de estagnação e chegou à perturbadora conclusão de que a

teoria indicava que a resistência total oferecida pelo fluido seria nula (o conhecido

Paradoxo de D’Alembert).

Estudos experimentais também proliferavam, como os trabalhos realizados

por Chevalier de Borda (1733-99). Borda estudou os efeitos de constrição do fluxo

através de tubos e também soou um alarme quanto ao fato que os resultados nem

sempre pareciam em harmonia com as leis formuladas por Bernoulli e Lagrange,

pois, explica, quando um escoamento encontra uma expansão súbita (de área),

ele é perturbado de tal maneira que acaba perdendo parte de sua energia cinética,

ou sua “living force”. Na verdade, as observações de Borda se relacionam com a

separação da camada-limite e turbulência, conceitos que somente seriam

entendidos anos depois.

Ficava cada vez mais claro, portanto, que a mecânica dos fluidos carecia

de uma formulação mais geral. O próximo “salto” qualitativo viria com a publicação

8 D’Alembert, Jean le Rond (1717-83): Matemático francês desenvolveu diversos trabalhos em

mecânica geral e mecânica dos corpos celestes, além de fazer importantes contribuições à teoria

de equações diferenciais a derivadas parciais.

Page 30: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 28

do trabalho de Claude Louis Navier9 que, unindo a hipótese de fricção de Newton

a observações experimentais, incluiu, de forma inédita, as forças de cisalhamento

oriundas da ação da viscosidade do fluido, complementando as equações

originalmente propostas por Euler:

gvpvvtv rrrrr

+∆+−∇=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ ∇+

∂∂ µρ )( (2.10)

ou, na forma escalar:

zzzzz

zz

yz

xz

yyyyy

zy

yy

xy

xxxxx

zx

yx

xx

gzv

yv

xv

zp

zvv

yvv

xvv

tv

gz

v

y

v

x

vyp

zv

vy

vv

xv

vt

v

gzv

yv

xv

xp

zv

vyv

vxv

vt

v

+⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+∂∂

+∂∂

+∂∂

−=∂

∂+

∂∂

+∂∂

+∂

+⎟⎟

⎜⎜

∂+

∂+

∂+

∂∂

−=∂

∂+

∂+

∂+

+⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂+

∂+

∂+

∂∂

−=∂

∂+

∂∂

+∂∂

+∂

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

2

1

1

1

νρ

νρ

νρ

(2.11)

As equações acima são conhecidas como Equações de Navier-Stokes10.

No conjunto de equações (2.10) e (2.11), µ representa a chamada

constante de viscosidade dinâmica ( ρµν = é o coeficiente de viscosidade

cinemática). O termo entre parênteses no lado esquerdo da equação corresponde

ao campo de acelerações do fluido definido segundo a representação Euleriana do

escoamento. O termo )( vgradp r∆+− µ é o próprio divergente do chamado Tensor

de Tensões sob a hipótese de fluido newtoniano e engloba todas as chamadas

forças de superfície (forças de pressão e tensões de cisalhamento) atuantes sobre

as partículas fluidas. Lembramos que o operador “nabla” é dado por:

9 Navier, Claude Louis Marie Henri (1785-1836): Matemático francês que realizou diversos

trabalhos na área de mecânica. É mais conhecido por suas equações de movimento de fluidos

que, de forma inédita, incluíram efeitos de viscosidade. 10 Em um trabalho apresentado à Academie de Sciences, em Paris, em 18 de março de 1822,

Navier apresentou, pela primeira vez, sua teoria, cujas equações seriam publicadas anos depois.

Em uma forma diferente, as mesmas equações foram obtidas por Sir George Gabriel Stokes (1819-

1903), físico-matemático britânico, em um trabalho datado de 1845.

Page 31: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 29

2

2

2

2

2

22 (.)(.)(.)(.)(.)

zyx ∂∂

+∂∂

+∂

∂=∇=∆

Deve-se observar que aproximadamente 150 anos se passaram entre a Lei

de fricção de Newton e a incorporação dos efeitos de viscosidade nas equações

de movimento do fluido. A partir dos trabalhos de Navier, uma nova perspectiva se

abriu na área de mecânica dos fluidos: o estudo dos chamados fluidos reais.

Quanto ao escopo deste curso, focado para o estudo de ondas de

gravidade e para o problema de comportamento no mar, no entanto, normalmente

os efeitos de viscosidade são pequenos o suficiente para que possamos

considerá-los desprezíveis ou, alternativamente, propormos correções externas

simplificadas que, de certa forma, os incorporem quando necessário. Assim, o

arcabouço matemático no qual nos basearemos corresponde, em sua maior parte,

ao estudo de fluidos ideais e, em especial, ao problema de escoamentos

potenciais, aos quais daremos maior atenção no restante deste capítulo.

2.2. Escoamentos Irrotacionais: Teoria do Potencial

Apesar de suas óbvias limitações, o estudo de escoamentos potenciais é

de suma importância na mecânica dos fluidos e, em particular, em hidrodinâmica

marítima. A teoria do potencial constitui a base sobre a qual se fundamenta a

Teoria de Ondas de Gravidade e, portanto, o estudo do comportamento no mar,

como veremos nos próximos capítulos.

Trataremos aqui de escoamentos de fluidos ideais (contínuos,

incompressíveis, homogêneos e inviscidos) e irrotacionais, hipóteses que, do

ponto de vista matemático, introduzem grandes simplificações, como foi possível

perceber nas discussões realizadas anteriormente. Neste contexto, veremos que a

equação da continuidade é expressa pela equação de Laplace. As equações do

movimento do fluido, que incorporam a dinâmica do escoamento, se reduzem às

equações de Bernoulli (2.7) ou (2.8).

Page 32: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 30

No curso de mecânica dos meios contínuos, uma introdução ao problema

de escoamento potencial ao redor de corpos submersos foi apresentada. Vimos

que a hipótese básica para que a hipótese de escoamento potencial seja

assumida é que a camada-limite seja fina, comparada com as dimensões

características do corpo, o que implica, por sua vez, em altos números de

Reynolds (Re). Em outras palavras, as forças que regem a dinâmica do

escoamento devem ser preponderantemente de origem inercial.

O objetivo, no restante deste capítulo é fazer uma breve revisão dos

conceitos fundamentais e, por vezes, recuperar tais conceitos através de uma

demonstração matemática mais rigorosa. Lembremo-nos de Lagrange, ao

observar que, se a teoria em construção se mostrasse válida, todo o problema da

dinâmica dos fluidos se reduziria a um problema de cálculo. Lagrange queria dizer,

de fato, que esperava que se houvesse ultrapassado a barreira da modelagem

matemática do fenômeno físico. Dois séculos após a observação de Lagrange,

muitos modelos matemáticos já se encontram bem estabelecidos na área de

hidrodinâmica. Por vezes, esses modelos requerem o conhecimento de tópicos

avançados de matemática. Inegavelmente, um bom hidrodinamicista deve,

necessariamente, aliar a percepção do fenômeno físico a um vasto ferramental

matemático. Para o engenheiro que pretende se especializar na área de

hidrodinâmica, o estudo de diferentes tópicos de matemática (equações

diferenciais a derivadas parciais, teoria de funções a variáveis complexas, entre

outros) deve ser encarado como condição sine qua non. Em suma, o que se

pretende dizer com essa pequena digressão é: “percamos o medo...”

2.2.1. Irrotacionalidade e o Potencial de Velocidades

Vimos que as equações constitutivas do movimento de fluidos ideais são as

equações de Euler (2.2) e a equação da continuidade (2.6). Vamos, aqui, discorrer

um pouco mais sobre a definição do chamado potencial de velocidades e as

simplificações matemáticas decorrentes da hipótese de escoamento irrotacional.

Page 33: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 31

Definimos circulação em torno de uma curva fechada ct (contorno material)

como sendo:

(2.12) ∫=Γtc

rdtxv rrr ).,(

O teorema de Kelvin (da conservação da circulação) afirma que em um

fluido ideal, sob ação de forças exclusivamente conservativas, a circulação em

torno de qualquer contorno material que se desloca com o fluido permanece

constante11, ou seja:

0).,( ==Γ

∫tc

rdtxvdtd

dtd rrr (2.13)

O significado físico deste teorema pode ser entendido pelo fato de, na

ausência de efeitos de viscosidade e, portanto, de tensões de cisalhamento, não

haver forças capazes de alterar a taxa de rotação das partículas fluidas.

De acordo com (2.13), a circulação em um escoamento de fluido ideal é

constante com o tempo. Podemos considerar, então, sem perda de generalidade,

que o fluido tenha partido do repouso em algum instante de tempo passado e que,

portanto, Γ=0 para qualquer instante de tempo e qualquer contorno material

definido no escoamento.

Por outro lado, o teorema de Stokes para um campo vetorial contínuo e

diferenciável relaciona o conceito de circulação com o conceito de vorticidade do

campo vetorial, na forma:

(2.14) ∫∫∫∂

=SS

rdvdSnvrot rrrr ..

onde S é a superfície limitada pelo contorno fechado S∂ . O lado esquerdo da

equação (2.14) representa a vorticidade (em inglês, vorticity), enquanto o lado

direito é, por definição, a circulação, que deve ser nula para qualquer contorno

11 A demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em Newman (1977), pgs.

103 e 104.

Page 34: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 32

material. Assim, a vorticidade deve se anular para qualquer superfície S definida

no domínio do fluido e, portanto12:

0rrr

=×∇= vvrot

ou seja, o escoamento que conserva circulação deve ser, necessariamente,

irrotacional. Esta conclusão é extremamente importante, pois é possível

demonstrar que um campo vetorial para o qual o rotacional é identicamente nulo

pode ser representado como o gradiente de um campo escalar. Esta afirmação,

por sua vez, decorre do teorema de Helmholtz, teorema fundamental do cálculo

vetorial (a demonstração deste teorema pode ser encontrada, por exemplo, em

Wills (1958), pg. 121). Seja um campo vetorial finito e contínuo. O teorema de

Helmholtz afirma que esse campo vetorial pode ser decomposto em um campo

gradiente (cujo rotacional é nulo) e um campo solenoidal (cuja divergência é nula),

na forma

Fr

13:

AFrr

×∇+−∇= φ

onde φ é uma função escalar e Ar

um campo vetorial cuja divergência é nula. A

definição do campo vetorial Ar

mostra que esse campo sempre poderá ser

considerado identicamente nulo se 0rr

=×∇ F 14.

Decorre do teorema de Helmholtz, portanto, que o campo de velocidades

de um escoamento irrotacional pode ser descrito através do gradiente de

uma função escalar

),( txv rr

),( txrφ , denominada potencial de velocidades:

),(),( txtxv rrr φ∇=

12 É importante observar que nem sempre conseguimos aplicar o teorema de Stokes, podendo

causar certa confusão. Isso ocorre, por exemplo, em problemas planos de escoamento potencial

em torno de corpos submersos. Qualquer contorno material que envolva o corpo não permite a

aplicação do teorema, pois a superfície interior não será definida exclusivamente por este contorno

(trata-se de um domínio que não é simplesmente conexo).

13 Uma importante conseqüência deste teorema é o fato de que o campo vetorial Fr

estará

completamente determinado uma vez conhecidas a sua divergência e o seu rotacional.

14 Observar que )()( AArr

×∇×∇=′∇+×∇×∇ φ

Page 35: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 33

Obviamente, o potencial de velocidades é uma abstração. Sua introdução,

contudo, permite uma grande simplificação matemática, uma vez que as três

componentes do vetor velocidade podem ser derivadas a partir de uma única

função escalar. De fato, a equação da continuidade (2.6) para escoamentos

potenciais resulta, simplesmente:

0)( 2

2

2

2

2

2

=∆=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂∂

+∂∂

+∂∂

=∇⋅∇= φφφφφzyx

vdivr (2.15)

que é a conhecida equação de Laplace. Assim, em um escoamento potencial, o

campo de velocidades (e, portanto, de acelerações) decorre exclusivamente da

condição de conservação de massa. A solução da equação de Laplace (que é

uma equação diferencial linear de segunda-ordem a derivadas parciais) fornece

diretamente o potencial de velocidades e, dessa forma, o campo de velocidades

do escoamento. A incógnita restante, o campo de pressões, é então obtido através

da equação de Bernoulli (2.7). O problema matemático se reduz, então, a um

problema de duas equações e duas incógnitas ( ),( txrφ e ),( txp r ).

2.2.2. O Problema de Contorno

A equação de Laplace representa a forma mais simples de uma classe de

equações diferenciais de segunda-ordem conhecidas como equações elípticas15.

Aparece em muitos ramos da física-matemática e muitas características

pertinentes às funções que a satisfazem (normalmente referenciadas como

funções harmônicas) são conhecidas. Sabe-se, por exemplo, que estas funções e

suas derivadas espaciais são finitas e contínuas, exceto pela possibilidade de

singularidades nas fronteiras do domínio.

A distinção entre diferentes tipos de escoamento resulta das condições

impostas nestas fronteiras, as chamadas condições de contorno. Nos problemas

15 Uma discussão quanto à classificação das equações a derivadas parciais de segunda-ordem e

sobre as diferentes aplicações da Equação de Laplace pode ser encontrada, por exemplo, em

Sobolev (1989).

Page 36: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 34

de mecânica dos fluidos, estas podem representar condições cinemáticas

(relativas às velocidades do fluido na fronteira) ou dinâmicas (condição sobre as

forças).

Um dos problemas de interesse mais simples corresponde ao caso de um

escoamento uniforme sobre um corpo rígido fixo, com superfície designada por SB,

em um fluido sem fronteiras. O problema é esquematizado na figura abaixo.

x

y

U

z

SB

n

x

y

U

z

SB

x

y

U

z

SB

nn

Figura 9 – Escoamento Uniforme sobre Corpo Fixo

Sabemos que, por se tratar de um escoamento irrotacional, a condição

cinemática apropriada na fronteira do corpo é a condição de impermeabilidade,

uma vez que a condição de não-escorregamento necessariamente implicaria em

rotacionalidade do escoamento. Neste problema, uma segunda condição se impõe

em uma fronteira definida a uma distância suficientemente distante do corpo e que

implica que a perturbação causada pela presença do corpo deve,

necessariamente, tender a zero à medida que nos afastamos do corpo. A esta

condição, dá-se o nome de condição de evanescência.

Dessa forma, o problema de contorno pode ser equacionado: Determinar o

potencial de velocidades φ, tal que:

iU

nn

x

SS

BB

r

r

=∇

=∂∂

=⋅∇

=∆

∞→φ

φφ

φ

lim

;0

0

(2.16)

Page 37: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 35

Uma questão que naturalmente se coloca neste ponto diz respeito à

unicidade das soluções dos problemas de contorno. Na realidade, é trivial

demonstrar que, se a região ocupada pelo fluido é simplesmente-conexa, a

solução, de fato, será univocamente determinada, a menos de uma constante.

Para demonstrar este fato, suponhamos que o problema acima admitisse duas

soluções distintas )(1 xrφ e )(2 xrφ . Então )()()( 21 xxx rrr φφχ −= deverá satisfazer:

0lim

;00

r

r

=∇

=⋅∇

=∆

∞→x

SBn

χ

χχ

O domínio do fluido está compreendido pela fronteira S (por exemplo, no

caso acima, representada pela união do contorno do corpo com uma superfície

definida no infinito). Observando que:

0)()( =⋅∇=⋅∇ ∫∫ dSndSnSS

rr χχχχ

e aplicando o teorema da divergência:

[ ] 0)()( =∆+∇⋅∇=∇=⋅∇ ∫ ∫∫ dVdVdivdSnV VS

χχχχχχχχ r 16

Como 0=∆χ , chega-se, finalmente, a:

0)()( 2∫∫ =∇=∇⋅∇VV

dVdV χχχ

de onde decorre que 0≡∇χ ou cte=χ e, portanto, as soluções do problema de

escoamento potencial estão univocamente definidas, a menos de uma constante.

Todavia, é importante ressaltar que a prova de unicidade apresentada

acima pressupõe que o domínio fluido seja simplesmente conexo17 (premissa do

teorema da divergência) e que a posição das fronteiras seja conhecida a priori. No

16 A segunda passagem nesta dedução corresponde à forma geral da conhecida fórmula de

integração por partes e pode ser demonstrada facilmente. Esta demonstração fica como exercício. 17 Um caso evidente para o qual o domínio fluido não será simplesmente-conexo se refere ao

problema bidimensional de escoamento em torno de um corpo rígido.

Page 38: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 36

entanto, haverá casos em que a posição e a velocidade na fronteira não serão

conhecidas a priori. É o caso, por exemplo, do problema de escoamento induzido

por ondas na superfície-livre do fluido, pois a forma da onda e, portanto, a

elevação da superfície, não estarão previamente determinadas. Serão, ao

contrário, conseqüência da solução do problema de contorno. Nesse caso,

informações adicionais serão necessárias e serão providenciadas através de uma

condição dinâmica na superfície, a qual impõe que a pressão na superfície seja

igual à pressão atmosférica.

2.2.3. Aspectos Importantes da Solução do Problema de Contorno

No curso de Mecânica dos Meios Contínuos (PNV2340) vimos algumas

soluções analíticas para problemas de escoamento potencial ao redor de corpos

de geometrias simples, como cilindros circulares. Posteriormente, na disciplina de

Métodos Computacionais (PNV2441), estendemos as possibilidades de solução

através de técnicas numéricas que permitem resolver o problema para corpos de

geometria arbitrária. Vimos, em particular, que as perturbações causadas por um

corpo imerso em um escoamento originalmente uniforme acabavam por requerer a

introdução de singularidades matemáticas, a mais simples das quais representada

por uma fonte ou sorvedouro.

Nos cursos de graduação, a introdução destas singularidades foi

apresentada de forma ad hoc. Assim, por exemplo, vimos que a solução analítica

do problema de escoamento bidimensional em torno de um cilindro circular é

obtida pela superposição do potencial de velocidades do escoamento uniforme e o

potencial de um dipolo situado no centro do cilindro. Na realidade, o dipolo é uma

singularidade que pode ser definida matematicamente pela combinação de uma

fonte e um sorvedouro, quando a distância entre as duas singularidades tende a

zero18. As técnicas numéricas estudadas em PNV2441 se baseavam em duas

abordagens distintas, o método das fontes e o método de Green, e, em ambos os

18 Para a definição precisa, consultar Newman (1977), pg. 114.

Page 39: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 37

casos, o potencial de velocidades das fontes/sorvedouros também eram parte

inerente da solução.

Não nos interessa, aqui, reproduzir novamente as soluções analíticas já

discutidas na graduação, embora uma recordação por parte do aluno seja

importante neste momento. Para tanto, o aluno pode recorrer a bons livros de

mecânica dos fluidos (como sugestão, Batchelor (1967)) e de hidrodinâmica (por

exemplo, Newman (1977)), além das apostilas dos cursos supra-citados.

Nossa intenção, no restante desta seção, será o de analisar aspectos

matemáticos da solução de problemas de contorno governados pela equação de

Laplace com o objetivo de melhor fundamentar as técnicas anteriormente

apresentadas e tentar identificar a razão da aparente onipresença destas

singularidades.

Uma função de Green é uma função que representa a solução de uma

equação diferencial não-homogênea. Há toda uma teoria no estudo de equações

diferenciais a derivadas parciais que define uma metodologia para a construção

destas funções. Obviamente, uma discussão sobre esta teoria foge do escopo

deste curso, mas, para aqueles que desejam se aprofundar neste estudo, uma

boa referência é Sobolev (1989). Discutiremos, aqui, apenas alguns aspectos

principais. Tecnicamente, uma função de Green de um operador linear L em um

ponto x0 é qualquer solução de (Lf)(x) = δ(x-x0), onde δ representa a função delta

de Dirac. Esta função, por sua vez, é uma função descontínua que apresenta a

propriedade: δ =0, para qualquer x≠x0 e δ(x0) = ∞. Além disso, temos que:

. 1)( =∫+∞

∞−

Denominemos ),( 0xxG rr a função de Green de um problema de contorno

particular. No caso da equação de Laplace, o operador linear L corresponde ao

próprio operador Laplaciano . Assim, neste caso, a função de Green deverá

satisfazer a seguinte identidade:

()∆

),,(),( 0000 zzyyxxxxG −−−=∆ δrr

Page 40: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 38

e, conseqüentemente:

1),( 0 =∆∫∫∫ dVxxGV

rr

onde V representa uma região que envolve o ponto (x0,y0,z0).

Sem a imposição de condições de contorno específicas, a função de Green

referente à equação de Laplace é dada por:

2

02

02

0

0)()()(

141),(

zzyyxxxxG

−+−+−−=

πrr (2.17)

ou, definindo r como a distância entre os pontos (x,y,z) e (x0,y0,z0): rG π41−= .

Esta função é conhecida como solução fundamental (ou solução principal) da

equação de Laplace.

Podemos indicar a demonstração deste fato: De acordo com o teorema da

divergência, podemos escrever:

1),(),( 00 =⋅∇=∇⋅∇=∆ ∫∫∫∫∫∫∫∫ dSnGdVxxGdVxxGSVV

rrrrr

onde S representa a fronteira da região V, orientada segundo o versos normal nr .

Trabalhando em coordenadas esféricas e considerando que S corresponda à

superfície de uma esfera de raio r centrada no ponto (x0,y0,z0), temos, então:

1)(4 2 =∂

∂=

∂∂

=⋅∇ ∫∫∫∫ rrGrdS

rGdSnG

SS

πr

e, portanto:

r

rGπ41)( −=

A função de Green definida por (2.17) é justamente o que convencionamos

chamar de potencial de velocidades de uma fonte unitária tridimensional. Assim, a

equação da continuidade 0=∆φ , tem como solução fundamental, no caso

tridimensional, o potencial de uma fonte unitária φS dado por:

2

02

02

0

0)()()(

141),(

zzyyxxxxS

−+−+−−=

πφ rr

Page 41: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 39

De maneira análoga, pode-se demonstrar que, para o caso bidimensional, a

solução principal é dada por:

20

200 )()(log

21),( yyxxxxS −+−=π

φ rr

que representa, por sua vez, o potencial de uma fonte unitária bidimensional.

Decorre daí, portanto, o fato de estas singularidades estarem presentes

como núcleo das soluções de vários problemas de escoamento potencial que já

estudamos ao longo da graduação.

Obviamente, contudo, as soluções dependerão das condições de contorno

específicas de cada problema. Várias técnicas matemáticas podem ser

empregadas para estimar estas soluções. Assim, por exemplo, no caso de

escoamentos bidimensionais, uma série de ferramentas matemáticas podem ser

exploradas através da teoria de funções analíticas, com a definição do potencial

complexo. Em particular, esta opção permite o emprego do chamado mapeamento

conforme, que permite obter a solução de geometrias 2D complexas mediante a

solução de problemas com geometrias mais simples19. A técnica de separação de

variáveis pode ser empregada em casos de escoamentos tridimensionais, através

da qual se obtém uma aproximação para o potencial de velocidades procurado

através de uma combinação linear dos chamados multipolos. Uma boa referência

para uma primeira leitura sobre estas técnicas é Newman (1977).

Para o caso de problemas de escoamento potencial com superfície-livre e

geometrias complexas, como cascos de navios ou plataformas oceânicas, a

solução do problema de contorno invariavelmente recorre a métodos numéricos.

Um dos métodos mais difundidos atualmente para a solução do problema de

comportamento no mar de sistemas oceânicos é o método de elementos de

contorno (boundary elements method, BEM). O estudo dos fundamentos deste

método já foi realizado em PNV2441 e será retomado no Capítulo 5 deste texto.

Devemos nos lembrar, contudo, que a operacionalização deste método depende

19 No caso específico do problema de comportamento no mar, a técnica de mapeamento conforme

é uma alternativa para ser empregada no tratamento de corpos esbeltos, através da chamada

teoria de faixas (strip theory). Uma discussão sobre este ponto é feita no Capítulo 5.

Page 42: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 40

de uma modelagem matemática prévia do potencial de velocidades procurado.

Esta modelagem pode ser baseada, por exemplo, considerando-se o potencial de

velocidades procurado como aquele decorrente de uma distribuição de fontes

sobre a superfície do corpo (método das fontes) ou, alternativamente, através de

uma aplicação direta do teorema de Green. Neste último caso, a solução numérica

se baseia na aplicação da função de Green apropriada para o problema em

questão. A função apropriada é aquela que naturalmente satisfaz as condições de

contorno em parte da fronteira (retomaremos essa discussão no capítulo 5). Em

ambas as modelagens, contudo, as singularidades (fontes) são partes inerentes

da solução.

2.2.4. Forças Hidrodinâmicas

Retomemos o problema de escoamento potencial ao redor de um corpo

imerso em fluido sem fronteiras para discutirmos o equacionamento das forças

que atuam sobre o corpo em decorrência do campo de pressões dinâmico.

Iniciaremos com o caso mais simples, quando o escoamento é uniforme. Neste

caso, supondo Oxyz solidário ao corpo, os dois problemas ilustrados abaixo são

idênticos do ponto de vista dinâmico, a menos de uma mudança de referencial:

x

y

U

z

SB

n

x

y

U

z

SB

x

y

U

z

SB

nn

iU

n

x

SBr

r

=∇

=⋅∇

=∆

∞→φ

φφ

lim

;00

x

y

U

z

SB

n

x

y

U

z

SB

nn

0lim

;0

r

rr

=∇

−=⋅∇

=∆

∞→x

SiUn

B

φ

φ

φ

Figura 10 – Escoamento uniforme: corpos fixos e corpos em movimento

Page 43: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 41

No caso mais geral, quando o escoamento não é uniforme e , as

mesmas condições cinemáticas se aplicam às velocidades do corpo e do fluido,

porém, agora, os problemas serão diferentes do ponto de vista dinâmico.

)(tUUrr

=

Nas deduções a seguir, consideraremos o caso no qual o corpo se move

através de um fluido originalmente em repouso, com velocidade )(tUr

.

Consideraremos, então, as seis componentes do vetor de forças e momentos

de origem hidrodinâmica que atuam sobre o corpo em movimento e que

serão obtidos mediante integração direta do campo de pressões sobre o corpo:

)(tFr

)(tMr

∫∫

∫∫

×=

=

B

B

S

S

dSnrpM

dSnpF

)( rrr

rr

(2.18)

onde é o versor normal orientado para “fora” do domínio fluido (e, portanto, para

dentro do corpo) e

nr

rr é o vetor posição da superfície dS no sistema de referências

O(x,y,z).

Desconsiderando a parcela hidrostática do campo de pressões (as quais

resultam nas forças de empuxo sobre o corpo), o campo de pressões p é obtido a

partir da equação de Bernoulli na sua forma (2.7) e, assim:

∫∫

∫∫

×⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ ∇⋅∇+

∂∂

−=

⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ ∇⋅∇+

∂∂

−=

B

B

S

S

dSnrt

M

dSnt

F

)(21

21

rrr

rr

φφρφρ

φφρφρ

(2.19)

É possível obter um equacionamento alternativo para as forças e momentos

expressos em (2.19) ao considerarmos uma superfície de controle SC fixa, exterior

à superfície do corpo SB, como ilustrado na figura abaixo.

Page 44: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 42

SB

nU(t)

SC

n

SB

nnU(t)

SC

nn

Figura 11 – Esquematização da superfície de controle SC

É possível demonstrar20 que as forças e momentos sobre o corpo podem

ser escritos também na forma:

( )

( )∫∫∫∫

∫∫∫∫

⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ ∇⋅∇−∇

∂∂

×−×−=

⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ ∇⋅∇−∇

∂∂

−−=

CB

CB

SS

SS

dSnn

rdSnrdtdM

dSnn

dSndtdF

rrrrr

rrr

φφφφρφρ

φφφφρφρ

21)(

21

(2.20)

Do ponto de vista matemático, a vantagem obtida ao se equacionar as

forças e momentos na forma (2.20) não é evidente, se as compararmos com as

expressões (2.19). Todavia, uma grande simplificação pode ser obtida, por

exemplo, no caso de um corpo se movendo em fluido sem fronteiras. Neste caso,

tomando partido do fato de a superfície de controle ser arbitrária, podemos

posicioná-la na região que convencionamos denominar campo distante (far field,

em inglês). Como o próprio nome indica, trata-se da região do escoamento

suficientemente afastada do corpo, região na qual, os detalhes geométricos do

corpo não mais são importantes para o escoamento local. A conveniência da

formulação (2.20) ficará clara a seguir, quando discutirmos especificamente o

problema de um corpo em movimento arbitrário em um fluido sem fronteiras.

20 Essa demonstração é relativamente extensa e envolve a aplicação do teorema da divergência e

do teorema do transporte. Pode ser encontrada em Newman [1977] pg. 132 a 134.

Page 45: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 43

Consideremos agora, o problema de um corpo rígido que se move em um

fluido sem fronteiras, originalmente em repouso. Nesse caso, se tomarmos a

superfície de controle em uma região suficientemente distante do corpo, as

contribuições para as forças e momentos oriundas da integração em SC tenderão

a zero e, dessa forma, resulta simplesmente:

∫∫

∫∫

×−=

−=

B

B

S

S

dSnrdtdM

dSndtdF

)( rrr

rr

φρ

φρ

(2.21)

Para o caso particular de o corpo se mover com velocidade constante

cteUUUU == ),,( 321

r, recaímos em um problema de escoamento potencial em

regime permanente e, nesse caso, a integral sobre o corpo na primeira equação

de (2.21) resulta independente do tempo. Conseqüentemente, conclui-se que,

para o problema de translação do corpo com velocidade constante através de um

fluido inviscido e irrotacional, a resultante das forças hidrodinâmicas sobre o corpo

será nula ( 0rr

=F ). Este resultado configura o conhecido Paradoxo de D’Alembert,

ao qual nos referimos anteriormente. Todavia, nesta mesma situação, um

momento não nulo pode existir. De fato, consideremos como exemplo o caso de

um corpo se deslocando paralelamente ao eixo x (sistema de referência Oxyz,

fixo), com velocidade . O problema somente será independente do tempo

em um sistema de referências que se move com o corpo (O’x’y’z’). A relação entre

os dois referenciais é dada por:

iUUrr

1=

zzyy

tUxx

==

−=

''' 1

e, portanto: itUrrrrr

1' −=

Neste sistema de referências, o potencial ',','( zyxφ ) será independente do

tempo, assim como o versor normal ),,( 321 nnnn =r , mas o produto vetorial nr rr

×'

não o será, pois:

ktnUjtnUnrnrrrrrrr

2131' −−×=×

Page 46: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 44

Assim, retomando o caso mais geral de translação uniforme com

cteUUUU == ),,( 321

r e observando que podemos escrever:

)(' nUtnrnr rrrrrr×−×=×

então, o momento sobre o corpo em (2.21) pode ser reescrito na forma:

∫∫∫∫∫∫ ×−×−=×−=BBB SSS

dSnUtdtddSnr

dtddSnr

dtdM )()'()( rrrrrrr

φρφρφρ

e, finalmente:

∫∫∫∫ ×−=×−=BB SS

dSnUdSnUM rrrrrφρφρ )( (2.22)

A expressão (2.22) demonstra que o momento hidrodinâmico atuante sobre

o corpo é perpendicular ao vetor velocidade Ur

. Mais ainda, esse momento será

nulo se o corpo possuir simetria em relação aos dois eixos perpendiculares a Ur

(pois a integral nessas duas direções resultará nula devido à simetria do termo

nrφ ). Assim, o momento sobre uma esfera em translação uniforme será nulo, mas,

por exemplo, no caso de deslocamento de um submarino ou torpedo (que

apresenta simetria apenas com relação ao plano “vertical” que inclui a linha de

centro), o corpo experimentará um momento de pitch (que tende a “subir” ou

“baixar” sua proa), desestabilizando o movimento do corpo.

O momento expresso em (2.22) é usualmente conhecido como momento de

Munk e desempenha um papel crucial em aerodinâmica e hidrodinâmica. Como

vimos, um corpo como um torpedo ou a fuselagem de um avião em movimento

retilíneo uniforme sofrerá a ação do momento de Munk, que tende a desviá-lo de

seu curso original. Este fato exige a adoção de medidas corretivas para garantir a

estabilidade direcional do corpo. De forma empírica, a solução deste tipo de

problema é conhecida há muito tempo e explica, por exemplo, a necessidade do

emprego de penas na extremidade posterior de uma flecha. O mesmo papel é

desempenhado pelos estabilizadores adotados em aviões, torpedos e submarinos,

denominados genericamente empenagens21. Deve-se observar que, mesmo que

haja simetria geométrica do corpo, a simetria do escoamento dependerá da

Page 47: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 45

direção de propagação. Assim, por exemplo, mesmo que a fuselagem seja um

corpo de revolução alongado em movimento retilíneo uniforme, qualquer

perturbação na velocidade (pequenas e inevitáveis componentes de velocidade

perpendiculares à velocidade de avanço) acarretará em uma perda da simetria do

escoamento e induzirá um momento desestabilizador.

Retomemos, então, o caso mais geral quando o movimento não é uniforme,

considerando os seis graus de liberdade do corpo. Nesta seção, tomaremos a

liberdade de utilizar uma notação alternativa para simplificar o equacionamento.

Assim, denotaremos as três componentes de translação (surge, sway e heave)

através dos índices i=1,2,3, respectivamente. Da mesma forma, as três

componentes de rotação (roll, pitch e yaw) serão referenciadas através dos

índices i=4,5,6. Dessa forma, se o corpo apresenta velocidades de translação

e rotação com relação a um referencial que se move com o corpo, em

nossa notação podemos escrever:

)(tUr

)(tΩr

))(),(),(())(),(),(()(

))(),(),(()(

654321

321

tUtUtUtttt

tUtUtUtU

=ΩΩΩ=Ω

=r

r

A condição de contorno apropriada no corpo (condição de

impermeabilidade) implica que:

nrUn rrrrr⋅×Ω+=⋅∇ )'(φ em SB

ou, alternativamente:

)'( nrnUn

rrrrr×⋅Ω+⋅=

∂∂φ em SB

A forma da condição de contorno acima permite supor uma solução do tipo:

(2.23) ∑=

=6

1)(

iii tU ϕφ

Aqui, cada componente iϕ representará, fisicamente, o potencial de

velocidades relativo ao um movimento com velocidade unitária no grau de

liberdade i.

21 Do francês empennage, “penas de uma flecha”.

Page 48: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 46

É fácil perceber que (2.23) será de fato solução desde que as respectivas

componentes iϕ satisfaçam a equação de Laplace, a condição de evanescência e

as seguintes condições no corpo:

ii n

n=

∂∂ϕ

i=1,2,3

(2.24)

3)'( −×=∂∂

ii nr

nrrϕ

i=4,5,6

É importante notar que cada um dos componentes iϕ depende apenas da

geometria do corpo, não dependendo das velocidades do corpo rígido e, portanto,

do tempo.

A força hidrodinâmica atuante sobre o corpo é dada pela equação (2.21).

Considerando (2.23) em (2.21), percebemos que a força total será obtida através

da composição de seis vetores, na forma:

∫∫∫∫∫∫

∂∂

−−=−=

==

BBB Sii

Sii

Siii

ii

dStnUdSnUdSntU

dtdF

FFr

r&rr

rr

ϕρϕρϕρ )(

6

1

É importante notar que, devido à rotação do corpo, o versor normal sofre

variação com o tempo, a qual, por sua vez, é dada por:

ntn rrr

×Ω=∂∂

Assim, a força hidrodinâmica total é dada pela somatória das seguintes

componentes:

∫∫∫∫ ×Ω−−=BB S

iiS

iii dSnUdSnUF rrr&r

ϕρϕρ (2.25)

O momento hidrodinâmico também está expresso na equação (2.21).

Todavia, deve-se notar que o vetor rr é definido em relação ao referencial fixo no

espaço e, portanto, depende do tempo. Se )(trOr denotar o vetor posição da

origem do sistema de coordenadas solidário ao corpo, podemos escrever:

Page 49: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 47

')( rtrr Orrr

+=

e o momento será dado por:

∫∫∫∫ ×−×−=BB SS

O dSnrdtddSnr

dtdM )'()( rrrrr

φρφρ

ou:

∫∫∫∫ ×−⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡×−=

BB SSO dSnr

dtddSnr

dtdM )'( rrrrr

φρφρ

e, lembrando que )()( tUdttrd O

rr= , temos:

∫∫∫∫ ×−×−×=BB SS

O dSnrdtddSnUFrM )'( rrrrrrr

φρφρ

Por fim, devemos observar que )'( nr rr× é um vetor fixo com relação ao

sistema de coordenadas solidário ao corpo e, portanto:

)'()'( nrdt

nrd rrrrr

××Ω=×

O momento resulta, então:

∫∫∫∫∫∫ ××Ω−×∂∂

−×−×=BBB SSS

O dSnrdSnrt

dSnUFrM )'()'( rrrrrrrrrrφρφρφρ

Deve-se notar que o primeiro termo corresponde ao momento gerado pela

força resultante aplicada na origem do sistema móvel em relação à origem do

sistema fixo. Dessa forma, o momento hidrodinâmico calculado com relação à

origem do sistema que se move com o corpo é dado por:

Fr

∫∫∫∫∫∫ ××Ω−×∂∂

−×−=BBB SSS

dSnrdSnrt

dSnUM )'()'( rrrrrrrrφρφρφρ (2.26)

Considerando, agora, a decomposição do potencial (2.23) na expressão do

momento (2.26), temos:

∑=

=6

1iiMM

rr

onde:

Page 50: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 48

∫∫∫∫∫∫ ××Ω−×−×−=BBB S

iiS

iiS

iii dSnrUdSnrUdSnUUM )'()'( rrrrr&rrrϕρϕρϕρ (2.27)

As expressões (2.25) e (2.27) sumarizam o cálculo da força e momento

hidrodinâmicos atuantes sobre um corpo tridimensional que realiza um movimento

arbitrário através do fluido. Cabe notar, todavia, que cada um dos integrandos

presentes nestas duas expressões representa um vetor que depende apenas da

geometria do corpo. Cada um destes vetores apresenta três componentes

j=1,2,3 e, de acordo com as condições de contorno no corpo definidas em (2.24),

podemos escrever cada uma destas componentes de uma maneira alternativa:

∫∫∫∫

∫∫∫∫

∂=×

∂=

+

BB

BB

S

ji

Sji

S

ji

Sji

dSn

dSnr

dSn

dSn

3)'(ϕ

ϕϕ

ϕϕϕ

rr

Dessa forma, verifica-se que todas as integrais presentes em (2.25) e (2.27)

podem ser agrupadas em uma matriz (6X6), usualmente denominada matriz de

massa adicional, dada por:

∫∫ ∂∂

=BS

lklk dS

nm

ϕϕρ k=1,..,6 e l=1,..,6 (2.28)

Cada um dos termos de força e momento hidrodinâmicos depende apenas

das velocidades e acelerações de corpo rígido e dos coeficientes de massa

adicional mkl. Esses últimos, por sua vez, dependem exclusivamente da geometria

do corpo e, uma vez que estamos trabalhando no contexto de fluido inviscido, os

coeficientes de massa adicional caracterizam plenamente as propriedades

hidrodinâmicas do corpo22.

É importante ressaltar, também, que as expressões de força e momento

(2.25) e (2.27) foram deduzidas sob a hipótese de o fluido não ser limitado por

outras fronteiras que não aquelas impostas pelo próprio corpo. Nos casos em que

22 Obviamente, a geometria do corpo traz implicações também sobre o arrasto hidrodinâmico

decorrente dos efeitos de viscosidade.

Page 51: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 49

efeitos de superfície-livre são relevantes, por exemplo, estas expressões se

modificam. Retornaremos a este problema nos capítulos 4 e 5.

Antes de encerrar este breve apanhado sobre a teoria de escoamento

potencial, algumas propriedades importantes relativas aos coeficientes de massa

adicional serão discutidas a seguir.

2.2.5. Massa Adicional

As massas adicionais do corpo representam, do ponto de vista físico, a

quantidade de fluido acelerada pelo movimento do corpo. Sua denominação

decorre de uma analogia direta com as forças de inércia do corpo rígido, as quais

se expressam na mesma forma das expressões (2.25) e (2.27), com a massa e os

momentos de inércia do corpo substituindo os coeficientes de massa adicional

(para uma demonstração desta analogia, ver Newman (1977), pg.148). Esta

igualdade de forma permite que as forças inerciais totais agindo sobre o corpo

sejam escritas através de uma matriz de massas virtuais, cujos coeficientes são

dados pela soma das inércias do corpo e adicionais (Mij + mij).

Deve-se, no entanto, tomar cuidado com essa analogia, observando, por

exemplo, que, em geral, as massas adicionais de translação (m11, m22, m33) de um

corpo são diferentes (a menos que simetrias geométricas sejam garantidas) e,

portanto, essas “massas” dependem da direção do movimento do corpo. Além

disso, não havendo a referida simetria, coeficientes cruzados (m12, m13, m23) serão

não-nulos, o que implica que as forças inerciais hidrodinâmicas terão direção

diferente da aceleração do corpo.

Do fato de as inércias fluidas dependerem da direção de movimento do

corpo decorre também o fato de o vetor quantidade de movimento do fluido não

ser, em geral, paralelo ao vetor velocidade do corpo, o que explica, de outro ponto

de vista, a existência do momento de Munk, discutida anteriormente.

A matriz de massas adicionais é uma matriz simétrica, ou seja: . A

demonstração dessa propriedade é simples, bastando-se aplicar o Teorema de

jiij mm =

Page 52: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 50

Green aos potenciais iϕ e jϕ sobre a superfície SB + SC (ver Figura 11). Se

tomarmos a superfície SC a uma distância suficientemente grande do corpo (e

temos liberdade para isso, nesse caso), a integral sobre SC se anulará em

decorrência da condição de evanescência do potencial. Assim:

∫∫ =⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∂∂

−∂

BS

ij

ji dS

nn0

ϕϕ

ϕϕ

e, portanto:

jiij mm =

Há, também, uma relação direta entre massa adicional e energia cinética do

fluido, como mostraremos a seguir:

A energia cinética do fluido (T) é dada por:

∫∫∫ ∇⋅∇=V

dVT )(21 φφρ (2.29)

com o domínio de integração representado todo o domínio fluido limitado por SB e

SC, de acordo com a Figura 11.

A energia cinética pode ser reescrita em função dos potenciais iϕ ,

empregando-se, para isso, a decomposição (2.23) na expressão (2.29):

∑∑∫∫∫ ∇⋅∇=i j V

jjii dVUUT )()(21 ϕϕρ

∑∑ ∫∫∫ ∇⋅∇=i j V

jiji dVUUT )(21 ϕϕρ

Por outro lado, a partir da definição dos coeficientes de massa adicional

(2.28) e da aplicação do Teorema da Divergência, temos23:

dVdVdSn

m jiV

ijVS

ijij

B

)()( ϕϕρϕϕρϕ

ϕρ ∇⋅∇=∇⋅∇=∂∂

= ∫∫∫∫∫∫∫∫

e, portanto:

23 Lembrar que 0=∆ iϕ

Page 53: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 51

∑∑=i j

jiij UUmT21 (2.30)

Assim, percebe-se que os coeficientes de massa adicional são constantes

que multiplicam termos quadráticos nas componentes de velocidade do corpo, o

que reforça, mais uma vez, a analogia dos coeficientes mij com “massas”.

Newman (1977) apresenta valores dos coeficientes de massa adicional

para algumas geometrias particulares, 2D e 3D, para as quais é possível obter

valores analíticos das massas adicionais. A Figura 12 apresenta os coeficientes de

massa adicional de algumas figuras planas (a maioria calculada através de

técnicas de mapeamento conforme).

Figura 12 – Coeficientes de massa adicional de alguns corpos 2D (fonte: Newman,1977)

A Figura 13 apresenta os coeficientes normalizados para elipsóides de

revolução, empregando como fatores de adimensionalização a massa e o

momento de inércia do volume fluido deslocado pelo corpo.

Page 54: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 52

Figura 13 – Coeficientes de massa adicional de elipsóides de revolução

Page 55: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 53

3. TEORIA LINEAR DE ONDAS DE GRAVIDADE

“The basic law of the seaway

is the apparent lack of any law”

Lord Rayleigh

O que caracteriza de fato a chamada hidrodinâmica marítima é o estudo da

propagação de ondas na superfície do mar. O estudo do comportamento dinâmico

de estruturas flutuantes em ondas requer, como ponto de partida, que sejamos

capazes de modelar a excitação causada por uma determinada situação de mar.

O caráter aleatório das ondas do mar traz como conseqüência a necessidade de

um tratamento estatístico do problema (que será discutido nas seções 3.6 e 3.7),

tratamento este que se funda, como veremos, no estudo da chamada Teoria

Linear de Ondas de Gravidade.

Toda a modelagem matemática que será apresentada neste capítulo é

baseada na teoria do potencial, implicando, portanto, em escoamento irrotacional.

De fato, os fundamentos da teoria que hoje agrupamos sob o nome de teoria de

ondas de superfície foram estabelecidos antes da dedução das equações de

Navier-Stokes, como veremos na seção 3.1. Efeitos de viscosidade são

importantes em alguns problemas específicos, como no caso do estudo das forças

de excitação de ondas sobre corpos de pequenas dimensões (problema que

discutiremos mais adiante, no Capítulo 4) e no problema de geração de ondas

pelo vento (discutido, de forma breve, na seção 3.7). Todavia, para o estudo geral

de ondas de superfície e para o problema de comportamento no mar, os efeitos de

viscosidade podem, em geral, ser desprezados, com excelentes comprovações

experimentais (voltaremos a discutir este ponto na seção 4.1).

É importante destacar também que outros fenômenos ondulatórios são

verificados no ambiente oceânico, além das ondas de superfície que trataremos

neste capítulo. Exemplos destes fenômenos são as chamadas ondas internas

Page 56: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 54

(internal waves), causadas por diferenças de densidade, e as ondas inerciais

(inertial waves), associadas à aceleração de Coriolis. Nestes dois casos, no

entanto, as freqüências de oscilação são baixas o suficiente para não causar

efeitos dinâmicos significativos em corpos flutuantes ou imersos e, assim,

apresentam pouco interesse no contexto da engenharia naval. No outro extremo

do espectro, há fenômenos ondulatórios em altas freqüências, como as ondas

capilares, que também não afetam significativamente corpos de dimensões usuais

em engenharia naval e oceânica24.

Assim, este capítulo é dedicado à teoria que nos permite representar as

ondas de superfície e sua ação sobre corpos flutuantes e imersos e também as

ondas geradas pelo movimento de uma embarcação (importante, por exemplo, no

estudo de resistência ao avanço). Em particular, estudaremos esta teoria no

contexto das ondas de pequena amplitude, o que nos permitirá linearizar o

problema de contorno, trazendo grandes simplificações matemáticas. Veremos

que este procedimento é adequado para boa parte dos problemas em engenharia,

embora efeitos não-lineares sejam importantes em muitas aplicações de

engenharia naval e oceânica. De fato, a teoria não-linear de ondas é um tópico de

estudo importante para aqueles que pretendem atuar na área, mas não faz parte

do escopo deste curso básico. Aqui, nos restringiremos a discutir alguns aspectos

fundamentais da modelagem dos fenômenos não-lineares e discutir alguns dos

principais problemas decorrentes dos mesmos no campo da engenharia oceânica

(objetivos do Capítulo 5).

3.1. Nota Histórica

Raros são os livros didáticos na área de hidrodinâmica que trazem um contexto

histórico da evolução da teoria que trata das ondas de superfície. Este fato talvez

se deva a uma relativa desorganização do processo que levou ao que hoje

entendemos como teoria de ondas de gravidade. De fato, vários cientistas

24 Para uma descrição aprofundada destes fenômenos ondulatórios ver, por exemplo, Phillips

(1966).

Page 57: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 55

abordaram o tema, desenvolvendo um equacionamento que tem origem

praticamente simultânea com o desenvolvimento da teoria de fluidos ideais,

especialmente a partir do século XVIII, como vimos anteriormente. Muitos dos

trabalhos originais mais importantes, embora contribuam com resultados

fundamentais quanto à modelagem matemática do problema, trazem erros e foram

alvo de controvérsias no meio acadêmico durante muito tempo. Nesta seção

discutiremos alguns aspectos importantes deste desenvolvimento, com a

finalidade de situá-lo no contexto histórico abordado no capítulo anterior. Para os

que tiverem interesse em maiores detalhes, duas excelentes referências são Craik

(2004) e Craik (2005). Ao longo deste capítulo, notas adicionais sobre as origens

da teoria de ondas de superfície serão apresentadas, concomitantemente com o

equacionamento.

Não é de se surpreender que Newton tenha sido pioneiro na tentativa de

elaborar uma teoria matemática de ondas. Em seu Principia (1687), Newton

propôs uma analogia entre as ondas de superfície e o escoamento oscilatório em

um tubo em U. Embora com óbvias limitações, as hipóteses de Newton permitiram

equacionar corretamente a relação entre a freqüência angular (ω) e o comprimento

de onda (λ) na ausência de efeitos de fundo, deduzindo que λω 1∝ . Newton

estava consciente das limitações do modelo que propunha e explicitou que “isto é

verdade na suposição de que as partes de água sobem ou descem em linha reta,

mas, na verdade, este movimento é realizado em um círculo”.

Quase um século depois, já conhecidas as equações propostas por Euler,

Laplace reexaminou o problema das ondas. Foi ele o primeiro a mostrar que o

escoamento induzido pelas ondas é governado pela equação diferencial que hoje

conhecemos como Equação de Laplace. Através de uma descrição “Lagrangiana”

do movimento e denotando por x e z pequenos deslocamentos das partículas na

direção horizontal e vertical, com posição inicial (X;Z), Laplace chega nas

seguintes soluções periódicas:

Page 58: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 56

cZcZ

cZcZ

eecXtAz

eecXsentAx

//

//

cos)(

)(

−−=

+=

com z=0 representando o fundo. Já se verifica na dedução de Laplace, portanto, a

variação hiperbólica com a profundidade e as trajetórias elípticas das partículas

fluidas, corretamente satisfazendo a condição de impermeabilidade em Z=0.

Simultaneamente e de forma independente, Lagrange derivou as equações

linearizadas para ondas de pequena amplitude e obteve a solução para o caso

limite de ondas longas em profundidade finita. Para ondas em profundidade finita,

Lagrange descobriu que “a velocidade de propagação das ondas será aquela que

um corpo pesado iria adquirir ao cair de uma altura correspondente à metade da

altura da água no canal”, ou seja, gh .

Conquanto vários trabalhos adicionais tenham sido publicados neste

período, com diferentes graus de sofisticação, o próximo passo significativo na

modelagem adveio de um trabalho publicado por Cauchy25, então com 25 anos de

idade, como resultado de sua participação em um concurso lançado em 1813 pela

Académie de Sciences, do qual saiu vencedor. Poisson26, então um dos juízes do

concurso, depositou um memorial independente sobre o tema. Os trabalhos

apresentavam uma sofisticação matemática muito acima do comum para a época,

o que afastou os leitores e rendeu violentas críticas posteriores, especialmente por

parte dos cientistas ingleses que desenvolveram importantes trabalhos neste

campo ao longo do século XIX. A análise de Cauchy e Poisson empregava

transformadas de Fourier com superposição de infinitos modos estacionários,

cada qual com freqüência própria de oscilação, e aproximações assintóticas para

realizar as integrações. Além dos métodos matemáticos repelirem boa parte dos

25 Cauchy, Agustin-Louis (1789-1857): Matemático francês, famoso pelo rigor empregado em suas

demonstrações, realizou contribuições importantíssimas em diversas áreas da matemática

(análise, teoria das séries, cálculo a variáveis complexas, etc.) e física (óptica, hidrodinâmica,

elasticidade).

Page 59: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 57

leitores, alguns resultados físicos, decorrentes de fato do caráter dispersivo das

ondas de gravidade, eram contrários à intuição, o que colaborou ainda mais para

as críticas negativas. Todavia, embora trouxesse algumas inconsistências, a

análise de Cauchy-Poisson é hoje tida como um importante marco da teoria

matemática de problemas de valor inicial.

A partir da primeira metade do século XIX, grandes contribuições à teoria

de ondas de superfície foram dadas por pesquisadores ingleses. Seguindo a

tradição empirista britânica, estes trabalhos foram orientados por importantes

experimentos científicos realizados em tanques de provas, dentre os quais

aqueles realizados por Russell27. Os experimentos de Russell ficaram famosos por

sua descoberta da onda solitária (solitary wave), à qual chamou (com certo

exagero, como depois escreveria Airy28) de “The Great Primary Wave”.

Dentre os importantes trabalhos desta época estão os de Green29, Airy e,

finalmente, Stokes30. Mais uma vez, intensas disputas acadêmicas em torno da

teoria foram travadas na época (ver Craik (2004), para maiores detalhes). Em seu

trabalho “On the motion of waves in a variable canal of small depth and width”, de

1838, Green apresenta provavelmente a primeira aplicação do que hoje

26 Poisson, Siméon Denis (1781-1840): físico-matemático francês com inúmeros trabalhos

fundamentais em matemática pura e aplicada, física-matemática e mecânica. 27 Russell, John Scott (1808-1882): Nascido em Glasgow, lecionou matemática e filosofia natural

na Universidade de Edimburgo. Posteriormente, trabalhou como engenheiro naval, função na qual

realizou diversos ensaios em canais. 28 Airy, Sir George Biddell (1801-1892): Astrônomo britânico, fez importantes contribuições à teoria

de ondas. 29 Green, George (1793-1841): matemático britânico; seu trabalho mais importante “An Essay on

the Applications of Mathematical Analysis to the Theories of Electricity and Magnetism” (1828),

introduz vários conceitos importantes, entre eles a idéia de funções potenciais e a classe de

funções que hoje recebe seu nome. 30 Stokes, George Gabriel (1819-1903): físico-matemático irlandês, Stokes lecionou durante muito

tempo na Universidade de Cambridge, período no qual publicou seus mais importantes trabalhos.

Considerado um dos cientistas mais importantes de seu tempo, tem contribuições fundamentais

em mecânica dos fluidos (entre elas, as equações de Navier-Stokes), óptica e física-matemática

(incluindo o teorema hoje conhecido como Teorema de Stokes).

Page 60: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 58

conhecemos como “Método de Escalas Múltiplas” ao problema de ondas e prova

que, em profundidade infinita, as trajetórias das partículas fluidas são círculos com

raios que decaem exponencialmente com a profundidade (muito embora esse

resultado pudesse ter sido facilmente obtido a partir do equacionamento proposto

muito tempo antes por Laplace). Embora seu maior interesse fosse na teoria das

marés, Airy trabalhou também sobre o problema de ondas em um canal, provando

a forma elíptica das trajetórias em profundidade finita e deduzindo corretamente a

relação de dispersão de ondas neste caso. Além disso, Airy afirmou

categoricamente que “...provided it be long in proportion to the depth of the fluid,

the wave can, when moving freely, have no other velocity than gh ...but Mr.

Russel was not aware of the influence of the length of the wave in any case and

therefore has not given it…”. Isto, combinado com sua crítica à importância

desproporcional dada por Russel à onda solitária, iniciou uma longa disputa entre

os dois pesquisadores.

Os trabalhos mais importantes de Airy foram publicados quando Stokes

começava seus estudos sobre ondas. Sem dúvida, os trabalhos posteriores de

Stokes estão entre os mais influentes na história da teoria de ondas de superfície,

tendo sido ele, por exemplo, quem formalizou de forma definitiva o

equacionamento de ondas irregulares através da somatória de componentes

harmônicas. Stokes também introduziu importantes avanços com relação à

modelagem não-linear de ondas e seus resultados voltarão a ser discutidos no

Capítulo 5. Um histórico bastante completo da trajetória científica de Stokes pode

ser encontrado em Craik (2005).

3.2. O Problema de Contorno: Ondas Planas Progressivas

Revisaremos, deste ponto em diante, os principais aspectos da chamada

Teoria Linear de Ondas de Gravidade, com a qual o aluno já teve um primeiro

contato nas disciplinas de graduação do curso de Engenharia Naval. Estudaremos

inicialmente o problema mais simples, referente a uma onda plana progressiva,

cuja solução constitui a base para a modelagem estatística das ondas do mar que

Page 61: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 59

discutiremos mais adiante. Este problema está ilustrado, esquematicamente, na

figura abaixo.

Figura 14 – Onda plana progressiva em região de profundidade h

A onda, neste caso, se caracteriza por sua amplitude A (ζa na figura), pelo seu

comprimento λ e seu período de oscilação T. A elevação da superfície é descrita

pela relação z = ζ(x,t). A partir destes parâmetros básicos, podemos definir outros

que serão importantes para a compreensão do problema. Assim, podemos definir

a freqüência angular da onda ( Tπω 2= ) e o chamado número de onda

( λπ2=k ).

A velocidade de fase (ou velocidade de propagação) da onda é a velocidade

de movimento das cristas e cavas e é, obviamente, definida por:

T

c λ= (3.1)

A altura de onda (H) é definida pela altura entre a crista e a cava da onda e sua

declividade (wave steepness, em inglês) é dada por H/λ.

No contexto da teoria potencial, o problema consiste em determinar o potencial

de velocidades φ(x,z,t) do escoamento induzido por este campo ondulatório. Uma

vez conhecido tal potencial, o campo de velocidades no fluido estará definido,

assim como o campo de pressões, através da Equação de Bernoulli na sua forma

(2.7). Discutiremos, a seguir, a formulação do problema de contorno e sua solução

mais simples, que dá origem à chamada teoria linear de ondas.

Page 62: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 60

Condição de Continuidade e Equação de Laplace

Como vimos anteriormente, no contexto da teoria potencial toda a dinâmica

do fluido resulta da imposição da condição de conservação de massa. Assim, a

equação básica a ser satisfeita é a equação de Laplace:

02

2

2

2

2

2

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂∂

+∂∂

+∂∂

=∆zyxφφφφ

No caso em estudo, temos: 0=∂∂ yφ e 022 =∂∂ yφ . Assim, no problema

plano:

02

2

2

2

=⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂∂

+∂∂

=∆zxφφφ (3.2)

Procuramos uma solução que resulte em uma oscilação harmônica do

potencial em x e no tempo e sabemos que a perturbação causada pela onda decai

à medida que nos afastamos da superfície. Tais aspectos físicos naturalmente nos

induzem a procurar uma solução da forma31:

(3.3) ])(Re[),,( tiikxezPtzx ωφ +−=

Substituindo (3.3) na equação de Laplace, resulta a seguinte equação

diferencial ordinária de segunda-ordem:

0)()( 22

2

=−∂

zPkz

zPd ,

a qual deve ser satisfeita em todo o domínio fluido. A solução mais geral desta

equação é dada em termos de funções exponenciais:

(3.4) kzkz eCeCzP −+= 21)(

31 Podemos descrever a solução em termos reais como )()(),,( tkxsenzPtzx ωφ −= , bastando

lembrar que: . Todavia, nos interessa manter a notação complexa, pois

esta será importante no tratamento do problema de comportamento no mar, que será discutido no

capítulo 5.

)()cos( ααα isenei +=

Page 63: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 61

com constantes C1 e C2 a serem determinadas. Portanto, a solução geral da

equação de Laplace com uma função da forma (3.3) resulta:

(3.5) ])Re[(),,( 21tiikxkzkz eeCeCtzx ωφ +−−+=

As duas constantes ainda indefinidas presentes na solução, cujos valores a

particularizam, dependerão, então, das condições de contorno do problema. O

contorno em questão é dado pelo fundo e pela própria superfície-livre z = ζ(x,t). A

seguir, discutiremos as condições físicas a serem impostas nestas fronteiras.

A Condição de Contorno no Fundo

Naturalmente, a condição de contorno a ser imposta no fundo é a condição

de impermeabilidade desta fronteira (z=-h), que se expressa por:

0=∂∂

zφ em z=-h (3.6)

e, substituindo (3.5) em (3.6), temos:

021 =−− khkh eCeC

condição satisfeita se: kheCC 21 = e kheCC −= 22

Portanto, a função P(z) dada em (3.4) pode ser reescrita na forma:

)(cosh)(2

)( )()( hzkCeeCzP hzkhzk +=+= +−+

e o potencial de velocidades resulta, então:

(3.7) ])(coshRe[),,( tiikxehzkCtzx ωφ +−+=

restando, ainda, a determinação de C.

Condição de Contorno Dinâmica na Superfície-Livre

A própria natureza da superfície-livre exigirá duas condições a serem

impostas. A primeira, chamada de condição dinâmica, garante que a pressão

hidrodinâmica na superfície seja igual à pressão atmosférica, ou seja p=p0 para

Page 64: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 62

z=ζ. Assim, sobre a superfície-livre, a equação de Bernoulli para escoamentos

não-permanentes (2.7), implicará:

021 02 =

−−=+∇+

∂∂

ρζφφ pp

gt

(3.8)

É possível mostrar, através de um argumento de escala, que na hipótese

de ondas de pequena declividade ( 1/ <<λA ou, alternativamente, ), o

termo quadrático na velocidade é desprezível face ao termo linear

1<<kA

t∂∂ /φ , pois32:

1)(/

2

<<=∂∂

∇ kAOtφ

φ

Como primeira etapa da linearização do problema, podemos desprezar o

termo quadrático na condição dinâmica, cuja forma linear resulta então:

tg ∂

∂−=

φζ 1

A rigor, a condição acima deveria ser imposta sobre a superfície z=ζ, a qual

não é conhecida a priori, o que, de fato, constitui outra fonte de não-linearidade do

problema. Todavia, é fácil notar que, de forma consistente com a linearização

proposta acima, podemos adotar, com erros da mesma ordem:

tg ∂

∂−=

φζ 1 em z=0 (3.9)

Dada a variação harmônica no espaço e no tempo assumida para o

potencial de velocidades (eq. 3.3), a condição (3.9) implica em uma oscilação

também harmônica da superfície-livre, a qual, então, pode ser admitida da forma:

)cos(),( tkxAtx ωζ −= (3.10)

Assim, substituindo (3.7) em (3.9) e observando (3.10) obtemos, finalmente:

kh

igACcoshω

=

O potencial de velocidades do escoamento resulta, então:

)(cosh

)(coshcosh

)(coshRe),,( tkxsenkh

hzkgAekh

hzkigAtzx tiikx ωωω

φ ω −+

=⎥⎦⎤

⎢⎣⎡ +

= +− (3.11)

32 A demonstração fica como exercício.

Page 65: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 63

Observando (3.11), é fácil notar que, no limite de profundidade infinita

( ), o potencial de velocidades é dado simplesmente por: ∞→h

)(Re),,( tkxsenegAeeigAtzx kztiikxkz ωωω

φ ω −=⎥⎦⎤

⎢⎣⎡= +− (3.12)

Neste ponto, aparentemente a solução está completa, mas, como veremos,

há ainda uma restrição adicional que traduz uma característica extremamente

importante da física das ondas de gravidade.

Condição de Contorno Cinemática na Superfície-Livre

Devemos garantir a compatibilidade entre a velocidade do fluido ( φ∇ ) e a

velocidade da superfície. Para isso, observemos que a superfície é descrita por

z=ζ(x,t) e, portanto:

dtdx

xtdtdz

∂∂

+∂∂

=ζζ em z=ζ

A referida compatibilidade cinemática implica, então, que:

xxtz ∂

∂∂∂

+∂∂

=∂∂ φζζφ em z=ζ

mas, de acordo com a hipótese de pequena declividade, o segundo termo na

equação acima é pequeno comparado com o primeiro33 e, dessa forma, podemos

desprezar este termo de segunda-ordem, resultando:

tz ∂

∂=

∂∂ ζφ em z=0 (3.13)

No contexto da teoria linear, a condição cinemática (3.13) pode ser

combinada com a condição dinâmica (3.9) para fornecer uma condição de

contorno única na superfície, conhecida como condição de Cauchy-Poisson:

33 Observar que )/( λζ AOx =∂∂

Page 66: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 64

012

2

=∂∂

+∂∂

tgtz φ em z=0

ou, alternativamente:

02

2

=∂∂

+∂∂

zg

tφφ em z=0 (3.14)

Substituindo a solução (3.11) na identidade acima, decorre uma relação

entre a freqüência ω e o número de onda k na forma:

khg

ktanh

2ω= (3.15)

que é conhecida como relação de dispersão de onda.

Analogamente, substituindo (3.12) em (3.14) ou observando que

quando , obtém-se a relação de dispersão em águas

profundas:

1tanh →kh ∞→kh

g

k2ω

= (3.16)

A relação de dispersão impõe, então, uma relação entre o comprimento de

onda e seu período de oscilação. Em termos da velocidade de propagação da

onda, (3.15) implica que:

khkg

kTc tanh===

ωλ (3.16)

e, portanto, a velocidade de fase da onda cresce com seu comprimento. Essa

dependência da velocidade de propagação na freqüência (e, portanto, no

comprimento de onda), mostra que ondas de diferentes freqüências se propagarão

com velocidades diferentes. Assim, se em um dado momento verificamos um mar

no qual identificamos uma superposição de ondas de diferentes freqüências

(característico de um mar em uma região de tempestades), com o passar do

tempo, à medida que estas ondas se afastam da região de geração, as diferentes

“componentes” do mar tendem a se dispersar, formando zonas mais homogêneas,

Page 67: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 65

com períodos e comprimentos bem definidos (situação conhecida como swell)34.

Daí dizermos que as ondas de gravidade são ondas dispersivas.

Através de (3.16), podemos também avaliar a influência da profundidade

sobre a velocidade de propagação e estudar os seus limites assintóticos em águas

profundas e águas rasas.

Em águas profundas, a velocidade de fase é dada por:

Tkgc 56.125.1 ≅≅= λ

Já no limite de águas rasas ( ) a velocidade de propagação será

(como já observara Airy em sua contenda com Russel) necessariamente:

0→kh

ghc =

indicando que, neste limite, as ondas não mais serão dispersivas. A esta

velocidade se dá o nome de velocidade crítica de propagação. De fato, (3.16) já

mostra que, à medida que a onda caminha para regiões de menor profundidade,

sofre uma desaceleração. Essa dependência da velocidade de propagação na

profundidade dá origem ao fenômeno de refração de ondas, que voltaremos a

discutir mais adiante.

Campo de velocidades e campo de pressões

Uma vez determinado o potencial de velocidades do escoamento, conhece-

se a cinemática das partículas fluidas e, através da equação do movimento, o

campo de pressões no fluido.

O campo de velocidades no fluido é dado por:

ktzxwitzxutzxtzxvrrr ),,(),,(),,(),,( +=∇= φ

com as componentes de velocidade, no caso mais geral de profundidade finita, na

forma:

34 Isso explica porque os marinheiros experientes interpretam um swell como sinal de aproximação

de uma tempestade.

Page 68: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 66

)sin(

sinh)(sinh),,(

)cos(sinh

)(cosh),,(

tkxkh

hzkAtzxw

tkxkh

hzkAtzxu

ωω

ωω

−+

=

−+

= (3.17)

A variação espacial deste campo de velocidades é ilustrada na figura

abaixo, que deve ser entendida como um “retrato” do campo em um determinado

instante de tempo.

Figura 15 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade finita

É fácil verificar que no limite de profundidade infinita o campo de

velocidades resulta:

(3.18) )sin(),,()cos(),,(

tkxAetzxwtkxAetzxu

kz

kz

ωω

ωω

−=

−=

demonstrando que, na ausência de efeitos de fundo, a velocidade do escoamento

(e, como veremos, o campo de pressões dinâmicas) decai exponencialmente com

a profundidade, como ilustrado abaixo:

Figura 16 – Campo de velocidades do escoamento em profundidade infinita

Page 69: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 67

As trajetórias descritas pelas partículas fluidas podem ser facilmente

obtidas observando que, no contexto de pequena declividade da onda (pequenos

deslocamentos das partículas fluidas), podemos aproximar a equação da trajetória

integrando no tempo os campos de velocidade (3.17) e (3.18) em torno da posição

média de cada partícula ( xx ≈ ; zz ≈ ).

Assim, em profundidade finita, podemos escrever:

1

sinh)(sinh

)(

sinh)(cosh

)(2

2

2

2

=

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

−+

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

khhzkA

zz

khhzkA

xx

indicando que, no contexto da teoria linear de ondas, as trajetórias das partículas

fluidas em profundidade finita correspondem a órbitas elípticas, cujos semi-eixos

verticais decaem mais rapidamente com a profundidade, até o limite em que

resultam nulos sobre o fundo ( hz −= ). Na superfície-livre ( 0=z ), o semi-eixo

vertical equivale à amplitude da onda. Estas trajetórias são esquematizadas na

figura a seguir.

Figura 17 – Trajetórias das partículas em profundidade finita

Em profundidade infinita, por sua vez, as trajetórias correspondem a órbitas

circulares, cujo raio decai exponencialmente com a profundidade:

222 )()()( zkAezzxx =−+−

A figura abaixo ilustra as trajetórias neste limite:

Page 70: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 68

Figura 18 – Trajetórias das partículas em profundidade infinita

O campo de pressões no fluido é obtido mediante a aplicação da equação

de Bernoulli para escoamentos irrotacionais não-permanentes (eq. 2.7). Todavia,

para sermos consistentes com a linearização empregada, devemos desprezar o

termo não-linear nas velocidades (proporcional a ) e, dessa forma, obtemos o

chamado campo de pressões linear, dado por:

2φ∇

)cos(cosh

)(cosh),,( tkxkh

hzkgAgztzxp ωρρ −+

+−= (3.19)

ou, no caso de profundidade infinita:

(3.20) kzkz etxggztkxgAegztzxp ),()cos(),,( ζρρωρρ +−=−+−=

Nas expressões (3.19) e (3.20), o primeiro termo corresponde à parcela

hidrostática da pressão e o segundo à chamada parcela de pressão dinâmica. No

estudo de comportamento mar, a ação desta parcela dinâmica de pressão será

responsável pelas chamadas forças de excitação de ondas de primeira-ordem35.

Retornaremos a este ponto no Capítulo 4.

35 Uma discussão sobre as forças de excitação de segunda-ordem é alvo do Capítulo 6. Dentre

estas forças encontram-se, por exemplo, as chamadas forças de deriva, extremamente importantes

na análise dinâmica de sistemas oceânicos.

Page 71: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 69

3.3. Energia

As ondas de gravidade decorrem de um balanceamento entre a energia

cinética e a energia potencial do fluido. A definição da energia de onda e da

velocidade com a qual essa energia é transportada é importante, por exemplo, no

estudo de resistência ao avanço de embarcações.

No caso geral, em um certo volume de fluido pré-definido (∀), a energia

total será dada pela soma das parcelas cinética (K) e potencial (P), na forma:

∀⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +∇⋅∇=+ ∫∫∫

dgzPK φφρ21 (3.21)

Consideremos agora uma coluna vertical que se estende do fundo à

superfície-livre, de forma que a área da superfície-livre média (z=0) delimitada por

esta coluna seja unitária. A densidade de energia ou energia por unidade de área

da superfície-livre média será dada por:

)(21

21

21 22 hgdzdzgzPKE

h h

−+∇⋅∇=⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +∇⋅∇=+= ∫ ∫

− −

ζρφφρφφρζ ζ

Deve-se observar, no entanto, que o termo de energia potencial dado por

corresponde a uma parcela de energia constante entre o fundo e a superfície

média e, portanto, não está relacionado ao movimento ondulatório, razão pela qual

será desconsiderado doravante.

22/1 ghρ

Retomando o problema mais simples de uma onda plana progressiva em

profundidade infinita, podemos considerar o campo de velocidades ( φ∇ ) cujas

componentes são dadas por (3.18) e proceder à integração do termo de energia

cinética, resultando:

2222

21

4ζρρω ζ ge

kAE k += (3.22)

Podemos simplificar a expressão acima notando que, no contexto da teoria

linear, temos necessariamente 1<<ζk e, portanto, o termo exponencial na parcela

cinética pode ser considerado unitário. Além disso, empregando a relação de

dispersão em águas profundas (3.16) e a equação da superfície (3.10), podemos

reescrever (3.22) na forma:

Page 72: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 70

)(cos21

422

2

tkxgAgAE ωρρ−+=

É interessante tomarmos o valor médio da energia ( E ) no decorrer de um

período de onda36 (T) e, neste caso, chega-se a:

222

21

44gAgAgAE ρρρ

=+= (3.23)

Seguindo procedimento análogo, é possível mostrar que a equação (3.23)

vale também para o caso mais geral de ondas em profundidade finita (a

demonstração fica como exercício) e, portanto, que a energia média de onda se

divide igualmente entre as parcelas cinética e potencial.

Podemos analisar também a velocidade com que a energia média de onda

é transportada à medida que a onda se propaga. Para tanto, determinaremos o

trabalho realizado pelo fluido. A figura abaixo mostra um plano vertical AA’

perpendicular à direção de propagação da onda. Consideraremos um elemento

desse plano com largura unitária e altura dz (destacado na figura):

Figura 19 – Transporte de Energia

36 dtET

ETt

t∫+

=1

Page 73: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 71

O trabalho realizado pelo fluido que passa por este elemento é dado pelo

produto entre a força e a distância, ou seja:

)..(.1. dtudzpdW =

e, portanto, o trabalho médio realizado em um período de onda, ou a potência, é

dada por:

dtpudzT

WTt

t h∫ ∫+

=01

já considerando que a parcela entre z=0 e z=ζ pode ser desprezada no contexto

da teoria linear de ondas. Empregando (3.19) e (3.17), a expressão acima resulta:

dtdztkxzhk

khkhTAkg

dtdztkxzhkzkhT

AkgW

Tt

t h

Tt

t h

∫ ∫

∫ ∫+

+

−++

+−+−=

022

22

02

)(cos)(coshcoshsinh

)cos()(coshsinh

ωω

ρ

ωωρ

(3.24)

É fácil perceber, no entanto, que o primeiro termo de (3.24) resulta nulo e

observando que:

hkhk

dzzhkh 2

12sinh41)(cosh

02 +=+∫

chega-se a:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ += hkh

kkhgAW

212sinh

41

2sinh

2ωρ

ou ainda, em termos da velocidade de fase ( kc ω= ):

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +=

khkhcgAW2sinh

2122

1 2ρ (3.25)

Velocidade de Grupo

A potência média realizada em um ciclo de onda (3.25) pode ser também

escrita em termos da energia média:

gcEW =

Page 74: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 72

onde cg representa a velocidade com que a energia se propaga e é chamada

velocidade de grupo (group velocity)37.

No caso mais geral de profundidade finita, a velocidade de grupo é,

portanto, dada por:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +=

khkhccg 2sinh

212

(3.26)

Os limites assintóticos são fáceis de se verificar:

i) Em profunidade infinita ( ∞→kh ), a velocidade de grupo é metade da

velocidade de fase: 2ccg =

ii) No limite de águas rasas , a velocidade de grupo coincide com

a própria velocidade de fase:

)0( →kh

ccg =

Voltaremos a discutir o conceito de velocidade de grupo mais adiante, na

seção (3.5). Antes, contudo, discutiremos efeitos interessantes que ocorrem

quando ondas planas progressivas se propagam em regiões de profundidade

variável.

3.4. Efeitos de Profundidade Variável

Até o momento, a teoria apresentada considerou o problema de ondas em

profundidade constante. Estudaremos, agora, os efeitos previstos pela teoria linear

quando a onda se propaga em um local no qual a profundidade varia de forma

considerável em relação ao comprimento de onda. Talvez o exemplo mais claro

deste tipo de situação sejam as ondas que chegam a uma praia, provenientes de

alto-mar. Todavia, no caso de profundidade variável, o período de onda (e,

37 A razão desta denominação ficará mais clara quando discutirmos a superposição de ondas, mais

adiante.

Page 75: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 73

portanto, sua freqüência) é a única propriedade que se mantém inalterada. Alguns

fenômenos importantes como variações na velocidade de fase e velocidade de

grupo podem ser inferidas a partir da teoria já apresentada nas seções

precedentes. Nesta seção, discutiremos aspectos importantes referentes a

variações na altura de onda e no movimento do fluido e o chamado fenômeno de

refração de ondas.

Variações na Altura de Onda e no Movimento das Partículas Fluidas

A variação na altura de onda (H) induzida por variações de profundidade

pode ser inferida considerando-se o princípio de conservação da energia de onda.

Assim, tomemos o exemplo ilustrado abaixo de uma onda que se propaga de uma

região de grande profundidade para um local (praia) de profundidade decrescente.

hh

Figura 20 – Propagação de Ondas em Profundidade Variável

Suponhamos dois planos verticais perpendiculares à frente de ondas, o

primeiro ainda em profundidade infinita e o segundo em uma profundidade

genérica h. Sabemos que a energia de onda entre os dois planos verticais deve

ser conservada e, portanto, os fluxos de energia através dos dois planos verticais

devem ser iguais. Assim, empregando o sub-índice “∞” para indicar as

propriedades da onda em profundidade infinita, podemos escrever:

Wkh

khcgAc

gAW =⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +== ∞

∞∞ 2sinh21

221

221 22 ρρ

Page 76: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 74

e, assim:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

== ∞

∞∞

khkhc

cHH

AA

2sinh21

1

ou, a partir das relações (3.16) e após alguma álgebra, pode-se escrever:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ +

==∞∞

khkhkhH

HAA

2sinh21tanh

1 (3.27)

Além da variação na altura de onda, podemos inferir as variações na

trajetória e velocidade das partículas fluidas. De fato, é fácil verificar a partir das

equações (3.17) e (3.18) que as relações entre as amplitudes das componentes

de velocidade das partículas fluidas na superfície média (z=0) são dadas por:

∞∞

∞∞

===

===

AA

zwzw

khkh

AA

zuzu

)0()0(

sinhcosh

)0()0(

(3.28)

Percebe-se, portanto, que, enquanto a velocidade vertical aumenta na

proporção da altura de onda, a velocidade horizontal sofre um acréscimo muito

mais significativo à medida que a profundidade de onda diminui. Isso traduz,

obviamente, um alongamento horizontal das trajetórias à medida que a onda se

propaga para regiões de menor profundidade. Esse efeito é ilustrado na figura

abaixo, que mostra as variações nas trajetórias para uma onda de comprimento

m100=∞λ para diferentes valores de profundidade:

Figura 21 – Efeitos de profundidade sobre as trajetórias das partículas fluidas

Page 77: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 75

A figura a seguir apresenta as variações de altura de onda (3.27) e

velocidade horizontal (3.28) em função do parâmetro adimensional ∞λh .

Profundidade adimensional ∞λh

Figura 22 – Efeitos de profundidade sobre a altura de onda e velocidade do fluido

Algumas conseqüências práticas importantes podem ser discutidas à luz

dos resultados apresentados acima. Inicialmente, observamos que a altura de

onda aumenta à medida que a profundidade diminui. Ao mesmo tempo, porém,

sabemos que o comprimento de onda sofre uma redução, acompanhando a

redução na velocidade de fase da onda, uma vez que khtanh=∞λλ .38

Conseqüentemente, a declividade da onda aumenta conforme a profundidade

diminui. Há um limite de estabilidade da onda caracterizado por um valor máximo

de declividade, observável experimentalmente, acima do qual a onda irá

“quebrar”39. Nesse limite, obviamente, efeitos não-lineares se tornam importantes,

fugindo do contexto da teoria linear. No entanto, os resultados acima identificam

38 Podemos entender o que ocorre à medida que as ondas atingem a praia como uma

“compactação” do trem de ondas, com conseqüente aumento de altura em função da conservação

da energia de ondas. 39 Em águas profundas, esse limite é dado aproximadamente por 14.0=λH

Page 78: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 76

os fenômenos físicos principais que explicam, por exemplo, o comportamento das

ondas do mar que incidem sobre uma praia.

É interessante notar ainda que variações significativas na altura de onda só

são previstas para profundidades muito baixas, tipicamente para 06.0<∞λh e,

dessa forma, essa variação é de pouco interesse no contexto da engenharia naval

e oceânica, muito embora seja importante, por exemplo, para a área de

engenharia costeira. Por outro lado, a variação na velocidade horizontal do

escoamento é mais significativa e encontra aplicações importantes no estudo de

forças hidrodinâmicas sobre plataformas fixas em regiões de baixa profundidade,

por exemplo.

Por fim, os resultados da figura acima atestam, de forma gráfica, que os

efeitos de profundidade sobre o campo de velocidades do escoamento e sobre o

perfil da onda são de fato desprezíveis para 5.0>λh , valor usualmente

empregado como limite de validade da hipótese de profundidade infinita.

O Fenômeno de Refração de Ondas

Suponhamos o caso de um trem de ondas planas que incide obliquamente

sobre uma praia de batimetria uniforme, ilustrado na figura abaixo.

praia

h1h2h3

cristasdireção da onda

praia

h1h2h3

cristasdireção da onda

Figura 23 – Onda incidindo obliquamente em praia de batimetria uniforme

Page 79: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 77

Como a velocidade de fase (que caracteriza a velocidade das cristas)

diminui com a profundidade, as regiões das cristas localizadas em maior

profundidade se moverão com velocidades maiores do que aquelas em

profundidades menores. Assim, o trem de ondas experimentará uma rotação,

alterando a sua direção à medida que a onda se aproxima e tendendo a incidir

paralelamente à linha da praia. A esse fenômeno de variação da direção do trem

de ondas dá-se o nome de refração40. Esse fenômeno explica, portanto, a

tendência que observamos de as ondas incidirem de forma mais ou menos

paralela à praia, independentemente da direção de propagação em alto mar.

3.5. Superposição de Ondas Planas

O princípio de superposição de ondas pode ser aplicado, por exemplo, para

modelar o problema de reflexão de ondas. O caso mais simples é o de uma onda

plana com amplitude A e freqüência ω que incide sobre uma parede vertical. Essa

parede reflete integralmente a energia de onda incidente. Nesse caso, portanto, o

sistema de ondas final será composto por duas componentes harmônicas de

mesma freqüência, mas que se propagam em direções opostas:

tkxAtkxAtkxAtx ωωωζ coscos2)cos()cos(),( =++−= (3.29)

e o potencial, no caso de águas profundas, será dado por:

tkxegAtzx kz ωω

φ sincos2),,( −= (3.30)

Percebe-se, assim, que a onda gerada na superfície através da superposição

das ondas incidente e refletida terá amplitude máxima igual ao dobro da amplitude

40 Do latim “re-frangere”, que significa “mudar de direção”.

Page 80: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 78

de onda incidente. Além disso, esta onda não se caracteriza como uma onda

progressiva, sendo conhecida como “onda estacionária” (em inglês, standing

wave). É fácil verificar que existem infinitos pontos na superfície

,..5,3,1;21 == n

knx π nos quais a amplitude de onda é sempre nula no decorrer do

tempo. Estes pontos, assim como os pontos de amplitude máxima, são fixos no

tempo e daí decorre a denominação “onda estacionária”. A figura abaixo

apresenta uma superposição de fotografias de uma onda estacionária obtida em

tanque de provas. É interessante observar que as trajetórias das partículas fluidas

de uma onda estacionária não correspondem a órbitas fechadas como no caso de

ondas progressivas.

Figura 24 – Movimento do Fluido sob uma Onda Estacionária. (fonte: Newman,1977)

Em engenharia naval este tipo de onda surge, por exemplo, no movimento do

líquido contido no interior de tanques de embarcações parcialmente cheios,

fenômeno conhecido como sloshing, embora, neste caso, efeitos de profundidade

finita devam ser incorporados. Ondas estacionárias também se podem se fazer

presentes em moonpools de sistemas oceânicos.

No caso de ondas que incidem sobre uma praia (a qual absorverá parte da

energia de onda incidente) ou sobre um navio (o qual irá refletir parcialmente a

energia de onda, permitindo a transmissão da energia restante), a amplitude da

onda refletida será reduzida. A razão entre a amplitude de onda refletida e a

amplitude de onda incidente (A) define o chamado coeficiente de reflexão (CR).

Page 81: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 79

Assim, no caso bidimensional, o campo de ondas composto pela onda incidente e

pela onda refletida pode ser escrito41:

(3.31) ]Re[),( tiikxR

tiikx eCeAtx ωωζ ++− +=

Em um tanque de provas, quer seja ele dotado de absorção passiva (praia)

ou de algum sistema ativo de absorção de ondas, é comum a presença de ondas

refletidas nas próprias extremidades do tanque ou por um modelo presente no

tanque. Geralmente essas ondas são de pequena amplitude e se fazem notar na

forma de uma modulação de amplitude do campo de ondas incidente. De fato,

(3.11) pode ser reescrita na forma:

(3.32) )]1(Re[),( 2kxiR

tiikx eCeAtx += +− ωζ

onde o termo entre parênteses denota a variação de amplitude, que oscila em x

com metade do comprimento de onda incidente (ou com o dobro do número de

onda). Com o auxílio de (3.32), o coeficiente de reflexão de ondas regulares de um

tanque de provas pode então ser medido através da monitoração da amplitude de

onda em dois ou mais pontos ao longo da direção de propagação.

Através da superposição de ondas podemos também realizar uma

interpretação alternativa do conceito de velocidade de grupo. Imaginemos, então,

a superposição de duas ondas harmônicas de mesma amplitude e com

freqüências próximas δωω ± e correspondentes números de onda kk δ± , as

quais se propagam na mesma direção, sendo que 1<<ωδω (e, portanto,

1<<kkδ ). A elevação da superfície será dada por:

])()cos[(])()cos[(),( txkkAtxkkAtx δωωδδωωδζ −−−++−+=

e a expressão acima pode ser reescrita na forma:

)cos(2),()cos(),(),(

tkxAtxtkxtxtx

δωδςωςζ

−=−=

(3.33)

41 Adotaremos a notação complexa, pois a fase da onda refletida pode ser diferente de zero e,

nesse caso, o coeficiente de reflexão assume valores complexos.

Page 82: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 80

A função ),( txς é uma função de modulação, conhecida como envoltória,

cujo período δωπ2 e comprimento de onda kδπ2 são muito maiores do que os

respectivos períodos e comprimentos das componentes harmônicas que se

sobrepõem. Para ilustrar tal modulação, a figura da página seguinte apresenta a

elevação da superfície para o caso em que A=1, 1=ω e 201=ωδω , em

diferentes instantes de tempo (verifique que, para 1<<ωδω , ωδωδ 2≅kk ). O

perfil apresentado é conhecido como batimento e é típico das ondas observadas

na superfície do mar. Na figura (a) estão indicados os comprimentos das

componentes harmônicas (aproximadamente kπ2 ) e da modulação ( kδπ2 ).

Sabemos que as velocidades de fase das duas componentes

harmônicas são praticamente iguais e podem ser dadas, aproximadamente, por

kc ω= . Todavia, a envoltória se propaga com uma velocidade kcg δδω= , a qual,

no limite em que 0→kδ , pode ser definida como:

dkdcg

ω= (3.34)

A velocidade de grupo, portanto, corresponde também à velocidade com

que o “pacote” ou grupo de ondas se propaga (daí seu nome). Para ilustrar este

fato, na figura abaixo estão indicados dois pontos: o ponto denotado por ‘o’ se

desloca no tempo com a velocidade de grupo do sistema, enquanto o ponto

denotado por ‘∗’ se propaga com a velocidade de fase da onda. Percebe-se que

as componentes de onda se movem mais rapidamente, se deslocando através dos

“pacotes” de onda.

Page 83: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 81

0 100 200 3-4

-3

-2

-1

0

1

2

3

4t=0 s

0 100 200 3-4

-3

-2

-1

0

1

2

3

4

0 100 200 3-4

-3

-2

-1

0

1

2

3

4

)

Figura 25 – Composição de ondas d

2π/k

2π/δk

00 400 500 600x1

00 400 500 600x1

t=15 s

00 400 500 600x1

t=45 s

e freqüências próximas em dtempo

ζ(x,t

700 800

700 800

700 800

iferentes instantes de

Page 84: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 82

Algumas observações interessantes podem ser feitas a partir dos

resultados acima: A figura a seguir, extraída de Newman (1977), apresenta um

conjunto de imagens seqüenciais de um trem de ondas gerado em tanque de

provas. O eixo das abscissas representa a posição ao longo do tanque. Cada

imagem representa uma “fotografia” da superfície do tanque em um determinado

instante de tempo, avançando no sentido vertical (de cima para baixo). As ondas

se propagam da esquerda para a direita (batedor de ondas à esquerda). A

profundidade do tanque é suficiente para que se desconsiderem efeitos de fundo.

Figura 26 – Velocidade de Fase e Velocidade de Grupo (fonte:Newman,1977)

As duas linhas indicadas como “group velocity” indicam o deslocamento da

frente de onda e do final do trem de onda, como vistos no tanque, os quais se

movem com a velocidade de grupo da onda. A linha indicada por “phase velocity”

acompanha o deslocamento de uma crista de onda, que, obviamente, se propaga

com a velocidade de fase. Como a velocidade de fase é maior do que a

velocidade de grupo, o que ocorre é que as cristas de onda parecem “morrer” na

Page 85: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 83

frente do trem de ondas, enquanto ondulações surgem na superfície ao final do

mesmo.

Um outro ponto interessante: os períodos típicos das ondas do mar se situam

por volta de 4 a 12 segundos. O período das ondas representado nas figuras da

página anterior é de 6.28 segundos, portanto típico. Os surfistas costumam ter

como regra a afirmação de que, em um swell, “uma onda grande chega a cada

três ondas”. De fato, tal regra empírica apresenta uma certa consistência com a

teoria, o que pode ser confirmado ao se observar os batimentos apresentados

anteriormente.

Por fim, cabe destacar que a superposição de ondas harmônicas em seu caso

mais geral, com componentes de diferentes amplitudes, freqüências e, muitas

vezes, direções de propagação, constitui a técnica básica para a modelagem

estatística das ondas do mar, que será discutida em detalhes nas próximas

seções.

3.6. Ondas Irregulares

Dentre os diferentes fenômenos físicos responsáveis por induzir efeitos

ondulatórios no ambiente marítimo, encontramos a geração de ondas causada

pela ação do vento sobre a superfície do mar. As ondas de superfície originadas

por esta ação são aquelas que apresentam maior interesse no contexto da

engenharia naval e oceânica, uma vez que apresentam períodos e amplitudes

típicas capazes excitar de forma significativa a dinâmica de navios ou sistemas

oceânicos usuais. Estas ondas freqüentemente apresentam caráter bastante

aleatório, com períodos e alturas de ondas variando continuamente com o tempo

e, muitas vezes, com ondas se propagando em diferentes direções. Essa

aleatoriedade nos obriga, então, a uma modelagem estatística das ondas do mar,

com o intuito de extrairmos informações importantes sobre os efeitos causados

por diferentes “estados de mar” sobre navios ou sistemas oceânicos.

Page 86: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 84

Atualmente, existem diversas bases de dados com informações estatísticas

das ondas de mar para diferentes regiões do globo. Estas bases foram

construídas ao longo dos anos com base em registros de ondas dos diferentes

locais, os quais podem ser obtidos por diferentes meios. Originalmente,

informações sobre as ondas eram quase que exclusivamente baseadas em

observações visuais reportadas pelas tripulações das embarcações. Hoje, há

diversos meios, muito mais precisos, para a inferência estatística das ondas do

mar em determinado local. O método mais difundido consiste na utilização das

chamadas bóias oceanográficas, mas alternativas se tornam cada vez mais

difundidas como, por exemplo, a medição de ondas através de radares.

A figura abaixo apresenta um trecho típico de um registro de ondas do mar.

Figura 27 – Trecho de Série Temporal de um Registro de Ondas

Quando este tipo de registro se encontra disponível, uma análise

simplificada é suficiente para obtermos informações estatísticas importantes. Via

de regra, considera-se que o tempo de registro deve ser pelo menos 100 vezes

maior do que o maior período de ondas registrado para garantir uma base

estatística confiável. A seguir, discutiremos alguns dos parâmetros estatísticos

mais importantes para a descrição das ondas do mar.

Nosso objetivo, por enquanto, é introduzir alguns parâmetros estatísticos

fundamentais através de um exemplo numérico e um tratamento simplificado.

Page 87: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 85

Período Médio de Ondas

O período médio de ondas T (average wave period) pode ser obtido

facilmente a partir de um registro como a média dos períodos entre zeros

ascendentes (average zero up-crossing period) ou dos períodos entre cristas ou

cavas sucessivas.

Estatísticas de Altura de Ondas

De um modo bem simplificado, a altura média de ondas pode ser obtida

com base em um histograma contendo as informações do número de ocorrências

dentro de determinadas faixas de alturas de ondas. A razão entre o número de

ocorrências em cada faixa e o número total de ciclos contido no registro fornece

quocientes de freqüência que caracterizam a chamada função densidade de

probabilidade f(x) (probability density function). A soma cumulativa destes

quocientes fornece, por fim, a chamada função de distribuição F(x) (distribution

function) das alturas de onda.

Um exemplo numérico é fornecido abaixo, para um registro de 150 ciclos:

Os resultados acima são apresentados graficamente na figura abaixo. A

função densidade de probabilidade se apresenta na forma de um histograma (a).

A função de distribuição é dada em (b).

Page 88: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 86

Figura 28 – Função Densidade de Probabilidade e Função de Distribuição de Alturas de Ondas

Informações estatísticas importantes podem ser obtidas a partir da função

f(x). Por exemplo, a probabilidade de que a altura de onda no registro exceda um

certo valor a é dada simplesmente por:

(3.35)∫∞

=>a

w dxxfaHP )(~

Como exemplo, é fácil verificar no caso acima que a probabilidade de a

altura de onda exceder 3.25 m é de 4%.

A altura média de ondas H (mean wave height) é dada por:

∫∞

=0

)(. dxxfxH (3.36)

e, no caso acima, 64.1=H m.

Um parâmetro importante normalmente empregado para a descrição de um

determinado estado de mar é a chamada altura significativa de ondas H1/3

Page 89: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 87

(significant wave height)42. A altura significativa é definida como a médias das

ondas 1/3 maiores. Assim, dividindo-se a área do histograma da função f(x) em

três partes iguais e denotando por a0 o limite inferior do terço mais à direita, a

altura significativa será dada por:

∫∞

=0

)(.3/1a

dxxfxH

No exemplo numérico acima, a altura significativa é dada pela média das 50

maiores ondas no registro e, portanto, 51.23/1 =H m.

3.6.1. A Estatística das Ondas do Mar

Para um tratamento estatístico mais apropriado, uma análise mais completa

do registro de ondas se faz necessária. Neste caso, uma amostragem (sampling)

da elevação da superfície será realizada a partir de um número grande (N) de

registros tomados a intervalos de tempo iguais ( t∆ ), conforme ilustrado na figura

abaixo.

Figura 29 – Amostragem de um registro de ondas.

42 A razão para o emprego da altura significativa como parâmetro estatístico tem origem histórica.

Estudos mostraram que um observador bem treinado tende a fornecer como a altura característica

de ondas irregulares um valor que se aproxima muito de H1/3. Assim, dada a importância já

Page 90: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 88

O tempo total do registro é dado por T=N t∆ e a freqüência de amostragem

(sampling frequency) é dada por tf S ∆= 1 . Na análise das ondas do mar,

usualmente se utilizam registros que variam de 15 a 20 minutos de aquisição, com

freqüência de amostragem típica por volta de 2 Hz. A menos na condição de um

swell muito longo, esses tempos de registro são altos o suficiente para garantir a

aquisição de um número mínimo de ciclos de ondas, mas ainda baixos o suficiente

para evitar a influência espúria de fenômenos de baixa freqüência, como a

variação dos níveis de maré.

Através da amostragem, gera-se uma série com N valores da elevação nζ

medida a cada intervalo de tempo.

Irregularidade do Mar e Gaussianeidade

A análise de registros de ondas obtidos em campo demonstra que a função

densidade de probabilidade da série discreta de elevação da superfície nζ é muito

bem reproduzida por uma distribuição Gaussiana (ou normal). Como nζ

representa a oscilação da superfície em torno de seu valor indeformado, é óbvio

que sua média é nula. Assim, a função densidade de probabilidade de nζ pode

ser representada por uma distribuição normal de média nula e desvio-padrão σ :

2

2

2

21)( σ

ζ

πσζ

−= ef (3.37)

sendo o desvio-padrão dado por:

∑=−

=N

nnN 1

2

11 ζσ (3.38)

Uma distribuição Gaussiana é plenamente caracterizada por dois

parâmetros: sua média (no caso nula) e seu desvio-padrão. A figura abaixo

ressaltada das inferências visuais como fonte original para as estatísticas de ondas do mar, a

altura significativa passou a ser um parâmetro usual na modelagem.

Page 91: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 89

apresenta a representação gráfica de uma distribuição Gaussiana com média nula

e desvio-padrão 1=σ .

Figura 30 – Distribuição Normal ou Gaussiana com média nula e 1=σ .

Percebe-se que os pontos de inflexão da distribuição são dados por

σ±=x . Em uma distribuição normal, a probabilidade de que a variável aleatória

exceda um certo valor a é dada por:

∫∫∞

−∞

==>aa

dedfaP ζσπ

ζζζ σζ

2

2

2

21)( (3.39)

A probabilidade de que a variável seja maior do que o desvio-padrão é de

aproximadamente 32%, ou seja 32.0 => σζP , enquanto que a probabilidade de

exceder um valor equivalente a 3σ é de apenas 0.3% ( 003.03 => σζP ).

A razão da Gaussianeidade de )(ζf pode ser melhor entendida se nos

remetermos ao processo de geração das ondas aleatórias. Estas ondas são

resultantes da composição de várias componentes causadas pela ação do vento

em diferentes locais da superfície do mar. A ação do vento em regiões diferentes

ocorre de maneira independente e, assim, as ondas irregulares podem ser

entendidas como a soma de variáveis independentes. Sabe-se, a partir do

Page 92: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 90

Teorema do Limite Central, que a distribuição de probabilidade de uma variável

aleatória composta pela superposição de variáveis independentes é Gaussiana,

independentemente da forma das distribuições de probabilidade das variáveis

originais. Esse resultado, de fato, constitui a razão fundamental da importância da

distribuição normal na teoria da probabilidade.

As propriedades matemáticas das distribuições Gaussianas podem ser

encontradas em qualquer texto sobre variáveis aleatórias. Uma propriedade em

especial é muito importante no contexto do estudo de comportamento no mar e,

portanto, merece ser destacada: Uma operação linear sobre uma variável

Gaussiana preserva a Gaussianeidade do processo. Em outras palavras, se X é

uma variável aleatória com distribuição Gaussiana, média µ e variância , então

a variável

baXY += também terá distribuição Gaussiana com média ba +µ e

variância . Dessa forma, se pudermos supor que a dinâmica de um sistema

oceânico sob ação de ondas irregulares é linear na amplitude de onda, a resposta

do sistema será necessariamente Gaussiana na medida que

22σa

)(tζ também o é.

Essa questão será fundamental para o estudo estatístico da resposta do sistema

em um mar cuja estatística é conhecida, ponto que será retomado no próximo

Capítulo.

Distribuição de Rayleigh das Amplitudes

Se a faixa de freqüências em um estado de mar não for muito ampla, o

espectro é dito de banda estreita. Faremos uma análise mais detalhada quanto à

largura de banda do espectro mais adiante. No momento, nos basta observar que

a boa parte dos estados de mar de interesse pode ser caracterizada como

espectros de banda estreita. Nesse caso, e como a distribuição de probabilidade

da elevação é Gaussiana, é possível mostrar que a estatística de amplitudes (ou

Page 93: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 91

alturas) de ondas seguirá uma distribuição de Rayleigh43. Esta distribuição é

dada por:

22

22)( σ

σ

AeAAf

−= (3.40)

De acordo com esta distribuição, a probabilidade de que a amplitude A

exceda um determinado valor a é dada por:

22

22

222

1)( σσ

σ

a

a

A

a

edAAedAAfaAP−

∞−

===> ∫∫ (3.41)

O valor médio das amplitudes que excedem o valor a pode ser visualizado,

graficamente, como a coordenada x do baricentro da área hachurada na figura

abaixo:

Figura 31 – Distribuição de Rayleigh

Por definição, a amplitude significativa é dada pela média das amplitudes

1/3 maiores:

∫∞

=0

)(.3/1a

dAAfAA

sendo: 3/1 2

20

20 ==>

−σ

a

eaAP

43 A demonstração matemática deste fato pode ser encontrada, por exemplo, em Price & Bishop

(1974).

Page 94: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 92

e, portanto, a0 = 1.4823σ.

Assim, é fácil verificar que:

σσ42

3/1

3/1

≅≅

HA

(3.42)

A expressão (3.41) pode ser reescrita em termos das alturas de onda na

forma:

2

23/1

⎟⎠⎞⎜

⎝⎛−

=> Hh

ehHP (3.43)

que indica a probabilidade de a altura de onda exceder um certo valor h em um

mar com altura significativa H1/3.

Um parâmetro normalmente empregado na análise dinâmica de sistemas

oceânicos é a máxima altura de onda (maximum wave height) esperada em um

estado de mar. Por convenção, esta altura é calculada como sendo aquela cuja

probabilidade de ser excedida é 1/1000. Esse valor, aparentemente arbitrário, foi

definido considerando-se que um estado de mar típico tem duração aproximada

de 3 horas (tempo característico de uma tempestade) e contém, grosso modo, um

número de ciclos de ondas próximo de 1000. Segundo esta convenção, a máxima

altura de onda HMAX pode ser calculada em função de H1/3 por intermédio de

(3.43):

(3.44) 3/186.1 HH MAX =

Até o momento, nos preocupamos em derivar parâmetros estatísticos

importantes que podem ser obtidos a partir de registros de ondas. Para um

enfoque estatístico da resposta de sistemas oceânicos, todavia, é ainda

necessário que caracterizemos de forma mais precisa o que entendemos por

“estados de mar”. No projeto de sistemas oceânicos, as análises dinâmicas são

realizadas com base em estados de mar típicos da região na qual o sistema irá

operar. As características do mar em uma dada região são obtidas através de

análises estatísticas de “longo prazo” e a representação de seus diferentes

Page 95: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 93

estados é feita através do espectro de energia de ondas. Essa representação será

discutida em detalhes a seguir.

3.6.2. Espectro de Energia das Ondas do Mar

Caracterização do Mar

Denotemos por ),( 1 txrζ o registro de ondas obtido em uma posição arbitrária

1xr . Se pudermos distinguir uma direção única de propagação de forma que toda a

irregularidade da onda se manifeste nesta direção, o mar é chamado de swell ou

de cristas-longas (long-crested sea). Neste tipo de mar, considera-se que,

embora a amplitude e o espaçamento das cristas varie com o tempo, as ondas

permanecem paralelas.

Em um mar de cristas-longas, dada a sua homogeneidade espacial, o

registro realizado na posição 1xr ( ),( 1 txrζ ) e um outro registro realizado na posição

2xr ( ),( 2 txrζ ) serão processos aleatórios caracterizados pelas mesmas relações

estatísticas. Em outras palavras, embora a “história” da elevação da superfície

possa ser diferente, a estatística do mar independe da posição de medida e o mar

pode ser caracterizado exclusivamente com base em sua variação temporal )(tζ .

Conseqüentemente, a estatística do mar pode ser dada com base apenas na

freqüência de onda e em sua amplitude.

Por outro lado, se as ondas do mar se propagam não em uma direção

única, mas sim com uma certa dispersão angular, o mar é chamado de mar local ou de cristas-curtas (short-crested sea). Este tipo de situação ocorre,

tipicamente, quando observamos o mar próximo a ou no próprio local de sua

geração (tempestade), daí o nome “mar local”. Neste caso, é difícil identificar as

cristas das ondas e o mar se mostra “confuso”. A posição de registro do mar é

agora importante e a estatística dependerá não apenas do tempo, mas também da

posição ),( txrζ . Nesta situação, a estatística do mar deverá ser descrita não

Page 96: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 94

apenas em função da freqüência, mas também em função da direção. Os

espectros de mar que caracterizam mares short-crested são conhecidos como

“espectros direcionais” e normalmente são parametrizados por uma medida de

“espalhamento direcional” (µ).

Podemos representar esquematicamente as diferenças entre um swell e um

mar local através de gráficos de contorno (contour plots) de seus espectros de

energia (cuja definição, daremos a seguir). Por ora, basta perceber que os

espectros de mar-local apresentam distribuição em uma larga faixa de direções

(ou um maior espalhamento), enquanto os espectros que caracterizam um swell

apresentam espalhamento pequeno e, portanto, na prática, são considerados

unidirecionais.

Figura 32 – Diferença de espalhamento de um mar local (a) e um swell (b). Fonte: Price & Bishop (1974).

É importante mencionar, por fim, que um mar real é comumente formado

pela composição de diferentes mares, por exemplo, pela composição de um swell

e um mar local, geralmente se propagando em direções distintas. Nesse caso, o

espectro de energia do mar será caracterizado por mais de um pico de energia.

A seguir, discutiremos a definição de espectro considerando o caso mais

simples, de mar unidirecional (long-crested). Na seção 3.6.4 discutiremos, de

forma breve, a representação espectral de mares com espalhamento direcional

(short-crested).

Page 97: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 95

Superposição de Ondas e Espectro de Energia

As ondas irregulares do mar podem ser representadas através da

superposição de ondas regulares de diferentes amplitudes e freqüências. O

procedimento clássico para se obter o conteúdo de freqüência de um certo sinal

aleatório é decompô-lo em uma série de Fourier44.

Suponhamos então um certo registro de onda )(tζ com tempo total de

medição T. Definindo:

ωω

πω

∆=

=∆

jT

j

2

a série de Fourier do sinal será dada por:

(3.45) ∑ ∑∞

=

=

−=+=1 1

)(]sincos[)(j j

tijjjjj

jjeAtstct εωωωζ

onde, obviamente:

)arctan(

22

jjj

jjj

cs

scA

=

+=

ε

Os coeficientes Aj representam a amplitude de cada uma das componentes

harmônicas e os coeficientes εj suas respectivas fases.

Os coeficientes de Fourier são definidos por:

=

=

T

jj

T

jj

dtttT

s

dtttT

c

0

0

.sin)(2

.cos)(2

ωζ

ωζ (3.46)

Como )(tζ é Gaussiano de média nula, os coeficientes de Fourier também

o serão. Portanto, a amplitude (Aj) segue a distribuição de Rayleigh e a fase εj é

uniformemente distribuída no intervalo πεπ ≤≤− j .

44 Maiores detalhes podem ser encontrados, por exemplo, em Price & Bishop (1974).

Page 98: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 96

Uma vez que estamos interessados apenas na estatística e não em

reproduzir a real elevação da superfície em dado instante de tempo t, as fases εj

entre as componentes harmônicas podem ser desconsideradas.

Uma medida da densidade de energia das ondas do mar em torno de uma

dada freqüência nω é dada por:

∑∆+

∆=

ωω

ωζ ω

ωn

n

nn AS 2

211)( (3.47)

Deve-se observar que, se multiplicada por ρg, a expressão acima fornece o

valor médio da energia por unidade de área das ondas na faixa de freqüências

ω∆ (ver eq. 3.23).

No limite em que 0→∆ω , tem-se:

2

21).( nn AdS =ωωζ (3.48)

e a função )(ωζS assim definida é conhecida como “densidade espectral” ou

simplesmente espectro de energia das ondas. A figura abaixo ilustra as

definições acima.

Figura 33 – Definição de Densidade Espectral

Por definição, a variância do sinal )(tζ também pode ser dada a partir de

seu espectro de energia, na forma:

Page 99: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 97

(3.49) ∫∞

=0

2 ).( ωωσ ζ dS n

A figura abaixo fornece uma interpretação gráfica do significado físico do

espectro de ondas e de como ele se relaciona com o registro de ondas original.

Figura 34 – Representação esquemática da relação entre o espectro de energia e o registro de ondas original

Em unidades SI, o espectro )(ωζS tem unidade de m2s e pode ser

representado também em termos da freqüência de onda em Hertz ( ). Nesse

caso, porém, convém observar que o espectro sofre uma transformação. O

requisito a ser seguido impõe que a energia total contida nos intervalos

f

ω∆ e

seja igual, e, portanto: f∆

dffSdS ).().( ζζ ωω =

e, como πω 2=dfd :

π

ω ζζ 2

)()(

fSS = (3.50)

Page 100: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 98

A relação (3.50) permite converter a representação do espectro da

freqüência para a freqüência angular e vice-versa. A figura abaixo ilustra a

representação de um espectro de mar típico nas duas bases diferentes.

Figura 35 – Espectro de Mar em termos de ω (rad/s) e f (Hz)

Parâmetros Estatísticos Importantes

Como veremos, uma série de parâmetros estatísticos importantes pode ser

derivada a partir dos chamados “momentos espectrais”, definidos por:

(3.51) ∫∞

=0

).( ωωω ζ dSm kk

onde o sub-índice k denota o momento k-ésima ordem.

É fácil verificar, a partir de (3.49) e (3.51), que a variância da elevação )(tζ

corresponde ao momento espectral de ordem zero (m0). O desvio-padrão do sinal

de elevação da superfície é então dado por:

2/1

00 ).( ⎥

⎤⎢⎣

⎡=== ∫

ωωσ ζ dSmRMS (3.52)

Através da expressão (3.42), pode-se relacionar também o momento m0

com a amplitude (ou com a altura) significativa de onda na forma:

Page 101: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 99

03/1

03/1

4

2

mH

mA

=

= (3.53)

Dois períodos característicos importantes são relacionados aos momentos

de primeira e segunda-ordem. De fato, o momento de 1ª ordem (m1) permite

estimar a freqüência do baricentro do espectro através da relação 011 mm ω= e,

assim, o período (T1) dado por:

1

01 2

mm

T π= (3.54)

é conhecido como período central do espectro (mean centroid wave period).

O momento de 2ª ordem, por sua vez, fornece uma estimativa do momento

de inércia de área do espectro. Esse momento pode ser escrito como ,

onde a freqüência

02

22 mm ω=

2ω faz o papel de “raio de giração”. O período associado, dado

por:

2

02 2

mm

T π= (3.55)

é chamado período médio entre zeros (mean zero-crossing wave period). Muitas

vezes esse período aparece na literatura denotado por Tz.

Como veremos na próxima seção, outro período característico importante é

o período de máxima energia do espectro ou seu período de pico (Tp). Este, por

sua vez, se relacionará com o período central e com o período entre zeros

dependendo da forma do espectro de energia.

A energia de onda se distribui em torno da freqüência central 1ω em uma

faixa de freqüências da ordem ∆Ω . Podemos definir a “largura de banda” do

espectro como sendo 1/ω∆Ω=e . Se 1<<e , o espectro é dito de “banda estreita”.

Neste caso, o mar é “quase harmônico”. Se, por outro lado, e for próximo de 1 ou

Page 102: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 100

maior, dizemos que o espectro é de “banda larga”. Uma definição usualmente

aceita para a largura de banda em função dos momentos espectrais é45:

40

221mm

me −= (3.56)

A influência do Tempo de Registro

A forma do espectro e os valores estatísticos dependerão, como vimos, do

tempo total de registro de onda (T). A duração do registro também pode ser

caracterizada pelo número total de ciclos de ondas que ele contém (N). Como

discutimos no início desta seção, há um valor adequado para N que define uma

base estatística apropriada para a análise espectral. Valores de N muito baixos

obviamente prejudicam as estatísticas, enquanto valores muito altos também

podem “corromper” a análise ao incorporar variações espúrias da superfície

(como, por exemplo, variações de maré).

A figura abaixo foi extraída de um estudo da ITTC (International Towing

Tank Conference) e ilustra a variação de alguns parâmetros estatísticos

significativos em função do número de ciclos empregado na análise. Os resultados

da figura apresentam a razão entre o valor calculado com registros de diferentes

duração e aquele calculado com um grande número de ciclos. Esse estudo foi

realizado com um mar de período central T1 aproximadamente igual a 6 segundos.

É possível observar que, para N>50, as razões se mostram mais ou menos

constantes, indicando que um número muito maior de ciclos seria necessário para

garantir a convergência.

45 Para maiores detalhes quanto a essa dedução, ver Price & Bishop (1974), seção 9.6.2.

Page 103: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 101

Figura 36 – Efeito do tempo de registro sobre as estatísticas

De acordo com as recomendações da 17ª ITTC (1984), o valor N=50 deve

ser adotado com um limite inferior para a análise espectral de um determinado

estado de mar. Atualmente, o valor N=100 é usualmente adotado com padrão e

N=200 é considerado “excelent practice” pela ITTC. Na prática, um registro com

duração 100 vezes maior do que o maior período esperado é considerado um

procedimento-padrão. Para mares típicos, isso significa tempos de registro entre

15 e 20 minutos, conforme dissemos no início deste Capítulo.

3.6.3. Espectros de Energia Padrão

Vários estudos foram realizados, especialmente a partir da década de 1960,

com o intuito de relacionar as ondas do mar e as características do vento que as

gera, dando origem à chamada “teoria de geração” das ondas do mar. Alguns

aspectos dessa teoria serão apresentados, de forma breve, na próxima seção.

Esses estudos incentivaram várias tentativas de se correlacionar a velocidade de

vento com o espectro de ondas do mar gerado.

Miles (1960) e Phillips (1966) mostraram que existe uma relação entre a

pressão aerodinâmica na zona de geração e a freqüência das ondas geradas. As

ondas mais curtas (freqüências mais altas) crescem até que se tornam instáveis e

Page 104: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 102

“quebram” e, dessa forma, a energia do mar em altas freqüências passa a ser

limitada por essa dissipação.

Se existir uma “pista” (fetch) suficientemente longa para a ação do vento

sobre a superfície, e o vento soprar por um tempo igualmente suficiente, o mar

gerado atingirá uma situação de equilíbrio. Nesta situação, o mar é chamado de

“plenamente desenvolvido” (fully developed seas). O espectro de energia de um

mar plenamente desenvolvido atinge um máximo (pico) em uma freqüência pω que

é inversamente proporcional à velocidade do vento. Este fato pode ser melhor

entendido se considerarmos, como argumento físico, que na situação de equilíbrio

a velocidade do vento deverá igualar uma velocidade de grupo típica ( pg ω2/ ), a

qual caracteriza a velocidade com que a energia das ondas se propaga.

Através de um argumento dimensional, Phillips (1966) demonstra que no

limite de altas freqüências deve-se ter:

5

2

)(ω

ωζgS ∝ ( ∞→ω ) (3.57)

Desde então, vários formatos padronizados foram propostos para )(ωζS

em função da velocidade do vento. Exemplos são o espectro de ondas de

Darbyshire, o espectro de ondas do British Towing Tank Panel e o espectro de

ondas de Neumann, os quais, atualmente, se encontram em desuso46.

Dois formatos padronizados de espectro são os mais comumente

empregados nos dias atuais e, por essa razão, serão discutidos em maiores

detalhes a seguir.

O Espectro de Pierson-Moskowitz

O espectro original proposto por Pierson & Moskowitz (1963) foi obtido de

forma semi-empírica com base na análise de um grande número de registros de

ondas do Atlântico Norte. Por terem sido realizados em uma região “aberta”,

46 Maiores informações podem ser encontradas em Price & Bishop (1974).

Page 105: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 103

supostamente estes registros se referem, em sua maioria, a mares plenamente

desenvolvidos. O espectro original era dado por:

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−=

4

5

2

74.0exp0081.0)(ωω

ωζgVgS (3.58)

onde V é a velocidade média do vento medido a uma altura de 19.5 metros.

Posteriormente, algumas modificações foram propostas e o espectro

passou a ser aceito com o seguinte formato:

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛−= 45 exp)(

ωωωζ

BAS (3.59)

A ITTC de 1969 propôs uma representação baseada em apenas um

parâmetro, a altura significativa H1/3. Recomendou que se adotassem os seguintes

valores para as constantes A e B:

2

3/1

2

11.30081.0

HB

gA

=

=

Em 1967, a ISSC (International Ship Structures Congress) recomendou, por

sua vez, a adoção de dois parâmetros como base para a representação do

espectro, a altura significativa e o período central T1. Nesse caso:

41

41

23/1

692

173

TB

TH

A

=

=

O espectro sugerido pela ISSC é também conhecido como espectro de

Bretschneider e é, hoje em dia, a forma mais usual de emprego do espectro de

Pierson-Moskowitz. Para esta forma de espectro, as seguintes relações teóricas

podem ser obtidas para os períodos característicos:

(3.60) 21 407.1296.1 TTTp ==

Deve-se observar que os espectro proposto pela ISSC recai naquele

proposto pela ITTC quando 3/11 86.3 HT = , uma relação que está de acordo com

os resultados originais analisados por Pierson e Moskowitz. De fato, alguns

Page 106: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 104

pesquisadores argumentam que a representação por dois parâmetros distintos

apresenta o inconveniente de permitir uma utilização imprópria da formulação,

uma vez que existe uma relação teórica entre ambos que deve ser preservada.

O Espectro de JONSWAP

Entre 1968 e 1969 um extenso programa de monitoração de ondas,

conhecido como Joint North Sea Wave Project (JONSWAP), foi conduzido no Mar

do Norte ao longo de uma linha de 100 milhas com origem na ilha Sylt (costa

noroeste da Alemanha). A análise dos dados resultou na proposta de um formato

de espectro para mares gerados em pistas limitadas (fetch-limited) ou costeiros.

A 17ª ITTC (1984) recomenda a seguinte definição do espectro de

JONSWAP para mares com pista limitada:

A

pp TTH

S γωωωζ⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧−

= −− 44

54

23/1 1950exp

.320)( (3.61)

com:

⎪⎪⎭

⎪⎪⎬

⎪⎪⎩

⎪⎪⎨

⎟⎟⎟

⎜⎜⎜

⎛ −−=

=2

2

1exp

3.3

σ

ωω

γ

pA

e a constante σ assume diferentes valores dependendo de ω:

σ = 0.07 (se pωω < )

σ = 0.09 (se pωω > )

A relação entre os períodos característicos para o espectro (3.61) é dada

por:

(3.62) 21 287.1199.1 TTTp ==

O parâmetro γ é conhecido como peakedness factor. Muitas vezes, o

espectro de JONSWAP é empregado tendo como terceiro parâmetro o valor de γ.

Page 107: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 105

É importante mencionar que o espectro (3.61) recupera o espectro de

Bretschneider ao se considerar . 522.1=Aγ

Comparação entre os Espectros

A figura abaixo apresenta uma comparação entre os espectros de onda de

Bretschneider e JONSWAP para mares com altura significativa de 4 metros e

períodos de pico de 6, 8 e 10 segundos.

Figura 37 – Comparação das formulações espectrais de Bretschneider e JONSWAP

Percebe-se que os espectros de JONSWAP se caracterizam por

apresentarem picos mais pronunciados. Conseqüentemente, a declividade média

das ondas é maior segundo a representação de JONSWAP. De fato, uma das

críticas encontradas na literatura ao modelo proposto por Pierson-Moskowitz se

refere a uma eventual subestimação da declividade característica do mar.

Como prática de projeto, é usual a modelagem de “mares locais” tendo

como base o espectro de JONSWAP e a consideração do espectro de

Bretschneider para regiões “abertas”, ou mares considerados plenamente

desenvolvidos.

Page 108: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 106

3.6.4. Espalhamento Direcional

Conforme discutimos anteriormente, os mares, especialmente aqueles

próximos à zona de geração, se caracterizam por um certo espalhamento

direcional. A representação dos chamados mares de cristas-curtas (short-crested)

exige que o espectro de energia traga informações sobre esse espalhamento.

Uma distribuição na forma de cosseno-quadrado é usualmente empregada

para introduzir o espalhamento direcional em um espectro. Com esse modelo, a

energia de onda unidirecional, discutida na seção precedente, é distribuída em

uma certa faixa angular, na forma:

)()(cos2),( 2 ωµµπ

µω ζζ SS⎭⎬⎫

⎩⎨⎧ −= ;

2)(

2πµµπ

≤−≤− (3.63)

onde µ representa a direção de onda dominante.

Neste modelo simplificado, a faixa de espalhamento é fixa (180o) e a

variação de energia ocorre de forma independente na freqüência e na direção.

Assim, em cada direção a forma do espectro é a mesma, apenas a sua

intensidade varia. Uma comparação entre o modelo proposto em (3.63) e um

espectro medido em campo é apresentado na figura abaixo.

Figura 38 – Espectro Direcional de Ondas

Page 109: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 107

Modelos mais elaborados podem ser encontrados na literatura, nos quais a

distribuição de energia e a faixa angular do espalhamento são controladas por um

ou mais parâmetros. Uma discussão mais aprofundada sobre estes modelos foge

do escopo deste curso, mas pode ser encontrada, por exemplo, em Massel (1996)

e Ochi (1998).

3.6.5. Aspectos Básicos da Geração de Ondas do Mar

Em 1805, o Almirante Sir Francis Beaufort propôs uma escala para medida

da intensidade do vento no mar. Sua escala relaciona a velocidade de vento, as

ondas do mar e as atitudes a serem tomadas a bordo dos navios, à época, de

propulsão a vela. A chamada “escala de Beaufort” foi posteriormente adaptada

para uso em terra e, ainda hoje, é empregada por várias estações meteorológicas.

A figura abaixo apresenta impressões visuais dos estados de mar tipicamente

associados com os diferentes valores da escala de Beaufort. A figura na página

seguinte apresenta uma definição dos valores da escala e diferentes descrições

dos estados de mar associados.

Como indica a escala de Beaufort, as ondas do mar estão associadas ao

vento, pois são geradas por variações da pressão atmosférica com o movimento

das massas de ar. Nossa intenção, nesta seção, é introduzir alguns conceitos da

teoria de geração das ondas do mar, para que seja possível compreender melhor

a relação entre um estado de mar e o vento que o gerou.

Page 110: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 108

Figura 39 – Impressão visual de estados de mar associados às intensidades Beaufort

Page 111: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 109

Figura 40 – A escala de intensidade de vento de Beaufort

Page 112: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 110

Pela própria natureza do fenômeno, podemos relacionar como parâmetros

importantes na geração de onda pelo vento: a velocidade do vento (U); a distância

existente sobre a qual o vento pode atuar na superfície do mar (normalmente

chamada de “pista” ou, em inglês, fetch (F)) e a duração da tempestade ou o

tempo total de ação do vento. A figura abaixo relaciona os parâmetros acima com

os parâmetros estatísticos do mar gerado. No eixo vertical esquerdo lê-se a altura

significativa de onda (em escala logarítmica) em função de U, F e da duração. Os

períodos de onda podem ser obtidos pela interpolação das curvas tracejadas.

Figura 41 – Relação entre parâmetros na geração de ondas pelo vento.

Percebe-se claramente, nos resultados acima, que os parâmetros de onda

tendem assintóticamente a situações de equilíbrio para cada velocidade de vento

(U). Estas situações de equilíbrio estão indicadas pela região triangular à direita do

gráfico. Uma vez atingido o equilíbrio, a altura e o período de onda não mais

Page 113: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 111

variarão, mesmo que o vento ainda tenha pista e tempo para agir. O mar que

atinge tal situação é conhecido como mar plenamente desenvolvido (fully

developed sea). A seguir, apresentaremos um argumento físico que explica o

mecanismo pelo qual esse equilíbrio é atingido e o que ele representa.

De acordo com as equações (3.23) e (3.53), a energia média de ondas de

um determinado estado de mar pode ser expressa por:

2/10

23/12

1 gmgAE ρρ == (3.64)

A velocidade média com que essa energia é propagada pode ser expressa

através de uma velocidade de grupo representativa do mar, a qual associaremos à

freqüência de pico do espectro:

p

ggcω2

= (3.65)

De acordo com os resultados apresentados no gráfico acima, a energia

média e a velocidade de grupo serão função dos parâmetros F, U e da duração.

Na situação de equilíbrio, todavia, passam a depender exclusivamente da

velocidade de vento. A razão para isso é simples: o aumento da energia de ondas

não pode depender da velocidade absoluta do vento (U), mas sim de sua

velocidade relativa à velocidade de propagação do grupo de ondas (U-cg). Há,

portanto, um limite para o crescimento da altura de ondas expresso pela condição

. Dessa observação decorre que deve existir uma “declividade padrão”, que

podemos definir por

Ucg ≅

gHH ppp πωλδ 2/3/12

3/1 =≅ , a qual deve ser praticamente

invariante para qualquer mar plenamente desenvolvido.

A tabela abaixo apresenta uma indicação da relação típica entre velocidade

de vento, altura e período de onda, baseada em registros obtidos em área aberta

(Open Area) e em região de pista limitada (North Sea Area).

Page 114: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 112

A partir dos resultados acima, é possível inferir, a partir dos resultados

obtidos em águas abertas, o valor de declividade padrão. Relembrando que, para

um espectro de Bretschneider 21 407.1296.1 TTTp == , os resultados indicam uma

certa variação da declividade padrão, com valores entre 1.2% (Beaufort 1) e 3,6%

(Beaufort 12). O valor de %6,2≅pδ pode, então, ser considerado como típico para

para um mar plenamente desenvolvido. Devemos notar que esse é precisamente

o valor de declividade pressuposto na relação 3/11 86.3 HT = , quando o espectro

da ISSC (de 2 parâmetros) recupera o espectro proposto pela ITTC.

A existência de um valor típico de declividade para mares plenamente

desenvolvidos ou, em outras palavras, a existência de uma relação típica entre

altura e período de ondas, justifica as críticas quanto ao espectro proposto pela

ISSC, uma vez que este permite a adoção de valores de altura e período de forma

independente.

Observando as relações (3.62), também podemos calcular os valores de pδ

com base nas observações feitas no Mar do Norte. Para uma dada intensidade de

vento, os resultados indicam valores um pouco maiores de declividade, se

comparados com o caso de águas abertas. Os valores variam na faixa

Page 115: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 113

%1.4%8.1 << pδ . Os resultados estão de acordo com o fato de o espectro de

JONSWAP se caracterizar por declividades maiores, fato este já mencionado

anteriormente.

As estatísticas de longo-termo das condições de mar de uma determinada

região são realizadas com base na monitoração de ondas no local durante um

longo período de tempo. Através da análise de um grande número de registros é

possível gerar uma tabela de ocorrência de ondas, exemplificada abaixo. Essa

tabela foi obtida para uma certa região do Mar do Norte e corresponde às

condições registradas durante períodos de inverno. Obviamente, dadas as

especificidades climáticas e geográficas, as condições dependerão fortemente do

local e da época do ano no qual foram realizados os registros. Assim, é comum

que essas tabelas sejam apresentadas com uma periodicidade mensal. Para a

confecção da tabela abaixo, por exemplo, foram tomados aproximadamente um

milhão de registros de onda.

Através das tabelas de ocorrência de ondas é possível fazer inferências

estatísticas de longo prazo. Verificou-se, empiricamente, que as probabilidades de

exceder uma determinada altura de ondas pode ser bem reproduzida através de

uma distribuição log-normal ou, alternativamente, através de uma distribuição de

Page 116: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 114

Weibull. A figura abaixo apresenta uma comparação entre a distribuição

logarítmica e os dados experimentais referentes à tabela acima.

Figura 42 – Distribuição logarítmica baseada em dados de ondas do Mar do Norte.

Nesse caso, para se calcular a probabilidade de que a altura significativa de

onda H1/3 exceda um determinado valor h naquele local e naquela época do ano,

basta considerar:

ha

hHP 1)(log 3/1 =>

onde a é um parâmetro que se refere à declividade da curva e deve ser ajustado

aos dados experimentais.

A distribuição de Weibull é uma generalização da distribuição acima,

expressa matematicamente na forma:

⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛ −

−=>b

achhHP exp)( 3/1

onde b é um parâmetro de ajuste e c um limite inferior (lower-bound) para a altura

de ondas. Como, no caso de ondas do mar, o parâmetro c é usualmente próximo

de zero e b próximo de 1, as duas distribuições normalmente se equivalem em

termos de precisão das estimativas.

Page 117: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 115

A figura abaixo apresenta um exemplo de um histograma de altura de

ondas (a) e a comparação de resultados com uma distribuição logarítmica (b) e

uma distribuição de Weibull (c).

Figura 43 – Histograma de altura de ondas, distribuição log-normal e distribuição de Weibull

Mediante o procedimento de análise ilustrado acima, é possível levantar um

conjunto de informações importantes para o projeto de sistemas oceânicos.

Parâmetros comumente empregados, por exemplo, são as chamadas condições

de mar “decenárias” e “centenárias”, que se referem às piores condições de mar

previstas para ocorrerem em um determinado local em horizontes de tempo de

dez e cem anos, respectivamente.

Page 118: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 116

4. DINÂMICA DE SISTEMAS OCEÂNICOS EM ONDAS

“As far as the laws of mathematics refer to reality, they are not certain;

and as far as they are certain,

they do not refer to reality”

Albert Einstein [Geometry and Experience]

4.1. Hipóteses Simplificadoras

Neste capítulo apresentaremos um modelo para descrição do comportamento

no mar de sistemas oceânicos. Trata-se de um modelo aproximado que, em

virtude destas aproximações, carrega com si algumas limitações. Estudaremos a

dinâmica de sistemas flutuantes sob a óptica da teoria linear no domínio da

freqüência. Trataremos o sistema flutuante como um oscilador linear com seis

graus de liberdade (os movimentos de surge, sway, heave, roll, pitch e yaw). A

imposta linearidade do modelo de forças de excitação e do modelo dinâmico do

corpo possibilita empregar a hipótese de superposição de ondas harmônicas e

tratar o problema de um mar real de forma estatística, baseada em seu espectro

de energia. Dessa forma, a dinâmica correspondente a cada componente

harmônica do mar será equacionada de forma independente. Através desta

abordagem podemos inferir características dinâmicas importantes da resposta

linear do corpo (movimentos do corpo nas freqüências das ondas do mar),

também conhecida como resposta de 1ª ordem. Uma vez que o problema é

linear, a dinâmica de 1ª ordem pode ser caracterizada através de funções de

transferência denominadas Response Amplitude Operators (RAOs). Uma vez

obtidos os RAOs e com base em um espectro de energia de ondas que

caracteriza um determinado estado de mar, é possível avaliar as estatísticas de

resposta do sistema submetido a este mar, inferindo, por exemplo, as amplitudes

máximas esperadas para os movimentos nos seis graus de liberdade. A teoria

Page 119: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 117

linear, embora aproximada, fornece aproximações excelentes para a resposta de

1ª ordem para a grande maioria dos sistemas oceânicos de interesse e, assim, é

prática fundamental no projeto de sistemas navais e oceânicos. Nesta seção,

procuraremos explorar as características físicas do problema que nos permitem

adotar as simplificações inerentes à teoria linear e discutir quais as limitações

decorrentes desta abordagem.

As duas hipóteses simplificadoras fundamentais que serão adotadas na

modelagem são as hipóteses de escoamento potencial e de que as condições de

contorno na superfície-livre e na superfície do corpo sejam lineares. Vimos, no

capítulo precedente, que a adoção destas duas hipóteses se justifica no problema

tratamento das ondas do mar, desde que a declividade da onda seja baixa

(kA<<1). Agora, estamos interessados não mais no problema de uma onda livre,

mas sim no caso em que esta onda encontra um corpo flutuante ou submerso e na

dinâmica resultante deste encontro. Precisamos, pois, justificar as mesmas

hipóteses neste novo contexto. Esse é o objetivo almejado com a discussão que

se segue.

No capítulo 3 vimos que o escoamento induzido por uma onda que se propaga

na superfície do mar é oscilatório e, portanto, caracterizado por acelerações do

fluido. Este escoamento acelerado causará, como conseqüência, forças e

acelerações de um corpo imerso neste fluido. A questão que se coloca é a

seguinte: Podemos considerar o escoamento resultante do movimento deste corpo

como potencial? Obviamente, isto só será possível se pudermos garantir, mais

uma vez, que as forças inerciais no escoamento decorrente deste movimento

sejam muito maiores do que as forças viscosas. Um insight importante sobre este

problema é dado pelo estudo experimental do escoamento em torno de corpos

acelerados. A figura abaixo, extraída de Newman (1977), apresenta uma

visualização do escoamento decorrente de uma aceleração impulsiva de um

cilindro imerso. Cada fotografia representa um instante posterior ao início do

movimento, partindo do repouso até o momento em que o cilindro já adquiriu

velocidade constante. Este conjunto de fotografias foi registrado em um trabalho

Page 120: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 118

de Prandtl em 1927 e seu estudo nos permite observar características que serão

fundamentais para a nossa análise.

Percebe-se que, nos instantes iniciais do movimento, há a formação de uma

esteira com dois vórtices simétricos. À medida que o cilindro avança, esta esteira

perde a estabilidade e dá origem a uma esteira oscilatória, com desprendimento

alternado de vórtices.

Figura 44 – Visualização do escoamento em torno de um cilindro acelerado impulsivamente (extraída de Newman (1977))

A característica que nós é importante aqui é a seguinte: Até o momento em

que a esteira perde a estabilidade, tudo se passa como um escoamento potencial

em torno de um corpo que se alonga (entendendo o corpo como o cilindro mais os

dois vórtices simétricos à jusante). Nos instantes iniciais do movimento, a

contribuição da viscosidade sobre a dinâmica global do fluido é pequena.

Podemos quantificar essa discussão: As forças inerciais dependem da aceleração

do fluido e podem ser inferidas, ao menos nos instantes iniciais, como

(ver equações 2.25 e 2.28). Normalizando esta força obtemos um

coeficiente de força inercial

UmFI&

11=

2211 2/1 lUUmCFI ρ&= onde l é a dimensão

característica do corpo (no caso, o diâmetro do cilindro). Se o coeficiente de

Page 121: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 119

arrasto viscoso é dado por CD, podemos inferir a relação entre as forças viscosas

e inerciais da seguinte forma:

lU

UUm

ClUCC D

FI

D&&

2

11

222/1∝=

ρ (4.1)

uma vez que a massa adicional é proporcional ao volume do corpo.

Suponhamos, agora, que o corpo de dimensão característica l está sujeito

ao escoamento oscilatório imposto pela passagem de um onda harmônica de

amplitude A e freqüência ω. Sabemos que a amplitude da velocidade do

escoamento oscilatório é dada por ωA e a amplitude da aceleração por ω2A.

Dessa forma, (4.1) implica que:

lA

CC

FI

D ∝ (4.2)

Assim, podemos garantir que a influência das forças viscosas na dinâmica

do fluido será pequena desde que A<<l.

Em resumo, na hipótese de que a amplitude da onda seja pequena

comparada com as dimensões típicas do corpo, a hipótese de escoamento

potencial deve fornecer bons resultados. Além disso, sob esta hipótese a força

sobre o corpo pode também ser considerada linear e, assim: . No

caso de navios, a hipótese acima é normalmente satisfeita, a não ser em casos de

ondas de mar com amplitudes extremamente elevadas. No caso de cascos como

os de plataformas semi-submersíveis, um outro efeito atua em favor desta

simplificação: Como boa parte do volume de deslocamento se encontra submerso

e como a velocidade e aceleração do fluido decaem rapidamente com a

profundidade, a ação das forças viscosas (quadráticas em U) decai mais

rapidamente do que a ação das forças inerciais (lineares em U ). Vemos, portanto,

que as próprias características geométricas dos sistemas garantem a qualidade da

aproximação para a grande maioria dos casos de interesse em engenharia naval e

oceânica. Alguns casos práticos para os quais a hipótese de que A<<l não pode

ser aplicada são o estudo de risers ou tubulações próximas à superfície e

sistemas flutuantes de dimensões reduzidas, como, por exemplo, monobóias.

Uma discussão sobre estes casos será realizada mais adiante, na seção 4.3.2.2.

εω += tiFOF eCC

&

Page 122: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 120

Logicamente, as aproximações trazem como conseqüência algumas

limitações. Em termos práticos, no contexto da engenharia oceânica, uma das

principais se refere à impossibilidade de prever movimentos de deriva de sistemas

flutuantes induzidos por ondas. Como veremos no Capítulo 5, tais movimentos

decorrem de um fenômeno hidrodinâmico não-linear de segunda-ordem, cuja

consideração é fundamental para o dimensionamento do sistema de amarração.

Além deste, outros fenômenos hidrodinâmicos não-lineares freqüentemente

causam problemas e dão trabalho aos projetistas. Dentre eles, pode-se citar o

problema de run-up de ondas sobre estruturas de grandes dimensões, fenômeno

importante para a previsão do air gap mínimo de plataformas e de embarque de

água no convés (greenwater) e problemas de vibrações estruturais causadas pelo

impacto hidrodinâmico com ondas de maior declividade. Cada um destes tópicos

requer a consideração de uma teoria de ondas que inclua efeitos de ordem

superior (quadráticos ou até mesmo cúbicos na amplitude de onda). Dada a

importância destes problemas no que se refere ao projeto de sistemas navais e

oceânicos, o Capítulo 5 apresentará uma introdução à chamada Teoria Não-Linear

de Ondas.

Uma outra conseqüência das simplificações adotadas no estudo da

resposta de primeira-ordem diz respeito à sua precisão quanto à previsão de

movimentos de ressonantes de sistemas oceânicos. Sabe-se que as amplitudes

de movimentos ressonantes dependem fundamentalmente do amortecimento.

Assim, se efeitos de origem viscosa contribuírem com uma parcela significativa

para o amortecimento total do movimento os erros envolvidos serão grandes, já

que os efeitos de viscosidade foram desconsiderados a priori. Um caso típico é o

de movimento de jogo (em inglês, roll) de navios. Os períodos naturais de roll se

situam tipicamente entre 10 e 20 segundos e, conseqüentemente, respostas

ressonantes são freqüentemente induzidas pelas ondas do mar. Neste caso, dada

a geometria usual dos cascos, os efeitos de dissipação de energia por radiação de

ondas são pequenos e o amortecimento é, portanto, dominado por efeitos

viscosos. O emprego da teoria linear para estudo do comportamento no mar de

navios é prática padrão e apresenta bons resultados, desde que correções sejam

Page 123: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 121

adotadas no caso de eventuais movimentos ressonantes. Uma discussão quanto

ao método empregado em tais correções será realizada na seção 4.4.1.

4.2. Definições e Hidrostática

Consideremos um corpo flutuante em situação de equilíbrio hidrostático, livre

para se mover em seus seis graus-de-liberdade, como ilustrado na figura abaixo:

x

y

z

H

βξ4

ξ1

ξ2

ξ5ξ3

ξ6

ondas

A,ω

x

y

z

H

βξ4

ξ1

ξ2

ξ5ξ3

ξ6

ondas

A,ω

Figura 45 – Definição dos movimentos do corpo em seis graus-de-liberdade

O sistema de referências Oxyz é suposto fixo no espaço e com origem na

superfície-livre indeformada do mar (representada, então, por z=0). Na notação

indicial que adotaremos, os movimentos de translação em relação aos eixos x, y e

z (surge, sway e heave) têm amplitudes referenciadas por ( 321 ;; ξξξ ),

respectivamente. Os movimentos de rotação em torno dos mesmos eixos (roll,

pitch e yaw) têm amplitudes dadas por ( 654 ;; ξξξ ).

Nesta seção vamos recuperar conceitos básicos de hidrostática, já velhos

conhecidos dos alunos de engenharia naval. De fato, a hidrostática é, do conjunto

Page 124: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 122

de disciplinas que hoje formam o escopo básico da engenharia naval, a mais

antiga. Através desse estudo equacionaremos as forças e momentos de

restauração hidrostáticos que regem a flutuabilidade e a estabilidade estática do

corpo flutuante.

O problema hidrostático se caracteriza pela ausência de velocidades e

acelerações do fluido (e, portanto, do corpo flutuante). Nesse caso, o campo de

pressões (já entendo a pressão como relativa à pressão atmosférica) é dado

simplesmente por:

gzp ρ−= (4.3)

As resultantes de força e de momento decorrentes da integração de (4.3) sobre

a superfície molhada do corpo (SB) resultam então:

(4.4) dSnrzgM

dSnzgF

B

B

S

S

)( rrr

rr

×−=

−=

∫∫

∫∫

ρ

ρ

onde rr representa o vetor posição (x,y,z).

Suponhamos, agora, um referencial O’x’y’z’ solidário ao corpo, ilustrado na

figura abaixo:

x

y

z

ξ1

ξ2

ξ5ξ3

x’y’

z’

x

y

z

ξ1

ξ2

ξ5ξ3

x’y’

z’

Figura 46 – Referencial fixo e referencial solidário ao corpo

Para um corpo livre, a força e o momento em (4.4) serão contrabalançados

pela força peso do corpo. Como o centro de gravidade do corpo (CG) se desloca

com o corpo, é conveniente expressar o momento em termos do referencial

Page 125: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 123

solidário ao corpo. Se ),,( 321 ξξξξ =T

r denota o vetor de translação do corpo, então

podemos escrever e assim, aplicando a fórmula de mudança de pólo

entre os pólos O e O’, verifica-se que o momento em relação ao referencial

solidário ao corpo (

Trr ξrvr

+= '

'Mr

) é expresso por:

dSnrzgM TSB

])[(' rrrr×−−= ∫∫ ξρ (4.5)

Obviamente, a área molhada do corpo depende dos valores de 6,...,1 ; =jjξ .

Dessa forma, para avaliar a força em (4.4) e o momento em (4.5) vamos

considerar o volume V definido como o volume interno do corpo abaixo do plano

z=0. Esse volume é limitado pela superfície molhada do corpo e pela área de corte

no plano z=0. Aplicando o Teorema de Gauss para a expressão da força em (4.4),

concluímos que:

kgVdzzgFV

rrρρ =∇= ∫∫∫ )( (4.6)

pois a integral de superfície sobre o plano z=0 é nula.

A força em (4.6) é obviamente a força de empuxo (buoyancy em inglês)

atuante sobre o corpo. Analogamente, para o momento (4.5), podemos aplicar

uma das variantes do Teorema de Gauss, que estabelece para uma campo

vetorial Q a seguinte relaçãor 47 (com a normal exterior ao domínio):

VdQdSQnVS∫∫∫∫∫ ×∇=× )()(

rrr

através da qual deduzimos que:

∫∫∫∫∫∫ −−−=−×∇−=VV

T dVjxiygdVrzgM ])()[()(' 12

rrrrrξξρξρ (4.7)

Mostraremos, agora, que o momento (4.7) é o produto entre a força de empuxo

e o vetor posição do centro de empuxo do corpo (ou centro de carena, CB). Para

tanto, notemos que o volume V (instantâneo) pode ser obtido como a diferença

entre o volume de deslocamento original (∀ , abaixo da linha d’água z’=0) e o

47 Esta variante decorre diretamente do Teorema da Divergência, bastando, para isso, tomá-lo para

um campo vetorial QcFvrr

×= , onde cr é um vetor constante no espaço e não nulo.

Page 126: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 124

volume da “cunha” definida entre os planos z=0 e z’=0 ( ). Na hipótese de

pequenos deslocamentos, um elemento de volume dessa cunha pode ser escrito

como e, assim, volume da cunha pode ser obtido mediante

integração sobre a área do plano de linha d’água (A

0V

''0 dyzdxdV =

W). Dessa forma:

(4.8) kdyzdxgFWA

rr

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡−∀= ∫∫ ''ρ

∫∫∫∫∫ ×−−−−=∀ WA

dydxkrzgdVjxiygM '')'(])()[(' 12

rrrrrρξξρ (4.9)

Note que as integrais acima, agora, são feitas sobre parâmetros conhecidos a

priori para um determinado calado do corpo. Para tornar as expressões ainda mais

convenientes, seria interessante reescrevê-las em termos do referencial solidário

ao corpo. Para isso, observamos que a relação entre os dois sistemas de

coordenadas pode ser aproximada, mais uma vez supondo pequenos

deslocamentos de rotação, na forma:

'' xxx RTrrv ×++= ξξ (4.10)

Considerando (4.10) em (4.8) e (4.9), obtemos:

(4.11) kdydxxygFWA

rr

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡−+−∀= ∫∫ '')''( 543 ξξξρ

∫∫

∫∫∫−−+−

−+−−+=∀

WA

dydxjxiyxyg

dVjyzxizxygM

'')'')(''(

])'''()'''[('

543

6546

vr

rrr

ξξξρ

ξξξξρ

(4.12)

Por fim, sendo:

∫∫∫∀∀

== dVxzyxx BBBB '1),,( rv (4.13)

a posição do centro de carena do corpo (note que as coordenadas já são dadas

em relação ao referencial do corpo) e:

Page 127: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 125

(4.14)

dSyS

dSyxS

dSxS

dSyS

dSxS

W

W

W

W

W

A

A

A

A

A

222

12

211

2

1

'

''

'

'

'

∫∫

∫∫

∫∫

∫∫

∫∫

=

=

=

=

=

os momentos de área do plano de flutuação, as equações (4.11) e (4.12) podem

ser reescritas na forma:

( kSSAgF W )rr

15243 ξξξρ +−−∀= (4.15)

jSSSyzxg

iSSSzxygM

BBB

BBBr

rr

])([

])(['

1151241365

1252242346

ξξξξξρ

ξξξξξρ

+−−−+∀−

−+−−−+∀= (4.16)

Como esperado, a força hidrostática confere a restauração em heave enquanto

o momento hidrostático é responsável pelas restaurações em roll e pitch. Os

movimentos do corpo no plano horizontal não possuem restauração hidrostática e,

portanto, só podem ser restritos através de forças externas (por exemplo, através

de amarrações).

Para um corpo submerso, AW e os momentos (4.14) são nulos e as

restaurações hidrostáticas dependem apenas do volume de deslocamento e da

posição do centro de carena.

O ponto de coordenadas ( 0;; 21 WW ASAS ) é conhecido, na terminologia naval,

como centro de flutuação (em inglês, center of flotation, CF) e representa o centro

de giro do corpo flutuante em roll e pitch. No restante desta seção,

consideraremos o CF como a origem do sistema de coordenadas solidário ao

Page 128: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 126

corpo (nesse caso, ) e que o corpo possui um plano de simetria

vertical

021 == SS48 (caso de um navio, por exemplo), então 012 =S .

As forças e momento hidrostáticos são contrabalançados pela força peso do

corpo ( ) e seu momento em relação à origem do sistema de coordenadas

do corpo. Se as coordenadas do centro de gravidade do corpo (CG), escritas no

sistema local, são dadas por ( ) podemos somar as contribuições do peso

às forças e momentos hidrostáticos e escrever as forças e momentos totais como:

mg−;0;0

GGG zyx ;;

( )[ kAgmF Wt ]rr

3ξρ −−∀= (4.17)

jmgyyggSmgzzgmgxxg

igSmgzzgmgxxgmgyygM

GBGBGB

GBGBGBtr

rr

)]()()[(

)]()()[('

6115

2246

−∀−+−∀+−∀−

−+−∀−−∀+−∀=

ρξρρξρ

ρρξρξρ (4.18)

Adotando a notação indicial para forças ( ) e momentos ( )

podemos reescrever (4.17) e (4.18) na forma matricial:

321 ;; FFF 654 ;; FFF

( )ji ; 0 e ji ; 1

][)()(

,,

5,4,3,i

≠===

+−∀−−∀+−∀=

jiji

iiGBiGBi CmgxxgmgyygmggFδδ

ξδρδρδρ (4.19)

A matriz é uma matriz (6x6) conhecida como matriz de restauração

hidrostática , cujos termos não nulos são dados por:

][C

)()(

)()(

56

1155

46

2244

33

GB

GB

GB

GB

W

mgyygcgSmgzzgc

mgxxgcgSmgzzgc

gAc

−∀=+−∀−=

−∀=+−∀−=

−=

ρρρ

ρρρ

ρ

(4.20)

48 Mesmo que o corpo não o possua, pode-se sempre adotar uma rotação dos eixos horizontais de

forma a anular o momento cruzado de área.

Page 129: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 127

Para que o corpo esteja em equilíbrio ( 0=iξ ), a expressão (4.19) impõe as

seguintes condições:

∀= ρm

e:

GB

GB

yyxx

==

A primeira condição recupera o Princípio de Arquimedes. A segunda impõe

que as forças peso e empuxo tenham pontos de aplicação na mesma vertical,

anulando os momentos. Nesta situação de equilíbrio, os termos em (4.20)

resultam:

0)(

0)(

56

1155

46

2244

33

=∀+−−=

=∀+−−=

−=

cSzzmgc

cSzzmgc

gAc

GB

GB

(4.21)

O termo de restauração em roll ( ) em (4.20) é conhecido na nomenclatura

naval com altura metacêntrica transversal (GM

44c

t), enquanto o termo de restauração

em pitch é a chamada altura metacêntrica longitudinal (GMl). É normalmente deste

ponto que a maioria dos livros básicos de Arquitetura Naval parte para o estudo de

estabilidade estática de embarcações. Toda a dedução acima, no entanto, será

muito importante para o equacionamento da dinâmica de um corpo flutuante em

ondas, dado que a matriz [C] é usualmente a única fonte de restauração dos

movimentos de heave, roll e pitch.

4.3. Forças Hidrodinâmicas

Nossa intenção, agora, é descrever as forças hidrodinâmicas que atuarão

sobre o corpo flutuante quando da incidência de uma onda plana progressiva de

Page 130: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 128

pequena amplitude (A) e freqüência ω. Consideraremos, portanto, ondas lineares

e os movimentos induzidos pelas mesmas e assim, para facilitar o

desenvolvimento algébrico, adotaremos novamente a notação complexa.

As amplitudes de movimento 6,...,1 ; =jjξ serão números complexos,

trazendo com si não apenas as informações de amplitude de deslocamento do

corpo mas também as informações das fases relativas entre cada movimento e a

onda incidente. Dessa forma, as seis componentes de velocidade do corpo podem

ser expressas na forma:

(4.22) 6,...,1 )Re()( == jeitU tijj

ωωξ

Como as ondas incidentes sobre o corpo são supostas de pequena amplitude,

os deslocamentos do corpo também o serão e, assim, podemos adotar

procedimento análogo àquele empregado no Capítulo 2 (ver eq. 2.23) e decompor

o potencial de velocidades procurado na forma:

(4.23) ⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡+= ∑

=

ti

jAjj ezyxAzyxtzyx ωφφξφ

6

1),,(),,(Re),,,(

Em (4.23) cada potencial 6,...,1 ; z)y,(x, =jjφ representa o potencial de

velocidades devido a um movimento de amplitude unitária no correspondente grau

de liberdade, na ausência de ondas incidentes. O potencial resultante da soma

dessas seis componentes é conhecido então como potencial de radiação. O nome

se refere ao fato de que o corpo, ao se movimentar, irradia ondas que se

propagam, afastando-se do mesmo.

O potencial z)y,(x,Aφ , por sua vez, representa o potencial devido à presença

da onda incidente com amplitude unitária e sua interação com o corpo fixo e é

conhecido como potencial de difração. Pode ser decomposto também em duas

componentes distintas, a primeira referente ao potencial de onda incidente não

perturbada, ou seja, na ausência do corpo ( z)y,(x,0φ ) e a segunda representado o

“espalhamento” desta onda uma vez que a mesma incide sobre o corpo fixo

( z)y,(x,7φ ):

z)y,(x,z)y,(x, z)y,(x, 70 φφφ +=A (4.24)

Page 131: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 129

Deve-se observar que toda essa decomposição de efeitos indicada em (4.23)

e (4.24) somente é possível graças à hipótese de pequenas amplitudes de onda e

pequenos deslocamentos do corpo. Nessa situação, podemos desconsiderar

variações geométricas da região molhada do corpo e, uma vez que a teoria é

linear, podemos admitir a superposição dos diferentes campos ondulatórios.

Cabe-nos, agora, equacionar o problema de contorno em função das oito

componentes distintas identificadas acima. Considerando (4.23), sabemos que

cada componente deverá satisfazer a equação da continuidade:

7,...,1,0 0 ==∆ jjφ (4.25)

A imposição da condição de Cauchy-Poisson na superfície-livre (z=0), por sua

vez, implica em:

7,...,1,0 0,z em 02

===∂

∂+− j

zgj

j

φφω (4.26)

e a condição de impermeabilidade no fundo:

7,...,1,0 ,-z em 0 ===∂

∂jh

zjφ

(4.27)

ou, alternativamente, em profundidade infinita 7,...,0 ; 0 =→ jjφ quando

-∞→z .

Finalmente, para os potenciais de radiação, a condição de contorno no corpo

exige que:

6,5,4 , em )(

3,2,1 , em

B3

B

=×=∂

==∂

− jSnrin

jSnin

jj

jj

rrωφ

ωφ

(4.28)

Já para o potencial de difração, a correta imposição da condição de contorno

implica em:

em 0 BSn

A =∂

∂φ

e, portanto:

Page 132: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 130

em n

B

07 Sn ∂

∂−=

∂∂ φφ

(4.29)

A solução do problema de contorno consiste em determinar as sete incógnitas

representadas pelos seis potenciais de radiação e pelo potencial de

espalhamento, já que o potencial de onda incidente é conhecido. Essa solução

pode ser entendida como a superposição de dois problemas de natureza física

distinta. O primeiro corresponde àquele expresso pelas equações (4.25-4.28) e é

conhecido como problema de radiação. O segundo, referente à solução das

equações (4.25-4.27 e 4.29), é chamado problema de difração. Como veremos, da

solução do primeiro resultam as forças inerciais (massas adicionais) e o chamado

“amortecimento de radiação” (radiation damping), enquanto do segundo resultam

as chamadas “forças de excitação” (wave-exciting forces) que são aquelas

efetivamente responsáveis por induzir os movimentos do corpo.

Antes, contudo, precisamos discutir a necessidade de uma condição de

contorno adicional chamada condição de radiação. Tal necessidade fica óbvia se

observarmos, por exemplo, que um termo na forma z)y,(x,. AC φ , com C

representando uma constante arbitrária, pode ser somado aos potenciais de

radiação 6,...,1 ; z)y,(x, =jjφ sem violar as condições de contorno (4.26-4.28). Em

outras palavras, a unicidade das soluções não está ainda garantida. Esse

problema, contudo, pode ser eliminado através da imposição de uma condição

que garanta que as ondas irradiadas e espalhadas tenham o sentido de

propagação correto, afastando-se do corpo. Assim, definindo pode-

se escrever:

2/122 )( yxR +=

721 ,Rp/ 1 ,...,,jeR

ikRj =∞→∝ −φ (4.30)

onde o decaimento com a distância é imposto para garantir a conservação de

energia à medida que a onda se afasta do corpo. Em um caso bidimensional, a

condição correspondente seria dada por:

(4.31) p/ x ±∞→∝ ikxj emφ

Page 133: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 131

As forças hidrodinâmicas atuantes sobre o corpo podem ser calculadas

mediante a integração do campo de pressão linear sobre a superfície SB, campo

este obtido através da equação de Bernoulli, desprezando-se o termo quadrático

na velocidade do fluido:

gzt

p ρφρ −∂∂

−= t)z,y,(x,

ou:

(4.32) ⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡+−= ∑

=

ti

jAjj eizyxAzyxtzyxp ωωφφξρ

6

1),,(),,(Re),,,(

Assim, as forças e momentos sobre o corpo resultam:

⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

+−

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡−

−=

∫∫

∑ ∫∫

∫∫

=

B

B

B

S

ti

j Sj

tij

S

dSnAei

dSnei

dSnzgtF

r

r

rr

)(Re

Re

)(

70

6

1

φφωρ

φωξρ

ρ

ω

ω (4.33)

⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

×+−

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡×−

×−=

∫∫

∑ ∫∫

∫∫

=

B

B

B

S

ti

j Sj

tij

S

dSnrAei

dSnrei

dSnrzgtM

))((Re

)(Re

)()(

70

6

1

rr

rr

rrr

φφωρ

φωξρ

ρ

ω

ω (4.34)

Cada uma das três componentes nas equações (4.33) e (4.34) representam

diferentes contribuições para a força e o momento resultante. Comparando essas

duas equações com (4.4), percebe-se que o primeiro termo de força e momento

Page 134: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 132

corresponde, na verdade, às contribuições hidrostáticas49. Estas foram discutidas

na seção anterior e, como já sabemos, serão as responsáveis pela restauração

hidrostática do corpo em heave, roll e pitch. As integrais no segundo termo de

(4.33) e (4.34) são facilmente identificadas com os termos de força e momento

derivados em (2.25) e (2.27) no estudo das forças hidrodinâmicas sobre um corpo

com movimento arbitrário em fluido infinito. Naquela ocasião, definimos tais

integrais como as massas adicionais. Aqui, porém, os potenciais

6,...,1 ; z)y,(x, =jjφ são complexos. A massa adicional corresponderá à parte real

destas integrais, enquanto a parte imaginária resultará no chamado

amortecimento de radiação. Por fim, a terceira componente em (4.33) e (4.34)

representa a força e o momento induzidos pela ação da onda incidente sobre o

corpo.

As forças e momentos hidrostáticos já foram discutidos na seção 4.2. A seguir,

discutiremos separadamente as demais forças e momentos hidrodinâmicos.

4.3.1. Massa Adicional e Amortecimento de Radiação

Discutiremos nesta seção as características das componentes de força e

momento representadas pelo segundo termo das equações (4.33) e (4.34). Para

facilitar a exposição, trabalharemos novamente com uma notação indicial

denotando as três componentes dessa força e momento na forma ),,( 321 FFFF =r

e

, lembrando que ),,(),,( 654321 FFFMMMM ==v

, MFvr

agora se referem

exclusivamente à força e momento representados pelo segundo termo em (4.33) e

49 Cabe aqui um comentário quanto à influência da onda sobre a área molhada do corpo. Na

hipótese de pequena amplitude de onda e pequenos deslocamentos do corpo, é possível mostrar

que a contribuição de força decorrente da variação da superfície molhada do corpo induzida pelo

movimento da superfície-livre é uma contribuição de segunda-ordem na amplitude da onda e pode,

assim, ser desprezada. Para maiores detalhes ver Newman (1977).

Page 135: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 133

(4.34). Através dessa notação podemos representar as seis componentes de

forma matricial:

(4.35) 6,...,2,1 Re6

1

=⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

= ∑=

ifeFj

ijti

jiωξ

onde, considerando (4.28) em (4.33) e (4.34):

∫∫ ∂∂

−=BS

ji

ij dSn

f φφ

ρ (4.36)

É fácil perceber que os 36 coeficientes são análogos às massas adicionais

definidas em (2.28). Aqui, porém, estes coeficientes são complexos e suas partes

real e imaginária dependem da freqüência

ijf

ω em função da condição de contorno

(4.26). Definindo-se:

(4.37) ijijij biaf ωω −= 2

as componentes de força (4.35) resultam:

( ) 6,...,2,1 Re6

1

2 =⎭⎬⎫

⎩⎨⎧

−= ∑=

ibiaeFj

ijijti

ji ωωξ ω

e, lembrando que as velocidades e acelerações do corpo são dadas por:

6,...,1 )Re()(

6,...,1 )Re()(2 =−=

==

jetU

jeitUti

jj

tijj

ω

ω

ξω

ωξ&

podemos reescrever as forças na forma:

6,...,2,1 6

1

==+−= ∑=

iUbUaF jijj

jiji& (4.38)

Verifica-se, assim, que as forças e momentos resultantes sobre o corpo

apresentam componentes em fase com a aceleração do corpo (inerciais) e

componentes em fase com as velocidades do corpo (amortecimentos),

respectivamente proporcionais a:

∫∫

∫∫

∂∂

=−=

∂∂

−==

B

B

Sj

iij

Sj

iijij

dSn

fbij

dSn

fa

φφ

ωρ

ωω

φφ

ωρ

ωω

)Im(1)(

)Re(1)( 22

(4.39)

Page 136: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 134

Os coeficientes são os coeficientes de massa adicional enquanto os

coeficientes recebem o nome de coeficientes de amortecimento de radiação.

ija

ijb

As massas adicionais diferem daquelas correspondentes ao corpo imerso em

fluido sem fronteiras, devido à presença da superfície livre. O amortecimento por

radiação se deve ao fato de que o corpo, ao oscilar, irradia ondas que se

propagam para longe do corpo representando um fluxo de energia. Consideremos

agora um único modo de oscilação do corpo. Observando (4.38) percebemos que

o trabalho médio realizado para contrabalançar as forças impostas pelo fluido ao

longo de um ciclo de onda é dado por:

222

21

iiiiiiii bUbUF ξω==− (4.40)

Lembrando que a energia média transportada pela onda é proporcional ao

quadrado de sua amplitude, (4.40) mostra que há uma relação direta entre os

coeficientes de amortecimento e a amplitude de onda irradiada pelo corpo. ijb

Uma propriedade importante dos coeficientes e é a simetria. A

demonstração desse fato é análoga ao que fizemos para demonstrar a simetria

das massas adicionais na seção 2.2.5, mediante o emprego do Teorema de

Green. Aqui, todavia, o teorema deve ser aplicado considerando-se não apenas a

superfície do corpo (S

ija ijb

ijm

B), mas também a superfície-livre (SF), o fundo (Sbot) e a

fronteira distante do corpo (S∞):

∫∫∞+++

=⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∂∂

−∂

SSSS

ij

ji

botFB

dSnn

φφ

φ (4.41)

É fácil verificar, no entanto, que a consideração das condições de contorno

correspondentes em cada uma das fronteiras, com exceção da superfície do

corpo, implica na anulação do integrando e, assim:

∫∫ =⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡∂∂

−∂

BS

ij

ji dS

nn0

φφ

φφ (4.42)

o que implica diretamente em:

Page 137: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 135

jiij ff =

Além disso, pode-se demonstrar que, nos limites de baixas e altas freqüências

( 0→ω e ∞→ω ), existem relações diretas entre os coeficientes de massa

adicional do corpo no problema com superfície-livre ( ) e aqueles obtidos em

fluido sem fronteiras ( ). Uma discussão sobre o comportamento da massa

adicional e do amortecimento nesses limites assintóticos pode ser encontrada, por

exemplo, em Newman (1977).

ija

ijm

4.3.2. Forças de Excitação em Ondas

Resta-nos, por fim, analisar o terceiro termo nas expressões de força e

momento (4.33) e (4.34). Estes, como dissemos, se referem às forças e momentos

causados pela incidência de ondas sobre o corpo fixo. Empregando novamente

uma notação indicial, podemos escrever as três componentes de força e de

momento de excitação na forma:

6,...,2,1 Re, == iXAeF iti

iexcω (4.43)

e, empregando-se as condições de contorno (4.28) em (4.33) e (4.34), obtém-se:

∫∫ ∂∂

+−=BS

ii dS

nX

φφφρ )( 70 (4.44)

Os termos representam, portanto, as amplitudes complexas de força de

excitação nos respectivos graus de liberdade, para uma amplitude de onda

unitária. Graças à linearidade do problema, uma vez obtidos os valores de ,

serão conhecidos os valores das forças para qualquer valor de amplitude de onda,

bastando-se multiplicá-los de acordo com (4.43).

iX

iX

O potencial de onda incidente 0φ é conhecido. O potencial 7φ deve ser

determinado como solução do problema de difração, discutido anteriormente.

Page 138: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 136

Cabe aqui uma pequena digressão. As parcelas de força de excitação que

dependem exclusivamente da ação da onda incidente ( ∫∫ ∂∂

−=BS

ii dS

nX

φφρ 0 ) são

conhecidas como forças de Froude-Krylov. A chamada hipótese de Froude-Krylov

consiste, então, em aproximar as forças de excitação desconsiderando-se a

perturbação causada pelo corpo no escoamento. Trata-se, de fato, da

aproximação mais simples para estas forças e sua aplicação, embora muito

limitada, pode ser justificada em alguns casos. Um exemplo é o caso das forças

de excitação sobre um navio esbelto (alto L/B), quando o comprimento de onda é

muito maior do que a boca da embarcação. Neste caso pode-se mostrar que as

componentes de Froude-Krylov são os termos dominantes nas forças de surge,

heave e pitch e bons resultados podem ser obtidos com o emprego da técnica

conhecida como teoria de faixas (strip-theory)50. Todavia, na grande maioria dos

problemas envolvendo corpos flutuantes de grandes dimensões, a influência do

potencial de espalhamento é decisiva e os dois termos da equação (4.44) devem

ser considerados para o computo das forças de excitação.

No contexto da teoria linear, os coeficientes de força de excitação (4.44) serão

calculados sobre a superfície-molhada média do corpo, isto é, sem considerar a

influência da elevação da superfície sobre tal área. Conseqüentemente, as forças

de excitação serão idênticas quer o corpo esteja fixo ou livre para se mover em

ondas. A distinção entre os dois problemas decorre de efeitos de segunda-ordem.

Uma vez que o potencial de espalhamento 7φ e os potenciais de radiação

6,...,1 ; z)y,(x, =iiφ satisfazem as mesmas condições de contorno na superfície-

livre e no fundo e a mesma condição de radiação, podemos novamente empregar

o Teorema de Green para obter:

∫∫ =⎥⎦⎤

⎢⎣⎡

∂∂

−∂∂

BS

ii dS

nn07

7 φφ

φφ (4.45)

50 Maiores detalhes podem ser encontrados em Newman (1977).

Page 139: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 137

e, substituindo (4.45) em (4.44), escrever:

∫∫ ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

∂∂

+∂∂

−=BS

ii

i dSnn

X 70

φφ

φφρ

Porém, observando a condição de contorno (4.29), podemos escrever as

forças de excitação de uma forma alternativa, independente do potencial de

difração:

∫∫ ⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

∂∂

−∂∂

−=BS

ii

i dSnn

X 00

φφ

φφρ (4.46)

As relações (4.46) são conhecidas na literatura como Relações de Haskind.

Elas expressam as forças de excitação nos vários graus de liberdade em função

de seus respectivos potenciais de radiação. É interessante notar ainda que,

novamente de acordo com o teorema de Green:

∫∫∞+++

=⎥⎦⎤

⎢⎣⎡

∂∂

−∂∂

SSSSi

i

botFB

dSnn

000

φφ

φφ (4.47)

e, aqui, as integrais em SF e Sbot mais uma vez se anulam devido às condições de

contorno, mas a integral em S∞ não, pois o potencial de onda incidente não

satisfaz a condição de radiação. Dessa forma, podemos reescrever (4.46) como:

∫∫∞

⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

∂∂

−∂∂

=S

ii

i dSnn

X 00

φφ

φφρ (4.48)

e verificamos, portanto, que as forças de excitação no corpo também podem ser

obtidas com base nos potenciais de radiação calculados no chamado “campo

distante” (far-field, em inglês).

Mais ainda, pode-se mostrar51 que no campo distante os potenciais de

radiação são proporcionais à raiz quadrada do fluxo de energia, que por sua vez,

como discutimos anteriormente, se relaciona com os coeficientes de

amortecimento de radiação. Empregando-se o método da fase estacionária, pode-

se encontrar a relação entre as forças de excitação e os coeficientes de

amortecimento de radiação:

51 Para uma discussão mais elaborada ver, por exemplo, Newman (1977).

Page 140: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 138

θθπρ

π

dXgc

kb ig

ii ∫=2

0

2)(8

(4.49)

onde o ângulo θ denota a direção de incidência de onda.

A expressão (4.49) permite inferir o comportamento das forças de excitação

no limite de altas freqüências ( ∞→ω ). Sabendo que o amortecimento de radiação

tende a zero neste limite (ver Newman (1977), pgs 303-304), pode-se deduzir que

as forças de excitação devem tender a zero mais rapidamente do que o termo

. Considerando-se a relação de dispersão de ondas verifica-se, então,

que no limite de altas freqüências as forças de excitação em um problema

tridimensional decaem mais rapidamente do que . Para problemas

bidimensionais, de forma similar, esse decaimento deve ser mais rápido do que

. O significado físico deste decaimento é fácil de compreender: O limite de

altas freqüências

( ) 2/1/ kcg

2/3−ω

2/1−ω

∞→ω corresponde também ao limite em que o comprimento de

onda tende a zero 0→λ e, nesta situação, a superfície do corpo estará sujeita à

ação simultânea de vários ciclos de ondas que acabam por se cancelar. Além

disso, o decaimento exponencial da perturbação ondulatória sobre o fluido

aumenta com a freqüência de onda, o que implica que, neste limite, a pressão

dinâmica só será significativa em uma faixa muito estreita abaixo da superfície

média do fluido. Denotemos por um comprimento típico do corpo. Os dois

efeitos acima, combinados, explicam porque as forças de excitação devem tender

a zero à medida que

Bl

∞→ω ou, alternativamente, à medida que o comprimento de

onda se torna muito pequeno face às dimensões típicas do corpo 1/ <<Blλ .

Situação muito diferente ocorre na situação oposta, no limite de baixas

freqüências 0→ω ou quando o comprimento de ondas é muito grande

comparado às dimensões típicas do corpo ( 1/ >>Blλ ). Este é o chamado regime

de ondas longas e será discutido em maiores detalhes a seguir.

Page 141: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 139

4.3.2.1 Aproximação no Regime de Ondas Longas

Interessa-nos agora estudar uma aproximação para as forças de excitação no

regime de ondas longas ( 0→ω ).

A condição de contorno no corpo implica que:

nn rr .. 07 φφ −∇=∇ em SB (4.50)

mas esta pode ser reescrita a partir dos potenciais de radiação, bastando para

isso considerar as condições (4.28):

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂∂

∂∂

+∂∂

∂∂

+∂∂

∂∂

=∇nznynx

in 3020107 .

φφφφφφω

φ r em SB (4.51)

e, portanto:

nzyx

in rr .. 30

20

10

7 ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∇

∂∂

+∇∂∂

+∇∂

∂=∇ φ

φφ

φφ

φω

φ em SB (4.52)

No regime de ondas longas, a aproximação consiste em considerar o campo

de velocidades induzido pela onda incidente como um campo constante sobre o

corpo cteBS

≅∇ 0φ . Nessa condição, podemos reescrever (4.52) como:

nzyx

in rr .. 30

20

10

7 ⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂

∂+

∂∂

+∂

∂∇≅∇ φ

φφ

φφ

φω

φ em SB (4.53)

da qual deduzimos que o potencial de espalhamento 7φ pode, no regime de ondas

longas, ser aproximado por:

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

⎛∂

∂+

∂∂

+∂

∂≅ 3

02

01

07 φ

φφ

φφ

φω

φzyx

i (4.54)

Substituindo (4.54) em (4.44) tem-se, então:

∑∫∫= ⎥

⎥⎦

⎢⎢⎣

∂∂

+⎟⎠⎞

⎜⎝⎛

∂∂

−≅3

1

00

j jij

S

ii x

fidSn

XB

φω

φφρ (4.55)

O primeiro termo em (4.55) será responsável pela força e pelo momento

induzidos pelo potencial de onda incidente:

Page 142: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 140

(4.56)

⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

×−=

⎪⎭

⎪⎬⎫

⎪⎩

⎪⎨⎧

−=

∫∫

∫∫

B

B

S

tiexc

S

tiexc

dSnrAeitM

dSnAeitF

)(Re)(

Re)(

00,

00,

rrr

rr

φωρ

φωρ

ω

ω

No entanto, aplicando-se o teorema de Gauss na forma do gradiente,

podemos calcular a força com base no volume de deslocamento do corpo (∀ ) e

na área do plano de flutuação, pois:

∫∫∫∫∫∫∫ −∇−=∀ wB AS

dSndVdSn rr000 φφφ (4.57)

Todavia, como no regime de ondas longas a variação espacial do potencial

0φ é lenta (já que ), podemos aproximá-lo através da seguinte expansão em

série de Taylor:

0→k

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+∂

∂+≅

==

yy

xx

xxx 0

0

0

000 )0()(

rrrr

rr φφφφ (4.58)

e, assim:

∫∫∫∫∫∫== ∂

∂−

∂∂

−−−∀∇≅wwB AxAx

wS

dSnyy

dSnxx

AdSn rrrrrrrr0

0

0

0000 )0(

φφφφφ

Mas, lembrando das definições dos momentos de área do plano de flutuação

dadas em (4.14), podemos ainda escrever:

kSy

Sx

AdSnxx

wSB

rrrrrrr ⎟

⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+∂

∂++−∀∇≅

==∫∫ 2

0

01

0

0000 )0(

φφφφφ (4.59)

Analogamente, aplicando o teorema de Gauss na forma do divergente tem-se

para a integral no cálculo do momento:

∫∫∫∫∫∫∫ ×−×∇=×∀ wB AS

dSnrdVrdSnr )()()( 000rrrrr φφφ

ou:

∫∫∫∫ −+×∀∇≅×wB A

BS

dSjxiyxdSnr )()( 000

rrrrr φφφ (4.60)

e, considerando (4.58):

Page 143: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 141

jSy

Sx

S

iSy

Sx

SxdSnr

xx

xxB

SB

rr

rrrrr

rrrr

rrrr

⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+∂

∂+−

−⎟⎟⎠

⎞⎜⎜⎝

∂∂

+∂

∂++×∀∇≅×

==

==∫∫

120

011

0

010

220

012

0

02000

)0(

)0()(

φφφ

φφφφφ

(4.61)

Cabe, então, observar que as derivadas do potencial 0φ serão termos

proporcionais a ( 10 <<φk ). Dessa forma, os termos proporcionais a essas

derivadas em (4.59) e (4.61) são pequenos se comparados aos termos

proporcionais a 0φ , assim como é pequena a contribuição advinda do potencial de

espalhamento (ver (4.55)). Assim, os termos dominantes de força e o momento de

excitação neste limite podem ser expressos simplesmente por:

))(0(Re)(

)0(Re)(

120

0

jSiSAeitM

AAeitFti

exc

wti

excvrrr

rr

−−≅

−≅

φωρ

φωρω

ω

(4.62)

Finalmente, observando que:

)()0(Re 0 tgAei ti ζφω ω −=r

chega-se às seguintes expressões para esses termos:

))(()(

)()(

12 jSiStgtM

ktgAtF

exc

wexcvrr

rr

−≅

ζρ

ζρ (4.63)

Percebe-se, portanto, que no limite de baixas freqüências ( 0→ω ), as forças e

momentos de excitação dominantes correspondem às forças e momentos

hidrostáticos associados à elevação de onda incidente sobre o corpo.

A contribuição do potencial de espalhamento em (4.55) pode ser relacionada

com os coeficientes de massa adicional e amortecimento (parte real e parte

imaginária de ). ijf

Podemos inferir a influência desta contribuição através da análise de um caso

simples. Suponhamos, então, um corpo flutuante simétrico em relação aos planos

x=0 e y=0. Vamos calcular a força vertical sobre este corpo induzida por ondas de

baixa freqüência. Neste caso, dada a simetria do corpo, sabemos que

, assim como os momentos de área 03231 == ff 021 == SS . De (4.55) e (4.59),

temos então:

Page 144: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 142

z

fiAiiX w ∂∂

+−∀∇+≅ 033003 )0(

φω

φρωφρωr

e, de (4.26) e (4.37) e considerando )0(00

rφφ k≅∇ :

)0()()0()0( 033332

003

rrrφωω

ωφρωφρω kbiaiAikiX w −+−∀+≅

ou:

[ ] )0()0()0( 00333303

rrrφρωφρφω wAikbakiX −+∀++≅

e, assim:

[ ] )0()0()0(Re)( 00333303

rrrφρωφρφω wAikbakitF −+∀+≅

Por fim, notando que ),0()0(Re 0 twAeki tir

&r

=ωφω e ),0()0(Re 0 twAek tirr

=ωφ

podemos escrever:

[ ] )()()()( 00330333 tgAtwbtwatF wζρρ ++∀+≅ & (4.64)

A expressão (4.64) demonstra, portanto, que além da força hidrostática

associada à onda, a qual representa aqui o termo dominante, há ainda um termo

inercial, proporcional à aceleração vertical do fluido calculada na origem, e um

termo de amortecimento, proporcional à velocidade vertical do fluido neste mesmo

ponto.

Se o corpo estiver submerso a uma profundidade tal que efeitos de superfície-

livre possam ser ignorados, então 0;0; 333333 =≅≅ wAbma . Nesse caso, a

expressão (4.64) se resume em:

[ ] )()( 0333 twmtF &∀+≅ ρ (4.65)

4.3.2.2 A Fórmula de Morison

É fácil perceber a semelhança de (4.65) com o termo inercial da chamada

fórmula de Morison, já conhecida dos estudantes de engenharia naval. Esta

equação foi proposta de maneira ad hoc na década de 50 por J.E. Morison, então

aluno de graduação, para o cálculo das forças sobre uma coluna vertical de seção

circular exposta a ondas. Para isso, sobrepôs dois efeitos: a força inercial de

Page 145: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 143

ondas e a força de origem viscosa e, assim, derivou uma equação para a força em

cada seção da coluna. A abordagem empregada por Morison se mostra

apropriada para o estudo da força sobre corpos no regime de ondas longas, com

aplicações, por exemplo, no estudo de forças sobre risers, umbilicais, dutos

submersos, estruturas treliçadas de plataformas do tipo jaqueta e até mesmo

como aproximação para forças sobre plataformas semi-submersíveis. Tomemos

como exemplo o problema de um cilindro circular horizontal longo, submerso a

uma profundidade h, sob a ação de uma onda regular com amplitude A e

freqüência ω:

h

D

A

h

D

A

Figura 47 – Ação de ondas sobre um cilindro circular submerso

Neste caso, empregando-se a abordagem proposta por Morison, a força

seccional de heave é dada por:

[ ] )()(21)(1)( 0003 twtDwCtwCStf DM ρρ ++= & (4.66)

onde S corresponde à área da seção, CM é o coeficiente de inércia da seção em

heave e CD é o coeficiente de arrasto do cilindro. A força é então composta por um

termo inercial e um termo não-linear (quadrático) de arrasto, o segundo defasado

de 90o do primeiro.

Keulegan & Carpenter (1958) determinaram experimentalmente os valores de

CM e CD para vários tipos de cilindros sob escoamento oscilatório e verificaram

que os resultados apresentavam boa aderência com o adimensional que hoje leva

o nome de número de Keulegan Carpenter (KC):

D

VTKC = (4.67)

Page 146: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 144

onde V representa a amplitude de velocidade do escoamento e T o período de

oscilação do mesmo.

No caso do escoamento induzido por ondas harmônicas, temos e,

assim, o valor de KC para o cilindro da figura 47 é dado por:

kzAeV =

kheDAKC −=

ωπ2 (4.68)

No regime de KC baixo (tipicamente KC<3), as forças inerciais são

dominantes e o termo de arrasto pode ser desprezado. Conforme discutimos na

seção 4.1, neste caso a amplitude de movimento do fluido é muito pequena para a

formação da camada-limite e para a separação da mesma, não havendo a

formação de uma esteira rotacional significativa. Nesse limite, vale a aproximação

de escoamento potencial e o coeficiente de inércia corresponderá ao coeficiente

de massa adicional teórico da seção. Assim:

[ ] )(1)( 03 twCStf M &+≅ ρ (4.69)

e a força total sobre o cilindro recuperará, então, aquela prevista pela equação

(4.65).

Para valores mais altos de KC, o termo de arrasto passa a desempenhar

papel importante. Nessa situação, portanto, os efeitos viscosos serão importantes

e os coeficientes de inércia (CM) e de arrasto (CD) serão influenciados pelo número

de Reynolds (Re) e pela rugosidade da superfície. Um estudo bastante completo

sobre os valores destes coeficientes para diferentes valores de KC pode ser

encontrado, por exemplo, em Sarpkaya & Isaacson (1981).

4.4. Resposta em Ondas Regulares

Nas seções anteriores, discutimos as forças hidrostáticas e hidrodinâmicas

atuantes sobre um corpo flutuante ou submerso em ondas. Nosso objetivo, agora,

é levantar as equações do movimento do corpo e discutir alguns aspectos

importantes da dinâmica de sistemas oceânicos usuais.

Page 147: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 145

As equações do movimento decorrem diretamente da segunda lei de Newton

ao se igualar as forças e momentos inerciais do corpo às forças e momentos

decorrentes do campo de pressão do fluido (4.33) e (4.34). Assim, observando

(4.19)52, (4.35) e (4.43), podemos escrever as seis equações de movimento

acopladas na forma complexa:

i=1,2,...,6 (4.70) ⎥⎦

⎤⎢⎣

⎡++−= ∑∑

==

6

1

6

1

)(j

iijijjti

jjij AXfceUM ξω&

onde os termos Mij representam os coeficientes da matriz de inércia do corpo,

dada por:

[M] =

m 0 0 0 mzG -myG

0 m 0 -mzG 0 mxG

0 0 m myG -mxG 0

0 -mzG myG I11 I12 I13

mzG 0 -mxG I21 I22 I23

-myG mxG 0 I31 I32 I33

Lembrando que:

j=1,2,...,6 (4.71) )Re()(

)Re()(2 ti

jj

tijj

etU

eitUω

ω

ξω

ωξ

−=

=&

temos então:

i=1,2,...,6 [∑=

=+−−6

1

2

jiijijijj AXcfMωξ ]

]

Finalmente, de (4.37) temos que e, assim, podemos

reescrever as equações do movimento na forma final:

ijijij biaf ωω −= 2

(4.72) [∑=

=+++−6

1

2 )(j

iijijijijj AXcbiaM ωωξ

52 Por simplicidade, os termos decorrentes do peso próprio do corpo em (4.19) já foram

incorporados nos coeficientes cij.

Page 148: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 146

As seis equações em (4.72) podem ainda ser escritas na forma matricial, ao

se definir a matriz de massas adicionais [A], a matriz de amortecimento de

radiação [B] e a matriz de restauração hidrostática [C]:

XACBiAM =+++− ξωω ][][])[]([2 (4.73)

Deve-se notar que em (4.73) os coeficientes das quatro matrizes são reais,

enquanto o vetor de forças de excitação X é complexo, assim como também é

complexo o vetor das amplitudes de movimento ξ.

O vetor complexo AZ ξ= representa os movimentos do corpo (amplitude

e fase) quando excitado por uma onda de amplitude unitária. Este vetor

corresponde, portanto, a uma função de transferência que relaciona a amplitude

de onda com a resposta linear do sistema dinâmico. É mais conhecido na

literatura como o vetor dos Response Amplitude Operators (RAOs). Obviamente,

os RAOs dependerão não apenas da freqüência de onda ω mas também da

direção de incidência da onda em relação ao corpo (β). Assim, observando (4.73),

verificamos que o vetor de RAOs pode ser calculado como:

(4.74) XCBiAMZ 12 ][][])[]([),( −+++−= ωωβω

O vetor é complexo e, portanto, cada elemento é dado por: ,...,, 621 ZZZZ =

j=1,2,...,6 IjRjj iZZZ ,, +=

O módulo de Zj ( 2,

2, IjRjj ZZZ += ) fornece a amplitude de movimento no

grau de liberdade j para uma onda de amplitude unitária de freqüência ω que

incide sobre o corpo com um ângulo β. A fase de Zj ( )/arctan( ,, RjIjj ZZ=ε )

representa a diferença de fase entre o movimento do corpo no grau de liberdade j

e a onda incidente.

Page 149: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 147

A figura abaixo ilustra os RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro (sem

velocidade de avanço) para duas diferentes direções de incidência:

β=180ο (incidência de ondas pela proa) e β=90ο (incidência de través). Neste caso,

os coeficientes potenciais (massas adicionais, amortecimentos, restaurações e

forças de excitação) foram calculados através de um software baseado na técnica

de teoria de faixas.

Figura 48 – RAOs de heave e pitch de um navio petroleiro

Podemos discutir alguns aspectos qualitativos da resposta. Tomemos como

exemplo, então, o movimento de heave. Dada a simetria do navio em relação ao

plano y=0, a maioria dos acoplamentos dinâmicos com o movimento vertical

resulta nula, exceto um possível acoplamento heave-pitch. Este acoplamento de

fato existe no exemplo acima e se apresenta claramente nos resultados. Todavia,

por simplicidade, vamos supor que a influência do movimento de pitch no RAO de

heave é pequena, como de fato o é na realidade, dados os valores usualmente

Page 150: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 148

elevados da restauração hidrostática de pitch. Assim, ignorando esse possível

acoplamento, o RAO de heave será dado por:

)(

),(333333

23

3 cbiamX

Z+++−

=ωω

βω (4.75)

onde: ∀= ρm é o deslocamento em massa do corpo e WgAc ρ=33 representa a

restauração hidrostática em heave (ver 4.20). Assim:

)(

),(3333

23

3WgAbia

XZ

ρωρωβω

+++∀−= (4.76)

No limite de baixas freqüências ( 0→ω ), a força de excitação em heave pode

ser aproximada por (4.64), o que significa, portanto, que:

1),(3 →βωZ para 0→ω (4.77)

como mostram os resultados da figura (4.38). Além disso, a fase resulta nula neste

limite ( 0 qdo 03 →→ ωε ) . Ou seja, quando a onda é muito longa em comparação

com as dimensões típicas do navio, o navio simplesmente acompanha a elevação

da superfície-livre.

Por outro lado, no limite de altas freqüências ( ∞→ω ), vimos que a força de

excitação deve tender a zero e, portanto:

0),(3 →βωZ para ∞→ω (4.78)

Percebe-se em (4.76) que o movimento de heave apresenta uma freqüência

natural dada por:

33

3 agAW

n +∀=

ρρ

ω (4.79)

e, portanto, o navio experimentará uma ressonância em heave quando a

freqüência de onda coincidir com a freqüência natural ( 3nωω = ). Através dos

resultados da figura 48 percebemos que 5.03 ≅nω rad/s para o navio em questão.

Ou seja, o período natural do movimento vertical é aproximadamente 12,5

segundos.

No caso de corpos flutuantes, ressonâncias ocorrerão também para os

movimentos de pitch e roll, em função da restauração hidrostática nestes modos.

Page 151: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 149

No caso de navios, como a restauração em pitch é usualmente grande, as

freqüências naturais são elevadas e normalmente não há problemas de

ressonância com as ondas do mar. O mesmo não ocorre, todavia, para o

movimento de roll. Outros tipos de sistemas como as plataformas semi-

submersíveis, por exemplo, são projetados com o objetivo específico de

apresentarem freqüências naturais em heave, roll e pitch suficientemente baixas

para estarem dessintonizadas da faixa de freqüências de energia significativa das

ondas do mar. O objetivo destes sistemas é justamente reduzir os movimentos

ressonantes nestes modos e, com isso, minimizar os movimentos verticais.

Se não houver nenhum tipo de restrição externa aos movimentos do plano

vertical (surge, sway e yaw), esses movimentos não apresentarão ressonâncias

pois a restauração hidrostática nesses modos é nula. Sistemas oceânicos

ancorados passarão a ter períodos freqüências naturais de oscilação no plano

horizontal, cujos valores serão diretamente proporcionais à rigidez das linhas de

ancoragem. Em geral, estas freqüências são baixas, com períodos típicos da

ordem de 100 segundos. Dessa forma, ressonâncias não serão excitadas em

primeira-ordem, mas apenas através de forças hidrodinâmicas de baixa freqüência

de segunda-ordem, dando origem ao fenômeno conhecido como deriva-lenta

(slow-drifts).

Como no caso de um oscilador mecânico, a amplitude de resposta

ressonante será inversamente proporcional ao coeficiente de amortecimento do

movimento. Na modelagem baseada em escoamento potencial, esse

amortecimento depende exclusivamente dos coeficientes bij, ou seja, do

amortecimento por irradiação de ondas. Nos casos dos movimentos de heave,

pitch e roll, em alguns casos esse amortecimento pode ser baixo, de forma que a

influência dos amortecimentos de origem viscosa passa a ser importante para a

estimativa da amplitude de movimento ressonante. Esse aspecto será discutido

em maiores detalhes a seguir.

Page 152: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 150

4.4.1. Incorporação de Amortecimento Viscoso

Em alguns casos, o corpo flutuante ao oscilar praticamente não gera ondas

e, dessa forma, o amortecimento por radiação de ondas é pequeno. Um caso

típico no qual isso ocorre é o movimento de roll de um navio. Além disso, cascos

projetados para apresentar pequenos valores de força de excitação em heave,

pitch e roll necessariamente apresentarão baixos valores de amortecimento de

radiação nestes movimentos, fato que pode ser deduzido diretamente a partir das

relações de Haskind (ver eq. 4.49). Nessa categoria se enquadram, por exemplo,

os cascos de plataformas semi-submersíveis, TLPs, Spars e Mono-Colunas.

Em todos os casos discutidos acima, o amortecimento viscoso pode ser da

mesma ordem ou até mesmo dominante no amortecimento total do sistema e deve

ser incluído no cálculo dos RAOs sob pena de superestimar, e muito, as

amplitudes de resposta ressonantes. Sabemos, contudo, que o amortecimento de

origem viscosa é tipicamente quadrático na velocidade do movimento (Uj). Assim,

o amortecimento total pode geralmente ser modelado na forma:

jjjjjj UUdUdB )2()1( += (4.80)

Os valores dos coeficientes linear e quadrático são normalmente

obtidos a partir de ensaios de decaimento realizados em tanque de provas com

modelos do casco em escala reduzida.

);( )2()1(jj dd

A figura a seguir ilustra os resultados de ensaios de decaimento em heave e

roll de um modelo de navio FPSO (escala 1:90).

Page 153: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 151

10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60

-0.1

-0.05

0

0.05

0.1

0.15

0.2

0.25

0.3

Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo

t(s) (a)

180 200 220 240 260 280 300 320 340 360-8

-6

-4

-2

0

2

4

6

8

Sinal de decaimento - Anotar Período e Intervalo

t(s) (b)

Figura 49 – Resultados de ensaios de decaimento em heave (a) e roll (b) com modelo de navio FPSO

Uma discussão sobre aspectos operacionais envolvidos neste tipo de

ensaio e sobre as técnicas existentes para a obtenção dos coeficientes de

amortecimento a partir de seus resultados pode ser encontrada, por exemplo, em

Chackrabarti (1994).

Deve-se observar, todavia, que para o cálculo dos RAOs supõe-se que a

dinâmica do sistema seja linear. Assim, deve-se obter um valor de amortecimento

linear equivalente , definido com base na hipótese de que a energia

dissipada por esse amortecimento no decorrer de um ciclo do movimento seja

igual àquela dissipada pelo amortecimento original. Ou seja:

)( )(eqjd

dtUUUdUdT

dtUUdT jjjj

T

jjj

T

jeq

j ).(1.1 )2(

0

)1(

0

)( += ∫∫ (4.81)

Observando (4.71) e após alguma álgebra, conclui-se então que o

amortecimento pode ser escrito como:

jeq

jj UdB )(=

com:

)2()1()(

38

jjjeq

j ddd ωξπ

+= (4.82)

O segundo termo em (4.82) deve então ser somado ao termo de

amortecimento de radiação (bjj) para o computo dos RAOs. Este é o procedimento

Page 154: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 152

usualmente empregado pelos softwares que trabalham com o problema de

comportamento no mar, por exemplo o programa WAMIT®. Esta abordagem

apresenta, contudo, um problema de ordem prática. Percebe-se em (4.82) que o

amortecimento equivalente dependerá não apenas da freqüência da onda, mas

também da amplitude do movimento, desconhecida a priori. Isto normalmente

obriga o ajuste dos coeficientes de amortecimento com base em valores

experimentais de RAO obtidos através de ensaios em ondas regulares.

Por esta razão, também, em simulações dinâmicas do sistema no domínio

do tempo é preferível não empregar diretamente os RAOs para cálculo dos

movimentos, mas sim utilizar os coeficientes potenciais calculados numericamente

para resolver a equação dinâmica não-linear, incluindo os termos de

amortecimento quadrático. Uma discussão sobre o enfoque no domínio do tempo

será apresentada na seção 4.5.1.

4.5. Resposta em Ondas Irregulares

Uma vez conhecidas as funções de transferência dos movimentos para

amplitude de onda unitária (RAOs), espectros de energia dos movimentos

(também chamados espectros de resposta) podem ser facilmente calculados para

qualquer espectro de mar )(ωζS .

O procedimento para tanto é simples. Lembremos, inicialmente, da definição

do espectro de energia do mar (ver eq. 3.48):

2

21).( nn AdS =ωωζ

Analogamente, o espectro de resposta do sistema no grau de liberdade j pode

ser definido por:

2

)(21).( ωξωω jj dS = (4.83)

e, portanto:

Page 155: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 153

22

)(21

)()(

).( ωωωξ

ωω AA

dS jj =

ou seja:

)()()(2

ωωω ζSZS jj = (4.84)

onde )(ωjZ representa o RAO do grau de liberdade j.

O procedimento descrito por (4.84) para obtenção dos espectros de resposta é

conhecido como cruzamento espectral. Uma interpretação gráfica deste

procedimento é apresentada na figura abaixo.

Figura 50 – Interpretação gráfica do cruzamento espectral.

Uma vez determinados os espectros )(ωjS as mesmas inferências

estatísticas, discutidas na seção 3.6.2 com respeito às ondas do mar, podem ser

obtidas para os movimentos do corpo. Obtêm-se, então, as estatísticas de

resposta do corpo para um determinado estado de mar. Tomemos mais uma vez

como exemplo o movimento de heave para exemplificar o processo. O espectro de

Page 156: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 154

resposta em heave é )(3 ωS . O momento espectral de k-ésima ordem do

movimento de heave é então dado por:

(4.85) ∫∞

=0

3,3 ).( ωωω dSm kk

A amplitude significativa do movimento de heave será:

0,33/13 2 mA =

e o período médio de movimento pode ser estimado como o período central do

espectro de resposta:

1,3

0,331 2

mm

T π=

O período entre zeros do movimento, por sua vez, é dado por:

2,3

0,332 2

mm

T π=

Como a dinâmica do sistema foi suposta linear, a função distribuição da

resposta será Gaussiana, na medida que a distribuição de onda também o é. A

distribuição de amplitudes de resposta seguirá a distribuição de Rayleigh e,

portanto, a probabilidade de que a amplitude de heave exceda um determinado

valor a pode ser calculada como:

0,3

2

23 ma

eaAP−

=>

Pode-se ainda estimar o número médio de vezes que isso ocorrerá ao longo

de uma hora:

3600 33

2

aAPT

N hora >=

Procedimentos análogos podem ser realizados para os outros graus-de-

liberdade, complementando-se assim as estatísticas de resposta dos movimentos

de primeira-ordem.

Page 157: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 155

4.5.1. A Abordagem no Domínio do Tempo

Simuladores numéricos do comportamento dinâmico de sistemas oceânicos

são ferramentas de projeto cada vez mais importantes no contexto da engenharia

naval e oceânica. Estes códigos permitem avaliar, no domínio do tempo, as

respostas de sistemas flutuantes sob ação de ondas, vento e correnteza marítima.

Consideram a influência de risers e linhas de amarração e, hoje em dia, dadas as

lâminas d’água de operação cada vez maiores, representam um complemento

importantíssimo aos estudos em tanques de provas, já que estes últimos passam

a sofrer sérios problemas de escala.

Uma abordagem no domínio do tempo permite ainda lidar com efeitos de

natureza não-linear como, por exemplo, o problema de amortecimento viscoso

discutido na seção precedente. A grande maioria dos simuladores de sistemas

oceânicos emprega os resultados de programas que calculam os coeficientes

potenciais no domínio da freqüência. O procedimento operacional requer, então,

uma realização do espectro de mar e uma transformação dos resultados para que

possam ser empregados no domínio do tempo.

No decorrer desta seção apresentaremos, de forma breve, os fundamentos

desta transformação. Nosso objetivo aqui não é o de equacionar de forma

completa o problema, mas sim indicar os princípios nos quais este

equacionamento se baseia. Para tanto trabalharemos, por simplicidade, com o

movimento em um único grau-de-liberdade.

As Funções de Resposta Impulsivas

Suponhamos, então, um corpo flutuante livre para se mover em um grau-de-

liberdade, com movimento descrito por x(t), e que no instante de tempo t=t0 o

corpo esteja em repouso. Durante um pequeno intervalo de tempo , o corpo

realiza um deslocamento impulsivo

t∆

x∆ com velocidade constante V , de tal forma

que: . tVx ∆=∆

Page 158: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 156

O potencial de velocidades do escoamento induzido por este movimento

impulsivo ),,,( tzyxφ pode ser escrito como:

xtzyxtzyx ∆= ),,,(),,,( χφ ; (4.86)

onde ),,,( tzyxχ é o potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento.

Obviamente, o fluido ainda realizará movimentos após o intervalo , quando

o corpo volta ao repouso. O princípio básico da técnica que vamos descrever é,

então, o seguinte: Um movimento arbitrário do corpo pode ser descrito como uma

sucessão de deslocamentos impulsivos. O escoamento fluido durante um intervalo

de tempo qualquer, contudo, será influenciado pelo movimento que o fluido

tinha nos instantes anteriores e, da mesma forma, influenciará o escoamento nos

instantes posteriores. O fluido apresenta então uma certa memória daquilo que

ocorreu com o escoamento em instantes passados.

t∆

t∆

O potencial do escoamento durante um intervalo ( mmm ttt ∆+, ) será então

escrito como:

(4.87) tVtttVt kkm

m

kkmm ∆∆++= −

=−∑ ),()(

1χψφ

com:

m: número de time-steps;

tm: tmt ∆+0

Vm: velocidade durante o intervalo ( ttt mm ∆+, );

Vk: velocidade durante o intervalo ( ttt kmkm ∆+−− , );

ψ : potencial de velocidades normalizado pela velocidade no intervalo

( ); ttt mm ∆+,

χ : potencial de velocidades normalizado pelo deslocamento no intervalo

( ); ttt kmkm ∆+−− ,

No limite em que , (4.87) pode ser reescrita como: 0→∆t

(4.88) ∫∞−

−+=t

dtxttxt ττχψφ )().()()( &&

Page 159: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 157

O campo de pressões do escoamento, por sua vez, pode ser estimado

diretamente da equação de Bernoulli. Supondo que o problema seja linear, a

pressão dinâmica será então dada por:

t

tp∂∂

−=φρ)(

e a força sobre o corpo é obtida mediante integração sobre a superfície molhada

SB:

∫∫=BS

dSnpF r

Somando também a essa força um termo de restauração hidrostática e uma

força de excitação externa W(t), Cummins (1962) demonstrou que a equação do

movimento pode ser escrita na forma:

(4.89) ∫∞

=+−++0

)()()().()()( tWtCxdtxBtxAM τττ &&&

com coeficientes (A;B) a serem determinados a partir dos potenciais ψ e χ . Hoje

(4.89) é conhecida como equação de Cummins.

Ogilvie (1964), por outro lado, relacionou os coeficientes (A;B) com os

coeficientes de massa adicional )(ωa e de amortecimento por radiação )(ωb

demonstrando que:

)( ∞== ωaA (4.90)

e

∫∞

=0

)cos()(2)( ωωωπ

τ dtbB (4.91)

A equação (4.91) é conhecida como função de retardo ou função de

memória. Através de (4.90) e (4.91) pode-se equacionar o problema no domínio

do tempo empregando-se a equação de movimento (4.89) e os coeficientes

potenciais calculados no domínio da freqüência. Resta ainda, todavia, a

necessidade de realizar as forças externas (por exemplo, a força de excitação de

ondas) no domínio do tempo. Para tanto, parte-se do princípio de superposição de

ondas harmônicas, permitido no contexto da teoria linear de ondas. Supondo que

Page 160: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 158

o corpo esteja sob ação de um mar com espectro de energia dado por )(ωζS e

lembrando que:

∑=

+=N

nnnn tAt

1)cos()( εωζ

podemos escrever:

∑=

++=N

nXnnnnn tAXtW

1

)cos()()( εεωω (4.92)

onde X(ωn) são as forças de excitação de ondas para amplitude de onda unitária

discutidas na seção (4.3), que apresentam fase Xnε .

Com as forças calculadas em (4.92) e com os coeficientes dados por (4.90) e

(4.91), pode-se finalmente integrar numericamente a equação do movimento

(4.89) tendo como dados de entrada os coeficientes potenciais calculados através

de um programa linear no domínio da freqüência (por exemplo, o programa

WAMIT®).

4.6. Determinação dos Coeficientes Potenciais

Ao longo deste capítulo apresentamos a modelagem teórica que permite

calcular as forças hidrodinâmicas e, em última instância, a chamada resposta de

primeira-ordem de sistemas oceânicos flutuantes. Esse cálculo, todavia, depende

da solução dos problemas de contorno de radiação (eqs. 4.25 – 4.28) e de

difração (eqs. 4.25 – 4.27 e 4.29). Através desta solução serão conhecidos os

potenciais de radiação e espalhamento 7,...,1 ; z)y,(x, =jjφ e, de posse dos

mesmos, será possível então calcular as massas adicionais, amortecimentos de

radiação e forças de excitação.

Atualmente, para as geometrias usuais de cascos, essa solução é obtida

através de procedimentos numéricos baseados em técnicas que consideram

escoamentos potenciais bidimensionais (2D) ou tridimensionais (3D). Uma

discussão mais profunda sobre as técnicas e métodos numéricos empregados

para a determinação dos potenciais de velocidade foge do escopo deste curso. No

Page 161: Hidrodinâmica Pnv5200 Apostila 2007

Hidrodinâmica I 159

entanto, algumas menções serão feitas a seguir, com o objetivo de orientar

aqueles que desejarem iniciar um estudo sobre essas técnicas.

Originalmente, uma das primeiras técnicas desenvolvidas para o estudo de

comportamento no mar de navios foi baseada na chamada Teoria de Faixas (Strip

Theory). Estas se caracterizam por transformar o problema tridimensional em uma

série de problemas bidimensionais independentes. O processo consiste em

estudar cada seção do navio como uma seção independente, resolvendo então

problemas de contorno bidimensionais. Obviamente, esta aproximação será tanto

melhor quanto menores forem os efeitos tridimensionais do escoamento sobre o

corpo. Em geral, admite-se que uma precisão aceitável pode ser obtida para

corpos esbeltos, com relação comprimeto/boca elevada (tipicamente L/B >3). Os

resultados finais são então obtidos mediante uma simples integração ao longo do

comprimento do corpo.

O passo inicial para o desenvolvimento dessa metodologia foram os trabalhos

de Ursell (ver, por exemplo, Ursell (1949)), que obteve uma solução analítica para

o escoamento em torno de um cilindro circular infinitamente longo semi-imerso em

um fluido. Todavia, as seções usuais de casco de navios não são exatamente

circulares. Tasai (1959) empregou então técnicas de mapeamento conforme para

obter os potenciais de velocidade em sway, heave e roll de seções geométricas

típicas de cascos de navios. O método consiste em mapear seções quaisquer em

seções circulares no plano complexo, onde valem as soluções derivadas por

Ursell, para, posteriormente, projetar estas soluções de volta para o plano real.

Uma das limitações do método de Ursell-Tasai é a impossibilidade de mapear

seções completamente submersas, como, por exemplo, o bulbo de proa de

navios. Esta limitação foi posteriormente superada por Frank (1967). A teoria

proposta por Frank obtém as soluções procuradas com base no potencial da

chamada fonte pulsante bidimensional.

Mais recentemente, com o progressivo aumento de capacidade dos

processadores numéricos, os métodos para a solução do problema de

escoamento tridimensional se tornaram viáveis. Atualmente, o procedimento mais

difundido para o estudo do problema de comportamento no mar é baseado em

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Hidrodinâmica I 160

uma técnica numérica denominada método de elementos de contorno (boundary

elements method, BEM). Esse método consiste, como o próprio nome diz, na

solução do problema considerando apenas o contorno do domínio fluido (ao

contrário do método de elementos finitos, por exemplo) e é vantajoso em termos

de esforço numérico para problemas de contorno lineares baseados na equação

de Laplace. Os alunos de engenharia naval da EPUSP têm um primeiro contato

com a aplicação deste método para a solução de problemas de escoamento

potencial na disciplina Métodos Computacionais para Engenharia I (PNV2441).

Em geral, a modelagem teórica para a solução do problema 3D se baseia na

aplicação do Teorema de Green para obter uma equação diferencial cuja variável

é o próprio potencial de velocidades procurado. A solução é em muito simplificada

com o conhecimento das chamadas Funções de Green do problema de contorno

específico. Essas funções de Green são o equivalente da fonte pulsante 2D

empregada originalmente por Frank. No caso do estudo de comportamento no mar

de sistemas flutuantes sem velocidade de avanço, por exemplo, a função de

Green permite que a equação diferencial seja automaticamente satisfeita em boa

parte do contorno (no caso, na superfície-livre e no fundo, além de garantir a

satisfação da condição de radiação de ondas). Com isso, a solução da equação

diferencial deve ser realizada exclusivamente sobre a superfície molhada do

corpo. As técnicas empregadas para essa solução podem se basear em uma

discretização da superfície do corpo na forma de painéis (o chamado método dos

painéis) ou através da representação analítica desta superfície por funções B-

spline.

A metodologia acima descrita é empregada por diversos programas

desenvolvidos para a solução do problema de comportamento no mar, entre eles o

programa WAMIT®, desenvolvido originalmente no Massachusetts Institute of

Technology (MIT).

Maiores detalhes sobre as técnicas para solução do problema de escoamento

tridimensional podem ser encontrados, por exemplo, em Bertram (2000).

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Hidrodinâmica I 161

5. UMA INTRODUÇÃO AOS EFEITOS HIDRODINÂMICOS DE SEGUNDA-ORDEM

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Hidrodinâmica I 162

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