HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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ESTUDOS ESTRATÉGICOS Dossiê I.5 “A Qeã Eeéca” Ca: Hal La Membro do Comitê Central do PCdoB Abril/2012

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ESTUDOSESTRATÉGICOS

Dossiê I.5

“A Qeã Eeéca”

Ca: Hal La

Membro do Comitê Central do PCdoB

Abril/2012

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ESTUDOS ESTRATÉGICOS DO

PArtido ComunistA do BrAsiL

dEPArtAmEnto nACionAL dE QuAdrosdA sECrEtAriA nACionAL dE orgAnizAção

Ee

Editor responsável: Walter Sorrenno

Editores: Bernardo Joly, Fabiana Costa, José Carlos Ruy e Nereide Saviani.

Cp eal

Augusto Buonicore

Dilermando Toni

Elias Jabbour

Fabio Palacio

Felipe Maia

Olival Freire

Quarm de Moraes

Renildo SouzaRonaldo Carmona

Sergio Barroso

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 Eliana Ada Gasparini

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Fausto Gasparini

Ap

Fundação Mauricio Grabois

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Dossiê I.5 - A questão energéca   3

E Eaéc PCB

APrEsEntAção

É instrumento do Departamento Nacional de Quadros João Amazonas, da Secretaria Nacional deOrganização, um produto com formato eletrônico e regularidade em uxo, com o objevo maior de orga-nizar e comparlhar conteúdos relevantes que subsidiam o estudo, reexão e elaboração dos quadros deatuação nacional, em primeiro lugar os integrantes do atual Comitê Central.

Lidará com temas polícos, econômicos, sociais, diplomácos, militares, ciencos, tecnológicos,teóricos, losócos, culturais, écos, etc. ademais dos temas teóricos socialistas. Fá-lo-á mediante indi-cação e disponibilização de textos, ensaios, livros e outros documentos destacados para a formulação eelaboração teórica, políca e ideológica do PCdoB, socializando-os.

Sua necessidade está ligada às formulações da políca de quadros contemporânea, parcularmentequanto ao foco de formar conscientemente nova geração dirigente nacional para as próximas décadas.Fazem-se grandes as exigências de renovação da teoria avançada, em ligação com o quadro estratégicode forças em confronto no Brasil e no mundo na perspecva de luta pelo Programa Socialista do PCdoB e,ainda, de fortalecimento de convicções e compromissos pardistas programácos, elevando a conançaideológica na luta transformadora. Como concluímos enfacamente no 12º Congresso, isso deve ser en-frentado, sobretudo com os quadros pardários.

Deverá propiciar a todos, formação marxista e leninista viva e cienca, compromeda ideologica-mente, sem dogmasmo, em ligação profunda com os problemas da época e os desaos programácosbrasileiros, é certamente a maior das responsabilidades dos integrantes do Comitê Central no sendo

de autoformação e o maior desao para o futuro do PCdoB. É a condição para cumprir de fato o alvo dapolíca de quadros, a de forjar nova geração dirigente do pardo, com ampla bagagem marxista, para ospróximos 10-15 anos.

Por outro lado, visa-se a permir superar a grande dispersão e cacofonia do regime de (in) forma -ção de hoje, que combina às vezes supersaturação com falta de atenção qualicada ao que realmente éimportante; ou seja, a falta de foco, que torna o esforço abstrato e disperso, ou o excesso de foco, que otorna imediasta. O pardo políco se estrutura para a políca, a ação políca, e não propriamente paraa elaboração de conhecimento. Mas a teoria, o conhecimento, a consciência políca avançada, é basilar àluta dos comunistas e é cada vez mais fundamento indispensável para uma políca programáca. Donde

o esforço pessoal em alcançar e produzir conhecimento, que não advém diretamente da informação, masde elaboração individual, a parr da informação qualicada. A iniciava proposta serve a esses propósitos.

Walter SorrennoPelo Conselho Editorial

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Estudos Estratégicos - PCdoB4

PLAno EditoriAL

E Eaéc

O Plano editorial é composto de 3 séries:

1. O novo projeto nacional de desenvolvimento – temas programácos

2. Formação histórica do Brasil3. Temas teóricos

Os dossiês propostos em cada série serão publicados entre 2011 e 2013

i. o v pje acal e eevlve – ea paácI.1. Políca externa na perspecva do desenvolvimento soberano

I.2. O comércio internacional e uma abordagem da questão nacional e da transição

I.3. A questão ambiental e a biodiversidade

I.4. Mídia, democrazação, conteúdo nacional

I.5. A questão energéca

I.6. A Cultura, idendade e projeto nacional

I.7. A questão agrária e agrícola

I.8. A Questão urbana

I.9. A Amazônia

I.10. Questão indígena no Brasil

I.11. A defesa nacional

I.12. Políca nacional de Ciência & Tecnologia & Inovação

I.13. A questão tributária e scalI.14. Estado indutor do desenvolvimento

I.15. Políca macroeconômica – juros e câmbio

I.16. Políca macroeconômica – inação e vulnerabilidade externa

I.17. Defesa da economia nacional

I.18. Políca industrial, Industrialização/desindustrialização

ii. A Façã hóca BalII.1. Povo uno – a formação do povo brasileiro

II.2. Formação histórica da nação e suas contradições

II.3. Formação e situação atual das classes sociais no Brasil

II.4. Formação do Estado brasileiro

iii. tea eóc

sb sée A qeã acal

III.1. A Questão nacional

III.2. A questão democráca

III.3. A questão social

III.4. O Papel do Estado

III.5. Desenvolvimento, globalização neoliberal e dependência imperialista

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Dossiê I.5 - A questão energéca   5

sb sée Capal cepâe

III.6. Caracteríscas e tendências do capitalismo contemporâneo

III.7. As tendências geopolícas e econômicas do mundo

III.8. A crise capitalista e perspecvas do “pós-crise”

III.9. Imperialismo contemporâneo, neoliberalismo, globalização

sb sée Cêca

III.10. Fronteiras da ciência, implicações produvas e losócas

sb sée scal e max

III.11. O conceito de transição capitalismo-socialismo

III.12. O papel do mercado no socialismo

III.13. A transição na experiência socialista na China

III.14. A transição na experiência socialista no Vietnã

III.15. A transição na experiência socialista em Cuba

III.16. O conceito do trabalho, o proletariado moderno

III.17. O Pardo enquanto agente transformador

III.18. A questão de gênero: uma perspecva atualizadora

III.19. O pensamento de Lênin

III.20. A obra de Gramsci

III.21. Marxismo Lano-americano

III.22. Marxismo e PCdoB

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Estudos Estratégicos - PCdoB6

ÍNDICE

iça: A Qeã Eeéca (Haroldo Lima)

i - ua hóa heexa peóle (Luiz Eduardo Duque Dutra)

Pea Pae: o peóle e a peaçã a ce capal pla

1. O capitalismo sem petróleo

2. O petróleo na era do vapor

3. A produção de querosene e o nascimento da indústria

4. O capital monopolista, o imperialismo e o petróleo

5. A crise do imperialismo e o grande capital petrolífero

 

sea pae: o peóle ee a ea e epea a pefea1. A nova sociedade em torno do petróleo e o despertar da contestação

2. O petróleo, o levante nacionalista e a insurgência na periferia

3. O petróleo, antes e depois da guerra: da arte à ciência

tecea Pae: o pó-ea e a eazaçã capal pelífe

1. A queda dos riscos exploratórios

2. Em torno do poço, nasce a indústria para-petrolífera

3. Da terra ao mar: a expansão da fronteira e a aventura o-shore4. A jusante, dos derivados à petroquímica, a busca pela agregação de valor

Qaa Pae: Eae, ce e eçã a pefea

1. O grande capital petrolífero e a prosperidade americana

2. O esgotamento antes da crise

3. A crise do petróleo e a insurreição da periferia

4. Petróleo, bancos e a crise do século XXI

 ii- gá aal: a eea f (Luiz Eduardo Duque Dutra)

Pea Pae: o gá naal e e elacha a

1. O gás natural e sua composição química

2. A experiência pioneira americana

3. A revolução dos meios

4. A revolução nas regras

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sea Pae: A eplíca á e a va ecla

1. O pós-guerra e a consolidação do gás natural nos EEUU

2. O pós-guerra e a lenta difusão internacional

3. A década de 1970 e a natureza geopolíca do gás natural

4. O GNL e a revolução no transporte

tecea pae: Peeça al, a ã lbal

1. Nos países pioneiros, o crescimento se esgota

2. A experiência européia: da doença à bonança

3. Final do século XX: mundial, mas ainda não global

Qaa Pae: A expeêca balea e ea aa

1. O tardio começo no Brasil

2. O descaso inicial das autoridades3. Faltaram também seriedade e políca energéca

4. O liberalismo e a desestruturação do Estado

5. A hegemonia regional e o fracasso das térmicas

6. Do liberalismo ao intervencionismo, sem perder a lanidade

7. Não mais infante, mas incompleta

iii – A úa eal Bal (Francisco Nelson Castro Neves)

1. Histórico da cana-de-açúcar

2. Aspectos agronômicos da cana-de-açúcar

3. O desenvolvimento da indústria

4. A questão ambiental

5. Distribuição e controle da qualidade do etanol

6. Geopolíca e mercado externo

7. O mercado interno e a regulação do etanol combusvel

8. Conclusão

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Estudos Estratégicos - PCdoB8

BIOGRAFIA DO CURADOR

Hal Be re La é engenheiro eletricista, diplomado pelaEscola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, em 1963.

Baiano de Caeté, como estudante de engenharia parcipou da Juventude

Universitária Católica e, entre 1961/2, foi um dos fundadores da Ação Popu -lar, organização que se destacou na luta contra a ditadura, de cuja direçãoparcipou até sua incorporação ao PCdoB, em 1972, quando Haroldo pas-sou a integrar o Comitê Central desse pardo.

Em 1968, quando cheava a Divisão de Operação e Manutenção da Companhia de Eletricidade da Bahia,passou à “clandesnidade”, por conta de perseguição políca, indo trabalhar na região do cacau da Bahia,como diarista, de onde foi a São Paulo. Esteve quase dez anos na clandesnidade.

Preso em 1976, no episódio conhecido como a Chacina da Lapa, foi torturado e condenado. Após quasetrês anos de prisão, foi anisado em 1979 e eleito deputado federal por cinco vezes consecuvas, a parrde 1982.

Parcipou, em 1984, da campanha das Diretas Já, percorrendo o Brasil em companhia de líderes comoUlisses Guimarães, Tancredo Neves e João Amazonas. Com a derrota das “Diretas”, foi ao Colégio Eleitoralpara acabar com o regime ditatorial, elegendo Tancredo Neves presidente da República. Quando o PCdoBsaiu da clandesnidade, em 1985, tornou-se Líder do Pardo na Câmara dos Deputados, função que ex-erceu, alternadamente, por onze anos.

Na sabana a que se submeteu no Senado da República, como indicação do Presidente Lula para uma

Diretoria da Agência Nacional do Petróleo, recebeu 22 dos 23 votos válidos. Assumiu a Diretoria da ANPem 2003 e sua Diretoria-Geral em 2005, sendo reconduzido em 2007. Foi Diretor da ANP por oito anos, eseu Diretor Geral por quase sete.

A ANP, na gestão de Haroldo Lima, recebeu novas atribuições, ampliou o espaço sico que ocupava, aper -feiçoou seus serviços e passou a ter escritórios nos pólos nevrálgicos do país. Foi nesse período que foiintroduzido o biodiesel no Brasil, assim como a Agência passou a regular o etanol.

A parr da descoberta do pré-sal, Haroldo Lima, à frente da ANP, teve papel importante em diversasoportunidades: propôs a rerada de oitenta e um blocos, situados na área da descoberta, da lista dos

que iriam à IX Rodada de licitações, salvando para a União esses blocos; defendeu, para a área do pré-sale assemelhadas, contratos de parlha da produção, mais beneciosos ao país; e encabeçou a posição deum preço melhor para o petróleo da União, que seria cedido à Petrobras, na sua capitalização de 2010, oque, com o apoio do presidente Lula, prevaleceu e permiu que o Estado brasileiro casse “mais dono”da Petrobras.

Em 2008, Haroldo Lima lançou o livro “Petróleo no Brasil – a situação, o modelo e a políca atual”.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   9

BIOGRAFIA

Lz Ea dqe da, é natural de Brasília, por onde se graduou emCiências Econômicas pela Universidade de Brasília, no nal da década de1970, tendo sido aluno de Décio Garcia Munhoz e Lauro de Campos, conhe-cidos por suas avançadas posições acadêmicas e polícas. Em 1982, ingres-

sou no Conselho Nacional do Petróleo, como assessor da Diretoria Finan-ceira.

Seu mestrado em Planejamento Energéco foi feito na anga Área Inter-

disciplinar de Energia, da COPPE, na Universidade Federal do Rio de Janeiro, hoje, Programa de Plane - jamento Energéco. Travou conhecimento com professores como Luiz Pinguelli Rosa, Luiz Fernando Legeye outros, em um momento em que se desenvolviam percepções da interação entre a sociedade, o meioambiente e a energia.

Prosseguiu seus estudos na França, em especial sobre petróleo e gás natural, sob a orientação do desta-cado professor de Economia da Academia Francesa, Jean-Marie Chevallier.

Fez doutorado na Universidade de Paris, após o que retomou, em 1995, ligações com a UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, notadamente com a Escola Politécnica, a Coppe e a Escola de Química, da qualé Professor-Adjunto até hoje. No nal da década de 1990, parcipou, na Coppe, sob a liderança do pro-fessor Pinguelli , de embates ideológicos onde surgiram trabalhos que cricavam o que na época pareciaum pensamento único neo-liberal.

Entre 1998 e 1999 colaborou com a ANP, recém criada, com o to da estruturação de uma Superintendên-cias de Gás Natural, para regular o energéco, avidade não prevista quando da criação da ANP.

Em 2000, fez pós-doutoramento na área de propriedade intelectual, na Escola Politécnica da UFRJ, soba orientação do professor Riccoe, da Universidade de Direito de Torino. Sua tese de pós-doutoramento,sobre a não apropriação privada do conhecimento virtual, até hoje guarda atualidade.

Foi entusiasta da criação da Agência Nacional de Águas, da qual foi assessor da diretoria durante trêsanos. Em 2003, a convite do diretor Luis Augusto Horta, da ANP, passou a assessorar a diretoria destaAgência, o que connuou a fazer na gestão do Embaixador Sebasão do Rego Barros.

Em 2005, quando Haroldo Lima assumiu a Diretoria-Geral da ANP, cou um período como assessor da Di -

retoria , após o que foi convidado para ser Chefe-de-Gabinete do Diretor-Geral. A parr de então, DuqueDutra começa a ter relação intelectual freqüente com o Diretor-Geral, um conhecido marxista. A herançados estudos de graduação e mestrado, fortemente marcados pela teoria e praxis marxistas, foi recupera -da e Luiz Eduardo tem a oportunidade de voltar às suas origens. Este livro é em grande parte fruto dessarelação.

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Estudos Estratégicos - PCdoB10

BIOGRAFIA

Facc nel Ca neve, é natural de Caeté, estado da Bahia.Graduou-se em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal da Ba-hia, em 1987. Como estudante de agronomia, teve parcipação ava nomovimento estudanl da época, de 1983 a 1987, tendo sido Coordenador

Geral do Diretório Acadêmico de sua faculdade por três mandatos consec-uvos, diretor da União dos Estudantes da Bahia e Coordenador Regionaldo Nordeste da Federação Nacional dos Estudantes de Agronomia.

Ingressou no Pardo Comunista do Brasil em 1983, quando esse pardo ainda estava na clandesnidade.Em sua cidade natal, Caeté, foi eleito e exerceu mandato de vereador por doze anos consecuvos, tendosido sufragado Presidente da Câmara de Vereadores, na gestão de 2003 e 2004. A Câmara, sob sua di -reção, passou por diversas melhorias, materiais e quanto ao processo legislavo. Candidato a Prefeito domunicípio, não conseguiu se eleger, permanecendo membro do Comitê Municipal de Caeté do PardoComunista do Brasil, tendo sido eleito posteriormente para o Comitê Estadual da Bahia do mesmo par-do. .

Ainda em Caeté, Francisco Nelson Castro Neves foi professor, do quadro efevo, do Instuto de EducaçãoAnísio Teixeira, exercendo seu magistério sem prejuízo das avidades polícas na Câmara da cidade.

Na iniciava privada, teve experiência na área administrava, comercial, de perícia rural e especialmenteem projetos agrícolas. Na Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado da Bahia exerceu asfunções de assessor de formação técnica e políca, ocasião em que aprofundou seu contacto em centrosprodutores agrícolas, onde aprofundou conhecimentos sobre agricultura no semi-árido, na caanga e emvales de rio.

Na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis assumiu a Coordenadoria Geral da Uni-dade Administrava Regional Nordeste, tendo estado à frente de ampliações da Unidade que dirige edado contribuições signicavas para a melhoria dos índices de não conformidade da região nordesna.Sua parcipação também tem sido muito posiva, nas discussões internas da ANP sobre biocombusveis,especialmente etanol, em que se tornou um especialista.

Francisco Nelson atua ainda como Perito da Jusça Federal da Bahia e compõe o grupo técnico de petróleoe biocombusveis da Federação das Indústrias do Estado da Bahia.

Na área acadêmica obteve tulo de Engenharia de Petróleo pela Universidade Federal da Bahia, Especial -ista em Meio Ambiente pela Universidade do Estado da Bahia e Mestre em Bioenergia pela Faculdade deTecnologia e Ciência da Cidade de Salvador.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   11

A parcipação de membros do PCdoB na direção da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural eBiocombusveis, durante mais de oito anos, desde o primeiro governo do presidente Lula até o atual dapresidenta Dilma, trouxe ao Pardo informações, idéias, problemas, não só do setor petrolífero, mas daárea energéca como um todo, que lhe permitem formular posições, com um grau de concretude atéentão inexistente.

 O professor Luiz Eduardo Duque Dutra, economista de formação marxista, docente da Universida-de Federal do Rio de Janeiro, exerceu, durante quatro anos, as funções de Chefe do Gabinete do Diretor

Geral da ANP, enquanto eu ocupava esse cargo. A anidade conceitual e o tempo prolongado de trabalhoconjunto lastrearam a formação de opiniões convergentes sobre aspectos gerais da questão energéca. Aparr desse patamar de entendimentos, com sua base informava ampla e grande capacidade pessoal, oprofessor Luiz Eduardo desenvolveu os dois primeiros capítulos desse compêndio, referentes ao petróleoe ao gás natural. Fez um trabalho exausvo, acompanhando historicamente a indústria do petróleo des-de seu surgimento, aí pelos meados do século XIX, passando por todo seu desenvolvimento e expansãoocorridos no século XX, e no Brasil, até os dias de hoje. Com o mesmo rigor e abrangência tratou do gásnatural, a provável fonte energéca mais importante do século XXI. A apreciação econômica, sob a ócamarxista, está presente em toda sua exposição.

Na verdade, esses trabalhos do Luis Eduardo, tem uma novidade: eles incorporam, na bibliograanacional e até internacional, uma obra sobre a evolução dos setores de petróleo e gás natural escritanuma óca marxista, que fazia falta na literatura especializada sobre o tema.

O engenheiro Francisco Nelson Castro Neves usa também os critérios marxistas para a análise dosfenômenos, e na vida práca vai arculando estudos acadêmicos na área energéca com a coordenaçãodas avidades da ANP no Nordeste brasileiro. Originário do alto sertão baiano e graduado em agrono-mia pela Universidade Federal da Bahia, Francisco Nelson encontrou na ANP o ambiente propício paraaprofundar-se no tratamento dos biocombusveis. De reconhecido espírito práco, grande capacidade detrabalho e muita invenvidade produziu o texto que nesse dossiê aborda a indústria do etanol no Brasil.

Também aí, o doutor Francisco Nelson vai em busca das origens históricas dessa indústria, o que o leva àcomentar a introdução da cultura da cana-de-açucar no Brasil, aí pelos meados dos século XVI, quando,originariamente, a Corte portuguesa chegou a pretender implantar aqui “feitorias” e não colonizar o terri-tório a que recentemente chegara. O tratamento dos problemas e desaos dos dias atuais coroa o examedas questões. Vê-se aí o grande potencial do Brasil no mercado mundial do etanol, o que a cultura dacana pode signicar de “oportunidade para reversão de cenário de exclusão econômica”, parcularmenteno Nordeste, e como o setor está enfrentando diculdades tópicas, que estão a exigir enérgicas polícaspúblicas de desenvolvimento.

O dossiê, somente com o tratamento dessas três fontes, o petróleo, o gás e o etanol, cou extenso.

Abordar as demais fontes de forma minuciosa não foi possível nesse momento. Sendo assim, examinei-assob a óca de sua parcipação na matriz energéca mundial e brasileira, colocando problemas e veri -cando tendências e necessidades. É o que faço nessa Introdução.

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Estudos Estratégicos - PCdoB12

1) Pcíp e plíca eeéca

O ponto de vista central que orienta esses trabalhos é o do Estado como promotor do desenvolvi-mento e o da energia como seu meio indispensável. Ao Estado desenvolvimensta cabe fazer expandir aoferta de energia, modelando a matriz de tal forma que esta reita os três princípios gerais de uma po-líca energéca sadia: 1) a diversidade de fontes; 2) o uso de recursos disponíveis e 3) o realce às fontes

emergentes, as que se universalizam, as mais limpas. 

Para assim proceder, o Estado terá que assumir, na área energéca, uma dupla postura, o de pro-dutor e o de regulador, na conuência do que inuencia na oferta sustentável de energia, de acordo commatriz adequada.

2) o papel a beaa e plíca eevlvea

Para que possa desempenhar a função descrita acima, o Estado desenvolvimensta necessita de

uma condição preliminar, soberania.

Na história do Brasil há exemplos reveladores de como a inexistência de soberania, sua existêncialimitada e seu exercício pleno resultaram em efeitos completamente diferentes para os interesses nacio-nais. É educavo relembrar episódios simbólicos.

No século XVIII, o Brasil era colônia de Portugal. A Revolução Industrial teve início na Inglaterra, aípor 1760. Vinte anos depois, a sociedade colonial brasileira fazia seus primeiros ensaios industriais no Riode Janeiro, na Bahia, em Pernambuco. Em 05 de janeiro de 1785, D. Maria I, Rainha de Portugal, promulgao “Alvará da Proibição Industrial”, pelo qual, no Brasil só seria permido fabricar aguardente e panos gros -

seiros (para embalagens de produtos e roupa de escravos). Morria, assim, no nascedouro os primeirosimpulsos juvenis da industrialização no Brasil. O “Alvará da Proibição” foi revogado em 1809, meio séculodepois da Revolução Industrial. Vigorou por vinte e quatro anos. É a origem mais remota do nosso atrasoindustrial. Não nhamos soberania.

O segundo episódio ocorre na época do Imperador Pedro II. Pressionado por nascente desejo deproteção à indústria nava, em 1844 o governo adota a Tarifa Alves Branco, pela qual todo produto im-portado que vesse similar nacional deveria pagar 60% de imposto. Em conseqüência, o país conhecesurto de desenvolvimento sem precedentes, com a chamada Era Mauá, em referência ao poderoso grupobrasileiro que se constuiu com fundição de ferro, bronze, ferrovias, linhas de bonde, redes de iluminação

pública a gás, estaleiros, telégrafo submarino, navegação a vapor até na Amazônia e rede bancária comdiversas liais pelo mundo. Pressões inglesas e americanas levaram, em 1866, à revogação da Tarifa AlvesBranco e a se adotar a Tarifa Silva Ferraz, com reduzidas taxas de importação. O grupo Mauá foi à falênciaem 1875, e seus avos foram passados aos ingleses e americanos. Tínhamos uma soberania limitada evacilante.

O terceiro episódio tem o Nordeste como palco. Delmiro Gouveia, um empreendedor de granderocínio instala, em 1913, o primeiro aproveitamento hidrelétrico na cachoeira de Paulo Afonso, no rioS. Francisco. Incrusta, nos paredões de um precipício, uma usina de 1.500 HP, gerando em 3KV. Em 1914,inaugura a Fábrica de Pedra, onde hoje ca a cidade de Delmiro Gouveia, que recebia energia elétrica da

usina. Produzia as Linhas Estrela e Barrilejo. Entre 1914 e 1917, ganha o mercado brasileiro e penetra naAmérica do Sul, sobrepujando as Linhas Corrente, da inglesa Machine Coon. O grupo inglês propõe acompra da Fábrica de Pedra. Não estava à venda, respondeu Delmiro. As pressões connuaram. Delmiro é

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Dossiê I.5 - A questão energéca   13

assassinado em 1917, por razões até hoje não esclarecidas. A Fábrica é vendida aos ingleses que destro-em suas máquinas e as aram no rio S. Francisco. A soberania não resisa ao capital estrangeiro.

O período que vai da Revolução de 1930 até 1955 é de predomínio de um nacional-desenvolvimen-smo, que foi o ideário da Revolução de 30. O Governo Vargas aproveitou a oportunidade que se formoucom recessão nos EEUU e na Europa, ascensão da URSS e também do nazi-fascismo e lançou as bases para

a industrialização do pais. Criou o Código de Águas, o Conselho Nacional do Petróleo, o Conselho Nacionalde Águas e Energia Elétrica, a Cia. Vale do Rio Doce, a Fábrica Nacional de Motores, a Cia Nacional de Álca-lis, a Cia. Siderúrgica Nacional (Volta Redonda), a CHESF, Furnas e Petrobrás. Foi a base da industrialização,sobre a qual fez-se a substuição de importações. As resistências foram grandes. No desdobramento, opresidente Vargas foi levado ao suicídio. Era a soberania enfrentando barreiras para se armar.

O úlmo episódio já ocorre em período recente, sob um governo progressista. A Petrobras informouao presidente Lula e ao Conselho Nacional de Políca Energéca a descoberta do pré-sal. O presidenteconvocou para 08 de novembro de 2007 reunião extraordinária do Conselho Nacional de Políca Energé-ca, o CNPE, para deliberar sobre o que fazer. A 9ª Rodada de Licitações de Blocos Exploratórios da ANP iria

se realizar em 19 dias e 41 blocos do polígono do pré-sal iam ser licitados. O Diretor Geral da ANP propõea rerada dos 41 blocos da relação dos que iriam à licitação. O presidente apóia a rerada e todo o CNPEo respalda. Os 41 blocos caram com a União. Uma comissão é composta para estudar um novo marcoregulatório para o pré-sal e um sistema de parlha termina sendo denido para a área. Os interesses na -cionais prevaleceram. Exercitou-se uma soberania efeva.

3) A evlçã a az eeéca

O mundo tem assisdo a uma grande variação no uso das fontes energécas, sobretudo nos úlmosséculos. A lenha foi a fonte energéca mais amplamente usada até as proximidades do m do século XIX.Entrava com 92,5% na matriz energéca mundial em 1850, a parr de onde cai para 75% em 1875 e virao século, em 1900, com 20%. Daí por diante, em queda abrupta, chega em 1980 a 1,5%. O carvão crescede 1850, quando contribuía com a matriz em 7,5%, até 1920, quando ange 62,5%, a parr de onde vai a15%, em 1980, e tende a se estabilizar. A queda do carvão ocorre pela ascensão do petróleo, que vai domi-nar o século XX e que em 1900 estava com 2,5% de parcipação na matriz mundial, subindo para 12,55%em 1920 e indo até 55% em 1970, quando começa a declinar. O gás natural comparecia com minguados2,5% até 1900 e vem num crescendo até 28% em 1980. A fonte hidrelétrica, na qual nosso país se destaca,tem débil parcipação em termos globais, sendo sua marca de 1% em 1900, chegando a 4% em 1970 edecaindo para 2% em 1980. A fonte nuclear só começa a aparecer em 1970, com 0,5%, índice que sobeseis vezes mais e vai a 3% em 1980.

A própria Agência Internacional de Energia, IEA, de onde os dados acima foram colhidos, faz pro- jeções da evolução dessa matriz até 2030. A lenha se estabiliza em 1%. O carvão cai a 10%, o petróleodecresce a 35%, o gás natural sobe a 33,5%, a hidráulica se estabiliza em 3%, a nuclear sobe a 13,5% eas “fontes renováveis” que começam o século XXI com 0,5%, no ano 2000, têm um aumento relavo de600% e chegam a 3%.

As referências apresentadas mostram como fontes energécas importantes, no caso seis, aparecemconcomitantes na matriz mundial, em geral sob o predomínio de uma. O aparecimento dessas fontes

decorre principalmente de três componentes que aparecem mais ou menos entrelaçados: o avanço datécnica, as descobertas de reservas e os “fatores de pressão”.

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Estudos Estratégicos - PCdoB14

É na conjugação desses três elementos que se entende o aparecimento da energia nuclear só aparr de 1970 e, mais tardiamente ainda, das fontes alternavas, dos biocombusveis, da energia eólica,solar etc. As descobertas revigoram fontes, como a petrolífera, no Mar do Norte, na África e agora nopré-sal brasileiro. Nessa mesma linha, o uso não energéco do óleo e gás, na indústria petroquímica e nade ferlizantes, abre horizontes aos hidrocarbonetos. O mais importante “fator de pressão” das úlmasdécadas tem sido a exigência do respeito ao meio-ambiente, que vai criando uma rejeição às fontes res -ponsáveis por altas emissões de gases poluentes.

Nas matrizes mundiais fontes em ascensão em um determinado momento aparecem em descensoem momento seguinte, de tal sorte que cada século tende a uma fonte dominante: o século XVIII, foi oséculo da lenha; o XIX, do carvão; o XX, do petróleo.

As projeções da IEA mostram que três fontes – o gás natural, a nuclear e as “fontes renováveis” – terão, em 2030, parcipações bem maiores que as que veram em 2010: o gás natural, que em 2010parcipou da matriz com 28%, irá em 2030 a 33,5%, que é o índice de 2010 mulplicado por 1,2; a nuclear,que teve em 2010 parcipação de 8%, chegará em 2030 a 13,5%, que é o índice de 2010 mulplicado por

1,7; e as “fontes renováveis”, que veram 1% de presença na matriz de 2010, chegarão em 2030 a 3%, queé o índice de 2010 mulplicado por 3,0. Em outras palavras, as parcipações relavas do gás natural, dafonte nuclear e das “fontes renováveis”, na matriz energéca mundial, crescerão, segundo as projeções,entre 2010 e 2030, respecvamente, 120%, 170% e 300%.

Há fontes que não estão em ascensão, mas estacionadas, entretanto em nível elevado, como o pe-tróleo, estacionado em posição hegemônica, pelo menos até 2030, com 35%. A fonte hidrelétrica tambémestá estacionada, e no nível baixo de 3%.

Por tudo isso, há grande probabilidade do século XXI vir a ser o século do gás natural.

4) A az eeéca balea e a e paíe.

A observação que salta aos olhos quando se faz uma análise comparava entre as matrizes ener-gécas do mundo, dos países da OCDE (os mais ricos do mundo) e do Brasil (Ver quadro I) é a grandevantagem que tem o Brasil quanto ao uso de fontes renováveis de energia. Isto se explica, em primeirolugar, por ser o Brasil o maior país tropical do mundo, que recebe diariamente quandade verginosade energia solar, fonte energéca básica de onde todas as outras se originam. Em segundo lugar, peladisposição excepcional das bacias hidrográcas brasileiras, por onde escoam caudalosos rios de planalto,

submedos a regimes de chuva diferenciados, que fazem com que nossos grandes reservatórios possamestar, alternadamente, sendo abastecidos, garanndo que grandes volumes de água estejam se precipi-tando perenemente em quedas de alta potencialidade energéca.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   15

Matrizes energécas no mundo, na OCDE e no Brasil (Quadro I)

 Fonte: Ministério das Minas e Energia, 2006

A fonte hidráulica é por sua natureza renovável, por isso que, para efeito de análise, seus índices po-dem ser computados junto aos da biomassa. Assim, chegaremos a que o índice das renováveis na matrizmundial é 14% (11% da biomassa e 3% da hidráulica); nos países da OCDE 6% (4% de biomassa e 2% dahidráulica); e no Brasil é de 45% (30% da biomassa e 15% de hidráulica). Signica que na matriz energécabrasileira as fontes renováveis têm uma presença sete vezes maior que nos países da OCDE e três vezesmais que na média do mundo. É uma grande vantagem comparava do Brasil.

Há outras diferenças importantes, umas a favor, outras em prejuízo do Brasil. A parcipação docarvão, fonte altamente poluente, grande nos países da OCDE (20,5%) e no mundo (21,1%), é bem menor

no Brasil (6,4%); a fonte nuclear comparece com 6,4% da matriz mundial, 10,7% da matriz dos países doOCDE e apenas 1,2% da brasileira; o uso do gás natural, que é de 20,9% em escala mundial, 22,0% noOCDE é de apenas 9,3% no Brasil.

A fonte nuclear é limpa e de grande versalidade, suas usinas podem ser instaladas onde for conve -niente, por exemplo, nas proximidades dos grandes centros consumidores. Seus problemas de resíduossão cada vez mais contornáveis. Por isso que, o Brasil, no que diz respeito à ulização de energia nuclear,com um índice de seu uso nove vezes menor que o dos países da OCDE e cinco vezes menor que a médiamundial, está efevamente muito atrasado.

O gás natural é a fonte energéca que mais cresce no mundo, com possibilidade, como vimos, de vira ser a fonte dominante do século XXI, em função do que também aí o Brasil se atrasou.

Com relação ao uso do petróleo, observa-se que ele é hegemônico em todos os cenários, seu índiceé de 35,3% no conjunto do mundo, sobe para 40,8% nos países da OCDE e ca em 38,4 no Brasil. Há certauniformidade na magnitude do uso do hidrocarboneto.

5) Aje a az eeéca balea

A matriz energéca de nosso país situa-se como boa, não sendo necessárias mudanças fundamen-tais no seu perl geral. Entretanto, a produção energéca do Brasil enfrenta o imediato desao de cres-cer, e esse crescimento deve ser direcionado para que a caracterísca da matriz não se altere, mas atémelhore.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB16

Todo o país vive sob a égide do desenvolvimento, a começar pelo governo central que prepara pla -nos, estabelece metas e dene meios para o país crescer. Medidas importantes são empreendidas paraque o desenvolvimento que se persegue incorpore a distribuição de renda, a diminuição do fosso social ea redução das diferenças regionais. É um desenvolvimento até então desconhecido entre nós, um desen-volvimento com incluso social e diminuição de disparidades regionais.

Mas, no capitulo especicamente energéco, deve-se parr do fato de que qualquer desenvolvi-mento requer acréscimo imediato de energia. Ocorrendo a retomada de índices históricos de nosso de-senvolvimento, ou, menos que isso, se o país cresce, como planeja, com índices em torno de 5% de seuPIB, isto signicará uma demanda muito grande de energia nova.

Daí porque alguns movimentos devem ser feitos para expandir a produção de energia no país. Emque sendo fazer esses movimentos é um problema central, para que, como vimos, não se altere a qua-lidade da nossa matriz.

A parr da situação atual, seis objevos podem ser denidos para orientar a expansão da nossaprodução energéca:

1) sustentar a fonte hidráulica;

2) manter a exploração e produção ( E&P) nas bacias sedimentares brasileiras, afora o pré-sal;

3) aumentar a contribuição da biomassa;

4) aumentar a parcipação do gás natural;

5) aumentar a parcipação da fonte nuclear;

6) iniciar a exploração e produção do pré-sal com base nos contratos de parlha.

Os estudos do professor Luiz Eduardo desenvolvem com profundidade o signicado, desaos e ca-minhos do petróleo e gás natural no Brasil. O estudo do engenheiro Francisco Nelson agrega importantesreexões sobre o etanol. Aqui, tecerei breves comentários sobre cada um dos seis objevos enumerados.

 

1) A eaçã a fe hálca.

O Brasil conta com uma capacidade de geração elétrica instalada de 115.000 MW (agosto de 2011),53% maior que em dezembro de 2001. Desse total, 70% são provenientes de hidrelétricas. Seis dessasusinas são gigantescas e têm cada uma mais de 2.000 MW. São elas: Tucurui, com 8.000 MW; Iaipu, com

6.300 na parte brasileira; (Itaipu Binacional gera 14.000 MW; Três Gargantas, na China, tem 18.200 MWde potência instalada, mas gera menos que Itaipu); Ilha solteira, com 3.400 MW; Xingó, 3.160 MW; PauloAfonso IV, com 2.460 MW; Itumbiara, com 2.000 MW. O sistema é basicamente integrado, com pouca coi-sa isolada, e usa 97.000 km de linhas de transmissão, havendo seis ligações internacionais, para Paraguai,Uruguai, Argenna e Venezuela.

Três grandes projetos governamentais vão na linha de assegurar o crescimento da geração da ener-gia elétrica e a sustentação da parcela da fonte hidráulica na matriz energéca. São eles: S. Antonio, comprevisão de 3.150 MW; Jirau, com previsão de 3.300 MW e Belo Monte, com 5.500 MW, o que colocaráesta usina, quando pronta, entre as cinco maiores do mundo.

Projeções já estão sendo feitas em órgãos de energia elétrica do governo, que admitem haver para2020 uma pequena redução na parcela da fonte hidráulica que, de 15% poderia ir para em torno de 13%.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   17

(O estudo do engenheiro Francisco Nelson, nesse compendio, trabalha com esses números)

2) A expaã a explaçã e pçã (E&P) Bal, (afa pé-al)

O setor de petróleo e gás no Brasil conta com uma base sólida, simplicadamente mostrada poruma reserva provada de petróleo da ordem de 14,2 bilhões de barris; uma reserva provável, a parr do

pré-sal, de 70 bilhões, números que situam o Brasil como a 18ª reserva atual, 8ª provável reserva futura;uma produção de 2,3 milhões de boe/dia, a 9ª maior do mundo; uma petroleira para-estatal, a Petrobras,que é a maior empresa brasileira e segunda da América Lana em valor de mercado; 72 outras petroleirasatuando em E&P, 34 grandes, cerca de 20 pequenas, 36 brasileiras.

Entretanto, no que diz respeito à avidade de E&P, alguns outros dados conjunturais importantesdevem ser observados.

Nos 7,5 milhões de km² de bacias sedimentares brasileiras, estávamos em 2010 com 340.254 km²

de área concedida (em exploração ou produção), o que signica 4,5% do total da área das bacias sedimen-tares do país, o que é muito pouco. Somente área em exploração eram 318.254km². Como, pela evoluçãonatural, essas áreas se transformam em áreas em produção ou são devolvidas à ANP, pelas projeções daAgência, não havendo incorporação de novas áreas, através de licitação, estaremos no nal de 2012 com146.810 km², número diminuto para as dimensões do Brasil.

Em 2010, as bacias maduras do Recôncavo (BA), Sergipe-Alagoas-terra, Poguar-terra (RN) e Es -pírito Santo-terra contavam com apenas 1.823,30 Km², 964,56km², 3.467.26 km² e 671,79 km² de áreasconcedidas (em exploração e produção), o que representa 17,60%, 7,65%, 11,05 % e 3,82% de suas áreastotais. Considerando apenas as áreas em exploração, esses números caiam para 688,76 KM², 207,03Km²,

120,59 km² e 160,25km², respecvamente 6,65%, 1,64%, 3,25% e 0,91% das áreas totais de cada bacia.

A perspecva de desenvolvimento do pré-sal é extremamente posiva para o Brasil. O polígonodenido como do pré-sal situa-se na região sudeste brasileira, a mais desenvolvida, sendo que, pelas suascaracteríscas, só um pequeno número de grandes empresas nele entrarão em E&P, ou para serviços efornecimento de bens. O resto do país e as médias e pequenas empresas carão à margem de uma par -cipação direta nesse empreendimento, recebendo indiretos benecios.

Por conta do clima desenvolvimensta que se criou no governo Lula e em decorrência das iniciavasda ANP, médias e pequenas empresas, quase todas brasileiras, vieram para E&P, estando todas elas em

situação dicil, posto que sem novas áreas para avançar no processo exploratório. Em 2010 elas explora-vam 2.076,66Km², número que cairá, se não houver novas licitações, para irrisórios 1.802 km² no nal de2012. Signicará ausência de invesmentos no setor, com as conseqüências perdas de postos de trabalho.A desindustrialização seria favorecida.

Vale aqui observar, em um sendo mais geral, que o empenho exploratório no Brasil, desde há mui-tos anos, é bastante pequeno. Se compararmos com o desempenho dos EUA nesse terreno, as diferençassão gritantes. Enquanto o nosso recorde de poços exploratórios pioneiros por ano foi de 127 poços, esta-belecido em 1982, no mesmo ano os EUA angiram 15.766. Em 2005, o número de poços exploratóriospioneiros no Brasil foi de 1,7% do número americano. Também, em um espaço de tempo mais reduzido,de 1995 para cá, a despeito do aumento do preço do petróleo e da produção, as nossas explorações per -maneceram pracamente no mesmo nível.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB18

Nosso esforço exploratório está bastante acanhado, chega a ser desproporcionalmente pequenose comparado com o dos norte-americanos, em bacias sedimentares de porte semelhante às nossas. E,se era a Petrobras quem realizava esse esforço sozinha, hoje, pela legislação em vigor, essa missão é doEstado brasileiro e não de uma empresa.

Do ponto de vista dos interesses nacionais, há que se retomar o processo exploratório brasileiro. Em

2010, a ANP apresentou proposta ao CNPE de realização de uma 11ª Rodada de Licitações a ser realizadana margem equatorial brasileira, do Nordeste até a Amazônia, bem longe do pré-sal. A proposta foi apro-vada. Mas ainda não liberada.

3) Aea a cbçã a baa.

O Brasil é o primeiro país do mundo a ter uso sustentado de um biocombusveis, nomeadamenteo etanol, baseado na cana-de-açúcar, e o biodiesel, a parr de oleaginosas e sebo animal. É também osegundo maior produtor de etanol do mundo e o líder mundial do etanol baseado na cana-de-açúcar.Os índices citados da matriz energéca, oriundos do Ministério de Minas e Energia, incluem também, naparcela da biomassa, uma parte de lenha e carvão vegetal. De qualquer forma, a parcipação de 30% dabiomassa na matriz energéca é altamente posiva para o Brasil.

O crescimento nessa área se pauta no crescimento possível e necessário do etanol da cana que, decerca de 18% (dos 30% da biomassa) pode ir a 21%. A parcela referente ao biodiesel pode crescer, na me -dida em que o B5 hoje assegurado por lei (5% de biodiesel em todo diesel vendido) pode ir para o B7, semprejuízo do uso experimental e em frotas cavas de B20, B50 etc. Há estudos que indicam a possibilidadede estarmos, em quatro anos, como um dos cinco maiores produtores de biodiesel do mundo.

A despeito do uso da lenha e do carvão vegetal, hoje acima de 9%, tender a cair para abaixo de 8%,tudo indica que, no conjunto, possamos melhorar um pouco o já excelente índice da biomassa em nossamatriz energéca.

O crescimento substancial do etanol da cana sustenta-se em base técnica incontrastável, mas neces-sita de medidas governamentais imprescindíveis. Essa base técnica incontrastável ca evidenciada peloíndice FER (Fossil Energy Rao), que mede a relação entre o potencial de energia do etanol produzido rela-vamente à quandade de energia fóssil necessária para produzi-lo. Assim, o FER do milho é 1,4, enquan-to o FER da cana-de-açúcar é 8,3. Isto quer dizer que, para a mesma quandade de energia consumida, oetanol produzido na base da cana libera seis vezes mais energia que o proveniente do milho.

Contudo, o aumento da produção do etanol da cana necessita do aumento da área plantada, o queimplica em nanciamentos adequados e nas horas precisas, o que decorre de decisões governamentaisque não têm chegado nas horas certas.

Outros aspectos podem beneciar a produção brasileira do etanol da cana, entre os quais a inte-gração setorial, de tal maneira que usinas de açúcar e etanol podem ser transformadas em complexosbioenergécos, que produzem o açúcar, o etanol, mas também eletricidade, com base no bagaço. Essabioeletricidade pode compensar a curto prazo a deciência tópica das novas ofertas de hidroeletricidade.Por úlmo, há que se incrementar o desenvolvimento de tecnologias relacionadas com o etanol celulósi -co, que pode sim, alterar a grande vantagem do etanol da cana, medida pelo FER.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   19

4) Aea a pacpaçã á aal

Como acima foi visto, o gás natural, o GN, é a fonte que mais cresce no mundo, podendo vir a ser afonte dominante do século XXI. Na matriz brasileira também sua ascensão tem sido grande, saiu de índicemais ou menos residual para cerca de 10% em mais ou menos 15 anos. A Empresa de Pesquisa Energécado Governo Federal, EPE, admite que ela esteja em 15% de parcipação na matriz, em 2030.

No mundo, os usos principais do GN são na indústria e na geração de energia elétrica. Avanços dadécada de 1980 – a tecnologia da geração a ciclo combinado – tem propiciado grande aumento do GN nageração elétrica. Tem subsisdo o problema de segurança do fornecimento do produto.

Na realidade, a extensão do uso do GN tem historicamente enfrentado dois problemas cruciais: 1)o alto grau de concentração das grandes reservas mundiais, 60% das quais estão em três países, Rússia,Irã e Catar, o que cria problemas para a segurança do fornecimento do GN, como já aconteceu na Europa,com o GN vindo da Rússia, no inverno de 2005/2006 e, em escala menor, com o Brasil e a Bolívia, e coma Argenna e o Chile; 2) as deciências no transporte do produto, onde há países e regiões com grandesextensões de gasodutos e outros com pequenas. No Brasil, para se ter uma idéia comparava, estamoscom cerca de 10.000 km de gasodutos, enquanto os EUA tem algo como 450.000 km. De passagem, esses10.000 km foram angidos recentemente, pois o número era bem menor.

Essa insegurança energéca está sendo substancialmente alterada, com o desenvolvimento do sis-tema da liquefação do gás natural, o GNL. Esse sistema prevê a produção do gás, sua liquefação, trans-porte marímo, regaseicação e distribuição. Exige elevados invesmentos, na unidade de liquefação(que submete o GN a -161ºC), no transporte (em navios especiais, hoje não mais que 120 no mundo, masmuitos em construção) e no terminal de regaseicação (perto de grandes centros de consumo, em portosde grande calado e com grandes tanques de estocagem). É um sistema que na atualidade está se im-plantando no mundo, não chegam a quinze os países que produzem GNL para outros quinze aparelhadospara comprá-lo. No sistema, o GN vira uma commodity, com as vantagens de produtores diversos vende-rem o produto segundo uma cotação universal e as desvantagens desse preço tender a acompanhar o dopetróleo, mais elevado.

Na América do Sul, Venezuela e Peru estudam implantar unidades de liquefação. E o Brasil tomouuma dianteira louvável, já estando em operação dois terminais de regaseicação, o da Baia de Guanaba -ra, com capacidade para regaseicar 14 milhões de m3/dia e o de Pecém, no Ceará, com capacidade deregaseicar 7 milhões de m3/dia. Prevê-se que em 2013 entrará em funcionamento o terceiro terminalde regaseicação do Brasil, na Baia de Todos os Santos, na Bahia, com capacidade igual ao terminal doRio, 14 milhões de m3/dia. Com esses três terminais, o Brasil entra no mercado mundial de GNL, ganhaexibilidade no abastecimento do GN e diminui sua dependência de importação. As termoelétricas camgarandas.

5) Aea a pacpaçã a fe clea

 

Como já vimos, enquanto a parcipação da energia nuclear no mundo é de 6,4%, nos países daOCDE chega a 10,7%, no Brasil é de 1,2%. E nosso país tem a sexta maior reserva de urânio do planeta, aúnica jazida de urânio em operação na América Lana, a de Lagoa Real, em Caeté, na Bahia.

Este quadro de enorme atraso e prejuízos vultosos é o resultado das injunções polícas que temenvolvido todo o tratamento dessa questão entre nós e no mundo, originadas dos Estados Unidos. Outros

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB20

dados básicos podem ser vistos.

No mundo de hoje existem 436 usinas nucleares em operação, em 29 países. Em construção sãomais 63. Os Estados Unidos têm 104 usinas, a França tem 59, o Japão 56, a Coréia do Sul 20, mais 4 emconstrução, a Índia 17, mais seis em construção, a China 11, mais cinco em construção. O Brasil tem duas,mais uma em construção.

A primeira delas é a Angra 1, com potência de 675 MW, cuja construção foi iniciada em 1972 e con-cluída 12 anos depois, em 1984! Angra 2, com potência de 1.300MW, foi iniciada em 1976 e concluída 25anos depois, em 2001! O material da Angra 3, de 1.350 MW de potência prevista, já está adquirido desdea década de 1970, e a construção da usina está parada desde 1986, há 26 anos, pagando R$20 milhões porano, de estocagem e manutenção do material comprado. Incluída no Programa de Aceleração do Cresci-mento, o PAC, do Governo Federal, teve as obras nalmente reiniciadas em junho de 2010, com previsãode término para 2016. Alem do término de Angra 3, a EPE prevê mais duas usinas no Nordeste.

O uso da energia nuclear, no caso do Brasil, apóia-se nos três princípios de políca energéca cita-dos no início dessa Introdução: o da diversidade de fontes, o de uso de fontes disponíveis e o realce àsfontes limpas. Alem do mais, o Brasil conseguiu um feito tecnológico de vulto na esfera nuclear, o desen -volvimento de uma tecnologia própria para enriquecimento de urânio.

O fato de na matriz energéca brasileira a energia produzida de fonte nuclear entrar com índice oitovezes menor que o dos países da OCDE, não se entende, a não ser como constrangimento criado por paí -ses detentores de armamento nuclear, à frente dos quais os Estados Unidos, por suposto receio do Brasilvir fabricar arma atômica. Contudo, o Brasil é Assinante do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, o TNP, econsta de sua Constuição disposivos que reforçam seu afastamento de armas nucleares.

Recente publicação do Conselho Nacional da Indústria fala do embargo que se faz, sob a tutelaamericana, contra os países que não enriquecem e que querem enriquecer urânio para ns pacícos. “Ospaíses que ainda não dispõem de tais instalações (de enriquecimento de urânio) passariam a comprarurânio enriquecido de consórcios norte-americanos ou europeus”, diz o estudo do CNI. E agrega essagrave denúncia: “Este embargo mundial às avidades de processamento é preocupante para o Brasil;embora o País respeite escrupulosamente todas as cláusulas do TNP, já se observam argos em revistasinternacionais (Science e IEEE) que mencionam o Brasil como país que deve ser monitorado, bem como oIrã”. (Matriz Energéca – CNI, 2007)

Há pouco zemos referência aos três princípios de políca energéca a que o uso da energia nuclearresponde. Lembremos agora da preliminar a todo o desenvolvimento da Nação, também xado no itemdois dessa Introdução: a soberania.

 

6) ica a explaçã e pçã pé-al c bae ca e palha

 

A descoberta do “pré-sal brasileiro” foi um acontecimento marcante na história do país e permi -u, como dissemos na parte dois desse trabalho, que o país deliberasse em função dos seus interessesnacionais, sem injunções estrangeiras, no pleno exercício da soberania brasileira, rerando 41 blocosestratégicos da relação dos que seriam licitados daí a 19 dias e introduzindo, no polígono delimitado, opo de contrato apropriado para as circunstâncias, o contrato de parlha. Mas isso aconteceu em 08 denovembro de 2007, daqui a pouco completa cinco anos.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   21

Não foram cinco anos inavos, uma comissão foi constuída, fez vastos estudos sobre a matéria,copilou a experiência internacional, fez simulações, diminuiu o ritmo da avidade quando o preço dopetróleo despencou, retornou aos trabalhos, elaborou quatro projetos de lei remedos ao Congresso,discuu o assunto com o mesmo e viu as novas leis serem aprovadas. Em seguida, encaminhou-se o pro-cesso de capitalização da Petrobras, o maior já feito no mundo, quando a ANP localizou dois dos maioresreservatórios já descobertos no Brasil, Franco e Libra, e o Governo cedeu, de forma onerosa, Franco, paracapitalizar a empresa. Nesse processo, a ANP defendeu um maior valor para o óleo da União, o presidenteLula respaldou o pleito e, ao cabo da capitalização, o Estado passou a ser mais dono da Petrobras.

Tudo isto foi feito, mas o “polígono do pré-sal” já foi caracterizado há quase cinco anos, e a novaLei 12.351, que dene a parlha, está aprovada desde 2010. Como a prioridade agora é a retomada doprocesso exploratório fora do “polígono”, com a realização da XI Rodada da ANP, que pode ser feita aindaeste ano, segue-se que uma primeira rodada de licitação, na base da lei da parlha, no “polígono do pré --sal”, vai lá para 2013...

 

O que preocupa é que há uma mudança de paradigma energéco em curso no mundo. A era do

petróleo não se esgotou, mas está se esgotando a era do “petróleo fácil”, petróleo em terra, em águasrasas. O petróleo, e em grande quandade, que se enxerga em perspecva está no Árco, nas “areiasbetuminosas” do Canadá, nos enormes reservatórios de xisto betuminoso da Venezuela, em suma, nasconhecidas “reservas não convencionais” que existem e são grandiosas, mas que implicam em custosnanceiros, tecnológicos e ambientais elevadíssimos.

O petróleo do pré-sal não chega a ser deste po, mas está no limiar desses petróleos arriscados,caros, em água ultra-profunda, afastado do litoral, debaixo de dois quilômetros de camada de água e maisquatro a cinco de areia, rocha e sal.

Por tudo isso é signicavo o esforço para o crescimento cada vez maior de fontes menos custosas,mais limpas, mais disponíveis e de métodos de maior eciência no uso dessas fontes. Embora, no cômpu-to geral, ainda seja pequena as parcelas da energia eólica e solar e outras “alternavas” nas matrizes domundo, elas têm crescido em termos relavos bem mais que outras.

 

A fonte eólica, por exemplo, teve grande crescimento no Brasil nos úlmos dois anos. Atualmente já estão instalados 1,1 GW, aproximadamente uma Angra. O primeiro leilão, só para aproveitamentoseólicos, realizou-se em 2009, e foram licitados 1,8 GW, distribuídos por 71 empreendimentos, em cincoestados do Nordeste e do Sul. Em 2010 foram leiloados mais 2 GW, angindo vários estados, com ganhosde escala e tecnológicos que permiram tarifas inferiores às oriundas de fontes hídricas e térmicas. O se-gundo maior fabricante mundial de pás de aero-geradores, brasileiro de Sorocaba, Bento Koike, referiu-sea essas oportunidades como “o pré-sal dos ventos”.

Daí porque não há tempo a perder em se começar a explorar, sob as novas condições já implanta -das, o petróleo do pré-sal.

Cclã 

À guisa de conclusão agrego aqui três reexões de personalidades diferentes.

A primeira é do economista brasileiro Deln Neto, que em 09 de setembro de 2008, pouco depoisda descoberta do pré-sal disse: “O que trava o desenvolvimento são duas coisas: crise na balança depagamentos e falta de energia. Não há nada nos próximos 25 anos que possa levar o Brasil a uma crise

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energéca, de contas públicas ou de transações correntes com o exterior”.

A segunda é a do xeque Zaki Yamani, ex-ministro do Petróleo da Arábia Saudita, feita no auge dacrise de 1973, juscando porque seu país vendia tanto petróleo: “A Idade da Pedra não terminou porfalta de pedra mas porque mudou a tecnologia”.

E a terceira é do arce principal do moderno e espetacular crescimento da China, o dirigente co-munista chinês Deng Xiaoping que, do alto de suas vitórias e derrotas na vida, até a vitória nal, armou:“No mundo contemporâneo, cheio de rivalidades, para se chegar a uma posição de liderança, o segredoestá em se aproveitar a oportunidade para se desenvolver”. E completava: ”Temos agora uma boa opor-tunidade; se não a aproveitarmos, logo não estará mais disponível. Desenvolvimento moroso equivale aestagnação”.

Hal La

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Dossiê I.5 - A questão energéca   23

1) o capal e peóle (ae e 1860)

O capitalismo, para sua ampliação, expropria o ganho do trabalho em proveito do capital, segundoMarx. Segundo Lenine, o mesmo modo de produção gera também uma relação de submissão no comér-cio internacional, dos países mais pobres em relação aos mais ricos. Isso porque a reprodução ampliadado capital de forma permanente incita a busca por recursos naturais mais baratos, por maior escala nosnegócios e maior escopo da produção. Tudo isso seria impossível sem uma expansão territorial connua,

sem a progressiva inclusão de novas populações e, conseqüentemente, não seria possível sem o estabe -lecimento de uma autoridade políca geogracamente extensível e de considerável eciência; i.e., comapoio militar e diplomáco.

O que tem a ver o petróleo com tudo isso. Muito pouco até o século XX, pelo menos se não consi-deramos que seu principal uso, até meados do século XIX, era militar. Fora isso, o mineral pastoso, quaselíquido, não nha grande importância e em pouco contribuía para a formação da riqueza dos povos. Issoaté 1859, quando o Col. Drake descobriu petróleo na Pensilvânia; numa reserva a menos de cem metrosde profundidade, em meio às colinas daquele estado norte-americano. A indústria petrolífera, em suaforma moderna, foi criada então e, portanto, hoje, tem mais de cento e cinqüenta anos.

Na verdade, o tal de Drake nem era militar – o tulo apenas dava presgio a um chefe de umagrande equipe – e o petróleo já era conhecido fazia tempo; seja entre os índios navos da região, seja emoutras partes do mundo. Tornou-se convenção datar o início da indústria do petróleo em 1859, por sereste o ponto de parda da avidade nos Estados Unidos, o que não é pouco historicamente: Foi lá que seformou a maior indústria petrolífera do mundo, naquele que se tornou o país mais importante da econo -mia mundial, durante o século XX.

Não foi coincidência histórica; a expansão dos negócios com o petróleo naquela região fria da Amé-rica do Norte nha sua razão de ser. Havia uma precedente competência na manufatura de utensílios,instrumentos e equipamentos metal-mecânicos. Essa capacidade fabril era nova, herdada da Inglaterrae indispensável para perfuração de poços. Naquela região, a metalurgia e a mecânica nascentes abaste-ciam, então, avidades que nham um rápido crescimento como a agricultura, mineração, construçãocivil, naval e ferroviária, mas, nada a ver com óleo e gás natural. Em certo sendo, elas formavam o núcleooriginal da futura ampliação do capital local, que angiu algumas décadas depois dimensões connentaise, logo após, internacionais.

Este conjunto de setores produvos sustentou a industrialização precoce do Nordeste norte-ameri-cano e, após o m da guerra civil, em 1869, este mesmo conjunto de avidades e competências permiudetonar o processo de decolagem do país. O crescimento se irradiou a parr exatamente daquela regiãoperto dos Grandes Lagos, justamente onde a passagem, pela Cordilheira dos Apalaches é mais fácil, sain-

do do Atlânco Norte. Foi lá que o petróleo foi descoberto e isto sim foi um acaso providencial. Pisburgh,Filadéla, Cleveland, Balmore e Boston eram cidades próximas, onde a indústria de máquinas norte--americana estava em franco progresso. A abertura dos poços e a descoberta de petróleo abriam uma

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nova perspecva, num ambiente de negócios em plena ebulição. Anal, tratava-se de um território comuma localização ainda mais parcular – entre as cidades de Nova Iorque e de Chicago.

Mas, nada disso tem a ver com a história pretérita do petróleo e seus usos milenares. Começar umarevisão sobre o energéco, a parr da descoberta na Pensilvânia, é perder o início de tudo e não entenderque a contribuição que o petróleo deu à sobrevivência do modo de produção capitalista é tardia, bem

posterior à contribuição da lenha e do carvão, mas, em compensação foi muito mais decisiva. Isso porque,quando o petróleo surgiu como fonte de energia, ele encontrou o sistema capitalista já completamenteestruturado e, assim, imerso em suas contradições, a lutar contra sucessivas crises econômicas. Pois bem,muito antes de meados do século XIX e da descoberta do Col. Drake, o aproveitamento do mineral erafeito e seu uso sempre esteve associado às suas propriedades quanto à queima, lubricação e cura dedoenças.

O betume é um termo de tempos remotos, para se referir ao estranho mineral de coloração pertodo negro. Na Anguidade, por volta de 3.000 a.C., já era conhecido. Na Babilônia, na cidade que, hoje,denomina-se Bagdá, as margens do Eufrates, gases naturais escapavam e o petróleo jorrava naturalmente

da terra. Falava-se do fogo eterno e, em torno deste, criou-se uma veneração religiosa. Sua disponibilida-de permiu estender o uso do mineral para dar liga e impermeabilizar construções e era uma mercadoriacomum na Mesopotâmia, numa região que cou conhecida como o Crescente Férl. À época, a Babilôniaera o “centro” do mundo, ou melhor, foi de onde derivaram as grandes civilizações ocidentais.

As propriedades medicinais do betume também já eram reconhecidas desde daqueles tempos. É in-teressante observar que, sucessivamente, os mesopotâmios, persas, gregos, mouros e otomanos atribu-íram numerosas virtudes de cura aos derivados de petróleo. É curioso observar também que, nos EEUU,por volta de 1860, alguns séculos depois, a demanda por petróleo se juscava ainda pelos mesmos enumerosos ns farmacêucos de angamente. Até então, o reconhecimento das múlplas proprieda-

des medicinais do mineral era resultado de uma arte milenar, não havia ciência. Pois bem, tudo mudouem menos de cinqüenta anos. Após a evolução do conhecimento e das técnicas modernas, a indústriafarmacêuca atual foi derivada da química que, por sua vez, teve seu desenvolvimento estreitamenterelacionado, durante as primeiras décadas do século XX, à petroquímica que, como o nome indica, derivado petróleo.

Mas, sem dúvida, desde a Anguidade, o emprego principal do betume era militar. Em lam, erauma arma denominada oleum incendiarium. Homero cita o mineral na Ilíada, Ciro, o Grande, usou delepara tomar a cidade de Babilônia e era uma arma importante do arsenal bizanno. Segundo Daniel Yer-gin (p.24): “For centuries, it was considered a more terrible weapon than gunpowder.” Com a queda do

Império Romano e até a invasão moura, a Europa perdeu contato com o mineral. Depois, ele voltou aacompanhar a expansão dos povos europeus, sempre como uma arma com enorme poder destruidor, emrazão de queimar e propagar o fogo muito facilmente.

Nada disso deixaria pressupor que o petróleo foi, no século XX, uma arma não militar, mas, sim, geo-políca e capital no embate entre os países. A importância relava ainda hoje do mineral para a avidadeproduva, para a qualidade de vida de todos nós e para a estabilidade (ou não) das relações internacionaisparece indicar que o petróleo esteve sempre nesta posição singular. Isso, contudo, não é historicamenteverdade. Quando o uso do petróleo se expandiu pela primeira vez, na Europa e nos Estados Unidos, aparr da década de 1850 e, principalmente, a parr da década de 1860, o modo de produção capitalista

 já estava realizado em sua plenitude.

Assim, é importante destacar que o petróleo acompanhou à formação da riqueza das grandes civili -

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Dossiê I.5 - A questão energéca   25

zações desde a Angüidade, teve diversos usos, entre os quais o militar, mas, não parcipou decisivamen-te da formação do mundo econômico atual, entendido como aquele dominado pelo sistema de produçãocapitalista. O petróleo era marginal como mercadoria, quando ocorreu a transformação nas avidadesproduvas entre 1500 e 1850. Este foi um momento especial na formação histórica da civilização euro -péia. Além disso, a parr de 1780 mais ou menos, na Inglaterra ocorreu uma Revolução Industrial e afonte energéca era outra – o carvão.

É importante inserir o petróleo e a indústria petrolífera em uma perspecva de longo prazo e, as -sim, dar-lhe a devida dimensão histórica. A parr de meados do século XIX, a Revolução do transporteé decorrência direta da aplicação da máquina a vapor nas embarcações navais e nas locomovas sob oscaminhos de ferro. Ferro, motores a vapor e caldeiras industriais sintezam a evolução da produção e dostransportes e todos eles foram abastecidos pelo mineral de origem fóssil, que é encontrado em estado só-lido e abundantemente nas minas européias. O capitalismo monopolista que angiu seu apogeu no naldo século XIX também não tem nada a ver com o petróleo. Por m, quando o petróleo surgiu na matrizenergéca mundial, as grandes nações ocidentais já nham construídos seus impérios, entre os quais omaior exemplo foi o britânico.

O cenário econômico e políco já estava todo posto em 1850, quando o uso do querosene, paraalimentar lamparinas começou a se difundir na Europa. Bem antes, no nal do século XVIII, a RevoluçãoFrancesa marcara o m do Ango Regime e tornou-se o movimento fundador da modernidade. A repúbli -ca e a democracia surgem como alternava políca e as angas monarquias européias, ou se adequaramaos novos tempos, ou foram depostas. Do ponto de vista econômico, o colonialismo escravocrata exclusi -vamente extravista esgotara-se como modelo para reprodução ampliada do capital. Cedia espaço a umnovo sistema nas relações internacionais – o Imperialismo.

O capitalismo se consolidou como o sistema de produção hegemônico muito cedo e o Imperialis -

mo foi uma solução de connuidade, a parr de uma transformação qualitava na superação das suasprimeiras crises. Isso ocorreu, por volta da primeira metade do século XIX, quando as bases favoráveisà reprodução ampliada do capital industrial foram colocadas na Inglaterra da era vitoriana. A luta entrearistocratas e burgueses nha sido nalmente vencida pelos donos do capital e o liberalismo triunfava.Ricardo explicou como os aristocratas, que dispunham do monopólio das melhores terras, expropriavamtodos os ganhos por intermédio de aluguéis de terras cada vez mais caros.

O monopólio das melhores terras se conjugava ao monopólio do poder de ditar as leis e era toda aInglaterra quem perdia. A Câmara dos Lordes (formada justamente pelos grandes proprietários) tributavapesadamente o cereal importado do connente. Assim, para produzir cada vez mais alimentos era neces -

sário avançar a fronteira agrícola para regiões cada vez mais distantes e campos menos férteis. Resultadoimediato do aumento da demanda para plantar, as melhores terras se valorizavam e, portanto, aumenta -vam os aluguéis pedidos por elas.

Como mostrou Ricardo, era isso que permia nanciar a expansão da fronteira agrícola, que se faziaa custos crescentes. Mas, ao fazê-lo, os preços nais dos alimentos nham de subir para pagar os custosmais altos. Ora, se hoje a sobrevivência do trabalhador e de sua família depende do custo dos alimentos,em 1830, isso era ainda mais evidente. Toda a sua renda era gasta em comida e ainda faltava porque ainação não parava de corroer o poder de compra das famílias inglesas, já compromeda com os baixossalários, porque, além de tudo, com a emigração do campo, onde as propriedades passavam a ser cerca-

das, sobrava trabalho nas cidades inglesas.

Para não deixar morrer de fome seus trabalhadores, os patrões nham de compensar o aumento do

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Estudos Estratégicos - PCdoB26

custo de vida e repor o salário real. Conseqüentemente, os patrões nham menos lucro e, posteriormen-te, menos vontade e capacidade de fazer novos invesmentos. A escola clássica do pensamento econômi-co era peremptória sobre a falta de invesmento: sem ele, não poderia haver aumento da produvidadedo trabalho e, portanto, não havia geração de riqueza.

De fato, a situação não podia ser pior: os trabalhadores pagavam caro pela comida, os capitalistas

não nham lucro e apenas os aristocratas se locupletavam. Os aluguéis crescentes da terra os faziam maisricos, mas, em compensação, em detrimento de todos os demais e, assim, inviabilizavam o crescimentonas ilhas britânicas. As importações só foram liberadas depois da morte de Ricardo, em meados da décadade 1830. Outro economista clássico, Marx, observou que, na luta de classes, a parr de então, a burgue-sia capitalista passou acumular seguidas vitórias sobre todas as demais classes sociais. O capitalismo e oliberalismo estavam perto de angirem, juntos, seu momento maior.

O petróleo, como foi mencionado, apareceu tardiamente neste cenário e, em razão da posiçãopredominante do carvão à época, quando chegou, na segunda metade do século XIX, não foi usado ini-cialmente como fonte de calor, mas, como fonte de luz. Será visto adiante, foi pelas vendas de querosene

principalmente e pela crescente demanda por claridade nas cidades e nas residências, que o mineral pas -sou a ser cobiçado até por volta de 1895.

Ressalte-se que, já não era pouca coisa, para quem até então pouco contribuíra, ou nha o feitocomo arma de guerra. A melhoria da qualidade da luz, durante o século XIX e, parcularmente, a parrde 1850, que vinha com a lamparina de querosene proporcionou uma profunda transformação cultural.Ela tem seu impacto que se estende do teatro à música, da edição gráca ao jornalismo. Foi neste sendoe só bem tarde no século XIX, que o petróleo ganhou novos usos e, na forma de querosene, começou atransformar o mundo.

Nesta mesma época, no domínio da políca internacional, já estavam formadas as grandes repú-blicas européias: a França, após a III República, a atual Alemanha (anga Prússia) e a Itália, após as res-pecvas unicações. As angas monarquias são transguradas e o sistema parlamentarista moderno éintroduzido na Inglaterra, Holanda, Bélgica e Dinamarca. No Novo Mundo, o movimento de independên-cia frente aos reinos de Portugal e da Espanha, a emigração de origem européia, a monocultura de expor -tação e o extravismo em bases industriais (e não mais puramente mercans) estendiam as fronteiras docapitalismo, ao incorporar os novos países, que não eram poucos. Neles, eram reproduzidos os modelospolícos e econômicos das novas metrópoles, Paris e Londres, em oposição a Lisboa e Madri. Nada disso,aliás, fora a luz que passou a proporcionar a parr de 1860, precisava de petróleo.

Vale lembrar que a hegemonia britânica não foi longa e, em compeção com ela, surgiram diversosoutros impérios. Em todos eles, a lógica era estender o território e, assim, o modo de produção capitalistaque nasceu na Europa. Foi possível até mesmo reconquistar o Extremo-Oriente em novas bases, o quedemonstrava o alcance indiscuvelmente planetário a que se chegou. Foram os barcos e as locomovasque encurtaram as distâncias e reduziram os custos de transporte de forma gradual, mas, incontesta-velmente. Do passo do cavalo e das diligências passou-se a velocidades superiores a 30 quilômetros porhora, algumas vezes quase o dobro disso. O telégrafo também se expandiu na mesma época e teve papelpreponderante.

Somente assim, foi possível a construção dos impérios britânicos, prussianos, belgas, franceses ealguns outros em escala planetária, sublinhe-se, em bases completamente diferentes dos dois impériosibéricos de outrora. Foi também a conjugação de telégrafo, locomova e barco a vapor que viabilizou agrande empresa capitalista moderna. Não por acaso, a maioria das grandes mulnacionais do mundo em

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Dossiê I.5 - A questão energéca   27

2012 foi criada ao longo das três úlmas décadas do século XIX. Portanto, há mais de um século. Valenotar nalmente que, com a Revolução Industrial e nos Transportes, embora o petróleo não seja inicial -mente parcipante e, sim, o carvão, pela primeira vez, a questão do acesso à fonte de energia e de seuaproveitamento surge como fundamental à formação da riqueza.

2) o peóle a ea vap

A importância da indústria de O & G para o deslanche da economia norte-americana e o fato destater sido içada à posição hegemônica mundial, no decorrer do século XX, jusca datar o início da modernaavidade petrolífera em 1859. Contudo, já foi mencionado que o petróleo, ou algo bastante semelhante,denominado betume derivado da hulha, ou mesmo de exsudações de óleo, e o próprio gás natural jáeram conhecidos desde a Angüidade. Por precisão histórica e apesar de connuar dentro de uma pers-pecva eurocêntrica, é mister iniciar este breve relato com a lâmpada de óleo. Ela é uma das mais angase notáveis invenções da humanidade.

Uma primeira lâmpada, feita de pedra e que queimava óleo, foi descoberta na caverna de Lascaux,na França, habitada tem mais de 50.000 anos e provavelmente o mais ango e completo sío arqueológi-co da civilização no connente europeu. Bem depois, mas ainda em 700 a.C., os gregos nham costumede usar “lampas” de terracota (simplesmente argila moldada e cozida em fornos), que também queima-vam algum po de óleo. Foi de onde exatamente surgiu o termo “lamp”, “lampe” e “lâmpada”, respecva-mente em inglês, francês e português. Havia séculos, os templos cavam iluminados permanentementepor essas “lampas” e, para manter a chama, todos os pos de combusveis foram testados.

Nem tão distante assim no tempo, mas, do outro lado do mundo, para deixar o eurocentrismo, naChina, 2.000 a.C., buscava-se petróleo, para depois rená-lo e, então, queimar o óleo resultante em umalâmpada. Não é surpresa considerando que, muitas outras invenções, além da domescação de diversasculturas agrícolas, foram oriundas do Extremo-Oriente. Vale lembrar também que o elevado estágio civili-zatório angido na China precedeu em muito o apogeu do capitalismo europeu do século XIX.

Por volta de 1000 d.C., enquanto a Europa estava imersa em sua Baixa Idade Média, no atual territó-rio da República Popular da China, exisam duas grandes cidades: Chang’an, a Oeste e Hangzhon, a Leste.Em cada uma delas, conviviam cerca de dois milhões de habitantes e, em todo território, talvez exisssemcem milhões de habitantes. Além de lâmpadas, que queimavam óleo derivado de petróleo, o gás naturalera armazenado em “bichigas”, para também ser queimado e produzir luz.

De volta ao Ocidente, no início do século XIX, um gigantesco passo foi dado para aumentar o acessoà luz com o uso do gás de hulha. A disponibilidade do gás do carvão permiu a iluminação de se expandirpara muito além da usina metalúrgica. O gás era produzido em fornos de coque, a parr do carvão betu-minoso (ou hulha), que se tornou a principal fonte de energia da Revolução Industrial na Inglaterra. O gásproduzido nos fornos passou a ser aproveitado nas proximidades, até alcançar as grandes avenidas dasprimeiras metrópoles européias e norte-americanas.

Por outro lado, a lâmpada de óleo conheceu melhorias técnicas (nos materiais, queimadores, ajus-tes de intensidade da queima, reetores etc.) que impulsionaram seu uso. Em termos prácos, com a pro -dução de gás de hulha e a mulplicação de lâmpadas de óleo, até então restrita aos ambientes fechados e

locais de culto, palácios e residências de nobres, a iluminação alcançou o espaço público, gradualmente asdemais residências e todo chão de fábrica. O impacto da difusão da luz foi evidentemente revolucionário.

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Estudos Estratégicos - PCdoB28

Ainda em termos prácos, quanto às lâmpadas, o novo combusvel derivado do petróleo dispu-nha de vantagens indiscuveis. O querosene nha um rendimento muito maior que a madeira, a lenha,ou qualquer rejeito de plantações, ou orestas. Assim, não demandava reposição tão freqüentemente.Ademais, diferentemente do carvão vegetal, ou mineral, não fazia uma fumaça negra, que podia até fazermal. Ainda diferentemente do óleo de peixe, de baleia, ou da gordura de outro animal, não nha odorpronunciado. E, enm, gerava uma claridade muito melhor do que qualquer alternava até então dispo-nível. Eram exigências de uma nova época, de uma nova classe social, - a burguesia -, de uma nova cidade(muito maior e mais concentrada) e de um novo modo de produção – o capitalismo –, que repousava seuprogresso sobre uma nova fábrica, mais iluminada, movida a vapor e cada vez mais trabalho.

O melhor produto a ser usado numa lamparina era o espermacito; um óleo encontrado na cabeçade um cetáceo especial. Além de ser usado para iluminação, tanto para ser queimado, quanto para fazervelas, era um lubricante extremamente apreciado. Foi exatamente a qualidade da queima do produtoque determinou a impulsão da indústria da caça à baleia a parr de 1750. Os barcos baleeiros saíam daNova Inglaterra e iam atrás das baleias até no oceano Índico em viagens que podiam ser estender até portrês anos. A aceleração do crescimento estava em seu início nos EEUU, como demonstra o tamanho da

frota baseada na cidade de Nova Bredford, perto do apogeu da indústria: das cerca de 700 embarcaçõesespecializadas no mundo, mais de 400 nham como porto de origem a cidade no Nordeste dos EEUU.

A rapidez da penetração das lâmpadas de óleo e a velocidade das melhorias técnicas, observadas aolongo de todo o século XIX, no que se refere à iluminação, eram indicações do que estava por vir: o consu -mo de massa, a obsolescência programada, a concorrência tecnológica (e não mais exclusivamente pelospreços) e a industrialização acelerada de regiões privilegiadas pelo capital: Inglaterra, Alemanha, Françae EEUU. Neste mesmo século em que se observou a difusão da luz, não por acaso, ocorreu também umamodicação ainda mais importante: uma revolução nos transportes. É ainda neste mesmo século, valefrisar, em que o capitalismo se consolida como modo de produção dominante e conhece suas primeiras

crises.

Todos esses elementos – a aceleração industrial, a massicação da luz, a revolução dos transportese as crises do capitalismo – fazem parte do mesmo contexto. Neste, é notável que o petróleo, emboraainda não tenha assumido uma posição de liderança na matriz energéca, já parcipe intensamente dastransformações e traduza de forma signicava as mudanças que acompanhavam a formação da riquezaao nal do século XIX. Foi um dos primeiros setores especialmente beneciados, ao mesmo tempo, pelaqueda acentuada no custo do transporte e pela demanda crescente por claridade nas novas edicações,usinas e cidades. As empresas de petróleo, que surgiram à época, a organização da produção, a que sechegou naqueles primeiros trinta a quarenta anos, e o processo de concentração da indústria, em torno

de poucas e gigantescas empresas, serviram de referência para o entendimento da dinâmica cíclica docapital e sua capacidade de superação, crise após crise.

Um úlmo elemento dentro deste cenário de crescente complexidade foi o Imperialismo. Tratou-sedo úlmo estágio do capitalismo do século XIX, que foi denominado “capitalismo monopolista”. A am-pliação do capital de origem européia ganhou uma dimensão mundial sem paralelo até aquele momentohistórico. Foi um movimento demográco, econômico, políco, religioso e social que teve como exemplomaior o Império Britânico. Após a conquista das Índias, em 1876, a Rainha Vitória da Inglaterra esten -deu seus domínios por cerca de um quarto da supercie da terra e nha nada menos que quatrocentosmilhões de súditos. A missão civilizatória européia nha também a parcipação de belgas, franceses,

germânicos e italianos, que reproduziam o mesmo modelo de dominação, sem nenhuma alteração radi-cal. Esta expansão não teria ocorrido sem que, antes, vesse acontecido uma Revolução tecnológica notransporte.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   29

O motor a vapor foi a invenção original que tudo provocou. Evidentemente, entre a invenção e ainovação, passaram-se décadas, de fato, mais de um século. A máquina de Newcomen, para bombeiod’água de minas de carvão, já nha sido difundida desde 1725. Por volta de 1790, James Wats fez algu -mas importantes melhorias que permiram fazer do motor a vapor uma fonte de energia relavamenteconável. Foram necessárias melhorias adicionais quanto à elevação da pressão, à câmara de combustão,

às caldeiras e as transmissões, para que o engenho pudesse ser ulizado nas mais diversas aplicações eprincipalmente no transporte.

Em 1795, na França, Jaurey d’Abbans navegou com uma barca movida por um motor a vapor, norio Saône. Em 1807, Robert Fulton pôs nas águas do rio Hudson a primeira barca a vapor norte-americana

 – Clermont –, milhares de outras se seguiram. Mas, foi somente em 1819, que Moses Roger pôs n’água oprimeiro barco a vela e a vapor – Savannah – concebido especialmente para viagens transoceânicas. E foimuito mais tarde, em 1836, que o primeiro navio, somente a vapor, passou a cruzar o oceano Atlâncoregularmente: o britânico Great Western. Foi, portanto, a parr da segunda metade do século XIX queocorreu a revolução no transporte marímo, pela introdução do motor a vapor.

No transporte ferroviário, não houve muito maior antecedência e o processo de adequação da ino -vação também foi lento, principalmente quanto a seu impacto connental. A primeira locomova movidapor um motor a vapor foi concebida por George Stephenson desde 1814. Em 1825, ele aplicou sua idéia esubstuiu os cavalos por uma de suas locomovas, no transporte de pessoas numa linha que fazia a liga-ção entre Stockton e Darlington, na Inglaterra. Com aproximadamente 40 km de extensão, foi a primeiraestrada de ferro da História. Foi um marco, que, contudo, connuaria a ser progressivamente aperfeiçoa -do nos dez próximos anos.

Quatro anos mais tarde, ele foi contratado pelos capitalistas das cidades de Manchester e Liverpool.

Eles estavam interessados no comércio tanto de insumos de produção, quanto de produtos acabados,entre as duas grandes cidades inglesas. Inicialmente o projeto previa trilhos de ferro e vagões puxados acavalo. Stephenson, contudo, venceu a compeção de velocidade para a escolha do engenho de força. Denovo, ele propunha a sua locomova movida a vapor. O vapor era produzido com a ajuda de uma caldeiraque queimava carvão. Ele a denominou “Rocket” e a linha começou a funcionar em 15 e setembro de1830. Nascia, então, a indústria dos caminhos de ferro.

A maior mobilidade e velocidade de deslocamento foram ampliadas signicava e rapidamente. Domesmo modo, também o interesse pelo deslocamento dos indivíduos tomou corpo e passou a concorrercom o transporte das mercadorias. Por m, igualmente rápida foi a revelação da natureza monopolista daferrovia. Ligar por um caminho de ferro dois pontos é obviamente um monopólio natural; só cabe umalinha e um proprietário para esta. Em termos econômicos, apenas um fornecedor do transporte bastapara levar a carga com o mínimo custo possível; desde que regulado, como rapidamente se apreendeu.

O Railway Act inglês, entre outras deliberações, estabeleceu a regulamentação dos bilhetes de Ter-ceira Classe (“Third class”) que deu mobilidade aos mais pobres do país. Foi a primeira tentava de har-monizar as regras, reduzir o abuso do poder das empresas e criar um sistema ferroviário unicado, algoque demandou todo o restante do século XIX. A lei data de 1844 e dá uma dimensão das mudanças in -corridas desde 1825, do impacto gerado na compeção pelo trabalho e na pressão sobre os salários, nosmaiores centros industriais do país, causado pela expansão inicial da rede de ferrovias.

Por volta de 1847, uma viagem entre Liverpool e Londres levava sete horas de trem, enquanto acavalo, ela se fazia ainda no mesmo ritmo de vinte anos atrás; bem mais lento, demandando cerca de

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Estudos Estratégicos - PCdoB30

trinta horas. Entre Londres e Manchester, a viagem levava menos de seis horas no novo caminho de ferro,enquanto, a cavalo, demandava mais que o triplo do tempo: 20 horas. Quanto mais distante, maior erao ganho do novo meio de deslocamento. Para Edimbourg, de Londres, por ferrovia, eram gastos menosde dois dias, quando, no trote do cavalo, isso demandava onze dias. Só os ricos nham esse tempo paragastar. Em 1848, as principais ferrovias inglesas estavam construídas e a população podia se deslocar dequalquer ponto da Inglaterra até a capital e se curvar à Rainha, por não mais que um “penne” a milha. Oscapitalistas das grandes cidades também não nham problema para encontrar mão-de-obra entre aque-les que chegavam de trem das pequenas cidades e do campo.

Até 1850, o impacto da ferrovia foi importante, mas, cou localizado. Em razão de estar longe deformar uma unidade, no máximo angia uma dimensão regional. Era o suciente para impulsionar de for-ma signicava a mobilidade de recursos humanos e materiais. Sublinhe-se que isso tudo já vinha sendoobdo, a despeito da falta de uniformidade das bitolas e de um sistema de ferrovias privadas, questõesfervorosamente discudas já naquela ocasião. Era o suciente igualmente para, no connente, ligar Ber-lim a Paris e a Viena, estabelecendo um eixo que dominou a cultura e políca européia até a eclosão da IGuerra Mundial. Segundo uma tabela elaborada por Rosa de Luxemburgo, que estudou o nanciamento

da expansão da avidade, a rede ferroviária na Europa alcançava uma extensão total de 23.504 quilôme-tros em 1850 e três quartos dessa malha estava em solo britânico. Além do Velho connente, somentenas Américas e, principalmente, nos Estados Unidos, exisam ferrovias: 15 mil km aproximadamente.

Em 1849, o engenheiro inglês Thomas Crampton melhorou o desempenho das locomovas a parrde uma idéia simples e brilhante. Ele aumentou o diâmetro da roda motriz e, dessa forma, a velocidadenão mais dependia exclusivamente da maior rotação das rodas . O recorde de velocidade angido pelalocomova foi de 120 quilômetros por hora em 1850. Com locomovas cada vez mais rápidas, as redesaumentaram signicavamente seu raio de ação. Ainda segundo Rosa de Luxemburgo, dez anos depois,na Europa, a malha já nha mais que dobrado, alcançando quase 52 mil km. Por volta de 1870, a veloci-

dade média nas mais novas estradas de ferro angia perto de 60 km por hora. No início desta década, no -vamente a rede mais que dobrara, comparado a dez anos atrás, chegava a 105 mil km aproximadamente;uma clara demonstração da impulsão que a avidade tomou a parr de meados do século XIX.

No Novo Mundo, o crescimento foi um pouco posterior, mas, a parr de 1870, superou o ritmo bri-tânico, de forma que, já no início da década de 1880, os EEUU passaram a dispor da maior malha mundialde ferrovias. Perto da virada do século, ela já era perto de um terço maior que a inglesa (402 mil km frentea 284 mil km). Talvez mais signicavo, em 1869, vinte anos depois de iniciada a corrida do ouro em dire -ção a Califórnia e apenas quatro anos depois do m da Guerra de Secessão, foi concluída a primeira linhade ferro transconnental norte-americana; ligou Chicago a São Francisco. Estava denida, então, a região

de onde o desenvolvimento industrial se irradiaria e até onde ele angiria conguamente em direção aOeste. Eram os limites - geogracamente bastante extensos - do futuro maior mercado mundial.

Impossível compreender o rápido deslanchar da indústria do petróleo, a parr de 1859, seja naAmérica do Norte, seja no Leste europeu, uma década mais tarde, sem considerar todas essas mudançastecnológicas, produtos da segunda fase da Revolução Industrial inglesa. Na seqüência da difusão do mo-tor a vapor, durante as três úlmas décadas do século XIX, o petróleo foi muito mais beneciado, do queprotagonista desta evolução. Como agente de transformação, que não foram poucas, sua parcipaçãoesteve restrita ao seu uso na iluminação e como lubricante. Eram usos não desprezíveis, numa sociedadecada vez mais urbanizada e mecanizada. Ademais, nestas aplicações, rapidamente, os derivados do novo

mineral estabeleceram uma vantagem em termos de custo diante das alternavas existentes. Entretanto,sem dúvida, se comparado a outros setores de base, como o carvão, a metalurgia, a construção naval eferroviária, ele não fazia parte das indústrias motrizes do capitalismo.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   31

3) A pçã e qeee e ace a úa peóle

Em seu limitado papel, a despeito de não ser a fonte de energia nas fábricas, nos trilhos e nos ma-res, o petróleo ganhou muito rapidamente um espaço incontestável e, portanto, contribuiu para moldaro que viria a se transformar no capitalismo monopolista. Era favorecido pelos avanços técnicos realizados

em diversos domínios comerciais. Além de ser transportado facilmente, porque podia ser acondicionadonos mesmos barris que se ulizava para o transporte de uísque, depois de tratado por um processo rela -vamente simples, o querosene podia ser fracionado em quantas partes se quisesse e, assim, vendido emqualquer lugar do mundo e, ao nal da cadeia de realização de valor, alguns cenlitros não custavam caroao consumidor. Um argumento denivo era que nenhum produto, até a virada do século XIX para o XX,produzia melhor luz.

Tanto na construção dos poços de petróleo, quanto no processo de seu reno, os primeiros passosestavam sendo realizados, para atender uma demanda crescente e sem limites em termos geográcos.As pequenas lâmpadas e o querosene (líquido) podiam ser facilmente transportados, primeiro, no dorso

das mulas, em seguida, pelas ferrovias e, depois, através dos oceanos. Além disso, as economias de escalanos campos de produção, no transporte e nas renarias foram rapidamente percebidas e aproveitadaspelos aventureiros, capitalistas e inovadores. Uma fonte abundante de petróleo era o que faltava, pois,na segunda metade da década de 1850, já exisam, por um lado, a forte procura por um bom produtopara queimar nas lâmpadas e, por outro, a técnica para produzir o óleo mineral, seja da hulha, seja dopetróleo. Por m, a capacidade de transporte encontrava-se mulplicada, seja pelas ferrovias, seja pelosnavios movidos a vapor.

Assim, pracamente ao mesmo tempo, em algumas regiões disntas, ocorreram desenvolvimen-tos econômicos bastante semelhantes; eles anunciavam uma nova indústria. Nos connentes europeu e

norte-americano, as primeiras províncias petrolíferas não eram muito distantes do centro consumidor eindustrial, o que já conrmava o impacto ainda regional da Revolução do transporte no início da segun-da metade do século XIX. A concomitância dos desenvolvimentos era reveladora, primeiro, do estágioindustrial bastante próximo na Europa e no Nordeste da América do Norte e, em seguida, da dinâmicado processo de industrialização que ganhava corpo: a compeção será cada vez mais feroz, a busca pelotamanho, diversicação e tecnologia serão prioritárias e nem sempre os ganhadores serão os pioneiros.

Antes do poço aberto pelo Coronel Drake, construído próximo à cidade de Pisburg, nos EEUU,podem ser citados alguns outros feitos que sugerem um movimento muito mais amplo, reexo do está -gio de globalização que se angia. Além de Drake e antes dele, devem ser mencionados os canadensesAbraham Gesner, James Miller Williams, Charles Tripp, o Almirante inglês Thomas Cochrane e seu pai onobre Archibald Cochrane e o escocês James Young. Cada um deles contribuiu para que a parr de 1860,a indústria do petróleo se rmasse como uma das mais dinâmicas entre aquelas que surgiam, fazendoimpulsionar diferentes setores e avidades de forma bastante arculada entre eles, embora não fosse,ela mesma, o setor motriz ainda.

A possibilidade de abastecer as lâmpadas de óleo com um derivado mineral obdo da deslaçãoda hulha foi demonstrada pelo nono Conde de Dundonald em 1781, na Inglaterra. Era o pai do AlmiranteCochrane, que cou conhecido por suas vitórias (“o lobo do mar”, segundo os franceses) e aventuras.Entre elas, a parr de 1823, o comando da Marinha do Império na expulsão dos portugueses do Nordestee Norte do País; em troca tornou-se Marquês do Maranhão . Muito tempo depois da demonstração deArchbald Cochrane (o pai do Almirante), em 1835, o químico francês Alexander Sellig depositou a patentetambém do reno de um óleo de carvão betuminoso e, em seguida, criou três renarias para produzir e

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vender seu óleo na França.

Mas, foi somente a parr de 1850, que se observou uma aceleração do movimento que, foi induzi-da, em termos de reno, ainda por algum tempo, pelo uso da hulha, ou carvão betuminoso. Era a fontedominante da Revolução Industrial. O uso do carvão transformou as manufaturas em fábricas e abasteciaos novos meios de transporte, que proporcionaram uma mobilidade aos indivíduos e às mercadorias nun-

ca antes imaginada. Naturalmente, a deslação de um óleo derivado do gás de carvão se viabilizou peladisponibilidade do recurso mineral e da tecnologia que se desenvolvia até então com a indústria. Tratava--se de um pico fenômeno de trancamento tecnológico.

Por volta de 1850, quando a produção e a venda de óleo de origem carbonífera começaram a sedifundir, ao menos dois inventores prestaram atenção para alternavas à trajetória tecnológica existentee passaram a considerar as possibilidades de renar o petróleo e produzir derivados para diversos nse não apenas como combusvel para as lamparinas. Eles estavam separados por um connente: o ca-nadense Gesner e o escocês Young. Publicado em 1861, o livro A praccal trease on coal, petroleumand other deslled oils foi escrito por Abaham Gesner e, além de ser o primeiro do gênero, sintezou o

conhecimento do reno em seu estágio inicial. Ele recuperava mais de vinte anos de viagens, estudos eexperiências que o zeram conhecer o petróleo da ilha caribenha de Trinidad e se associar ao AlmiranteThomas Cochrane, dono dos direitos de exploração e que, depois de muitas venturas, no nal da vida, foiparar na província de Ontário.

Existem registros que Gesner, em 1846, no Canadá, já nha feito demonstrações públicas do proces-so de produção do líquido; não se tem certeza, contudo, se usou carvão, ou as amostras do betume quenha trazido de Trinidad . Em 1850, em viagem a Nova Iorque, o inventor obteve o depósito da patente no7.052 de um produto que era “manufacture of illuminang-gas from bitumen ... including both compactand uid betumen.” Ele o chamou de “kerosene-gas” e “kerosene-oil”, porque ele podia ser vendido como

gás, ou após condensado, também usado na sua forma líquida. Segunda a propaganda da época, os usospara o óleo eram os mais diversos: produto impermeabilizante, pavimentação, isolamento de cabos tele-grácos subterrâneos, solvente para fazer ntas e vernizes e outros produtos, além do líquido para ilumi-nação, é claro. Os múlplos usos dos derivados serão determinantes ao sucesso do petróleo em seguida.

Em 1854, Gesner obteve o depósito de uma segunda patente, desta feita, para um líquido hidrocar-burante que ele denominou simplesmente de querosene “A”, “B” e “C”. Os dois primeiros eram próximosda composição da gasolina e naa e eram queimados, porque para nada serviam. O terceiro era o com-busvel que, na década seguinte, ganhará rapidamente o espaço de todos os demais produtos que ser -viam para o mesmo m. Segundo esta segunda patente, o produto elaborado por Gesner podia ser obdo

a parr da deslação da hulha, ou do petróleo. Depois do gás condensado, o produto era, em seguida, tra-tado com ácido sulfúrico e cal calcinado (calcário) para, no nal, chegar-se a um combusvel líquido que,quando queimado, produzia uma luz de excelente qualidade e, ademais, não fazia fumaça e nem fedia.

A primeira renaria (em que Gesner era o químico responsável) começou a ser montada em 1854e, no começo de 1856, ela já produzia o líquido que, segundo constava a propaganda, custava metadedas velas, ou do canfeno, para o mesmo tempo de duração. O canfeno é um derivado da terebenna e,naquela época, era o líquido mais vendido, por ser o mais barato, para ser queimado nas lamparinas . Eleera, em razão do seu baixo preço, um produto que se tornara popular. Mas, não era muito apreciado emrazão do forte odor, de sua fumaça grossa (e tóxica) e, pior, da freqüência com que explodia e causava

incêndios. Os ricos podiam pagar pelo preço do óleo de uma espécie de baleia determinada, de quem eraextraído o espermacito, já mencionado anteriormente.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   33

Na renaria de Gesner, ressalte-se, a produção não era inicialmente a parr de petróleo e, sim, decarvão betuminoso. A produção de óleo de carvão fez criar uma indústria que, em pouco tempo, subs-tuiu a indústria da caça a baleia; em franco declínio depois de 1860. Ela mesma, a indústria de óleo decarvão, será também de curta duração. Seu rápido crescimento pode ser explicado porque ela atendiauma demanda que se ampliava connua e aceleradamente em razão da urbanização e industrialização.Também deve ser considerada a disponibilidade de capitais, graças ao desenvolvimento da praça nan-ceira de Nova Iorque, dos lucros acumulados na primeira metade do século XIX e da migração, tanto docapital, quanto da mão-de-obra, em direção ao Nordeste dos Estados Unidos. Devia exisr, por m, umarelavamente baixa aversão ao risco dos capitalistas e invesdores, uma vez que se tratava de uma ino-vação de produto e de processo de peso signicavo. Tudo isso explica a velocidade na sua constuição

 – durante a década de 1850 – e a sua natureza efêmera. Em 1862, três anos depois de ser descoberto, opetróleo já nha assegurado suas vantagens, tanto no preço, quanto no processo de reno, seja no Ca -nadá, seja nos Estados Unidos.

Em dezembro de 1859, apenas seis anos depois ter sido iniciada a construção da primeira instala -ção, a oferta já nha deslanchado e unidades de reno do óleo de carvão estavam se mulplicando na

região. Segundo a Scienc American, a produção era esmada em 25.000 galões de querosene por dia.Desses, 2.500 galões vinham das usinas da empresa onde Gesner era o químico e estavam instaladas emNova Iorque. A segunda empresa era a Samuel Downer, em Boston, que produzia cerca de 1.500 galõespor dia. Assim, importa também observar que o mercado não crescia apenas em tamanho: ganhava qua -lidade e complexidade.

A diferenciação não exisa apenas no que diz respeito à origem da matéria-prima, se da baleia “x”,de peixe, ou da hulha mais ou menos betuminosa, ou ainda da terebenna, da onde saía o canfeno. Alémdas matérias-primas, as mercadorias já eram diferenciadas quanto às marcas e, no caso, do óleo de car-vão, eram necessárias algumas deslações para obter maior qualidade, como era o caso dos produtos de

Samuel Downer. Ao encarecê-lo, ele se colocava como concorrente direto do espermacito, produto maiscaro, desnado às famílias mais abastadas e a usos especiais. O abastecimento rompido de óleo de baleiae de canfeno (que vinha do Sul), com o começo da Guerra de Secessão, em 1861, foi providencial. Era aoportunidade de mudança. Não era novidade que o petróleo era mais simples de ser tratado, para produ -zir querosene de qualidade e com baixo custo. Faltava, entretanto, como já foi mencionado, uma fonte deabastecimento conável e abundante; algo mais do que as amostras tornadas acessíveis em exsudações.

Na mesma época em que Gesner desenvolveu seu processo, na Escócia, o químico James Youngseguia uma linha de pesquisa semelhante. Como em iniciavas anteriores, o processo não se restringia aotratamento do gás produzido pelo carvão betuminoso, usava também o folheio (ou xisto) como matéria-

-prima. Seu objevo inicial, diferentemente do canadense, que buscava um combusvel para iluminação,era um lubricante e um solvente. A busca por um bom lubricante tornou-se cada vez mais intensa como desenvolvimento das ferrovias, das linhas de navegação e dos motores a vapor nas fábricas já que, emtodas estas aplicações, as partes móveis são essenciais. Ademais, como no caso da iluminação, o maucheiro era caracterísco do uso da graxa de origem animal, o que agravava as já péssimas condições detrabalho nas casas de máquina, nas locomovas e nas usinas. Fora isso, os óleos especiais de baleia, quetambém eram usados para a lubricação, eram relavamente caros, reexo da qualidade superior, daoferta limitada e da procura que não cessava de crescer.

O químico escocês, além do lubricante, também visava o uso do derivado como solvente. Seu

interesse era o consumo da indústria química nascente impulsionada pela fabricação de corantes, ntase vernizes (usados na ntura de tecidos, nas supercies dos móveis e argos e nas construções). Alémdisso, um solvente muito próximo da naa era um derivado obdo no processo que podia ainda servirpara dissolver a borracha natural e, assim, produzir um componente bastante exível e a prova d’água.

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Estudos Estratégicos - PCdoB34

O processo era feito por uma empresa em Glasgow, George Miller Co., que fabricava vestes para chuva,caça e pesca e que eram conhecidas em toda a Europa pela sua marca comercial: as capas e galochasMacintoshe.

Em outubro de 1850, Young depositou a patente britânica “for the obtaining of parane oil ...and parane [wax] from biteumous coal.” Em 1852, seguindo uma estratégia agressiva em termos de

propriedade intelectual, ele depositou a patente norte-americana e, após, uma contestável campanha jurídica para ter seus direitos assegurados, ele conseguiu que toda produção norte-americana de óleo decarvão pagasse uma licença a ele para comercializar o produto. Isso lhe assegurou uma grande fortunapara o resto da vida. Nos EEUU, a segunda maior produtora, a já mencionada Downer de Boston, obteve alicença para o uso da patente de Young em 1856, em troca de dois centavos de dólar por galão. A mesmaempresa entrou em acordo com Gesner para poder usar o nome “kerosene” no seu produto. Dois dosmais tradicionais e importantes instutos de propriedade intelectual – o depósito de patente e o registroda marca – demonstravam-se já como elementos crícos da estratégia empresarial.

Enquanto isso, de novo no Canadá, um terceiro empreendedor, mais aventureiro que inventor,

Charles Tripp, descobriu uma fonte de betume que aorava nos conns da província de Ontário. Em 1854,ele ganhou um prêmio na exposição de Paris e um contrato para asfaltar as ruas da capital francesa. Nasmanifestações populares em Paris, os pavês usados no calçamento das ruas eram usados como armapelos insurgentes. Um fabricante de vagões ferroviários da cidade de Hamilton estava interessado emoutros usos que não a pavimentação. Assim como muitos outros e depois de conhecer as instalações emNova Iorque, interessava-se principalmente pela produção de um líquido para lamparinas. Ele comprouos direitos minerais de Charles e pagou as licenças de Young para, por volta de 1857, começar a produziro óleo derivado de petróleo e não de carvão.

Em 1858, portanto um ano antes de Drake, em busca d’água na propriedade que comprara de Char-

les, ele cavou um poço de vinte metros e descobre petróleo. O poço cou conhecido como Williams No1, em Oil Springs, Ontário. As operações de reno eram primárias e feitas no local, mas, logo depois, em1860, as instalações de tratamento foram mudadas para cidade de Hamilton e a rma passou a se cha -mar The Canadian Oil Co. Foi a primeira a integrar a produção, o tratamento e a venda do petróleo e seuderivado, testando um arranjo organizacional que vingará algumas décadas depois em todas as grandespetroleiras.

Em 1862, na mesma região de Ontário, a cerca de 50 metros de profundidade, foi aberto um poçoque se revelou o primeiro “gusher” canadense; expressão que denomina os poços que quando encontramóleo bruto fazem-no jorrar sem controle em grandes volumes, em razão da elevada pressão que possuem

inicialmente. Eles podiam jorrar por meses. A produção média diária deste poço alcançava 3.000 barris e,dessa forma, foi possível aumentar expressivamente a produção de querosene. Dez anos depois, segundoEarle Gray, cerca de cem renarias já nham sido instaladas na província canadense e o desno da produ-ção era majoritariamente a exportação para a Europa .

A idéia de produzir querosene de petróleo e vendê-lo para os europeus não era uma exclusividadede Williams, como já foi visto. George Bissel pensava em fazer o mesmo na Pensilvânia e, para tanto, reu-niu invesdores e formou a Pennsylvania Rock Oil Co. que produzia óleo a parr do betume coletado emexudações. Na tentava de aumentar a produção, eles contrataram Edwin Drake, primeiro, para coletaro petróleo (como ele nha sido condutor de trem, ele não pagava o bilhete da passagem) e, depois, para

procurá-lo em maiores quandades, a parr da perfuração de um poço. O Coronel, que nunca nha sidomilitar na verdade, colocou sua engenhosidade à prova e, em agosto de 1859, a 69 pés de profundidade,ele descobriu petróleo. A produção diária média era de 400 galões e a corrida pelo mineral começara.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   35

Em novembro de 1860, pouco mais de um ano depois, em meio a centenas de poços perfurados,cerca de 75 poços estavam produzindo óleo bruto. Na mesma época, segundo Daniel Yergin, já exisampelo menos 15 renarias instaladas na proximidade de Oil Creek e mais de cinco em Pisburgh. Em 1861,na região, foi aberto o que é considerado o primeiro “gusher” estadudinense, com uma produção diáriade 300 barris. Com a oferta crescente de petróleo, estava decretado o m da indústria de óleo de carvão.

E tudo foi muito rápido: entre 1860 e 1862, a produção de óleo bruto saltou de 450.000 para 3 milhõesbarris. O querosene do petróleo substuía o canfeno e o espermacito que, com a guerra, veram o for-necimento interrompido e, além disso, os estados do Norte asseguravam uma receita de exportação parananciar o conito militar com os Confederados.

A importância da descoberta de Drake é indiscuvel. A abundância de petróleo determinou o des-lanchar da avidade de produção de bruto, o seu reno e a produção do querosene de excelente qua-lidade e a baixo custo. O querosene da Pensilvânia era inclusive melhor que o canadense, em razão danatureza do óleo, bem menos ácido que o encontrado em Ontário. Contudo, ao se limitar a Drake, perde--se a riqueza da História e a amplitude das mudanças, tanto em termos qualitavos, quanto em termos

geográcos. Não se trata somente do surgimento de uma nova avidade produva, mas da transforma -ção e substuição das angas, assim como o movimento não se restringe a uma região, alcança diferentespontos e estende-se geogracamente, angindo simultaneamente a América do Norte e a Europa.

Para tão rápido assumir a posição de produto líder no mercado, ao petróleo, foi necessário desban -car as soluções já estabelecidas e se aproveitar dos novos usos que a sociedade, que surgia, demandavaintensamente. A diversidade de ulizações dos derivados obdos do processamento do mineral entrepastoso e líquido fora reconhecida desde o começo pelos pioneiros e se demonstrará um elemento chavepara explicar as economias de escopo (ou envergadura), que tanto beneciarão as empresas de O e G noséculo XX. Também caracterísca da vantagem em custo das grandes petroleiras no século XX, a busca

de arculação entre exploração, produção, reno e venda estava na raiz das estratégias comerciais deGesner, de Williams e de Bissel em meados do século XIX, quando estabeleciam seus próprios negócios.As inovações de produto e de processo e a importância da apropriação dos ganhos tecnológicos, por in-termédio de instutos jurídicos de propriedade intelectual, igualmente já se faziam onipresentes. Era acompeção tecnológica que surgia.

Por m, o ambiente macroeconômico não deve ser desconsiderado. O período de bonança do im-pério britânico, que se vericou a parr de 1840, fora resultado, principalmente de dois fatores: os ganhosem produvidade nas fábricas com a difusão dos motores a vapor, da metalurgia e do carvão e a reduçãodos custos decorrente da abertura dos mercados, o que reduziu o custo de vida, os custos salariais e os

custos de produção nas grandes cidades inglesas. Ambos estavam por se esgotar. A despeito da Revolu -ção nos transportes, o cenário europeu tendia a se degradar. As crises se tornaram freqüentes durantea segunda metade do século, pracamente uma por década. A parr de 1870, o ambiente de depressãoeconômica se instalou na Grã Bretanha, na França, na Espanha e no Império Austro-Húngaro. Aspectoscomo a concentração industrial, a internacionalização dos negócios, a cada vez maior importância dasnanças e a degradação acentuada das condições de trabalho, eram sinais claros de que se aproximava om de uma época.

4) o capal pla, peal e peóle

A úlma década do século XIX, a virada para o século XX e os anos até a eclosão da grande guerraforam de profunda transformação. Chegaram aos seus estágios mais avançados, tanto o capitalismo mo -nopolista, quanto o imperialismo. O período incluí também o m da grande depressão, que contaminou o

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Estudos Estratégicos - PCdoB36

ambiente do Velho Connente entre 1870 e 1895, a aceleração do crescimento dos EEUU e da Alemanhae a perda de velocidade do crescimento britânico e francês. Entre 1880 e 1910, a “Belle Epoque” sinte-zou as mudanças de hábitos, costumes e cultura provocados pela emergência da nova burguesia, nasrenovadas grandes cidades européias.

Nesta aceleração do processo de industrialização, no apogeu do imperialismo e nas transformações

sociais, ao contrário do que nha acontecido até aqui, o petróleo passa a ter um papel de protagonista.Nascida naquela época, a empresa de petróleo, ainda hoje, é a referência, no mundo dos negócios, dagrande rma capitalista moderna. Em torno da avidade petrolífera foram constuídas diversas entre asmaiores empresas do século XX. Neste domínio, o maior ícone é a anga Standard Oil Co., a primeira aconquistar um grau absoluto de monopólio. Criada por um milionário norte-americano, John D. Rockefel -ler, seu desmantelamento por decisão da Suprema Corte dos EEUU foi emblemáco, mas pouco fez paracombater o poder de mercado e econômico da grande empresa de petróleo: de seu desmembramentosurgiram as duas maiores empresas petroleiras do país, Exxon e Chevron.

A industrialização em certas regiões, como em torno dos Grandes Lagos norte-america-nos, ou ain-

da no quadrilátero formado por Londres, Cardi, Glasgow e Edimbourg, na Grã-Bretanha, fez-se comfábricas cada vez maiores e cada vez mais intensivas em capital. Elas dispunham de caldeiras mais poten-tes e passaram a ulização intensiva do óleo combusvel. Era um derivado do reno do petróleo, maispesado que o querosene e com um poder caloríco próximo a 10.000 kcal/kg. Isso era até três vezes maisque um carvão ruim, com a vantagem de, por ser líquido, poder ser transportado e queimado em grandesvolumes nas caldeiras para fazer vapor industrial. Isso porque, além de tudo não fazia fuligem e poluíabem menos do que o concorrente que deslocava.

A busca pelo tamanho, decorrente da importância das economias de escala, já estava em curso e aindústria do petróleo e seus novos clientes (também industriais) foram os primeiros a encampar a estra -

tégia de crescimento connuo. Às empresas cada vez maiores, correspondiam mercados cada vez maisconcentrados, com números decrescentes de atores. A corrida pelo corte nos custos e a grande depressãodo nal do século XIX ocasionaram um acirramento da compeção, do qual só poucas e grandes empresassobreviveram.

O uso do óleo combusvel era uma arma importante nesta compeção. Ele permia ganhos deescala signicavos e, assim, juscava a instalação de novas unidades e o fechamento das pequenas evelhas usinas e caldeiras. Quem não fez isso perdeu espaço e mais tarde acabou saindo do negócio. Parao escopo da avidade de reno, o resultado foi a produção e o consumo de quandades cada vez maioresdo novo combusvel até que, por volta de 1901, o óleo se tornou mais vendido que o querosene.

Aos ganhos de escala e escopo, somam-se o aproveitamento da revolução dos transportes, como já mencionado anteriormente, pelas empresas petroleiras que começavam a surgir. No início, entre 1860e 1890, as condições e os custos do transporte eram fundamentais para a formação do preço nal dosprodutos. A concentração em uma só região produtora, o tamanho crescente das renarias, a localizaçãoda unidade (perto dos poços, ou dos centros de consumo) e a rápida disseminação do uso dos diferentesprodutos nais traziam um complicado problema logísco a ser resolvido.

De qualquer forma, como produzia um combusvel líquido de elevado poder calórico, auxiliada pe-

los novos meios de transporte, a indústria nascente possuía a vocação natural para se transformar, quaseimediatamente, numa indústria mundial. Assim, não por acaso, as petroleiras foram as primeiras grandesempresas mulnacionais. Foram o instrumento econômico e as principais beneciadas da expansão geo -gráca do mercado proporcionada pelo imperialismo europeu. Encontrou-se compradores em todo canto

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Dossiê I.5 - A questão energéca   37

do mundo. Além disso, nos EEUU, numa economia em pleno “boom”, o querosene se manteve comoprincipal produto de exportação não agrícola ainda por muito tempo.

A estratégia de John D.Rockefeller, para montar a Standard Oil Co., tem todos os ingredientes docapitalismo que emerge com o século XX, embora a constuição da sua primeira empresa date de 1863.Segundo Yergin (p.37) já em 1865, a renaria que possuía era a maior entre as existentes em Cleveland

e, no ano seguinte, ele construiu uma segunda unidade e montou uma empresa em Nova Iorque paravender seus derivados de petróleo. Além do aproveitamento das economias de escala, a preocupaçãocom a movimentação dos produtos foi uma constante desde o início. A empresa fazia seus próprios barris,dispunha de vagões-tanques e nha suas barcas, que navegavam no rio Hudson.

Inicialmente renador no Estado de Ohio, Rockefeller, não estava longe das reservas descobertasem 1859 e cuja produção aumentava exponencialmente. O foco do negócio não era a produção, o inte-resse estava em explorar as economias que podiam ser realizadas no reno e no transporte. A montante,a exploração e produção era um jogo de aventureiros, mineiros e desocupados, onde o risco não erasomente não descobrir petróleo; pior, eram as explosões e incêndios em poços descontrolados; estes

incidentes roneiros eram também, quase sempre, trágicos.

Além de invesr numa capacidade própria de processamento e de movimentação do petróleo brutoe dos derivados, Rockefeller era um negociador nato, fazia acordos, associações e conhecia as nanças eo funcionamento das bolsas. Os lucros extraordinários que acumulava lhe davam independência frenteaos bancos. Não precisava de emprésmos e usava o mercado mobiliário nascente para dar forma a seuconglomerado. Em 1882, criou o Standard Oil Trust como uma federação de empresas composta de 40rmas, todas controladas por meio de parcipações acionárias e disposivos estatutários e legais pelaStandard Oil Co.

A novidade não era a formatação da empresa em conglomerado, ou “trust”, nas duas úlmas déca -das do século XIX, houve uma vaga de criação deste po de empresa, que expressava o crescente grau demonopólio que se impunha justamente naqueles setores que aceleravam o processo de industrialização.Entretanto, no caso de Rockefeller, segundo Chandler (pag. 25 e 26), o objevo não era alcançar umamaior parcipação de mercado, uma vez que o monopólio, as empresas juntas já quase dispunham. Ameta era outra: racionalizar a produção e a logísca. Com a consolidação das empresas, foi possível fecharas unidades anquadas, reformatar as maiores e construir novas, ainda maiores. Com isso, foi possíveltambém refazer toda a logísca da empresa em torno de algumas poucas e grandes bases de estocageme vias de transporte.

A Standard saía ainda maior deste processo de consolidação. Segundo Chandler, por volta de 1885,um quarto da produção mundial de querosene era fornecido por ela e, para tanto, bastavam três re -narias. Cada uma processava até 6.500 barris de petróleo bruto por dia e dois terços da produção eramexportados. As angas renarias, não ultrapassavam 1500, no máximo 2000 barris de capacidade deprocessamento. Nos primeiros cinco anos da década de 1880, o custo de reno de um galão de querosenecaiu de 2,5 centavos de dólar para 1,5 centavos e, em 1885, a apenas 0,452 centavos. Antes da reestru -turação, o conglomerado contava com 53 unidades de processamento de petróleo e, no nal, o númerofoi reduzido para 22. As três maiores produziam querosene e óleo, as demais ainda em operação nhamsido converdas para produção de especialidades: lubricantes, paranas, solventes, naa e vaselina.(Chandler, p. 73)

A competência organizacional construída se reea na sede da empresa, instalada em Nova Iorquee que, desde 1885, abrigava a maior hierarquia empresarial da indústria mundial até aquela data. A com -

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Estudos Estratégicos - PCdoB38

petência nas negociações se reea, por seu turno, nos esforços para regulamentar com os concorrentese as companhias de transporte ferroviário o preço dos fretes. O interessante é que o tamanho já conquis-tado concedia a Rockefeller um poder da barganha suciente para se arranjar secretamente de maneira apagar preços dos fretes até duas vezes mais baratos que seus concorrentes, o que lhe dava uma vantagemde custo na compeção que se mostrará decisiva na formação de seu monopólio.

O primeiro arranjo (quanto ao tabelamento dos fretes para todos os interessados no transporte depetróleo e derivados) mostra que as colusões, os acordos e as “parcerias” entre produtores eram prácacorrente na indústria nascente. Na verdade, não eram parcularidade dela, a pressão pela racionalizaçãode custos e pelo controle da produção e dos preços impulsionou uma onda de fusões e aquisições queangiu seu Zenith em torno da virada do século. A parr deste momento, o comportamento colusivo, coma formação de cartéis, tornou-se um elemento entre os mais caracteríscos das empresas de petróleo.

O segundo arranjo, feito escusamente para obter um desconto no preço do frete, do qual só se be-neciava a sua empresa, mostra até que ponto a colusão entre compedores de tamanhos diferentes edentro de uma estrutura de mercado de oligopólio, era e ainda é extremamente instável. A fragilidade das

colusões e a contestação ao poder estabelecido pelos diferentes cartéis estarão presentes em todos osmomentos-chave da história da indústria do petróleo. De fato, é possível ver esta evolução como um du-plo movimento de construção e de desconstrução de monopólios e oligopólios, movimento que se repetenestes mais de cento e cinqüenta anos e que se acrescenta a natureza cíclica do crescimento da avidade.

Conseqüência do sucesso de sua estratégia, a Standard assegurou o quase monopólio e o quasemonopsônio do reno em todos os EEUU. A parr dos anos 1880, a empresa tornou-se simultaneamenteo maior comprador de petróleo bruto e o maior vendedor de derivados. Vale lembrar, na seqüência doscapítulos anteriores, que o elevado grau de monopólio foi conquistado antes mesmo das profundas mu -danças na demanda do petróleo, que ocorreram a parr do início do século passado. O petróleo ainda

era fundamentalmente ulizado para iluminar, lubricar e aquecer. O óleo combusvel estava apenas co -meçando a sua penetração como combusvel industrial e o motor a combustão interna ainda era um ne-gócio que interessava somente os inventores. Vale lembrar também que a posição de liderança absolutada empresa foi obda antes da introdução dos novos métodos de processamento no reno do petróleo,que transformaram por completo as condições de produção da indústria durante a primeira metade doséculo XX.

O que ca evidente é o grau de concentração decorrente da crescente escala da produção, do es -copo cada vez maior e de uma mobilidade que não cessa de aumentar. Tudo isso precisa de uma admi-nistração coordenada, dividida funcionalmente, com várias subsidiárias, diretorias, ronas burocrácas

etc., de forma a centralizar a decisão nal, ter capacidade de executá-la em qualquer parte do mundo ede racionalizar as operações de produção e logísca. A Standard Oil angiu este patamar muito cedo epassou a dispor de um poder de mercado gigantesco, na medida em que ditava os preços e, assim, garan -a um durável lucro extraordinário. A expressão maior de seu poder foi quando, por volta de meados daúlma década do século XIX, a empresa de Rockefeller decidiu xar o preço do petróleo e dos derivados,independente de qualquer um de seus concorrentes e do interesse do consumidor.

A onda de concentração dos mercados, com a proliferação das aquisições e fusões das empresas,coincide com a expansão geográca dos negócios decorrente da revolução tecnológica nos transportes.A associação entre o auge do capitalismo monopolista e o imperialismo pode ser entendida em termos

macroeconômicos a parr de uma idendade estabelecida por M.Kaleck. Considere, primeiro, que asrendas geradas em uma economia correspondem às despesas realizadas nesta mesma economia. Assim,esquemacamente teríamos que salários, lucros e tributos (as rendas) seriam iguais a soma do consumo,

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Dossiê I.5 - A questão energéca   39

do invesmento, dos gastos de governo e do saldo do comércio com o exterior (as despesas).

Algebricamente teríamos: w + π + t = c + i + g + mx. Atente-se para o fato de que o úlmo termo “mx”é a representação da diferença entre as importações (m) e as exportações (x). Se forem rearranjados ostermos da equação, para ser colocado em evidência o lucro, é fácil observar o efeito posivo do aumentoda exportação. Tem-se então que: π = (c – w) + (g – t) + nx. Suponha, então, que o governo não possa

aumentar seus gastos, em razão de estar já muito endividado e que os salários das famílias são baixos,devido ao elevado grau de extração da mais-valia. Se este for o caso e não houver mudanças tecnológi-cas, a única saída, para os capitalistas connuarem a aumentar os lucros, será aumentar as exportaçõese, desse modo, escoar o excesso de produção, realizando então um lucro que as limitações das vendasinternas não permitem.

A situação britânica (ou francesa), no nal do século XIX, era próxima ao cenário suposto acima. Osganhos de produvidade proporcionados pela introdução do carvão, um século antes, perdiam força e aonda de crescimento proporcionada pela máquina a vapor estava perto de se esgotar. Combinando-se aom de uma “geração” tecnológica, a conjuntura macroeconômica inglesa se deteriorava connuamente.

A migração para as grandes cidades aumentava a força de trabalho desocupada e pressionava os saláriospara baixo, enquanto a anga aristocracia via poder e suas rendas minguarem. O capital industrial localenfrentava, em seu mercado, a concorrência externa, conseqüência da liberalização das trocas com exte-rior; bandeira econômica principal do imperialismo britânico.

A conseqüência é que lucros, salários e demais rendas estavam pressionados para baixo e a de -manda por exportações tornara-se crucial para a manutenção da hegemonia mundial – a pax britannica.Some-se a isso que, a parr de 1830, as crises passaram a ser quase decenais (1836-37, 1847, 1857, 1866,1873, 1882, 1890, 1893, 1907). Elas também ganharam em complexidade e dimensão geográca. Nascrises, cava evidente a interconexão das bolsas de Viena, Paris, Londres e Nova Iorque. Elas não são mais

acidentais, ou apenas resultado de fatores exógenos (externos à economia, como quebra da safra apósuma seca, ou uma guerra). As crises passam a ser estruturais.

Eram as novas crises nanceiras e bancárias associadas aos colapsos, de tempos em tempos, dasbolsas, que nanciavam ferrovias, estaleiros, canais, hidrovias, siderurgias e a abertura das novas linhascomerciais. A expansão do crédito e, conseqüentemente dos décits das famílias e do estado, como podeser deduzido pela equação anterior, também, são outras soluções para elevar os lucros do capital. A ga -nância por lucro do cada vez mais concentrado capital não poupou nenhuma delas. A “nanceirização”da economia é concomitante e está correlacionada à aceleração da industrialização observada com oadvento do capitalismo monopolista e do imperialismo.

O imperialismo foi um movimento de expansão geográco das angas metrópoles mercans que,reformuladas militarmente, policamente e economicamente, viraram Impérios. Era a maneira do capita-lismo se renovar e superar os limites impostos a sua reprodução e ampliação no início do século XIX. Soba proteção dos exércitos e armadas imperiais, foi possível expandir a fronteira do capitalismo monopolistaaos mais remotos recantos da terra. Por volta do nal da década de 1880, a Rainha Vitória contava maisde 400 milhões de súditos e a bandeira britânica controlava nada menos que um quarto das terras domundo.

Era um mercado potencial suciente para o capital industrial inglês, acossado em seu próprio mer-

cado, realizar suas vendas e seus lucros. O domínio não era apenas militar, ele impunha também um redi -mensionamento importante das relações econômicas internacionais por intermédio do padrão-ouro; noqual a cada moeda emida em papel, correspondia a seu peso em ouro. A parr de 1870, a estabilidade

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Estudos Estratégicos - PCdoB40

cambial, em torno do novo padrão de emissão monetária, foi decisiva para proporcionar as condiçõespara expansão das trocas internacionais e do uxo de capitais.

No decorrer da segunda metade do século XIX, na esteira do império britânico, foram formadosos grandes impérios europeus. As transformações polícas são profundas e passavam pela moderniza-ção das monarquias (holandesa, belga, austro-húngara e espanhola), pelo surgimento de duas grandes

repúblicas (na França, com a III República e na Itália, em seguida a reunicação), passam também porGuilherme I e Bismarck e a ascensão do Império da Prússia e pela difusão da democracia liberal. No Novomundo, a derrota espanhola em Cuba, em 1899 (?), para as forças militares norte-americanas, pôs umponto nal (certo, retardado) ao colonialismo ibérico e sinalizava as pretensões da nova potência, quan-to ao seu espaço estratégico de dominação, além do nascimento das repúblicas lano-americanas. Paraos impérios europeus e aos EEUU, as úlmas fronteiras eram uma reconquista – o Próximo-Oriente e oExtremo-Oriente.

A expansão territorial do poder políco dos governantes e a connua expansão dos lucros dos capi-talistas constuíam-se as duas faces do mesmo movimento. A queda dos custos de produção na Inglater-

ra, na Prússia e nos EEUU dependia cada vez mais do fornecimento de matéria-prima e de fontes de re-cursos naturais abundantes, que não se encontravam próximos às grandes cidades ocidentais (à exceçãodo caso do petróleo, na Pensilvânia). As novas usinas, fábricas e renarias, por sua vez, dispunham de umacapacidade de produção muitas vezes maiores que as anteriores e, por isso, dependiam crescentementedas exportações para os novos mercados, para serem plenamente ocupadas. Assim, a aceleração do pro-cesso de industrialização intensicou a busca, simultânea, por novas reservas minerais e novos mercadosconsumidores. Sem o imperialismo, o capitalismo monopolista não teria se estendido por todo o planeta.

A sombra dos impérios, os conglomerados que emergiam nas avidades químicas, siderúrgicas,farmacêucas, em torno dos estaleiros e das ferrovias podiam ganhar uma dimensão mulnacional. No

petróleo, não seria diferente e muito cedo a primeira de todas mulnacionais petrolíferas teve suas po-sições externas fortemente contestadas. Na Europa, o maior mercado comprador de querosene norte --americano, a parr de 1880, a liderança começou a ser ameaçado pela rápida expansão da oferta dequerosene russo, vendido pelo sueco Ludwig Nobel, que possuía estreitas ligações com o regime czarista.As exportações da Standard Oil foram gradavamente substuídas pelo querosene vindo de Baku, regiãoaonde as renarias nham proliferado desde 1870.

Outra família tradicional também se interessou pelo negócio com o petróleo da região caspiana, osRothchilds. Eram grandes banqueiros europeus e cujas relações com os governos da França, da Prússiae dos Países Baixos eram históricas. Em 1883, eles nanciaram a construção de uma ferrovia entre Baku,

cidade que está à beira do Mar Cáspio (um mar que é fechado) e Batum, que por sua vez está à beira doMar Negro. Pouco tempo depois, a família criou uma empresa para transportar e comercializar os deriva-dos internacionalmente.

A ferrovia era estratégica porque, saindo do porto de Batum, os navios passavam por Istambul e al-cançavam o Mediterrâneo. De lá, nham duas opções: pelo Sul, atravessavam o recentemente concluídoCanal de Suez e podiam abastecer o Extremo-Oriente. Para Oeste, a segunda via de interesse, passavapelo estreito de Gibraltar e, assim, chegava-se às ilhas britânicas e à toda costa Oeste européia. A logíscade transporte e movimentação dos derivados de petróleo, e à frente neste momento ainda o querosene,foi a chave para contestar as vendas norte-americanas, tanto na Europa, quanto na Ásia.

Em 1888, a produção russa já chegava perto da norte-americana e a compeção entre as grandesempresas petroleiras, que acabavam de ser criadas, pela conquista do mercado mundial de derivados

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Dossiê I.5 - A questão energéca   41

de petróleo teve início. A velocidade das transformações estava em aceleração, como já foi observado.O confronto era entre as grandes rmas criadas por Rockefeller, Rotchild e Nobel, barões do capital mo-nopolista, que controlavam grandes “trusts” nacionais e que buscavam uma dimensão verdadeiramenteplanetária. Em termos de petróleo, a luta já era pelo controle do escoamento das grandes regiões produ-toras que surgiam após a descoberta feita na Pensilvânia, a região de Bacu, em primeiro lugar. Mas, logo,iam aparecer outras regiões produtoras, denivamente rmando a vocação internacional da indústriado petróleo, dando-lhe uma conotação geopolíca e estendendo o espaço para a construção das grandesmulnacionais petrolíferas, originadas dentro e fora dos Estados-Unidos.

5) A ce peal e ae capal pelífe

Derivadas dos avanços ciencos, as transformações tecnológicas abrem perspecvas completa-mente inusitadas. Foi assim com a eletricidade e o motor a combustão interna, duas inovações que che -garam pracamente juntas no nal do século XIX e começo do século seguinte. Também como a ciênciaquímica, que surgiu nos laboratórios das universidades alemãs e que deu origem à indústria química efarmacêuca, os avanços renovavam completamente o processo de produção, os hábitos de compra e a

qualidade de vida. Remédios, ferlizantes e comida industrializados, motores elétricos, caminhões, auto-móveis e aviões, nenhuma dessas inovações estava disponível no século XIX. Foram todas gestadas nosúlmos vinte anos daquele século e atraíram logo o interesse do capitalista com menor aversão ao risco,em razão do salto em matéria de produvidade do trabalho e rendimento dos processos que permiam.Muitas vezes, o empresário era o próprio inventor.

O entendimento da dinâmica do capitalismo, de seu crescimento cumulavo, mas, não-linear, mes-clado por rupturas de percurso e crises, que caracteriza um processo de ampliação essencialmente cíclico,passa pela compreensão do impacto das revoluções tecnológicas que essas inovações acarretam. Contor-nar a tendência à queda da taxa de lucro constui a própria história do capital, segundo Marx. Não foram

poucos os meios pelos quais o sistema de produção conseguiu ultrapassar seus limites. Algumas vezes,pôde simplesmente aumentar a extração da mais-valia absoluta, ao reduzir os salários a níveis inferioresao valor de sua reprodução. Mas, o connuo aumento da produção demandou métodos mais soscadosde valorização. Cresce o volume produzido, crescem as diculdades e a necessidade de superá-las.

Assim, o aumento do capital acumulado durante o século XIX correspondeu ao aumento da rotaçãodo mesmo, à aceleração das depreciações, ao desenvolvimento do crédito e à reparção do capital emações. Correspondeu também ao signicavo crescimento das relações comerciais internacionais, den-tro de cada um dos impérios que se constuía, e ao acirramento da compeção entre eles. Essas foramalgumas das formas encontradas pelas quais o sistema conseguiu superar as diculdades resultantes da

tendência à queda da taxa de lucro, mas nenhuma delas é deniva. A introdução de novas tecnologiasfoi mais uma dessas formas, colocada em práca a parr desta época. Ela permia elevar a extração rela-va de mais-valia a níveis muito superiores ao anterior e, por isso, interessava tanto ao capitalista. Mas,embora relavamente de longo efeito, a solução tecnológica também tem tempo de validade limitado.

É possível entender pela queda do lucro, enquanto tendência, a dinâmica intrínseca do capital;uma dinâmica contraditória e profundamente dialéca. Não estabelece o m do processo, ou quando eleocorreria, ao contrário, idenca quais são as tendências e contra-tendências que podem ser observadasna formação da riqueza. As diculdades existentes no processo de reprodução ampliada do capital sãoconseqüências da sua própria dinâmica. Existe um movimento de altos e baixos, de invesmento e de -

sinvesmento, aonde o capital vai impondo e superando as condições e os limites de sua valorização. Natentava de evitar a queda do lucro, de buscar novas saídas, é que a dinâmica do capitalismo toma forma

 – uma constante superação de contradições.

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Estudos Estratégicos - PCdoB42

As crises e os períodos de depressão, mas que uma explicação, possuem uma função. É o momentoem que a economia se reorganiza, no qual ocorre o “enxugamento” do mercado, as consolidações indus -triais e uma correção do rumo que viabiliza a volta ao crescimento, graças à superação das contradiçõesque se acumularam. Isto demanda tempo, o que explica a duração da depressão que se segue a crise; so -mente aos poucos surgem as novas formas de exploração, de produção e realização do lucro. Conguram-

-se, então, novas relações sociais correspondentes às novas formas de exploração das forças de produção.Tal fato se cristaliza em instuições, ideologias e tecnologias mais modernas, no sendo de possibilitaremum mais alto nível de exploração das forças produvas.

Em relação ao petróleo no nal do século XIX e começo do seguinte, o mais interessante da reexãosobre a crise e a depressão é que elas levam a uma modicação, não só das relações de exploração dotrabalho, mas também, de todas as demais forças produvas, incluindo os recursos naturais. Em termosortodoxos, no pensamento econômico, isto signica uma mudança na função da produção, tanto na suaforma, quanto nos recursos que são combinados. Em termos marxistas, o mesmo fato representa umaalteração do modo e da intensidade com que se exploram as forças produvas, materiais e humanas.

Signica também novas formas de submissão e novas relações econômicas entre o centro e a periferia.

Assim, um ciclo se relaciona com uma determinada combinação e ulização de recursos naturaise isto o disngue de outros ciclos. Um ciclo corresponde não só a uma cesta de recursos ulizados, mastambém à forma especíca de ulizá-los. Uma fase de prosperidade e de depressão, um ciclo completoportanto, está ligado à ascensão e à queda de um padrão tecnológico. Esta é basicamente a tese de Kon -datrie, que é retomada por Mandel e Schumpeter e permite o entendimento da ascensão da indústriado petróleo em meio à grande depressão do nal do século XIX. Permite também entender a rapidez comque ela assume o papel de umas das indústrias motoras do desenvolvimento econômico e da hegemonianorte-americana no início do século XX.

Os lucros extraordinários, a estratégia de crescimento, muitas vezes desleal, e o poder de mercadoconquistados pela Standard Oil não passaram desapercebidos aos olhos dos consumidores, dos capitalis-tas interessados pelas avidades petrolíferas em outras partes do mundo e dos governos norte-america-nos. Promulgada alguns anos antes da empresa de Rockefeller decidir, ela mesma, xar os preços de com -pra de petróleo e venda de derivados, o Sherman Act foi invocado contra a Standard, após a campanha dealguns jornais que revelou as guerras de preço, as pressões por acordos e a falta de éca que permirama construção do monopólio e escancararam o claro do poder econômico de um só homem e sua empresa.

Bem mais tarde, em 1911, a decisão do caso foi tomada pela Suprema Corte e ela determinou odesmantelamento da empresa em mais de quarenta menores. As partes e o poder de mercado das no -vas empresas não podiam mais ser comparados ao que dispunha a velha Standard, mas, algumas delasretomaram semelhante “élan”. A Exxon, que connuou a ser controlada por Rockefeller, a Mobil Oil e aChevron , foram originadas deste desmantelamento e as três, juntamente com quatro outras empresas depetróleo, formaram o cartel das “ sete irmãs” que ditará a evolução do petróleo durante toda a metadedo século XX.

Concomitante à contestação legal de seu monopólio, os lucros extraordinários proporcionados pe-las vendas dos derivados do petróleo atraíram concorrentes de peso, seja nos EEUU, seja em outras partesdo mundo. Na úlma década do século XIX, na Califórnia, a produção de petróleo deslanchou rapida-mente e inaugurou uma segunda província petrolífera no país. Ainda relavamente isolada do Nordestenorte-americano, chamou pouca atenção inicialmente da Standard, ainda mais porque o desno inicialda produção era o Extremo Oriente, através do oceano Pacíco. Contudo, em 1893, a produção já estava

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Dossiê I.5 - A questão energéca   43

perto de meio milhão de barris e, dez anos depois, alcançava 24 milhões.

A costa Oeste passou a ter importância e as condições de produção eram diferentes das encontra-das na Pensilvânia. Foi lá que surge o geólogo de petróleo, um prossional contratado pelas petroleiras daCalifórnia, dentre as quais uma se destacaria: a Union Oil, ou Unocal. Foi a maior entre as empresas de pe-tróleo que caram conhecidas como independentes, não originadas do desmembramento da Standard.

Até a I Guerra Mundial, contrariando as expectavas iniciais da “velha” empresa, a Califórnia assumiu aposição de principal produtora de petróleo do país.

Em 1901, ainda nos EEUU, desta feita, em direção ao Meio-Oeste, ao Sul do Estado do Texas, pertodo Golfo do México e da cidade de Beaumont, foi descoberto o campo de Spindletop. O poço foi abertopelo Capitão Lucas que, como o Coronel Drake, não era militar e apenas comandava empreitadas, na bus -ca de petróleo, ouro e outros minerais. Na região, as condições do solo eram diferentes e a profundidadedo poço muito maior do que na Pensilvânia.

O que conduzia Lucas era algum conhecimento em geologia, pois, ele fora atrás de domos de sal,para achar petróleo. Além disso, para perfurar, ele usou pela primeira vez uma técnica que se tornará,

nos próximos vinte anos padrão: a perfuração rotava de poços. Do poço, jorrará nada menos que 75 milbarris por dia! Quase ao mesmo tempo, diversas descobertas foram feitas nos estados de Ocklahoma eLouisiana. Teve início, então, o “boom” do Meio-Oeste e, novamente, a Standard não estava presente.

Duas empresas americanas, que se tornaram em seguida grandes petroleiras – Gulf Oil e Texas Co – apoiaram seu crescimento no desenvolvimento desses novos reservatórios. As rendas petroleiras queeles propiciavam eram importantes, em decorrência do volume de produção elevado e do esgotamentodas reservas da Pensilvânia. Com isso, uma brecha na posição monopolista da Standard estava franca -mente aberta e as duas empresas não deixaram escapar a oportunidade. As incitações à entrada de novosconcorrentes eram decorrentes de um mercado consumidor ávido por querosene, óleo combusvel, lu -

bricantes, solventes e, em muito breve, também gasolina; todos derivado de petróleo. Por seu turno, asbarreiras ao ingresso na indústria, no que dizia respeito à propriedade das ricas reservas da nova regiãoprodutora, eram sucientemente reduzidas para que a contestação econômica do poder de mercado daempresa líder se zesse de forma efeva.

Além do crescimento do consumo dos derivados, a descoberta de novas regiões também se fazia noresto do mundo. A indústria angia um grau de internacionalização bastante elevado, tanto em termosde demanda, quanto de oferta, logo nos primeiros anos do século XX. Fora dos Estados-Unidos, além dosRotchildes e dos Nobel, um terceiro grande capitalista, com base em Londres, mas, profundo conhecedordos mercados do Extremo Oriente, passou a se interessar pelos negócios com o petróleo e seus derivados:Marcus Samuel. Seu foco imediato foi a venda do querosene russo para o Extremo-Oriente, passandopelo recém inaugurado canal de Suez.

Seu primeiro navio a atravessar o canal foi o Murex, em 1892 e, logo depois, seguiram-se muitosoutros. Por volta de 1895, ele conquistara o quase monopólio da rota pelo Suez e connuava a dar nomesde conchas a seus navios. A produção de petróleo russa empatava com a norte-americana e as vendasde querosene na Ásia ganhavam importância exatamente naquele momento. Os barcos, entrepostos erelações comerciais, que Samuel construíra, davam-lhe uma posição segura frente à concorrente norte--americana, embora a dependência do petróleo dos Bálcãs não fosse das mais cômodas, em razão dainstabilidade do regime czarista. Por isso, antes do m do século, ele se pôs a explorar e produzir petróleona ilha de Bornéo.

O esgotamento percepvel das reservas mais angas nos EEUU e a alternava russa estavam longe

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Estudos Estratégicos - PCdoB44

de sasfazer as necessidades em derivados, que o século que se avizinhava demandaria. Na Ásia, os inte-resses comerciais holandeses, sob a proteção da Casa Real, fundaram a empresa Royal Dutch, para explo-rar a pequena produção de um campo em Sumatra, iniciada em 1885. À mesma época que Samuel e paraescapar de seu quase monopólio no trajeto pelo canal de Suez, a nova petroleira ulizou-se de navios --tanques e entrepostos de distribuição próprios. A Standard Oil, que inicialmente desbravara e dominavao mercado asiáco via, então, sua posição ser contestada por negociantes com custos de transportessignicavamente menores. Naquele distante mercado, essa era uma desvantagem absoluta.

Vale observar que, para conquistar sua vantagem logísca, a Royal Dutch se ulizou também de suaproximidade com o Estado holandês ao obter a exclusividade de acesso aos portos da anga Companhiadas Índias Orientais. Não era a primeira vez que o negócio do petróleo começava, além de tudo, a chamara atenção do poder políco. Nos Estados-Unidos, o desenvolvimento dos campos californianos foi inicia-do sob a proteção de pesadas taxas ao petróleo importado, que na época só poderia vir da Rússia. Embreve, com a descobertas na Costa Dourada mexicana e com a iminência da I Guerra Mundial, o petróleotornar-se-á denivamente um assunto vinculado à soberania dos estados e independência dos países.

Mas, voltando à úlma década do século XIX e à Ásia, a internacionalização da indústria petrolífe-ra, cuja vocação era evidente desde seu início, fez-se de modo extremamente rápido. Em parte, ela foiresultado do reposicionamento do grande capital europeu, que em meio à “grande depressão” e as mu -danças tecnológicas, nha reparado a oportunidade. Estava na hora destes capitais se modernizarem: deempresas criadas por pioneiros, que nham virado grandes “trusts”, transformarem-se em grupos mul-nacionais. Seguiriam os passos da própria Standard, das empresas químicas alemães e das companhiasferroviárias, ao abrirem uma nova fronteira para realização do valor.

A criação da Shell é emblemáca neste aspecto. A fusão da empresa Royal Dutch e da empresainglesa de Marcus Samuel, em 1902, colocou as bases da Shell, hoje e depois de muito, a segunda maior

empresa de petróleo do mundo. Sua especicidade foi ter sido resultado da conjugação das duas grandesempresas européias da época, cada uma delas de nacionalidade diferente e sob as bênçãos (nanceiras)de banqueiros franceses. A Shell já nasceu anglo-holandesa, fruto de um acordo entre o holandês HenriDetering (que virou o primeiro presidente da empresa), Marcus Samuel e a família Rotchild . A nova pe -troleira dispunha de uma posição privilegiada nas negociações do petróleo russo e nas vendas na Ásia; emconsequência, estava à altura para o enfrentamento com a Standard Oil.

É a busca pelos lucros extraordinários que move os capitalistas. Para contestar economicamente opoder de mercado da empresa fundada por Rockefeller e disputar parte deste ganho, foi preciso inovar.Por um lado, ocorreram, simultaneamente, a abertura de novas províncias petrolíferas e o desenvolvi -

mento de novas tecnologias de perfuração. Isso permiu o ingresso de novos atores dentro dos EstadosUnidos na produção de petróleo e seu processamento. Por outro lado, o rápido progresso no transportemarímo, com o uso dos primeiros navios especicamente desenhados para o transporte de querosene edepois de petróleo, foi críco para que a Shell se rmasse como a segunda maior no mundo.

Tão importantes quanto às mudanças a montante de uma cadeia de produção, que vai se forman -do com avidades bem disntas – exploração, produção, transporte, processamento e vendas –, são astransformações a jusante; isto é, no uso dos derivados. A realização do lucro com o aumento das vendasera um fator decisivo, considerando os grandes volumes de produção propiciados pelas reservas que es -tavam sendo descobertas sucessivamente e cando cada vez mais acessíveis, graças aos novos meios de

transporte. O problema da venda dos derivados tornou-se premente para as empresas norte-americanascom o advento da luz elétrica. Sua disseminação extremamente rápida, nos primeiros vinte anos do sé -culo passado, deslocou o querosene iluminante, que liderara o consumo nas úlmas três décadas, para

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Dossiê I.5 - A questão energéca   45

uma posição marginal.

Em teoria econômica, a vantagem de uma empresa mul-produtora, frente a uma empresa mono --produtora é clássica e denomina-se economia de “envergadura”, ou “escopo”. Ela já foi destacada ante-riormente, quando se tratou dos diversos usos dos derivados de petróleo. Pelo fato de vender mercado-rias para diferentes clientes, o produtor está protegido de rupturas das compras de um, ou outro, uma vez

que dicilmente, só em caso de crise grave, todos deixarão de comprar ao mesmo tempo. Ademais, se eleusa o mesmo insumo para produzir todas as diferentes mercadorias, o produtor se apropria de economiasde escala na compra e processamento desse insumo.

As petroleiras, que foram citadas até aqui, todas foram inicialmente atraídas pelas vendas de que-rosene e, aos poucos, foram aumentando sua produção de óleo combusvel até que, na virada do século,o óleo se tornou o mais importante derivado. As caldeiras no nal do século XIX alavancaram a industria -lização dos EEUU e formaram um importante esteio para o crescimento das petroleiras. As empresas ven-diam também lubricantes, solventes, paranas, que nham demanda garanda e crescente, mas cujasvendas, frente aos principais produtos, querosene e óleo, restavam residuais.

Nas primeiras duas décadas do século vinte, um novo movimento pode ser observado na composi-ção da demanda de derivados de petróleo. De fato, foram duas modicações decorrentes de inovaçõescom um caráter fortemente “estruturante” e que foram colocadas no mercado a parr de 1900: os naviosabastecidos a óleo combusvel e o automóvel abastecido com gasolina. Proprietários de navios e carrosse tornaram grandes clientes das petroleiras. Nos EEUU e na Europa, a “era do querosene” foi deniva-mente esquecida, os consumidores urbanos, em casa e nas lojas, nham a eletricidade para abastecersuas necessidades. As petroleiras foram pouco afetadas, porque passaram a vender para outros, novos evelhos produtos. O óleo dos navios de guerra, que a marinha inglesa passou a usar, sob ordem de Chur-chill, então Almirante da Armada, fez a diferença na I Guerra Mundial. Contudo, não era muito diferente

do óleo queimado nas caldeiras industriais.

Foi a gasolina que, sem dúvida, alavancou as vendas das petroleiras e inaugurou o século XX comoo conhecemos. Foi o combusvel que, combinado com o motor de ciclo Oo, tornou realidade o automó-vel. A dimensão da mudança pode ser traduzida pelo seu impacto. Em torno do carro e da gasolina cresce-ram os maiores grupos econômicos do século passado, o capitalismo encontrou espaço para ampliar suareprodução sob dimensões planetárias e para reformular completamente as relações sociais nas cidades.A conquista deniva da mobilidade moderna foi coroada, já na segunda década do século XX, com a in-venção do avião. As bases materiais, sob a qual se realizava a produção capitalista, foram completamentereformuladas e isso explica uma prosperidade instável retratada pela Belle Époque, que se interrompe

com a I Guerra Mundial e, na década seguinte, com a grande crise de 29, mas que transformou o mundo.

Dicil dizer se Carl Benz, em 1886, quando pôs em funcionamento seu triciclo, poderia imaginaras mudanças que sua invenção geraria. Em 1894, um concurso automobilísco, que confrontava os enge-nhos dos inventores desta primeira fase, dava uma idéia do estágio dos avanços técnicos. Os automóveisainda eram muito rudimentares. O primeiro, a percorrer o trajeto entre Paris e Rouen, foi uma camionetea vapor construída por Albert Dion. Ela percorrera 112 quilômetros. A velocidade média foi de 21 quilô-metros por hora, apenas quatro quilômetros por hora mais rápido que um bom ciclista. A interconexãodos setores produvos e das inovações ca evidente quando se observa que, André Michelin, outro pio -neiro da época com a indústria de pneus (para bicicletas), ao fazer a prova, reconheceu o potencial revo-

lucionário da invenção, desde que os carros fossem “calçados” com pneus.

Em 1900, o automóvel ainda era peça de inventores e colecionadores de engenhos mecânicos mui-

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Estudos Estratégicos - PCdoB46

to ricos. Na França, onde ocorreu a primeira corrida de carros, descrita acima, o número de registros nãochegava a 3.000 veículos. Nos EEUU, que rapidamente se tornaram o principal mercado automobilísco (ede gasolina), exisa um número maior de veículos, aproximadamente 8.000; mas, ainda era um númerodesprezível. Faltava que o preço de venda caísse, que a abilidade melhorasse e que exisssem serviçosde apoio para seu uso e manutenção; desde estradas a postos de gasolina. E, nos postos, era preciso quese trocasse pneu furado, que fosse reposta a graxa e o óleo lubricante, além de café e água, para o clienteesperar por tudo isso.

Quanto à questão da fabricação e seu custo, a solução foi trazida por Henri Ford. Ele concebeu seuprimeiro automóvel em 1901 e, nas duas décadas seguintes, ele fez fortuna e revolucionou a produçãoindustrial. Sua vantagem frente a todos os outros concorrentes era seu custo de produção, que caiu ver-ginosamente logo nos primeiros anos de produção de seu carro. Quanto às vendas de combusvel parao novo veículo, o primeiro posto com a concepção atual, segundo Yergin (p.205, br), data de 1907, emSt Louis, e já nesta época, a manutenção de um carro podia ser comparada a de um cavalo. A vantagemé que você dispunha de um automóvel com dez, vinte, ou mais cavalos de potência e movido a gasolina.O carro concebido por Ford, em 1901, nha 26 cavalos. Em 1908, o pioneiro do automobilismo norte -

-americano introduzia o Ford “T” e a as linhas de produção em massa. O preço inicial de quase mil dólaresnão era absurdo e, com o aumento da produção cairia rapidamente, chegando a menos de 500 dólaresem 1916.

À revolução no processo fabril, seguiu-se a revolução urbana e nos transportes que a expansão rápi-da do automóvel acarretou. À época da introdução da inovação, o processo de adequação inicial entre omercado e o produto foi relavamente curto, se for considerada toda a infra-estrutura de apoio, que tevede ser montada ao mesmo tempo em que as vendas dos automóveis começavam. Na primeira décadado século XX, foram vendidos mais de 800.000 veículos. Em 1914, no início da I Guerra Mundial, Ford jávendia por ano 200.000 de seu modelo. Os EEUU dispunham de mais de três quartos de todos os veícu-

los do mundo. No nal da década, metade dos automóveis norte-americanos era fabricada pela Ford e aempresa dispunha de uma frente de vendas, representações e ocinas, que atendia às novas demandasdos proprietários de seus carros.

O crescimento das vendas de automóveis, nos Estados-Unidos, entra em aceleração a parr de1910. Antes da I Guerra, em 1916, já estavam circulando mais de três milhões veículos. No nal da décadade 1920, o armiscio e a frágil paz, que se segue, escondiam a tensão protecionista crescente e a batalhade impérios declinantes. Enquanto isso, nos EEUU, longe do Velho Mundo, petroleiras e montadoras decarros construíam as bases de uma hegemonia que já se fazia evidente. Em nais da década de 1920, àsportas da grande crise da bolsa de Nova Iorque, circulavam mais de 23 milhões de automóveis no país .

Do lado do apoio, milhares de estações de serviços começaram a vender gasolina e lubricantes, que sedisnguiam pela marca de origem.

A indústria do petróleo não deixou de ser palco de grandes empresas, embora o monopólio daStandard Oil vesse sido contestado por todos os lados e tenha ocorrido uma abertura do mercado. Atendência à concentração imposta pelas economias de escala e escopo, é agora ampliada, na medida emque, cada vez mais, a presença em postos de vendas, o contato direto com o consumidor nal e a garanada qualidade do produto vendido passavam a ser requisitos para a venda do novo combusvel. As empre-sas petrolíferas, para connuarem a ampliar seu capital, veram de estender seus invesmentos do poçodo petróleo à bomba de gasolina. A coordenação da cadeia produva reduz custos de transação e traz

ganhos derivados da integração das avidades, nos termos de R. Coase. Novamente é a grande empre-sa, desta feita, vercalizada, que se apropria de uma vantagem no custo frente àquelas que não tenhamtamanho para fazê-lo. Surgia também a publicidade, como estratégia críca para o sucesso das vendas.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   47

Foi o crescimento quase exponencial do consumo e a abertura de novas províncias que permiramcontestar o monopólio anterior. No mundo e nos EEUU, contudo, as rmas criadas no nal do século XIXe no começo do seguinte, rapidamente angiram um tamanho críco em seus mercados doméscos e,logo, parram para a conquista do mercado internacional. Neste cenário, como foi visto, somente as gran-des empresas podiam atuar. A guerra de preços pela conquista de novos mercados consumidores e a que-

da dos custos com o início de produção de novos reservatórios, localizados no México a parr de 1910,na Venezuela e no Oriente Médio na década seguinte, tornavam o ambiente internacional impróprio paraquem não vesse alguma vantagem de custo e mercados para escoar a produção.

O ano de 1928 marca a reversão do movimento de contestação do monopólio e o reinício de umnovo período de acordos entre as empresas na indústria do petróleo. As barreiras à entrada foram re-forçadas, parcularmente quanto ao acesso às novas jazidas, de forma a garanr as rendas minerais (ouricardianas) das empresas criadas no início do século. O acordo da Linha Vermelha foi assinado entre aStandard Oil, Mobil OIl, Anglo-Persian (futura BP), Shell e CFP (futura Total) e era um conluio para exploraras reservas do Próximo-Oriente. A geopolíca internacional e os negócios do petróleo já se encontravam

completamente interligados e as estratégias das grandes mulnacionais do petróleo passam a se confun-dir com os interesses de cada grande país. Ambos estavam à busca das rendas que eram antes apropria -das pelos angos impérios, que denhavam.

Outro acordo, antes da eclosão da II Guerra Mundial, o acordo de Achnacary reuniu, de início, astrês maiores petroleiras à época (Standard Oil, Anglo Persian e Shell). A elas, pouco mais tarde, reuniram--se mais quatro grandes petroleiras (Mobil, Socal, Texaco e Gulf Oil), para secretamente regularem o preçoe a produção em escala mundial. Eles estabeleceram um sistema de xação de preço que cou conhecidocomo “gulf plus”, de maneira que as rendas provenientes das jazidas do Oriente Médio e do Lago de Mara-caibo, na Venezuela, não fossem corroídas pela queda do preço. O preço xado era aquele que permia a

depreciação dos invesmentos na exploração e produção no Golfo do México norte-americano. Esta nhapassado a ser a maior região produtora, muito próxima à maior região consumidora. Porém, seus custosde produção eram sensivelmente superiores às novas regiões produtoras.

Estando os preços do petróleo xados segundo os custos mais elevados, o resultado era que osmovimentos de queda de preços e eliminação dos pequenos produtores não se realizavam. As grandesmulnacionais asseguravam a sobrevida dos produtores marginais e seus próprios lucros extraordinários,ao mesmo tempo em que impediam a entrada nas regiões produtoras mais lucravas. O conluio entre asmulnacionais do petróleo foi bastante efevo. Até o início da década de 1950, eles impediram a reper-cussão da redução dos custos e garanram o controle da produção de maneira a coordenar o crescimento

da oferta do cartel, sem permir a massiva entrada de novos concorrentes. Contudo, não era somenteo grande capital que se reposicionava para garanr seus ganhos. Ficara claro, também, para os grandesestados, no limiar da eclosão da II Guerra Mundial, que o domínio das reservas de petróleo e o abasteci-mento dos combusveis eram elementos vitais para uma vitória militar.

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Estudos Estratégicos - PCdoB48

1) A va ceae e peóle e epea a ceaçã

A primeira metade do século XX foi uma era de progressos, recuos e, sobretudo, mudanças. Nosseus primeiros trinta anos, o uso do petróleo se acelerou, a eletricidade rapidamente ganhou espaço e atendência, visível desde a década de 1910, era a gradual perda de importância do carvão. Com a mudançada base energéca, os ganhos da produvidade do trabalho e o grau de monopólio angido nas novas

indústrias intensivas em capital permiram a apropriação connua de lucros extraordinários, embora ospreços tendessem à queda até um pouco antes da eclosão da grande guerra. Depois do conito, o movi -mento se inverte e a inação galopante não deixa dúvidas quanto às cada vez mais diceis condições paraa reprodução ampliada do capital monopolista.

É verdade que foram asseguradas algumas vitórias importantes para a sociedade, embora as ins-tuições republicanas, as eleições e a democracia ainda lutassem para se rmarem. As famílias forambeneciadas com a redução do seu custo de reprodução, que foi proporcionada pela mudança de preçosrelavos e na qual as novas energias (petróleo e eletricidade) veram papel fundamental, como será vistoadiante. A conscienzação de que os frutos do crescimento podiam ser melhores divididos foi crescendo,

na medida em que ocorria a consolidação do movimento sindical. Da greve geral à redução da carga se -manal de trabalho, o processo foi lento e repleto de idas e vindas, mas, a mudança nas relações sociais ena políca foi profunda.

O crescimento ocorreu em meio ao aguçamento das contradições. Foi a “era dos extremos”, que aprimeira guerra mundial inaugurou, segundo Eric Hobsbawm. Encerrava-se a “era dos impérios”. A marémontante do capital monopolista foi relavamente curta, de 1895 a 1913, e se concluiu com três décadastrágicas: a maior crise do capitalismo, iniciada em 1929, entremeada por duas grandes guerras. Em 1945,sobrou muito pouco do imperialismo britânico, germânico, japonês, russo e francês e as respecvas na-ções se viram submedas a uma nova ordem internacional.

Ela era bipolar e a hegemonia passou a ser disputada entre as nações que se saíram vitoriosas: aURSS e os EEUU. Não por acaso, será visto, ambas, estavam ancoradas nas novas fontes de energia - o óleoe o gás natural. A falência do imperialismo e a crise deniva do capital monopolista, como se pode supor,custaram muito caro. Foi um processo que perdurou por grande parte da primeira metade do século XXe, no nal, não trouxe melhor solução que o capitalismo de estado, seja soviéco, seja keynesiano. Alémdisso, a solução foi ancorada no petróleo.

O petróleo assumiu rapidamente um papel preponderante. Depois do capital, foram as forças arma -das, que mais rápido reconheceram a importância estratégica do fornecimento de petróleo e seus deriva -dos. O acirramento das rivalidades internacionais, a apropriação das rendas extraordinárias propiciadas

pela produção, processamento e venda dos seus derivados e o ganho em mobilidade militar, que cavaevidente já no nal da primeira década do século XX, aproximaram os interesses de polícos, militarese capitalistas. Um consenso se estabeleceu sobre a estreita relação entre o acesso ao petróleo e a seus

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Dossiê I.5 - A questão energéca   49

derivados e a soberania dos países; em termos polícos, econômicos e militares.

O interessante é que não foi apenas nos países centrais, que este reconhecimento se fez. Tambémem países periféricos, tão díspares quanto a Bolívia e a Pérsia, ou a Argenna e a Rússia czarista, em tornoda propriedade do petróleo, na luta pela apropriação de seus excedentes e com o objevo de construiruma indústria local surgiram movimentos de emancipação. Eles reagiam à ampliação da hegemonia es -

tabelecida e ao poder econômico dos grupos mulnacionais do petróleo. O petróleo talvez seja o maiorícone do levante nacionalista contra o poder do capital monopolista e a expansão do imperialismo.

Se não foi o maior ícone, foi sempre um dos instrumentos privilegiados pelos insurgentes na perife-ria do sistema. “O petróleo é nosso” foi uma expressão brasileira, para um senmento que ganhou corpo

 justamente nas décadas entre as duas guerras, em muitos países que iniciavam então a produção de O &G. De qualquer forma, o petróleo foi a bandeira nacionalista que por mais tempo perdurou, estando aindapresente - sem sua garana de acesso, não há real independência para um país, em pleno século XXI.

Aquele foi o momento em que o grande capital petrolífero iniciou sua expansão internacional, àsombra do expansionismo políco e militar dos países ricos. Estava à busca de fontes supridoras e mer -cados consumidores e o fazia a expensas do desmantelamento da Standard Oil (que, apesar de tudo, nãoperdera tanto poder nos EEUU e connuara sua ampliação internacional em direção em parcular à ex-ploração e produção na América Lana). Na esteira da inglesa Anglo-Persian e da anglo-holandesa Shell,empresas de alemães, russas e francesas foram criadas e os postos de gasolina se espalharam pelas gran-des cidades européias a parr da década de 1920. Repea-se a penetração do automóvel que ocorrerauma década antes nos EEUU.

A parr meados da década de 1920 e, parcularmente, a parr da década de 1930, não havia maisdúvida sobre a importância da indústria automobilísca e do petróleo para o desenvolvimento dos países.A arculação em torno das montadoras de veículos automotores e das petroleiras envolvia uma série deoutras indústrias fornecedoras de insumos e equipamentos e, todas juntas geravam novos empregos eoportunidades de invesmentos. Tão díspares quanto podiam ser, os dois maiores líderes das duas naçõesmais ricas de então, Roosevelt e Hitler, não nham dúvidas do que signicavam as rodovias para a econo-mia de seus respecvos países. Em meio ao prolongado reexo da crise de 29, a construção de centenasde quilômetros de rodovias simbolizava o futuro, a retomada do crescimento, doravante, rmementeapoiado no estado, nos carros e no petróleo.

A propagação das transformações na América do Norte e na Europa, entre o nal do século XIX eo início do século passado, ganhou velocidade com a revolução que produziu a eletricidade. O cabo tele-gráco e, em breve, o telefone, encurtaram o caminho da informação. Não eram somente as empresasque se postavam como receptoras. A imprensa e, por ela, seus leitores eram informados das mudanças.A natureza estrutural da transformação e a dimensão internacional podem ser observadas, por exemplo,na França. Após a Alemanha e a Inglaterra, tratava-se da grande potência econômica e militar européiaque, geogracamente central, era impactada por todas as suas fronteiras pelas movimentações polícasde uma Europa em ebulição social e tendo Paris, como a capital mais cosmopolita e representava dacultura então vigente.

A evolução de alguns preços, entre 1865 e 1924, na economia francesa é de extrema valia para visu-alizar o movimento cíclico da economia e as diculdades para a superação da crise, embora as mudançastecnológicas fossem profundas. É o perfeito retrato da transformação das bases econômicas, num paíscentral. Fique claro que, somente pelos dados franceses, não se pretende demonstrar, aqui, a validadedos ciclos de preço de Juglar, ou dos ciclos longos de Kondatrie. O objevo é diverso e de bem menor

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Estudos Estratégicos - PCdoB50

porte: apenas evidenciar a profundidade e a velocidade das mudanças.

Para tanto, basta acompanhar o movimento de preços relavos por categoria de produto. O consu-mo pode ser segmentado em três categorias: as diversas fontes da energia então disponíveis, os produtosda indústria metalúrgica e química, que se encontravam em pleno “boom” e eram desnados a outrosconsumidores industriais, e algumas mercadorias industrializadas de cunho mais tradicional, desnadas

aos consumidores nais. É isso, os preços de uma cesta diversicada de mercadorias, que a tabela e ográco seguintes apresentam.

De imediato, é indiscuvel a existência de um movimento de queda de preços, que se inicia em1865, angiu seu ponto mais baixo no nal do século XIX e que, por volta da metade da primeira décadado século passado, reverteu-se claramente. Dentre todos os setores industriais selecionados, apenas doiscomeçam a série com índices de preço menores que o período-base: 1905-1913 e, comparado ao períodoanterior, todos estão em queda. O nal do século XIX foi marcado, assim, pela forte deação.

A prolongada baixa de preço expressava a connua ampliação da capacidade de produção, apoiadano aproveitamento das economias de escala, escopo e nos transportes. O processo de industrializaçãonha prosseguimento em alguns países candidatos ao status do império britânico. Saindo da grande de-pressão do nal do século XIX, a economia francesa (e mundial) passou a ser impulsionada por novossetores produvos. Entre 1865 e 1913, a ampliação da capacidade de produção foi signicava nas indús-trias motrizes: foram mulplicadas por três, a produção e a transformação dos metais e a produção dequímicos franceses1. Com a oferta crescente de mercadorias e a tendência à superprodução, a busca pornovos mercados, foi a primeira condição preenchida para manter a ampliação do capital.

Após a primeira grande guerra, a disputa pelo excedente econômico assume novas formas e a eleva-ção dos preços, uma dentre elas, alcançou todos os setores sem exceção e assumiu termos excepcionais.Pode-se observar que correu uma aceleração entre o período anterior à guerra e o imediatamente poste-rior. Depois da Primeira Guerra, à exceção de dois setores selecionados, em todos os demais, os preços aomenos quadruplicaram em apenas quatro anos. O preço dos produtos químicos, aquele que mais cresceu,foi mulplicado por sete. O comportamento dos preços indicava uma espiral inacionária em formação eos limites bastante estreitos do crescimento que se vericava. Estes limites foram denivamente impos-tos em 1929.

1 - Segundo os dados originais sobre crescimento da produção industrial francesa publicados por Markovich e extraídos de Garrigou-Lagrange ePenouil (a mesma fonte dos índices de preço).

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Dossiê I.5 - A questão energéca   51

 

Fonte: Markovitch, L’industrie française de 1789 à 1964, Cahiers de l’I.S.E.A., no 173, Annexes stas -sique. Extraído de André Garridou-Lagrange e Marc Penouil. Historie des faits économique de l´époquecontemporaine Paris: Dalloz, 2éme édion, 1986

 

Até então, estava ocorrendo o úlmo sopro do capital monopolista, que inava uma bolha de cres -cimento frágil, que o aproximava de seu ponto nal, mas, à custa dos consumidores, dos trabalhadorese dos desempregados. A elevação geral dos preços foi a expressão da crescente luta pela reparção darenda gerada pela produção. Entre patrões e empregados, o enfrentamento pela parlha, não se resumiamais à simples melhoria das remunerações e das condições de trabalho. A espiral inacionária era o re-sultado da falta de solução para a ampliação do capital na esfera produva e revelava o elevado grau demonopólio angido. Ainda em termos econômicos, por ser uma transferência forçada de renda dos po-bres para os ricos2, a inação galopante alimentava a radicalização das lutas polícas, nas quais o petróleoseria rapidamente envolvido.

Por traz da tendência geral dos preços revelam-se as mudanças em curso na formação da rique-za. A disparidade de comportamento entre os setores industriais selecionados é fácil de ser constatada.Enquanto o preço dos combusveis sólidos (lenha e carvão mineral) custa a descer ao longo do nal doséculo XIX, no período seguinte, de crescimento, ele sobe muito rápido. Ele é o segundo que mais cresce.Os preços da eletricidade (recém introduzida) e do petróleo (importado pela França de suas colônias e daRússia) têm comportamentos próprios. Quedas acentuadas em ambos e, no petróleo, uma subida poste-rior que é a menor de todas as indústrias selecionadas, enquanto a eletricidade connuou sua queda depreços, diferentemente de todos os demais.

Por seu turno, os setores produtores de insumos e bens de produção (representados pelas indús-trias metalúrgicas e químicas), apresentam um comportamento de preço bastante acentuado. Experi -

2 - A inação é uma corrida de preços, na qual quem ganha é quem primeiro os reajusta. Assim, ocorre uma transferência de renda forçada dosassalariados para os patrões, daqueles que não dispõem de poder de mercado, para aqueles que o possuem e do setor produvo para o setor nanceiro.

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Estudos Estratégicos - PCdoB52

mentaram uma grande queda no primeiro período e, já após 1905, foram aqueles que mais veram altanos preços. Quanto às indústrias tradicionais, cabe constatar que as oscilações foram menores, mas aqueda é connua em todos eles (à exceção do tabaco) até o início do século passado, quando os preçospassaram a subir, mas, no nal, vale notar, eles se encontram em patamares menores do que os demais.

A disparidade do comportamento de preço dos setores selecionados revela a mudança dos termos

de troca entre os setores produvos. A queda dos preços, tanto nos insumos e bens de produção, quantono petróleo, foi prolongada e acentuada e se explicou pelos ganhos de escala, escopo e transporte obdosnaquelas indústrias que impulsionavam a transformação da economia francesa e também mundial. Noinício do século passado, embora o ambiente inacionário esvesse se armando, a introdução da eletri-cidade e a connua expansão do uso do petróleo foram feitas, todas as duas, com preços decrescentesem comparação aos preços dos demais setores. Na produção das novas fontes de energia, a expansão daoferta não parecia encontrar limites a não ser atrair mais um novo consumidor de mercadorias cujo preço(relavo) não cessava de cair.

A redução dos custos de produção perdurou por todo o nal do século XIX e se fez como resulta -

do da redução dos preços relavos do petróleo, da indústria de metalúrgica e química. Como principaiselos intermediários das avidades produvas, seus ganhos se repercuam evidentemente em todos ossetores econômicos. A velocidade com que o uso dos derivados do petróleo se propagou é, em boa par-te, explicada pelo comportamento disnto entre seu preço e o preço dos concorrentes: os combusveissólidos, como pode ser visto pelos dados da tabela e gráco anteriores.

No início do século passado, enquanto o preço do petróleo nha caído pela metade, os preçosdos combusveis sólidos não nham perdido que menos de 15 % do nível preço existente em 1865. Naretomada da elevação dos preços, as diferenças nas condições de produção (custos crescentes para ume decrescente para o outro) caram ainda mais evidentes. Entre 1904 e 1924, o preço do petróleo é mul-

plicado por dois e pouco, enquanto os preços dos combusveis sólidos foram mulplicados por mais decinco. Considere ainda o poder calorífeco por metro cúbico, a facilidade do transporte e o rendimento emprodutos derivados dos novos processos. Nestas condições, o aumento da oferta e a acentuada quedade preço relavo do petróleo lhe asseguravam uma posição de destaque no século que se inaugurava: aliderança energéca.

A mudança dos termos de troca entre os setores produvos favoreceu os consumidores e as famíliaspor um longo período que acabou interrompido antes da Primeira Guerra. A massicação das vendas, adifusão do método fordista de produção, a organização racional do chão de fábrica nham como objevoaumentar a produvidade do trabalho e reduzir o custo de produção por unidade. A produção industrial

de alimentos, de materiais de construção e de têxteis, em plena expansão, fez-se a custos e preços de-crescentes, como se verica pelos dados da tabela anterior. A redução destes custos se somou, a parrde 1900, à redução dos custos energécos com a introdução da eletricidade e dos derivados de petróleo.Um papel parcular teve as vendas dos motores para geração de eletricidade (que queimam derivados depetróleo) e sinalizavam a sinergia entre as duas indústrias. As geladeiras, se não funcionavam a eletricida-de, funcionavam a querosene.

A parr de meados da primeira década do século XX, as condições para a reprodução do capitalmonopolista se deterioram. O acirramento da luta de classes foi o primeiro sinal. A consciência do grau deextração da mais-valia alcançou à massa operária em franco crescimento no início do século passado. O

custo de vida cada vez mais caro, nos vinte anos entre 1904 e 1924 (só o preço dos alimentos industriali-zados franceses foi mulplicado por cinco), acentuou as disparidades sociais. Some-se ainda a persistentedegradação das condições de trabalho e têm-se os ingredientes que alimentaram a radicalização na dis-

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puta pelo excedente econômico.

Durante as três úlmas décadas do século XIX foram poucos os desaos à ordem estabelecida peloimperialismo. A Comuna de Paris mostrara que era possível mudar, mas, a mudança exigia muito maiorsustentação econômica. Regulamentada pelos insurgidos, em 1871, a proibição do trabalho noturno e, aparr dela, a redução da jornada de trabalho transformaram-se numa das bandeiras da luta entre patrões

e operários. Contudo, a lendão do progresso das relações sociais era notável. Depois da Comuna, a ex-ploração, a qualquer hora, do trabalho infanl só foi regulamentada em 1874 e a criança nha de ter maisde 10 anos. A idade mínima de 12 anos só foi xada em 1892.

Em 1871, na Inglaterra, a principal potência econômica do mundo, a situação dos trabalhadorestambém progredia de forma vagarosa. No setor metalúrgico, onde a mobilização dos operários era ele -vada, a cargo horária de trabalho semanal foi reduzida de 60 para 50 horas em 1871, mas, era comum asemana de trabalho com 70 e até 80 horas em todos os outros setores. Composta de cinco dias e meiode trabalho, a semana “inglesa” foi instuída muito mais tarde, em 1890. A conquista do direito à grevetambém foi lenta: só em 1875 a Inglaterra descriminaliza a greve e, na França, somente em 1884, foi pos -

to m à proibição dos trabalhadores se reunirem. A construção da greve geral teve de esperar a úlmadécada do século XIX e o início do seguinte para se rmar como instrumento maior da luta pelo trabalho.

Foi na periferia do sistema que os sinais de contestação se vericaram e o valor estratégico do óleofoi demonstrado pelos trabalhadores da própria indústria. Nos primeiros anos do século XX, na segundamaior região produtora de petróleo, em Baku, que estava sob o domínio do Império czarista, o movimen -to operário ulizou-se da greve no setor petrolífero para paralisar a economia russa pela primeira vez. Opoder de barganha dos trabalhadores do setor estava evidenciado. O líder das manifestações reivindicató-rias cará internacionalmente conhecido posteriormente: era Joseph Stalin. Os protestos e greves foramretrucados com violência policial e massacres e os enfrentamentos eclodem na Revolução de 1905. Eles

preparavam o terreno para a Revolução bolchevique, pouco mais de uma década depois.

Não só na Rússia czarista, à época, o movimento sindical ganhou dimensão e corpo suciente parair além de reivindicações trabalhistas clássicas. A parr de sua mobilização crescente, de paralisaçõeslocais que podiam se tornar rapidamente nacionais, os trabalhadores dos setores mais industrializadospassaram a disputar os ganhos tecnológicos e econômicos que se vericavam. A organização sindicalevoluiu então da defesa do seguro acidente e do seguro aposentadoria para o próprio nanciamento domovimento, em dimensões muitas vezes internacionais e quase sempre nacionais. A evolução do movi-mento desembocou na formação do Pardo Trabalhista inglês logo no início do século XX e, nas décadasseguintes, do Pardo Socialista do Operariado Espanhol e do Pardo Comunista Francês. Com a inação,

o militarismo e a tentava do capital de manter seus lucros de monopolista, as condições objevas parao acirramento do conito social e políco estavam postas e, como será visto adiante, o petróleo se faráainda mais presente, à medida em que se arma um conito militar de proporções inimagináveis.

2) o peóle, levae acala e a êca a pefea

O valor estratégico das avidades petrolíferas não foi reconhecido apenas pelos revolucionários rus-sos logo no início do século XX. Os generais, almirantes e ditadores de todas as partes do mundo tambémse revelaram interessados de primeira hora. A marinha inglesa foi converda ao uso de óleo combusvel

por Wiston Churchil na preparação para Primeira Guerra e, em seguida, a Anglo-Persian passou a ser umaempresa controlada pelo governo britânico, ela foi parcialmente estazada.

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Estudos Estratégicos - PCdoB54

O futuro Primeiro-Ministro e, então, Ministro da Guerra, nunca nha conado na garana de abas-tecimento que proporcionava a Shell, uma empresa anglo-holandesa e, portanto, próxima do Kaiser. Maistarde, durante a década de 1930, ao comprar dos soviécos a rede de revenda registrada como BrishPetroleum, a empresa assumiu sua imagem até hoje: BP, a terceira maior petroleira do mundo. A parr de1913 e até sua privazação, na década de 1980, a BP representou como poucas o capitalismo de estadono setor petrolífero. Foi instrumento militar, ao assegurar o abastecimento de guerra e foi veículo de ex -ploração econômica de reservas localizadas a milhares de milhas de Londres.

Na América Lana, uma região tão periférica quanto os Bálcãs, também muito rapidamente ocorreua contestação do poder de monopólio da grande mulnacional petrolífera. As descobertas se mulpli-caram durante as duas primeiras décadas do século XX. Em 1920, o México e a Venezuela despontavamcomo grandes produtores e na Colômbia, Peru, Bolívia e Argenna as diversas descobertas de petróleosugeriam promissores desenvolvimentos. A América do Sul, mais que a América Central, ganhou relevân -cia a parr do nal da Primeira Guerra. A Standard Oil estava especialmente interessada em impedir aentrada massiva em seu próprio “quintal” da concorrência européia e em parcular da Shell.

Esta assumira um papel preponderante no desenvolvimento das jazidas da “Faja de Oro” no México, juntamente com outros capitais britânicos. Em 1922, a descoberta de petróleo no Lago Maracaibo nhasido um duro golpe da Shell contra a sua rival. Rapidamente, a Venezuela desbancou a Rússia e o próprioMéxico e se alçou como segundo maior produtor de petróleo, apenas atrás dos EEUU, onde no Texas,as reservas recentemente descobertas estavam sendo desenvolvidas pelas operadoras independentes.Como resultado das descobertas na América do Sul e colocando em execução uma estratégia claramentedefensiva, a Standard passou a prestar mais atenção à região. Entre 1919 e 1929, a parcipação do sub--connente nos invesmentos norte-americanos no exterior desnados à exploração de petróleo sim-plesmente dobraram, saltando de 17 para 34% segundo Moniz Bandeira (p. 179).

Na Argenna, uma importante descoberta de óleo fora feita, por acidente, em 1907, em Comenda-dor Rivadavia. A produção inicial era de mais de 12 toneladas por dia e o Presdente Figueroa Alcorta, emacordo com a tradição jurídica espanhola e com a Lei das Terras Públicas (de 1903), fez do estado argen -no o proprietário das reservas. Além disso, toda a concessão privada de terras no entorno foi proibida.Antes da Primeira Guerra, sob o Presidente Roque Saens Pena (1910-1914), as restrições à atuação de ca-pitais privados no setor foram ainda mais acentuadas. O que estava concedido e não nha sido exploradofoi desapropriado. Após guerra, o aprofundamento do movimento de nacionalização não deixava dúvidascom a criação da Direción General de Explotaón de Petroleo Comodoro Rivadavia. Em 1919, a produçãoestatal argenna angiu cerca de 188 mil m3 de bruto.

As fontes do nacionalismo argenno eram muitas. Como em outras partes de todo o connente, aoSul dos EEUU, a Standard Oil nha sido a pioneira e se apoderado das vantagens daquele que primeirochega ao mercado. Ela mannha o quase monopólio ou, ao menos, a liderança nos grandes países daregião. A Argenna era, de longe, o mais importante mercado aos olhos da empresa. O capital nacional -nha tradição na avidade, a primeira petroleira argenna, a Compania Mendocina de Petroleo, nha sidocriada em 1886 e chegou a explorar duas dezenas de poços da jazida de Cacheuta. Fora os indícios de pe-tróleo, na Patagônia, a velha Standard nha interesse especial pelo consumidor argenno e, em especial,o portenho. Nas úlmas décadas, o crescimento acelerou em decorrência dos rendimentos agrícolas epecuários que propiciavam a terra férl, a mecanização da agricultura e a industrialização dos alimentos.

Assim, a oligarquia local se apropriava de parte dos ganhos e o aumento do consumo interno acom -panhava o enriquecimento das elites. Em 1929, às portas da maior crise econômica mundial, em razãoda expansão da frota de veículos vericada na úlma década, o país ultrapassava a França como o maior

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Dossiê I.5 - A questão energéca   55

importador de gasolina no mundo. Seu volume de compras no exterior, nesta época, era simplesmente odobro do brasileiro. Neste mercado promissor, o mais importante abaixo da linha do Equador, a parr docontrole acionário da West Oil Co. (WICO), a Standard vendia quatro quintos da gasolina que abasteciatodo o país e controlava a integralidade das vendas na capital, Buenos Aires.

A Primeira Guerra Mundial, como já foi mencionado, inaugurou uma era de extremos. Com as eco-

nomias centrais concentradas no esforço bélico, na periferia do sistema de produção mundial, o súbitoabandono explicitou as amarras internacionais e as oportunidades regionais. A escassez do carvão britâni-co e dos ferlizantes alemãs decorrente da Primeira Guerra sublinhou o grau de dependência externa dopaís de um país em pleno “boom”. Incomodou uma elite que ganhou com a industrialização da agriculturacomo poucas e que teve de enfrentar grave crise e a súbita queda de seus rendimentos por falta de com -busveis e ferlizantes. Esses eventos ainda estavam em curso, quando a Direción General de Petroleo,antes citada, foi criada.

O nacionalismo da Union Civica Radical se expressou no governo seguinte de maneira ainda maisforte, naquele que cou guardado como um ato histórico. Tendo na memória o passado recente, em

1922, na Presidência de Figueroa Alcota, a falta de combusvel para aviação militar, não fornecido pelaStandard Oil, foi o estopim para a criação da Yacimentos Petroliferos y Fiscales, ou YPF, a mais anga es -tatal petroleira da História; era a Direción remodelada. Já em 1925, a empresa colocou em operação suaprimeira renaria na cidade de La Plata. Embora sem seguir a alternava soviéca, a Argenna tornava --se a pioneira do movimento de subversão da ordem internacional estabelecida pelos grandes cartéis epotências estrangeiras.

Sob a liderança de um militar, o General Henrique Mosconi, e o apoio decidido do governo argen -no, a YPF ganhou musculatura para comper com as mulnacionais e com as empresas de capital nacio-nal, que já estavam instaladas. No nal da década de 1920, a estatal já assumira a liderança nas vendas de

gasolina, com uma parcipação no mercado que correspondia à quase o dobro das vendas realizadas porsuas concorrentes estrangeiras. Um acordo de compra de combusvel da Iuyamtorg, empresa soviéca, apreços menores que o encontrado no mercado internacional, servia para reforçar sua posição no mercadodomésco e aumentar o temor de maior nacionalização do setor.

O “boom” durante a primeira metade da década de 1920, com a retomada da produção industrial,como a que foi observada na França, repeu-se na Europa, nos EEUU e nas periferias mais ricas. Nestecontexto de forte expansão, a abertura de novas províncias produtoras e a busca por novos consumidoresde gasolina e óleo combusvel resumiam os objevos estratégicos das mulnacionais do petróleo. Nadenição de J.S.Bain, elas dispunham de um incontestável poder de mercado; isto é, a capacidade de se

apropriar de lucros extraordinários por longo prazo - na verdade, por décadas.

As fontes deste lucro acima do normal já foram aqui revisadas: ganhos de escala, escopo, economiasno transporte e provenientes das rendas ricardianas daqueles proprietários das melhores e maiores re-servas e que, acima de tudo, controlavam os preços. Foi contra este poder de mercado que o Estado e ocapital local se insurgem, ao reclamarem por uma maior parte na divisão da receita gerada pela produçãode petróleo e derivados. A solução da disputa durará décadas e se fará sob diversos “fronts”.

Importa aqui colocar que, além de disporem de “poder de mercado”, que lhe concedia o grau demonopólio a que chegaram, as mulnacionais possuíam igualmente um elevado “poder econômico”. Issoquer dizer que a Standard, a Anglo-Persian, a Shell e algumas outras petroleiras eram (e ainda são) ca -pazes de transformar o ambiente de negócios a seu favor. Pelo bem ou pelo mal. Como foi mencionado,Rockefeller era ímpar sob este ponto. Em termos de organização industrial, isso envolve a construção de

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Estudos Estratégicos - PCdoB56

barreiras à entrada como o invesmento em capacidade ociosa, em propaganda e markeng e em P & D;tudo que possa afastar um concorrente potencial, atraído pelos elevados lucros do monopolista já insta -lado. Mas, no poder econômico, existe ainda um aspecto políco que, por sua vez, envolve a alteração ea aplicação das Leis de um país. Na América Lana, no início da década de 1930, o poder econômico dasmulnacionais de petróleo se mostrou sem nuance e capaz de tudo, para assegurar a manutenção de suasrendas e lucros extraordinários.

As idas e vindas das nacionalizações e a tentação por parte das elites locais ao alinhamento com ocentro estavam sujeitas ao poder econômico das petroleiras. No caso parcular da Argenna, a reaçãodas Províncias à possível perda de receita scal e de parte da elite portenha ao movimento de nacionali-zação do setor de O & G contribuíram para a derrubada do Presidente Yrigoyan. O acordo assinado comos soviécos pressagiava uma aproximação com os comunistas e, em razão dos menores preços, era umaameaça real à posição já deteriorada da Standard no país. O governo do Gen. José F. Uriburu não duroumais de dois anos: de 1930 e 1932, mas, trouxe ao poder dirigentes próximos às mulnacionais do petró-leo. Do Ministro do Interior, passando pelo Ministro de Obras Pública e do Ensino, até o Ministro da Agri-cultura, muitos deles, ou eram consultores, ou ex-funcionários daquelas empresas. O projeto nacionalista,

simbolizado pela criação da YPF, foi então paralisado e só retomado mais tarde.

Outro exemplo de exercício do poder econômico das petroleiras na região ocorreu pouco tempodepois, ainda na América do Sul. Não apenas em decorrência delas, mas também por causa delas, eclodiua Guerra do Chaco, entre o Paraguai e a Bolívia (de1932 a 1935). O nacionalismo crescente, a disputa pelahegemonia e a escalada militarista eram fenômenos mundiais. Eles veram desdobramentos regionais,que de certa forma, serviram como balão de ensaio para os conitos planetários que estavam por vir. Apromessa de petróleo farto na região embalou as apostas que terminaram em guerra.

Na Bolívia, a presença da Standard Oil se iniciara em 1925, quando adquiriu dois poços já em pro-

dução. Até 1929, tudo parecia caminhar favoravelmente e a produção fora mulplicada por quase dez. Ovolume angido exigia um escoamento adequado e a travessia dos Andes era um obstáculo geográcointransponível. A solução encontrada foi movimentar o bruto em direção à Argenna, através de um ole-oduto e, para tanto, foi solicitada a autorização para sua construção. Interesses nacionalistas argennos(que se aliaram a Bolívia durante a guerra) e das grandes petroleiras (que queriam contestar a posição danorte-americana em Buenos Aires) convergiram para juscar a negava dada pelo governo argenno.

Justamente no Chaco Boreal, a região disputada no conito, só exisam indícios da presença de óleoe gás. O pouco sucesso na busca fez a Standard cessar sua campanha exploratória em 1932. O entendi -mento dos dirigentes bolivianos foi diferente, já que em outras regiões do país, os indícios de ocorrência

nham-se comprovados corretos e foram descobertas as primeiras jazidas do país. Excluída a promessade petróleo, a vocação natural daquela parte do Chaco era a pecuária extensiva, avidade na qual osinteresses paraguaios se concentravam. Por m, exisa um clamor nacional, entre os bolivianos, desde aguerra com o Chile e a perda da saída para o Atlânco, por uma saída para o mar a parr do rio Paraguaie o acesso à bacia do Prata. Esta saída passava pelo Chaco Boreal.

Em 1932, a Bolívia invadiu a zona em ligio e a guerra começou. Na década anterior, a corrida arma-mensta na região, envolvendo o Brasil, a Argenna, o Chile, o Paraguai e a Bolívia, ajudou as vendas daindústria militar inglesa, alemã e francesa. O nanciamento das vendas cou a cargo dos grandes bancoseuropeus e norte-americanos. Os elevados montantes envolvidos nas operações nanceiras para a com -

pra de material bélico, através de emprésmos contraídos pela Bolívia a parr de 1927, na preparaçãopara guerra, foram alvo de denúncias no Senado norte-americano. Os dois exércitos nham sido moder-nizados e, na guerra, foram, pela primeira vez, testadas exausvamente a tração mecânica e a aviação

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Dossiê I.5 - A questão energéca   57

militar. Elas devolviam a mobilidade que se perdera nos conitos de trincheira.

O petróleo e seus derivados se tornaram, portanto, imprescindíveis, já que os veículos aéreos e ter -restres queimavam gasolina, usavam lubricantes e graxas. Tornaram-se prioridade da logísca de guerrae alvo preferencial dos ataques. Logo no início do conito, ao descobrir que a Standard estava desmontan-do sua renaria, para levá-la para Argenna, o Presidente boliviano Daniel Salamanca (1931-35) determi-

nou a volta ao funcionamento da unidade. O jogo era de guerra e a Standard se prestava ao exercício deseu poder econômico e de mercado.

A empresa aproveitou-se como pode do conito e, principalmente, dos bolivianos. A crônica faltade combusvel para a aviação militar e o exército bolivianos só foi migada quando foram pagos preçosde monopólio, muito maiores que os cobrados aos países vizinhos. Pelo lado do Paraguai, a contra-ofen-siva teve como objevo a renaria de Camiri, no Departamento de Santa Cruz de la Sierra. A intençãoera cortar de vez o abastecimento de combusveis das forças inimigas e, assim, imobilizá-las. Sobre esteponto, Moniz Bandeira é, como poucas vezes em seu texto, eloqüente:

E, aí, o curso da guerra mudou. (...) quando o Presidente Eusébio Ayala e o Coman-

dante-em-Chefe José Esgarríbia [o “Rommel” paraguaio, nota minha] consideraram

 pela primeira vez a possibilidade de conquistar os campos de petróleo da Standard Oil,

a Liga das Nações suspendeu o embargo de armas à Bolívia, o soldado boliviano subita-

mente se tornou imbavel e o exército paraguaio sofreu os primeiros reveses depois de

dois anos de luta. As tropas do Paraguai pararam. (L.A. Moniz Bandeira, op.cit, p.182)

A guerra acabou em julho de 1935 com um saldo de cerca de 90 mil mortos e o m das pretensõesbolivianas sobre a região em disputa. Após a guerra, em 1936, o governo boliviano conrmou suas sus-peitas em relação ao dúbio comportamento da Standard. Por dez anos, até 1935, a mulnacional nhaescoado, sem conhecimento da Presidência, por um oleoduto mando em segredo, aproximadamente9,1 milhões de m3 de petróleo boliviano. Era roubo. Os avos da empresa foram conscados e, em 1936,foi criada a YPBF, a estatal boliviana de gás natural e petróleo e que, hoje, é a maior empresa do país.

Na região em disputa, depois da guerra, não se chegou a nenhuma descoberta relevante de pe-tróleo. Se fosse somente por ele, a guerra já teria sido um enorme desperdício. De todo o modo, numconito sem relevância internacional, envolvendo países periféricos e lateralmente potências regionais(Argenna e Brasil), cavam expostas as crescentes tensões e suas origens: a militarização das disputasinternacionais e o poder econômico das mulnacionais. Por outro lado, também cava evidente o papeldo petróleo na construção de uma idendade nacional e na armação da soberania políca e econômicados países periféricos.

Pouco tempo depois, o sindicalismo e o nacionalismo se aproximaram de forma a promover maisuma mudança de peso na organização da indústria do petróleo e na futura divisão das rendas extraordiná-rias por ele geradas. Junto à reivindicação de maior parcipação nas rendas, surge um clamor nacionalistae revolucionário. Novamente, foi na América Lana que isto ocorreu, desta vez no Norte do connente,naquele país que se tornou, no decorrer da segunda década do século passado, depois dos EEUU, o maiorprodutor de petróleo do mundo, desbancando a Rússia.

A corrida pelo petróleo mexicano teve início em 2010, quando do poço Potrero Llano 4 jorrou petró -leo em quandades surpreendentes. Eram mais de cem mil barris por dia! O proprietário era Sir WestmanPearson, posteriormente, Lord Cowdray, um rico barão de negócios inglês, naturalmente. Por quase dez

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Estudos Estratégicos - PCdoB58

anos, ele nha nanciado a procura de óleo e, nalmente, teve recompensada sua persistência e seusinvesmentos. Antes da nobreza, ele conquistara a fortuna e demonstrara um porólio variado de inte-resses: construtor de tuneis, portos, canais, banqueiro e quase inventor. Deixou negócios que, ainda hoje,têm impactos marcantes em diversos domínios. No campo do jornalismo, era o proprietário do jornal“Financial Times”, leitura obrigatória na Bolsa de Londres, no campo da economia, era o dono da revista“The Economist”, o mais importante veículo do pensamento conservador inglês e, nalmente, no campoda literatura controlava a Penguin, tradicional editora de língua inglesa.

No nal da vida, de todo modo, a origem da maior parte de sua fortuna vinha do petróleo mexicano.O poço nanciado por ele inaugurou uma nova província petrolífera a “Faja de Oro” no litoral do Golfo doMéxico, fez de Tampico uma cidade petroleira e trouxe a indústria para o país. Sua empresa, a MexicanEagle, em pouco tempo, ganhou tamanho para comper com as grandes petroleiras mulnacionais. Suasrelações com Porrio Diaz foram estabelecidas anteriormente a descoberta e ele gozava da conança doPresidente, que governava o México desde que tomara o poder num golpe de Estado, em 1876.

O governo era a expressão do alinhamento das oligarquias nacionais à ideologia liberal dominante

nos países mais ricos e era palco (quase caricatural, em razão dos casos de corrupção) do exercício do po-der econômico do grande capital. Pordio se manteve até 1911 quando, após reeleito pela enésima vez,foi obrigado a sair em meio à Revolução Mexicana, que se iniciara um ano antes. Como se pode concluir,o desenvolvimento das reservas recém-descobertas não podia deixar de ser conturbado, ao se fazer numambiente de guerra civil e completa desordem econômica.

A Revolução Mexicana perdurou por toda a década, só tendo sido concluída em 1920. A peça po-líca maior da Revolução foi o Programa de San Luis de Potosi, anunciado em 1911. A peça jurídica, porsua vez, foi a nova Constuição, promulgada em 1917. Durante os trinta e cinco anos anteriores à eclo -são do conito, o país acumulara problemas. A desapropriação das terras indígenas, o crescimento das

plantações dos lafúndios, as concessões de terras ao capital estrangeiro para explorar o solo e o subsolomexicano produziram um crescimento fortemente desigual e excludente. Em torno do Programa de Po-tosi, reuniram-se os grandes líderes da Revolução: Pancho Villa, Emiliano Zapata, Plutarco Calles e PascalOrosco.

Os interesses externos no México não se resumiam, àquela altura, ao petróleo e eles não caraminertes aos desdobramentos revolucionários. No congresso norte-americano, o capital petrolífero encon-trava vozes para denunciar os riscos de quebra de contrato e a ofensiva revolucionária. Em 1913, depoisdo Presidente Mederos (de tendência liberal) ser assassinado e dois anos depois de ter sido içado ao po-der e abandonado pelos líderes do movimento, o Porto de Vera Cruz foi invadido, depois de um incidente

menor entre marinheiros norte-americanos e soldados mexicanos. Os vizinhos por pouco não foram àguerra.

As forças navais americanas nham sido enviadas para proteger os inúmeros avos e cidadãos nor-te-americanos na cidade, que abrigava o mais ango e maior porto do México. Era também por onde seescoava boa parte da produção de petróleo e derivados. Antes de receber a autorização do Congresso, oPresidente Woodrow Wilson já nha iniciado a invasão. Não houve guerra e a frota invasora retornou asua base. Porém, com o aumento da produção mexicana de petróleo, logo depois do m Primeira Guerra,o evento era um presságio: os conitos comerciais e diplomácos entre os dois países só zeram crescer.

A nova Constuição mexicana de 1917 foi uma vitória revolucionária que se realizou no mesmoano da Revolução Bolchevique. A insurgência contra o imperialismo e o capital monopolista se propagavana periferia do sistema e ganhava propostas concretas, que, no caso mexicano, estava sintezada pela

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Dossiê I.5 - A questão energéca   59

propriedade do solo e do subsolo. A Carta Magna determinou a devolução das terras para os indígenas,a nacionalização das terras e a separação da Igreja do Estado que, no passado, tanto poder econômicodispunha. Embora com o retardo de duas décadas (ou mais), os progressos trabalhistas foram notáveis:oito horas de trabalho por dia, proibição do trabalho infanl e indenizações trabalhistas nas demissões,estavam entre eles.

Muitos dentre esses avanços, embora xados constucionalmente, demonstraram-se de dicil apli-cação. O descontentamento das elites com a desordem econômica era grande e o rompimento com ocentro só se faria se não exisssem custos irrecuperáveis e eles não eram poucos. A guerra civil duraráainda três anos. Em 1919, Zapata foi assassinado e o conito parecia não ter m. Mas, em 1920, o GeneralAlvaro Oregón chegou ao poder, retomou a orientação revolucionária e devolveu a estabilidade polícaao novo regime.

Quanto ao petróleo, as descobertas acabaram se mostrando extremamente promissoras. Já antesda Segunda Guerra, as exportações mexicanas nham aberto espaço na concorrência dos grandes trustes,para encontrar mercado e escoar suas produções em alta com o desenvolvimento de novas províncias

petroleiras. A elevada produvidade dos poços, a relava proximidade do porto de Vera Cruz, a introdu -ção de navios-tanques no transporte marímo e a qualidade do petróleo extraído perto de Tampico, queservia muito bem para fazer óleo combusvel, foram argumentos decisivos em favor do país na acirradaconcorrência mundial. Com a queda da produção na região caspiana, logo no início da década de 1920,até trem russo era movido por óleo mexicano.

Durante a guerra, para os EEUU, as importações provenientes do vizinho ao Sul foram providenciaise, em 1920, um quinto do petróleo consumido nos EEUU era mexicano. Os laços econômicos criadosforam dicilmente desfeitos. A dependência da Inglaterra e dos EEUU às importações, o volume de inves-mentos dos dois países imobilizados no México, a renda gerada pelos poços, bem acima do normal, e a

consolidação da Revolução foram os ingredientes que sustentaram, por mais de duas décadas, a luta emtorno da propriedade do petróleo e da apropriação da sua riqueza. Findado o movimento, baixadas asarmas, abriu-se um novo “front”, onde as batalhas eram fundamentalmente econômicas.

Durante a década de 1920, as relações diplomácas dos dois países vizinhos se estremeceram.Era a conseqüência esperada da armação nacionalista mexicana necessariamente “an-imperialismo--ianque”, dado seu posicionamento geográco, mas também, deve ser destacada a insistência mexicanaem fazer valer o princípio constucional da propriedade do solo. Enquanto não resolvia a questão central,o governo revolucionário reivindicou aumentos de royales, impostos e taxas, com o intuito de nanciara reconstrução do estado.

Os dirigentes revolucionários pareciam entender que a nacionalização envolvia a superação de obs -táculos importantes para uma economia periférica: o aprendizado dos negócios petrolíferos, a apropria -ção de avos intangíveis (como a tecnologia) e a desapropriação de avos sicos, que não podiam teras operações paralisadas, para não causarem um colapso no abastecimento do país e nas nanças darevolução. Entre 1920 e 1927, as negociações entre capitalistas britânicos e americanos com os mexica-nos foram tensionadas a tal ponto que, na iminência do início dos combates com o vizinho do Norte, oGeneral Lázaro Cardenal del Rio recebeu ordem de tocar fogo nos poços, assim que o ataque do inimigofosse deferido. Novamente, a guerra não se consumou.

Alguns anos depois, em 1935, o General Cardenal foi eleito Presidente dos Estados Unidos do Mé-xico. Na História mexicana, existe um consenso de considerá-lo o mais radical dos dirigentes pós-revolu-cionários, talvez, o único verdadeiramente à esquerda. Sem nenhuma simpaa para com o capital mul-

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Estudos Estratégicos - PCdoB60

nacional, ele tomou logo pardo ao lado dos trabalhadores nas discussões entre sindicatos e patrões. Onão atendimento das reivindicações salariais e por melhores condições de trabalho, como determinava aConstuição, levou à grande greve de maio de 1937. Embora o General tenha intercedido pessoalmente,a posição do patronato foi de rejeitar o aumento solicitado.

O impasse formado, o governo criou a Junta de Conciliación y Arbitrage, que deu seu parecer favo-

rável aos pleitos dos trabalhadores. Na ocasião, os pardos conservadores e as potências hegemônicasalegaram que a Junta estava inltrada por comunistas. O que causava estupor era que, além de consi-derar razoáveis os aumentos salariais, ela propôs avanços em linha com as vitórias conquistadas pelossindicatos europeus havia mais de vinte anos: jornada de oito horas, trabalho só cinco dias por semana,aposentadoria a parr dos cinqüenta anos, com valores ancorados nos úlmos salários recebidos e, prin-cipalmente, a substuição dos trabalhadores por mexicanos.

Se não era comunista, era progressista a ponto de aliar contra ela todas as forças na defesa dos inte-resses econômicos dos Estados Unidos e da Grã Bretanha. Uma questão que estava também no centro dasdiscussões era a falta de invesmento, que ocasionara a estagnação e, depois, a queda da produção de

petróleo e sua exportação. Em 1925 a produção nha alcançado mais de 300 mil barris por dia. Dez anosdepois, a produção mal passava de 100 mil barris por dia. Entre as novas províncias petrolíferas, começavaa despontar a Pérsia, hoje Irã, onde a produção fora de 157 mil barris por dia, em 1935. Na América doSul, o lago Maracaibo, cujas reservas foram descoberta mais de uma década depois, já estava produzindo406 mil barris por dia no mesmo ano e colocava a Venezuela como segundo maior produtor mundial.Para piorar a situação mexicana, com a chegada deste novo petróleo no mercado internacional, além daprodução domésca, os preços também estavam em baixa.

As mulnacionais recorreram à Suprema Corte de Juscia, que negou provimento e conrmou o pa-recer anterior. Por certo, ando-se em seu poder econômico e no respaldo diplomáco das duas grandes

potências aliadas, os patrões manveram a posição de não conceder os aumentos e as melhorias pedi-das. A iniciava passou às mãos de Cardenal que não vacilou e, em 18 de março de 1938, quase um anodepois da primeira grande greve, desapropriou os avos das 17 empresas petroleiras instaladas em solomexicano. Em 7 de julho, a Pemex foi criada e, em 1942, foi assinado, entre o sindicato dos petroleiros ea estatal, o primeiro acordo colevo de trabalho.

A retomada da indústria petroleira mexicana foi repleta de percalços. Foi preciso recuperar uma a-vidade que, nos quinze anos anteriores, despertara pouco interesse dos capitalistas e, por isso, estava emparte sucateada. Foi necessário discur as indenizações, tendo à mesa de negociação, de um lado, a chan -celaria e os capitais e britânicos e, de outro, o Departamento de Estado e os capitais norte-americanos,

ambos vitoriosos na saída da Segunda Guerra Mundial.

Pode-se imaginar pela dimensão dos invesmentos, pelo seu valor estratégico e pelo inedismo dadesapropriação, como as negociações foram diceis e prolongadas. O valor das indenizações britânicas sófoi acertado depois da Segunda Guerra, em 1947. O papel do petróleo mexicano, durante o conito mun -dial, também deve ser considerado como um agravante nestas discussões. A Alemanha, a Itália e o Japãomovimentavam suas forças armadas com a gasolina e óleo combusvel importado do país. Tudo isso eramovo para um boicote do capital internacional à nova empresa estatal e à retomada do setor.

A mudança de foco da políca econômica para o setor também era mais um complicador. A Pemexpassou a se concentrar no mercado interno, em detrimento das exportações. A estatal foi concebida paraser instrumento da industrialização mexicana, que se iniciaria a parr de insumos e matérias-primas maisbaratas e onde a oferta de petróleo e gás natural era a peça-chave. A idéia da construção de uma indústria

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de base, sob o qual se apoiaria o restante do parque produvo a ser instalado, estava em curso doutrolado do Atlânco, na URSS.

Embora as pretensões fossem muitas, a primeira renaria da empresa, “18 de março”, instalada noDistrito Federal mexicano, só foi concluída em 1946 e ainda era oriunda de uma desapropriação anterior.Novos incrementos na capacidade de reno só foram feitos na década de 1950. As descobertas signi -

cavas demoraram a acontecer. A descoberta do campo de Cantarell, que proporcionou o reingresso doMéxico no mercado internacional, somente foi ocorrer em 1972 e, assim mesmo, o campo só foi colocadoem operação anos depois, em razão das diculdades da produção no mar, num país que se habituou aproduzir óleo e gás em terra. Foram exatamente os avos intangíveis, como a apropriação da tecnologia ea qualicação dos trabalhadores, que se mostraram parcularmente diceis de serem absorvidos.

O desfecho mexicano foi muito oportuno em termos de história econômica. Antes da SegundaGuerra, sem gerar um conito armado internacional, na periferia do sistema, mas, num país vizinho àpotência emergente, a aproximação entre sindicatos e dirigentes revolucionários permiu a nacionaliza -ção da indústria mexicana e a completa apropriação das rendas petrolíferas. Fora da União Soviéca, em

nenhum outro país, chegou-se à tamanha ousadia no desrespeito aos contratos assumidos com o capitalmonopolista das grandes potências. Na Argenna, as idas e vidas do processo de criação da YPF e o fatode não ter havido nacionalização dos interesses estrangeiros, migaram naturalmente o poder dissuasivodas reações. Na Bolívia, a produção clandesna por dez anos e a discriminação pelo preço dos combus -veis importados pelo país, durante a Guerra do Chaco, relevaram qualquer argumento contrário, quandoos bolivianos desapropriaram os avos da Standard.

No México, foi diferente. Tratava-se de consolidar uma Revolução e de se apropriar das rendas dopetróleo, para nanciar o projeto de desenvolvimento local. Impossível não ver a criação da Pemex comoo ponto de inexão que conclui um crescendo de contestação a este grande capital e aos poderes instuí -

dos (que lhe davam guarita); seja nos países periféricos, seja nas economias centrais. Samir Amim escrevesobre o que chama de “primeiro despertar” do movimento revolucionário, como um dos elementos quecontribuem para a falência do capital monopolista e ao m do imperialismo do século XIX. Ele sublinha alocalização periférica do movimento de libertação das nacionalidades3.

Ele relaciona a seqüência que dá forma a este movimento: as revoluções russas (1905 e 1917), a Re-volução Iraniana (1907), o movimento nacional turco (1908), a Revolução Egípcia (1919) e as revoluçõesna China (1911 e 1949). Ele cita também, naturalmente, a Revolução Mexicana (1910 e 1970). O que sequis sublinhar, de nosso lado, é o petróleo em tudo isso. Ele foi crucial em decorrência da renda extraor -dinária que ele (ainda) gera e devido ao seu papel estratégico, não só na economia, mas também para a

armação da soberania de um país.

3) o peóle ee a ea: a ae à cêca

O processo de falência do capital monopolista e o desaparecimento dos impérios do século XIXforam dois movimentos sincronizados que ocuparam grande parte da primeira metade do século XX. Osconitos militares e a crise de 1929 trazem de volta a fome e a miséria, que pareciam ter sido reduzidasa um mínimo na Europa Ocidental, após o nal do século XIX. A especulação nanceira, a cartelização econcentração industrial persistente, a inação galopante e o acirramento do protecionismo, antes e logo

depois da Primeira Guerra, eram claros sinais econômicos de que o capital produvo encontrava seuslimites para se ampliar.

3 - A expressão usada é: “the awakenig of the peoples of the pripheries”. Samir Amim (2011). The trajectory of historical capitalism and marxim’s

triconnental vocaon. In Montlhy Review, vol 62, Issue 09, February, p. 02.

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Estudos Estratégicos - PCdoB62

As soluções anteriores estavam esgotadas, em termos de difusão de ganhos de produvidade e damanutenção das elevadas taxas de lucro. Para dar connuidade ao aproveitamento dos ganhos de escalae envergadura, foi preciso deixar a base tecnológica e energéca anterior, ancorada no carvão. O grau demudança e a orientação nal carão explicitados pelo nascimento da química orgânica norte-americana,ancorada no farto petróleo que dispunha o país e não mais no alcatrão de hulha (como na Alemanha).

Para manter as perspecvas favoráveis à ampliação do capital, foi preciso também vencer, ou con-tornar, à contestação de capitais e estados locais. Eles reclamavam por uma maior parcipação das rendasextraordinárias, que os trustes expropriavam dos países situados na fronteira do sistema através do ex-travismo mineral e agrícola. A parr do nal da primeira década do século XX, fora uma ou outra regiãoestratégica, as potências estavam com foco desviado da periferia. Ainda para retomar o crescimento, en -tre as guerras, era preciso refazer o quadro instucional do comércio internacional após o m do padrão --ouro, reorganizar o processo de expansão nanceira sob novas bases, menos especulavas, retomar aregulação monetária e reordenar a dívida pública e privada, como bem demonstrou a crise da bolsa em1929.

Em meio a guerras e crise, talvez o mais interessante seja observar que foram sendo desenhadasas soluções para superar esses limites. Vale ressaltar que, à exceção das questões monetárias, nos seusmais diversos aspectos produvos, elas passavam pelo petróleo e pelas mulnacionais que cresceram emtorno deste negócio extremamente rentável. Ademais, os estados assumiram decididamente seu papelde promotores das avidades produvas de interesse para a defesa nacional. O objevo militar era a pre-paração para guerra, seja antes de 1914, seja durante a década de 1930.

Isso passava pela construção, não só de uma nova indústria bélica (fabricante de novos explosivos,munições, tanques de guerra, veículos leves e aeronaves), mas também do acesso aos insumos, matérias -

-primas e intermediários, assim como aos combusveis. Os governos tomaram para si as responsabilida -des e o estado passou a assumir a posição de interventor para alcançar seus ns militares. Para tanto, oprotecionismo em favor da capacidade nacional de produção e as encomendas locais foram apenas doisdos instrumentos de intervenção. O estado passou, muitas vezes, a fazer a coordenação direta das avi -dades consideradas estratégicas para a vitória.

A natureza estratégica dos combusveis líquidos derivados do petróleo não deixava margem à dú-vida. A Primeira Guerra consolidou o domínio do óleo combusvel nos mares e revelou o potencial demobilidade que a gasolina traria nos próximos conitos. Na Segunda Guerra, o petróleo e o gás naturalse saíram como as fontes energécas vitoriosas. Os três países, que formavam o “Eixo”, nham tradiçõesindustriais ancoradas no aproveitamento energéco do carvão mineral e no aproveitamento industrial deseus derivados. Por sua vez, os países aliados, a começar pelos EEUU e pela URSS, estavam assentados noóleo e no gás. Entre as duas guerras, a indústria petrolífera connuou sua trajetória de ganho de escalae de envergadura. Nos EEUU, a gasolina, denivamente, tornou-se seu principal produto de venda e aexpansão do consumo connuou sustentada, a despeito da crise e da depressão.

Na compeção energéca, a vantagem já nha sido estabelecida antes da Primeira Guerra. Entreas duas guerras, o ganho obdo pelas mulnacionais petrolíferas tem novas origens. Além da busca porescala e envergadura, ele foi resultado da mudança completa nos processos de produção; do tratamentoindustrial à organização administrava da empresa. O avanço tecnológico é signicavo e amplo em esco-po; ele alcançou todas as etapas da cadeia de realização: a montante, houve uma revolução, com a intro -dução da geosica, no reno, um movimento tão importante aconteceu em decorrência do surgimento daengenharia química e, a jusante, o mesmo ocorreu com a introdução da publicidade, que acompanhou a

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Dossiê I.5 - A questão energéca   63

mulplicação das estações de serviços e das diferentes marcas (ou bandeiras). Não bastava apenas extraira mais-valia com novos métodos, se não era possível realizá-la com as vendas das mercadorias produzi -das. Para tanto, introduzem-se a ciência das vendas e seus dois principais instrumentos: o markeng e apropaganda.

Estava em andamento mais uma etapa da Revolução tecnológica, iniciada em 1780 e, desta vez, o

petróleo protagonizava as mudanças. Em meados do século XIX, foi nos transportes e nas usinas, que aindustrialização do vapor, produzido pela queima do carvão, teve o impacto mais signicavo. No terceiroterço do século XIX, pelo menos mais duas indústrias despontavam como potencialmente motrizes docrescimento: na Alemanha, da união de laboratórios universitários e capital privado, com decisivo apoiodo Estado da Prússia, nasceu a química industrial e, nos EEUU, como foi visto, nasceu a indústria do pe-tróleo.

A parr de meados da década de 1890, a aceleração das transformações na estrutura industrial foiresultado do nascimento e rápido desenvolvimento da indústria elétrica, assim como da indústria auto-mobilísca. Antes da Primeira Guerra, portanto, já estavam postas as bases da próxima onda de amplia-

ção. Ela se fez em torno dos motores elétricos, à combustão interna e dos produtos químicos e derivadosde petróleo. Em todos eles, dois pontos comuns ressaltavam: a crescente intensidade do capital, que

 juscava a concentração dos setores produvos relacionados à produção destas inovações, e o fato deserem cada vez mais resultados de avidades baseadas no conhecimento cienco e tecnológico. Umaconsequência imediata foi que o campo de atuação das engenharias aumentou signicavamente.

Com o m do imperialismo, a situação das petroleiras era de ameaça por diversos lados. Em meioàs disputas pela renda ricardiana nas províncias petroleiras, às guerras de preços em mercados consumi -dores e o aumento das imposições scais e para-scais nos países exportadores e importadores, parecianão restar muita saída para as mulnacionais. Era não contar com a capacidade de gerar lucro e reinves -

-lo em P&D, que as empresas petroleiras demonstraram em seguida. Era não contar com a capacidadeque veram em capturar os enormes ganhos obdos com a reorganização das avidades produvas e assinergias entre os setores industriais emergentes.

Na verdade, durante este período conturbado da História, tanto em termos setoriais, quanto emtermos macroeconômicos, os ganhos tecnológicos (incluem-se desde novos produtos a novos processos,como também os avanços gerenciais) trouxeram gigantescos retornos para as grandes mulnacionais dopetróleo. Eles compensaram, em muito, suas perdas na periferia, a queda de preços depois da crise de1929 e a superprodução durante os anos que se seguiram. Essas empresas seriam imunes à crise, assim sedizia nas bolsas, o que era a mais evidente expressão do poder de mercado e econômico que mannham,

apesar de sempre contestados. O entendimento desta mudança tecnológica realizada pelo setor petrolí -fero exige uma contextualização que sublinhará a crescente interconexão entre os setores que surgiam eo papel dos invesmentos em pesquisa feitos por empresas não petroleiras em novas tecnologias.

Pouco antes da eclosão da Primeira Guerra, no cenário internacional, a ascensão industrial dosEEUU e da Alemanha acompanhara a decadência industrial britânica. Sem reduzir apenas a um fator todoo processo, nos EEUU, exisam uma abundância de recursos naturais e um mercado consumidor internoque progredia em ritmo quase exponencial. Na Alemanha, por sua vez, exisam uma base cienca etecnológica nas universidades e um governo rmemente decidido em apoiar o capital privado no desen-volvimento de uma indústria local. Como será visto, essa mesma base em C & T, os EUA disporá no início

do século XX e ela será decisiva, em seguida, para a vitória nos conitos militares e econômicos que seavizinhavam.

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Estudos Estratégicos - PCdoB64

Era indiscuvel a proeminência da Alemanha em certos domínios produvos e a ligação desta comos avanços em certos domínios ciencos. Em parcular, na Ciência Química, os avanços acadêmicosforam a fonte da ampliação do capital dos grandes trustes alemães envolvidos com a venda de químicos,fármacos e ferlizantes. Todos os trustes foram criados e ampliados durante as três úlmas três décadasdo século XIX em estreita relação com a pesquisa feita nos laboratórios das universidades alemães, queeram por eles nanciadas. Perto do m do século, a connuidade da expansão do capital dessas indústriasno país estava limitada pelo tamanho do mercado alemão. Um agravante era o ambiente macroeconômi-co interno, contaminado progressivamente pela inação e pela radicalização dos conitos sociais, que adesigualdade do crescimento produzia no país.

Como as grandes empresas petroleiras norte-americanas e britânicas, as grandes empresas quími-cas alemãs surgiram na mesma época e veram um crescimento semelhante. A disnção era a impor-tância da Academia. Bayer, Hoesch, Agfa e Basf foram criadas na década de 1870 e, em todas, entre osdirigentes máximos, exisa sempre um Doutor em Química e, muitas vezes, era o próprio presidente daempresa. A parr de 1880, enquanto a Standard iniciava sua internacionalização, o mesmo, faziam asgrandes empresas alemãs. Os produtos químicos, os ferlizantes, os remédios, o material fotográco, os

explosivos alemães eram vendidos em todo o mundo. A qualidade da origem era cobrada e juscava osobre-preço. Além disso, entre as grandes rmas alemãs, o conluio sempre foi explícito, não exisa legisla-ção antruste alguma contrária no país de origem e, bem ao contrário, os governos alemães esmulavama cooperação entre elas.

A hegemonia econômica alemã nos setores mencionados se arculava com o Kaiser para, sob suaproteção e incenvo, preparar o país para os tempos de guerra que se anunciavam. Nos quatro anos ante-riores ao conito, foram criados o Instuto Imperial para Pesquisa em Química, o Instuto Kaiser Wilhelmde Química e Fisico-Química e o Instuto Kaiser Wilhelm do Carvão. Todas as grandes empresas alemãsestavam envolvidas no nanciamento conjunto destes novos centros de pesquisa. A demanda por explo-

sivos, munições, gases, combusveis, remédios e diversos outros produtos, que os militares precisavam,forneceu o espaço à criação da Química Industrial, originada dentro dos laboratórios alemães. Para res-ponder à demanda por uma mão-de-obra parcularmente qualicada, a prossão de químico industrialantes do início do século XX.

Como resultado das pesquisas acadêmicas, o avanço no campo da química orgânica foi um exem -plo do potencial de geração de lucros das novas avidades produvas baseadas no conhecimento. Parasintezar os produtos químicos ditos orgânicos, a indústria alemã cresceu apoiada no aproveitamento docarvão e do seu derivado, o alcatrão de hulha. A química industrial em torno do alcatrão proporcionouuma posição de liderança incontestável em termos internacionais. Às portas da Primeira Guerra, entre as

160.000 toneladas de produtos de química orgânica vendidos no mundo, nada menos que 140.000 eramprovenientes de rmas alemãs4. Os EEUU e a Grã Bretanha, quando entraram em guerra contra o Impériodo Kaiser, subitamente tomaram consciência do grau de dependência para com o inimigo e da diculdadede recuperar o terreno perdido em termos tecnológicos.

A indústria química norte-americana, à época, nha outra trajetória tecnológica. Ela se apoiarana abundância de recursos naturais e num mercado interno em crescimento acelerado. Os intermediá-rios produzidos eram originados principalmente da química inorgânica, para a fabricação de ferlizantes,pescidas e explosivos. O desenvolvimento da produção eletroquímica de álcali é outra ilustração. A im-portância da abundância dos recursos naturais e a interconexão entre os setores econômicos nascentes,

neste caso, eram evidentes. Intensiva em energia, a disponibilidade de eletricidade gerada pelas novasusinas hidroelétricas foi imprescindível para a indústria eletro-química crescer nos EEUU.

4 - Se não era a mesma, era também importante a parcipação alemã em outros mercados de químicos estratégicos como os medicamentos e osferlizantes.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   65

Em compensação, a produção de corantes de base orgânica, que na Inglaterra nha dado origemà indústria química, era reduzida e o comércio externo norte-americano era largamente decitário emfavor das empresas alemãs. Uma conseqüência direta da divisão internacional do trabalho, construídadurante a era do capitalismo monopolista. A indústria britânica a base do alcatrão nha sido arrasadapela concorrência alemã e a norte-americana nunca nha do oportunidade de crescer. Em todo caso,

tanto a Alemanha, quanto os EEUU, nham ultrapassado o estágio de desenvolvimento industrial da GrãBretanha na úlma década do século XIX e adentraram o século XX como as potências econômicas quedisputavam o mercado internacional, antes ocupado pelo capital britânico.

As bases do crescimento norte-americano foram bem diferentes das germânicas, a pouco repisadas.A abundância de recursos naturais era sua dotação disnva. Antes da guerra, os EEUU já haviam conquis-tado a liderança mundial na produção de carvão, cobre, ferro, zinco, fosfato, tungstênio, além de petróleo,gás natural e geração hidroelétrica5. Apoiado num mercado interno gigantesco, esses eram os alicercessob as quais se sustentaram as vantagens do grande capital industrial norte-americano, para assegurar,imediatamente depois da vitória, a hegemonia na compeção pelo mercado internacional.

A guerra trouxe grandes benecios para os países vitoriosos, em parcular, para os EEUU. A funçãode fornecedor de insumos e produtos às forças militares ocidentais e a proteção resultante da distânciadas batalhas em curso na Europa combinaram-se e criaram uma oportunidade que não foi perdida pelasgrandes empresas norte-americanas. Todas elas acumularam elevados lucros com o aumento das vendasde explosivos, munições, remédios, equipamentos bélicos, produtos químicos intermediários, veículose combusveis. Esses lucros nanciaram os futuros invesmentos e, muito provavelmente, reduziram aaversão ao risco quanto ao desenvolvimento tecnológico que estava por vir.

De automóveis e gasolina, dependeram as forças francesas para alcançarem o “front”, às pressas,

levados pelos motoristas de taxi parisienses. Assim, barrarem a invasão alemã no início da guerra. A frotada marinha britânica, francesa e norte-americana era movida por óleo combusvel, enquanto os adversá -rios, no começo do conito, ainda navegavam a carvão. No caso da Inglaterra, a empresa controlada pelogoverno, a Anglo-Persian Oil Co, futura BP, já era a maior produtora de óleo combusvel fora dos EEUU.Os americanos, além de disporem da maior indústria automobilísca e de uma indústria naval comparávelà alemã e a britânica, eram os maiores produtores de gasolina, óleo combusvel e petróleo.

 Os ganhos com a guerra e as expropriações dos avos alemãs deram o impulso necessário ao capi-tal norte-americano para se impor naqueles mercados onde ainda não era líder, logo que acabou a guerra.A evolução da Dupont, entre as maiores empresas químicas do mundo até hoje, é ilustrava. Antes de1914, os avos da empresa eram esmados em 75 milhões de dólares e 97% das receitas eram decorren-tes das vendas de explosivos. Em 1940, os avos estavam esmados em 935 milhões e apenas 10% eramoriundos das vendas de explosivos. Com o m da Primeira Guerra, a empresa repeu a experiência daquímica industrial alemã: invesu em P &D seus lucros acumulados. Em seguida, tratou de se diversicarna produção das inovações que surgiram de seus laboratórios.

Durante a década de 1920, a DuPont gerou um porólio de pesquisa que se provou fundamentalnos anos subsequentes. As sinergias no campo do conhecimento em C & T se mostraram valiosas e poucosprevisíveis, embora com uma lógica indiscuvel se vistas a posteriori. A produção de TNT e TNP permiu aempresa construir um “know-how” especíco em nitro-celulose que foi fundamental no desenvolvimentoda viscose, do acetato de rayon, do celofane, na síntese da amônia, na produção de chumbo tetrael e

5 - A descoberta das reservas de O & G, no Meio-Oeste em direção ao Golfo do México nas duas primeiras décadas do século XX, são um exemplo dadisponibilização de abundantes recursos neste momento crucial de aceleração do crescimento.

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Estudos Estratégicos - PCdoB66

dos laquês. Na década de 1930, os processos e os produtos estavam em escala de produção comercial efoi nesta década também que foram desenvolvidos o teon, o nylon e o neoprene. O chumbo terael, porexemplo, foi rapidamente usado para melhorar a gasolina com o aumento de sua octanagem, o que nhaimpacto imediato na concepção e desempenho dos motores.

Ainda da Dupont, as pesquisas no campo da produção de químicos, através de reações de catálise

sob alta pressão, foram decisivas na estratégia posterior de diversicação. Embora lento, o aprendizadoteve repercussões importantes em outros setores, entre eles o reno do petróleo, onde o craqueamentocatalíco começa a ser introduzido no nal da década de 1930. Petróleos cada vez mais pesados podemser renados e sobram cada vez menos resíduos pesados. Ainda em relação ao futuro do petróleo, foi naInglaterra que o polieleno foi desenvolvido, mas, foi nos EEUU, que suas vendas comerciais cresceramcom a produção da Dupont. O polieleno, após a Segunda Guerra, foi o produto petroquímico em tornodo qual se ergueu a indústria do plásco.

A mesma trajetória da Dupont pode ser observada em outros grandes conglomerados norte-ameri-canos, de origem química e que nasceram fora da indústria do petróleo, mas, que, com ela, quase imedia-

tamente se arcularam. Exatamente neste momento, a desvantagem frente às empresas alemãs come-çou a ser reduzida e a estreita relação com o setor petrolífero passou a ser um diferencial. Outro exemploé a Dow Chemical Co. A empresa que introduziu, muito mais tarde, o poliesreno (depois do polieleno,é o petroquímico mais ulizado para fazer plásco, com a vantagem de serem vendidos mais caro), tevetambém suas despesas de pesquisa nanciadas pelos lucros obdos pelas vendas de produtos químicosdurante a Primeira Guerra. Passados mais de vinte anos, mais uma guerra e depois de signicavos in-vesmentos em P & D, a empresa se rmou como a maior empresa petroquímica do país, entre as trêsmaiores do mundo.

Não apenas a vitória nos conitos militares, também o poder de mercado dependia cada vez mais

da apropriação de novas tecnologias. O advento da guerra permiu que muitas barreiras ao acesso a elasfossem quebradas. Entre 1914 e 1918, a dependência de produtos químicos orgânicos alemães revelouuma fragilidade econômica e o atraso tecnológico. Os primeiros desenvolvimentos de uma alternava àcarboquímica já se apresentavam como tendo o petróleo como base. Em 1917, o governo “quebrou” aspatentes alemãs e desapropriou os avos em seu território, preparando as condições para superar o re-tardo e alavancar o crescimento conjunto do reno e da química orgânica nos EEUU.

As patentes são um instuto de propriedade intelectual bastante ango e que pretende proteger oinventor. Na práca, sempre garanu a remuneração do capitalista que investe no projeto. Diferentemen-te da orientação geral que combate o monopólio, neste caso da invenção, ele é garando pelo Estado. O

detentor da patente dispõe da segurança jurídica de exclusivamente se apropriar das rendas obdas coma venda da licença de uso da patente por ele depositada. Os direitos de exclusividade das rendas da paten-te são por um prazo de vinte anos; depois a invenção pode ser copiada sem custo. Um segundo instutode propriedade intelectual clássico é o segredo de negócios. No primeiro, o estado concede a exclusivida-de pelo bem da ciência; i.e., em troca da publicação, através do documento da patente, da descrição dainvenção. No segundo, a empresa mantém o segredo, não dá publicidade ao processo e pode guardar osigilo para sempre, ou até que alguém descubra e a imite.

Na indústria química, que inclui a produção de intermediários, de remédios, ferlizantes e tam-bém produtos desnados ao consumo nal, as patentes e os segredos foram, desde o início, instrumen-

tos imprescindíveis para assegurar o lucro nos negócios. Após determinadas as condições e denidasas operações, os processo químicos são facilmente reproduzíveis por alguém que possua conhecimentotecno-cienco suciente. Por isso, as empresas alemãs nham uma estratégia de políca intelectual

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Dossiê I.5 - A questão energéca   67

extremamente agressiva e avançada. A propriedade intelectual as prevenia da concorrência direta dosdemais grandes conglomerados de outros setores que, por ventura, vessem interessados nos elevadoslucros de suas avidades.

Ao contrário das patentes, os segredos foram lentamente revelados, na medida em que as usinaseram recolocadas em operação e as diculdades da falta de experiência e na absorção do “know-how”

eram reveladas6. As patentes foram quebradas em 1917 e foram fundamentais para a indústria norte--americana se capacitar, por exemplo, no processo Haber-Bosh de xação de nitrogênio e, por conse-guinte, na produção de ferlizantes mais baratos. A inovação desembocava na produção não apenasde ferlizantes, mas também de explosivos e diversos outros produtos químicos. Além disso, o conscoda usina de fabricação de amônia de Muscle Shoals, da Basf, revelou aos norte-americanos os segredosdo processo de catálise, que mais tarde serão usados no reno de petróleo. O craqueamento catalícopermiu, pela primeira vez, que uma renaria recebesse petróleo de diferentes origens. Antes disso, elaseram construídas quase sob medida.

Mesmo que a absorção da tecnologia do inimigo tenha sido mais lenta em razão dos segredos e que

os resultados do novo invesmento só viessem a ter impacto dez a vinte anos depois, a vitória na guerragaranu a ampliação imediata do espaço de atuação das grandes empresas norte-americanas, num mer-cado antes reservado ao capital alemão. Mas, nada disso teria sido alcançado se não vesse sido cons-truída uma competência cienco-tecnológica desde o nal do século XIX. Esta capacidade de absorvere rapidamente inovar foi conseqüência do estreito relacionamento entre as universidades e as empresas,bem parcular aos EEUU e, pelo menos nas primeiras décadas, de 1870 a 1914, sem a parcipação diretado Estado.

 Diferentemente da Grã Bretanha e de forma ainda mais acentuada do que visto na Alemanha, ointeresse pelas ciências aplicadas suplantou rapidamente o das ciências fundamentais e os cursos de

engenharia proliferam. A demanda por novos prossionais era extremamente elevada entre os trustesnorte-americanos que se consolidavam nos mais diferentes setores produvos. Antes do nal do séculoXIX, o estudante das grandes universidades norte-americanas já era um aluno em tempo integral, exclu-sivamente dedicado aos estudos e a sua qualicação prossional. Nos primeiros vinte anos do século XX,os engenheiros químicos, metalúrgicos e elétricos se mulplicaram pelo país. Eles denham uma fortebase, tanto nos conhecimentos das ciências “duras” (química, sica e matemáca), quanto nas prácas,protocolos e experimentos laboratoriais. Aliás, os laboratórios de ciência aplicada disnguiam cada vezmais os cursos e as novas formações em engenharia.

O presgio do Massachuses Instute of Technology vem desta época. Foi lá que foi criado o pri -

meiro curso de Engenharia Química. Em Oklahoma e em Wyoming, no Meio-Oeste, com a descobertade óleo, foi o curso de Engenharia do Petróleo que teve início. Nas Universidades de Wisconsin e deColumbia, igualmente estavam sendo iniciados o ensino em engenharia química e processos de reno.Foi ainda no MIT, antes da guerra, que Arthur D. Lile, fundador de um dos mais tradicionais “escritóriosde projetos e estudos de engenharia” do século XX, elaborou o que será conhecido como “operaçõesunitárias”. São as operações comuns a um largo espectro de produção de diferentes produtos químicos(processamento da polpa e fabricação de papel, produção de borracha, reno do petróleo e do açúcar...).Representavo deste movimento intelectual e marcando o pioneirismo, já em 1908, foi criado o InstutoAmericano de Engenharia Química. Tudo isso preparou a indústria para dar os saltos realizados em termosde reno de petróleo durante a década de 1920 e de desenvolver os processos petroquímicos, durante

a década seguinte. Depois da Segunda Guerra, as bases para dar connuidade à Revolução tecnológicaanterior estavam postas e elas serão a fonte dos novos lucros extraordinários para os grandes grupos pe-

6 - Os segredos de produção estão protegidos por sua natureza tácita, não codicável e, portanto, dicilmente transmissível. Muitas vezes, por isso,eles não estão sujeitos à proteção patentária.

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Estudos Estratégicos - PCdoB68

troleiros e petroquímicos.

1) A qea c explaó e a eca

O m da Segunda Guerra Mundial foi também o m de uma crise econômica prolongada. Para aspetroleiras, que cresceram contra a maré descendente do ciclo, ao longo de quase toda a metade do sé -culo XX, a parr de então, o impulso será revigorado e, na verdade, embalará trinta anos de prosperidadeininterrupta nos países ricos. Durante as décadas anteriores de guerras e crise, o capitalismo nha do

oportunidade de germinar as bases para uma nova e vigorosa fase de expansão. O grande capital petrolí -fero era um elemento central na retomada, por fornecer, a custos decrescentes, uma oferta crescente deenergia e, a parr deste momento, também de matéria-prima.

A prosperidade signicou um aumento quase exponencial da mobilidade das mercadorias e dosindivíduos, signicou também o surgimento de setores produvos inteiramente novos, como será o casoda indústria do plásco e signicou ainda a renovação de setores tradicionais, como o rápido incrementoda produção de alimentos; fundamental numa Europa connental destruída, derrotada e subitamenteinvadida pela miséria e a fome do imediato pós-guerra. Para prover mobilidade à sociedade, que emergia,eram necessários os derivados do petróleo. A gasolina, o óleo Diesel e o óleo combusvel conheceram um

crescimento acentuado do consumo em todo o período que se estende até 1975.

A naa é o novo derivado do petróleo, a parr do qual se ergueu a petroquímica e desta saíramos intermediários que, por sua vez, permiram a produção dos bens de consumo que caracterizaram oquodiano das famílias a parr da metade do século XX. As cores, os utensílios de cozinha, os móveis, ostecidos, em todos os cantos da residência, o petróleo se fez presente a parr da petroquímica. É a base daindústria do plásco. A indústria farmacêuca (e de cosmécos) e a agricultura (pelos ferlizantes, pesci-das e com os tratores e máquinas, que queimavam óleo Diesel) foram também fortemente impulsionadaspelos novos intermediários provenientes de processos que surgiram em torno do reno do petróleo. De-senvolvida durante as décadas de 1920 e 1930, a química orgânica de derivados do petróleo será o esteio

para a introdução de um novo padrão de consumo e de vida que angirá todas as classes sociais.

Para renar tanto petróleo, quanto era preciso e, a parr dos derivados, criar as bases industriais danova fase de ampliação do capital, não foi preciso somente aumentar a disponibilidade de petróleo, foipreciso produzi-lo a custo cada vez menores. A montante da cadeia de realização do valor, nas avidadesde exploração e produção, pode-se observar um movimento muito semelhante ao que foi observado como processamento do petróleo (cf. capítulo anterior). Entre a Primeira e Segunda Guerra, nos laboratóriosuniversitários e nos centros de pesquisas privados e públicos, o esforço cienco gerou um porólio deavanços que foram desenvolvidos para ns militares. A parr de 1945, eles encontraram aplicações ime-diatas na exploração de petróleo e delas surgiu a indústria geosica. Para a grande empresa, que contrata

o serviço de pesquisa geosica, o risco de se achar petróleo se reduz de forma signicava. Ao fazê-lo, aindústria do petróleo foi levada a ingressar na tecnologia de tratamento da informação muito antes docomputador e a dividir parte do ganho tecnológico, que resultou da queda dos custos, com setores e em -

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presas inovadoras originadas de setores produvos inicialmente distantes do petróleo.

No pós-guerra, a montante da avidade petrolífera, o progresso tecnológico vai além da prospecçãogeosica e da aplicação de algorímos matemácos. Em torno da construção do poço e de uma nova tec-nologia de perfuração – rotava – surgiu uma segunda indústria que assumiu, pelo seu impacto na forma-ção do custo nal da mercadoria, uma importância que é próxima ao das grandes companhias de petróleo

atuais. É a indústria para-petrolífera, ou de equipamentos e serviços para a produção de petróleo. Oscustos de desenvolvimento, extração e escoamento do petróleo dependem delas. As para-petroleiras sãopouco conhecidas, mas, Schlumberger, Halliburton e Baker-Hughes estão entre as maiores mulnacionaisdo mundo até hoje, com tamanho e lucravidade comparável ao das grandes petroleiras.

A postergação do esgotamento das jazidas, que tanto temiam os norte-americanos em 1926, foicando evidente com a gradual expansão da fronteira de exploração e produção e a seqüência de suces-sos exploratórios. Neste sendo, um primeiro passo foram as descobertas feitas no Meio-Oeste norte--americano, com o auxílio das novas técnicas geosicas e, parcularmente, da sísmica reexiva, que es-tava sendo testada por volta desta mesma época. A evolução da avidade e seu impacto em termos dedescobertas é detalhado no gráco ao nal deste capítulo.

A parr do nal da década de 1920, em conseqüência das descobertas e do aumento da produção, oexcesso de óleo bruto deprimiu os preços por um longo período. O esgotamento das reservas voltou a serassunto somente no nal da década seguinte, com os preparavos para a Segunda Guerra. Observe aindaque os preços não caíam ainda mais, como já foi explicado, em razão dos acordos e cartéis estabelecidospelo grande capital petroleiro (cf. cap. 5). Vale mencionar, por m, que o impacto das novas técnicas foimuito além dos EEUU. Com elas, foram descobertos e mapeados os gigantescos campos do Oriente Mé-dio que, após a guerra, por um tempo ainda, foram a principal fonte de renda ricardiana do grande capitalpetrolífero e que, em seguida, tornaram-se o principal instrumento do levante árabe pela independênciae o desenvolvimento regional.

Um segundo passo, no sendo de expandir a fronteira de exploração e produção, foi a descoberta eo desenvolvimento das jazidas de petróleo localizadas no mar. O processo de aprendizado tecnológico foibastante lento e, novamente, foram os avanços realizados durante o período entre as guerras que foramdecisivos. Eles permiram a indústria do petróleo conceber os meios necessários para buscar petróleonão apenas em pântanos, lagos e beiras de praia. Como já foi observado em outras ocasiões, as interfacesentre os setores produvos é agrante. Em torno das embarcações necessárias à produção no mar surgiua indústria “oshore”. A construção naval norte-americana e européia e, com elas, a indústria pesada dosdois lados do Atlânco Norte veram a oportunidade, então, de se reerguer sob bases completamentenovas.

Depois da Segunda Guerra, portanto, no petróleo, a indústria ressurgiu inteiramente renovada. Aorganização industrial da avidade petrolífera tomou dimensões verdadeiramente mundiais e a divisãodo trabalho ganhou uma complexidade notável. A connua redução dos custos e o aumento da dispo-nibilidade de bruto foram acompanhados pelo surgimento de algumas indústrias parcularmente espe-cializadas. Eram baseadas no conhecimento cienco, como é, em primeiro lugar, o caso da avidade deprospecção petrolífera: a busca de petróleo, que só é possível fazer por métodos indiretos.

Até a Primeira Guerra, a decisão da localização do poço era do “Coronel”, comandante das campa -nhas exploratórias, que envolviam duas a três dezenas de indivíduos com disposição para o trabalho duroe distantes da família. Entre as guerras, os avanços técnicos foram gradualmente incorporados à prospec-ção de forma a reduzir o risco de se abrir um poço seco. No pós-guerra, o número de trabalhadores nãodiminuiu, ao contrário, com as campanhas de aquisição no mar, as equipes foram mulplicadas por dois,

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ou três. Mas, desapareceram os militares (falsos ou verdadeiros) na liderança das campanhas explorató-rias e nenhum poço foi perfurado sem estudos geosicos prévios.

A capacidade do capital petrolífero de se aproveitar dos avanços externos à indústria demonstrou--se, desta vez, logo na primeira etapa da cadeia de realização de valor. Para diminuir o risco exploratório,foi preciso desenvolver os métodos indiretos de detecção das jazidas e, para tanto, contratar cienstas

e especialistas em geologia e, em seguida, em sica e em eletro-eletrônica. Eram domínios ciencosbastante distantes da rona das petroleiras, parcularmente a montante, aonde a tradição dos descobri -dores texanos, por muito tempo, ainda dominou as avidades exploratórias e sua cultura.

De qualquer forma, os primeiros avanços marcantes para o conhecimento do subsolo por métodosde observação indireta datavam do século XIX e foram feitos longe dos Estados Unidos. A experiência deMallet, em 1845, provava que os seismos provocados arcialmente produziam ondas sísmicas percep -veis à distância. Na década de 1870, os grandes seimos naturais eram estudados pelo Prof. Mohorovic, emseu Laboratório da Universidade de Zagreb. Ele sustentava a hipótese de uma separação entre a crosta eo magma da terra e de uma deriva dos connentes. A teoria da reexão e refração do Prof. Kno (1899) e

a Teoria da propagação das ondas dos Profs. Zoeppritz e Wichert (1907) serão os paradigmas sob os quaisse desenvolverão uma nova ciência – a Seismologia – e, algum tempo mais tarde uma nova prossão – oGeosico.

Em 1919, o engenheiro alemão Ludger Mintrop depositou a patente de um método de localizaçãode estruturas subterrâneas a parr do registro da refração das ondas sísmicas. Diversas campanhas ge-osicas foram realizadas na Europa Oriental para testar a técnica e, desde 1923, a empresa de Mintrop,Seismo, começou a ser contratada pelas petroleiras norte-americanas para campanhas de prospecçãono México e que, em 1924, deslocaram-se para o Texas. Foi lá que será idencado o domo de sal de Or-chard, o primeiro a sê-lo pelo método de sísmica de refração.

Na mesma época em que Mintrop desenvolvia seus trabalhos sobre a ulidade da sísmica de refra -ção, certas petroleiras veram sua atenção voltada para a possibilidade de ulização da balança de torção(teodolito magnéco), inventado pelo Barão Von Eörtvös em 1897 e, antes, usado na pesquisa mineral.Em plena Primeira Guerra, entre 1915 e 1917, centenas de estruturas petrolíferas conhecidas foram con -rmadas na Alemanha e na Austria, a parr do que viria a ser conhecida como prospecção gravimétricae magnetométrica, com a ulização da balança do Barão. Em 1922, a Shell ulizará o instrumento paracompletar o reconhecimento do campo de Horgada no Egito. No mesmo ano, o aparelho, espólio de guer-ra, foi levado para os Estado Unidos, para ser testado em estruturas pouco conhecidas. Em 1924, o domode sal de Nash foi detectado.

Entre 1925 e 1930, toda a costa texana e mexicana do Golfo do México foi prospectada e diversas jazidas foram idencadas como resultado das técnicas magnotométricas, gravimétricas e de sísmica re-fratária, associados aos estudos geológicos, que nham sido introduzidos pelo Capitão Lucas, em 1901.Aliás, Lucas nha nascido no Império Austro-Húngaro, nha formação de engenheiro e nha sido militarde verdade; na Marinha Imperial. Ele foi o primeiro, no Meio-Oeste a procurar, a parr da idencaçãodos domos de sal, localizar o primeiro poço. Do outro lado do Atlânco, a Anglo-Persian (futura BP) u -lizou a refração para explorar a região do ango Império persa. Ao longo das duas décadas seguintes,numerosas domos de sal foram idencados em todo o Oriente Médio, ajudando a localizar as maiores

 jazidas petrolíferas do mundo.

Contudo, a refração, a magnometria e a gravimetria idencavam apenas alguns domos de sal e nãopermiam a visão dos pers geológicos. Elas não eram capazes de idencar todas as “armadilhas ancli-

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nais”. Em torno da década de 1930, nos estados do Meio-Oeste e do Golfo do México, todos os domos desal, que podiam ser indicadas pelos métodos, já nham sido idencados. O capital petrolífero vai entãose interessar por outro método desenvolvido logo após a Primeira Guerra e em decorrência direta de suasaplicações militares: a sísmica de reexão. Muito depois, após a Segunda Guerra, foi sob esta nova técni-ca, que se assentou a geosica petrolífera e a connua queda do risco exploratório.

O desenvolvimento dos métodos de prospecção geosica realizou um grande passo em torno de1913, quando o sico-chefe da Submarine Signaling Co. de Boston, Dr. Reginald Fessenden inventou efabricou os primeiros instrumentos que permiam a gravação de ondas sísmicas (reexivas e refratárias).Eles foram os primeiros “geofones”, os receptores das ondas sísmicas. O objevo inicial era o desenvolvi -mento de equipamentos que permissem a localização de submarinos e icebergs. O Titanic nha afunda-do não fazia muito e a Primeira Guerra estava perto. Fessenden notou a possibilidade de aplicações paraa localização de reservas hídricas subterrâneas e recursos minerais. Os brevês foram depositados no anoseguinte.

À época, as principais pesquisas aplicadas utilizando a propriedade das ondas sísmicas eram

lideradas por físicos contratados pelas forças armadas. Pela avaliação das ondas sísmicas era possívelter uma idéia da localização das baterias da arlharia inimiga. Para tanto, receptores primários eramulizados nas frentes de batalha. A eclosão da Primeira Guerra impulsionou os trabalhos de pesquisa. Osaliados faziam testes na região parisiense e um americano parcipava como funcionário da Embaixadaamericana. Seu nome era J.Clarence Karcher e, após retornar aos EEUU e terminar seu “Ph.d.”, depositoualgumas patentes e, em 1921, juntou-se a dois Professores do Departamento de Geologia da Universi-dade de Ocklahoma (Dr. Haseman e Dr. Ohern) numa empresa que se chamou Geological EngineeringCorporaon. O nome consagrava o alcance da engenharia e a natureza interdisciplinar do conhecimentona busca do petróleo.

Porém, a conjuntura petrolífera não era favorável em razão das descobertas e recentes desenvolvi-mentos no Meio-Oeste (ver gráco a seguir). A parr de 1921, os preços do óleo bruto caíram e, após aúlma farta safra de descobertas, o interesse pela exploração se retraiu até por volta de 1925. Foi quandoKarcher encontrou Everee DeGolyer, então presidente da Amerada Oil, uma entre as grandes produto-ras independentes norte-americanas, que cresceram após o desmembramento da Standard em 1911.DeGolyer nha acompanhado com interesse as campanhas sísmicas, no México e no Texas, feitas peloalemão Mintrop e conhecia os trabalhos de Fessenden. Seu nome ainda esta presente numa das maisrenomadas “cercadoras de reservas” atuantes no mercado de exploração.

Com Karcher, antes de 1925, após mais de uma dezena de viagens, os dois compraram as patentes

de Fessenden e a rma Geophisical Research Corporaon of New Jersey (GRC) foi, então, estabelecida.DeGolyer era o presidente, Karcher, o vice e a Amerada Oil era a principal acionista. Após várias campa-nhas de prospecção sísmica e o desenvolvimento dos equipamentos originais de Mintrop, Fessenden eKarcher, DeGolyer é substuído na Amerada Oil. A petroleira muda sua políca de contratação das cam-panhas de prospecção e, por sua vez, Karcher deixa a GRC. Na oportunidade, junto com alguns outroscienstas e funcionários saídos da anga empresa, ele formou a Geophisical Service Internaonal, GSI.

Por décadas, a GSI inovou e liderou a indústria geosica norte-americana. Na Europa, era a empresade Mintrop, que tomou a dianteira (Prackla-Seismo). Mais tarde, ela terá como concorrente uma empresafrancesa e nalmente por ela será incorporada, a Companie Generale de Géophysique, CGG, que, hoje,

é a líder do mercado. Nos EEUU, após a guerra, a demanda por capacidade de processamento numéricogerada pela pesquisa geosica assumiu grandes proporções e, para atendê-la, a GSI criou uma subsidiáriapara fabricar máquinas de calcular: a Texas Instrument. Esta é mais uma empresa de tecnologia de ponta,

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Estudos Estratégicos - PCdoB72

parcipante dos primeiros desenvolvimentos da indústria de processamento de dados que é revoluciona-da com a chegada do transistor, no nal da década de 1950. Tanto na GSI, quanto na TI e igualmente nasempresas européias especializadas, o faturamento estava essencialmente baseado no conhecimento doprocessamento que permite visualizar os pers geológicos. Quem pagava era o capital petrolífero e todascresceram em torno da geosica petrolífera . As calculadoras TI até hoje existem e são reconhecidas pelaqualidade e conabilidade.

Em termos de organização industrial, é interessante detalhar a divisão do trabalho e o novo arranjoproduvo, muito diferente do anterior. A realização do valor toma forma cada vez mais complexas no sis -tema capitalista e o grande capital petrolífero se conforma às novas condições de produção. A crescenteespecialização e as inovações contratuais explicam a persistência na queda dos custos, o aumento daoferta de óleo bruto, a crescente diversicação dos usos dos derivados e a mulplicação dos transbor-damentos tecnológicos. Como no reno, o processo de rearculação em torno dos avanços ciencosenvolvendo indústria bélica, laboratórios de pesquisa, interesses militares e econômicos repeu-se e deunascimento à geosica. Em termos schumpeterianos7, a absorção da tecnologia nascente teve efeitosrevolucionários na exploração do petróleo.

Observe que os primeiros trabalhos de pesquisa foram desenvolvidos longe dos olhos e interessesdas empresas do setor petrolífero. Eram inovadores, ainda no sendo schumpeteriano, porque acredita-vam no retorno dos seus estudos. Na maioria, eram cienstas que, na medida em que tomavam consci -ência da validade de seus processos desenvolvidos nos laboratórios de pesquisa, anteviam as aplicaçõesindustriais possíveis. A preocupação em depositar os brevês, como nha sido no caso do reno, demons-trava a conança nos desdobramentos comerciais; em parcular, quando ulizados para achar petróleo.

A parcipação das petroleiras no desenvolvimento das técnicas geosicas foi posterior às aplicaçõesciencas, militares e navais. De início, ela se limitou ao nanciamento das campanhas de prospecção,

quando os novos métodos foram experimentados e, ainda, em casos parculares, ao nanciamento dasprimeiras rmas especializadas, como no caso da GRC, descrito acima. Mesmo nesses exemplos, aon -de a petroleira é que contratava, vale constatar a relava independência dos primeiros geosicos. Elesdenham um conhecimento cienco e técnico pouco disseminado e altamente complexo. Quando aAmerada Oil resolveu redenir os termos do arranjo contratual com sua subsidiária, bastou Karcher levarconsigo seus “pupilos”, para montar a maior empresa que a indústria conheceu.

Se a renda petrolífera passou a ser cada vez mais derivada da tecnologia, algumas entre as empresasque forneciam esta nova tecnologia, veram como se apropriar de parte destas rendas, para nanciaremseus próprios lucros e ampliações. Desde seu início, a prospecção geosica foi constuída como uma

avidade produva a parte; um mercado disnto. Os serviços eram contratados a terceiros e a naturezacienca da avidade permiu estabelecer, com alguma precisão, o campo de atuação das rmas na a-vidade geosica, realizada antes da perfuração de qualquer poço.

Foi pelos instrumentos de propriedade intelectual e por um longo aprendizado, que decorre dotempo entre a invenção e a inovação, que as empresas dos diferentes segmentos da indústria para-petro-lífera nascente (geosica, de poços e “o-shore”) dispuseram de algum poder de barganha, na negocia-ção dos contratos e dos preços dos serviços com as suas clientes. Doutro lado da mesa, estavam clientesespeciais: eram as grandes petroleiras e só algum controle sobre a tecnologia poderia lhes garanr algumpoder de negociação.

7 - No sendo de que as inovações proporcionam ganhos de produvidade signicavos e uma renda de monopólio (da inovação), que se caracte-riza por ser muito acima do normal, ou extraordinária. O inovador procura proteger seu monopólio, seja pelo aprendizado dicilmente reproduzível em curtoespaço de tempo, seja por instutos de propriedade intelectual.

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Antes da Segunda Guerra, os efeitos da evolução da geologia e da geosica já se zeram senr emtermos de descobertas de reserva. O gráco, a seguir, sublinha a importância das técnicas de prospecçãoe as suas conseqüências são visíveis pelo número de grandes descobertas. Vale reproduzir o comentárioque acompanha o gráco, no número da revista “Geophysics”, que data de 1949:

“Figure shows the Discovery rate of majors elds by ve years intervals. Five were found before

1990. The pace was substanally accelerated in early years of the present century when aggressive wild -cang brought results. The pace was stepped up further in the 1915-1919 interval, when the oil com -panies discovered geology, the latest step up came 1925-1929, when the geophysics discovery the oilcompanies. Each development established a higher level of discovery.”

O impacto na organização industrial da avidade se fez senr um pouco mais tarde, depois da Se -gunda Guerra. A aquisição dos dados geosicos, o processamento destes dados e a interpretação ganha-ram dimensão suciente para criar, cada um deles, mercados disntos, com diferentes arranjos contra-tuais. Embora entre as grandes petroleiras, exisssem (e existam) equipes de aquisição próprias, a maiorparte dos dados geosicos, recolhidos para busca de O & G, sempre foi adquirido por meio de contratos

com terceiros.

As rmas são especializadas na aquisição de dados. As equipes enterram dinamites e colocam linhasde geofones para captar o eco da explosão. No mar, onde a eciência do processo em razão do meio aquá-co é muito maior, o que permite um deslocamento mais fácil da fonte, com ros de bolhas de ar e bar -cos, que arrastam redes de hidrofones, elas podem mapear milhas e milhas da supercie submersa. Porsua vez, o processamento crescente destes dados sísmicos foi a interface mais evidente entre o petróleoe a indústria informáca, que surge com o Eniac, o primeiro computador, logo depois da Segunda Guerra.

Dos cálculos nucleares, balíscos, metereológicos, chegou-se aos algorímos numéricos aplicadosà sísmica reexiva. Isso aconteceu durante a década de 1950. O transistor, inventado pela empresa norte--americana Fairchild, mulitplicou a capacidade de tratamento. Vinte anos depois, na década de 1970,quando os menos de trinta super-computadores faziam a diferença na busca por petróleo, mais de 90%da capacidade de processamento era ocupada pela geosica petrolífera. As grandes petroleiras invesramno armazenamento e processamento e, portanto, em computadores de úlma geração desde as primei-ras horas da era da informáca. A razão eram os ganhos propiciados pela geosica. Quanto à interpreta -ção, considerando seu aspecto estratégico na decisão de localização da perfuração do poço, esta semprefoi uma avidade em que a competência interna das grandes petroleiras foi de excelência.

A complexidade instucional desta nova organização industrial, subdividida em diferentes merca-dos, marcou a ampliação do capital petrolífero, que não será mais concentrado na mão apenas das petro -leiras, mas também dos provedores das tecnologias, exatamente daqueles que permiam a connua re-dução de custos. As novas empresas e os novos mercados foram construídos em torno de especializaçõesancoradas fortemente nos avanços ciencos feitos em laboratórios próprios e universitários.

O ganho é facilmente percebido na redução da relação de poços secos para cada sucesso explorató-rio. Antes da Segunda Guerra, era preciso abrir 20 poços e apenas 1 encontrava petróleo ou gás natural.Em 1960, a taxa de sucesso sob para 1 para 10 e, duas décadas depois, ela alcança 1 para 7. Não apenasfura-se menos, fura-se mais profundo; o que é muito mais caro, exatamente porque a taxa de acerto é

maior. A geosica foi responsável por uma revolução setorial, bastante especíca, mas, com efeitos pro-longados e que se reetem na organização industrial e na manutenção das rendas ricardianas, ao diminu-írem signicavamente o risco do poço pioneiro e o custo exploratório. Mas, não foi a única avidade quecontribuiu para redução do custo. Em torno da perfuração rotava observou-se o mesmo processo, talvez

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Estudos Estratégicos - PCdoB74

com menos apelo à ciência inicialmente. Os resultados, em termos de organização industrial, ganhos deproduvidade e redução dos custos, foram bastante semelhantes e, principalmente, complementares.

2) E pç, ace a úa paa-pelífea

A nova organização industrial foi resultado de uma crescente segmentação das avidades a mon-

tante da cadeia de agregação de valor do petróleo. Assim como foi com a campanha de coleta de dadose a indústria geosica, em torno da construção de poços, surgiram mais dois setores: a indústria de equi -pamentos e serviços petrolíferos e a indústria o-shore. Essas três novas avidades produvas (gosica,enegenharia de poço e o-shore) foram responsáveis pela redução dos riscos exploratórios, dos custosde desenvolvimento das jazidas e viabilizaram o aproveitamento do petróleo em condições cada vez maisadversas. A exploração e produção no mar estenderam, de forma inequívoca, as fronteiras do capital pe-trolífero para um espaço antes indevassável e que lhe deu fôlego para abastecer o mundo em energia acustos decrescentes e connuar a sua reprodução ampliada.

A lógica do aprofundamento das especializações é bem conhecida pelos economistas. O aumentoda escala de produção permite uma melhor divisão do trabalho, descobriu Adam Smith em sua fábrica dealnetes. Ao decompor tarefas complexas em diversas outras mais simples, o aprendizado ca facilitadopela repeção e, assim, mais rápido de ser apreendido. Ao decompor tarefas complexas em diversas maissimples, a mecanização (e mais tarde a automação) pode ser introduzida para aumentar a velocidade daprodução. Por m, as etapas, que formam as ronas de trabalho, podem ser aperfeiçoadas a parr daexperiência de cada um dos trabalhadores que a ela se dedicam. Cada especialista fará cada vez melhoro que ele já faz, inclusive com o connuo aperfeiçoamento de seus instrumentos de trabalho. No chão dafábrica, ou no encadeamento das avidades necessárias à produção de derivados de petróleo, o resultadodo aprofundamento das especializações é o mesmo: um substancial ganho da produvidade do trabalho.

Estender a divisão do trabalho, da esfera fabril para a esfera industrial, foi um lento processo deaprendizagem para o grande capital petrolífero. No campo de produção, em torno do poço, a diferencia-ção das tarefas acompanhou o surgimento de diversos mercados especializados. Ocorria, então, a xaçãoda técnica rotava de perfuração como “paradigma tecnológico”, nos termos de Thomas Khun. Os avan-ços incorporados à idéia do Capitão Lucas, realizados nas três primeiras décadas do século, viabilizaramsua ulização nos mais diferentes solos. Depois da Segunda Guerra, o método de perfuração rotavatransformou-se no único método para abrir poços de O & G, algo bastante raro em se tratando de tecno-logia.

Na medida em que a divisão do trabalho se aprofundou, foram abertas as primeiras empresas es-pecializadas, quase todas assentadas em inovações que traziam melhorias à técnica rotava. Ela estavasendo colocada à prova em condições cada vez mais diceis e sob a pressão de uma demanda crescentepor petróleo. Antes da Segunda Guerra, as grandes para-petroleiras, que nham o nome de seus funda-dores, como Hugues, Schlumberger, Haliburton e Baker, já ofereciam seus equipamentos e serviços e asprimeiras fortunas da avidade já nham sido amealhadas. Muito mais tarde, durante a década de 1960,foram essas empresas que zeram o esforço para adaptar o aparelho de perfuração rotava às condiçõesde exploração no mar, o que representou um desao tecnológico maior para a engenharia e a indústriapara-petrolífera. Vinte anos depois, na década de 1980, quando a indústria do petróleo experimentavasua úlma maré montante durante o século XX, foram ainda essas mesmas empresas que lideraram aexpansão das avidades em direção aos oceanos em águas cada vez mais profundas.

O poço de Spindletop, aberto pelo Cap. Lucas, é considerado aquele que deu início a moderna indús-tria de fornecimento de equipamentos e serviços petroleiros. Na recém-descoberta província petrolífera

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Dossiê I.5 - A questão energéca   75

do Texas, as condições para a construção do poço eram muito mais exigentes. Eles eram mais profundos eabertos em formações não consolidadas. Nessas condições, a rotação da broca permia uma perfuraçãocom menos interrupções e acidentes. Coube a Lucas também ulizar uma lama de perfuração, que erabombeada enquanto se perfurava, para lubricar e trazer consigo os sedimentos escavados pela broca.

Entre o poço de Drake, aberto em 1859, com 69,5 pés de profundidade, e o de Lucas, em 1901,

com 1.100 pés, a diferença foi o aparelho rotavo, que substuía os milenares aparelhos a cabo. A seguir,tudo vai mudar no campo de petróleo. Observa-se um processo de adaptação e padronização tecnoló-gico, que se constuiu num lento aprendizado nas ciências da engenharia e fonte de enormes ganhoseconômicos. Entre o aparelho rotavo da primeira década do século XX e o ulizado depois da SegundaGuerra, a complexidade crescente dos desaos tecnológicos aprofundou a especialização, a mecanizaçãoe a automação. Embora em escala muito maior, a sonda de perfuração rotava em operação atualmente,conceitualmente, é o mesmo aparelho de Spintletop. Foi com esse aparelho rotavo que a profundidadelimite dos poços foi connuamente ultrapassada. Ela era de menos de mil metros em 1900, um séculodepois, os limites para a perfuração de um poço exploratório vão além de dez mil metros.

Em 1901, as campanhas exploratórias no Meio-Oeste abrem uma nova fronteira que recuaram otemor de esgotamento das primeiras reservas norte-americanas situadas no Nordeste do país. O crescen -te consumo de petróleo e as novas condições de produção propulsaram a demanda por equipamentos eserviços petrolíferos. Na construção de poços isso foi agrante. No Texas, as jazidas eram encontradas amaiores profundidades, em camadas de solos menos consolidadas e com freqüentes desmoronamentosdas paredes dos poços. Na mesma época, outro problema crônico, também se repea nas praias califor-nianas: eram as inltrações de água, que acabavam por inundar o poço. Foi para resolver esses problemasque os primeiros engenheiros apareceram nos campos de petróleo. Eles traziam duas soluções imediatas:a ulização de tubos em aço (“casings”) para evitar os desmoronamentos e a cimentação das paredescontra as inltrações.

Além dos tubos e cimentos especiais, no método rotavo de perfuração, um elemento que ganhouimportância crescente foi a broca de perfuração. A peça é colocada abaixo da coluna de perfuração, quena verdade é uma grande haste que promove a rotação da broca no nal da coluna. A inovação, nessedomínio, ocorreu no início do século XX e permiu ao aparelho rotavo ter o mesmo desempenho que osaparelhos a cabo, nos subsolos mais consolidados.

A inovação foi fruto da mente de Howard Robard Hughes, uma das maiores fortunas norte-america-nas e que foi toda construída a parr de sua invenção8. Em 1908, ele concebeu e patenteou as primeirasbrocas bicones, cuja vantagem era que elas eram adaptadas ao trabalho em formações geológicas mais

duras. Em 1909, foi criada a The Sharp Hughes Tool Co., para fabricar as brocas, que ele a denominou eminglês “rolling cuer rock bit”. Em 1914, um modelo que possuía três cones, que pivotavam, foi lançadopela empresa de Hughes. Foi esta broca tricone que revolucionou a indústria de perfuração, ao permirum signicavo aumento do desempenho da sondas com aparelhos rotavos.

O império de Hughes estava diretamente relacionado à importância estratégica da peça que eledesenhou entre 1908 e 1914. A coluna de perfuração, a broca e suas conexões são as peças mais sujeitasa quebras na operação do aparelho rotavo. Quanto menos interrupções, em razão das quebras, melhor.Além disso, a velocidade de penetração no solo está diretamente relacionada com a qualidade da broca.Em conseqüência, o desempenho do aparelho passou a ser progressivamente mais dependente do po

de broca que estava sendo ulizado.

8 - No lme “O aviador”, o excêntrico personagem retratado é o lho de Howard Hughes, a quem coube gastar parte da fortuna do pai produzindolmes para Marylin Monroe, comprando estúdios de cinema na Califórnia e abrindo uma fábrica de aviões e foguetes que até hoje existe.

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Estudos Estratégicos - PCdoB76

O fornecimento das brocas de perfuração foi o primeiro mercado para-petrolífero estabelecido comfronteiras bem precisas. A concepção, a fabricação e o recondicionamento da peça tornaram-se, desdepor volta de 1910, uma avidade a parte inteira, a montante da produção do petróleo. Eram necessáriosestudos de engenharia extremamente soscados, pouco correntes até então nos campos de petróleo.Era necessária também uma competência na usinagem de peças e de pesquisa na busca de novos mate-

riais.

Inicialmente, os dentes dos três pivôs eram de diamantes naturais, depois substuídos pelos dia-mantes negros vindos da Bahia; eles eram de menor “carat” e mais baratos. Mais tarde, eles foram subs -tuídos por diamantes angolanos e, por m, na década de 1960, por diamantes arciais (PDC). Além detudo, a fabricação de brocas exigia um engajamento do fabricante no campo de produção e nas campa-nhas exploratórias, uma vez que, para cada formação geológica e para cada fase da escavação do poço,exisa um modelo mais apropriado.

O papel do segredo e das patentes, como já nha sido observado na geosica e no reno, foi fun-

damental neste início dos negócios para-petrolíferos. As batalhas jurídicas em relação aos brevês foramnumerosas e prolongadas. O esforço formal em pesquisa e desenvolvimento era bastante signicavo. Oprimeiro laboratório de construção e testes de brocas foi erguido pela Hughes Co em 1911. Os segredosdos processos de usinagem e os brevês, que protegiam cada modelo, eram as garanas de lucro dos fa -bricantes. Eles asseguravam uma renda de monopólio tecnológico, base da expansão inicial da empresade Hughes, mas, também de muitas outras que, até meados da década de 1980, disputavam o mercado:Reeds Tool, Security-Dresser, Smith Ind. e Baker Co.

Em razão de jazidas cada vez mais profundas e da velocidade da rotação, as quebras e trincas nascolunas e nos tubos eram freqüentes e era claro que o aço ulizado teria de ser mais duro e resistente.

Além disso, novas peças e componentes, para descer a coluna e os tubos, precisavam ser concebidos paraevitar as freqüentes interrupções. As quebras ocorriam quando as pontas dos tubos eram amassadas con-tra as paredes dos poços, ou ainda quando o tubo, que fora colocado na base, simplesmente cedia sob opeso de todo o resto.

Foi R.C.Baker que trouxe uma solução para o problema ao propor um “casing shoe”, peça compostade uma liga especial, dentada em sua parte inferior. Ela precedia o tubo quando ele era baixado. Bakerera um especialista em perfuração, que conhecia todas as operações e foram muitas as inovações queaportou em diversas avidades realizadas em torno da sonda de perfuração. Sua empresa se tornou ra-pidamente uma, entre os cinco maiores grupos especializados na construção do poço. No nal do século,as empresas de Baker e Hughes se uniram para formar a Baker-Hugues; juntamente com Halliburton,constuem-se os dois maiores grupos norte-americanos da indústria para-petrolífera atual.

Desde o início do século XX, com a chegada do cimento dentro dos poços, os engenheiros se ze-ram presentes nos campos de petróleo. A cimentação nha como objevo proteger a seção produtoradas inltrações de água e gás bastante freqüentes nos poços abertos nas praias californianas. Até porvolta de 1905, o serviço era feito às cegas. Foi quando Almand Perkins depositou a patente de um “twoplug cemenng method”, onde duas grandes “rolhas” eram usadas. A primeira era colocada em baixo ea segunda, na parte de cima, ia empurrando o cimento para traz do tubo de perfuração. Quando as duaspeças se encontravam o serviço estava completo.

A empresa de Baker também se interessou pela cimentação quando os poços no Texas deram osmesmos problemas de inltração. Em 1912, ele depositou o brevê de um método semelhante, o qual cha-

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mou de “cement retainer”. Posteriormente, durante a década de 1930, com a chegada dos compressorese bombas de alta pressão, as técnicas de “cement squeezing” fazem da empresa de Baker um fornecedorobrigatório. Um terceiro especialista que se interessou pela cimentação foi Erle Haliburton. Ele conheceraPerkins e trabalhara com ele até o nal de 1916, quando resolveu parr para o Meio-Oeste.

Halliburton inicialmente desenvolveu um método para localizar aproximadamente onde estava o

“plug” , ou “rolha”, dentro da coluna do poço. Em 1921, ele requereu a patente dum “method of hydrangcement” , ou o “Jet cement mixer”. Mais tarde, Perkins e Haliburton estabeleceram um acordo para quecada um usasse a licença do outro nas suas respecvas áreas de atuação (Califórnia e Texas). Durante adécada de 1930, ambos assumiram a liderança nos serviços de cimentação, sem travarem entre si qual-quer compeção. Em 1940, Halliburton acabou por incorporar Perkins e não parou de crescer.

De seu mercado original, a cimentação de poço, a empresa conseguiu extrair um valor bastantesignicavo. Ela se diversicou, primeiro, para outras avidades especializadas ainda em torno do poço.Em seguida, parcipou avamente da exploração e desenvolvimento dos campos em mar. Na década de1990, a diversicação se acentuou e orientou-se para setores econômicos distantes do petróleo. Como

no caso das petroleiras, o poder econômico da empresa se fez mais e mais presente. Em pleno no séculoXXI, Halliburton foi a fornecedora de “soluções logíscas e de segurança privada” para o Departamentode Defesa durante a ocupação do Iraque. Isso quer dizer que o grupo cuidava desde o supermercado dosmilitares até as escoltas de civis. O Vice-Presidente de George Bush Jr. era Dick Cheney, ex-presidente daempresa.

Na Europa, igualmente estava ocorrendo o mesmo fenômeno de crescente especialização e é curio-so observar que, na França, um país desprovido de grandes jazidas de petróleo, tenha ocorrido grandesinovações. Em 1920, Conrad Schlumverger sustentou sua tese de doutoramento na Escola de Minas deParis: “Etude sur la prospecon électrique du sous-sol”. Os primeiros estudos nham sido iniciados em

1912. Muitas pesquisas foram necessárias para que, nalmente, o banco de sua família nanciasse acriação da empresa em 1927, com o objevo de comercializar o método. Nos dois anos seguintes, aSchlumberger Co realizou sondagens dentro de poços perfurados na região de Baku, na URSS e no Lagode Maracaibo, na Venezuela. No nal de 1929, as operações foram realizadas na Califórnia. Em 1932, aShell Oil Co, que nha testado o método anteriormente, assinou com a Schlumberger seu primeiro grandecontrato nos EEUU.

A introdução dos aparelhos inventados e desenvolvidos por Conrad provocou uma transformaçãotão profunda quanto à broca tri-cone de Hughes, ou à sísmica de refração de Mintrop, ou à reexivade Karcher. A inovação simbolizava, em primeiro lugar, a chegada da engenharia elétrica no domínio da

construção do poço. Os aparelhos concebidos por Conrad permiam uma avaliação precisa das poten-cialidades das formações que estavam sendo perfuradas, sem que para isso fossem necessárias as carase demoradas operações de “carotagem”. Colunas cilíndricas de amostras do terreno (“carotas”) eram,de tempo em tempo, reradas e seguiam para os laboratórios de paleontologia, para serem analisadas.Muito rapidamente, os trabalhos de sondagem elétrica do poço passaram a ser usados para todos os nse o serviço de perlagem (“logging”) tornou-se um serviço críco, indispensável para as operações decimentação, colocação de tubos e perfuração das paredes do poço.

Conhecer com precisão as condições do cimento, em zonas de produção situadas a centenas demetro de profundidade, não é evidentemente tarefa fácil. Em 1934, Conrad Schlumberger imaginou um

“thermometric method of determinang the top of cemenng behind the casing”, que permia controlaros trabalhos de cimentação e orientar a perfuração da parede que seria feita em seguida. A empresa,portanto, passou a fornecer dois serviços: a perlagem de poço aberto, para avaliação da jazida e a per-

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Estudos Estratégicos - PCdoB78

lagem de poço com tubos, para os serviços de completação do poço.

Como no caso da prospecção sísmica, a sondagem de poços é resultado dos métodos indiretos dedetecção. A avidade surgiu e permaneceu fortemente baseada no avanço do conhecimento cienco. Acapacidade de aquisição e de processamento dos dados obdos passou a depender crescentemente dosdesenvolvimentos da indústria eletrônica. Schlumberger, para assumir a posição de quase monopolista

em seu mercado de origem até hoje, invesu pesadamente em componentes eletrônicos, equipamentosde alta soscação tecnológica e programas de computador9. A trajetória não é muito diferente daquelaobservada pelos grandes grupos químicos norte-americanos após a Primeira Guerra como foi visto (cfcap ??). Os lucros acumulados em função do monopólio tecnológico permiram fazer de Schlumbergerum grupo extremamente diversicado, que fabrica de contador de luz (digital e ultra sensível) até equi -pamentos de perlagem, sendo atualmente o maior conglomerado de origem para-petrolífera, que não écontrolado pelo capital norte-americano.

A segmentação das avidades parece não ter m. A crescente divisão do trabalho no interior daindústria se jusca pelos ganhos de segurança, pela queda no número de paradas, pelo aumento da

precisão das avaliações etc. Tudo isso reduz as despesas de exploração e permite descobrir e desenvolvergigantescas reservas em profundidades cada vez maiores e em terrenos cada vez mais diceis. Assim, amesma evolução pode ser observada no mercado fornecedor de lamas de perfuração, que também setornou um elemento críco das operações. A parr de 1920, a difusão dos aparelhos rotavos nos EEUU,que são grandes consumidores de lamas de perfuração, transformou este insumo em algo muito maisvalioso do que o nome pode indicar.

A composição da lama de perfuração foi sendo aperfeiçoada, ela foi ganhando valor e gradualmenteas interfaces com outras indústrias foram aparecendo; aliás, como já foi observado em outras ocasiões.Na perfuração rotava, a lama tem algumas funções primordiais: ela lubrica a broca, traz com ela os

destroços provocados no solo pela rotação e penetração da broca e, com sua pressão, pode impedir umescapamento de gás que, muito provavelmente, vai provocar uma explosão (“blow-out”). As explosõesdeste po foram freqüentes na exploração do petróleo até o início da década de 1920 e o controle dapressão pela lama era determinante para evitar o problema. De início, em razão da importância dos com -ponentes minerais desta lama, os primeiros fornecedores trataram de assegurar a propriedade de jazidasde barítono. Foi o caso da Baroid, que liderou o mercado por décadas.

Em seguida, foram os componentes químicos que passaram a ser adivados. No início da décadade 1930, a Dow Chemical abriu uma subsidiária, Dow Well Serv., somente para fornecer adivos químicospara a lama de perfuração e para demais operações nos poços. Em 1942, o engenherio G.Miller concebeu

as primeiras lamas com base em óleo e criou a Oil Base Co que, por décadas, foi referência na matéria.Após a Segunda Guerra, J.Hayward, além de fornecer a lama, conforme a necessidade do cliente, e de ge-renciar seu uso, durante as operações de perfuração, começou também a analisar a composição da lamaque saía do poço. Em pouco tempo, esta passou a ser uma avidade por si só. Graças à qualidade e aonúmero de informações que podiam ser obdas, a análise da lama (“mud-logging”) tornou-se capital nasoperações de perfuração no mar. Depois de 1980, a evolução da broca e dos pers geológicos atravessa-dos pôde ser monitorada permanentemente através da lama, o que permiu muito maior segurança e aomização do aparelho nas operações.

O impacto da introdução e difusão das diversas inovações tecnológicas descritas acima e da trans-

formação estrutural resultante, a montante da indústria, foi visível em todos os sendos. Um tradicionalindicador da avidade é o número de poços completados por ano. Em 1935, foram completados 24.850

9 - A certo momento, chegou mesmo a ser proprietária dos Laboratórios Fairchild, onde nasceram os primeiros transistores e circuitos integrados.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   79

poços. Às portas da guerra, em 1941, esse número subiu para 32.510. Após uma rápida retomada e areconstuição das equipes de perfuração, em 1948, o número já era de quase 40.000 poços completa -dos (39.477, mais exatamente). Em meados da década seguinte, em 1955, foram completados 58.271 ea média anual, no início da década de 1960, estava em torno de 50.000 poços completados por ano. Erasimplesmente o dobro da média de trinta anos antes.10 

Na década de 1950, não se perfurava um número muito maior de poços de O & G, mas também,eles eram cada vez mais profundos e, portanto, complexos em termos de construção. As promessas quefaziam os inovadores da década de 1930, quanto às soluções que traziam para melhorar o método rota -vo de perfuração, zeram-se senr imediatamente depois do m da Segunda Guerra. Entre 1927 e 1958,a profundidade média dos poços completados foi mulplicada por três, passando a 8.046 pés (2.400metros) para 25.340 pés (7.700 metros). Se considerados os recordes, a profundidade de 15.000 pésfoi ultrapassada em plena guerra, em 1944, e a profundidade de 20.000 pés em 1955. Assinale-se que,enquanto isso, as explosões, os acidentes e as interrupções estavam sendo reduzidos drascamente, aponto de passarem de freqüentes a raros depois da Segunda Guerra.

O sucesso da busca concomitante pelo aumento do rendimento e pela expansão da fronteira daprodução explica a capacidade que a oferta norte-americana teve para responder à crescente demandapor petróleo. Explica também a liderança tecnológica incontestável que o capital norte-americano para--petrolífero assumiu e a sua rápida ampliação nas décadas que se seguiram ao m da guerra. A consoli-dação da técnica rotava trouxe um novo patamar de produvidade. Após a guerra, não se furava apenasmais poços por ano e eles não eram somente mais profundos, se furava muito mais poços e muito maispés, com o mesmo aparelho. Em 1956, um aparelho de perfuração furava em média duas vezes mais péspor ano que um aparelho na década de 1930: 48.583 pés por aparelho, em 1956, contra 23.844 pés, em1938. E, embora fossem mais profundos, mais diceis a abrir e completar, em 1956, um aparelho comple -tava quase o dobro de poços do que um aparelho em 1938.

A Segunda Guerra contribuiu de forma decisiva para esse desempenho e não apenas porque partedas inovações iniciais veram origem no esforço de pesquisa militar. A função das crises é a destruiçãodo capital, ensinou Marx. Seja no domínio industrial, tecnológico, ou nanceiro, ela serve para anular oscustos irreversíveis, que adviriam de uma mudança profunda e compulsória, em decorrência do esgota -mento da dinâmica de reprodução do capital anterior. É preciso abrir espaço para a inovação, que traz osnovos ganhos extraordinários de produvidade e, para tanto, a base tecnológica anterior deve ser elimi -nada. Schumpeter sublinhou o mesmo fenômeno, quando falava do caráter simultaneamente destruidore criador da inovação.

A guerra é uma crise onde a destruição não se resume a valores monetários, ela causa uma destrui-ção sica. Antes de sua eclosão, o parque de equipamentos misturava ainda aparelhos a cabo e rotavos,aparelhos ainda movidos a caldeiras e modelos superados. Em 1941, somando todos eles, estavam emoperação 4.446 sondas de perfuração. Em 1943, o número de sondas nha sido reduzido em um terço eestavam em serviço 3.114 aparelhos. Equipamentos e peças deixaram de ser fabricados e os aparelhos emuso estavam sendo gradavamente canibalizados. Os aparelhos velhos e a cabo, assim que quebravam,deixavam de ser substuídos. Três anos após a guerra, os indicadores de desempenho da avidade deperfuração já reeam a renovação dos aparelhos que estava em andamento.

As informações, que se seguem, são reveladores sobre o impacto econômico dos ganhos obdos

com a renovação dos equipamentos e a consolidação da técnica rotava, como padrão único na perfura-ção de poços de petróleo. No primeiro gráco, encontra-se a evolução dos custos da avidade de perfu -

10 - A fonte para todos os indicadores de desempenho da indústria de poços norte-americana deste capítulo é o American Petroleum Instute (API).

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Estudos Estratégicos - PCdoB80

ração. A linha connua é o custo por pé furado, que não mudou muito entre 1935 e 1957; na verdade, elecaiu ligeiramente. Em 1935, todas as províncias petrolíferas norte-americanas confundidas, a perfuraçãopor pé custava em média 5,0 dólares. Em 1957, o custo era de 4,6 dólares por pé. Se considerada a in -ação em mais de vinte anos e que os valores não estão corrigidos, a queda de custo obdo é notável.Decorrência dos desenvolvimentos nas brocas, nos sistemas de circulação da lama, nos equipamentosde controle e dos aparelhos de perfuração, um engenheiro, nos anos 1950, perfurava mais rápido, maisprofundo e mais barato que um Coronel na década de 1930.

Primeiro Gráco

No segundo gráco, podem ser acompanhadas duas informações sobre as avidades petrolíferasnorte-americanas: a parcipação dos serviços de terceiros nos pés perfurados e número de pés perfura-dos por ano. O salto entre antes e depois do conito militar é agrante. A contratação de empresas espe-cializadas em perfuração já era um arranjo majoritário em 1935. Essas empresas, que eram proprietáriasdas sondas de perfuração e ofereciam o serviço de abertura do poço, eram responsáveis por cerca de 70%dos pés furados antes da Segunda Guerra. Em 1948, elas já respondiam por 85 % dos pés perfurados na-

quele ano. No nal da década de 1950, em 1959, apenas 5% eram perfurados pelas próprias petroleiras.Faz muito, portanto, que o grande capital petroleiro deixou de abrir e construir poços, e passou a tercei-rizar este trabalho.

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Segundo Gráco

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O impacto do conito militar, do esforço industrial realizado no período e do desmonte das equi -pes exploratórias (a maioria dos trabalhadores foi para a frente de batalha) está bem ilustrado na curvainferior do segundo gráco da página seguinte. Esta curva é o número de pés perfurados por ano nosEEUU. Durante a guerra, os ganhos obdos anteriormente foram anulados. De cerca de 100 milhões depés abertos por ano, no nal da década de 1930, o número caiu para pouco mais de 61 milhões pés em1943. Em contraparda, o efeito da destruição da base anterior e da renovação do parque de aparelhosé facilmente percepvel. Após a guerra, o crescimento foi quase exponencial: em 1950, já se angia 138milhões de pés perfurados e, em 1956, o recorde, chegou-se a 234 milhões de pés, quase quatro vezes

mais que em 1943.

É importante notar que a operação da sonda era apenas um aspecto da especialização das funçõesque se verificava a montante da indústria do petróleo. Vários mercados surgiam simultaneamente emtorno da construção do poço. Observe, no primeiro gráfico da página anterior, o comportamento da curvatracejada. Ela reflete, entre 1935 e 1957, a evolução do custo total do poço; ou seja, a sua perfuraçãoe construção. No primeiro ano, a média do custo estava em 8 dólares por pé. No final do período, essecusto tinha subido para 13,6 dólares. Novamente, tendo em vista a inflação durante o período, que nãofoi retirada destes valores, este aumento deve ser relativizado. De qualquer forma, ele se refere ao totalque se deve pagar ao contratado para a perfuração e também aos demais contratados. Assim, o valor

adicional se refere aos numerosos outros serviços e equipamentos que permitem a “completação” dospoços cada vez mais profundos e com cada vez mais vazão.

Os fornecedores desses serviços e equipamentos eram exatamente aquelas empresas especializa-das que surgiam com o aprofundamento da divisão do trabalho a montante da indústria. As empresas sedesenvolveram a parr do fornecimento de peças, equipamentos e métodos, sob os quais elas denham,de uma forma ou de outra, a propriedade tecnológica. Para as petroleiras, os permanentes e conseqüen -tes ganhos de escala, o poder de barganha nas negociações e seus próprios invesmentos em pesquisae desenvolvimento permiram facilmente, a elas, pagar o sobre-custo da nova tecnologia, remuneraro capital e se apropriar das rendas geradas pelas novas jazidas. Isto cou ainda mais patente quando,

a parr do nal da década de 1950 e início da década de 1960, embora exigindo invesmentos iniciaismuito maiores, com a consolidação das capacidades tecnológicas acumuladas até então, a exploração e aprodução de petróleo no mar foram viabilizadas economicamente.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   83

3) da ea a a: a expaã a fea e avea “-he”

O aproveitamento das jazidas localizadas no mar é quase tão ango quanto na terra. Há mais de umséculo, em 1899, na praia de Summerland na Califórnia, começava a exploração e o desenvolvimento dereservas situadas a pouca profundidade e que eram acessíveis por meio de longos decks. Depois disso, o

capital petroleiro testou diferentes soluções e a diculdade consisa basicamente em encontrar o suportepara o aparelho de perfuração rotavo. A viabilidade técnica da exploração e produção do petróleo de -pendeu da concepção de uma estrutura que fornecesse suciente espaço, sustentabilidade e mobilidadepara os equipamentos.

Acima dela, as operações do aparelho também foram revistas, melhoradas e o desao das crescen-tes profundidades acabou dando origem, a parr da década de 1980, a uma nova tecnologia de perfura-ção. Ela se uliza de brocas de PDC, motores de fundo de poço, tubos exíveis, bombas e compressores dealta potência, cabeças de poços submarinas e sistemas de telemetria pela lama. Com eles, hoje, é possívelabrir vários poços extremamente longos, profundos, direcionados, até mesmo horizontais e delgados;

tudo a parr do mesmo ponto de ancoragem.

A questão do suporte foi resolvida, ao longo do tempo, graças a uma série de soluções que, secolocadas uma após a outra, formam um autênco encadeamento tecnológico do po “scale up” 11. Otamanho e a complexidade, neste caso, estavam relacionados à profundidade. Eram feitos protópos,eles eram testados por alguns anos, aperfeiçoados e originavam os projetos que, por sua vez, ganhavamréplicas cada vez maiores. Cada solução de suporte será extrapolada até sua profundidade limite. A par-r daí, um novo conceito tomava o seu lugar, a complexidade aumentava e o processo de aprendizadorecomeçava. Assim os longos decks (ou pontões), californianos foram substuídos pelas plataformas demadeira, a parr de 1911, para permir a produção das jazidas localizadas abaixo do Lago Caldo, no Meio-

-Oeste norte-americano.

Esta primeira mudança já foi uma epopéia que sinalizava as diculdades que estavam por vir. Aprofundidade não era grande, não ultrapassava dez pés, ou quase três metros e meio, mas era precisoencontrar espaço e sustentação para a sonda de perfuração, caldeiras, motores e peças. A construção dasplataformas, a instalação dos aparelhos, os trabalhos de perfuração e de “completação” foram realizadospor uma das petroleiras norte-americanas originadas na região, a Gulf Oil. Era negócio reservado para ogrande capital, a Gulf teve de montar uma frota numerosa de embarcações. Era a primeira frota para ex -ploração e produção e contava com 3 rebocadores, 11 barcas petroleiras e 36 barcos de apoio.

Em meados da década de 1920, à época das descobertas no Lago Maracaibo, acumulações expres -sivas foram aproveitadas usando a mesma técnica. Contudo, a profundidade era muito maior neste caso(120 pés, ou 40 metros de profundidade) e exigiu uma extrapolação do conceito de se xar o aparelhosobre uma plataforma em madeira. Além disso, no lago, os “teredos”, um pequeno roedor, destruía rapi-damente as madeiras menos duras. As madeiras boas encareciam muito a construção das plataformas euma solução foi encontrada em 1927. Embora ainda cara, ela não sofria a ameaça da gula de bichinhos.Foram construídas as primeiras plataformas xas em cimento.

O petróleo de Maracaibo sempre foi um petróleo caro em razão de ser bastante pesado e a pro-

fundidade também exigia estruturas relavamente grandes e pesadas. Em razão do custo ainda elevado,

11 - Foi nos projetos de renarias e usinas petroquímicas que acabou denida uma regra de avaliação econômica de invesmentos muito ulizada atéhoje e na qual, acima de um tamanho mínimo, o aumento da capacidade de produção corresponde a um aumento menos que proporcional do custo na razãode 1 para 0,7, o que evidenciava os ganhos de escala no setor.

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Estudos Estratégicos - PCdoB84

as empresas operando no Lago Maracaibo connuaram na busca de uma melhor solução. Em 1934, umabase de aço foi colocada acima de pilares de cimento, onde eram xados a torre e o aparelho de perfu -ração; ao lado, uma barca cava ancorada e, nela, estavam todos outros equipamentos, peças, tanques einsumos necessários. Este novo conceito, uma plataforma xa e de tamanho reduzido com uma barca aolado, dominou a exploração e produção das reservas localizadas em lagos, praias e pântanos pelas próxi -mas três décadas, até o nal da década de 1950.

O aprimoramento do conceito denido no grande lago venezuelano foi feito entre a década de 1930e a década de 1950 ao longo da costa do Golfo do México, principalmente nos estados da Louisiane e doTexas. A região é pouco hospitaleira, não é nem terra, nem mar, tem quilômetros e quilômetros de pân-tanos, constuídos de formações muito pouco consolidadas, submeda a fortes variações da maré e, dequando em quando, varrida por tornados e furacões devastadores. Além disso, era de dicil acesso. Todosos equipamentos deviam ser transportados por barcos fundeados a milhas náucas de distância. Comoem terra, as jazidas de O & G eram encontradas a grandes profundidades, com poços que chegavam a ter,ou ultrapassavam, três mil pés (mil metros). Isso exigia equipamentos mais possantes e pesados.

Tentavas foram feitas, na Louisiane, em 1933 e em 1938, por duas independentes norte-america -nas: Pure Oil e Superior Oil. Elas descobriram petróleo, no campo de Creola. Seu desenvolvimento exigiua contratação do projeto e da construção de uma grande plataforma em madeira que estava xada a trêsmetros de profundidade e cava três metros acima do nível do mar. Quem ganhou o contrato foi a Brown& Root que, por décadas, esteve presente no fornecimento de projetos e equipamentos petrolíferos. Abase de apoio situava-se a 13 milhas náucas de distância e a instalação estava a três milhas em linha retada costa. Não exisa comunicação por rádio e apenas uma linha de telefone fazia a ligação entre a base eo resto dos EEUU; a plataforma cava isolada.

O esforço teve retorno: foram extraídos mais de quatro milhões de barris da jazida de Creola. Mais

importante, Creola foi a primeira formação do que se constuirá, em seguida, na maior província petro-lífera norte-americana até a descoberta das reservas no Alaska. Nas águas do Golfo do México, no inícioda década de 1970, repousavam 70% das reservas do país. Creola foi o primeiro poço o-shore, no mardistante da costa e de sua base de apoio. Por m, no nal da década de 1930, Creola reea as barreirastecnológicas e econômicas que deveriam ser superadas. A produção no mar cará restrita apenas às (mui -to) grandes empresas.

Durante a década de 1950, a concepção mais difundida era a construção de uma estrutura metá-lica mínima que, apesar de xada no solo, podia ser desmontada e removida. As empresas estavam embusca de uma maior mobilidade para os equipamentos e a solução inicial foi dada por um ex-Capitão da

marinha norte-americana. Em 1933, a Texaco imaginou uma barca que submergisse quando checasse asua locação e descobriu que o Capitão Giliasso nha patenteado a tal barca. Ela comprou a exclusividadeda licença, fabricou a barca e a pôs em operação. Seu alcance estava restrito aos pântanos e lagos, mas,a unidade dispunha da mobilidade que tanto se perseguia e será a primeira de uma série de plataformassubmersíveis fabricadas na década de 1950.

O número de campanhas para levantamento de dados sísmicos é um indicador da necessidade dereposição das reservas. No imediato pós-guerra, seu crescimento dá uma idéia do interesse despertadopelo Golfo do México por parte das petroleiras. Em 1946, apenas dois barcos nham feito prospecçõessísmicas. Em 1947, 14 barcos estavam cobrindo a região costeira. Em 1948, a frota de barcos fazendo sís -

mica foi mulplicada por dois; eram 28. Essa frota acumulava informações sobre pers que estavam sobmais de cinco metros de lamina d’água. Para águas mais profundas, ainda não exisa uma solução técnicapara a perfuração de um poço nestas condições.

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De qualquer modo, a escalada da produção teve de esperar a decisão quanto à parlha da renda ex -traordinária que se antevia, já nos primeiros desenvolvimentos no Golfo do México. Após o m da guerra,a conjuntura geopolíca nha se modicado. As nacionalizações no exterior, as crescentes demandas dospaíses hospedeiros por uma parte dos lucros do petróleo e a revelação de acordos internacionais entreas “sete irmãs” veram repercussões também nos EEUU. Não seriam os estados norte-americanos e o

sco do país que abdicariam de se apropriar de uma parte desta renda, naquele que era ainda o maiorprodutor de petróleo e derivados do mundo. O contencioso jurídico entre os estados limítrofes e a fede -ração, em relação à divisão do futuro bolo, prolongou-se e a decisão do Congresso norte-americano sobreo assunto só foi proferida em 1953. Os royales, a serem cobrados, eram da União. A parr daí, a corridapelas reservas no golfo começou.

Faltava um suporte que fosse utuante e capaz de ser transportado. O desenvolvimento desta idéiafoi feito por um engenheiro que, anteriormente, nha realizado grandes contribuições à sondagem depoços por meio da análise da lama (“mud-logging”). Era John T. Hayward. Ele nha se tornado Vice-Presi-dente de uma empresa que vendia soluções tecnológicas para indústria petrolífera: a Barnsdall Research

Corp. Em 1949, ele fez construir a Breton Rig 20. O desenho era revolucionário: um coque separado porpilares da barca sobre a qual era instalado o equipamento de perfuração. Ao ser rebocada, o coque infe -rior da plataforma cava na altura da supercie da água. No local da perfuração, o coque era inundado ea unidade acabava repousando no solo marinho. A barca cava a alguns metros acima da linha d’água e,assim, o impacto das ondas podia ser mais bem absorvido.

Foi a primeira verdadeira unidade móvel de exploração petrolífera no mar. Ela será operada pelaKerr McGeer Oil Co em águas variando entre seis e sete metros. Em 1954, uma rma recentemente criadapara realizar perfurações no Golfo do México, a Ocean Drilling & Exploraon Co, Odeco, encomendou aconstrução de uma barca semelhante, Mr Charles, mas, que deveria operar em profundidades até 13 me-

tros12

. Em 1956, a empresa encomendou mais uma plataforma, a Rig 46, que podia perfurar em águas deaté 15 metros e nha uma nova concepção. Apenas quatro pilares cilíndricos e gigantescos separavam abarca do coque. Em seguida, as plataformas submersíveis tornaram-se o principal suporte dos aparelhosde perfuração para as petroleiras que exploravam e desenvolviam campos em profundidades inferiores atrinta pés, ou dez metros. Aliás, uma condição encontrada somente no Golfo do México e, portanto, essaainda não era a boa solução.

Entre meados da década 1950 e o nal da década de 1970, ocorreu uma revolução tecnológica nasoperações petrolíferas no mar. As bases da indústria foram xadas. Ao lado dos primeiros “contractors”dos serviços de locação e operação de sondas que custavam dez a vinte vezes mais do que as ulizadas em

terra, foram desenhados, construídos e testados os modelos de plataformas que caracterizam a avidade“o-shore” moderna. São elas as plataformas auto-elevatórias, os navios de perfuração e as plataformassemi-submersíveis. No caso das primeiras, foram necessários três diferentes modelos para xar o concei -to e, nas demais, as diculdades não foram menores como será visto.

A primeira plataforma capaz de se auto-elevar foi uma vez mais um transbordamento tecnológicode esforços militares. O Cel-Eng. do Exército dos EEUU Leon B.Delong concebeu um sistema de elevaçãoque podia ser aplicado ao suporte do aparelho rotavo. Entre 1955 e 1956, o sistema foi ulizado comoequipamento portuário nas costas vietnamitas e, em seguida, uma plataforma foi construída para ex-ploração petrolífera. Ainda em 1954, outro projeto foi desenhado pelo grupo siderúrgico e proprietário

de estaleiro naval Bethlehem. A plataforma Mr Gus deveria ser capaz de operar a profundidades até 30metros, o limite do que era considerado então as águas profundas. No momento de ser içada, porém, ela

12 - A Odeco veio a ser uma das maiores operadoras de plataforma do mundo até ser adquirida pela Diamond Drilling, empresa que hoje está entreas cinco maiores do setor de locação de plataformas.

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Estudos Estratégicos - PCdoB86

quase naufragou e voltou para o estaleiro para reforma do projeto. Por mais duas vezes, ela foi testada,até que, na úlma tentava, acabou naufragando.

Um terceiro modelo de plataforma auto-elevatória, na verdade, uma terceira maneira de elevar aplataforma no mar, foi criado nesta mesma época, sempre tendo em vista as operações no Golfo do Mé -xico. Foi a plataforma Scorpio, encomendada pela rma Zapata aos estaleiros Marathon. Zapata era uma

nova empresa e para ingressar no mercado, decidiu apostar em um novo desenho feito pelo engenheiroRobert LeTorneau, mais uma mente plena de inovações. É dele a concepção original dos “earthmovingequipements”, hoje conhecidos no Brasil pelo apelido de “tatuzão”. São eles que fazem os tuneis do me-tro, quando é preciso abrir espaço em rochas. O diferencial de seu equipamento eram os motores elétri-cos gigantescos, extremamente ecientes e potentes. Em 1953, a sua empresa era a única a oferecer oequipamento para o indústria de minérios.

Ainda em 1953, ele vendeu sua empresa e, no acordo de saída, ele se comprometeu a não mais pen-sar em equipamentos de escavação. Entre 1953 e 1955, sua atenção se voltou à concepção de uma novaplataforma auto-elevatória. Ele a desenha com várias novidades: eram apenas três “pés”, no lugar de dez,

ou quatorze ulizados até então, uma forma em triângulo, quando as convencionais eram quadradas eum sistema de elevação que se compunha de um motor elétrico em cada “pé”. Era a mesma inovação quedesenvolvera anteriormente, mas, aplicada a outro problema; ele cumprira seu compromisso. Em 1955,os testes do sistema de elevação foram feitos e, no ano seguinte, a plataforma foi para água.

A plataforma Scorpio foi, provavelmente, a primeira unidade industrial instalada em cima d’água.Certamente, é a primeira grande usina inteiramente móvel. Uma obra que consagrava, ao mesmo tempo,a engenharia naval, os estaleiros e a indústria para-petrolífera norte-americana. A plataforma abrigavanada menos que 63 motores, que facilitavam seu rebocamento, permiam que ela se içasse no meio domar e, em seguida, que fossem abertos poços a profundidades de lâmina d’água de cerca de cem pés, ou

trinta e três metros. A fronteira de exploração “o-shore” estava aberta.

Ela será a primeira de uma família de plataformas que foram construídas as dezenas pelo consórcioformado por LeTourneau e Marathon. O modelo dominará o mercado de águas rasas por décadas. A pró -pria Marathon estava inserida no seleto grupo de grandes canteiros navais norte-americanos (exisamapenas seis grandes, os “big six”) e as encomendas petrolíferas passaram a concentrar os invesmentos eimpulsionar seu crescimento doravante13. Na úlma década do século XX, os modelos do consórcio aindarepresentavam um terço da frota de unidades auto-elevatórias disponíveis no mundo.

Os primeiros modelos de plataformas capazes de se içarem no meio do mar foram projetados paraoperarem em águas com profundidade que não superavam sessenta pés, ou quase trinta metros. Progres-sivamente, os limites foram sendo ultrapassados e dez anos depois, em 1965, chegou-se a plataformascapazes de operar em águas com até duzentos pés de profundidade, ou sessenta metros. No nal da dé-cada, as auto-elevatórias alcançavam trezentos pés, ou cem metros, o que acabou se tornando o limite deprofundidade à operação destas plataformas. No início da década seguinte, seu uso já nha se difundidopara muito além das águas do golfo mexicano. Com elas, foi possível dar início à exploração no Sul do Mardo Norte, nas costas do Golfo Pérsico, na costa Ocidental da África e no litoral brasileiro. Desde então,além de serem a ponta de lança da indústria “o-shore”, ou o modelo de entrada para a aventura no mar,elas se constuíram na frota mais numerosa de plataformas.

À mesma época em que estavam sendo desenvolvidas as primeiras auto-elevatórias, também

13 - A existência dos seis grandes estaleiros e, posteriormente, dos três em que acabaram consolidados, deu-se em parte pelas demandas por supor-tes e embarcações originadas pela expansão o-shore e doutra parte pelas demandas da Guarda Nacional e da Marinha de Guerra norte-americana.

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estavam sendo desenhados e testados os primeiros navios como suporte da sonda perfuratriz. Odeterminismo geográfico se fez presente, na medida em que os esforços se destinavam a soluções dosproblemas exploratórios encontrados nas costa californiana, onde a dificuldade não eram os pântanose os terrenos pouco consolidados. Foi na Califórnia que a produção marítima de petróleo primeiro tinhaocorrido no final do século XIX e onde a solução preferida foi por longo tempo a construção de um longo“quebra-mar” no qual, em seu final, era instalada a perfuratriz, o que evidentemente limitava a atividadeas reservas, que só podiam beirar as praias.

A maior diculdade na região era a declividade de imersão da supercie do solo marinho; ela erabastante acentuada desde os primeiros metros de praia. O desao, portanto, era imaginar um conceitode suporte para profundidades elevadas para época; em geral, mais de cem metros de lâmina d’água. Em1953, quatro empresas (Connental Oil, Union Oil, Shell e Superior Oil) formaram um grupo para tocaremum projeto conjunto de pesquisa para a concepção de um novo po de suporte: um navio. O primeiroprotópo foi uma barca militar reconverda à avidade exploratória. As modicações, para operar nascondições californianas, eram muitas.

Na Submarex foram testados dois novos sistemas que se demonstraram capitais: o de circulação dalama de perfuração e das válvulas na cabeça do poço, que cavam submersas. Os dois sistemas tornariama operação de abertura do poço mais seguras, ao evitar os “blow-outs”; i.e. explosões decorrentes deescapamento de gás que, por ventura, fosse encontrado. Foi necessário igualmente rever o método de co-nexão e desconexão da coluna de perfuração, de maneira a permir imediatas paralisações das operaçõesna seqüência de avisos de tempestades. Por m, a ancoragem era um problema novo, uma vez que não secolocava a questão, nem nas barcas submersíveis, nem nas plataformas auto-elevatórias, que começavama ser usadas na costa texana e da Louisiania.

O sucesso dos testes do protópo fez o grupo construir um segundo modelo, ainda a parr de uma

balsa militar, que foi colocado à água em 1956. A barca não possuía meios de locomoção próprios e nhade ser rebocada e, em seguida, ancorada no local da perfuração do poço. Na barca Cuss I, contudo, asonda de perfuração dispunha de uma cabeça de poço aperfeiçoada que era o primeiro bloco obturadorde poço “molhado”, instalada desde o início da abertura do poço. Ademais, a embarcação dispunha deacomodações de hotelaria para uma equipe de 36 homens (exploradores, mergulhadores e marinheiros

 juntos). Em toda a barca exisam 10.000 m2 disponíveis para acomodação da sonda, dos equipamentosauxiliares e dos trabalhadores.

Ao longo de 1958, Cuss I realizou campanhas exploratórias em lâminas d’água entre 90 e 400 pés(trinta e cem metros) e seu poço mais profundo alcançou três mil pés, ou quase mil metros, de extensão.

As expedições da embarcação foram crícas para o desenvolvimento da tecnologia “o-shore”. Pela pri-meira vez, os instrumentos e os princípios sob os quais se repousou a tecnologia de perfuração no marforam repedamente testados em escala real e demonstraram com bastante clareza que o suporte deexploração para grandes profundidades teria de ser um navio especialmente concebido para tanto. Asopções disponíveis (plataforma com barcas, barcas submersíveis, auto-elevatórias e barcas sem propul -são) eram inviáveis para tanto.

Em 1958 mesmo, as empresas deszeram o consórcio de pesquisa e a Superior Oil cou com oprincipal avo, a barca e os equipamentos. Criou, para administrá-los, a empresa Global Marine que con -nuou a ter um papel relevante no desenvolvimento da tecnologia. No início da década de 1970, Global

Marine O-Shore tornou-se independente de Superior Oil e, na seqüência, tornou-se um dos grandesgrupos da indústria “o-shore”. A empresa Zapata, sua forte concorrente no Golfo do México, já em 1959,colocou n’água o barco de perfuração Sidewater e, em 1962, um segundo barco. Muito rapidamente, es-

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tavam ingressando na avidade as empresas que formaram o importante mercado de locação e operaçãoda frota de suportes das sondas perfuratrizes.

Neste mesmo ano, mais duas unidades foram construídas: um catamarã foi reformado, rebazadode RC Baker e colocado em operação pela Reading & Baes e, diretamente originado da experiência cali-forniana foi projetado e construído o navio Glomar II. A evolução por etapas, num processo de tentava e

erro, para a adequação da tecnologia à alta complexidade dos desaos, não se fez, como foi visto anterior-mente nos laboratórios. Na aventura “o-shore”, era preciso vencer as condições reais impostas por umanova fronteira geográca. O que pelos riscos e pelos invesmentos envolvidos exigia não apenas capitaisimportantes, mas também, a cooperação entre eles (concorrentes, novos fornecedores, estaleiros e pe-troleiros) em consórcios de pesquisa.

Seguindo a trajetória aberta pelo Cuss I e que deu origem ao Glomar II chegou-se, em 1967, aconstrução de uma segunda geração de barcos especializados, no qual o primeiro a ser colocado n’águafoi navio Glomar Chalenger. Era uma encomenda do Projeto de pesquisa Joides que será comentado aseguir. Nesta nova geração, a ancoragem, e não mais a operação da sonda, constuía-se no único limite

à exploração do subsolo marinho pelo capital petrolífero. Em boas condições meteorológicas e oceânicas(ou seja, com pouco vento e baixas ondas), graças ao “sistema de posicionamento dinâmico” gerido porcomputadores, o navio podia car estável e perfurar em lâminas d’água superiores a quinze mil pés, outrês mil metros.

Embora, no início da década de 1960, tudo indicasse que as grandes empresas norte-americanas já dispunham de seu primeiro suporte utuante e móvel para estender sua fronteira de exploração pe-trolífera para o alto-mar, a avidade não deixou de ser extremamente arriscada. O temor de “blow-out”(a explosão do poço) que, em terra, parecia resolvido, ainda assustava a indústria quando se tratava dassondagens no mar. Em 1964, o catamarã CP Baker, uma das pérolas da frota, afundou naquela que foi

considerada a maior catástrofe do setor à época: em alguns minutos, quinze trabalhadores perderam avida, após a broca ter perfurado um reservatório inesperado de gás...

O aproveitamento das jazidas de petróleo e de gás natural localizadas em alto-mar passava obriga -toriamente por um maior conhecimento dos oceanos e da geologia da terra. Mesmo que menos intensivaem pesquisas laboratoriais, nesta primeira fase, as interfaces entre os avanços ciencos e industriaiseram evidentes. Ciência, tecnologia e economia tornaram-se instrumentos na disputa em andamentopela hegemonia mundial. A Segunda Guerra nha acabado, mas, os conitos armados mundiais con-nuavam latentes e se reeam na periferia. O que eram guerras civis de emancipação dos povos viraramguerras de fantoches. As potências dividiram a Korea e o Vietnam e condenaram parte da Ásia e a África

quase inteira a quatro décadas de conitos intesnais. O ambiente políco internacional era dominadopor uma “guerra fria”, entre os Estados Unidos e a União Soviéca e, nela, a corrida armamensta nhaconotações que se espalhavam não só geográca, mas também funcionalmente. Em todas as esferas, adisputa ideológica se fazia senr, da indústria à ciência.

Durante a década de 1950, a hipótese do Professor Andrija Mohorovic sobre o magma da terra esobre a deriva dos connentes nha sido sucientemente desenvolvida. Os connentes são placas tec-tônicas imersas no magma e a estabilidade aparente é conseqüência de um equilíbrio isostáco. O Pro -fessor, em 1909, no seu laboratório de Zagreb, nha conseguido idencar por métodos geosicos, pelaprimeira vez, a desconnuidade de Mohorovic. A fronteira entre a crosta o magma se transformou num

dos princípios pelos quais se repousa o conhecimento sobre a terra e sua formação. Contudo, até os anos1950, a vulcanologia e as técnicas sísmicas eram os únicos meios para observar e estudar as caracterís -cas do magma. Mas, não foi só por isso que, durante a primeira metade do século XX, vários ciencos

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propuseram a idéia de um programa de perfuração até o magma da terra.

O nascimento do Programa Mohole não se explicava só pelos caprichos de acadêmicos. O empre -endimento era por demais caro e desaador e, em certo sendo, fora de propósito já que, para acessaro magma, não precisa abrir um poço de quilômetros de extensão; basta subir nos vulcões em avidade.Seja como for, uma associação de nome pouco ortodoxo: a American Miscellaneous Society (Amsoc)

assumiu a defesa do projeto. Criada no início da década de 1950, a Naonal Science Fundanon, concor-dou em nanciar o primeiro estudo de viabilidade para a perfuração de um poço até o magma da terra14.Era o primeiro grande projeto daquela que se tornará, sempre em compeção com a NASA, o principalinstrumento da políca cienca norte-americana a parr da década seguinte. É verdade, também, queo Projeto Mohole foi o primeiro projeto de envergadura, bancado pela maior potencia Ocidental, de reco-nhecimento do subsolo marinho, até então, a face escondida do planeta terra.

Como na química industrial alemã do nal do século XIX, ou na engenharia química americana dastrês primeiras décadas do século XX, a parr de certo estágio de desenvolvimento, a pesquisa se tornaramuito custosa, com protópos em escalas gigantescas. Somente o Estado e alguns poucos grupos capita-

listas nham interesse em nanciar os projetos e correr os riscos dos fracassos em domínios tecnológicospouco conhecidos. Em meio a disputas ideológicas, os cienstas passaram a comper pelos nanciamen-tos públicos à pesquisa. A concorrência era exacerbada também entre as duas superpotências. Entre onal da década de 1950 e o início da seguinte, em parcular, a supremacia cienca do sistema capitalistaestava sendo ameaçada por uma cadela chamada Laika e, em seguida, por um comandante soviéco, quese tornou uma personalidade internacional – Yori Gagari.

A corrida para o espaço não era o único terreno de confrontação cienco. Se exisa um conquistaespacial a ser feita e o “outer space” tanto fascinava, pouco sabíamos sobre as entranhas do nosso pla-neta; o “inner space”. Os estudiosos da sismologia, os geólogos e geosicos não se conformavam com o

despropósito dos recursos desnados a NASA, se comparados à inexistência de programas para a terra.Até nisso, os soviécos pareciam na frente, já que, em 1957, iniciaram com tecnologia própria, não deri-vada do método rotavo, o que seria o poço mais profundo do mundo. O objevo deles não era o magmada terra, mas o desenvolvimento da tecnologia de abertura de poços profundos por meio da “turbo --perfuração”, com o auxílio de gigantescos compressores, motores (turbinados) de fundo de poço e umacoluna de perfuração connua e exível.

Em meio a disputas ciencas, ideológicas e polícas, o Projeto Mohole foi iniciado em 1958. Sóisso explica o objevo nal: a perfuração de um poço que permisse rar uma “carota” do magma daterra. Em 1959, o estudo de viabilidade técnico-econômico foi concluído. Ficara claro que os ciencos

à época nham superesmado a competência tecnológica existente. Não exisam meios para realizar aproeza e quem poderia chegar mais perto era a indústria petrolífera, em parcular, o segmento nascentede avidades “o-shore”, com sua tecnologia de abertura e construção de poços submarinos. Um enormeprograma cienco e tecnológico deveria ser iniciado.

Em 1961, o único navio capaz de fazer os primeiros testes era a barca Cuss 1, remanescente do pro- jeto californiano que dera início a tecnologia petrolífera de perfuração no mar. Ela extraiu “carotas” emlâminas d’água que chegavam a três mil metros, em poços que alcançaram duzentos metros de extensão.Nunca se nha ido tão fundo. O sucesso obdo permiu a Amsoc contratar a rma Brow & Root, projes -ta da primeira grande plataforma submersível (usada no aproveitamento da jazida de Creola), para con -

ceber um novo suporte e a engenharia submarina do projeto. Muito tempo depois, na década de 1990,Brown & Root foi absorvida pela Halliburton.

14 - A NSF tem uma posição semelhante ao CNPq no Brasil.

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A nova embarcação devia estar apta a condições operacionais extremamente severas em termos na-vais e industriais. Tendo em vista a espessura da crosta da terra, ela teria de car furando por, pelo menos,três anos. Para encontrar as menores espessuras, seria preciso abrir o poço em alguma falha submarina,o que signicava operar em lâminas d’água de cerca de cinco mil metros de profundidade. Mesmo numalocalização semelhante, a extensão do poço era esmada em trinta mil metros. A indústria petrolífera não

dispunha desta tecnologia e para responder ao desao, Brown & Root propôs um projeto revolucionário.Era uma plataforma semi-submersível que seria auto-propulsada, que poderia car em operação por me-ses e suportar trinta nós de ventos e trinta metros de onda15. Um sistema de posicionamento dinâmicogerido por computadores dava-lhe a necessária estabilidade a parr de propulsores constantemente emoperação. Bops submarinos, brocas tricones com o novo diamante arcial (PDC) e motores de fundo depoço foram testados pela primeira vez a grandes profundidades.

A plataforma chegou a ser encomendada e nalizada, mas, antes disso, a NSF desisu de dar con-nuidade ao Projeto Mohole. Após diversas revisões, o custo nal da plataforma superou trinta milhõesde dólares e o projeto inteiro acabou orçado em mais de cem milhões de dólares; uma fábula para épo -

ca. O gigansmo do projeto dava razão às crícas de cienstas pouco interessados no magma da terra.Ademais, na segunda metade da década de 1960, a conjuntura internacional mudara: os EEUU estavamdecididos a ganhar a guerra do Vietnam, o valor da “Big Science” começou a ser colocado em questão eo estado keynesiano, que tanto sucesso nha obdo para nanciar seus gastos do pós-guerra, começou aenfrentar diculdades em expandir suas despesas. Todos os programas públicos de despesa em pesquisae desenvolvimento foram re-avaliados com metodologia que fez escola. Apenas um restou intacto, o pro -grama espacial, em razão de seus transbordamentos militares.

Em substuição, a NSF propôs um novo programa: o nanciamento do Joint Oceonagraphyc Instu-on for Deep Earth Sampling (Joides). Ele estava mais em linha com o que se fazia internacionalmente na

busca de um maior conhecimento dos oceanos, como os programas propostos em países como a França,a Inglaterra, a Holanda e a Dinamarca. Em contraste com o programa anterior, liderado inicialmente porAmsoc, este era conduzido pelas mais respeitáveis instuições no domínio do projeto: Lamont GeologicalLaboratory da Universidade de Colúmbia, o Instute of Marine Science da Universidade de Miami e oWoods Hole Oceonographic Instute.

As expedições de perfuração e a rerada de amostras geológicas foram realizadas a profundidadessuperiores a cinco mil metros e os poços chegavam a ter mil metros de comprimento. Os avanços ob-dos foram decisivos: i) o navio Glomar Chalenger, citado anteriormente, foi encomenda do projeto. Eleinaugurava uma nova geração de suportes de sondas perfuratrizes utuantes e móveis. ii) Os suportes

(navios, ou plataformas) passavam a ser ancorados através de “sistemas de posicionamento dinâmico”;isto é, além de amarras especialmente concebidas, são os motores, que comandados por computadores,compensavam o movimento da correnteza. ii) Foi desenvolvida uma técnica de perfuração, com auxíliode motores de fundo de poço e Bops “molhados” que permia a abertura de poços bastante extensos emlâminas d’água profundas. iii) As brocas de diamante sintéco, tão resistentes quanto às naturais, mas,muito mais baratas, reduziam o número de interrupções e, por conseguinte, permiam um considerávelganho de tempo. iv) A telemetria da lama para supervisão da operação da sonda, por sua vez, tornou-seelemento central no controle em tempo real das operações.

Embora abandonado pela NSF, os resultados do projeto Mohole não foram poucos. As conquistas

do projeto Joides eram sua extensão e, principalmente, restara uma plataforma semi-submersível tão re -volucionária quanto o Glomar Chalenger e dispondo das mesmas tecnologias. Ela inaugurará um conceito

15 - A parr de 1963, algumas plataformas submersíveis foram converdas a semi-submersíveis, tendo sido os primeiros protópos do modelo queseria desenvolvido com o projeto Mohole.

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que dividirá com os navios, a exploração de petróleo em alto-mar durante as próximas décadas. No Brasil,na década de 1980, o conceito foi estendido pela Petrobrás. As plataformas semi-submersíveis foram uli-zadas não mais como suporte de exploração, mas como instalação para produção, viabilizando a antecipa-ção do aproveitamento das jazidas na Bacia de Campos e, assim, migando os efeitos da crise do petróleo.

Entretanto, aqui, o que interessa observar é a transformação do ambiente de negócios, dominado

pela construção de novas relações e pelo surgimento de novos atores e segmentos produvos, na medidaem que os desaos impostos pela produção no mar iam aparecendo. A preponderância do estado e dosseus interesses estratégicos e militares foi acentuada. Os transbordamentos dos invesmentos públicosse vericaram por diversas vezes na conquista das entranhas da terra. A coordenação e o nanciamentoinicial dos governos não eram novidades para a indústria, assim como também não era o papel da ciênciae dos laboratórios, que mesmo em menor escala e até posterior se comparado à petroquímica, foi deci-sivo em certos momentos.

O aspecto novo, talvez, seja a dimensão implícita das arculações do capital para assimilar rapida -mente a evolução tecnológica necessária. Entre as grandes petroleiras, os acordos anteriores eram do

po cartel: tratavam de reduzir a produção entre elas e combinar a alta do preço, ou parar sua queda.Como os projetos cooperavos de pesquisa, nas dimensões em que foram observados para a exploraçãode petróleo no mar, poucas vezes já se nha visto algo parecido no setor petrolífero. Arranjos industriaise contratuais inovadores eram necessários para viabilizar a connua expansão da fronteira de exploraçãoe produção e trazer para o negócio novos capitais. Cada vez mais, cava claro que o capital petroleiropassaria a dividir suas rendas com os estados hospedeiros, com os estados consumidores e, agora tam-bém, com os parceiros industriais que surgiam com o aumento da profundidade, da escala e do escopode avidades. Na verdade, na busca pela connua ampliação, era preciso fazer alianças e dividir as rendascom outros setores produvos.

Na nova organização instucional, o papel das associações, sindicatos patronais e dos consórcios deempresas aparece como único16. Nestes ambientes é possível mulplicar os contatos formais e informaisentre polícos, capitalistas, cienstas e prossionais. Eles são instrumento de lobby e de uma forma di-ferente de exercício do poder econômico, muito mais sul do que aquele exercido pelos grandes trustesdo início do século. A divulgação dos avanços tecnológicos por intermédio de publicações especializadas,congressos, projetos de escritórios e pesquisas acadêmicas facilitou e alimentou a comunicação e a dis-cussão entre os interessados. As associações, os congressos e encontros mais ou menos formais tambémviabilizaram um espaço jurídico e sico, no qual os acordos mullaterais – com outros objevos que nãoo lucro imediato – podiam ser negociados e assinados. A dimensão em que se fazia a ampliação do capitalpetrolífero tomara uma toda nova feição: a circulação de informações, do conhecimento e da tecnologia

não podia ser limitada, seja por leis an-trustes, seja por rivalidades auto-destruvas.

Além da nova organização instucional, a aventura “o-shore” proporcionou à economia norte--americana uma considerável renovação industrial ancorada no capital petrolífero. Não eram apenas no-vas reservas que estavam sendo adicionadas, mas também encomendas por produtos especialmentedesenhados, soscados e que movimentavam toda uma cadeia de fornecedores, muitos dos quais nun-ca nham vendido para as petroleiras. Demonstrava-se um longo processo de industrialização, que movi-mentou grande parte da indústria de base e, no qual, a empresa de petróleo é a alavanca principal. Seusinvesmentos e suas despesas de custeio têm um efeito mulplicador que impulsionou a economia local,que demandou prossionais e pesquisas das universidades mais próximas e que teve desdobramentos in-

dustriais pouco previsíveis. Em tudo isso, o que aparece como novo e críco é a natureza do aprendizado

16 - A indústria petrolífera já nha sido pioneira na auto-regulação da qualidade, em 1926, quando depois de anos de esforço para reduzir os aci -dentes em torno do poço e no escoamento do O & G, sob a liderança do American Petroleum Instute, foi criado o “API stamp”, primeiro selo do po, quecercava a qualidade de fabricação do aço, tubo, equipamento, ou processo ulizado.

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Estudos Estratégicos - PCdoB92

conjunto de novas tecnologias e da construção gradual de competências produvas por parcipantes vãomuito além das petroleiras.

4) A jae, a ala e a peqíca, c ealza e aea val

O nal da Segunda Guerra inaugurou uma fase de prosperidade que deu novo sopro à ampliação ca-

pital. Ela estava ancorada fundamentalmente sobre três pilares: na difusão de uma completamente novabase tecnológica, na parcipação muito maior dos governos na condução da economia e numa profundareorganização industrial, na qual se vericou uma considerável integração entre os diferentes setoresproduvos; de onde surgiram os grandes grupos capitalistas mulnacionais e mulprodutores contempo -râneos. A velha Standard Oil, denominada agora Exxon, connuava sendo o exemplo e a pioneira no quediz respeito à capacidade do capital de se transformar e, assim, superar as contradições impostas pelosistema.

O entendimento da nova modalidade de concorrência e a importância do “superlucro” formam onúcleo da interpretação de Ernest Mandel do que ele chama de “capitalismo tardio”. Para as empresas,individualmente, a tendência à queda da taxa de lucro só pode ser evitada com a incessante busca delucros extras e a forma pela qual o capital aumenta sua parcipação na renda é o aumento da produvi -dade. Por isto, os oligopólios modernos investem a m de auferirem “rendas tecnológicas”. Mesmo emsituações menos favoráveis, quando convivem com excesso de capacidade, as empresas lutam, invesndono próprio processo (em sua racionalização e melhoria) a m de manterem as perspecvas de lucro. Foiexatamente o que fez o capital petroleiro após a Primeira Guerra em matéria de reno, no entre guerrasem matéria de engenharia de poço e, após a Segunda Guerra, na exploração e desenvolvimento de reser-vas no mar, ou ainda, como será visto, na petroquímica.

Observando desta maneira o papel principalmente da tecnologia, Mandel indica ter uma precisanoção de como as diculdades do capitalismo monopolista e do imperialismo foram ultrapassadas nes-sa fase tardia deste sistema de produção. Ele consegue explicar a crescente capacidade de produção e,embora exista capacidade excedente, a corrida pela tecnologia, que nos acostumamos e que marcou aúlma fase de prosperidade do século XX. Segundo ele, somente a parr da segunda metade do séculoXX, a ciência se integrou denivamente à produção capitalista. O produto direto da ciência, a técnica e asua aplicação, a tecnologia, assumiram com maior nidez, a forma de mercadoria. Conrmando Marx, asciências foram colocadas a serviço da ampliação do capital em um processo de “coisicação” que chegoua sua plenitude somente depois do nal da guerra.

“No entanto, a organização sistemáca da pesquisa e o desenvolvimento como

um negócio especíco, organizado numa base capitalista – em outras palavras, o inves-

mento autônomo (em capital xo e salários de trabalhadores) em pesquisa e desenvol -

vimento – só se manifestou plenamente sobre o capitalismo tardio.”

E. Mandel, pg. 176.

A aceleração da inovação tecnológica com o advento da Segunda Guerra foi surpreendente e muitomaior do que a vericada anteriormente. Mandel faz coro, junto com outros economistas e historiadores,que vêem no evento bélico um imenso campo de pesquisa e ensaio. Foi no bojo da guerra que surgem afusão nuclear, a eletrônica atual, a indústria aeroespacial, a petroquímica e os pláscos, a automação in-

dustrial e os novos métodos de organização do processo produvo. Em conjunto, formavam a úlma eta -pa da revolução industrial em andamento. A seu ver, o clima belicista anterior e que predominou, mesmodepois de ndada a guerra, foi o principal fomentador da aceleração da inovação e da difusão tecnológica.

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As informações a seguir sugerem que, nos Estados Unidos, alguns setores produvos ingressaramcom bastante antecedência no processo de “mercanlização” da ciência. Eles se preparavam para a pros -peridade que estava por vir, ao acumularem um porólio de avanços ciencos e de invenções que per-miu a decolagem industrial do pós-guerra. A expressão maior deste interesse precoce do grande capitalnorte-americano foi a mulplicação de laboratórios corporavos, aqueles aos quais exatamente se referia

Mandel no trecho anterior; onde as empresas investem em avos e pessoal especialmente dedicados àspesquisas. A evolução do número de laboratórios próprios, em quatro setores industriais, encontra-se nográco abaixo.

Gráco: Evolução do número de laboratórios corporavos

(próprio das empresas) na primeira metade do século XX

Fonte: David Mowery (1981), Ph.D, Stanford University. Extraído e Arora e Rosemberg, p.81

Os setores representados estão entre aqueles que impulsionaram a “maré montante” do úlmo ci -clo do século XX – produtos químicos, equipamentos elétricos, instrumentação e petróleo – e, de imedia-to, pode-se deduzir que houve um aprendizado setorial na pesquisa bastante intenso no período anteriorà Segunda Guerra. O recorte temporal permite acompanhar o ritmo deste esforço ao longo de toda a pri -

meira metade do século XX e o gráco permite também comparar a evolução dos setores selecionados17.

A despeito do movimento de prossionalização da pesquisa ter interessado o capital em disntossetores produvos, a diferença na intensidade do invesmento laboratorial é agrante quando se cotejao número de laboratórios da indústria química frente aos três outros setores. Antes do século XX, a indús-tria química já dispunha de quase duas vezes mais laboratórios que a soma dos demais. Eram quarentalaboratórios comparados com vinte e três dos demais. No recenseamento de Mowery, a indústria químicanorte-americana contava com quase metade dos 112 laboratórios corporavos que exisam antes de1899.

A indústria petroleira, entre as quatro selecionadas, era a menos intensiva em pesquisa aplicada,

17 - A tabela de onde foram extraídos os dados (no livro de Arora e Rosemberg) inclui ainda outros setores como alimentos, têxteis, papel, metalurgiae maquinas não-elétricas.

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pelo menos em termos de número de laboratórios. Isto está de acordo com o que foi revisado até aqui.Foi visto que, em muitos casos, a competência do grande capital petroleiro era de absorver os avançosrealizados em setores produvos disntos e distantes. Assim foi com a química orgânica do petróleo, de-rivada dos avanços do processamento do alcatrão de hulha, feitos na Alemanha, e assim foi na geosicae no surgimento da avidade de prospecção sísmica, resultados da aproximação com a indústria elétrica,para não citar que dois exemplos, aonde os negócios e os lucros da indústria petrolífera atraíram os pes -quisadores e capitalistas que, inicialmente, não estavam interessados no petróleo.

De qualquer forma, o aumento do esforço de pesquisa é percepvel no setor petrolífero durante osprimeiros trinta anos do século XX. O número de laboratórios que era de apenas três entre 1899 e 1908,subiu para quinze no período seguinte (1909-1918), alcançou vinte cinco, entre 1919-1928, e angiu seumáximo logo depois da crise de 1929, quando exisam trinta e um laboratórios de empresas petrolíferas.O maior número foi acompanhado do maior escopo dos trabalhos realizados nestes laboratórios. A preo-cupação inicial da maioria esmagadora deles, pelo menos até a Primeira Guerra, era a gestão do processo,a redução dos riscos operacionais, a omização do tamanho dos equipamentos e, por úlmo, a melhoriada qualidade da produção. Eram, portanto, laboratórios anexos às unidades de tratamento de petróleo,

produziam resultados mais imediatos e pouca pesquisa aplicada.

Nas oportunidades de aproveitamento tecnológico que acabaram transformando a indústria, a coo-peração com os futuros fornecedores e a formação de consórcios com os compedores era mais interes -sante. Os riscos elevados para inversões importantes em domínios outros, que não eram ans à avidadede extração de petróleo, seu reno e venda de derivados, eram pouco atraentes às grandes mulnacio -nais, habituadas a uma cesta de invesmentos já bastante lucrava. Em termos concorrenciais, além deserem extremamente conservadores em suas aplicações fora do setor, para o capital petroleiro, os inves-mentos em P & D nham uma natureza essencialmente defensiva, pelo menos até a década de 1920.

Observe, em comparação, o comportamento dos setores de maquinas elétricas e de instrumenta-ção. Em ambos, o número de laboratórios corporavos foi crescente, superior aos disponíveis dentro dasempresas petrolíferas e eles não experimentaram qualquer redução na medida em que se aproximava aSegunda Guerra, como acontece com os demais setores selecionados. Desde o início, eram setores quese mostravam com uma natureza muito mais intensiva em P & D. Também eram indústrias recentementeinstaladas e estrategicamente inseridas na base produva que sustentaria a aceleração do crescimento dopós-guerra. Por m, tratava-se do aprofundamento do processo de especialização e divisão do trabalhodentro da própria avidade de inovação.

A cada setor correspondeu um domínio de invesgação naturalmente afeito a suas preocupações

produvas. À indústria petrolífera e seus laboratórios, cabia o desenvolvimento da qualidade do combus-vel, o que terá impacto decisivo nos conitos bélicos e, na sequência, no desenvolvimento da indústriaautomobilísca e aeronáuca. Aos laboratórios da indústria química coube o desenvolvimento de umapanóplia de produtos e processos que caracterizam o século XX (do sabão em pó, aos remédios, passandopelos pláscos). À indústria de máquinas elétricas (basta lembrar os laboratórios da GE, da Wesnghouse,ou ainda o da Siemens, alemã) coube dar a energia sua forma mais eciente de uso até hoje conhecida.Aos laboratórios das empresas de instrumentação e controle coube o desenvolvimento da automação emais tarde da informazação do processo produvo. Isso permiu a massicação da oferta dos bens deconsumo duráveis (como carros, geladeiras, ar condicionados, máquinas de lavar etc.) e a produção emuxo connuo na indústria do petróleo e do gás natural. Constata-se que não foram poucos os ganhos da

divisão do trabalho realizada pelo capital em matéria de pesquisa e os seus transbordamentos.

Com a crise de 1929 e a aproximação da Segunda Guerra, é possível perceber a queda do esforço em

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pesquisa aplicada. A evolução do setor químico, aquele que mais invesa na instalação de laboratórios, ésintomáca. Esta percepção de perda de ritmo é corroborada pelo gráco seguinte, em que está reprodu-zida a evolução do número total de laboratórios próprios, na primeira metade do século XX, recenseadospor Mowery em sua tese de doutorado.

Gráco: Evolução do número de laboratórios corporavos norte-americanos, na primeira metade

do século XX (inclui todos os setores industriais)

A soma de todos os laboratórios corporavos, que chegou a 660 antes da crise de 1929, caiu para388 no período que compreende a Segunda Guerra. Este úlmo número era muito próximo ao total delaboratórios idencados no período compreendido entre 1909 e 1918, mais de vinte anos antes. Se

do como parâmetro do esforço de pesquisa aplicada para ns produvos (e não militares), a queda donúmero de laboratórios corporavos reea um nído esgotamento do movimento. Evidentemente, oimpacto da crise da bolsa de Nova Iorque, a depressão econômica, os conitos internacionais e a falênciado capital monopolista compunham um ambiente de negócios muito pouco favorável ao aumento dosinvesmentos de risco.

Ainda mais interessante é o entendimento do processo ao longo de todo o século XX e da fase pros-peridade que se sucedeu após a guerra, nos Estados-Unidos. O esgotamento do esforço revelava os pri-meiros rendimentos decrescentes dos invesmentos na pesquisa. Era indicação da nova etapa, que estavapor vir. O esforço seguinte seria dedicado aos projetos de desenvolvimento de unidades em escala real,fora das bancadas laboratoriais. Era necessário agregar uma série de inovações em diferentes domíniose que deveriam estar dispostas em protópos e instalações, num processo de adaptação e de ganho detamanho do po “scale up”, já vistos nos capítulos anteriores. Eles davam prosseguimento à difusão dasinovações e à ampliação do capital petrolífero, em condições inteiramente disntas e com uma organiza -ção industrial totalmente nova; onde os laboratórios eram apenas o ponto de parda.

O desenvolvimento da reserva de conhecimento adquirida dependia de interações cada vez maisformais entre os diferentes setores produvos. As complementaridades, entre as novas indústrias, entrefornecedores e clientes industriais e entre concorrentes efevos e potenciais, fomentaram um crescimen -to arculado das capacidades tecnológicas e produvas. Muitas vezes, neste processo de inovação incer-to, a compeção dava lugar à cooperação. A ampliação de um setor retroalimentava a de outro que, porsua vez, deslanchava um terceiro. As melhorias no reno do petróleo, na qualidade dos combusveis e odesenvolvimento da petroquímica foram uma ilustração sob medida da sincronização entre atores bem

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Estudos Estratégicos - PCdoB96

disntos, a saber: petroleiras, químicas e montadoras. Quanto à capacidade de arcular as diferentesavidades produvas emergentes e impulsionar o crescimento da economia como um todo, a indústriaautomobilísca teve um papel ímpar desde o início do século.

A evolução da frota de veículos de passeio registrados nos EEUU encontra-se na tabela abaixo. Opioneirismo na massicação das vendas de automóveis foi obra de Henri Ford, como assinalado no capí -

tulo 8 e é anterior à Primeira Guerra. A aceleração industrial em torno das vendas de automóveis ocorreunas três primeiras décadas e foi parcularmente elevada entre 1910 e 1930. Em 1920, já circulavam maisde oito milhões de veículos leves em todo o país. O impacto imediato foi que a gasolina passou a ser omais importante derivado, superando em muito o óleo combusvel.

Durante a década de 1920, o setor automobilísco assumiu o papel de protagonista do crescimentoeconômico e o aumento das vendas foi de tal ordem que, no nal da década, a frota nha quase triplicadoem número. Em 1930, mais de 23 milhões de carros circulavam nos EEUU e a taxa de incremento anualnha sido de nada menos que 18,3% ao ano. Para dar uma dimensão da antecedência norte-americanae da escala angida pelo mercado, basta comparar com o Brasil, um país que dispõe de uma entre as dez

maiores indústrias automobilíscas do mundo (sexto maior produtor e oitava maior frota em 2010). Poisbem, a frota de veículos equipados com motor ciclo Oo circulando no Brasil, em 2010, é pouco maior doque a que exisa nos EEUU, há oitenta anos!18

A capacidade do capital de germinar as soluções para superação das crises, enquanto elas estão emandamento, já foi assinalada em outras ocasiões e pode ser vista mais uma vez quando observada a evo-lução da frota de carros durante a década de 1930. A maior crise econômica da História do capitalismo, aiminente falência do capital monopolista, o úlmo sopro militarista e protecionista no cenário internacio-nal afetaram o ritmo das vendas, mas, elas não deixaram de crescer; o que foi notável frente à conjunçãode tantas diculdades estruturais. O número de registros cresceu a uma taxa média anual de 1,7% durante

os dez anos de depressão, o que fez com que o país já vesse em circulação mais de 27 milhões carrosimediatamente antes da eclosão da guerra.

Tabela: Evolução do número de carros registrados nos EEUU no século XX

Terminado o conito, o ritmo de crescimento sustentado das vendas de carros foi retomado duranteas três décadas seguintes. As taxas de incremento foram muito próximas: 4,9% na década de 1940, 5,3%na década de 1950, 4,5% na década de 1960. Sublinhe-se que são médias anuais que se mantêm por dé-

18 - Segundo a Anfavea, a frota brasileira de carros de passeio em circulação estava esmada em 25,5 milhões em 2010.

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cadas e, portanto, reetem com propriedade a aceleração da industrialização norte-americana duranteos trinta anos gloriosos. Foi o período que embalou um novo ciclo econômico, que Mandel chamou de“capitalismo tardio” e no qual a massicação do automóvel, vericada por estes números, teve um papelcentral. A crescente demanda por matérias primas, equipamentos e acessórios, além de combusveis,teve efeitos mulplicadores que se repercuram em pracamente todos os setores produvos.

Não cabe aqui comentar em detalhe, o que será feito oportunamente, mas, é impossível não obser -var que a tabela anterior indica o esgotamento da úlma onda geradora de ganhos de produvidade quese desenhou a parr da década de 1970. A inexão da “maré montante” cou clara durante as décadasde seguintes. Se na década de 1970, o incremento médio estava nidamente abaixo dos incrementos dasvendas experimentados nos úlmos trinta anos, ele perfazia 3,6% (bem abaixo de 4,5% ou mais de 5%),ele reea o ritmo de uma economia norte-america ainda em crescimento. Os incrementos observadosna década de 1980, contudo, não deixavam margens à dúvida. Entre 1980 e 1985, o crescimento do nú-mero de carros registrados cai para mais da metade, 1,7% ao ano e, entre 1985 e 1995, o crescimento dasvendas passou a ser vegetavo: apenas 0,3% ao ano. O esgotamento era visível.

Em torno da produção em série e da massicação das vendas dos bens de consumo deslanchoua produção industrial norte-americana e a recuperação econômica européia após a guerra. Entre todosos bens de consumo duráveis, sem dúvida, o automóvel é o ícone do século XX. Do ponto de vista daorganização industrial, suas arculações com os demais setores produvos lhe concediam uma posiçãoestratégica na geração de oportunidades para a ampliação do capital de diversas origens. A indústria daborracha, o reno, a produção de equipamentos e partes elétricas e o uso crescente de pláscos de en-genharia, de bras sintécas e outros polímeros estão entre as estreitas interfaces em torno do qual seorganizou a produção industrial do pós-guerra.

O esforço de pesquisa bélico, iniciado na Primeira Guerra e que teve suas aplicações militares efe-

vadas durante a Segunda Guerra, só foi possível com a colaboração estreita de empresas norte-america-nas. Em decorrência de suas dimensões, durante o úlmo conito, a cooperação entre o estado e o capitalfoi ainda mais estreitada e a capacidade de produção industrial foi converda, quando preciso, para nsmilitares. Nada mais ilustravo que a produção de borracha, matéria-prima para os pneus dos veículosautomotores. A borracha sintéca foi o primeiro polímero produzido em grande escala, o objevo eramilitar e foi conquistado depois de anos de tentavas.

Para suprir os veículos de guerra e não depender do fornecimento da borracha natural vinda dostrópicos, o desenvolvimento do produto alternavo envolveu empresas químicas, petroleiras e fabrican-tes de borracha e pneus. O resultado foi a completa transformação da produção, quando isso se fez mi -

litarmente necessário: em1940, menos de 1% da borracha consumida nos Estados-Unidos era sintéca.Em 1945, 85% dos componentes da borracha dos pneus já eram sintécos. A era do automóvel, serátambém a era da borracha e do plásco, todos sintecamente elaborados pela indústria química a basede petróleo.

O impacto da massicação das vendas dos automóveis leves é bastante evidente quando se tratados pneus, que calçam os veículos, e também quando se trata da gasolina, o combusvel que é queimado,para os veículos leves circularem. A crescente coordenação de diferentes setores e, em especial, entre asgrandes petroleiras e os grupos químicos nascentes já foi abordada em capítulo anterior (cap. 8). Cabecolocar, ademais, que os impactos da difusão tecnológica dos motores a combustão interna foram muito

maiores que o apontado pela indústria automobilísca e veram desdobramentos capitais para a tecno -logia dos combusveis após a Segunda Guerra.

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Estudos Estratégicos - PCdoB98

Entre as duas guerras, os motores de ciclo Oo, de quatro tempos, que queimam gasolina, im-pulsionaram um mercado completamente diferente de consumo: a venda de gasolina para aeronaves.Não se tratava de quandade, uma vez que o número de aeronaves ainda era bastante reduzido e que aaceleração da indústria aeronáuca teve de esperar o pós-guerra. De qualquer modo, formado por com -pradores e condições de realização do valor da mercadoria completamente diferentes, neste novo mer-cado, a questão girava em torno de um problema técnico até então de pouca importância: a qualidade damercadoria vendida.

As aeronaves usavam o mesmo po motor dos automóveis. Seja no carro, seja no avião, a potência,o desenho e o tamanho do motor estavam limitados pela facilidade com que a gasolina se auto-inamavana câmara de combustão do motor a altas temperaturas, antes do esperado, fazendo o motor ratear e,assim, “bater pino”. Foi para resolver este problema que se orientou a pesquisa das petroleiras: na buscade um combusvel de alta octanagem. A súbita perda de potência no motor era algo que até podia acon -tecer, de quando em quando, num automóvel circulando numa estrada, mas, nunca, com uma aeronave,em pleno ar.

Até a década de 1920, o capital petrolífero não precisou cuidar da qualidade e invesr em sua ima-gem e marca para obter retorno em sua avidade principal: a produção e o reno. A demanda crescentepor combusveis lhe dava o conforto da certeza da venda e, assim, da realização do valor. O mercadode gasolina automobilísca não valorizava a qualidade e os produtos “podres”, nos termos de GeorgeAkerlo, dominaram as vendas por décadas. A integração a jusante da cadeia de valor foi realizada entreas guerras, na medida em que a frota de veículos aumentava de forma acelerada e “a seleção adversa”ameaçava inviabilizar o mercado. Foi somente aí que surgiu a petroleira clássica: uma empresa totalmentevercalizada, do poço à bomba.

A venda de gasolina com qualidade para um cliente especial era outro negócio: a gasolina devia ser

de alta octanagem e conforme a uma especicação bastante exigente. O aumento da envergadura (ou doescopo) das vendas exigiu novas despesas em pesquisa e desenvolvimento de processos, entre as duasguerras, e elevados invesmentos na renovação do parque de reno, no pós-guerra. Todo o esforço estavana produção de uma gasolina de cem octanas. A indústria aeronáuca, portanto, impôs um maior grau deconabilidade e padronização do produto, além da busca por gasolinas que pudessem alimentar motorescom maiores taxas de compressão.

A adição de componentes químicos à gasolina foi uma primeira solução para aumentar sua octana-gem. O chumbo tetraelico, desenvolvido pela DuPont a parr do espólio da guerra desapropriado dosalemães, foi mencionado na revisão feita anteriormente. O componente, sintezado pela (então) maior

produtora de dinamite e explosivos norte-americana, passou a ser largamente usado como principal adi-vo à gasolina e assim foi por décadas. Só começou a ser substuído bem perto do nal do século XX,em razão dos danos que o chumbo tetraelico pode causar aos lençóis hídricos e devido a seu potencialcancerígeno.

Como se pode constatar pelos próximos dois grácos, o problema do capital petrolífero não erade quandade, mesmo quando cotejados esses dados com o incremento da frota de carros norte-ame-ricana, que era quase explosivo. A avidade de reno obteve sucesso em atender o crescente mercadode consumo de combusveis, seja na depressão, seja no imediato pós-guerra. Com vendas ascendentes,para o grande capital petrolífero, não exisam diculdades em realizar o valor dos derivados, que sempre

encontravam consumidor.

No primeiro gráco, está a evolução da capacidade de reforma nas unidades de reno norte-ame-

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Dossiê I.5 - A questão energéca   99

ricanas. Até bem perto da Segunda Guerra, a reforma térmica era o processo predominante. Antes, nasrenarias, apenas se deslava o petróleo. A declividade posiva da curva é acentuada e a tendência é decrescimento sustentado. O incremento da capacidade de reforma de petróleo no reno aumentou con -sideravelmente entre 1927 e 1957. Novamente, observa-se que certos setores produvos (automóveis,química e combusveis) eram imunes à crise, à depressão e à guerra. De 1,2 milhão de barris por dia, para4,7 milhões; a capacidade de processamento quase quadruplicou neste conturbado espaço de vinte anos.

Gráco: Aumento da capacidade de reforma térmica e catalíca (a parr de 1939) nas renariasnorte americanas, entre 1927 e 1957

Gráco : Evolução da taxa de crescimento anual da capacidade

O connuo aumento da oferta foi consequência da introdução dos conhecimentos de engenhariaquímica (que nascia nas universidades norte-americanas) ao tratamento em larga escala do petróleo. Umprocesso de padronização, acoplado ao ganho de tamanho, viabilizou uma oferta crescente de derivados

e, mais importante, a custos decrescentes. A intensidade em capital do negócio de reno passava a seroutra, muito maior, com invesmentos iniciais extremamente elevados. Tudo isso está reedo nos grá-cos anteriores e, principalmente, é nída a natureza cíclica da avidade, que deriva da cada vez maiorintensidade do capital.

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Estudos Estratégicos - PCdoB100

No primeiro gráco, a curva de aumento da capacidade apresenta dois degraus. Entre 1936 e 1939e entre 1951 e 1954, não ocorreram incrementos na capacidade de reforma. A capacidade de produçãocresce em etapas bem marcadas. Isso ca muito claro no segundo gráco, onde foram colocadas as taxasmédias de crescimento anual. Os ciclos de alta e baixa são resultados dos invesmentos na ampliação daoferta. Considerando o volume nanceiro e a escala das novas unidades, as adições à capacidade passa-

vam a ser feitas em grandes projetos, por vagas de expansão; as usinas se adiantando ao crescimento doconsumo e dispondo de larga capacidade excedente inicial. O tamanho da usina era calculado para angir, já de início, a escala mínima de eciência econômica; isto é, o tamanho a parr do qual o custo médio deprodução por unidade é mínimo.

No período seguinte, logo depois do comissionamento das mais recentes unidades produvas, ocor-rerá a gradual absorção da capacidade. Alguns anos depois, a ociosidade esver perto do mínimo, umanova onda de projetos é deslanchada, agora em ainda maior escala e com maiores rendimentos. E tudorecomeça. É fácil perceber a elevada dispersão nos dados do segundo gráco. Neste, as taxas anuais decrescimento (as médias de cada triênio) variam de 12% até próximo a zero. Isso dá uma ideia da natureza

marcadamente cíclica que terá reexo na dinâmica de toda a indústria do petróleo.

Até aqui, o capital petroleiro nha conseguido aumentar a oferta de derivados a custos decrescen -tes, a parr da expansão da escala das unidades de produção. A demanda por mobilidade e, portanto,por carros, em franco crescimento, não imponha qualquer limite à realização do valor dos derivados dopetróleo. Já foi observado que o problema era outro nas vendas de combusveis para as aeronaves. Osrequisitos quanto à conformidade da gasolina eram muito maiores. Ademais, a octanagem baixa, mesmocom o uso de adivos, connuava a ser um fator limitante. Não bastava formular uma nova gasolina, eramnecessárias modicações nos processos, algo bem mais complexo e que exigiu duas décadas de desen-volvimento, a colaboração de diversas empresas e a mão pesada do estado com seus objevos militares

para deslanchar as mudanças.

Parte da história já foi revisada no capítulo oito. Perto da Segunda Guerra, a mais importante modi-cação no processo de reno foi a introdução da reforma catalíca. O catalisador era composto de sílica ealumina e as vantagens frente ao processo convencional de reforma térmica eram a operação a tempera-turas inferiores a 500º C e pressões inferiores a 1 atm e tendo com resultado a maior produção de gasolinade elevada octanagem. Esta trajetória de desenvolvimento da tecnologia é um “caso de escola”, onde otempo e os esforços foram proporcionais aos resultados.

A gasolina de alta octanagem, e não apenas a oferta de gasolina, revelou-se um fator estratégicodurante a Segunda Guerra. Em meados da década de 1920, Adolf Hitler, ascendendo ao poder, promoveua consolidação da indústria química alemã (no início do século XX, disparada a maior do mundo) numa sóempresa e, assim, nasceu a gigante IG Farben. Já eram os preparavos para as futuras guerras e um pontocentral era a produção de combusveis líquidos e polímeros a parr do alcatrão de hulha.

À origem de tudo estava na hidrogenização do carvão e no domínio da tecnologia de alta pressãodesenvolvida com a síntese da amônia, a partir da utilização do nitrogênio disponível na atmosfera, oprocesso Haber-Bosch. Quimicamente, o carvão é um aromático, o óleo é um alifático e é, por isso, muitomais apropriado para ser transformado – e não só queimado – nos mais diferentes intermediários paraabastecer a nascente indústria petroquímica. Contudo, de uma base à outra, da hulha para o petróleo,era preciso mudar de trajetória o que, de toda evidência, não foi fácil: passaram-se duas guerras mundiaispara que a reforma catalítica em fluxo contínuo fosse desenvolvida e difundida. É verdade que depois deda guerra, rapidamente ela toma o lugar da reforma térmica até então largamente predominante.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   101

O capitalismo tardio é um capitalismo de estado. O papel da indústria bélica ilustra o poder da “BigScience” e a capacidade do modo de produção capitalista transformar a realidade após a crise e a destrui-ção. Embora a oferta a custo decrescente de combusvel a parr do petróleo tenha sido uma vantagemconquistada antes da Segunda Guerra, frente à hidrogenização do carvão a parr do processo Haber Bos -ch e da liquefação do carvão a parr do processo Fischer & Tropsch, a octanagem ainda era um limite da

gasolina derivada do petróleo. A eciência e o alcance da aviação militar dependiam de uma melhoria docombusvel.

Dois projetos ciencos de grande porte prepararam os EEUU para a guerra. O Departamento deDefesa nanciou o Projeto Manhatan e o Projeto Baon Rouge. O primeiro é bastante conhecido e resul-tou no domínio da energia nuclear para ns de geração elétrica. Menos conhecido, o segundo permiu aprodução de gasolina de cem octanas e o deslanchar da petroquímica. A vitória dos aliados foi decididacom a bomba H em Hiroshima e Nagasaki, mas foi conquistada batalha após batalha e a disponibilidadedo petróleo e seus derivados foi decisiva. Ao nal do conito, as embarcações militares japonesas nãonham óleo combusvel para voltar de seus ataques, os aviões da Luhansa não podiam levantar voo

por falta de gasolina e, na batalha aérea do Pacíco, de cada vinte aviões derrubados, apenas dois eramnorte-americanos. As aeronaves da força aérea dos EEUU nham motores com uma taxa de compressãomuito maior e muito mais potência. A gasolina de cem octanas fez a diferença,

Foi a Standard Oil, junto com o MIT, que deu início aos projetos de pesquisa em torno de uma rena-ria piloto em Baon Rouge em meados da década de 1920. As licenças obdas no acordo com a alemã IGFarben em meados daquela década foram levadas para essa mesma renaria. Pouco antes da guerra, todaa pesquisa química para ns militares foi concentrada na unidade. As forças armadas careciam de grandesquandades de combusvel e faltava um método de tratamento do petróleo em uxo connuo e commaior rendimento em gasolina. O processo denominado Houdry, que fora introduzido comercialmente

em 1939, era o primeiro método de reforma catalíca. Ele será muito rapidamente difundido exatamentepor permir a produção de gasolinas de alta octanagem. Em 1843, 7% da capacidade de reforma já erafeita por esse processo. Mas, ainda se tratava de um processamento por batelada. Era preciso avançarmais na pesquisa e o estado norte-americano, as empresas do país e os cienstas engajados no projetonão pouparam esforços.

Entre 1941 e 1943, o resultado dos invesmentos e de algumas décadas de aprendizado em enge -nharia química apareceu. Em 1943, o processo de reforma em uído catalíco estava em operação e agasolina de cem octanas podia ser obda a parr de um método de tratamento em uxo connuo. Suadifusão dá a medida da sua superioridade frente ao método convencional. Em 1949, a reforma em uído

catalíco já respondia por 22% da capacidade de reforma no parque de reno norte-americano. Em 1957,a parcipação aumenta para 62%, enquanto outros processos de reforma também catalícos respondiampor mais 20%. A reforma térmica tornara-se obsoleta e marginal. Em pouco mais de dez anos, o perle a complexidade do reno mudou completamente. A seqüência, em termos de transbordamento doprocesso tecnológico, foi aina mais surpreendente. Os avanços não se restringiam aos combusveis. Aenvergadura das aplicações era a mais diversa possível.

Além da produção de gasolina para aviões militares, o processo de craqueamento catalíco produ-zia butano e butadieno, fontes para a produção de borracha sintéca. O mesmo processo também eraa chave para o craqueamento do etano e da naa, a parr dos quais se ergueu a petroquímica após a

guerra. Vinte anos de pesquisa e desenvolvimento desabrocharam, assim, na unidade de reno de BaonRouge para contribuir, primeiro, com a vitória aliada, segundo, para impor uma nova base energéca e,terceiro, para acessar uma matéria-prima barata, abundante e que, transformada quimicamente, abria

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Estudos Estratégicos - PCdoB102

uma nova fronteira para a ampliação do capital petrolífero, onde era possível agregar muito mais valor àsmercadorias vendidas.

O desenvolvimento da borracha sintéca reproduz os consórcios de pesquisa já observados em ou -tras ocasiões no processo de inovação da indústria petrolífera. Coube a Standard Oil aprimorar o processode produção do butadieno junto com mais quatro produtores norte-americanos de borracha. A parr do

butadieno, uma segunda empresa, a Dow Chemical fazia o esreno que, em seguida, era enviado a umaterceira empresa, a Monsanto que, então, fazia o poliesreno e, só depois, chegava-se à transformaçãoque gerava a borracha, ou o plásco. Eram estas longas e precisas trajetórias de processamento químicoque estavam sendo dominadas em Baon Rouge e elas exigiam um grau de coordenação entre os parci-pantes jamais visto anteriormente.

A divisão do trabalho e a especialização na avidade de pesquisa e desenvolvimento esveramsempre presentes e representaram o bilhete de entrada para os futuros parcipantes na nova indústria.As fronteiras não estavam sucientemente precisadas, mas, a objevidade do capital na busca do lucroé ímpar. Entre os grupos especializados na produção de químicos, os quatro grandes norte-americanos

parciparam do esforço conjunto e cada um aportou uma novidade. À Union Carbide coube o desen -volvimento do polivinil clorido (PVC), à DuPont coube a introdução do polieleno, à Dow Chemical e àMonsanto coube o mencionado desenvolvimento do esreno e do poliesreno. Até hoje, são os quatromaiores conglomerados químicos dos EEUU.

Entre as petroleiras, somente as grandes nham disposição para gastar em laboratórios e estudosque iam muito além do controle de qualidade na saída da renaria. O perl das petroleiras que se interes-saram era muito semelhante. Três eram herdeiras do espólio da divisão da empresa de Rockefeller: Exxon(Standard Oil of New Jersey), Chevron (Standard Oil of California) e Amoco (Standard Oil of Indiana). Aquarta era simplesmente a maior petroleira não americana: a Shell Oil. Deve ser citada também a Philips

Oil que parcipou avamente dos esforços empreendidos entre as duas guerras.

Foram essas empresas que começaram o movimento de vercalização em direção à química orgâni -ca. Por décadas, elas farão pesados invesmentos em avos petroquímicos na busca de novos mercadosconsumidores; eles eram inteiramente diferentes dos mercados que as petroleiras estavam habituadas. Ofato de terem sido as primeiras a chegarem assegurava, não apenas as condições favoráveis para realiza-ção de valor da nova produção, mas também a possibilidade de agregar muito mais valor e se apropriarnalmente das rendas tecnológicas proporcionadas por duas décadas de invesmento. O crescimento dapetroquímica será exponencial e embalará trinta anos de prosperidade ininterrupta.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   103

1) o ae capal pelífe e a ppeae e-aecaa

O capital tem em mãos o seu desno, mas a sua reprodução e ampliação é plena de contradiçõese fundamentalmente cíclica, segundo a concepção de M. Kaleck. O entendimento do papel do petróleo edo crescimento acelerado do que muitos consideraram a idade de ouro do capitalismo, o período entre1945 e 1975, pede uma breve digressão teórica. O objevo é a compreensão da dinâmica que faz da crise

um elemento indissociável do crescimento. Vale ressaltar que, sejam eles ortodoxos, como os derivadosda análise keynesiana, sejam eles heterodoxos, como os derivados da visão schumpeteriana, ou aindada visão marxista, todas os modelos apontam para o invesmento, como o elemento fundamental destadinâmica.

A reexão macroeconômica procura, por meio de modelos simples, entender como se gera e realizao valor em economias que ganharam grande complexidade em termos organizacionais e produvos noséculo passado. Os modelos pretendem sublinhar as variáveis que determinam o desempenho nal daeconomia parndo de hipóteses facilmente constatáveis. É o caso da visão de Kaleck da dinâmica econô-mica. Sem estado e comércio exterior, num sistema fechado, a parte que cabe ao capital na distribuição da

renda – o lucro – depende do consumo produvo e individual da classe capitalista. A parte do trabalhador – o salário – depende do nível de produção, assim, quanto maior a produção, maior o nível salarial. Mas, oque determina a produção? O economista polonês acredita que são os invesmentos, ou seja, o consumoproduvo do capitalista, que é o fator determinante da renda nacional.

E, para explicá-lo, ele divide a economia em três “departamentos”. O primeiro é o de bens de produ-ção; são os insumos, equipamentos, processos e tudo o mais que é fornecido para todos os produtores.O segundo é o produtor de bens de consumo para trabalhadores e o terceiro, de bens de consumo paracapitalistas. Os dois úlmos incluem aqueles bens duráveis (carros, geladeiras, ar condicionados e má-quinas de lavar), assim como os não-duráveis (alimentos, roupas, acessórios de cozinha, argos de luxo,

combusveis etc.). O modelo é um aprimoramento dos esquemas de reprodução de Marx, Rosa e Tugan,que só tratam dos dois primeiros departamentos, ao considerar os fenômenos picos do pós-guerra: asvendas de argos e bens de luxo, a produção em massa, a diferenciação do produto e o “consumismo”.

A expansão das condições de realização valor depende fundamentalmente das decisões do capital.Os salários compram a produção do departamento II, que cresce de forma bastante acentuada, em razãoda aceleração da industrialização e do acesso a abundantes recursos naturais e insumos mais baratos. Aqueda acentuada dos custos para produzi-los traz benécos que se generalizam por toda a economia. Oconsumo individual dos capitalistas realiza a produção do departamento III e se benecia dos mesmosfatores. Mas, além do consumo individual, a classe capitalista é responsável pelo consumo produvo, as

decisões de invesmento que realizam o valor gerado pelo departamento I. A chave do “ciclo puro” naeconomia é a realização do valor no departamento de bens de produção, o departamento I; aquele quepromove e propaga os ganhos de produvidade e de rendimento. A venda do departamento I depende

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Estudos Estratégicos - PCdoB104

diretamente das decisões de invesmentos dos donos do capital. São os invesmentos que estão na baseda dinâmica cíclica do capitalismo.

Mas, o que determina os invesmentos? Seguindo as pistas de Marx, Kaleck fala em três fatores. Oinvesmento é, primeiro, função do lucro presente e, em seguida, do lucro passado, que está acumuladoem reservas líquidas. Enm, o lucro é função do capital produvo disponível, aquele que está imobilizado

em avos; é o capital acumulado. A relação entre as variáveis é simples: Quanto maior o lucro presente eas reservas acumuladas no passado, maior a disposição para invesr. Quanto maior o capital acumuladomenor a disposição a invesr. É exatamente esta relação inversa entre acumulação de capital e inves-mento que explica o caráter cíclico da reprodução.

“Vemos que a pergunta ‘Que causa as crises periódicas?’ poderia ser respondida

brevemente: é o fato de que o invesmento não apenas é produzido mas também é

 produtor. O invesmento considerado como despesa é a fonte da prosperidade, cada

aumento dele melhora os negócios e esmula uma posterior elevação do invesmento.

Mas, ao mesmo tempo, cada invesmento é uma adição ao equipamento de capital e

desde logo compete com a geração mais velha desse equipamento. A tragédia do inves-mento é que ele causa crise porque é úl.”

Kaleck p. 148 e 149.

A dinâmica cíclica é intrínseca à acumulação. Existe um hiato temporal entre as encomendas debens de capital e o início da produção. Neste momento, os invesmentos se mulplicam de tal formaque acabam por ultrapassar as necessidades de reposição. A produção cresce na frente da demanda, aossaltos, por etapas e em degraus bem marcados, como foi visto com a capacidade de reno no capítuloanterior. O problema é que as entregas começarão a ser efevadas durante a fase de expansão com certotempo de retardo.

Em certo momento, quando as novas máquinas entram em operação, as entregas suplantam as ne-cessidades de reposição. Na medida em que vai crescendo o estoque de capital, o interesse por renovaros avos diminui e as encomendas e a produção de bens de capital cai e tem início a recessão. As fases desuperprodução e recessão são marcadas pela deação, como as que ocorreram na indústria do petróleo,na seqüência das descobertas na Pensilvânia, no Meio-Oeste, no Texas, no México e na Venezuela. Em to-das elas, cada uma ao seu tempo, ao “boom”, seguiu-se a crise em razão dos excedentes de oferta geradospelo desenvolvimento de novas jazidas.

Observe que, ao primeiro sinal de queda dos preços, o capitalista reage. As encomendas por bensde produção passam a ser pouco numerosas. Mas, apesar disso, o estoque de capital connua crescendo,porque ainda se realizam as entregas das encomendas feitas anteriormente e, assim, o efeito mulplica-dor dos invesmentos, antes realizados, ainda se faz senr. A capacidade ociosa cresce e os lucros dos ca -pitalistas se reduzem. Em conseqüência, mais acentuada se torna a queda das encomendas até se chegarà depressão, quando as encomendas de novas unidades de produção são mínimas; os pedidos não sãorenovados e o capital acumulado se deprecia.

A crise, que se verica então, tem a função de desvalorizar o capital anteriormente acumulado, paradar lugar à futura retomada das encomendas. A renovação do parque de sondas de perfuração, decorren-

te da canibalização dos equipamentos angos durante a Segunda Guerra, é uma boa ilustração, que foiaqui revisada, do impacto quanto ao desempenho em custos e seu alcance em termos de profundidade.De qualquer forma, neste caso, o impacto tecnológico é evidente, o que nem é considerado dentro dareexão de Kaleck. A reprodução, mesmo que simples do capital, de forma estável, é inviável.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   105

O primeiro interesse desse modelo esta em que, em nenhum momento, são levantadas as questõescorrentes nas visões subconsumistas de Malthus, Keynes, ou Rosa. Os ciclos puros são da natureza dosinvesmentos. A falta de consumo é um problema da reprodução ampliada, da crescente valorização docapital e não é a miséria e os baixos salários dos trabalhadores que limitam a expansão. A falta de consu -mo ocorre porque os capitalistas decidem entesourar, no lugar de invesr e gastar no consumo próprio.

É neste sendo que o economista disse que os trabalhadores gastam o que ganham e os capitalistas ga -nham o que gastam e, portanto, têm o desno da economia nas mãos.

O segundo interesse desse modelo está na ênfase ao papel dos bens de produção. É onde a econo-mia gera os equipamentos, os processos e os insumos que viabilizam os saltos em termos de ganho deproduvidade de um ciclo a outro. Portanto, a reprodução ampliada, muito mais que a simples, constrói--se por etapas e as crises marcam mudanças profundas na organização, nos métodos de produção e nosrecursos naturais ulizados. As fases de prosperidade são de forte expansão da capacidade produva,de expressivas quedas de custo, de massicação do consumo, tanto de bens de consumo (duráveis e nãoduráveis), quanto de bens de luxo, assim como com os próprios bens de produção e intermediários. A

presença inicial de rendimentos crescentes, baseados nos ganhos do novo capital, propaga-se por toda aeconomia e o processo de industrialização se aprofunda.

A dinâmica cíclica do capital deixou marcas que podem ser percebidas nas mudanças que são decunho eminentemente estrutural. A importância da mudança ocorrida entre o capitalismo monopolistae o capitalismo tardio, quanto a sua base energéca, pode ser avaliada pelos próximos grácos e tabelas.Em um quarto de século, a matriz energéca da economia, que se tornava a maior do mundo, foi inteira-mente alterada. O movimento reeu exatamente a substuição do carvão pelo petróleo e a emergênciada eletricidade. Entre as guerras, em 1925, a fase de prosperidade estava perto de seu limite e 72% doconsumo de energia primária ainda era carvão, a despeito do petróleo, do gás natural e da eletricidade já

terem feito sua penetração inicial. A crise de 1929, dez anos de depressão econômica e mais uma guerraabriram espaço para o novo capital. Em 1950, a eletricidade ange seu pico de parcipação e a soma dasparcipações do petróleo e do gás já supera o carvão, 44,7% (36,4 + 18,3) contra 40%.

Entre 1950 e 1970, numa fase de forte expansão do ciclo, as mudanças da base energéca se apro -fundaram. A capacidade de responder ao quase exponencial aumento da procura a custos decrescentesrevelava a vantagem incontestável da nova fonte energéca. Desde a década de 1960, o petróleo assumi -ra a liderança incontestável (44%) e o gás natural lhe seguiu (27,1%), o que deslocou o carvão para terceirafonte na matriz norte-americana (24,7%). A velocidade e o aprofundamento da mudança têm a ver com acapacidade que dispunha o capital petrolífero do país para responder ao forte aumento das encomendas

e a propiciar ganhos de rendimento e produvidade a jusante das cadeias de produção. O que lhe foiuma vantagem maior é que os domínios de realização do valor eram não somente a energia, o escopo derealização do valor passou a ser muito maior: incluía os insumos e intermediários de bens de produção eoutros bens de bens de consumo, que não se resumiam à queima dos combusveis.

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Estudos Estratégicos - PCdoB106

Estrutura do consumo de energia primária nos EEUU entre 1925 e 1985

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1925 1950 1960 1970 1975 1985

Como foi revisado nos três úlmos capítulos, além dos lucros extraordinários apropriados graças aopoder de mercado e poder econômico, que sempre dispuseram, as petroleiras passaram a gerar elevadasrendas tecnológicas que, por sua vez, passaram a ser parlhadas com capitais de diferentes origens. Asnovas fontes de lucro foram construídas entre as duas guerras mundiais e são elas: (i) a queda do riscoexploratório, que resultou dos métodos de detecção indireta de reservas; (ii) o aumento da profundidadee da vazão dos poços, que resultou, por sua vez, do desenvolvimento da indústria para-petrolífera; (iii) aexpansão das fronteiras de exploração e produção de petróleo no mar decorrente do surgimento da in-dústria “o-shore”; e (iv) o aumento expressivo da capacidade de tratamento do petróleo, com a chegadados engenheiros químicos na renaria e que será seguida do crescimento quase exponencial da produçãopetroquímica.

Assentado na abundância das reservas e em custos decrescentes, numa nova organização industrialque reduz não só o custo de produção, mas também o custo de transação (ou de realização) e com enor-me capacidade de gerar lucro próprio, o capital petrolífero nha amealhado as condições favoráveis parasua reprodução ampliada. Além de fornecer a energia para a aceleração do crescimento, disponibilizoumatéria-prima, intermediários e insumos para os mais diversos setores produvos. As tradicionais empre -sas petroleiras norte-americanas lideraram a transformação ocorrida nos EEUU após a úlma guerra mun-dial. A Exxon sempre esteve entre as duas maiores corporações industriais norte-americanas e as grandespetroleiras sempre esveram entre as cem maiores. O efeito mulplicador dos invesmentos petrolíferos

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Dossiê I.5 - A questão energéca   107

vai muito além do enriquecimento dos estados, antes agrários, da Louisiana e do Texas e irradia-se portoda a economia dos EEUU.

Contudo, antes de analisar a aceleração do processo de industrialização do país, viabilizado por essanova base econômica, na verdade um quase novo departamento I, na visão de Kaleck, vale se deter nosdados dos próximos gráco e tabela. Eles permirão avaliar a distância que o capital norte-americano

conquistou em relação à anga metrópole do capitalismo, precisamente no período em tela. Abaixo,encontram-se as informações sobre a composição do consumo de energia primária segunda a fonte deenergia na Europa Ocidental19, entre 1925 e 1985. A mesma transformação, vericada na América doNorte, é observada no Velho Connente, mas, ela foi posterior e mais lenta. O gráco e a tabela permitemuma comparação com a situação norte-americana e, principalmente, permitem destacar a antecedênciae primazia do capital deste país.

O impacto econômico da troca da base energéca é evidentemente semelhante na América doNorte e na Europa. O petróleo permirá a ampliação do capital, em parcular no Mar do Norte, a parrde 1970, sustentando o rápido crescimento da economia norueguesa e revertendo o processo secular de

“desindustrialização” da Grã Bretanha. Contudo, antes disso, no Velho Connente, a mudança do petróleopara o carvão foi muito mais lenta. O custo de substuição de uma trajetória tecnológica por outra eramuito maior em razão das raízes carboníferas da Primeira Revolução industrial, ocorrida na Europa. Emmeio às guerras, dez anos de depressão e convulsão social, não exisam setores imunes à crise, como dooutro lado do Atlânco Norte. Verica-se também um fenômeno de “trancamento tecnológico”. O aban-dono de avos e conhecimentos extremamente caros e soscados, e que subitamente viraram obsole-tos, acarretava perdas irrecuperáveis. A magnitude destas perdas retardava as decisões de invesmentospara a renovação do capital, o que acentuava a depressão econômica.

Estrutura do consumo de energia primária na Europa Ocidental, 19251985

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1925 1950 1960 1970 1975 1985

 

19 - A Guerra Fria dividiu países (Vietnam e Coréia) e connentes. Na Europa, exisa a “Muralha de Ferro” que separava policamente os países emOcidentais (alinhados aos EEUU) e Orientais (alinhados à URSS).

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Estudos Estratégicos - PCdoB108

Mesmo a destruição provoca pela úlma guerra mundial não foi suciente para mudar o perl car-bonífero da Europa Ocidental. Entre 1925 e 1950, a penetração do petróleo foi importante (de apenas3,1% para 17,5%), mas essa penetração deslocou pouco a parcipação do carvão (de 91,3% para 77,5%),que connuou sendo largamente majoritário no consumo de energia primaria. A este momento, somados,o petróleo e o gás já eram maiores que o carvão nos EEUU. Ainda em 1960, o carvão permanecia como

fonte predominante e foi somente em meados desta década, já muito perto do esgotamento da fase deprosperidade, que o petróleo assumiu a posição de maior fonte de energia para o crescimento da EuropaOcidental. A descoberta das reservas no Mar do Norte, como foi mencionado acima, foi a oportunidadepara o capital petrolífero do Velho Connente recuperar parte de seu atraso e, por acaso, justamente como desenvolvimento do que mais novo exisa no petróleo – a indústria “o-shore”.

A antecedência na troca do carvão para o petróleo e o capital acumulado no setor permiu o des -lanchar da prosperidade nos EEUU, após o m da Segunda Guerra. O aprendizado, a pesquisa e as despe-sas em invesmentos incertos nham sido signicavos. O fôlego para expansão repousava em algo quea anga Europa não dispunha: reservas próprias e custos decrescentes na produção e no reno, resultado

da tecnologia desenvolvida nos vinte anos que antecederam a guerra. Na compeção entre os capitais,isto fez a diferença ao viabilizar expressivos ganhos de produvidade do trabalho e de rendimento no usodos recursos e insumos. Nada reete melhor a velocidade deste crescimento industrial que o consumode gasolina.

Nos dois próximos grácos, encontram-se o consumo de gasolina e a taxa de média de crescimentoanual deste nos Estados-Unidos. O sendo apontado pelo primeiro gráco não difere do que foi visto atéaqui: o pós-guerra foi uma fase de crescimento econômico prolongado, se o combusvel queimado pelosautomóveis de passeio pode ser tomado como indicador. De imediato, em termos absolutos, o incremen-to foi considerável e parece retratar bem o novo padrão de vida das famílias americanas. Em 25 anos,

 justamente no período que se segue a guerra, o consumo de gasolina salta de 2,4 milhões de b/dia para6,6 milhões de b/dia; ou seja, ele quase triplicou! (Foi mulplicado por 2,78.)

A escala de vendas angida em1960, ainda no meio do “boom” do úlmo ciclo, de aproximada-mente 4 milhões de b/dia de gasolina dá uma idéia, por um lado, das economias que podiam ser obdasneste mercado e, por outro, na capacidade do capital petrolífero de responder à pressão da crescenteprocura por derivados. Apenas para comparação e para voltar a destacar a primazia e a antecedêncianorte-americana, só em gasolina, em 1960, os EEUU consumiam o dobro de todo o petróleo consumidono Brasil, mais de cinqüenta anos depois.

Até 1970, em termos absolutos, o crescimento connuou considerável, uma vez que a base sobrea qual se realizava o aumento já era gigantesca e, como se pode constatar pelo segundo gráco, as taxasmédias de incremento anual connuaram elevadas. O crescimento da segunda metade da década de

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Dossiê I.5 - A questão energéca   109

1960, de mais de 5% ao ano, só foi inferior ao crescimento do início da década de 1950. Se não foi a idadede ouro do capitalismo (muitos consideram que foi o período entre 1850 e 1874), foi a melhor época paraum conjunto de modernos (e não contemporâneos) oligopólios industriais altamente vinculados entre si:as empresas petroleiras, químicas e montadoras.

O efeito mulplicador dos invesmentos e das despesas, feitos pelos capitalistas norte-americanos

a que se refere Kaleck, em seu modelo, fez-se senr ainda durante a primeira década de 1970. O cresci -mento do consumo de gasolina foi de 3,1% ao ano entre 1971 e 1975, média anual muito próxima da -quelas vericadas em períodos anteriores (entre 1956 e 1965). A gasolina abastecia uma frota de carros,que como foi vista, também crescia de forma sustentada até o nal da década de 1970. A massicação daprodução permira que as famílias de assalariados, burocratas e pequenos capitalistas adquirissem seusprimeiros veículos e os adicionais também. A crescente disponibilidade de combusvel, que atendia essademanda, como foi visto, era resultado dos custos decrescentes do reno (devido à introdução da refor-ma em uído catalíco) e do desenvolvimento das jazidas submersas no Golfo do México.

Consumo de gasolina nos EEUU, 1949-1980, em milhões de b/dia

2.410

3.463

3.969

4.583

5.785

6.675 6.579

0

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

6.000

7.000

8.000

1949 1955 1960 1965 1970 1975 1980

Taxa média de crescimento anual de gasolina, nos EEUU entre 1949 e 1980

7,3

2,9  3,1

5,2

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Estudos Estratégicos - PCdoB110

Ainda no setor petrolífero, o efeito mulplicador da expansão dos invesmentos e das despesas seestendeu a outros produtos como o GLP, o óleo Diesel, o querosene especial para a aviação, cuja procuraaumenta com os novos motores dos aviões a jato (turbinados). Em todos eles, o capital petrolífero norte--americano, por ter sido o primeiro a chegar, construiu uma vantagem-custo frente aos demais que lhedeu a liderança incontestável na expansão não só nacional, mas também internacional do mercado. A

nova fase de prosperidade ampliou de forma planetária a mobilidade de capital e não seriam as petrolei-ras, as primeiras mulnacionais, que deixariam a oportunidade escapar. Na verdade, a construção da he-gemonia políca norte-americana, que transformou o cenário internacional do pós-guerra, não poderiater sido realizada sem a contribuição decisiva do capital petrolífero do país.

Nos termos de Arrighy, no pós-guerra, surgiu um novo regime de acumulação, entre seus aspectoscaracteríscos está a nova organização industrial, muito mais soscada e complexa, onde não só os cus-tos de produção, mas também os custos de transação foram fortemente reduzidos. O “custo de transa-ção” é um conceito já mencionado e que merece mais um curto desvio pela teoria econômica. Ele é a cha -ve para o entendimento da arquitetura atual das indústrias e para a denição das fronteiras dos grandes

grupos oligopolistas e mulprodutores que formam as maiores corporações não-nanceiras do mundo.

Foi Ronald Coase, em 1936, num argo seminal, que chamou a atenção para os custos de se re -correr ao mercado e para o fato de que, quando esses custos são altos, as empresas preferem fazer elasmesmas, no lugar de comprar o que querem pronto, num vendedor qualquer. Os componentes do custode transação são três, a saber: i) o custo de idencação dos preços pernentes, ii) os custos de elabora-ção, negociação, assinatura e execução de um contrato e iii) o risco de rompimento do contrato. Somados,são os custos da transação feita por intermédio dos mercados, com suas despesas e riscos de negociação.

Algumas caracteríscas desse custo devem ser sublinhadas. Em termos contáveis, são custos afun-

dados; isto é, não correspondem a pagamentos aos fatores de produção. São despesas administravas,são gastos com contadores e advogados, com a manutenção do “lobbie” e também é o sobrecusto ines-perado decorrente da inundação da fábrica de um fornecedor, ou do conluio entre eles. Por essas razões,economicamente, eles não são custos de produção e, portanto, eles não estão cobertos pelo preço devenda das mercadorias da empresa. Eles são classicados como custos irrecuperáveis. Numa visão mar-xista, talvez seja mais claro entender: essas despesas não extraem, nem geram valor, apenas ajudam arealizá-lo.

O conceito é fundamental para a compreensão do comportamento do grande capital nos oligopó-lios modernos. As estratégias de expansão empresarial para os novos negócios consideram exatamenteos custos de transação. Quando elevados, eles denem quais as avidades produvas devem ser “in -ternalizadas”, ou “vercalizadas”, ou ainda, feitas pela empresa ela mesmo. Em resumo, a razão é que aavidade é crica à realização do valor nal da mercadoria produzida. Em inglês, muito apropriadamente,fala-se em “make or buy”, o que esclarece a disnção entre as duas estratégias possíveis.

Na verdade, para o grande capital, mandar comprar no mercado, ou mandar fazer na própria em-presa, são duas alternavas opostas e extremas. A criavidade dos negócios modernos (e dos advogados)não caria limitada a apenas elas. Entre os extremos, foi possível imaginar uma innidade de arranjoscontratuais. Eles permitem estabelecer parcerias entre os diversos capitais nas mais diferentes bases eco-nômicas. Em todos eles, o objevo é duplo: reduzir os custos irrecuperáveis e os riscos de ruptura. A bar-ganha central do contrato está na parlha dos ganhos de produvidade, decorrente da parceria entre dis-ntos, em geral, são fornecedores e clientes industriais. Muitas vezes, além disso, os contratos não erammercans, eram acordos de pesquisa e desenvolvimento, ou então, eram acordos sobre a denição de

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Dossiê I.5 - A questão energéca   111

novas especicações e padrões de produção mais exigentes, ou ainda, eram posicionamentos conjuntossobre o aumento dos royales nos poços de O & G, ou sobre as imposições scais na bomba de gasolina.A mulplicação da natureza e dos objevos dos contratos, comerciais ou não, nham o intuito de reduziros custos de transação. É o que diferencia a organização das mulnacionais do século XX.

É notável o alcance explicavo do conceito para o entendimento da mudança qualitava realizada

longe do chão de fábrica. O conceito de Coase rera o foco da produção, ou do que acontece numa uni-dade de produção isolada. A empresa moderna não é mono-produtora, não ganha apenas com a escala eo escopo. Em termos marxistas, em razão de ter o monopólio do capital, para o capitalista, a diculdadeestá menos em extrair a mais-valia relava. Ao conceituar o custo de transação, ele projeta a análise aoque acontece na coordenação de diferentes unidades de produção, sejam elas da mesma empresa, sejamelas de fornecedores e clientes industriais, ou ainda de concorrentes efevos, ou potenciais. Novamente,em termos marxistas, é disso que depende a realização do valor antes extraído.

Nos oligopólios industriais, que sustentaram o crescimento do úlmo século, fora a guerra de pre-ço para eliminar o capital rival e pouco disposto a acordo, faz muito, a concorrência pelo preço deixou

de ser a tônica. Nos termos de Schumpeter, os preços são rígidos à queda e a compeção passou a sertecnológica. Nela, o empresário-inovador busca justamente as rendas extraordinárias do monopólio dainovação. Ocorre, porém, que justamente os invesmentos em inovação, em pesquisa e desenvolvimen-to, em melhoria da qualidade são incertos e, por isso, têm enormes custos afundados, muito dicilmenterecuperados. Somente o nanciamento público, ou a parceira entre os capitais pode superar os riscos ecustos de certos avanços tecnológicos.

Em matéria de reduzir os mais diversos custos de transação, a experiência do capital petrolíferonorte-americano é pioneira e paradigmáca, ao servir de referência para todos os demais. A exceção,foi mencionado, foram os grandes conglomerados químicos alemães, não por acaso, nascidos na mesma

época, durante os trinta úlmos anos do século XIX, durante a grande depressão. Para Chandler, é aprovade que, nestes oligopólios industriais, à origem dos tempos atuais, os primeiros a chegar conquistaramuma posição de mercado incontestável. Um pouco depois no tempo, entre 1910 e 1930, mas, corroboran -do simultaneamente as percepções de Schumpeter e Chlander, a liderança de algumas para-petroleiras(Schlumberger, Halliburton, Baker & Hughes e CGG) também se deveu ao pioneirismo e as inovações queseus fundadores trouxeram à exploração e produção de O & G.

A cadeia de realização do valor do petróleo é bastante extensa, sua descrição é longa. A busca por jazidas, o desenvolvimento dos campos de produção, o transporte do petróleo bruto, o seu reno emderivados que, depois, deverão ser armazenados e, em seguida, distribuídos para diferentes locais reven-

dedores e que, nalmente, serão vendidos ao consumidor nal formam uma seqüência de avidades pro-duvas disntas, aonde a passagem, a cada etapa, gera um custo de transação (se for feita pelo mercado),ou um custo de transferência (se for feita dentro da mesma empresa). Some-se a isso que, em todos oscasos, são instalações produvas caras, grandes e exclusivamente dedicadas; para mais nada servem. Aruptura de qualquer elo da cadeia signica a paralisação da instalação e perdas irrecuperáveis.

Desde muito cedo, para o capital petrolífero, as questões organizacionais eram ainda mais comple-xas, porque envolviam a exploração, a produção, o armazenamento, o reno e a distribuição nos maisdiferentes países e nos mais diferentes connentes. Como foi colocado logo no começo deste estudo, oprimeiro derivado do petróleo a impulsionar a indústria foi o querosene e ele já era, por sua natureza, um

produto globalizado; ou seja, vendido nos mais distantes conns do planeta. Entre outras, por ser líquido,a logísca de seu transporte era uma vantagem frente ao carvão mineral, ao folheio, ou a lenha. De todomodo, para o capital petrolífero realizar o valor, fez-se presente muito cedo que era necessário impor o

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Estudos Estratégicos - PCdoB112

controle e a coordenação entre diferentes e distantes unidades de produção.

A parr da década de 1920, para as grandes petroleiras, era normal imobilizar vastos invesmen-tos para o aproveitamento de jazidas em todos os connentes do mundo. O surgimento da engenhariaquímica nas universidades norte-americanas criou a oportunidade do capital norte-americano projetar econstruir dezenas de renarias na Europa e na Ásia. Primeiro, a parr da difusão da reforma térmica e,

depois, com a difusão da reforma catalíca e dos processos em uxo connuo. A jusante da cadeia, paravender gasolina, a Standard Oil, por exemplo, nha se estabelecido em todos os rincões da América La-na e conquistado um papel de protagonista, como demonstraram as experiências argenna e boliviana,recordadas anteriormente.

Os disntos e distantes avos, controlados e coordenados pelas petroleiras, são especializados eestão estreitamente vinculados. Formam um encadeamento de avidades de complexa resolução e quevai muito além de uma solução logísca. Veblen coloca com precisão o grau de complementaridade earculação nos oligopólios que promovem o crescimento industrial do pós-guerra:

“Nenhum dos processos mecânicos executados com uma dada aparelhagem é independente deoutros processos executados noutros lugares. Cada qual requer e pressupõe o funcionamento apropriadode muitos outros processos de caráter mecânico similar (...) A completa harmonização das operações in-dustriais deve ser entendida como um processo interno a uma mesma máquina, composto de pequenosprocessos interligados, e não como uma mulplicidade de instrumentos mecânicos, cada qual fazendoseu trabalho especíco de forma independente.”

Na revisão feita até aqui, a primazia do capital petrolífero norte-americano foi conseqüência de umaconstrução secular. O exercício do seu poder de mercado, aferindo durante décadas lucros muito maioresque todas as demais empresas, e de seu poder econômico, com a capacidade de transformar o ambientea seu favor, mesmo em tempos de guerra e depressão, foram notavelmente precoces. Os lucros acumu-lados com o aumento da escala e do escopo e com o conluio nos preços dotaram a indústria de recursospróprios e uma confortável distância do setor bancário norte-americano. No imediato pós-guerra, alémde tudo, eles dispunham do recurso natural e da tecnologia associada ao seu aproveitamento, ambos,responsáveis pela reconstrução da Europa e do Japão e pela consolidação da hegemonia dos EEUU.

Braudel se refere à camada superior, ao “an-mercado”, onde pairam os predadores e o capital -nanceiro tem ampla mobilidade e plena consciência dos obstáculos à ampliação do capital produvo: “éo pleno ar do capitalismo”. Em muitos momentos do passado, em decorrência do poder conquistado e daindependência da indústria quanto ao crédito, o capital petrolífero angiu o estágio superior de autono-mia, aquele que lhe permia ditar as regras e se aproveitar de todos os avanços que pudessem contribuirpara a connuidade de sua reprodução ampliada. Ele angira o “olimpo” a que se referia o historiadorfrancês. A capacidade de adaptação e a criavidade nos negócios não nham limites e todos os arranjosinstucionais foram úteis para reduzir os custos de transação que envolviam a expansão para domíniosoriginalmente distantes.

A “vercalização” pura e o exercício do poder econômico de forma an-éca deixou de ser opçãocom o m do imperialismo e dos trustes do século XIX. A indústria petrolífera nunca foi intensiva em P &D como a química, a aeroespacial, a eletrônica, ou a de máquinas elétricas e de automação, mas, como

poucas, soube rar proveito de avanços tecnológicos completamente exógenos. Foi o que aconteceu naprospecção geosica, aonde os serviços de aquisição e tratamento, desde o começo, foram encomenda-dos a empresas especializadas. Graças a isso, a indústria petrolífera tratava a informação muito antes docomputador e, assim, diminuía o risco exploratório.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   113

Foi o que aconteceu, igualmente, nos mais diversos segmentos originários da construção e manu-tenção do poço, que começou a ser perfurado pelas sondas rotavas; como visto, três quartos dos poços

 já eram abertos por terceiros em 1930, nos EEUU. Com isso, depois da Segunda Guerra, o capital petrolí -fero norte-americano perfurava muito mais rápido, mais seguro e mais fundo que qualquer outro no mun-do. Foi também o que aconteceu no lento desenvolvimento das plataformas e navios, que viabilizaram a

exploração e produção de O & G no mar. Com isso, abriu-se uma nova fronteira que permiu muito maisque a reposição das reservas até então exauridas. Por m, foi o que aconteceu com o reno e a petroquí -mica, a parr das tecnologias desapropriadas dos alemães e que, mais de vinte anos depois, na unidadede reno de Baon Rouge, desembocam na reforma catalíca em uído connuo.

Foi possível reparar, pela revisão feita até aqui, que nenhuma das trajetórias anteriores se asseme-lha a outra. A diversidade de arranjos contratuais correspondeu à variedade de avidades geradas porum processo de especialização e aprofundamento da divisão do trabalho, que se inicia nos laboratórios,estende-se aos projetos pilotos e, em seguida, ao escalonamento das unidades produvas, até o limite deconceitos e projetos, que sintezam um complexo conjunto de conhecimentos ciencos e técnicos. Os

laboratórios próprios exisram, mas, foram tão ou mais importantes os consórcios de pesquisa, as “joint--ventures” para construção de protópos, as cooperações nos projetos militares e ciencos e os projetosconjuntos com fornecedores.

Observe que quando a apropriação da renda tecnológica dependia de um conhecimento tácito e/ou cienco apurado e distante da competência original do capital petroleiro, a ele acabou achando ummeio contratual de parcipar dos ganhos tecnológicos, sem assumir custos irrecuperáveis e riscos desme-surados. Sem dúvida, por quase um século (1875-1973) e de forma crescente, o capital petrolífero norte--americano teve seu desno em mãos. Capaz de encontrar grandes reservas, aumentar a produção, diver-sicar seus produtos e organizar-se de forma a coordenar unidades de produção distantes e todos os pos

de contratos, ele pode fornecer petróleo a custos decrescentes em volumes crescentes. Portanto, ele nãoteve diculdades para realizar e ampliar seu valor e ao fazê-lo, assim, assentar a liderança industrial e ahegemonia políca norte-americana durante os trinta anos gloriosos, ou à época de ouro do capitalismo.Contudo, a dinâmica do capitalismo é intrinsecamente cíclica, e ao “boom” segue-se a crise...

2) o eae ae a ce peóle 

De forma bastante sintéca e seguindo a análise de Ernest Mandel sobre a úlma “maré montante”do ciclo capitalista, em 1945, as economias capitalistas se encontravam em condições de embarcaremnuma reconstrução industrial liderada pelos Estados Unidos. A vitória na guerra e a connua expansãode sua capacidade bélica consolidavam uma hegemonia políca internacional, que se desenhava desde acrise de 1929. Líder mundial na produção de veículos automotores, de produtos químicos, de gás natural,de petróleo e derivados, de produtos siderúrgicos e metalúrgicos e de diversos outros minerais (inclusivecarvão) e ainda de vários produtos agrícolas (trigo, soja, milho etc.), dispondo de um mercado conguoque se estendia do Oceano Atlânco ao Pacíco e uma população que crescia rapidamente, os EEUU -nham todas as condições para propulsar e nanciar a próxima fase de expansão.

Uma preocupação de Mandel, ao analisar o auge e a queda do capitalismo tardio, é não cair noque chama de “monocausalidade”, reduzindo a um só os fatores determinantes da dinâmica econômicaem situações de reprodução ampliada do capital. Por isso, ele destaca a precária situação do movimentooperário, dos sindicatos e das forças de contestação ao grande capital no imediato pós-guerra. Anos dedepressão e a ascensão do nazi-facismo minaram por completo as forças de resistência e permiram oaumento da extração da mais-valia. O número de desempregados pressionava os salários para níveis ain -

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Estudos Estratégicos - PCdoB114

da mais baixos.

O progresso tecnológico adquirido depois da guerra foi a oportunidade de elevar a extração damais-valia relava a níveis muito superiores aos até então existentes. A abundância de recursos naturais,de combusveis, de insumos e intermediários repercuu a jusante das cadeias de produção. Ela permiua massicação dos bens de consumo, a queda dos preços e o acesso aos bens materiais por um número

crescente de assalariados. Embora mais explorados, alguns trabalhadores pareciam também ganhar como progresso.

A principal condição a ser preenchida pela nova tecnologia, para levar o capitalista a introduzi-la,no lugar da anga, é permir um ganho de produvidade signicavo e, em conseqüência, a elevação dataxa de lucro em um equipamento aonde grande parte do ango capital já se encontre depreciado, outecnologicamente obsoleto. Só assim, o processo de difusão da nova tecnologia propiciará a emergênciade um ciclo expansivo. É precisamente esta condição que se realizou entre 1945 e 1955, nos EEEUU, noJapão e na Europa Ocidental. Vários setores, em torno do petróleo e do automóvel, mas também emtorno da produção de tratores e colheitadeiras, ou ainda de ferlizantes e pescidas, como também em

torno da produção de outros químicos e remédios, puderam se apropriar de expressivos ganhos de pro-duvidade.

Para o capital, a decisão de invesr em nova capacidade produva foi facilitada. Após dez anos dedepressão e mais de cinco anos de guerra, na Europa e no Japão, quase todo o capital instalado fora des-truído. O consumo, que fora igualmente reprimido ao mínimo, com a retomada econômica, foi deslancha -do por famílias dispostas a reequipar suas casas, com uma parafernália de novos bens (televisão, freezere ar condicionado, p.ex.) que, como o carro, tornam-se acessíveis à classe média, com a queda dos custose dos preços. É importante observar que esta maré montante estava apoiada em um padrão tecnológicono qual o petróleo e a petroquímica veram papel relevante. Chegava-se a uma abundância relava de re-

cursos, com custos decrescentes de exploração, produção, transporte e reno que permiram, ao mesmotempo, a queda relava dos preços dos derivados e dos petroquímicos e o aumento dos lucros do grandecapital norte-americano.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   115

Uma tabela e um gráco anteriormente analisados reetem com bastante propriedade a velocida-de que a industrialização experimentou no pós-guerra. São de mercadorias complementares e que estãono centro do processo de crescimento: os automóveis e a gasolina. A tabela com o aumento da frota decarros norte-americana (capítulo XII, p. 102) e o gráco das vendas de gasolina (capítulo XIII, p. 118) apre-sentam o mesmo perl. Um sustentado crescimento que vai perdendo fôlego a parr da década de 1970

e chega a estagnação em meados da década seguinte. Se a aceleração inicial é devida aos expressivosganhos de produvidade proporcionados pela nova tecnologia, o que aumenta os lucros presentes e osinvesmentos, na medida em que a difusão se realizou e a capacidade excedente aumentou, os ganhosde produvidade minguaram e os invesmentos se retraíram.

Como será visto, o primeiro “choque” do petróleo de 1973 foi uma crise sinalizadora nos termos deArrighi, enquanto o segundo “choque” determinou a inexão de todas acurvas e o m de uma era. Antesda primeira crise, causada pelo embargo e aumento súbito dos preços do petróleo vendido pelo cartel depaíses exportadores, contudo, já exisam indícios de que a fase de ouro do pós-guerra terminara e quea economia entrara em desaceleração mesmo antes do nal da década de 1960. De toda evidência, em

termos norte-americanos, a fonte expansão secara logo no início da década de 1970. O gráco anteriorretrata o crescimento da produção de petróleo e das importações do país num período bastante extenso.O pico da produção, com se pode ver, ocorreu entre 1971 e 1972.

Toda a mais recente ascensão, a parr de 1950, foi resultado da expansão da fronteira de produçãopara jazidas cada vez mais profundas no Meio-Oeste e do aproveitamento das reservas sob as águas doGolfo do México. Os rendimentos decrescentes começavam a se fazer cada vez mais presentes, dicultan -do a reprodução ampliada do capital no que ele nha de mais importante em matéria de “vantagem-cus-to”: a relava abundância de recursos naturais. A descoberta das reservas no Alaska e o desenvolvimentodeste petróleo muito mais caro, a parr de meados da década de 1970, em pouco reverteu a queda. Em

1970, as importações já superavam um milhão de b/dia, ainda pouco frente aos dez milhões produzidosinternamente, mas, considerando as tendências passadas, com ou sem choque, a deterioração das condi-ções de reprodução do capital petrolífero já estavam postas.

Um sinal de que a aceleração industrial era intensa e sugadora de recursos é o comportamentodas importações norte-americanas. A despeito de ser o maior produtor do mundo, de dispor da maiorindústria petrolífera e da tecnologia, todas as reservas descobertas não eram sucientes para dar contado aumento do consumo. Após o nal da guerra, as importações cresceram de forma constante. Note quemesmo se a procura por petróleo passasse a ter um crescimento vegetavo a parr de 1970, o problemado abastecimento interno se colocaria mais cedo, ou mais tarde, em razão da diculdade de repor as re -

servas e aos custos crescentes desta produção, que saiu do Texas, para o Golfo do México e, depois, foipara o Alaska.

O cotejamento dessas curvas de produção e importação de petróleo com as curvas de crescimentoda frota de carros e do incremento do consumo de gasolina revela uma situação crescentemente insus-tentável. Revela também o retardo com que os dois indicadores reetem as mudanças e o esgotamentodo crescimento. Uma ilustração conveniente do efeito mulplicador dos invesmentos e das despesasdos capitalistas ressaltado no modelo de “ciclo puro” de Kaleck, revisado no começo do capítulo, e quetende a agravar a crise e a depressão posterior.

Os preços internacionais do petróleo aumentaram em 1973 e novamente entre 1978 e 1982. Oprincipal impacto na curva vermelha (de produção) é que os aumentos viabilizaram a abertura de novoscampos de O & G em províncias fronteiriças (no “o-shore” cada vez mais profundo e no inóspito estado

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Estudos Estratégicos - PCdoB116

do Alaska). O custo naturalmente era muito mais elevado. Assim, os preços de importações em ascensãoexplicam o repique da produção norte-americana, observado até meados da década de 1980. O aumentoda produção a custos crescentes era uma novidade de peso, que sinalizava uma mudança das condiçõesde base para a reprodução do capital, e se devia inteiramente ao progresso tecnológico, à segmentação eespecialização dos mercados fornecedores e aos novos arranjos contratuais.

Este crescimento da produção norte-americana de petróleo, durante a segunda metade da décadade 1970, tratava-se de um úlmo suspiro, viabilizado pelos altos preços internacionais. Em compensação,pelo lado da demanda, o impacto da alta dos preços foi reduzido. A evolução da frota carros de passeioe a do consumo de gasolina mostraram que, durante toda aquela década, a procura perdia velocidade,comparado aos vinte cinco úlmos anos, mas, manteve-se deveras sustentada. Entre 1970 e 1980, as ven-das de veículos aumentaram 3,6 % ao ano. Entre 1971 e 1975, parte do aumento dos preços do primeiro“choque” já nha sido repassada a jusante, mas, o consumo da gasolina connuou crescente, a um ritmode 3,1% por ano. Repare que a curva azul do gráco anterior refere-se ao volume de importações e, por-tanto, não reete seu valor. O incremento observado na primeira metade da década de 1970, nada tem aver com o aumento de preço. Ao contrário, ele revela a inelascidade da demanda norte-americana, ou a

falta de sensibilidade da demanda de petróleo aos signicavos aumentos de preço. Ela sugere a relavainércia do crescimento e a dimensão dos desajustes que estavam sendo gerados.

Tudo indica que a crise energéca, iniciada com o primeiro “choque” do petróleo, não somenteanunciou, mas também decretou, o m do que seria a úlma era de prosperidade no século XX. Mas,como foi visto acima, a elevação dos preços, pelo menos na maior economia do mundo, demorou a sersenda. No país, o capital nha acumulado lucros signicavos nas úlmas décadas e a classe média sebeneciava da expansão dos gastos públicos e da mulplicação de oportunidades de emprego na admi-nistração dos negócios e na engenharia dos processos e projetos. A manutenção dos altos ganhos de pro-duvidade indenidamente, contudo, não podia ser viável. Desde meados da década de 1960, a repro-

dução ampliada do capital se mostrava cada vez mais dicil, como se pode constatar pelas informações aseguir. E, também como pode ser visto, não se tratava de um problema exclusivo aos EEUU.

Para o conjunto de países industrializados que forma a OCDE, o ponto de inexão do crescimento,medido pelo Produto Interno Bruto, ocorreu cinco anos antes da elevação do preço do petróleo de 1973.A parr de 1968, a economia “Ocidental” mais o Japão e a Coréia, ou seja, os países mais ricos do capita-lismo, iniciaram sua desaceleração. A crise energéca e o esgotamento do ciclo impuseram um ritmo decrescimento econômico, a parr de 1973, que é quase metade daquele vericado nas décadas anteriores.A queda se prolongou até 1988. Se os gastos de consumo da classe capitalista e da nova classe média ain-da se faziam senr e demoraram para reer a mudança de preços relavos, o mesmo não ocorreu com

a renda nacional, ou o PIB dos países industrializados. Certamente, era o sinal do m de uma era. Na suacamada superior, dono do seu desno, o grande capitalista parou de invesr, preferiu entesourar e aplicarno mercado nanceiro seus lucros.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   117

Taxa média de crescimento anual do PIB da OCDE (em %)

5,1

4,6

2,7 2,7

0

1

2

3

4

5

6

1960-1968 1968-1973 1973-1979 1979-1988

O resultado se vê no próximo gráco, onde pode ser acompanhada uma aproximação dos ganhos deproduvidade do trabalho no período em tela. Entre 1960 e 1988, a taxa média de crescimento anual darelação PIB por trabalhador ocupado na OCDE caiu de forma signicava. Entre o período de 1960-1968e o período seguinte de 1968-1973 ocorreu uma primeira queda. A parr daí, os ganhos de produvidadepassaram a um novo patamar, um ritmo de crescimento que é menos da metade do anterior. É, talvez,a mais nída representação do esgotamento da trajetória tecnológica do pós-guerra e do m do regimede acumulação baseado na matriz energéca proposta após a Segunda Guerra. O conjunto de economiasricas experimentou assim uma forte desaceleração.

Taxa média de crescimento anual da relação PIB/trabalhador ocupado na OCDE

4,1

3,4

1,6 1,6

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

4,5

1960-1968 1968-1973 1973-1979 1979-1988

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Estudos Estratégicos - PCdoB118

Taxa média de crescimento anual do PIB da África, Am. Lat. e Eur. Oriental

7,4

3,7

1,8

0,7

6,7

4,5

1,4

0,7

5,1

3,1

-7,4

-10

-8

-6

-4

-2

0

2

4

6

8

10

1960-1968 1968-1973 1973-1979 1979-1988

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Nos países menos industrializados, de capitalismo tardio, à exceção de algumas nações asiácas,o quadro de crise econômica foi igualmente constatado a parr da década de 1970, agravando-se maistarde. No gráco acima, está plotada a taxa média de crescimento anual do PIB de países da periferia dosistema. Constata-se que, a década de 1980 foi perdida para o Brasil e para os demais países lano-ameri-canos e também para os países africanos. O impacto do esgotamento, somado à crise energéca e à criseda dívida, fez-se plenamente senr. Ficava patente também que a capacidade de absorver e connuar aestender o crescimento nas economias centrais era muito maior do que na periferia do sistema.

O cenário de crise e de m de era não estaria completo sem se mencionar a falência soviéca. Oque restou da anga URSS será uma fronteira explorada pelo capitalismo selvagem e acentuará a criseeconômica mundial. O capitalismo de estado, keynesiano, ou soviéco, chegara ao m e o petróleo, dealavanca, transformara-se em obstáculo ao crescimento. Ele não era a causa do esgotamento, uma vezque a dinâmica cíclica é intrínseca a reprodução do capital, mas, colaborara para encerrar à prosperida-de. Para o capital petrolífero, as condições de reprodução nham se deteriorado de forma acelerada e aindústria mergulhará numa crise prolongada, da qual sairá com um novo perl, muito mais concentrada ecom novos protagonistas – as estatais do petróleo.

3) A ce peóle e a eçã a pefea

Além de uma dinâmica marcadamente cíclica, a reprodução do capital se realiza de forma cada vezmais concentrada. Em termos industriais, com o passar do tempo, os mercados contam com cada vez me-nos empresas e com empresas cada vez maiores. Em termos nanceiros, os bancos do Velho Connente eas praças Européias de Paris, Viena, Berlim e Nova Iorque deram lugar aos grandes bancos norte-america -nos e a praça nanceira de Nova Iorque, com sua bolsa ditando os rumos de toda a economia mundial. Emtermos monetários, o dólar substuiu a libra e, assentada em uma indústria bélica poderosa, armou-seincontestável a hegemonia dos Estado Unidos. Essas mudanças foram estruturais e se consolidaram após1945 dando origem a um regime de acumulação do capital completamente diferente e que, por trinta

anos, sustentou a fase de crescimento.

A instabilidade, seguida pela estagação, que apareceu a parr da primeiro choque do petróleo deu

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início ao ponto de inexão do ciclo, quando as condições favoráveis à expansão deixam de exisr. O poderdo capital petrolífero norte-americano foi corroído em suas bases, os contratos de parlha da produçãocom empresas estatais se espalham e os angos contratos de concessão, quando mandos, têm cada vezmaiores imposições scais e para-scais. A propriedade das reservas aos poucos mudou de mão e gran-de parte da renda gerada na “boca” do poço passou para as mãos dos estados nacionais localizados naperiferia do sistema. A cada vez maior concentração do capital petrolífero, que resultou das numerosasfusões e aquisições de empresas a parr de 1980, foi a reposta mais imediata encontrada. A instabilidadedos mercados é uma caracterísca única dos oligopólios.

A própria história da indústria petrolífera pode ser contada a parr de um movimento pendularde construção e contestação de monopólios. Erguido por John D. Rockefeller, nos úlmos trinta anos doséculo XIX, o monopólio da Standard Oil foi juridicamente contestado em 1895 e de seu desmantela -mento, em 1911, surgiram três entre as maiores mulnacionais do petróleo: Mobil Oil, Chevron e Exxon.A contestação econômica ocorreu em 1901, com a descoberta de petróleo de qualidade, abundante efacilmente acessível no Meio Oeste e Sul do país. Embora, inicialmente ignorado pela Standard, as rendasgeradas ali foram a fonte dos lucros acumulados por duas empresas que rapidamente ganham estatura

internacional: Texas Co (Texaco) e Gulf Oil. O capital norte-americano petrolífero cresce em dimensõesque comportavam não, uma, mas, algumas empresas de dimensões gigantescas e com alcance mundial.

No resto do mundo, a Royal Dutch e a Shell já exploravam campos em Sumatra, Bornéo e na Rússiae, unidas em 1907, formaram o maior grupo petroleiro de origem não norte-americana. Ao lado dela,para garanr o abastecimento de mazuto a seus navios e não depender da Shell, que passou a rivalizarem tamanho com a Standard, o Almirante Chefe da Armada Wiston Churchill convenceu o parlamento acomprar a Anglo-Persian e, assim, promoveu a criação da Brish Petroleum. A rápida difusão do uso dosderivados de petróleo e a sucessão de descobertas no México, na Venezuela e no Oriente Médio deramcondições para que o novo capital petrolífero vesse suciente espaço para formar as empresas que a

parr de nais da década de 1920 deixaram as guerras de preço e passaram a se preocupar em restabe-lecer a ordem no mercado.

Por volta de 1928, o pendulo se inverteu, aumentou o controle da produção e dos preços entreaquelas empresas que contestaram o poder da Standard e se estabelece um grande cartel internacional.As barreiras, relacionadas ao acesso das jazidas de menor custo de extração, foram erguidas por intermé-dio de alguns entendimentos secretos para fugir das leis an-trust norte-americana. Os acordos da “LinhaVermelha” e de Achnacarry pretendiam regular a oferta e a demanda mundial e envolviam a Esso, Shell,Mobil, Anglo-Persian (BP), Socal (Mobil) Texaco e Companie Française de Petrole (Total).

Efevamente, até os anos 1950, essas empresas (fora a CFP) formaram o “Cartel das Sete Irmãs” elograram xar um sistema de preço – “gulf plus” – que garana, por uma lado, a apropriação das rendasgeradas no lago de Maracaibo e no Golfo Pérsico e, por outro, impedia que a queda dos custos, resultantedo desenvolvimento das novas regiões, repercusse nos preços internacionais. O cartel também conse -guiu estabelecer um controle eciente da produção, de modo a equilibrar a demanda em crescimentoquase exponencial e a oferta das empresas já instaladas sem permir a entrada de novos produtores.

O estrutura de mercado do petróleo experimentou nova abertura apos a Segunda Guerra. Enque-tes jurídicas e administravas revelaram os acordos mencionados e a ação de conluio do grande capitalpetrolífero. Além disso, seja na periferia, seja nos países centrais, os estados se apropriam de cada vez

maior porção da renda petrolífera, tanto na “boca”do poço, quanto na bomba do posto. A reação emcadeia às revelações sobre o movimento de cartelização e os primeiros movimentos nacionalistas do pós--guerra deram origem, em diversos países, a criação de empresas estatais: Eni (Agip) na Itália, Erap (Elf,

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Estudos Estratégicos - PCdoB120

hoje incorporada à Total) na França, Nioc, no Irã, Petrobrás no Brasil e CVP, na Venezuela.

Alem disso, o poder de mercado do cartel é minado pela expansão gradual de novas regiões de pro -dução fora do alcance das grandes companhias. Era o caso no México, como foi visto, onde a nacionaliza-ção do petróleo e a criação da Pemex datavam de 1938 e da URSS, cuja nacionalização tornara-se, logo noinício do século, a primeira grande desapropriação da indústria. A nacionalização das jazidas e a criação

de empresas estatais tornou-se bem mais freqüente depois do m da Segunda Guerra, na medida em queos movimentos nacionalistas compreenderam a importância estratégica do petróleo, seu crescente papelna geopolíca internacional e as rendas que seu aproveitamento podia gerar.

Observe que esta gradual mudança correspondeu a uma segunda abertura das estruturas de mer-cado do petróleo, com as barreiras ao acesso às novas jazidas sendo contornadas pelas recém-criadasestatais; novos parcipantes na indústria. Foi um período quando os custos de produção caíram e isto serepercuu nos preços, que baixaram até a década de 1960. É oportuno colocar que o poder econômicoe de mercado do grande capital norte-americano estava assentado em uma base construída ao longo daprimeira metade do século e, como foi visto até aqui, com uma notável capacidade, não somente de se

adequar às mudanças estruturais, mas também, molda-las a seu favor. Em 1970, as “Sete Irmãs”aindacontrolavam 90 % da produção do Oriente Médio e 80% das exportações de petróleo. A contestação aosangos capitais foi um lento processo retomada das propriedades das jazidas que só será efevo a parrda década de 1980.

O poder de xar preços mudou de mãos em 14 de setembro de 1961, após a criação de um novocartel, a Opep, que reúne os países exportadores de petróleo20. A despeito de carecer de uniformidadepolíca, a composição da endade revelava a natureza “terceiro-mundista”, libertária e contestadora deuma insurreição na periferia, que procurava se viabilizar políca e economicamente tendo o petróleocomo objeto. De lenta construção, o novo cartel sé teve condições de ditar os preços a parr de 1973,

quando o barril de petróleo passa de três par doze dólares. Embargos à venda de petróleo a países aliadosde Israel, em guerra com o Egito, causam uma severa crise de abastecimento e paralisam as economiasocidentais”. Este talvez tenha sido o auge do petróleo como arma comercial, na batalha dos “quase esta -dos” periféricos para se tornarem nações soberanas, num momento parcularmente oportuno, em quea “guerra fria” experimentava seu derradeiro acirramento.

O processo de desapropriação e nacionalização das jazidas de O & G se estendeu se estendeu portoda a década de 1970. No auge do exercício de seu poder, a Opep elevou o preço uma segunda vez. Entre1978 e 1980, o preço do barril de petróleo passou de 18 para 36 dólares. Os dois eventos de aumento depreço foram denominados os “choques” do petróleo porque se repercuram de forma planetária, porque

provocaram uma grave crise energéca e, como foi visto no capítulo anterior, contribuíram para o esgota-mento da úlma fase de prosperidade. A estagnação, que se vislumbrava dede o nal da década de 1960,veio acompanhada da inação, uma vez que todos os preços mundiais foram reajustados: surge entãoalgo que os economistas nunca nham visto: a “estagação”.

Apesar de decisivo durante grande parte da década de 1970, o poder de mercado da Opep duroupouco. Em primeiro lugar, porque as abruptas altas de preço viabilizaram o desenvolvimento de novas re-giões (Alaska, Sibéria, Mar do Norte, Costa Ocidental da África, bacia de Campos etc.), onde as primeirasdescobertas ocorreram na década de 1960, mas as condições de produção exigiam uma nova e onerosatecnologia. Em segundo lugar, porque, em momento algum, a Opep obteve êxito em controlar os seus

estados membros.

20 - Arábia Saudita, Argélia, Emirados Árabes, Gabão, Indonésia, Irã, Iraque, Kuwait, Líbia, Nigéria, Quatar, e Venezuela. O Equador já integrou aorganização por duas vezes.

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Era um clássico “dilema dos prisioneiros”, conhecido da ciência econômica. Todos acordavam emcobrar mais alto, e, para isso, limitar a produção do grupo, assim agindo como se fosse um monopolista.Mas, sempre exisa juscava para desrespeitar as quotas xadas para cada um. Minada por querelasinternas e pelo crescimento dos produtores marginais, desde 1982, a Opep perde o controle dos preços.Até 1985, Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes, por disporem de largas capacidades a custo muito

mais baixo, assumiram o papel de reguladores ao limitarem suas exportações e, desse modo, reduzirem oexcesso de oferta e a queda dos preços. A parr de 1985, a Arábia Saudita abandona seu papel e os preçosdegringolam.

Para o grande capital petrolífero, o ambiente de crise e de crescente incerteza se agravou a parrde 1982-83, quando os preços pararam de subir. A tendência foi duradoura e a depressão acentuada, sóa queda dos preços se estendeu até o úlmo ano do século XX. A denominação “contra-choque”para aqueda acelerada dos preços, ocorrida a parr de 1985, em oposição aos dois “choques”, dá uma idéiada natureza da mudança e sublinha a dinâmica profundamente cíclica da indústria. Após mais de trintaanos de prosperidade as condições de reprodução estavam completamente deterioradas: diculdade de

acessar novas reservas, custos de extração crescentes nas novas fronteiras, queda connuada dos preços,imposições scais e para-scais extremamente elevadas, menor crescimento do consumo de derivados e,nalmente, maior compeção entre as fontes energécas.

A capacidade de adaptação do grande capital petrolífero norte-americano nha se mostrado emdiversas oportunidades no passado. O grau de monopólio que nham alcançado permia que ele seapropria-se, simultaneamente de economias de escala (na produção, no transporte, no reno e na dis -tribuição, quanto maior a quandade, menores são os custos), de economias de integração (depois de1930, as empresas são vercalizadas do poço à bomba) e de economias de envergadura (do poço escoampetróleo, gás natural e gasolina natural, três mercadorias diferentes, e da renaria, por sua vez, saem nu -

merosos derivados ulizados para os mais diversos ns). A presença de todas esses ganhos explica porquesó sobrevivem as grandes empresas, porque elas possuem uma incontestável vantagem de custos sobreas menores.

A existência de rendas de situação (ricardianas, ou diferenciais), de barreiras à entrada, a indivisibi -lidade dos invesmentos e a intensidade em capital não só juscam a concentração do oligopólio, masexplicam porque certas rmas, algumas poucas entre as maiores, possuem um comportamento e umdesempenho ainda mais expressivo. O que caracteriza as indústrias capital-intensivas são as inversões ele-vadas, de lenta maturação e que não podem ser fracionados. Resulta daí que o capital xo é de tal ordem,que somente quem pode entesourar lucros no passado irá se aventurar e, normalmente, os primeiros a

chegar tem vantagens evidentes frente ao capital ainda não instalado na indústria.

Uma parcularidade a mais na reprodução do capital petrolífero é de ser, além de extremamentecara em equipamentos, bastante arriscada. Em 1970, a cada dez poços abertos apenas um obnha suces-so e, ainda em 1990, com todo o avanço tecnológico e organizacional revisado nos capítulos anteriores, aindústria ainda precisava furar em media cinco poços para acerta um. Além disso, a especicidade dos a-vos é muito acentuada; uma renaria de petróleo não rena açúcar, nem processa gás natural in natura,um duto de petróleo não transporta gás natural, nem derivados. Na falta do produto a que está dedicado,o avo gera perdas irrecuperáveis. Apenas o grande capital, com suas maiores empresas, têm condiçõesde bancar apostas tão altas.

Trata-se, portanto, de um oligopólio onde não basta ser grande, é preciso estar bem posicionadoquanto às reservas e protegido da concorrência por signicavas barreiras à entrada. Elas lhe permiram

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Estudos Estratégicos - PCdoB122

aproveitar efevamente as rendas e economias decorrentes de sua avidade e, assim, obter um lucromuito maior que as outras no longo prazo, sem temer o ingresso de um novo concorrente, como nosensinou J.S.Bain (1956 e 1959) em seus estudos de organização industrial. Repare que elas podem ser denatureza estritamente legal (royales, direitos de propriedade mineral, monopólios de empresas estatais,de serviços ou categorias prossionais), mas, as que mais interessam aos economistas são as barreiraseconômicas geradas pela propriedade da tecnologia, pela capacidade excedente ociosa, pelo aprendizadotácito no chão de fábrica e pela organização de unidades produvas disntas, mas, estreitamente vincula-das. Como vimos, no úlmo ciclo, alem dos custos de produção, os custos de transação foram fortementereduzidos.

Entre grandes empresas, em estruturas de mercado concentradas, com pouco numero de atores,existe sempre a possibilidade de cartelização. Isso ocorre desde que um grupo de produtores encontreinteresses comuns para leva-los a determinar o preço e regular o mercado a parr do controle conjuntoda produção. Porém, quanto maior for a presença de produtores marginais e a diversidade das condiçõesde produção entre os parcipantes do cartel, mais dicil será encontrar interesses comuns e manter ocontrole do conjunto. Voltemos à imagem dos prisioneiros e seus dilemas. Existe sempre a tentação de

se obter a redução da pena, assumindo sua culpa, mas, se todos o zerem, ninguém se beneciará dadelação e todos serão cúmplices e condenados. Apenas um acordo prévio, ou a extrema conança nosparceiros poderia beneciar a todos. Observe que, mesmo assim, aquele que traísse o acordo, seria enmo único beneciado.

Os cartéis são, assim, altamente instáveis e imprevisíveis; sucedem-se uns aos outros e, ao longodo tempo, intercalam-se fases de oligopolização e fases de recrudescimento da compeção, quando pro-dutores marginais e independentes disputam o lucro e fazem uma “guerra” de preços. O movimento épendular, embora a concentração econômica do grande capital, seja um movimento mais que secular,pois foi a única maneira, no longo prazo, para manter suas condições de reprodução. A parr de 1990, re-

sultado do enxugamento do mercado provocado por custos de extração mais elevados, preços em queda,redução do consumo e menor acesso a novas reservas, as cinqüenta grande petroleiras dos anos 1970,tornaram-se dez, ou quinze.

Enquanto isso, na periferia, as estatais cresceram e ingressarão no século XXI dividindo o protago -nismo na indústria com o grande e tradicional capital petrolífero. Elas contestam cada vez mais o poderde mercado e econômico deste, a ponto deste perder pracamente todas as reservas nos países perifé-ricos. Ao mesmo tempo, quase-estados encontraram os meios para começar a construir sua soberaniae nanciar o crescimento das economias locais a parr da nacionalização das reservas. A Petrobrás, astrês estatais chinesas, a russa Gasprom, a saudita Aramco, a iraniana NIOC, a colombiana Ecopetrol e a

norueguesa Statoil são alguns exemplos do espaço conquistado pelas empresas estatais, do alcance dasmudanças nas estruturas do “velho” oligopólio do petróleo e das novas ameaças aos angos líderes domercado. Apos quase vinte anos de queda de preço, a reversão do movimento se fez em 1999 e encon-trou uma indústria petrolífera renovada, com muito grandes capitais mulnacionais e o capital estatal re-cém-instalado. A parr daí, a regulação da oferta passou às mãos destes e dos estados que os controlam.

4) Peóle, bac e ce écl XXi

Qual a relação entre o petróleo e a crise nanceira? Como explicar que o preço do petróleo tenhadespencado de seu pico histórico e que tenha sido dividido por três no úlmo semestre de 2008? Em

paralelo, a crise imobiliária se transformou em crise nanceira, que contaminou o sistema bancário e, porm, a economia real. Estão estes eventos relacionados? Antes disso, aliás, como explicar o rápido aumen -to de preço do petróleo? Em 1973 e entre 1978 e 1981, os choques do petróleo se inseriram em um pro-

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Dossiê I.5 - A questão energéca   123

cesso de mudanças nas nanças e na economia internacional. O primeiro choque sucedeu de pouco o mdo dólar lastreado pelo ouro e inaugurou uma prolongada estagação; novidade em termos econômicos.O segundo choque foi seguido pela crise da dívida dos países não industrializados, pela década perdida naAmérica Lana, pela falência do estado keynesiano e a sua substuição pelo estado mínimo. Será que arapidez e a dimensão das mudanças atuais e a experiência dos choques anteriores indicam que devemosesperar o pior? De que forma a indústria petrolífera e a banca internacional se relacionam para, quandoperdem o rumo, imporem crises sucedidas por reordenações profundas, seja na esfera produva, seja naesfera nanceira? Por m, o que tem a ver isto com a regulação? Em que medida as agências falharam?Tem coelho neste mato e, mais importante, até aqui tem pouca reexão sobre o assunto, embora coinci-dências não existam e semelhanças chamem a atenção na história econômica.

O estudo das crises nanceiras mundiais ensina que sua anatomia não muda, desde a crise dastulipas que revelou a falência do mercanlismo holandês no início do século XVII. Amsterdã se fez praçananceira, ao sugar a riqueza ibérica, extraída das colônias lano-americanas. Antes, no século XV, osfundamentos da nação espanhola foram alavancados pelo capital genovês e veneziano. Este o zera nabusca de melhores oportunidades, após a derrocada do capital norte-italiano durante a primeira metade

do século XIV

21

. Muito depois, em 1929, o capitalismo conheceu sua maior crise econômica. A aposta naalta das ações, nanciada por emprésmos sem lastro, ou de baixa qualidade, criou uma bolha especula-va que, ao estourar, angiu o sistema bancário. Bastou as ações caírem para os devedores não honraremseus compromissos. Eram muitos e, na medida em que o boato corria e a informação se disseminava, aslas nos bancos para resgatar os depósitos aumentaram. Houve uma corrida pelos depósitos e o sistemabancário ruiu22.

Até 1929, o conhecimento sobre o fenômeno não permia um tratamento adequado. Os custossempre foram altos, a crise comercial italiana e a falência do mercanlismo holandês, cada uma a seutempo, deslocaram geogracamente o núcleo do capitalismo. É verdade que abriram novas eras, mas, as

custas de algumas décadas, por vezes séculos, de estagnação. Em 1929, não foi diferente, a fragilidadedas soluções e a falta de coordenação postergaram ad innitum qualquer solução, incenvaram o prote -cionismo exacerbado, irmão do nacional-socialismo que se alastrou pelo mundo e desaguou na II GuerraMundial. Assim diagnoscou, J.M.Keynes, cujas soluções, seja para a regulação do uxo internacional docapital, seja para políca scal e monetária, passaram a ser aplicadas a parr do nal da guerra23. É inte-ressante observar, como o faz Sglitz, que o FMI, o GATT, o Banco Mundial e os Bancos de Reconstruçãosó assumem, como doutrina, a ortodoxia monetária a parr do início da década de 1980, junto com aeleição de Reagan e Tatcher. Em seguida, aderem ao Consenso de Washington. Até então, a orientação erafrancamente keynesiana, em prol do desenvolvimento com parcipação ava do Estado.24 

Com o conhecimento adquirido depois de Keynes, não se evitaram as crises nanceiras, elas sãoinerentes e recorrentes ao sistema produvo, já constatara a escola clássica, no século anterior. Em com -pensação, as crises caram localizadas e foram limitadas no tempo, à exceção da estagação que sobre -veio aos choques de petróleo da década de 1970, que determinou o estancamento do crédito interna -cional durante a década seguinte e que prejudicou especialmente os países menos industrializados. Maisrecentemente, em 1989, o default dos Savings & Loan (fundos de previdência e saúde privada california-nos), a parr de 1992, os ataques especulavos, em 1998, o estouro da bolha das dívidas russa e asiácase, em 2001, o m da bolha da internet, são eventos que acabaram contornados com relava rapidez. A

21 - Que Agliea e Braudel me desculpem por tão exígua revisão do início da História das nanças. Sobre o assunto ver Fernand BRAUDEL (1987).Grammaire des Civilisaons. Paris: Flammarion (1964) e Michel AGLIETTA e Antoine REBERIOUX (2004) Derivés du Capitalisme Financier . Paris: Albin Michel

22 - As crises foram dissecadas em vários escritos de um economista que primou pela elegância dissertava e que, além disso, foi um dos elaborado-res do Plano Marshall, cita-se aqui sua úlma obra: Charles KINDLEBERGER (1989 ). Manias, Panics and Crashes: A History of Financial Crises. NY: Basic Books

23 - John M. KEYNES (2003). Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Atlas.

24 - Aliás, o nome original do Banco Mundial é Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento, como lembra Joseph STIGLTZ (2002).Globalizaon and its discontents. London: W.W. North

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Estudos Estratégicos - PCdoB124

era Clinton foi de prosperidade e o juro baixo, xado pelo Fed, foi parte da explicação. Financiada pelapoupança externa, a expansão do regime de acumulação norte-americano – dominado pelo interesse doacionista – parecia não ter m. Depois da virada do milênio e do tropeço em 2001, a economia americana(e mundial) embarcou no período de melhor desempenho no pós-guerra.

Os indicadores da prosperidade recente são muitos. A riqueza mundial cresceu em 70% entre 2000

e 2007; 60% em termos per capita25. A abertura comercial é inegável: medido pela soma das exportaçõese importações de bens tangíveis, o uxo de trocas internacionais cresceu 11% ao ano, em média, entre2000 e 2005. Em período mais recente, entre 2003 e 2006, o comércio cresceu a taxa ainda maior, 16,7%,e aumentou 14% em 2007. Ademais, a riqueza gerada é também de natureza pós-moderna: a exportaçãode mercadorias intangíveis (serviços) simplesmente triplicou (218%) entre 2000 e 2007, o acesso ao tele-fone cresceu 2,5 vezes e à internet 3,5, no mesmo período. É um resultado considerável para um impulsoiniciado em meados da década de 1980, que atravessou às crises nanceiras da década seguinte e queexperimentou uma aceleração nos primeiros anos do século XXI.

Em termos absolutos, a conquista é resumida pela queda da pobreza: dados atualizados (agostode 2008) de pesquisa do Banco Mundial (www.worldbank) calcula que, em 1981, um em cada dois habi-tantes da terra era miserável (renda menor que US$ 1,25 por dia); em 2005, um em cada quatro (guraanterior). É verdade que o grande passo foi dado na China, onde os mais pobres eram 835 milhões, em1981, e 207 milhões, em 2005, quatro vezes menos. A aceleração recente foi obda sem inação: no mun-do, em 2000, o aumento geral dos preços foi de 4,7% e, em 2007, chegou a ser menor, 4,3%. – fato ímparna História, graças à queda de preço dos produtos manufaturados produzidos na Ásia. E os preços dematérias-primas e insumos industriais estavam em franca ascensão. O petróleo foi mulplicado por dez,o cobre por cinco e o carvão um pouco menos, entre 1999 e 2007. Assim, pela primeira vez, mudaram ostermos de troca em favor dos países em desenvolvimento (e não só dos exportadores de petróleo). Todos

25 - Medida pelo PIB, em 2000, a riqueza mundial era de 32 trilhões de dólares aproximadamente e, em 2007, era de 54 trilhões (a preços correntes).Por habitante, os dados são aproximadamente 5,2 mil dólares e 8,3 mil dólares, respecvamente. Os números da UNCTAD (www.unctad.org) e do BancoMundial são próximos, mas, não iguais.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   125

cresciam, até a África! Uma vez que os fundamentos eram sãos, a expectava de prosperidade indenidaembalou as apostas

Os primeiros sinais de esgotamento surgiram em agosto de 2007. Decorrente do aumento dos pre-ços produtos agrícolas e do repasse da alta dos preços do petróleo e de outros minerais, a caresa nospaíses pobres anunciava tempos mais diceis. A este ponto, cabe uma pergunta inicial, cuja resposta é

esclarecedora: Por que a repercussão ocorreu tão tarde? Durante a década de 1970, os aumentos do pe -tróleo (quase que imediatamente) paralisaram a economia e geraram um surto inacionário. Entre 1999e 2006, os preços do petróleo foram mulplicados por seis, sem que qualquer impacto fosse sendo nospaíses importadores, além dos aumentos nos preços dos combusveis.

A maior eciência energéca, por um lado, e a mudança da estrutura produva, por outro, explicama queda da elascidade renda da demanda energéca. Em resumo, os motores gastam menos e a riquezadepende menos deles. São os serviços que fazem a fortuna e não mais a transformação industrial. Nomundo pós-moderno, é a informação que gera o valor, Ela é intangível, não tem peso, seu transporte ébarato, seu tratamento não demanda muita energia. Ao contrário, a eciência computacional é cada vez

maior. Por isso, para gerar o mesmo valor, nos países ricos, é preciso cinco, talvez, dez vezes menos calo-rias do que no início da década de 1970. Só isso explica porque o aumento dos preços foi sendo apenasquando ele foi mulplicado por dez em relação a 1999; ou seja, só a parr de 2007.

Se diferentemente dos choques anteriores, o impacto foi retardado, o que se repeu foi a transfe-rência de renda forçada, gerada pela alta de preços. Este é um aspecto fundamental para o entendimentoda dinâmica das nanças mundiais cuja falência presenciamos26. A inação esteve localizada, primeiro,na cadeia petrolífera. O oligopólio bastante concentrado de fornecedores de equipamentos e serviçosaproveitou-se da elevada demanda das petroleiras e, já a parr de 2003 e 2004, elevou seus preços.Em seguida, o repasse dos custos alastrou-se para outros setores energécos (geração elétrica, carvão

e biomassas) e produvos intensivos em energia como a petroquímica, os ferlizantes, a siderurgia e otransporte.

Em termos estritamente monetários, se alguém perde, alguém ganha e o que se perde é o que seganha; trata-se de um jogo de soma nula. Além disso, se todos sabem quem perde – o consumidor – valeressaltar que não são apenas as petroleiras e seus fornecedores que ganham. Surpreendentemente, elassão as que menos ganham com a alta de preço. Nunca houve lucros iguais na História, como nos úlmosquatro anos. As quatro grandes para-petroleiras não caram muito atrás. A fortuna do petróleo semprefoi ostensiva por sua magnitude. Mas, hoje, as petroleiras respondem por menos que 1/10 da produção emenos que 1/20 das reservas. São os países grandes produtores que dispõem do maior poder de merca-

do, graças à: i) parcipação crescente de suas exportações e ii) reservas de custos bem inferiores a todosos outros. São eles – e não as mulnacionais do petróleo – que xaram, até agosto de 2008, os preçoselevados e, para agravar a situação, foi o movimento sobre o qual a especulação nanceira se apoiou,para acelerar a alta.

Assim, em razão do domínio do mercado pelos baixos custos, é natural que os maiores beneciadosfossem os estados exportadores do Oriente Médio. Mas, atenção, não foram apenas os estados árabesque ganharam. Países exportadores e importadores se reparam, cada um, dois quintos do total da rendapetrolífera. Era o outro quinto, a menor parte, que restava para produtores e seus fornecedores27. Após avirada do milênio, a alta dos preços do petróleo, o aprofundamento dos desequilíbrios macro-econômicos

e a luta pela apropriação dos excedentes, embora angissem magnitudes nunca vistas, pareciam rela-

26 - Os dois choques petrolíferos, a transferência de renda e a estagação da década de 1970, a crise nanceira do início da década de 1980, que seseguiu, já revelavam as ligações entre o uxo de capital internacional e a renda extraordinária gerada pelo petróleo.

27 - Jean Marie Chevalier (2004). Les grandes batailles de l’énergie. Paris: Gallimard.

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Estudos Estratégicos - PCdoB126

vamente bem acomodados pelo sistema nanceiro, sua globalização e crescente liberalização. Tratava-seprecisamente do sucesso da nova economia.

Certo é que, para os países importadores, o aumento de preço do bruto contribuiu para reduzir odécit scal. A ciência da tributação e a teoria microeconômica explicam: a demanda por combusveis éinelásca em relação aos preços (pouco sensível às suas variações) e, por isso, a taxação das importações

e sobre o consumo são todas ad valorem (uma percentagem xa do preço). Por um lado, os aumentosde preço não inibem na mesma proporção a queda do consumo e, assim, elevam a receita scal e, poroutro, quanto maior o preço sobre o qual incide o tributo, maior a arrecadação por litro. A ganância scaldos países importadores só encontra paralelo com a voracidade dos países exportadores. Por intermédioda tributação da renda extraordinária na boca do poço de petróleo e gás, eles puderam acumular algunstrilhões em reservas no novo milênio. Se os lucros das petroleiras e seus fornecedores são os maiores dahistória do capitalismo, nada se compara a opulência dos Emirados Árabes, ou da reconstrução do Kuwait.Sem os petrodólares, não se poderia nanciar o bolivarismo de Hugo Chavez, ou o nacionalismo iraniano,muito menos a recuperação da soberania russa. O crescimento dos fundos soberanos norueguês e saudi-ta foram outros exemplos. Breve, houve um profundo deslocamento da riqueza, em benecio de alguns,

os exportadores de matérias-primas, situados à periferia do capitalismo.

Neste mundo globalizado e sem barreiras à mobilidade do capital, o uxo nanceiro gerado peloexcedente petrolífero descreve um longo circuito. A poupança asiáca e as rendas minerais nanciaramo aumento do consumo americano, seja do estado, a fazer guerra no Oriente Médio e no Afeganistão,seja das famílias americanas, como o estado, crescentemente endividadas. Eram estas mesmas famíliasque pagavam cada vez mais por seus combusveis. Em um ambiente de rápida valorização dos avos, deganhos nanceiros, de queda dos preços dos produtos manufaturados e eletrônicos e de expansão do cré-dito a juros baixos, a crescente fatura energéca per si não inviabilizava o crescimento. Não compromea,igualmente, nem os ganhos, nem a conança, das famílias norte-americanas.

Por outro lado, a connua elevação do preço foi o fator determinante para a gradual reversão dasprioridades da regulação na indústria de O & G. A ganância scal, que perdera força entre 1983 e 1999,com os baixos preços, é retomada e fortemente aguçada. Além disso, a consolidação dos avos petro-leiros, em cada vez maiores empresas, deixara de ser um problema de defesa econômica, para ser umaameaça à segurança do abastecimento, como demonstraram as manipulações da Enron e da AES, queocasionaram a crise energéca californiana em 2001. O petróleo e o gás natural voltaram a ser uma ques -tão de Estado. A energia retornava, assim, ao topo da agenda políca, seja nos paises importadores, sejanos países exportadores.28 

Com preços cada vez maiores e custos ocultos em ascensão, com petroleiras estatais ditando asregras e algumas poucas petroleiras privadas cada vez maiores, com o Estado retomando o controle dasreservas e o aumento da disputa pelo excedente petrolífero, tornou-se anacrônica a defesa do livre-mer-cado. Uma posição que fora dominante, na pauta dos reguladores de energia nas duas úlmas décadas doséculo passado, passa a ser quesonada. Os crescentes custos de transações, relacionados à volalidadedos preços e à perigosa dependência a alguns poucos fornecedores reram a maior parte da vantagemde ir ao mercado para comprar e vender. No longo prazo, a única estratégia admissível é a integração deavos complementares, de forma assumir o controle das diferentes avidades ao longo de toda a cadeiade realização do valor da mercadoria. Este po de reação ocorre seja com as petroleiras, privadas ou es-tatais, seja com os estados, importadores ou exportadores. Assim, as primeiras procuram proteger seus

lucros no longo prazo e os segundos procuram garanr o abastecimento e a soberania nacional. Além do

28 - Em 2001, um “apagão” elétrico ocorreu também no Brasil, mas, sua causa reside, muito mais, no abandono do planejamento energéco. Nolugar de polícas setoriais, ou industriais, optou-se pela introdução da regulação dos mercados que deveriam ser abertos à concorrência, encaminhamentoà origem das agências reguladoras brasileiras.

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ressurgimento da natureza geopolíca do petróleo e do gás (e a reboque da energia), é o reconhecimentoda natureza irreversível dos danos ambientais causados pela queima dos combusveis que predomina napauta do regulador do século XXI. De todo o modo, são esses dois temas – segurança do abastecimentoe dano ambiental – que, no lugar da busca pela concorrência, na práca chamam a atenção do Estado. Aqualquer preço acima de 40 US$/b, o que importa é a apropriação do excedente gerado por um recursoescasso, mal distribuído e não renovável.

Em certo momento da atual crise, logo em seu início, é interessante observar que foram aquelesfundos, que acumularam o excedente petrolífero que, primeiro, vieram ao socorro dos bancos, instui-ções nanceiras e conglomerados em diculdade. Era natural, na medida em que a grande parte da pou -pança mundial fora lá acumulada. É oportuno lembrar que, conseqüência do processo de transferênciade renda, a perda do controle de empresas vitais ao capitalismo de certas nações gerou discussões parla-mentares sobre a soberania e poder econômico ocidental, que se deteriorava frente a outros distantes datradição judaico-cristã29. Observaram-se, então, depois de tanta euforia, pela primeira vez, as ameaças àhegemonia do capitalismo norte-americano.

Todo este movimento de capital foi interrompido abruptamente, quando da percepção de que acrise, iniciada em meados de 2007, aprofundar-se-ia. Desde julho de 2008, com exceção da capitalizaçãodo UBS, os fundos se retraíram quanto às novas aquisições. Depois disso, os aportes para salvar a bancasão feitos exclusivamente pelos bancos centrais e o sco das nações industrializadas. Em resumo, umaparte da fonte de nanciamento secou e as transferências de renda foram abruptamente estancadas des-de julho passado. Vale notar que, se protegidas da forte desvalorização dos avos, que se desenha paraos próximos anos, as rendas petrolíferas acumuladas nestes fundos serão imprescindíveis para nanciara retomada econômica e, muito provavelmente, ao custo do prosseguimento do processo de perda docontrole ocidental sobre o capital.

Na indústria de energia, diante das seguidas evidências, a busca pelo livre-mercado foi perdendosendo. A mudança dos tempos não disse respeito apenas à crise californiana e aos preços elevados.Naquele início de século e de milênio, outros sinais reforçavam este senmento. Reduzida à regulaçãonormava, a ausência do estado gerou o caso Enron. A maior empresa de gás natural norte-americana,exemplo de sinergia entre avidades de óleo, gás, geração elétrica, usinas nucleares, telecomunicações einformáca, da como referência em matéria de valorização acionária e cujos dirigentes eram bajuladospelos governos indiano, brasileiro, boliviano e argenno, em menos de um ano foi à bancarrota; após adescoberta de fraudes de todos os pos. Iniciou-se, aí, a volta do pêndulo em direção a uma regulaçãoefeva. Não bastava mais apenas monitorar os agentes e scalizar o respeito às regras da compeção.Tornou-se necessário intervir, revigorar o planejamento e garanr a oferta de longo prazo. Para tanto, o

Estado restabeleceu os meios, primeiro, para determinar a divisão da renda petrolífera, aumentado suaparte na apropriação e, segundo, para ditar as polícas energéca, de conservação e industrial que, háduas décadas, nham caído em desuso. Assim, na energia, a regulação voltara a ser instucional no sen-do original do termo. Contudo, no mundo, nas nanças internacionais e na imprensa em geral, o discursoliberal e a regulação em prol da concorrência connuarão dominantes até 2007.

29 - A importância das rendas petrolíferas pode ser medida pela lista dos maiores fundos soberanos, onde guram sete geridos por estados exporta-dores. Ademais, dentre os dez, apenas um país – a Noruega – poderia ser caracterizado como ocidental.

Dez maiores fundos soberanos, em meados de 2008, em bilhões de dólares, segundo o Deutsh Bank Research

1 Abu Dabi 875 6 China 200

2 Singapura 461 7 Rússia 190

3 Noruega 401 8 Hong Kong 152

4 A.Saudita 350 9 Líbia 100

5 Kuwait 264 10 Dubai 82

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Ainda é pernente se perguntar qual a parte da regulação de inspiração liberal na atual crise. O esta-do mínimo se traduziu em uma regulação apenas normava. Normava, não no sendo de regulamentar,mas, ao contrário, no sendo de “desregulamentar”. Portanto, não é força de expressão falar em agências“fantasmas”. Ninguém as controla, porque são independentes e, quando deviam, nunca estão presentes,porque só aparecem quando querem. O fracasso da experiência no setor energéco, que cara evidente

por volta de 2001, repete-se agora, em muito maior dimensão, nas nanças internacionais. Como R. Co-ase alertara e já fora observado na energia, a elevação dos custos sociais e de transação encarecem oscustos de se fazer os negócios pelo mercado. A dimensão e a acumulação desses custos ocultos, mais dia,menos dia, destroem o precário equilíbrio do mercado, se é que ele algum dia exisu, diria Keynes.

Não há dúvida que a visão da crise e dos mecanismos de regulação está em connuo aprimoramen -to. Na situação presente, a ausência do regulador – e não apenas sua falha – foi fator decisivo, como coudemonstrado em várias oportunidades. Primeiro, na complexidade crescente dos instrumentos nan -ceiros que, de fato, diminuíram a transparência, enquanto, supostamente migavam riscos (derivavos,opções, vendas a descoberto etc.) e que foi recebida como uma evolução técnica, obra de gênio das nan-

ças, seja por especialistas, seja por reguladores. Segundo, pela arculação – ou melhor, conluio – entreos diferentes agentes das nanças mundiais no “empacotamento” de produtos nanceiros (de aplicaçõesas mais diversas) em um mercado globalizado, com completa mobilidade do capital, e que foi feita frenteà total indiferença das agências e bancos centrais, assim como dos organismos mullaterais. Terceiro,pela mulplicação de operações de “securização” de avos e de invesmentos em “veículos especiais”,que serviram para rerar dos demonstravos do balanço os créditos “podres” do sistema bancário; mo -vimento corroborado por mudanças em regras de supervisão bancária e sustentado como um marco naliberação dos mercados. E quarto, pela excessiva remuneração dos dirigentes em cima de parcipaçõescrescentes nos ganhos, o que reduziu de maneira signicava a aversão aos riscos. Constrangidas pelaelevada rentabilidade da concorrência, as instuições nanceiras nham mais um movo para facilitar ocrédito.

A inocência de uns só é igual à maldade de outros e à leniência de todos. Por vezes, o aprimora -mento das instuições públicas parece nulo, como perante o caso Mado. Um ex-dirigente máximo dabolsa de valores de Nova Iorque, por duas décadas, enganou invesdores de todo mundo com o golpe dapirâmide – os ganhos dos primeiros são pagos com as contribuições dos seguintes. Os prejuízos esmadossão de 64 bilhões de dólares. A combinação de ganância nanceira e falta de regulação é, por demais,conhecida dos economistas, juristas, polícos e também dos oportunistas. Diz-se, a propósito, que o piorinimigo do capital é a falta de éca. A liberdade dos negócios e a revolução tecnológica, trazida peloscomputadores e pelas telecomunicações, formaram um terreno férl para a criavidade nanceira, parao surgimento de novos instrumentos de crédito e de migação de risco. Em meio ao ambiente de eferves -cência especulava, mulplicaram-se também as fraudes, as operações fora do balanço, os invesmentoso-shore... A semelhança não é nada surpreendente com o caso Enron, sete anos atrás. Como naqueleevento, não resta dúvida sobre a responsabilidade da regulação, ou de sua ausência, Como daquela vez,a gravidade do evento explica um ponto de inexão políco denivo. A volta de uma regulação efeva,ou em termos passados, à intervenção na economia.

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1) o á aal e a cpçã qíca

Como o petróleo, ou ainda como o carvão, o gás natural é formado por moléculas de hidrogênio ecarbono e também é um mineral de origem fóssil. Quanto mais átomos de carbono por molécula, maispesados são os hidrocarbonetos. Uma caracterísca sico-química importante é que, quando as molécu-las têm muito pouco carbono e o hidrocarboneto é muito leve, ele não se liquefaz à temperatura e pres-são ambiente. Assim, ele permanece em estado gasoso. Outros recursos minerais do mesmo po, como o

xisto, ou a areia asfálca, em razão do número de carbonos, são sólidos, ou quase sólidos. O gás natural é,portanto, o mais leve dos combusveis minerais de origem fóssil. A comparação do teor do carbono entreos três principais combusveis fósseis pode ser vista abaixo de forma esquemáca.

Figura I: Desenho das moléculas dos hidrocarbonetos

A composição química do gás natural varia enormemente conforme a reserva e sua origem geológi-ca. O principal componente do gás natural é o metano, que vem a ser o hidrocarboneto mais leve existen-te, sua molécula reúne apenas um átomo de carbono e quatro de hidrogênio. Normalmente, o metanocompõe mais de 90% do gás natural. Marginalmente, encontram-se associadas ao metano, moléculas deetano (C2H6), de propano (C2H8) e de butano (C4H10). Estes dois úlmos, juntos, compõem o GLP, ou gásliquefeito de petróleo. Como se vê, ele também pode vir do gás natural. Além deles, o gás natural tam -bém pode conter pentanos (hidrocarbonetos com 5 átomos de carbono, ou mais, C5+) que são chamadoscondensados e gasolina de gás natural.

Tabela I: Composição química do gás natural segundo sua origem

 

Diferentes composições químicas de gás natural podem ser observadas no gráco anterior. Quantomaior o teor de líquidos, convencionou-se dizer na indústria, que o gás natural é rico (em inglês tambémé usado o termo “wet gás”). Pelo inverso, o gás pobre, ou seco, é aquele em que o teor de condensadosé menor. Evidentemente, a composição vai depender muito do tipo de reserva. Esta pode ser apenas

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Estudos Estratégicos - PCdoB130

de gás natural e, neste caso, trata-se de uma reserva de gás não associado ao petróleo. Mas, em todareserva de petróleo também se encontra gás natural. Neste caso, trata-se de um gás natural “associado”.

No exemplo anterior, o gás associado de referência é um gás iraniano e relavamente rico, nãosomente em pentano, mas também em etano, butano e propano, que, além do GLP, estão na base daprodução de uma innidade de aplicações petroquímicas. Por sua vez, o gás natural “não associado”, do

como referência para o gráco acima, foi proveniente da reserva holandesa de Groningem. Como se podever, ele é muito mais pobre e o teor de outros componentes (enxofre, dióxido de carbono e nitrogênio) émuito maior. Ainda pela tabela anterior pode-se observar que o gás natural de Urucu, da Amazônia brasi -leira, é um gás também relavamente rico, donde se extrai um importante volume de GLP.

Em termos econômicos, as caracteríscas da composição sico-químicas do gás natural ditaram ascondições do seu aproveitamento e, até mesmo de seu retardo, ou da diculdade inicial de sua pene-tração. Contudo, hoje, são estas mesmas caracteríscas, ditadas pela composição do gás natural (frenteaos demais minerais de origem fóssil), que explicam porque o gás natural é (quase certamente) a fonteprimária de origem fóssil que mais crescerá nos próximos dez a quinze anos.

O fato de ser leve e, assim, de ter menor densidade energéca por metro quadrado, comparadoao petróleo, ou ao carvão, é uma grande desvantagem em termos de transporte. O custo do transporteé elevado e a diculdade de movimentar grandes volumes de gás natural foi sempre um limitador para oseu aproveitamento, como será visto com atenção oportunamente. Mas, a parr de meados da década de1960, alguns países industrializados zeram a opção de substuir o carvão pelo gás natural, como fontepara geração de eletricidade. A razão foi exatamente a sua “leveza” na composição química, ou seu baixoteor de carbono, comparado com qualquer outro combusvel fóssil. Ele é, portanto, o mais limpo doscombusveis fósseis.

2) A expeêca pea EEuu

A indústria do gás natural é muito recente no Brasil, não é tão anga no resto do mundo e não fazmuito que ganhou “status” de vedete. Por muito tempo, mesmo depois do aproveitamento do petróleoter sido iniciado em bases comerciais na segunda metade do século XIX, o gás natural permaneceu sen-do considerado, quando muito, um subproduto e, na maioria das vezes, um estorvo. Para entender estamudança em relação à percepção das qualidades e das diculdades no aproveitamento do gás natural aolongo do século XX, vale recapitular a experiência dos Estados Unidos; país onde a indústria foi pioneira-mente desenvolvida.

O desno primeiro do gás natural foi ser queimado, na medida em que ele era escoado do poço jun -tamente com o petróleo. O desconhecimento em geologia, a completa anarquia na exploração e produ-ção, a impossibilidade de construir um meio de transporte seguro e o risco de explosão na boca do poço,que trazia sua acumulação, eram movos sucientes para que, nos EEEU, a queima tenha se disseminadocomo uma práca padrão nos campos da Pensilvânia e posteriormente nos campos do Meio-Oeste norte--americano. Fatores esses que se reeram na cultura dos pioneiros. Explicam, muito provavelmente,porque, até hoje, pode-se disnguir um “ranço” do petroleiro texano em relação ao gás natural 30. Vencerestes obstáculos subjevos e objevos e, assim, deixar de ser queimado, exigiu algumas décadas, comoserá visto adiante.

30 - Uma pequena anedota retrata o senmento. Entre 1930 e 1980, mais ou menos, duas nocias, uma boa e uma má, o chefe da equipe de perfu-ração nha para dar ao capitalista, dono da petroleira, que lhe contratara para as campanhas no Texas. A má é que ele não nha descoberto nenhuma reservade óleo. A boa é que também não nha descoberto gás natural e, portanto, o patrão não seria obrigado a produzir e receber um preço baixo e xado pelogoverno.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   131

O primeiro “boom” da indústria de O & G no estado norte-americano da Pensilvânia ocorreu emseguida à descoberta do poço do Coronel Drake, em 1869. Os primeiros registros de aproveitamento dogás natural são de meados da década de 1870 e, ainda por muito tempo, a diculdade para transportá-lolimitou o consumo à região de produção. Qualquer outro uso exigiria o seu escoamento. Talvez para umagrande cidade próxima que, além de já dispor de redes de distribuição urbana de gás manufaturado parailuminação, estaria disposta a trocar de fonte, do gás da síntese do carvão para o gás natural. Foi o caso,por exemplo, de Pisburg. Porém, para além de estar próxima à reserva, era uma aposta arriscada, umavez que, até o início do século XX, ninguém poderia assegurar por quanto tempo aquele poço iria produzire a qual vazão. Aliás, muitas vezes, nos primeiros anos, exatamente pelo desconhecimento geológico epela pressa em produzi-los, tanto o gás natural, quanto o petróleo, exauriam-se de forma inesperada eprematuramente.

Durante todo o século XIX, o progresso da iluminação pública, comercial e residencial estendeu otempo e sua ulidade para o homem de forma única na História. Locomover-se, trabalhar, ler, comer esair para o lazer, à noite, com ajuda da luz arcial, aos poucos tornou-se corriqueiro. Para tanto, as al-ternavas energécas para alimentar o fogo, que gerava luz, foram se sucedendo: óleo de baleia, óleo de

carvão, querosene, gás manufaturado e, algumas poucas vezes, o gás natural. Dispensando a queima, aeletricidade acabou por se impor e gerou uma revolução, mas, isto ocorreu já bem no nal do século XIX.Ela se tornou, rapidamente, o vetor de urbanização e de melhoria da qualidade de vida para um grandenúmero da população nos Estados Unidos e na Europa.

Observe que a mudança de fonte se fez sempre gradavamente, mesmo que ela possa ter se con-sumado em menos de uma década, algumas vezes, ou um pouco mais, outras vezes. Outro aspecto in-teressante é que as mudanças não foram lineares, nem paradigmácas. Há dominância, mas, ela não éabsoluta, não existe uma exclusividade. As mudanças ocorreram em meio a uma forte compeção, queenvolve desde a produção até o uso nal da energia e, assim, inclui os aplicavos; ou seja, o desenho e

o po de lampião, lamparina e lâmpada, no caso da iluminação. A bem da verdade, todas as alternavasconnuaram evoluindo e, até hoje, é possível encontrar todas as opções de fonte para a luz, cada umapara um uso especíco.

Fora dos campos de produção, o gás natural foi aproveitado nas cidades, mas, concorria diretamen-te com o querosene. A qualidade da luz e da queima com uma lâmpada especialmente desenhada foi oque fez a vantagem do querosene. É óbvio que seu preço baixo e sua disponibilidade também contribuí -ram. O querosene foi o primeiro derivado a despertar o interesse comercial na busca e transformação dopetróleo. Contudo, o seu predomínio foi curto. Com o advento da eletricidade, na virada do século, o usodo gás natural, nas cidades, cara limitado à cocção e calefação, assim como o querosene (como fonte de

luz), cuja principal demanda fora deslocada para o campo. Pouco depois, o derivado perdeu espaço paraa gasolina, que passou a impulsionar as vendas de petróleo. O mesmo não ocorreu com o gás natural. Atépor volta de 1923, o uso do gás connuou muito restrito, mesmo nos EEUU.

A dimensão local e pontual do aproveitamento era evidente.Em 1924, p.ex., era possível contar asoportunidades de bons negócios com gás natural nos dedos de apenas uma mão: em Los Angeles, Sul daCalifórnia, em Dallas, no Texas, em Lile Rock no Arkansas, e em três outras cidades: Chicago, Detroit eCleveland. Só estas cinco grandes cidades (fora Lile Rock) eram abastecidas com gás natural por se loca -lizarem perto de regiões produtoras. Foi nas úlmas três cidades, no Nordeste norte-americano, em umaregião, por sinal, bastante fria no inverno e a mais industrializada dos EEUU, onde as reservas descober-

tas na cordilheira dos Apalaches encontraram sua demanda. Dos Grandes Lagos até aquelas montanhas,aonde nascera a indústria do petróleo americana, a distância era de aproximadamente 300 quilômetros.Era o máximo que os gasodutos podiam vencer em termos de distância. Nos Apalaches, a produção de gásnatural angiu seu pico entre 1910 e 1920.

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Estudos Estratégicos - PCdoB132

Mapa I: o gás natural nos EEUU em 1920

Até o m da I Guerra Mundial, exisam muito poucos gasodutos. Entre eles, os dois maiores nhamsido construídos no mesmo ano: em 1909. O primeiro levava o gás natural da Virgínia do Oeste para Ohio,

mais exatamente para a cidade de Cleveland, exatamente naquela região onde o gás primeiro nha sidoaproveitado. O segundo levava o gás do Centro Norte do Texas para a cidade de Dallas. Ali, tratava-se danova província petrolífera do Meio-Oeste. No primeiro, o gás natural era transportado por 183 milhas e,no segundo, por 199 milhas (300 e 320 quilômetros aproximadamente). O primeiro nha 20 polegadasde diâmetro e era o mais largo da época. O segundo era um pouco menor em espessura, nha 16 polega-das. Extensão e largura connuavam como os limitantes ao uso do gás. A esta altura, o desenvolvimentocienco e tecnológico foi bastante oportuno para estender o alcance dos gasodutos e, dessa forma, criaras condições para a indústria do gás natural conquistar uma dinâmica própria, disnta da indústria dopetróleo, embora, umbilicalmente a ela ligada.

3) A evlçã e

A parr de 1920, ocorreram avanços na ciência e na tecnologia em diversos domínios aplicados àconstrução e operação de gasodutos, que assim caram cada vez maiores em largura e extensão. Foi ocaso da produção de aço e de tubos sem costura, da soldagem com aceleno, da montagem e coloca-ção destes tubos, nas mais diversas situações, além da fabricação de novas válvulas e compressores. Emconseqüência, em substuição às reservas dos Apalaches, que se exauriam, as reservas descobertas noMeio-Oeste no decorrer da década de 1920 caram acessíveis. Além disso, a parr daí, com o primeiro“boom” dos gasodutos, o gás natural passou a assumir um papel preponderante no crescimento do Nor-deste norte-americano; região que rapidamente se urbanizava e industrializava.

Esta primeira onda de penetração do gás natural na matriz energéca norte-americana ocorreuna segunda metade da década de 1920. Ela acompanhava a aceleração do crescimento econômico, que

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Dossiê I.5 - A questão energéca   133

vera início na década de 1910 e que saíra da I Grande Guerra com ainda mais força. Uma signicavabarreira técnica então foi ultrapassada: gasodutos com mais de 400 quilômetros se tornaram correntes.Além disso, os trajetos se diversicavam. Somente durante o ano de 1928, mais de 1700 quilômetros fo-ram adicionados à rede de transporte interestadual. Era muito mais do fora construído nos dois úlmosanos (1926 e 1927) somados: apenas 300 quilômetros.

Vale notar que o crescimento da malha de transporte se sustentou por mais alguns anos. Inicial -mente, ele foi impulsionado pelos novos gasodutos e, através deles, pelo acesso às novas e gigantescasreservas do Meio-Oeste. Como foi observado, os EEUU experimentavam uma ampliação sem precedentesde sua produção industrial e isto se fez apoiado no aproveitamento das mais variadas fontes de energia.Não faltavam recursos hídricos, carboníferos, petrolíferos e, agora, também, gasíferos. Era sob esta abun-dância de recursos que se construiu a ascensão do país à posição das maiores economias do mundo, jun-tamente com a Alemanha e em substuição à anga potência industrial – a Inglaterra.

A parcularidade é que foi nos EEUU que, muito antes dos demais países, o gás natural assegurouseu lugar frente às fontes concorrentes. No caso da matriz energéca norte-americana, a parr de mea -

dos da década de 1920, cidade após cidade, o gás natural nalmente suplantava o gás manufaturado (de-rivado do carvão) no abastecimento urbano para ns de calefação e cocção. Para isso, um esforço especialfoi feito na expansão da infra-estrutura de transporte a distância, já que nas cidades a mesma rede de dis -tribuição, seja para o gás natural, seja para o gás manufaturado, podia ser usada, inclusive com diferentesmisturas dos dois gases. Assim, entre 1928 e 1931, foram adicionados à rede de gasodutos interestadual,em média, 1500 quilômetros de linha por ano.

Comparado ao gás manufaturado, muito menos poluente, com muito maior poder calorífero, decusto mais baixo e, a parr de então, com a oferta garanda por grandes reservas, o gás natural foi umfator decisivo, embora pouco destacado, da arrancada econômica que se fazia então. Foi um elemento-

-chave na redução do custo de vida e, por isso, no barateamento da reprodução da mão-de-obra nomeio urbano, parcularmente, nas novas aglomerações e novos bairros. O gás natural propiciava umadeniva melhoria em termo de conforto nas residências, as famílias sendo as primeiras beneciadas damassicação de sua distribuição. Além de também beneciar o capital, ao reduzir a pressão por maioressalários, a nova fonte energéca trazia um ganho real na produção com a queda nos custos dos insumose a melhoria da qualidade. Fora o ganho privado, o interesse público, que despertou, e o benecio social,que gerava, foram rapidamente reconhecidos e transformaram-se em importante bandeira políca comdesdobramentos jurídicos decisivos como será visto adiante.

Importa notar ainda que, na base do crescimento no uso inicial do recurso, este impulso na cons-

trução de gasodutos, connuou bem além da crise. Numa quinta-feira, que cou conhecida como negra,no dia 24 de outubro de 1929, ocorreu o “crack” da bolsa de valores de Nova Iorque. A queda abrupta dopreço das ações gerou um efeito dominó, que paralisou o comércio internacional e mergulhou o mundoem sua mais grave recessão. Entre 1929 e 1932, a produção industrial do país caiu em um quarto e onúmero de desempregados alcançou a marca de 13 milhões, à época cerca de 22% da força de trabalho(tomada por sua população economicamente ava). O mundo começava uma década de tormentas e cujoresultado foi desastroso: mais uma grande guerra mundial.

A conjuntura fortemente adversa não parece ter afetado de imediato, ao menos, a expansão dainfra-estrutura de transporte interestadual para movimentação do gás natural. Já em meio à crise, nos

anos de 1930 e 1931, foram concluídos três gasodutos de dimensões gigantescas para época: com 24polegadas de largura e mais de 1500 quilômetros de extensão, cada um deles. Eles ligaram os camposde Panhandle e Hugoton no Texas e no Kansas, estados do Meio-Oeste norte-americano, aos estados de

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Estudos Estratégicos - PCdoB134

Indiana, Mineápolis e Ilinois, todos os três situados na região dos Grandes Lagos.

Ficava patente o descompasso entre a economia e a expansão dos avos de transporte e distribui -ção. A malha de gasodutos que, a parr de então, caracterizará a dinâmica da nascente indústria, é dededicação exclusiva, ou seja, não serve para mais nada, e exige um elevado invesmento inicial. Ademais,para garanr ao cliente a entrega do gás natural, o vendedor deve ter a reserva, os gasodutos de transpor-

te e uma rede de distribuição local. Dispor de tudo junto demanda coordenação entre diferentes avos,ter competências diversas e a disposição para esperar um longo tempo de maturação do negócio, paraobter o devido retorno. Vamos e venhamos, isto é coisa para poucos e nem sempre os interessados sãoas petroleiras.

Entre outras coisas, a intensidade e a especicidade do capital determinam o pequeno número deempresas e uma dinâmica marcadamente cíclica de crescimento. A capacidade de produção é acrescidade tempos em tempos, em etapas bem marcadas. A posteriori, é possível disnguir as gerações de proje-tos que fazem a oferta crescer aos saltos. As vagas de expansão são seguidas por anos de lenta ocupaçãoda capacidade ociosa. No caso da nascente indústria do gás natural, a próxima maré montante do ciclo

de negócio com gás natural teve de esperar um bom tempo. Uma nova expansão só ocorreu mais de umadécada depois, somente após a II Guerra Mundial.

A despeito do descompasso e de sua dinâmica industrial parcular, a recessão econômica acaboupor se reer na expansão do gás natural, que reduziu o ritmo de penetração na matriz energéca ao lon -go da década de 1930. Com a queda dos invesmentos e dos gastos de consumo, após a crise de 1929, aocupação da infra-estrutura recém incorporada tomara muito mais tempo do que o previsto e, portanto,não exisu interesse mais algum em expandir a rede de gasodutos interestadual. A consolidação do ener-géco ainda não se completara.

4) A evlçã a ea

A consolidação do gás natural passava também por uma revolução nas regras que, na década de1920, já estava por se fazer, mas que teve de esperar a década seguinte, para se realizar. O conhecimentoacumulado sobre o gás natural como recurso mineral, a natureza cada vez mais disseminada do seu uso eos benecios sociais aferidos com esta expansão alteraram seu valor econômico, mas, esta é uma percep-ção que só se tornou dominante com o tempo.

O anacronismo – entre a falta de regra e o aumento do valor do energéco – só fez crescer. Como

no petróleo, as descobertas de novos campos de gás natural, na medida em que a indústria descia emdireção ao Sul da América do Norte, indicavam a necessidade de mudanças radicais, tendo em vista adimensão dos reservatórios e a freqüência das campanhas exploratórias bem sucedidas. Durante a dé-cada de 1920, nos EEUU, o número de descobertas de campos gigantes de O & G foi três vezes superiorao número de descobertas feitas na década anterior. Era o resultado da aplicação da geosica nascentena prospecção por hidrocarbonetos. O gráco seguinte é deveras ilustravo em ralação à contribuição doconhecimento à descoberta de novas jazidas. Também por volta da década de 1920, em torno do poço,nasceu uma nova engenharia. A técnica de perfuração rotava e a indústria para-petrolífera, fornecedorade equipamentos e serviços, estavam tomando corpo. Baker, Hughes, Halliburton, Schlumberger e outrasempresas tradicionais estavam sendo criadas por empreendedores inovadores que zeram fortuna. Estes

eventos foram concomitantes e ocorreram a parr de 1920 com o desenvolvimento justamente dos novoscampos do Meio-Oeste.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   135

Descoberta de campos gigantes nos EEUU entre 1870 e 1950, número de campos por qüinqüênio

 

Fonte: SEG, Geophysics 1949, n 9, vol XIV, p. 482

O avanço da ciência e da tecnologia abriu novas fronteiras exploratórias, desenvolveu campos maio -res e bem mais profundos e tornou o gás natural acessível a quilômetros de distância, apesar do elevadocusto de seu transporte. Assim, a geograa da indústria experimentou uma primeira grande alteração esua complexidade produva angiu um patamar bem superior ao anterior. O novo conhecimento cien -co no que diz respeito às ciências da terra teve impacto não só na busca do petróleo e do gás, mas tam-bém, na forma de se produzir nos campos, assim como nas regras para se fazê-lo. O melhor conhecimento

se conjugou com o interesse crescente pelos hidrocarbonetos para impor a mais importante mudança nospadrões de conduta observado nos campos de O & G desde o início, na segunda metade do século XIX.

O gás natural foi diretamente beneciado com o avanço das ciências aplicadas às novas fronteirasdo Connente norte-americano compostas, neste caso, pelas bacias sedimentares que se abriam à explo-ração em direção ao México. Após as experiências do nal do século anterior nos Apalaches e nas praiasda Califórnia, nha-se uma maior clareza sobre o processo de geração e exaustão das reservas. Deni-vamente, o recurso não era renovável e surgiu a noção de “conservação”. Em meados da década de 1920,tornou-se um conceito-chave na políca energéca que começava a tomar forma. Sintomáco, o FederalOil Conservaon Board foi criado em 1924 e a pressão políca pela regulação federal ganhou uma basecienca, para se contrapor aos interesses das petroleiras e do ganho rápido.

Do ponto de vista técnico, o objevo era manter a pressão das reservas, o que incluía a reduçãoda queima e o aproveitamento do gás natural como insumo de produção essencial para, desta forma,aumentar o volume nal de O & G, que será extraído da reserva. Do ponto de vista econômico, o que sepretendia era ordenar este crescimento, amenizar o “boom”, a euforia e a queda que se seguiam as des-cobertas de novas províncias. Os dois problemas estavam relacionados e o resultado eram os ciclos acen -tuados dos preços, a instabilidade dos negócios e a natureza altamente predatória da indústria de O & G.As praias californianas mais pareciam um paliteiro, como mostra a foto abaixo. A melhoria das prácas deprodução no campo foi bastante gradual e progressivamente põe m a anarquia até então caracterísca,seja nos EEUU, seja em outros países.

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Estudos Estratégicos - PCdoB136

Foto de campo de produção em praia californiana no início do século XX

A questão era técnica, econômica e cada vez mais políca. Tendo por base a experiência no Nor-deste americano, no estado da Pensilvânia, muitos começaram a alertar para natureza deniva do es -gotamento das reservas e que o pico de produção do país estava próximo. Em breve, ia faltar petróleo.Verdadeiro ou falso, este era mais um argumento em favor da racionalização do uso do gás natural noscampos de petróleo. Um segundo argumento de natureza políca (e desta feita irreparável) era a garanado abastecimento energéco – um novo determinante do grau de soberania de um país. Sem petróleo,mesmo que dispusesse de outros recursos, uma nação não poderia mais subsisr independentemente.

A necessária modicação nas prácas e na regra passava por uma revolução jurídica, como já foicomentado oportunamente. Foi preciso por m à regra de captura, que sempre acabava por prevalecernos tribunais e, com isso, pode-se encerrar a corrida pela produção nos campos de petróleo e gás naturalnorte-americanos; situação que tanto desperdício trouxe nas mais de sete décadas em que perdurou.Destuir os possuídos não é coisa fácil, principalmente quando se trata de petroleiros, os capitalistas quemais cresciam à época. Não foi por acaso, portanto, que a luta para fazer valer o interesse público atraves-sou toda a década de 1920 e connuou por boa parte da década de 1930. Enm, após trancos e solavan-cos, idas e vindas, no bojo da políca do New Deal, pela primeira vez, prevaleceu uma regulação federale estadual que se tornou cada vez mais detalhada e ampla31. Ao lado da primeira regulação da produção,nascia, então, o planejamento energéco do setor.

No que diz respeito estritamente ao gás natural, em meio a amplas mudanças no conhecimento, nastécnicas e nas regras, vale destacar que seu uso racional nos campos de produção era resultado da expan -são do seu uso nas cidades. O gás natural aquecia as residências e passou a ser indispensável nas cozinhasmodernas; são dois confortos que, quando conquistados pelas famílias, deles, elas não se desfazem comfacilidade. Em conjunto com a iluminação nas ruas, a água e o esgoto encanado, as linhas de ônibus cole-vos e trens metropolitanos e a força de luz, que chega nas casas, o acesso ao gás natural passou a comporo padrão mínimo de vida urbana já na primeiro terço do século XX.

Assim como os demais, o gás natural será entendido como um “serviço de ulidade público” por

31 Dentro das medidas de recuperação econômica, em 1932, Franklin Roosevelt nomeou seu Secretario de Interior, também, seu “Administradordo óleo” com o objevo de ser a polícia do setor. Em junho de 1933, o Presidente assina o Naonal Industrial Recovery Act (NIRA), pelo qual seu Secretárioassegurou seu poder de intervenção para colocar ordem nos campos de produção. A Suprema Corte anulou a lei em maio de 1935 (Schechter v United States).Em 1938, FDR editou o Natura Gas Act, que concedeu a Federal Power Comission a autoridade de regular o comércio inter-estadual de gás natural.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   137

economistas, juristas e polícos. Assim, estão reconhecidos de vez os benecios sociais no fornecimentodessas mercadorias. Este é um ponto importante, na medida em que estes mercados são caracterizadoscomo de monopólio natural. Apenas uma empresa basta para produzir ao mais baixo custo e, conse-qüentemente, não existe condições para o exercício da compeção. Nos monopólios, o produtor tende aabusar de seu poder de mercado, em detrimento do consumidor que, neste caso, são todos os habitantesde uma cidade.

É interessante sublinhar, por um lado, o traço comum entre O & G e, por outro, os tratamentosdistintos. No óleo, foi o monopólio aos poucos construído pela empresa de Rockefeller, que deu início àpolíca antruste e a contestação jurídica que determinou o m da Standard Oil e, até hoje, embasa adefesa econômica32. No gás natural, o interesse público e as peculiaridades das condições de transportee distribuição fazem o estado intervir ainda mais forte. São serviços concedidos sob condições severas epermanente vigilância, quando não são simplesmente fornecidos por empresas públicas. Em decorrência,ao nal da década de 1930, novas bases foram colocadas para o negócio com gás natural deslanchar nosEEUU e se disnguir da indústria do petróleo. Para além do campo de produção, assim como os avos,nem as empresas envolvidas, nem o quadro jurídico, eram os mesmos.

32 - O império da família Rockefeller nunca acabou. Até hoje, a família controla a maior empresa petrolífera quotada em bolsa, a Exxon-Mobil.

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Estudos Estratégicos - PCdoB138

1) o pó-ea e a claçã á aal EEuu

Nos EEUU, pioneiro em seu aproveitamento, o uso do gás natural deslanchou a parr de 1945. Aondar a guerra, a indústria nha novas bases produvas sobre onde se apoiar: os campos do Meio-Oestee, logo depois, do Golfo do México. Tinha também os novos meios de transporte: longos gasodutos setornaram comuns e ajudaram a integrar o país, de Norte ao Sul e de Leste a Oeste. Por m, durante a se-gunda metade da década de 1930, as mudanças na jurisprudência resultaram numa completamente nova

regulação interestadual e estadual para o gás natural. A consolidação destas bases – produva, técnica e jurídica – compôs-se, para fazer do gás natural um energéco nalmente barato para certos ns e acessí -vel em diversas cidades.

A bem da verdade, se as diculdades em relação ao transporte diminuíram, de maneira nenhu-ma, foram eliminadas. Ao contrário, como cou claro, imediatamente após o nal da II Guerra, ainda nocaso norte-americano, a expansão só se fez em virtude da existência de dois enormes dutos que caramociosos e da disponibilidade da oferta. Nos campos de petróleo, fora outras perdas, ainda se queimavacerca de 15% do gás natural produzido. Pouco antes da eclosão do conito, a importância do O & G paraa segurança nacional se enraizara na políca interna, juntamente com a necessidade de racionalização da

produção e o ordenamento das avidades da indústria, em todas as suas etapas.

Os ataques dos submarinos nazistas tornaram o transporte de petróleo e derivados extremamentearriscado por via maríma e nham o potencial de paralisar a economia. Durante a guerra, para contor-nar os problemas com a navegação de cabotagem, dos como prioridade pela intendência militar, foramconstruídos dois gigantescos dutos para transportar petróleo. Eles caram conhecidos, justamente, comoBig e Lile Inch. Saíam do Texas, o primeiro abastecia a Filadéla e o segundo, Nova Iorque. Integravama cada vez mais distante zona produtora ao Nordeste do país, por via terrestre. Findada a guerra e reto -mada a cabotagem, as duas estruturas foram transformadas em gasodutos e se mostraram as principaisalavancas para impulsionar o consumo, tendo em vista a grande capacidade de movimentar o energéco.Também foi a oportunidade para que empresas especializadas no transporte de gás natural se consoli -dassem e criassem um nicho de mercado que, por muito tempo, disnguiu os EEUU dos demais países.

Entre 1940 e meados da década de 1960, acompanhando a hegemonia crescente do capitalismonorte-americano, o gás natural conquistou uma parcipação considerável na maior economia do mundo.Em 1963, já respondia por mais de um quarto do consumo da energia primária do país. Apoiado no se-gundo boom da construção de gasodutos interestaduais, o uso do gás natural conheceu um prolongadoperíodo de crescimento. A malha de transporte ganhou densidade ao se mulplicar e, tendo como pontode parda o Golfo do México, ela alcançou basicamente três grandes regiões consumidoras: a Califórnia,os Grandes Lagos e a Costa Leste. A diversicação ocorria tanto em termos geográcos, quanto em termosde clientes. Como fonte de energia, vericou-se então um expressivo aumento do uso industrial do gásnatural, que se adicionava aos tradicionais clientes residenciais e comerciais.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   139

Alguns usos em segmentos produvos especícos impulsionaram o crescimento da demanda noimediato pós-guerra. Vidros, porcelanas, cerâmicas e alimentos são mercadorias em que os fornos quequeimam gás natural são melhores do que aqueles que queimam carvão mineral, vegetal, ou óleo com-busvel. A vantagem decorre exatamente do fato de ser um combusvel mais limpo. Os novos empre-endimentos destes setores serão os compradores que, estariam dispostos a pagar um sobre-preço emrazão das qualidades intrínsecas do gás natural, como os consumidores nas cidades. Além disso, como sãonovos projetos, eles podem se instalar próximo às jazidas, ou ainda próximo aos gasodutos.

Ao lado do uso industrial como fonte de calor, nos EEUU, mas também na anga URSS, após a guer-ra, ganhou importância cada vez maior o consumo de alguns segmentos produvos ainda mais parcular-mente apoiados, não na queima, mas, sim, na transformação do gás natural. Neste caso, o mineral é umamatéria-prima à qual será agregado valor. Os maiores exemplos são a amônia e o metanol, ambos obdosa parr do gás natural. A produção de amônia e de uréia está na origem dos ferlizantes nitrogenadosque revolucionaram a agricultura no pós-guerra e de aplicações as mais diversas, como na indústria deexplosivos. Do metanol, obtêm-se a cadeia de produção química do C

1, que tem as mais diversas uliza-

ções, dos combusveis aos fármacos. Hoje, nove décimos da amônia fabricada no mundo e algo parecido

da fabricação do metanol vêm do gás natural; o que dá uma idéia de sua adequação e de seu ganho deimportância. Nos dois países, a produção destes derivados diretos do gás natural expandiu e permiu odesenvolvimento de uma indústria química com escala (volume de encomendas) e com escopo (diversi-dade de fontes e produtos) sucientes para atender à pretensão de superpotência econômica, que ambosalmejavam e alcançaram.

No mesmo sendo, outro desenvolvimento tecnológico capital foi o craqueamento a vapor das par-tes mais leves do gás natural, como o etano, o propano e o butano. Após rerá-los do gás e submetê-losa maiores pressões e temperaturas, produz-se o eleno e, a parr desse, o polieleno e o polipropileno,que estão na base da indústria de polímeros, que surgiu com o pós-guerra. Assim, nos dois países, ao

contrário do que ocorreu no Japão e na Europa Ocidental (e também no Brasil, um pouco mais tarde), apetroquímica do imediato pós-guerra, que deu origem à era do plásco, não esteve baseada na naa. Emambos, a vantagem-custo da petroquímica local estava alicerçada na abundância e no preço baixo do gásnatural, uma situação que, aliás, perdurou até o início da década de 1980.

Além de fonte de calor e matéria-prima, a diversicação do consumo foi ainda mais ampliada com ouso para geração elétrica. As caldeiras a vapor para gerar eletricidade queimavam qualquer coisa, do gásmanufaturado ao óleo combusvel, passando pelo carvão mineral. Em cidades do Sul dos Estados Unidose em regiões mais quentes, aonde não exisa demanda por calefação de residências, lojas e escritórios, apenetração do gás natural pôde-se fazer, assim, a parr da eletricidade. No decorrer da década de 1960,

a turbina de geração elétrica (derivada da turbina aeronáuca) aposenta a anga caldeira de vapor parageração elétrica. Em ciclo combinado, ou fechado, aproveitando-se também do calor gerado pela turbina,as usinas térmicas abastecidas por gás natural se tornaram ainda mais interessante em termos energé-cos e econômicos. Com eciência próxima a 60%, elas são quase duas vezes melhores que as usinas emciclo aberto e com caldeiras convencionais. A parr da década de 1960, pela sua importância e rapidez decrescimento, este foi o uso que puxou e capturou a oferta do gás natural em muitos países, inclusive noBrasil de hoje.

Contudo, em 1960, vale sublinhar que nove décimos do consumo de gás natural no “Ocidente”,ou do mundo não-comunista, ainda ocorria somente nos EEUU. O novo perl da procura e as distâncias

crescentes indicavam o vasto potencial do energéco. A despeito da indústria permanecer com dimen-sões locais, ela adquiriu uma complexidade muito maior. Uma mudança em andamento de impacto era ainclusão de novos consumidores, eles modicavam a estrutura produva e a balança de poder na indús-tria. Perto do nal da década de 1960, apoiado por uma políca energéca decididamente em favor do

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Estudos Estratégicos - PCdoB140

gás natural, o uso industrial superou o uso comercial e residencial pela primeira vez e a indústria do gásnatural angiu provavelmente o seu apogeu nos EEUU.

Se, por um lado, o uso pela indústria assegurou uma demanda adicional, por outro, em parcular,a geração elétrica e o uso como fonte de calor industrial são consumos bastante sensíveis aos preços.São empresas fornecedoras de eletricidade e grandes indústrias que, tendo uma maneira alternava de

produzir, simplesmente deixam de comprar gás natural, assim que o preço não lhes convier. Numa ne-gociação, o poder tende ao comprador neste caso. Observe que o interesse destes consumidores e dosusuários tradicionais, assim como das empresas petroquímicas são bastante diversos. As distribuidorasde eletricidade, por exemplo, são submedas a uma signicava sazonalidade e, assim, as térmicas agás natural só atendem na ponta, no ordenamento de despacho onde a hidroeletricidade e o nuclearrespondem pelo atendimento da base da demanda. Nas cidades, os consumidores de gás natural são asfamílias e os lojistas. Em contraposição às distribuidoras de eletricidade e aos grandes industriais, eles sãoconsumidores individuais de pequeno volume, dispersos, com pouco peso políco e sem capacidade desubstuir imediatamente o consumo do gás natural. Fazer fogueira e queimar lenha nos apartamentos éimpensável. São as famílias que estão capturadas pelo fornecedor de gás natural e de eletricidade.

A maior complexidade e a nova dinâmica nos negócios se revelam nos conitos que surgem emconseqüência das diferenças de interesse e do poder de barganha de cada um dos agentes do mercado.Por serem grandes consumidores, algumas distribuidoras podem ancorar a construção de novos gasodu-tos. No entanto, uma vez que podem gerar de outras fontes e estão submedos à forte sazonalidade, umaumento signicavo dos preços do gás pode determinar a interrupção de suas compras. Na seqüência, opagamento pelo transporte do gás natural, que viabilizou a construção do gasoduto, não vai ser feito e ainfra-estrutura cará ociosa por algum tempo. É notável que, embora tenha conquistado novos consumi-dores, em poucos casos, o gás natural tenha cavado uma parte importante dos novos usuários, ou tenhadeslocado completamente seu concorrente.

A situação pode ser ainda pior. Muito provavelmente, sem poder contar com a venda permanentepara os grandes consumidores, serão os pequenos consumidores, que não podem deixar de consumiro gás, aqueles que, nalmente, terão de arcar com os elevados custos xos do empreendimento. Paraevitar isto, não apenas os reguladores, mas também, os bancos (nanciadores dos grandes projetos deconstrução de gasodutos) trataram de assegurar o retorno dos invesmentos, ao introduzir nos contratosclausulas do po take or pay. Mesmo que o gasoduto não esteja sendo usado, o pagamento é compul -sório. Importa observar, uma vez mais, a importância críca do transporte como fator determinante naorganização da indústria do gás natural e na redação de seus contratos.

Importa observar ainda que o fator mais relevante para a consolidação do gás natural na maioreconomia do mundo, exatamente no momento em que o país alcançava a hegemonia mundial, foi seupreço. Como foi mencionado, a maioria dos novos consumidores não era cativa e, portanto, dispunha dealguma, senão total, flexibilidade. Neste novo contexto, o preço baixo era o maior argumento de vendapara concorrer com os demais energéticos. E, por trás do preço especialmente baixo estava a mão pesadado estado norte-americano. A Federal Power Comission tabelava o preço do gás natural na boca do poço,quando seu desno era a venda para outro estado do país. O preço xado foi, por muito tempo, um preçodemasiadamente baixo, segundo os produtores33. A redução da dependência energéca decorrente dacrescente importação de petróleo juscava a políca energéca em favor do uso do gás natural.

Contudo, no longo termo, o resultado era previsível: um aumento da demanda muito maior do que

33 - Já durante a década de 1940, a Suprema Corte aceitou que o preço do gás natural vendido para outro estado fosse regulado pela FPC. Em 1954,o poder de regulação na boca do poço saiu reforçado depois da decisão no processo Philips Petroleum Co. v Wisconsin, iniciado em 1946, no qual a empresade eletricidade daquele estado alegou que o preço cobrado pela petroleira (então a maior produtora independente de gás natural) era abusivo.

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o aumento da oferta interna. Alguns poucos indicadores são sucientes para medir a gravidade crescen -te da situação que se criava. A razão entre a produção anual e a reserva total que, no nal da II GuerraMundial, esteve em torno de 30 anos, caiu connuamente e, na segunda metade da década de 1960, arazão era metade daquela do nal da guerra, apenas 15 anos. O ritmo de adição das reservas (descober -tas e reconsiderações) também era revelador do problema. Entre 1965 e 1970, mais provavelmente entre1967 e 1968, as adições de novas reservas deixaram de compensar a exaustão das reservas conhecidas. Aparr da década de 1970, as primeiras crises de abastecimento ocorrem e toma-se ciência do completodesequilíbrio entre a oferta e a demanda de gás natural nos EEUU. As sucessivas crises culminaram como Natural Gas Act em 1978, a transformação da FPC em FERC e a progressiva liberalização dos preços doenergéco. Como se pode constatar, a indústria se tornou mais muito mais complexa e a políca energé-ca suscevel a erros mais freqüentes.

2) o pó-ea e a lea fã eacal

Na Europa Ocidental, antes da II Guerra Mundial, as primeiras descobertas ocorreram, em 1931, noVale do Pó, situado no Norte da Itália e, em 1939, em Saint Marcel, no Sul da França. Também naquela

década, na Europa Oriental, algumas reservas foram idencadas na Romênia. Na anga URSS, a indús-tria do gás natural nasceu no nal da década de 1920, a Oeste do território da Ucrânia, hoje, um Estadoindependente da Rússia. Fora neste caso, as descobertas foram pontuais; não nham a dimensão paraservir de alavanca à penetração do novo energéco, num Connente ainda assentado sobre uma basecarbonífera. Foi preciso esperar o m da guerra e o nal da década de 1950, para que grandes reservasnalmente despertassem o interesse das empresas européias pelo gás natural.

Em 1957, numa pequena localidade no Sul da França, em Lacq, foi descoberta a reserva gigante degás natural não-associado que levou o mesmo nome. Tem início a indústria do gás natural naquele paísque, com o tempo, transformar-se-á em uma entre as mais importantes do mundo 34. Dois anos depois

de Lacq, em 1959, ocorreu a descoberta de outro campo gigante de gás natural não-associado no VelhoConnente: Groningem, desta vez no Norte da Holanda. A descoberta mudará a História da indústria deO & G naquele Connente. A crise do canal do Suez, em 1956, levara à nacionalização do canal e a inter-rupção abrupta do fornecimento de três quartos do petróleo da Europa. Isto impulsionou as buscas e asduas descobertas – Lacq e Groningem –, não eram de petróleo e, sim, de gás natural, mas, representavamos primeiros resultados concretos na tentava de reduzir a crescente dependência energéca européia.

No resto de mundo, algumas descobertas começavam a indicar quais seriam os países em que omineral ganharia parcipação na matriz energéca ao longo de um lento processo de penetração, assimcomo ocorrera nos EEUU. Na América do Sul, a Argenna foi o primeiro país aonde isto aconteceu. Antes

de 1945, nham sido descobertas algumas reservas em Comodoro Rivadávia, no Sul do país, e que sóvieram a ser desenvolvidas mais tarde. Saindo daquela região para abastecer Buenos Aires, o primeirogasoduto argenno foi concluído em 1949 e já nasceu com quase mil e seiscentos quilômetros. Foi reco-nhecidamente uma obra de engenharia desbravadora, que atestava a capacidade da indústria argenna eque, ademais, estruturava sob novas bases energécas a economia do país. A parr de então, a Argennaassume uma posição pioneira e o gás passou a apoiar, não somente o crescimento da região metropoli -tana portenha, mas também, mais tarde, o nascimento da tradicional indústria petroquímica argenna,em Baya Blanca. Em poucos países, a parcipação do gás natural será igual à obda por ele na Argenna.

Neste contexto, é impossível não se perguntar sobre o retardo da penetração do gás natural com-

parado ao crescimento do uso dos derivados de petróleo como energéco, assim como, de seu uso como

34 - A petroleira estatal francesa Elf-Aquitaine tem sua origem no desenvolvimento desta reserva de gás natural não-associado encontrada na baciad’Aquitaine. A Eni, petroleira controlada pelo estado italiano que teve papel de destaque na contestação do cartel das “sete irmãs”, também iniciou suas ope-rações a parr do desenvolvimento das reservas de gás não associado descobertas ao Sul dos Alpes.

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Estudos Estratégicos - PCdoB142

matéria-prima pela indústria química. A logísca de transporte, distribuição e revenda de derivados depetróleo prima pela exibilidade. Um barril de qualquer derivado pode ser entregue, sem maiores custos,em qualquer cidade do mundo, até mesmo que seja nos conns da Amazônia, do Saara, ou da Sibéria. Éeste baixo custo do transporte que dá agilidade e, principalmente, capilaridade ao petróleo e seus deriva-dos – por ser transportado em barris. No gás natural a situação é oposta.

É por isso que, em decorrência da necessidade de uma malha de transporte pouco flexível e cara,as dificuldades iniciais para sua difusão fizeram da expansão internacional do gás natural um fenômenorelativamente recente. Não surpreende, portanto, que o crescimento na Europa e na Ásia tenha sidolocalizado e seu uso tenha decolado somente nas últimas três décadas do século XX. A distribuiçãogeográfica do uso do gás natural refletia bem a sua fraca penetração fora da América do Norte e daEuropa Oriental. Ainda em 1970, segundo a tabela abaixo, as duas regiões respondiam por mais de 85%de todo o consumo. E, ainda em termos de economia do gás natural, dentro delas a presença das duassuperpotências era quase absoluta.

Tabela II: Consumo de gás natural no mundo em 1970, por regiões

Fonte: BP Stascal Review

Até meados do século XX, o uso do gás natural cou limitado aos EEUU. Na anga URSS, o m da IIGuerra Mundial permiu reconstruir o país inteiramente sobre novas bases energécas, tanto as cidades,quanto as fábricas. Já em 1946, o ponto de parda para a penetração do gás natural foram os testes parao funcionamento do maior gasoduto até então existente na União Soviéca. Tratava-se da linha Saratov --Moscou, com uma extensão de cerca de 850 km35. Moscou é a capital mais próxima do Círculo Polar. Ofrio intenso e o longo inverno foram fortes esmulos à difusão do energéco nas residências e no co -mércio. Além disso, embora o carvão connuasse importante, ele perdeu a primazia para a indústria deO & G, dentro de um processo de industrialização acelerada muito calcado em avidades intensivas emenergia em que o gás se saía parcularmente bem, como a produção de ferlizantes, petroquímicos, açoe cimento.

Dez anos depois daquele primeiro grande gasoduto, em 1956, foi concluída a construção do gaso-duto Staropol-Moscou, outro marco na massicação do gás natural. Com extensão de 1.300 km e, nosmaiores trechos, com 40” de diâmetro, graças a ele, a capital soviéca era nalmente ligada às reservasdo Oeste da Ucrânia, precisamente onde o aproveitamento do energéco foi primeiro feito depois da Re-volução. O sustentado crescimento da demanda fez a indústria ir buscar ainda mais longe, na Sibéria, nadécada seguinte, o gás natural que tanto precisava. O gás siberiano chegou pela primeira vez em Moscouem 1966, vindo da reserva de Urengoi. Um ano antes, numa indicação da posição alcançada na matriz

energéca, foi criado o Ministério da Indústria do Gás Natural. Muito mais tarde, em 1989, ele foi trans-formado na Gasprom; a maior empresa russa e a maior fornecedora de gás natural no mundo.

35 - Saratov está ao Sul de Moscou, a meio caminho entre o Mar Negro e o Mar Cáspio.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   143

Se, por traz da Corna de Ferro, gasodutos cada vez de maiores diâmetros e cada vez mais extensosviabilizaram a massicação do gás natural, por muito tempo, o consumo internacional do gás natural, dolado de cá do Muro de Berlim, foi limitado em razão do custo de sua movimentação por gasodutos. Em1970, pouco mais de 5% de todo o gás natural consumido no mundo nha origem no comércio inter -nacional em nído contraste com o petróleo que, então, presenciava o nascimento do cartel dos paísesexportadores e o m do conluio das “sete irmãs”. A rigidez da infra-estrutura de movimentação é um pro-blema para os negócios e também pode tornar-se facilmente uma questão diplomáca. Entre dois países,um fornecedor e outro consumidor, a construção de um gasoduto cria um grau de interdependência que,muitas vezes, a história tem demonstrado, é dicil de gerir.

Não por acaso, a expansão das vendas internacionais de gás natural ocorreu sempre após a desco-berta de grandes campos e não foi resultado de um “boom” da construção de gasodutos internacionais.As reservas descobertas não estavam muito distantes de potenciais usuários no caso europeu em par-cular e os países interessados dispunham de capital e tecnologia para apostar na alternava energéca.Alguma economia exisa: o combusvel substuído era o gás manufaturado, proveniente do carvão; ouseja, nas cidades já exisa uma malha de distribuição que pulverizava o consumo. Fazia frio e exisam

milhares de residências para serem atendidas. Como se pode deduzir, na Europa e na Argenna, a expe-riência norte-americana se repea em seus pontos essenciais.

3) A écaa e 1970 e a aeza eplíca á aal

De forma resumida, o retardo do gás natural é devido a três fatores.: i) a pouca caloria por metrocúbico transportado, ii) a pecha de ser apenas sub-produto e iii) o elevado custo-oportunidade da irre-versibilidade dos invesmentos em um concorrente direto dos derivados de petróleo. Dois outros fatorestambém foram observados na seqüência do desenvolvimento dos negócios com o mineral e já foram aquicomentados. O gás natural não logrou capturar novos usos e, assim, não estabeleceu mercados cavos.

Além disso, o energéco tem altos custos de transação (que vão muito além do transporte) e que reetema complexidade e as incertezas, não no campo de produção, mas, na assinatura e execução dos contratos.

Apesar de tudo isso e de ter surgido efevamente a parr da década de 1960, na Europa e na Ásia,o crescimento do gás natural, na parcipação da matriz energéca e como insumo, foi agrante desdeentão. No mundo, em 1965, o consumo se resumia a 1,8 milhões de m3 por dia. Em 2009, era mais de qua-tro vezes isso, o consumo já angia 8,25 milhões de m3 por dia. Representa um crescimento ininterrupto,durante 45 anos, de 3,6% ao ano. A impulsão foi decorrência de uma demanda cada vez mais interessadana substuição do carvão como fonte de calor, na difusão da turbina a gás para geração elétrica e de seuuso, não para queima e, sim, para sua transformação petroquímica. O mais interessante é constatar que,

depois de tudo, este processo de mulplicação dos usos e difusão internacional não signicou a mundia-lização do comércio de gás natural. Até hoje, não existe um mercado global do gás natural, um preço dereferência e um contrato padrão.

Como meio de transporte único, os gasodutos geram uma rigidez dicil de ser contornada e poucofavorável às trocas internacionais. As diculdades são conhecidas: a irreversibilidade dos avos é a cau-sa de custos irrecuperáveis, ou afundados, que são extremamente arriscados em razão da natureza nãorenovável de reservas. Em um cenário internacional, extensos gasodutos atravessarão diferentes paísese invariavelmente aumentarão em muito a interdependência entre todas as nações envolvidas. O riscoeconômico se soma ao risco geológico e faz com que o preço do gás natural seja estabelecido em con-

tratos bastante rígidos, ou sob uma regulação extremamente forte. A questão é dar segurança jurídica,geopolíca e contratual às operações de compra e venda internacional de gás natural. São esses elevadoscustos de transação com o gás natural que impediram até hoje a constuição de um mercado global do

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Estudos Estratégicos - PCdoB144

energéco, que esmulam a vercalização das empresas que operam com o mineral, que segmentam omercado e que reduzem o numero de agentes independentes.

Sendo uma parte indissociável para a realização do valor do gás natural, o transporte foi sempreextremamente caro e assim connua. Os dados mais atuais sobre custo de construção de gasodutos dãouma idéia das despesas envolvidas. Para gasodutos com diâmetros menores de 30 polegadas, ou seja,

dutos relavamente pequenos, o custo por quilômetro pode chegar a 200.000 dólares. Um gasoduto(em terra) relavamente curto, de apenas duzentos quilômetros, exigiria um invesmento esmado de60 milhões de dólares. Para gasodutos entre 30 e 36 polegadas, pode-se se chegar a invesmentos quevão entre 550 e 650 mil dólares por quilometro. A esses preços, um gasoduto de grande porte com doismil quilômetros exige, então, um invesmento esmado facilmente superior a um bilhão de dólares. Omontante dá uma medida da diculdade de realização de projetos desta envergadura. Gasodutos subma-rinos são muito mais onerosos; de três a cinco vezes mais caros; o que coloca uma barreira de magnitudeàs trocas interconnentais.

Os custos de construção dos gasodutos (necessários à movimentação do produto) e os custos de

transação do gás natural (necessários à realização do valor do energéco) são elevados, principalmentese comparados com o petróleo e com o carvão. Esses custos maiores explicam os numerosos gasodutosque foram previstos e nunca foram construídos. Explicam também o atraso acumulado por algumas ini -ciavas, podendo a conclusão acontecer décadas após a concepção do projeto. As negociações se fazemem torno dos mais diversos pontos (trajeto, vazão, etapas de ampliação, preço do transporte, preço dogás, regras de uso, especicação etc.), são as mais extensivas possíveis e, como são compromissos delongo prazo com grandes invesmentos iniciais, elas são conduzidas pelo mais alto nível hierárquico. Doiscomplicadores vieram a se juntar às dificuldades originais, no final do século XX. Por um lado, a valorizaçãodas terras e, por outro, a percepção do dano ambiental na construção dos gasodutos aumentaram oscustos necessários para a conclusão dos projetos, principalmente daqueles de maior envergadura. Muitas

vezes, em definitivo, impediram a construção deles, como no Alaska.

A construção de uma infra-estrutura logísca de movimentação internacional especialmente dedi-cada a um único produto só se jusca raramente. Como o gás natural é energia, além de envolver inte -resses privados, a construção de gasodutos esteve sempre ligada à intensas e permanentes negociaçõescomerciais entre os países. Elas têm uma forte conotação políca. Mas, não é apenas isso, como envol -vem também muito dinheiro, é a banca internacional que os nancia e são as agências mullaterais quesupervisionam a execução dos projetos. Dentro deste contexto, as manifestações de imperialismo sãofreqüentes na discussão que antecede a construção dos grandes gasodutos internacionais. A propósito,ainda na guerra fria, o exemplo foi a venda pela União Soviéca de gás natural para a Europa Ocidental.

Além da construção do gasoduto transiberiano, uma obra de engenharia gigantesca, à época, tratou-se devencer as resistências dos Estados-Unidos sob a onda de conservadorismo que ressurgiu com a eleição àPresidência do ator californiano Ronald Reagan.

Na ocasião, por volta de 1980, na Polônia, a ascensão do sindicalismo liderado por Lech Walessaprenunciava os ventos de mudança do outro lado do Atlânco. Eles ganharam impulso na Inglaterra,pouco tempo depois, quando ascendeu ao poder a líder que daria o tom das mudanças em grande parteda Europa: Margareth Tatcher. Em um úlmo movimento como superpotência, a URSS acabara de invadiro Afeganistão e conheceu, em seguida, o seu Vietnã. A despeito de estar perto de seu nal, ainda era aguerra fria e uma corrida armamensta estava sendo disputada. Um gasoduto soviéco para exportar gás

natural para Europa Ocidental era inadmissível, aos olhos do Pentágono. Era uma fonte prolongada dereceita em moeda forte para o inimigo, ao mesmo tempo em que tornava o núcleo da Europa (Áustria,Alemanha, Bélgica, França e Itália) dependente do gás natural comunista.36 

36 - Na Europa Oriental, a URSS usou o gás natural para construir uma relação de dependência que perdurou para muito além da queda do regime

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Dossiê I.5 - A questão energéca   145

Os EEUU chegaram a vedar às empresas norte-americanas qualquer negócio com os construtoresdo gasoduto e as pressões diplomácas foram objeto de numerosas reportagens naquele momento. Denada adiantou, o gasoduto foi construído no início da década de 1980 e, vinte anos depois, respondia porquase 40% de todas as importações de gás natural da União Européia. Á época da construção, o traçadoprocurou evitar a Polônia, um país que estava na vanguarda da contestação ao imperialismo soviéco. A

opção foi passar mais ao Sul, pela Bielorússia e pela Ucrânia, para então angir o centro da Europa. Paragaranr o acesso seguro e ininterrupto, o custo de negociação e de realização dos contratos e, como sededuz, extremamente caro.

Um quarto de século depois, foram esses dois úlmos países que, por algumas vezes, ameaçaraminterromper, ou drenar, parte do volume movimentado dentro de seus territórios, como retaliação aospreços abusivos cobrados pela Gasprom; a herdeira maior do espólio soviéco. Importa observar a estaaltura que, embora mido, o comércio internacional de gás natural, por sua especicidade, desde o iní -cio, tomou a forma de uma negociação políca entre dois ou mais países soberanos, no pleno exercíciode suas capacidades de persuasão e inmidação. É evidente que a balança do poder se altera no longo

prazo e, muitas vezes, de forma quase surpreendente. Basta lembrar que a tecnologia soviéca do apro-veitamento do gás teve origem na Ucrânia que, por muito tempo, Rússia e Ucrânia eram um só país e queforam engenheiros ucranianos que descobriam o gás na Sibéria37.

Também parece claro que, se fosse depender exclusivamente de um único modal de transporte,dicilmente o gás natural poderia ser apontado como a energia fóssil do futuro. Os limites do transportepor gasodutos são geográcos: por volta de três mil quilômetros em terra e cinco a dez vezes menos nomar. Atravessar orestas tropicais, ou grandes savanas temperadas, ou ainda subir e descer altas cordi-lheiras, ou vencer grandes acidentes topográcos, são desaos tecnológicos e ambientais pracamenteinsuperáveis pelos gasodutos, a parr do nal do século XX. Foi preciso então desenvolver outro meio de

transporte, ou outra logísca que proporcionasse maior rendimento e exibilidade na movimentação dogás natural.

4) o gnL e a evlçã ape

A sica dita as condições materiais para a ocorrência dos fenômenos naturais, a economia capitalis-ta dita as condições de reprodução ampliada do capital e exatamente para confrontar qualquer determi-nismo, a criavidade técnica e a críca histórica libertam e, com isso, contornam o duplo entrave anterior,algumas vezes, para fazer da realidade movimentos impensáveis. Joseph Schumpeter denominou inova-ções “maiores”, aquelas mudanças tecnológicas (nos processos, produtos, ou na organização) que geramganhos de produvidade extraordinários. Por isso, elas inauguram longos períodos de prosperidade emtorno dos novos sistemas tecnológicos, que se difundem pelos diversos setores da economia.

No âmbito da indústria do gás natural, a liquefação foi uma inovação de cunho quase paradigmá-co. Obda quando você resfria o gás natural a uma temperatura de – 160o C, a liquefação revolucionou otransporte do mineral; justamente o elo críco da cadeia de valor. A grande vantagem está em reduzir emaproximadamente 600 vezes o volume original e, desse modo, concentrar caloria em um m3 do líquidoque será depois transportado. O gás permanece liquefeito a estas baixas temperaturas em tanques espe-ciais, mas que podem estar à pressão atmosférica. Cabe sublinhar que a alternava não vem para subs-tuir e, sim, para complementar a solução técnica anterior. Assim, os gasodutos não serão dispensados e,

soviéco.

37 - Segundo contavam os proissionais que trabalhavam à época na empresa recém-constituída, durante a década de 1990, ainda se falava

ucraniano e russo na Gasprom.

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Estudos Estratégicos - PCdoB146

na verdade, as distâncias maiores por eles não cobertas, são agora passíveis de cobertura por intermédiodo GNL. Era um meio para dar maior exibilidade à logísca de movimentação da indústria e, assim, darenvergadura mundial as suas operações.

A baixa densidade calórica é uma desvantagem no transporte e também na estocagem, quando setrata de movimentar energia. A armazenagem é um elemento críco da cadeia de suprimento de qual -

quer produto em uxo connuo38. Como já foi aqui repisado, o uso do gás natural se iniciou na sasfaçãode necessidades doméscas e comerciais, picamente urbanas. Sob todos os aspectos, são demandasque variam bastante com o tempo, durante o dia e durante o ano e ainda de forma surpreendentementeregular. Uma das condições de base para a estruturação do mercado, portanto, é o reconhecimento deuma demanda marcadamente sazonal. A oferta da mercadoria deve ser especialmente programada paraacompanhar as variações do consumo no decorrer do dia e da noite e também ao longo do ano, conformea temperatura e o clima. É por essa razão que a estocagem de gás natural é indispensável para realizaçãodo seu valor em regiões temperadas.

Em qualquer cidade, todas as cozinhas funcionam no mesmo horário, seja ao meio dia, seja ao nal

dele. Todos os chuveiros também funcionam juntos, no início, ou no nal do dia. No Hemisfério Norte, emConnentes como a Europa e a América do Norte, todas as residências, todas as lojas e centros comer -ciais são aquecidos durante o inverno e cam abertos durante o verão. Foi exatamente esta sazonalidadepica dos consumidores de gás natural que incenvou a busca de soluções. Era preciso ter uma gestãode estoques, de forma a baratear e assegurar o abastecimento da demanda a qualquer hora, a qualquertempo. Muito melhor do que estocá-lo em sua condição natural, o que exigiria depósitos muito grandes,seria fazê-lo na forma líquida, concentrando energia por m3. Hoje, espalhadas pelos EEUU, existem maisde cem unidades de armazenamento de gás liquefeito para atender esses picos de demanda.

Desde que Michael Faraday demonstrara a liquefação do metano, em meados do século XIX, uma

solução desse po poderia ter sido imaginada para o problema de armazenagem do gás natural, queanal é mais de 90% metano. Contudo, passar da invenção, ou do experimento, à inovação demandou al-gum tempo, e este sempre foi o ponto central do processo inovador, ainda segundo Schumpeter. Apenasno século seguinte, em 1912, em clara demonstração do avanço cienco e tecnológico americano e dacrescente importância do gás natural na sua matriz energéca, na Virgínia Oeste, foi construída a primei -ra unidade de liquefação. A estação de estocagem teve de esperar o nal da guerra, em 1917, para sercolocada em operação. No ínterim, em 1914, o americano Godfrey Cabot registrou o pedido de patentede uma barca para transportar gás liquefeito e uma unidade de regaseicação. Era a primeira descriçãotécnica de um sistema de transporte de gás natural liquefeito, que virá a ser conhecido pela sigla GNL.

Para ns de transporte, a descrição técnica com o registro em um documento de patente cou mui-to distante no tempo de sua viabilização econômica. O que é da natureza do processo de inovação. Maisde quarenta anos depois, somente em 1959, foi construído o primeiro protópo do que seria o futuromeio de transporte. Era o navio Methane Pioneer, originalmente um navio de carga, de 1945 e que saiu doestaleiro em 25 de janeiro 1959, após ser especialmente reformado para transportar 5,5 mil m3 de GNL. Oobjevo era liquefazer o gás natural do Golfo do México no Lago Charles (Louisiana) e, em seguida, levá-lopelo rio Mississipi até a cidade de Chicago.

Como ainda assim, devia sair caro este transporte, a idéia inicial do empreendimento era de, apro -veitando a tecnologia criogênica de resfriamento embarcada, no mesmo navio, levar-se-ia também carne

38 - Quanto ao abastecimento da Europa, o papel preponderante da Ucrânia não decorre somente do fato dos gasodutos atravessarem seu território.No ango modelo de exportação soviéco, o país era o “pulmão” do sistema de abastecimento da Europa Oriental, com grande capacidade de armazenagempara poder despachar gás nos momentos de pico.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   147

bovina congelada39. O regulador Food and Drugs Administraon não concedeu a autorização, à época, portemer a contaminação da carne. Também não foi obtida a autorização para navegar no rio. Previsível semessas duas autorizações, o resultado foi o encerramento do projeto e, desse modo, sobraram o navio e aestrutura de liquefação e instalações para embarque.

Se não serviram para o pretendido, para outra coisa serviram. Naquele mesmo ano, o Methane Pio-

neer zarpou para as ilhas Canvey, no Reino Unido, e deu início assim ao comércio interconnental de gásnatural. O interesse britânico pelo gás natural era sobretudo movido pela redução dos danos ambientaisnas grandes cidades. O crescimento das metrópoles, a combinação de condições meteorológicas des -favoráveis, a popularização do acesso aos sistemas de calefação residencial e a rápida recuperação dosnegócios no imediato pós-guerra causaram uma signicava deterioração da qualidade do ar urbano. Jána primeira metade da década de 1950, algumas vezes a fuligem em excesso chegou a causar transtornose paralisar a capital inglesa.

A emissão de parculas decorrentes da queima do carvão era principalmente um problema de saú-de pública, porque doenças respiratórias e alergias em crianças e gestantes aumentaram e signicavam

um custo social diretamente ligado à urbanização. A sociedade inglesa aumentara sua percepção quanto aeste po de custo e aos danos provocados pela produção de energia a parr de fontes minerais fósseis e,em parcular, provenientes do carvão; mineral sob o qual se apoiou a Revolução industrial britânica des-de seus primórdios. Há muito, já cara evidente que o impacto ambiental era irreversível a parr de certoponto de saturação; aliás, ponto dicil de ser estabelecido. Mesmo se a reversão ainda fosse possível, elaseria certamente custosa em tempo e em dinheiro. O objevo era, portanto, de longo prazo: substuir ocarvão por gás natural no abastecimento das grandes cidades inglesas.

Em 1964, após a bem sucedida experiência com a importação do GNL de Lake Charles, o projeto doBrish Gas Council, que reunia algumas distribuidoras de gás manufaturado ao longo do rio Tamis, deixou

a dimensão do ensaio e do protópo para assumir uma verdadeira escala industrial. Nesse ano, a Shellcomeçou a operar dois navios metaneiros – Methane Princess e Progress – que faziam a rota Argélia- In -glaterra. Declarada em 1962, a independência da Argélia foi um marco na luta de libertação norte-africa-na. Embora longa e violenta, a luta contra o colonialismo francês em nada alterou o projeto pioneiro deexportação do gás natural do Saara por metaneiros. Como se saiu da importação do golfo do México paraimportação do Norte da África é um assunto que vale uma breve digressão, por vários movos.

Alguns anos antes, em 1956, fora descoberto o campo gigante de Hassi R’Mel, a mais de 500 quilô-metros ao Sul de Alger. Ainda hoje, é a maior jazida do país e responde por um quarto das suas reservas.Esma-se que metade do reservatório já deve ter sido exaurida depois do início de sua produção. Além

disso, o desenvolvimento da reserva foi emblemáco. O projeto começou em pleno conito pela inde-pendência, em 1961. Era também uma aposta tecnológica e empresarial extremamente ousada em todosos sendos. Logo depois de seu início, fez-se a independência e, em 1963, o novo governo argelino crioua Sonatrech, empresa estatal que cará famosa por ditar condições bastante duras nas negociações comas mulnacionais do petróleo e do gás natural. As empresas privadas inicialmente envolvidas eram con-troladas por norte-americanos e britânicos, que correspondiam aos dois países importadores potenciais.

Porém, essas duas rotas comerciais não vingaram. O gás natural norte-africano chegava muito caronos EEUU, onde o energéco era tabelado na boca do poço e parcularmente barato naquele momento.Para os britânicos, em pouco tempo, a descoberta das reservas do Mar do Norte, prenunciada pelo desen-

volvimento do campo de gás de Groningen, fez o projeto de importação de GNL norte-africano perder sua

39 - A bem da verdade, a tecnologia de resfriamento foi desenvolvida justamente para permir o comércio de carne entre os estados norte-ameri -

canos.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB148

atração nanceira. No caso norte-americano, no lugar da importação, sobraram quatro terminais comple-tamente ociosos, construídos até o nal da década de 1970 (Lake Charles, La, Evere, Mss, Elba Island, Gae Cove Point, Md.) e um imbróglio contratual e jurídico entre argelinos e duas empresas norte-americanas(El Paso e Panhandle), que se arrastou até meados da década seguinte.

Dentro do projeto de exportação de gás natural argelino incluiu-se um terceiro navio metaneiro:

o Jules Vernes. Como o nome sugere, o controle era de capital francês e o navio serviria para abastecero país a parr do novo modal. A Compagnie Algerienne de Methane Liquide (Camel) era composta por40% Conch (americana), 20% Sonatrach e 40% Gaz de France e era também proprietária do terminal deliquefação. Com a perda de interesse dos invesdores originais (britânicos e norte-americanos), não sóa França, mas também, os demais países da Europa connental – Bélgica, Alemanha, Espanha e Itália –passaram a ter acesso ao gás natural liquefeito proveniente da África 40. Pioneiro em todos os sendos, oprojeto de aproveitamento do gás do Saara, rigorosamente, em nada se realizou como o previsto.

Contudo, foi a primeira rota comercial de gás estabelecida entre dois Connentes. Era a primeirarota estabelecida no novo modal de transporte, o GNL. O novo sistema tecnológico estabelecia uma via

fundamental não apenas em termos do gás natural, mas, sobretudo, em termos de energia. Mais queisso, os benecios do comércio internacional dão mútuos benecios para importadores e exportadores.Logo depois, foram feitos também dois gasodutos submarinos que atravessavam o Mar Mediterrâneo e,não por acaso, nos trechos aonde os dois connentes mais se aproximam (pelo Estreito de Gibraltar epela Sicília). Neste cenário, desenhou-se uma relação comercial de profundas conseqüências econômicas,sociais e geopolícas entre o Norte da África e o Sul da Europa.

Talvez, mais importante, no Maghreb Central, em torno do aproveitamento do gás natural, ergueu--se um Estado soberano, de cunho nacionalista e não alinhado. A Argélia nascente se apropria das rendasextraordinárias proporcionadas pela combinação entre a crescente demanda por gás natural e a riqueza

de suas reservas. Foi exemplo no Norte da África e esteve na vanguarda das mudanças polícas e eco-nômicas da época. Passou a ser membro avo da OPEP, uma vez que seu gás é extremamente rico emcondensados, e fez da exportação de GNL um negócio de longo prazo e extremamente rentável. Quandofoi preciso, parcipou da construção dos dois gasodutos que atravessam o Mediterrâneo. Que os com -pradores nais do GNL não tenham sido os iniciais e que os primeiros contratos tenham sido em demasiaincompletos não deveria ser surpresa. Revela precisamente a exibilidade de meios, que tanto a indústriade gás natural necessitava – e o GNL trazia – e a incerteza inerente a qualquer inovação.

40 - A estação de regaseicação em Barcelona é de 1968, Panigaglia é de 71 e a de Marseille é de 1972.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   149

1) n paíe pe, cece e ea

No nal do século XX, mais precisamente a parr de meados da década de 1960, observou-se adisseminação do uso do gás natural em escala internacional. Pela demanda, o principal movo foi o re-conhecimento de sua qualidade ambiental, mesmo sendo um energéco de origem fóssil. A parr destereconhecimento e do progresso tecnológico nas turbinas ocorreu sua plena inserção na geração elétrica.Denivamente, o gás natural deixava de ser um subproduto do petróleo. Pelo lado da oferta, a razão foi

que a busca em novas bacias sedimentares mostrou-se, algumas vezes, bastante procua. Jazidas foramdescobertas nas mais diferentes regiões, em terra e no mar, e em todos os Connentes.

Como previsto, aquelas descobertas próximas às regiões de consumo foram rapidamente aprovei-tadas. O desenvolvimento dos meios de transporte – gasodutos e metaneiros –, com a mulplicação dostrajetos e das rotas, tornou acessível o energéco à qualquer grande consumidor. Tornou-se assim o com-busvel cujo consumo mais rápido cresceu nas úlmas cinco décadas. Não por acaso, nos países da OCDE(os 30 mais ricos do mundo), entre 1970 e 2010, o gás natural protagonizou uma importante mudança:ele nalmente ultrapassou o carvão em termos de parcipação na matriz energéca. No úlmo ano,respondia por 24% do consumo nal, contra 22% do carvão; cava atrás apenas do petróleo (com 37%).

Sem dúvida notável, esse crescimento foi suciente para dar dimensão mundial ao seu uso, mas,ainda não resultou num mercado globalizado, pelas razões que já conhecemos. Ademais, nos úlmostrinta anos do século XX, a geopolíca da energia e a políca internacional experimentaram mudançasno mínimo tão radicais quanto às anteriores. Em menos de uma década, o império soviéco se desfez,em menos de duas, a China ascendeu à posição de potência e a Europa se unicou. A questão ambiental,por sua vez, apareceu não faz muito. Ganhou força com as mudanças climácas, que somente entram naagenda internacional a parr de 1990. No período, a dinâmica cíclica foi também evidente: entre 1970 emeados da década seguinte, os preços do barril subiram, depois caíram até 1999, quando voltaram a subiraté 2008. O preço é do barril do óleo, mas, determina o comportamento de toda a indústria energética.

Os primeiros dez anos do presente século conrmaram a crescente volalidade do preço do gásnatural, a aceleração do processo de transformação das estruturas econômicas e, dentre elas, a parcipa-ção crescente do energéco na matriz energéca mundial. Como pode ser constatado pelos números databela que se segue, o crescimento

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB150

Tabela:

Evolução do consumo de gás natural entre 1965 e 2010, no mundo, em bilhões de m3 por ano

Fonte: BP Stat. Rev.

do consumo não foi uniforme no tempo, mas foi sustentado durante 45 anos. Entre 1965 e 1989,quando seu uso se disseminou para além das duas superpotências, a média de crescimento anual foi de10,3% na segunda metade da década de 1960, quase 9% na seguinte e quase 7% a.a. na década de 1980;sem dúvida, um ritmo bastante signicavo. Embora decrescendo ao longo das décadas, ele permanece

muito superior ao crescimento da economia. Durante a década de 1990, de fato, houve uma queda naaceleração, mas não houve redução de consumo mundial. Nesta década em que o crescimento foi me -nor, o incremento do consumo foi de 4,3% a.a.. Foi também uma década de baixos preços do petróleo. Aretomada da aceleração, em seguida, foi notável. Entre 1999 e 2010, o crescimento do consumo de gásnatural lembrou o vericado na década de 1970: foi de 7,3% ao ano. É esse progresso recente que faz dogás natural a fonte energéca fóssil do momento.

Com tudo isso, como indica a tabela anterior, em 2010, o consumo foi simplesmente três vezesmaior do que 40 anos atrás: saltou de menos de um trilhão para mais de três trilhões de m 3/ano. Ade-mais, gradualmente, ele foi ganhando novas partes na geograa mundial. Exatamente em razão dos de -

terminantes já discudos, o crescimento do consumo foi feito em etapas bem marcadas, em espaços etempos bem denidos. A estagnação daquelas economias, que foram pioneiras no uso do gás natural,ocorreu ao mesmo tempo em que se abriram novas regiões produtoras e consumidoras. O grau de ma-turidade e a importância da indústria do gás natural dos EEUU e da ex-URSS podem ser conferidos pelosdados da tabela abaixo.

Tabela : Consumo de gás natural pelos EEUU e ex-URSS, entre 1970 e 2010, em bilhões de m3/ano.

Fonte: BP SR

Por volta de 1970, a superpotência capitalista consumia quase 600 bilhões de m3/ano de gás natu-ral; como já foi observado aqui, foi o apogeu. Esse foi um patamar que só voltou a ser angido e ultrapas-sado muitos anos depois; somente em meados da década de 1990. Na URSS, em 1970, o consumo era o

segundo maior, mas, muito menor que o norte-americano: 181 bilhões de m3

/ano. Naquela época, os doissomados alcançavam 8/10 do consumo mundial, a esmagadora maioria portanto. Contudo, em termosde consumo do gás natural, o máximo soviéco foi posterior ao norte-americano. Pela tabela anterior,constata-se que o patamar de 615 bilhões de m3/ano foi angido no nal da década de 1980. Já nha sido

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iniciada a desintegração do império soviéco. A queda do consumo durante a década de 1990 explica-sepela estagnação e reestruturação econômica do Leste europeu, após a desastrosa Perestroika conduzidapor Gorbachov.

Como no exemplo norte-americano, nos úlmos dez anos, o crescimento do consumo russo foiretomado e, grosso modo, voltou-se aos patamares próximos, ou superiores aos recordes anteriores. Em

ambos, trata-se do renascimento da indústria, o que muitos duvidavam que ocorresse por movos dife -rentes: o dicil re-erguer russo e a exaustão das reservas norte-americanas. Como o presente demonstra,são limites que foram superados plenamente. Vale notar que apesar da retomada do consumo nestespaíses pioneiros, a parcipação de ambos no consumo total manteve franca tendência à queda. Em 1999,eles respondiam por metade do consumo, em 2010, respondiam por 40%. É metade do que era em 1970e um claro sinal do grau de internacionalização da indústria.

2) A expeêca epéa: a eça à baça

Os dados sobre o aumento do consumo do gás natural em diversas partes do mundo, no decorrerdas úlmas cinco décadas, estão nas próximas tabelas. Eles permitem acompanhar a seqüência que assu-miu a forte expansão da indústria do gás. Como foi visto, o Reino Unido e a Holanda, foram os primeirospaíses europeus a aproveitarem as descobertas do Mar do Norte. Durante a década de 1970, no primeiro,o consumo de gás natural saltou de 11 para 45 bilhões de m 3/ano. A matriz energéca das ilhas britânicasexperimentou, então, uma profunda e deniva alteração em sua base. Já em 1999, a penetração do gásnatural parecia chegar ao seu pico, próximo de 94 bilhões de m3/ano, patamar que permanece em 2010.

Consumo de gás natural no Reino Unido e na Holanda, entre 1970 e 2010, em bilhões de m3/ano

Fonte: BP SR

Na Holanda, o crescimento do gás natural foi ainda mais concentrado no tempo. Durante a décadade 1970, foi quando o consumo mais que dobrou: saltou de 17 para 37 bilhões de m3/ano. Contradito-

riamente, o impacto deste rápido crescimento foi negavo e a economia local conheceu uma forte retra -ção, numa experiência que cou conhecida como Dutch desease41. A renda mineral proporcionada pelaextração do O & G é extraordinária, objeto da ganância de todos, mas, nem sempre traz fortuna. Se paraa Inglaterra de Tatcher, como será visto, a descoberta do Mar do Norte foi providencial, para economia ho-landesa, o aproveitamento de Groningen foi um desastre. O monopólio da maior reserva européia, a posi -ção de úlmo provedor do Connente e o poder de ditar o preço do mercado custou caro para a Holanda.

Em meio à elevação dos preços do petróleo e do gás natural, a renda proporcionada pela exportaçãoproveniente da maior reserva de gás não associado da Europa foi demasiada e causou um súbito e per-manente desequilíbrio macroeconômico42. A receita adicional com a exportação submergiu a tradicional

41 - O termo foi ulizado em novembro de 1977, em argo da revista inglesa The Economist, assumidamente de ideologia liberal.

42 - A jazida de Groningen foi descoberta por um consórcio formado pela Exxon e a Shell e as exportações para Alemanha começaram já em 1964.Em 1970, o número de consumidores do energéco holandês aumentara: além da Alemanha, a Bélgica, a França e a Itália também começaram a importar gásnatural daquela reserva. Neste úlmo ano, o volume das exportações alcançara aproximadamente 30 milhões de m3 por dia. Em 1975, após o primeiro choquedo petróleo, comparado com 1970, em volume, as exportações holandesas nham se mulplicado por quase cinco e as exportações para a Alemanha foram

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Estudos Estratégicos - PCdoB152

praça nanceira de Amsterdam num excesso de liquidez, o que causou a valorização da moeda nacional,o orim, à época. Seguiram-se o encarecimento da produção local, a perda de atração de outros setoresindustriais e nalmente a desindustrialização. Pior, diferentemente do que no passado, a estagnação veioacompanhada pela inação e, por isso, ganhara um novo nome: estagação; ou estagnação com inação.

Se todos esses problemas ocorriam com uma economia rica e industrializada como a holandesa

e diziam respeito apenas ao aproveitamento de uma reserva de gás natural, o que dizer da extração depetróleo em países como a Nigéria, a Venezuela, ou ainda o Iraque? O petróleo nem sempre traz fortunalocal. A experiência dos primeiros cinqüenta anos da história nos EEUU já nha sugerido a importânciada regulação das avidades na dimensão microeconômica. Foi preciso acabar com a regra de captura eimpor a ordem na indústria, dos campos de produção à revenda dos derivados. Após a segunda guerramundial, a cartelização internacional do óleo entre as “sete irmãs” e o reconhecimento de sua naturezageopolíca juscaram o planejamento e a políca energéca como instrumentos disntos e prioritáriosna ação do Estado. As estatais do petróleo foram criadas em todos os países, importadores e exportado -res. A OPEP foi a contestação nal ao oligopólio das mulnacionais do petróleo. Em meados da década de1970, a doença holandesa trazia mais um aprendizado – são elevadíssimos os custos sociais da internali-

zação do excedente petrolífero, quando não existe adequada regulação macroeconômica.

Groningem, a reserva gigante de gás natural em terras holandesas, foi o primeiro indício de que oMar do Norte poderia conter grandes campos de O & G. Contudo, ao longo de toda a década de 1960, na-quelas águas, o registro exploratório permaneceu extremamente magro. Em domínio territorial britânico,em setembro de 1965, o único registro posivo foi a descoberta do campo de gás natural não associadode West Sole. Até 1969, nada foi encontrado e para aumentar as dúvidas, poucos meses depois daqueladescoberta, ainda em águas britânicas, o desastre da plataforma de perfuração Sea Gem da Brish Pe -troleum causou a morte de treze trabalhadores e dava uma exata medida dos riscos envolvidos com odesbravamento da nova fronteira exploratória.

Foi somente em dezembro de 1969 que ocorreu a primeira grande descoberta no Mar do Norte.Em águas norueguesas, desta feita, a norte-americana Philips Petroleum Company descobriu o campo deEkosk. Poucas semanas depois, outra norte-americana, a Amoco, descobriu o campo de Montrose emáguas britânicas. A parr de então, o Mar do Norte se transformou na província petrolífera européia porexcelência e, diferentemente do que ocorreu na Holanda, proporcionou um desenvolvimento industrialbastante acelerado, tanto do lado escocês, quanto do lado norueguês. Os grandes gasodutos submarinoscomeçaram a trazer o gás natural da parte norueguesa e britânica para as ilhas britânicas e para a Alema-nha a parr de meados da década de 1970.

A saga norueguesa é digna de nota. Em meados do século passado, era um país que nha só o marpara gerar riqueza e ela não era em demasia; ao contrário. Por um determinismo geográco evidente, aeconomia girava em torno apenas da pesca (inclusive de baleia) e da construção naval. A população nãoultrapassava quatro milhões de habitantes, vivia dispersa em pequenos vilarejos e o país estava entreaqueles de menor densidade populacional no Connente. A glória do povo viking desaparecera. O paísnão nha relevância alguma no cenário europeu, quem diria no cenário internacional. A descoberta degrandes campos de petróleo e gás natural no Mar do Norte, na plataforma connental norueguesa, mu -dou profundamente aquela terra de pescadores de bacalhau. A Noruega é, hoje, simplesmente, o maiorIDH do mundo, o país onde a igualdade dos gêneros é também maior e, por m, onde 100% da populaçãoé letrada.

A saga começou em 1970, com a descoberta do campo gigante de Ekosk pela Philips e, em 1971,

mulplicadas por seis.

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com a descoberta de Valhal pela Amoco e de Frigg pela Elf. Como resposta européia à busca por maiorsegurança energéca, as explorações prosseguiram por toda a década de 1970. Em 1979, o campo de Trollteve sua descoberta anunciada pela Shell. Pouco tempo depois, a dimensão da reserva foi reconhecida:tratava-se do maior campo de gás natural do Mar do Norte, com reservas recuperáveis esmadas inicial-mente em 1,3 trilhões de m3. Ainda hoje, corresponde a 40% das reservas de gás da Noruega e elas estãoesmadas em 1,8 trilhões. Daquela magnitude, àquela época, era um substuto à altura de Groningen,que daria os primeiros sinais de esgotamento em breve.

Embora não seja tão distante da costa, apenas 65 km, era uma jazida a mais de 300 metros deprofundidade d’água e mais de 1500 metros abaixo da supercie submarina. Entre a descoberta e o seuaproveitamento, passaram-se mais de 15 anos. A maior estrutura maríma já instalada no mundo foicolocada em operação em 1996, em concreto para produzir gás natural, enquanto um ano antes nhaminstalado uma primeira estrutura para produzir óleo. Uma terceira – e úlma – plataforma foi instaladaem 1999. Segundo a Statoil, a petroleira operadora do bloco, durante os primeiros anos, Troll foi o maiorcampo produtor de petróleo da Noruega. Em seu pico chegou a cerca de 400.000 b/dia no nal da décadade 1990. Ainda é o maior campo produtor de gás natural do país, com 32 milhões de m3/dia e não deixou

de produzir petróleo: são mais de 100.000 b/dia.

Mais de quarenta anos depois da primeira descoberta, ocorrida em 1969, existem 52 campos de O& G nas águas norueguesas. A importância para economia pode ser rada por alguns dados. As receitasde exportação do setor correspondem a quinze vezes as receitas obdas com as exportações de pescado.Os hidrocarbonetos respondem por nada menos que metade de toda a receita de exportação do país. Aprodução de petróleo, na parte norueguesa do Mar do Norte, já angiu seu pico. O país, hoje, não estámais entre os dez maiores produtores de óleo. No nal da década de 1990, o país se colocava como o sé-mo maior produtor e como o segundo maior exportador de óleo, só perdia para Arábia Saudita. Contudo,connua sendo o sémo maior exportador mundial de petróleo, porque seu consumo interno é reduzido.

Quanto ao gás natural, o pico de produção ainda não foi alcançado e, assim, a Noruega é, hoje, oquinto maior produtor mundial e o segundo maior exportador de gás, só perdendo para a Rússia. Des -ta forma, por certo tempo, o setor connuará sendo o principal formador da riqueza do país. Hoje, umquarto do PIB e um terço da produção industrial vêm das avidades de O & G. Como o crescimentodemográco foi pequeno, nos úlmos 50 anos, o país conta com menos de cinco milhões de habitantes(4, 940 milhões), numa população onde as mulheres têm uma esperança de vida de 83 anos e o PIB percapita alcança 66.000 euros. Quase simultâneas, as experiências holandesa e norueguesa são disntas noresultado. O país escandinavo permaneceu independente e profundamente envolvido com sua idenda-de, jamais pretendeu ingressar na União Européia, não abdicou de sua moeda nacional e, numa solução

aparentemente autônoma, conseguiu industrializar-se.

A Noruega fez do aproveitamento dos campos no mar a oportunidade para se introduzir em avida-des de alta tecnologia, intensivas em P & D e fonte de novas exportações, que vão muito além do petróleoe do gás. Na suas vendas externas passaram a contar também os equipamentos, os serviços, os insumosespecializados e a tecnologia da informação aplicada à tudo que envolve a produção o-shore. Ao invésde estagnação, como ocorrera na Holanda, a riqueza derivada do poço no fundo do mar gerou mais ri-queza, num processo de crescimento virtuoso. Em 1990, preocupado com uma aceleração excessiva ecom os danos da bonança súbita, o país criou um fundo soberano. O objevo macroeconômico explícitoera migar o efeito monetário da receita extraordinária e o objevo desenvolvimensta, por sua vez, era

nanciar as futuras gerações de noruegueses. Conservadores e progressistas não veram diculdade emaprovar o fundo. Hoje, ele está esmado em mais de 350 bilhões de dólares e é o segundo maior do mun-do, só menor que o de Abu Dhabi.

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Estudos Estratégicos - PCdoB154

Na verdade, para o Velho Connente, frente aos choques do petróleo, mesmo que submersas emmares gelados a profundidades superiores a cem metros, ou seja, com custos de extração elevados, adescoberta de enormes reservas foi providencial. Primeiro, por garanr o provimento de energia aos prin-cipais países europeus a parr de uma reserva local e, assim, assegurar alguma independência frente aogás e ao petróleo árabe. Segundo, para fazer com que dois países, entre os mais pobres da Europa, Escócia

e Noruega, experimentassem um período connuado de prosperidade. Terceiro porque do ponto de vistainglês também a descoberta no Mar do Norte era providencial43. Apoiada nas rendas proporcionadas pe-las jazidas de O & G desenvolvidas ao longo da década de 1980, a conservadora Madame Tatcher, Primei-ra-Ministra inglesa, fechou as minas de carvão que restavam, venceu a resistência dos últimos sindicatos,privatizou os ativos públicos, financiou suas reformas liberais e postergou a falência industrial inglesa.

3) Fal écl XX: á já é al, a aa ã é lbal

Do outro lado do mundo, na Ásia e na Oceania, o gás natural penetrou primeiro no Japão e na Aus-trália. Em muitos sendos, a evolução foi parecida com a observada na Europa. Em três casos anteriores

(Austrália, Japão e Inglaterra) são arquipélagos com ilhas sucientemente grandes para formar naçõesimportantes e no quarto, a Noruega, a geograa o faz um país isolado e, como os demais, exclusivamentedependente do mar para se expandir. Como se constata pela tabela a seguir, naqueles Connentes longín-quos, o consumo de gás natural paru de patamares relavamente menores, mas, teve início na mesmaépoca. Com semelhante movação aos britânicos, reduzir as emissões na geração elétrica, os japonesesse engajaram na rápida substuição do carvão e do óleo combusvel pelo gás natural. Além disso, era ne -cessário abastecer um milagre econômico, que fazia do país aquele que mais crescia no mundo. É isso queexplica o espetacular aumento do consumo de gás natural na década de 1970: nada menos que seis vezesentre 1970 e 1979. Isso também explica porque, diferentemente do que na Europa, o consumo tenha semando sustentado no decorrer da década de 1980, quando ele mais que dobra.

Consumo de gás natural no Japão e na Austrália, entre 1970 e 2010, em bilhões de m3/ano

Fonte: BP RS

Como se observa pela tabela anterior, embora comparavamente menor que o Japão e exporta-dora, em matéria de energia, a economia da Austrália também experimentou uma signicava expansãodo consumo de gás natural nos úlmos cinqüenta anos. Durante a década de 1970, o uso do gás foi mul-plicado por seis. O volume de gás consumido quase dobra na década seguinte, para só então, durantea década de 1990, experimentar uma redução no seu ritmo de crescimento, mas nunca em seu total. Nopresente século, o consumo australiano de gás natural voltou a crescer rapidamente. Se antes, foi paraatender o projeto de penetração do gás natural na matriz energéca da Austrália, agora é para atender ascrescentes necessidades energécas e de produtos derivados do gás natural do mercado asiáco.

No começo, devido ao isolamento e distanciamento do país para com o resto do mundo, o projeto

43 - Diferentemente da Noruega, a Inglaterra era uma potência hegemônica em decadência já secular, fundadora da tradição industrial no Ocidentee dotada de uma população dez vezes maior.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   155

de valorizar o gás natural passou pelo seu aproveitamento interno. Assim como a Noruega e a Escócia,a Austrália, a parr de um recurso mineral não renovável e de elevado invesmento inicial, mas, comevidentes vantagens depois que disponível, apostou, desde cedo, no desenvolvimento de uma indústriaapoiada no gás natural. A aposta em agregar valor levou à construção de extensos gasodutos, o desenvol -vimento de mercados compradores nas cidades e novos usos industriais. Nas décadas de 1970 e 1980, eramais fácil exportar carvão e petróleo e consumir o gás natural internamente.

E, neste ponto, o aproveitamento inicial do gás natural é disnto do observado na Noruega e na Ho-landa, por exemplo. Ele não se desnava às exportações. Além disso, em 2008, o carvão ainda era a fonteenergéca em que a Austrália estava apoiada: respondia por 42% da oferta de energia primária. Mas, óleoe gás natural obveram um lugar bastante signicavo nos úlmos quarenta anos. Em 2008, respondiampor respecvamente 31% e 22% da oferta de energia primária, juntos superando o carvão. Também di-ferentemente que nos EEUU, a parcipação do consumo residencial e comercial foi pouco expressiva. Ogás natural penetrou na indústria, como energia e matéria-prima. Nada menos que 32% do gás naturalconsumido no país é desnado à transformação e uma parcela semelhante foi usada pelas indústrias parans térmicos. Outro consumidor importante é o próprio setor energéco.

Até a chegada da liquefação na Austrália, na década de 1990, não exisam exportações de gás natu -ral. O país até mesmo importava por gasoduto da Indonésia, com o objevo de abastecer o Noroeste dopaís e ainda o faz. A descoberta de grandes reservas ao Norte da ilha foi a oportunidade que faltava pararapidamente tornar-se exportador de gás natural. Na Oceania, longe de tudo, isto exigiu a construção decomplexos de liquefação de gás natural e, hoje, não por acaso, ele é um dos países líderes na exploraçãode reservas de gás natural não-associado no mar. A parr de 2005, tornou-se o terceiro maior exportadorde GNL no mundo. 44

Em contraponto à experiência anterior, vale recordar a exploração do gás do Alaska. A exportação,

como já foi colocado, envolvia um aspecto geopolíco evidente: em plena guerra fria, bancar a ocupaçãodo úlmo estado norte-americano e garanr a diversidade de fontes para abastecer em GNL aquela quese transformara na segunda maior economia do mundo, o Japão. No entanto, para aproveitar o gás na -tural em condições polares, as diculdades foram ainda maiores que as encontradas no Mar do Norte. Jáem 1967 um projeto pioneiro foi iniciado para transportar GNL da Baia de Cook para o Japão. Dois naviosmetaneiros especiais (de classe árca) foram construídos para atender a rota, mas, o negócio pouco avan -çou em seguida. Em 1968, foi descoberta o jazida gigante da baia de Prudhoe e o óleo passou a concentraras atenções. Assim mesmo, só dez anos depois, em junho de1977, foi extraído comercialmente o primeirobarril de petróleo de Prudhoe, que fez a fortuna do Alaska desde então. O aproveitamento do gás natural,entretanto, ainda hoje, em pleno século XXI, connua sendo apenas residual, não havendo como escoar

a produção – sempre sendo o transporte o entrave.

Pode ser oportuno uma úlma vez cotejar as experiências do Reino Unido e do Japão. Em meados dadécada de 1960, uma dupla opção foi selecionada por ambos – pelo gás natural e por metaneiros – e issonão era mera coincidência. Porque insulares, os dois precisavam diversicar suas fontes e fornecedores,uma premissa de suas polícas energécas. Ambos também nham a mesma base carbonífera da qualprocuraram se livrar o mais rápido possível. Tinham igualmente conhecimento e tecnologia para apostarno GNL. O Japão, contudo, não teve a mesma sorte britânica de descobrir o Mar do Norte e se apoiarem reservas próprias e próximas. O Japão não teve também como construir gasodutos submarinos paraabastecê-lo. A solução que restou foi a de se apoiar numa rede de GNL que, como fornecedores incluía,

além do Alaska (marginalmente), diferentes países: Filipinas, Malásia, Qatar, Austrália e Emirados Árabes.

44 - Em 2008, a produção foi de aproximadamente 47 m3 por dia e o consumo interno de 31 milhões de m3 por dia. As exportações somaram 20milhões de m3 por dia enquanto as importações chegaram a 6 milhões de m3 por dia.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB156

Importa notar ainda que o Japão assegurava naquele momento a posição de segunda maior eco-nomia capitalista e era o protagonista de uma revolução industrial em andamento no mundo, que sesintezava pela robóca e o toyosmo. Neste contexto, o volume de compras crescente de gás naturalera mais do que suciente para dar tamanho críco a um mercado regional, desde o início da década de1970. Este mercado era muito disnto do europeu, que estava sendo formado concomitantemente, emtorno dos contratos negociados em Londres45. Ele era também distante, muitas léguas marinhas, daqueleque exisa nos EEUU, constuído em torno do gás natural produzido no Golfo do México e no Texas. Adistância e os custos de transporte bastavam para segmentar o mercado. Estavam sendo criados os disn-tos mecanismos de formação de preço do gás natural que tanto marcam a indústria ainda hoje. Preços econdições contratuais são completamente diferentes nos EEUU, na Europa e no Extremo Oriente. Por issonão se pode falar em um mercado global para o gás natural, como ocorre com o petróleo e o carvão. Nãoexiste um preço de referência mundial para a mercadoria.

Uma breve análise do consumo do gás natural nas duas economias emergentes mais importantesda Ásia, a China e a Índia, corrobora a sugestão de que o gás deve connuar crescendo e que a próximaetapa será a penetração maciça naquele Connente. Os dados da tabela abaixo indicam que o consumo

de gás natural teve ritmo próprio em cada um deles, mas, em ambos, o fenômeno é ainda recente.

Consumo de gás natural na Índia e na China, entre 1970 e 2010, em bilhões de m3/ano

Fonte: BP SR

A China possui um comportamento do consumo inicialmente semelhante aos dois países asiácos já analisados. Durante a década de 1970, o consumo de gás natural foi introduzido com velocidade. Emtoda a China ainda maoísta, o gás consumido saltou de 2 bilhões de m3/ano, em 1970, para quase 15 bi-lhões, em 1979. Depois, nas duas décadas seguintes, contudo, o crescimento do consumo do gás naturalfoi mais moderado. Nesta úlma década, o ango ritmo foi retomado. O consumo foi mulplicado porcinco e, em 2010, ele angiu quase 110 bilhões de m3/ano, marca superior a países tradicionalmenteconsumidores como o Japão e o Reino Unido. Vale destacar que o país só começou a importar GNL muitorecentemente, a parr de 2006 e que sua produção interna é elevada (59 bilhões de m3 em 2006), mas,

localizada distante das principais regiões consumidoras.

A Índia conheceu um crescimento mais vagaroso na década de 1970, para depois experimentarum crescimento acelerado. Entre 1999 e 2010, mulplicou por quase três o consumo do gás natural. Emmeados da primeira década do século, produzia cerca de 32 bilhões de m3 por ano e importava cerca de8 bilhões de m3 na forma de GNL. Na Índia também os terminais de regaseicação foram instalados re-centemente. Os primeiros datam de 2004 e 2005. A proximidade com o Oriente Médio e com os paísesprodutores do Sudeste asiáco, a baixa probabilidade de que se construam gasodutos em países vizinhospara abastecer o país e a parcipação do gás natural na produção da eletricidade e de ferlizantes prome -tem um futuro bastante promissor no país para o mineral.

45 - Na Europa, o mercado de gás natural foi dominado pelas empresas estatais que denham o monopólio do transporte e da distribuição em cadapaís: BG, GdF, Eni, GdP, Distrigaz... Até hoje esta situação pouco mudou, embora alguma delas tenhas sido privazadas.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   157

Em ambos, na China e na Índia, a importância do carvão na matriz energéca é ainda muito grande,o que indica que o processo de penetração do gás natural no mercado asiáco está longe de se esgotar. Asubstuição das fontes na produção e o número de famílias sem acesso ao gás encanado, nestes países,sugerem que a expansão da indústria deve connuar acelerada. Além disso, foi visto que o aproveitamen-to do gás natural teve papel preponderante na aceleração do crescimento nos EEUU, no Reino Unido eno Japão. Não exisria movo, portanto, para que ele não cumpra o mesmo papel para as duas potênciasasiácas – Índia e China – durante as duas próximas décadas. Fará jus, então, a expectava de energia dofuturo.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB158

1) o a ceç Bal

O gás natural foi introduzido tardiamente no Brasil. Bem depois da Europa, que conheceu o primei-ro grande impulso de produção e consumo durante a década de 1970 e também depois da Ásia, onde omovimento ocorreu na mesma época no caso do Japão e da Austrália, ou se fez nas décadas seguintes,como na China e na Índia. Comparado com países da mesma região, a inserção na matriz energéca na-cional do gás natural também se fez mais tarde. Na Argenna, o aproveitamento do gás natural começou

após 1949 e, exatamente por seu pioneirismo, o país vizinho pode ser visto como referência. Não muitodistante e ainda anterior ao Brasil, outro exemplo é o aproveitamento do gás natural nas ilhas de Trinida eTobago, no Caribe, quase junto à Venezuela. Vericado após a década de 1970, sustentando uma indústriapetroquímica exportadora e uma base de liquefação, ambas com escala mundial, o pequeno arquipélagotornou-se rico e embarcou num franco crescimento, até os dias de hoje.

No Brasil, a parcipação do mineral permaneceu residual até bem perto da virada do milênio. É ver-dade que o clima tropical na maior parte do território e o fato de muito poucas cidades disporem de redesde distribuição de gás manufaturado reravam dois pré-requisitos que impulsionaram a penetração dogás no Hemisfério Norte. O consumo deslanchou somente a parr de 1998, não por coincidência depois

da inauguração do gasoduto que traz o gás da Bolívia. Esse lento processo de inserção foi iniciado no nalda década de 1950 de forma bastante pontual. Durante a década de 1980, ocorreu a introdução efevado energéco no Sudeste do país e, na década seguinte, a produção começou a se espalhar por diversosestados brasileiros. As principais razões para a ausência de produção anterior e a lendão de sua penetra-ção inicial são a falta de empenho e o pouco sucesso da avidade exploratória no Brasil.

Até hoje, apenas 7% das bacias sedimentares brasileiras são conhecidas geologicamente. Furou--se e fura-se pouco no Brasil e, muito provavelmente, por isso não se encontrou mais cedo gás natural.Obviamente, o objevo da busca não é o gás e, sim, o óleo, e a descoberta do primeiro é, ainda hoje,mero aspecto acessório. Uma segunda razão é que o gás natural descoberto no país estava associado ao

petróleo. As jazidas de gás natural não-associado são raras e, quando isoladas, permanece o desao deaproveitá-las. Portanto, no Brasil, antes de tudo, o pouco de gás natural, que se achou, foi insumo paraprodução de óleo.

Na falta de descobertas signicavas, conforme vericado na revisão da experiência internacional,o salto do consumo só poderia ocorrer depois da construção de grandes gasodutos que trouxessem oenergéco de outras regiões do Connente; algo que só se tornou viável no nal do século passado coma construção do Gasbol. Mais recentemente, no nal da primeira década do presente século, houve umnova onda de construção de gasodutos. Seguiu-se mais um salto no consumo nacional; em 2011, as ven-das das distribuidoras de gás encanado alcançaram quase 20 bilhões de m3.

Mesmo após as úlmas extensões à malha de transporte, o que resultou em pouco mais de 11.500quilômetros de gasodutos (somados os de transporte e de transferência), em 2011, o tamanho está muito

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aquém do necessário e é, pelo menos, quatro vezes menor que o tamanho da rede argenna, um país trêsvezes menor em extensão territorial. A malha de gasodutos também está muito longe de atender as ex-pectavas quanto à connuidade da penetração do gás natural na matriz energéca brasileira no decorrerda presente década. Tendo ainda a Argenna como parâmetro, lá, o consumo per capita de gás natural ésimplesmente nove vezes maior.

Embora recente, a introdução do gás natural ressalta uma dinâmica de crescimento que se repeteem todos os Connentes. As parcularidades brasileiras começam pelo fato de que, assim como o óleo,primeiro, o gás natural foi baiano e, em seguida, nordesno. Estava longe do centro formador da riquezado país (os estados do São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) e, exatamente por isso, foi fator de de-senvolvimento de novas avidades nas regiões mais pobres. Foi no Recôncavo, em 1954, que o aproveita -mento do gás natural começou. À página seguinte, está o histórico da produção de gás natural no Brasil,segundo as unidades da federação. A produção é recente, como observado antes. Ela tem apenas meioséculo de existência, ou um pouco mais.

Em 1959, a produção baiana de gás ainda era pequena, mas, já alcançava a mar-

ca de um milhão de m3/d. Dez anos depois, em 1969, a produção mais que triplicara e alcança-va 3,3 milhões de m3/d no Recôncavo (quase um bilhão de m3  por ano). A ela se juntava a pro-dução nos campos localizados algumas centenas de quilômetros mais ao Norte, em baciassedimentares de Alagoas e Sergipe. Em supercie, são os menores estados do País. Algum tempo de-pois, a produção de gás natural também foi iniciada nos estados do Rio Grande do Norte e do Ceará.  

A fase nordesna é longa, como se constata pelo histórico da produção. Ela só se conclui em meados dadécada de 1980.

A década de 1980 foi rica em termos de mudança na produção de gás natural no Brasil. O mineralpermaneceu marginal na matriz energéca, não chegava a 2% da oferta da energia primária, mas, come-

çou a ser produzido em quandades sucientes para ser transportado para fora dos campos de produ-ção e, assim, aproveitado em diferentes regiões. Primeiro, pela própria Petrobrás e, depois, por outrosgrandes consumidores. Em 1983, a dispersão geográca da oferta já era evidente. As jazidas em Sergipee Alagoas passaram a ter uma contribuição signicava à produção da região, só naquele ano tendo sidoextraídos cerca de 2,5 milhões de m3/d. No Ceará e no Rio Grande do Norte, a produção angiu metadedisso: em torno de 1,2 milhões de m3/d. Mais para o Sul, nalmente deslanchou o aproveitamento do gásnatural associado à produção de óleo na bacia de Campos. Em 1983, na costa do Rio de Janeiro, a produ-ção foi semelhante à produção de Sergipe e Alagoas juntos. Nesse ano, a Bahia ainda liderava o rankingdos maiores produtores do Brasil. No Recôncavo, a produção de gás natural angia 4,2 milhões de m3/d(ou 1,5 bilhão de m3/ano).

Pouco tempo depois, em 1985, em termos geográcos, as mudanças no perl da oferta já nhamse consumado. Na costa uminense, a produção do gás natural aumentou signicavamente a parr de1981. Entre 1980 e 1985, a produção foi mulplicada por mais de dez e saltou de 483 para 5,3 milhões dem3/d. O aproveitamento crescente do gás da bacia de Campos se deveu à conclusão da primeira unidadede processamento na baixada uminense, em Duque de Caxias, junto à renaria da Petrobrás, em 1983.Dois anos depois, em 1985, o estado do Rio de Janeiro já se tornara o maior produtor de gás natural noBrasil. Esta era a segunda vaga de crescimento do uso do gás, ela estava em pleno andamento e, destafeita, ocorria na região mais rica e industrializada do País.

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Tabela com o histórico da produção nacional, segundo a unidade da federação

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É interessante considerar o contexto em que ocorreu esta primeira modificação na História daprodução brasileira de gás natural. A penetração do gás era uma aposta correta, ainda tímida, mas ousada,da Petrobrás àquela altura. A multiplicação de zonas de produção já era um indutor, especialmentequando as reservas eram descobertas à proximidade de grandes centros consumidores. O investimentoconsiderável de uma unidade como a mencionada no parágrafo anterior e todo o sistema de escoamento

do gás natural produzido no meio do mar (a quilômetros de distância da costa) eram compromissosde longo prazo porque eram investimentos elevados e irrecuperáveis se algo desse errado. Ademais, aPetrobrás passava a tratar o energético como uma mercadoria com valor próprio e a estabelecer umaestratégia distinta daquela aplicada aos negócios com o petróleo. Sublinhe-se que a decisão parece aindamais arriscada, quando considerada a conjuntura econômica à época.

A década de 1980, em virtude de seu fraco desempenho econômico, cou conhecida como a “dé -cada perdida” para o Brasil (e para outros países da América do Sul). Em seguida, entre 1990 e 1992, oEstado viveu uma grave crise instucional e um rápido processo de esvaziamento. Policamente, o re-sultado nal foi o impeachment do ex-Presidente Collor. Economicamente, o PIB teve o seu pior desem -

penho naqueles três anos. Feito num ambiente macroeconômico e políco extremamente desfavorável,o invesmento no gás natural era uma aposta. Era também uma deliberação de cunho eminentementeempresarial. Uma opção estratégica do maior conglomerado brasileiro que, naquele momento, estava

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sendo ameaçado pelas reformas estruturais impostas pela onda neoliberal.

As decisões em relação ao gás natural não foram tomadas segundo uma lógica de políca energé-ca, ou mesmo de políca industrial, ambas desprezadas pelos neoliberais no poder. Foi exatamente nesteinício da década de 1990, com o governo Collor, que se inicia o processo de alienação dos bens públicose privazação dos avos das estatais. No caso da Petrobrás, foram objeto de alienação os negócios con-

siderados acessórios segundo os dirigentes à época, como a petroquímica. Em certo sendo, a estratégiade se dedicar ao gás natural pode ser vista como uma alternava compensatória ao fechamento de opor -tunidades em outras áreas; maneira encontrada pela estatal para connuar crescendo, a despeito dasingerências oportunistas de polícos e burocratas.

A seqüência durante a década de 1990 não foi muito melhor em termos de conjuntura econômicae nem foram menores as pressões para a privazação da Petrobrás. Entre as estatais, foi uma das poucasque não acabou vendida no governo FHC. No plano macro, o Real acabou com a espiral inacionária, mas,a retomada do crescimento não foi sustentada. Em 1998 e em 2001, as crises externas interromperam oaumento da riqueza nacional. Nada disso se reeu nos dados sobre a produção de gás natural. No nal

do século passado, entre 1989 e 1999, na bacia de Campos, a produção mais que dobrou; passou de 2,4para 5,5 bilhões de m3/ano. (ver tabela anterior)

O início da operação da unidade de processamento de gás natural (UPGN) de Cabiúnas, na cidadede Macaé, em 1997, indicava o grau de compromemento da Petrobrás em abrir novos mercados no Su -deste do País. A despeito de estar a mais de cem metros abaixo do mar, a localização das reservas na baciade Campos era privilegiada em razão da: i) proximidade ao mercado carioca, o Rio estava entre as rarascidades que possuía rede de distribuição urbana para o gás manufaturado, ii) proximidade também comas indústrias do vale do Paraíba e da serra uminense e iii) possibilidade de atender a demanda em MinasGerais e em São Paulo. Assim, a despeito de uma conjuntura negava e de um aproveitamento sempre

caro inicialmente, a disponibilidade de gás natural perto das grandes cidades brasileiras assegurou ummercado consumidor de elevado potencial. Era, enm, uma oportunidade rara em meio a um ambientede negócios pouco favorável.

No início da década de 1990, ainda quanto ao perl da produção, o aproveitamento de jazidas de gásnão associado conrmava o crescente interesse quanto ao energéco por parte da Petrobrás. Assinale-seque não eram apostas fáceis, tratava-se do desenvolvimento de campos de gás natural em regiões isola-das, ou de dicil acesso. Na costa paulista e no meio da oresta amazônica, foram construídos dois com -plexos industriais que permiram explorar as maiores reservas de gás natural não-associado descobertasno Brasil. As condições para o aproveitamento foram bem diferentes das observadas quando do desen -

volvimento das reservas do Recôncavo e que deram origem ao Pólo Petroquímico de Camaçari. Ademais,obedeciam duas lógicas comerciais completamente disntas, exatamente devido à localização de cadauma. Por m, o Brasil também vivia outro momento e o estado keynesiano já havia sido desmontado.

Em São Paulo, tratava-se do aproveitamento da reserva de Merluza, descoberta em 1979 e localizadaa cerca de 200 km da cidade de Santos na costa do Norte do Estado de São Paulo. Em termos de descoberta,o campo revelava uma nova bacia sedimentar promissora e fora o único resultado dos “contratos de risco” 

, assinados como reposta ao aumento da dependência externa de petróleo e seu custo, após o primeiro“choque” do petróleo. A gigante anglo-holandesa Shell herdara o projeto depois da compra da Pecten,empresa que nha descoberto a jazida. O gás natural foi escoado para uma unidade de processamento

construída na Renaria de Cubatão a parr de 1993 e, depois de seco (i.e., rerados os compostos maispesados), passou a ser entregue para distribuição. Seu desno era especial: o estado mais rico e a maiorcidade do País.

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No meio da Amazônia, as diculdades para o aproveitamento do gás natural não-associado erammuito maiores, embora Juruá e Urucu sejam reservas localizadas em terra e não no mar. O campo de Ju-ruá foi descoberto em 1978 e o do rio Urucu em 1986, mas o início da produção ocorreu apenas em 1989.Sem ter como escoar, o gás natural amazonense passou a ser processado, sendo extraídos os condensa -dos e o GLP. Quando se podia, o gás natural, que saía do processo, era reinjetado, mas, por muito tempo,

na verdade, ele foi queimado. Tanto os condensados, quanto o GLP, podiam ser condicionados sem muitocusto em balsas para o escoamento do produto, o que não ocorre com o gás natural. Embora distante e deacesso limitado pelas épocas de seca dos rios, a substuição das importações (pagas em dólar) juscavao invesmento. A falta de regulação juscava, por sua vez, a queima. Em vários sendos, o projeto foium marco. Na Amazônia brasileira, como na Amazônia dos demais países fronteiriços, exisa O & G e erapossível extraí-los sem destruir a oresta.

De qualquer forma, nos dois casos, em meio a duas crises externas (1998 e 2001), na ausência dequalquer políca industrial, ou energéca, para apoiar os projetos, constata-se que o aproveitamentode reservas não-associadas de gás natural era viável em termos empresariais. Mais importante é que se

tratavam de reservas isoladas, no mar e no meio da Amazônia. Era uma demonstração cabal da existênciade um enorme espaço para o gás natural ocupar na matriz energéca brasileira e que a Petrobrás nhadecididamente ingressado naquele negócio, com a vantagem de ter sido e permanecer o monopolista defato, a despeito de todas as mudanças e reformas estruturais que ocorreram desde então.

2) o eca cal a aae

A introdução do gás natural também foi lenta por falta de uma políca e um planejamento que con-cedesse a devida atenção ao energéco. O Estado brasileiro só se dedicou ao tema a parr de meados dadécada de 1990 e, assim mesmo, de forma muito pouco coordenada. Até então, a ampliação do uso do

gás era uma questão empresarial, tratada dentro do escopo da estratégia da Petrobrás. Em raros momen -tos, o gás natural foi objeto de polícas públicas e, quando o foi, não foi tratado pela políca energécae, sim pela políca industrial e de desenvolvimento regional. Este foi o caso parcularmente da instalaçãoda petroquímica no Nordeste do País.

A evolução do perl do consumo de gás natural nos úlmas três décadas do século passado é oreexo do pouco caso concedido ao mineral. O consumo pode ser acompanhado com a ajuda do grácoque se segue. Inicialmente, na década de 1960, porque associado ao petróleo, o gás era insumo de pro -dução deste. Muito pouco era escoado para fora do campo. Na década seguinte, iniciou-se seu uso comoinsumo para produção de combusveis e, um pouco mais tarde, como matéria-prima para produção pe-troquímica.

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Gráco de uso do gás natural 1970-1998

 

nsumo e pro uç o

 

e s erurg a

nsumo energ co

para pro uç o e

com us ve s

nsumo energ co

 

n us ra

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res nc a, com rco e

Até a década de 1970, a expansão do uso do gás natural foi limitada geográca e funcionalmente.Saiu-se do campo de produção de petróleo, chegou-se à renaria e aos processos para produção de de-rivados, mas, poucos clientes eram de fora da indústria do petróleo. Por muito tempo, a maior parte douso connuou sendo feita dentro da Petrobrás e de suas subsidiárias. Em certo sendo, mas em menorintensidade, é ainda assim hoje: o gás natural é primeiro da Petrobrás e somente depois ele está disponí -vel para o consumo dos demais. A razão principal é simples, como já foi observado aqui: na maioria, o gásnacional connua sendo extraído de reservas onde ele está associado ao petróleo.

Nesta fase inicial na Bahia, o destaque foi a construção do Pólo de Camaçari, ondeo gás natural teve um papel fundamental, juntamente com a naa produzida pela RLAM  

. Em uma escala regional e dentro dos volumes disponíveis, que estavam longe daqueles que se obser-vavam no Mar do Norte, ou no Norte da África, a experiência nordesna foi no mesmo sendo: umatentava de industrialização induzida. Para tanto, quanto ao gás natural, os precedentes foram poucos esempre colocados pela Petrobrás no decorrer da década de 1960. Foi no município de Pojuca, entre 1962e 1964, que foi construída a primeira unidade de absorção de uma planta de gasolina natural no Brasil. Afábrica processava o gás natural e extraía o combusvel, que pesava muito na conta de importações daBalança Comercial do Brasil. Não por acaso, a unidade nha sido instalada na cidade conhecida, à época,entre os baianos, como a “Rainha do Petróleo”, por ser a maior produtora do estado. Exisa uma lógicapara localização da unidade: aproveitar o gás natural o mais perto possível do poço de produção (paranão precisar transportar o gás).

Logo depois, a políca de substuição das importações dos anos 1950 e o nacionalismo da ditaduramilitar recém-instalada combinaram-se para juscar a decisão de construir a fábrica de amônia e uréiada Bahia em 1965, a criação da subsidiária da Petrobrás que se dedicou à petroquímica, a Petroquisa, em1968 e a construção de uma segunda unidade de processamento de gás, desta vez no município de Can-deias, com sua construção iniciada em 1969. No nal da década de 1960, este era todo o uso que se faziado gás natural fora dos campos de petróleo; ou seja, ainda era muito pouco. Em 1971, com a nova unidadeem operação, o País reduzia as importações de gasolina e GLP e, na região, a jusante da planta, passam aestar disponíveis volumes importantes de gás seco, pronto para ser desnado a novos usos.

Em 1972, a Companhia Petroquímica do Nordeste, Copene, foi criada. Era a conclusão de um longoprocesso de maturação do projeto de construção do que acabou sendo o segundo complexo petroquí -mico do País. A decisão foi tomada no mesmo momento em que se consolidava o primeiro complexo,

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instalado em São Paulo. Este já nascia atrasado, segundo indicavam os estudos da Comissão de Desenvol-vimento Industrial do Ministério da Indústria e Comércio e do Grupo Execuvo da Indústria Química, cria-do em 1964. A proposta para o novo pólo trazia novidades e pretensões que bem sintezavam o estágiode industrialização em que se encontrava o Brasil e a atuação das elites junto ao Estado, na tentava deconstruir um país potência que, anal, nunca se realizou.

Durante a década de 1950, os estudos realizados pela Cepal nham idencado os gargalos estru-turais que impediam o desenvolvimento econômico do Connente. Em torno da instuição, localizada emSanago do Chile, nasceu a escola de pensamento “nacional-desenvolvimensta”, que teve como maiorexpoente o economista argenno Raul Prebish. O projeto de industrialização de países exportadores derecursos naturais, periféricos e pouco desenvolvidos não se faria por meio do livre-mercado. No Brasil,voltando do Chile em 1954, o economista Celso Furtado passou a ser o principal representante da escola,que defendia o planejamento da industrialização a parr da denição de setores produvos “estruturan -tes”, ou prioritários. Ele cheou a Comissão Mista Cepal/BNDE que pôs em práca o planejamento daindustrialização, fundou a Sudene e foi Ministro do Planejamento de João Goulart. O BNDE e a Sudeneforam, mais tarde, decisivos na denição do Pólo de Camaçari.

Entre os principais gargalos estruturais estava a produção de derivados do petróleo e do gás natural,tanto de combusveis, quanto de petroquímicos. Nos dois casos, a intensidade do uso aumenta na me -dida em que a riqueza de um país cresce. Quanto mais rico, mais a sua população se desloca (de ônibuse automóvel), maior é o consumo de ferlizantes (para aumentar a produção de alimentos) e maior é oconsumo de plásco (para embalar os alimentos e as demais mercadorias). Em termos microeconômicos,estas mercadorias são classicadas como de elevada “elascidade-renda”, ou muito sensíveis às variaçõesde renda de quem as consome.

Assim, no Brasil da década de 1950 e 1960, o crescimento do PIB em somente 1% acarretava um

aumento de mais de 3% no consumo de gasolina e mais de 5% no de ferlizantes e petroquímicos. Comoexisam restrições às importações, por falta de dólar, na verdade, o que crescia eram os preços dos de-rivados e, como eles parcipam decisivamente na formação dos preços de todas as demais mercadorias,para piorar, os gargalos também geravam inação. Esses gargalos eram distorções estruturais que, im -pediam que os mecanismos de mercado funcionassem e precisavam ser corrigidas para o crescimentoefevamente deslanchar.

Em 1964, um grupo formado por técnicos do BNDE e da Petrobrás concluiu um estudo sobre as a-vidades petroquímicas no Brasil e idencou a causa do atraso: a ausência de interesse do empresariadonacional em invesr; aliás, o que já nha sido constatado em outros setores ligados aos bens e insumos

de produção. Naquela indústria chave para o crescimento, a solução passava pelo avanço estratégico daPetrobrás no setor. Do ponto de vista do banco estatal, a parr de então, o nanciamento deixava de serpontual e passava a ser sistemáco e a contemplar o conjunto de projetos e não mais cada um deles. Erauma forma de assegurar o planejamento e a coordenação do setor.

Do ponto de vista local, a oportunidade de dispor dos maiores campos de O & G no Brasil não foiobviamente perdida. Desde meados da década de 1960, a elite e o governo baianos se arcularam com opropósito de acolher um grande número de empresas em torno do aproveitamento petroquímico e nãoapenas se restringir ao reno. O mais claro sinal desse esforço local está nos estudos feitos por RômuloAlmeida, pagos pela Finep, encomendados pelo governo da Bahia e juntados no documento intulado

“Desenvolvimento da indústria petroquímica no Estado da Bahia”. De 1968, o estudo foi o primeiro atratar da instalação da petroquímica como um núcleo dinâmico e motriz da industrialização. Sob o planolegal e administravo todo o esforço se credenciava aos incenvos scais concedidos pela Sudene. O pro-

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 jeto era visto como uma alavanca do desenvolvimento de toda a região nordesna e elemento chave parareduzir as disparidades regionais.

A capacidade de mobilização da Petrobrás e os interesses militares quanto ao O & G, em razão daimportância para a segurança do abastecimento nacional, acabaram conjugando-se a parr da década de1970, após serem vencidas as resistências ao golpe de 1964 na estatal. Sob o comando do General Ernesto

Geisel, que posteriormente assumiu a Presidência da República, a Petrobrás promoveu uma rápida expan-são do escopo de suas avidades. A construção do Complexo Petroquímico na Bahia, perto da maior (epracamente única) região produtora do país, até aquela altura, era uma questão de estratégia militar enão só empresarial, ou industrial, aos olhos de quem chegara ao poder e nele se instalara, para promovero desenvolvimento e, assim, evitar o contágio comunista.

Em sua lógica econômica, a base do complexo foi formada por duas centrais fornecedoras, umade matéria-prima e outra de ulidades. Elas seriam abastecidas por gás natural disponível a jusante dasplantas que extraem gasolina e GLP. O eteno proveniente do etano extraído do gás e as demais moléculas,buteno, propeno, butadieno, benzeno e paraxileno, provenientes do processamento da naa vinda da

renaria Landulpho Alves, formam a primeira geração de produtos petroquímicos. A seguir, após subme-dos a novo processo de transformação, surge uma segunda geração de produtos. Ela é composta pelopolieleno (à origem dos pláscos), polipropileno (à origem das embalagens), policloreto de vinila (maisconhecido como PVC), polieleno teraalato (conhecido pelas garrafas PET) e outros. O próximo diagra-ma permite acompanhar a cadeia de produção petroquímica. A terceira geração é composta justamentepelas empresas que fazem o plásco, as embalagens, os sacos, os lmes, as garrafas e as bras. Por vezes,essas empresas são denominadas de transformadoras, muitas vezes com caracteríscas próximas as PME,pequenas e medias empresas, ao contrário das empresas de primeira e segunda geração.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   167

Diagrama simplicado da petroquímica

Fonte: Elaboração própria

Do ponto de vista do planejamento, a idéia era que, a parr de um núcleo produvo altamenteespecializado, surgisse um processo de industrialização auto-sustentado. A vantagem-custo residia naproximidade entre si e na farta disponibilidade de matérias-primas (gás e naa) e ulidades (água, calor,eletricidade, segurança contra incêndios, coleta de esgoto e tratamento de rejeitos etc.). Do ponto devista técnico, o governo federal se municiou ao contratar o Bureau des Études Industrielles e Cooperaondo IFP, Beicip, que entregou seu relatório ditando as condições técnicas e nanceiras para a realizaçãodo complexo em setembro de 1970. A dinâmica de crescimento endógeno, ou de dentro para fora, seriaconseqüência de um arranjo produvo de avidades colocadas em seqüência, numa cadeia lógica detransformação. O aproveitamento da riqueza dos campos de O & G baianos seria assim integral. Ao longo

da cadeia de produção, a agregação de valor se faria do montante (ou do campo de O & G) até o jusante(ou até o varejista, que vende plásco), o que permiria deslanchar nalmente a industrialização do Nor-deste brasileiro.

Proposto em 1972, o pólo petroquímico de Camaçari foi ocialmente inaugurado em 1978. A pri -meira referência ao termo “pólo” encontra-se na Exposição de Movos Ministerial n o 213, de 15 de se-tembro de 1971, endereçada ao Presidente Médici e assinada pelos Ministros da Indústria e Comercio,da Fazenda e Planejamento. Em seguida, em documento datado de 1973, a Copene, no Plano Diretor doprojeto, falou em Pólo Petroquímico do Nordeste46. Ao governo da Bahia coube realizar os invesmentosem infra-estrutura e o plano diretor de ocupação da área industrial. À época, já estavam instaladas cinco

empresas e mais quatro chegariam em breve. Para receber os projetos, a parr de 1972, o municípiode Camaçari passou a ser classicado com “área de segurança nacional” e seu Prefeito nomeado pelo

46 - As duas referências são de SPINOLA, Noelio Dantaslé (2007), A petroquímica da Bahia em uma perspecva histórica. In Bahia Análise & Dados,v.17, n2, p.891-918, jul/set. 2007, Salvador.

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Estudos Estratégicos - PCdoB168

Governador da Bahia. O objevo militar de garanr o controle da região estava efevado. A situação deintervenção políca perdurou até 1988, quando ocorreu a aprovação da nova Constuição.

Em 1978, foi inaugurado ocialmente o Pólo Petroquímico de Camaçari com 16 unidades de produ-ção em operação. Sua concepção e execução eram o estado da arte em termos de planejamento e polí-ca industrial. O pólo se assentou na economia de aglomeração (externalidades posivas) resultantes do

processamento da naa e do gás natural em grandes volumes num só local e distribuição dos derivadose ulidades produzidos pela central com mínimos custos de movimentação e transação47. O fator loca-cional já tinha sido determinante na instalação da refinaria de Mataripe, o começo de toda esta históriaindustrial baiana. A proximidade foi decisiva mais uma vez no decorrer da década de 1960, quando doaproveitamento das reservas de gás natural, como foi visto. A construção do Complexo Petroquímico daBahia seguia uma lógica ainda mais soscada que os projetos anteriores. Na França, o Professor FrançoisPerroux, falava em “pólos estruturantes”, eram pólos de desenvolvimento, que ocasionavam uma trans-formação material e social dentro de um espaço determinado e com uma ocupação do solo que podia serplanejada.

Evidentemente, nem tudo pôde ser como o previsto; muitas iniciavas saíram fora do controle48,mas, é incontestável que, nas duas décadas que se seguiram, o pólo foi a ponta-de-lança da industrializa -ção na Bahia. Ainda hoje, é o maior complexo industrial integrado do Hemisfério Sul e connua atraindonovos negócios, como foi o caso da chegada das montadoras de veículos automovos mais recentemen-te. Hoje, o pólo tem mais de 90 empresas, não somente especializadas em produtos químicos, emprega15.000 pessoas diretamente e outras 20.000 indiretamente. Foi também decisivo na transformação dametrópole soteropolitana, para o bem e para o mal, tendo em vista a proximidade da capital com os cam -pos produtores. A cidade onde tudo começou em termos de aproveitamento do gás natural, Pojuca, estáa apenas 75 quilômetros de Salvador.

3) Falaa abé eeae e plíca eeéca

Durante toda a década de 1970, em pauta na políca industrial e na estratégia de substuição dasimportações da estatal brasileira, o gás natural não foi, nem de longe, objeto da políca energéca. E,portanto, a criavidade não faltou, como mostraram os programas de produção de álcool de mamona, ouainda de produção de xisto. Vale colocar o contexto. Em 1973, a Organização dos Países Exportadores dePetróleo, OPEP, decidiu elevar o preço do barril de 3 para 12 dólares. Tempo depois, entre 1978 e 1981,ocorreu uma nova escalada nos preços: de 18 para quase 40 dólares por barril. O impacto foi tão grandena economia mundial que os eventos caram conhecidos como os dois “choques do petróleo”. Eles sinali -zaram o esgotamento dos “Trinta anos gloriosos”, período de rápido crescimento que se seguiu à II Guerra

Mundial. No Brasil, os dois “choques” contribuíram para por m ao milagre econômico.

Em reação, em certa medida atrasada, à deterioração das condições externas e das contas com oexterior, o regime militar promoveu uma série de programas de invesmentos com o to de manter astaxas de crescimento. Era uma tentava de fazer uma “marcha forçada” 49. Ainda sob a orientação da dou-trina de segurança nacional, no centro da estratégia estava à busca pela independência energéca e, paratanto, foram iniciados vários programas de longo prazo de maturação. Muitos quase faraônicos e quasetodos abandonados no seu decurso: Programa e Acordo Nuclear, Programa do Álcool, Programa do Xisto,Programa de Aproveitamento do Carvão Mineral no Sul do Brasil, a construção de novas hidroelétricas na

47 - A concepção produva do pólo da Bahia era bem mais complexa que do pólo de São Paulo.

48 - Basta lembrar que quatro quintos dos trabalhadores de Camaçari moram em Salvador.

49 - Segundo Antônio Barros de Castro e Francisco Eduardo Pires de Souza (1985). A economia brasileira em marcha forçada. Rio de Janeiro e São

Paulo: Ed. Paz e Terra S.A.,

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Dossiê I.5 - A questão energéca   169

Amazônia, a conclusão de Itaipu, a introdução dos contratos de risco com as mulnacionais do petróleo,a ampliação da exploração de petróleo no mar...

Interessante constatar que, em nenhum momento, o governo federal tratou do gás natural. Por umlado, este era um assunto da Petrobrás e suas subsidiárias e, por outro lado, não se cogitaria (nem delonge) importar dos vizinhos, uma vez que os dois mais próximos e ricos na matéria, Argenna e Bolívia,

estavam entre os menos conáveis para os militares no poder. A idéia de integração sul-americana eracompletamente ignorada. Por seu turno, a idéia de soberania se confundia com a de auto-suciência,como se a soberania japonesa, ou chinesa, ou norte-americana, dependesse exclusivamente (ou quasesomente) das importações energécas.

As primeiras menções, fora da estatal e da petroquímica, ao gás natural que possam ser relaciona-das à formulação da políca energéca ocorrem muito tarde, somente a parr da segunda metade da dé-cada de 1980. Justamente, quando o Estado brasileiro já estava num franco processo de esvaziamento ea economia completamente paralisada, sem crédito externo e, internamente, numa espiral inacionaria.Por décadas, um posto de comando do setor público reservado aos militares, raros foram seus presiden -

tes que não eram Generais, o CNP viu seu quadro de funcionários e seu orçamento serem reduzidos, namedida em que os militares voltavam para caserna e a ideologia liberal destacava a “commodização” dopetróleo.

Gráco com o aproveitamento do gás natural brasileiro (1970 a 2010)

 

as  1980

 

O pouco apreço pelo energéco pode ser aferido a parr do volume de gás não aproveitado porfalta de capacidade de escoamento e de re-injeção; ou seja, por falta de interesse em invesr em seuaproveitamento, agora, ou no futuro. Durante a primeira metade da década de 1980, 50% do gás naturalproduzido era simplesmente queimado nas tochas das plataformas50. Entre 1984 e 1987, com a instalaçãode capacidades de escoamento e processamento, principalmente nos estados do Rio de Janeiro e Rio

50 - A queima é a opção quando se quer produzir petróleo o mais rápido possível. A melhor práca sugere que um mínimo deve ser queimado, so -

mente o necessário operacionalmente. Todo o resto deve ser re-injetado, primeiro, para aumentar a recuperação do óleo condo na reserva e, em seguida,

para ser recuperado (como gás), mais tarde, quando exisrem os meios de escoamento. No entanto, para não queimar, é necessário invesr em potentes

compressores e caros poços de re-injeção. No meio do mar, em plataformas, tudo isso custa ainda mais.

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Estudos Estratégicos - PCdoB170

Grande do Norte, as perdas diminuíram para um montante que corresponde a cerca de um terço da pro-dução, ou um pouco mais. Até o nal do século passado, assim elas se manveram.

Produção e queima de gás natural, no mundo, 1970, 1980 e 1985

Fonte: Cedigaz

Para ns de comparação vale mencionar que, na Venezuela, a queima era de 30% do gás natural pro-duzido em 1973 e já, em 1985, ela estava reduzida para apenas 4%. Na Indonésia, antes dos “choques depetróleo”, 84% do gás natural produzido era queimado; depois, em 1985, a queima já nha sido reduzidapara 7%51. Os dois “choques do petróleo”, ao aumentarem o seu preço, acabaram por valorizar também asdemais fontes de energia e, especialmente, o gás natural por suas qualidades ambientais. Em meados dadécada de 1980, por questões ambientais e econômicas, passou a ser um desperdício absurdo a queimade grandes volumes de gás natural. A evolução feita no mundo foi bastante rápida como se observa pelatabela anterior. A marca angida em 1985, de apenas 4% de gás natural queimado no mundo, dá a exatamedida da pouca atenção que por tanto tempo perdurou no Brasil quanto ao aproveitamento do recurso.

Em março de 1990, empossado o novo Presidente da República, Fernando Collor, o CNP foi imedia-tamente substuído pelo Departamento Nacional dos Combusveis, o que foi um duplo marco instucio-nal: por um lado, o m denivo do tratamento militar da questão petrolífera e, por outro, o enxugamen-to da máquina de administração pública no setor até o seu nível mínimo, historicamente. O órgão nãomais trataria do montante da cadeia de produção (exploração e produção) e, a parr daí, concentraria suaatenção na scalização das avidades de distribuição e revenda de combusveis automovos. Depois deuma década de sucateamento dos avos públicos, dava-se início à alienação das empresas estatais brasi -leiras e a exnção de uma série de instutos, conselhos e departamentos.

Sem novos concursos, com salários congelados e o quadro de scais envelhecendo e aposentando,em poucos anos, o Estado brasileiro se absteve de qualquer atuação ordenadora e scalizadora ao deixarà míngua o DNC52. A jusante, as avidades da indústria de O & G se vêem, então, em completa anarquia,os negócios passam a ser realizados numa atmosfera de crescente impunidade e um rápido processo deseleção adversa se instaura. O resultado é que, em 1998, um quinto da gasolina vendida na maior cidadedo Brasil, São Paulo, não estava conforme às especicações ditadas pelo ango CNP; era gasolina adulte-

rada.

Em termos de tratamento como energéco, não seria diferente para o gás natural, sem tradiçãono país e que, até aquele momento, somente interessara a própria Petrobrás. Foi o Ministério das Minase Energia que absorveu o que poderia ser um exercício preliminar de planejamento e regulação do gásnatural. Certamente não era uma políca energéca, mesmo porque esta não nha presgio junto aosliberais e faltava capacidade do Estado para elaborar qualquer coisa parecida.

Ainda no governo Sarney, a Comissão Nacional de Energia teria feito alguns estudos que resultaramno Plano Nacional do Gás, o Plangás. À época, a preocupação era muito mais com o consumo. Como des-

locar os concorrentes (óleo combusvel, gás liquefeito de petróleo, óleo Diesel etc.) junto aos grandes51 - Os dados são da Cedigaz, escritório de estudo especializado em gás natural, ligado ao IFP.

52 - DUQUE DUTRA, L.E. e CECCHI, J.C. (1998). Petróleo, preços e tributos. Rio de Janeiro : Tama, Suma Econômica Editora.

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consumidores de energia? Pouco se discua à oferta, muito menos o custo de sua movimentação, ou aredução da queima, que dirá seu aproveitamento petroquímico. A despeito disso, a parcipação do gásnatural na matriz energéca prevista para meados da década de 1990 – a meta do plano – era surpre-endentemente alta: nada menos que 10%! O que concluir? Da parte das autoridades, por muito tempofaltou atenção e, quando ela surgiu, faltou também seriedade.

4) o lbeal e a eeaçã Ea

Deve ser intrigante para um sico, um químico, ou matemáco, uma ciência em que, além de plenade dúvidas e contradições, ancora-se em raciocínios lógicos, ou dialécos, sem ajuda de laboratórios,experimentações e protocolos. Mais dicil ca o entendimento quando a dominação ideológica faz ummovimento pendular ao longo do tempo. Muitos não classicariam como ciência algo tão vacilante e comtão pouca capacidade de prever os acontecimentos. Durante quase trinta anos, após a vitória dos aliadosna Segunda Guerra, o intervencionismo foi o modelo. O petróleo é emblemáco a esse e outros propó -sitos. A descoberta dos acordos de Achnacary, entre as “sete irmãs”, levou a que pracamente todos ospaíses criassem suas estatais. Com o gás natural não foi diferente; aliás, a presença do Estado foi aindamais marcante, em razão de fatores geopolícos e do grau de monopólio que traz a rigidez do transporte,aos contratos e aos negócios.

O que é interessante é que, no pós-guerra, o gás natural se beneciou de uma políca de cunho“keynesiano”, do lado ocidental e da planicação centralizada, do lado soviéco. Mas, não era apenas ogás, também a previdência, a saúde, o seguro desemprego e a assistência aos pobres, que contribuírampara a denição de um estado de “bem-estar social” nas ilhas britânicas, no Norte da Europa e no Japão.Era o contraponto à democracia social, do outro lado do muro de Berlim. As polícas industriais eram par-te fundamental na construção da soberania nacional, num mundo em “guerra-fria”, de compeção entreos sistemas e disputa entre as superpotências.

A políca energéca também ganhou importância. O planejamento setorial exigiu a coordenaçãode diversos instrumentos de intervenção nos mercados: medidas protecionistas, créditos subsidiados,encomendas públicas dirigidas, controle de preços e renúncias scais. As polícas monetárias, cambiaise scais foram também arculadas com o objevo de reconstruir as economias centrais destruídas pelaguerra, enquanto, na periferia, o objevo era substuir as importações. Pelo menos quanto ao gás na-tural, não foi exatamente este o ambiente no Brasil. Contra a falta de interesse das polícas públicas eabsolutamente sozinha, a Petrobrás expandiu lentamente seus invesmentos no energéco; o que, anal,foi muito pouco.

Durante a década de 1990, chegou-se ao apogeu do neoliberalismo, o exato oposto do modeloanterior. E isso não ocorreu apenas no Brasil, mas também na América Lana e no mundo. Para alguns,o m da União Soviéca e a queda do muro de Berlim era o m da História 53; era a convergência nalem direção a um padrão único de regulação do capitalismo: aquele ditado pelo poder do acionista. Oliberalismo cresceu na esteira do esgotamento do modelo anterior e em oposição ao intervencionismo.Perseguia-se o “estado mínimo”. A maior concessão possível era dotar-lhe de algum poder regulador. Eledeveria garanr as regras do jogo, mas, não devia nem mesmo ditá-las. No Brasil, pior para o gás natural,que connuou, por mais uma década, sem despertar a devida atenção e, desta vez, não era nem por des-conhecimento, mas, por desprezo das elites quanto à ecácia da atuação do estado na economia.

Como se chegou até este ponto? Do ponto de vista teórico, para voltar a ser dominante, o pensa-

53 - A expressão vem de um autor bastante controverso: FUKUYAMA, Francis (1992). The end of history and the last man. New York: Free Press.

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Estudos Estratégicos - PCdoB172

mento liberal teve de se atualizar. Fez-se necessário admir as falhas do mercado e algum papel para o Es-tado. Do ponto de vista políco, foi preciso a conjunção de alguns fatores – a falência do modelo anterior,o m da guerra-fria e a recente globalização – para a construção de um consenso novamente favorávelao livre-mercado. Essa é uma revisão que merece ser feita para o bom entendimento do que aconteceuno Brasil durante a década de 1990: a negação de qualquer políca energéca e a busca pela hegemoniaregional.

Paradoxalmente, o gás natural foi importante em ambas. Na primeira, sua ausência inicial na polí -ca energéca cedeu lugar, quando foi descoberto, à completa des-coordenação. Na segunda, quanto àpolíca externa, o energéco foi instrumento de uma integração regional sob égide neoliberal de abertu-ra comercial e do consenso de Washington, na qual o Brasil exercia sua hegemonia regional. Após tantodescaso em relação à políca energéca e tanta falta de arculação entre polícas externa e setorial, oscustos foram imensos. Até 2002, juntamente com a falta de dólar, faltava energia, o que impedia o cres-cimento do País.

O liberalismo nasceu na Inglaterra e remonta ao nal do século XVII e início do seguinte, aos En-

saios de aritméca econômica de Willian Pey (1680) e ao Discurso sobre o comércio exterior, a moedae o juro, de David Hume (1752). Buscavam-se as leis naturais que regem os fenômenos sobre a terra. NaFrança, o liberalismo é idencado ao “... laisser faire les hommes, laisser passer les marchandises...” deVincent de Gournay, que viveu entre 1712 e 1759 e de Jean Bapste Say, o pai da teoria quantava damoeda. A primeira escola do pensamento francês – os Fisiocratas – foi visceralmente livre-cambista, assimcomo Adam Smith, o primeiro da escola inglesa clássica e o pai da ciência econômica.

A.Smith estudou um senmento moral; entre os piores, está o egoísmo. Mas ele tem uma funçãosocial posiva: impele à especialização. Ao longo da vida, cada um encontra o que melhor sabe fazer, odom legado por Deus. Por mais posses, os homens, as empresas e os países naturalmente se especializam

e, com o aprendizado, fazem cada vez melhor o que foram talhados para fazer. E, como observou na fábri-ca de alnete, maior a divisão do trabalho, mais o trabalho é decomposto, facilitado e mecanizado, o quegera um ganho de produvidade; i.e., fazer muito mais no mesmo tempo. É o aumento do rendimentodo trabalho, a fonte da riqueza. Mas a geração de um excedente (da especialização) só se jusca se forpossível trocá-lo, de forma que todos ganhem com a divisão trabalho. Assim, segundo ele, a liberdade docomércio é condição absolutamente necessária para a riqueza das nações, das empresas e dos indivíduos.

Adam Smith é o primeiro a entender a importância do comércio internacional. Segunda a teoria dovalor trabalho, ele não gera, ele distribui a riqueza gerada. Como as pessoas, os países são naturalmentedotados conforme as condições climácas e seus recursos naturais. Do Egito, produz-se o melhor algodão.

Da Colômbia, sai o melhor café; da Jamaica, a melhor cana-de-açúcar; da China vem a seda e de Bordeaux,o vinho. Ao mesmo tempo em que estabeleceu uma teoria das vantagens absolutas para explicar porquePortugal deveria se especializar na produção de vinho (do Porto) e a Inglaterra nos tecidos, Adam Smithtambém foi o primeiro a chamar a atenção sobre a abundância dos recursos naturais e sua maldição. Asimples exploração da fartura de recursos não traz fortuna. Ao contrário, a fartura pode condenar a po-breza54.

No século XX, o liberalismo foi renovado pelo surgimento da micro-economia neoclássica que, emreação às crícas de Malthus e depois de Marx ao sistema capitalista, substuiu a clássica teoria do valortrabalho. O valor passa a depender de dois fatores em conjunto: ulidade e raridade. Não tem valor o

que é úl, mas não é raro, como a água do mar. Exisndo demanda e sendo raro, forma-se um mercado

54 - A doença holandesa mencionada anteriormente (cap.10) nada mais é que uma atualização da maldição da abundância a que se referia Smith e,depois, muitos outros economistas. Os ciclos extravos impressionam por dois movos: reperam-se nos úlmos cinco séculos, pelo menos nos países de todaa América Lana, e em nenhuma ocasião observou-se um crescimento sustentável no longo prazo.

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que, tendo os preços livres, naturalmente encontrará o equilíbrio. O raciocínio é extremamente abstratoe facilmente transposto em álgebra, cálculo matemáco e demonstrações grácas, o que lhe deu robustezteórica e retórica.

A formalidade do raciocínio fez os modelos ganharem, seja no esclarecimento dos fenômenos domercado, seja na didáca de sua exposição, com uma lógica acessível a sicos, matemácos e engenhei -

ros. Aí, contudo reside a fonte de um grave reducionismo: a elegância do raciocínio fascina, mas não deveentorpecer. A análise comparava entre os mercados tem o mesmo ponto de parda e de chegada: a con-corrência é a solução óma, como demonstram os cálculos. Implícito está o objevo de despir a ciênciade sua conotação ideológica. A disputa pelo excedente gerado, a luta de classes, um conceito tão caro àeconomia políca, estava superado de vez. Em termo mais moderno, a alocação óma desconsidera osfatores distribuvos. Metodologicamente, o importante é separar o que é técnico, do políco.

Busca-se uma ciência pura, na formulação de Thomas Khun, como a matemáca e a sica. O prin-cípio ou dogma – a concorrência baixa preço – , em seguida, o método estasco e matemáco – e, porm, o conceito – de equilíbrio na margem sustentam um arcabouço teórico que se vê coeso, coerente e

exclusivo. O marginalismo serve como paradigma para a escola neoclássica e, em torno dele, forma-se umpensamento único55. Dentro das ciências sociais, este arcabouço a disnguiria das demais e a igualaria àsciências duras e exatas.

Embora deva-se a Khun a leitura paradigmáca da evolução do conhecimento cienco e da es -trutura das revoluções ciencas e embora os modelos estejam apoiados cada vez mais nos cálculos ena crescente capacidade computacional, poucos são os economistas que, em 2011, após quatro anos deprofunda crise, enquadrariam sua ciência como exata e não social. Poucos também concordariam que osdomínios da economia e da políca são independentes, ou que assim devam ser tratados. Ainda menosnumerosos serão aqueles a defender que a melhor solução é sempre a do mercado. Mas não era essa

a opinião que predominava nas duas úlmas décadas do século XX e até bem pouco tempo atrás. Era ocontrário: o liberalismo voltara a ser hegemônico.

Evidentemente, não bastou dar maior consistência aos argumentos em favor do livre-mercado. Orenascimento do liberalismo deveu muito ao eco que obteve o pensamento de Milton Friedman e Frederi-ck Hayek. Sem entrar numa estéril discussão sobre dois acadêmicos cuja proximidade era apenas ideológi-ca, uma boa síntese do radicalismo de ambos seria: o melhor tamanho do Estado é o mínimo; o burocratasempre terá uma solução pior que o mercado. Enquanto a imprensa especializada lhes concedia a posição“gurus”, dois polícos de expressão encamparam o discurso: Ronald Reagan, eleito presidente dos EstadosUnidos, em 1970, e Margareth Tatcher, que nos anos seguinte assumiu o cargo de primeira-ministra na

Inglaterra. Não é exagero armar que eles mudaram a História, ao fazerem o pêndulo inclinar-se à direita.

A anga e a atual potência ocidental ingressam num processo de reformas estruturais. As detalha-das regulamentações, o controle de preço, os arranjos instucionais arcaicos, de feições cartoriais foramdesmantelados no transporte. Em meados da década de 1980, as reformas ampliaram-se para a energia,a siderurgia, os bancos, as telecomunicações, o saneamento, entre outros. Em todos, ocorreram desregu-lamentações, a privazação, e o Estado, quando cou, limitou-se a uma parcipação residual. A interven-ção foi substuída pela regulação, as polícas públicas deveriam ser horizontais, jamais setoriais. A meta

55 - O ponto de parda metodológico é o cálculo feito na margem. O que é importante para empresários e compradores não é o que foi produzido,ou comprado até aqui, mas a úlma e a próxima unidade. Em quanto ela acrescenta à sasfação dos objevos de cada um? Quanto ela custa? O resultado da

comparação entre benecio e custo determina a decisão. Em termos matemácos, os economistas nada mais zeram do que colocar o foco na análise dastaxas de mudança. Para tanto, bastou aprender a derivar e formular duas premissas sobre o comportamento dos consumidores e dos produtores: maximizama ulidade e o lucro respecvamente. Desse modo, fez-se um modelo em que, graças à compeção, o equilíbrio ocorre naquele ponto onde o custo médio émínimo, o que signica que a alocação dos recursos escassos é óma. Quando a receita marginal (a contribuição da úlma unidade produzida) for igual ao seucusto marginal (o custo de produção da úlma unidade) e ambos forem iguais ao preço do mercado, existe a garana que a compeção é plena. Todos os pro-dutores operam no menor custo possível e não se apropriam de lucros acima do normal. Vendem ao menor preço possível para benecio dos consumidores.

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Estudos Estratégicos - PCdoB174

passou a ser a concorrência em todos os setores e, para tanto, era imprescindível reduzir as barreiras àmobilidade do capital.

O cenário internacional não podia ser mais favorável. Não era apenas nas duas economias centraisque as mudanças se anunciavam. Na periferia, a democracia, as eleições livres e os princípios republica-nos avançavam sobre os regimes autoritários. Na América Lana, connente onde as oligarquias locais se

manveram no poder durante as décadas de 1960 e 1970, apoiadas nas forças armadas, na década se -guinte, os regimes militares de exceção caíram um a um. Desde os anos 1990, a democracia e a repúblicase impuseram para a imensa maioria dos países lanos.

Sem embargo, essas transformações não foram fatos isolados. Na Península Ibérica e na Grécia, asúlmas ditaduras do Velho Mundo sucumbiram à democracia no decorrer da década de 1970. A Leste, nadécada seguinte, nas mãos de M. Gorbachov, em sua Perestroika, o império soviéco foi desfeito. Ao fazê--lo, na Europa Oriental, abriu-se um vasto campo de experimentação, um extenso e férl domínio ondearranjos instucionais correspondentes ao Estado mínimo proliferaram. Até mesmo a China, onde DengXiaoPing dava os primeiros passos em direção ao “socialismo de mercado” e, assim, promovia a abertura

do país. Poucos duvidavam, ou quesonavam, a globalização dos mercados e a solução liberal.

No Brasil, a volta à caserna dos militares correspondeu ao esvaziamento do Estado em setores quedeixavam de ser estratégicos. O comportamento do preço parecia dar margem à idéia de que suco delaranja, café, óleo vegetal, ou mineral, todas eram mercadorias semelhantes, uma commodity: bem compreço mundial estabelecido pelo mercado. Entre 1985 e 1999, os baixos preços do barril pareciam corro-borar a perda da importância e, portanto, o m da natureza geopolíca da energia. O número de instui-ções públicas exntas, ou abandonadas à própria sorte, foi a primeira conseqüência da busca pelo Estadomínimo no Brasil, ainda na segunda metade da década de 1980, e impressiona pela extensão56.

Mas isto estava longe de ser suciente. Em seguida, o movimento liberal avançou sobre os avosdo Estado nos setores produvos. A parr da década de 1990, foram alienadas ou exntas, as parci-pações, em empresas nas mais diferentes avidades: Siderbrás, Telebrás, Docenave, CSN, CVRD, Cobra,Indústrias Militares Brasileira, CNEN, Caheeb, RFFSA e Eletrobrás. No setor petrolífero e gasífero, os avospetroquímicos foram o primeiro objeto de privazação. A Petrobrás foi levada a alienar grande parte dasinstalações nos complexos de São Paulo, da Bahia e do Rio Grande do Sul. No poder execuvo tambémocorreu um amplo enxugamento. Logo que assumiu, o Presidente Collor chegou a exnguir o Ministériodas Minas e Energia. A administração pública perdia a competência de elaborar a políca energéca, deplanejar e, enm, de regular a energia.

Por pouco, não foi a maior empresa brasileira também esquartejada em diversos pedaços 57, deforma a vender todos os seus avos, quando das mudanças do marco de regulação do setor iniciadas,em 1995, com a Emenda Constucional no5 e que prosseguiram, em 1998, com a Lei do Petróleo, Lei no

9.478.. Esta criou a ANP, o Conselho Nacional de Políca energéca, CNPE, e “quebrou” o monopólio daPetrobrás na exploração, produção e transporte do petróleo e do gás natural no Brasil. Essas mudançasestavam em sintonia com a onda de liberalização que nalmente iria permir – a elevados custos – a lentamodernização do setor energéco brasileiro.

5) A heea eal e faca a éca

Sem planejamento e coordenação do Estado, a mercê do mercado e de capitais oportunistas, que

56 - CNP, DNPM, CPRM, IAA, CTA, IBDF, DNAEE, CNEN, CPRM, INT e INPI, apenas para citar alguns mais diretamente ligados ao setor energéco.

57 - Cabe lembrar que, para vendê-la mais facilmente, até o nome deveria ser mudado: a sugestão era Petrobrax.

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se aproveitavam da abertura de setores estratégicos, cujos avos oferecidos estavam fortemente depre-ciados, não se poderia esperar bons resultados das reformas estruturais. Não foi necessário muito tempopara o País conhecer um “apagão” de dimensão nacional e a mais séria crise energéca depois dos “cho-ques” do petróleo. Em parcular, a liberalização do mercado de gás natural gerou numerosas ineciênciasque se reeram em custos de transação sucientemente altos para retardarem a fase de crescimentoexponencial do seu consumo. Quando aconteceu, o deslanche do mercado acabou revelando-se extre-mamente caro.

Foi somente no nal da década de 1990, já muito perto da virada do milênio e com bastante atrasofrente a muitos outros países de economia comparável, que a penetração do gás natural ganhou força.Sintomáco do grau de desordem, à época, ela não foi decorrência do aumento da produção nacional,mas da disponibilidade de importação do energéco. Foi, assim, resultado da políca externa e não dealguma políca energéca. O gasoduto Brasil-Bolívia foi inaugurado em 1999 e, só então, pode-se falar doestabelecimento de um mercado e de uma indústria do gás natural no Brasil.

O acordo de importação foi uma lenta construção diplomáca, num cenário de democrazação e

de estados enfraquecidos. Foram as empresas estatais dos dois países – Petrobrás e YPFB, ícones do mo -vimento de nacionalização dos hidrocarbonetos em tempos anteriores – os instrumentos para o estabe-lecimento de uma relação comercial de longo prazo, que consolidaria um nova geopolíca no Connente.Entre as duas empresas, em 1991, foi assinado o primeiro documento digno de menção: uma “Carta deIntenção”, que nha como objevo a integração energéca do Brasil e da Bolívia.

O gasoduto era peça chave da integração. O papel da Bolívia como fornecedor energéco já nhasido antevisto desde 1970, quando a combinação das reservas de gás e posição geográca central, naAmérica do Sul, colocaram o país, naturalmente, como estratégico para o crescimento dos países vizinhos:Argenna, Brasil e, vencidas as pendências fronteiriças, o Chile. Para a Bolívia, entre os mais pobres países

do Connente, era a oportunidade de gerar divisa internacional. Era também a oportunidade de acabarcom a dependência criada pelo único contrato de exportação de gás natural que a Bolívia dispunha, exa -tamente com a Argenna. Assinado em 1972, com seu vizinho ao Sul, o acordo de importação era de 8milhões de m3 por dia e, três décadas depois, não nha perspecvas de ampliação.

Sem embargo, o acordo com a Bolívia era uma ocasião única para a diplomacia brasileira. No cená-rio internacional imperava a abertura e a globalização. O acordo de importação de gás natural e a cons -trução do gasoduto vinha na esteira do Mercosul, um mercado comum criado por iniciava do governode José Sarney, no nal da década anterior. Era a expressão econômica e, neste sendo, consolidava umamudança radical da políca externa. A idendade portuguesa fora erguida em oposição à Espanha, o que

pode ter marcado a relação do Brasil com seus vizinhos: geográca e economicamente postado de costaspara eles.

Além disso, o m da União Soviéca, o processo de unicação da Europa e a ascensão dos paísesdo Sudoeste da Ásia desviaram a atenção da América do Sul. Depois de uma década perdida (a década de1980), a sobrevivência das economias da região passou a depender de uma maior integração comercial ede uma mínima coordenação das polícas externas. No que toca a indústria do gás natural e a infra-estru-tura energéca, o gasoduto Brasil-Bolívia era o marco. Ademais, por traz de todo este movimento, exisaum momento políco comum aos países do Sul do Connente. Em todos, Peru, Bolívia, Chile, Argenna,Uruguai, Paraguai e Brasil, os pardos no poder eram policamente conservadores e economicamente

neoliberais: defendiam as reformas estruturais e sustentavam que o faziam para atrair o invesmentoexterno em infra-estrutura, dentro de um mundo denivamente globalizado.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB176

Depois do primeiro acordo, o contrato de compra e venda do gás boliviano foi assinado em 1993. Ospontos essenciais do negócio foram denidos de forma preliminar a esta altura e posteriormente modi-cados. A Petrobrás se compromea a comprar, de forma escalonada, de 8 a 16 milhões de m3/dia e, porsua vez, a YPBF garana a oferta destes volumes. A certa altura das negociações, exisam dúvidas sobrea capacidade das reservas bolivianas atenderem a Argenna, o Brasil e o consumo interno, os três aomesmo tempo. Além disso, a iniciava demandava um invesmento elevado, numa obra de engenhariade extensão e uma plena sintonia entre os governos da Bolívia e do Brasil. Gasodutos criam laços de in-terdependência diceis de serem desfeitos posteriormente em razão dos custos irrecuperáveis. Antes deconstruí-los, portanto, o entendimento políco entre os países é imprescindível. Tudo isso exigiu tempopara as negociações e a elaboração dos acordos, contratos e projetos.

Foi somente em meados de 1997, seis anos depois da primeira “Carta de intenções”, que foi cele -brado o contrato de construção. Antes foi feita a viabilização do nanciamento, o equacionamento dos in -teresses das petroleiras e dos dois países envolvidos. Frente ao tamanho da obra, a sua relava novidadepara a engenharia brasileira e ao desao ambiental, o gasoduto teve uma construção rápida. O primeirotrecho até Campinas, já estava em operação no nal de 1999. O invesmento alcançou 2 bilhões de dóla -

res (0,4 na Bolívia e 1,6 bilhão de dólares no Brasil). A engenharia nanceira foi especialmente complexaem razão exatamente do montante elevado de inversões e dos riscos polícos, econômicos e industriais.

A composição do nanciamento e a origem dos capitais envolvidos com o projeto eram representa-vas dos novos tempos. Diversas instuições mullaterais parcipavam do projeto, lideradas pelo BancoInternacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD - Banco Mundial), que nanciou 310 milhões dedólares. Com o mesmo perl, parcipavam também o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)com um nanciamento de 240 milhões de dólares e a Corporacion Andina de Fomento (CAF), com 80milhões de dólares. Os bancos nacionais, como o BNDES com 302 milhões de dólares e o Exibank japonês(em consórcio com um banco italiano), com 402 milhões de dólares, eram os mais importantes pelo lado

das instuições bancarias. O perl quase ocial dos nanciadores está relacionado, por um lado, à natu-reza diplomáca do projeto e, por outro, ao pouco crédito disponível para os dois países junto à bancainternacional, àquela altura, especialmente para um projeto com tanto risco e custo irrecuperável.

Composição acionaria inicial das empresas operadoras do Gasbol (em %)

 

Fonte: TBG e GTB

Criadas para gerir o projeto, a composição acionária das duas empresas, uma brasileira e outraboliviana, também ressaltava os novos tempos e seus novos atores. A empresa que administra o trechoboliviano do gasoduto é a Gás TransBoliviano – GTB e a empresa do lado brasileiro é a TrasnsportadoraBrasileira – Gasoduto Brasil Bolívia – TBG. A estrutura acionária de ambas encontra-se na tabela anterior.Estão envolvidas primeiramente a YPBF (controlada pelo fundo de pensão boliviano) e a Petrobrás pelasua subsidiária Gaspetro. Entre as privadas, vale notar que apenas a Shell é uma petroleira com tradição

na região. Todas as demais (BG, Enron, El Paso e BHP) são recém-chegadas. Elas nham a oportunidadede se introduzir na América do Sul e eram uma boa mostra em termos de representavidade das novaspetroleiras, surgidas das reformas neoliberais e da globalização. Não estavam entre as gigantes do setorpetrolífero e duas delas – BG e Enron – nem petroleiras eram. Mais precisamente, eram as especialistas

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Dossiê I.5 - A questão energéca   177

em gás natural, a maior empresa norte-americana e a maior britânica no setor.

Em termo de engenharia, a obra foi um desao, a começar por sua extensão total, nada menosque 3.100 km, sendo 557 km, na Bolívia e 2.593 km, no Brasil. A largura do duto até Campinas é de 32” esua capacidade de transporte total está próxima de 30 milhões de m3 por dia. Apenas para comparação,em 1997, quando começou a ser construído, a extensão da rede de gasodutos no Brasil era de 4.012 km.

Só o Gasbol correspondia a ¾ disto. Mas, muito além da engenharia, o duto era um marco em todos ossendos. Um marco para a integração energéca sul-americana – bandeira defendida há décadas – e om das limitações impostas pela oferta para o crescimento da indústria de gás natural no maior mercadoda América do Sul. A disponibilidade de gás natural no País mais que dobrou. Não era pouca coisa e seucaráter “estruturante” é semelhante ao visto anteriormente no projeto de liquefação do gás argelino e naconstrução do pólo petroquímico da Bahia.

É interessante observar que, enquanto o gás natural assumia toda esta relevância na política externasul-americana, no Brasil, o setor energético ingressava numa grave crise, que só pegou de surpresa ogoverno. O investimento em geração elétrica estava aquém do necessário para atender o crescimento da

demanda desde o início da década de 1990. Pouco mais de 1 GW por ano fora adicionado à capacidadeinstalada na primeira metade daquela década. Os projetos de hidroeletricidade estavam atrasados e mui-tos foram postergados. Faltava nanciamento, as terras alagadas cavam cada vez mais caras e as licençasambientais, mais diceis para serem obdas. Entre 1990 e 1994, o fraco crescimento da economia brasi-leira escondeu a paralisia que se vericava no setor elétrico. Contudo, foi só o crescimento ser retomadoque a falta de planejamento e a escassez da oferta se fez senr.

Entre 1994 e 1995, o Plano Real permiu o controle da inação e, a parr de então, ocorreu umacurta aceleração da economia. Em seu primeiro mandato, iniciado em 1995, o Presidente Fernando Hen-rique Cardoso, ao mesmo tempo, promovia a abertura da economia brasileira ao exterior e também a re -

forma do setor elétrico com a privazação parcial das empresas e a criação da ANEEL. Acreditava-se que aabertura e o mercado dessem cabo da falta de invesmento, o que evidentemente não aconteceu. Já em1997, um primeiro black out em grande dimensão revelou o crescente descompasso entre crescimentoda demanda e da oferta de eletricidade.

Foi neste momento em que o gás natural e a geração térmica apareceram como solução à iminentecrise de abastecimento. O Plano Decenal da Eletrobrás para o período de 1998/07 já previa a inclusãona matriz elétrica de pelo menos 5 GW fornecidos a parr do gás. Para colocar as usinas funcionando nabase, seriam necessários em torno de 20 milhões de m3/dia, segundo o Prof. Edmilson58. Isso correspon-deria a 2/3 da capacidade de transporte do Gasbol que, à época da edição do mencionado Plano, nem a

construção nha sido iniciada. De todo modo, comparada com a hidroelétrica, a opção da térmica a gásnatural era muito menos intensiva em capital, mais rápida de construção e exível na operação. Eramelementos que poderiam atrair os invesdores externos e criar as condições necessárias para o ingressodos mesmos no nanciamento e operação dos avos de infra-estrutura no Brasil.

As térmicas a gás natural passaram a ser, aliás, como no resto do mundo, em termos de danos am -bientais, a melhor solução para produção de energia elétrica a parr de um combusvel fóssil. O términoda construção do gasoduto Brasil-Bolívia, a falta de demanda para a oferta que estaria disponível nosprimeiros anos de sua operação e a urgência para agregar nova capacidade de geração elétrica, no Brasil,combinavam-se e as térmicas a gás passaram a ser consideradas como o exemplo da solução de mercado

viabilizada com a globalização e as novas tecnologias. Aqui no Brasil, porém, a maioria dos projetos nãosaiu do papel e aqueles que saíram, quando foram concluídos, chegaram atrasados.

58 - SANTOS, Edmilson Mounho dos, Coordenador (2002). Gás natural: estratégia pra uma energia nova no Brasil. São Paulo Annablume, Fapesp ePetrobrás.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB178

A evolução do cenário políco e econômico ajuda a entender até onde foi a falta de coordenaçãona penetração do gás natural a esta altura. Ocorrida em novembro de 1998, a reeleição do PresidenteFernando Henrique Cardoso esteve apoiada no sucesso do Plano Real, na valorização da nova moedanacional e numa crescente deterioração das contas externas. Era um processo insustentável que foi pro-longado até a vitória no primeiro turno no nal de 1998 e que, no começo do ano seguinte, culminoucom a maxidesvalorização do real. O apelo ao endividamento com o dólar barato, que bancara até ali ocrescimento, tornou-se extremamente oneroso e, de repente, a mudança cambial paralisou a economia.

O País deixou a posição de credor em mais de 60 bilhões de dólares de reservas internacionais,para a posição de devedor de metade dessa quana; isso em pouco mais de seis meses. Teve de pedir umemprésmo ao FMI, para não declarar a moratória, como o fez a Argenna posteriormente. Fora aquelesprojetos com evidente natureza especulava, que eram a maioria das térmicas previstas – não exisamnem garanas quanto ao abastecimento de gás, nem contratos de venda de eletricidade para esses pro-

 jetos – as poucas usinas que sobraram veram a taxa interna de retorno de seus projetos fortementeafetada pelo encarecimento e pelas limitações do crédito externo.

Nada, contudo, parecia inmidar a ousadia em matéria de aproveitamento do gás natural e expan-são do parque de geração elétrica. Permaneceu elevada a conança nas soluções que faziam apelo aocapital privado. Em setembro de 1999, o Governo de FHC lançou o Programa Prioritário de Térmicas, PPT.Por um lado, o Gasbol estava sendo entregue e o custo de sua ociosidade passaria a ser crescente, emrazão dos compromissos de pagamentos assumidos para viabilizar seu nanciamento (ver tabela que sesegue). Por outro lado, as térmicas deveriam acrescentar 12 GW a capacidade instalada de geração nospróximos 24 meses e poderiam ser abastecidas pelo gás natural boliviano. Para casar um negócio ao ou -tro, o governo propôs, além de um preço tabelado para o gás importado (US$2,22 por milhão de Btu59),a garana do nanciamento do BNDES e ter a Eletrobrás com úlmo avalista da compra. Certamente, oplanejamento energéco não se confunde com o oportunismo de iniciavas pontuais.

Além disso, a hidrologia deixara de ajudar o governo na úlma estação chuvosa. Em conseqüência,no nal de 1999, os reservatórios angiam um nível mínimo histórico. (Era apenas um aviso, um ano an-tes do verdadeiro colapso.) Em resposta, repaginado, ainda mais grandioso e descabido, o PPT ganhouuma segunda versão. Desta feita, foram reunidos 49 projetos com a capacidade de gerar 17 GW e quedeveriam entrar em operação até 2004. A criavidade dos dirigentes responsáveis pelo setor energéconão nha limites. Nada disso deu resultado e, em maio de 2001, era decretado o primeiro racionamentoenergéco no Brasil depois da II Guerra Mundial; num país internacionalmente reconhecido pelo seu po-tencial hidroelétrico e pela sua competência na engenharia de construção e operação de grandes usinashidroelétricas.

Assim, no segundo trimestre de 2001, sem oferta suciente de eletricidade, nenhuma usina térmicaa gás natural estava construída para minimizar o problema. Isto não impediu que a aposta fosse elevadacom o lançamento, junto com o programa de racionamento, do Plano Emergencial de Termelétricas, queadicionava 2,8 GW ao PPT que já estava em sua segunda versão. E como não exisam limites, em junhode 2001, surgiu o Programa Térmico Complementar que adicionava outros 10 GW. Nem o racionamento,nem as usinas promedas conseguiram evitar o colapso do abastecimento elétrico, que se seguiu a maiorseca dos úlmos sessenta anos. Entre setembro e novembro de 2001, a quota de segurança dos reserva-tórios angiu seu mais baixo registro histórico; pouco mais de 20% do mínimo necessário.

Quando faltou água e as usinas se zeram necessárias, elas não estavam disponíveis. No nal das

59 - Ou seja, cobria-se, além do risco cambial, o risco da subida do preço do petróleo, uma vez que o preço do contrato de compra do gás natural coma Bolívia era indexado no petróleo. Ademais, garanu-se um preço postal ( i.e., indiferente quanto à distância), precisamente o maior elemento na formaçãodos custos do energéco.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   179

contas e muito depois, menos de um terço da capacidade de geração prevista foi construída e, até hoje,dez anos após, as usinas geram muito pouca energia; muito menos do que o necessário para se pagarem.Além de não serem lucravas e, pior que isso, de comprometerem parte da disponibilidade de gás naturalpara servirem de reserva para o sistema elétrico, depois de prontas, algumas dessas usinas nem funcio-nam, como ilustram as usinas de Cuiabá e Uruguaiana; a despeito de estarem na ponta nal do sistema dedistribuição de energia elétrica e, portanto, a despeito de serem necessárias para a estabilidade de todaa malha gerida pelo Operador Nacional do Sistema (ONS).

As poucas usinas que, hoje, operam dentro de condições comerciais adequadas são justamenteaquelas que foram incorporadas pela Petrobrás e, hoje, são 13 no total. Por muito tempo, em decorrênciada ausência de planejamento energéco, os invesmentos da Petrobrás foram seriamente penalizados.Ao longo da primeira metade da década que se inicia em 2001, coube a estatal absorver os custos e terprejuízos elevados com os negócios com o gás natural, especialmente com a aventura térmica em quefoi nalmente envolvida, quando cou evidente que não exisa a mínima rentabilidade para juscarqualquer outro invesdor e que alguém teria de assumir o espólio dos numerosos programas térmicos.

Não bastasse ter de se adequar à quebra do monopólio a montante e à abertura a jusante da cadeiade produção do petróleo, no que tange ao gás natural, foi-lhe imposto a parcipação na construção dogasoduto entre o Brasil e a Bolívia e, em seguida, a transformação em empresa energéca. A eletricidadede suas usinas abastecidas a gás natural aumentava o escopo de negócios dentro do domínio da energia,que não se limitava mais apenas ao O & G, estratégia empresarial bem ao gosto dos mercados, àquelaépoca (a Enron era da como referência). Por outro lado, era ignorado que a Petrobrás é, e sempre será,uma petroleira e que seu gás natural é, antes de tudo, associado e, portanto, um sub-produto. Era igual-mente ignorado que, como toda petroleira, ela renava e vendia óleo combusvel, um concorrente diretodo gás natural.

Some-se a isso tudo que, por contrato, o preço do gás natural boliviano foi indexado ao preço dopetróleo no mercado internacional e que, a parr de meados de 1999, ocorreu a reversão da tendênciadominante desde 1984/5 e o movimento do preço do barril voltou a ser ascendente. Para classicar o queocorreu, no Brasil, entre 1995 e 2002 os universitários, recorrem freqüentemente ao termo “inconsistên -cia” da políca energéca, no lugar de ausência60. Qualquer que seja a escolha, o resultado é impar: con-seguiu combinar “apagão” elétrico, usinas a gás fantasmas, gasoduto vazio e queima na tocha. Conseguiutambém, mais grave, por dois anos, retardar a retomada do crescimento.

Os dados sobre as condições contratuais de operação do gasoduto estão na tabela abaixo. Antes,encontra-se a evolução da queima durante os úlmos doze anos, em termos percentuais. A consideração

em conjunto dos dois movimentos é um agrante do fracasso e da perda de capacidade de planejamento,que ocorreu ao longo das duas décadas precedentes, as duas úlmas do século XX. A ociosidade inicial dogasoduto e a connuidade da queima bastam para revelar o custo, em termos energécos, arcado pelaeconomia brasileira entre 2000 e 2004. Seguem-se a uma década de desconstrução do Estado, a décadade 1990 e a um década perdida, a década de 1980. Mais de dez anos depois, ainda se paga pela completadesarculação entre avidades produvas que, no entanto, são conexas e, que por serem extremamentecaras, deveriam estar coordenadas, no exato momento em que ganhavam escala no Brasil.

60 - PINTO Jr, Helder; BICALHO, Ronaldo; BOMTEMPO, José Vitor; ALMEIDA, Edmar e IOTTY, Mariana (2007). Economia da energia: fundamentosevolução histórica e organização industrial. Rio de Janeiro: Elsevier

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB180

Queima e perda de gás natural no Brasil, 2000 a 2009, em percentagem do total produzido

Fonte: ANP

O Gasbol, volume contratado, transportado e clausula de “take or pay”, em milhões de m3/dia

Fonte: TBG

Como pode ser observado não foi fácil ocupar o duto e, ao mesmo tempo, reduzir a queima. Segun -do a primeira tabela, em 2000, 2001 e 2002, o volume de gás perdido e queimado nos campos ainda era

bastante alto: em média, mais de 15% ao ano. Isso representa três vezes a média mundial, o que per sié revelador do atraso do país, e um paradoxo, quando se considera que o Brasil vivia uma crise no abas-tecimento elétrico. Cotejada à situação do gasoduto e seus compromissos de pagamento, o fracasso naimplantação dos programas térmicos, ca ainda mais grave em termos econômicos.

Por razões aqui já colocadas, a construção e operação de gasodutos são cercadas de todo o pode garanas, de maneira a migar os custos de transação envolvidos na engenharia nanceira e na assi -natura dos contratos anteriores à obra. No caso do Gasbol, a despeito de levar em conta certa lendãoinicial em sua ocupação, a parr de 2003, como se nota pela tabela acima, os volumes contratados foramexpressivos e revelavam os elevados riscos relacionados à sua ociosidade decorrente de uma possível

falta de demanda. Como a história do gás natural ensina, para ele, o úlmo a chegar na matriz energécamundial, não existe consumidor cavo. Para crescer, ele tem de deslocar diversos derivados de petróleoe, para tanto, o comprador precisa ter acesso a volumes signicavos e a um bom preço.

Eram os elevados custos, derivados de compromissos internacionais assumidos dez anos antes, naconstrução do gasoduto, que empurravam os pacotes de construção das térmicas como solução, por umlado, para a ociosidade do duto e, por outro, para voltar a aumentar a capacidade de geração elétrica. Eramais fácil que deslocar outros combusveis e parecia uma boa idéia. O País estaria nalmente ingressan-do numa trajetória tecnológica abraçada, primeiro, pela ilhas britânicas e o Japão e mais recentementepelos EEUU. Se era oportuna, sua execução foi um desastre – por connuar a queimar gás natural, por não

solucionar um colapso energéco previsível, em 2001, e ao postergar por mais dois anos a retomada docrescimento econômico, que só ocorre a parr de 2003.

6) d lbeal a evec, e pee a laae

Durante a primeira década deste segundo milênio, a indústria do gás natural brasileira deixou de serinfante, mas, ainda está longe da consolidação, ou de estar completa em sua formação. Foi uma década detransformações profundas em que, nalmente, ela assume um tamanho considerável após experimentarum crescimento acelerado nos primeiros anos, mas que foi perturbado por um revés no acordo boliviano

de importação, por uma malha de transporte e distribuição ainda acanhada e por alguns vícios de origem:a quase captura pelas térmicas, a pouca parcipação da transformação em seu uso e a insignicante pe-netração nas residências e no comércio. Em termos connentais, para migar o risco de não realizaçãodos compromissos contratuais de importação por gasodutos, como ocorreu com o Chile e a Argenna,

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Dossiê I.5 - A questão energéca   181

p.ex., a chegada do GNL à América do Sul, segundo muitos, põem m aos planos de integração regional.

Nada disso obstrui as perspecvas extremamente favoráveis de crescimento na presente década:as reservas não associadas, o pré-sal, o potencial de descobertas em terra e a pressão pelo uso de com-busveis mais limpos tendem a facilitar o acesso ao gás natural e, assim, manter o ritmo de crescimentodo consumo nos próximos anos. A lenta recomposição do ambiente instucional permiu a superação da

crise de abastecimento elétrico e foi inuenciada pelas mudanças ocorridas após as eleições de 2002 coma mudança de orientação políca do governo federal. A melhoria das condições macroeconômicas exter-nas também foi um elemento decisivo, na medida em que favoreceu o ingresso de capital estrangeiro nosetor de O & G e aumentou as receitas com as exportações.

Iniciada em 1990, sob a bandeira liberal, a abertura do mercado, bem mais tarde, 15 anos depois,sob um governo de esquerda, intervencionista e nacionalista, ganhou uma nova roupagem, muito menossubmissa e muito mais soberana. O resultado é que a empresa líder das avidades de O & G connuasendo a Petrobrás e ela é ainda mais do Estado brasileiro, após a recente capitalização. Contudo, a ela sesomaram novos atores; eles trouxeram compeção para o mercado, contribuíram para seu crescimento e,

atualmente, dão densidade ao tecido industrial. Em razão da maior rigidez dos negócios no gás natural, acontestação das posições hegemônicas é mais lenta do que a ocorrida na indústria do petróleo. De qual-quer modo, o fato do País ter prontamente respondido às restrições às importações do gás boliviano, deter descoberto uma quandade signicava de novas reservas e de connuar a atrair empresas para atu -ar na indústria do gás natural, a despeito da interrupção, faz três anos, das rodadas de licitação de blocosexploratórios, demonstram o quão posiva foi a recomposição dos instrumentos de intervenção do Esta-do, que permiu dar prosseguimento ao processo de abertura e de inserção do gás na matriz energéca.

No Brasil, a mudança do milênio coincidiu com uma mudança no padrão de negócios. A dimensãopassou a ser outra em todos os sendos: escala, escopo, atores e espaço. Entre 1999 e 2002, o consumo

de gás natural cresceu perto de 25% ao ano; ou seja, ele quase dobrou nesses primeiros quatro anos danova era. Apenas para comparação, ele não nha dobrado nos dez anos anteriores, embora tenha cresci -do a uma velocidade considerável (7% a.a., entre 1990 e 1999). O consumo connuou a crescer até 2006,quando a nacionalização das reservas bolivianas e a carência da malha de transporte começaram a imporo conngenciamento. Mesmo com certas limitações pelo lado da oferta, a demanda por gás natural con-nuou aquecida. Em 2008, antes da crise econômica mundial, o consumo angiu 52 milhões de m3/d; istoé, mais de três vezes o consumo de gás natural apurado em 2002.

O ganho de escala da indústria estava apoiado na ampliação do escopo e, assim, em novos usos(térmicas e GNV) e novos clientes (localizados no Sudeste e Sul do país). O consumo industrial também

aumentou rapidamente dentro da estratégia da Petrobrás de massicação para, assim, reduzir a ociosi-dade do Gasbol. Ao lado da empresa estatal, apareceram novos agentes, principalmente interessados nasoportunidades surgidas na distribuição de gás natural; ou seja, na etapa nal da cadeia. Dois exemplosdo ingresso de empresas estrangeiras foram a inglesa BG, que fez invesmentos em todas as etapas dacadeia de produção e a espanhola Gás Natural que, por seu turno, limitou-se a comprar apenas avos nadistribuição. Outras empresas, também eram especialistas em gás natural e bem posicionadas em seusrespecvos mercados nacionais, como a Enron, a El Passo, a GDF e a GDP, zeram invesmentos seme-lhantes na segunda metade da década de 1990 que, contudo, não prosperaram na década seguinte.

Todas elas se aproveitavam das mudanças promovidas, não apenas com o m do monopólio da

Petrobrás, mas, no que toca ao gás natural, também das peculiaridades brasileiras. Em 1988, a nova Cons-tuição consagra a separação entre a União e os Estados quanto à regulação do gás natural e, em conse -qüência, quanto ao fornecimento do energéco ao consumidor nal. A distribuição e o abastecimento ao

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Estudos Estratégicos - PCdoB182

consumidor são considerados uma concessão pública regulada pelas diferentes unidades da federação.Portanto, as condições de acesso e o preço ao usuário nal devem ser estabelecidos por agências regula -doras, ou secretarias de governo, na esfera do poder estadual. O domínio da regulação federal se mani -festa até o “city-gate”, ou até a úlma válvula de alta pressão, que indica o m da malha de transporte eo início da distribuição.

Na ponta, segundo esta óca, os fornecimentos de eletricidade e de gás natural se confundem comum serviço de ulidade pública. Não surpreende, assim, que também concessionárias de serviço público,controladas por capitais nacionais e estatais, como a mineira Cemig, tenham demonstrado interesse nasrodadas da ANP e na compra de avos correlatos ao gás natural. Hoje, em parcular, a Cemig controla aLight, distribuidora de energia elétrica no Rio de Janeiro, que depende das térmicas para abastecer seumercado. Mais recentemente, duas empresas privadas de origem brasileira e pers semelhantes aposta -ram no gás natural: a HRT e a OGX. Assim, embora possuindo elevadas barreiras à entrada e invesmentoscom elevados custos de transação, o novo século coincidiu com o surgimento de novas empresas envol-vidas com o gás natural e que, mais cedo, ou mais tarde, irão contestar a exclusividade da Petrobrás namatéria.

A reorganização do setor de O & G tomou rumo diverso do original, não só porque o governo queassumiu, em 2003, nha uma posição diferente quanto à políca setorial, mas porque foi necessárioocupar o duto vindo da Bolívia, reduzir a queima nos campos e incorporar as térmicas, que nalmenteforam concluídas, ao parque gerador brasileiro. As mudanças da década anterior nham como objevo aabertura das avidades de exploração, produção, reno e importação que, até então, eram monopólio daPetrobrás. A atenção com os mercados a jusante da cadeia do petróleo, como a distribuição e a revenda,era muito reduzida. A suposição era que, nestas avidades aonde já exisa alguma compeção, quantomenor fosse a interferência do Estado, melhor o mercado resolveria seus problemas. Ademais, frente àrenda petrolífera gerada na boca do poço, a venda de combusveis não despertava o menor interesse; o

que valia também para os negócios com gás natural. É revelador que a ANP, só meses depois, de ter sidoorganizada, criou em sua estrutura organizacional uma superintendência dedicada ao energético; antes,nem espaço institucional no novo órgão nha reservado para ele. Talvez mais sintomáco, o gás naturalsó foi incorporado ao nome da agência no século XXI, já no governo Lula.

A parr da virada do milênio, o connuo ganho de escala, a diversicação do uso e a parcipação denovos atores proporcionaram os elementos mínimos para o pleno funcionamento da indústria no Brasil.A despeito de uma malha de transporte e distribuição exígua, o acréscimo do gás boliviano e o aproveita-mento do gás associado extraído nas plataformas criavam as condições para aumentar signicavamenteo volume e a base de clientes, de forma que as economias de rede se zessem, enm, presentes. As redes

de infra-estrutura – comunicação, transporte e eletrônica – têm uma dinâmica extremamente parcular,bem diferentes da oferta de outras mercadorias. A parr de um tamanho mínimo da rede de distribuição,não só o custo de fornecimento para cada consumidor individual é próximo de zero, mas também, o be-necio imediato para o consumidor é cada vez maior, quanto maior for o número de pessoas conectadasà rede. Era este tamanho críco que a indústria ultrapassava naquele momento 61.

Foi em meio à aceleração do crescimento do consumo nas regiões Sul e Sudeste do Brasil que, naBolívia, Evo Morales, em 1o de maio de 2006, publicou o Decreto Presidencial dos Heróis do Chaco e nacio-nalizou os avos dos setores de óleo e gás natural. Num país enclausurado por seus vizinhos, situado nocentro da América do Sul e com um gigantesco potencial energéco e mineral, a nacionalização revera

a políca neoliberal anterior, redenia a parlha da renda gerada na boca do poço e, num sendo bemlano-americano, retomava a soberania do país sob suas riquezas. A Bolívia plurinacional buscava sua

61 - O produtor que primeiro detêm este avo – correspondente ao tamanho críco da rede a parr de quando as economias são evidentes – dispõede uma vantagem no custo de fornecimento que dicilmente outro concorrente terá.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   183

idendade numa vinculação diferente – renovada e menos assimétrica – com os grandes países do mundoe seus vizinhos.

No Brasil, contudo, a quase revolução de Evo Morales, revelou o grau de interdependência que oGasbol criou e poucos nham-se dado conta. Para quem conhece a história desta fonte de energia, não émistério a natureza geopolíca dos negócios com importação e exportação de gás natural. Para o maior

mercado industrial da região, de São Paulo a Porto Alegre, que conhecia uma forte expansão, em plenoprocesso de massicação do uso do gás natural e com os preços do petróleo em ascensão, a decisão boli -viana pegou de surpresa os consumidores, as empresas e o governo brasileiros. Além da incerteza sobre ofornecimento, a nacionalização dos avos e a rediscussão do contrato colocavam em dúvida a integraçãoenergéca sul-americana. Ela estava sendo posta à prova numa de suas maiores obras.

A resposta imediata foi o conngenciamento imposto pela Petrobrás entre 2006 e 2008 aos consu-midores de gás natural. No médio prazo, a solução foi o aumento da capacidade de produção de reservasnão associadas e a recuperação da produção no Nordeste, em campos maduros. Também no médio prazofoi fundamental a decisão de construir dois terminais de regaseicação (no Rio de Janeiro e no Ceará),

o que permiu a Petrobrás importar GNL. Antes de serem interrompidas, as rodadas de licitação da ANPpassaram a dedicar especial atenção à seleção dos blocos ofertados, de forma a visar a descoberta de gásnatural, o que jamais nha sido objevo exploratório, seja da ANP, seja da Petrobrás, ou do ango CNP.Descobertas recentes de reservas de gás natural não associado em campos em terra demonstram a vali-dade de decisões tomadas ainda entre 2006 e 2009.

Contra o risco imposto pelo nacionalismo boliviano ao abastecimento do mercado brasileiro, a re -posta formal foi o Plangas, no que diz respeito ao aumento da oferta do energéco. Neste sendo, ainserção das térmicas na matriz energéca a parr da Petrobrás, passava a ser cada vez mais decisiva, namedida em que a incorporação de novas usinas hidroelétricas demandava mais alguns anos. A repenna

nacionalização na Bolívia e seu impacto na mídia brasileira puseram à prova, não apenas, a integraçãoenergéca sul-americana, mas também, a capacidade de reação do governo. A Petrobrás, novamente, erachamada para sustentar a estratégia de diversicar as fontes de abastecimento e aumentar a exibilidadee, assim, atender à sazonalidade da demanda por parte das térmicas.

Do ponto de vista da oferta nacional, o Plangás nha como objevo antecipar a produção de gás na-tural na região Sudeste, onde a disponibilidade interna era de 15 milhões de m3/dia. O objevo era chegara 40 milhões m3/dia em 2008, o que envolvia uma carteira de projetos de grande abrangência: exploração,produção, processamento e transporte. A incorporação de reservas de gás natural não associado, situadasna bacia sansta, na bacia capixaba e na costa uminense, era importante porque dava um novo perl

à oferta; menos dependente da produção de petróleo. Para dar vazão a esse novo gás, no Espírito San-to, a capacidade de processamento foi aumentada em 10,5 milhões de m3/dia, no Rio de Janeiro, foramacrescidos outros 10,8 milhões m3/dia e, em São Paulo, mais 17,2 milhões de m3/dia. A Petrobrás voltavaa invesr forte no aproveitamento do gás natural brasileiro tendo em vista abastecer o maior mercadoconsumidor do Brasil.

Em termos de gasodutos, se fez urgente retomar a expansão da rede de transporte. Como pode serobservado pelos dois grácos a seguir, no Brasil não foi diferente de outros países, quanto à expansãoda infra-estrutura de transporte. A construção da rede se realiza em degraus bem marcados com umaexpansão rápida e, depois, um período de ocupação da capacidade. Os invesmentos na ampliação da

infra-estrutura de transporte voltaram a ser feitos, a parr de 2007, precisamente para aumentar a capa-cidade de movimentação e, dessa forma, dar conta das novas reservas e também dos novos usos, parcu-larmente, do aumento da parcipação das térmicas, que exigia cada vez maior exibilidade na indústria

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Estudos Estratégicos - PCdoB184

do gás natural.

Dentro das respostas à ameaça boliviana, uma novidade importante foram os terminais de regasei -cação. Relavamente rápidos de serem construídos e sem ter ainda uma rede de transporte unicadaentre o Nordeste e o Sul-Sudeste, a opção pelo gás natural liquefeito indicava o grau de maturidade eco-nômica e tecnológica que a indústria alcançara nos úlmos anos. A possibilidade de importar um volume

semelhante a mais da metade do gás natural trazido pelo Gasbol, repardos entre duas plantas, graçasà construção de dois terminais, um no Nordeste, em Pecém e outro no Sudeste, na Baia da Guanabara,trazia outras vantagens, além de por m à dependência a um só fornecedor de gás natural importado.

Puxada pelo crescimento da renda interna, no decorrer da úlma década, a forte demanda por ele-tricidade fez da parcipação das térmicas um elemento chave do parque de geração. É o gás que alimentaas usinas térmicas que, por sua vez, funcionam na ponta do sistema e nos períodos de pico. É o gás, assim,que garante a manutenção de um nível mínimo de água nos reservatórios das barragens brasileiras de umano para o outro. Ademais, a compra de GNL permite “encaixar” a sazonalidade por eletricidade em razãoda seca no Brasil, à demanda por GNL no Hemisfério Norte, que está baixa com o verão.

Por m, foi uma oportunidade para o Brasil rar proveito de uma situação de sobre-oferta interna-cional na capacidade de liquefação e movimentação de GNL; situação esta que deve perdurar ainda pelospróximos dois a três anos. Apesar de nunca ter estado tão barato, evidentemente, existe um preço paraassegurar a exibilidade do sistema elétrico brasileiro e a gestão plurianual dos reservatórios a custa doGNL. As usinas e o gás natural devem estar reservados para qualquer emergência. A captura pelo setorelétrico responde por mais de 20 milhões de m3/dia, volume que ca compromedo e, assim, não podeser vendido sem garanas de interrupção para outro usuário. É considerável num mercado brasileiro queconsome, fora a Petrobrás e depois da crise internacional de 2008, um total entre 50 e 60 milhões de m3 de gás natural por dia.

A integração sul-americana e o papel da energia nesta, ao contrário do que parece, não merecemser colocados em dúvida devido à opção pelo GNL. A relevância do gás natural na construção geopolícade um mercado quase connental em nada diminui, ou perde sendo com os terminais que permitem im-portar GNL no Brasil. A inserção do GNL na América do Sul é um movimento recente, iniciado em meadosda década passada. Os projetos brasileiros não estão isolados, fazem parte de uma vaga de invesmentosem diversos países da região e todos buscam a mesma coisa: exibilidade no abastecimento.

Argenna, Chile, Peru e Venezuela desenvolveram e desenvolvem novos projetos com terminais deexportação e importação de GNL62. Enquanto isso, em Trinidad-Tobago, a vocação do arquipélago se fazainda mais presente, como um exportador de escala global. Em pelo menos três outras ilhas do Caribe,na República Dominicana, na Jamaica e em Porto Rico, existem projetos de construção de terminais deregaseicação. No lugar de concorrer, os terminais de GNL complementam os gasodutos já existentes. Épouco provável que os grandes gasodutos deixem de ser ulizados. Ao contrário, o GNL traz exibilidadee reforça as relações comerciais intra-regionais. Ao mesmo tempo, tanto como exportador, quanto comoimportador, ao mulplicar o número de terminais, a região se insere nos negócios de GNL, ampliando deforma signicava a dimensão geográca do que era o mercado no oceano Atlânco: apenas restrito aoHemisfério Norte e com o uxo comercial somente no sendo do Sul para o Norte.

62 - No Peru, o aproveitamento da reserva de Camisea conta com um terminal portuário de liquefação com um invesmento previsto superior a 3bilhões de dólares e que tem contrato de fornecimento com a Repsol correspondente a 15 milhões de m3 por dia. Na Venezuela, remodelado e previsto paraentrar em operação em 2011, o Complexo Industrial Gran Mariscal de Ayacucho conta com uma planta de liquefação de porte semelhante.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   185

7) nã a fae, a cplea

O conjunto de respostas formulado contra à ameaça boliviana, com o Plangás, vinha na esteira dareforma do setor elétrico, iniciada com a MP 144 e a MP 145. Essas Medidas Provisórias, editadas emdezembro de 2003, propunham um novo desenho instucional para o setor energéco, em resposta àcrise de 2001. À época, era questão recuperar, não apenas a capacidade de planejamento e regulação,

mas também, a credibilidade da políca energéca. Para tanto, o Estado procurou reconstuir seus me-canismos de intervenção. No caso do gás natural, um energéco novo e que nalmente nha angidouma parcipação não marginal na matriz energéca brasileira, ainda por muito tempo, o ator principal foie connua sendo a Petrobrás.

Atualmente, a estatal dispõe de 13 grandes termoelétricas e, assim, tornou-se um ator de conside-rável peso também na geração elétrica. A empresa também parcipa de numerosas distribuidoras de gásnatural nos diversos estados brasileiros. Por m, é proprietária de pracamente todos os gasodutos doPaís. Foi exatamente por ainda poder contar com a maior empresa brasileira e, assim, intervir no setor deO & G, que a políca energéca formulada a parr de meados da década passada teve resultados rela-

vamente rápidos e permiu recuperar a credibilidade do planejamento e da regulação setorial. A capaci-dade de invesmento da estatal foi decisiva tanto para fazê-la empresa geradora de eletricidade, quantopara, nalmente, fazer a empresa unicar a malha brasileira de transporte do gás natural.

Passado quase meio século de aproveitamento, a oferta de gás natural na região Nordeste davaclaros sinais de esgotamento. A parr de 2000, as vendas das distribuidoras estaduais cresceram de 4,7milhões de m3/dia até um pico de 8,3 milhões m3/dia em 2005; pracamente o dobro se comparado aoinício do período. Porém, depois, o consumo teve de ser reduzido por falta de disponibilidade nos angoscampos da região e pela incapacidade de trazer o gás natural que, porventura, sobrasse no Sul e Sudestedo País; faltavam dutos. Entre 2006 e 2009, por causa disso, as vendas das distribuidoras estaduais nor-

desnas não superaram 6,9 milhões de m3/dia, sendo que, no úlmo ano, alcançaram 6,55 milhões dem3/dia. Por mais que isso parecesse estranho, pois foi lá que tudo começou, faltava gás para alimentar osurto de crescimento nordesno.

Nos trópicos, diferentemente das regiões temperadas, as distâncias penalizam muito o acesso aoenergéco. Assim, sempre foi pequeno o interesse de criar uma malha nacional, ou pelo menos, um cor-redor litorâneo de distribuição de gás natural. A unicação da malha só ocorreu com a construção do Ga-sene, num novo salto na extensão da rede promovido pela estatal brasileira no nal da segunda metadeda década passada. É mais uma obra de engenharia e infra-estrutura com caráter “estruturante”. Iniciadoem 2006 e só concluído no início de 2010, o gasoduto exigiu um invesmento superior a 8 bilhões de reais

e permite a ligação entre Catu na Bahia e Cabiúnas em Macaé, passando por Vitória no Espírito Santo 63.São 1.387 quilômetros que reraram, aquele que foi, por muito tempo, o maior gargalo do transporte degás natural no Brasil. (O mapa dos gasodutos brasileiros está na página seguinte).

Com o mercado dispondo de uma malha de transporte unicada, com a presença de novos atores,tanto na produção, quanto na distribuição, com a perspecvas de aproveitamento de descobertas re-centes de jazidas de gás natural não associado, com a colocação em produção das gigantescas reservasdescobertas no pré-sal e com a credibilidade da políca energéca restabelecida, não faltam argumentospara connuar a sustentar um círculo virtuoso de crescimento. Além disso, as questões crícas do nan-ciamento, do planejamento e da regulação parecem nalmente equacionadas

Embora tenham sido suspensas as rodadas de licitações, após dez já realizadas, o ingresso de novas

63 - Sinal dos novos tempos, a empresa responsável pela engenharia, licitação e contratação da obra (EPC) foi a chinesa Sinopec.

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Estudos Estratégicos - PCdoB186

empresas deu densidade, mas, pouco contestou a liderança da Petrobrás. Em 31 de dezembro de 2010,exisam 320 campos em produção e, como operadora, a Petrobrás era responsável por 90% da produçãode gás natural. Entre os 82 campos em desenvolvimento, a Petrobrás era operadora em aproximadamen-te 70% deles. Ao lado da estatal, ou em consórcio com ela, empresas tão diversicadas quanto a Shell,Petrogal, BG, Sonangol, El Paso, Statoil, Queiroz Galvão e Petrosenergy também desenvolvem seus proje-tos voltados para o gás natural. Na fase ainda de exploração, mas, com, indícios francamente favoráveis,empresas pouco conhecidas e menores, como OGX, Alvorada, Petra Energia, Perenco e HRT apostam suasbuscas especialmente no gás natural. Em breve, todas essas empresas terão parcipação no mercadobrasileiro como fornecedores do energéco.

Até 2020, as projeções para oferta de gás natural são, portanto, bastante omistas. Não se vislum -bra qualquer limitação quanto à disponibilidade, em conseqüência da diversicação das fontes de abaste -cimento que se conquistou na úlma década. A capacidade de importação da Bolívia deve ser manda nonível atual; ou seja, em torno de 30 milhões de m3/dia. Até por volta de 2015, o incremento da produçãonacional virá das bacias litorâneas do Sudeste. A parr de então, os aumentos da produção nacional de-penderão cada vez mais das reservas do pré-sal e da ampliação da capacidade de importação de GNL 64.

Cenários conservadores prevêem uma oferta disponível superior a 200 milhões de m

3

/dia no nal dapresente década. É um prognósco posivo, uma vez que mulplicaria por mais de três a disponibilidadeatual. Seria o coroamento de duas décadas de franco crescimento da indústria do gás natural no Brasil.

Mapa dos gasodutos no Brasil

64 - Em meados de 2011, ainda não é possível ter uma precisão sobre a disponibilidade do gás natural nas reservas do pré-sal. Mesmo o escoamentodeste, de plataformas situadas a mais de 200 quilômetros da costa e a mais de 2.000 metros de profundidade, não está completamente denido.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   187

A despeito do crescimento observado em passado recente e do omismo quanto ao futuro imedia-to do gás natural, no Brasil, ainda existem diculdades que podem ser assimiladas a vícios de origem. Semcorrigi-las, o crescimento vislumbrado acabará se realizando a elevados custos, como anteriormente jáaconteceu. A captura pela eletricidade é ambiental e economicamente danosa, falta levar para o interioro uso do gás natural, é preciso mulplicar em várias vezes a malha de distribuição nal para aumentar oconsumo residencial e comercial, justamente aonde o benecio de seu uso é maior, e é fundamental am -pliar seu uso como matéria-prima e, assim, assegurar a compevidade da indústria química brasileira.

Preços do gás natural, em junho de 2011

Fonte: Diversas

Formação do preço no Brasil, em março de 2011

Fonte: Elaboração própria a parr de informações da Gasenergy

Nada disso será possível, porém, se o preço do gás natural e o custo de construção e operação dosgasodutos seguirem como entre os mais altos do mundo. A comparação, que se encontra na primeiratabela acima, fala por si. Em junho de 2011, enquanto o preço Henry Hub, do gás natural, no Golfo do Mé-xico, era de 4,57 US$/Mbtu, o gás importado da Bolívia estava sendo vendido a 8,55 US$/MBtu e o preçoNBP do mercado europeu era de cerca de 9 US$/MBtu. Já o preço do gás natural xado pela Petrobrás erade 11,55 US$/Btu. Muito provavelmente, somente os japoneses pagavam tão caro pelo gás natural. Em

troca, contudo, eles têm a garana de fornecimento ininterrupto por décadas, o que não existe por aqui.

A formação dos custos e do preço também não é transparente. Uma tentava de os decompor éencontrada na segunda tabela da página anterior. A preços de março de 2011, a um câmbio de 1,85 R$por US$, na boca do poço, o custo do gás natural brasileiro deve estar por volta de 5,5 US$/MBtu. Seutratamento inicial e escoamento das plataformas devem somar mais 1,5 US$/MBtu. Os demais custos detransporte nas instalações da Petrobrás somariam ainda 0,5 US$/MBtu. Para se chegar ao preço na úlmaválvula de alta pressão, deve-se acrescentar mais 2 US$/MBtu, relacionados à construção de novos gaso-dutos (Gasene, p.ex.), aos terminais de GNL e às unidades de processamento.

O preço de entrega da Petrobrás é, portanto, de 9,5 US$/MBtu. Os custos da distribuição acrescen-tam mais 3 US$/MBtu, o que faz o preço chegar a 12,5 US$/MBtu. Por m, após fazer incidir os impostos(que não são poucos), o preço pago pelo consumidor seria de 16 US$/MBtu. Este é um preço extrema-

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Estudos Estratégicos - PCdoB188

mente elevado, cuja formação, aqui, é apenas uma suposição.

Contribui para falta de transparência nos custos e preços, a ruptura do domínio da regulação naaltura do “city gate”, que enfraquece o papel do regulador. O poder de mercado e o poder econômico quedispõem a Petrobrás também devem ser considerados. Se, por um lado, foi importante para reestruturaro setor energéco, rapidamente responder aos desaos impostos por terceiros e recuperar a credibili-

dade da políca energéca, por outro lado, o sucesso da estatal não pode se realizar em detrimento docidadão brasileiro que, anal, quando tem acesso, paga caro pelo gás natural. Mais uma evidência de que,por vir, a diversicação dos atores deverá trazer uma nova dinâmica para a indústria.

É também mais um domínio em que o planejamento e a regulação deverão ser aprimorados, paraadequar o País a importância que o gás natural assumirá nesta primeira metade do século XXI. Reveladoradesta evolução será a aplicação da Lei do Gás (Lei no 11.909, de 4 de março de 2009) e do detalhamentoda regulamentação feito pelo Decreto no 7.382, de 2 dezembro de 2010. A montante, a Lei do Petróleo(Lei no 9.478, de 6 de agosto de 1997) connua valendo. A nova lei trata do monopólio natural do trans-porte. Do acesso aos dutos e da expansão da capacidade de movimentação dependem a difusão do uso

para as famílias e para a indústria química, justamente aqueles clientes, hoje, distantes e que, por mais sebeneciarem, justamente, são os que mais valorizam as qualidades do gás natural.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   189

1) Hóa a caa-e-açúca Bal

O Brasil é um país connental, com área de oito milhões quinhentos e quatorze mil e oitocentose setenta e seis quilômetros quadrados, ocupando 47% de todo o território da América do Sul, segundodados do IBGE (Instuto Brasileiro de Geograa e Estasca). O clima é predominantemente tropical,especialmente na planície costeira banhada pelo Oceano Atlânco, região inicialmente colonizada e poronde se iniciou e, ainda hoje, é desenvolvida a cultura da cana-de-açúcar. Nessa região os solos são férteis

e o clima quente e úmido, com chuvas abundantes, variando em torno de 2.000 milímetros por ano, bemdistribuídos. Essa é a primeira unidade regional do Brasil colônia e a mais importante historicamente, queacabou por inuenciar todo o processo de colonização.

A perspecva inicial dos colonizadores do Brasil não era exatamente a de povoar e habitar o novoterritório, mas criar “feitorias comerciais”, com as quais pretendiam o fornecimento de bens de alto va-lor no mercado europeu. Diferente de outras colônias da época, como as do Mediterrâneo (exploradaspelos italianos), as do extremo norte da Europa (exploradas pelos ingleses e holandeses), as da África eÍndia (explorada pelos portugueses); no Brasil a situação se apresentava de forma inteiramente diversa:um território gigantesco, primivo, habitado de forma dispersa por populações nômades de índios, sem

condições de fornecer qualquer bem mais elaborado e de signicavo valor para o mercado europeu.Nesse contexto, segundo Caio Prado Junior (Historia Econômica do Brasil, 1990), a efeva ocupação dacolônia e os ns mercans não poderiam ser as simples “feitorias”, com um reduzido pessoal incumbidoapenas dos negócios, sua administração e defesa armada. No caso era preciso ampliar essas bases, criarum povoado capaz de abastecer e manter as “feitorias”, organizar a produção dos gêneros que interessamao comércio. Somando-se a essa realidade os franceses não respeitavam o tratado de Tordesilhas como osespanhóis, e submea Portugal a permanente ameaça de ocupação da colônia.

O desao da Coroa Portuguesa era encontrar pessoas interessadas e habitar e invesr nanceira -mente na Colônia. Estabeleceu-se uma políca de incenvo para compensar as diculdades, outorgando

àqueles que interessassem colonizar o Brasil, vantagens consideráveis entre as quais poderes soberanosque o Rei abria mão em benecio de seus súditos. O plano da Coroa Portuguesa em linhas gerais consisano seguinte: dividir a costa brasileira em doze setores lineares com extensões que variavam entre 30 e100 léguas (uma légua equivale a seis quilômetros). Estes setores denominados capitanias foram doadosa tulares que gozavam de grandes regalias e poderes soberanos; cabia-lhes nomear autoridades admi-nistravas e juízes em seus respecvos territórios, receber taxas e impostos, distribuir terras etc. O Reiconservava apenas direitos de suserania semelhantes aos que vigoravam na Europa feudal. Em compen -sação, os donatários das capitanias arcariam com todas as despesas de transporte e estabelecimento depovoadores (Caio Prado. Júnior, ed. 1990).

Os donatários levantaram fundos nanceiros em Portugal e Holanda para viabilizarem o plano decolonização da Coroa; em regra não dispunham de grandes recursos próprios. A principal avidade a serdesenvolvida na Colônia e que atraía invesmentos, principalmente de banqueiros e negociantes judeus,era a cultura da cana-de-açúcar. Tratava-se de um produto de grande valor comercial na Europa. Até então

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Estudos Estratégicos - PCdoB190

o açúcar para o velho connente era fornecido em pequenas quandades pela Sicília, pelas ilhas do atlân-co ocupadas e exploradas pelos portugueses desde o século anterior (ilha da Madeira e Cabo Verde), e oOriente, por intermédio dos árabes e tracantes italianos do Mediterrâneo. O volume desse fornecimentoera tão reduzido que o açúcar se vendia em “bocas”, pesado aos gramas. Ozires Silva e Decio Fischecitam no livro “Etanol - A Revolução Verde e Amarela” que há registros de comercialização de açúcar porvalores que hoje seriam equivalentes a duzentos reais por um quilo.

Figura 1 – Cena de um engenho de cana-de-açúcar no Brasil Colonial

Fonte: hp://vapordecachoeira.blogspot.com/2011/05/engenho-de-cachoeira-inova-e-cria.html

O Brasil já era conhecido quanto ao clima quente e úmido, adequado ao culvo da cana-de-açúcar.

A mão-de-obra a ser considerada era do índio, até então pacíca e em número razoável para o início daavidade agrícola da cana-açúcar. Os solos quando testados revelaram-se propícios ao culvo da cana eas respostas entusiasmaram os colonizadores. À frente dessa iniciava estava o donatário Marm Afonsode Souza65, que em 1532 incenvou a plantação de cana no Brasil, da espécie cana crioula originária dailha da Madeira e iniciou seu culvo na Capitania de São Vicente. Na connuidade, o destaque no períodocolonial foi o nordeste, na planície litorânea hoje ocupada pelo Estado de Pernambuco e o contorno daBaía de Todos os Santos, conhecido como recôncavo baiano. Assim, como base na avidade econômicada cana-de-açúcar e dos engenhos nanciada com recursos do mercado global, iniciou-se a efeva colo-nização do Brasil.

2) Apec aôc a caa-e-açúca

Figura 2 – Cana-de-açúcar

Fonte: hp://www.enciclopedia.com.pt/print.php?type=A&item_id=253

65  - Português de origem nobre, Militar, matemáco e Comandante da primeira expedição de colonização portuguesa.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   191

A cana-de-açúcar é a principal matéria prima para produção de açúcar e etanol combusvel no Bra-sil, é a planta mais estudada no País.

A cana-de-açúcar inclui-se entre as plantas propagadas vegetavamente nos planos comerciais,a propagação por sementes só se processa após os cruzamentos orientados nos programas de melhora-mento, visando à criação de novas variedades. O plano comercial é feito com cortes do caule da cana

contendo uma ou mais gemas, com nós e entrenós e primórdios de raiz e de gemas que se desenvolvempara gerar outros colmos que no início do desenvolvimento são chamados de perlho. É consenso que atemperatura interfere na velocidade das reações bioquímicas e na ação enzimáca envolvidas na divisão,diferenciação e crescimento celular, portanto na brotação. Em 1986, Christoole cita que em tempera -turas inferiores a 21ºC, a brotação é muito lenta e, acima disso, ela aumenta progressivamente, até angirum ponto ótimo, entre 27ºC e 32ºC.

Muitos fatores concorrem para a boa produvidade da cana-de-açúcar, mas as condições de fer -lidade do solo são essenciais e permitem uma boa brotação, crescimento da cultura e a sustentabilidadeao longo de muitos anos. Existem áreas em que se culva cana há mais de 150 anos e connuam com boa

produvidade. O profundo sistema radicular que explora grande volume de solo e recupera nutrientesde camadas inferiores; a permanência na terra de folhas e ponteiros de toda a palhada que não é maisqueimada; o retorno ao campo de resíduos como torta de ltro e vinhaça; adubações químicas, além dastécnicas de culvo mínimo, rotação com leguminosas, rotação com outras culturas, adição de outros resí -duos orgânicos, tem garando a sustentabilidade e elevado o patamar de produvidade de muitos solos.

A fotossíntese consiste em dois processos acoplados. Um deles é de caráter fotoquímico e compre-ende a absorção de luz e o transporte de elétrons. O outro é o bioquímico, com a captação do gás carbôni-co e a formação de compostos que encadeiam os átomos de carbono e retêm a energia absorvida a parrda luz nas ligações químicas das moléculas formadas. As plantas são agrupadas em três pos diferentes

de metabolismos da fotossíntese: as plantas C3, C4 e CAM. A tabela 1 apresenta as caracteríscas de cadaum desses grupos de plantas.

Tabela 1 – Plantas C3, C4 e CAM

Característica da Planta C3 (beterraba, soja)C4 (cana-de-açúcar,

milho)CAM (mandacaru)

 Anatomia Células esponjosas e

paliçádicas

Mesóflo e células da

bainha do feixe vascular 

Células com grandes

vacúolos

Taxa de Crescimento

(g.dm-2.dia-1)

1 4 0,02

Estômatos  Abertos durante o diae fechados à noite

 Abertos durante o dia efechados à noite

Fechados durante o diae abertos à noite

Efciência do uso de

água (g CO2.Kg-1H

20)

1 – 3 2 – 5 10 – 40

Taxa fotossintética

ótima(mgCO2.dm-2h-1)

30 60 3

Ponto de Compensação

de CO2*

50 ppm 5 ppm 2 ppm (no escuro)

Fotorrespiração  Alta Baixa Baixa

Enzima-chave da car-

boxilação

Rubisco (apenas) PEPcase, Rubisco PEPcase, Rubisco

Temperatura ótima 20 – 30ºC 30 – 45ºC 30 – 45ºC

*Concentração de CO2 onde não há fotossíntese líquida.

Fonte: hp://docentes.esalq.usp.br/luagallo/fotossintese.html

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Estudos Estratégicos - PCdoB192

Um dos grandes problemas de eciência das plantas é a perda de água pelos estômatos quandoestes estão abertos para permir a entrada do CO

2; o mecanismo C4, ao aumentar em dez vezes a concen-

tração de gás carbônico nas células da bainha vascular, acaba evitando a perda de água, pois o aprovei-tamento do CO

2 é muito melhor do que nas outras plantas (conhecidas como C3) e a tabela 1 demonstra

essa vantagem.

A existência da via fotossintéca de quatro carbonos é um exemplo da relação estrutura e funçãoem plantas que resulta em maior eciência energéca. E o é na medida em que a bainha vascular e seusmecanismos bioquímicos acoplados à via fotossintéca de três carbonos criaram, durante a evolução,mecanismo de potencialização do sistema fotossintéco que o torna mais eciente em situações de tem-peratura elevada e escassez de água, pracamente eliminando a fotorrespiração.

Do ponto visto agronômico, registra-se que a siologia do crescimento da cana-de-açúcar necessitade um período de carência de água e redução da temperatura para baixo de 30ºC, antes da formação dosfrutos, para que resulte no acúmulo sasfatório de açúcares no caule e com isso proporcione boa produ-

vidade do caldo.

Nessa condição a planta concentra sua energia não mais no crescimento vegetavo, mas na concen-tração de açúcar no caule, do contrario, em condições de abundância hídrica e temperatura ideal, seriampossíveis altas produvidades de massa verde e matéria seca, mas com baixo rendimento do caldo. Comoo objevo econômico é o caldo, de onde se produz o açúcar e etanol, a condição do ambiente ideal deforma connuada e ininterrupta não é desejável.

O fato é que, para se obter alta produvidade de sacarose é fundamental um ambiente em que, em

determinado momento do ciclo de crescimento da planta, as condições de umidade do solo sejam limita-das e a temperatura possa variar para baixo, causando um certo “estresse” na planta. Esta caracteríscaagronômica da cana-de-açúcar torna inconveniente o seu culvo na Região Amazônica, pois nesse biomaa circunstância relava à umidade e temperatura desejável para acumulação de sacarose na cana-de --açúcar não se verica.

A realidade de caráter agronômico descrito acima explica o processo natural e histórico de desen -volvimento da avidade de culvo da cana-de-açúcar em áreas do Brasil que estão distantes do biomaAmazonas. Esse fato contribui para demonstrar o quanto é vazia e despropositada a tese de que a amplia-ção dos canaviais no Brasil coloca em risco a oresta Amazônica. O mapa a seguir, de autoria da UNICAMP

e outras acerca da idencação das áreas de culvo da cana no Brasil, atesta que essas estão a mais doisquilômetros de distância da oresta Amazônica.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   193

Figura 4 – Setor Sucroenergéco - Mapa da Produção

Fonte: UNICA

Nas áreas onde cresce o culvo da cana-de-açúcar ocorre o aumento constante da produvidadepor hectare em regra porque a cultura expande-se por regiões com caracteríscas agronômicas que per -mitam grandes produvidades. Há de se registrar também a importância dos vitoriosos programas demelhoramento genéco da cana-de-açúcar, do avanço tecnológico no manejo de solo e na adubação, en -tre outros, oriundos de iniciavas dos setores público e privado que arculadamente têm proporcionadoavanços extraordinários nessa cultura.

Gráco 1 – Curva da evolução da produvidade da cana-de-açúcar

Fonte: IBGE-Produção Agrícola Municipal

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Estudos Estratégicos - PCdoB194

O fato é que a produvidade média de 61,5 toneladas por hectare, no ano de 1990, saltou para77,10 toneladas em 2007, segundo dados do IBGE que podem ser observados no gráco 1. Trabalhos doCentro de Gestão de Estudos Estratégicos (CGEE, 2006) fazem projeção para aumento da produvidademédia da cana-de-açúcar que deve chegar a 84 toneladas por hectare em 2020. Esse cenário anuncia umcrescimento de produvidade média por hectare de cana-de-açúcar de 36,6% nos úlmos trinta anos,o que nos leva a crer em ganhos connuados e signicavos do volume de produção nacional de cana --açúcar considerando apenas a superação de desaos tecnológicos na agricultura.

Ao estudar a produção de cana-de-açúcar no Brasil, é possível constatar o aumento da área planta -da, nas regiões tradicionais, como a zona da mata do Nordeste e no Sudeste brasileiro, mais recentementenovas fronteiras são incluídas como áreas potenciais para culvo da cana. É o caso de áreas do triângulomineiro, cerrado, Centro-Sul, Centro-Oeste e mesmo o semiárido do País. São fronteiras agrícolas novase importantes no processo de desenvolvimento regional. Segundo dados do IBGE, em 1990 a área plan-tada foi de 4.273.000 hectares e em 2007 foi de 6.692.000 hectares. Na safra de 2010 a UNICA – UniãoNacional dos Produtores de Cana – registra uma área de 8.510.000 de hectares, o que representa 2,5%da área agricultável do país. O potencial de expansão ainda é muito grande, pois há grandes extensões

de terra agricultáveis e aptas para o culvo de cana-de-açúcar, onde é desenvolvida a pecuária de baixorendimento com pastagens degradadas. Terras de potencial para expansão da cultura da cana, sem incluiráreas com vegetação primária, são esmadas pelo ZAE66 da cana, coordenado pela EMBRAPA67, em 37,2milhões de hectares, o que representa mais do que quadruplicar a produção atual de cana-de-açúcar,considerando somente a expansão territorial da cultura.

A iniciava do Governo Federal de elaborar o zoneamento agroecológico para a cultura da cana éuma ferramenta técnica de grande valor para o setor sucroalcooleiro, seja pela segurança que proporcio-na ao invesdor privado, seja como ferramenta de fundamentação de polícas públicas para o setor. AFigura 5 apresenta o referido zoneamento.

Há, no entanto, que se cricar o zoneamento agroecológico, documento norteador da expansão doculvo de cana-de-açúcar no Brasil, por não incluir as áreas de grande potencial agrícola e aptas para oculvo da cana-de-açúcar sob o regime de irrigação intensiva. Prevaleceu na elaboração do referido docu-mento a visão românca e inconseqüente, de olhar supercial de que a irrigação representa uma ameaçaao ecossistema do semiárido.

A não indicação da região do semiárido como zona apta para o culvo de cana-de-açúcar em re -gime de irrigação no documento agroecológico, ignora uma realidade de sucesso pracada por grandesempresas e pela agricultura familiar na produção de açúcar, rapadura, cachaça e etanol. Rejeita uma das

tecnologias mais desenvolvidas e que mais contribui para a produção agrícola do mundo, desejadas portodos e que o Brasil possui grandes potencialidades naturais, que é a irrigação. O disparate técnico e oerro políco do governo ao decidir por essa exclusão representam, do ponto de vista socioeconômico, oagravamento da condenação histórica do semiárido do Nordeste à miséria e à pobreza, num cenário deabsoluta necessidade de aumento da produção nacional e regional de cana-de-açúcar.

A região semiárida do Nordeste brasileiro tem um grande potencial de produção que precisa estarpresente nos planos de desenvolvimento do setor, para que possa ser atendido pelo conjunto de polícaspúblicas e seja um espaço atravo para o invesdor privado. Reverter esse cenário de exclusão econômicaé uma boa oportunidade para se enfrentar a pobreza extrema tão presente no Nordeste brasileiro. Na

Bahia, por exemplo, onde setenta por cento do território é região semiárida, o maior empregador rural

66 - ZAEcana – Zoneamento Agro-ecológico da Cana-de-açúcar

67 - EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

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Dossiê I.5 - A questão energéca   195

do estado é uma indústria de etanol e açúcar localizada no semiárido, centenas de alambique produzemcachaça e rapadura a parr do culvo de cana em microbacias do sertão afora. Há também de se consi-derar que com a irrigação pode-se dobrar a produvidade e colher na entressafra, proporcionando umamelhor distribuição da oferta de etanol combusvel ao longo do ano, com efeitos benécos no equilíbriode preços. Esses são desaos atuais a serem considerados no planejamento estratégico para o setor su -croalcooleiro.

Figura 5 – Zoneamento agrícola para a cultura da cana-de-açúcar.

Fonte: Ministério da Agricultura, Governo Federal

3) o eevlve a úa

A indústria da cana surge no Brasil com o início da colonização, por volta de 1532. O engenho é umestabelecimento complexo, compreendendo numerosas construções e aparelhos mecânicos: moenda, naqual a cana é espremida; caldeira, que fornece o calor necessário ao processo de puricação do caldo;casa de purgar, onde se completa essa puricação. Como estrutura complementar exisa a casa grande,habitação do senhor; a senzala dos escravos e instalações acessórias ou secundárias: ocinas, estrebariasetc.

O sucesso da produção de açúcar no Brasil foi extraordinário e já em 1582, cinqüenta anos depoisdo início, o Brasil chegou a liderar a produção mundial de açúcar. Por volta de 1850 a indústria da canavinha passando por diculdades, decorrente da forte concorrência do açúcar produzido nos Estados Uni-dos e na Europa a parr da beterraba. Ozires Silva68 (2008) cita que em Cuba a produção também cresceuextraordinariamente e esse passou a ser o maior produtor mundial. O fato é que em 1874 a produção deaçúcar de Cuba representava 25% dos dois milhões, seiscentos e quarenta mil toneladas comercializadas.Os Estados Unidos e a Europa, juntos, chegaram a 36% desse mercado, enquanto o Brasil apenas 5%.Também corroborou para essa situação a diculdade com mão-de-obra decorrente do “ciclo do ouro” queacabou por deslocar da agricultura para a mineração expressiva força de trabalho escrava.

O imperador Dom Pedro II, entusiasta de novas tecnologias, percebendo a diculdade dos enge -

68 - Autor do livro Etanol: revolução verde e amarela

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Estudos Estratégicos - PCdoB196

nhos, determina a elaboração de um programa de modernização da produção de açúcar. O centro daestratégia era criar os “Engenhos Centrais69”, centralizando e buscando maior escala da indústria propria-mente dita. A parte agrícola do culvo da cana caberia aos fornecedores de matéria prima. Foi aprovadapelo Império a criação de oitenta e sete “Engenhos Centrais”, mas só doze foram de fato implantados.

O primeiro dos Engenhos Centrais aprovados foi o “Quissamã”, construído na região de Campos,

no Rio de Janeiro; entrou em operação em 1877 e está em avidade até hoje, outros foram instalados noNordeste e em São Paulo. No entanto, a maioria dos “Engenhos Centrais” não prosperou em decorrênciade diversas diculdades como o desconhecimento dos novos equipamentos e falta de compromisso dosfornecedores de cana, que preferiam produzir aguardente ou mesmo açúcar pelos velhos métodos. Ape-sar da novidade, o açúcar derivado da cana connuava a perder mercado para o derivado da beterraba eem 1900, este representava mais de 50% da produção mundial.

Novo esmulo à indústria canavieira no Brasil ocorreu a parr de 1914, com o início da primeiraguerra mundial e liquidação da indústria de açúcar europeia de beterraba. Os preços do açúcar subirammuito, criaram-se as condições de atravidade para a construção de novas usinas no Brasil, notadamente

em São Paulo, onde muitos fazendeiros de café desejavam diversicar seu perl de produção e passarama invesr na cana-de-açúcar.

Em 1922 surge a DEDINE70 em São Paulo, que veio a ser a maior indústria de produção de máquinase equipamentos para a indústria da cana-de-açúcar do mundo contemporâneo. A DEDINE tem um históri-co de atenção e ousadia quanto às oportunidades de desenvolvimento, aproveitou bem as oportunidadessurgidas desde a década de trinta, época de absorção de tecnologias para atender os engenhos e as usinasque se estabeleciam, demandando equipamentos cada vez mais pesados e soscados. Foi um momentode grande ganho em escala e eciência da indústria da cana em São Paulo. A produção no estado, em1925, foi de 155 mil sacas de sessenta quilos e passou para 1.900.000 mil sacas em 1934.

Com o surgimento do PROALCOOL71 a indústria viveu um novo ciclo virtuoso, com grandes inves-mentos na implantação e ampliação das usinas, aumento da produção, ganho em escala e eciência. Nes-se momento, o foco central eram as usinas para produção de etanol combusvel. O Etanol anidro passoua ser usado na gasolina em misturas cada vez maiores e chegou ao limite atual de 25%. Mas também sedesenvolveu toda uma linha de produção do etanol hidratado, combusvel ulizado puro nos veículos.De produto secundário da cana de açúcar, o etanol combusvel foi ganhando cada vez mais importância.Com mercado cavo para etanol anidro, denido pela mistura deste na gasolina e mercado em francocrescimento para etanol hidratado, decorrente do lançamento dos carros de uso exclusivo de etanol, aindústria expandiu extraordinariamente.

Em 2003 a tecnologia dos motores Flex-Fuel72 representou uma realidade nova e que provocou novociclo virtuoso para indústria de etanol. A evolução do processo industrial de produção de etanol foi sur-preendente. De um sistema de produção por batelada, lento e aberto, no qual os resíduos industriais cau-savam grandes danos ambientais e sociais. Com custos elevados e o produto nal sem compevidade,a indústria transformou-se em um sistema de produção connuo, rápido e fechado, de grande eficiência,em que os resíduos de outrora são matérias-primas de novos produtos, como adubo e energia elétrica.

O fato é que, como pode ser observado na Tabela 2, há registro de eciência em todo o processoindustrial: na lavagem da cana, extração e tratamento do caldo, rendimento e tempo da fermentação, no

69 - Engenhos Centrais – Políca do Imperador Dom Pedro II de modernização e ganho de eciência dos engenhos.

70 - DEDINE – Empresa fabricante de maquinas e equipamentos para indústria de açúcar e etanol

71 - PROALCOOL – Programa Nacional do Álcool

72 - Flex-Fuel – motor exível quanto ao uso de gasolina e etanol

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Dossiê I.5 - A questão energéca   197

processo de deslação e tratamento do vinhoto. Do ponto de vista de ganho energéco do sistema deprodução, destaca-se a evolução das caldeiras de baixa pressão (21 bar) para alta pressão (90 a 100bar)e a co-geração de eletricidade do bagaço da cana. A redução do custo do processo industrial e a sinergiacom a geração de múlplos produtos proporcionam grande compevidade ao etanol.

Tabela 2 – Ganhos de eciência no processo da produção de bioetanol (%)

Situação

(Conforme Tabela 26)

Perdas nalavagem de

cana

Eficiênciade

extração

Perdas notratamento

do caldo

Rendimentona

fermentação

Perdas nadestilação e

vinhoto

Situação atual 0,50 96,00 0,75 90,30 0,50

Primeiro estágio de otimização 0,40 96,50 0,75 91,00 0,50

Segundo estágio de otimização 0,30 97,00 0,50 91,50 0,25

Terceiro estágio de otimização 0,25 98,00 0,35 92,00 0,20

Fonte: CGEE (2006)

Em 1978, início do PROALCOOL, para cada tonelada de cana produzida, eram extraídos 70 litros deetanol; hoje cada tonelada de cana permite extrair até 86,20 litros de etanol e as projeções para o de-senvolvimento tecnológico num cenário de 2020 dão conta de uma esmava de 89,50 litros de etanolpor tonelada de cana. Considerando apenas o processo industrial de extração do caldo da cana, a médiapor tonelada apresenta expectava de crescimento em 42 anos de 27,8%. Essa evolução, considerandoperíodos especícos, pode ser observada na Tabela 3.

Tabela 3 – Impacto da introdução de novas tecnologias na produção de bioetanol.

 Agrícola(t/ha) Industrial(litro/t)  Agroindustrial(litro/ha)65  70  4.550 

75  76  5.700 

Situação Atual

85  80  6.800 

2005 - 2010

81  86,2  6.900 

2010 - 2015

83  87,7  7.020 

2015 - 2020

84  89,5  7.160 

Segundo estágio de otimização dosprocessos

Terceiro estágio de otimização dosprocessos

Período

Produtividade

Processo de produção de bioetanosoperando com a melhor tecnologiadisponível

Primeiro estágio de otimização dosprocessos

Baixas eficiências no processo industrial ena produção agrícola

1977 - 1978

Fase inicial do Programa Nacional do Álcool

1987 - 1988

Consolidação do Programa Nacional do Álcool

 A produtividade agrícola e a produtividadeindustrial aumentam significativamente

Fonte: CGEE (2006)

Registra-se uma taxa elevada do crescimento da capacidade instalada das unidades produtoras de

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Estudos Estratégicos - PCdoB198

etanol a parr do ano de 2005 seguindo até 2008, em seguida uma queda signicava até os dias atuais,como se verica no Gráco 2. Em 2005 nove novas usinas entraram em operação, chegando a um pico nasafra de 2008/2009 com 30 novas unidades entrando em operação. Desse período em diante se observauma curva decrescente na ampliação da capacidade instalada, chegando à atual safra, 2011/2012, comapenas cinco novas unidades.

Gráco 2 – Evolução do número de novas unidades produtoras de etanol no Brasil

Fonte: UNICA em audiência pública na Câmara dos Deputados

A variação da taxa de instalação de novas unidades de produção de etanol combusvel de 10,40%ao ano, período de 2001 a 2008, para 3,3% no período de 2009 a 2011, sinaliza redução signicava deinvesmentos no setor e tendo como causa, em grande parte, a crise nanceira mundial de 2008. Essa

circunstância econômica tem impactado negavamente na atual oferta de bioetanol combusvel.

O grande pico de crescimento no número de unidades sucroenergécas ocorreu no período de 2001a 2008, como se verica no Gráco 3 abaixo apresentado pela ÚNICA em audiência pública na Câmara dosDeputados73. Esse crescimento está relacionado com grandes invesmentos estrangeiros, especialmentepor companhias mulnacionais de petróleo que idencaram o etanol combusvel produzido no Brasil,a parr da cana de açúcar, como energéco complementar e substuto da gasolina, atravo economica-mente e com grande74 escala de produção, capaz de atender o mercado interno brasileiro.

73 - Audiência Pública na Câmara dos Deputados com o objevo de tratar da crise do abastecimento de etanol combusvel.

74 - Grandes Empresas que invesram no setor sucroenergéco como a PETROBRAS e BUNGE.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   199

Gráco 3 – Taxa de crescimento do setor e previsão para 2012 no Brasil

Fonte: UNICA em audiência pública na Câmara dos Deputados

Destaca-se no movimento de grandes aquisições e invesmento no setor a presença de pelo menossete grupos econômicos mulnacionais: a francesa Louis Dreyfus, a Cosan do Brasil, a inglesa BP, a Cargile BUNGE americanas e a ETH da Odebrecht e PETROBRAS do Brasil. O capital estrangeiro passou a repre-sentar aproximadamente 22% do capital geral do setor sucroenergéco do Brasil, conforme declaraçãodo Presidente da principal endade de classe do setor, Marcos Sawaya Jank, publicada na revista “CarosAmigos” 75 nº 172 de julho de 2011. Verifica-se também nesse período, no Brasil, a presença de gigantesdo mercado multinacional de alimentos atuando na aquisição e ampliação de unidades produtoras deaçúcar, etanol e energia elétrica, certamente dada a atratividade do preço do açúcar no mercado mundial.

Esse cenário não representa necessariamente a desnacionalização do setor, como foi alegada napublicação citada anteriormente, mas demonstração objevamente a grande importância global que osetor sucroenergéco ganha na matriz energéca do país, com perspecva clara de destaque também nomundo.

Estudos da UNICA e COPERSUCAR projetam para os próximos dez anos uma necessidade de pelomenos mais 150 novas usinas e invesmento da ordem de 80 bilhões de dólares para atender a demandainterna por cana-de-açúcar no Brasil..

A projeção apresentada no Plano Nacional de Energia para 2013, elaborado pela Empresa Planeja-mento Energéco do Governo Federal, indica limitações da capacidade instalada e da produção para umcenário de curto prazo, conforme Gráco 5 que segue abaixo.

75 - Caros Amigos nº 172, de julho de 2011 traz matéria com o tulo: “Desnacionalização do Etanol”

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Estudos Estratégicos - PCdoB200

Gráco 5 – Gráco da capacidade instalada até 2012

Fonte: Elaboração EPE a parr de MAPA e UNICA

O aspecto central para invesmento na produção de etanol é o fato de este ser um combusvel

renovável, complementar e substuto da gasolina no gigantesco mercado interno brasileiro e no exterior,que se torna cada vez mais compevo, dado o desenvolvimento tecnológico do setor e os preços eleva -dos do petróleo. No entanto, a crise de abastecimento no nal da entressafra de 2011 fez com que todosos atores envolvidos com a cadeia produva do etanol, públicos e privados, atentassem para a necessida-de de aumento da produção e melhor planejamento do setor.

O programa brasileiro de biocombusveis tem uma imagem posiva, única no mundo. O risco defaltar etanol é algo muito negavo para o programa nacional de biocombusvel, expõe um vetor mui-to importante, a garana do abastecimento. O governo, ao lançar o Plano Safra 2011/2012, apresentaaumento signicavo de recursos para o custeio agrícola. A expectava é de que parte desses recursos

venha ajudar a renovação e ampliação dos canaviais.

Atrair grandes invesmentos para o setor sucroenergéco é desao atual e urgente para a iniciavaprivada e do próprio governo. As expectavas de invesmentos estrangeiros no momento de grave e pro-funda crise nanceira internacional, com origem nas economias centrais, Estados Unidos e Europa, nãosão promissoras.

É urgente a necessidade de um plano de maior envergadura para viabilizar grande crescimentodesse setor e, necessariamente, passa por políticas públicas, as quais devem levar em conta montantesexpressivos de recursos nanceiros, dado o tamanho da demanda, o potencial de crescimento e a impor-

tância estratégica da cana-de-açúcar. O histórico das taxas de juros76 pracados Brasil no mercado abertoassusta e inviabiliza muitos invesmentos, a atuação do governo deve ser no sendo de proporcionarcrédito com juros adequados à natureza de longo prazo do retorno do invesmento, bem como garanasde crédito evoluvas, que esmulem novos entrantes, inclusive cooperavas de produtores e empresasde pequenos e médios produtores de cana-de-açúcar.

As previsões de demanda por etanol combusvel são crescentes, em qualquer cenário que se ana-lise, e os preços do petróleo no mercado internacional vêm mantendo-se elevados com possibilidadesde alta, dadas as ameaças de novas guerras no Oriente Médio. O caso mais recente são as ameaças deinvasão do Estados Unidos e Israel ao Irã com alegações de que este estaria produzindo armas nucleares

(mesmo argumento que juscou o ataque ao Iraque). Os impactos na produção de Petróleo não serãoapenas com base na produção própria do Irã, hoje em quatro milhões de barris/dia, mas dos problemas

76 - Site do Banco do Central, www.bcb.gov.br/p/juros-spred1.PDF publica: “As taxas de juros brasileiros estão atualmente entre os mais elevadosdo mundo”.

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   201

que poderão ocorrer com o uxo comercial, esmado em vinte milhões de barris/dia de petróleo, quetransitam diariamente pelo canal de ORMUZ77, sob controle do Irã.

O crescimento da produção do bioetanol combusvel no Brasil é importante estrategicamente parao País, com impactos posivos no conjunto da políca econômica, social e ambiental. Nesse sendo, aprimeira manifestação formal da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis após a

MP 53278 foi registrar a necessidade urgente de ampliação da produção de etanol, por meio de ocio aoGoverno Federal.

4) A Qeã abeal

A questão ambiental ganha muita importância no mundo contemporâneo e com forte inuência napolíca e na economia. Por todos os cantos eclodem pardos polícos com plataforma exclusiva voltadapara a temáca ambiental e quase todos os pardos, de uma maneira direta ou indireta, incluem nas suasplataformas de luta temas de cunho ambiental. Os consumidores dos países desenvolvidos, por sua vez,estão sempre dispostos a pagar mais por um produto ecologicamente correto. É um valor que se agregaaos produtos a responsabilidade sócio-ambiental das empresas produtoras. De todo esse complexo ce-nário de valorização e sensibilidade para as questões ambientais o centro do desao contemporâneo é oaquecimento global decorrente do efeito estufa, o qual prevê aumento de temperatura do planeta Terrae conseqüências dramácas para a civilização humana decorrentes de deformações graves nas atuaiscondições climácas.

Segundo Chisan Ngô, no livro Energia – Motor da Humanidade79, as emissões de gases de efeitoestufa aumentaram 70% entre 1970 e 2004. A concentração de CO

2 na atmosfera (379 ppm) é a maior

em 650 mil anos. A ulização de combusveis fósseis na produção de energia (calor ou frio, transportee eletricidade) provoca grandes emissões de CO

2

. Especialistas preveem um aumento da temperaturamédia entre 1,1 ºC e 6,4 ºC até o nal do século XXI, de acordo com as escolhas feitas ou não quanto aoseslos de vida.

Entre 1950 e 1970, as emissões médias de CO2 por habitante, provenientes do uso de combusveis

fósseis, aumentaram consideravelmente, passando de 2,4 toneladas de CO2 em 1950 para 4,1 toneladas

em 1970. O aumento foi menos acentuado até a década de 1980, quando alcançamos 4,4 toneladas deCO

2. Em seguida, permaneceu no patamar de 4,1 toneladas, voltando a subir nos anos de 2000. Ao consi-

derar as emissões totais, a situação é mais dramáca porque a população mundial aumenta signicava-mente. Ela passou de 2,5 bilhões de habitantes em 1950 para 6,75 bilhões no nal de 2008. A conjunção

do aumento da população e das emissões por habitante acarreta enorme crescimento das emissões deCO2.

Registra-se que, dos setores econômicos, o de maior responsabilidade pelas emissões de CO2 é o se-

tor de energia que responde por 84% das emissões. A agricultura contribui com 8%, a indústria com 5,5%e detritos com 2,5%. As emissões de CO

2 atuais resultantes do uso da energia são próximas de 7 bilhões de

toneladas de carbono, ou seja, quase 26 bilhões de CO2. A natureza absorve quase metade disso através

de diferentes mecanismos. Todos os anos, há 3Gt de carbono a mais na atmosfera, o que aumenta o efeitoestufa natural. Os combusveis líquidos respondem por 41,6% do total dessas emissões.

77 - ORMUZ – Canal marímo que permite o acesso de petroleiros do Oriente Médio para a Europa e controlado pelo IRÃ.

78 - MP 532 – Estabelece nova regulação para etanol combusvel.

79 - O Livro “Energia – Motor da Humanidade” é de autoria de Chrisan Ngô, Ex-Diretor Cienco do Comissariado de Energia Atômica – CEA daFrança.

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Estudos Estratégicos - PCdoB202

O Brasil possui uma matriz energéca privilegiada comparada com restante do mundo, diversicadae em grande parte, a energia produzida e consumida é renovável. A diversicação das fontes de energiaprimária tem extraordinária relevância na segurança da oferta do abastecimento, complementaridadedessas fontes, e numa salutar compevidade rumo ao desenvolvimento tecnológico e eciência econô-mica.

A matriz veicular no Brasil é também referência, especialmente pela parcipação dos biocombus-veis. Em 2008 o consumo de etanol no Brasil foi superior ao da gasolina. Foram comercializados nesseperíodo 19.583.791.750 bilhões de litros de etanol para 18.881.087.250 bilhões de litros de gasolina. Oetanol produzido da cana-de-açúcar é uma da melhores opções para migar as emissões de gases de efei-to estufa pela queima de combusveis fósseis. O balanço energéco (unidade de energia renovável extra-ída por unidade de energia fóssil inserida) é extremamente favorável, angindo 8,9:1, com a redução deemissões de 2,86 e 2,16t CO2 eq./m³, para o etanol anidro e hidratado respecvamente (LUCON, 2008).

O uso do etanol combusvel caracteriza um excepcional desempenho da matriz enérgica, evitandoemissões de GEE equivalentes a 13% das emissões de todo o setor de energia no Brasil, tomando por base

o ano de 1994, hoje o cenário é muito melhor. Para cada100 milhões de toneladas de cana adicionais, nospróximos anos, poderiam ser evitadas emissões de 12,6 mt CO

2 eq., com etanol, bagaço e com energia

elétrica excedente adicional (MACEDO et al, 2004).

Os principais efeitos do uso do etanol combusvel (puro ou na mistura com gasolina) foram: aeliminação dos compostos de chumbo na gasolina; a redução das emissões de monóxido de carbono; aeliminação de enxofre e material parculado; emissões menos tóxicas e fotoquimicamente reavas decompostos orgânicos (MACEDO et al, 2004).

A gasolina produzida no Brasil no nal da década 1960 e início da de 1970, usava um adivo dechumbo para melhorar a octanagem e proporcionar a queima adequada do combusvel. Esse adivo eraimportado e segundo Silva (2008),

O chumbo era importado, queimava divisas, e (ainda não se sabia) é um produto cancerígeno. Emvez de chumbo, passou-se a adotar álcool anidro, nacional, em proporções cada vez maiores, até chegara 25%, com a vantagem de proporcionar mais octanagem ao combusvel do que o próprio chumbo tetra-ela. O Brasil, em 1992, foi o primeiro país do mundo a eliminar totalmente o chumbo tetraela de suamatriz de combusveis, embora, desde 1989, cerca de 99% do petróleo renado no País já não usassemesse adivo.

A tecnologia veicular como um todo vem desenvolvendo bastante quanto à redução de parculadosgasosos poluidores. Os automóveis exíveis possuem emissões totais comparáveis ou até menores doque aqueles que ulizam a mistura de gasolina com até 25% de etanol anidro. Os acetaldeídos emidospelo uso do etanol são menos tóxicos que formaldeídos decorrentes do uso da gasolina (LUCON, 2008).

A produção agrícola da cana-de-açúcar é alvo de avaliações e quesonamentos quanto à susten-tabilidade ambiental. O contexto é de grande exigência social, políca e legal de adequação das prácasagronômicas ao conceito de sustentabilidade ambiental, qual seja produzir agora com o menor impactoambiental possível e assegurar as condições de disponibilidade das riquezas naturais às gerações futu-

ras. A FAO80 dene agricultura sustentável como aquela que combina tecnologias, polícas e avidades,integrando princípios socioeconômicos com preocupações ambientais, de modo que possa, simultanea-

80 - FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação

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Dossiê I.5 - A questão energéca   203

mente: manter ou melhorar a produção e os serviços (produvidade); reduzir o nível de risco da avidade(segurança); proteger o potencial de recursos naturais e prevenir a degradação da qualidade do solo e daágua (proteção); ser economicamente viável (viabilidade), e ser socialmente aceitável (aceitabilidade).

O setor sucroalcooleiro desde há algum tempo vem preocupando-se e dando mostras concretasde sua adesão aos apelos da AGENDA 21, seja através da adequação aos sistemas formais de ISOs (9000,

9001, 14000 etc.), seja por meio de ações concretas no seu sistema de produção, tais como o sistema decolheita de cana crua; a queima controlada; a adesão ao pacto ambiental com o governo de São Paulo;proteção de mananciais; repovoamento da mata ciliar; práca conservacionista de construção de terraçose carreadores; uso de resíduos da fabricação como fonte orgânica de nutrição das plantas; sistema depreparo de solo mínimo; sistema de trato cultural direto e o controle do tráfego de máquinas na colheitamecânica.

O plano direto é um exemplo de práca sustentável no manejo de solo já ulizada nas lavourasde cana do estado de São Paulo. Demae (2004) arma que, em algumas usinas, tem sido ulizado oplano direto da seguinte forma: após a liberação da área para reforma e da instalação do sistema viário

e conservacionista, é feita a aplicação dos correvos de solo e a erradicação química da soqueira e daservas existentes. Em seguida, faz-se o plano direto da soja nas entre linhas da soqueira de cana e, apósa colheita da soja, são feitos a sulcagem do terreno e o plano da cana.

Para Gonçalves (2006), o plano sem preparo do solo é o caso extremo do culvo mínimo, no qualo fornecimento de trabalho tanto no aspecto qualitavo como quantavo conduz ao mínimo de mobi -lização. Para esse autor o plano direto pode ser denido como um sistema no qual o plano é realizadoem solo não-revolvido e depende do controle químico das plantas daninhas. O autor também relata oesquema de plano direto adotado pela Usina Alta Mogiana. Em áreas desnadas ao plano direto, sejamelas soca de cana, sejam elas áreas novas, são feitas a aplicação de correvos, sistemazação e a limpeza

do terreno. A eliminação química da cultura e das plantas indesejáveis é feita antecedendo o plano dasoja. Ao nal do ciclo da leguminosa, são realizadas as operações de sulcagem, adubação, distribuição demudas, recobrimento do sulco e aplicação de pescidas.

Dados da UNICA, apresentados no Gráco 6, registram uma curva crescente de mecanização dacolheita da cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Reduções das queimadas caracterizando grande efe -vidade do pacto ambiental rmado entre os usineiros e Governo com vistas à antecipação das metas deredução das queimadas estabelecidas na legislação ambiental especíca do estado.

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Estudos Estratégicos - PCdoB204

Gráco 6 – Gráco da área de colheita da cana-de-açúcar sem uso do fogo para queima da palha.

Fonte: UNICA

O mesmo protocolo ambiental81  também faz referências ao repovoamento com espécies navasdas áreas de preservação permanente, tais como matas ciliares. O processo em curso também demons-tra ampliação dessas áreas e mais uma vez efevidade do referido acordo ambiental. No estado de SãoPaulo, dados da UNICA dão conta de que na safra de 2007/2008 registraram-se 122.449 hectares de áreaprotegida, em 2008/2009 houve uma ampliação para 130.437 hectares. Em 2009/2010 as referidas áreaschegavam a 143.462 hectares, aponta para uma curva de crescimento signicava do repovoamento deáreas protegidas.

5) dbçã e Cle e Qalae Eal Cbvel

A cadeia de distribuição do etanol combusvel segue a mesma estrutura da distribuição dos demaiscombusveis veiculares no Brasil. O combusvel do produtor fornecedor segue necessariamente para umDistribuidor que encaminha para um Posto Revendedor de quem o consumidor pode adquirir o produto.O Distribuidor também pode vender a um grande consumidor, constuído numa pessoa jurídica, chama-da de Ponto de Abastecimento ou pode vender para um TRR, Transportador, Retalhista, Revendedor. Esseúlmo também pode revender ao Ponto de Abastecimento ou a um Posto Revendedor.

A rede de distribuição de combusveis veiculares no Brasil é de grande capilaridade e está presenteem todo o território nacional. Existem operando no Brasil 16 renarias, 03 centrais petroquímicas queproduzem diesel e gasolina, e mais 424 usinas de produção de etanol anidro e hidratado. Na rede dedistribuição e revenda são 231 distribuidoras, 376 TRRs, 38.928 Postos Revendedores e 6.405 Pontos deAbastecimento, instalados em mais de 97% dos 5.297 municípios brasileiros. No atual regime a distribui-dora não pode operar diretamente o posto revendedor, nem esse pode comprar diretamente do produ -tor, necessariamente o posto revendedor e TRR devem comprar de uma distribuidora82.

Em pracamente toda essa gigantesca rede de distribuição há disponibilidade de etanol combus -

vel para atender o consumidor. É um diferencial importante do Brasil em relação à distribuição de etanolcombusvel com outros países; nem mesmo os Estados Unidos da América, maior produtor e consumidor

81 - Protocolo ambiental para cana-de-açúcar do Estado de São Paulo

82 - As distribuidoras têm papel importante no controle da qualidade e na segurança do abastecimento.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   205

do mundo, possuem a estrutura para ofertar etanol com a abrangência e capilaridade que existe no Brasil.A gura seis que segue representa a estrutura de produção, distribuição e revenda do combusvel líquidono mercado brasileiro.

Figura 6 – Estrutura do Abastecimento Brasil

Fonte: ANP83 

No caso etanol combusvel há parcularidades quanto à gura de produtor fornecedor. A principal

diferença está no fato de que o produtor de etanol combusvel também é produtor de alimento, o açúcar.Dessa forma, para o industrial que tenha planta de produção de etanol combusvel e açúcar, ele deveráser cadastrado como produtor fornecedor de etanol84, e somente nestas condições poderá comercializare estará sujeito a toda legislação de combusvel no Brasil. Essa caracterísca da produção de etanol re-quer maior atenção quanto ao controle da produção da matéria-prima e do próprio combusvel, pois esteimpacta no planejamento e na previsibilidade da oferta do etanol combusvel.

Na publicação “A economia políca do etanol” (2011) o economista e produtor rural de etanol emmicrodeslaria, Fernando Neo Safatle propõe a implantação de um amplo programa de produção deetanol a parr de micro-deslaria. O autor apresenta sugestão de mudança nas regras de distribuição

do etanol hidratado, no sendo de ser viabilizada a venda direta do produtor aos postos revendedores.Segundo Safatle (2011),

Pela lei em vigor, o etanol combusvel, que é produzido nas 360 usinas só pode ser comercializadopara as cerca de 100 distribuidoras autorizadas pela ANP, que por sua vez, depois de dar um longo pas-seio, chegam aos 30 mil postos de combusveis espalhados pelo País. As distribuidoras de petróleo nãovão adquirir etanol de pequenos e médios produtores, produzindo em pequena escala e pulverizados noterritório nacional, o que aumentaria em muito do frete. Sem escala de produção, os pequenos e médiosprodutores rurais foram alijados do processo produvo, cando à margem do mais lucravo negócio daagroindústria no país.

83 - Dados atualizados em outubro de 2011.

84 - Resolução da ANP, apresentada em Audiência Pública, mas ainda sem publicação.

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Estudos Estratégicos - PCdoB206

Nessa mesma linha de pensamento, da venda direta ao posto revendedor, encontram-se com frequ-ência cooperavas e associações de pequenos produtores de cachaça querendo dar desno de combus -vel para o que se chama de “cabeça e cauda” do processo de produção da aguardente.

Os subprodutos das deslarias “cabeça e cauda” do processo de produção da cachaça não são com -busveis e para ser transformado em nesse requer signicavos invesmentos em colunas de deslação,

com resultados duvidosos quanto à viabilidade econômica, dada a escala industrial de produção.

Raramente se encontra um pequeno produtor desejoso de produzir exclusivamente etanol hidrata-do, ou mesmo, prioritariamente etanol. Especialmente pelo preço do etanol hidratado comparado com oda cachaça, esta tem um valor agregado muito maior. A ideia de se aumentar a oferta com vistas à redu -ção de preços do etanol hidratado não irá atrair nenhum pequeno produtor, pois os preços atuais já nãoatraem tanto.

No atual sistema de distribuição de etanol combusvel não há nenhuma restrição à parcipação deprodutores de etanol a parr de micro-deslarias. O que é obrigatoriedade do produtor fornecedor deetanol é colocar no mercado um produto especicado para combusvel. Podendo ser etanol anidro ouetanol hidratado, mas a especicação, necessariamente deve estar enquadrada em uma das caracterís-cas sico-química Tabela 4, seja etanol anidro ou hidratado.

Tabela 4 – Especicações do etanol anidro combusvel (EAC) e o etanol hidratado combusvel (EHC).

Fonte: ANP

7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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Dossiê I.5 - A questão energéca   207

O que de fato ocorre com as microdeslarias, que pretendem produzir etanol combusvel é a di-culdade das plantas industriais simplicadas proporcionarem a concentração adequada do etanol, assimcomo as caracteríscas de densidade, ph, conduvidade etc, necessárias ao bom funcionamento dosmotores veiculares. O produto comercializado sem os rigores de qualidade rapidamente irá desmoralizaro bioetanol no mercado, criando rejeição por parte do consumidor e mesmo da rede de distribuição erevenda que é co-responsável pela qualidade do produto que chega ao consumidor.

A venda direta do produtor ao revendedor apresentada por Safatle como grande movação de via -bilidade das microdeslarias também merece mais alguma reexão. Há que se considerar a possibilidade,amparada na atual legislação, de se criar pequenas distribuidoras regionais, especializadas em distribui-ção de etanol combusvel. Alias, hoje já existe esse po de agente econômico. Grupos de pequenos pro -dutores podem se organizar em cooperavas, associações e criar pequenas distribuidoras regionais paraabastecer o mercado regional, evitando “passeios desnecessários” com o etanol.

Alterações e adequações às regras de funcionamento do setor são uma constante no órgão regula-dor e podem ocorrer a qualquer momento, desde que haja efeva movação de algum setor econômico.

O problema de maior alcance é a efeva conveniência econômica para as microdeslarias produzir com-busvel, dado o baixo valor agregado desse produto. O etanol combusvel precisa ser compevo com agasolina, pois o etanol hidratado é produto substuto; não havendo conveniência nanceira o consumi-dor deixa de comprar esse combusvel e adquire o outro mais barato.

O custo esmado de um litro de etanol combusvel em uma indústria convencional, de grande es-cala, no Brasil, gira em torno de 0,25 de dólares ou 0,45 de reais na porta da indústria, sem a carga tributá-ria e não tem sido fácil a concorrência com a gasolina. Em decorrência dos preços no ano de 2010, houveum recuo na comercialização de etanol hidratado de 8,5% e um crescimento nas vendas de gasolina daordem de 17,4%, segundo dados da ANP.

Um programa de produção de etanol hidratado a parr de pequenos produtores de cana-de-açúcar,organizados em cooperava, proprietários e gestores de uma grande unidade industrial de produção deetanol combusvel deve levar em conta a necessidade de produção do combusvel que terá que sercompevo para ter sustentabilidade econômica. Há de se considerar que a escala de produção impactaposivamente no preço de qualquer produto e no preço do etanol também.

A questão desaadora é buscar escala para o pequeno, o que é possível, desde que haja organizaçãoe foco. Um grupo grande de pequenos produtores organizados em cooperava ou mesmo em uma em-presa comercial poderão construir uma grande unidade sucroenergéca, com grande escala de produção,reduzir custos e omizar invesmento, proporcionando maior renda para múlplos proprietários. Conde-nar o pequeno a ser sempre pequeno, desarculado de um grande sistema de produção é condená-lo aofracasso econômico num mercado que é aberto e ao mesmo tempo concentrado.

A sustentabilidade do bioetanol como combusvel no Brasil, em grande parte, está associada à qua-lidade do combusvel e a garana dessa ao consumidor nal do produto.

No Brasil a responsabilidade por garanr a qualidade dos combusveis comercializada é estabe-lecida na lei nº 9.47885 e cabe à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis exercer ascalização em toda a cadeia produva.

O quadro atual da qualidade dos combusveis no Brasil é bastante posivo. Em agosto de 2011,

85 - Lei nº 9.478 – Dispõe sobre a políca energéca nacional, as avidades relavas ao monopólio do petróleo, instui o Conselho Nacional dePolíca Energéca e a Agência Nacional de Petróleo e dá outras providências.

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Estudos Estratégicos - PCdoB208

a ANP alcançou índices recorde de qualidade, com o percentual de não-conformidade para o diesel de1,40%; gasolina 1,30% e etanol 1,10%, ou seja, para cada cem litros de cada um desses combusveiscomercializados a probabilidade estasca é de que menos de um litro e meio esteja fora das especica -ções. Deve-se considerar o tamanho do mercado brasileiro, que no ano de 2010 representou volume totalde vendas de 117,9 bilhões86 de litros de combusveis comercializados. A qualidade está associada inclu-sive ao teor das misturas de 5% de biodiesel ao diesel e 20% de etanol anidro à gasolina, circunstância queexpõe posivamente a responsabilidade das distribuidoras no processo de mistura dos combusveis87 econtribuição no controle da qualidade dos produtos. O Gráco 7 registra os índices de não conformidadedos combusveis no Brasil com destaque para o mês de agosto de 2011.

Gráco 7 – Índice de não-conformidade

Fonte: ANP

O cenário do passado era de graves problemas com qualidade de combusveis, especialmente doetanol hidratado, comercializado de forma pura nos postos de revendas de combusveis. Os índices denão conformidade do etanol hidratado na Bahia em dezembro de 2002 chegaram a 46,7% para uma reali -

dade de 2,8% em setembro de 2011 como se verica nos grácos 8 e 9 que seguem abaixo. O produto forada especicação gera problemas graves para o consumidor, que poderá ter perdas econômicas decorren-tes da redução do rendimento do veículo e por dado material ao motor. Também podem ocorrer gravesprejuízos para o conjunto da sociedade em virtude de evasão scal e do desequilíbrio concorrencial, hajavista que a não conformidade poderá proporcionar lucro indevido.

Gráco 8 – Evolução de não conformidade do estado da Bahia de 2000 a dezembro de 2002

Fonte: ANP

86 - Volume de combusveis incluindo querosene de aviação e gás liquefeito de petróleo.

87 - As distribuidoras são responsáveis pela mistura do etanol anidro na gasolina e biodiesel no diesel, o teor dessas misturas, são respecvamente20% e 5%. Parte dos problemas de qualidade são diferenças nestes percentuais de misturas.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   209

Gráco 9 – Evolução de não conformidade do estado da Bahia de 2007 a agosto de 2011.

Fonte: ANP

Fato é que a garana da qualidade é algo que interessa a todos que atuam no mercado de combus-vel de forma regular e responsável. As cobranças dos diversos atores sociais para que a ANP enfrentassecom rmeza o problema do controle da qualidade vinha crescendo fortemente.

Duas ferramentas convergentes foram desenvolvidas e aperfeiçoadas pela ANP para alcançar osatuais resultados posivos quanto à qualidade de combusveis no Brasil: o Programa de Monitoramentoda Qualidade dos Combusveis (PMQC) e a estruturação da Superintendência de Fiscalização.

O Programa de Monitoramento da Qualidade de Combusvel tem sua fundamentação legal no ar-go oitavo da Lei do Petróleo (nº 9.478/1997), o qual atribui à ANP a responsabilidade de proteger osinteresses dos consumidores quanto à qualidade dos derivados de petróleo comercializados em todo oterritório brasileiro. Instuído em 1998, o PMQC foi ampliado até alcançar todas as unidades da Federa-ção em 2005. Coordenado pela Superintendência de Biocombusveis e de Qualidade de Produtos (SBQ),

o PMQC obteve nova regulamentação pela Resolução ANP nº 08, de 09 de fevereiro de 2011. O referidoprograma constrói indicadores gerais da qualidade dos combusveis comercializados no País com a -nalidade de detectar focos de não-conformidade, ou seja, idencar a existência de produtos que nãoatendem às especicações técnicas estabelecidas pela ANP.

O PMQC coleta a cada mês mais de 21 mil amostras de gasolina, etanol hidratado combusvel ediesel em postos revendedores escolhidos por sorteio. Ao nal de cada ano deverão ser coletadas e ana-lisadas 240.146 amostras de combusveis em 38.229 postos revendedores de todo o país. As amostrassão analisadas considerando diversos parâmetros técnicos no Centro de Pesquisa e Análises Tecnológicasda ANP (CPT, localizado em Brasília) e nos 22 laboratórios de universidades e instuições de pesquisa

contratados pela Agência. Os resultados dessas análises são encaminhados à SBQ, que avalia, sistemazae publica mensalmente.

Com o objevo de assegurar rigor técnico e uniformidade metodológica foi instuído o ProgramaInterlaboratorial de Combusveis, que reúne semestralmente todas as instuições contratadas para ava-liar o desenvolvimento do PMQC e monitorar a qualidade e padronização dos serviços contratados. Sãovericados procedimentos de coleta, transporte e armazenamento de amostras, bem como a realizaçãodas análises e tratamentos das amostras de combusveis e envio de resultados.

Os resultados do PMQC são publicados no Bolem Mensal da Qualidade dos Combusveis Líquidos

Automovos Brasileiros, constuindo-se numa ferramenta pública de grande importância para orientara própria ANP e/ou outras instuições parceiras que venham promover ação de scalização coercivade combate às irregularidades quanto à qualidade de combusveis no Brasil. Esses dados de alto rigor

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Estudos Estratégicos - PCdoB210

técnico e cienco contrapõem a banalização e especulação sobre o tema, proporcionando a construçãoda cultura de qualidade dos combusveis junto à população, contribuindo, inclusive, para abrir um canaldireto de comunicação entre o consumidor e a ANP.

A Superintendência de Fiscalização do Abastecimento foi estruturada de forma especíca em 2005,passando a contar com forte estrutura de recursos humanos e materiais no âmbito da Agência Nacional

de Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis, com o objevo de responder com força e rapidez à grave si-tuação de não-conformidade dos combusveis no Brasil. Criou-se a descentralização do planejamento eexecução das ações scais, com o fortalecimento das unidades em São Paulo, Bahia e Brasília. Estabelece -ram-se diretrizes para ação scal, levando-se em conta quatro vetores de inteligência: O Programa de Mo-nitoramento de Qualidade de Combusveis; as denúncias sistemazadas pelo Centro de Relacionamentodo Consumidor e pelo setor de demandas externas, o qual recebe solicitações de ação scal do MinistérioPúblico, parlamentares, agentes econômicos etc; o tamanho do mercado de combusveis, focando nosagentes econômicos com maior volume de vendas; e na abrangência dos municípios, levando em conta anecessidade de a scalização estar presente em todo o território nacional.

O cenário relavo à qualidade de combusveis, especialmente o etanol hidratado, não era bom.Em dezembro de 2005 o percentual de amostras não conformes de etanol hidratado no estado de Ala -goas no Nordeste do Brasil foi 25%, como se verica no Gráco 10, e de Pernambuco, na mesma região,de 26,1%,como registra o Gráco 11. Esses estados são os maiores produtores de etanol combusvel doNordeste.

Gráco 10 e 11 – Evolução mensal da não-conformidade de Alagoas e Pernambuco

Fonte: ANP

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Dossiê I.5 - A questão energéca   211

Os principais problemas de qualidade detectados nas amostras fora de especicação coletadas portodo PMQC em dezembro de 2005 foram: teor alcoólico com 52% das amostras não conforme, pH com30% e conduvidade com 10% das referidas amostras coletadas.

O teor alcoólico é uma caracterísca do combusvel associada à densidade e ao poder enérgico eque representa indícios de anormalidade por inclusão de água no produto. Essa deformação causa per -

da de potência do veículo e dano por corrosão em diversos componentes do motor. Popularmente essapráca passou a ser conhecida como “álcool molhado”, pois em grande parte o indivíduo adquiria etanolanidro, muito mais barato, dada a carga tributária, e adicionava água.

O contraventor ganha por adquirir um produto mais barato e por vender água como combusvel.Algumas medidas importantes foram tomadas para enfrentar o problema. Primeiro estabeleceu-se a obri-gatoriedade de o produtor/fornecedor de etanol anidro só poder comercializar o produto após ulizar umcorante laranja. Esse corante, por mais que se adicionar água, ele connua a marcar o etanol, deixando --o alaranjado. Em segundo lugar estabeleceu-se a obrigatoriedade de toda bomba de revenda de etanolhidratado possuir de maneira visível ao consumidor um termo-decímetro pelo qual o uxo de etanol

hidratado deve circular no momento do abastecimento. Em seguida xou-se a obrigatoriedade para oposto revendedor informar, de maneira visível e ampla, as caracteríscas do etanol hidratado possívelde se vericar a “olho nu”, como a cor, e forma de fazer a leitura do termodecímetro. Associado a essasmedidas está o número de telefone gratuito para que o consumidor viesse a denunciar caso percebesseirregularidades.

O trabalho da scalização, por sua vez, ganhou efeva racionalidade, organização, sendo planejadocom critério e impessoalidade. Foram contratados os primeiros servidores por meio de concurso para aANP e ampliou-se muito o quantavo de ações scais com metas especícas por região, por quandadede municípios etc.

A ação scal não é concluída com a presença do agente de scalização no campo, mas inicia-senesse momento, e só termina quando o processo administravo é julgado, arbitrado o valor da multae cobrados os valores estabelecidos como penalidade. No passado o tempo de tramitação do processoadministravo demorava muito e às vezes prescrevia. O sistema da ação scal descentralizado foi moder-nizado e os processos ganharam velocidade extraordinária, chegando hoje a cento e oitenta dias do atoscal a cobrança da multa.

A circunstância evoluiu de tal maneira que os índices de não conformidade vericados no mês desetembro de 2011, para o etanol hidratado, no estado de Alagoas foi de 3,2% e em Pernambuco de 2,3%.Esses dados demonstram uma extraordinária melhoria na qualidade do etanol combusvel, resultado dotrabalho efevo e ecaz da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis.

6) geplíca e meca Exe

A geopolíca que envolve o etanol combusvel entrelaça-se com a temáca energéca de formageral, na medida em que esse é um insumo energéco de grande potencial. A energia é o motor da hu-manidade e em busca do domínio desse insumo têm surgido guerras entre diversas nações. O mundo vivegrande encruzilhada energéca, dado o consumo crescente diante da insegurança constante de oferta de

energia.

Os países populosos, onde parcelas cada vez maiores da população vão sendo incluídas na condição

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Estudos Estratégicos - PCdoB212

de consumidor, como é o caso da China, Índia e Brasil, a demanda é extraordinária e o suprimento deenergia está diretamente relacionado à inclusão social e à garana de cidadania a essas populações. NosEstados Unidos e na Europa, os povos já consomem muita energia e possuem alto padrão de vida, que sesustenta com grande consumo de energia.

Não há, em perspecva, cenário de redução da demanda por energia em lugar nenhum do mundo,

seja por sensibilização de uma consciência ecológica ou por tolerância à pobreza e à miséria. O que estáposto universalmente é a demanda crescente por energia. O grande desao das nações é aumentar aquandade e a segurança da oferta de energia no mundo. Em torno desse desao o mundo políco eeconômico está se organizando, certamente com grande impacto social posivo para os povos que foremvitoriosos e no mínimo incerto para aqueles que se perderem diante das diculdades do desao.

O Brasil está bem posicionado nesse cenário, pela sua história, pelas condições naturais que possuie pelo desenvolvimento tecnológico no setor de energia. O país é detentor de uma matriz energéca emgrande parte renovável, com período de geração indenido, com destaque para as fontes energécas deorigem hidráulica e da biomassa, que também proporcionam grande contribuição para a redução dos

gases do efeito estufa.

Acrescenta-se a esse cenário posivo a segurança energéca decorrente da diversicação da ma-triz geradora e ao fato de pracamente a totalidade da energia ser produzida no território nacional, comtecnologia majoritariamente também nacional. O Gráco 13 da matriz energéca brasileira expõe a di-versidade e o destaque das fontes renováveis e a projeção do governo brasileiro para o ano de dois mil evinte. A projeção de que as fontes renováveis cresçam de 44,8% para 46,3%, com maior desenvoltura dasformas de energias oriundas da cana-de-açúcar que deverá saltar dos atuais 17,7% para 21,8% do totalda matriz energéca do Brasil.

Gráco 13 – Evolução da matriz energéca brasileira: projeção para 2020, em relação a 2010

Fonte:hp://ofrioquevemdosol.blogspot.com/2011/06/renovaveis-no-brasil-capacidade.html

O etanol combusvel brasileiro é referência no campo da energia, não apenas pela sua naturezarenovável, seu apelo ecológico, mas também por atender duas condições fundamentais para o sucesso dequalquer fonte energéca de importância comercial no mundo: ser compevo economicamente e poderser produzido em grande escala, com viabilidade de transporte.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   213

Para a políca energéca do Brasil os desaos para o etanol brasileiro vão além de atender aomercado domésco, de forma universal, com qualidade e a preços razoáveis. A estratégia é transformaro etanol da cana-de-açúcar em um energéco mundial, levando em conta a conquista de novas áreas deconsumo, e áreas novas de produção na zona tropical do planeta, como a África e Ásia. O que está pos -to para o etanol combusvel é que, para ganhar o mundo não basta o Brasil sozinho produzir muito. Épreciso criar um cenário global de segurança na oferta, o que implica outros países também produzirem,reduzindo riscos de produção devido a variações climácas, bem como assegurar compevidade na for-mação de preço, a qual é ampliada com a presença de muitos países produtores.

Os mercados potencialmente consumidores precisam de segurança da oferta para implantar polí -cas de consumo interno do etanol combusvel, seja como adivo a gasolina ou puro; seja para atenderacordos ambientais de redução das emissões de gases de efeito estufa e/ou por necessidade geopolícade diversicação da matriz energéca; ou ainda por conveniência econômica.

No momento o comércio externo de etanol combusvel é pequeno, marcado por polícas comer-ciais protecionistas. Os maiores produtores e consumidores são os Estados Unidos da América e o Brasil.

Em diversos outros países há iniciavas pontuais de produção e consumo de etanol como a China, Índia,França, Rússia, África do Sul, Reino Unido, Arábia Saudita, Espanha, Tailândia, Alemanha, etc. Outros têmse apresentado como consumidores importantes, como Japão e Coréia do Sul. Esse mercado em 2010movimentou mais de 70 bilhões de litros de etanol combusvel para uma realidade 45 bilhões em 2005,sendo que a grande maioria da produção foi para consumo interno de cada país produtor. O grande saltode novo deveu-se ao comércio dos Estados Unidos e o Brasil.

O mercado brasileiro, de janeiro a agosto de 2011, exportou próximo de um bilhão de litros de eta-nol, que representou uma queda de 12% comparada com o mesmo período de 2010. Desse total exporta-do, 426 milhões foram para o mercado americano, parte direta e parte indiretamente, um incremento de

53% comparado com o mesmo período de 2010. As importações nesse mesmo período, janeiro a agostode 2011, totalizaram 592 milhões de litros, sendo os Estados Unidos o maior fornecedor. O preço médioda importação (FOB) foi de US$ 0,73 por litro e da exportação US$ 0,72 por litro, como se observa noGráco 14.

Gráco 14 – Preço de exportação de etanol x preço no produtor

Fonte: MME, 2011.

A diferença de preço entre exportação e importação é relavamente pequena, de 0,72 para 0,73dólares e reete as diversidades de interesses das variadas empresas exportadoras e importadoras. O fato

de destaque é que ainda em volumes pequenos o comércio de compra e venda entre o Brasil e os EstadosUnidos tem ocorrido com tendência ao amadurecimento dos uxos comerciais e superação de problemastarifários e mesmo de especicação sico-química do etanol combusvel. A expectava é que as barreirasprotecionistas pracadas nos Estados Unidos venham a deixar de exisr no curto prazo e as comerciais

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Estudos Estratégicos - PCdoB214

passem a ocorrer de forma mais intensa.

O Brasil é o país de maior potencial exportador e tem muito a ganhar quanto à regularização do u-xo comercial entre os diversos mercados externos. Para vender no mercado externo, o País deve ter regrasque permitam também comprar, quando houver interesse entre atores comerciais. Em grande parte asdiculdades tarifárias e de especicação vão se resolvendo dentro da dinâmica real do comércio, sendo

superadas passo a passo em função de interesses objevos de cada momento.

No início de 2011 houve forte elevação dos preços do etanol no Brasil. O cenário era de forte de-manda e diculdade de oferta. Com vistas a criar as condições para aumentar a oferta de etanol e buscarmelhor equilíbrio dos preços, respeitando-se as regras do livre comercio, foram realizadas diversas impor-tações dos Estados Unidos.

Para viabilizar a importação do etanol anidro de milho, vindo dos Estados Unidos, ocorrida em pas-sado recente, foram necessárias pequenas alterações na especicação do produto importado, com maiordestaque para o teor de etanol. Que no produto importado é de 92,1%, e a especicação do Brasil para oproduto importado era de 98,0%, conforme nota técnica da ANP nº 10/2011/SBQ/SAB88.

A imprensa, no geral, publicou diversas crícas quanto à importação de etanol, e no que diz respeitoàs mudanças na especicação chegou-se a deformar o que de fato ocorreu, anunciando aumento de águado etanol combusvel. Outros elementos como a presença de hidrocarbonetos no etanol americano89 émaior no etanol brasileiro, e como o etanol importado é para misturar na gasolina pura, essa caracteríscanão causava dano. Numa perspecva de futuro, a alteração da especicação do etanol importado deveser amadurecida tecnicamente. E já vem ocorrendo, ganha forma deniva com vistas a regularizar ouxo de importação, visto que o Brasil é maior beneciário da regularidade desse uxo comercial porqueé o maior potencial produtor e exportado do planeta.

7) o meca ie e a relaçã a iúa e Eal

A regulação do mercado de etanol combusvel começa no Brasil num momento em que o cenárioeconômico era de diculdades nas contas externas do governo. A demanda por gasolina no mercado in-terno era atendida em toda sua totalidade pelo mercado externo. Rodovias vinham sendo construídas emgrande escala, as cidades cresciam e o número de automóveis aumentava a cada ano. O desao governa-mental constui-se em atender a demanda por combusvel, sem agravar a situação nanceira do país.Surge então o primeiro ato instucional que estabeleceu o uso do etanol da cana-de-açúcar como adivo

à gasolina que foi o Decreto 19.717, de 1931, de autoria do então Presidente da República Getúlio Vargas.

O contexto histórico e econômico em que é publicado o Decreto 19.717/1931 é caracterizado pelasseguintes circunstâncias:

a) Início do uso do automóvel como transporte em escala signicava no Brasil;b) Dependência absoluta da importação de gasolina;c) Excedente da produção de cana e ociosidade da capacidade industrial do setor sucroalcooleiro;d) Balança do comércio internacional desfavorável e com impacto crescente da importação de gasolina;e) Insegurança energéca decorrente da crise de 1929.

88 - Nota técnica da SBQ – Superintendência de Biocombusveis e Qualidade de Produtos da ANP

89 - Etanol americano importado x anidro brasileiro.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   215

O Decreto Federal 19.717 instui de forma compulsória, no mínimo, a mistura de 5% do etanolanidro à gasolina. Nesse mesmo período o Governo Federal cria o Instuto do Açúcar e Álcool (IAA) coma atribuição de regular o setor quanto a preços, cotas de produção por usina e o percentual da mistura.

Houve diversas iniciavas no sendo de enfrentar os desaos técnicos para se usar etanol comocombusvel, seja no âmbito da especicação da qualidade do produto, seja no desenvolvimento de mo -

tores. O Governo Federal criou já em 1920 a Estação Experimental de Combusvel e Minério, que de-pois deu origem ao Instuto Nacional de Tecnologia (INT). Muitos resultados posivos foram gerados eserviram de base técnica para fundamentar o Decreto 19.717. O livro “O álcool -motor e os motores aexplosão”, de Fernando Sabino de Oliveira é uma referência do desenvolvimento técnico do uso do etanolcomo combusvel veicular, publicado no início da década de trinta.

É possível organizar a história do etanol combustível em três ciclos. O primeiro ciclo inicia em 1931e estende até 1978 com o surgimento do PROALCOOL; nesse período o etanol foi ulizado na mistura coma gasolina como adivo, em percentual variável, e em média com teor de 7%, regulado pelo IAA de acordocom a conveniência das contas do governo federal frente à realidade interna da produção do etanol e do

preço de importação da gasolina.

O etanol combusvel ulizado no Brasil durante todo esse primeiro ciclo foi bastante controladopelo governo; cada usina nha uma cota obrigatória de produção e os preços também eram controladoslevando em conta a remuneração da indústria com base no preço do açúcar. Durante esse ciclo o mercadode etanol foi mando limitado ao teor da mistura com a gasolina, xado pelo IAA, com forte intervençãogovernamental em toda cadeia e não houve problemas graves de abastecimento, nem de qualidade doproduto.

A estratégia inicial não era substuir a gasolina, mas complementar através da mistura com o eta-nol, como adivo. Essa mistura melhorou a qualidade do combusvel no que diz respeito à octanagem90 (oxigenação do combusvel, com efeito na queima) e a redução das emissões de parculados poluentes.O etanol ulizado era o anidro91, um produto concentrado, como teor alcoólico superior, equivalente99,6% do volume.

O segundo ciclo vai de 1978 a 1986, quando houve grande expansão do setor com incenvos go -vernamentais em toda a cadeia produva. O contexto econômico novamente era de grande dependênciado combusvel importado, fortes altas no preço internacional de petróleo e décit na balança comercial,na qual o combusvel representava 32% do valor total das importações. Em 1975, através do Decreto76.593, de autoria do então Presidente da Republica General Geisel, foi instuído o PROALCOOL (Progra-ma Nacional do Álcool), o que proporcionou grandes invesmentos na produção de cana e na indústria.Em 1979 um novo Decreto, nº 83.700, amplia e intensica os incenvos ao setor e a produção de etanolcresce extraordinariamente. Em 1975 a produção de etanol parte de um patamar de 580.000 m3 e chega a3.676.000 m3 em 1979 e em 1985 angiu 11.700.000 m3, ou seja, cresceu sete vezes nos primeiros quatroanos. Ao nal de dez anos do início do PROALCOOL esse crescimento foi de vinte vezes mais.

O lançamento do carro movido exclusivamente com etanol hidratado é um sucesso, chegando a85% do total das vendas de carros novos no ano de 1985. Essa inovação tecnológica, genuinamente brasi-leira, muda radicalmente o papel do etanol, pois além de adivo ele também passa a ser um combusvel

puro. Nesse momento o etanol ulizado puro é o hidratado92

 que extrapola a complementaridade da ga-90 - Octanagem da mistura gasolina e etanol é muito melhor, permite uma queima maior do combusvel.

91 - Etanol anidro combusvel possui teor alcoólico de 99,3% da massa e teor de etanol de 98% do volume.

92 - Etanol hidratado: teor alcoólico variável de 92,5% a 93,8% da massa.

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Estudos Estratégicos - PCdoB216

solina e passa efevamente a substuí-la numa parcela importante do mercado de automóveis do Brasil.

Do ponto de vista regulatório, a intervenção do governo connua forte em toda a cadeia produvada cana-de-açúcar. Presente no conjunto de medidas governamentais de incenvo ao setor é destaquenaquele momento, a questão do preço do etanol. À época, o preço de todos os combusveis era con -trolado pelo governo, o que permiu ao governo garanr a remuneração econômica para o produtor e

atravidade do etanol combusvel ao consumidor. Estabeleceu-se que o preço do etanol sempre estariaabaixo do preço da gasolina, e que a rentabilidade econômica seria igual à do açúcar cristal standard. Eatravés de uma contabilidade especíca, realizava-se o equilíbrio no qual a gasolina subsidiava o etanolnum processo indireto de subsídio cruzado93. O fato é que o etanol hidratado nha a garana de remu-neração econômica pelo governo e um grande mercado a conquistar, que era o mercado da gasolina,naturalmente a produção estourou.

No ano de 1986 a grande demanda por etanol não consegue ser atendida pela indústria. A con- juntura econômica muda radicalmente, os preços do petróleo têm forte queda, a produção interna degasolina cresce, as contas correntes do Governo Federal e a inação ameaçam a estabilidade econômica,

e o governo muda o rumo da políca econômica. Os incenvos governamentais à indústria do etanol sãorerados, os preços do açúcar no mercado internacional disparam e a oferta de etanol cai,contribuindopara uma forte crise de suprimento do etanol combusvel. A políca de formação de estoque estratégicode bioetanol não funciona94. Instala-se uma profunda crise de abastecimento que provoca insegurançageneralizada ao suprimento do etanol.

O governo reduz o teor de etanol anidro na gasolina, importa metanol e autoriza o uso na misturacom a gasolina. Ainda assim, falta produto e por isso o bioetanol cai no descrédito do consumidor. Asvendas dos carros exclusivos a etanol caem a patamares insignicantes, pondo m a um modelo regula-tório de grande intervenção governamental, mas que não assegurou o abastecimento num momento de

conjuntura desfavorável e forte expansão da demanda.

A indústria de etanol combusvel segue do ano de 1986 a 2002 produzindo pracamente o etanolanidro para ser usado na mistura com a gasolina A, como adivo. Foi um período de certa dormência vivi-da pelo setor, mas de grande aprendizagem. O advento da Lei do Petróleo resultou na abertura do merca -do de combusveis, desregulamentando e liberando os preços, e o etanol, pela primeira vez, é arrastadopara busca da compevidade num setor altamente disputado.

No ano de 2004, inicia com força o terceiro e atual ciclo do etanol combusvel; consolida-se umanova revolução tecnológica no mercado, os veículos com motores ex-fuel que ulizam gasolina e/ouetanol puro ou em qualquer teor de mistura. Essa inovação tecnológica é genuinamente nacional, desen-volvida ao longo de anos de estudos, com a contribuição do período de amadurecimento e incenvos doPROALCOOL95. Os consumidores passam a poder escolher o combusvel mais conveniente para abastecer.Rapidamente os veículos ex ganham mercado, a indústria de etanol combusvel responde rapidamentecom produção abundante e preço bastante compevo com a gasolina. Nesse novo cenário regulatório etecnológico, o etanol combusvel cresce fortemente e em 2009 passa a ser consumido em volume próxi-mo à gasolina, considerando o volume comercializado de etanol anidro e hidratado96.

93 - Subsidio cruzado para o etanol, cobrava-se mais pela gasolina para remunerar o etanol.

94 - Políca de estoques não funciona, dentre outros movos, porque o governo não controlava os estoques sicos e nem mannha um programa descalização junto aos agentes privados que assumiram o compromisso com a formação de estoques.

95 - O livro Etanol: a revolução verde e amarela, registra que ITA (Instuto Tecnológico da Aeronáuca, contribui muito neste processo.

96  O volume comercializado de etanol no ano de 2009 representou 20,5% da matriz veicular e o volume comercializado de gasolina purafoi de 25,7%. No mês de fevereiro de 2008 o volume de etanol comercializado no Brasil foi de 1,432 bilhão de litros e superou o volume comercializado dagasolina, 1,411 bilhão de litros. É a primeira vez na história do Brasil e seguramente é o único país do mundo onde o consumo de biocombusvel supera oconsumo da gasolina.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   217

O atual dinamismo da economia brasileira é marcado por um ritmo de crescimento acelerado domercado de combusvel. Foram comercializados no Brasil em 2010 um volume de 94.157.000 de litrosde combusvel veicular, sendo 49,2 bilhões de litros de óleo diesel, 22,7 bilhões de gasolina pura e 21bilhões de etanol hidratado e anidro. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Bio-combusveis, o consumo aparente de combusveis no Brasil, comparando-se os anos de 2009 e 2010,

cresceu 8,4%; o consumo dos combusveis ulizados por motores do ciclo Oo cresceu 7,3%. No grácoabaixo se observa uma redução no percentual de consumo do etanol, de 20,5% para 18,2%, decorrenteda redução do consumo de etanol hidratado que variou negavamente em 8,5%, apesar do consumo deetanol anidro ter crescido 11,6% no mesmo período.

Gráco 15 – Matriz de consumo veicular

Fonte: ANP, 2011.

O comparavo da variação do mercado de combusvel com o produto interno bruto indica umcrescimento do setor de combusveis acima do PIB. Para um índice de crescimento do PIB em 2008, com-parado com 2007, de 5,1%, o volume na venda de combusvel cresceu 8,4%. De 2008 para 2009, no picoda crise nanceira internacional, o PIB do Brasil variou negavamente em 0,20% e o mercado de combus-vel cresceu 2,7%. Comparando os anos de 2009 e 2010, para o PIB de 7,5%, o referido mercado chegoua 8,4%. No primeiro trimestre de 2011 o PIB nacional foi de 4,22% para um crescimento do mercado decombusvel de 4,93%. A Tabela 5 abaixo sinteza essa tendência.

Tabela 5 – Relação do PIB brasileiro com o crescimento do mercado de combusvel

Período PIB Merc. Comb. Variação2007/2008 5,1% 8,4% 64,7%2008/2009 -0,2% 2,7% 1450,0%2009/2010 7,5% 8,4% 12,0%1º Trim. 2011 4,2% 4,9% 16,8%

Fonte: IBGE e ANP

O cenário de forte demanda por combusvel, em um ambiente de livre mercado, trouxe elevaçãodos preços do etanol combusvel nos meses de março e abril de 2011. O etanol combusvel tem como

matéria prima a cana-de-açúcar, cuja produção sofre inuência do clima entre outros fatores não con -trolados pelo homem. A cana também é matéria-prima para o açúcar, o qual vem com preços recordeno mercado internacional e também grande pressão de demanda. Convergiram os problemas próprios

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Estudos Estratégicos - PCdoB218

do crescimento do mercado de combusvel e a inuencia no preço do etanol, do valor do açúcar, que naentressafra de 2010/2011 contribuiu para agravar a diculdade de oferta do etanol e os preços ao consu-midor subiram além da expectava.

Tomando por base o mês maio de 2010, início da safra, o volume de venda mensal de etanol hidra-tado no Brasil foi 1.318.471 m3. Em março de 2011 (entressafra), a referida venda recuou para 773.056

milhões m3, uma queda de 41,37%. Nesse mesmo período os preços ao consumidor saltaram, de R$ 1,603para R$ 2,100, aumento de mais de 31%, como se verica no tabela 6.

Não há nenhum outro fator que tenha provocado um percentual tão grande de consumidores opta -rem pela gasolina em detrimento do etanol, senão os preços. A qualidade dos produtos vem se mantendoem índices bastante posivos ao longo dos úlmos anos, como se pode observar no gráco 7 (pagina 50).O próprio abastecimento, ainda que houvesse dificuldades, encontrou-se regular, a grande maioria dospostos revendedores tinha etanol nas bombas para vender.

Nesse período houve uma verdadeira corrida do consumidor de etanol hidratado para a gasolina.Surgiu aí outro grande problema. A gasolina C era composta por 25% de etanol anidro. No referido pe-ríodo o consumo de etanol anidro saiu de 583.020m3 e chegou a 767.308m3, aumento de 31,60% nummomento de escassez geral de etanol combusvel, e os preços dispararam inuenciando na alta dospreços da gasolina. Houve repercussão negava para toda a sociedade; protesto de consumidores, crí-cas generalizadas nos meios de comunicação, quesonamentos e interpelações de parlamentares, entreoutras reações. A tabela 6, abaixo, registra o volume de vendas de etanol por mês e os preços pracadosno mercado brasileiro.

Tabela 6 – Volume de vendas de etanol por mês e os preços pracados no mercado brasileiro.

Fonte: ANPNota: O etanol anidro não é vendido diretamente ao consumidor.

O preço do combusvel é de importância estratégica e tem grande impacto para toda a sociedadeem qualquer país do mundo; no Brasil é denido pela lei de mercado, ou seja, pela curva de oferta edemanda. Buscar o equilíbrio e a razoabilidade de preços dos combusveis é um desao permanente detoda a sociedade. A demanda aquecida e a oferta reprimida provocam alta do preço. Foi exatamente esseo cenário vivido no primeiro trimestre do ano de 2011, período da entressafra da produção de etanol,com repercussão negava na políca de controle inacionário. A demanda aquecida é reexo do cresci -mento econômico do país e da melhoria da renda dos consumidores, aspectos posivos da economia.

Para equilibrar os preços no mercado é necessário equilibrar a curva de oferta e demanda. Do pontode vista da regulação, a interferência do governo nesse cenário econômico deve levar em conta o equilí -

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Dossiê I.5 - A questão energéca   219

brio dessa curva. As ferramentas governamentais de curto prazo são, no campo da oferta, esmular a im-portação e reduzir custos tributários; no campo da demanda, reduzir o percentual de anidro na gasolina,haja vista que não interessa inuenciar negavamente a renda dos consumidores.

A importação do etanol anidro foi uma ferramenta importante usada durante todo o ano de 2011.Foram importados um pouco mais de 500 milhões de litros dos Estados Unidos da América num mo-

mento de escassez. O anidro importado chegou em abril a R$1,20 por litro sem imposto, enquanto oproduto navo em abril chegou a ser comercializado a R$2,40 por litro. Essa experiência mostrou que aimportação deve ser usada com intensidade pelos importadores de combusveis do país, quando houverconveniência. A importação é uma ferramenta legal e legíma em um regime de mercado aberto e vaialém de contribuir com o abastecimento do mercado interno; nesses momentos de diculdades, impactaposivamente no equilíbrio dos preços pracados no país, na medida em que melhora a oferta.

No nal de agosto de 2011 o governo publicou a Resolução CIMA (Conselho Interministerial doAçúcar e Álcool) nº 01 de 31/08/2011 que estabelece a redução do teor de etanol anidro da gasolina de25% para 20%, em vigor desde 01/10/2011. O objevo é assegurar a regularidade no suprimento de eta-

nol combusvel e evitar grande elevação no preço do combusvel. O Bolem Mensal dos CombusveisRenováveis nº 44, do Ministério de Minas e Energia, registra o processo de amadurecimento da decisãoconstruída com os diversos atores do setor: “Desde o início da safra 2011/12 o governo tem realizadoencontros com representantes do setor privado para avaliar o suprimento de etanol na entressafra e aretomada do crescimento do setor sucroenergéco. Até o momento, já foram realizados sete encontrosquinzenais entre membros do Governo, dos distribuidores de combusvel e do setor sucroenergécopara avaliar a conjunta do abastecimento no País.

As informações fruto dessas reuniões triparte serviram como subsídio para a decisão do Governoem reduzir o percentual de mistura de etanol na gasolina para 20%. A expectava é que essa medida

reduza a pressão de demanda sobre o etanol anidro, esmada em 800 milhões de litros/mês (venda demarço de 2011 mais 4%) para 640 milhões de litros/mês e que no período de entressafra, novembro aabril, haja uma redução total no consumo na ordem de 960 milhões de litros de etanol anidro.

Em 26 de setembro de 2011 o Governo Federal publicou o Decreto nº 7.570 que dispõe sobre a re-dução da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) sobre a gasolina. Essa desoneraçãona carga tributária da gasolina foi de R$ 0,0374 por litro (variação de 230,00 para 192,60 reais por metrocúbico) da gasolina, o que representa uma redução no custo da oferta do litro do combusvel próximo a04 centavos de reais. Valor signicavo caso se leve em conta o volume de produto comercializado e for-taleça muito a políca aninacionária do governo, criando expectava segura de estabilidade no preço

da gasolina.

Nesse cenário o preço da gasolina deverá manter-se estável, sendo uma referência decisiva para oconsumidor frente aos preços do etanol hidratado. O efeito nos preços dos combusveis no conjunto daeconomia é muito grande. Dessa maneira, entende-se de forma absolutamente compreensiva, legímae legal a movimentação do governo com as ferramentas regulatórias existentes. Respeitando a dinâmicaeconômica de mercado aberto, mas buscando assegurar que o preço do combusvel mantenha-se empatamares razoáveis, levando-se em conta o histórico do setor e a dinâmica geral da economia brasileira.

No úlmo dia 28 de setembro o jornal o “Estado de São Paulo97

” publicou um argo, acusando adecisão do Governo de reduzir a CIDE com o objevo de melhorar o caixa da Petrobrás, beneciando-a.

97 - Estado de São Paulo – Jornal de circulação nacional e publicação diária, com sede na Cidade de São Paulo.

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Estudos Estratégicos - PCdoB220

Argo de jornal: Governo reduz cobrança da Cide sobre combusveis

Fonte: O Estado de São Paulo, 28 de setembro de 2011

Há de se registrar que a CIDE foi criada pela Lei nº 10.336/01 e alterada pela Lei nº 10.696/02, comotributo cujo sujeito avo é a União e que incide sobre a importação e a comercialização no mercado in-

terno de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool elico combusvel. Serve, exa -tamente, para regular o equilíbrio de oferta e demanda desses produtos, assegurando estabilidade nessemercado e razoabilidade de preços. Portanto, caso o cenário atual fosse de grande oferta de etanol e baixademanda, com preços reduzidos desse combusvel, o governo poderia fazer o contrário, elevar a CIDE dagasolina para criar maior atravidade no consumo de etanol. Desse modo, essa contribuição tributária,de responsabilidade exclusiva do Governo Federal, foi usada adequadamente e dentro do propósito quemovou sua criação.

A pressão nos preços dos combusveis ocorrida em março e abril de 2011, nal da entressafra daprodução de cana no sudeste do País, é caracterizada por preços do etanol combusvel em forte alta.

Isso trouxe impacto no preço da gasolina, pressionada pelo preço do etanol anidro, em um ambiente eco -nômico interno de certo crescimento da inação e rme postura do governo para contenção do custeioda máquina pública, aperto scal e nanceiro. O combusvel impacta negavamente nesse cenário e areação do consumidor e do próprio governo é grande.

Surgem diversos protestos dos consumidores por todo o País e o Governo reage intensicando ascalização nos postos revendedores e distribuidores, invesgando-se possíveis abusos na elevação dospreços e indícios de formação de cartel em diversas cidades brasileiras. Em Brasília e São Luís do Mara-nhão os estudos econômicos da ANP sinalizaram fortes indícios de anormalidade no mercado e foramencaminhados ao Sistema Brasileiro de Defesa Econômica para abertura de processo e também, pela

primeira vez, deu-se ampla divulgação na imprensa.

Em meio à crise de abastecimento do etanol é publicada a Medida Provisória 532, em 29/04/2011que cria um novo marco regulatório para os biocombusveis e após um rico processo de amadurecimen-to e consolidação no Congresso Nacional, é converda na Lei nº 12.490, de 16 de setembro de 2011.

No centro dessa nova legislação estão estabelecidos seis princípios e objevos da Políca

Energéca Nacional:

 XIII – garanr o fornecimento de biocombusveis em todo o território nacional;

 XIV – incenvar a geração de energia elétrica a parr da biomassa e de subprodutos da

 produção de biocombusveis, em razão do seu caráter limpo, renovável e complementar

à fonte hidráulica;

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Dossiê I.5 - A questão energéca   221

 XV – promover a compevidade do País no mercado internacional de biocombusveis;

 XVI – atrair invesmentos em infraestrutura para transporte e estocagem de biocombus-

veis;

 XVII – fomentar a pesquisa e o desenvolvimento relacionado à energia renovável;

 XVIII – migar as emissões de gases causadores de efeito estufa e de poluentes nos

setores de energia e de transportes, inclusive com uso de biocombusveis.

Fonte: www.anp.gov.br

Pela primeira vez o etanol é considerado combusvel e produto estratégico para o desenvolvimentodo País, sendo enquadrado denivamente e completamente dentro da rigorosa legislação dos combus-veis no Brasil.

Estabelece-se claramente o conceito de etanol, caracterizando-o como combusvel, superando a

dualidade e indenição entre alimento e energéco, e atribui à Agência Nacional de Petróleo Gás Naturale Biocombusveis competência para regular, autorizar e scalizar as avidades relacionadas a sua produ-ção, importação, exportação, armazenagem, estocagem, transporte, transferência, distribuição, revendae comercialização, bem como avaliar a conformidade e a cercação de sua qualidade em todo o territó-rio nacional.

Altera a margem mínima de variação no teor de etanol anidro na gasolina, de 20% para 18%, e per-mite ao Poder Execuvo, uma faixa maior de manobra para regular a demanda de etanol no mercado.Dada a oscilação na produção, decorrente da natureza e dos riscos que interferem nos resultados dassafras de cana-de-açúcar. Assim, atualmente a faixa do teor de anidro na gasolina pode variar de 18% a

25% da gasolina C.

O argo 5º da referida Lei, que modica o argo 8º da Lei nº 9.478/1997, num campo de grande im-portância para a estabilidade da oferta de combusvel no Brasil que é na formação de estoque regulador,estabelece no parágrafo único:

No exercício das atribuições de que trata este argo, com ênfase na garana do abas -

tecimento nacional de combusveis, desde que em bases econômicas sustentáveis, a

 ANP poderá exigir dos agentes regulados, conforme disposto em regulamento:

I – a manutenção de estoques mínimos de combusveis e de biocombusveis, em insta -

lação própria ou de terceiros;

II – garanas e comprovação de capacidade para atendimento ao mercado de combus-

veis e biocombusveis, mediante a apresentação de, entre outros mecanismos, con-

trato de fornecimento entre agentes regulados.

Fonte: www.anp.gov.br

Este trabalho rompe um paradigma no qual, pela primeira vez, de forma clara e objeva é atribuídaresponsabilidade aos agentes regulados pela segurança do abastecimento de todos os combusveis noBrasil. A parr dessa base legal o órgão regulador poderá estabelecer normas nas quais os compromissosdos agentes regulados estejam denidos de maneira objeva, passivos de controle e scalização98 daque-

98 - A nova legislação autoriza e orienta a ANP a criar normas que estabeleçam compromisso e formalidades quanto à efeva capacidade dos agenteseconômicos de abastecerem o mercado, permindo a construção de ferramentas de controle e scalização desse vetor fundamental da políca energéca.Até então, ao ocorrer falta de combusveis, como eventualmente ocorre em algumas regiões do Norte e Nordeste, não nha com penalizar o agente econô-mico. Num cenário de logísca de distribuição sobrecarregada e mercado aquecido, o risco de desabastecimento é permanente e de todos os combusveis.

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Estudos Estratégicos - PCdoB222

le que é um vetor fundamental da políca energéca, qual seja, a garana de suprimento de combusvelpara o mercado interno do país.

A Lei nº 12.490/2011 demonstra um grande nível de conança do Governo Federal, do CongressoNacional e da sociedade em geral no trabalho de Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocom -busveis no âmbito da sua atribuição instucional de conceder, regular e scalizar o mercado de com-

busveis no Brasil. Os desaos postos pelo novo marco regulatório à ANP vão exigir forte ampliação eaperfeiçoamento técnico da estrutura humana e material99, uma direção focada nos princípios e objevosestabelecidos e muita habilidade gerencial para efevar as novas decisões no âmbito do mercado que, emregra, reage com resistência à necessidade de maior controle, planejamento e compromisso com o país.

O processo de regulação da ANP é exercido com apreço aos procedimentos de parcipação, trans-parência e publicidade dos atos administravos. Toda proposta de regulação segue um procedimento quese inicia com a publicação de proposta de resolução para Consulta Pública, que apesar de não ser obriga -tória ocorre com frequência em período não inferior a trinta dias. Nesse momento, mediante formulárioespecíco, todos podem manifestar-se sugerindo alterações, as quais são sistemazadas e formalmente

apresentadas para a etapa seguinte do processo, a Audiência Pública. Esse é o momento de ampla discus -são e iluminar as contradições, aprofundar o esforço de convergência e conciliação, e somente após é quesegue para votação na Diretória Colegiada da ANP, na forma de proposta de ação100. Nesse período podemocorrer diversas visitas técnicas, reuniões setoriais, dentre outras iniciavas que poderão ser construídasno diálogo entre os diversos atores interessados na temáca de discussão.

Do ano de 2005 aos dias atuais foram realizadas mais de 150 audiências públicas pela ANP com oobjevo de criar, ao alterar norma regulatória do setor de petróleo, gás natural e biocombusvel, confor-me Gráco 16 que segue abaixo.

Gráco 16 – Quantavo de Audiências Públicas realizadas pela ANP

Fonte: ANP

O procedimento de Audiência Pública serve ao propósito técnico de adequação da norma especíca

99 - A ANP tem solicitação de concurso público para 152 vagas ainda sob avaliação do Ministério do Planejamento.

100 - Processo formal de criação ou alteração de uma determinada norma regulatória, quando do encaminhamento nal para votação na DiretoriaColegiada da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombusveis.

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Dossiê I.5 - A questão energéca   223

ao segmento econômico em questão e à legimação junto aos agentes econômicos, atores instucionaise governamentais interessados e a sociedade em geral. Em úlma instância, a norma regulatória resultanuma regra capaz de ser aplicada com eciência, efevidade e resultados possíveis de ser auferidos, con-tribuindo assim para o desenvolvimento da sociedade.

A resolução que estabelece critérios para aquisição de etanol anidro e formação de estoque foi

submeda à Audiência Pública nº 31/2011 no dia 19 de outubro de 2011 às 13h14min no auditório daANP, na cidade do Rio de Janeiro. Desse processo resultou a resolução nº 62101, publicada em 16/12/2011,que é a primeira colocada em discussão e aprovada pela ANP com o propósito de regulamentar a Lei Nº12.490102, de 16 de setembro de 2011.

Parciparam da Audiência Pública setenta e cinco pessoas, representando agentes econômicos daprodução de etanol, da distribuição de combusveis, da revenda de combusveis e agentes públicos, dosquais onze foram expositores. Durante o período de consulta pública houve oitenta e sete manifestaçõesescritas nos formulários sobre a minuta de resolução. Parte foi acatada, parte acatada parcialmente e par -te não acatada pela Superintendência de Abastecimento da ANP. Esses dados seguem anexos ao presente

trabalho.

As discussões se deram com foco em quatro questões presentes na referida minuta de resolução:

a) os regimes de contratos;

b) os percentuais obrigatórios de combusveis a serem contratados;

c) as responsabilidades entre fornecedor de etanol e distribuidor;

e) a formação de estoque.

Os regimes de contratos para aquisição de etanol anidro são ferramentas a serem instuídas no

novo marco regulatório que busca melhorar o planejamento, o monitoramento e controle da oferta deetanol e, conseqüentemente, aperfeiçoar os estudos de previsibilidade do mercado, bem como reduzir avulnerabilidade de preços. Esses contratos serão para toda a safra e entressafra, negociada em conjunto,de 01 de maio a 31 de abril do ano subseqüente.

A proposta é que haja três situações possíveis para compra de etanol anidro. O regime de contratode fornecimento103, condicionada a prévia homologação por parte da ANP, referente à contratação deetanol anidro entre produtor e distribuidor, no período de 01 de maio de cada ano a 30 de abril do anosubseqüente, em volume suciente para a comercialização de 90% de gasolina C no ano de vigência. Oregime de compra direta104, a ser homologado pela ANP, referente à aquisição de etanol anidro para for-

mação de estoque nal próprio em cada mês, em volume suciente para comercialização de gasolina Cno mês subseqüente. As transações por mercado à vista (spot mark105) serão realizadas sem homologaçãoda ANP e com propósito de adquirir volumes adicionais aos previstos nos regimes de contrato de forne -cimento ou de compra direta.

101 - Anexo I – segue a resolução nº 62, de 16/12/2011.

102 - Anexo I - segue a Lei 12.490.

103 - Regime de contrato de fornecimento - modalidade de aquisição de etanol anidro combusvel para ns de habilitação para a aquisição de gaso-lina pura, condicionada à prévia homologação por parte da ANP, da contratação de etanol anidro combusvel entre fornecedor de etanol anidro e distribuidorde combusveis líquidos automovos, no período de 01 de maio de cada ano a 30 de abril do ano subseqüente, nos termos dos argos 3º e 10º da resoluçãonº 62, de 16/12/2011.

104 - Regime de compra direta - modalidade de aquisição de etanol anidro combusvel para ns de habilitação para a aquisição de gasolina pura,condicionada à prévia homologação por parte da ANP, da aquisição de etanol anidro combusvel para formação de estoque nal próprio de cada mês, emvolume suciente para comercialização de gasolina C no mês subseqüente, nos termos do argo 5º da resolução nº 62, de 16/12/2011.

105 - Spot Mark (transações por mercado à vista) - modalidade de aquisição de etanol anidro combusvel para ns de habilitação para a aquisiçãode gasolina pura, sem prévia homologação por parte da ANP, para aquisição de etanol anidro combusvel em volume adicionais aos previstos no regime decontrato de fornecimento e regime de compra direta, nos termos da resolução nº 62, de 16/12/2011.

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Estudos Estratégicos - PCdoB224

Pode se observar nos dados produzidos pela audiência pública que, em regra, os agentes econômi-cos veem de maneira posiva os contratos, quesonando-se em primeiro lugar e com destaque, a limita -ção estabelecida de que o distribuidor de combusvel não poderá trabalhar com as duas modalidades decontrato, por fornecimento e compra direta. Terá obrigatoriamente que optar por uma das modalidades.A juscava da ANP para essa restrição é fundamentada na própria movação da resolução que é oefevo controle da oferta de etanol anidro e a segurança do suprimento do combusvel na entressafra.

O volume de etanol anidro combusvel a ser adquirido pelos distribuidores, na resolução, é de 90%do volume comercializado no ano anterior. Houve muitas crícas a esse percentual. Os distribuidores deforma unânime contestam alegando ser elevando o referido percentual; as distribuidoras regionais bus-caram 70% do volume comercializado no ano anterior para realizar o contrato; as distribuidoras maioresregistraram ser razoável 80% por cento do referido volume. O argumento central está no fato de que omercado spot mark é fundamental para a precicação de etanol anidro, é desse mercado que forma o ín-dice ESAQ ulizado como indexados dos contratos. Restringi-lo em demasia representa um cenário ondeos produtores poderão impor preços de forma arciais.

Na audiência pública os produtores de etanol anidro manifestaram no sendo contrário, de que ocontrato de fornecimento deveria ser de 100% do volume comercializado no ano anterior, pois esse cená-rio daria segurança ao industrial para produzir o etanol anidro efevamente contratado, com a certeza deque não haveria excedente e risco de perda da rentabilidade da avidade. A ANP vem mantendo o per-centual de noventa por cento, por entender ser o mais adequado, pois permite a negociação no mercadospot mark no limite de 10% e por outro lado assegura melhor o suprimento do combusvel. O combus -vel adquirido pelo regime de compra direta e o mercado de etanol hidratado também irão contribuir paraformação do preço.

A responsabilidade do produtor e distribuidor no efevo e regular cumprimento dos contratos tam-bém foi bastante discuda e de comum acordo, a ANP acatou diversas sugestões que passaram a incor -porar a resolução, registrando as penalidades aplicáveis a ambos os atores pela quebra do contrato semmovação juscada. Nesse parcular considerou-se a possibilidade de reajuste nos volumes para cimaou para baixo em função de variações na produção decorrente de problemas operacionais e intempériesclimácas ou de demanda ocorrida por circunstâncias de mercado não previstas.

A quarta questão está relacionada com a formação de estoques para entressafra. A resolução queestabelece critérios para aquisição de etanol anidro e formação de estoque de etanol anidro combusvel,fundamentada na Lei Nº 12.490/2011, xa obrigação de formação de estoque de etanol anidro por parte

dos distribuidores de combusveis líquidos automovos e pelo produtor de etanol anidro, cooperava deprodutores e empresa comercializadora.

Conforme argo 9º da referida resolução, o distribuidor deverá possuir em 31 de março de cadaano, estoque próprio de etanol anidro combusvel, em volume compavel com, no mínimo, quinze diasde sua comercialização média de gasolina C, tomando por base o volume comercializado no mês de marçodo ano anterior.

No argo 10º e seu parágrafo primeiro da resolução é estabelecido que o produtor de etanol anidro,

cooperavas de produtores ou a empresa comercializadora deverá possuir, em trinta e um de março decada ano subseqüente, estoque próprio de etanol anidro em volume compavel com, no mínimo, 25% desua comercialização com o distribuidor de combusveis líquidos automovos no ano cível anterior. Casoo produtor de etanol e os outros fornecedores contratem no ano vigente, no mínimo 90% do volume de

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Dossiê I.5 - A questão energéca   225

etanol anidro comercializado no ano anterior com distribuidor, sob regime de contrato de fornecimento,em trinta e um de março do ano subseqüente deverá possuir estoque próprio em volume compavel com,no mínimo, oito por cento, de sua comercialização de etanol anidro combusvel, no ano cível anterior.

Os representantes dos produtores e distribuidores reagiram à obrigatoriedade de formação de es-toques, argumentado que os regimes de contrato já seriam sucientes para assegurar a regularidade do

abastecimento, mesmo no período de entressafra. A ANP manteve a obrigatoriedade de formação de es-toques juscando que os contratos não estabelecem a obrigatoriedade de contratação de cem por centodo volume pelo distribuidor. Dessa forma há necessidade de previsão de formação de estoques tanto pelodistribuidor, quanto pelo produtor em volumes complementares aos limites obrigatórios dos contratos,como forma de garanr a disponibilidade de produto na entressafra.

O estudo acerca da indústria de etanol combusvel no Brasil construído ao longo deste trabalhopermite inferir pela relevância do aperfeiçoamento da regulação em quatro vetores de desenvolvimentodo mercado de etanol combusvel.

O primeiro vetor é o aumento da produção de etanol combusvel especialmente, com a elaboraçãode polícas públicas que proporcionem invesmentos na ampliação e renovação dos canaviais, e da capa-cidade industrial para produção de etanol combusvel. As circunstâncias da crise nanceira internacionalapontam para diculdades de crédito privado estrangeiro no curto prazo. Destaca-se que as condiçõestecnológicas e de escala para produção do bioetanol da cana-de-açúcar com grande compevidade fren -te à gasolina estão presentes. O mercado interno e o externo106 possuem curva crescente de demanda ea expectava do preço de petróleo é de estabilizar num patamar elevado como o atual ou mesmo subir.Há, no entanto, que se criar linha especíca de nanciamento público com juros adequados ao tempo deretorno e aos riscos dos invesmentos, bem como estabelecer mecanismos de garanas evoluvas quepossam atrair novos empreendedores para o setor.

A formação de estoque e a garana de suprimento formam o segundo campo de atuação que deveter como propósito assegurar o abastecimento de etanol combusvel no mercado interno de forma con-nua, universal107  e permanente. A políca de construção de estoque de bioetanol deve considerar anatureza dos riscos de oferta. A primeira causa da falta do combusvel decorre da inexistência de plane -

 jamento da produção e comercialização, visto que, na entressafra da moagem da cana-de-açúcar não seproduz por uma caracterísca natural da matéria-prima que é de origem agrícola e, portanto, previsível eirá sempre exisr. Esse estoque108 deve ser xado pela norma regulatória da ANP, com os produtores/for-necedores e distribuidores de combusveis chamados formalmente a assumirem responsabilidades. Osvolumes de estoques estabelecidos na resolução nº 62, de 16/12/2011 são pequenos, mas é um começo

inovador e bastante posivo no Brasil.

O segundo risco de falta do etanol combusvel decorrente de eventos caócos, circunstâncias comoguerras e desastres naturais e para o qual o governo federal deve assumir a responsabilidade de formarestoques, diretamente ou através de terceiros, ulizando-se de endades do Governo Federal e/ou em-presas públicas, conforme diretriz a ser estabelecida pelo CNPE (Conselho Nacional de Políca Energé-ca). O fato é que há a necessidade real do estoque sico de combusvel para atender o mercado emcircunstâncias de falta por eventos caócos, dado o caráter estratégico da segurança do abastecimento decombusvel. Ressalta-se que nesse caso o ideal não é apenas o estoque de etanol, mas de todo combus -

106 - Mercado externo de etanol tende a crescer com o m da políca protecionista dos Estados Unidos ocorrida em dezembro de 2011 e o uxocomercial de etanol entre Brasil e EUA tende a ampliar já no curto prazo.

107 - Assegurar a oferta de etanol combusvel em todo território nacional.

108 - O Governo Federal publicou medida provisória (MP 554, de 23/12/2011) que desna subvenção nanceira no valor R$ 500 milhões paraformação desses estoques.

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Estudos Estratégicos - PCdoB226

vel de caráter estratégico e de importância geopolíca. O fato é que o governo federal tem sido, ao longoda história, inerte quanto à responsabilidade com estoques estratégicos e essa realidade precisa mudarfrente ao crescimento econômico do Brasil e a sua relevância no cenário mundial.

O terceiro vetor regulatório apresentado como sugestão está associado ao monitoramento e à s-calização do efevo cumprimento das normas de formação de estoques e garana do abastecimento. A

resolução nº 62, de 16/12/2011 da ANP, que dispõe sobre a comercialização de etanol anidro mediantecontratos de fornecimento e contratos de compra direta de etanol e estabelece obrigações com os es -toques de etanol, é uma boa iniciava, considerando o ambiente de mercado aberto e a liberdade depreços; a interferência do poder público na dinâmica econômica deve ser ponderada e proporcionar aampliação da compevidade. No entanto, essas normas terão que ser complementadas com procedi-mentos de scalização direta ao bem sico que se regula.

O controle apenas formal dos contratos homologados não garante a existência real dos volumesde etanol compromedos pelos agentes econômicos. Esse é um desao novo e grande, pois rompe umhistórico, em setores econômicos fortes e poderosos, de absoluta falta de controle e scalização por

parte dos entes públicos, tanto junto aos produtores/fornecedores de etanol, quanto junto às distribui-doras de combusveis que é a real capacidade desses suprirem o mercado e de assegurar os estoquesnormazados. A existência efeva de amplo controle e scalização do cumprimento da resolução nº 62,de 16/12/2011 é que irá proporcionar conabilidade e segurança quanto aos dados e informações daprodução, estoque e comercialização do etanol, os quais são fundamentais para planejamento e a previ-sibilidade desse mercado estratégico e tão importante para o país.

O quarto e úlmo vetor que se propõe à agência reguladora diz respeito à construção de um pro-grama amplo de comunicação e informação focado diretamente no consumidor de combusveis. Essaferramenta deve ter o propósito de construir um saber popular quanto à dinâmica do mercado de com-

busvel, o caráter complementar e substuto do etanol combusvel, os aspectos da produção e consumoque possam interferir nos preços, as previsões seguras e dedignas das variações de oferta e demanda,tendo como objevo proporcionar ao cidadão, consumidor de combusvel, conhecimento para uma a-tude proava quanto ao equilíbrio da oferta e demanda do produto e conseqüentemente interferir narazoabilidade dos preços.

8) Cclã

No atual modelo de regulação existe a intervenção governamental na economia, mas difere da in-tervenção direta no domínio econômico. As regras estabelecidas são para que a iniciava privada desen -volva a avidade econômica de produção, industrialização, distribuição e revenda do etanol combusvel;e o órgão regulador pauta pelo caráter de mediação com os interesses dos regulados, sejam operadoreseconômicos, sejam usuários, sejam mesmo os próprios interesses estatais enredados no setor regulado.E de fato é assim que vem se desenvolvendo o setor de combusveis no Brasil. Pode-se observar no casoda resolução nº 62, que estabelece critérios para aquisição de etanol combusvel e formação de estoque,que o agente regulador exerceu a mediação e interlocução com os agentes envolvidos no setor regulado.O objevo maior da regulação foi a segurança do abastecimento que é o interesse da sociedade, dos ci-dadãos consumidores efevos ou potenciais de bens econômicos e de interesse estratégico para o país.

O histórico da cana-de-açúcar no Brasil, as caracteríscas agronômicas da cana, o desenvolvimentoda agricultura e da indústria atestam a capacidade do setor sucroenergéco de produzir em grande escalae por preços compevos. As questões ambientais revelam a convergência do etanol com as polícas desustentabilidade. O controle de qualidade do etanol combusvel é exercido de maneira universal no Brasil

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Dossiê I.5 - A questão energéca   227

e de forma rigorosa, com resultados posivos mensurados mensalmente, com contexto em que a rede dedistribuição e revenda tem abrangência em 97% dos municípios brasileiros, demonstrando a consolidaçãodo bioetanol na matriz energéca veicular.

A circunstância econômica atual apresenta diculdades no abastecimento de etanol combusveldecorrente do desequilíbrio na curva de oferta e demanda, cenário que surge de maneira cíclica, dada a

caracterísca agrícola da matéria-prima a qual também é muito suscevel a eventos caócos decorrentesda exposição às intempéries da natureza. O fato é que, do ponto de vista regulatório, há necessidade deintervenção equilibrada no ambiente de formação de preço e na construção e controle do estoque docombusvel, no sendo de estabelecer e cobrar compromissos de todos os agentes econômicos envolvi -dos na cadeia produva com as questões estratégicas do setor.

Destaca-se a importância da elaboração de polícas públicas de longo alcance focadas em quatrovetores de desenvolvimento: incenvo à ampliação da produção de etanol combusvel no Brasil; norma -zação de regras para formação de estoques reguladores e garana do abastecimento nacional de com -busvel; xação por parte do órgão regulador de procedimentos para o controle e scalização quanto aos

compromissos com o suprimento de combusvel; desenvolvimento de ampla políca de comunicaçãodireta e capaz e proporcionar ao consumidor, no momento da compra do combusvel, a escolha que im -pacte posivamente na razoabilidade dos preços pracados. Esses vetores desenvolvimento implantadoscom agilidade e habilidade, irá proporcionar a ampliação do etanol combusvel na matriz energéca vei-cular do Brasil, a garana o suprimento nacional e a razoabilidade nos preços dos combusveis.

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7/17/2019 HaroldoLima - Estudos avançados de Política

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