habitação de interesse social e megacidades: o caso de mumbai
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Autores: Camilla M. Sumi; Dr. Leandro Medrano.
HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E MEGACIDADES:
O CASO DE MUMBAI
RESUMO
As cidades abrigam hoje mais da metade da população mundial, este
fenômeno traduzido pela remodelação do espaço urbano conhecido por
megacidade impacta de diferentes formas nas mais diversas partes do mundo.
Os países em desenvolvimento, em sua maioria, apresentam uma urbanização
em grande parte decorrente do desequilíbrio social. A Índia, segundo país mais
populoso do mundo, é uma amostra desta realidade, e a questão da habitação
há tempos é um problema grave do seu território urbanizado. É notório o caso
da cidade de Mumbai, cujo déficit de moradias formais e um número elevado
de autoconstruções, proporcionam uma grande quantidade de assentamentos
precários. Dharavi, implantada no coração da capital financeira da Índia, tem
sido alvo das medidas paliativas governamentais. Assim, através da literatura
coletada, o artigo pretende expor os fatores, dados, tempo histórico, entre
outros, que designam a atual situação habitacional desse país emergente, com
destaque para favela de Dharavi. Seu conteúdo soma-se a outras pesquisas
relacionadas às megacidades dos BRICs em desenvolvimento no Laboratório
de Estudos em Arquitetura Contemporânea (LEAC) da Universidade Estadual
de Campinas.
ABSTRACT
Cities now house more than half the world's population, this phenomenon
translated by remodeling of urban space known megacity impacts of different
2
forms in various parts of the world. Developing countries, most of them have an
urbanization largely due to social imbalance. India, the second most populous
country in the world, is a sample of this reality, and the issue of housing has
long been a serious problem of its urbanized area. It is notorious the case of the
city of Mumbai, whose formal housing deficit and a large number of
autoconstruções, provide a large amount of settlements. Dharavi, implanted in
the heart of India's financial capital, has been the target of government
countermeasures. Thus, collected through literature, the article intends to
expose the factors, data, historical time, among others, that describe the current
housing situation of emerging country, especially in the Dharavi slum. It's
content adds to other research related to megacities in the developing BRIC
Laboratory Studies in Contemporary Architecture (LEAC) of Universidade
Estadual de Campinas.
BREVE RELATO DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL NOS PAÍSES
EMERGENTES
Desde a antiguidade o homem desenvolve técnicas e tecnologias para se
apropriar do espaço, infelizmente, esse processo não ocorre de maneira
equitativa, o que se reproduz em diferentes realidades. Isso não acontece
somente devido à variabilidade cultural, mas também por causa das
desigualdades e precárias condições de vida em que alguns povos vivem.
E a tendência da planificação cultural/econômica, isto é, a propagação de um
estilo de vida global, não atinge com a mesma intensidade os países em
desenvolvimento, pois a construção do espaço nas cidades desses países,
segundo Milton Santos, é fruto de uma organização baseada em interesses
distantes, numa escala internacional com diferentes níveis de impacto, acesso
e propriedades, levando a uma espacialidade seletiva.
"Enfim, o espaço dos países subdesenvolvidos é marcado pelas enormes
diferenças de renda na sociedade, que se exprimem, no nível regional, por uma
tendência à hierarquização das atividades e, na escala do lugar, pela
coexistência de atividades da mesma natureza, mas de níveis diferentes."
(SANTOS, 2008)
3
A Índia é um dos países emergentes que compõem o BRICS (juntamente com
Brasil, Rússia, China, e, recentemente inserida ao bloco, África do Sul), termo
criado pela Goldman Sachs, que designa uma situação econômica e de
desenvolvimento comuns a esses territórios. Esses países buscam um lugar no
cenário político internacional e sofrem o impacto da recente "modernização"
dos mecanismos produtivos, abertura do mercado financeiro mundial,
transformações políticas internas, dentre outros processos afins da nova
conjuntura político-econômica.
Diferentemente do processo de industrialização ocorrido no século XVIII em
países considerados hoje desenvolvidos, os países do BRICS tiveram tal
estrutura imposta abruptamente. Há um salto de muitas etapas deste processo
de industrialização que envolviam a discussão política e a disputa por valores
de igualdade através da resistência dos movimentos sociais.
A ruptura do mundo rural para o urbano e o desejo de "progresso" são
testemunhados pela invasão da pobreza nos grandes centros urbanos, as
péssimas condições de vida, a falta de emprego, ausência de moradias,
educação, saúde, entre as muitas deficiências causadas por um Estado fraco
submetido aos interesses privados.
Dessa forma, a reprodução do espaço é modelada segundo as forças
econômicas, cuja arquitetura subordinada às engrenagens do capital muitas
vezes perde seu caráter único, tornando-se massificada. Processos como o de
gentrificação são sintomas dessa forma de ocupação injusta do espaço.
PROCESSOS QUE PROPORCIONARAM O CRESCIMENTO
POPULACIONAL NA CIDADE DE MUMBAI
As cidades metropolitanas da Índia experimentaram uma rápida explosão
populacional ocorrida após a independência do país em 1947. Vários autores,
entre eles, Chalana, Alaton e Dupont1, concordam que este crescimento está
associado aos efeitos do êxodo rural e das migrações ocorridas por refugiados
do Paquistão.
1 "Au lendemain de l'indépendance de l'Inde (1947), dans le contexte d'une capitale soumise à
de très fortes pressions démographiques et foncières suite à l'afflux des réfugiés du Pakistan occidental, voyant proliférer bidonvilles et lotissements illégaux, la question des slums est perçue comme un problème majeur." (DUPONT, 2007 p.52)
4
Tal advento deve-se às aberturas política e econômica do país, a introdução
de indústrias, a falta de suporte à produção agrária, a propagação do espírito
de vida urbano, entre outros fatores. Além disso, até 1950 apenas algumas
cidades levavam o título que hoje conhecemos por megacidade - um enorme
contingente populacional nos centros urbanos já consolidados historicamente,
ora por sua densa demografia, ora por sua influência econômica - a partir de
então, é notada uma aceleração no crescimento urbano de países
considerados há tempos o "Terceiro Mundo". O quadro abaixo, de título
Emergence of Mega Cites, mostra três períodos referentes à distribuição da
população nas megacidades e uma projeção desses dados para 2015.
Fonte: Artigo The 21st Century: Asia Becomes Urban (Jan. 2005)
Mumbai, também considerada uma megacidade (sendo uma das mais
populosas do mundo, com uma densidade populacional de cerca de 272
hab./he em áreas legais e até 1200hab./he em determinadas favelas), é duas
vezes mais densa que New York, e transforma-se rapidamente a cada dia para
atender às necessidades do mercado financeiro.
Segundo Dupont e Yatzimirsky, Mumbai, a capital do Estado de Maharashtra,
deve seu rápido crescimento a indústrias manufatureiras que acabaram por
atrair a mão de obra migrante de toda Índia. No entanto,
"o efeito do fluxo migratório foi diminuindo a partir dos anos 1980, na medida
em que a cidade foi se transformando de metrópole industrial para um centro
financeiro e de serviços. A expansão espacial de Mumbai foi refreada por
restrições geomorfológicas e ecológicas. Essa ilha-cidade não tem
possibilidade de expandir-se, a não ser em direção ao lado norte, e está
fortemente congestionada(...) Sua faixa costeira, ocupada por mangues, é
5
classificada como zona de não desenvolvimento (NDZ), e sua vasta floresta
urbana é um Parque Nacional protegido." (SAGLIO-YATZIMIRSKY; DUPONT,
2009 p.284).
Estas limitações geográficas (Mumbai é uma cidade - ilha com poucas ligações
de trânsito ao continente), proporcionaram, de certa forma, a especulação
imobiliária e consequente disputas por terras. (WEINSTEIN, 2008) Com a
apropriação do espaço desigual e seletiva, cresce o surgimento de áreas
consideradas informais, cujo conceito de humanidade e o direito à habitação
são anulados.
A URBANIZAÇÃO | DICOTOMIA URBANO VERSUS RURAL
Conforme mencionado anteriormente, Mumbai passou rapidamente de uma
cidade industrial para uma cidade financeira, marcada pela presença de
empresas multinacionais e pela criação de Center Business Districtis (CBD), a
partir da década de 1960.
No período colonial, segundo o excerto de Grant e Nijman, a organização
espacial da cidade estava voltada para sua bordas, ou seja, para as regiões
portuárias, facilitando o fluxo de mercadorias entre a Inglaterra e Bombay
(assim chamada até a segunda metade do século XX), e a conexão com o
interior era feita através da ligação ferroviária.
Havia também, ao lado do porto, uma área empresarial européia designada à
empresas estrangeiras, tal região possuía mercados tradicionais ou bazares,
por vezes referidos como "cidade cor", pois compreendia atividades comerciais
com produtos agrícolas e artesanais misturados aos das pequenas indústrias.
Ainda na leitura de Grant e Nijman, nota-se uma segregação espacial entre
estes comerciantes, e a ascensão do empreendedor nacional. Os mapas a
seguir mostram a distribuição espacial dos principais atores do espaço urbano
em dois tempos, um da época colonial (01) e o outro após a introdução do
neoliberalismo (02):
6
Fonte: Globalization and the Corporate Geography of Cities in the Less-Developed World. (Jun. 2002)
Através dessas aberturas política e econômica, Mumbai, teve seu espaço
urbano alterado, atenuando-se as disparidades socioeconômicas presentes.
Atualmente, a modelagem da urbes é feita a partir dos impasses do mercado
financeiro e composta pela pobreza agrária, esta é atraída por oportunidades
de emprego e uma melhor condição de vida , como Jessie M. Hohmann
discute:
"As an important port and India's financial and trade capital, Mumbai has long
been a lure for migrants. They are drawn to the city by its glitter and possibility,
while crushing rural poverty pushes many to seek a new life in the metropolis.
As a result, the "pace and sheer scale" of urbanization has overwhelmed
Mumbai's infrastructure and its political organs." (HOHMANN, 2010 p.138)
Entretanto, a dicotomia do rural e urbano, há tempos presente na literatura, é
decorrida sob diversas perspectiva. Para Mike Davis, as principais cidades dos
países em desenvolvimento não oferecem empregos ao homem do campo,
mas sim reproduzem o quadro de pobreza no processo de urbanização:
"As cidades, apesar do crescimento econômico estagnado ou negativo e sem o
necessário investimento em nova infra-estrutura, instalações educacionais e
sistemas de saúde pública, simplesmente colheram o produto da crise agrária
mundial. Em vez do estereótipo clássico do uso intensivo de mão-de-obra no
campo e uso intensivo do capital na metrópole industrial, o Terceiro Mundo
apresenta hoje muitos exemplos de campo com uso intensivo de capital e
cidades desindustrializadas com uso intensivo de mão-de-obra. A
'superurbanização', em outras palavras, é impulsionada pela reprodução da
02
01
7
pobreza, não pela oferta de empregos. Essa é apenas uma das várias descidas
inesperadas para as quais a ordem mundial neoliberal vem direcionando o
futuro." (DAVIS, 2006 p.26)
Ambas as discussões explicitam, que o homem da segunda metade do século
XX, ou seja, o homem do campo de países hoje em desenvolvimento,
acreditava na chance da vida citadina (maiores ofertas de emprego e melhores
condições de vida), entretanto, o despreparo do Estado proporcionou uma
urbanização elitista, isto é, uma ocupação segregativa com resultados mais do
que esperados: o aumento da pobreza urbana. Além disso, Davis nos lembra
que com a crise agrária/mecanização do campo nos países em
desenvolvimento, levou a uma inversão da clássica ideia dicotômica: rural
versus urbano, aonde o capital produzido na cidade desindustrializada, aquela
incorporada ao mercado global, é aplicado no campo (agroindústria). Nesse
sentido, os países emergentes, antes com sua base econômica voltada quase
que totalmente para produção agrária, de certa forma, permanecem
dependentes desse setor.
O inchaço das cidades nestes países, como a própria Mumbai, proporciona a
divisão desregular do solo. A urbanização nesses territórios, então, é realizada
pelas autoridades do desenvolvimento urbano a partir da instalação de
infraestrutura moderna na parte mais abastada da cidade em detrimento das
áreas de pobreza, com a intenção de conectar-se à cibereconomia mundial.
Ademais, há uma concordância entre os estudiosos, que estas cidades, em
relação a moradia pública, beneficiaram principalmente as classes média e as
elites. Nandini Gooptu traça as políticas favoráveis aos pobres no tempo de
Gandhi em seu adverso:
"Finalmente, o conceito grandioso de transformação urbana foi desbastado e
domesticado para atender os interesses imediatos das classes proprietárias.
Em vez de se desdobrar em projetos idealistas de regeneração social, os
sistemas de planejamento das cidades evoluíram como avenidas para
promover os interesses e aspirações dos proprietários e como instrumento da
crescente marginalização dos pobres." (GOOPTU, 2003)
Os moradores de Mumbai convivem lado a lado com a problemática da terra e
a falta de habitação. A cidade possui o lastimoso recorde de ter mais da
8
metade da população abrigada em favelas2. São áreas insalubres com
moradias frequentemente construídas em locais de risco ambiental,
desprovidas de qualquer infraestrutura urbana.
A contenção da proliferação de ocupações informais3 é realizada pela
Autoridade para o Desenvolvimento da Região Metropolitana de Mumbai
(MMRDA), sob a jurisdição do governo de Maharashtra, e a Autoridade para o
Desenvolvimento da Área e Habitação de Maharashtra (MHADA).
Em linhas gerais, as atitudes governamentais foram realizadas em três etapas,
como descreve Dupont:
“Face à l'ampleur et à la persistance des slums, les pouvoirs publics ont mis en
ceuvre différents types d'intervention a posteriori: destruction avec - ou sans -
réinstallation, fourniture de services de base dans le cadre de programmes anti-
pauvreté, réhabilitation in situ. Ces trois grands types de politique peuvent
relever de différents niveaux d 'initiative - du gouvernement central, des États
ou des villes - et mobiliser divers types de financements - subventions
publiques, prêt, aide d'agences internationales, participation du secteur privé,
contribution des bénéficiaires - selon des combinaisons variées qui ont évolué
dans le temps.” (DUPONT, 2007 p.52)
Entretanto, os principais agentes são movidos por interesses econômicos,
efeito das relações ambíguas - público versus privado - as políticas adotadas a
respeito das favelas são constantemente impedidas de atuarem nesse cenário.
Fadados ao fracasso, os moradores reais são cada vez mais marginalizados e
expostos à batalha de restrições jurídicas e à pressão do mercado imobiliário.
2 “As autoridades de Mumbai elencam três tipos de slums: os zopadpatti ou jhopad pattis, os
chawls e os Patra-chawis (DUPONT & SAGLIO-YATSIMIRSKY, 2008). Não podemos desprezar o fato de que os pavements dwellers (moradores de rua) não são levados em conta no recenseamento da população das favelas, embora suas condições de vida sejam igualmente precárias.” (CHARLOTTE BELLE, 2009). Ainda sobre as condições dos moradores de rua: “O estereótipo tradicional do morador de rua indiano é o camponês que perdeu tudo, recém-chegado do interior, que sobrevive na mendicância parasitária, mas, como revelou a pesquisa em Mumbai, quase todos (97%) têm pelo menos um ganha-pão, 70% estão na cidade há pelo menos seis anos e um terço foi despejado de algum cortiço ou chawl. Na verdade, muitos moradores de rua são simplesmente trabalhadores – condutores de riquixá, operários da construção civil e carregadores do mercado -, forçados por causa do emprego a morar no caríssimo coração da metrópole.” (DAVIS, 2006 p.46). 3 “O déficit habitacional anual estimado de Mumbai de 45 mil unidades no setor formal traduz-
se em um aumento correspondente de moradias informais nas favelas.” (DAVIS, 2006 p.28).
9
Voltando a Hohmann, "It is tempting to say Mumbai is a city defined by slums,
but the word slum is misleading in two ways. First, as discussed in greater detail
below, not all of those who lack adequate housing in Mumbai live in slums -
there are other forms of informal or illegal settlement, and other gradations of
homelessness, that define the lives of Mumbai's inhabitants. Second, the word
slum connotes physical squalor, social dysfunction and economic stagnation.
These stereotypes are often inappropriate to describe the homes and
neighborhoods of informal settlers in the city, Mumbai's informal settlements are
instead to the functioning of the city, but contribute cultural, economic, and
social vibrancy to it." (HOHMANN, 2010 p.139)
O julgamento mais comum que fazemos sobre a cidade indiana é descrevê-la
como um enorme abrigo de favelas, o que não é adequado na maioria das
vezes, dado que o espaço urbano é composto por ocupações informais desde
a época colonial, moradores sem teto, assentamentos, entre outras formas.
Dupont e Yatzimirsky elencam duas categorias de slum (favela). A primeira,
aquela definida pela lei de 1956 sobre as Áreas Faveladas (lei pioneira e de
referência), descreve as habitações antigas e degradadas, ou até mesmo como
Hohmann nos fala, as moradias da época colonial, e, que não estão
regularizadas legalmente por locatários ou proprietários. A segunda categoria
refere-se a estruturas autofabricadas, barracos amontoados e insalubres
conhecidos por jhopad patties, em geral, são terras ocupadas ilegalmente.
Exemplo da primeira forma de ocupação: moradores da colônia do oleiro de Kumbharwada (Dharavi), os mesmos foram realocados pelo governo. Fonte: Mumbai Dharavi - Scenarios for Development. Columbia University Graduate School of Architecture, Planning and Preservation Master in Architecture and Urban Design, 2009 p.7.
DESENVOLVIMENTO DE SLUMS: O CASO DE DHARAVI
A invasão de terras desocupadas e o aumento de moradias precárias são as
únicas opções para os pobres da área urbana, já que não há oportunidades no
setor formal.
10
Dharavi, integrante da paisagem urbana de Mumbai, está entre as favelas mais
famosas do mundo, e tal importância deve- se ao fato da mesma abrigar mais
de um milhão de pessoas de diferentes grupos étnicos e nômades de todo o
país em um lugar aparentemente sem esperanças, que consegue manter uma
certa estabilidade econômica e produtiva.
Muitos estudiosos a descrevem como uma cidade à parte, o que Brugmann
classifica como citysystem. Na leitura de Alaton Salem,
"Brugmann describes a highly concentrated economic leverage with low
transportation costs, high mixed use of poverty, mutually beneficial association
among inhabitants and the proximity of manufacturers to suppliers and
specialized production concentrated in individual neighbourhoods. While the
compressed circusntances of life in Dharavi may continue to resemble those of
an extend slum, Brugmann finds something entirely remarkable here, a city built
by migrants that has 'achieved the most advanced pratice of urbanism: the
design, construction, and evolution of what i call citysystem'." (SALEM, 2009
p.8)
Isto é, a mistura social da forma que se reproduz, aquela compacta, resultou na
prática avançada do urbanismo. Em meio a morfologia labiríntica, as
construções em Dharavi são mais do que simples abrigos para as famílias, são
também espaços de produção, o alimento que sustenta a cidade formal. Outros
autores como Jim Masselos também atestam a dinâmica dessa favela:
“Larger slums may be noted for their productive energy as the location for
significant economic activity. Among such is Dharavi, often described as India's
largest slum: in the nineteenth century, while it was still well away from major
areas of habitation, it was where the tanneries were located. Since then it has
been surrounded by suburbs but retains a spatial identity of its own. The slum
has continued to produce and tool leather, but a range of cottage industries
make a variety of other goods, including even surgical catgut.” (MASSELOS,
2005, p.111)
11
Primeira foto mostra o cotidiano dos moradores de Dharavi, a segunda, os arranhas céus,
marco do desenvolvimento financeiro da cidade e parte do entorno da mesma favela. Fonte:
Mumbai Dharavi - Scenarios for Development. Columbia University Graduate School of
Architecture, Planning and Preservation Master in Architecture and Urban Design, 2009 p.10-
11.
Assim, a maior parte da literatura encontrada pretende compreender esse
território diversificado que é Dharavi. Ademais a mesma adquiriu com o tempo
uma identidade espacial única: um território vizinho a arranha-céus de preços
estratosféricos que tornou- se área de interesse e disputa entre as empresas
do setor privado.
PRINCIPAIS POLÍTICAS PÚBLICAS ADOTADAS EM RELAÇÃO A
MORADIA
No ano de 1948, foi elaborado pela Bombay Municipality, prefeitura municipal
de Mumbai, ainda chamada de Bombay, o Master Plan for Greater Bombay4, o
qual previa a apropriação dos terrenos invadidos (slum clearance - limpeza das
favelas) para liberar mais espaços destinados a construção de moradias aos
slum dwellers (moradores da favela), isto é, consistia em um programa de
embelezamento da cidade. Entretanto, a paralisação dos aluguéis e o controle
de residências em locação, realizados pelo governo de Maharashtra (1947),
causou ainda mais a propagação de moradias precárias e insalubres.
Nos anos 1960 há uma explosão na falta de habitação e a disparidade social. A
políticas adotadas então, são voltadas para construção de moradias populares.
É sancionada pela Parlamento a Slum Area (Improvment and Clearance) Act,
lei urbana que colocou no mesmo patamar favelas e bairros pobres afim de
4 Refere-se a cidade de Bombay, não a Região Metropolitana de Bombay;
12
melhorar as moradias degradadas junto ao Development Plan for Greater
Bombay. Os terrenos ocupados, segundo Charlotte Belle,
"aparecem como bolsões de pobreza no coração da cidade moderna, e tornou-
se conveniente inseri-los na malha urbana, erradicando-os ou reformando-os.
O plano de desenvolvimento identificou apenas as favelas da city (microcentro).
Para justificar essa omissão, o relatório evocou o aspecto muito precário dos
barracos e da população totalmente 'vagabunda'. Essa posição mostrou,
claramente, que, no que diz respeito às decisões públicas, a parte insular de
Bombay permaneceu sempre desconectada de sua periferia em expansão. A
ponta da ilha gozando de uma atenção pública especial. Os espaços
degradados prejudicaram o aspecto 'cidade moderna' de Bombay. O Slum
Improvment Programme (SIP) foi então lançado em ação conjunta, pelas
autoridades municipais e pelo Estado do Maharashtra, com a missão de levar a
esses terrenos as infraestruturas de base (água, estradas, drenagem e
eletricidade...)." (CHARLOTTE BELLE, 2009 p.226)
Já em 1971, o governo do Maharashtra foi designado aos programas de
remoção das zonas ocupadas (Maharashtra Slum Areas Improvement,
Clearance and Redevelopment Act), o que não foi possível devido a falta de
recursos financeiros e espaciais. Contemporaneamente a este programa o
Estado permitiu a reabilitação de prédios antigos (Mumbai Repairs and
Reconstructions Programme, 1960).
A cidade indiana, então, começa a se urbanizar e a valorizar o quadro da
moradia social. Forma-se o desejo de desenvolvimento em escala
metropolitana, e não é à toa que foi elaborado o Regional Plan for Bombay
Metropolitan Region e os instrumentos legislativos (Urban Land (Ceiling &
Regulation) Act) e urbanísticos (Hut Renovation Schemes), ambos pretendiam
oferecer à população desabrigada recursos para obtenção de terra e moradias
legais através dos planos de urbanização. Nesse período há também a
parceria com o Banco Mundial frente ao projeto Bombay Urban Development
Project, relevando a regularização dos terrenos e a providência de
infraestrutura para as favelas. Esse sociedade motivou dois programas: Slum
Upgradation Programme (SUP) e Low Income group Shelter Programme (Lisp).
Aquele "introduziu a noção de propriedade da terra às cooperativas de slums
dwellers instaladas nos terrenos de Bombay Municipal Corporation e do
13
governo do Maharashtra, uma concessão de trinta anos, passível de
renovação, sobre bens imobiliários." (CHARLOTTE BELLE, 2009). Este
autorizou o governo do Maharashtra a distribuir lotes às famílias pobres.
Contudo, a liberação de 20 milhões de dólares para a melhoria da condição de
vida dos favelados, não foi suficiente, impedindo a realização de tais
programas. Até porque as ações foram questionadas tanto na esfera pública
quanto privada, pois estes agentes dividiam o mercado imobiliário.
Essa parceria, público-privado, comum ao nosso tempo, beneficiou
principalmente os agentes privados em detrimento das ações estatais. Por
exemplo, o Regional Plan for Mumbai Metropolitan Region (1996 - ) produzido
por Mumbai Metropolitan Regional Development Authority (MMRDA) conta com
a participação destes agentes e também com medidas fundiárias (Transfer of
Development Rights) e imobiliárias, fornecendo infraestrutura necessária para
o Estado continuar a manter tais territórios, como por exemplo, o recém projeto
Clean Mumbai, o qual proveu infraestruturas sanitárias básicas à algumas
favelas.
Em linhas gerais, as medida públicas ao todo não suprem o quadro de miséria
em que se encontra a cidade de Mumbai, por isso, algumas instituições,
empresas e outros, têm elaborado estudos, pesquisas e habitações
emergenciais, por exemplo, o projeto de moradias emergenciais desenvolvidas
pela Columbia University, além disso, há também participação de ONGs como
SPARC (The Society for the Promotion of Area Resource Centers). Esta,
formada em 1984, iniciou suas atividades sociais com moradores de rua, e hoje
atendem uma grande demanda da população de Mumbai e outras cidades
indianas juntamente com a organização nacional de grupos comunitários das
favelas ou assentamentos informais, mais conhecido por National Slum
Dwellers Federation.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como o arquiteto Charles Correa explicita:
"[Many low income housing projects] perceive housing as a simplistic problem
of trying to pile up as many dwelling units as many boxes as possible on a given
sites, without any concern for the other spaces involved in the hierarchy. Result:
14
the desperate effort of the poor to try and live in a context totally unrelated to
their needs - a state of affairs not only inhuman, but uneconomic as well."
Os problemas habitacionais enfrentados por Mumbai, assim como em outras
cidades dos países em desenvolvimento, estão para além da simples produção
de moradias. Há um processo histórico socioeconômico que necessita de
atenção das entidades governamentais e da sociedade, visto que os
programas encontrados na literatura internacional mostram-se, em sua maioria,
fracassados.
Ademais, a construção da imagem de favelas como Dharavi, conhecidas
internacionalmente, é importante do ponto de vista do capital para a promoção
da cidade, isto é, como a cidade é reificada. E Dharavi se difere das demais do
mundo emergente, porque, gera uma produção econômica que sustenta a
cidade formal. Daí o interesse do governo em manter certos pontos de
pobreza. Nas palavras de Jessie Hohmann:
"What is clear, even impressionistically, is that the city of Mumbai cannot
function without its informal sector. The informal sector is itself more than half
the city. But at the same time a full life is not afforded to these citizens and they
are pushed to the margins, both literally and metaphorically." (HOHMANN, 2010
p.144)
Além disso, da mesma literatura, compreende-se que a questão habitacional
atualmente, na cidade de Mumbai, é tratada com parcerias público-privado e de
forma imediatista, ou seja, na maioria das vezes, as ações desenvolvidas são
de caráter emergencial. Os resultados obtidos com a interpretação e análise da
revisão bibliográfica, atentam para diversificadas opções de estudos sobre a
questão habitacional: não somente planos governamentais, mas também ações
e iniciativas paralelas aos mesmos.
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