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Gustavo de Assis de Souza; Ricardo Marty Claro de Oliveira; Victor Bueno Terada ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1122 GT 5 DILEMAS ATUAIS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGNOMISMO DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA NO BRASIL THE CRISIS OF FUNDAMENTAL HEALTH RIGHT: THE ROLE OF THE PUBLIC DEFENDER IN THE DEMOCRATIZATION OF HEALTH IN BRAZIL Gustavo de Assis Souza 1 Ricardo Marty Claro de Oliveira 2 Victor Bueno Terada 3 RESUMO: A presente pesquisa, através do método dedutivo, tenciona, dentro de um complexo campo histórico, expor a fundamentalidade do direito à saúde, dando enfoque ao papel do Estado em figurar como garantidor dos direitos sociais fundamentais. Nessa engrenagem, o estudo volta-se à análise dos instrumentos necessários para a efetivação do direito em comento, destacando, além do respaldo legislativo, o papel do poder Executivo e Judiciário em aproximar o direito à saúde das pessoas que mais o necessitam. Busca-se, no decorrer na pesquisa, através de uma minuciosa análise à jurisprudência pátria, bem como à doutrina constitucionalista, demonstrar a função do Poder Judiciário na democratização sanitária, seja na correção das falhas das politicas públicas, no tocante às situações emergenciais, seja na melhoria dos mecanismos de atuação do Executivo. Como foco, destaca-se a importância do Estado e a inafastabilidade do Poder Judiciário, precipuamente da Defensoria Pública, como responsáveis por esta democratização sanitária no Brasil. 1 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário de Goiás Uni-Anhanguera, pesquisador no Núcleo de Apoio à Pesquisa Científica em Direito (NAPCD), membro da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, e-mail: [email protected]. 2 Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Curitiba. Integrante do Grupo de Pesquisa em Biodireito e Bioética Jus Vitae Centro Universitário Curitiba, orientadora: Profª. Maria da Glória Colucci. E-mail: [email protected]. 3 Acadêmico do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP E-mail: [email protected].

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    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1122

    GT 5 – DILEMAS ATUAIS DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS

    A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O

    PROTAGNOMISMO DA DEFENSORIA PÚBLICA NA

    DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA NO BRASIL

    THE CRISIS OF FUNDAMENTAL HEALTH RIGHT: THE ROLE OF

    THE PUBLIC DEFENDER IN THE DEMOCRATIZATION OF HEALTH IN

    BRAZIL

    Gustavo de Assis Souza1

    Ricardo Marty Claro de Oliveira2

    Victor Bueno Terada3

    RESUMO: A presente pesquisa, através do método dedutivo, tenciona, dentro de

    um complexo campo histórico, expor a fundamentalidade do direito à saúde, dando

    enfoque ao papel do Estado em figurar como garantidor dos direitos sociais

    fundamentais. Nessa engrenagem, o estudo volta-se à análise dos instrumentos

    necessários para a efetivação do direito em comento, destacando, além do respaldo

    legislativo, o papel do poder Executivo e Judiciário em aproximar o direito à saúde

    das pessoas que mais o necessitam. Busca-se, no decorrer na pesquisa, através de

    uma minuciosa análise à jurisprudência pátria, bem como à doutrina

    constitucionalista, demonstrar a função do Poder Judiciário na democratização

    sanitária, seja na correção das falhas das politicas públicas, no tocante às situações

    emergenciais, seja na melhoria dos mecanismos de atuação do Executivo. Como

    foco, destaca-se a importância do Estado e a inafastabilidade do Poder Judiciário,

    precipuamente da Defensoria Pública, como responsáveis por esta democratização

    sanitária no Brasil.

    1 Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário de Goiás Uni-Anhanguera, pesquisador

    no Núcleo de Apoio à Pesquisa Científica em Direito (NAPCD), membro da Rede para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, e-mail: [email protected]. 2 Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário Curitiba. Integrante do Grupo de

    Pesquisa em Biodireito e Bioética – Jus Vitae – Centro Universitário Curitiba, orientadora: Profª. Maria da Glória Colucci. E-mail: [email protected]. 3 Acadêmico do Curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Campinas/SP

    E-mail: [email protected].

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1123 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    Palavras-chave: Direito à saúde; Defensoria pública; Judicialização; Acesso à

    justiça; Hipossuficientes.

    ABSTRACT: The present research intents, through the deductive method, to

    expose the fundamental right to health, within a complex historical field. It is

    focused on the role of the State in being a guarantor of fundamental social rights, in

    this gear, the study is based on the analysis of the instruments necessary for the

    effective implementation of the law, highlighting, in addition to legislative support,

    the role of the Executive and Judiciary in bringing the right to health closer to the

    people who need it most. Throughout the research, through a meticulous analysis of

    the jurisprudence of the country, as well as the constitutionalist doctrine, it is sought

    to demonstrate the role of the Judiciary in the democratization of health care, be it in

    correcting public policy failures in emergency situations or in the improvement of

    the executive's mechanisms of action. As a focus, the importance of the State and

    the inafasability of the Judiciary Branch, which is primarily of the Public Defender's

    Office, are highlighted as responsible for this health democratization in Brazil.

    Key-words: Right to health; Public defender's; Judicilization; Access to justice;

    hypersufficient.

    Sumário: 1. Introdução; 2. Historicidade do Direito à Saúde; 2.1. Construção do

    Conceito; 2.2. O Direito à Saúde nas Constituições Brasileiras; 2.3. O Direito à

    Saúde no âmbito internacional; 3. A Judicialização da Saúde e a Democratização

    Sanitária no Brasil; 3.1. A Atuação do Poder Judiciário na Efetivação do Direito à

    Saúde; 3.2. Liame Entre o Direito à Saúde e o Direito Financeiro; 4. A Atuação da

    Defensoria Pública na Tutela do Direito à Saúde; 4.1 O Acesso Universal à Saúde e

    os Indivíduos Hipossuficientes; 4.2 Um Estudo de Caso em Goiás sob a Ótica de

    Atuação de outra Instituição Jurídica 5. Conclusão; 6. Referências.

    1. INTRODUÇÃO

    A presente pesquisa versa sobre o protagonismo da Defensoria Pública no

    processo de judicialização do direito à saúde. Investigou-se a dificuldade de acesso

    à saúde por parte dos hipossuficientes, enaltecendo o papel da Defensoria como

    instituição pública guardiã para o crescimento e proteção de tais direitos.

    Em um primeiro momento, apresentar-se-á a historicidade do direito à

    saúde. Em outras palavras, será realizado um breve escorço histórico sobre o

    surgimento do direito em comento, além da exposição do conceito a ser considerado

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    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1124

    como “estrela-polar” do presente trabalho.

    Vale salientar que foi realizada uma breve análise da positivação do direito

    à saúde, de sorte a abranger todas as Constituições Brasileiras já sedimentadas, com

    maior respaldo na atual Magna Carta de 1988. Melhor dizendo, abordou-se, de

    maneira clara e precisa como o direito à saúde é tratado na atual Constituição

    Federal de 1988, dando enfoque ao papel do Estado em figurar como garantidor do

    direito em tela. Nesse contexto, destaca-se, ainda, o surgimento da Lei nº 8.080,

    promulgada em 19 de setembro de 1990, que dispõe acerca da promoção,

    recuperação e organização do direito à saúde no Brasil, estabelecendo nova

    modulação para o SUS – Sistema Único de Saúde.

    No mais, tem-se uma abordagem do direito à saúde na esfera internacional,

    com fulcro, principalmente, na Carta de Princípios da Organização Mundial da

    Saúde e na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    A posteriori, fez-se necessária toda uma pesquisa sobre o processo de

    judicialização do direito à saúde. Dito de outro modo, todo o procedimento válido e

    necessário para que este fosse balizado como direito humano fundamental. Logo,

    analisou-se a atuação das três esferas de Poder, quais sejam, o Poder Legislativo,

    Poder Judiciário e o Poder Executivo.

    Feitas tais ponderações, enalteceu-se a instituição Judiciário, não só como

    guardião da Constituição e, por conseguinte, dos direitos lá erigidos, como também

    de sua responsabilidade na promoção e acesso do direito à saúde por parte dos

    desfavorecidos.

    Nessa esteira, apresenta-se a Defensoria Pública e seu protagonismo no

    processo de defesa dos direitos dos hipossuficientes. Insta consignar a importância

    da atuação do respectivo órgão público na luta pela judicialização do direito à

    saúde, devendo este, como direito fundamental e inviolável, ser acessível a qualquer

    cidadão brasileiro.

    Patente, ainda, que para a melhor compreensão do tema em voga, fez-se

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    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1125 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    mister estabelecer um paralelo entre os planos privados e o plano público, mais

    especificamente, o SUS – Sistema Único de Saúde. Isto é, analisou-se a eficiência

    de cada plano oferecido aos cidadãos, além da importância da Defensoria Pública

    em incidir sobre tais planos, mormente o SUS, para torná-los mais eficazes e evitar

    que possíveis violações, de cunho humano, sejam emanadas.

    Além disso, faz-se necessário salientar que o método para a realização

    da respectiva pesquisa consubstanciou-se em leitura de bibliografia acadêmica,

    como também a análise de jurisprudências e fontes normativas vinculadas ao tema.

    Por derradeiro, resta claro que o processo de judicialização do direito à

    saúde foi difícil e intenso, tendo sido consolidado na Constituição Federal de 1988.

    Destarte, destaca-se a importância do Estado e a inafastabilidade do Poder

    Judiciário, precipuamente da Defensoria Pública, como responsáveis pela proteção

    de tais direitos para não eivá-los de vícios e, não se olvidando, como promovedores

    para o acesso a todos os cidadãos.

    2. HISTORICIDADE DO DIREITO À SAÚDE

    2.1. Construção do conceito

    De introito, faz-se necessário destacar que o direito à saúde é corolário de

    um intenso processo de evolução não só do direito, mas também do próprio ideal

    etimológico da palavra “saúde”. Destarte, mostra-se razoável a realização de um

    breve escorço histórico para melhor compreensão do supramencionado termo.

    Etimologicamente, a palavra saúde provem do latim “salus-utis” que

    significa “estado são” ou, ainda, “salvação”. Entretanto, o conceito do respectivo

    vocábulo não se resume a uma mera interpretação gramatical, devendo considerar-

    se toda a conjuntura social, econômica, política e cultural.

    Em outras palavras, a saúde não tem igual valor para todos os indivíduos,

    consubstanciando-se em valores próprios de cada local, época, classe social, valores

    individuais, concepções científicas, religiosas, filosóficas em que foi desenvolvida.

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    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1126

    Neste contexto, é notório que a compreensão do conceito de saúde toca

    diversas áreas do conhecimento, de sorte a abranger matérias, cujo nascedouro

    reside na origem filosófica, sociológicas, biológicas e antropológicas.

    Vale destacar ainda que, na Antiguidade, o conceito de saúde estava

    relacionado ao chamado modelo mágico-religioso ou xamanístico em que questões

    naturais e divinas determinariam a saúde-doença de cada individuo. A posteriori,

    com o Renascimento e à Revolução Artística-Cultural, ocorridos no século XVI,

    tem-se o modelo de saúde mais próximo da atualidade, em que se focou na

    explicação de doenças e reduziu-se a saúde a um funcionamento mecânico.

    Acresça-se, também, que o direito à saúde foi considerado como direito

    fundamental humano. Deste feita, a vista dos direitos humanos e sua classificação

    em gerações, o direito à saúde enquadra-se na 2ª geração em que se consideram os

    direitos sociais, econômicos e culturais, com vistas a alcançar a igualdade.

    Nos dizeres do ilustre Ingo Wolfgang Sarlet, tem-se a definição de saúde:

    A saúde é um direito social fundamental, ligado, juntamente com outros

    (assistência social, previdência social e renda mínima), ao direito à

    garantia de uma existência digna, no âmbito do qual se manifesta de forma mais contundente do seu objeto com o direito à vida e ao princípio

    da dignidade da pessoa humana. A vida assume, no âmbito desta

    perspectiva, a condição de verdadeiro direito a ter direitos, constituindo, além disso, precondição da própria dignidade da pessoa humana.

    (SARLET, 1998, p.313).

    O conceito de saúde também foi balizado pela Organização Mundial da

    Saúde – OMS em sua Carta de Princípios divulgada em 07 de abril de 1946: “saúde

    é o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a

    ausência de enfermidade”. (OMS, 1946). A generalidade da respectiva expressão

    sofreu duras críticas, assim expostas:

    A expressão ‘completo estado’, além de indicar uma concepção pouco dinâmica do processo – uma vez que as pessoas não permanecem

    constantemente em estado de bem-estar –, revela uma idealização do

    conceito que, tornado inatingível, não pode ser usado como meta pelos serviços de saúde. Por outro lado, afirma-se a sua carência de

    objetividade: fundado em uma noção subjetiva de ‘bem-estar’, implicaria

    a impossibilidade de medir o nível de saúde de uma população.

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    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1127 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    (FONSECA; CORBO, 2007, p. 57-58).

    Evidente que o conceito adotado pela OMS é marcado por falhas, mormente

    pelo cunho expansionista adotado pela instituição. Entretanto, tais críticas não

    devem recair sobre o subjetivismo da respectiva expressão, já que este lhe é inerente

    e indissociável, a variar tanto em uma tentativa de conceituação restrita como

    abrangente.

    No Brasil, no ano de 1986, foi realizada a VIII Conferência Nacional de

    Saúde em que se buscou uma clara acepção da respectiva palavra, além de uma

    reformulação do Sistema Único de Saúde – SUS. Nessa vereda, considerou-se que a

    saúde, em sentido amplo, é corolário de diversas condições, dentre as quais,

    alimentação, educação, meio ambiente, trabalho, lazer, liberdade, não se olvidando

    ser resultado das diversas formas de organização social. (BRASIL. VIII Conferência

    Nacional da Saúde, 1986).

    Dessarte, resta claro a difícil elaboração de um conceito claro e uníssono

    para o vocábulo saúde, haja vista seu caráter multidisciplinar e difuso, atingindo

    matérias além da própria medicina e da biogenética. Logo, a ausência de uma

    definição inequívoca do termo, gera inseguranças e incertezas quanto à aplicação

    prática do ordenamento jurídico, mais precisamente, da Constituição de 1988.

    Entende-se, então, que o termo saúde deve ser interpretado, de forma a considerar

    toda a conjuntura econômica, social e política, com vistas à obtenção da melhor

    qualidade de vida dos indivíduos.

    2.2. O Direito à saúde nas constituições brasileiras

    O direito à saúde foi alçado pela Constituição Federal de 1988 ao rol de

    Direitos Fundamentais a angariar o status de cláusula pétrea. Em outros dizeres, o

    direito em comento tornou-se essencial para a preservação e promoção da dignidade

    da pessoa humana.

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    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1128

    Nessa esteira, a Carta Magna de 1988 inovou ao inserir o direito à saúde na

    lista de direitos sociais, contrariando as Constituições Brasileiras anteriores que se

    vinculavam ao ideal de contribuição à Previdência social para que os cidadãos

    obtivessem acesso à saúde. Vale ressaltar que havia alguns requisitos a serem

    preenchidos para o pleno acesso a entidade pública de saúde, dentre os quais tinha-

    se a necessidade de inserção no mercado de trabalho e de renda que, caso não

    fossem cumpridos, elidiriam os indivíduos do acesso à saúde pública.

    Ao analisar cada Constituição Brasileira já balizada, antes, por óbvio, da

    Constituição de 1988, tem-se que a Constituição Imperial de 1824 não tratou

    expressamente do direito à saúde, utilizando-se da expressão “socorros públicos”,

    conforme seu art. 179, inciso XXI:

    Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos

    brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira

    seguinte:

    [...] XXXI - A Constituição também garante os socorros públicos (BRASIL.

    Constituição do Império do Brazil, 1824).

    Posteriormente, a Constituição de 1891 abordou o tema através da

    expressão “segurança individual” ao contrário da expressão outrora mencionada:

    “Art. 72. A Constituição assegura a brazileiros e a estrangeiros residentes no paiz a

    inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á

    propriedade nos termos seguintes [...]” (BRASIL. Constituição da República dos

    Estados Unidos do Brasil, 1891).

    Por sua vez, a Constituição de 1934, de forma insofismável, é a que melhor

    aborda o tema do direito à saúde, mais especificamente em seus artigos 10 e 121, ao

    atribuir a União e aos Estados o cuidado para com a assistência pública, veja-se:

    Art 10. Compete concorrentemente á União e aos Estados: [...] II - cuidar

    da saúde e assistência públicas;

    Art 121. A lei promoverá o amparo da producção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a

    protecção social do trabalhador e os interesses economicos do paiz.

    § 1.º A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de

    outros que collimem melhorar as condições do trabalhador: [...] h)

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    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1129 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    assistencia medica e sanitaria ao trabalhador e á gestante, assegurado a

    esta descanso antes e depois do parto, sem prejuizo do salário e do emprego, e instituição de previdencia, mediante contribuição igual da

    União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez,

    da maternidade e nos casos de accidentes de trabalho ou de morte.

    (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1891).

    Em relação à Constituição de 1937, esta manteve a legislação trabalhista

    para a proteção do trabalhador, como também definiu a União como responsável

    por legiferar acerca da saúde em geral, podendo ser delegada aos Estados.

    Art. 137. A legislação do trabalho observará, além de outros, os

    seguintes preceitos: [...] l) assistencia medica e hygienica ao trabalhador e á gestante, assegurado a esta, sem prejuizo do salário, um periodo de

    repouso antes e depois do parto;

    Art. 16. Compete privativamente á União o poder de legislar sobre as

    seguintes materias: [...] XXVII - normas fundamentaes da defesa e protecção da saude, especialmente da saude da creança (BRASIL.

    Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, 1937).

    A Constituição de 1946 inovou ao garantir, pela primeira vez, o direito a

    saúde:

    Art 5º. Compete à União: [...] XV - legislar sobre: [...] b) normas gerais

    de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção

    da saúde; e de regime penitenciário; Art 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros

    residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à

    liberdade, a segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes [...]. (BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil,

    1946).

    No que concerne à Constituição de 1967, foi mantida a competência

    privativa da União para legislar acerca da matéria saúde. No mais, foi assegurado

    aos trabalhadores, o direito a assistência médico-hospitalar: “Art 158 - A

    Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que,

    nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social: [...] XV - assistência

    sanitária, hospitalar e médica preventiva”. (BRASIL, 1967)

    Feitas tais ponderações, é notório que a Constituição de 1988 consagrou o

    direito à saúde como direito fundamental, de sorte a determiná-lo como

    imprescindível para o pleno bem-estar social.

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    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1130

    Destaque-se que a Magna Carta tratou o tema juntamente com a seara da

    seguridade social, em virtude do que se tem claro e notório o liame estabelecido

    entre os respectivos campos. O artigo 196, da Constituição da República (Capítulo

    da Previdência Social), define a questão: “a saúde é direito de todos e dever do

    Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do

    risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e

    serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (BRASIL, 1988).

    É evidente que, neste artigo, a Constituição atribui um direito subjetivo

    público aos cidadãos ao determinar que o Estado seja o provedor, ou melhor,

    garantidor de tal direito. Logo, transfere ao Estado a responsabilidade de cuidar pela

    higidez dos indivíduos e da coletividade.

    O artigo 6º, da Carta Constitucional, erige, expressamente, o direito a saúde

    ao status de direito social, imprescindível à proteção da vida. Corrobora, ainda, o

    artigo 23, inciso II, do referido Diploma, em que consta a competência solidária dos

    entes federativos – União, Estados, Municípios e Distrito Federal – para legiferar

    acerca do tema.

    2.3. O Direito à saúde no âmbito internacional

    Na seara internacional, a primeira menção a proteção à saúde apareceu na

    Carta de Princípios da Organização Mundial da Saúde – OMS (1946). Na mesma

    toante, angariou espaço na Declaração Universal dos Direitos Humanos – artigo 25.

    Outros tratados também delinearam a sua importância, dentre os quais exalta-se o

    Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de

    San Salvador), datado de 1988; Declaração de Alma-Ata; a Convenção Americana

    de Direitos Humanos de 1969 (Pacto de San José da Costa Rica); as três

    Convenções da Organização das Nações Unidas contra a Tortura: a Convenção

    Europeia de 1987, a Convenção Interamericana de 1985, e a Convenção das Nações

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1131 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    Unidades de 1984.

    Por derradeiro, resta claro que o direito à saúde recebe ampla proteção,

    tanto em termos nacionais quanto internacionais. Entretanto, no campo material, sua

    difícil aplicação à realidade enseja uma necessidade de maior atuação Estatal,

    principalmente dos órgãos que lhe são inerentes e componentes.

    3. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A DEMOCRATIZAÇÃO

    SANITÁRIA NO BRASIL

    3.1. A atuação do Poder Judiciário na efetivação do Direito à saúde

    Enquadrar o direito à saúde como um direito fundamental, direito social,

    implica afirmar, em um primeiro momento, que ele vincula os Poderes Públicos

    (Legislativo, Executivo e Judiciário), sendo considerado, pela Constituição da

    República, uma cláusula pétrea, colocado, por conseguinte, inteiramente além do

    alcance do poder constituinte derivado. E, justamente, em razão da sua indiscutível

    fundamentalidade, o Estado, nos exercícios desses poderes e dentro dos limites da

    realidade orçamentária, detém o dever de otimizar seus recursos e fazer o possível

    para efetivá-lo (SILVEIRA, 2015, p. 138).

    Nessa engrenagem de efetivação do direito à saúde, faz-se mister destacar

    que, além do respaldo legislativo sem precedentes, direcionado a garantir o direito

    em comento, o poder Executivo e Judiciário apresentam, também, um papel

    substancial para que o direito à saúde aproxime-se das pessoas que o necessitam.

    O Poder Executivo ganha relevância na medida em que, nos termos do art.

    196, da Constituição da República4, possui função primária de executar as políticas

    públicas necessárias à efetivação do direito à saúde. Compete, ainda, ao Executivo

    4 Art. 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e

    igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (BRASIL, 1988).

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    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1132

    “[...] regulamentar as leis no sentido de dar-lhes maior eficácia, seja organizando a

    atuação estatal, seja delineando conceitos que ficaram muito abertos na Constituição

    ou nas leis” (BUCCI; DUARTE, 2017, p. 117).

    Por sua vez, o Poder Judiciário destaca-se pelo seu papel de guardião das

    leis e do Estado de direito, cuidando para que o projeto estabelecido pelo

    constituinte em 1988 e para que as leis infraconstitucionais sejam de fato cumpridas

    pelos agentes públicos e pelos cidadãos em geral. O judiciário destaca-se cada vez

    mais na efetivação do direito à saúde no Brasil na medida em que aumenta a

    procura, pelos cidadãos, de tutelas judiciais voltadas à proteção concreta e

    individual deste direito (BUCCI; DUARTE, 2017, p. 117).

    É de se observar, destarte, que, a partir da ascensão da corrente do

    pensamento constitucional (especialmente em 1988), isto é, ultrapassada a

    concepção jurídica brasileira puramente positivista e privatista, propôs-se um

    constitucionalismo societário e comunitário, que prioriza os valores da igualdade e

    da dignidade humana e que se preocupa em dar efetividade aos diversos direitos

    amplamente assegurados na Constituição (CITTADINO, 2003, p. 27). É com base

    nesse complexo contexto histórico que é feita a análise da judicialização da saúde

    no Brasil.

    A inafastabilidade da competência do Poder Judiciário em apreciar qualquer

    lesão ou ameaça ao direito, fruto da Carta Política de 1988, figura como uma

    garantia real da democracia e do Estado Democrático de Direito (art. 5º, XXXV,

    CF/88), na medida em que garante a todos (individual ou coletivamente) a hipótese

    de encaminhar ao Poder Judiciário demandas de qualquer natureza, inclusive contra

    decisões executivas ou legislativas tomadas pelos demais poderes. No campo da

    saúde, tem sido cada vez mais recorrente a participação do Poder Judiciário na

    concretização do direito à saúde no Brasil.

    Dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça relatavam que em

    junho de 2014 existiam 292 mil ações judiciais de saúde no País (CONSELHO

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1133 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    NACIONAL DE JUSTIÇA, 2014). O ingresso de ação judicial tornou-se um

    importante e típico processo jurídico de democracia sanitária, contando com a

    atuação ativa de importantes instituições de proteção de direitos, como o Ministério

    Público e a Defensoria Pública.

    Nesta esteira, quanto ao aumento da participação do judiciário na efetivação

    do direito à saúde no Brasil, Maria Paula Dallari Bucci e Clarice Seixas Duarte

    enfatizam o seguinte:

    O direito do cidadão de lutar pelo respeito a um direito seu perante o

    Poder Judiciário é um elemento extremamente importante na configuração da democracia sanitária brasileira. A justiciabilidade do

    direito à saúde representa um grande avanço democrático que vem sendo

    conquistado pela sociedade brasileira com importante contribuição do

    Pode Judiciário. Embora a participação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde no Brasil venha aumentando, verifica-se que, em

    termos participativos, trata-se ainda de um poder estatal cujas decisões

    são pouco permeáveis à participação mais ativa dos cidadãos ao longo do processo que instruem decisão judicial. (BUCCI; DUARTE, 2017, p.

    126).

    O reconhecimento da saúde como um direito subjetivo público, que permite

    ao cidadão pleitear seus interesses judicialmente, retrata uma característica

    substancial da democracia sanitária brasileira. A partir de demandas judiciais, o

    poder Executivo torna-se obrigado a proporcionar a indivíduos ou coletividades

    cirurgias, próteses, medicamentos, entre outros bens e serviços essenciais à

    efetivação do direito à saúde.

    Mariana Cavalcante Ouverney chama atenção para o fato de que, por

    exemplo, as ações judiciais têm sido um importante caminho para o acesso a

    medicamentos de última geração. Cidadãos que não tenham condições financeiras

    para custear medicamentos essências, podem, através do judiciário, ter acesso a

    estes. Explica a autora que a instalação de um processo de elaboração e emprego de

    avaliações tecnológicas dos medicamentos solicitados por ações judicias pode

    auxiliar na decisão dos medicamentos a serem incorporados pelo SUS

    (OUVERNEY, 2016, p. 12).

  • Gustavo de Assis de Souza;

    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1134

    Não se pode deixar de mencionar, entretanto, que a via Judicial traduz-se no

    último recurso para obter-se do Estado bens e serviços de saúde que, por algum

    motivo, não estão sendo ofertados regularmente por meio das políticas públicas já

    disponibilizadas pelo Poder Executivo. A penúria estrutural, assim como a

    dificuldade de planejamento, ensejam, na maioria das vezes, essa falha prestamento

    das politicas públicas, ocasionando, dentre outras falhas, a ineficácia de

    abastecimento de remédios nas redes de serviço do SUS, por exemplo

    (OUVERNEY, 2016, p. 9).

    As falhas na política pública, portanto, devem e sempre poderão ser

    corrigidas pelo Poder Judiciário; porém, impõe-se uma atuação harmônica e

    articulada entre os Poderes Públicos “[...] para que as demandas individuais e

    coletivas da sociedade por bens e serviços de saúde sejam satisfeitas com eficácia e

    economicidade, transparência e resolutividade” (BUCCI; DUARTE, 2017, p. 133).

    A aplicabilidade do direito à saúde, dessa forma, é nitidamente ampla e

    imediata. A Constituição manda aos poderes constituídos, principalmente no

    Legislativo e Executivo, que forneçam acesso à saúde, e que promovam políticas

    públicas abrangentes e eficientes, sob pena de deste direito ser garantido pelo

    judiciário. Nesta seara, cita-se o acordão do Supremo Tribunal Federal, prolatado

    pelo Ministro Celso de Mello, que, com extrema objetividade, expõe essa

    aplicabilidade ampla e imediata do direito em comento, veja-se:

    EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. MENOR PORTADOR DE

    DOENÇA GRAVE. FORNECIMENTO PELO PODER PÚBLICO DE

    FRALDAS DESCARTÁVEIS. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. SOLIDARIEDADE

    DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. A jurisprudência do

    Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter

    meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao

    gozo do direito à saúde dos cidadãos. O Poder Judiciário pode, sem que

    fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas

    ao direito constitucional à saúde. Trata-se de obrigação solidária de todos

    os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União,

    Estados, Distrito Federal ou Municípios. Ausência de argumentos capazes

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1135 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    de infirmar a decisão agravada. Agravo regimental a que se nega

    provimento. (STF, 2017).

    Diante do pacífico entendimento jurisprudencial, referente à aplicação do já

    mencionado art. 196, da Constituição da República, torna-se cristalino que pouco

    importa ao cidadão, enquanto destinatário do direito à saúde, se a prestação a quem

    tem direito (uma vez negada) for exigida especificamente da Municipalidade, do

    Estado ou da União, eis que há uma responsabilidade solidária entre os Entes

    Políticos.

    Sem dúvida, como visto há pouco, tem sido substancial o papel do Poder

    Judiciário na democratização sanitária, diga-se, na proteção e promoção do direito à

    saúde. Além de corrigir as falhas das politicas públicas, no tocante às situações

    emergenciais, a judicialização da saúde tem conseguido melhorar os mecanismos de

    atuação do Executivo, que passou a considerá-la essencial para o planejamento e

    execuções de suas políticas públicas.

    Visto isso, por se tratar de políticas públicas, de obrigações direcionadas do

    Poder Judiciário ao Poder Executivo, elas devem ser custeadas com recursos

    arrecadados de toda sociedade (tributos, especialmente). Verifica-se, assim, o liame

    entre o financiamento das políticas públicas e a efetivação do direito à saúde, entre

    execução pública e execução orçamentária, entre direito à saúde e direito financeiro.

    3.2. Liame entre Direito à saúde e o Direito financeiro

    O orçamento deve ser a exata tradução financeira da forma como serão

    executadas as políticas públicas no decorrer do exercício financeiro, seja na seara da

    educação, saúde, esporte, ou nas outras demais áreas sociais. E o princípio da

    eficiência, por sua vez, deve ser o fio condutor do agente público na gestão do

    orçamento (SILVEIRA, 2015, p. 148).

    A confecção do orçamento não é totalmente discricionária, deve atender ao

    que está previsto na Constituição – resguardar os direitos sociais. José Marcos

  • Gustavo de Assis de Souza;

    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1136

    Domingues, a esse respeito, prega que os direitos sociais fundamentais devem ser

    respeitados pelo orçamento, e não serem postos em posição de subordinação

    material a ele (2014).

    Nesta esteira, enfatiza-se que, para custear as politicas públicas referentes à

    saúde, isto é, dar efetividade a este direito, o constituinte de 1988 previu recursos da

    seguridade social (art. 198, § 1º, c/c o art. 195, da CF/88) e dos entes federativos

    (art. 198, § 2º, c/c os arts. 155 a 159, da CF/88)5. Contudo, em razão da possível

    alegação de ausência de recursos para políticas de saúde, o Poder Judiciário tem se

    pronunciado regularmente pela obrigatoriedade de o poder público custear o acesso

    de todos ao direito em comento, da forma como explicitado nas decisões abaixo.

    O STJ, por exemplo, em julgado de 2013, na análise do recurso especial de

    nº 1.069.810 (relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho), referente a

    fornecimento de medicamentos, decidiu que cabe ao Judiciário acolher medidas

    eficazes à efetivação do direito à saúde, podendo, inclusive, ordenar o sequestro de

    valores pecuniários. Veja-se:

    Não se deve olvidar, também, a prevalência da tutela ao direito subjetivo à saúde sobre o interesse público, que, no caso, consubstancia-se na

    preservação da saúde da demandante com o fornecimento dos

    medicamentos adequados, em detrimento dos princípios do Direito Financeiro ou Administrativo.

    [...]

    5 Art. 198. “As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada

    e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

    § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras

    fontes.

    § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados

    sobre:

    I - no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser

    inferior a 15% (quinze por cento); II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se

    refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II,

    deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se

    refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º”. (BRASIL,

    1988).

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1137 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    Ora, a jurisprudência do STF tem enfatizado, reiteradamente, que o

    direito fundamental à saúde prevalece sobre os interesses financeiros da Fazenda Pública, a significar que, no confronto de ambos, prestigia-se o

    primeiro em prejuízo do segundo. É o que demonstrou o Min. Celso de

    Mello, em decisão proferida no RE 393.175, de 1o/02/06.

    [...] [...] entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se

    qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela

    própria Constituição da República (art. 5o, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro

    e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que

    razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível

    opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

    [...]

    Nessa linha de entendimento, deve-se concluir que em situações de inconciliável conflito entre o direito fundamental à saúde e o da

    impenhorabilidade dos recursos da Fazenda, prevalece o primeiro sobre o

    segundo. (STJ. REsp 1069810/RS).

    Numa primeira leitura, percebe-se, claramente, que o direito à saúde estaria

    acima do direito financeiro, a significar que, no confronto de ambos, prestigia-se o

    primeiro em prejuízo do segundo. Assim, entra-se numa importante questão: há de

    fato uma hierarquia entre estes direitos?

    No julgamento da Suspensão da Tutela Antecipada nº 175/CE, do STF (no

    voto condutor do Ministro Gilmar Mendes), é possível observar a relação entre o

    direito à saúde e o direito financeiro:

    Se, por um lado, a atuaçaõ do Judiciário é fundamental para a realização

    do direito à saúde, por outro, as decisões judiciais têm significado um

    forte ponto de tensão entre os elaboradores e executores das políticas públicas, compelidos a garantir prestações de direitos sociais diversas,

    muitas vezes contrastantes com a política estabelecida pelos governos

    para a área da saúde, e além das possibilidades orçamentárias. (STF. 175/CE).

    O Ministro Celso de Melo já havia exposto, na decisão do RE 393175/RS,

    este liame entre os dois direitos:

    Tal como pude enfatizar, em decisão por mim proferida no exercício da Presidência do Supremo Tribunal Federal, em contexto assemelhado ao

    da presente causa (Pet 1.246/SC), entre proteger a inviolabilidade do

    direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da

    República (art. 5º, “caput” e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa

  • Gustavo de Assis de Souza;

    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1138

    prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do

    Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela

    que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas. (STF,

    2006).

    Constata-se que, a partir da análise das mencionadas decisões, o Judiciário

    tem se posicionado “[...] no sentido de que há falta de adequado planejamento e

    alocação de recursos orçamentários – ao alertar para a necessidade de cumprimento

    de políticas públicas (de saúde) já estabelecidas” (SILVEIRA, 2015, p. 150). Em

    diversos casos, são as regras de direito financeiro que proporcionarão o acesso à

    saúde, seja no gasto eficiente de recursos, seja na dotação orçamentária suficiente

    para a promoção da política pública proporcional às necessidades da população.

    Não há, assim, que se falar em hierarquia ou oposição entre o direito à

    saúde e o direito financeiro. O direito financeiro é, na verdade, um instrumento

    ordenador da efetivação dos direitos fundamentais, um facilitador, devendo

    trabalhar harmonicamente com o direito à saúde, para que este direito seja

    promovido dignamente a todos.

    4. A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NA TUTELA DO DIREITO À

    SAÚDE

    4.1. O acesso universal à saúde e os indivíduos hipossuficientes

    O gozo do direito à saúde dos indivíduos hipossuficientes é uma das

    maiores problemáticas humanitárias hodiernamente, como diversos outros direitos

    de caráter prestacionais elencados na Constituição Federal de 1988, que são

    solapados diuturnamente.

    Desde a década de 90, com a regulamentação dos planos de saúde através

    da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998, tornou-se evidente a segregação, entre os

    indivíduos pertencentes as classes mais abastadas, que possuíam condições

    financeiras para adquirirem planos de saúde privados, e os indivíduos desvalidos

    que dependiam exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS).

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1139 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    Este último público, relegado em grande parte do tempo, durante décadas

    encontrou sérias restrições no que tange ao acesso à saúde via Sistema Único de

    Saúde (SUS) instituído por meio da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, e que

    paradoxalmente apresenta como premissas básicas a equidade, universalidade e

    integralidade.

    Nas palavras de Jessé Souza:

    [...] as debilidades no funcionamento das instituições públicas de saúde se afinam com a desigualdade social, reproduzindo-a, o que significa que na

    prática elas contradizem os preceitos constitucionais pelos quais o

    Sistema Único de Saúde, o SUS, foi criado, não favorecendo a proposta idealizada em seu bojo de propiciar cidadania inclusiva e igualitária.

    (SOUZA, 2009, p.306).

    Um importante estudo realizado pelo IPEA, no ano de 2010, apontou que a

    principal problemática enfrentada pelos usuários do SUS é o déficit de médicos,

    representando 58,1% dos indivíduos entrevistados. Em segundo lugar ficou a

    demora no atendimento nas unidades de saúde, que foi mencionada por 35,4% das

    pessoas, e em terceiro lugar ficou a demora no tempo de espera para conseguir

    consulta com um especialista, opção selecionada por 33,8% dos usuários (IPEA,

    2010).

    Tal realidade tornou-se pública e notória, sendo identificada como o caos da

    saúde pública brasileira, e exposta reiteradas vezes pelos veículos de comunicação

    até mesmo em âmbito internacional. Para exemplificar pode-se mencionar o

    levantamento feito em 2017, pelo G1, que identificou, no Estado de Goiás, diversos

    casos de indivíduos que estavam morrendo devido à falta de vagas nas Unidades de

    Terapia Intensiva (UTI) na rede pública, sendo que esta se faz presente em apenas

    13 municípios goianos, dos 246 existentes (GLOBO, 2017).

    Isto põe em xeque a própria concepção de Estado Democrático de Direito

    brasileiro, que em tese, deveria resguardar o acesso pleno à saúde, pois o mesmo é

    indissociável do próprio direito à vida, garantia essa, conquistada arduamente na

    história da humanidade.

  • Gustavo de Assis de Souza;

    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1140

    Partindo do pressuposto de que não se vive mais em um verdadeiro Estado

    Democrático, mas sim em um Estado Pós-Democrático, como sustentado pelo

    jurista Rubens R.R Casara, faz-se compreensível a maleabilidade com que direitos e

    garantias fundamentais estão sendo violados sem o mínimo pudor na

    contemporaneidade.

    A “dimensão material da democracia” (Ferrajoli) deixa de ser uma

    preocupação do Estado, em especial porque a concretização dos direitos e

    garantias fundamentais, que exigiria inações e ações do Estado nas mais diferentes áreas (trabalho, meio ambiente, educação etc.), muitas vezes se

    choca com os interesses dos detentores do poder econômico. (CASARA,

    2017, p.35).

    Assim, extrai-se do caso em questão, que há um descompasso entre

    resguardar o acesso à saúde dos indivíduos carentes, o que muitas vezes envolve

    questões orçamentárias de grande monta, e preservar os interesses dos detentores do

    poder tanto político quanto econômico.

    Dentre as mazelas mais visíveis desta situação calamitosa podem-se citar

    inúmeras: como planejamentos destoantes da realidade social pelo Poder Executivo

    federal, estadual e municipal, déficit de defensores públicos federais e estaduais,

    que possuem competência concorrente para atuar na área da saúde, dificuldades de

    resolução das demandas de forma extrajudicial, e a própria falta de informação dos

    indivíduos que necessitam de medicamentos, cirurgias, vagas em Unidade de

    Terapia Intensiva (UTI), dentre outros, via Sistema Único de Saúde (SUS).

    Posto isso, cumpre salientar o papel primordial desempenhado por uma

    instituição essencial à função jurisdicional do Estado intitulada Defensoria Pública.

    Tal instituição mesmo com suas limitações orçamentárias e de defensores como já

    mencionado, tem ganhado importante destaque na tutela do direito à saúde dos

    indivíduos hipossuficientes, seja de forma extrajudicial ou judicial.

    Como é bem postulado na lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de

    1994:

    Art. 1º A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função

    jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1141 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a

    promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e

    gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma do inciso LXXIV

    do art. 5º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar

    nº 132, de 2009). (BRASIL, 1994).

    No âmbito federal, a Defensoria Pública da União (DPU) atende

    diariamente pessoas que pleiteiam auxílio jurídico gratuito no âmbito da saúde, por

    meio da abertura do Procedimento de Assistência Jurídica (PAJ). Através deste, o

    Defensor Público fará a análise da pertinência da demanda, bem como dos critérios

    econômicos do requerente para deferir ou não a assistência jurídica gratuita.

    Nos termos da Resolução Nº 134, de 7 de dezembro de 2016, do Conselho

    Superior da Defensoria Pública da União (CSDPU) é estabelecido o seguinte “Art.

    1º. O valor de presunção de necessidade econômica para fim de assistência jurídica

    integral e gratuita, na forma do art. 2º da Resolução CSDPU 133/2016, será de R$

    2.000,00 (dois mil reais)”.

    Tal previsão, entretanto, não impossibilita o deferimento do auxílio em

    núcleos familiares em que a renda bruta ultrapasse o limite estabelecido, porém

    deverá ocorrer apenas em casos excepcionais. O Defensor Público deverá sempre

    fazer a aferição do estado de vulnerabilidade do requerente no caso concreto6.

    Como medida extrajudicial, a Defensoria encaminha ofícios aos órgãos da

    Administração Pública, a fim de sanar a demanda dos assistidos de forma mais

    célere; entretanto, em grande parte dos casos, em virtude da demora, os defensores

    ajuízam a ação judicial para resguardar o direito à saúde.

    Uma importante pesquisa realizada pela Socióloga Mariana Cavalcante

    Ouverney identificou que “Em 2011, a DPU-RJ contabilizou um total de 16.343

    PAJs. Entre esses, 7.995 (49%) foram referentes à área cível. As pretensões

    relacionadas a Saúde e Medicamentos somaram 674, o que corresponde a 8,4% da 6 “Os critérios estabelecidos neste artigo não excluem a aferição pelo Defensor Público da vulnerabilidade no caso concreto, por meio de decisão devidamente fundamentada, quer quanto ao

    deferimento, quer quanto ao indeferimento da assistência jurídica integral e gratuita”. (Art. 2º, § 6º,

    da Resolução Nº 133, de 7 de dezembro de 2016.).

  • Gustavo de Assis de Souza;

    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1142

    demanda cível” (OUVERNEY, 2016, p. 14, grifo da autora).

    Realidade essa que é enfrentada diariamente pelas Defensorias públicas de

    todo o país, e que demonstram a precariedade das políticas públicas estatais

    destinadas à saúde. Assim, a judicialização de tais demandas, como já foi

    exaustivamente trabalhada no decorrer deste trabalho constitui instrumento de

    fundamental importância, a fim de assegurar o disposto no art. 196 da Constituição

    Federal.

    Destaca-se também na presente pesquisa a atuação das Defensorias públicas

    estaduais, que criaram diversos núcleos especializados em saúde, como no Distrito

    Federal, Ceará, Rio Grande do Sul, dentre outros.

    O protagonismo da Defensoria Pública na judicialização da saúde pode ser

    corroborado por meio de dados, nas diversas capitais do País, como no caso de

    Brasília, através de estudo realizado entre 2005 e 2008 por Silvia Badim e Maria

    Célia Delduque, pesquisadoras da Fundação Oswaldo Cruz e Universidade de

    Brasília.

    A representação dos autores desses processos, em 95,4% dos casos, foi feita pela Defensoria Pública Distrital. Este dado chama a atenção para o

    grande protagonismo da Defensoria Pública na propositura dessas ações

    neste ente federado. […] No Distrito Federal, o acesso à justiça para a obtenção de medicamentos, é permeado pela forte atuação da Defensoria

    Pública, que representa um ator fundamental para que a discussão sobre a

    judicialização da saúde se trave no DF de forma satisfatória. Esse dado sugere que a demanda de medicamentos em face do Estado é feita pelas

    classes média e baixa da população do Distrito Federal. (BALDIM;

    DELDUQUE, 2009, p. 101, grifos das autoras).

    Assim, não restam dúvidas da imprescindibilidade desta instituição,

    considerada instrumento do regime democrático, e que a cada ano assegura

    extrajudicialmente e judicialmente o gozo do direito à saúde de milhares de

    indivíduos carentes. Entretanto, não se pode negligenciar o papel desempenhado por

    outros atores jurídicos, como juízes, advogados, promotores, dentre outros, no que

    tange ao assunto.

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1143 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    4.1. Um estudo de caso em Goiás sob a ótica de atuação de outra instituição

    jurídica

    No estado de Goiás, a fim de promover celeridade e evitar a judicialização

    de demandas na área da saúde, o Ministério Público do Estado, em agosto de 2009,

    criou a Câmara de Avaliação Técnica da Saúde (CATS), em parceria com as

    Secretarias de Saúde do Estado de Goiás e dos municípios de Goiânia e Aparecida

    de Goiânia.

    Dentre os objetivos estão a qualificação na dispensação de medicamentos e

    serviços de saúde e o apoio aos operadores do direito, através de pareceres

    formulados por peritos na área da saúde. Ademais, a elaboração de propostas para a

    ampliação dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas para o Estado de Goiás, a

    fim de incluir novos medicamentos eficazes, que não são contemplados pelo

    Ministério da Saúde, através do RENAME7.

    Assim, em dezembro de 2014 o Ministério Público do Estado de Goiás

    renovou o termo de cooperação técnica com o Estado de Goiás, a fim de manter o

    fornecimento de medicamentos de alto custo que não constam no RENAME, no

    montante de R$ 36 milhões anualmente (MINISTÉRIO PÚBLICO DE GOIÁS,

    2014).

    Ocorre que, no segundo semestre do ano de 2017, esse orçamento atingiu o

    seu pico, o que ocasionou uma série de problemáticas aos pacientes que estavam

    realizando seus tratamentos e outros que postulavam novas medicações

    (MINISTÉRIO PÚBLICO DE GOIÁS, 2017).

    Denotam-se então, da presente pesquisa, a extrema complexidade na

    efetivação do direito fundamental a saúde, e sua crise no atual sistema político,

    7“A Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) é uma lista de medicamentos que deve atender às necessidades de saúde prioritárias da população brasileira. Deve ser um

    instrumento mestre para as ações de assistência farmacêutica no SUS”. (CONSELHO FEDERAL

    DE FARMÁCIA).

  • Gustavo de Assis de Souza;

    Ricardo Marty Claro de Oliveira;

    Victor Bueno Terada

    ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL 1144

    social e jurídico brasileiro, sendo que tal direito deve ser analisado e debatido, sob

    uma ótica de responsabilidades compartilhadas entre todos os Poderes do Estado e a

    sociedade civil brasileira.

    CONCLUSÃO

    A hodierna problemática do direito fundamental a saúde decorre de sérios

    entraves à sua efetivação no que tange ao direito financeiro, em especial, na

    carência de formulação de políticas públicas sanitárias destinadas aos indivíduos

    hipossuficientes, que se fossem prioridade dos entes estatais reduziria

    significativamente o número de ações judicias para a tutela do referido direito.

    Tal fato pode ser elucidado pelo atual sistema financeiro vigente, que

    prioriza os interesses de uma minoria abasta em detrimento da maioria carente. Por

    conseguinte, uma série de direitos fundamentais e sociais, elencados na constituição

    brasileira de 1988, como o direito à saúde, acabam solapados.

    Assim, foi elucidado na presente pesquisa a importância e o protagonismo

    dos atores jurídicos, em especial, o papel contra majoritário desempenhado pela

    Defensoria Pública. A referida instituição apesar de todos os óbices orçamentários e

    a escassez de defensores públicos, como foi demonstrado no decorrer da pesquisa,

    ganhou importante destaque na tutela do direito à saúde dos indivíduos

    hipossuficientes, tanto de forma extrajudicial como judicial.

    Destarte, cabe a estes atores, pautarem suas ações com extrema cautela e

    precisão, a fim de maximizar o direito à vida daqueles que recorrem ao Judiciário. O

    direito ao mínimo existencial8, que está umbilicalmente ligado à efetivação da

    8 “A garantia do mínimo existencial é importante para a proteção e promoção da liberdade e da

    democracia, mas mesmo em hipóteses em que tais princípios não estejam em jogo, as condições

    materiais básicas de vida devem ser asseguradas. Não se deve cogitar, por exemplo, em privar do acesso ao mínimo existencial aqueles indivíduos especialmente vulneráveis, incapacitados para o

    exercício da autonomia pública ou privada, como crianças e pessoas com severa deficiência

    mental.”(SARMENTO, 2016, p. 208).

  • A CRISE DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE: O PROTAGONISMO

    DA DEFENSORIA PÚBLICA NA DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA

    NO BRASIL

    1145 ANAIS XIII SIMPÓSIO NACIONAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL

    justiça social, deve pautar a atuação de todos os Poderes, mesmo quando houver

    impactos orçamentários.

    Por fim, devido à complexidade da matéria, a atuação jurisdicional deve

    sempre conciliar o direito financeiro ao direito à saúde, e preferencialmente, no que

    tange a criação ou alteração de políticas públicas referentes à saúde, o diálogo

    interinstitucional deve ser priorizado, a fim de efetivar plenamente o direito em

    comento, com ênfase na parcela carente da sociedade brasileira.

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    Submetido em: 04/02/2018

    Primeiro parecer:12/04/2018

    Segundo parecer:17/04/2018

    1. INTRODUÇÃO2. HISTORICIDADE DO DIREITO À SAÚDE2.1. Construção do conceito3. A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E A DEMOCRATIZAÇÃO SANITÁRIA NO BRASIL4. A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA NA TUTELA DO DIREITO À SAÚDE4.1. O acesso universal à saúde e os indivíduos hipossuficientes