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Graziella Mafraly

Copyright © 2011 by Graziella Mafraly

Ilustração da Capa, Diagramação e Revisão de TextoMario Lins

Modelo de CapaFernanda Delfrate

NÃO É PERMITIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTA OBRA POR QUAISQUER MEIOS SEM A PRÉVIA AUTORIZAÇÃO POR ESCRITO DA AUTORA.

http://graziellamafraly.semig.com.br

M269

Mafraly, Graziella Minha Cinderela Interior / Graziella Mafraly.São Paulo, SP: Editora PerSe, 2012. 1. Romance Brasileiro I. Título

CDD – B869.93

Em memória deFilomena Caravage Maria

Agradecimentos

Primeiramente, gostaria de agradecer a paciência e o apoio que meu marido Mario Lins dedicou-me nos últimos meses. Claro que poderia estender isso há anos, mas especialmente agora, quando resolvi assumir-me escritora, ele foi fundamental.

Obrigada à Fernanda Delfrate, por ser minha modelo, emprestando suas mãos para a capa.

E um obrigado especial àqueles que acreditaram no meu trabalho, sem mesmo me conhecer pessoalmente, que é o caso das minhas madrinhas e padrinho dos blogs literários da internet. São eles: Valery Ortega, Verônica Sobreira, Pollyanna Reis e Fábio Martins.

Graziella Mafraly Minha Cinderela Interior

Capítulo IEntrar na faculdade foi um grande marco em minha vida,

principalmente depois de ter passado o último ano fazendo cursinho e correndo das pressões familiares tão normais quando se acaba o colégio, e todo mundo quer saber o que você vai fazer agora que “cresceu”.

Escolhi o curso de administração de empresas e estou começando o segundo semestre em uma faculdade na cidade onde eu moro. Para ir de ônibus, demora quase uma hora, pois ele dá muitas voltas. Então, meu generoso pai, deu-me um carro de presente. É certo que o carro já não paga mais IPVA, pois é mais velho do que eu, mas para minhas necessidades não é tão ruim. Tirando nos dias de chuva, pois o vidro embaça e mal adianta passar o pano para melhorar a situação, mas ainda é melhor que descer até a estrada e ir de ônibus.

Hoje meu companheiro é o computador, pois minha melhor amiga passou em uma faculdade pública e mudou-se de Sagres. Tudo bem que o fato dela poder mudar foi uma benção, pois seus pais estão em processo de “separa, não separa” e ela queria mais é ficar bem longe dessa situação. Conversamos pelo MSN, pois por telefone encarece demais a conta e minha mãe já reclamou. Entendo que foi ótimo para a Cíntia poder mudar-se, mas sinto falta dela.

Meus pais separaram-se há oito anos e foi uma barra passar a minha adolescência dividida entre as brigas deles e ter obrigação de ficar um final de semana sim e outro não, na casa de meu pai e da nova mulher que ele arranjou. Falar a verdade, eu não sei com que idade você deixa de ser adolescente, mas apesar de já ter dezenove anos, minha mãe trata-me como se eu tivesse doze.

Não ganho muito trabalhando como recepcionista de uma clínica de médicos e dentistas, mas dá para diminuir a despesa que eu dou para minha mãe. Afinal, seu novo marido não tem que ajudar a bancar a filha (adolescente?) dela.

O filho de catorze anos dele também está naquela sina dos

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finais de semana, porém ele vem todos para cá. Pelo menos o Ronaldo teve a decência de deixar um cômodo mais ou menos parecido com um quarto/escritório para o Vinícius. Eu dormia na sala quando ia para a casa de meu pai...

Tá bem, eu não posso reclamar muito, pois ele até tentou ser um bom pai na medida do possível. Paga minha faculdade e ajuda-me quando eu preciso, então está na hora de deixar as picuinhas de criança de lado e levar a vida de modo mais adulto (?). Eu juro que estou tentando.

Vivo brigando com a balança e preciso urgentemente diminuir o meu manequim que está em 46, pois isso arrasa minha autoestima, mas não sei mais o que fazer. Essa história de comer só alface e beber água deve dar certo com as modelos, mas com gente de verdade, eu não sei não.

Comprei umas revistas que falam de beleza, mas na realidade, aquilo só me deprimiu. Eles colocam uns cardápios prontos e eu fico imaginando se alguém realmente segue aquilo! Tem ingredientes ali que eu nem conheço e outros que estão bem fora do meu orçamento, daí eu fico imaginando se água e alface estão mesmo fora de questão.

Academia? Bem, eu não tenho... tempo eu até tenho, o que me falta é disposição. Minha mãe sempre disse que eu sou preguiçosa e eu estou começando a acreditar nela. Não consigo saber o que é pior, ficar sem comer ou ter que fazer exercícios.

Sempre faço as unhas, pois meu serviço exige uma boa apresentação e pinto o cabelo de loiro, mas essas coisas não ajudam quando dou de cara com um homem bonito. Se eu pudesse, juro que me esconderia deles. Tenho a sensação que pensam que sou uma idiota se passasse pela minha cabeça que eles me achariam atraente. Acho que é isso que passa pela cabeça de toda gordinha que “tem o rosto lindo”, mas subentende-se que o resto pode-se jogar fora.

Um dia desses, eu quase morri do coração. Estava distraída marcando uma nova consulta para a cliente da ginecologista e mal vi o cara mais lindo da faculdade encostar-se no balcão. Ele me cumprimentou com um sorriso encantador e eu tive que segurar a respiração quando finalmente pude ouvir a voz dele.

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– Boa tarde, meu nome é Victor e eu tenho consulta marcada com o dentista.

Então o nome dele era Victor? Senti meu rosto corar só com o fato de ele estar-me olhando. Puxei sua ficha no computador, sentindo-me feliz por ali constar o endereço, telefone residencial e celular... Como mulher é idiota! Por que ficamos felizes com uma coisa boba dessas?

Pela data de nascimento ele é de touro e tem vinte e três anos... Touro é teimoso, mas dá-se bem com a maioria dos outros signos... Pensando bem eu não sei se isso é uma coisa boa.

Meu Deus! Ele continuava olhando-me e sorrindo de forma maravilhosa... A única coisa que estragava era aquele cabelo comprido estilo Keanu Rivers em um filme antigo. Eu não faço ideia de qual é a altura desse homem, mas perto dos meus míseros um metro e sessenta e alguns, ele é enorme! Fiquei olhando para cima por alguns segundos, quase me esquecendo de dizer para ele aguardar um pouquinho que logo seria atendido, mas ele me interrompeu.

– Eu vim para fazer o orçamento, mas sabe dizer se ele pode começar hoje mesmo?

Levei um tempo para processar a informação, respondendo quase atropelando as palavras que ele tinha que conversar com o dentista. Eu sei que fiz papel de idiota olhando para ele daquela forma, mas juro que me senti hipnotizada. Meu coração estava tão acelerado, que tive medo de ele perceber aquilo de alguma forma.

Não tinha ideia porque um homem com dentes tão perfeitos tinha necessidade de estar ali...

Em todos os romances açucarados que eu leio, os galãs são descritos com alhos azuis e, na pior das hipóteses, com olhos verdes, mas aqueles olhos castanhos já me deixariam bem felizes se continuassem fitando-me por mais uns quinze minutinhos...

Gritei um “acorda Cinderela” dentro da minha cabeça e consegui balbuciar para ele aguardar. Não vou negar que quase me doeu o fato de ele se afastar do meu balcão para ir sentar-se no sofá, e que às vezes eu arriscava uma espiadela, desejando que ele tivesse um tratamento longo naquela boca linda. Ai, ai!

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Quando eu peguei a ficha para levar para o dentista, percebi que teria que dar a volta pelo balcão e ele me veria de corpo inteiro. Isso me causou calafrios e eu acabei não resistindo em murchar a barriga e prender o ar para poder atravessar a sala. Sei que é muita pretensão da minha parte em imaginar que ele olharia para mim, mas se acontecesse dele me ver passando, assim por acidente, pelo menos ia ter uma visão menos grotesca.

Infelizmente o Dr. Samuel estava de bom humor e não me pediu para ajeitar o paciente para ele, pois geralmente sou eu que coloco o avental (aquele que parece um babador) e entrego o lenço de papel. Sempre achei isso uma frescura, mas justo hoje que eu faria com o maior prazer, ele me dispensou. Tudo bem, eu estava feliz por ter Victor como cliente na clínica.

Depois que ele entrou no consultório, eu tive um bom tempo de preparo psicológico para falar com ele novamente sem precisar gaguejar. Victor não estava sorrindo como antes quando saiu de lá. Na realidade ele estava branco como um papel e pelo estado do seu cabelo, dava para perceber que ele tinha suado muito.

– Você está bem? – tentei fazer uma fisionomia preocupara quando perguntei isso, pois já tinha visto muito homem sair do dentista quase “morrendo”.

– Pode rir. Não tenho como negar que a anestesia e aquele barulhinho infernal do motorzinho me deixam péssimo...

Fiquei quase horrorizada quando percebi que disfarcei mal.– Desculpe-me, Victor! É que tem muito homem que sai com

essa mesma cara sua...– Que bom. Pelo menos eu não vou ser o único que paga

mico na sua frente. – ele ensaiou um ar de riso.A sala de espera estava vazia, então eu pensei em aproveitar-

me da situação.– Não quer sentar um pouco? Beber um copo d'água?– Obrigado, mas pode ficar tranquila que eu prometo que não

vou desmaiar.– Nem brinca. Se um homem do seu tamanho desmaiar na

minha frente eu não sei o que eu faria... – eu podia ter mordido a língua antes de falar uma besteira dessas, mas antes que eu pudesse

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sentir-me verdadeiramente mal, ele sorriu.– Um cara de um metro e noventa, estirado no chão, deve dar

trabalho.Um metro e noventa?! Nunca que um homem desses ia olhar

para mim mesmo!! Estou fazendo um papel ridículo de pensar em flertar com ele.

– Nossa! Você é bem alto. – Juro que eu não tinha nada melhor para falar!

Ele me entregou a ficha e percebi que sua mão estava tremendo. Dei a volta no balcão, fazendo-o sentar-se no sofá e fui buscar o copo d'água. Acredita que eu me esqueci de murchar a barriga?! Também, do jeito que ele estava, duvido que isso importasse.

Quando ele agradeceu, dando um sorriso meio torto por causa da anestesia, meu coração quase saiu pela boca. Como podia um homem ser tão lindo? Homem lindo sempre tem um monte de mulher querendo e isso dá um trabalho... Daria trabalho se fosse meu, mas como deve ser de outra, o problema é dela.

Ele passou as mãos na calça jeans para enxugar o suor, respirando fundo na tentativa de estabilizar-se. Olhou de maneira constrangida, ficando levemente ruborizado (ai que lindo!).

– Sua cor já está voltando. Está sentindo-se melhor?Ele balançou suavemente a cabeça, parecendo incerto em

dizer-me alguma coisa.– Posso te pedir um favor?Eu já sabia o que ele ia dizer. Minha mãe tem razão quando

diz que eles são previsíveis.– Eu vou ficar envergonhado se alguém da faculdade souber

que eu dei esse vexame no dentista. Posso contar com sua discrição?

Senti meu corpo inteiro gelar quando percebi que ele tinha ciência que estudávamos na mesma faculdade. Eu só via o Victor na hora do intervalo ou quando dava certo de esbarrar com ele (e mais um monte de amigos) pelo corredor.

– Eu não vou contar para ninguém.Devo ter feito uma cara horrorosa, pois imediatamente ele se

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desculpou, parecendo preocupado de ser mal interpretado.– Eu não quis dizer que você ia sair espalhando essa

história...– Não passou pela minha cabeça que você insinuou isso. Dessa vez ele ficou realmente vermelho.– Desculpe-me, mas às vezes eu sou um completo imbecil!

Não foi minha intenção ofendê-la... Você geralmente é uma pessoa tão discreta, que foi indelicadeza da minha parte te fazer um pedido desses.

Quem começou a ficar vermelha fui eu. Victor sabia que eu estudava na mesma faculdade que ele e agora disse que sou geralmente discreta? Ou eu era motivo de piada no grupo dele ou esse cara sabia da minha existência por outro motivo bem pior.

– Não me ofendeu, pode ficar sossegado. Graças a Deus que o telefone tocou, pois aquela situação

estava ficando estranha. Eu já não sabia o que responder para ele e a cada hora mais coisas idiotas passavam pela minha cabeça. Depois de marcar a Sra. Rafaela para sexta-feira, peguei a ficha dele para olhar. Pelo valor cobrado, teríamos o Victor por várias semanas.

Ele aproximou-se do balcão, visivelmente constrangido. Passou o talão de cheques, pedindo para que eu preenchesse o valor em quatro vezes, assim como estava assinalado na ficha. Todo o tempo eu senti que ele ficou observando-me e fiquei feliz por ter feito as unhas um dia antes.

Quando entreguei o talão para ele conferir e assinar, Victor ficou olhando-me.

– Tem certeza que não está chateada comigo?– Esquece essa bobagem. É compreensivel que você fique

constrangido de alguém saber, afinal deve ter amigos que adorariam te chatear com uma história dessas. Que dia fica melhor para você?

– Como?– Para sua próxima consulta.– Segunda ou quinta-feira, sempre no último horário. Assim

dá para sair daqui e ir direto para a faculdade.Vi que ele estava ajeitando a mochila nas costas, então muito

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provavelmente ele ia de ônibus. Seria estranho eu oferecer carona ou mais estranho se eu não oferecesse?

– Você é o último paciente do dia. Daqui eu também vou para a faculdade e se puder esperar uns quinze minutos, eu poderia te dar carona... – senti meu tom de voz diminuindo.

– Vai ser muito bom ir com você.– Reconheço que não dirijo muito bem, mas não deve ser

pior do que enfrentar a cadeira do Dr. Samuel.– Acabei de perceber que não sei seu nome.Eu fechei o envelope com os cheques para entregar para o

dentista e dei meu sorriso mais formoso (quer dizer, pelo menos eu tentei fazer isso) e respondi:

– Meu nome é Laura. – juro que se ele viesse com aquela brincadeirinha: “Laura? Igual à Lady Laura do Roberto Carlos?” isso ia quebrar o clima. Vamos ser sinceros, que clima?

– É um prazer imenso te conhecer, Laura.Foi aí que minhas pernas bambearam, pois o sorriso desse

cara era ma-ra-vi-lho-so! Devia ser proibido ser tão bonito! Fui pisando em ovos até a sala do Dr. Samuel para entregar-lhe o envelope e avisar que já estava arrumando-me para ir embora.

Esqueci completamente de murchar a barriga, mas agora já era tarde. Fui ao banheiro, escovei os dentes, os cabelos, passei perfume, retoquei a maquiagem e coloquei a jaqueta que minha mãe deu-me de aniversário. Graças a Deus, ela fechava.

Quando olhei no espelho percebi que meu cabelo tinha que ser retocado na raiz há semanas. Da altura que esse cara era, tinha visto isso há décadas! Eu não sei se era melhor prender ou soltar, mas com o frio que devia estar lá fora era melhor soltar.

O Victor olhou-me estranho quando eu voltei para a sala. Eu devo ter exagerado em alguma coisa e tenho certeza que não foi no perfume. Esperamos um pouquinho até o Dr. Samuel sair para que eu pudesse fechar a porta.

– Seu dia é sempre assim, Laura?– Assim como?– Sai do serviço e vai para a faculdade?– Isso. Mas eu tenho as manhãs livres. Na parte da manhã

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fica a Selminha, das sete até o meio-dia e eu fico do meio-dia as seis.

– Você acaba trabalhando mais.– Minha recompensa é que ela trabalha no sábado.Quando entramos no meu golzinho velho, foi um alívio. O

vento estava tão gelado lá fora que parecia cortar a pele. Senti raiva por ter esquecido meu gorro de lã. O Victor teve que empurrar o banco quase todo para trás para poder ficar confortável, pois suas pernas são muito compridas. Ele colocou o cinto de segurança e abraçou a mochila de couro, enquanto eu ainda brigava com o meu.

– Tem certeza que sabe dirigir?– Não. – respondi rindo.Liguei o carro e deixei esquentando um pouco. Quem tem

carro a álcool sabe que isso é um processo necessário durante o frio. – Que curso você está fazendo, Victor?– Terceiro de jornalismo, e você?– Primeiro de administração.Eu senti que o assunto estava acabando, então me deu um

pânico interior, como se o mundo fosse desabar! Acabei puxando assunto sobre a menina que foi morta há uns dois dias atrás e que não parava de passar na televisão. Sei que foi meio mórbido, mas foi melhor do que ficar falando sem parar da minha vidinha chata ou ficar fazendo perguntas pessoais para o cara lindo da faculdade.

Tenho certeza que ele me achou esquisita, mas não podia deixar o silêncio impiedoso pairar no ar. Estacionei na rua lateral da faculdade, no mesmo lugar de costume, onde tinha o tiozinho que olhava meu carro por vinte reais por mês.

Victor acompanhou-me, andando vagarosamente pela calçada. Fez menção de parar na esquina e eu imaginei que era ali que íamos nos separar, pois provavelmente ele não ia querer ser visto entrando comigo na faculdade, afinal ele tinha um monte de amigos por lá.

– Acabamos chegando um pouco cedo. De vez entrar, não quer tomar um café comigo ali na lanchonete?

Ele me convidou para tomar um café?! Aquela lanchonete estava cheia de gente e ele estava convidando-me para um café?!

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Talvez o salvar de ir de ônibus para a faculdade valesse o sacrifício de ser visto comigo.

– Café?– Na realidade eu prefiro um chocolate quente, Laura.– Com esse frio não é má ideiaAtravessamos a rua correndo por causa do fluxo de carros e

entramos na lanchonete. Ele me indicou um dos banquinhos perto do balcão, pois as mesas já estavam cheias. Como o dito do banquinho era giratório, eu me virei para falar com Victor e ele estava em pé atrás de mim. A jaqueta estava meio aberta e com a proximidade acabei sentindo o perfume dele. Além de lindo, era cheiroso!

O barulho na lanchonete era alto, então ele abaixou um pouco, para falar mais próximo ao meu ouvido e foi nessa hora que o perfume dele me invadiu.

– Você deve estar com fome. Quer comer alguma coisa?Ele deve ter pensado nisso só porque eu estou acima do peso!– Não, obrigada.– Você está trabalhando desde o meio-dia, tem certeza que

não quer comer nada?O cara que estava sentado no banco do lado saiu e Victor

aproveitou para sentar-se, esticando uma das pernas atrás de mim. Como eu recusei o que comer, ele pediu os chocolates e um misto quente. Acho que essa mistura nem combina, mas...

Tentei não olhar para os lados, mas confesso que estava sentindo-me observada por olhinhos imaginários. Parece que todo mundo sabia que eu achava ele lindo demais.

Quando chegou nosso pedido, ele pegou um guardanapo de papel e entregou-me a metade do lanche, dizendo que ficaria ofendido se eu não aceitasse. Ele não teve que insistir muito, afinal eu realmente estava com fome. Percebi a dificuldade de ele beber o chocolate, já que a anestesia não tinha passado completamente.

– Não precisa ficar preocupado, pois não está babando. É só a sensação que é ruim.

Estávamos conversando bem, mas ele mudou a fisionomia quando um amigo dele chegou. O cara falou alguma coisa sobre a

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prima do Victor, dando as costas para mim, como se eu não estivesse ali. Victor o afastou com a mão, indicando que estava acompanhado (achei isso o máximo!).

– Jair, essa é minha amiga, Laura. Laura, esse é meu amigo babaca e sem educação, Jair.

O cara mediu-me antes de cumprimentar-me.– A filha da coordenadora não vai gostar de saber que você

tem uma nova amiga. – virou-se para mim, dando-me uma piscadela. – Prazer, gatinha. Fui.

Victor acompanhou a partida de Jair com o olhar, parecendo querer certificar-se que ele havia mesmo ido embora. Peguei a bolsa do chão, procurando por minha carteira.

– Se continuarmos aqui vou perder a primeira aula.– O que pensa que está fazendo? Pode guardar a carteira, pois

fui eu quem te convidei.– Eu prefiro pagar minha parte.– Não. Eu convidei, eu pago.Ele falou aquilo tão sério que imaginei que seria mesmo uma

ofensa se eu insistisse. Esperei Victor acertar a conta e saímos novamente no vento da rua. Entramos na faculdade pelo portão central, passando pelas catracas eletrônicas com o cartão que parecia de banco. Subimos pela escada e paramos na entrada do meu andar.

– Te vejo quinta-feira na sua consulta?– Claro. Obrigado pela paciência, pela carona e pela

companhia. Quando eu pensei em virar as costas, ele me deu um beijo no

rosto de despedida. Eu sei que aquilo não era nada, na realidade é até o usual, mas meu coração disparou feito o de uma adolescente. Detalhe, eu ainda não sei se estou nessa fase...

Procurei não ficar paralisada, virei e saí andando, um pé depois do outro. Despenquei da minha nuvenzinha cor de rosa quando vi um grupinho diferente no meu andar. O tal de Jair, acompanhado de três garotas estilo patricinhas. O cara só faltou dizer: “É essa aí!”, apontando-me.

Elas não disseram nada, mas me olharam feio o suficiente

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para dar-me medo. Já estava vendo as manchetes no jornal e na televisão: “Outra garota encontrada assassinada!” e dessa vez, a vítima seria eu. Senti uma nuvenzinha negra perseguindo meus calcanhares e sabia que ela era de ódio.

Meu anjo da guarda ia ter trabalho essa noite. Deu vontade de olhar para elas e perguntar qual era o problema, mas eu sabia qual era o problema. Uma delas devia ser a namorada do Victor e agora ela estava jurando-me de morte.

Até achei que isso era motivo para eu me sentir toda gostosa, mas a realidade era outra. O cara foi simpático e isso não queria dizer nada, então só a namorada dele para achar que isso era alguma coisa... Bem, que eu ia sofrer alguma consequência dessa história, isso eu tinha certeza.

“Acorda Cinderela!”, pois sua fase de princesa ainda não começou. O príncipe encantado ainda está longe e você tem muito chão para esfregar. Assisti a minha aula com a cabeça em um homem de um metro e noventa, lindo, cheiroso e, provavelmente, muito gostoso. Droga!

Pensei em fazer uma lista das minhas obrigações, mas aquele sorriso maravilhoso não me saía do pensamento. Não sei onde eu estava com a cabeça de imaginar que um homem daqueles poderia interessar-se pela “sapa” (fêmea do sapo) aqui. Depois de sofrer dois dias inteiros de paixonite, adivinha o que eu vi no pátio da faculdade?

Se adivinhar ganha um doce! Claro, vi a gostosinha da namorada dele fazendo uma massagem em seus ombros, enquanto falava alguma coisa bem íntima em seu ouvido. Quer saber o que foi pior? Ele me viu passando e olhando para eles... Está bem, tinha um monte de gente na mesa, mas dava para perceber que a menina do corredor era bem íntima!

Ciúmes? Eu não me importaria de sentir ciúmes, nem de roer todas as unhas das mãos e dos pés, ou mesmo de sentir vergonha de estar levemente interessada por um cara tão impossível, se ele não me tivesse visto olhando...

Senti que era tão idiota, tão cretina, tão qualquer coisa ruim, que na hora meus olhos encheram de lágrimas. É claro que um cara

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daquele tem namorada e isso é óbvio, mas ele precisava ter-me visto olhando?! Eu não acredito que eu estava olhando!!

Estava tão segura na minha fantasia! Que é que eu tinha que olhar?! Igualzinho no meu segundo ano de colégio! Mais uma vez dei motivo para todo mundo rir de mim! Burra, burra, burra!! Vou trocar a cor da tinta do cabelo no sábado, pelo menos não vou ter que ouvir piadinha de loira burra.

Mal dormi aquela noite e minha quinta-feira se arrastou. Fui trabalhar bem vestida, mas só para não ficar mais por baixo que barriga de cobra do que eu já estava. Ele chegou dez minutos antes do horário e, para meu espanto, com aquele sorriso maravilhoso estampado na cara. Até parecia que nada tinha acontecido.

Detalhe! Aconteceu para mim e não para ele. Talvez ele nem tivesse notado que eu estava lá, olhando. Idiota ao quadrado!

– Mais preparado para hoje?– Na realidade não.Ele colocou a mochila no chão, encostando-se à coluna

enquanto me olhava. Não fez menção de ir sentar-se, então acabei puxando assunto bobo, do tipo: “E seu dente doeu nesses dias?”

– O dente não, mas ontem acordei com torcicolo. O massagista disse que meu problema é postura, pois fico muito tempo na frente do computador. Mal podia mexer o pescoço ontem à noite e minha prima até tentou uma massagem, mas só profissional para resolver esse tipo de coisa.

Meu lado Cinderela já veio todo saltitante, dizendo que ele só estava falando aquilo para explicar o que ele sabia que eu tinha visto.

– Trabalha com computador?– Faço animação gráfica.– Desenhos?– Mais na parte de jogos.– Bacana.Peguei a ficha dele para levar para o dentista e quando voltei,

ele ainda estava perto do balcão. Disse que podia entrar e Victor arrastou-se para o consultório, parecendo relutante em entrar lá.

Não podia deixar de achar engraçado o fato dele ter tanto

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medo de dentista. Tive bastante tempo para pensar no que ele havia dito e sufocar a vozinha da Cinderela na minha cabeça, dizendo que aquela menina era a tal prima dele e que Victor estava tentando explicar-me aquilo.

Depois de quarenta minutos ele saiu do consultório novamente branco. Sentou-se no sofá e eu já fui com o copo d'água.

– Odeio ter que vir no dentista!– Ninguém gosta, Victor.Demorou um pouco para ele recobrar a cor. Todo mundo já

tinha ido embora, só faltava o dentista e nós, então fui arrumar-me. Acredita que senti certa satisfação da parte dele, quando entrou no carro e viu que o banco do passageiro estava na mesma posição que ele deixou?

– Você não costuma dar carona para muita gente, não é mesmo?

– Só está falando isso porque o banco está na mesma posição.Por que eu fui olhar para ele? O sorriso era lindo mesmo!

Fico constrangida quando ele me olha por mais de dois segundos. Já imaginei qual seria a sensação daquela boca beijando a minha e, falar sério, pelo menos na minha cabeça, era muito bom.

– Acho que ninguém ia ficar confortável sentando nesse banco assim.

Não respondi. Resolvi que dirigir em direção à faculdade, mesmo sem o carro estar bem quente, era a melhor opção para não pagar um King Kong logo, logo. Ficar olhando para a boca dele, mesmo anestesiada, era um pecado.

Percebi que ele tinha notado a maneira que eu olhava para ele quando sorriu, dizendo que ficava esquisito falar com a boca “meio morta”. Mal sabia que esse era um detalhe insignificante...

No caminho falamos de cachorros, apesar de ele dizer que não tinha nenhum em casa e quando chegamos à faculdade ele me convidou de novo para um café. Claro que ele pediu chocolate quente, insistindo para eu comer alguma coisa.

Dessa vez eu estava mesmo com fome e pedi um lanche com suco de caju, mas não deixei que ele pagasse. Sentamos em uma mesinha no canto e acabamos perdendo a hora da primeira aula.

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Falar com Victor era fácil, pois ele não deixava o assunto morrer. Ele comeu de maneira desajeitada dois cheese saladas e

bebeu uma coca de seiscentos ml. Entendi porque insistia tanto para eu comer.

O tal de Jair até nos viu na lanchonete, mas não veio conversar, cumprimentando Victor de longe. Percebi que ele não deu atenção, continuando nosso assunto de forma entusiasmada.

Fiquei imaginando se ele estava paquerando-me, pois toda vez que eu o via com o grupinho, ele estava sério e meio alheio à conversa. Cheguei a achar que ele era daqueles caras mal humorados, de mal com a vida, mas agora parecia outra pessoa.

Talvez a minha companhia fosse mais agradável... Sonha, Cinderela! Pelo menos sonhar não paga imposto.

A lanchonete esvaziou no período das aulas e encheu novamente na hora do intervalo e nós continuávamos ali conversando. Fiquei sem graça quando a prima dele entrou e veio até nós com a cara mais horrorosa do mundo.

– Não acredito que você, o “senhor certinho que não perde aula” está aqui fora!

– Por que não está com seus amigos?Nessa hora, ela me olhou como se eu fosse um verme.– Desculpe minha falta de educação, Rita. Eu estou com

minha amiga Laura e acho que vocês não se conhecem.Ela mal me cumprimentou, virando-se para o Victor

novamente.– De onde vocês se conhecem?– Ela estuda no mesmo prédio que nós, Rita. Você deve

lembrar-se, pois ela tem um cachecol que você vive falando mal.O cachecol roxinho que minha avó deu?! Cretina! Ela fechou

a cara e nem disfarçou para sair de perto.– Desculpe minha prima, Laura. Imagine que isso não

aconteceu.– Ela só está com ciúmes de você. Tudo bem.– Ciúmes não é motivo para ser mal educada.Nesse momento um relâmpago enorme rasgou o céu e o

estrondo foi muito forte. Uma pancada de chuva desabou e um

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monte de gente saiu correndo.– Acho que vou ter que pedir para meu irmão vir me buscar

mais tarde...Faltou energia depois de mais um relâmpago e acabamos

rindo porque a faculdade teria que suspender o segundo horário das aulas. Continuamos conversando enquanto a água caía e quando pareceu que ia dar uma estiada, achei melhor ir para casa.

Sorte que esperei Victor ligar para o irmão dele, pois acabou por não conseguir encontrá-lo.

– Ou espero até às onze e meia, minha tia me dar uma carona, ou pego um ônibus.

– Acho que sua casa não é muito longe da minha. Posso te dar carona.

Eu não podia ver direito sem luz, mas eu percebi ele abrir aquele sorriso maravilhoso. Bola dentro! Corremos até meu carro e saímos depois de uns minutinhos, quando o carro esquentou.

Fui devagar, pois tenho medo de dirigir com chuva. Tinha um barulho estranho no carro, que começou e incomodar. Uma espécie de “tec-tec” que parecia estar segurando-o. Verifiquei o freio de mão, pois outro dia esqueci-me de abaixá-lo. Precisava sentir o cheiro de borracha queimada que subiu.

– Quer que eu dirija? Estou vendo que está apreensiva.– Detesto dirigir com chuva...Victor nem precisou insistir muito. Parei no acostamento e

deslizei para o banco do passageiro, enquanto ele deu a volta por fora para pegar o volante. Entrou com o cabelo respingando, já que a chuva estava aumentando. Vi ele ligar o pisca alerta, olhando-me de maneira estranha.

– O barulho que você comentou é um pneu furado.– Não acredito!O pneu estar furado não seria tanto problema se a chuva não

estivesse apertando.– Temos duas soluções. Posso esperar a chuva diminuir e

trocar o pneu ou troco com chuva e tudo.Eu não ia pedir para o cara sair na chuva e trocar o pneu,

então sugeri que esperássemos um pouco. O problema é que a

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chuva começou a piorar e aquela região era um pouquinho complicada para ficar com o carro ali parado.

– Ainda bem que você está comigo. Não sei o que eu faria se tivesse sozinha.

– Você não teria notado.E a chuva apertando. Victor tirou a jaqueta e a carteira do

bolso da calça.– Você não vai sair nessa chuva!– Tem ideia melhor?Ele me olhava com ar divertido, como se fosse fazer alguma

travessura. Pegou a chave e saiu do carro, dando a volta para abrir o porta-malas (meu herói!). Não podia deixar ele se ferrar sozinho, também não sou uma oportunista qualquer.

Desci, pegando o triangulo e posicionando ele a uma boa distância do carro. Deus me livre do Victor ser atropelado enquanto trocava meu pneu!

– Sai da chuva! E deixar ele sozinho? Já estava molhada mesmo, qual o

problema? Espantei quando ele levantou-se, pegando-me pelo braço e quase me enfiando dentro do carro. Atitude estranha, mas... deliciosa. Geralmente eu tenho que me cuidar sozinha e isso me pareceu... nossa, senti até calor!

Depois que terminou, entrou rindo dentro do carro. Estava tão molhado que pensei em deixá-lo lá fora.

– Trabalho perdido. O outro pneu também está furado.– O estepe é novo!– O estepe está bem, o problema é o pneu da direita. Acho

que alguém andou sabotando seu carro, não é possível!Só se foi a priminha ciumenta dele.– Acho melhor te levar para casa. Fomos devagar com o pisca alerta ligado e ele parecia tão

tranquilo dirigindo naquela chuva e ainda com um pneu furado! Minha sorte é que não estávamos tão longe. Victor colocou o carro na garagem e eu o fiz entrar para trocar pelo menos de blusa.

Atravessamos a sala e Victor ficou parado no meio da cozinha, meio que pingando. Peguei duas toalhas e uma camisa do

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meu padrasto. Quando ele tirou a blusa molhada eu tive uma sensação muito boa. Ele não era tão magro quanto eu pensei! A pele branca quase não tinha pelo e eu entendi o que se queria dizer com musculatura definida.

Dei meia volta da cozinha, subindo as escadas rapidamente para poder colocar meu agasalho de moletom seco e quente. Quando voltei, Victor estava sentado em uma cadeira, enxugando o cabelo.

– Meu padrasto é gordo e mais baixo que você. Definitivamente não tem como te emprestar uma calça seca.

– Não tem problema. Eu vou acabar me molhando de novo indo para a casa.

– Daqui a pouco minha mãe chega e eu te levo.Coloquei o leite no fogo para preparar um chocolate para nós

dois e sentei para enxugar meu cabelo. Percebi que ele estava olhando-me e dessa vez não resisti.

– O que foi?– Acho que devia escurecer a cor do seu cabelo, pois loiro

deixa você muito descorada.– Acho que você devia cortar seu cabelo curto, pois longo te

deixa com cara de moleque. – respondi rindo e ele retribuiu sorrindo.

– Fechado. Se você escurecer, eu corto.Eu respondi um “tá bom”, mas sem levar aquilo a sério.– Meu amigo mora há uns dez minutos daqui. Estou sempre

lá e é bom você morar tão perto dele...Percebi que o clima ficou meio estranho, então resolvi ir

terminar o chocolate antes que o leite fervesse e sujasse todo o fogão. Servi em umas canecas generosas, trocando o assunto para “Nossa! Que chuva, não?”.

– Quase todo final de semana tem reunião na casa do Henrique, esse meu amigo que mora aqui perto. A gente faz churrasco e fica de bobeira durante a tarde.

– Parece bacana.– A esposa dele é muito simpática e gosta de ver a casa cheia.

Tenho certeza que você ia gostar deles. Gostaria de ir comigo nesse

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sábado?Agora eu petrifiquei! Ele estava convidando-me para sair e

conhecer os amigos dele?!!– Eu... não sei.– A gente chega umas onze e fica o tempo que você quiser. Ele ficou olhando-me com aquela cara de “estou esperando

um sim” e eu não sabia realmente o que dizer. Comecei a imaginar que aquilo era uma brincadeira de mau gosto da turminha da Rita.

– Faz assim. Vê como vai ficar seu sábado e me responde depois.

Ele procurou o celular e lembrou que a jaqueta estava dentro do carro. Eu fui pegar, entregando junto a carteira. Ele estava visivelmente com frio. Pediu meu número, já discando para o meu aparelho também armazenar o dele.

– Se estiver sem crédito, pode me ligar a cobrar que eu retorno.

Esse cara está de sacanagem comigo...– Se não se importar eu prefiro que você me ligue, Victor.– Pode ser de manhã? Assim não te atrapalho no serviço.– Claro. – Tinha vontade de responder algo como: “Você

acha que eu sou idiota?”. Eu devia ter feito alguma coisa muito mais grave do que usar

o cachecol que minha avó tinha dado para merecer uma brincadeira dessas. Se eu fosse espalhar que ele quase desmaia toda vez que vai ao dentista, não causaria o mesmo impacto que se ele contasse que eu tive o despautério (palavra que minha mãe gosta de usar) de acreditar que ele estava interessado em mim.

Já estou vendo a faculdade toda rindo da minha cara, enquanto a Rita faria as honras de tripudiar-me ainda mais! Tá bem, eu não sou uma garota feia e, apesar de eu ser gordinha, procurava vestir-me bem e de acordo com o meu tamanho.

Acho ridículas aquelas meninas que estão acima do peso e querem vestir roupas com dois ou três números a menos... Daí fica sobrando banha pra todo lado e elas ainda acham que estão bonitas! Que falta de senso! “Eu sou assim mesmo. Quem não quiser, não olhe.” E dá para não olhar uma coisa ridícula dessas? Tenha dó.

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Voltando a minha vida, estou imaginando o que esse cara quer comigo.

– Está tudo bem com você, Laura?– Você ficaria ofendido se eu te fizesse uma pergunta muito

estranha?Antes de responder não, ele abriu aquele sorriso...– Você é um cara muito bonito e deve ter um monte de

meninas se jogando a seus pés. Qual a graça que sua turma vê de escolher alguém aleatoriamente e fazer essa pessoa sofrer?

– Desculpa, mas eu não entendi a sua pergunta.– Não é engraçado o que você está fazendo comigo.Victor franziu a testa, olhando-me seriamente.– Você está achando que eu estou brincando com você?! Que

tipo de pessoa você acha que eu sou?– Com certeza não é o tipo que se aproxima de alguém como

eu.– Por quê? Que tipo de “alguém” você acha que é?Eu não tive coragem de dizer o que eu realmente achava.

Fiquei olhando-o com a boca entreaberta enquanto ele esperava a resposta.

– Quer que eu facilite? “Escolhemos” você porque está a cima do peso e eu resolvi tirar um sarro da sua cara? Depois eu vou olhar nos seus olhos e dizer: “Como teve coragem de achar que eu poderia gostar de alguém como você?”. É isso, Laura?

Meus olhos já estavam para transbordar de lágrimas e eu só consegui balançar minha cabeça em sinal afirmativo.

– Eu não sou tão cruel assim e muito menos canalha. Gosto da sua companhia, só isso. Seria hipócrita se dissesse que não percebi que minha presença te agrada e te perturba. Estou me utilizando disso para conseguir me aproximar, mas não com a intenção de brincar com seus sentimentos.

Queria abrir um buraco no chão e enfiar-me dentro!! Passei a mão nos olhos para enxugar as lágrimas e ele continuou falando.

– Costumo ser mandão, possessivo e controlador, mas não sou agressivo. Se você conseguir suportar esse tipo de coisa e tiver coragem de brigar comigo quando eu exagerar, posso me tornar

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uma excelente companhia.Pra ser sincera, eu não entendi porque ele estava falando-me

isso, mas de repente pareceu engraçado. Ouvi minha mãe chegando e corri no portão para ela não guardar o carro, explicando rapidamente o que tinha acontecido.

Graças a Deus ela estava cansada e não quis sabatinar o Victor naquele momento. Minha mãe e o marido dela apenas o cumprimentaram antes de entrarem e deixarem a chave do Corsa comigo.

– Não é minha intenção te mandar embora, mas estou vendo que está com frio.

– Já está tarde e é melhor eu ir. Eu coloquei as toalhas no banco do carro para ele poder

sentar-se sem molhar nada e saímos em seguida.– Desculpe-me por hoje...– Só se você sair no sábado comigo. – ele nem deve ter

piscado para responder.– Não sei. Sua presença me perturba um pouco.– Prometo tentar parar de encarar. Isso pode facilitar um

pouco as coisas.– Filho da mãe!! Então me encarava de propósito?!– Não. Apenas gosto de olhar para as pessoas quando

converso, mas não tenho culpa se isso te deixa desconfortável. Próxima à direita.

Desconfortável era uma palavra ótima para descrever meu estado de espírito. Parei em frente à casa que Victor indicou sem desligar o motor. Ele agradeceu a carona e nos despedimos com um beijo no rosto. Quando eu pensei que ele ia descer, Victor virou-se para mim, segurando meu rosto com uma das mãos e encostando sua boca na minha...

Não foi um beijo íntimo, mas senti que seus lábios estavam molhados quando tocaram os meus. Apesar de apertado, foi um gesto suave. Meu coração disparou e eu senti minhas pernas bambearem na mesma hora.

– Boa noite, Laura.Mal tive coragem de sussurrar o “boa noite”. Ele abriu o

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portão da casa, mas ficou esperando até eu dobrar a esquina.Meu Deus! Ele me deu um beijo! Eu não esperava que ele

fosse fazer aquilo e muito menos que minha reação seria quase desmaiar! Eu sei que já falei milhões de vezes que ele é lindo, mas ele é mesmo... Preciso falar com a Cíntia e contar que, depois de um ano e meio, eu fui beijada novamente!

De repente as palavras “mandão, possessivo e... não era ciumento” ganharam um peso diferente. O que será que ele queria dizer com isso? Alguma coisa do tipo: “Não mexe com essa mulher, que ela é minha?” ou foi mais alguma coisa do tipo: “Não sou nada seu, mas já mando desde agora”?

Depois de guardar o carro, entrei em casa com cara de gato que embolou o novelo de lã da vovó.

– Quem era esse rapaz, Laura? – minha mãe já segurava um risinho no canto da boca.

– Um amigo da faculdade que eu dei carona por causa da chuva.

– Amigo ou namorado?– Se ele quiser namorar comigo, eu aceito. – e olha que eu

não estava mentindo.– Você estava sem estepe no carro, Laura? – meu padrasto era

um amor...– Não. O Victor se molhou trocando o pneu na chuva, mas

furou dois pneus hoje.– Ninguém fura dois pneus de uma vez. Jura?! Eu até tinha pensado nisso, mas se não fosse o

Ronaldo falar...– Estou lidando com a possibilidade de sabotagem. Percebi que ninguém estava interessado nas minhas

deduções, então dei boa noite e fui para meu quarto. Tentei achar a Cíntia no MSN, mas ela estava off-line, então deixei uma mensagem no Facebook e fui deitar. Demorei muito para conseguir dormir, pensando no beijo que Victor praticamente me roubou.

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