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GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Junia de Jesus Souza Sandra Regina Silva Alves Vera Lucia Santos Amaral
ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL COM PACIENTES E FAMÍLIA NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO “PROFESSOR ANDRE
TEIXEIRA LIMA”.
Guarulhos
2010
GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
Junia de Jesus Souza Sandra Regina Silva Alves Vera Lucia Santos Amaral
ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL COM PACIENTES E FAMÍLIA NO HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO “PROFESSOR ANDRE
TEIXEIRA LIMA”.
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao curso de Serviço Social da Universidade Guarulhos como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social, sob orientação Profº Ms. Francisco Donizetti Ventura.
Guarulhos
2010
ALVES, Sandra Regina Silva – AMARAL, Vera Lucia – SOUZA, Junia de Jesus.
Atuação do Serviço Social com pacientes e família no hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ―Professor Andre Teixeira Lima‖. Junia de Jesus Souza – Sandra Regina da Silva Alves – Vera Lucia Santos Amaral.
85 f. 31 cm
Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social – Universidade Guarulhos, UNG, 2010 Orientador: Profº Ms. Francisco Donizetti Ventura.
Bibliografia: folha: 83 e 84 1. Serviço Social 2. Saúde Mental 3. Família 4. Paciente 5 Assistente Social . Atuação do Serviço
Social com pacientes e família no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ―Professor Andre
Teixeira Lima‖ II Universidade Guarulhos
DEDICATÓRIA JUNIA
Dedico este trabalho ao meu esposo Anderson Porto Velho por
ter sempre me incentivado na minha formação acadêmica e
pela sua significante participação nesse trabalho. À minha irmã
Dani no apoio, dando-me forças quando pensei em desistir, à
minha família que é meu alicerce.
DEDICATÓRIA SANDRA
Dedico este trabalho a minha filha Ruth, pelo constante
apoio, cumplicidade e compreensão pela ausência no
decorrer de minha carreira acadêmica, e aos meus pais Luiz
Gonzaga e Severina (in memorian), que mesmo ausentes,
foram lembrados pelos exemplos vividos nos momentos em
que as dificuldades surgiram e as superações alcançadas.
DEDICATÓRIA VERA
Dedico esse trabalho a todos que contribuíram,
direta ou indiretamente, para a realização dessa
jornada, em especial a minha mãe Ermínia,
meus irmãos e meu noivo Luciano André.
AGRADECIMENTOS JÚNIA
Agradeço a Deus por permitir que eu realizasse mais um de meus objetivos.
Agradeço a todos os professores da UNG, por me ensinarem a ter uma visão crítica
reflexiva da sociedade.
Agradeço ao professor Francisco Donizetti Ventura, nosso orientador, pela paciência
e por contribuir com seus conhecimentos na realização desse trabalho. Agradeço
aos professores Valdeir Claudiney, Márcia Eurico, Adriano, Alice, Mabel e Franklin
pelo carinho e pela paciência com que trataram de tirar minhas dúvidas.
Agradeço às assistentes sociais do HCTP de Franco da Rocha pela paciência em
passar seus conhecimentos durante o estágio.
Agradeço às professoras Silvana Cavichioli e Dagmar Santos por nos motivar a
realizar esse trabalho. Ao poeta Anderson Porto Velho, amigo e companheiro, pelas
reflexões durante a execução do presente trabalho.
Agradeço à Andréia Aparecida, Lúcia Aparecida, Sandra Regina e Vera Amaral pelo
companheirismo durante essa caminhada.
Agradeço ao Luciano André pela contribuição durante esse trabalho.
Meu muito obrigada!
AGRADECIMENTOS SANDRA
Agradeço por minha fé em Deus, a qual me permitiu realizar mais uma etapa de
minha vida, em conjunto com os meus colegas de classe, especialmente a Vera e
Júnia, amigas, companheiras e co-autoras deste trabalho; a Andréia e Lúcia, amigas
de grupo que permaneceram firmes até a conclusão do curso. Com vocês tive o
privilégio de vivenciar a amizade, conflitos e os árduos, porém, gratificantes anos
durante nossa formação acadêmica.
Às professoras, Dagmar, Márcia Eurico, Alice Belinello, Silvana Cavichioli, Maria
Isabel e aos professores Nei e Franklin, por aguçarem e nos remeterem a um
espírito crítico, através dos ensinamentos em sala de aula e ao Professor e
Orientador Francisco Donizetti Ventura, pela paciência e dedicação durante o
processo deste trabalho.
A minha querida tia Maria Nívia, pela motivação, palavras conforto e conselhos, à
Alessandra Ungaro, querida amiga que me incentivou desde o início da minha
carreira acadêmica, à Silvia, minha querida irmã e ao meu sobrinho Tiago, que
apoiaram e contribuíram para minha formação.
E ainda, à Helena, supervisora de estágio e a Janes, que acreditaram na nossa
capacidade ao nos admitirem na instituição para realização de nosso estágio, o qual
nos proporcionou grande aprendizado e capacitação para atuação profissional.
A todos aqueles que direta ou indiretamente, contribuíram para realização deste
trabalho.
AGRADECIMENTOS VERA
Agradeço:
A Deus, que acredito, estar sempre renovando minhas forças espirituais.
À minha família pelo apoio incondicional.
Ao Luciano, meu noivo, pela compreensão e carinho.
Às amigas e colegas da classe sempre presentes: Andréia, Lucia, Junia e Sandra.
A todos os professores do Curso Serviço Social que contribuíram para minha
formação, em especial os professores: Márcia Campos, Silvana Cavichioli, Alice
Belinello, Mª Isabel, Deise Fernandes, Ana Claudia, Claudeir e o professor orientador
Francisco Donizetti Ventura.
À Diretora do Curso Serviço Social Dagmar Santos.
A todas assistentes sociais do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
Professor Andre Teixeira Lima. Com particular atenção a Diretora do Serviço Social
Janes Bispo e a supervisora de Campo Helena Tanaka.
Aos Diretores da Empresa Big Format pelo apoio e compreensão, Denys Silva e Ana
Pinheiro.
A colega e amiga de Trabalho Márcia Mendes.
A todos aqueles que contribuíram para que este trabalho fosse concluído com
sucesso.
Muito obrigada, de coração!
Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade. agora vale a vida, e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.
Thiago de Mello
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo estudar a atuação do Serviço Social com
pacientes e família no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor
Andre Teixeira Lima, de Franco da Rocha, a partir de nossa experiência de estágio
na instituição e com levantamentos bibliográficos de alguns estudiosos que discutem
o tema da assistência social no Brasil, sobretudo no que se refere à saúde mental, e
realização de pesquisa empírica a partir de entrevistas com assistentes sociais que
atuam na instituição. Em princípio, foi feito um breve histórico da Instituição, bem
como foram inferidos alguns fatores internos que interferem na relação entre
pacientes e família. Notou-se, que desde a fundação da instituição, houve uma
significativa melhora em relação ao tratamento do paciente, no entanto as relações
familiares continuam fragmentadas. Por conta disso, tratou-se também de observar
as políticas sociais nesse âmbito e como foi aplicada a reforma psiquiátrica que
também visa assegurar os direitos humanos. Assim, pode-se analisar a atuação do
Serviço Social na saúde no Brasil, bem como a intervenção dos assistentes sociais
na saúde mental, dando-se ênfase ao Hospital de Custódia de Franco da Rocha.
Procura-se, dessa forma, entender a maneira pelas quais as relações entre
pacientes, família e assistentes sociais são formalizadas.
Palavras-chave: Serviço Social – Saúde Mental – família – paciente – assistente
social
ABSTRACT
The currently work has as a goal study the performance of the Social Service with
patients and family at the Hospital of Custody and Psychiatric Treatment Professor
André Teixeira Lima de Franco da Rocha, from our experience of stage in the
institution and with bibliographic surveys of some scholars that discuss the theme of
the social assistence in Brazil, specially referring to mental health and realization of
empiric survey from interviews with social assistents that work in the intitution. In the
beginning, there was made a brief history of the Institution, as well as there were
inferred some internal facts that interfere in the relation between patients and family.
It’s been noted that, since the intitution’s foundation, there was a significant
improvement about the patient’s treatment, however the family relationships continue
fragmented. Because of this, observing social politics in this sphere was also
important and as it was applied to the psychiatric reform that also stands for
reassuring the human rights. So, it’s possible to analyse the actuation of the Social
Service in health in Brazil, as well as in the intervention of the social assistents in
mental health, giving enphasis to the Hospital of Custody of Franco da Rocha.
Seeking, thus, to understand the way throughout the relations between patients,
family and social assistents are formalized.
Keywords: Social Service – Mental Health – Family – Patient – Social Assistent
SIGLAS
CAPS - Centro de Atenção Psicossocial
CDP - Colônia de Desinternação Progressiva
CEAS - Centro de Estudos e Ação Social
COI - Centro de Orientação Infantil
COJ - Centro de Orientação Juvenil
CP - Código Penal
CTI - Centro de Tratamento Intensivo
DUDH - Declaração Universal dos Direitos Humanos
HCTP - Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico.
INPS - Instituto Nacional da Previdência Social
INSS - Instituto Nacional de Seguridade Social
LBA - Legião Brasileira de Assistência
LEP - Lei de Execução Penal
OMS - Organização Mundial de Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social
PAD - Programa de Apoio à Desospitalização
PNDH - Programa Nacional de Direitos Humanos
PTMs - Portadores de Transtornos Mentais
SUS - Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................16
2. HOSPITAL DE CUSTÓDIA DE FRANCO DA ROCHA ........................................18
2.1 Breve histórico da Instituição ..............................................................................18
2.2 Fatores que levam os indivíduos a serem internados em Hospitais de
Custódia.....................................................................................................................21
2.3 Breve histórico do processo Institucionalização: doente mental e família..........24
2.4 Perfil dos pacientes do Hospital de Custódia de Franco da Rocha ....................28
3. DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS SOCIAIS ...................................................30
3.1 Direitos Humanos ................................................................................................30
3.2 Políticas Sociais...................................................................................................37
3.3 Breve histórico da Psiquiatria no Brasil e a Reforma Psiquiátrica.......................40
3.4 A Reforma Psiquiátrica no Hospital de Custódia..................................................48
4. SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL............................................................................52
4.1 Restropectiva histórica.........................................................................................52
4.2 O Serviço Social na saúde no Brasil....................................................................58
4.3 Serviço Social e Saúde Mental............................................................................64
4.4 O Serviço Social no Hospital de Custódia...........................................................67
4.4 Análise da Pesquisa.............................................................................................70
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................81
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................83
REFERÊNCIAS WEBGRÁFICAS............................................................................84
1. INTRODUÇÃO
Em quase duas décadas, tivemos excessivas mudanças na política de saúde
mental no Brasil. Isso trouxe algumas melhorias aos doentes, visto que uma das
mais relevantes foi a eliminação dos asilos que os excluíam da sociedade.
A partir de uma nova política de saúde, o portador de transtornos mentais
passa a ter um tratamento diferente, e, por conseguinte, não é mais desenraizado do
meio social e, sobretudo, do convívio familiar. Nessa perspectiva, cabe-nos
perguntar em que medida a resistência da família na manutenção dos vínculos
afetivos afetam o paciente e porque isso acontece com tanta frequência, já que as
novas políticas em Saúde Mental se manifestam contrário a tal questão.
Ao iniciarmos o estágio no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
―Professor André Teixeira Lima, Município de Franco da Rocha - SP percebemos o
quanto é importante o trabalho das assistentes sociais no que tange à promoção dos
direitos sociais dos pacientes dessa Instituição e a intervenção no estreitamento dos
laços familiares.
Estamos numa subida íngreme onde além da força da gravidade que nos
impulsiona para trás naturalmente, somos empurrados pelos que vêm de cima. Esta
metáfora tenta compor o que chamamos de dificuldade real. Pois além de um olhar
sensível à pessoas com transtornos mentais, teremos que nos livrar de um olhar
estereotipado, ou seja, onde veem ―assassinos‖, vemos pessoas que precisam de
cuidados.
Este trabalho tem como objetivo apresentar a atuação do Serviço Social com
pacientes e família no HCTP referente às atribuições diante das dificuldades e
possibilidades enfrentadas no cotidiano das profissionais da instituição, uma vez que
esta é gerida pelo Secretaria de Administração Penitenciária - SAP e não pelo
Sistema Único de Saúde - SUS, como também, a complexa relação entre pacientes
e família, outrora desestruturada pelos acontecimentos trágicos motivados pelo
transtorno mental.
O que nos fez levantar algumas hipóteses. A importância da intervenção do Serviço
Social com paciente e família no tratamento do paciente. Que a manutenção dos
vínculos familiares se dá por meio da atuação do Serviço Social no âmbito
hospitalar. A ação do Serviço Social visa garantir os direitos sociais dos pacientes e
a promoção de um atendimento qualificado. O Serviço Social, a partir da Reforma
psiquiátrica - atua na Saúde Mental com novos instrumentos técnicos operativos que
possibilitam um novo agir profissional em consonância a um modelo ético político em
que parte da mediação como forma efetiva para evitar ações limitadas e imediatistas,
diante da importância do fortalecimento do vínculo entre paciente e família.
Assim, para uma análise mais concreta de tais fatos, aprofundamos nossa
pesquisa a partir do estágio na Instituição, com pesquisa através de entrevistas com
assistentes sociais que atuam no HCTP, à luz da literatura especializada que trata do
estudo Serviço Social voltado para área da Saúde Mental, Políticas Sociais, Direitos
Humanos e a Reforma Psiquiátrica.
A partir disto, acrescentamos em nosso estudo algo que nos parece
extremamente relevante, tal objeto atenta à resistência da família ao doente mental
como fenômeno de insociabilidade, em outras palavras, surge a ideia da inutilidade
de sociabilidade por parte da família em relação ao doente e, não menos importante,
da síndrome que esta família gera acerca de possível socialização desse doente,
uma vez que estamos falando de pessoas que cometeram algum crime, muitas
vezes, contra algum membro da sua própria família.
CAPÍTULO 2
HOSPITAL DE CUSTÓDIA FRANCO DA ROCHA
2.1 Breve histórico da instituição
O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ―Prof. Andre Teixeira Lima‖
de Franco da Rocha é uma Instituição Governamental, vinculado à Secretaria da
Administração Penitenciária do Estado de São Paulo; está localizado na Rodovia
Luiz Salomão Chama Km 43, Bairro Vila Ramos em Franco da Rocha, município do
Estado de São Paulo. É um Hospital-Presídio que reúne contrastes e vicissitudes de
uma instituição mista, sendo destinada basicamente a:
I - Cumprimento de medida de segurança para inimputáveis de ambos os
sexos e, ocasionalmente para semi-inimputáveis, ou seja, indivíduos que estão
abrangidos pelo artigo 26, do ―caput‖ do código penal brasileiro e seu parágrafo
único.
II - Realizações de laudos de sanidade mental em réus de ambos os sexos.
I - Tratamento de sentenciados e de réus de ambos os sexos que venham a
sofrer de doença mental.
O HCTP foi construído a partir da luta encetada do Doutor Franco da Rocha
pela criação de um Manicômio Judiciário do Estado de São Paulo.
Em 1895, ele assumiu a direção do então serviço de assistência aos
psicopatas, onde havia 15 doentes mentais criminosos recolhidos no velho Hospício
da Várzea do Carmo. Em São Paulo passa a publicar vários artigos em jornais, em
que cita casos de pacientes que eram absolvidos, de acordo com seu estado mental,
sendo recolhidos temporariamente no Hospital de Juqueri, inaugurado em 1898.
Pois, com a recuperação da saúde mental, eles eram devolvidos à sociedade, no
entanto não se questionava o grau da periculosidade, assim, frequentemente, alguns
voltavam a delinquir.
Da sua observação direta sobre o paciente criminoso, Franco da Rocha
publica, em 1910 , o livro‖ Esboço de Psiquiatria Forense‖.
Em 1921, foi inaugurado o Manicômio do Rio de Janeiro e em 1924 são
instalados os Manicômios do Rio Grande do sul e de Minas Gerais.
Franco da Rocha aposentou-se em 1923, sendo sucedido por Antônio Carlos
Pacheco e Silva que continua a luta pela instalação do Manicômio.
Em 1926, somente no Hospital de Juqueri havia 165 doentes mentais
criminosos, sendo 95 brasileiros e 70 estrangeiros. Também nesta mesma época
calculava-se em 1500 o total de delinquentes doentes nas cadeias de todo o Estado.
Finalmente, em 13 de dezembro de 1927, o professor de Medicina legal,
Alcântara Machado apresentava ao congresso Estadual o projeto n°3, criando o
Manicômio judiciário do Estado de São Paulo.
Para a localização da instituição, escolheram-se entre três sistemas diversos,
a saber: Sistema a alemão e belga: Manicômio junto à penitenciária; Sistema a
inglês e italiano: Manicômio com o órgão autônomo; Sistema a francês, argentino e
norte-americano: Manicômio funcionando com o anexo a hospital psiquiátrico.
A escolha recaiu sobre este último sistema, sendo a instituição construída
num terreno de185000 m², distante 2,5 Km do Hospital Central de Juqueri,
aproveitando-se os diversos serviços já existentes naquele Hospital.
Devido aos problemas econômicos e as grandes conturbações sociais do
início dos anos 30, sua construção sofreu atrasos, sendo oficialmente inaugurado
em dezembro de 1933. Lembramos que, anteriormente, já em 1932, o prédio havia
sido usado como pavilhão de tratamento dos feridos da Revolução
Constitucionalista1.
Em 1° de janeiro de 1934, foram removidos para o Manicômio os 150
primeiros pacientes, todos homens, que estavam sendo assistidos numa das
dependências do Hospital Central de Juqueri, pelo Dr. André Teixeira Lima, que
tornou-se o primeiro diretor, cargo que ocupou por quase 30 anos.
Em 1943, foi criada a Ala Feminina, que até hoje funciona anexa ao antigo
1 Diz respeito ao movimento armado ocorrido no Estado de São Paulo em 1932.
Prédio Central.
Durante as décadas de 50 e 60 o Manicômio chegou a ser considerado um
hospital presídio modelo para a América Latina.
Com o aumento do número de pacientes, com a falta de atrativos para serem
fixados e com a falta de profissionais da área de saúde, a Instituição atravessou um
período de crises que culminou no final da década de 70, em que - com a
interferência da corregedoria dos presídios - começou haver uma reavaliação do
trabalho, culminando na saída de muitos internos que ali se encontravam há
anos, pois, em 1976, havia seis médicos para atender 1227 pacientes.
No inicio dos anos 80, abriram-se novas perspectivas para o Manicômio.
Foram contratados novos médicos, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas
ocupacionais e dentistas, iniciando-se um trabalho mais próximo ao doente com a
criação das Equipes Multiprofissionais.
Em 1983, foi instituído o plantão médico por 24 horas, acabando com uma
dependência de 50 anos em relação ao Hospital do Juqueri.
Em 1985, o Manicômio Paulista, ate então o único Manicômio ligado à
Secretaria da Saúde, passa a pertencer à Secretaria da Justiça.
Em 1986, mudam-se as instalações físicas da Ala Masculina, abandonando-
se o Prédio central, que passa a ser a penitenciária de Franco da Rocha, que,
atualmente abrigam cerca de 100 detentos.
Em 1989, foi inaugurado um pavilhão que se destina ao implemento da
Desinternação Progressiva, um projeto calcado nos moldes do já existente no
Manicômio do Rio Grande do Sul.
Tal regime, constitui-se num momento transitório entre a situação de
hospitalização em regime fechado e o retorno ao meio social mais amplo. Numa
primeira etapa, seriam abrigados os pacientes que contam com respaldo familiar e
condição de desenvolver trabalho produtivo.
Atualmente, o Hospital de Custódia compreende uma colônia masculina
composta por 15 prédios, sendo 7 pavilhões com capacidade para 40 pacientes cada
um. Um pavilhão de clínica médica, um pavilhão de C.T.I - Centro de Tratamento
Intensivo, um posto cultural onde são desenvolvidas atividades de alfabetização e
supletivo e um centro comunitário com o pavilhão de visitas onde ocorrem eventos
culturais.
2.2 Fatores que levam os indivíduos a serem Internados em Hospitais de
Custódia.
Em princípio, o que causa a internação de um indivíduo no Hospital de
Custódia é o cumprimento de medida de segurança, para inimputáveis de ambos os
sexos e, ocasionalmente, para semi-inimputáveis. Isso ocorre quando portadores de
transtornos mentais ou usuários de drogas que praticaram algum tipo de delito e se
enquadraram no CP - Código Penal brasileiro. Havendo a prisão, o juiz absolve o réu
da pena e a converte em medida de segurança, conforme artigo 26.
É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-
se de acordo com esse entendimento2.
De acordo com a Carteira dos Direitos e Deveres dos Presos, a medida de
segurança é aplicada àqueles que praticam crimes e que, por serem portadores de doenças
mentais, não podem ser considerados responsáveis pelos seus atos e, portanto devem ser
tratados e não punidos.
A medida de segurança não deve ser entendida como cumprimento de pena –
é tratamento a que se deve ser submetido o autor de crime com o fim de curá-lo ou,
no caso de tratar-se de portador de doença mental incurável, de torná-lo apto a
conviver em sociedade sem voltar a delinquir.
2 Leis de Execução Penal.
Uma vez ocorrido o delito, constatada a doença mental, o autor do crime não poderá
ser tratado em presídio comum, portanto, cabe a este a transferência para um
Hospital de Custódia, conforme o Artigo 99 do Código Penal, a fim de ser tratado
dignamente e em local adequado por profissionais capacitados.
Artigo 99 - O internado será recolhido a estabelecimento dotado de
características hospitalares e será submetido a tratamento.3
As transferências ocorrem até mesmo para proteção da própria vida, já que os
presos de presídio comum excluem estes indivíduos por terem medo de possíveis
surtos ou por não ―perdoarem‖ alguns tipos de delitos (assassinatos de mães ou
crianças).
Amparados pelo Artigo 10 da Lei de Execução Penal - LEP, a assistência ao
preso e ao internado é dever do Estado, tendo como objetivo prevenir o crime e
orientar o retorno à convivência em sociedade, sendo estas nas questões: material,
saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, provendo o tratamento adequado à
cura ou à recuperação do paciente, obedecendo ao limite máximo de cumprimento
de medida de segurança, a saber, 30 anos4.
O prazo da medida de segurança é determinado pelo Juiz, podendo variar de
um a três anos. Na hipótese dos pacientes não serem eximidos da medida, pelos
motivos de rejeição familiar, dificuldades de locomoção dos familiares que residem
em cidades fora de São Paulo e/ou àquelas que não possuem condições de tratá-los
em casa devido à falta de recursos financeiros, os pacientes podem permanecer na
Instituição pelo resto de suas vidas ou serem transferidos para hospitais
psiquiátricos comuns.
Findando o prazo do cumprimento de medida de segurança, o paciente
passará por avaliação psiquiátrica para análise de cessação de periculosidade,
3 Leis de Execução Penal. 4 Artigo 75 do Código.
podendo ser ou não prorrogada, conforme parecer do juiz, baseados nos Artigos 96
e 97 do Código Penal.
Artigo 96 – As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II - sujeição a tratamento ambulatorial. Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta. Artigo 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. Prazo § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. Perícia médica § 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o
juiz da execução.5
Constatada a possibilidade de convívio familiar e social e reinserção à
sociedade, os pacientes passam pelo processo de desinternação e são transferidos
para a Colônia de Desinternação Progressiva (CDP). Esta por sua vez, é uma
unidade que trata de pacientes que passam por processo de desinternação em que
são avaliados para futura alta definitiva, conforme parágrafos 3º e 4º do Artigo 97 do
Código Penal.
§ 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. § 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins
curativos.6
5 Leis de Execução Penal
Tal processo corresponde a vinte dias com a família e sete dias no hospital,
até que o paciente apresente condições para liberação de alta definitiva, porém, com
a condição de que permaneça sendo tratado pelo (CAPS – Centro de Atenção
Psicossocial) mais próximo ao local de sua residência. Para que o paciente tenha
atendimento por esta colônia, é necessário um relatório sócioeconômico dos
familiares que cuidarão do paciente, realizado pela assistente social responsável
pela unidade (pavilhão). Esse relatório é elaborado na Instituição com entrevista em
horários marcados com a família ou em visitas domiciliares, caso a família esteja
desprovida de recursos para ir até o hospital.
O relatório técnico da assistente social compõe o processo que será
encaminhado para análise de liberação pelo juiz, podendo ser deferido ou indeferido.
2.3 Breve histórico do processo de Institucionalização, doente mental e família.
Ao emergir o sistema asilar depois da Revolução Francesa - baseado nos
estudos alienistas7 anteriores de Phillippe Pinel - surge o modelo preponderante de
assistência ao louco ocidental, dito a partir de então, alienado. Tal modelo exclui o
alienado da sociedade tendo como princípio a argumentação do tratamento moral
por meio de terapia. Esse recurso era visto como ―uma medida necessária para
reconstituir o direcionamento de sua vontade, devolvendo-lhe o controle da razão‖
(Rosa: 2006)
Diante disso, o entendimento da loucura passava, necessariamente, pela
prática terapêutica, da qual se entendia que era possível devolver a razão ao
alienado, desde que este se retirasse do meio em que vivia e da convivência da
família. Esse princípio era uma tendência na Europa do século XIX, e veio repercutir
de forma exemplar e irônica na literatura do nosso mais ilustre brasileiro - Machado
6 Leis de Execução Penal.
de Assis. Machado, ao escrever o conto O Alienista, ironiza de forma exemplar o
método vigente ao tratamento da loucura. A história que se passa no século XlX
retrata a burguesia hipócrita da época. O autor se vale do personagem magnífico —
Dr. Simão Bacamarte — médico que irá desenvolver suas teorias a respeito do
tratamento da loucura, conhecimento adquirido em sua estadia na Europa.
Percebemos com isso o quão já era difundido o método pressuposto por Pinel.
No entanto, como sabemos, os resultados de tal método não evoluiram,
embora esse ainda vigorasse diante dessa constatação. Surgem, também, outras
teorias apoiadas no fisicalismo, que coexistem de maneira retesada com as teorias
morais da psicanálise. O que não elimina o tratamento asilar, mas, por ser uma
instituição historicamente promotora da marginalização da violência e da iatrogenia8,
a partir da Segunda Guerra Mundial, começa a sofrer denúncias e críticas (Rosa:
2006)
Assim, segundo autora, visto no plano ético e jurídico, o asilo passa a ser
considerado como uma instituição violadora dos diretos humanos dos portadores de
doenças mentais em detrimento aos seus direitos inerentes à cidadania. Além disso,
há ainda um declínio considerável tanto no aspecto clínico por se constituir de uma
terapia ineficaz, produzindo a cronicidade e patologias, e também no aspecto
institucional como observa Rosa:
Na sua face institucional reproduz a violência por sustentar-se em relações de poder desigual e em relações impessoais, desumanas, massificadoras e burocratizadas, figurando assim como uma instituição total – que fecha os
indivíduos na lógica e no tempo construído organizacionalmente.9
7 Com tais estudos procurava-se entender as doenças mentais.(N.A) 8 Iatrogenia refere-se a um estado de doença ou complicações causadas por ou resultante do tratamento médico. Em Farmacologia, este termo se refere a doenças ou alterações patológicas, criadas por efeitos colaterais dos medicamentos. É de se observar que condições iatrogênicas não resultam, necessariamente, de erros médicos, tais como falhas durante a cirurgia ou prescrição de medicamento errado, podem ser causadas por outros motivos. Iatrogenia vem do grego: iaros¨ = ¨médico¨ ( ou curandeiro) + ¨genia¨ ¨causa ¨. (N.A) 9 Ver: Lúcia Rosa. Relação dos serviços de assistência psiquiátrica com a unidade familiar dos portadores de transtorno mental. 3° Ed. São : Cortez, 2006 p. 265/266.
Em último lugar, Rosa aponta o aspecto sanitário, uma vez que o asilo é
reconhecido como instituição burocrática, incapaz de gerir relacionamentos
humanos, bem como material ambiental e simbólico (Rosa: 2006; apud. OPS, 1990).
Segundo a autora, a âmbito asilar em questão reproduz a própria cronicidade, na
medida em que desenvolve um método terapêutico falido, que, por consequência,
produzirá e administrará - no cerne de seu ignóbil sistema burocrático – a
enfermidade. Por outro lado, o sistema asilar representará, com novos serviços, o
direito do usuário de refúgio nas crises psiquiátricas e ―o direito da família à
corresponsabilidade pública com o cuidado e tratamento de seu membro com
problemas mentais‖ (Rosa: 2006; apud. Vasconcelos: 1992:67).
Lúcia Rosa10 - transpondo a escolha entre a instituição e a rua11 - sugere que
a escolha da família pela internação hierarquiza o princípio de condenação. Em
outras palavras, estar na rua significa um não lugar e o hospital, embora represente
o confinamento, surge como opção menos degradante.
Diante desse contexto que apresentamos até aqui, surge o antagonismo que
nos interessa mais de perto, a saber, a manutenção de um modelo asilar retrógrado
ainda em meados do século passado e que persistirá mesmo sofrendo denúncias e
críticas por meio dos movimentos de Reforma Psiquiátrica até o final da década de
setenta. Ou, a reintegração do doente ao convívio familiar. Segundo Rosa, há ainda
uma terceira opção: a desmoralização da família e do doente, no caso deste ser
banido do âmbito familiar e passar a conviver na rua, o que, para ela, afastava de
vez esse doente da família e fortalecia a quebra de vínculo e, caso voltasse ao lar, a
relação entre ambos – família e doente – passava a ser de muita desconfiança e
medo. Ora, é justamente nesse aparente paradoxo constitucional e, certamente,
social que se dá as tensões ambivalentes, de um lado, uma instituição
comprovadamente falida, e de outro, o usuário necessitando de tratamento
especializado diante de quadros de crises, entre eles, a família.
10 Ver: Lúcia Rosa. Transtorno mental e o cuidado na família. 2° Ed. São Paulo Cortez, 2008. p.320 11 A autora sugere com isso uma imagem menos romântica da questão, ela nota que em muitos
Se por um lado há uma significativa melhora do sistema asilar no que tange
aos aspectos humanitários, por outro o tratamento focar-se-á na agudização do
quadro clínico, ou seja, fora desse quadro a família é orientada para que trate o
enfermo no ambulatório para que este seja rapidamente reintegrado ao convívio
familiar – caso totalmente oposto ao proposto por Pinel no século XIX. Em outras
palavras, o confinamento só se faz necessário em momentos de agudas crises.
Surge desse principio, a nosso ver, a tensão entre família e instituição, sobretudo
daqueles familiares que mais carecem de recursos financeiros. Assim resume Rosa:
O ato da internação e a alta hospitalar psiquiátrica tendem, então, a constituir-se em um campo de forças, numa arena de luta de interesses antagônicos. De um lado, os interesses institucionais manifestos na fala dos dirigentes e de parte dos trabalhadores em saúde mental; de outro, os interesses sociais expressos no discurso familiar. Os profissionais em saúde mental tentam seduzir os familiares a não internar ou cooperar na redução do tempo de internação, apelando para o fato reconhecidamente aceito de que a família e a comunidade constituem o melhor espaço para relacionamentos sociais com o portador de doenças mentais, por mantê-lo integrado na sociedade e no convívio familiar.
12
Percebemos desse modo, que os dois lados desconhecem que as
deficiências são recíprocas. De acordo com Rosa, os trabalhadores de saúde mental
desconsideram as condições econômicas, sociais, psicológicas reais desses
familiares e da comunidade em que vivem. Na outra ponta, os familiares, mesmo
inseridos no quadro social citado, ―rejeitam o portador de doença mental ou pune
com a internação psiquiátrica‖ (Rosa: 2006). Ou, como sugere a autora, as famílias,
não tendo condições de cuidar desses doentes, preferem que eles fiquem internados
a estarem na rua correndo perigos.
Além disso, as famílias tentam a todo custo convencer os trabalhadores de
saúde mental a internar e, em muitos casos, a estender o tempo da internação
casos os doentes não são cuidados pela família e ficam vagando pelas ruas involuntariamente. (N.A) 12 Op. Cit. p. 277.
utilizando como argumento a probabilidade que o portador de doença mental tem de
agredir fisicamente algum familiar ou outras pessoas, bem como destruir o
patrimônio familiar, ou ainda, de sofrerem alguma agressão física ou moral na rua
(Rosa: 2008) O que está implícito nesses argumentos é a liberação mesmo social do
cuidador – caso seja internado o portador de doenças mentais – de se ver livre para
desfrutar sua vida afetiva e profissional, ou mesmo com outros membros da família.
Não é uma tarefa fácil cuidar do doente, e mantê-lo privado no lar é quase
impossível.
A família atua como intermediária entre o indivíduo e a sociedade, é
formadora da identidade social e desenvolve a socialização. Portanto possui papel
primordial no que tange a recuperação e reinserção dos portadores de doença
mental na sociedade, o que discutiremos mais adiante.
2.4 Perfil dos pacientes do Hospital de Custódia de Franco da Rocha
Para compreender o que leva tais indivíduos a cometerem graves delitos é
fundamental entender quais são os motivos que os levam à internação e cuidados
em hospitais de custódia.
Somente um estudo crítico permitirá tal compreensão, uma vez que o homem
possui caráter subjetivo em sua essência à totalidade, portanto, será a partir de seu
contexto familiar e social que conheceremos sua história de vida. E para separar o
fato ocorrido (crime) da doença do indivíduo, torna-se necessário buscar as variáveis
que provocam a conduta individual delituosa, pois só assim poderão ser feitas a
prevenção, a intervenção e o controle do comportamento delitivo.
Os pacientes13 que estão internados no Hospital de Custódia, são pessoas
que possuem transtornos mentais, consideradas incapazes de cuidar de si mesmas
e que necessitam de amparo social e tratamento médico-psicológico adequado para
13
Termo utilizado para os usuários de Hospitais de Custódia.
o seu restabelecimento e retorno ao convívio sociofamiliar. Entretanto, são também
considerados ameaça à sociedade civil, pelo estigma que carregam, não só pela
doença que têm, mas também pelo delito cometido, embora de modo não
intencional, uma vez que tais atos são praticados em momentos de ―surtos‖ do
paciente. Portanto, a falta de compreensão de tais acontecimentos pode levar esses
indivíduos a passar uma vida inteira sem a chance de se ressocializar, visto que sair
da Instituição e não ser aceito pela sociedade e, principalmente, pela família é
continuar cumprindo pena, vivendo sempre atrás dos muros.
Os delitos praticados pelo indivíduo portador de doença mental não são considerados crimes e, portando, o mesmo está excluído de sofrer as punições previstas no CP. Isto porque, mesmo que a ação seja típica e antijurídica, falta ao agente a compreensão ética de sua conduta e o discernimento intelectual do caráter ilícito do ato cometido (VELLOSO, 2010).
Porém, não é o que ocorre, pois esses indivíduos, sendo presos, são punidos,
e, por vezes, perdem o direito de exercer sua cidadania, mantendo-se afastados do
âmbito familiar e da sociedade, isso os tornam sujeitos desconhecedores de seus
direitos e deveres. Assim como nos aponta Levorin (2003), a medida de segurança,
na forma que é adotada, provoca a morte social do indivíduo.
CAPÍTULO 3
DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS SOCIAIS
3.1 Direitos Humanos
O conceito ―direitos humanos‖ é uma síntese daquilo que o indivíduo precisa
desde seu nascimento para exercer sua cidadania de forma justa e digna na
sociedade.
Construído ao longo dos anos, com muitas lutas, manifestações e discussões,
os direitos humanos vêm sendo efetivado aos poucos, para a formação de uma
sociedade justa e igualitária. Para que essa efetivação acontecesse, a primeira
abordagem das reivindicações foi a busca pelo direito de liberdade individual e a
igualdade a todos a fim de que pudessem exercer a cidadania.
Segundo Dallari (2004), o termo cidadania era usado na Roma antiga para
indicar a situação política de uma pessoa e os direitos que ela tinha ou podia
exercer. Assim, a busca pela igualdade e a luta contra o absolutismo é uma das
primeiras abordagens da época.
Na Roma antiga, poucos exerciam a cidadania, o que causava discriminações
e dividia as pessoas em classes sociais. A liberdade era desigual entre livres e
escravos, porém mesmo para os livres não existia igualdade, já que os patrícios
pertencentes às famílias participantes da construção de Roma eram mais
importantes, assim, eles eram tidos como nobres e os plebeus como pessoas
simples, sem o direito de ocupar todos os cargos políticos. (Dallari, 2004)
Com um perfil bastante parecido com o de Roma, na Europa nos séculos XVII
e XVIII, iniciando os tempos modernos, também existia separação da sociedade em
classes. Os nobres tinham diversos benefícios, possuíam muitas terras, não
pagavam impostos e os cargos políticos mais importantes eram deles. Próximos aos
nobres havia as pessoas consideradas comuns, entretanto, nesse meio existiam
diferenças entre os que eram ricos, que faziam parte da burguesia, e os pobres, que
trabalhavam no campo. Época em que os reis mandavam sem limites, com poderes
absolutos.
Não suportando mais os abusos e injustiças impostas pelos reis e nobres, os
burgueses e os trabalhadores uniram-se contra os nobres, realizaram algumas
revoluções, conhecida como Revolução Burguesa. Dessa forma, aconteceu a
revolução na Inglaterra, nos anos de 1688 e 1689, momento que os burgueses
passam a dominar o parlamento, o que enfraqueceu os poderes do rei.
Na França, em 1789, ocorre um movimento revolucionário conhecido na
história como Revolução Francesa. O que contribuiu de forma bastante relevante
para que grande parte do mundo seguisse o novo modelo de sociedade, construído
sobre a lógica da revolução. Período que surge a nova concepção de cidadania que
veio efetivar o fim de privilégios. Contudo, em pouco tempo, passa a vigorar de
forma contrária garantindo novamente a superioridade de novos privilegiados.
Um fato que marcou o início de uma série de mudanças relevantes na
organização social da França e no seu sistema de governo, foi a invasão do povo na
prisão de Bastilha em 1789, onde estavam os presos acusados de serem contra o
regime político absolutista. Uma das modificações a partir desse acontecimento foi a
eliminação dos privilégios da nobreza.
No entanto, antes de tais acontecimentos, já existia um movimento de vários
escritores políticos, que defendiam a ideia de que, todos os seres humanos nascem
livres e são iguais, devendo ter os mesmos direitos, tal afirmação era proferida e
escrita pelos burgueses que queriam participar do governo, também visavam a esse
ideal os trabalhadores que serviam os ricos, na crença de que se todos fossem
considerados iguais, eles também participariam do governo e as leis seriam mais
justas. Nessa luta as mulheres também tiveram uma significativa colaboração ao
participarem dos movimentos políticos e sociais da Revolução Francesa, pois, em
seus discursos no direito pela cidadania traziam entrelinhas, a ideia de que todos
deveriam ter os mesmos direitos sem haver diferença entre nenhum ser humano.
Em 1789, uma proclamação foi intitulada pelos revolucionários franceses, a
declaração dos direitos do Homem e do Cidadão, com a pretensão de que ela
tivesse caráter universal, afirmando a liberdade e a igualdade como direito de todos.
A declaração teve grande importância, no que concerne o fortalecimento das ideias
de muitos movimentos políticos e sociais que queriam a conquista da liberdade aos
indivíduos e ao povo, mas logo a ideia de igualdade foi extinta, emergindo outras
desigualdades no lugar das que eram contestadas pelos revolucionários franceses.
Em 1791, Líderes da Revolução Francesa em assembléia, aprovaram a
primeira Constituição Francesa, porém ocorreram diversas mudanças, já que traziam
fortes traços do passado, no que diz respeito aos direitos dos indivíduos. Nela, foi
estabelecido que somente cidadãos ativos14 poderiam ser eleitos para Assembléia
Nacional e só eles poderiam votar na escolha de membros que fariam parte dessa
assembléia. Portanto, para ser cidadão tinha regras a seguir, quais sejam, se do
sexo masculino, francês, não ser empregado, contribuir com valor de jornada que o
legislativo determinasse e ser inscrito na municipalidade de seu domicílio como
integrante da guarda nacional. Portanto, como expressa Dallari, para mulheres,
trabalhadores, e as classes pobres restaram a exclusão dessa cidadania ativa da
época. O que os impulsionaram a partir do século XIX, começar com novas lutas em
busca da tão almejada cidadania que aos poucos foram alcançando com
significativas vitórias, entretanto ainda pareciam faltar-lhes maiores conquistas para
a formação de uma sociedade de direitos e deveres iguais.
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram na carta sua fé
nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na
igualdade de direitos dos homens e das mulheres e que decidiram promover o
progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla.
A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente
14 Termo usado de primeiro momento na Roma antiga para diferenciar cidadania e cidadania ativa e mais tarde adotado pelos líderes da Revolução Francesa ao aprovar a primeira Constituição Francesa, em que só cidadãos ativos podiam participar das atividades políticas e ocupar os mais altos postos na administração pública. (N.A)
esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Assim, a Declaração dos Direitos Humanos surge como resposta às
atrocidades que o mundo vivenciava naquele momento, como consequência da
Segunda Guerra Mundial, em que milhares de pessoas tinham perdido a liberdade, a
dignidade e outras, a própria vida.
Aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro
de 1948, a Declaração dos Direitos Humanos é constituída com trinta artigos que
indica os direitos fundamentais da pessoa humana para que esta possa viver com
dignidade. Tornando-se efetivo a responsabilidade do Estado, como realizador de
justiça social.
Decorremos de dois artigos para uma observação da importância desses
direitos, mas também da falta da efetivação deles por vezes, de forma ―universal e
igualitária‖, visto que são fatores que permeiam a atuação do Serviço Social na
garantia da universalidade e igualdade de direitos para todos. No primeiro artigo é
declarado que:
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Esse artigo demonstra a liberdade como forma do indivíduo fazer suas
escolhas, buscar seus ideais e participar do meio social, político e cultural, portanto,
ser capaz de efetivar suas realizações pessoais e reconhecer seus direitos e
deveres sem ameaçar ou subordinar o do outro, já que todos possuem os mesmos
direitos.
No entanto, não é o que normalmente presenciamos na nossa sociedade,
pois vimos no dia a dia muitos indivíduos perdendo sua liberdade de forma
desumana, tendo como exemplo o próprio público alvo do nosso trabalho, os
doentes mentais, que são muitas vezes tratados como incapazes, sendo privados de
sua liberdade, não apenas física, mas também psicológica, ao serem trancados em
casa pela própria família, ou em instituições, às vezes, pela vida inteira. E quando
conseguem sair, carregam o peso do passado durante todo o seu período de
existência, visto que a sociedade já os rotularam como perigosos, improdutíveis ou
assassinos, no caso daqueles que cometeram delitos devido a doença.
Não basta afirmar que todas as pessoas são iguais por natureza. Para que essa afirmação tenha resultados práticos é preciso que a sociedade seja organizada de tal modo que ninguém seja tratado como superior ou inferior desde o instante do nascimento. É preciso assegurar a todos de maneira igual, a oportunidade de viver com a família, de ir à escola, de ter boa alimentação, de receber cuidados de saúde, de escolher um trabalho digno, de ter acesso aos bens e serviços, de participar da vida pública e de gozar do respeito dos semelhantes. (DALLARI, 2004, 50)
O artigo terceiro indica um princípio de muita importância para que se possa
gozar dos demais que é a vida:
Toda a pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal15
Garantir o direito à vida é assegurar o indivíduo de todos os seus direitos
fundamentais, para que este possa viver e prosperar com dignidade. Sendo a vida
de maior importância para o ser humano, qualquer violação relacionada a ela será
considerado crime. Portanto, ninguém deve tirar a vida do outro, pois caso isso
ocorra, o indivíduo causador de tal barbárie será retirado da sociedade para
responder pelo seu ato e o Estado terá o direito de julgá-lo e de puní-lo, dentro da lei
15 Art. I - Declaração Universal dos Direitos Humanos
e com justiça, para que este possa reconhecer seu erro e passar a respeitar os
valores humanos e sociais.
Portanto, é de suma importância que para uma maior eficácia dos direitos
humanos a sociedade passe a ter consciência de que, cada ser humano é um
indivíduo e tem seus direitos próprios, fundamentais e faz parte da mesma
sociedade humana.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 incorporou no Artigo 5º, os
preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos dos artigos 1º e 3º.
O 5º artigo da Constituição Federal que estabelece: ―Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de qualquer natureza―, garante aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade.
As estruturas de poder e subordinação presentes na sociedade e na
hierarquia das instituições policiais têm sido historicamente marcadas pela violência,
gerando um círculo vicioso de insegurança, ineficiência, arbitrariedades, torturas e
impunidade.
A Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência, aborda em
suas diretrizes e objetivos estratégicos, metas para a diminuição da violência,
redução da discriminação e da violência sexual, erradicação do tráfico de pessoas e
da tortura. Com isso propõe reformular o sistema de Justiça e Segurança Pública,
avançando propostas de garantia do acesso universal à Justiça, com disponibilidade
de informações à população, fortalecimento dos modelos alternativos de solução de
conflitos e modernização da gestão do sistema judiciário.
O eixo prioritário e estratégico da Educação e Cultura em Direitos Humanos
se traduz em uma experiência individual e coletiva que atua na formação de uma
consciência centrada no respeito ao outro, na tolerância, na solidariedade e no
compromisso contra todas as formas de discriminação, opressão e violência. É esse
o caminho para formar pessoas capazes de construir novos valores, fundados no
respeito integral à dignidade humana, bem como no reconhecimento das diferenças
como elemento de construção da justiça. O desenvolvimento de processos
educativos permanentes visa consolidar uma nova cultura dos Direitos Humanos e
da paz.
A terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH-3,
lançada em 21 de Dezembro de 2009 e assinada por 31 ministérios, reafirmam as
diretrizes constitucionais abordando o tema Saúde Mental em diferentes eixos e
ações programáticas.
Diretriz 7: Garantia dos Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente, assegurando a cidadania plena Objetivo Estratégico IV: Ampliação do acesso universal a sistema de saúde de qualidade Ações programáticas: e) Aperfeiçoar o programa de saúde para adolescentes, especificamente quanto à saúde de gênero, à educação sexual e a saúde mental s) investir na política de reforma psiquiátrica fomentando programas de tratamento substitutivo a internação, que garantam as pessoas com transtorno mental a possibilidade de escolha autônoma de tratamento, com convivência familiar e acesso aos recursos psiquiátricos e farmacológicos.
16
Esta versão representa mais um passo largo nesse processo histórico de
consolidação das orientações para concretizar a promoção dos Direitos Humanos no
Brasil.
Entre seus avanços mais robustos, destacam-se a transversalidade e
interministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratégicos e de suas
ações programáticas, na perspectiva da universalidade, indivisibilidade e
interdependência dos direitos.
Universalizar direitos em um contexto de desigualdades complementa os
anteriores e dialoga com as intervenções desenvolvidas no Brasil para reduzir a
pobreza e garantir geração de renda aos segmentos sociais mais pobres,
contribuindo de maneira decisiva para a erradicação da fome e da miséria.
As conquistas recentes das políticas sociais ainda requerem eliminação de
barreiras estruturais para sua efetivação plena. O PNDH-3 reconhece essa realidade
16 Decreto nº 7.037, de 21 de dezembro de 2009 - Programa Nacional de Direitos Humanos 3
e propõe diretrizes indispensáveis para a construção de instrumentos capazes de
assegurar a observância dos Direitos Humanos e para garantir sua universalização.
3.2 Políticas Sociais
O conceito de políticas sociais denomina-se pelas ações governamentais
desenvolvidas em conjunto por meio de programas que proporcionam a garantia de
direitos e condições dignas de vida ao cidadão de forma justa.
A existência de políticas sociais pode ser considerada como um fenômeno
associado à constituição da sociedade burguesa, ou ao modo capitalista de produzir
e reproduzir-se cada vez mais, uma vez que o Estado de Bem-Estar foi constituído
com dupla função, de um lado, o desaceleramento do desgaste da força de trabalho,
através da implementação de políticas sociais sustentadas por legislação social que
garantisse alguns direitos sociais ao trabalhador e sua família e, de outro, como
capitalista coletivo ideal, sustentando a própria acumulação capitalista, através de
subsídio à produção, suporte de infra-estrutura, estimulando às pesquisas e
investimento tecnológico.
As políticas sociais ora são vistas como mecanismo de manutenção da força de trabalho, ora como conquista dos trabalhadores, ora como arranjos do bloco no poder ou como bloco governante, ora como doação das elites dominantes, ora como instrumentos de garantia do aumento da riqueza ou dos direitos do cidadão (FALEIROS: 1986, 8)
Com o neoliberalismo, o desemprego estrutural leva à necessidade de
aumento de programas sociais, porém, as demandas do capital em torno dos lucros
apontam para a diminuição dos gastos sociais. Tendo como resultado, um processo
conflituoso de negociação e luta de classes e seus segmentos, que se colocam em
condições desiguais nas arenas de negociação disponíveis no Estado democrático
de direito, o que leva os conflitos institucionais.
Para os neoliberais, as políticas públicas sociais, as ações do Estado na
tentativa de regular os desequilíbrios gerados pelo desenvolvimento da acumulação
capitalista são considerados um dos maiores obstáculos a este mesmo
desenvolvimento e responsáveis, em grande medida, pela crise que atravessa a
sociedade.
A intervenção do Estado constituiria uma ameaça aos interesses e liberdades
individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência privada, e podendo bloquear os
mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar com vistas a restabelecer o
seu equilíbrio, uma vez que o livre mercado é apontado pelos neoliberais como
uniformizador das relações entre os indivíduos e das oportunidades na estrutura que
ocupa na sociedade.
As políticas sociais não são formas estáticas de relação entre Estado e sociedade. Os neoliberais propõem, nos períodos de crise a extinção das medidas sociais e a volta ao mercado de trabalho, sem proteção de Estado e isso justamente no momento em que os trabalhadores estão mais vulneráveis pela desmobilização decorrente do desemprego e da procura de emprego. (FALEIROS: 1986, 79)
As políticas sociais se referem às ações que determinam o padrão de
proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em principio, para a
redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades
estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico.
As políticas sociais têm suas raízes nos movimentos populares, voltados aos
conflitos surgidos entre capital e trabalho, no desenvolvimento das primeiras
revoluções industriais. As políticas sociais que asseguram à população o exercício
de direito da cidadania são: Educação, Saúde, Trabalho, Assistente Social,
Previdência Social, Justiça, Agricultura, Saneamento, Habitação Popular e Meio
Ambiente que tem como gestão ação gerencial que se desenvolve por meio da
integração entre o setor público e a sociedade civil, de maneira eficiente e
comprometida com os resultados.
A articulação e o desenvolvimento das políticas e das lutas sociais são condicionados pelas formas de organização do Estado, isto é elas se situam numa arena institucional forjada pelo bloco no poder no contexto da correlação de forças sociais (FALEIROS: 1986, 67).
Com a estrutura social brasileira podemos dizer que o Estado investe muito
pouco na área social, dado que o grau de desigualdade de renda do país é muito
alto. Isso pode ser notado quando se compara o Brasil a outros países, com base no
índice que mede a concentração de renda.
Apesar de o Brasil possuir significativas políticas sociais, a população ainda
permanece às margens da desigualdade social, pois as pessoas passam por
diversas necessidades, que poderiam ser atendidas pelo Estado, assim como, na
saúde pública que tem encontrado notórias dificuldades para sua efetivação, como a
dificuldade de acesso da população aos serviços de saúde.
Ao contrário, portanto, dos preceitos neoliberais, o ajuste estrutural exige a presença do Estado como um ator central no processo de construção da modalidade. Mas não de qualquer Estado. Exige um Estado democrático permeável às demandas e necessidades sociais, com capacidade de governo, isto é, de ordenar as relações, a sociedade civil organizada e as instituições políticas com capacidade técnico-administrativa e de planejamento. Em resumo, um Estado capaz de detectar necessidades de médio e longo prazo que garantam o desenvolvimento sustentado e maior justiça distributiva num tempo eticamente aceitável (LAURELL, 1994, 239)
A constituição Federal de 1988 consagra o acesso universal e igualitário à
saúde a todos os cidadãos, no entanto, as classes sociais mais favorecidas utilizam
recursos dos setores privados de saúde e os de classes de menor poder aquisitivo,
utilizam os setores públicos. Ainda assim, os recursos disponíveis não são
suficientes para atender a população usuária desse serviço, o que acarreta longas
filas de espera para atendimento e realização de exames, onde muitos até vão a
óbito por falta de atendimento.
Em nossa próxima seção, falaremos das políticas sociais voltadas para saúde
mental.
3.3 Breve histórico da Psiquiatria no Brasil e a Reforma Psiquiátrica
No Brasil do século XIX, os hospitais eram destinados aos doentes pobres
com o intuito de afastar o ―perigo‖ da população que estes representavam. Os
assistidos eram os leprosos, inválidos, alienados, doentes crônicos e os que eram
vítimas de surtos epidêmicos. Os atendimentos dados aos doentes partiam de
voluntários e religiosos, havia acesso limitado aos profissionais médicos, sendo
ainda mais precário aos portadores de doenças mentais e delinquentes, uma vez
que estes eram confinados às cadeias públicas, onde permaneciam presos e
amarrados a fortes correntes.
Os insanos alocados nas Santas Casas de Misericórdia, em suas enfermarias ou asilos colocados sob sua administração, eram subdivididos em categorias como alienados comuns, perigosos, criminosos e condenados. Praticamente não recebiam qualquer tipo de assistência médica, sendo muitas vezes acorrentados à cama ou em troncos quando se
encontravam agitados.17
A prática médica não era articulada ao sistema hospitalar, no entanto, este
cenário mudou a partir da saída do corpo religioso das instituições, o qual permitiu a
anulação da desordem hospitalar e a organização de registros permanentes nas
17 Ver: artigo Uma Instituição Asilar Modelar – o Hospício do Juquery, Rosana Machin Barbosa – Socióloga. Mestre em Sociologia pela USP. Técnica do Instituto Nacional de Saúde no Trabalho INST/CUT.
instituições.
Não havia praticamente nada na prática médica desta época para o confinamento de alienados mentais ―furiosos e pacíficos‖, que permaneciam
presos a pesados grilhões.18
Até então, o que se via, era um cenário de controle social e não práticas
efetivas que proporcionassem a medicalização e controle da loucura.
Ainda nesse século, despertam-se questões relacionadas aos maus tratos
dados aos loucos institucionalizados, abrindo espaço às reivindicações por parte dos
médicos da Academia Imperial de Medicina, para a capacitação profissional que
viabilizasse o conhecimento necessário para tratamento da loucura.
Tais reivindicações colaboram para o reconhecimento da especialidade
médica psiquiátrica, através do decreto nº 8.024 de 12 de março de 1881, portanto,
a administração dos hospícios passa a ser de responsabilidade dos profissionais
médicos.19
Os alienistas reivindicavam das autoridades provinciais a competência exclusiva da medicina para lidar com estes doentes especiais. Nesse processo, dois aspectos se destacam: a busca de responder aos reclamos de diferentes setores da sociedade com relação à loucura e a necessidade
de definir um campo próprio e específico à nascente psiquiatria brasileira.20
Em função ao crescente número da população nas grandes cidades no
período pós-abolição da escravatura e da imigração, a psiquiatria passa por uma
reestruturação e tem como responsabilidade a contenção social, uma vez que os
18 Idem ao 1. 19 N. 8024. – IMPERIO. – Decreto de 12 de Março de 1881. – Manda executar o Regulamento para os exames das Faculdades de Medicina – Índice dos Actos do poder Executivo de 1881. 20 Ver: artigo Uma Instituição Asilar Modelar – o Hospício do Juquery, Rosana Machin Barbosa
custos do Estado com os doentes epidêmicos e os loucos aumentavam.
Na tentativa de contenção dos gastos públicos e a melhoria para com o
tratamento da saúde mental, é criada em 1923 a Liga Brasileira de Higiene Mental.
Seus fundamentos eram embasados na biologia e diretrizes do pensamento
eugenista da psiquiatria organicista alemã. A teoria eugenista21 possuía um cunho
racista e visava a ―purificação da raça brasileira‖, sua proposta era a criação de
indivíduos ―mentalmente sadios‖, o que levava a psiquiatria desconsiderar como
condição biológica à incapacidade de produção do capital22.
Posteriormente, no governo Vargas, é sancionado o Decreto 24.559 em
03/07/1934, que dispunha medidas preventivas de doenças mentais, assim como de
fiscalização dos serviços e demais providências.
Ainda nesse governo, é criado o Ministério da Saúde, através da Lei nº 1.920
de 25/07/1953, no entanto, somente no final desta década é que a Psiquiatria
Brasileira passa a ser reconhecida como medicina preventiva, contudo, não inibia o
aumento das internações em manicômios.
A assistência da saúde passa pelo processo de privatização a partir do golpe
militar em 1964 e em 1.966, cria-se o INPS – Instituto Nacional de Previdência
Social, o qual limitava a assistência da população, uma vez que a saúde era
acessível apenas àqueles que possuíam registro em carteira, consequentemente, os
que eram considerados produtivos e aceitos pela sociedade.
Os não inseridos neste contexto, quando flagrados bêbados ou ―perturbando
a ordem pública‖, tais como, os loucos, eram levados aos manicômios, como uma
medida preventiva. Estes ―pacientes‖, tidos como incapazes, irresponsáveis e
– Socióloga. Mestre em Sociologia pela USP. Técnica do Instituto Nacional de Saúde no Trabalho. 21 Criada no século XIX por Francis Galton, a eugenia é um conjunto de ideias e práticas relativas a um ―melhoramento da raça humana‖ ou, como foi definida por um de seus seguidores, ao ―aprimoramento da raça humana pela seleção dos genitores tendo como base o estudo da hereditariedade.O movimento eugenista, ao procurar ―melhorar a raça‖, deveria ―sanar‖ a sociedade de pessoas que apresentassem determinadas enfermidades ou características consideradas ―indesejáveis‖ (tais como doenças mentais ou então chamados ―impulsos criminosos‖), promovendo determinadas práticas para acabar com essas características nas gerações futuras. – Artigo A Eugenia no Brasil, Maria Eunice de S. Maciel, professora no Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Anos 90, Porto Alegre, n. 11, julho de 1999. 22 Ver Artigo Direto, Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica – Augusto Cesar de Farias Costa – Médico Psiquiatra, Psicoterapeuta Coordenador do Programa de Saúde Mental – NESP/CEAM/UnB.
perigosos, contraditoriamente, proporcionaram a lucratividade das instituições
privadas conveniadas ao INPS, em que o louco passa a ser objeto de lucro e não de
cuidados. (COSTA, 2003,.140)
Em um cenário difuso entre políticas ineficazes e corruptivas, porém, às vistas
de protagonistas inconformados com o tratamento inadequado aos portadores de
doenças mentais e precarização pela falta de recursos efetivos (humanos e
financeiros), ocorre uma mobilização por intermédio de movimentos sociais com o
intuito de transformar esta realidade.
Nessa perspectiva, os processos da Reforma Psiquiátrica emergem no final
da década de 70 em paralelo à Reforma Sanitária e ao conjunto dos movimentos
sociais que pressionavam por mudanças sociais, econômicas e políticas.
O principal movimento da época era formado por trabalhadores, associações
de familiares, sindicalistas, membros de associações profissionais e pessoas com
históricos de internações psquiátricas, denominado então de Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental – MTSM, criado com a finalidade de lutar a favor de
mudanças dos modelos gerenciais de saúde mental.
O MTSM busca uma transformação genérica da assistência psiquiátrica, cujos indícios podem ser encontrados seja nas denúncias ao modelo oficial, de caráter predominante privatizante e hospitalocêntrico, seja na elaboração de alternativas inspiradas basicamente em propostas de desospitalização.23
Fora através deste movimento que se deram as denúncias de violência em
asilos manicomiais, críticas aos modelos de gestão hospitalar no que se referia a
assistência às pessoas portadoras de transtornos mentais além da mercantilização
da loucura.
O MTSM consolidou suas bases em congressos de psiquiatria e no
Movimento de Renovação Médica, também ganhou força após visita de lideranças
23 apud Saúde Mental – Alexandre de Araujo Pereira e Paula Cambraia de Mendonça Vianna –2009, Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina/UFMG (Nescon), página 23.
mundiais da psiquiatria, entre eles Franco Basaglia, renomado psiquiatra italiano,
após a aprovação da Lei 180 de 13 de maio de 1978 - Controles e tratamentos
sanitários voluntários e obrigatórios – com leis regulamentadoras atribuídas ao
tratamento psiquiátrico e a proibição da construção de novos e a reforma de antigos
manicômios.24
Os processos que antecederam a implantação da Reforma Psiquiátrica
passaram por períodos que contribuíram para a efetivação desta política social. A
―periodização‖ denominada por Vasconcelos inicia-se em 1.978 e prossegue até o
final da década de 90, porquanto, citaremos as consideradas relevantes.
O primeiro período (1978-1980) inicia-se nos estados do Rio de Janeiro, São
Paulo e Minas Gerais, uma vez que possuíam maior concentração de ―serviços
psiquiátricos no país, além de constituírem o principal palco político das mudanças
em curso‖. Essa época é marcada pelas denúncias de maus tratos aos usuários
institucionalizados, tanto em hospitais públicos como em privados; denúncias contra
a industrialização da loucura daqueles internados em hospitais privados conveniados
ao INAMPS - Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social; por
melhores condições de trabalho nos hospitais psiquiátricos e expansão de serviços
ambulatoriais especializados. (VASCONCELOS, 2000).
Por intermédio da mobilização dos movimentos dos trabalhadores da saúde,
ocorre a ―primeira tentativa de mudança do sistema global de saúde‖. É criado o
Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde – Prevsaúde, com a proposta
sistemática de universalizar e articular entre entidades públicas e privadas a
extensão, a hierarquização e a integralização dos cuidados pertinentes à saúde.
Este sistema deu origem a Reforma Sanitária, servindo como modelo para a
implementação das AIS – Ações Integradas de Saúde. (VASCONCELOS 2000).
O segundo período (1980-1985) é marcado pela efetivação das respostas
reivindicadas no período anterior.
Inicia-se no Rio de Janeiro, uma parceria entre os Ministérios da Saúde e da
24 Ver Lei 180
Previdência, objetivando a administração dos hospitais públicos. Neste contexto, o
MTSM formaliza as propostas da reforma sanitária e as de humanização aos
usuários de hospitais psiquiátricos públicos.
Em 1981, é lançado o Plano CONASP - Conselho Nacional de Saúde
Previdenciária, com a proposta de reorganização médica, remanejamento e controle
de custos com os gastos da saúde, efetivando então o modelo sanitarista da AIS, a
qual mais tarde passa a ser chamada de SUS – Sistema Único de Saúde. Este
sistema fora considerado na VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986 e,
posteriormente teve os seus conceitos incorporados na Constituição de 1988.
Constituição de 1988, Seção II, apresenta como pontos básicos: "as necessidades individuais e coletivas são consideradas de interesse público e o atendimento um dever do Estado; a assistência Médico-Sanitária integral passa a ter caráter universal e destina-se a assegurar a todos o acesso aos serviços; estes serviços devem ser hierarquizados segundo parâmetros técnicos e a sua gestão deve ser descentralizada."
25
As propostas do MTSM objetivavam a redução e não a criação de novos
leitos em hospitais psiquiátricos; a regionalização das ações em saúde mental que
integrassem setores específicos com serviços ambulatoriais em áreas geográficas
de referência; controle das internações nas redes credenciadas de hospitais
psiquiátricos públicos e privados, através de AIS – Autorização de Internação
Hospitalar; expansão da rede ambulatorial e de equipes multidisciplinares
compostas de médicos psiquiatras e pelos profissionais psicólogos, assistentes
sociais, enfermeiros, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, especializados em
saúde mental (VASCONCELOS 2000, 24).
No terceiro período (1987-1992), além da nova Constituição Federal, é
aprovada a Lei Orgânica da Saúde através da Lei 8080 e a Lei 8142 que dispõem
sobre a promoção, a proteção e a recuperação da saúde da população, entendendo
a saúde como dimensão essencial da qualidade de vida e recurso.
25 Ver Constituição de 1988.
O MTSM passa por uma fase estrutural e se alia aos movimentos populares, a
fim de fortalecer a opinião pública através de estratégias que alavancassem as
propostas do modelo sanitarista para o controle e humanização em hospitais
psiquiátricos, assim como, a expansão dos serviços ambulatoriais.
Como resposta às novas estratégias é apresentado o projeto de Lei 3657/89,
do deputado Paulo Delgado (PT/MG) que propunha a regulamentação dos direitos
da pessoa, a extinção e a substituição gradativa dos manicômios no país, portanto, o
movimento da Reforma Psiquiátrica ganha espaço nos campos legislativo e
normativo.
Ainda em 1990, o Brasil firma o compromisso pela Reforma Psiquiátrica em
Caracas, o qual se consolida na II Conferência Nacional de Saúde Mental em 1992.
O palco desta intervenção fora o município de Santos em São Paulo, através
da implantação do Núcleo de Atenção Psicossocial – NAPS, com o funcionamento
24 horas, sendo o provedor do atendimento à demanda dos cuidados da saúde
mental. Os serviços de saúde na capital de São Paulo foram intermediados pelos
Centros de Convivência e os Centros de Atenção Psicossocial – CAPS, o qual serviu
de modelo para todo o país (VASCONCELOS 2000, 26/27).
Podemos considerar o quarto período (1992-1995) como o marco histórico
dos processos da Reforma Psiquiátrica, pois, é nele que ocorrem os principais
avanços desta política. Solidificam-se as propostas de desinstitucionalização26
psiquiátrica, a implantação da rede de serviços de Atenção Psicossocial e o
surgimento das associações de usuários e familiares
Não há dúvidas de que esse período foi marcado pelas maiores e mais significativas mudanças da história das políticas de saúde mental no Brasil, consolidando a perspectiva da desinstitucionalização psiquiátrica e colocando o pais pari passu aos principais centros internacionais de reforma da assistência psiquiátrica. (VASCONCELOS 2000, 27)
26 Redirecionamento do modelo de atenção à saúde do hospital para a comunidade, desconstruindo saberes, propondo novas formas de atenção, reconhecendo a comunidade como o lócus preferencial de intervenção, devolvendo ao sujeito o direito à vida, à liberdade e a cidade.
Neste momento as propostas políticas de direcionamento para reabilitação
psicossocial do Ministério da Saúde, ganham evidência após o compromisso do
Brasil, firmado na Declaração de Caracas e na II Conferência Nacional de Saúde
Mental.
Passam a vigorar as normas federais que regulamentaram a implantação de
serviços de atenção diária, fundamentados nas experiências do CAPS, NAPS e
Hospitais-dia e as de fiscalização e controle para a melhoria de atendimento em
hospitais psiquiátricos.
Este processo contribuiu para o aumento dos serviços de atenção
psicossocial, objetivando substituir a internação psiquiátrica pelo atendimento em
regime extra-ambulatorial, portanto, são convocados a compor as equipes
multidisciplinares, os profissionais do Serviço Social e os da saúde.
Os movimentos das lutas antimanicomiais são fortalecidos por intermédio de
novas associações criadas pelos usuários e familiares. Tal articulação dá origem a
carta de direitos e deveres, com propostas aos princípios básicos no que tange a
assistência em saúde, sendo então, considerada no III Encontro Nacional de
Entidades de Usuários e Familiares da Luta Antimanicomial, em 1993.
Portanto, torna-se evidente a importância da participação da comunidade,
pois ela contribuiu de forma a pressionar para mudanças necessárias que apontem
para o novo modelo de tratamento da saúde mental.
O papel da comunidade pode variar da promoção do esforço individual e da ajuda mútua ao exercício de pressão em prol de mudanças na atenção e nos recursos para a saúde mental, ao desenvolvimento de atividades educativas, à participação na monitoração e avaliação da atenção e à advocacia em prol de mudanças de atitudes e redução do estigma (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2001, 136)
O quinto período inicia-se em 1995, é marcado por bloquear e limitar a
expansão da reforma no Plano Federal, devido às políticas neoliberais impostas pelo
governo de Fernando Henrique Cardoso.
À medida que a ideologia neoliberal avança, são criadas as portarias de
serviços e programas pelo Programa de Apoio à Desospitalização - PAD, no entanto,
ocorre um esvaziamento das lideranças políticas da Coordenação de Saúde Mental,
órgão gerido pelo Ministério da Saúde.
Em paralelo, ocorre o impacto dessa nova política na sociedade através do
aumento do índice das taxas de desemprego, atingindo principalmente as maiores
regiões metropolitanas, ocasionando desequilíbrios sociais (miséria e violência) e
emocionais (ansiedades, fobias, stress e dependência química), os quais
proporcionam o aumento das demandas e desafios relacionados aos programas de
saúde mental.
Como resultado da Lei Paulo Delgado, é aprovada a Lei Federal 10.216 em
06 de abril de 2001, com a proposta de redirecionamento de assistência a saúde
mental que acelere o desenvolvimento do processo da Reforma Psiquiátrica no
Brasil. (VASCONCELOS, 2000, 29)
Portanto, torna-se imprescindível a busca continua por soluções que
viabilizem o acesso ao atendimento humanitário adequado, para a qualidade de vida
aos usuários dos serviços de saúde mental, assim como, propostas conciliadoras
para o fortalecimento dos vínculos familiares.
Não basta, portanto, desconstruir espaços, criar novos espaços, mas, sobretudo, inventar novas formas de lidar, conviver e tratar a loucura da cidade, nos bairros, nas ruas, nas escolas, nas famílias. Enfim, em todos os lugares que dizem respeito ao sujeito e à sua vida.
27
Paradoxalmente, tais políticas, ainda não vão ao encontro dos usuários
assistidos pelos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, uma vez que tais
instituições são geridas por órgãos de Justiça, como, por exemplo, a Secretaria de
27 Ver Saúde Mental – Alexandre de Araujo Pereira e Paula Cambraia de Mendonça Vianna –2009, Núcleo de Educação em Saúde Coletiva da Faculdade de Medicina/UFMG (Nescon), página 25.
Administração Penitenciária - SAP, de São Paulo, a qual pouco articula com o SUS.
3.4 A Reforma Psiquiátrica no Hospital de Custódia
No que concerne aos usuários dos Hospitais de Custódia e/ou Manicômios
Judiciários, a Lei da Reforma Psiquiátrica ainda tem enfrentado algumas
resistências. A Lei da Reforma Psiquiátrica, em seu artigo 9, define:
A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados.
Portanto, este artigo está relacionado aos usuários que por terem cometido
atos infracionais e que por ordem judicial, foram compulsoriamente internados para
tratamento e cumprimento de medida de segurança, cabendo então aos órgãos da
Justiça, definirem quais serão as diretrizes, mesmo que esses pacientes sejam
portadores de doenças mentais.
Esta é uma das preocupações que têm levado os profissionais da saúde, da
área social, promotores e procuradores de Justiça, questionarem até que ponto a Lei
de fato tem alcançado a população manicomial, uma vez que deveriam ter um
tratamento articulado ao SUS, que tem suas políticas calcadas na garantia de saúde
para toda população, de forma universal.
Estes hospitais, não sendo geridos pelo Sistema Único de Saúde, mas por órgãos da Justiça, não estão submetidos às normas gerais de funcionamento do SUS, ao PNASH/Psiquiatria (com a única exceção dos Hospitais de Custódia do Rio de Janeiro), ou ao Programa Anual e Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica. São frequentes as denúncias de maus tratos e os óbitos nestes estabelecimentos.
Os movimentos sociais de luta antimanicomial representados em
Conferências de Saúde Mental têm pressionado as autoridades dos Ministérios da
Justiça e da Saúde, para a reformulação de um modelo diferenciado de assistência
ao ―louco infrator‖. Como resultado, o Programa Nacional de Direitos Humanos-3,
estabelece:
Objetivo estratégicoIII Tratamento adequado de pessoas com transtornos mentais. Ações pragmáticas: a)Estabelecer diretrizes que garantam tratamento adequado às pessoas com transtornos mentais, em consonância com o princípio de desinstitucionalização. Responsáveis: Ministério da Justiça; Ministério da Saúde. b)Propor projeto de lei para alterar o Código Penal, prevendo que o período de cumprimento de medidas de segurança não deve ultrapassar o da pena prevista para o crime praticado, e estabelecendo a continuidade do tratamento fora do sistema penitenciário quando necessário Responsáveis: Ministério da Justiça; Ministério da Saúde. c)Estabelecer mecanismos para a reintegração social dos internados em medida de segurança quando da extinção desta, mediante aplicação dos benefícios sociais correspondentes. Responsáveis: Ministério da Justiça; Ministério da Saúde; Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à forme
Cabe então, aos Ministérios competentes, efetivarem essas medidas de forma
imediata, tanto nas esferas jurídicas como da saúde, de forma a prover recursos e
atendimento adequado aos usuários, cabendo a sociedade civil a cobrança pela
efetivação desses direitos.
A implementação das políticas de saúde mental exige que as autoridades e demais cidadãos devam agir no sentido de afirmá-las (MARCHEWKA, 2007)
28
28 Tania Maria Nava Marchewka – Procuradora de Justiça do MPDFT e pesquisadora de assusntos relativos às pessoas portadoras de transtornos mentais – Direitos Humanos e saúde mental 20/05/2007
O primeiro Simpósio Internacional sobre Manicômios Judiciários e Saúde
Mental, ocorrido em setembro de 2009, em São Paulo, contou com os artigos de
profissionais das áreas da Antoprologia, Psiquiatria, Psicologia, Psicanálise e
Direitos, o qual trouxe novas perspectivas das mudanças que devem ocorrer como
forma de garantia da Lei da Reforma Psiquiátrica29.
Pudemos presenciar tais dificuldades em nossa vivência de estágio na
instituição, sabemos, portanto, que a transformação é possível, desde que haja
empenho nas arenas institucionais e profissionais para que ocorra a efetivação das
políticas sociais.
29 Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, volume 20, nº 1 – Janeiro/Abril
CAPÍTULO 4
SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL
4.1 Retrospectiva histórica
O Serviço Social no Brasil surge na década de 30 como instrumento da classe
dominante e com o apoio da igreja católica, com a emergente necessidade de
responder o aumento das contradições capitalistas, controlar a classe operária e
legitimar os setores dominantes e o Estado utilizando como referência o serviço
social europeu.
Porém, esse referencial não deve ser entendido como uma adoção fiel, a
maneira que o Serviço Social era entendido naquela época na Europa, visto que
aqui ele era traçado como componente da organização da burguesia para conter a
classe trabalhadora, que naquele momento buscava com veemência melhores
condições de trabalho e se juntavam cada vez mais na luta pelos seus direitos
sociais.
Essas manifestações levou a burguesia a unir-se ao Estado e a Igreja
Católica, com intuito de padronizar a classe trabalhadora, momento este de
transições políticas. A partir da Nova República30, surge um Estado se apresentando
como legítimo protetor das classes populares e se autoatribuindo a missão de
resgatar o clima de ―harmonia social‖.
Segundo Martinelli (2007), como estratégia para diminuir a tensão existente
entre os trabalhadores, o Estado busca fortalecer suas alianças com a Igreja
Católica e os setores mais ricos da burguesia, dividindo com eles a tarefa de
circunscrever a hegemonia do poder ao restrito âmbito da classe dominante, e com
isso consegue trazer para si a responsabilidade de cuidar da reprodução da força de
trabalho do proletariado.
Assim, mesmo consciente das divergências que ocorriam entre capital e
2010
30 Período da História do Brasil que se seguiu depois da ditadura militar. (N.A)
trabalho, o Estado busca moldar o proletariado colocando-os na sua política de ação
com a finalidade de enfraquecer o movimento de classe e manter o domínio entre as
classes sociais. Nesta direção, o Estado além de não atender as exigências que o
proletariado requeria, transfere sua responsabilidade aos movimentos sociais e a
Igreja Católica que já executavam ações assistencialistas com este público. Essas
ações eram advindas na grande maioria da Igreja católica. E é com esse trabalho
que a igreja põe em prática a busca pela formação dos primeiros assistentes sociais
no país.
As primeiras iniciativas de organização da profissão são conduzidas por grupos sociais majoritariamente femininos, integrantes do movimento católico leigo e responsáveis pela ação social da igreja católica junto aos segmentos mais vulnerabilizados e empobrecidos da classe trabalhadora, especialmente mulheres e crianças.(YAZBEK: 1977;CARVALHO, 1980)
O Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo- CEAS, criado pela
burguesia e setores da Igreja Católica em 1932, desempenhou um importante papel
no sentido de qualificar os agentes para a realização da prática social. Neste centro,
como fruto da iniciativa das cônegas de Santo Agostinho, no Brasil realizou-se o
primeiro curso de preparo para o exercício de ação social, que sob a denominação
de curso intensivo de formação social para moças, foi ministrado pela assistente
social Belga Adele de Loneux, da Escola Católica de Serviço Social de Bruxelas. A
clientela desse primeiro curso foi constituída por jovens católicas, algumas já
participantes de atividades assistencialistas ou militantes de movimento sociais da
Igreja, todas pertencentes à famílias da burguesia capitalista.
Segundo Iamamoto (2007), o objetivo principal da entidade consistia em
formar membros pelo estudo doutrinário social da Igreja e fundamentar sua ação
nessa formação doutrinária e no conhecimento aprofundado dos problemas sociais,
visando tornar mais eficiente a atuação das trabalhadoras sociais e adotar uma
orientação definida em relação aos problemas a resolver, favorecendo a
coordenação de esforços dispersos nas diferentes atividades e obras se caráter
social.
Assim, para a autora, a especificidade maior que reveste o Serviço Social
desde sua implantação não está, no entanto, no âmbito das características que mais
evidentemente o marcam. Historicamente, se localiza na demanda social que
legitima o empreendimento. Se as leis sociais são em última instância, resultantes
da pressão do proletariado pelo reconhecimento de sua cidadania social, o Serviço
Social se origina de uma demanda diametralmente oposta. Sua legitimação diz
respeito apenas aos grupos e frações restritos das classes dominantes.
Fica evidente que na época, o Serviço Social trabalhava com interesses
antagônicos, pois na medida em que tinha que olhar para a classe trabalhadora,
também atendia os donos do capital, fazendo com que os trabalhadores ficassem
em harmonia com a burguesia e aceitasse as suas imposições produzindo cada vez
mais no trabalho, o que contribuía para as demandas do acúmulo do capital e
aumentava as contradições de classe como nos aponta Martinelli:
A identidade atribuída ao Serviço Social pela classe dominante era uma síntese de funções econômicas e ideológicas, o que levavam a produção de uma prática que se expressava fundamentalmente como um mecanismo de reprodução das relações sócias de produção capitalista, como estratégica para garantir a expansão do capital.(MARTINELLI, 2007, 124)
Essa estratégia, era uma arma da burguesia para controlar a classe
trabalhadora e fazê-la pensar que trabalhando teria possibilidade de juntar-se a ela,
já que todos deveriam lutar pela hegemonia do capital, não bastasse tal utopia,
ainda acrescentava as esperanças do proletariado com falsas promessas e falsos
discursos de assistência.
Segundo Martinelli (2007), as formas de ações assistencialistas desenvolvidas
a partir das décadas de 30 e 40 e os fortuitos benefícios oferecidos ao proletariado
através de empréstimos, assistência médica, social e auxílios materiais, ocultavam
as reais pretensões subjacentes. Ora, tal atitude era mais uma forma de controlar os
movimentos dos trabalhadores buscando o que tanto almejava naquele momento:
manter a ordem social.
A prática dos assistentes sociais nesse período era totalmente vigiada e
controlada pela sociedade capitalista, a tal ponto de afastá-los da necessidade de
um pensamento crítico reflexivo que pudesse traçar ações em prol da classe
trabalhadora.
A visão do serviço social nesse momento é de adaptação do indivíduo ao meio e do meio ao indivíduo, numa perspectiva de restauração e normatização da vida social. YAZBEK,MARTINELLI,RAICHELIS, 2008, 11)
O profissional em sua ação culpabiliza o sujeito de seus problemas sociais,
tentando de imediato por em prática ações que vinham de encontro as necessidades
do indivíduo, assim mantinha a classe trabalhadora ajustada atendendo aos ideais
de domínio e exploração da burguesia, mascarando a questão social que envolvia
toda a classe. Nesta perspectiva, os assistentes sociais tornavam-se uma categoria
que não exerciam funções concernentes a sua identidade profissional, pois sua
prática era influenciada pela classe dominante em atender seus interesses
hegemônicos.
No que tange ao trabalho dos assistentes sociais junto às famílias, a forma de
assistência não era diferente, pois também era voltada a atender as necessidades
básicas. Na década de 40 o CEAS constitui três centros familiares que se tornaram
campo de estágio das estudantes de Serviço Social visando amparar e educar as
famílias pobres, assim a família se transforma em objeto de estudo e observação
para quem tinha pretensão de conhecer os problemas sociais.
Na Segunda Guerra Mundial, surge uma grande Instituição de assistência, a
saber, LBA- Legião Brasileira de Assistência, que a princípio tem como principal
papel o objetivo de atender as famílias dos homens que partiram para guerra.
Segundo Iamamoto (2007), as ações do Serviço Social consistem no mesmo
padrão anterior, sendo o processo investigativo, pesquisa social, visitas domiciliares
e entrevistas o fundamento do Serviço Social de casos individuais. Após este
procedimento que tinha como determinar quem receberia auxílio financeiro,
encaminhamento para serviços médicos, internações de crianças, obtenção de
empregos, regulamentação de documentos e regularizarão de vida conjugal. Porém,
mesmo o Serviço Social permanecendo com essas técnicas, para a autora houve
relevante avanço no que diz respeito a tais práticas sociais.
Com a intervenção do Estado nas relações sociais pela mediação de políticas
no campo social, há um aumento de profissionais que requisitados por eles, passam
a executar políticas sociais públicas e atender um público cada vez mais
diversificado. Portanto, o Estado passa a ser um dos principais empregadores dos
profissionais contribuindo para expansão deles no mercado de trabalho.
Essa crescente inserção dos profissionais no âmbito do enfrentamento da
questão social faz com que, mesmo impregnados de ideias doutrinárias da igreja
católica, eles passam a se questionarem sobre seu próprio exercício profissional,
concomitante em 1947 com a realização do I Congresso Brasileiro de Serviço Social.
Este é o princípio de uma forte discussão sobre a profissão, visto que não contente
com seus referenciais os profissionais partem em busca de novas técnicas para
atuarem junto à classe trabalhadora.
Nesse contexto, com a ideia de Renovação profissional surge o Movimento de
Reconceituação, o qual faz com que os assistentes sociais produzam um novo
projeto profissional que se comprometa com interesses dos trabalhadores e das
classes populares que tinham benefícios das políticas públicas.
À medida que o Serviço Social avança, emerge a necessidade de uma
reformulação profissional baseada nos níveis: teórico, metodológico,
técnico/operativo e ideopolítico. Surgem então novas tendências e vertentes
(modernizadora, fenomenológica e marxista) que contribuem para diferentes
tendências de atuação profissional.
A vertente modernizadora ancora-se no positivismo voltado para
modernização conservadora e trabalha com a ideia de reintegração do indivíduo ao
convívio social, ou seja, não considera a subjetividade do sujeito, pois faz uma
abordagem funcional e estrutural.
A vertente fenomenológica trabalha a partir das vivências do indivíduo, nessa
vertente o Serviço Social irá auxiliar esse indivíduo na abertura do mundo com o
outro, considerando, assim, uma concepção de sujeito sociológico. Segundo Netto
tal vertente revifica um conservadorismo presente no pensamento inicial da profissão
(YAZBEK, MARTINELLI, BAICHELIS: 2008,.17)
A vertente marxista remetendo a profissão à consciência de sua inserção na
sociedade de classes tem, no Brasil, no primeiro momento, uma configuração que se
aproxima do marxismo sem recorrer ao pensamento de Marx. Não obstante, devido
às abordagens reducionistas de uma espécie de marxismo vulgar, e por uma forte
influência do cientificismo e do estruturalismo arraigado na interpretação de Louis
Althusser o Serviço Social no Brasil e na América Latina se dá por incontáveis
problemas. Tais abordagens marxistas recusaram a via Institucional e as
determinações sócio-histórico da profissão. Entretanto, é com este referencial
escasso que se inicia o rompimento com o Serviço Social tradicional e, por
conseguinte, começa o desenvolvimento da profissão. A análise marxista propõe a
articulação do sujeito envolvendo os aspectos econômicos, políticos, sociais e
culturais, visando a transformação social.
Para Marx, o trabalho é o fundamento ontológico-social do ser social; é ele que permite o desenvolvimento de mediações que instituem a diferencialidade do ser social em face aos outros seres da natureza. As mediações, capacidades essenciais postas em movimento através de sua atividade vital, não são dadas a ele; são conquistadas no processo histórico de sua autoconstrução pelo trabalho. São elas: a sociabilidade, a consciência, a universalidade e a liberdade (BARROCO, 2003, 26).
No final da década de 70 e início da década de 80 o profissional do Serviço
Social busca novas práticas para atender camadas populares iniciando assim novas
discussões em relação à formação profissional.
O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na
divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas classes sociais emergentes - a constituição e expansão do proletariado e da burguesia industrial - e das modificações verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder de Estado em conjunturas históricas específicas. É nesse contexto, em que se afirma a hegemonia do capital industrial e financeiro, que emerge sob novas formas a chamada ―questão social‖ a qual se torna a base de justificação desse tipo de profissional especializado. a questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado.(IAMAMOTO, 2007, 77)
Segundo Iamamoto (2004), com a Constituição Federal de 1988, inicia-se um
novo tempo em que a sociedade civil avança em busca da legitimação dos seus
direitos e o assistente social deixa de ser um agente da caridade e caminha em
direção da execução das políticas públicas, atuando no desenvolvimento de práticas
auxiliares como pesquisa, aconselhamentos, esclarecendo aos usuários os seus
direitos e deveres como cidadão.
O Serviço Social se apresenta como uma profissão profundamente associada
à história da sociedade, e dessa forma, a profissão precisa se modificar conforme as
conjunturas sociais. Tomam, pois, novos direcionamentos quando se refere ao
projeto ético político, respeitante à sua atualização aos novos tempos, assim,
contribui para a construção da cidadania, a defesa da esfera pública e o cultivo da
democracia para o enfrentamento da questão social. Logo, o profissional precisa ser
comprometido com a justiça social e fazer da sua prática uma maneira de ampliar o
acesso dos indivíduos aos direitos sociais.
4.2 Serviço Social na Saúde no Brasil
É do contexto socioeconômico e cultural – que abarca a década de 30 e
meados da década de 1940 - que, segundo Bravo e Matos, surge a profissão de
assistência social no Brasil. No primeiro momento, com forte influência européia.
Embora a área da saúde tivesse uma expressão significativa dos profissionais que
surgiam, outras áreas também tiveram importante concentração.
Mas uma nova conjuntura surge a partir de 1945, com a verticalização do
capitalismo no Brasil, bem como as transformações ocorridas no cenário mundial,
após a 2° Guerra Mundial. Neste contexto, a prática profissional na saúde se amplia,
e é - doravante - o setor que mais absorve os assistentes sociais.
Outro fato importante desse período data do ano de 1941, ano do Congresso
Interamericano de Serviço Social que ocorreu em Atlantic City nos Estados Unidos; a
referência do congresso marca a mudança de paradigma de orientação da profissão
de assistente social, ou seja, a influência européia é substituída pela norte-
americana, como consequência, surge através desse divisor de águas, outras ações
de fomento aos profissionais brasileiros, bem como a organização de entidades
organizativas (BRAVO, MATOS: 2006, 198)
Os assistentes sociais brasileiros começaram a defender que o ensino e a profissão nos Estados Unidos haviam atingido um grau mais elevado de sistematização ademais, ali, na ação profissional, o julgamento moral com relação à população cliente é substituído por uma análise de cunho psicológico( BRAVO E MATOS: 2006, 198)
Podemos refletir sobre as possíveis consequências dessa mudança de foco
na ação profissional, nos Estados Unidos. O que faremos mais a frente. Os autores,
porém, nos coloca outra questão: Por que o Serviço Social na área de saúde
transforma-se no principal campo de absorção profissional?
Segundo Bravo e Matos (2006), isso se deu pelo fato de que surge em 1948
um novo conceito de saúde que resultou na demanda de profissionais de vários
setores, inclusive assistentes sociais. Elaborado pela OMS - Organização Mundial
de Saúde, o novo conceito considerava saúde como estado de completo bem estar
físico, mental e social, e não mera ausência de doença e enfermidade. Tal conceito
se dá pelo agravamento, sobretudo nos países periféricos, das condições de saúde.
São vários os desdobramentos nesse ponto, mas salientamos a tarefa educativa do
assistente social diante de sua clientela, no âmbito da política de saúde, mais
especificamente no que tange a normas.
Outro fator importante, segundo os autores, refere-se à consolidação da
política nacional de saúde no Brasil. No entanto, a assistência outrora prestada não
atingia a todos por ser de caráter seletivo e excludente. Dessa forma, coube ao
assistente social intermediar o acesso aos usuários a fim de viabilizá-lo. Para tanto,
o profissional utiliza-se das seguintes ações: plantão, triagem ou seleção,
encaminhamento, concessão de benefícios e orientação previdenciária. (BRAVO E
MATOS: 2006, 199)
O cenário, a partir da década de 1950, nos Estados Unidos, não mudou a
ação dos profissionais no Brasil, que continuaram priorizando suas ações no nível
curativo e hospitalar. Assim, a esse questionamento, os autores nos colocam
algumas hipóteses. 1) a uma necessidade conjuntural em ampliar a assistência
médica hospitalar; 2) As atividades nos centros de saúde já eram desenvolvidas
pelos visitadores; 3 ) e, por fim, não há um desenvolvimento pleno no trabalho
profissional da saúde, a ideologia neste campo não consegue penetrá-lo
suficientemente.
No pós 1964, os autores apontam-nos profundas transformações no
Serviço Social; mas há ainda de um lado o conservadorismo em detrimento a uma
posição progressista. Haverá, dessa forma, uma renovação do Serviço Social, mas
ainda conservadora, com intuito de moldurar teórica e metodologicamente a
profissão. Em suma, até 1979, não muda significativamente esses aspectos e o
pouco que se produz, não rompe a barreira da vertente modernizadora.
Os anos de 1980 iniciam-se como grande agitação política e um amplo
debate em todos os setores, o que tem o seu reflexo também no setor da saúde e,
por conseguinte, no Serviço Social, tal dialética advém da incorporação de algumas
temáticas como o Estado e as políticas sociais fundamentadas no
marxismo.31(BRAVO E MATOS:2006, 203)
31 O marxismo diz respeito a doutrina dos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels fundamentada
São desse período a 8º Conferência nacional de Saúde (1986), que ocorreu
em Brasília, capital do país, destaca-se daí os avanços na elaboração da proposta
de fortalecimento do setor público em detrimento ao modelo anterior que privilegiava
o produtor privado. No que se refere ao modelo de proteção social, segundo os
autores, a Constituição Federal de 1988 tem significativa importância, pois é uma
das mais progressistas, já refletindo a ideologia do começo do século. Assim, nos
cinco artigos32 concernentes à saúde fica assegurado que ela é um direito de todos e
dever do Estado, bem como a integração dos serviços de saúde, constituindo-se
como um sistema único de forma regional e hierárquica.
É um período, pois, de revisão no Serviço Social, de um lado a uma crise do
Estado brasileiro, de outro tal revisão confrontar-se-á com uma tradição ainda
perene no Serviço Social. No entanto, segundo os autores, esse movimento de
mudança no Serviço Social acontece internamente, o que, de certa forma, distancia
o debate com outros setores cujas vivências estavam mobilizadas pela democracia,
logo há um descompasso da profissão com a luta pela assistência pública na saúde.
(BRAVO E MATOS: 2006, 204)
Ao passo que o Serviço Social cresce em suas articulações teóricas no
cenário da década de 80, sua emergência não toma o plano prático, em outras
palavras, pouco se fez de fato na área para expandir uma ação, propriamente dita,
mobilizadora e interventiva. Dessa maneira, Bravo e Matos apontam-nos algumas
mudanças de postura nos trabalhos apresentados em congresso, embora ainda não
fossem aplicadas na prática, mas já articulavam novos pensamentos. Não obstante,
mesmos com uma visão polilateral de alguns trabalhos, o Serviço social chega à
década de 90 preso em muitos grilhões da década anterior. Além disso, o projeto
hegemônico no Serviço Social defronta-se com o projeto neoliberal implantado neste
período.33
no materialismo dialético, e que se desenvolveu por meio das teorias de luta de classe e da elaboração do relacionamento entre o capital e o trabalho. 32 Artigos. 196-200 da Constituição Federal de 1988. 33 O projeto neoliberal faz parte do governo de Fernando Collor de Mello o qual foi o primeiro a tentar- com êxito- implantá-lo.
O projeto privatista requisitou, e vem requisitando, ao assistente social, entre outras demandas: seleção socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial através de aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde, assistencialismo através da ideologia do favor e predomínio das práticas individuais. Entretanto, o projeto da reforma sanitária vem apresentando, como demanda, que o assistente social trabalhe as seguintes questões: busca de democratização do acesso às unidades e aos serviços de saúde, atendimento humanizado, estratégias de interação da instituição de saúde com a realidade, interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais, acesso democrático as informações e estímulo à participação cidadã.
34
Disso resultou como consequência, dado o choque de ideologias, algumas
contradições cujas requisições apresentavam divergências importantes para o
Serviço Social. Em suma, podemos notar, por meio dessa retrospectiva, que há
muitos desafios atualmente no Serviço social no que diz respeito à saúde.
No século XXI, novos desafios estão sendo postos como eminentes no
Serviço Social. Segundo os autores, podemos salientar, desde já, a eleição em 2002
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo eles, foi uma reação popular
contra as medidas tomadas no governo anterior. No governo Lula, a saúde é tomada
como um direito fundamental, e, por conseguinte, existe um compromisso em
assegurar à população acesso universal, bem como equânime e integral às ações e
serviços de saúde. (BRAVOS E MATOS: 2006, 210)
Os principais desafios do Ministério da Saúde, segundo seu próprio
entendimento são: 1) incorporar à agenda ético-política a Reforma Sanitária; 2)
construir novos modelos de fazer saúde, embasados na integridade,
intersetorialidade e na atuação em equipe; 3) estabelecer a cooperação entre
ensino-gestão-atenção; 4) controlar socialmente e suprimir os modelos verticais
voltados somente para assistência médica. Em suas diretrizes estão: a ampliação do
atendimento do SUS, de modo especial na atenção básica; o combate às endemias;
e a melhoria do acesso aos medicamentos.
34 Op.cit.p.206
Outras estratégias ainda têm sido aplicadas para a viabilização dos objetivos
e metas para serem alcançadas, como, por exemplo, política de educação para o
SUS, ênfase na educação para saúde; acesso à informação, etc. No entanto, a
análise apresentada pelos autores desse cenário é ainda de andamento das
mudanças, pois, segundo eles, à medida que o atual governo mantém a política
macroeconômica do governo anterior, as políticas sociais resistem, porém
fragmentadas e, consequentemente, sem forças, pois estão subordinadas a lógica
econômica, que desvaloriza, por sua vez, a seguridade social. Nesse sentido, os
projetos supracitados na área da saúde, a saber, o projeto privatista e o projeto de
reforma sanitária se encontram, ainda, rechaçando-se no plano ideológico, pois o
governo atual, mantendo a focalização e o financiamento, ora fortalece o primeiro
em detrimento do segundo, o que em alguns períodos acontece o oposto, invertendo
a ordem do fortalecimento, e, por conseguinte, invertendo o direcionamento da
política de ação.
No Serviço Social essa tensão lhe é inerente, a corrente divergente à
hegemonia da tendência de ruptura que marca a década de 90, faz parte do próprio
curso histórico da profissão. Trata-se de uma crítica de descrença das teorias
marxistas. Tal descrença transborda na saúde, em que a crítica do projeto
hegemônico da profissão sugere uma reatualização do discurso da cisão entre o
estudo teórico e a intervenção, bem como passa também pelo ceticismo da
aplicação de políticas públicas, e, principalmente, passa, segundo os autores, na
hipótese de que é mister construir um saber específico na área de saúde, que ora
caminha para uma negação da profissão do Serviço Social, ora avança a uma
exclusividade de estudos unilaterais da divisão da classe médica. O que, segundo
os autores, cabe, neste último plano assinar três expressões;
A primeira é a constatação de que ainda existe na categoria segmentos de profissionais que, ao realizarem a formação de saúde pública, passam a não se identificar mais como assistentes sociais, recuperando uma auto - apresentação de sanitaristas. A segunda tendência, na atualidade com mais vigor, é a de resgatar no exercício profissional um privilegiamento da intervenção no âmbito das tensões produzidas subjetivamente pelos
sujeitos e que tem sido autodenominada pelos seus executores como Serviço Social Clínico. E, por fim, percebe-se gradativamente o discurso da necessidade da criação de entidades ou da realização de fóruns de capacitação e debates dedicados à importância da produção do conhecimento sobre o Serviço Social nas diferentes áreas de especialização da prática médica.
35
Sobre essas assertivas os autores apresentam-nos algumas reflexões. Uma
dela diz respeito ao fato de os profissionais do Serviço Social exercerem outras
atividades na prática, não mais identificando suas ações como a de um assistente
social, como consequência, surge por vez de modo impensado a ideia de que fazer
Serviço Social é realizar apenas o conjunto de ações que historicamente lhe é
dirigido.
Outra questão está no obscurecimento da função social da profissão na
divisão do trabalho, se, por um lado, o assistente social deve dominar as teorias do
campo psi ou sobre doenças por outras, este aprofundamento não deve afastá-lo
dos objetivos da sua profissão, os quais passam pelos aspectos sociais, econômicos
e culturais. Assim, não se trata de agir sobre questões subjetivas vividas pelos
usuários em defender o trabalho daqueles assistentes que realizam trabalhos nas
diversas especialidades da medicina. Trata-se, pois, de formar profissionais com
uma visão generalista e não fragmentada como vem ocorrendo.
Portanto, segundo os autores, é importante que o trabalho do assistente
social tenha como cerne a busca da incorporação, dos conhecimentos e das novas
requisições à profissão. (BRAVO E MATOS: 2006, 213). Dessa forma, articulado aos
princípios dos projetos da reforma sanitária e ético-político do Serviço Social que
compreender-se-á se o profissional está respondendo satisfatoriamente às
necessidades apresentadas pelos usuários.
4.3 Serviço Social e Saúde Mental.
35 Op.cit.p.212.
O Serviço Social começa a atuar na saúde mental em 1943, com grande
influência do modelo americano, que era o movimento de higiene mental. Os
assistentes sociais atendiam de forma higienista, jovens e famílias nas instituições,
COI – Centro de Orientação Infantil e no COJ – Centro de Orientação Juvenil -, esse
trabalho era realizado através do estudo de caso, orientação familiar e comunitária e
entrevistas terapêuticas.
A partir de 1973, a inserção de profissionais de Serviço Social na área de
Saúde Mental é crescente, devido o MPAS – Ministério da Previdência e Assistência
Social e INPS – Instituto Nacional da Previdência Social preverem a importância da
formação de uma equipe multiprofissional para prestação de assistência ao doente
mental. Entretanto, para Bisneto (2005), essas portarias que incluíram o assistente
social na previdência, pretendiam bem mais ter o controle da assistência psiquiátrica
no âmbito previdenciário com ações racionalizadoras do que propostas terapêuticas.
Com o Movimento de Reforma Psiquiátrica no Brasil, as práticas em Saúde
Mental progrediram bastante, pois a reforma previa novas formas de atendimento ao
doente, o que proporcionou a contratação de novos assistentes sociais, visto que o
movimento ressaltava que a reabilitação social do paciente de transtorno mental
teria êxito, através de programas nas áreas de trabalho, habitação e lazer. Ações
que viabilizassem os usuários da rede de saúde mental, garantindo a eles um
tratamento completo psicológico e social.
Assim, os novos modelos de assistência Psiquiátrica, passam a necessitar de
equipes multiprofissionais que atendam as demandas nas suas especificidades. O
assistente social passa a ter um papel relevante no que diz respeito aos aspectos
sociais. O que para Bisneto são essenciais para um serviço integralizado de
assistência.
Bisneto (2005) destaca que, na prática dos assistentes sociais em
estabelecimentos psiquiátricos, o médico psiquiatra conta, no processo terapêutico,
com vários outros profissionais para suprir as demandas postas por seus pacientes e
o assistente social está entre eles. O Serviço Social atua fora do campo biológico ou
psicológico, voltando-se às questões de ordem social, no entanto este trabalho se dá
precisamente para manter os pacientes ―dentro dos parâmetros dado pelos
profissionais ―psi‖, fato que desagrada muitos profissionais que têm um pensamento
idealista, mas, que nem por isso, deixa de ser verdadeiro. Assim, o assistente social
trabalha, sobretudo, para manter o paciente no processo terapêutico. Contudo, para
que exista nisso uma funcionalidade prática efetiva na profissão, faz-se necessário,
segundo Bisneto, um modelo psiquiátrico em consonância a uma visão social
articulada com a problemática da loucura, ou seja:
uma Psiquiatria que veja a ―questão social‖ como inerente à assistência, a cidadania como elemento crucial na reabilitação psicossocial, como uma crítica à sociedade de classes e às políticas neoliberais.( BISNETO, 2005 117)
O que foi, segundo o autor, intenção viva do Movimento da Reforma
Psiquiátrica, o qual hoje parece distante. No entanto, mesmo outros profissionais se
manifestando acerca da problemática, o Serviço Social tem uma função singular,
relevante e ímpar.
A questão da Seguridade Social é exemplar. O assistente social atua quando
o estabelecimento é intrínseco a ela, os profissionais ―psi‖ não dão conta desse
domínio. Segundo Bisneto (2005), o Brasil por ter um sistema médico e psicológico
com um modelo clínico e privatista, e, por conseguinte, oneroso para ser aplicado na
Previdência, tem no assistente social o mantenedor da associação entre Saúde,
Previdência Social e Assistência Social, por ele atuar no modelo previdenciário.
Assim, a desobrigação da necessidade de assistentes sociais na equipe
multiprofissional - nas recentes normas que regem os CAPS - tem como
consequência a redução da assistência que deve ser global, integralizada e
universal, a um projeto terapêutico ( BISNETO: 2005 118).
Dessa forma, o Serviço Social estando intrinsicamente amalgamado com
outras áreas do conhecimento e delas se apropriando para fazer uma leitura crítica,
pode corresponder às demandas impostas pela profissão. Logo, a ação prática dos
assistentes sociais deve contemplar área "psi" e "soci" e por meio delas realizar o
acolhimento, oficinas, redes de atenção, visando à cidadania, a autonomia do
sujeito, bem como a inserção da família no tratamento do paciente, considerando
sempre uma totalidade social.
4.4 O Serviço Social no Hospital de Custódia
O Serviço Social na instituição foi implantado em 1973 e foi o primeiro Setor
Técnico a se organizar no Hospital, sendo a assistente social Maria Cecília a 1ª
chefe Técnica do antigo Manicômio.
Nos anos 80, o setor chegou a contar com nove assistentes sociais. As
orientações processuais eram feitas pelo Serviço Social, devido a não existência de
setor especifico, assim como o Administrativo e o Jurídico. Nessa época, por volta de
86, o quadro de funcionárias diminuiu, ficando apenas cinco, sucumbindo outras
duas mais tarde, o que levou o hospital a ter no ano de 1991 três assistentes sociais
para atender a grande demanda.
No período existiam Licenças experimentais, onde os pacientes saiam para
passar a páscoa, natal e ano novo em casa, e isso também era uma tarefa das
assistentes sociais.
Atualmente, o Hospital de Custódia tem oito assistentes sociais que atuam
diariamente nas unidades e fazem escala de plantões aos finais de semana, o que
fortalece bastante o trabalho das profissionais no que concerne à intervenção com
famílias e pacientes.
As atividades do setor de Serviço Social são inúmeras, no hospital as mais
usuais são:
fazer o atendimento inicial com o paciente, objetivando sua identificação e o
orientando sobre a instituição, entrevista para estudo social, localização e
contato com familiares para informá-los da entrada dos pacientes;
atender conforme a solicitação do paciente, em que as profissionais os
orientam e os encaminham para os setores competentes;
fazer contatos telefônicos ou através de cartas e telegramas com seus
familiares;
promover contatos através de ofícios a delegacias, presídios e outras
instituições para colher dados mais objetivos sobre o paciente ou para
localização de familiares; informações quanto ao INSS e fornecimento de
declarações para aquisição de beneficio e manutenção dos mesmos, neste
caso apenas quando a família é presente;
auxiliar com suas informações os peritos na elaboração do parecer, quanto ao
interesse e respaldo familiar;
fazer mais ou menos duas vezes ao ano revisão, visando ao atendimento
daqueles pacientes que nunca as procuram;
atuar na liberação do paciente.
Com o Alvará de soltura - fazem contato com a família para ela acompanhar a
saída do paciente.
No que tange a licença terapêutica36, a solicitação é feita por familiares no
Serviço Social onde começa o processo das avaliações.
Para a Desinternação Ambulatorial, entram em contato com familiares visando
a confirmação do endereço onde o paciente vai residir e orientação quanto ao local
em que ele fará o tratamento ambulatorial37; na desinternação de Hospital Comum38,
também fazem contato para confirmarem o interesse que a família tem em receber o
paciente, o endereço em que vai residir depois da alta hospitalar e contato com
diversas Diretorias da Saúde para solicitação e obtenção de vagas.
Segundo as assistentes sociais, esta tarefa é na maioria dos casos morosa e
desgastante, pois estas diretorias trabalham cada uma de forma diferente, não
36 Liberação do paciente para visitar a família aos finais de semana e em datas comemorativas. Isso ocorre de forma autônoma ou acompanhada de uma assistente social. 37 Tratamento através de Hospitais Psiquiátricos e CAPS. 38 Hospitais que atendam a especialidade em psiquiatria.
existido uma rotina a seguir, o que na maioria das vezes fragmenta o trabalho. As
profissionais também apontam que muitos dos hospitais que resistem em receber
os pacientes demonstram discriminação por eles serem doentes mentais que
cometeram delitos.
Para as profissionais, aos olhos dos outros, parece tudo muito simples, o que
elas fazem no dia a dia na instituição, porém o trabalho é árduo, pois tudo começa
depois do atendimento ao paciente. A tentativa de localizar a família é morosa,
pesquisar o prontuário várias vezes para tentar algum novo subsidio e não ter êxito,
enviar ofícios que demoram chegar, respostas e muitas vezes, quando respondem,
são negativas, é cansativo esse processo, o que por vezes as desmotivam perante
tantas dificuldades e acaba contribuindo no desinteresse do paciente em aceitar o
tratamento. Ainda ressaltam que pelo número de profissionais, fazer tudo isso é
difícil. As assistentes sociais discursam que para um trabalho satisfatório, o ideal
seria ter mais profissionais, recursos humanos, material e financeiro. Também seria
bastante relevante se o Hospital de Custódia fosse descentralizado em pequenos
Hospitais nas diversas regiões do Estado, pois isto possibilitaria uma melhor atuação
do Serviço Social, principalmente na reintegração do paciente no meio familiar e
social.
Percebe-se que mesmo com tais funções que as assistentes sociais fazem, o
Serviço Social é bastante limitado, pois, há poucos projetos que viabilizem os
pacientes no que diz despeito a ociosidade, visto que eles passam a maior parte do
tempo dormindo ou no pátio fumando, jogando bola e por vezes tentado improvisar
algo de que eles gostam, como tocar algum instrumento e cantar. Ao indagarmos as
profissionais o por que da falta da implantação de projetos que venham de encontro
com o que os pacientes gostam a retórica é frequentemente a mesma, a falta de
recursos para essa realização é imensa. Entretanto, nessa perspectiva IAMAMOTO
ressalta que,
no Serviço Social, o desafio é redescobrir alternativas e possibilidades para o trabalho profissional no cenário atual; traçar horizontes para a formulação
de propostas que façam frente à questão social e que sejam solidárias com o modo de vida daqueles que a vivenciam, não só como vitimas, mas como sujeitos que lutam pela preservação e conquista da sua vida, da sua humanidade. (IAMAMOTO, 2006, 75)
Assim, é importante que o assistente social esteja atento as necessidades dos
sujeitos inseridos na instituição, traçando ações criativas que proporcionem a eles
uma realidade diferente daquela vivenciada coditianamente.
Durante o estágio vimos que as assistentes sociais enfrentam várias
dificuldades no ambiente de trabalho, devido a precariedade de espaço e
ferramentas que otimizariam suas tarefas. Oito profissionais dividem uma sala de
aproximadamente 4 mt² com apenas quatro mesas, quatro cadeiras, um
computador, um aparelho telefônico e um armário para arquivar as fichas dos
pacientes;.sem contar a imensa dificuldade que eles têm para chegar ao local de
trabalho. Ora, em se tratando de uma instituição pública como a que estamos
analisando pensamos que o Estado a trata, insatisfatoriamente, no que diz respeito à
questão estrutural, física e, sobretudo, tecnológica, uma vez que não oferece
subsídios mínimos à essas profissionais, logo não promove a otimização de um
trabalho técnico mais qualificado. Dessa forma, tais profissionais estão de maneira
subserviente à disposição dessa organicidade e para o seu bem-estar físico, mental
e social.
Ainda que dispondo de relativa autonomia na efetivação de seu trabalho, o assistente social depende, na organização da atividade, do Estado, da empresa, entidades não-governamentais que viabilizam aos usuários o acesso aos seus serviços, forneçam meios e recursos para sua realização, estabelecem prioridades a serem cumpridas, interferem na definição de papéis e funções que compõem o cotidiano do trabalho institucional. (IAMAMOTO, 2006, 63)
4.5 Análise da Pesquisa
A Reforma Psiquiátrica traz como principal objetivo assegurar aos portadores
de saúde mental o acesso aos direitos sociais de forma integral e igualitária, para
que estes possam exercer sua cidadania com dignidade e serem respeitados na
sociedade.
Portanto, tratou de acabar com os manicômios e apresentar estratégias que
rompessem totalmente com o antigo tratamento dado aos Portadores de Transtornos
Mentais, já que estas ações não só violavam seus direitos humanos no asilamento,
como também cooperava com a exclusão desses indivíduos e aumentava o estigma
de uma sociedade excludente que os consideravam pessoas invisíveis.
A inserção ampla do Serviço Social nesse cenário foi de suma importância,
uma vez que o papel fundamental da profissão é a luta pela ampliação e efetivação
dos direitos humanos e justiça social de forma universal e igualitária. E é a partir
dessa perspectiva da Reforma Psiquiátrica na saúde mental, que decorremos nossa
pesquisa, no que tange a atuação do Serviço Social com pacientes e família no
HCTP de Franco da Rocha.
Realizamos nossa pesquisa empírica no Hospital de Custódia e Tratamento
Psiquiátrico de Franco da Rocha, onde atuam oito assistentes sociais, porém
entrevistamos apenas duas. Isso se deu devido à indisponibilidade da maioria das
profissionais. A pesquisa utilizou como instrumento de coleta de dados empíricos de
entrevista com as assistentes sociais supracitadas.
As entrevistas foram marcadas com as profissionais e realizadas no mês de
novembro de 2010, num período de três horas no HCTP. Cada profissional
respondeu um questionário composto de onze perguntas, com as quais tentaremos
investigar como se dá a atuação do Serviço Social na instituição com pacientes e
família.
Os dados obtidos das entrevistas foram coletados através de um gravador e
logo após, as respostas foram transcritas para fazermos uma leitura reflexiva e nos
apropriarmos das questões que apresentavam maior coerência ao nosso estudo.
Percebemos com os dados coletados na nossa pesquisa que as palavras que
permearam a maioria das respostas dadas pelas assistentes sociais foram ―família‖
e ―paciente‖, mesmo estando numa conotação diferente.
1) Quanto tempo você trabalha na instituição e qual é o papel do Serviço Social na instituição?
Assistente social 1: Dezenove anos. O Serviço Social atuando no campo da Saúde Mental, a prática refere-se ao âmbito da seguridade social, o que coloca a ―questão social‖ como centralidade das preocupações da profissão também nessa área, analisando a organização de assistência psiquiátrica, desvelando as reações econômicas, políticas e ideológicas que atravessam as práticas institucionais. Estabelece base para uma metodologia de ação pela articulação entre Serviço Social e Saúde Mental sob um ponto de vista histórico e social. Assistente social 2: Aqui no HCTP, estou desde março de 2009, mas no funcionalismo Público Estadual exerço as atividades de 1990. O Serviço Social através dos instrumentais é de suma importância para executar e sistematizar as ações junto aos pacientes e familiares através da mediação, bem como o intercâmbio com as outras instituições no que tange aos encaminhamentos para área social e de saúde na pós-desinternação.
A atuação dos assistentes sociais na saúde mental junto às famílias é
histórica; na década de 40 o trabalho dos profissionais nas instituições era voltado à
infância com as crianças que eram consideradas problemáticas. Depois disso os
profissionais passam a atuar nas portas dos hospitais para realização de
levantamentos de dados sociais dos PTMs e seus familiares; confecção de
atestados sociais e encaminhamentos para a rede sócioassistencial e divulgação de
informações e orientações sociais principalmente para regularizar a documentação e
ter acesso aos benefícios sociais e aposentadorias. (ROSA e MELO: 2009).
Percebemos nas duas falas, que o papel das assistentes sociais na instituição
teve um grande avanço à medida que as profissionais passaram a atuar cada vez
mais com instrumentais técnico-operativos, que possibilita um novo agir profissional
com supremacia no atendimento, respondendo as demandas postas no cotidiano da
instituição e rompendo com as limitações e o imediatismo da profissão de um
passado recente. Assim, colocando a questão social na área da Saúde Mental de
forma centralizada no papel do Serviço Social, tendo, dessa maneira um modelo
psiquiátrico em consonância a uma visão social articulada com a problemática da
loucura (BISNETO: 2005 P. 118). O Serviço Social na instituição visa, por meio da
mediação, desenvolver seu aspecto funcional garantindo o sucesso das ações junto
ao paciente e família, bem como permitir a continuidade da assistência.
2) Como é a atuação do Serviço Social no cotidiano da instituição?
Assistente social 1: A atuação do Serviço Social no cotidiano da instituição está embasada na relação Serviço Social e paciente e Serviço Social e família. Atua também na elaboração de diagnóstico social do paciente; acompanhamento permanente do comportamento dos pacientes prestando a devida assistência na solução dos problemas; contatos diversos aos recursos do desenvolvimento das políticas públicas de saúde mental; reuniões com profissionais de outras áreas para estudo de casos, entre outros. Assistente social 2: Acolhimento, procedimentos e providências das demandas apresentadas pelos pacientes. Orientações para as dúvidas apresentadas pelas famílias.
As respostas dadas pelas assistentes sociais indicam a importância do
vínculo entre família e paciente. A preocupação das profissionais em fortalecer esses
vínculos de paciente e família demonstra o quanto o Serviço Social no HCTP
contribui para manutenção dessas relações afetivas. Ora, o Serviço Social se
apresenta como o setor mais procurado na instituição pelos pacientes e família, com
isso compreende- se que eles reconhecem que o Serviço Social busca efetivar seus
direitos sociais, à proporção que os assistentes sociais procuram traçar ações que
venham ao encontro das necessidades postas por eles no cotidiano na instituição,
apontando para as famílias estratégias que possam minimizar o sofrimento e
constrangimento da doença mental do familiar e do ato que cometeu, fazendo com
que ela consiga separar o ato, seja infracional ou homicida, da doença.
3) Como o Serviço Social contribui para o tratamento do paciente?
Assistente social 1: O Serviço Social contribui para o tratamento do paciente diante de conscientizá-lo e também aos seus familiares da doença mental por ora acometida. Assistente social 2: Através da escuta qualificada, tanto do paciente e também da família.
Tanto a conscientização, ressaltada na primeira fala, quanto a escuta
qualificada, colocada na segunda fala das assistentes sociais, mostra-nos a
importância da família na recuperação do paciente. Essa ação dialógica serve,
geralmente, para que a família passe a refletir sobre seus direitos sociais e os
busquem de forma autônoma para exercer sua cidadania sem precisar ficar
aprisionadas ao medo e a vergonha de ter um PTM, já que, muitas vezes, a família
torna-se vítima do preconceito da sociedade e acaba por se isolar. Frequentemente,
o familiar cuidador se esconde no lar para cuidar da pessoa com transtorno mental e
por não ter nenhum preparo para cuidar, não consegue suportar a pressão social e o
estigma que também o atinge e, enquanto não são orientados para o entendimento
da doença, a família passa por confrontos com a pessoa com transtorno mental.
(ROSA e MELO: 2009). A autora mostra a dificuldade da família no conhecimento da
doença, na maneira de lidar com os cuidados que o PTM necessita, e o medo da
rejeição da sociedade perante essa situação. Em outra obra a autora propõe que:
a interação das pessoas na sociedade, a criação de laços de amizade, culturais, de comunidade, de trabalho e/ou estudo, de solidariedade etc.,não só constitui importantes bases de apoio ao indivíduo e a família em momento de crise como também impedem o adoecimento, e em determinado casos , a recaída.( ROSA: 2010, p. 255 )
A demanda que as assistentes sociais do HCTP atende perpassa essa
conotação, haja vista que as profissionais atuam com pessoas com transtornos
mentais que ao surtarem mataram alguém. E a tarefa de fazer com que a família e a
sociedade entenda que tal ato não foi premeditado não é fácil, o que coopera com a
dificuldade em fazer valer os direitos desses indivíduos dentro de uma instituição
que ao mesmo tempo que oferece tratamento a eles, às vezes, os massificam por
trás dos muros.
4) Que fatores dificultam a atuação do Serviço Social na instituição?
Assistente social 1: No momento, neste hospital existe falta de recursos humanos e a falta de estrutura física para um bom desenvolvimento do nosso trabalho. Assistente social 2: Falta de estrutura física na própria Instituição como salas inadequadas, falta de investimento maior nos projetos a serem implantados, falta de técnicos (Assistentes Sociais) para comporem a equipe interprofissional nas 11 unidades da instituição.
Percebemos que as dificuldades relatadas se dão nos âmbitos estruturais e
de pessoal, o que acontece na maioria das instituições públicas. No caso da
estrutura física, parece-nos de difícil resolução, já que o investimento nessa pasta é
oneroso e, dependendo do interesse de retorno político, nunca se concretiza. No
outro lado, está o investimento em recursos humanos, o que também se faz a
passos lentos no serviço público, sobretudo, serviços que são destinados a camadas
mais necessitadas ou vulneráveis da população, o que reflete, muitas vezes, na má
qualidade do serviço prestado. Assim, no caso que Bisneto analisa em seu artigo, a
desobrigação da necessidade de assistentes sociais na equipe multiprofissional -
nas recentes normas que regem os CAPS - tem como consequência a redução da
assistência que deve ser global, integralizada e universal, a um projeto terapêutico
(BISNETO: 2005, 118).
5) Como é a atuação com pacientes e família?
Assistente social 1: A atuação se dá diante da minimização das situações da ruptura do laço social com intervenções e cuidados constantes, fortalecendo vínculos afetivos, através de ações centradas na família, possibilitar o acesso a rede de serviço público, em especial a saúde e assistência social, participar de projetos multiprofissionais em consonância ética com a Reforma Psiquiátrica, entre outros.
Assistente social 2: Bastante ansiosos quando vem para o tratamento, tanto os pacientes quanto as famílias.(...) Cabe ao Serviço Social efetivar o acolhimento e refletir sobre os anseios de ambos os lados, que não depende de nós (funcionários) e sim de fatores como a parte judiciária, disponibilidades de vagas, desigu... depende de artigos, etc.
A atuação do Serviço Social em ações que contribui para o acesso desses
sujeitos aos recursos sociais no âmbito da seguridade social é o que, na maioria das
vezes, possibilita às famílias visitar os pacientes, mesmo aquelas que residem num
lugar de difícil acesso. Essa minimização das situações de ruptura, ressaltada pela
assistente social 1, é o que garante a inter-relação dos envolvidos, visto que a
maioria dessas famílias não possuem uma renda fixa ou estão desempregadas e,
quando não conseguem algum benefício social, rompem, definitivamente, os laços
com o paciente. No entanto, às vezes, esses benefícios têm causado impactos
negativos. Isso ocorre quando o PTM passa a receber benefícios como
aposentadoria, auxílio doença, etc, e a família responsável pelo recebimento passa a
não mais frequentar a instituição na medida em que consegue o auxílio. O que em
alguns casos contribui na negação do paciente perante o tratamento, colocando
mais um desafio para as assistentes sociais, que é a busca incessante por estas
famílias para averiguar o que realmente provocou o abandono do paciente e tentar
uma nova reaproximação desses laços. Processo que, às vezes, leva anos e,
quando é alcançado as profissionais têm que traçar estratégias que demonstrem à
família o quanto sua presença é importante para o tratamento do paciente, e,
sobretudo, na sua reinserção social ao sair da instituição, já que o paciente tem mais
chance de ser reintegrado ao meio social quando a família se manifesta como
responsável pelo seu tratamento ambulatorial, pois o tratamento do PTM é contínuo.
E é essencial que ele tenha o apoio familiar, um lugar para morar e alguém que se
responsabilize pelos cuidados e medicação. Portanto, o Serviço Social na instituição
atua diretamente com a família e paciente, seja na efetivação de seus direitos, seja
na manutenção da relação familiar.
6) Os pacientes reconhecem o trabalho do Serviço Social?
Assistente social 1: Podemos dizer que o Serviço Social é um setor dos mais procurados pelos pacientes deste hospital. Assistente social 2: Bastante, é o primeiro contato da instituição com o paciente, portanto, somos requisitadas.
Trabalhar no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Franco da
Rocha requer das profissionais um amplo entendimento das demandas que são
colocadas para a profissão. As profissionais precisam elaborar estratégias que as
possibilitem conhecer a realidade da família e paciente, procurando compreender os
aspectos políticos, sociais e econômicos desse público para responder as questões
que lhes são atribuídas no cotidiano da profissão. Assim, de acordo com a fala das
assistentes sociais, esse comprometimento é reconhecido pelos pacientes de
maneira instintiva e, segundo Bisneto (2005), se considerarmos que cidadania,
direitos sociais, integração social de forma crítica, inclusão social e, por fim,
resistência à alienação social, possa ter um conceito amplo de processo terapêutico,
ou seja, todos esses conceitos possam ter alcance terapêutico, a ação da assistente
social é terapêutica, portanto, a busca dos pacientes à essas profissionais é
constante.
7) Como ocorre a interdisciplinaridade com os outros profissionais?
Assistente social 1: Através de reuniões de equipe (médico, assistente social, enfermagem, segurança, psicólogo) com o setor jurídico, contato muitas vezes, para poder informar aos pacientes e seus familiares sobre a sua situação, pois estes pacientes não são pacientes psiquiátricos de um hospital comum e sim do Sistema Penitenciário e todos que aqui se encontram cometeram um delito. Temos o grupo operativo, onde o Assistente Social participa com o psicólogo e pacientes, entre outros.
Assistente social 2: As 11 unidades possuem equipes de atuação no local, as reuniões acontecem de acordo com a disponibilidade dos profissionais.
Percebemos nas duas falas que a questão da interdisciplinaridade não foi
abordada profundamente. Parece-nos muito mais harmonioso nas respostas das
assistentes sociais do que temos verificado no enriquecimento crítico do caso.
Bisneto (2005), por exemplo, ressalta que existem muitos conflitos de interesses na
Saúde Mental, assim como em toda prática social. Contudo, o fato do Serviço Social
não ser mandante nesse setor o sujeita a várias ambiguidades. No entanto, Bisneto,
alerta-nos – e o que pode explicar as respostas acima dadas pelas assistentes
sociais – que tal desarmonia é inerente, sobretudo, com a área ―psi‖, à posições
estruturais dos diversos técnicos envolvidos e não nas suas posições pessoais.
Outra constatação, é que, nas respostas, fica evidente o lado do agir da profissão
em seu aspecto positivo, e não reflexões verticais acerca de tais conflitos conceituais
e de ação.
8) Que relação o Serviço Social estabelece com rede de serviços?
Assistente social 1: No período em que o paciente encontra-se internado, o contato é efetuado através das orientações e com a família... Assistente social 2: São estabelecidos de acordo com a demanda apresentada tanto dos pacientes quanto dos familiares. Na maioria das
vezes de cunho social e jurídico.
Por ser uma instituição que tratam de PTMs que cometeram delitos, além da
área ―psi‖, também existe a jurídica que acaba condicionando a atuação diária das
profissionais, e as proporciona novos desafios. Percebemos, no entanto, nas
respostas que as assistentes sociais estão em consonância com o Serviço Social
contemporâneo.
9) Quais os desafios postos ao Serviço Social na instituição?
Assistente social 1: Tudo é muito difícil na instituição e, diante da falta de recursos deixamos muitas vezes de desenvolver projetos, todos feitos de acordo com o que a instituição oferece, sendo o mínimo e da maneira como pode ser desenvolvido. Assistente social 2: Devido à falta de investimento nos projetos, muitas vezes necessitam que os próprios técnicos medeiem com as comunidades para que ocorra a implantação, mesmo que de forma precária dos projetos e doações. Existem também muitas visitas das faculdades como a Unicsul, UNIP, Mairiporã, etc, para acontecer o Projeto ―Cozinha Terapêutica‖ na Normativa II, onde exerço minhas atividades, solicitamos doações de gêneros alimentícios, uma vez que o objetivo é a confecção do ―bolo confeitado‖ para ocorrer a festa do aniversário do mês.
A primeira fala introduz, de certa maneira, as consequências postas na
segunda fala das assistentes sociais. Diante da falta de recurso, já relatada na
questão 4 desse questionário, percebemos que fatores físicos estruturais e de
recursos humanos, podem acarretar, como já dissemos, na falta de qualidade na
prestação do serviço, que se extrema da questão teórica, em outras palavras, o que
na teoria contemplamos um Serviço Social voltado a cidadania integrada
dialeticamente com outras áreas de atuação, na prática ainda estamos nos
deparando com falhas basilares de estrutura e contratação de pessoal, o que fica
mostrado na segunda fala. A falta de recursos, por mais óbvios que sejam, gera a
falta de projetos consistentes e contínuos e, principalmente, de qualidade. Assim, o
trabalho da instituição e a intervenção profissional do assistente social ou de outros
profissionais, ficam comprometidos em termos de alcance de resultados.
10) Quais os mecanismos desenvolvidos pela instituição que promovam a atualização da formação profissional?
Assistente social 1: Cursos oferecidos pela SAP – Secretaria de Administração Penitenciária, para conhecimento da atuação junto aos pacientes psiquiátricos e sempre em conjunto com a Coordenadoria da Saúde do Sistema Penitenciário, uma vez que nosso Hospital, pertence ao Sistema Penitenciário. Assistente social 2: Alguns cursos efetuados pela SAP – Secretaria da Administração Penitenciária em conjunto com a Coordenadoria da Saúde do Sistema Penitenciário.
Nesse ponto, podemos observar algo interessante e que, de certa forma,
desvirtua a atualização da formação profissional do assistente social. Não negamos
a importância dos cursos oferecidos pela SAP – Secretaria de Administração
Penitenciária – entretanto, se o Serviço Social é inerente à ação ―soci‖, sentimos
falta nas respostas das assistentes, além desses cursos, de uma atualização teórica
nas áreas de outros conhecimentos como a sociológica, filosófica e antropológica.
Talvez ainda para todos os profissionais envolvidos, de todas as áreas não só para o
serviço social, não para desviarem suas ações práticas, mas, sobretudo, para que a
interdisciplinaridade seja realmente efetiva e proveitosa e que contribua como um
todo para a recuperação do paciente. Bisneto (2005) expõe uma situação atual em
que se o assistente social se flexibiliza entre um a teoria social e uma teoria ―psi‖.
Ora, tal esforço, embora seja positivo, não deixa de ser vão, na medida em que
acaba por não integrar os dois saberes. Como proposta para a valorização da
prática do Serviço Social em Saúde, Bisneto indica a articulação dos objetos das
duas áreas, ou seja, uma vez entendidos os fenômenos que ligam a questão social à
loucura e o papel da assistência social e da assistência psiquiátrica, poder-se-á
relevar tal articulação desses profissionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho nos permitiu uma reflexão sobre a atuação do Serviço Social
com pacientes internados no Hospital de Custódia para tratamento psiquiátrico e
cumprimento de Medida de Segurança, também se pode constatar as ações que as
assistentes sociais desenvolvem viabilizando a manutenção dos vínculos afetivos
entre pacientes e família, e percebemos ainda a necessidade de que haja recursos
financeiros que possibilitem melhores condições de trabalho para as profissionais,
para que elas possam planejar estratégias que venham a atender a demanda na
totalidade de forma qualificada.
Mesmo com as Políticas Sociais que têm como dever assegurar a igualdade e
dignidade conforme as diretrizes da Declaração Universal dos Direitos Humanos e,
ainda segundo a Lei da Reforma Psiquiátrica que dispõe sobre a proteção e os
direitos, tendo como proposta de redirecionamento de modelo assistencial de saúde
mental, os pacientes vivem em condições precárias tanto na estrutura física como
nos recursos para ampliação de projetos, uma vez que os já existentes não superam
as necessidades postas pelos pacientes, os quais poderiam contribuir para
tratamento e promoção de uma melhor qualidade de vida, já que o Estado garante
tais direitos.
Portanto, cabe ao Serviço Social, uma atuação fundamentada nos conceitos
ético-políticos, visando novas possibilidades de intervenção, pois, para a realização
de uma prática comprometida com os interesses dos usuários voltada para a
concretização dos direitos sociais, depende de um trabalho crítico reflexivo, que
ultrapasse as limitações impostas pela instituição, desde que tal ação esteja dentro
da sua ética profissional.
É notório que está acontecendo mudanças relevantes no que concerne o
modelo assistencial nas instituições de saúde mental no Brasil, o que vem
contribuindo de forma eficaz e efetiva para o desenvolvimento humano e social dos
portadores de transtornos mentais, porém, para que isso permaneça, as categorias
profissionais e a sociedade civil devem se articular e se organizar, para a
concretização de uma Reforma Psiquiátrica mais autêntica que garanta uma rede
ampla que reduza o isolamento e a exclusão dos portadores de transtornos mentais,
principalmente aos usuários dos Hospitais de Custódia, que por terem cometido
delitos mediante ao transtorno mental, são estigmatizados pela sociedade.
Torna-se necessário que o Estado garanta que as políticas públicas sejam
inseridas de forma mais abrangente nos Hospitais de Custódia, com projetos que
promovam a reabilitação dos PTMs, com qualidade de vida, seja psico-social como
também na social, oferecendo a eles oportunidades de se auto ajudar com o
desenvolvimento de suas capacidades em cursos técnicos profissionais, trabalhos
artesanais, trabalhos artísticos, ou seja, implantar ações que os favoreçam dentro de
suas expectativas e não impondo a eles aquilo que de certa forma coopera mais
com a exclusão. Pensar neles como seres humanos que têm direitos e deveres
mudaria totalmente a realidade de suas vidas e minimizaria a ociosidade, que só os
maltrata a cada dia, pois passam o dia inteiro em um pátio que só oferece a eles um
recanto para fumar. Pensando naqueles que estão do lado de fora de tal situação,
mas sofrem com a exclusão da sociedade, é preciso que haja também estratégias
que promovam a prevenção da saúde mental antes que eles possam ir parar num
desses hospitais perdendo muitas vezes, a possibilidade de ter uma vida social
digna, a afetividade da família e o direito de exercer sua cidadania.
Para a efetivação de tais propostas, citaremos o que Bisneto (2005) aponta
como uma maneira a ser tratada.
As políticas sociais, quando impostas de cima, podem ser modificadas pelos técnicos quando eles têm um conselho profissional que zela pela profissão: um regulamento da categoria, um código de ética, uma profissão organizada. (BISNETO,2005, 121)
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