GRAD20_DIR-EMP_CONTEÚDO COMPLETO.pdf
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DIREITO EMPRESARIAL
1
DIREITO EMPRESARIAL
Graduação
DIREITO EMPRESARIAL
13
UN
IDA
DE 1 EMPRESA, EMPRESÁRIO E
ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
O novo Código Civil brasileiro entrou em vigor em janeiro de 2003,
trazendo significativas mudanças, principalmente nas questões ligadas ao
desenvolvimento da atividade econômica. Analisando-o a partir de seu artigo
966, encontramos os conceitos de empresa, empresário e estabelecimento
empresarial; termos estes que são objeto de estudo desta unidade. A
compreensão de cada um deles é imprescindível para o aprendizado das
próximas unidades, portanto, dedique-se com atenção ao estudo desta
Unidade.
OBJETIVOS DA UNIDADE:
Demonstrar a importância do Direito Empresarial no cenário econômico
nacional, relacionando-o aos demais ramos do Direito; apresentar elementos
conceituais e teóricos, além de experiências práticas dos aspectos jurídicos
que norteiam as decisões dos alunos; trazendo-lhes alto nível de
conhecimento, tornando-os aptos para dirimir questões de grande relevância
do mundo jurídico empresarial; desenvolver a capacidade do aluno de
conhecer e aplicar em sua atividade diária os conceitos que sustentam a
atividade econômica, objeto de nosso estudo; proporcionar ao aluno
competência para aplicar o conhecimento teórico ministrado neste material
às situações simuladas ou reais; permitir que o estudante compreenda a
importância de se adequar toda e qualquer decisão ao que está previsto em
lei, evitando assim, futuros problemas jurídicos; despertar em cada estudante
que é seu dever divulgar o aprendizado de toda e qualquer matéria, sendo
sua obrigação tornar-se um distribuidor do conhecimento.
PLANO DA UNIDADE:
• A teoria da empresa no direito brasileiro.
• Regime jurídico empresarial: obrigações gerais dos empresários.
• Registro de empresas e livros comerciais.
• Elementos do estabelecimento empresarial.
• A marca e a proteção ao título do estabelecimento.
Bons estudos!
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
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INTRODUÇÃO AO DIREITO
Antes de adentrar a abordagem do tema em comento, faz-se necessário
compreender a formação desta ciência chamada Direito.
Desde os primórdios, o homem procurou agrupar-se visando atingir um
bem comum, unindo as características físicas e mentais de cada indivíduo
para melhorar a produção de bens de uso e consumo. Entretanto, a vida em
conjunto sempre exigiu a criação de normas de conduta aptas a manter a
paz e a harmonia da sociedade.
A própria evolução do homem obrigou-o a começar a estudar tais normas
de conduta, observando o interesse da sociedade e transformando em lei, o
mínimo de comportamento exigido para que os homens pudessem conviver
em harmonia.
Anteriormente às leis, existiam apenas normas de ordem “MORAL”, criadas
com o tempo, por um determinado agrupamento social, seguindo seus
costumes e tradições, o que nos permite compreender que essas normas
variavam de região para região.
Desta forma, podemos dizer que “Moral” consiste em um conjunto de
regras de conduta do indivíduo enquanto membro de uma sociedade, sendo
cumprida de maneira espontânea e sofrendo variações conforme o processo
de evolução de cada agrupamento social. As transgressões das normas
morais recebem apenas uma resposta imediata dos membros do grupo, como
por exemplo, a crítica, o isolamento, o afastamento etc.
Todavia, para que a sociedade possa viver pacificamente, não bastam
apenas normas morais; é necessário que exista também um conjunto de
normas rígidas, que punam os infratores, visando inibir a repetição da
transgressão. Por esse motivo surgiu o DIREITO.
Para Georg Jellinek, “o Direito representa apenas o mínimo de Moral
declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver”. Essa linha
de pensamento deu origem à Teoria do Mínimo Ético, que pode ser
reproduzida através da imagem de dois círculos concêntricos, sendo o círculo
maior o da Moral, e o círculo menor, o do Direito.
Haveria, portanto, um campo de ação comum a ambos, sendo o Direito
envolvido pela Moral. Desta forma, podemos dizer, de acordo com essa
imagem, que “tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é
jurídico”.
Essa teoria sofreu algumas críticas: será certo dizer que todas as normas
jurídicas estão no plano moral? Será mesmo que o bem social sempre se
realiza com plena satisfação dos valores da subjetividade, do bem pessoal
de cada um? Para melhor compreensão, imaginemos o seguinte caso: um
motorista de caminhão, antes de viajar, faz uma revisão em seu veículo e a
concessionária declara que ele está em perfeitas condições de uso. Durante
a viagem, um dos pneus estoura e o motorista perde o controle, vindo a
atropelar um “carona” que estava à margem da rodovia, matando-o
imediatamente. Pergunta-se: o motorista, que avaliou seu veículo e trafegava
DIREITO EMPRESARIAL
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em velocidade compatível com o local, desrespeitou alguma norma moral?
Somos da opinião que não. Todavia, agindo dessa forma, diante da legislação
vigente, temos que o motorista desrespeitou uma norma de direito: matar
alguém! (Art. 121 do Código Penal).
Para suprir essa “falha” da teoria acima, surgiu então, a chamada Teoria
da Coercibilidade, criada por Hans Kelsen, na qual “o Direito é uma ordenação
coercitiva da conduta humana”.
Segundo esta Teoria, aquele que desrespeita certa norma jurídica, será
COAGIDO pelo Estado a fazer algo, ainda que contra sua própria vontade,
como por exemplo, indenizar alguém que lesou ou até mesmo ser preso.
Para melhor entender tal teoria, se faz necessário compreender que a
palavra coação apresenta duas acepções distintas para a área jurídica.
Em um primeiro sentido, coação significa a violência física ou psíquica, que
pode ser praticada contra uma pessoa ou um grupo de pessoas. A mera
violência não é uma figura jurídica, mas quando se contrapõe ao Direito,
torna anuláveis os atos jurídicos. Nessa acepção genérica, a palavra coação
é, de certa maneira, sinônimo de violência praticada contra alguém.
Exemplos:
1) O assaltante que exerce violência está coagindo a vítima a
entregar os seus pertences.
2) Cidadão que pressiona (coage) alguém a assinar determinado
contrato que lhe dá certos benefícios.
Num segundo momento, a palavra coação apresenta-se como sendo a
manifestação do poder estatal utilizado em defesa do cumprimento do direito
ou, nas palavras de Miguel Reale, “quando a força se organiza em defesa do
cumprimento do Direito mesmo é que nós temos a segunda acepção da
palavra coação”.
E é esse segundo significado que importa, pois, o que irá distinguir o
Direito da Moral é justamente o fato de haver punição prevista em lei para o
infrator no campo do Direito, enquanto na Moral, somente há a crítica, o
isolamento, etc.
A TEORIA DA EMPRESA NO DIREITO BRASILEIRO
O surgimento do Direito Empresarial ocorreu há longa data, mais
precisamente com a publicação do Código Comercial, através da Lei nº. 556,
de 25 de junho de 1850.
Este Código, que trazia em seu conteúdo normas de conduta para os
exercentes dos atos de comércio, foi embasado no Código Comercial Francês,
de 1808, e foi tão bem elaborado que somente com a publicação do novo
Código Civil, em 2002, que o Código Comercial brasileiro deixou de ser fonte
do Direito.
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
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Ressalte-se ainda que há normas nele contidas vigentes até hoje! Refiro-
me à Parte Segunda, relativa ao Comércio Marítimo, ou seja, as regras
referentes a este assunto estão disciplinadas em uma lei de 1850!
No entanto, se aquele código era excepcional, qual a razão de ter sido
revogado pelo Novo Código Civil? A resposta é bastante simples: em 1850
não havia diversas atividades econômicas como nos dias de hoje. As pessoas,
para ter renda, viviam do artesanato, do comércio, da agricultura, não se
imaginava àquela época que alguém seria remunerado por fabricar
computadores, impressoras, por comercializar espaços em endereços
eletrônicos na rede mundial de computadores, enfim, todas estas atividades
que foram gradativamente surgindo, não eram previsíveis naquele momento
de criação do Código Comercial.
Ocorre que o Código Comercial criou procedimentos para se registrar a
atividade, de tal forma a permitir a constituição de pessoas jurídicas para a
exploração da atividade exercida, porém, restringia o registro apenas aos
praticantes dos atos de comércio. Havia, porém, uma falha: o que são atos
de comércio?
Para suprir a lacuna, foi publicado o Regulamento 737 que dizia serem
exercentes dos atos de comércio, o próprio comerciante, o banqueiro, o dono
de empresas de seguro e os industriais, senão vejamos:
Regulamento nº. 737, de 1850
Art. 19. Considera-se mercancia:
§ I° A compra e venda ou troca de efeitos móveis ou semoventes,
para os vender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou
manufaturados, ou para alugar o seu uso;
2° As operações de câmbio, banco e corretagem;
§ 32 As empresas de fábrica, de comissões, de depósito, de
expedição, consignação e transporte de mercadorias, de
espetáculos públicos;
§ 42 Os seguros, freta meti tos, riscos e quaisquer contratos
relativos ao comércio marítimo;
§ S° A armação e expedição de navios.
Naquela época, ao se dar vida a uma pessoa jurídica – Sociedade Limitada,
por exemplo – permitia-se que os sócios tivessem proteção de seu patrimônio
pessoal, sendo que, em caso de “quebra”, não perderiam seus bens pessoais,
como sua casa, veículos etc.
Outro fator que merece destaque é que o registro da atividade era
Facultativo, podendo o praticante do ato de comércio optar em exercer seu
ofício como pessoa física ou jurídica; lembrando que, nesta segunda hipótese,
passava a proteger seu patrimônio pessoal.
DIREITO EMPRESARIAL
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Mas, o problema do Código Comercial de 1850 começou a ganhar
proporção à medida que exercentes de certas atividades econômicas
pretendiam se registrar para obter a proteção de seu patrimônio pessoal e
não o podiam fazer.
Imagine a seguinte situação: na década de 20 do século passado, sabe-
se que o café brasileiro era cobiçado por diversos países, fazendo surgir os
barões do café. Eram fazendeiros que enriqueceram, ergueram verdadeiros
impérios, possuíam bens no Brasil e na Europa.
Agora, reflita: o fazendeiro poderia se registrar, constituindo uma pessoa
jurídica, para explorar sua atividade econômica, lembrando que a regra
somente era aplicada aos comerciantes, banqueiros, donos de seguradoras
e de indústrias? Muitos diriam que seria possível o registro já que o fazendeiro
planta e vende sua produção, assemelhando-se ao comércio; todavia, o
comércio se caracteriza pela compra para revenda, o que não acontece na
atividade agrária, como no caso, o plantio de café, ou seja, o fazendeiro,
ainda que pretendesse, não teria como constituir uma sociedade e, por
conseguinte, não possuía proteção de seu patrimônio.
Já aquele que adquiria o café in natura e o beneficiava (indústria) bem
como o atacadista que comprava o café beneficiado e o revendia e/ou
exportava, poderia ter o registro da atividade e, conseqüentemente, protegia
seu patrimônio pessoal.
Com a crise de 1929, os barões do café assistiram à queda de seus
impérios, vindo a perder tudo o que possuíam, inclusive casas de campo,
ranchos, enfim, bens que não eram utilizados em sua atividade passaram
para as mãos dos credores; enquanto o industrial e o atacadista preservaram
seu patrimônio pessoal.
Diante deste cenário, nota-se que o fazendeiro foi o mais prejudicado,
pois o Código Comercial não lhe permitia se proteger, enquanto os demais
agentes da cadeia produtiva do café naquela época poderiam se registrar e
assegurar o seu patrimônio em caso de crise. Ora, os fazendeiros eram, sem
dúvida alguma, as pessoas mais importantes daquela cadeia produtiva, mas
a legislação não lhes dava segurança jurídica. Todos conhecemos o resultado
quando estudamos história: a “quebra” dos barões do café!
Este exemplo torna claro que era necessário se adaptar a legislação,
pois começavam a surgir novas atividades, cujos exercentes não tinham a
possibilidade de se registrar, como por exemplo, as imobiliárias, as prestadoras
de serviços entre outras.
Paralelamente surgia na Itália, em plena Segunda Guerra Mundial, uma
Teoria que tinha por objetivo permitir que todos os exercentes de atividades
econômicas pudessem proteger seu patrimônio pessoal, já que lá havia a
mesma restrição que o Código Comercial brasileiro impunha.
Foi assim que surgiu, em 1942, à época do ditador Mussolini, a Teoria da
Empresa.
Aqui no Brasil, nas décadas de 50 e seguintes, nossos tribunais começaram
a fazer uso discreto de suas regras, pois não se podem aplicar regras
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
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estrangeiras a casos ocorridos aqui, salvo quando houver omissão sobre
determinado assunto.
Frise-se que entre 1968 e 1975 começou-se a discutir a criação de um
novo Código Civil, pois o que estava vigente era de 1916 e dentre os assuntos
a serem tratados, estava a possibilidade de se importar a Teoria da Empresa
para nosso país.
Aqueles que não são estudantes de direito, como é o seu caso, precisam
saber que hoje está vigente um Código Civil publicado em 2002 e que passou
a ter validade a partir de 2003. No entanto, o projeto de lei que o criou
começou a ser elaborado em 1975. Isto quer dizer que hoje temos uma
legislação vigente com idéias de meados do século passado! E
especificamente na nossa matéria, Direito Empresarial, há normas criadas
na Itália entre 1928 e 1942 que estão em nosso Código Civil...
Acerca do assunto, o ilustre Fábio Ulhôa Coelho, festejado autor de livros
de Direito Empresarial assim se pronunciou:
Com a aprovação do projeto de Código Civil de Miguel Reale,
que tramitou no Congresso entre 1975 e 2002, o direito privado
brasileiro conclui seu demorado processo de transição entre os
sistemas francês e italiano. À semelhança do anteprojeto de 1965,
de cujo livro 111 sobre a atividade negociai encarregou-se Sylvio
Marcondes, o Código Civil de 2002 inspira-se no Codice Civile e,
adotando expressamente a teoria da empresa, incorpora o
modelo italiano de disciplina privada da atividade econômica. A
despeito de seu inegável envelhecimento precoce em muitos
aspectos, trata-se de texto sintonizado com a evolução dos
sistemas de tratamento da economia, pelo ângulo das relações
entre os particulares.
Desta forma, está vigente hoje no Brasil o Código Civil criado pela Lei n.
10.406, de 10 de janeiro de 2002, disciplinando no Livro II, de sua Parte
Especial, a partir do artigo 966, o chamado Direito de Empresa.
É importante se esclarecer que os termos Direito de Empresa e Direito
Empresarial NÃO são sinônimos! O segundo é mais abrangente, englobando
o primeiro e outros ramos do Direito, como Direito do Consumidor e Direito
Econômico, como será demonstrado ao longo desta disciplina.
REGIME JURÍDICO EMPRESARIAL: OBRIGAÇÕES GERAIS DOS EMPRESÁRIOS
Agora que você já aprendeu que a matéria desta Unidade está contida
no Código Civil e que o Brasil adota a Teoria da Empresa para regulamentar
as relações empresariais, passemos ao estudo do conceito de empresário e
de suas obrigações.
Inicialmente, deve-se destacar que tanto a palavra EMPRESA como a
EMPRESÁRIO possuem significados DISTINTOS.
IMPORTANTE
DIREITO EMPRESARIAL
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Popularmente falando, tem-se que empresa é uma organização
devidamente estabelecida para produzir produtos ou prestar serviços;
enquanto por empresário se entende o proprietário da empresa. Para facilitar
a compreensão, pode-se dizer que a Votorantin é uma empresa e um dos
seus donos, Antônio Ermírio de Moraes, o empresário.
Entretanto, em termos jurídicos, ambas as palavras possuem significados
distintos que estão descritos no artigo 966 do Código Civil:
Art. 966. Considera-se empresário quem exerce
profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Assim sendo, observe-se que empresário, segundo o citado artigo, não
significa o dono da empresa, mas QUEM exerce a atividade econômica.
Resta, portanto, compreender o sentido da palavra QUEM, utilizada pelo
legislador.
Naturalmente, QUEM se refere à PESSOA e por assim ser, empresário é
tanto a pessoa FÍSICA como a pessoa JURÍDICA.
Segundo a legislação vigente, pessoa física é a pessoa natural, o ser
humano nascido com vida, enquanto pessoa jurídica é um ente jurídico criado
para fins de se realizar, coletivamente, atividades econômicas ou não. Há
três espécies de pessoas jurídicas:
As duas primeiras modalidades são constituídas para fins filantrópicos,
beneficentes, enfim, não há nelas fim lucrativo, fator que diferencia a terceira
espécie, a sociedade.
Sociedades sempre são criadas para o exercício de atividades com fim
lucrativo.
Se a pessoa exerce a sua atividade lucrativa de forma individual, sem
sócios, é considerada EMPRESÁRIO INDIVIDUAL (anteriormente
denominado FIRMA INDIVIDUAL); já o fazendo com outras pessoas – sócios
– constituirá a chamada SOCIEDADE.
Desta forma, tem-se que empresário é tanto o EMPRESÁRIO
INDIVIDUAL como a SOCIEDADE EMPRESÁRIA.
Por outro lado, a palavra EMPRESA tornou-se sinônimo de ATIVIDADE
ECONÔMICA, quer dizer, empresa é o fim social, a atividade desenvolvida
pelo empresário.
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
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Para visualizar mais facilmente o que fora escrito anteriormente, veja a
tabela a seguir:
A partir deste ponto, passa-se a utilizar as expressões empresa e
empresário sempre no sentido jurídico. Por esta razão, dedique alguns
minutos para realmente compreender o quadro acima antes de continuar
sua leitura.
Antes de seguir, vale lembrar:
Extrai-se do fluxograma acima que empresário tanto é sinônimo de
empresário individual como de sociedade empresária. A sociedade empresária
e o empresário individual serão estudados na Unidade 2, intitulada Direito
Societário.
Passemos, então, a abordar a questão das OBRIGAÇÕES do empresário,
lembrando que não se está referindo ao dono da empresa, mas ao exercente
da atividade econômica.
• 1ª. Obrigação: Registro na Junta Comercial.
Como dito anteriormente, o antigo Código Comercial de 1850 trazia como
uma FACULDADE o registro da atividade econômica, podendo os praticantes
dos atos de comércio optar entre exercer sua profissão como pessoa física
ou pessoa jurídica. Escolhendo esta segunda opção, apenas para relembrar,
protegiam seu patrimônio pessoal em caso de crise.
Atualmente, o Código Civil trouxe uma inovação sobre o assunto, contida
no artigo 967, a saber:
Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro
Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início
de sua atividade. (grifos nossos)
Note que, com a entrada em vigor do Código Civil, a partir de 2003 toda
e qualquer pessoa que exerça profissionalmente atividade com fins lucrativos
DIREITO EMPRESARIAL
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tem o dever de se registrar na Junta Comercial da cidade em que desenvolverá
sua atividade, seja como empresário individual ou como sociedade empresária
(quando tiver sócio(s)).
Destaque-se que é conferido apenas ao exercente de atividade agrária
a FACULDADE do registro, como dito no artigo 971:
Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua
principal profissão, pode, observadas as formalidades de que
tratam o art.968 e seus parágrafos, requerer a inscrição no
registro público de empresas mercantis da respectiva sede, caso
em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os
efeitos, ao empresário sujeito a registro.
Fica evidente que todos que exerçam qualquer atividade econômica são
obrigados a fazer o registro de sua atividade, enquanto o empresário rural
escolhe a forma que melhor lhe convier.
Recentemente, muitos concursos públicos têm abordado esta questão
da facultatividade de inscrição do empresário rural, por esta razão, memorize
este assunto!
Importante também demonstrar quem é o empresário rural:
Muito bem! Uma vez demonstrado que ao empresário rural é facultada
sua inscrição na Junta Comercial e qual atividade caracteriza a atividade
agrária, voltemos ao estudo da obrigatoriedade do registro.
Esclareça-se, de imediato, que com o respectivo registro, os sócios
passam a ter proteção de seu patrimônio pessoal no caso de constituição de
sociedade, não ocorrendo o mesmo em se tratando de empresário individual.
Outra questão que foi destacada na citação do artigo 967 - transcrito
acima - se refere ao fato de que o registro deve ocorrer antes de se começar
a exercer a atividade.
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
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Sabe-se que, nos dias atuais, os profissionais optam por começar seu
negócio de forma informal e caso venha a prosperar, regularizam a situação.
Porém, não é isto que estabelece a legislação.
A esta altura o leitor deve estar se indagando: qual a conseqüência
para quem não se registra na Junta Comercial ANTES de iniciar seu trabalho?
Antes de responder, faz-se necessário frisar que este material foi
elaborado para alunos dos cursos de Administração, Análise de Sistemas,
Contábeis e Engenharia de Produção.
Suponha-se que você preste serviços de consultoria em sua área, aluga
uma sala comercial e trabalha com um colega. Vocês terão que se registrar,
ou seja, se transformar em empresário, juridicamente falando? Segundo a
legislação, a resposta é AFIRMATIVA! Mas, qual a conseqüência se vocês
não se registrarem?
A resposta pode ser encontrada no artigo 986 do Código Civil:
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-
se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo
disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que
com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.
Trata-se de Sociedade em Comum, que a doutrina a subdivide em de
fato, quando entre os sócios não há qualquer documento comprovando a
existência da sociedade ou Irregular, quando há documento de constituição
que não fora levado a registro.
As conseqüências da falta de registro são bem explicadas por Fábio Ulhôa
Coelho:
Por ora, importa deixar assente que os sócios poderão vir a
responder com o seu próprio patrimônio, por todas as obrigações da
sociedade, se não for providenciado o registro do respectivo ato
constitutivo na Junta Comercial.
Além dessa sanção, a sociedade empresária irregular não tem
legitimidade ativa para o pedido de falência de outro comerciante e
não pode impetrar pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.
A falta do registro na Junta Comercial importa, também, a aplicação
de sanções de natureza fiscal e administrativa. Assim, o
descumprimento da obrigação comercial acarretará a impossibilidade
de inscrição da pessoa jurídica no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas (CNPJ), e nos cadastros estaduais e municipais; também
impossibilitará a matrícula do empresário no Instituto Nacional da
Seguridade Social. Aliás, são simultâneos o registro na Junta e a
matrícula no INSS (Lei n. 8.212/92, art. 49, 1). A falta do CNPJ, inclusive,
além de dar ensejo à incidência de multa pela inobservância da
obrigação tributária instrumental, impede o empresário de entabular
negócios regulares; sua atividade fica forçosamente restrita ao universo
da economia informal.
VAMOS REFLETIR!
DIREITO EMPRESARIAL
23
Vê-se, portanto, que o não registro acarreta conseqüências que vão
desde a afetação de seu patrimônio pessoal até questões administrativas,
como a impossibilidade de regulamentação da atividade em órgãos
governamentais.
Acerca do registro, deve-se destacar que há dois órgãos específicos para
regularizar e orientar os interessados.
a) D. N. R. C – Departamento Nacional de Registro do Comércio.
Este órgão não tem a função de constituir as sociedades empresárias ou
os empresários individuais. Trata-se de órgão federal, componente do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
Pode-se dizer que possui as seguintes atribuições:
1 – Normatizar: a legislação vigente permite que o DNRC crie normas
sobre registro de empresas visando suprimir lacunas da legislação ou dúvidas
existentes quanto a procedimentos a serem adotados e que deverão ser
seguidos pelas Juntas Comerciais de todos os Estados; porém, estas regras
não poderão, em hipótese alguma, ser contrárias à legislação. Por exemplo:
o DNRC não poderá normatizar assunto contido no Código Civil, mas sim, em
eventual ausência de regra sobre algum assunto previsto naquele código.
2 – Cadastrar: de empresas: compete-lhe, ainda, criar e manter o Cadastro
Nacional de Empresas Mercantis, bem como, gerenciar os procedimentos de
autorização para nacionalização ou instalação no Brasil de empresa
estrangeira.
3 – Supervisionar: possui o DNRC capacidade jurídica para fiscalizar os
atos praticados pelas Juntas Comerciais, instruindo-as sobre procedimentos
a serem adotados, se necessário for.
Em síntese, eis as principais atividades realizadas pelo referido órgão,
porém, para o aprimoramento do estudo, sugerimos aos leitores que acessem
o site www.dnrc.gov.br, onde se pode conhecer com maior clareza, identificar
o cenário das empresas brasileiras em termos de quantitativo, aprender
sobre sua estrutura, etc.
b) Junta Comercial
Para se executar todas as tarefas ligadas à criação, existência e
encerramento dos empresários no Brasil, cada Estado mantém a chamada
Junta Comercial, distribuída por diversas cidades.
Para conhecer melhor a Junta Comercial do Estado em que o leitor reside,
basta acessar qualquer site de busca (www.google.com.br) e digitar “Junta
Comercial” + a sigla do Estado desejado, por exemplo, RJ, MG, SP e assim
sucessivamente.
As Juntas Comerciais são, portanto, órgãos estaduais que possuem
autonomia financeira e administrativa para funcionar. Assim sendo, todo
Estado brasileiro necessita deste órgão para organizar a atividade
empresarial.
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
24
Como dito anteriormente, o Departamento Nacional do Registro de
Comércio pode fiscalizar o procedimento adotado por cada Junta Comercial,
além de lhe prestar consultas, criar normas para esclarecer questões obscuras
da legislação; enquanto a Junta Comercial propriamente dita, apenas executa
procedimentos previamente criados por lei, atos normativos, enfim, por todo
o ordenamento jurídico aplicável ao caso.
Por assim ser, podemos dizer que as Juntas Comerciais são órgãos de
execução de procedimentos, que passamos a analisar a seguir:
Funções Executivas:
1- Matrícula: certos profissionais, para exercerem adequadamente sua
atividade profissional, precisam possuir carteiras profissionais expedidas pela
autoridade competente. No caso, a Junta Comercial possui competência para
expedir carteiras para diversos profissionais, dentre eles leiloeiros, tradutores
de documentos de constituição, alteração e encerramento de sociedades,
trapicheiros (proprietários de atacadistas) e também diretores de atacadistas.
Estes são alguns exemplos de profissionais cujo regular desempenho de
suas atividades depende da expedição de carteira pelo citado órgão.
2- Arquivamento: arquivar significa levar todo e qualquer documento
relativo à constituição, à alteração e ao encerramento do empresário, seja
empresário individual ou sociedade empresária, tanto as nacionais como as
estrangeiras. O papel da Junta Comercial é de relevante importância social,
vez que através de minuciosa análise, consegue impedir a criação de
empresas fictícias, o uso indevido de documentos de terceiros, entre tantas
outras situações ilícitas ou ilegais. Se a documentação estiver em
conformidade com as regras exigidas, a Junta Comercial fará o Arquivamento
do documento que lhe foi entregue, via protocolo.
Para entender melhor: documento de constituição de sociedade
empresária pode ser tanto o contrato social ou o estatuto social. O primeiro
é o documento utilizado para a constituição das sociedades Limitadas,
Comanditas Simples e Em Nome Coletivo; enquanto o segundo para as
sociedades Anônimas e as Comanditas por Ações. Ambos os documentos,
bem como as cinco espécies de sociedades citadas, serão estudados na
Unidade 2.
Já como exemplo de documento de alteração, podemos citar a Alteração
Social para Admissão de Novo Sócio; ou ainda para comunicar o falecimento
de certo sócio; também se faz alteração para aumentar ou reduzir o capital
social, para alterar endereço, criar ou fechar filiais, enfim, toda mudança
significativa que altere o estatuto ou contrato social deve ser informada à
Junta Comercial.
Por fim, documento de encerramento é aquele que trata da extinção da
sociedade, seja por pretensão dos sócios ou por determinação judicial, como
veremos na Unidade 2.
IMPORTANTE
DIREITO EMPRESARIAL
25
Portanto, todo ato de constituição, alteração ou encerramento do
empresário, deverá ser arquivado na Junta Comercial.
3- Autenticação: constituído o empresário, surge a obrigação de manter
documentada a sua vida contábil, permitindo assim que todo interessado
possa conhecer os fatos econômico-financeiros relevantes ocorridos em
determinado período. Desta forma, todo empresário deve escriturar, através
das normas contábeis vigentes, sua contabilidade, em livros próprios que
serão levados para autenticação na Junta Comercial onde está sediada a
sociedade. Ressalte-se que, como veremos no próximo tópico, os livros
contábeis NÃO têm o seu conteúdo analisado pela Junta Comercial, ou melhor
dizendo, este órgão não tem o dever de averiguar se as informações contidas
naqueles livros são falsas ou verdadeiras, o que a Junta Comercial faz é
analisar a FORMA como os dados foram lançados.
• 2ª. Obrigação: Escrituração dos livros obrigatórios
Como foi observado no tópico anterior, é obrigação de toda e qualquer
sociedade empresária manter em livros próprios a ocorrência de suas
movimentações econômico-financeiras, através de lançamentos contábeis
elaborados em padrão determinado por lei.
O lançamento destes dados e informações acerca do patrimônio e
faturamento da sociedade somente pode ser realizado por profissional
habilitado, qual seja, o contabilista ou contador que, segundo o Código Civil,
é o responsável pela veracidade das informações contidas nos livros, podendo
ser responsabilizado, civil e criminalmente, por equívocos contidos nos citados
livros.
A escrituração da atividade empresarial possui três principais finalidades:
Deve ser ressaltado que a contabilidade da sociedade empresária é
um documento UNILATERAL, pois sua realização se dá por lançamento feito
exclusivamente pela própria sociedade, através de profissional habilitado.
Quer se dizer com isto que não há participação ou fiscalização da redação da
contabilidade, o que propicia lançamentos fraudulentos e/ou incorretos.
Atualmente, no Brasil, a contabilidade pode ser feita de forma manual,
por meio mecanográfico (máquina de escrever), através de microfilmagem
ou ainda, via procedimento eletrônico.
Com o advento e a proliferação de computadores e programas específicos,
a forma de lançamento mais usual é a última citada, por economizar tempo e
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
26
ser mais precisa; não obstante, nada impede a utilização de qualquer dos
outros três métodos previstos em lei.
Independentemente do meio adotado para manter seus dados contábeis
atualizados, ao providenciar a inserção das informações o empresário deve
se atentar para fazê-lo seguindo duas espécies de requisitos: intrínsecos e
extrínsecos.
Os primeiros estão ligados à forma de realização da inserção dos dados,
enquanto os extrínsecos se referem às regras exigidas e analisadas pelas
Juntas Comerciais.
Há pouco, no tópico anterior, dissemos que as Juntas Comerciais NÃO
têm competência para analisar se os dados contábeis inseridos nos livros
pelos empresários são reais ou fictícios, pois, somente é DEVER destes
órgãos analisar o formato do lançamento.
É preciso ficar claro que, caso eventual fiscalização feita pelas Receitas
Federal, Estadual ou Municipal identificar equívocos contidos na contabilidade
que FORA AUTENTICADA pela Junta Comercial, evidenciando sonegação fiscal,
este órgão (Junta Comercial) NÃO será responsabilizado, vez que não é de
sua competência analisar a veracidade das informações existentes nos livros.
Já que adentramos a questão da fiscalização dos livros, passemos a
entender as regras relativas ao direito de sua análise.
Inicialmente, os livros contábeis são pertencentes ao empresário, e graças
ao Direito de Propriedade previsto na Constituição Federal, tais livros são
para visualização dos próprios administradores e sócios da sociedade
empresária.
De outro lado, o Estado tem o poder e também o dever de fiscalizar o
dia-a-dia econômico-financeiro das sociedades empresárias distribuídas pelo
território nacional. Para cumprir tal mister, a legislação autoriza que os fiscais
das Receitas Federal, Estadual, Distrital e Municipal tenham acesso à
contabilidade da empresa para, em comparação com a documentação
existente na sociedade, identificar se está havendo recolhimento tributário
devido. Tal atribuição também é estendida aos fiscais da Previdência Social.
Porém, além destas autoridades administrativas pertencentes à
Administração Pública, há também a possibilidade de se requerer
judicialmente, portanto através do Poder Judiciário, via ação própria, a
DIREITO EMPRESARIAL
27
exibição dos livros para se esclarecer questões diretamente ligadas ao
patrimônio e ou faturamento da sociedade.
Imagine o falecimento de um sócio de certa sociedade em cujo documento
de constituição (estatuto ou contrato social) haja cláusula dizendo que os
herdeiros não ocuparão o lugar do sócio falecido, recebendo, portanto, valor
equivalente à sua participação societária. Continuando nosso caso hipotético,
suponha que o falecido detinha 20% (vinte por cento) do capital social, ou
seja, era dono de um quinto da empresa e, portanto, seus herdeiros
receberão 20% do valor total da sociedade.
E é exatamente neste ponto que surge o problema: quanto vale a
empresa toda?
Sabemos que a sociedade possui patrimônio físico, como veículos, imóveis,
móveis e utensílios, enfim, diversos bens materiais, que, em tese, são fáceis
de serem avaliados. Digo em tese porque, como advogado atuante no meio
empresarial, deparei-me com avaliações de imóveis realizados por duas ou
mais imobiliárias com valores discrepantes em mais de 50%! No entanto,
não resta dúvida no fato de ser mais complicado ainda se avaliar bens
imateriais, como patentes, marcas, entre outros. Quanto vale a marca
Petrobrás® ou a expressão “Casas Bahia”? E a patente de motor para aviões
movido a álcool? Posso lhes afirmar que quanto mais consultorias e auditorias
especializadas forem contratadas, maiores serão as diferenças nos valores
atribuídos!
Mas estes exemplos serviram apenas para elucidar o quão difícil é
quantificar o valor total de uma sociedade empresária e, por esta razão,
torna-se bastante complicado descobrir quanto irão receber os herdeiros no
caso de falecimento de sócio.
Voltando agora ao nosso caso acima descrito, imaginemos que pelos
20% de participação deixada pelo finado, tenham os herdeiros recebido
R$100.000,00 (cem mil reais). Segundo esta conta, o valor total de empresa
seria R$500.000,00. Discordando os herdeiros de tais valores, poderão
questionar na Justiça, através de ação própria, nova avaliação da sociedade
e, conseqüentemente, revisão do valor que lhes fora pago.
Para que o juiz consiga encontrar uma resposta adequada ao caso,
necessário se fará a apresentação do histórico contábil da sociedade, contido
nos livros que foram autenticados pela Junta Comercial.
Assim sendo, apesar de serem sigilosos, os livros contábeis poderão ser
apresentados, por ordem judicial, em processos cuja resolução depende de
sua análise.
Ainda assim, a utilização dos livros contábeis em favor da empresa
somente será admissível se estiverem regulares e ainda, se a outra parte
do processo (o autor ou réu) for outra sociedade ou algum sócio; já contra a
sociedade, qualquer forma de escrituração poderá ser utilizada.
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
28
Veja o quadro abaixo:
Diante de todo o exposto sobre a 2ª. Obrigação do empresário, resta-
nos apenas concluir o estudo analisando quais as conseqüências decorrentes
da falta de escrituração, vez que sua realização e manutenção são
obrigatórias.
De um lado há as conseqüências denominadas SANCIONADORAS e de
outro, as MOTIVADORAS, que devem ser entendidas da seguinte forma:
a) Sancionadoras: se dividem em duas:
1- Civil: presunção de veracidade dos fatos alegados pela parte contrária.
Utilizando o exemplo do sócio falecido que possuía 20% da sociedade e
supondo que não haja livros contábeis para comprovar o valor da sociedade,
em tese, a alegação feita pelos herdeiros prevalecerá sobre a da sociedade.
2- Penal: tipificação de crime falimentar - o fato de não ter escrituração,
por si só, não é crime; no entanto, em caso de processo de falência da
sociedade, quando houver determinação do juiz para apresentação de certo
livro contábil e este não existir, configura-se crime falimentar.
b) Motivadoras: pelas conseqüências abaixo, a sociedade deixa de ter
benefícios que, por vezes, são essenciais à sua continuidade.
1- Inacessibilidade à Recuperação de Empresas: toda sociedade que
não tem a escrituração fica impedida de requerer pedido de recuperação de
empresas, antes chamada de Concordata.
2- Ineficácia probatória: inexistindo escrituração, fica a sociedade
impossibilitada de fazer prova em seu favor, no sentido de comprovar
determinada movimentação financeira, alteração patrimonial, eventual
prejuízo etc.
3- Impossibilidade parcial de verificação da conta: um processo de
falência é o levantamento do ativo e passivo da empresa. Não dispondo a
sociedade de sua contabilidade, fica impedida de comprovar sua
movimentação financeira.
• 3ª. Obrigação: Realização das demonstrações contábeis
A terceira e última obrigação sob a ótica do Direito de Empresa é a
elaboração dos balanços contábeis.
DIREITO EMPRESARIAL
29
Através deste procedimento, toda a escrituração contida em diversos
livros contábeis é sintetizada em algumas poucas páginas, facilitando a
pesquisa de informações e a visualização da situação da sociedade.
Segundo a legislação vigente, as sociedades empresárias em geral
devem elaborar o balanço, ao menos, uma vez por ANO.
De outro lado, outras sociedades devem fazê-lo a cada seis meses.
Trata-se das Sociedades Anônimas com previsão em seu estatuto social,
bem como as instituições financeiras. A finalidade desta regra é permitir que
os interessados acompanhem a situação patrimonial, econômica e financeira
dos Bancos, Financeiras, enfim, das sociedades que trabalham com a
capacitação do dinheiro da chamada economia popular, ou seja, da população
em geral, visando antever a possível “quebra” destas sociedades, pois como
sabemos, a falência de um supermercado, por exemplo, tem conseqüências
infinitamente inferiores a de um Banco, onde estão depositadas as economias
de diversos investidores.
Seguindo as regras jurídicas (que diferem das contábeis), há três
espécies de balanços:
1 – Ordinário: é o balanço obrigatório, que deve ser feito anual ou
semestralmente, como vimos acima. A prática tem demonstrado que o critério
de elaboração desta espécie gera divergências entre o valor real dos bens
e o contido no balanço.
2 – Especial: o critério de elaboração e os dados são os mesmos do
balanço ordinário, com a diferença de que neste, o MOMENTO da realização
é diverso. O feitio do balanço especial, diferentemente do ordinário, não é
obrigatório; sua realização somente ocorre se houver necessidade.
Geralmente são realizados a pedido de pessoa que pretende adentrar
sociedade já existente e quer conhecer a situação da sociedade bem como
por pedido de sócio que está se retirando da sociedade ou herdeiros de
sócio falecido que pretendem apurar o valor da participação societária.
3 – De Determinação: tal qual o especial, também não é obrigatório,
sendo realizado sempre que houver interesse da sociedade, de sócio, de
herdeiros ou sócios ingressantes. Através desta espécie, procura se
aproximar ao máximo do valor real da sociedade. Este balanço geralmente é
realizado por empresas especializadas de consultoria ou auditoria, que fazem
a reavaliação de todo o patrimônio da sociedade. Sem dúvida alguma, dos
três balanços estudados, o balanço de determinação é aquele que mais se
aproxima da verdadeira situação em que a sociedade empresária se encontra.
Para encerrar o estudo da terceira e última obrigação do empresário,
passemos a analisar as conseqüências advindas da falta de realização dos
balanços, que podem ser enumeradas da seguinte forma:
- proibição de participar de licitações públicas: sociedades que prestam
serviços ou fornecem bens para o Poder Público serão desclassificadas se
deixarem de juntar os balanços solicitados no edital de licitação;
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
30
- proibição de requerer a recuperação da empresa (antiga concordata):
em anexo ao pedido de recuperação judicial, feito ao Poder Judiciário, devem
ser juntados balanços dos três últimos anos que antecederam à crise da
sociedade, assim o empresário que não possui o balanço, fica impossibilitado
de ajuizar o pedido citado.
ELEMENTOS DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
Foi dito anteriormente que dentre as pessoas jurídicas de direito privado
existentes no Código Civil, apenas as sociedades empresárias possuem fins
lucrativos, enquanto as associações e fundações têm fins não-lucrativos
(assistencial, filantrópico, desenvolvimento do bem comum, etc).
Assim sendo, para concretizar sua finalidade e atingir seu objetivo social,
depende a sociedade da formação de um CONJUNTO DE BENS organizados e
dispostos de forma a permitir o desenvolvimento da atividade econômica
(lucrativa) pretendida.
Segundo o Código Civil, este conjunto de bens, tanto materiais como
imateriais, é denominado ESTABELECIMENTO.
Desta forma, todos os bens adquiridos de forma lícita pela sociedade
passam a integrar o seu estabelecimento.
Devemos nos lembrar que para iniciar a atividade econômica pretendida,
os sócios contribuem com recursos próprios que são transferidos para a
sociedade, sendo o total destes recursos denominado de Capital Social, cujo
valor constará do contrato ou estatuto social, como teremos a oportunidade
de ver na unidade II.
Com o passar dos dias, os bens da sociedade sofrem desvalorização,
como ocorre com veículos, móveis e utensílios e outros podem se valorizar,
como ocorre com a marca ou o imóvel localizado em região que se valorizou.
Isto posto, devemos nos ater ao fato de que o estabelecimento
empresarial pertence à sociedade empresária e não aos seus sócios. Estes,
pelos recursos particulares que transferiram na constituição da sociedade,
recebem em troca participação societária: um percentual (%) proporcional
ao capital social.
Supondo que um sócio transfira um veículo que lhe pertencia para a
sociedade, este bem agora é propriedade da organização e, em caso de
retirada deste sócio, não há nenhuma regra que obrigue a sociedade a
“devolver-lhe” o automóvel; o retirante terá direito a receber valor
equivalente ao seu percentual de participação na sociedade.
Diante deste cenário, temos que destacar que o estabelecimento
empresarial é composto por todos os bens pertencentes à sociedade
empresária, que os administra, os aliena, os dá em garantia, enfim, dá-lhes
a destinação adequada para o bom desenvolvimento de sua atividade
econômica.
DIREITO EMPRESARIAL
31
O estabelecimento empresarial é composto por bens MATERIAIS e
IMATERIAIS.
Outro assunto que merece destaque quando se estuda o estabelecimento
empresarial é o denominado FUNDO DE EMPRESA (ou fundo de comércio),
visualizado como o VALOR AGREGADO atribuído ao negócio.
Note bem: com o desenvolvimento da atividade e o passar dos anos,
parte dos bens do estabelecimento sofrerá valorização e outra,
desvalorização, no entanto, o negócio como um todo passa a ter uma
sobrevalorização.
Imagine que dois sócios invistam R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais)
em um posto de combustível. Um ano depois, os bens móveis sofreram
desgastes e passaram a valer menos, mas, em virtude do faturamento, da
clientela formada, do “bom nome na praça”, caso queiram vender o posto de
combustível, certamente o farão por valor superior ao inicialmente investido,
ou seja, por mais de R$500.000,00.
Mas, qual o motivo do negócio valer mais se os bens existentes se
desvalorizaram? O que fez o negócio como um todo ter valor adicional é
exatamente o fundo de empresa, valor que agrega ao estabelecimento em
virtude de um conjunto de fatores, como boa administração, marketing,
conquista de clientela, possibilidade de faturamento condizente dentre tantos
outros.
Considerando-se que, via de regra, o fundo de empresa advém da
valorização dos bens imateriais da sociedade empresária, passemos a
estudá-los para aprender, na prática, quais as providências adequadas para
protegê-los.
I – PONTO COMERCIAL.
Deve-se entender por ponto comercial o local onde a empresa é
desenvolvida, não importando se o imóvel pertence ou não à própria
sociedade.
Sendo o ponto comercial localizado em imóvel pertencente à sociedade
não há, sob a ótica do Direito Empresarial, questões de grande relevância,
salvo as ligadas ao Direito da Concorrência, que serão abordadas em unidade
a seguir.
Já quando o ponto comercial deriva de contrato de locação, a legislação
brasileira tratou de disciplinar a relação locatícia, visando permitir que o
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
32
proprietário do imóvel e empresário obtenham o resultado esperado quando
firmaram a negociação.
Ao longo da história, principalmente no início do século passado, entre
1910 e 1930, quando não havia legislação sobre o assunto, era corriqueiro
encontrar abusos na relação locatícia. O inquilino, sociedade empresária,
encontrava o ponto ideal para seu negócio, fazia contrato de locação por
prazo curto e às vésperas de seu término, ao procurar o proprietário para
renová-lo, era surpreendido por “reajuste” extremamente elevado. Isto
ocorria com freqüência, pois o proprietário, ao notar que o negócio do inquilino
estava prosperando exatamente em virtude da localização da empresa,
aproveitava-se da oportunidade e impunha valor ao aluguel muito superior
ao inicialmente combinado. O inquilino tinha duas saídas: ou aceitava o
reajuste ou saía do imóvel. Em muitas vezes, como o ponto lhe era essencial,
via-se obrigado a se sujeitar à situação.
Por esta razão, o Estado passou a criar normas protetivas para o inquilino,
sendo que, atualmente, está vigente a Lei n. 8.245"91 que trata tanto da
locação para fins residências e não-residenciais.
Importa-nos compreender a locação chamada de EMPRESARIAL, aquela
em que o inquilino (locatário) é necessariamente sociedade empresária e
que exercerá, no imóvel locado, sua atividade.
Entretanto, para ter proteção legal e evitar abusos, como o citado
anteriormente, o inquilino-empresário deve obter os seguintes requisitos:
1 – contrato escrito e com prazo determinado;
2 – prazo mínimo de 5 anos ininterruptos e
3 – prazo mínimo de exercício da mesma atividade por 3 anos ininterruptos.
Realizando o contrato nestes termos, o empresário não poderá ser
surpreendido por reajustes abusivos ao término de seu contrato, tendo a
oportunidade de renovar o contrato por valor justo e adequado à realidade
do mercado.
Se, antes do término do contrato, o proprietário não demonstrar interesse
em renová-lo, ou exigir valor discrepante do valor de mercado, poderá o
inquilino ajuizar Ação Renovatória, cuja finalidade é dar ao inquilino a
possibilidade de continuar a exercer sua atividade no imóvel locado,
preservando seu ponto comercial e pagando aluguel justo.
Claro que, em caso de ajuizamento da Ação Renovatória, o inquilino deverá
comprovar, além dos requisitos citados, estar adimplente com suas obrigações
contratuais, como pagamento de IPTU, seguro de incêndio, aluguéis, etc.,
além disso, terá que apresentar ao juiz, proposta justa do valor que pretende
pagar em caso de renovação obrigatória.
II – NOME EMPRESARIAL.
Dentre os bens imateriais pertencentes ao estabelecimento, estes três
merecem destaque especial no Direito Empresarial, pois identificam o
DIREITO EMPRESARIAL
33
empresário, a atividade que desenvolve e o produto ou serviço que
comercializa ou presta.
Devemos esclarecer que a legislação vigente protege apenas a marca e
o nome empresarial, razão pela qual dedicamos um capítulo, a seguir, relativo
à forma mais adequada para se proteger o título do estabelecimento.
O Nome Empresarial identifica o próprio empresário. É o nome da pessoa
jurídica contido no contrato ou estatuto social. Trata-se do nome que será
utilizado em contratos e em processos, ou seja, é o nome da sociedade
empresária. Por exemplo: Banco do Brasil S.A.; Agropecuária Terra Roxa Ltda;
Companhia Siderúrgica Nacional, entre tantos outros.
O contrato ou estatuto social possui cláusula obrigatória, descrevendo o
nome empresarial e, por assim ser, seu registro se dá na Junta Comercial,
tendo, apenas, proteção estadual, o que significa dizer que poderão existir
dois nomes empresariais IGUAIS, pertencentes a proprietários diversos, desde
que em estados brasileiros diferentes, como ocorre, por exemplo, com o
nome Araguaia Engenharia S.A.. Tal nome foi registrado por uma empreiteira
de Uberlândia (MG) e por outra, concorrente, em São Paulo, capital. Em certa
ocasião, a empreiteira mineira participou de licitação de obra na cidade de
São Paulo e sua concorrente também o fez, momento em que ambas
descobriram a ocorrência. O fato é que a legislação permite tal situação, já
que as empresas possuem CNPJ distintos, endereços próprios, etc., mas,
sem dúvida alguma, gera grande confusão.
Para ficar claro, em cada estado brasileiro somente pode haver um único
nome empresarial, independentemente do ramo de atividade. Em Minas
Gerais, está registrada a sociedade Agropecuária Terra Roxa Ltda, cuja
atividade agrária é o plantio de grãos. Supondo que o dono de loja de
produtos agrícolas queira dar ao seu negócio o mesmo nome, ainda que não
seja concorrente daquela fazenda já existente, não o conseguirá, visto que
naquele estado já há tal nome registrado.
Ao se registrar qualquer sociedade na Junta Comercial, faz-se a chamada
busca prévia do nome pretendido, pois, já tendo o nome sido registrado,
tornar-se-á impossível novo registro.
Outra questão que merece destaque refere-se à formação do nome
empresarial, vez que a legislação proíbe a criação de nome empresarial que
induza em erro. A finalidade, desta norma, é evitar a utilização de nomes de
pessoas ou marcas conhecidas por terceiros.
Sabe-se que Abílio Diniz, renomado empresário no cenário nacional, que
atua no ramo comercial, é proprietário do Grupo Pão de Açúcar. Supondo que
certa pessoa queira criar uma sociedade com o nome Abílio Diniz Comércio
de Máquinas e Implementos Agrícolas Ltda, certamente estará pretendendo
induzir terceiros com os quais manterá negociações e firmará contratos em
erro, fazendo-os acreditar que o afamado empresário seja seu sócio; por
esta razão, não se pode criar nome empresarial utilizando-se de nomes de
terceiros ou marcas.
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
34
III – MARCA.
Marca é todo sinal distintivo utilizado para distinguir certo produto ou
serviço. Por sinal distintivo, entende-se toda e qualquer palavra, letras,
algarismos, desenhos, logomarcas e formas criadas pelo seu titular para
permitir que o consumidor identifique o produto ou serviço.
O registro da marca deve ser feito no Instituto Nacional de Propriedade
Intelectual – INPI – e após sua concessão, seu titular possui proteção em
todo o território nacional.
A criação da marca segue algumas regras. A primeira é a chamada
Novidade Relativa. O INPI possui extensa classificação de produtos ou serviços
e, ao se registrar certa marca, deve-se fazê-lo por categoria. Isto permite
que existam duas ou mais marcas iguais, porém associadas a produtos ou
serviços diferentes.
A palavra VEJA é marca registrada. Identifica qual produto? Na verdade,
mais de um produto.
Portanto, no Brasil, pode haver mais de um titular (proprietário) para a
mesma marca, SALVO se for marca de ALTO RENOME, como Petrobrás ou
Havaianas. Nestes casos, por serem marcas conhecidas pela maioria dos
consumidores, não se permite registrá-las ainda que em categoria diversa.
O exemplo citado, Havaianas, trata de tradicional marca de sandália de
borracha, no entanto, caso empresário fabricante de lápis queira registrar
esta marca para associar ao seu produto, não obterá o registro no INPI.
Outra regra conhecida como não colidência com marca notória visa
impedir que se cause dúvida ao consumidor. Ocorre quando se pretende
utilizar marca com características similares a de outra marca relativamente
conhecida do público.
Veja o caso ocorrido em Uberlândia, interior mineiro: o dono de certo bar
fez constar na fachada a seguinte palavra: BARMERINDUS. Havia na ocasião
o Banco BAMERINDUS. As palavras não são a mesma, no entanto, o nome do
bar se assemelha ao do banco, cuja marca já estava registrada. Se o dono
do bar tentasse registrar a palavra BARMERINDUS no INPI, ainda que seu
ramo de atividade (categoria) seja completamente diversa da do Banco, não
o conseguiria por colidir com marca notória.
IV – TÍTULO DO ESTABELECIMENTO.
Por Título do Estabelecimento, compreende-se a expressão utilizada na
fachada do ponto comercial. O empresário cria o título para permitir à sua
clientela que o encontre com maior facilidade. Como a marca, pode ser
composto por palavras, algarismos e desenhos.
O título do estabelecimento, segundo a legislação vigente, não possui
órgão para seu registro e conseqüente proteção. Esta falta de legislação
permite a existência de inúmeros títulos iguais, utilizados por empresários
diferentes.
Em diversas cidades brasileiras, encontramos churrascarias em cuja
fachada lê-se “CHURRASCARIA GAÚCHA”! Evidente que não pertencem aos
DIREITO EMPRESARIAL
35
mesmos proprietários; não se trata de franquia ou rede, mas sim da utilização
de uma expressão alusiva aos gaúchos, exímios e tradicionais churrasqueiros.
No entanto, o que importa é que uma não concorra com a outra. Em
cidades grandes, como São Paulo, uma churrascaria localizada na Zona Sul
cujo rodízio custe R$60,00 (sessenta reais) pode ter o mesmo nome de outra
localizada na Zona Sul em que o cliente pague R$15,00 (quinze reais) já que
a freguesia não irá associar uma à outra. O que a legislação proíbe é a
tentativa de enganar o consumidor.
Analisados os principais bens imateriais, passemos ao último tópico desta
unidade.
A MARCA E A PROTEÇÃO AO TÍTULO DO ESTABELECIMENTO
Acabamos de demonstrar, no tópico anterior, que não há órgão de registro
para se proteger o título do estabelecimento.
Por esta razão, a estratégia adotada pela maioria dos empresários
brasileiros é registrar a expressão que utiliza como título do estabelecimento
como marca, vez que a marca é protegida em todo o território nacional.
Tomemos o Banco do Brasil como exemplo é já aproveitando para
recapitular o que fora estudado no capítulo anterior.
A expressão “Banco do Brasil S.A.” é o nome empresarial desta instituição
financeira.
Trata-se de um posto de combustível com a marca estampada na fachada.
Agora, responda: qual a marca deste posto? Se você respondeu BR, errou!
Observe novamente e verá que se trata de claro exemplo de indução em
erro para lesar o consumidor! Está escrito na fachada deste posto de
combustíveis a expressão I3R (treze R). A junção do número 1 (em algarismo
romano I) com o algarismo 3, assemelha-se à letra B!
Veja bem. O dono desta rede de postos criou um título do estabelecimento
alterando marca notória. Se este proprietário tentar registrar sua “marca”
I3R no INPI, não o conseguirá por se tratar de palavra que colide com marca
notória.
Por outro lado, a Rede BR de postos de combustíveis tem ajuizado ações
coibindo a prática de tal atitude, cujo ÚNICO e EXCLUSIVO objetivo é induzir
o consumidor em erro, não apenas pelo título do estabelecimento
absolutamente similar, mas também pelo uniforme de seus empregados.
É HORA DE SE AVALIAR!
Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo,
presentes no caderno de exercícios! Elas poderão ajudá-lo a
fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no
processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as
respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA). Interaja conosco!
UNIDADE 1 - EMPRESA, EMPRESÁRIO E ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
36
DIREITO EMPRESARIAL
37
UN
IDA
DE 2 DIREITO SOCIETÁRIO
Para conseguir desenvolver determinado empreendimento, faz-se
necessário, em diversos casos, que os seres humanos se unam para alcançar
este objetivo comum. Havendo interesse econômico no desenvolvimento da
atividade pretendida, necessário se faz regulamentar esta agremiação de
pessoas, dando-lhes segurança para exercer o ramo de negócio escolhido,
criando-se normas de relacionamento entre os membros do grupo,
evidenciando seus direitos e deveres, enfim, tratando de forma organizada
esta relação jurídica de união de vontades. Em nosso país, chama-se Direito
Societário a subdivisão do Direito Empresarial que estuda as espécies de
sociedades existentes, suas regras de constituição, funcionamento e
encerramento. Assim sendo, nesta Unidade serão abordados tópicos que
permitirão a você aprender a escolher o tipo societário adequado à realidade
de cada empreendimento, visualizando ainda, como deve ser a relação entre
os sócios, além de compreender o que podem e o que devem fazer.
OBJETIVOS DA UNIDADE: inserir o estudante no cenário societário brasileiro,
permitindo-lhe adquirir noção exata de cada sociedade empresária existente
em nosso ordenamento jurídico; ensinar que a escolha do tipo societário
não deriva apenas da vontade dos seus sócios, mas, principalmente, de
previsão legal e adequação à realidade do negócio a ser constituído; fazer
com que o leitor se aprofunde no conhecimento das regras de relacionamento
entre os sócios, visando, ao elaborar documento de constituição de qualquer
sociedade, impedir desavença entre os sócios.
PLANO DA UNIDADE:
• Teoria geral do direito societário.
• Tipos de sociedade.
• Sociedades Simples.
• Sociedades Empresárias.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
38
TEORIA GERAL DO DIREITO SOCIETÁRIO
Seja bem-vindo à Unidade 2. Tivemos a oportunidade de aprender as
regras e principais obrigações comuns a todos os empresários brasileiros na
unidade anterior. Faz-se necessário, a partir de agora, aprofundar o
conhecimento sobre a formação técnica das organizações ou das chamadas,
popularmente, empresas.
Nunca é demais lembrar que empresário, em termos jurídicos, se refere
à pessoa – física ou jurídica – que desenvolve certa atividade econômica,
de forma habitual e organizada.
Para situar o leitor no contexto do Direito Societário e facilitar uma visão
genérica do tema, elaboramos o seguinte fluxograma:
Pois bem. O objeto de estudo da presente unidade é a SOCIEDADE,
que fizemos questão de destacar no fluxograma acima vez que, dentre as
pessoas jurídicas existentes, é a única com fim lucrativo, pois as duas outras,
como dito na unidade anterior, possuem fins filantrópicos, preservacionistas,
entre tantos outros.
Desta forma, temos que o Direito Societário é o ramo do Direito que
estuda as pessoas jurídicas de direito privado que têm finalidade lucrativa.
Encontramos no Código Civil, em seu artigo 981, o conceito de
sociedade:
Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que
reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o
exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.
Agora que você já se familiarizou com o conceito de sociedade,
passaremos a compreender a razão de se criar este ente jurídico.
Sabe-se que a exploração de qualquer atividade econômica traz consigo
o risco de insucesso. As estatísticas apresentadas pelo Sebrae evidenciam
que a política econômica, aliada à falta de planejamento, bem como a elevada
carga tributária e o excesso de normas trabalhistas e previdenciárias têm
levado ao fracasso empreendimentos iniciados em todo o território nacional.
O fechamento de sociedades ainda em fase de desenvolvimento acaba
por desmotivar novos empreendimentos, principalmente em virtude da
possibilidade de se perder tudo que fora investido.
IMPORTANTE
DIREITO EMPRESARIAL
39
Surge aqui, a primeira pergunta que nos interessa: além de perder o
capital investido no negócio que não prosperou, o sócio poderá ainda ter
seu patrimônio pessoal afetado por dívidas oriundas da sua sociedade que
“naufragou”?
A resposta é exatamente o ponto de partida para se compreender a
razão da criação de sociedade para a exploração de atividade econômica.
Iniciemos nossos estudos partindo do princípio de que NÃO há no
Brasil sociedade composta por UM ÚNICO sócio, mas sim, possuindo, ao
menos, dois sócios. Evidencie-se que a sociedade, ao ser criada, tem que
ter pelo menos dois sócios, porém, em virtude do falecimento de um deles,
momentaneamente poderá ficar a sociedade com apenas um sócio; mas como
veremos adiante, somente perdurará por período específico. Além disto,
devemos nos ater ao fato de que ao investir em certa sociedade, o sócio
pretende ter rendimento superior àquele que obteria caso seu capital
estivesse investido, por exemplo, em caderneta de poupança.
Ora, considerando-se que as sociedades “quebram” com freqüência
nos dois primeiros anos de existência e que o investimento feito não retornará
ao investidor, o fator preponderante que o faz arriscar é exatamente a
possibilidade de ver melhor retorno ao capital que dispunha para injetar em
investimentos.
E é neste ponto que o Direito Societário passa a ter fundamental
importância, pois, com a criação de determinados tipos societários, os sócios
protegem – em parte – seu patrimônio pessoal, além de possuírem
instrumentos jurídicos hábeis para protelar - ou até mesmo evitar – o
desmoronamento do seu negócio.
Isto se deve ao fato de que há dois grandes benefícios concedidos
aos empresários constituídos como Sociedades Empresárias, quais sejam:
separação do patrimônio da sociedade em relação ao dos sócios e
aplicabilidade da Lei de Falências.
O princípio da AUTONOMIA PATRIMONIAL visa trazer SEGURANÇA
aos investidores, pois faz uma separação entre o patrimônio da sociedade
e o dos sócios.
Isto significa que se certa pessoa possui patrimônio pessoal de
R$300.000,00 (trezentos mil reais) e pretende investir R$50.000,00
(cinqüenta mil reais) em algo que lhe seja lucrativo, norteando ampliar seu
patrimônio, caso transfira esta última quantia para determinada sociedade
em que se tornou sócio, em caso de fracasso do negócio, perderá, via de
regra, apenas os cinqüenta mil reais que injetou na sociedade, preservando
assim, os R$250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil reais) restantes de seu
patrimônio pessoal.
Sendo assim, a existência de tal princípio na legislação brasileira traz
certa confiança ao investidor, pois sabe que poderá arriscar parte de seu
VAMOS REFLETIR
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
40
patrimônio no exercício de qualquer atividade econômica e que, em caso de
quebra, verá seu patrimônio preservado.
Mas, o leitor atento e conhecedor do assunto sabe que a aplicação do
referido princípio sofre diversas EXCEÇÕES! Há, sem dúvida alguma, vários
casos de pessoas que perderam o valor que investiram em determinada
sociedade e praticamente o restante de seus bens passíveis de penhora,
como por exemplo, seu automóvel de uso pessoal e de seus familiares, casas
de aluguel que possuía, bens móveis que guarneciam sua residência etc.
A permissão para que isto ocorra decorre de diversas leis pertencentes
a outros ramos do direito, mas plenamente aplicáveis às sociedades, como é
o caso do Direito Tributário, Trabalhista, Previdenciário e do Consumidor.
Percebeu-se, ao longo dos anos, que muitas sociedades foram criadas
para fins fraudulentos, ilícitos ou ilegais, e que, graças à separação patrimonial
decorrente do Princípio da Autonomia Patrimonial, os sócios golpistas ou
criminosos não perdiam seu patrimônio pessoal. Imagine que em 1920, certa
sociedade sonegava grande parte dos tributos que deveria pagar e em virtude
de fiscalização descobriu-se a prática do ilícito tributário, vindo a sociedade
a ser autuada em valor superior ao seu patrimônio. Nesta situação, o Estado
somente recebia parte do seu crédito, e pior: o patrimônio pessoal dos sócios
era elevadíssimo e o Estado não o poderia afetar!
Foi em conseqüência de fatos como esse que, gradativamente, a
legislação sofreu alterações para limitar a aplicação do citado princípio e
tentar, como isto, impedir a criação de sociedades com fins diversos do
proposto pela legislação, vez que, nos dias de hoje, em várias situações, o
patrimônio pessoal pode ser atingido.
No entanto, assim como a legislação evoluiu para impedir a criação de
sociedades com fins fraudulentos, ilegais ou ilícitos, através da punição de
seus sócios, também surgiram novos artifícios utilizados por criminosos, como
o uso de “laranjas” no quadro de sócios.
Recentemente, dois casos noticiados pela imprensa evidenciam o dito
acima. Em um deles, uma quadrilha de traficantes internacionais criou uma
locadora de vídeos e dvd’s (uma sociedade, devidamente registrada na Junta
Comercial), cuja finalidade não era obter lucros com o aluguel de referidos
bens, mas sim, ter acesso à documentação de seus clientes, como CPF e RG.
De posse disto, os traficantes constituíram diversas sociedades de “fachada”
em nome dos clientes da locadora, para “lavar” o dinheiro do tráfico. Lógico
que o cliente da locadora sequer sabia que seu nome havia sido utilizado.
Noutro caso, a credibilidade do Grupo de Salvamento e Resgate da Força
Aérea Brasileira foi abalada. Os homens desse grupo especial, que passam
por rígido treinamento, foram acusados de negociar (vender!) documentos
das vítimas do acidente aéreo com o avião da companhia GOL. Foram
identificadas sociedades constituídas no Rio de Janeiro – cidade em que
residem vários soldados do grupo – cujos sócios “são” pessoas falecidas no
acidente. Ressalte-se que a constituição de tais empresas foi posterior ao
acidente! É evidente que há falha no sistema de averiguação dos dados dos
Tributos: são formas de ar-
recadação de dinheiro aos
cofres públicos, divididos
em impostos, taxas e con-
tribuições de melhoria.
DIREITO EMPRESARIAL
41
sócios no momento de criação das empresas no Brasil. Atualmente, tramita
processo administrativo para identificar os possíveis envolvidos no caso.
Por esse motivo, atente-se para este conselho: em caso de perda de
documentos pessoais, publique em jornal o ocorrido e faça boletim de
ocorrência. Isto não impedirá que usem seus documentos para constituir
uma sociedade, mas lhe trará respaldo contra as acusações que certamente
lhe serão atribuídas.
Por fim, acerca do Princípio da Autonomia Patrimonial, resta-nos esclarecer
que existe separação entre o patrimônio da sociedade em relação ao dos
seus sócios, mas que sofre limitações em virtude do uso fraudulento das
sociedades. Há uma regra que facilita compreender quando o princípio se
aplica ou não. Basta entender a origem da dívida para saber se afetará
apenas o patrimônio da sociedade ou também o de seus sócios. Se a
obrigação surgiu através de negociação, afetará apenas os bens da
sociedade. Já sendo dívida não negociada pela sociedade, poderá também
afetar o patrimônio de seus sócios.
A sociedade que faz empréstimo bancário negociou com a instituição
financeira o valor, o prazo de pagamento, a taxa de juros etc. Trata-se,
portanto, de dívida negociada entre sociedade e Banco e, em caso de
inadimplência, o credor somente poderá afetar o patrimônio social e caso
este não seja suficiente para quitar o débito, o Banco não receberá a dívida
na totalidade, ainda que os sócios possuam patrimônio pessoal capaz de
pagá-la. Como os Bancos conhecem esta regra, que decorre da aplicabilidade
do Princípio da Autonomia Patrimonial, exigem, no momento da realização
do empréstimo, avalista, para garantir o pagamento.
Por outro lado, em caso de sonegação fiscal, como por exemplo, não
pagamento de Imposto de Renda Pessoa Jurídica, o fisco (Receita Federal)
poderá afetar o patrimônio de sócio ou sócios, para ver garantida a quitação
do débito, por ser este oriundo de dívida não negociada!
Outro benefício citado anteriormente, a aplicabilidade das regras da
legislação falimentar, aborda assuntos decorrentes da falência ou recuperação
de empresas, que serão estudadas na Unidade 6. Mas, neste momento é
importante frisar o fato de serem estes dois institutos vitais para a
manutenção da sociedade em crise.
Entenda. No Brasil, as pessoas físicas (você!), em caso de endividamento,
não podem se utilizar da Lei de Falências, quer dizer, não há como pedir
falência de pessoa física. A conseqüência, em caso de quebra de pessoa
física, é a negativação de seu nome nos órgãos de proteção de crédito,
acarretando impossibilidade de compras parceladas, abertura de contas em
bancos, não emissão de talonário de cheques nas contas já abertas e, por
fim, através de pedido feito por credor, pode ocorrer a insolvência civil, que
seria o similar da falência, no entanto, sem os benefícios que esta possui.
A falência, por sua vez, permite à sociedade em crise sobreviver ou
até mesmo se restaurar, objetivo maior da legislação falimentar. Ora,
para a economia nacional não é interessante o fechamento de qualquer
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
42
sociedade, pois deixam de existir diversos postos de trabalho (diretos e
indiretos), diminui-se o pagamento de tributos e assim por diante.
Posto isto, resta evidente que a constituição de sociedade empresária
para a exploração de toda e qualquer atividade com fim lucrativo traz
benefícios e segurança para os seus fundadores.
Antes de conhecermos cada sociedade, vejamos algumas regras que
lhes são comuns e que abordam temas constantemente questionados.
Para ser sócio, podendo exercer todos os seus direitos, a pessoa deve
ter 18 anos completos (antes, eram 21 anos) e estar em condições físicas e
mentais de externar suas vontades.
Se necessário, poderá ser feita a emancipação para sócios com idade
entre 16 e 18 anos, podendo assim, exercer a atividade sem o
acompanhamento de responsável.
Uma dúvida constante: pode um menor de 16 anos ser sócio?
Claro que sim. Em muitos casos, o pai falece e o filho assume seu lugarna sociedade (vide regras a seguir), independentemente de sua idade.Porém, obviamente, deverá estar devidamente representado pelos seusresponsáveis legais, não podendo exercer a administração da empresa.
Outra questão que se tornou polêmica é a sociedade cujos sócios sejammarido e mulher. Na legislação anterior não havia impedimento, sendo que oatual Código Civil permite desde que não sejam casados sob o regime dacomunhão universal ou separação obrigatória.
Após constituída a sociedade, havendo quaisquer das alterações aseguir relacionadas, deverão ser formalizadas e encaminhadas ao órgão deregistro das empresas (Junta Comercial ou Cartório de Registro de PessoasJurídicas):
a) Nomeação ou destituição ou renúncia de Administrador;
b) Redução de capital social;
c) Cessão de cotas;
d) Atas da assembléia ou reunião;
e) Dissolução da Sociedade; e
f) Venda de Estabelecimento: venda de toda a empresa.
Destes atos, os seguintes também devem ser publicados no Diário Oficialda União ou do Estado e em jornal de grande circulação:
a) Redução de capital social;
b) Renúncia de Administrador;
c) Convocação de assembléias;
d) Dissolução da Sociedade;
VAMOS REFLETIR
DIREITO EMPRESARIAL
43
e) Venda de Estabelecimento: todo complexo de bens organizado
para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade
empresária (art. 1.142).
As publicações deverão ser realizadas no Diário Oficial da União ou do
Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade, e em jornal
de grande circulação.
Passemos, então, a adentrar o mundo das sociedades empresárias.
TIPOS DE SOCIEDADES
Segundo o Código Civil brasileiro, as sociedades existentes dividem-
se em dois grandes grupos: aquelas que não possuem personalidade jurídica,
denominadas de Não Personificadas e as que detêm personalidade jurídica,
chamadas de personificadas. As primeiras se subdividem da seguinte forma:
A sociedade Em Comum, dividida pelos autores de direito em duas
espécies, foram devidamente estudadas na Unidade 1, quando abordamos
as conseqüências da falta de registro da atividade na Junta Comercial e,
portanto, não serão analisadas na presente unidade.
Em relação às sociedades com personalidade jurídica, temos a seguinte
classificação:
Vê-se, portanto, que há atualmente dez espécies societárias vigentes
no Brasil e que, naturalmente, cada uma delas possui uma finalidade específica
a ser estudada nos tópicos posteriores.
Antes de adentrarmos o estudo de cada sociedade, devemos destacar
que as duas espécies mais adotadas pelos empreendedores brasileiros são
a Anônima (S.A.) e a Limitada (Ltda) e, como veremos adiante, a preferência
decorre da proteção jurídica que ambas fornecem a todos os seus sócios
bem como as inúmeras possibilidades de se regulamentar, de forma sábia, a
relação entre os seus sócios.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
44
Comecemos então, a estudar cada sociedade.
SOCIEDADES SIMPLES
1ª- SOCIEDADE SIMPLES
A sociedade simples é tanto gênero quanto espécie. Ao se observar
novamente o fluxograma acima, pode-se notar que do gênero Sociedade
Simples decorrem duas espécies, Sociedade Simples e Cooperativa.
A cooperativa fora inserida no Código Civil, no entanto, suas regras
estão contidas na Lei n. 5.764, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1971.
Já a Sociedade Simples, disciplinada pelo Código Civil, é inovação no
direito brasileiro, pois tal modalidade não era prevista em nosso ordenamento
jurídico; porém o legislador deu-lhe grande ênfase, considerando-a,
praticamente, como a sociedade mais importante contida no Código Civil,
determinando, inclusive, que suas regras serão aplicadas às demais
sociedades, quando cabíveis.
A constituição desta modalidade de sociedade não decorre de mera opção
dos seus fundadores; ao contrário, somente é permitida sua criação para os
casos previstos no parágrafo único do artigo 966 do Código Civil:
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce
profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda
com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da
profissão constituir elemento de empresa.
Assim sendo, a composição desta espécie societária depende da união
de pessoas reunidas em prol da obtenção de lucro através da exploração
de atividade econômica de caráter intelectual, desde que possua natureza
científica, literária ou artística.
Ao criarem tal sociedade, seus fundadores assumem a responsabilidade
de compor o patrimônio social (da sociedade) através da transferência de
bens ou SERVIÇOS que até então lhes pertencia para, em retribuição,
dividirem os lucros advindos do negócio explorado, nos termos dos artigos
981 e 982 do Código Civil.
A escolha da sociedade simples advém da finalidade da empresa, qual
seja, atividade intelectual. Desta forma, se dois ou mais contadores se unem
para “montar” escritório de prestação de serviços contábeis, assumindo risco
e partilhando os lucros, deverão constituir sociedade simples, já que a
atividade exercida decorre de sua capacidade intelectual. O mesmo ocorre
em caso de agremiação de outros profissionais, como os analistas de
sistemas, engenheiros de produção e administradores.
Outro detalhe importante se refere à contratação de empregados pela
sociedade. Ao reler o final do parágrafo único acima transcrito, percebe-se
claramente que a sociedade pode contar com o auxílio de colaboradores,
não perdendo sua característica principal, ou seja, os contadores, ao criarem
a sociedade, poderão contratar secretária ou auxiliar administrativo.
DIREITO EMPRESARIAL
45
Destacamos acima que ao contribuir com a formação do patrimônio da
sociedade, os sócios podem integralizar o capital social em recursos e/ou em
serviços. Esclareça-se que nas demais sociedades a serem estudadas, os
sócios somente podem contribuir com recursos, sendo proibida a
contribuição através da prestação de serviços.
Por recursos devemos entender as contribuições feitas em dinheiro (em
espécie), bens (materiais ou imateriais) e créditos (cheques, notas
promissórias, créditos decorrentes de contratos etc).
Para melhor compreender, imaginemos que Francisco e Mário se
graduaram em Ciências Contábeis e pretendem “abrir” escritório contábil.
Decidem que precisam investir R$20.000,00. Este valor é o que chamamos
de capital social, ou seja, o montante que será transferido para a sociedade.
Com esta quantia, irão adquirir móveis, equipamentos, material de escritório,
computadores e programas específicos para fins contábeis, etc. No entanto,
apenas Mário dispõe de capital para investir e decidiu transferir os
R$20.000,00 de seu bolso para a sociedade enquanto Francisco, que
demonstrou ser estudioso e absolutamente competente enquanto colega
de faculdade, entrará com a prestação de serviços, o que não seria possível
no caso, por exemplo, da constituição de sociedade Ltda.
A formalização da criação desta sociedade decorre da elaboração de
Contrato Social, que após ser assinado pelos sócios, deverá ser levado a
registro em Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas, no prazo de até 30
dias a contar da sua assinatura. Observe, portanto, que diferentemente das
sociedades empresárias, a sociedade simples não é registrada na Junta
Comercial.
Outra diferença que merece destaque refere-se à responsabilidade dos
sócios. Na introdução desta Unidade frisamos que, com a criação da
sociedade, os sócios protegem seu patrimônio em relação às dívidas feitas
pela própria sociedade, através do princípio da autonomia patrimonial. No
entanto, tal regra não se aplica às sociedades simples, pois a
responsabilidade dos sócios é ILIMITADA, ou seja, dívida gerada pela
sociedade poderá atingir os bens pessoais de seus sócios,
independentemente da origem do débito.
Criada a sociedade, todos os sócios titularizam o direito de participar
nos lucros, sendo proibida a inserção de cláusula no contrato social em
sentido contrário. Esta participação nos lucros é proporcional à quantidade
de cotas que cada sócio possui.
A participação societária decorre dos recursos que cada sócio transferiu
para a sociedade; assim, se o capital social for de R$ 20.000,00, havendo
apenas dois sócios que contribuíram com R$10.000,00 cada, a participação
será de 50%. Ao assumirem a responsabilidade de compor o capital social,
seja integralizando-o imediatamente (à vista) ou futuramente (a integralizar),
todos os sócios assumem a obrigação de “bancar” a inadimplência do sócio
que deixou de contribuir no momento combinado. Denominamos esta
obrigação de responsabilidade solidária. Sociedade é igual a casamento, a
obrigação de um atinge a todos!
Contrato Social: documen-
to contendo, ao menos, as
cláusulas exigidas por lei,
assinado pelos sócios e
vistado por advogado.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
46
Após a constituição da sociedade, qualquer sócio pode alienar (vender)
sua participação societária, porém o sócio cedente (vendedor) das cotas
continua solidário para com o cessionário por até 2 anos a contar da alteração
contratual averbada em Cartório. Isto significa que, mesmo após sua saída
da sociedade, sua responsabilidade ainda perdura por mais dois anos.
O contrato social deve especificar se a sociedade terá prazo
determinado ou indeterminado. Esta segunda opção é bem mais usual, além
de ser mais vantajosa, já que influencia diretamente os direitos e deveres
dos sócios.
No caso do exercício do direito de retirada de qualquer sócio, ou
seja, este não pretende mais continuar na sociedade nem vender sua
participação, recebendo da sociedade valor equivalente à sua participação
societária; em se tratando de sociedade com prazo indeterminado, basta
que seja dado aviso prévio de 60 dias comunicando sua saída, porém, sendo
a sociedade constituída por prazo determinado, a retirada do sócio somente
poderá ocorrer judicialmente, através do ajuizamento de ação justificando
as razões da saída do sócio.
Vê-se, portanto, que não há vantagem em se firmar sociedade com
prazo determinado.
Sabemos que a sociedade simples é uma pessoa jurídica, um ente
criado por lei, para agir em nome de duas ou mais pessoas. Porém, toda
pessoa jurídica depende de uma pessoa física para praticar seus atos. No
caso das sociedades, chama-se ADMINISTRADOR quem exerce, em nome
da sociedade, todo e qualquer ato.
Nomeia-se o administrador, escolhido entre os sócios pessoas
físicas, através de cláusula do contrato social, ou em instrumento separado
que deverá ser averbado no Cartório para ter validade perante terceiros.
Havendo omissão contratual, a administração da sociedade será atribuída a
todos os sócios.
Aparentemente, ser administrador parece ser bastante interessante,
em virtude do poder que este detém perante a sociedade, mas, em caso,
por exemplo, de sonegação fiscal, além de se ressarcir os cofres públicos,
haverá processo criminal, cujo réu será o administrador.
Segundo a legislação, o administrador deverá conduzir o negócio como
se seu fosse, agindo sempre em conformidade com os interesses da
sociedade, jamais em proveito próprio, podendo, inclusive, ser
responsabilizado por danos quando assim proceder.
Dentre suas atribuições está o compromisso de prestar contas detalhadas
de sua administração aos sócios, fazendo-o através de inventário anual,
balanço patrimonial e de resultado econômico.
O administrador cuida do andamento da sociedade, não lhe cabendo
decidir acerca de questões cujas resoluções cabem aos sócios, através de
votação.
DIREITO EMPRESARIAL
47
Segundo o Código Civil, em seu artigo 1.010, as decisões sobre os
negócios da empresa serão tomadas por maioria de votos dos sócios, de
acordo com a participação societária, sendo que em caso de empate, a decisão
caberá ao maior número de sócios ou, não sendo possível, através de
processo judicial, o juiz resolverá a situação. Imagine uma sociedade com 4
sócios, todos engenheiros agrônomos, em que cada um possua 25% do
negócio. A sociedade que eles mantêm pretende adquirir um veículo de tração
para o serviço que realizam em campo. Dois preferem automóvel de marca
americana e os demais, japonesa. Com a votação realizada, o resultado
será 50% optando por uma marca e outros 50% por outra. Empate! Neste
caso, seguindo o que consta da lei, utiliza-se o primeiro critério de desempate,
qual seja, número de sócios. Então, quantos sócios titularizam 50% do capital
social? Dois! E os outros cinqüenta por cento, outros dois. Assim sendo, a
simples aquisição de um veículo, em que os sócios divergem quanto à marca,
irá parar no Tribunal! E o pior não é isso: que competência técnica possui o
juiz para determinar qual a marca de veículo mais adequada para os fins da
sociedade? Evidente que terá que ser nomeado perito para dar parecer, o
que encarecerá o processo. E o processo demorará tanto tempo para ser
julgado em todas as instâncias que ao seu término, os veículos ora escolhidos
estarão absolutamente ultrapassados.
Absurdo, mas está na lei! Diferentemente ocorre em relação à votação
para que se procedam alterações do contrato social, já que deverá haver
UNANIMIDADE dos sócios. Desta forma, tem-se que, para modificar qualquer
dos assuntos contidos no artigo 997, todos os sócios devem ser favoráveis,
ou seja, em sociedade composta por dois sócios, em que um titulariza 99%
das cotas e outro apenas 1%, somente poderá a sociedade, por exemplo,
aceitar a entrada de novo sócio, se ambos consentirem.
Aproveitando o assunto, passemos a abordar as opções previstas em
lei acerca do que pode ocorrer em caso de falecimento de sócio.
Sendo omisso o contrato social, utiliza-se a regra geral, ou seja, faz-
se balanço especial para se descobrir o valor da sociedade à época da morte
do sócio e se procede a liquidação da sua participação societária, pagando-
se aos herdeiros montante proporcional as cotas deixadas. Quantifique-se:
sociedade avaliada em R$200.000,00 cujo sócio falecido possuía 20% das
quotas, gerará o pagamento de R$40.000,00 aos herdeiros.
Além desta regra, outras opções são previstas em lei, desde que
contidas no contrato social. A primeira delas se refere à dissolução da
sociedade, ou seja, o fechamento da empresa. Há pouco citamos exemplo
de sociedade com dois sócios, detentores, reciprocamente, de 99% e 1% do
capital social. Óbvio que o sócio titular de 99% foi aquele que investiu
praticamente sozinho na formação do capital social. Supondo que a sociedade
seja avaliada em R$100.000,00 e em decorrência do falecimento deste sócio,
a sociedade teria que remunerar aos herdeiros a quantia de R$99.000,00,
tornando-se inviável a sua continuidade. Desta forma, em tais situações,
aconselha-se que seja previsto no contrato social que o falecimento do sócio
titular dos 99% proceda-se ao encerramento da sociedade. Este é apenas
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
48
um exemplo, já que tal cláusula pode existir em todo e qualquer contrato
social de sociedade simples.
Por último, ainda sobre a morte de sócio, outra saída que pode ser
inserida no contrato social tange à possibilidade de os herdeiros substituírem
o sócio falecido, ou seja, se o finado tinha esposa e dois filhos e era dono de
20% da sociedade, estes três juntos ocuparão seu lugar na sociedade.
Ainda sobre sócio, outra questão que gera muita dúvida se refere ao
direito de excluí-lo da sociedade. Há, segundo o Código Civil, quatro razões
que justificam a expulsão do sócio, a saber:
a) Falência do sócio: decretada a falência de sócio pessoa jurídica,
a sociedade poderá, por deliberação dos demais sócios, excluí-
lo;
b) Liquidação da quota para pagamento de credor: caso qualquer
sócio endivide-se e não possua patrimônio para pagar o credor,
sairá da sociedade, passando sua participação para seu credor,
ou ainda, poderá a sociedade remunerar o credor, reduzindo o
capital social;
c) Sócio remisso: considera-se remisso o sócio que não integralizou
sua participação no capital social, podendo a sociedade optar
entre excluí-lo ou cobrar-lhe o valor da quota. Observe que
ocorrendo a segunda hipótese, o sócio permanecerá no quadro
de quotistas;
d) Ação proposta por falta grave ou incapacidade superveniente:
configura falta grave a prática de atitudes contrárias ao bom
andamento do negócio, ao afeto na relação entre os sócios, à
vontade de prosperar coletivamente. Para se excluir sócio por
qualquer destes motivos, deverá a sociedade ajuizar ação na
Justiça, comprovando o fato ocorrido. Já a incapacidade
superveniente ocorre quando o sócio perde sua capacidade civil,
ficando impossibilitado de manifestar sua vontade. São
exemplos de incapacidade superveniente o acometimento de
doença mental ou doença grave que impeça a pessoa de exprimir
suas vontades; ou ainda, acidente, atropelamento, ou qualquer
outra fatalidade que gere estado de coma, tornando o sócio
absolutamente incapaz para praticar qualquer ato.
Para finalizarmos nosso estudo sobre sociedade simples, resta-nos
compreender os motivos de sua dissolução, previstos no artigo 1.033 do
Código Civil.
Vamos dividir as hipóteses sobre duas óticas: de um lado, os motivos
decorrentes de pleno direito e de outro, em virtude de processo judicial.
I. PLENO DIREITO:
a) Fim do prazo de duração: se a sociedade foi constituída com prazo
determinado, chegando o dia estipulado, a sociedade deverá ser encerrada.
No entanto, vencido o prazo e não iniciado o procedimento de liquidação e
DIREITO EMPRESARIAL
49
não havendo oposição de qualquer dos sócios, a sociedade torna-se-á por
prazo indeterminado.
b) Consenso dos sócios: os sócios podem decidir pelo encerramento da
sociedade por prazo determinado antes da chegada do dia estipulado, porém
deve haver unanimidade dos sócios. Tratando-se de sociedade por prazo
indeterminado, basta maioria absoluta para aprovar seu fechamento, ou
seja, votos dos sócios que juntos detenham mais de 50%.
c) Falta de pluralidade de sócios: já lhes foi dito que nosso ordenamento
jurídico vigente não autoriza a constituição de sociedade – qualquer que
seja – com apenas um sócio. Dissemos também, naquela oportunidade,
existir, por exceção, hipótese onde a sociedade passe a ter apenas um sócio.
Ocorre, por exemplo, quando há apenas dois sócios e um deles falece, não
havendo previsão para que os herdeiros ocupem seu lugar; ou ainda,
sociedade com três sócios em que, através de processo judicial, um deles
requer a expulsão dos outros dois alegando que estão furtando bens ou
valores da sociedade. Veja que em ambos os exemplos, a sociedade foi
constituída com, ao menos, dois sócios e posteriormente passou a ter apenas
um. Nestas situações, o sócio remanescente deverá, no prazo máximo de
180 dias da data em que tal fato ocorrer, regularizar a situação, por exemplo,
trazendo novo sócio, pois, não o fazendo, automaticamente a sociedade
será encerrada.
d) Falta de autorização para a sociedade funcionar: algumas atividades
dependem de autorização de órgão próprio para ter seu regular
funcionamento. Compete ao representante do Ministério Público (Promotor
de Justiça) providenciar a liquidação de sociedade simples que não tiver
autorização para funcionar, caso os sócios não a providenciarem nos 30 dias
que se seguirem à ocorrência que o motivou. Para melhor elucidar, em se
tratando o objeto da sociedade simples de natureza intelectual, utilizemos
como exemplo sociedade composta por veterinários que prestam serviço de
certificação de animais rastreados. No início da atual década, o Ministério da
Agricultura criou norma obrigando a rastreabilidade do rebanho bovino
nacional, através da aplicação de brincos eletrônicos (ou outros métodos)
em todos os animais. Surgiram, então, empresas privadas chamadas de
certificadoras, cuja existência depende de autorização para funcionamento.
Deixando de tê-la ou vindo a ser suspensa a autorização, o Promotor Público
deverá determinar o encerramento da empresa.
II. PROCESSO JUDICIAL
a) A ser ajuizado por qualquer dos sócios nas seguintes situações:
• em qualquer fato contratualmente previsto como permissivo da
dissolução;
• em vício que possa anular sua constituição;
• na perda do fim social, ou seja, não há atividade a ser
desenvolvida pela sociedade;
• no fato do fim social não poder ser executado.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
50
Em qualquer dos casos acima, ocorrerá a dissolução da sociedade e
posteriormente, será feita sua liquidação da seguinte forma:
• apuração do ativo e do passivo; e
• distribuição do acervo entre os sócios, conforme participação societária.
2ª – COOPERATIVA
As cooperativas, com a entrada em vigor do Código Civil, que se deu
em 2003, passaram a ser consideradas como espécies de sociedade simples,
no entanto, suas regras estão contidas tanto no artigo 1.094 deste código
como também na Lei nº. 5.764, de 16 de dezembro de 1971, merecendo
destaque os seguintes pontos:
• o seu capital social poderá ser variável ou inexistente;
• sua finalidade, para ser atingida, deve observar número mínimo
de sócios para compor a administração da sociedade, sem
limitação de número máximo;
• em seu documento de constituição, denominado estatuto social,
será feita a limitação do valor da soma de quotas do capital
social que cada sócio poderá tomar, sendo intransferíveis as
quotas à terceiros estranhos à sociedade, ainda que por
herança;
• as decisões a serem tomadas, diferentemente das sociedades
em geral, considerarão o número de sócios presentes à
reunião, e não no capital social representado, possuindo cada
sócio um só voto nas deliberações, tenha ou não capital a
sociedade, e qualquer que seja o valor de sua participação;
• a distribuição dos resultados será feita de forma proporcional
ao valor das operações efetuadas pelo sócio com a sociedade;
• por fim, a responsabilidade dos sócios poderá ser limitada ou
ilimitada conforme previsão em seu estatuto social.
SOCIEDADES EMPRESÁRIAS
1ª - SOCIEDADE LIMITADA (LTDA)
Há cinco espécies de sociedades empresárias (vide fluxograma anterior),
sendo a Sociedade Limitada eleita como a preferida dos empreendedores e
investidores brasileiros.
Estima-se que, aproximadamente, 97% das sociedades empresárias
sejam constituídas como Ltda, enquanto 2% são criadas como Sociedades
Anônimas e o restante – apenas 1% - como as outras três espécies.
Este significativo quantitativo indica que as sociedades limitadas possuem
características aptas para se adequar à necessidade dos sócios ao
constituírem pessoa jurídica adequada ao seu empreendimento.
DIREITO EMPRESARIAL
51
Mas, o que torna esta sociedade tão distinta das outras?
Devemos nos lembrar que são utilizadas para empreendimentos de
pequeno, médio e grande porte! Algumas pessoas aprendem que as
sociedades anônimas são as grandes empresas, enquanto pequenas e
médias são limitadas. Esta é uma meia-verdade. Realmente, as grandes
corporações são sociedades anônimas, mas há também empresas de médio
porte constituídas como tais, assim como existem empresas, líderes de
mercado em sua área de atuação, constituídas como Ltda. Portanto, aprenda,
desde já, que NÃO é o tamanho do empreendimento que distingue as
sociedades, e sim, suas regras de constituição, funcionamento e
encerramento.
Passemos ao estudo da Ltda.
A sociedade limitada tem normas estabelecidas pelo Código Civil e, nas
omissões, pelas normas da Sociedade Simples ou pelas da Sociedade Anônima
se assim o contrato social estabelecer. Seu registro é feito na Junta Comercial.
Diferentemente da sociedade simples, o objeto (atividade econômica)
a ser explorado na sociedade limitada pode ser a produção ou circulação
de bens ou serviços. Lembre-se que, na simples, o objeto somente pode
ser decorrente da prestação de serviços de caráter intelectual.
Desta forma, podem constituir sociedade limitada aqueles que exerçam
atividade de fabricação ou transformação de produtos (indústria),
comercialização de bens (atacadista, supermercadista, etc.), locação de
imóveis (imobiliária), locação de móveis e automóveis, prestadores de serviços
de limpeza, perfuração de poços artesianos, enfim, todo e qualquer
empresário que produza ou circule bens ou serviços.
O primeiro ponto que tornou a “limitada” a preferida dos brasileiros é
exatamente a abrangência de seu objeto, como vimos no parágrafo anterior,
mas a questão fundamental está contida na proteção patrimonial que esta
traz aos seus sócios. Dissemos na parte introdutória desta unidade que,
com a constituição de pessoa jurídica para o exercício da atividade econômica,
os sócios protegem seu patrimônio pessoal, mas foi-lhes informado também
que esta regra NÃO é aplicável a todas as sociedades.
Vimos, no capítulo anterior, que os sócios da sociedade simples possuem
responsabilidade ILIMITADA, ou seja, dívidas da sociedade afetam o
patrimônio dos sócios, não se aplicando, portanto, o tão falado princípio da
autonomia patrimonial.
Já em relação à sociedade limitada, tal princípio tem plena aplicabilidade,
gerando, como conseqüência, maior segurança aos seus sócios, pois sabem
que, em caso de dívida criada pela sociedade com credor com quem manteve
negociação, não correrão riscos de perder parte ou todo seu patrimônio
pessoal. O credor deverá satisfazer seu crédito, identificando e indicando
bens da sociedade e caso esta não possua o suficiente, o credor não
receberá o montante total de sua dívida.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
52
Por esta razão, sempre que se firmar contratos com sociedades limitadas,
o credor deverá se precaver, exigindo garantias, como, por exemplo, a
prestação de aval, cujo avalista pode ser sócio possuidor de patrimônio
suficiente para pagar a dívida assumida pela sociedade.
A formação do patrimônio da sociedade, através da transferência de
recursos que compõem o capital social, também diverge da sociedade simples,
pois, na limitada, não pode haver contribuição através da prestação de
serviços, ou seja, os sócios podem participar da constituição do capital
social transferindo dinheiro, bens ou créditos.
Em troca desta contribuição, recebem os sócios a participação societária
(%), chamada de quotas (ou cotas), iguais ou desiguais, cabendo uma ou
diversas a cada sócio, sendo que a responsabilidade destes é restrita ao
valor de suas quotas; portanto, possuem responsabilidade LIMITADA.
Note que o nome da sociedade decorre do tipo de responsabilidade dos
sócios: limitada!
Suponha que certa pessoa tenha R$100.000,00 (cem mil reais)
depositados em caderneta de poupança, rendendo algo em torno de 0,6%
ao mês. Possui ainda casa em que reside com a família (impenhorável) e
automóvel no valor de R$50.000,00. Convidado por um amigo, torna-se sócio
de supermercado, investindo R$60.000,00 em dinheiro. Em troca deste
investimento, passou a ser dono de X% do supermercado.
Como sabemos, todo e qualquer negócio traz consigo risco de insucesso,
então, pergunta-se: o que motivou aquela pessoa a retirar parte do que
possuía depositado em banco, com baixíssimo risco de perda, para investir
em empreendimento de risco? A resposta é simples: perspectiva de melhor
remuneração, vez que a caderneta de poupança rende quase nada...
Se o supermercado “quebrar” perderá o investidor o restante depositado
no banco e o seu automóvel? É aqui que entra a compreensão do que seja
responsabilidade LIMITADA.
A responsabilidade dos sócios pelas dívidas da empresa se limita ao valor
que prometeu investir e que efetivamente transferiu para a composição do
capital social.
No caso suposto, ao transferir os R$60.000,00 para a sociedade, o sócio
preservou o restante de seu patrimônio pessoal. Vale lembrar, que
dependendo da origem da dívida, esta regra comporta exceções. Refiro-me
às dívidas não-negociáveis, decorrentes de créditos fiscais, previdenciários,
trabalhistas e consumeristas (consumidor) e sempre que se comprovar que
a sociedade fora criada com fins fraudulentos, ilegais ou ilícitos.
Ainda sobre o capital social, devemos alertar que os sócios são devedores
solidários pela sua integralização. Assim, o sócio que se comprometeu a
transferir R$60.000,00, tendo cumprido sua obrigação, poderá ver-se obrigado
a integralizar a cota de seu próprio sócio que não honrou seu compromisso.
Quantifica-se:
DIREITO EMPRESARIAL
53
Capital social: R$ 100.000,00.
Sócio “A” – deverá investir, à vista, R$ 60.000,00.
Sócio “B” – deverá investir, à vista, R$ 20.000,00 e em 6 meses, mais
R$20.000,00.
Se “B” deixar de pagar a segunda prestação assumida, “A” torna-se
devedor solidário, podendo inclusive ser compelido, através de processo
judicial, a quitar o débito, podendo, posteriormente, ajuizar ação de regresso
contra “B” para recuperar o valor que este deveria ter pago e se “B” não
possuir patrimônio passível de penhora, “A” nada receberá.
Sociedade é como casamento, assim a escolha do parceiro (sócio) é
essencial para o bom funcionamento do negócio.
Finalizando a análise da composição do capital social, devemos esclarecer
que os sócios respondem solidariamente pela exata estimação de bens
conferidos ao capital social até o prazo de cinco anos da data do registro
da sociedade. Caso certo sócio transfira veículo avaliado no contrato social
em R$30.000,00, mas cujo valor de mercado seja R$25.000,00, todos os
sócios podem ser acionados para saldar esta diferença, já que deveriam ter
impedido que o veículo entrasse na sociedade com valor incorreto.
Passemos ao estudo da administração da sociedade.
A sociedade será administrada por uma ou mais pessoas - podendo ser
sócios ou não-sócios - designados no contrato social ou em ato separado.
A escolha do administrador é feita por deliberação dos sócios, sendo
que, em se tratando de pessoa não-sócia (terceiro) e caso o capital social
ainda não esteja todo integralizado, a votação para eleição deve ser
unanimidade; já se integralizado, serão necessários votos de 2/3 do capital
social, no mínimo.
Empossado o novo administrador através de ato separado, nos dez dias
seguintes, deverá ser feita averbação de sua nomeação na Junta Comercial.
O administrador poderá ser destituído, caso nomeado em contrato, por
votação de no mínimo 2/3 do capital social, salvo disposição contrária em
contrato, enquanto o nomeado em documento em separada, mais de 50%.
Para validar o término do exercício do cargo de administrador deve ser
comunicada à Junta Comercial no prazo máximo de 10 dias seguintes à
ocorrência.
Pretendendo o administrador renunciar ao cargo, por livre e espontânea
vontade, deverá comunicar à sociedade e para ter efeito perante terceiros,
obrigatoriamente terá que comunicar à Junta Comercial.
Feitas estas considerações acerca da administração, abordaremos as
regras pertinentes às decisões a serem tomadas.
Todas as deliberações dos sócios ocorrerão em reunião (sociedade com
até 10 sócios) e em assembléia para sociedades com mais de dez sócios.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
54
A validação da realização das reuniões ou assembléias ocorrerá segundo
o trâmite a seguir: publicação do anúncio de convocação por 3 vezes, devendo
a primeira comunicação acontecer 8 dias antes da realização da assembléia
para a primeira convocação e de 5 dias, para as posteriores. Para evitar
custos com estas publicações feitas em jornal de grande circulação, supre-
se tal exigência quando todos os sócios comparecerem ou se declararem,
por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia.
Pode-se também por questões de economia e praticidade, dispensar a
reunião ou a assembléia desde que todos sócios decidam, por escrito, sobre
a matéria que seria objeto de votação delas.
Em se realizando a reunião ou assembléia, o sócio pode ser representado
por outro sócio ou por advogado, através de procuração com poderes
específicos para tal fim, devendo o instrumento ser levado a registro,
juntamente com a ata. Esta ata deve conter todos os fatos ocorridos e
decisões tomadas e será assinada pelos membros da mesa e por todos os
sócios participantes, devendo, posteriormente, ser levada cópia da ata
autenticada à Junta Comercial para o devido arquivamento nos 20 dias após
a reunião ou assembléia.
Vimos a necessidade da realização da reunião ou assembléia como forma
de se unir os sócios para decidirem sobre questões pertinentes à sociedade,
ou seja, ocorrerá sempre que houver necessidade.
Entretanto, é OBRIGATÓRIO o feitio de assembléia anual nos 4 primeiros
meses de cada exercício social, especialmente para aprovação das contas,
do balanço e do resultado do exercício findo.
Pois bem, convocada a reunião ou assembléia, os sócios votarão e terão
suas decisões aprovadas com base nos seguintes quoruns (quantidade
mínima de votos):
I - 50% + 1 dos sócios presentes para:
a) aprovação das contas da administração;
b) nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas.
II - 50% + 1 do Capital Social para:
a) designação dos administradores, quando feita em ato separado;
b) destituição dos administradores;
c) o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato
social;
d) pedido de recuperação judicial quando a sociedade estiver em crise.
III – mais de 75% do Capital Social para:
a) modificação do contrato social;
b) a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade ou a cessação do
estado de liquidação.
DIREITO EMPRESARIAL
55
Ressalte-se, entretanto, que tramita no Congresso Nacional, projeto de
lei para alterar este último quórum de mais de 75% para mais de 50%, como
era na legislação anterior. Mas, até a data da realização deste material, tal
projeto ainda não havia sido votado.
Analisado o quórum de deliberação, vejamos as possibilidades de se
expulsar sócio cujas atitudes não sejam condizentes com os propósitos da
sociedade.
Segundo o Código Civil, pode o sócio, majoritário (que detenha sozinho
mais de 75% do capital social) ser ou não excluído judicialmente da sociedade
mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no
cumprimento de suas obrigações ou por incapacidade superveniente,
bastando cláusula no contrato social que preveja a exclusão por justa causa.
Havendo tal previsão, deverão os sócios convocar reunião ou assembléia
para esse fim, convocando, inclusive, o acusado para participar e se defender
das acusações.
Além da justa causa, a sociedade poderá excluir - ao invés de lhe cobrar
ou reduzir o capital social - o sócio remisso, tal como ocorre na sociedade
simples, lembrando que remisso é o sócio que deixou de integralizar sua
participação no capital social e que, após ser notificado para fazê-lo, não o
fez no prazo de 60 dias.
Outro aspecto interessante refere-se à cessão de cotas (venda da
participação societária). Segundo a regra geral, o sócio pode vender suas
cotas a outro sócio, independentemente do consentimento dos demais e
pretendendo alienar a terceiros, não poderá haver oposição de mais de ¼
dos detentores do capital social.
Frise-se que a cessão de cotas terá eficácia em relação a terceiros
somente após alteração do contrato social arquivada na Junta Comercial,
assinada pelo número mínimo de sócios necessário para validar o ato.
Finalizando o estudo das limitadas, a composição do seu nome empresarial
(vide unidade I) deverá estar relacionada com a atividade econômica da
empresa, acrescida da palavra “limitada” ou sua abreviatura Ltda, podendo
ser criado nome fantasia ou nome ou parte deste dos seus sócios. Vide
alguns exemplos:
• Nome fantasia: Agropecuária Terra Roxa Ltda, Fábrica de
Sorvetes Tarumã Ltda.
• Nome dos sócios: Rodrigues e Lopes Comércio e Indústria Ltda;
Narduchi e Paschoal Comércio de Derivados de Petróleo Limitada.
Ao invés de se usar a palavra “Limitada” ou Ltda, pode-se também
substituí-la por companhia ou cia, DESDE que NÃO seja a primeira palavra do
nome. Assim, o primeiro exemplo acima ficaria, Agropecuária Terra Roxa
Companhia.
Por costume, poucos se utilizam desta expressão na constituição do nome
das sociedades limitadas, sendo seu uso bem mais comum nas anônimas,
como veremos a seguir.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
56
2ª - SOCIEDADE ANÔNIMA
Prevista no Código Civil, mas regida por lei própria, qual seja, Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976, em virtude de seus elevados custos e
excesso de formalismos, a sociedade anônima constitui, aproximadamente,
apenas 2% das sociedades empresariais existentes no Brasil.
Comparando-a em quantitativo com a sociedade limitada, o leitor não
veria razão para estudá-la, vez que 97% das sociedades existentes no Brasil
são constituídas como limitadas. Mas, analisando-se o faturamento das
primeiras, compreende-se a sua importância.
Para se ter idéia do volume financeiro que as S.A. movimentam e faturam,
saiba, desde já, que, por obrigação legal, todos os bancos e Instituições
financeiras são fundados como tais. Considerando-se que há mais de 200
(duzentos) bancos no Brasil e, somando-se seu fabuloso faturamento,
somente estas sociedades anônimas faturam mais que milhares de
sociedades limitadas!
O rigoroso formalismo citado traz garantias e segurança para seus
acionistas, razão pela qual os sócios de grandes empreendimentos optam
por esta espécie de sociedade.
A primeira característica marcante se refere à formação do capital
social, que, diferentemente das sociedades estudadas, é dividido em
ações, enquanto naquelas, em quotas.
Os sócios das anônimas são denominados acionistas e nas limitadas e
simples, quotistas.
A figura dos acionistas, via de regra, não é tão significativa quanto nas
demais sociedades, sob o aspecto das características e atributos pessoais.
Isto quer dizer que a entrada ou saída de sócios é menos complexa, podendo
haver maior flexibilidade em seu estatuto social. Entenda-se: se alguém
adquire ações da Petrobrás, torna-se acionista. Para os administradores
daquela companhia, é irrelevante quem seja a pessoa, vez que não interferirá
na gestão do negócio.
Desta forma, falecendo este acionista, seus herdeiros tornam-se acionista
da empresa. Lembre-se que, tanto na sociedade limitada como na simples, o
falecimento de sócio faz os herdeiros receberem valor proporcional à
participação societária, somente ocupando seu lugar se for interesse dos
sócios remanescentes.
Outro aspecto interessante relaciona-se com a atividade exercida, pois
a sociedade anônima terá SEMPRE caráter empresarial,
independentemente do seu objeto, quer dizer, não importa se será
constituída para produzir ou circular bens ou serviços ou ainda para o exercício
de atividade de caráter intelectual.
No entanto, o que mais destaca esta sociedade das demais é a
possibilidade de constituí-la para oferecer suas ações aos investidores
interessados, geralmente através da venda na bolsa de valores.
DIREITO EMPRESARIAL
57
Esta perspectiva de comercialização das ações em bolsa de valores
depende da escolha e constituição de sociedade anônima para tal fim.
Isto porque há duas espécies de sociedade anônima: aberta e fechada.
A primeira permite a venda de ações no mercado de capitais, enquanto a
fechada não traz esta possibilidade.
Independentemente da forma escolhida, os acionistas possuem
responsabilidade LIMITADA, protegendo seu patrimônio pessoal em relação
às dívidas da sociedade.
Para se constituir sociedade anônima de capital aberto é necessária a
aprovação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), órgão governamental
responsável pela análise de viabilidade do negócio no sentido de identificar
a possibilidade de, em caso de autorização de abertura do capital, a
sociedade solicitadora conseguirá encontrar compradores para suas ações.
Esta fase de análise é anterior à criação da sociedade, pois, sem a
autorização, a sociedade não poderá vender suas ações. Para conhecer
melhor as atribuições da CVM, ver estatísticas, conhecer o mercado de capitais
e suas normas de operação, dentre outras inúmeras informações, basta
acessar: www.cvm.gov.br.
A formalização do nascimento da S.A. decorre da elaboração de
ESTATUTO SOCIAL e seu devido registro na Junta Comercial.
Como dissemos anteriormente, os sócios recebem ações pelo valor que
investiram na sociedade anônima, que podem ser de três modalidades:
a) ordinárias: são ações obrigatórias na constituição da sociedade. Toda
S.A. possui este tipo de ação, que confere ao seu titular direito a voto;
b) preferenciais: sua criação depende de previsão no estatuto social,
dando ao acionista certos privilégios determinados naquele documento, como,
por exemplo, prioridade no pagamento da distribuição de lucros e pagamento
de dividendos fixos, entre outros. A depender do estatuto social, podem,
também, dar direito a voto;
c) de fruição: são ações pouco conhecidas da população em geral e até
mesmo do empresariado. Sua finalidade é ANTECIPAR ao seu titular o
pagamento do valor que receberia por suas ações. Imaginemos acionista
que detenha 30% do capital social de certa sociedade anônima, sendo 20%
em ações ordinárias e 10% em ações de fruição. Este acionista tem o direito
de amortizar suas ações de fruição através da elaboração de balanço especial
para avaliar a sociedade e assim sendo, receber quantia proporcional às
suas ações. Ainda usando nosso exemplo, se a sociedade anônima for
avaliada em R$10.000.000,00 (dez milhões de reais) e o acionista quiser
receber por suas ações de fruição, a sociedade lhe pagará R$1.000.000,00
(um milhão de reais) por seus 10%. Importante esclarecer que ele continua
dono de 30% do negócio e em caso de encerramento da sociedade, receberá
apenas por 20% do negócio.
A cada ação também é atribuído um valor específico, através de critérios
diversos:
ESTATUTO SOCIAL: docu-
mento contendo, ao menos,
as cláusulas exigidas por
lei, assinado pelos sócios e
vistado por advogado.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
58
a) valor nominal: para encontrá-lo, basta dividir o Capital Social pelo
número de ações. Assim, em sociedade anônima com capital social de
R$10.000.000,00 dividido em 5 milhões de ações, o valor nominal será de
R$2,00 (dois reais).
b) valor patrimonial: divide-se o Patrimônio Líquido (PL) pelo número de
ações. O Patrimônio Líquido é encontrado subtraindo-se o passivo do ativo.
Temos então:
PL = ATIVO – PASSIVO. Valor patrimonial = PL “no. ações.
Exemplo:
Ativo: R$30.000.000,00 - Passivo: R$ 5.000.000,00 = PL:
R$25.000.000,00.
Número de ações: 5 milhões.
Valor Patrimonial = R$5,00 (cinco reais).
c) valor de negociação: em caso de venda das ações, o acionista estipula
valor para suas ações, que será pago pelo adquirente.
d) valor econômico: valor atribuído à ação por analistas de mercado,
considerando-se a credibilidade da empresa, potencial de lucro, patrimônio
líquido, etc..
e) preço de emissão: valor que se dá à ação no momento da constituição
da sociedade, bem como quando houver aumento do capital social.
Esclarecidas as modalidades de ações existentes, seguimos para as
regras acerca da administração das S.A., cujos encontros ocorrem através
de ASSEMBLÉIAS, em que se analisam o desempenho da sociedade, deliberam
sobre assuntos especificados no estatuto social, verificam o volume de
negociações e faturamento, entre vários outros assuntos. As Assembléias
Gerais Ordinárias (A.G.O.) são convocadas para abordar temas cotidianos,
como, por exemplo, apresentação do resultado através de balanço.
As Extraordinárias (A.G.E.) tratam de questões surgidas no exercício da
atividade econômica. São assuntos que devem ser discutidos e analisados
pelos acionistas surgidos no decorrer da existência da sociedade, como a
expulsão de certo sócio, a admissão de novo investidor, etc..
Há também as Assembléias Especiais, cuja participação é restrita aos
acionistas de certas classes, por exemplo, os detentores de ações
preferenciais para análise da distribuição de lucros.
De forma diversa das outras sociedades, a administração da S.A. é
feita por ÓRGÃOS, cujos nomes e atribuições seguem abaixo:
I - CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO: composta por, no mínimo, três
acionistas eleitos pela Assembléia Geral. Tem por principal atribuição fixar
diretrizes dos negócios, além de eleger e destituir os diretores. Este órgão é
obrigatório nas sociedades anônimas de capital aberto.
II – DIRETORIA: a compõem, no mínimo, dois membros, podendo ser ou
não acionistas, escolhidos pelo Conselho de Administração, quando existente,
DIREITO EMPRESARIAL
59
ou pela Assembléia Geral. Os diretores são os responsáveis pela condução
dos negócios, direcionando investimentos, sugerindo medidas para redução
de custos, etc..
III - CONSELHO FISCAL: órgão de extrema importância que, como o
próprio nome informa, tem por principal atribuição fiscalizar os atos praticados
pelos administradores da sociedade. Em sua constituição, deve haver no
mínimo três e no máximo cinco membros (acionistas ou não) eleitos pela
Assembléia Geral. Considerando-se que irão fiscalizar os demais órgãos,
natural que seus membros não pertençam à Diretoria ou ao Conselho de
Administração.
Em relação à cessão de ações, retirada do sócio ou morte de acionista,
compete ao estatuto social criar as regras específicas, podendo adotar
qualquer das citadas quando do estudo da sociedade limitada ou simples.
Finalizando, o nome empresarial a ser utilizado, tanto pode adotar nome
fantasia como nome ou parte dos nomes de seus fundadores, acrescidos da
expressão Sociedade Anônima ou sua abreviatura - S.A. - em qualquer parte
do nome ou, ainda, a expressão Companhia ou CIA, desde que seja primeira
palavra.
Exemplos: Banco do Brasil S.A.; Martins Comércio e Serviço de Distribuição
de Produtos S.A..
Usando-se Companhia: Companhia Siderúrgica Nacional, Cia Vale do Rio
Doce.
3ª - SOCIEDADE EM NOME COLETIVO
Esta sociedade e as próximas duas apresentadas a seguir, praticamente
caíram em desuso no Brasil; sua existência no Código Civil gerou diversas
críticas vez que, historicamente, as três sociedades foram e são
freqüentemente criadas com fins fraudulentos, além de que, para seus sócios,
não há as mesmas vantagens proporcionadas seja pela Ltda como também
pela S.A. No entanto, enquanto previstas em nosso ordenamento, compete-
nos fazer breve estudo.
A primeira característica da Sociedade em Nome Coletivo é que os
sócios possuem responsabilidade ILIMITADA, quer dizer, dívidas da
sociedade podem afetar o patrimônio pessoal.
Constitui-se através de contrato social, registrado na Junta Comercial,
sendo que seus sócios devem ser, obrigatoriamente, pessoas físicas.
Sua administração é exercida exclusivamente por seus sócios, sendo
proibida a contratação de pessoa estranha ao quadro de cotistas,
diferentemente do que ocorre com a S.A. e a Ltda.
Em virtude de morte de sócio é feita a liquidação de suas cotas com
respectivo pagamento aos herdeiros, a não ser que o contrato social disponha
de forma diversa.
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
60
Suas regras estão contidas no Código Civil em seus artigos 1.039 até
1.044.
4ª - SOCIEDADE EM COMANDITA SIMPLES
Esta sociedade possui dois tipos de sócios: os COMANDITÁRIOS e os
COMANDITADOS.
Os primeiros podem ser pessoas físicas ou jurídicas, possuem
responsabilidade LIMITADA e NÃO participam da administração da sociedade,
sob pena de se o fizer, converterem sua responsabilidade para ILIMITADA.
Por sua vez, os comanditados são obrigatoriamente pessoas físicas, com
responsabilidade ILIMITADA. Necessariamente, a administração é feita por
um ou mais sócio comanditado.
Para constituí-la, faz-se contrato social que deve ser registrado na Junta
Comercial.
Em virtude de morte de sócio COMANDITADO é feita a liquidação de suas
cotas com respectivo pagamento aos herdeiros; já no falecimento de
COMANDITÁRIO, seus herdeiros assumem sua participação, passando a
compor o quadro de sócios, salvo se que o contrato social dispor de forma
diversa.
Suas regras estão contidas no Código Civil em seus artigos 1.045 até
1.051, donde se extrai que a composição de seu nome empresarial poderá
ser utilizada o nome de sócios comanditados e, em se usando nome de
comanditário, este se torna comanditado.
5ª - SOCIEDADE EM COMANDITA POR AÇÕES
Tal qual a sociedade anônima, esta sociedade é constituída através de
ESTATUTO SOCIAL, registrado na Junta Comercial, em que seus sócios são
denominados acionistas e recebem ações em troca do investimento realizado.
Seus sócios possuem responsabilidade LIMITADA, exceto os que
participam da administração, através da Diretoria, cuja responsabilidade é
ILIMITADA.
O nome empresarial deve adotar o(s) nome(s) do(s) sócio(s) diretores.
Está disciplinada pela Lei de Sociedades por Ações (LSA), observados
também, o disposto nos artigo 1.090 a 1092 do Código Civil.
É HORA DE SE AVALIAR!
Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de
estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no
processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as
respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) ou pelo correio (em
formulário próprio). Interaja conosco!
Vimos, nesta unidade, o quão complexa é a compreensão das espécies
societárias previstas em nosso ordenamento jurídico.
DIREITO EMPRESARIAL
61
No entanto, em virtude da existência de ramos de atuação empresarial
tão distintos como os hoje existentes, não poderia o legislador deixar de
trazer diversas modalidades de sociedades ao cenário jurídico.
Cada sociedade estudada possui relevante importância na economia
nacional; umas possuindo simplicidade tanto em sua constituição como em
sua existência, outras sendo complexas do início até o seu encerramento.
Conhecendo este cenário, poderá o aluno seguir para a unidade 3, que
trata das normas pertinentes à concorrência entre as sociedades empresárias.
Até a próxima!
UNIDADE 2 - DIREITO SOCIETÁRIO
62
DIREITO EMPRESARIAL
63
UN
IDA
DE 3
ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO
CONCORRENCIAL
A atuação dos empresários no cenário econômico e na disputa por clientes
gera, naturalmente, ampla competição, denominada concorrência. Admita-
se (ou não) a concorrência, por mais justa que seja, visa restringir a área de
atuação do oponente e até mesmo, retirá-lo do competitivo mercado. Mas,
graças à concorrência, há criação constante de novos produtos e melhora
nos já existentes, além de seus preços sofrerem constantes reduções. Por
esta razão, a Constituição Federal estimula a livre concorrência entre os
empresários, porém impondo limites nesta competição para se evitar
prejuízos ao consumidor, à economia nacional e aos próprios concorrentes.
OBJETIVOS DA UNIDADE:
• Demonstrar a finalidade positiva advinda da livre concorrência
entre os empresários do mesmo setor de atuação.
• Apresentar aos alunos os órgãos de proteção da concorrência
e sua área de atuação.
• Distinguir as práticas consideradas lícitas e as ilícitas.
• Especificar as atitudes incorretas e as conseqüências da atuação
ilícita do empresário.
PLANO DA UNIDADE:
• Princípios constitucionais da livre iniciativa.
• Concorrência desleal.
• Infração da ordem econômica.
• Licitações.
Bons estudos!
64
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA
O desenvolvimento da atividade econômica, como fora demonstrado nas
duas unidades já estudadas, vem sendo regulamentado desde 1850, com
a entrada em vigor do Código Comercial.
A criação de normas para se disciplinar os empreendimentos empresariais
não se limita apenas a regulamentar a relação dos sócios entre si ou para
com a sociedade empresária da qual participa, mas também demonstra
grande preocupação em impedir a prática de atos lesivos à população em
geral.
Aqui no Brasil, já em 1946, foi utilizada a expressão “abuso de poder
econômico”, evidenciando a política de desenvolvimento econômico planejada
por Getúlio Vargas com vistas à preservação dos interesses coletivos.
Outra conquista importante ocorreu em 1962 com a criação de órgão
da Administração Pública Federal até hoje existente e o Conselho
Administrativo de Defesa Econômica, costumeiramente apresentado ao
público através da imprensa por sua sigla, CADE.
Seu surgimento é considerado marco histórico para o Direito
Concorrencial, pois, até então, todas as discussões, ligadas ao assunto em
que não se chegava a acordo, teriam que ser resolvidas pelo Poder Judiciário.
Com o passar dos anos e a constituição de diversas sociedades
empresárias, a concorrência entre estas tornou-se crescente, sendo desleal
em muitos casos e, com certa freqüência, trazendo consigo prejuízos aos
consumidores em geral.
Por esta razão, o Governo Federal, atento ao crescimento de lesões aos
princípios constitucionais da concorrência, fez surgir a Lei nº 8.884"94, ditando
as principais regras acerca do Direito Concorrencial, além de criar a estrutura
adequada para monitorar o desrespeito a estas normas bem como punir os
infratores.
Foi assim que se edificou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência
(SBDC), a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de
Acompanhamento Econômico (SEAE).
Atualmente, compete ao CADE analisar e, se necessário, punir, a prática
de atos atentatórios à legislação concorrencial, cuja decisão decorre de
Processo Administrativo.
Deve-se, no entanto, se esclarecer que existe a possibilidade da parte
interessada e insatisfeita com a decisão do CADE acionar o Poder Judiciário
para nova análise da situação, como já ocorrerá em diversos casos
envolvendo grandes sociedades empresárias e que foram noticiados pela
imprensa.
Outra área de atuação do CADE consiste no julgamento das fusões ou
incorporações que possam desrespeitar as regras mínimas de concorrência,
trazendo prejuízo ao consumidor final do produto ou serviço. O procedimento
administrativo utilizado nestes casos é denominado de Ato de Concentração.
65
DIREITO EMPRESARIAL
Agora que já visualizou os órgãos existentes, criados para se proteger
o Direito Concorrencial, deve-se conhecer os seus PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS, dispostos no artigo 170 da Constituição Federal.
1º. Soberania nacional
Para compreender este princípio, se faz necessário relembrar as
afirmações contidas no capítulo I da unidade I, quando foi dito se tratar o
Estado de regulador e fiscalizador da conduta das pessoas que se encontram
em seu território.
Sabe-se que somente o Estado dispõe de meios legais para obrigar
aqueles que descumpriram certa regra a ressarcirem o dano causado, através
da imposição de penas.
Esta condição de criar regras, julgar seu eventual descumprimento e
penalizar o sujeito que deixou de cumpri-la, torna o Estado soberano.
A soberania nacional permite ao Estado impor regras cuja finalidade
primordial é a proteção da coletividade, ainda que alguns particulares sejam
diretamente prejudicados.
No caso do Direito Concorrencial, que cuida da acirrada competição das
sociedades empresárias pela constante ampliação de seus mercados e a
conseqüência gerada por esta disputa em relação aos consumidores, a
presença e influência do Estado em toda esta complexa cadeia de
relacionamento se torna essencial, e o respaldo para sua atuação vem
exatamente da aplicação prática do princípio da soberania nacional.
Assim sendo, à medida que certa empresa desrespeita qualquer regra
de concorrência desencadeadora de prejuízos para suas concorrentes e/ou
para os consumidores ou até mesmo para a economia nacional, haverá
intervenção estatal, visando recompor a situação de mercado anteriormente
existente, independentemente da relevância patrimonial e econômica que
possua a empresa causadora do desequilíbrio do mercado.
2º. Propriedade privada
A Constituição Federal inseriu em seu artigo 5º a propriedade privada,
trazendo ao seu proprietário maior segurança jurídica no tangente à sua
proteção.
Já em relação a sua definição e principais regras, o diploma legal
disciplinador do assunto é Código Civil.
Para fins didáticos, deve-se destacar que o Direito de PROPRIEDADE
permite ao proprietário usar, gozar e dispor livremente de seus bens,
autorizando-lhe a utilizar-se dos meios necessários para reaver a
propriedade de quem a deter de forma injusta.
Quando a legislação diz que o proprietário pode usar, gozar e dispor
livremente de seus bens, à primeira vista, parece ser o direito de propriedade
ABSOLUTO, ou seja, o proprietário faz o que bem quiser com o bem.
66
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
No entanto, esta regra comporta diversas exceções.
O proprietário de um imóvel urbano, por exemplo, deve respeitar a
vizinhança, não excedendo o limite de som estabelecido em lei; não o
destinando a fins ilícitos; etc.
Para se ter idéia do quanto há restrições em relação à propriedade,
basta analisar a diferença entre a propriedade urbana e rural.
Um investidor pode comprar imóveis urbanos, deixá-lo “parado” e, após
a valorização da região, vendê-lo, obtendo lucro. Já nos casos de imóveis
rurais, a especulação imobiliária não acontece desta forma, pois, se alguém
adquire imóvel rural por mera especulação imobiliária, aguardando a sua
valorização, corre o risco de ver a área desapropriada se não cultivá-la.
Outra importante diferença está na preservação dos recursos naturais e do
meio ambiente. Cada estado brasileiro limita o uso do imóvel a percentuais
que visam proteger a natureza, assim sendo, todo proprietário rural deve
manter a chamada reserva legal, por imposição legal, visando a preservação
do meio ambiente.
Portanto, verifica-se que o direito de propriedade no Brasil impõe
restrições ao seu uso. O proprietário pode usar, gozar, dispor e proteger
seu imóvel, no entanto, deve se ater às regras pertinentes à sua exploração.
Como se viu, há muito o Direito de Propriedade deixou de ser absoluto
no Brasil, devendo o proprietário restringir o uso do bem na proporção
prevista na lei.
Outro aspecto merecedor de destaque é o fato de a Constituição Federal
ter alargado a abrangência da propriedade aos bens IMATERIAIS, como as
marcas e patentes.
Por esta razão, o profissional de todo e qualquer ramo empresarial deve
sempre se lembrar de que a utilização dos meios de produção tem que se
dar de forma a não prejudicar o mercado como um todo e que, em caso de
ameaça à propriedade - tanto de bens materiais como imateriais -, seu
proprietário encontra todo o respaldo e segurança jurídica que necessita
para impedir a efetivação do dano.
3ª. Função social da propriedade
O termo função social ganhou destaque no novo Código Civil apesar de
já estar contido na Constituição Federal e em outros ordenamentos jurídicos,
como o Estatuto da Terra de 1964.
O empresariado tem percebido que associar a imagem de sua empresa
a projetos sociais destinados à coletividade atrai significativo número de
consumidores.
Cumprir a função social significa realizar negócios que sejam
adequados para ambas as partes contratantes e que, além disso, não
sejam prejudiciais para a sociedade como um todo.
Reserva legal: área que pre-
serva as características da
mata nativa no imóvel rural,
sendo sua exploração veda-
da (proibida) ou permitida
com autorização de órgãos
ambientais.
67
DIREITO EMPRESARIAL
A aplicação desse princípio se traduz em limitar o uso abusivo da
propriedade anteriormente estudada, trazendo ao empresário o dever de
utilizar seu patrimônio, material ou imaterial, de forma adequada e racional.
4º. Livre concorrência
Nos países onde realmente se implementou a democracia e permitiu seu
natural desenvolvimento, o crescimento do mercado se fez presente e graças
à concorrência entre as empresas houve gradual melhora na qualidade e
preço dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores.
Pelo princípio da livre concorrência, tem o Estado a obrigação de respeitar
o livre desenvolvimento da atividade empresarial, atuando e interferindo
somente se houver abuso do poder econômico por parte de qualquer
organização atuante neste mercado que possa causar prejuízo à livre
concorrência.
Ao permitir a livre concorrência entre os fornecedores de produtos e
serviços, o Estado contempla diretamente os consumidores, pois estes optam
pela aquisição de bens com boa qualidade e bom preço, surgidos exatamente
em virtude da disputa de mercado.
Desta forma, nos dias atuais, os empresários buscam otimizar todo o
sistema de produção, reduzindo custos e melhorando a qualidade dos
produtos, visando preservar e ainda, aumentar sua clientela, garantindo
assim, o objetivo precípuo da atividade principal, qual seja, a obtenção de
lucro.
5º. Defesa do consumidor
Dentre os princípios constitucionais de maior relevância para o cenário
econômico e concorrencial se destaca a proteção ao CONSUMIDOR.
Para os estudantes de Direito Empresarial, conhecer a relação de
consumo e suas regras protetivas é de extrema importância e, por tal razão,
seu estudo é feito de forma individualizada na próxima unidade.
Para efeitos de estudo desta unidade, importa saber que o
empresariado deve respeitar e proteger o interesse do consumidor,
prestando-lhe as informações necessárias para permitir o consumo
adequado do produto ou serviço disponibilizado.
A defesa do consumidor como norma constitucional surge como meio de
impedir a prática de abusos por parte do consumidor, visto ser este a parte
mais fraca na relação de consumo, uma vez que não tem acesso à fase de
produção do bem. E para evitar a ocorrência de danos, precisa ter o mínimo
de informações necessárias para saber se há no produto substância que
lhe são impróprias para o consumo.
Recentemente, a imprensa noticiou, em nível nacional, a adulteração do
leite feita por laticínio, localizado na cidade de Uberaba, Minas Gerais, cujo
intuito fora aumentar a quantidade de leite através da adição de diversas
substâncias, dentre as quais, soda cáustica. O engenheiro químico
68
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
desenvolveu fórmula que impedia descobrir a adulteração do leite através
de exames e o esquema somente foi descoberto graças à denúncia anônima.
A partir da denúncia, o Ministério Público e o órgão de defesa do consumidor
daquele município atuaram em prol dos consumidores, acarretando a
interdição do estabelecimento.
Portanto, a defesa do consumidor foi elevada a princípio constitucional
pela importância no cenário econômico e também por visar proteger sua
saúde e integridade.
6º. Defesa do meio ambiente
A mentalidade devastadora dos colonizadores na história universal deixou
um saldo negativo na balança da natureza, visto por alguns estudiosos
como irreversível. Mesmo nos últimos anos, lucro e meio ambiente não estão
em harmonia.
Os empresários cujos ramos de atuação interferem diretamente no meio
ambiente pouco faziam para protegê-lo antes do advento da Constituição
Federal de 1988. Apesar de existirem normas protetivas do meio ambiente
e dos recursos naturais muito antes daquele ano, somente com a criação
de normas constitucionais de proteção das riquezas naturais é que se iniciou
a mudança da mentalidade do empresariado.
Campanhas educativas, atuações radicais de grupos ambientais, multas
elevadíssimas, exigência do consumidor por produtos “ecologicamente
corretos” são o resultado do princípio protetor do meio ambiente.
Esta transformação na consciência do empresário e também do
consumidor fez nascer a visualização da lógica: a não-proteção do meio
ambiente acarretará a extinção de riquezas naturais e como conseqüência
os produtos dela advindos também não mais haverão de existir.
O carvão que alimenta as fornalhas da indústria siderúrgica existente
no norte de Minas Gerais se tornou produto escasso graças à visão não-
preservacionista de décadas atrás, gerando como resultado a extinção
completa de matas nativas nas proximidades destas indústrias.
A conseqüência desastrosa desta atitude se reflete no bolso do
consumidor, pois, atualmente, as indústrias de siderurgia ajudam donos de
fazendas a custear a produção de madeira e ainda, pagam alto preço pelo
carvão que ela mesma custeou e naturalmente, a elevação deste custo de
produção é repassada ao destinatário final, ou seja, o consumidor.
Por assim ser, a proteção do meio ambiente não deve ser vista apenas
como um ideal dos ambientalistas fanáticos, mas como uma forma de se
preservar a cadeia produtiva, a estabilização da economia nacional, a livre
concorrência entre as empresas e, por fim, permitir ao consumidor não
apenas a continuidade de fornecimento de produtos advindos do meio
ambiente, mas também a estabilidade de seu preço.
69
DIREITO EMPRESARIAL
7º. Redução das desigualdades regionais e sociais
Os detentores dos meios de produção devem, segundo este princípio,
se conscientizarem da importância que sua empresa exerce no contexto
em que estão inseridos, visando, não apenas a geração de riquezas e a
produção de empregos, mas também agir de forma a pensar na
coletividade.
Nos últimos anos, o empresariado em geral vem demonstrando maior
preocupação com a comunidade ao redor de suas instalações, através do
desenvolvimento de ações educativas, sociais e ambientais, propiciando maior
bem-estar aos membros desta coletividade.
Em países de extensão territorial como o Brasil, a atuação consciente
do empresariado está gradativamente reduzindo as desigualdades regionais
e sociais tão latentes em todos os estados brasileiros.
A atual missão dos gestores da atividade econômica é compatibilizar a
conquista do lucro com o desenvolvimento social da coletividade.
A população anseia por empresas que tenham esta consciência e, por
outro lado, as organizações estão percebendo que atingir o objetivo deste
princípio não significa apenas cumprir a lei, mas também ter retorno financeiro
através da prática de boas ações, pois o consumidor está atento e tem
preferido adquirir produtos de fornecedores que atuam em prol da
coletividade.
8º. Busca do pleno emprego
A crescente modernização das máquinas e equipamentos e o constante
desenvolvimento e aperfeiçoamento da informática geraram grave
preocupação no legislador constituinte, convertendo-se em princípio em prol
dos empregados.
O exercício da atividade econômica, habitualmente, depende de mão-
de-obra para se atingir o fim almejado. Entretanto, em alguns setores, há
empregados (e desempregados) em abundância, enquanto em outros há
escassez de profissionais, em virtude, principalmente, da exigência de
qualificação profissional.
O empresário, enquanto empregador, deve pautar suas ações de forma
a ampliar constantemente seu quadro de empregados, de forma
proporcional ao crescimento de sua empresa.
Dentre os princípios até aqui estudados, talvez seja este o que menos
desperte esforços do empresariado; não por assim desejar, mas,
principalmente, pela conjuntura existente no cenário trabalhista.
Vimos acima o princípio da livre concorrência que propicia o
desenvolvimento de melhores produtos com preços menores, justamente
pela competitividade existente entre empresários do mesmo setor. As
grandes empresas chegaram praticamente ao limite da redução de custos
70
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
em suas atividades e, para que isso se tornasse realidade, muitos
empregados perderam seu emprego, pois, ante o excesso de profissionais,
na disputa por mercado e a conseqüente redução de custo de produção, o
empresário não vê outra alternativa senão demitir empregados e contratar
outros, pagando-lhes menores salários. Esta é a regra do jogo, infelizmente.
Por outro lado, substituir empregado por máquinas ou softwares significa
corte nos custos e menos aborrecimentos, afinal, máquinas e computadores
não adoecem, não são afastadas pelo INSS, não causam prejuízos ao próprio
empresário ou a terceiros, não ajuízam reclamação trabalhista, não fazem
greve, enfim, há diversos fatores que podem ser aqui citados.
Em certa oportunidade, como consultor jurídico em Direito Agrário,
acompanhei a negociação de compra e venda de uma usina de álcool. O
adquirente, ao notar o grande número de máquinas no estabelecimento,
perguntou quantos empregos foram sacrificados com a aquisição das
mesmas e, ao saber que mais de 1"3 dos empregados foram substituídos,
disse que a primeira providência seria vender as máquinas e contratar
empregados em seu lugar. O vendedor, então, nos mostrou planilhas
mostrando o preço de compra das máquinas, a redução do custo com o
corte dos empregados e a estatística dos números de ações trabalhistas e
acidentes de trabalho, sendo que ambos sofreram drástica redução.
Bastaram quinze minutos para o comprador da usina desistir da idéia de
aplicar o princípio da busca do pleno emprego.
Com esta explanação, não se pretende desestimular a contratação de
empregados, mas sim advertir o empresariado para o triste problema advindo
da relação de trabalho.
Segundo um dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, há mais de
9.000 (nove mil!) leis trabalhistas em vigor, o que dificulta o trabalho dos
profissionais da área jurídica e de recursos humanos; por outro lado, a
interpretação adotada por juízes e representantes do Ministério do Trabalho
é excessivamente favorável aos empregados, gerando pesadas condenações
trabalhistas.
Assim sendo, faz-se imperiosa uma reforma trabalhista em nosso país
que permita ao empresariado realmente ter condições de administrar seu
negócio, pensando na geração de novos empregos ou será cada vez mais
crescente a substituição de empregados por máquinas, equipamentos e
computadores.
9º. Tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
Não há dúvida que em nosso país houve significativo crescimento de
empresas de pequeno (EPP) e médio porte.
Dentre os vários fatores geradores de tal situação, destacam-se a
dificuldade em se conseguir emprego (ou se manter nele) e por outro lado,
as constantes modificações da legislação para estimular o surgimento de
pequenas empresas.
71
DIREITO EMPRESARIAL
Compete, pois, ao governo estimular o desenvolvimento de novas
atividades econômicas, permitindo às pequenas empresas o pagamento
de tributos de forma diferenciada, ou seja, reduzindo-lhes custos com
impostos e encargos sociais, de tal forma que o produto final possa ser
competitivo com o desenvolvido por outra grande empresa do mesmo setor.
À medida que pequenas empresas nascem e se desenvolvem graças
aos benefícios fiscais e conseguem lançar no mercado produtos com qualidade
e baixo preço, o princípio da livre iniciativa se aplica, pois as empresas
concorrentes terão de agir rapidamente para não perder sua clientela.
Portanto, favorecer o desenvolvimento de pequenas empresas é meta a
ser diuturnamente perseguida pelo Estado, vez que ocasionará
automaticamente a aplicação de todos os outros princípios até então
estudados.
Por fim, antes de passarmos para o próximo tópico, nunca é demais
lembrar que para se atingir o objetivo de todos estes princípios estudados
deve haver participação direta dos empresários na execução de suas
atividades pautadas exatamente na essência que se extrai da análise
conjunta de todos os princípios, porém o Estado exerce função primordial no
sentido de, ora auxiliar o empresário, ora criar limites e lhe impor severas
penas em caso de descumprimento de tais normas. Os princípios
constitucionais da livre concorrência são, portanto, regras de conduta tanto
para particulares como para o próprio Estado.
Estudados tais princípios, passemos a conhecer as regras em que se
insere a concorrência desleal.
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Vimos que a Constituição Federal, em seu artigo 170 e seguintes,
disciplinou os Princípios Gerais da Atividade Econômica, norteando assegurar
a proteção do meio ambiente e dos consumidores, pretendendo também
incentivar o desenvolvimento dos empresários ao mesmo tempo em que
lhes impõe restrições.
Dentre os princípios estudados consta o da Livre Concorrência, pelo qual
os empresários concorrem entre si, ofertando aos consumidores maior
variedade de produtos com preços cada vez mais acessíveis, resultando
esta disputa de mercado em investimento tecnológico e na criação de novos
produtos.
Mas o Estado deve estar sempre atento a esta competição, fiscalizando
cada organização e sua prática de mercado para que, se houver necessidade,
intervenha e puna aquela que abuse de seu poderio econômico, objetivando
eliminar a concorrência, dominar o mercado e aumentar arbitrariamente os
lucros.
Ora, a concorrência gera produtos abundantes, de qualidade e com preços
acessíveis; à medida que há eliminação dos concorrentes, todo este ciclo se
desfaz e o empresário dominante, ao monopolizar a produção, poderá retê-
72
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
la ou diminuí-la, gerando grande procura por parte dos consumidores, e
como conseqüência, o aumento do preço do produto ante sua proposital
escassez. Esta prática norteia exclusivamente o aumento significativo dos
lucros do empresário dominante.
Foi, então, com base nos princípios constitucionais e ante a possibilidade
de ocorrência de abuso do poder econômico que surgiu a Lei 8.884"94,
denominada Lei de Defesa da Concorrência.
Com o advento desta lei (e de suas alterações feitas pela Lei nº 9.021,
de 30 de março de 1995 e pela Lei 10.149, de 21 de dezembro de 2000), o
Brasil organizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC),
através de órgãos de defesa da concorrência, divididos por área de
competência administrativa e atuação. Há três órgãos:
1. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)1
Este é o órgão mais antigo dos três, sendo que sua criação remonta a
1962, oportunidade em que era um órgão do Ministério da Justiça. Com a
entrada em vigor da Lei 8.884, em 1994, foi transformado em autarquia
federal, também vinculada Ministério da Justiça.
Em sua área de atuação, ao CADE compete orientar, fiscalizar e apurar
abusos de poder econômico, podendo, para tanto, analisar e julgar
empresários com poder de mercado denunciados pela possível prática de
condutas ilegais.
Vê-se, portanto, que o CADE é órgão julgador, possuindo por
determinação legal, poder para aplicar às empresas enquadradas na prática
de condutas ilícitas penalidades como multas (tanto à empresa quanto aos
seus administradores); impedir a realização de contratos com instituições
financeiras oficiais; proibir a empresa de participar de licitações públicas;
alterar a composição societária do empresário, principalmente através de
sua CISÃO; determinar a mudança no comando da sociedade enfim, ao CADE
é permitido punir da forma que melhor lhe convier para manter estável a
política de concorrência no Brasil.
O resultado do julgamento e a conseqüente punição (quando houver)
são apresentados em sessão solene, aberta ao público e realizada em
Brasília, sede do órgão. Das decisões do CADE, a parte interessada poderá
recorrer ao Poder Judiciário solicitando revisão do entendimento demonstrado
pelo referido órgão.
Nos últimos anos, alguns casos (citados nos capítulos finais) envolvendo
empresas chamadas de “gigantes do setor” levaram aos salões do CADE
dezenas de jornalistas, visto que o resultado era aguardado ansiosamente
por toda a comunidade.
Mas, o papel do órgão não se restringe aos julgamentos de denúncias.
Compete-lhe atuar de forma preventiva, repressiva e até mesmo, educativa.
Nestes termos, deve o CADE estar atento às negociações realizadas
entre empresários, visando se unir para dominar (ou não) o mercado,
AUTARQUIA FEDERAL:
pessoa jurídica de direito
público, criada por lei e per-
tencente à União.
Poder de mercado: a referi-
da expressão simboliza a
capacidade de certo empre-
sário manter sua clientela
ainda cobrando por seus
produtos preço superior ao
dos concorrentes.
73
DIREITO EMPRESARIAL
utilizando-se de instrumentos legais como a fusão, incorporação, aquisição
e joint-venture.
Geralmente, quando grandes empresas do mesmo segmento e
concorrentes entre si anunciam oficialmente sua união, o CADE analisa as
possíveis conseqüências para o mercado, a economia e também para os
consumidores.
Ante a possibilidade de conduta anticoncorrencial, o CADE tem poder
até para VETAR a realização do negócio.
2. Secretaria de Direito Econômico (SDE)
Este órgão é vinculado e pertencente ao Mi-nistério da Justiça2, tendo
como principais atribuições criar as regras pertinentes à proteção e defesa
da ordem econômica, objetivando, principalmente, proteger os interesses
dos consumidores. Atualmente, compete ao SDE planejar, elaborar, propor,
coordenar e executar a política nacional de Defesa do Consumidor.
A efetivação de sua atuação dá-se através da apuração de casos de
condutas anticoncorrenciais, bem como emitir parecer acerca dos atos de
concentração a serem aprovados pelo CADE.
Importante esclarecer que qualquer pessoa pode provocar a SDE para
apurar possível prática de ato considerado anticoncorrencial, competindo
aos seus membros investigar a veracidade da denúncia realizada, sendo
que, configurado o ato ilícito, será feito parecer, no prazo de 30 dias, e enviado
ao CADE para julgamento. Note, portanto, que ao SDE NÃO compete julgar
e punir, mas sim instaurar o procedimento administrativo, com a juntada
da denúncia, documentos relativos ao caso e do seu parecer.
3. Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE)
Existente desde 1995 e componente do Ministério da Fazenda3, este
órgão promove e defende a concorrência; regula a economia e acompanha
o cenário do mercado empresarial como um todo. Ante a multiplicidade de
ações executadas e a complexidade da realização de suas tarefas, a SEAE é
composta por 8 coordena-ções-gerais:
Coordenação-Geral de Análise Econômica – COGAE;
Coordenação-Geral de Análise de Mercados – COGAM;
Coordenação-Geral de Comunicação e Mídia – COGCM;
Coordenação-Geral de Defesa da Concorrência – COGDC;
Coordenação-Geral de Economia da Saúde – COGSA;
Coordenação-Geral de Energia e Saneamento – COGEN;
Coordenação-Geral de Produtos Agrícolas e Agroindustriais – COGPA;
Coordenação-Geral de Transportes e Logística – COGTL
Fusão: união de dois ou
mais empresários que dei-
xam de existir, pois forma-
ram um novo agente eco-
nômico.
Incorporação: decorre da
incorporação de certo em-
presário feita por um ou
mais empresários, aumen-
tando a pessoa jurídica já
existente, deixando o incor-
porado de existir.
Aquisição: ocorre quando
um agente econômico ad-
quire o controle ou parcela
substancial da participação
acionária de outro agente
econômico.
Joint-venture: consiste na
união entre dois ou mais
empresários para a criação
de um novo agente econô-
mico, porém distingue-se da
fusão, pois não há extinção
dos agen-tes que se uni-
ram.
Atos de concentração: todo
tipo de ato ou negócio jurí-
dico realizado entre empre-
sas que pode ter como con-
seqüência um maior poder
ou concentração de merca-
do do que o que havia por
parte das empresas, sepa-
radamente consideradas,
antes de sua realização.
74
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
O papel desenvolvido pelos profissionais da SEAE é de auxiliar as ações
desenvolvidas pela SDE, ou seja, atua também na área investigativa,
apurando denúncias de práticas anticoncorrenciais, manifestando sua opinião
através de parecer elaborado no prazo de 30 dias e encaminhado ao SDE.
A partir do ano 2000, a legislação vigente ampliou os poderes deste
órgão, sendo-lhe possível, inclusive, multar a organização investigada que
dificulte o acesso às informações necessárias para a análise do caso concreto.
Pois bem. Viu-se anteriormente os órgãos da administração pública
responsáveis pela análise da atuação dos empresários em relação à conduta
concorrencial, restando, portanto, compreender as práticas contrárias às
regras da livre concorrência.
A atuação do empresário e até mesmo sua intenção de fraudar tais
regras podem ser suficientes para a intervenção dos órgãos estudados,
além da possibilidade de processos judiciais em âmbito criminal e civil iniciados
por outro empresário prejudicado pela ação do concorrente fraudador.
Já se destacou, de forma até exaustiva, a adoção do princípio da livre
concorrência em nosso país como forma de estímulo ao desenvolvimento
social e do empresariado, trazendo como benefícios diretos fartura de
produtos no mercado, com qualidade e preço acessível.
No entanto, ainda não foi citado que a atuação das empresas de forma
concorrente traz, sem dúvida alguma, o crescimento de uns em detrimento
de outros.
A concorrência, por si só, é vista como forma de competição acirrada
entre os empresários do mesmo setor e, para o desenvolvimento de um, é
necessário o enfraquecimento de outros, ou seja, em nome da livre
concorrência o empresário se utilizará dos meios adequados para superar
seus concorrentes, desejando-lhes, até mesmo, o seu fracasso.
Isto significa que a concorrência, ainda quando LEAL, traz em seu
propósito a vontade de ver destruída a pretensão dos concorrentes na busca
da expansão de sua clientela.
O empresário, ao lançar novo produto no mercado ou produto com
significativa melhoria, pretende retirar parcela dos clientes de seu
concorrente, sendo seu intuito final conquistar todos os seus clientes.
Esta disputa constante pelo mercado consumidor é tamanha a ponto
de, na corrida pelo primeiro lugar na preferência da população, empresas
acabam, por falta de estudo e planejamento, lançando novo produto que
concorre com outro produto de sua propriedade.
Caso recente ocorreu com a Pepsi Cia. ao lançar no mercado refrigerante
de “cola” com adoção de suco de limão. A idéia deu certo, caindo no gosto
dos consumidores, porém o tiro saiu pela culatra: a Pepsi Cia. pretendia
angariar consumidores de sua histórica rival, mas o público consumidor do
novo refrigerante com limão já era parte de sua clientela, que ingeria a
pepsi-cola, ou seja, o faturamento com a venda de sua principal bebida se
75
DIREITO EMPRESARIAL
viu reduzido! Houve um simples “deslocamento” de sua própria clientela
que antes consumia a pepsi-cola e passou a tomar pepsi–twist.
Assim sendo, o lançamento de produtos e ou campanhas publicitárias
devem ser amplamente estudados para evitar investimento inócuo. Mas o
importante para o Direito Concorrencial não são os erros na gestão do
negócio, e sim os meios utilizados pelo empresário ao competir no mercado.
Há duas formas consideradas predatórias em relação ao exercício da
atividade econômica com vistas à livre iniciativa: concorrência desleal e infração
da ordem econômica, sendo esta última estudada no próximo capítulo.
Ambas as formas estão contidas na Lei 8.884"94, chamada por alguns
de lei antitruste.
De seu contexto, se extraem os motivos qualificadores da CONCORRÊNCIA
DESLEAL, a saber: i) atuação do Estado ao impor regras contrárias ao
conteúdo da Constituição Federal, sendo, portanto, ilegais; ii) prática de
atitudes dos empresários consideradas ilícitas em termos concorrenciais,
cuja análise e estudo seguem abaixo.
Parte-se do princípio que a concorrência LEAL é prejudicial ao concorrente
diretamente afetado, mas isto é regra de mercado; já a concorrência
DESLEAL decorre do uso de mecanismos desonestos e ilícitos empregados
pelo empresário para a conquista de consumidores.
Na ânsia de reduzir o custo de produção, melhorar a qualidade dos seus
produtos e ampliar sua clientela, muitas vezes o empresário adota meios
ilegais para atingir tais fins.
Em relação à melhora da qualidade dos produtos é considerada
concorrência desleal a prática da violação do segredo de empresa, através
da espionagem econômica, do acesso não-autorizado ao banco de dados
do concorrente ou da compra de informações privilegiadas.
Por esta explanação é fácil perceber que a concretização de tais atos
somente é possível, geralmente, com a participação de empregados,
consultores, auditores, prestadores de serviços e até mesmo por sócios das
empresas prejudicadas.
Outro aspecto se refere ao fato de haver dano ao próprio empresário
cujo segredo de empresa fora violado, cabendo-lhe tomar as atitudes
necessárias, podendo promover ações civis de ressarcimento do prejuízo
bem como ações na esfera penal para punir o concorrente desleal, com base
nos crimes previstos na Lei de Propriedade Industrial, mais especificamente
em seu artigo 195.
Merece destacar a possibilidade de se punir tanto a empresa adquirente
das informações como as pessoas participantes de sua ocorrência, ou seja,
em se tratando de empregado, segundo a Consolidação das Leis do Trabalho,
há possibilidade de ser demitido por justa causa; no caso de sócio, poderá
ser expulso da sociedade por falta grave ou por descumprimento de suas
obrigações (vide unidade II), já sendo praticado pelas outras pessoas citadas,
poderão ser punidas nos termos do contrato mantido com a empresa
76
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
prejudicada e com base nas normas da responsabilidade civil previstas no
Código Civil, que incluem reparação dos danos materiais e morais causados.
De outro norte, pratica ato tipificado como concorrência desleal o
empresário que no afã de angariar novos clientes adota meios que induzem
o consumidor em erro, via veiculação de publicidade enganosa e lesiva
ao consumidor.
Na unidade IV, é feito minucioso estudo sobre publicidade e defesa do
consumidor, sendo relevante no momento compreender que o engodo pode
decorrer de falsas informações quanto à origem do produto ou serviço.
Vimos na unidade I o caso do posto de combustível em cuja fachada
está inserida a expressão I3R fazendo crer o consumidor que está
adentrando o posto da renomada e confiável BR. (Vide unidade I, capítulo
relativo a título do estabelecimento).
A prática de tal empresário configura concorrência desleal por induzir o
consumidor em erro quanto à origem do combustível bem como à qualidade
de serviço prestado.
Tal qual no caso de violação de segredo de empresa, a empresa
prejudicada poderá processar civil e criminalmente a concorrente desleal,
objetivando cessar a publicidade enganosa e ainda, ver-se ressarcida pelos
prejuízos advindos do uso indevido de sua marca, nome empresarial ou
título do estabelecimento.
Finalmente ao reduzir ao máximo seus custos de forma ilícita, pratica
ato considerado de concorrência desleal o empresário que usa material
de qualidade inferior em seus produtos e, ainda, aquele que sonega
tributos.
Nestas duas últimas situações citadas, a legislação autoriza a intervenção
direta do Estado visto que, nestes casos, há interferência direta nas leis do
mercado, traduzindo-se em conseqüências devastadoras como, por exemplo,
a falência de empresas honestas e cumpridoras de seus deveres.
Assim sendo, diferentemente dos dois primeiros casos citados (violação
de segredo de empresa e indução do consumidor em erro), em havendo a
prática de uso de produtos ou substâncias indevidas na constituição do
produto final ou ocorrendo a sonegação fiscal, pode o Estado intervir
diretamente, independentemente da manifestação dos concorrentes
prejudicados.
Lembre-se do já citado caso da adulteração de leite ocorrida em laticínio
de Uberaba, Minas Gerais. Não houve denúncia das empresas concorrentes;
bastou o Estado ter conhecimento do assunto para interditar as instalações
e proibir a continuidade da atividade outrora desenvolvida.
O prejuízo advindo destas duas modalidades de concorrência desleal
afeta diretamente um elevado percentual de consumidores que deixaram
de consumir o produto do concorrente leal, reduzindo-lhe o faturamento.
77
DIREITO EMPRESARIAL
INFRAÇÃO DA ORDEM ECONÔMICA
No capítulo anterior, definiu-se a concorrência, demonstrando sua
ocorrência existir a partir da prática da concorrência desleal ou da infração
da ordem econômica, sendo aquela já estudada.
A infração da ordem econômica possui uma característica interessante:
o empresário a comete mesmo sem ter CULPA na conduta adotada. O
legislador brasileiro optou em punir o infrator cujos atos visem dominação
dos mercados, eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos
lucros.
A finalidade da lei com esta conceituação é impedir a formação de
monopólios ou a união de empresários com intuito de prejudicar a livre
concorrência, pois a infração da ordem econômica manifesta-se através da
atuação de um único agente econômico ou através de acordos realizados
entre dois ou mais agentes.
Antes de estudar caso a caso, é mister conhecer alguns conceitos
importantes.
A primeira expressão a ser estudada interfere diretamente na
compreensão de todas as infrações que serão abordadas. Trata-se do
MERCADO RELEVANTE, que significa um produto em um campo de
observância específico do mercado, em que é possível se analisar a
interferência direta de cada agente econômico.
O estudo do mercado relevante permite visualizar a influência direta que
o consumo de certo produto pode causar em certa região.
Na composição do mercado relevante, observa-se o produto em si, assim
como determinada localização geográfica, objetivando estabelecer uma região
onde não seja possível a substituição do produto por outro, tanto pelo fato
de não haver produto substituto ou por não ser possível obtê-lo.
Para melhor compreender, em 1999, os proprietários das cervejarias
brasileiras Antarctica e Brahma solicitaram ao CADE a análise da legalidade
da constituição de uma sociedade anônima denominada Companhia de
Bebidas das Américas – AMBEV, formada pelas duas fabricantes de cerveja.
O CADE analisou os prováveis impactos da união das cervejarias no
mercado relevante de produtos (água, refrigerante e cerveja) e no mercado
relevante geográfico, divido em cinco mercados regionais, compostos pelos
seguintes estados brasileiros:
Mercado 1 – RS, SC e PR.
Mercado 2 – SP, RJ, MG e ES.
Mercado 3 – MT, MS, GO, DF, TO e RO.
Mercado 4 – BA, AL, SE, PE, CE, PB, RN, PI, MA, PA e AP.
Mercado 5 – AC, AM e RR.
A primeira conclusão obtida se refere ao fato de a junção das empresas
não causar qualquer interferência nos mercados relevantes de água e
Agente econômico: toda e
qualquer pessoa física ou ju-
rídica atuante, isolada ou
coletivamente, no exercício
da atividade econômica.
78
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
refrigerante. Já em relação ao mercado relevante de cerveja, o estudo
concluiu que, em virtude das duas cervejarias dominarem o referido mercado
em praticamente todos os mercados relevantes geográficos, haveria limitação
da concorrência e, por assim ser, o negócio não deveria se concretizar.
No entanto, optou o CADE em permitir a criação da AMBEV mediante a
assinatura de Termo de Compromisso de Desempenho, estabelecendo como
regras condicionantes: a venda da marca Bavá-ria (à época pertencente
aos proprietários da Antarctica); a alienação de 5 (cinco) fábricas e o
compartilhamento da sua rede de distribuição em cada um dos cinco mercados
geográficos relevantes definidos; desativar as demais fábricas apenas
mediante oferta pública; manter o nível de emprego, sendo que eventuais
dispensas associadas à reestruturação empresarial deveriam ser
acompanhadas de programas de retreinamento e recolocação; não impor
exclusividade aos pontos de venda e adotar todas as me-didas, visando
alcançar as eficiências pertinentes à fusão.
Como é de conhecimento de todos, o negócio foi realizado e como fora
previsto pelo CADE, com as medidas anteriormente impostas, aumentou a
concorrência entre as cervejarias nacionais e estrangeiras atuantes em
território nacional.
Demonstrado e exemplificado o conceito de mercado relevante, surge a
necessidade de se compreender a definição de POSIÇÃO DOMINANTE.
Segundo a lei antitruste, todo e qualquer empresário controlador de
20% (ou mais) do mercado relevante analisado que for capaz de alterar
unilateralmente as condições de mercado é considerado detentor de POSIÇÃO
DOMINANTE em relação aos seus rivais, seja atuando como fornecedor,
intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia
a ele relativa.
Feitas estas colocações, passemos a analisar as atitudes individuais ou
coletivas que configuram prática de infração da ordem econômica, a começar
pelo estudo do monopólio.
O monopólio decorre de ato praticado por agente econômico único,
detentor EXCLUSIVO de determinado bem ou serviço e, em virtude de não
possui concorrentes, tem condições de ditar os rumos de seu mercado,
ofertando ao consumidor apenas a quantidade de produtos capaz de manter
constante procura, permitindo, assim, a cobrança de valor excessivo pelo
produto ou serviço fornecidos.
Outra conseqüência do monopólio é a quebra da constante busca por
inovação tecnológica e melhora da qualidade do produto, finalidade almejada
pelo princípio da livre concorrência. Enquanto o monopolista atua e detém
sozinho o mercado, não vê necessidade de melhorar ou inovar seus
produtos; por outro lado, empresários atuantes no mesmo ramo dificilmente
arriscam investir significativa quantia em pesquisa e desenvolvimento de
produto apto a desafiar o monopolista, pois corre o risco de não atingir seu
objetivo, perdendo tempo e dinheiro.
79
DIREITO EMPRESARIAL
O outro modo de configuração de infração da ordem econômica decorre
da união de dois ou mais agentes econômicos, objetivando restringir a livre
concorrência.
Esta junção clandestina e ilegal pode ser realizada por empresários
atuantes no mesmo ramo de atividade, sendo denominada CONCENTRAÇÃO
HORIZONTAL, como ocorre, por exemplo, quando proprietários de postos
de gasolina combinam estabelecer valor “tabelado” para o combustível
ofertado aos consumidores. Agindo desta forma, praticam infração da ordem
econômica, na modalidade “eliminar a concorrência”.
Por CONCENTRAÇÃO VERTICAL, entende-se a associação de dois ou
mais empresários atuantes em níveis distintos da mesma cadeia produtiva,
tendo por objetivo dominar mercado ou eliminar a concorrência ou aumentar
arbitrariamente os lucros. Nesta hipótese, tomando ainda os empresários
do setor de venda de combustíveis e derivados de petróleo (postos de
combustíveis) como exemplo, a conduta lesiva ocorreria se um ou mais destes
empresários se unissem à distribuidora de combustíveis para “tabelar” o
preço de venda, fazendo com que a maioria dos postos de combustíveis
abastecidos por aquela distribuidora ofertassem o produto por preço
praticamente igualitário.
A união destes agentes econômicos para a prática do ato ilícito é
denominado de Cartel, interpretado como o acordo que culmina com a
concentração horizontal ou vertical, contrário ao desenvolvimento da livre
iniciativa e da livre concorrência.
A formação do cartel, como é sabido, ocorre sorrateiramente, em reuniões
secretas em que são estabelecidas as formas de se atingir o objetivo ilícito,
como, por exemplo, tabelar preços. Por se tratar de atitude criminosa, o
participante do cartel não cumpridor do acordo, costumeiramente é ameaçado
e até mesmo sofre “penas” mais severas...
Dentre os inúmeros casos de formação de cartel no Brasil, ganhou
repercussão nacional a união das companhias aéreas Varig, TAM e Transbrasil
ao limitarem os descontos do valor das passagens ao máximo de 30% nas
viagens da ponte aérea Rio – São Paulo. A Empresa Brasileira de Turismo
(EMBRATUR) denunciou a possível formação de cartel à SDE, que, após
investigar a conduta das três empresas, elaborou parecer favorável às
alegações da EMBRATUR. Enviado ao CADE, as companhias foram proibidas
de limitar o desconto de suas passagens aéreas e ainda condenadas ao
pagamento de multa de 1%, calculada sobre o faturamento bruto das vendas
de passagens aéreas do respectivo trecho, relativo ao período denunciado,
ou seja, no ano de 1999.
Outra conduta caracterizadora de infração da ordem econômica ocorre
quando o agente econômico disponibiliza aos consumidores produtos ou
serviços com preços abaixo do custo variável médio, neutralizando a ação
dos concorrentes impossibilitados de praticar valores similares. Tal prática é
chamada de PREÇO PREDATÓRIO.
80
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
Deve-se, entretanto, ser esclarecido que, ao ofertar produtos ou serviços
nestas condições, o empresário obterá PREJUÍZO no exercício de sua
atividade econômica, norteando, com isso, eliminar seus concorrentes e,
posteriormente, ao monopolizar o mercado, irá praticar valores exacerbados
para recuperar o prejuízo acumulado.
No entanto, o fornecimento de produto ou serviço com preço abaixo do
custo variável médio, por si só, não necessariamente caracteriza a prática
de infração da ordem econômica.
Os agentes econômicos atuantes no setor supermercadista
costumeiramente fazem promoções “relâmpagos” para atrair maior clientela,
praticando preços abaixo do seu valor de custo, mas, neste caso, NÃO há
ilegalidade, pois a duração daquele valor é apenas momentânea. Em outros
casos, às vésperas do vencimento de certo produto perecível, o
supermercadista opta em vendê-lo a preço bem abaixo do seu custo a ver
perdida toda a mercadoria.
Em ambos os casos citados, a intenção do empresário é conquistar
clientes de forma justa e legal, não visando prejudicar seus concorrentes a
ponto de exterminá-los.
A próxima conduta ilegal é a chamada FIXAÇÃO DE PREÇOS DE REVENDA.
Dentre os vários atuantes na cadeia produtiva de qualquer produto,
somente o PRODUTOR e seus distribuidores e revendedores podem
praticá-la, pois a caracterização do delito decorre do estabelecimento
de preço de venda do produto pelo revendedor ou distribuidor estabelecido
pelo produtor.
Recordando-se da matéria já estudada, o aluno deve ter percebido ser
tal prática lesiva ao princípio da livre concorrência, pois ao estabelecer preço
de venda, o produtor e distribuidor ou revendedor dificultam a competição
comercial.
A configuração de tal prática somente ocorrerá a depender do poder de
atuação das partes envolvidas no mercado, pois, não havendo limitação à
concorrência, tal conduta, por si só, não caracteriza qualquer crime.
Os mesmos agentes econômicos citados (produtor, distribuidor ou
revendedor) podem praticar outra ação delituosa, através de RESTRIÇÕES
TERRITORIAIS E DE BASE DE CLIENTES.
No caso anterior, o problema advém do estabelecimento de preço pelo
produtor a ser praticado pelo distribuidor ou revendedor.
Neste, as partes negociam a restrição da venda do produto em certas
regiões do país, facilitando a formação de cartéis.
Tal qual na infração anteriormente analisada, a negociação entre produtor
e distribui-dor ou revendedor deverá trazer prejuízo à livre concorrência,
que, via de regra, somente acontecerá se as partes envolvidas tiverem
significativa participação no mercado.
81
DIREITO EMPRESARIAL
Outra infração da ordem econômica advém da realização de ACORDOS
DE EXCLUSIVIDADE, firmados entre vendedores e compradores de
produtos, que se comprometem a não comercializar produtos de empresas
concorrentes.
Ao adotarem tal conduta, impedem a atuação de empresas rivais,
impedindo-as de comercializar seus produtos de forma concorrente,
cerceando o princípio da livre concorrência, trazendo assim, conseqüências
diretas aos consumidores.
Aqueles que atuam na área comercial, acostumados a firmarem acordos
de exclusividade, podem, à primeira vista e com a leitura do contido
anteriormente, acreditar que todos os contratos de exclusividade são lesivos;
no entanto, tal prática somente se configura se realmente houver lesão ao
princípio da livre concorrência.
Sabe-se que a venda de produtos, em inúmeros casos, decorre de acordo
de exclusividade entre comprador e vendedor, sem causar qualquer prejuízo
aos consumidores, aos concorrentes ou à economia nacional, mas, ao
contrário, inserirá o produto no mercado e gradativamente, competir
diretamente com seu concorrente, ou seja, ao invés de configurar a infração
da ordem econômica, incentivará a concorrência leal.
Outra conduta lesiva à ordem econômica, relativamente usual nos dias
atuais, é a conhecida VENDA CASADA.
Por esta, compreende-se a venda de um produto associada a outro, não
restando outra alternativa ao consumidor ou adquirente senão adquirir
ambos, ainda que não queira.
Vê-se que o maior prejudicado com tal infração é o destinatário final do
produto.
Caso típico de venda casada é a comercialização de computador com
programa operacional já instalado. Ora, o consumidor tem o direito de adquirir
somente o computador, sem programa operacional instalado, seja por já
possuir o programa e sua devida licença ou por pretender utilizar outro
programa.
Ao consumidor, podem ser oferecidos ambos os produtos (computador +
sistema operacional), mas não pode o vendedor condicionar a venda de
ambos.
No entanto, nada há de errado em se oferecer ao mercado produtos em
conjunto para atrair clientela através da prática de preços promocionais.
Pode o fornecedor, por exemplo, ofertar três DVDs de música de diferentes
artistas por preço atrativo, mas, ao fazê-lo, não poderá impedir o consumidor
de comprar apenas um dos DVDs.
Finalmente, a derradeira conduta caracterizadora de infração da ordem
econômica é a DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS.
A ação aqui é praticada pelo produtor que manipula o preço do produto,
vendendo-o por preços diferentes aos seus compradores, priorizando uns e
discriminando outros.
82
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
Observe bem que deve haver discriminação na venda, ou seja, o agente
econômico propositalmente seleciona para quem, como e por quanto venderá
seus produtos, preferindo uns em detrimento de outros, visando,
essencialmente limitar a atuação de concorrentes, dominar o mercado ou
obter o aumento arbitrário dos seus lucros.
Por assim ser, o empresário poderá vender seus produtos, dando
preferência para certo cliente que lhe paga pontualmente ou lhe compra em
grande quantidade que não incorrerá na prática da infração, já que seu
intento não é trazer prejuízo nem à economia, aos consumidores ou aos
concorrentes.
LICITAÇÕES
A legislação brasileira obriga a administração pública adquirir produtos
ou contratar serviços através de licitações públicas.
Por estas, municípios, estados, a União, autarquias e outros entes
administrativos adquirem produtos com qualidade e bom preço.
A administração pública demonstra sua intenção em adquirir certo bem
ou serviço através de edital, contendo a discriminação do produto ou serviço,
sua quantidade e qualidade desejadas, que é publicado para convidar os
interessados.
Os empresários interessados em participar apresentam suas propostas
contendo a descrição dos produtos que possuem, qualidade e preço a ser
cobrado em envelope lacrado. Em tese, nenhum empresário conhece as
condições de seus concorrentes e, portanto, se realmente deseja sair
vencedor, deverá limitar sua margem de lucro, cobrando o mínimo possível
para não ser surpreendido por melhor proposta.
Se todos os concorrentes seguirem esta fórmula, prevista na lei, a
administração pública atinge seu objetivo ao adquirir produto ou tomar
serviço.
Mas, como se sabe, há diversas maneiras de se fraudar licitações e por
esta razão, a legislação estabeleceu como infração a realização de
negociações entre os concorrentes para lesar o ente público adquirente do
produto ou serviço.
Assim, se dois ou mais concorrentes combinam o preço mínimo que irão
cobrar por seus produtos para que o “vencedor” venda-os à adquirente por
alto preço e posteriormente compartilhe seus ganhos com o comparsa,
ambos incorrem em prática delituosa, sendo, portanto, vedada por lei.
É HORA DE SE AVALIAR!
Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de
estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia
no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija
83
DIREITO EMPRESARIAL
as respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) ou pelo correio (em
formulário próprio). Interaja conosco!
À medida que aprofundamos nosso conhecimento em Direito
Empresarial, torna-se latente a dificuldade do empresário em se estabelecer
e se manter no mercado.
A disputa por clientes e a constante busca do lucro são fatores
ensejadores de disputas acirradas entre os empresários.
O Estado deve, ao mesmo tempo, estimular e limitar esta concorrência,
visando proteger o consumidor, a economia e, ainda, impedir o
desaparecimento de diversos empresários.
Agora que compreendemos a limitação existente na livre concorrência,
temos condições de seguir nossos estudos, enfatizando na próxima unidade
os aspectos relevantes da RELAÇÃO DE CONSUMO.
Siga em frente!
NOTAS
1 Disponível em: www.cade.gov.br. Acesso em: 13/02/2008.
2 Disponível em: www.mj.gov.br/sde. Acesso em: 13/02/2008.
3 Disponível em: www.seae.fazenda.gov.br. Acesso em: 13/02/2008.
84
UNIDADE 3 - ASPECTOS JURÍDICOS DO DIREITO CONCORRENCIAL
85
DIREITO EMPRESARIAL
UN
IDA
DE 4
O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO
CONSUMIDOR
No princípio da década de 90 surgiram leis destinadas a beneficiar a
parte mais fraca nas relações jurídicas, como ocorreu com os inquilinos e
consumidores. Neste ínterim, foi criado o Código de Defesa do Consumidor,
passando a disciplinar a relação jurídica entre fornecedor e consumidor,
ditando as regras necessárias para se estabelecer relacionamento saudável
entre estas partes. Assim sendo, o empresário teve que se adaptar a estas
novas normas de conduta, pois a atuação do Estado em defesa do
consumidor ganhou destaque, principalmente com o auxílio da imprensa,
que desempenha papel fundamental na escolha da aquisição de bens e
serviços. Desta forma, compreender a relação de consumo e suas principais
regras se tornou obrigação do estudante de Direito Empresarial.
OBJETIVOS DA UNIDADE
• Conscientizar o leitor acerca da importância de se conhecer e
aplicar as regras consumeristas, objetivando não apenas
cumprir a legislação vigente, mas, principalmente, utilizá-la como
estratégia para se conquistar e manter a clientela do empresário.
• Situar o aluno no cenário jurídico através da citação de casos
práticos, objetivando demonstrar que o descumprimento das
normas contidas no Código de Defesa do Consumidor poderá
gerar, de imediato, a retração da clientela do empresário.
• Ensinar os meios que dispõe o consumidor lesado para reaver,
se possível, o prejuízo advindo do não-cumprimento da
legislação consumerista.
• Preparar o estudante para resolver questões pessoais e ou de
familiares e amigos decorrentes da relação de consumo,
tornando-o apto a argumentar com respaldo jurídico em suas
pretensões para com os fornecedores.
PLANO DA UNIDADE
- Relação jurídica de consumo.
- Espécies de fornecimento.
- Relações interempresariais e qualidade do fornecimento.
- A publicidade e o Código de Defesa do Consumidor.
86
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO
Neste primeiro tópico, serão abordados os sujeitos e o enquadramento
das negociações que tipificam a relação de consumo. Considerando-se que
os leitores deste material não são estudantes de Direito, necessário,
primeiramente, se conceituar a RELAÇÃO JURÍDICA em si, pois, a partir de
sua compreensão, se permite desenvolver os pontos centrais acima descritos.
Tem-se que as relações sociais decorrem do agrupamento natural do
ser humano, objetivando obter benefícios recíprocos através do
compartilhamento de suas experiências pessoais. Este relacionamento social
ocorre a todo instante, permitindo a cada pessoa evoluir individualmente
com o aprendizado coletivo que lhe é transferido por normas de caráter
religioso, moral e ético, cujo objetivo final é sempre a melhora na qualidade
de vida do ser humano, permitindo-lhe conviver, respeitando regras mínimas
de conduta com seus pares.
Entretanto, para a concretização de algumas destas relações sociais,
há a necessidade de interferência da ordem jurídica, que irá permitir e
garantir o cumprimento do convívio social.
A criação da ordem jurídica visa, pois, fazer que cada indivíduo cumpra
seu papel diante da coletividade, interagindo de forma a não trazer prejuízo
aos demais membros com os quais, de alguma forma, se relaciona.
Em caso de descumprimento de qualquer norma jurídica, ocorrerá a
intervenção do Estado — detentor exclusivo de poderes para coagir a pessoa
cuja conduta seja considerada ilegal —, punindo o infrator com a severidade
da pena cabível ao ato praticado, visando, não apenas condenar o
delinqüente, mas também demonstrar aos outros membros da sociedade
as conseqüências do desrespeito às normas legais.
Portanto, gradativamente, as relações que outrora foram
regulamentadas por normas religiosas ganharam conotação jurídica,
permitindo, assim, a atuação do Estado nas hipóteses que se fizer necessária.
Resta, desta situação, a conversão constante de relações sociais em
relações jurídicas, protegidas por lei própria, norteando, sempre (ao menos
em tese!) a proteção do chamado cidadão de bem.
Para melhor entender a diferença entre a relação social e a jurídica tome-
se, por exemplo, o relacionamento amoroso. No início desta relação, na
fase de namoro, o casal, não possuindo pretensão de constituir família, terá
seu relacionamento disciplinado por normas de conduta moral, não havendo
lei disciplinando, digamos, a partilha dos bens adquiridos ou herdados nesta
fase tão agradável da vida.
No entanto, solidificando-se esta relação e se convertendo em casamento,
o que até então era uma simples relação social (namoro), ganha contornos
jurídicos, transformando-se em relação jurídica com regras bem definidas
acerca das obrigações recíprocas dos contraentes, da divisão ou não de
seu patrimônio, tanto o conquistado na constância da união como
anteriormente.
87
DIREITO EMPRESARIAL
Feita esta breve explanação acerca do conceito de relação jurídica,
passemos a analisar as pessoas que participam desta relação, chamadas
de Sujeitos.
Em toda relação — seja social ou jurídica — há a presença obrigatória de
pessoas, podendo ser físicas ou jurídicas. Numa relação jurídica de compra
e venda, há duas: o comprador e o vendedor. O primeiro pode ser tanto uma
pessoa física como jurídica, o mesmo acontecendo com o vendedor.
Juridicamente, essas pessoas, também conhecidas como partes, recebem a
denominação de sujeitos. Assim, o primeiro elemento da relação jurídica é o
sujeito.
Há duas modalidades de sujeitos que compõem toda e qualquer relação
jurídica.
O primeiro é o chamado sujeito ativo, recebendo esta denominação por
ser o titular da relação. No caso da compra e venda, o sujeito ativo é o
vendedor, pois o imóvel é pertencente a ele e é seu o interesse que dará
início à relação jurídica. No outro pólo da relação, encontra-se o sujeito
passivo, o devedor da prestação principal. Assim como o sujeito ativo, tanto
pode ser pessoa física como jurídica. No exemplo dado acima, o sujeito
passivo é o comprador, que tem o compromisso de pagar pelo imóvel que
está adquirindo.
Estes sujeitos se relacionam em decorrência do Vínculo de
atributividade, ou seja, é a ligação jurídica existente entre as partes. Esse
nexo é estabelecido pela lei ou pela própria vontade humana.
Outro requisito elementar na constituição da relação jurídica é o Objeto,
quer dizer, o elemento sobre o qual o vínculo de atributividade recai, podendo
ser um bem (o imóvel, no contrato de compra e venda) ou uma prestação
(como o devedor de se pagar pensão alimentícia em decorrência de processo
judicial).
Ainda sobre o tema, importante esclarecer que o objeto deve ter valor
econômico ou moral, isto é, seja passível de avaliação. Uma xícara de café
com alguns anos de uso não tem valor econômico a ensejar uma relação
jurídica devido ao preço praticamente insignificante, que chega a ser irrisório.
Porém, esta mesma xícara de café pode ser objeto de uma relação jurídica
por apresentar valor moral. Como?
Imagine-se que uma simples xícara de café — dessas compradas aos
milhares em qualquer loja — era utilizada diariamente por uma pessoa
mundialmente afamada, como Elvis Presley. Esta xícara estava guardada
entre os pertences do “Rei do Rock” e agora será leiloada. Neste instante, a
xícara adquire valor econômico decorrente de seu valor moral agregado,
deixando de ser um bem qualquer e se tornando objeto de desejo de muitos
fãs e admiradores.
Há também objetos que têm apenas valor moral, sem valor econômico. É
o caso de um objeto pessoal de uso de um simples cidadão, que, ao falecer,
será cobiçado pelos herdeiros como forma de lembrança do finado.
88
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Assim sendo, não se esqueça: a relação jurídica possui sujeitos e objeto,
ligando-se entre si, através do vínculo de atributividade.
Com esta explanação, pode-se adentrar à relação de consumo, uma
espécie de relação jurídica, vez que disciplinada pelo Direito, tendo o Estado
como criador das suas regras, sua fiscalização e se conveniente, a punição
daqueles que as descumprem.
Viu-se, pois, ser finalidade do Direito zelar pela segurança das relações
jurídicas, exercendo papel fundamental em suas regulamentações e como
tal, não poderiam as relações de consumo serem deixadas fora do
ordenamento jurídico pátrio.
Desta forma, com o advento da Constituição Federal, o legislador
manifestou explicitamente sua preocupação com os consumidores, tratando
de inserir sua proteção jurídica entre os direitos e garantias fundamentais,
bem como entre os princípios de ordem econômica (vide unidade III).
Encontra-se a responsabilidade do Estado acerca da proteção das normas
consumeristas no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal ao
estabelecer que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do
consumidor”, sendo certo ainda que o artigo 170, do mesmo diploma legal,
ao cuidar dos princípios gerais da atividade econômica e financeira, determina
que:
(...) a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios:
(...)
V- Defesa do consumidor
Vê-se, portanto, que os direitos do consumidor estão inseridos na
condição de direitos e garantias fundamentais na Constituição Federal
datada de 1988; portanto, antes mesmo da vigência do Código de Defesa
do Consumidor a União já tutelava a parte fraca da relação de consumo.
Neste sentido, a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, popularmente
conhecida como Código de Defesa do Consumidor (C.D.C.), trouxe ao meio
jurídico, uma incontestável segurança tangente aos contratos diariamente
realizados por consumidores em relações jurídicas mantidas com
fornecedores de produtos ou serviços, ou seja, nas chamadas relação de
consumo.
Percebe-se, da análise de seu conteúdo, a existência de um
microssistema normativo de caráter multidisciplinar, pois aborda assuntos
pertencentes a outros ramos do Direito Público e Privado.
89
DIREITO EMPRESARIAL
O jurista Nelson Nery Jr, citado por Daniela Bacellar Fernandes1, traz
interessante observação a respeito das normas contidas no diploma legal
em análise:
O Código de Defesa do Consumidor é lei principiológica. Não é
analítica, mas sintética. Nem seria de boa técnica legislativa aprovar-
se lei de relações de consumo que regulamentasse cada divisão do
setor produtivo. Optou-se por aprovar lei que contivesse preceitos
gerais, que fixasse os princípios fundamentais das relações de
consumo. É isto que significa ser uma lei principiológica. Todas as
demais leis que se destinarem de forma específica a regular
determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se
aos preceitos gerais da lei principiológica que é o Código de Defesa
do Consumidor.
Observa-se, pois, uma evidente tendência do legislador em proteger
insistentemente o consumidor, desde que aja de boa-fé em todo o contexto
do Código. E esta proteção se explicita antes mesmo da formalização da
relação jurídica, pois as normas amparam o consumidor desde o momento
em que o fornecedor oferta o produto ou serviço, utilizando-se de técnicas
de estimulação do consumo, através de campanhas publicitárias.
Nos capítulos seguintes, muito se abordará acerca da publicidade e suas
regras previstas no Código de Defesa do Consumidor; no entanto, se faz
necessário antecipar que o consumidor, antes da realização do negócio
pretendido, tem direito à informação sobre o produto ou serviço a ser
adquirido, possibilitando-lhe, com isso, ter maior segurança antes de concluir
o negócio. Neste sentido, o artigo 6º. garante direito à informação acerca
dos seguintes pontos:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos
provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços
considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação
sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas
a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a
informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e
serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que
apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e
abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como
contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento
de produtos e serviços; VI - a efetiva prevenção e reparação de
danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
Tratando-se a relação de consumo ser relação jurídica, há sujeitos nela
compreendidos, quais sejam, consumidor e fornecedor.
90
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
O artigo 2º conceitua o consumidor:
Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único - Equiparam-se a consumidor a coletividade
de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.
Analisando-se o artigo acima, é possível observar que a caracterização
jurídica de consumidor somente é possível em sendo a pessoa destinatária
final do produto ou serviço ofertado, permitindo assim, o surgimento de
correntes doutrinas com interpretações diversas.
Alguns autores entendem ser o consumidor apenas a pessoa que adquire,
utiliza ou consome o produto (ou serviço) fornecido para si ou para a família,
sem lhe dar destinação profissional bem como não utilizá-lo para obter
resultado lucrativo.
Outra corrente de autores — menos aceita — qualifica o consumidor como
sendo qualquer pessoa que adquira produto ou serviço,
INDEPENDENTEMENTE do destino que lhe dará.
Há ainda doutrinadores que concordam com a primeira interpretação
acima citada, porém ampliaram o rol de consumidores ao acrescerem à lista
a pequena empresa ou profissional adquirente de produto com uso diverso
de sua atividade fim ou com utilização. Porém, devem estes comprovar sua
condição de hipossuficiência, ou seja, em relação ao fornecedor não possuem
a mesma condição, sujeitando-se à imposição daquele.
Eis as três interpretações mais usuais em Direito acerca da definição de
consumidor. Para vocês leitores, não estudantes de Direito, importante
esclarecer que todas as normas possuem diversas interpretações, por mais
simples que sejam.
Todo juiz, cada Tribunal decide as questões seguindo suas próprias
convicções e por esta razão, deve ser dito que as três correntes de
interpretação da palavra consumidor são aceitas hoje em dia, havendo uma
maior adoção desta última por parte da maioria dos julgadores.
Por sua vez, encontra-se no artigo 3º a seguinte definição:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados,
que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação,
construção, transformação, importação, exportação, distribuição
ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Deste conceito, se extrai a caracterização de fornecedor como a pessoa
responsável pelo fornecimento ao mercado de produtos ou serviços,
91
DIREITO EMPRESARIAL
obtidos pela exploração de sua atividade-fim, significando dizer ser
necessária o exercício do fornecimento de forma HABITUAL.
Quando você vende seu automóvel para terceiro, ainda que tenha lucrado
e fornecido um produto ao mercado, NÃO mantém com o adquirente relação
de consumo, pois a venda de automóveis não é uma constância em sua
vida, não é habitual, e sim eventual. Mas, ao procurar uma concessionária
de veículos (pessoa jurídica) ou “garageiro” (pessoa física ou jurídica) e dele
adquirir veículo estará estabelecida relação de consumo, pois o negócio que
eles exercem é habitual.
Veja que a mesma ação (venda de automóvel) recebe tratamento
diferenciado conforme as partes envolvidas na relação jurídico-comercial
existente.
Diante do exposto, tem-se que a relação de consumo tem como sujeitos:
de um lado, o consumidor, e de outro, o fornecedor, tendo por objeto o
fornecimento de bens ou serviços.
Para finalizar esta seção, insta esclarecer a faculdade atribuída ao
consumidor de DESISTIR do contrato no prazo de sete dias a contar de sua
assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a
contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do
estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Havendo valores eventualmente pagos, a qualquer título, serão devolvidos,
de imediato, com correção monetária.
Em relação à aquisição de produtos via internet, a legislação não abordou
o tema diretamente; no entanto, o Poder Judiciário tem aceitado a aplicação
desta norma (devolução do produto em 7 dias) nestas hipóteses. Caso que
repercutiu no meio jurídico ocorreu no interior de São Paulo. O consumidor
adquiriu veículo avaliado em duzentos mil dólares pelo site da concessionária,
efetuando o pagamento através de cartão de crédito.
Recebido o automóvel, trafegou mais de mil e quinhentos quilômetros
em três dias, comunicando, em seguida, a devolução do produto dentro de
sete dias por não ter gostado do mesmo. A concessionária, ante a
desvalorização do automóvel, se negou a aceitar e foi iniciado processo
judicial. A primeira questão debatida foi a aplicabilidade da norma ao contrato
feito TOTALMENTE via internet, visualizando o consumidor o veículo através
de fotos contidas no site. Por outro lado, a concessionária se defendeu
alegando a má-fé (abordada adiante) do consumidor, uma vez que no site é
sugerido o “test-drive” antes da aquisição de qualquer automóvel oferecido
pela internet. Este caso ainda não foi julgado, apesar de transitar há diversos
anos...
ESPÉCIES DE FORNECIMENTO
Foi citado anteriormente que o objeto na relação de consumo é a
prestação de serviços ou comercialização de produtos, disponibilizados ao
mercado através dos fornecedores.
92
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Viu-se também que o exercício destas atividades pode ou não ser
lucrativo, o que significa que o fornecedor pode ser pessoa física ou jurídica.
Esta última, como estudado na unidade I, se constitui conforme o interesse
de seus criadores, de tal forma a ser criada como associação ou fundação
quando não houver interesse econômico e via sociedade empresária ao ter
finalidade lucrativa.
Independentemente da estrutura adotada, o fornecedor pode
desenvolver quaisquer das seguintes atividades:
a) produção: entendida como o processo de criação de certo
produto através de sua fabricação em escala de produção,
suficiente para abastecer o mercado. São exemplos de
produção de produtos a fábrica de automóveis, de sorvete, etc;
b) montagem: trata-se de atividade caracterizada pela junção das
diversas partes que formam o todo do produto final. Nesta
hipótese, o fornecedor recebe parte ou partes de certo bem e
faz sua montagem, como ocorre com os automóveis aqui no
Brasil. Estes fornecedores, chamados de montadoras, recebem
as peças do fabricante, fazendo sua união, até chegar ao
produto final;
c) criação: está é a fase que dá origem ao produto, decorrente do
exercício da capacidade intelectual de seu criador;
d) construção: considera-se também fornecedor a pessoa que
trabalha com a construção de produtos, como navios, prédios
e outros;
e) transformação: partindo-se da matéria-prima, seja de origem
natural ou artificial, o fornecedor desenvolve certo produto final.
O cacau é produto natural que, através de processo de
transformação, dá origem ao chocolate; por outro lado,
pequenas pastilhas de plástico (origem artificial) são aquecidas
e transformadas em bacias e vasos de plantas;
f) importação: o exercício da importação se configura com o ato de
trazer produto existente em outros países para o território
nacional. Observe que basta importar o produto para
caracterizar a importação, não havendo necessidade de sua
comercialização para o enquadramento do importador como
fornecedor. Tanto a importação como a exportação vem sendo
cada vez mais realizadas por empresas denominadas Trading;
g) exportação: nesta hipótese, ocorre o inverso da acima, ou seja,
o produto parte do Brasil rumo a qualquer outro país do mundo.
Atualmente, uma mesma Trading faz tanto a importação como
a exportação, podendo ainda comercializar e distribuir o
produto;
h) distribuição: o fornecedor exercente da atividade de distribuição
é aquele que faz a logística e o envio de produtos para todas
93
DIREITO EMPRESARIAL
as partes do país. Cabe aqui uma ressalva importante: o
fornecedor-distribuidor NÃO comercializa os produtos, apenas
faz o sistema de sua distribuição.
i) comercialização: o ato de comercializar tem por característica
principal a compra de produtos para sua revenda, como fazem
os lojistas, atacadistas e supermercadistas.
j) prestação de serviços: esta expressão é extremamente ampla,
significando o desenvolvimento de qualquer atividade
decorrente do trabalho exercido por toda e qualquer pessoa,
de forma habitual, ao destinatário do serviço, ou seja, o
fornecedor.
Feita esta pequena explanação acerca das espécies de fornecimento,
cabe ainda abordar o assunto que tem gerado muita polêmica no meio jurídico
com repercussão em toda a sociedade. Trata-se da prestação de serviços
bancários.
A dúvida é se a relação entre banco e cliente derivada da prestação de
serviços bancários constitui relação de consumo e não relação comercial.
Esta questão enfrenta divergentes entendimentos, tanto dos autores
de livros de Direito como por parte dos juízes e tribunais brasileiros que não
se entendem. Para se ter idéia, o mesmo juiz que hoje acredita se tratar de
relação de consumo, pode, no próximo julgamento, com base em suas
convicções pessoais, adotar outro posicionamento, gerando, assim, grande
insegurança para a clientela em geral. A única questão incontroversa ocorre
quando o cliente é sociedade empresária, que não microempresa ou empresa
de pequeno porte. Nesta situação, NÃO se considera relação de consumo.
RELAÇÕES INTEREMPRESARIAIS E QUALIDADE DO FORNECIMENTO
Neste capítulo, será abordada a responsabilidade do fornecedor quanto
à qualidade do fornecimento, procurando-se demonstrar a configuração do
não-cumprimento das normas aplicáveis aos casos, a conseqüência do
descumprimento para o fornecedor e, finalmente, as providências a serem
adotadas pelo consumidor lesado.
Segundo o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor, o fornecedor
é o responsável por qualquer vício de qualidade e quantidade do produto.
Em relação ao vício de QUANTIDADE, sua ocorrência decorre da não-
entrega do produto ou dos seus componentes como combinado, bastando
para sua resolução que o fornecedor efetue a troca do produto, ou proceda
ao abatimento no seu preço, ou complete a quantidade de acordo com que
está escrito na embalagem, ou nos termos negociados, ou ainda faça a
devolução do dinheiro com correção monetária, nos termos do artigo 19 do
diploma legal em comento.
94
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Por outro lado, os vícios de qualidade decorrem do oferecimento ao
mercado de produto inapto para exercer a finalidade prometida ou que
apresente defeito, tornando seu uso inseguro.
O intuito do legislador ao disciplinar estes vícios de qualidade é resguardar
a integridade física e até mesmo mental dos consumidores, visando impedir
a exposição destes a risco na utilização do produto adquirido.
Para o Direito, a ocorrência de dano ao consumidor em virtude de vício
de qualidade do produto ou serviço ofertado é tratada como ACIDENTE DE
CONSUMO, gerando, mediante as devidas provas, o dever do fornecedor
de indenizar a parte prejudicada.
O Código de Defesa do Consumidor adotou, em termos de
responsabilidade do fornecedor, a chamada responsabilidade OBJETIVA,
significando que o DEVER de indenizar surge com a simples ocorrência
do dano, INDEPENDENTEMENTE de agir com CULPA!
Lembre-se: o dano poderá advir tanto do vício de qualidade do produto
ou serviço oferecido bem como da falta de informação sobre o uso correto
dos mesmos, com advertência quanto aos possíveis riscos de acidente de
consumo.
Na vida profissional jurídica, é comum nos depararmos com situações
inusitadas e para aclarar o anteriormente citado, trazemos caso em que
certo supermercado disponibilizou aos consumidores “coxinhas” prontas para
o preparo. Entretanto, a pessoa fornecedora era uma salgadeira e não havia
no pacote outra coisa senão o preço, ou seja, as informações sobre o produto
e seu modo de preparo eram inexistentes. Certa consumidora adquiriu o
produto e o congelou até o momento da fritura, não aguardando seu
descongelamento e como conseqüência, uma das coxinhas “explodiu”,
lançando óleo de cozinha fervendo nos braços, tórax e rosto da consumidora,
causando-lhe queimaduras.
Ainda em tratamento, a consumidora processou o supermercado
requerendo indenização por danos materiais (devolução da quantia paga
pelo produto), lucros cessantes (ressarcimento pelos dias que não pode
trabalhar, por ser profissional autônoma), danos morais (em virtude das dores
sofridas) e, por fim, danos estéticos (decorrentes das manchas avermelhadas
em seu rosto).
Em processo como tais, a primeira coisa a ser feita é comprovar a
existência da relação de consumo mantida com o fornecedor que, no caso,
se deu pela apresentação da nota fiscal. Mas, é possível questionar: o
supermercado não sendo o responsável pela confecção dos salgados, poderá
ser processado? A resposta é afirmativa, vez se encaixar no conceito de
fornecedor, na modalidade de exercente da atividade de comércio, tornando-
se responsável por todos os bens que revende; no entanto, a legislação
permite que o supermercado, caso queira, processe posteriormente a
salgadeira pelo prejuízo causado.
Dando seqüência ao caso narrado, com a produção de provas
(depoimento da consumidora, do representante legal do fornecedor, oitiva
95
DIREITO EMPRESARIAL
das testemunhas e prova pericial), restou comprovado o fato de o
supermercado comercializar produto sem quaisquer informações acerca do
próprio produto assim como seu modo de preparo, resultando em condenação
por danos materiais, lucros cessantes e danos morais, isentando-se o
fornecedor dos danos estéticos em virtude do desaparecimento das manchas
na pele facial.
Esta demonstração fática é elucidativa ao demonstrar as conseqüências
a que se sujeitam os fornecedores em caso de dano causado ao consumidor.
Pelo Código de Defesa do Consumidor são responsáveis pela indenização,
o fabricante ou produtor, o construtor e também o importador, além do
exercente do comércio quando:
a) o fabricante, construtor, produtor ou importador não forem
encontrados;
b) o produto não tiver a identificação clara do fabricante, produtor,
construtor ou importador;
c) não conservar os produtos perecíveis como se deve.
Em relação especificamente ao vício na prestação do serviço, pode o
consumidor, nos termos do artigo 20, exigir:
a) que o serviço seja feito novamente sem pagar nada ou;
b) abatimento no preço ou;
c) devolução do valor já pago, com correção e em dinheiro.
Já no caso de vício de fabricação do produto, o fornecedor tem 30 dias
para corrigi-lo ou saná-lo, sendo que, não o fazendo, permite o artigo 18 ao
consumidor a opção por qualquer das três opções:
a) a troca do produto ou;
b) o abatimento no preço ou;
c) o dinheiro de volta, com correção.
Deve ser ressaltado que essas opções também se aplicam quando o
fornecedor corrigiu inicialmente o problema do produto, mas este perdurou
ou apareceu novamente.
De outra ponta, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu prazos
para a manifestação do consumidor, norteando alertar o fornecedor e lhe
exigir as providências anteriormente citadas, cuja contagem se inicia a partir
da data do recebimento do produto ou da entrega do serviço concluído. Em
96
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
caso de vícios de difícil visualização, este prazo começa a contar do
surgimento do problema.
Há distinção do prazo, conforme a espécie de produto ou serviço, sendo
de 30 (trinta) dias para produtos ou serviços não-duráveis, como alimentos,
por exemplo, e de 90 (noventa) dias para produtos ou serviços duráveis,
como automóveis ou eletrodomésticos.
A PUBLICIDADE E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Para se compreender as regras contidas no Código de Defesa do
Consumidor pertinentes à publicidade, mister se adentrar em seu caminho
evolutivo.
A publicidade nasceu com o intuito de levar ao interessado a diversidade
de produtos e serviços ofertados pelos empreendedores e criados para
facilitar o seu cotidiano. Através deste meio de comunicação se fomentou o
desenvolvimento da atividade econômica graças ao sempre crescente mercado
consumidor.
A publicidade atraiu e fidelizou a clientela, preparando mercados de
consumo estáveis, permitindo, assim, investimentos na produção de bens
em larga escala, a partir da Revolução Industrial. Quer se dizer que graças à
publicidade houve a criação da produção em série, acarretando a redução
do custo unitário dos produtos, tornando-os acessíveis às diversas camadas
sociais.
Atualmente, a publicidade tem papel primordial na conquista do
consumidor, pois os produtos concorrentes estão muito semelhantes em
termos de qualidade e é exatamente neste ponto que a publicidade passa a
importar para o mundo jurídico.
A publicidade afeta diretamente o comportamento do consumidor,
havendo necessidade de intervenção do Estado tanto na fiscalização das
práticas adotadas para elevar as vendas e aumentar o faturamento como
na análise e julgamento dos casos concretos em que há lesão às regras
contidas no Código de Defesa do Consumidor.
A disputa pelo mercado consumidor se tornou tão acirrada que os
empresários contratam profissionais especializados em inserir mensagens
subliminares em suas campanhas publicitárias, visando, através de imagens
enxergadas apenas pelo inconsciente, conquistar sua clientela.
Este é apenas um exemplo do ponto a que chegou a utilização da
publicidade na disputa constante por consumidores, mas, ao afetar o
comportamento destes, o empresário poderá ser diretamente punido.
Por estas razões a legislação contida no CDC procurou harmonizar a
ânsia do empresário em conquistar o maior número de consumidores e o
desejo destes em adquirir os produtos daqueles.
Em termos jurídicos, publicidade é a comunicação de mensagem dirigida
pelo emissor (fornecedor) ao receptor (consumidor), com sentido comercial,
97
DIREITO EMPRESARIAL
através do uso de meios de comunicação de massa e técnicas persuasivas
para conquistar a preferência da clientela.
Há no Brasil legislação que aborda o tema, conceituando e disciplinando
a publicidade. Trata-se do Código Brasileiro de Auto-Regulamentação
Publicitária, cujo teor é de conhecimento obrigatório dos publicitários.
Deste ordenamento jurídico, se extrai de seu artigo 8º o conceito de
publicidade especificada como toda atividade destinada a estimular o consumo
de bens ou serviços, bem como a promover instituições, conceitos ou idéias.
Por sua vez, propaganda é qualquer forma de propagação de idéias,
teorias, produtos ou serviços. Por este conceito, se percebe que a
propaganda NÃO está apenas direcionada para fins comerciais e, portanto,
não possui importância para o cenário jurídico em relação ao Direito do
Consumidor.
Assim, a propagação de idéias morais, religiosas, filosóficas, políticas e
análogas carecem de significância para nosso estudo.
Para alguns estudiosos, a publicidade e a propaganda são meios de
comunicação e, por assim ser, o Código de Defesa do Consumidor não deveria
fazer distinção entre ambos, tratando de forma igualitária.
Outro tema citado no Código de Defesa do Consumidor, diretamente
ligado ao assunto publicidade, é a oferta, considerada como o ato pelo qual
é vendida uma mensagem, que será feita por meio da publicidade. É o ato
que levará ao conhecimento público a mensagem sobre determinado produto
ou serviço, conforme se depreende da análise do artigo 30:
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa,
veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação
a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o
fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato
que vier a ser celebrado.2
Com esta descrição, o legislador obrigou o ofertante (fornecedor) a
cumprir o valor e modo de pagamento na forma como foram divulgados e foi
além ao determinar que havendo imprecisão (e não erro!) na informação,
considerar-se-á tentativa de engodo ao consumidor.
Entretanto, o foco principal deste capítulo é a publicidade, cuja existência
pressupõe em sua composição o ANUNCIANTE, ou seja, o fornecedor do
produto ou prestador de serviço que contrata a AGÊNCIA DE PUBLICIDADE
para realizar a campanha publicitária através de empresa especializada em
VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO, utilizando-se de jornais, revistas, inserções
televisivas, outdoors, etc.
Diante deste cenário e desde o advento do Código de Defesa do
Consumidor (1990), tanto o anunciante como a agência de publicidade devem
se ater às suas regras, respeitando os princípios protetores do destinatário
98
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
da publicidade, o consumidor. Veremos adiante que há inclusive possibilidade
de se processar criminalmente quem não cumprir certas normas contidas no
citado ordenamento jurídico.
Desta forma, a elaboração da campanha publicitária e o cumprimento
das informações nela vinculadas devem considerar em seu feitio os Direitos
Básicos do Consumidor descritos no artigo 6º. do CDC, cuja análise se faz a
seguir.
A primeira preocupação do legislador nas relações de consumo foi
pautada nos bens mais importantes pertencentes a todos os cidadãos —
independentemente de qualquer forma de distinção — quais sejam, a vida e
a saúde. Neste sentido, o consumidor tem direito de receber todas as
informações que julgar necessárias ter conhecimento antes mesmo da
aquisição do produto, através de orientações prestadas pelo fornecedor
acerca dos possíveis riscos que podem oferecer à sua vida ou saúde.
Muitos consumidores têm problemas de saúde e correm risco de morte
ao consumirem produtos que lhes causem alergias e, por essa razão, o
fornecedor deve informar nas embalagens, rótulos ou publicidade, sobre os
riscos do produto à saúde do consumidor. Caso, após a colocação do produto
à disposição do consumidor, seja identificado o risco à sua saúde ou vida,
é obrigação do fornecedor alertar, por meio publicitário (jornal, rádio e
televisão), sobre as possíveis conseqüências do uso ou consumo do bem.
Outra providência a ser adotada é a retirada do produto do comércio, proceder
com a troca daqueles já vendidos ou, ainda, a devolução do valor pago pelo
consumidor.
Na seqüência, pelo Princípio da Transparência e da Informação, o
fornecedor é obrigado a detalhar as informações contidas em seus produtos
de forma a permitir ao consumidor conhecer claramente as suas principais
características, com destaque a quantidade, peso, composição, qualidade,
preço, riscos que apresenta e sobre o modo de utilizá-lo, sem omitir qualquer
informação que possa vir a prejudicá-lo.
Por outro lado, há o Princípio da Boa-fé como regra permanente de
todos os contratos derivados da relação de consumo, visando preservar o
equilíbrio das partes, com vistas, principalmente, a proteger a parte fraca do
contrato, qual seja, o consumidor, impedindo, quase que na totalidade dos
casos, negociar as cláusulas contratuais.
Imperioso se especificar que a Boa-fé é princípio a ser respeitado por
ambas as partes da relação de consumo, protegendo, portanto, tanto o
consumidor como o fornecedor.
Atualmente, quase vinte anos após a vigência do Código de Defesa do
Consumidor há evidente preocupação com o uso indevido das normas
demasiadamente protetivas e benéficas ao consumidor, que, por vezes,
sabendo deste protecionismo, age de má-fé, quebrando o princípio em
estudo.
Através deste princípio, o consumidor se vê protegido contra as cláusulas
do contrato que não forem cumpridas ou quando a aplicação destas lhe
forem prejudiciais.
99
DIREITO EMPRESARIAL
Os contratos decorrentes da relação de consumo, firmados por duas ou
mais pessoas, precisam trazer, de forma clara e objetiva, os direitos e os
deveres de ambas as partes.
Por orientação dos órgãos de defesa do consumidor, pautada nas
premissas do CDC, a redação do contrato deve ser em linguagem simples e
de fácil compreensão, com letras em tamanho de fácil leitura e com destaque
nas cláusulas que limitem os direitos do consumidor.
Sabe-se que a maioria dos contratos advindos da relação de consumo
são predefinidos, não conseguindo, na maioria das vezes, o consumidor
negociar suas condições e, o que é pior, acaba assumindo obrigações contra
sua própria vontade.
Estes contratos em cuja redação não houve inserção de cláusulas ou
mudanças a pedido do consumidor são denominados de Contratos de
Adesão. Para a Justiça, sua caracterização decorre da não-possibilidade do
consumidor discutir as cláusulas ou regras que foram impostas pelo
fornecedor. Exemplo: corrente de Contrato de Adesão ocorre nos contratos
de telefonia, móvel ou fixa. Em muitos casos, se faz a negociação via telefone
(0800) e posteriormente o contrato redigido é enviado por correio, sem a
participação do consumidor em seu feitio. A disputa por consumidores é
tamanha que já são comuns diversas ações judiciais para anular contratos
de telefonia em que se utilizou dados de outra pessoa, pois as companhias
telefônicas sequer conferem a documentação da pessoa que solicita a
abertura da conta. Além da anulação do contrato, havendo inserção do nome
da pessoa em cujo nome a conta foi aberta em órgãos de proteção do crédito
(SPC, SERASA), é possível o pedido de indenização por danos morais.
Uma vez demonstrado se tratar de contrato de adesão, todas as
cláusulas abusivas são automaticamente desconsideradas.
As cláusulas abusivas trazem prejuízo ou desvantagem para o
consumidor, beneficiando o fornecedor e, em caso de ocorrência de real dano
ao consumidor decorrente de sua aplicação, poderá ser requerida, em juízo,
sua nulidade.
Já em relação aos contratos cujo conteúdo seja acessível ao consumidor,
antes de sua assinatura, é importante não permitir a inserção de cláusulas
abusivas, principalmente as descritas no artigo 50 do Código de Defesa de
Consumidor, como as que diminuem a responsabilidade do fornecedor, no
caso de dano ao consumidor; as proibitivas de devolução do produto ou
receber o dinheiro de volta quando o produto ou o serviço não forem de boa
qualidade; as que estabelecem obrigações para outras pessoas, além do
fornecedor ou consumidor; as que trazem vantagens exageradas ao
fornecedor; as que obrigam somente o consumidor a apresentar prova, no
caso de processo judicial; as que proíbem o consumidor de recorrer
diretamente à Justiça sem antes recorrer ao fornecedor; as autorizadoras
de alteração unilateral do preço a ser feita pelo fornecedor; as permissivas
ao fornecedor de modificar o contrato sem a autorização do consumidor e as
proibitivas do ressarcimento ao consumidor das prestações já pagas, no
100
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
caso de não obedecer ao contrato e quando já estiver prevista a retomada
do produto.
Após abordar a questão da informação contida no contrato consumerista,
concentremo-nos novamente no aspecto da publicidade.
No que tange à oferta e à publicidade, se encontra no artigo 31 do CDC
a seguinte disposição:
Artigo 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços
devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas
e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades,
quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que
apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Posteriormente, no artigo 36 do mesmo diploma legal, é determinado
que a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e
imediatamente, a identifique como tal.
Como visto antes, é fácil vislumbrar que a RESPONSABILIDADE do
fornecedor se inicia já com a apresentação do produto ou serviço ao público
em geral, devendo se orientar nas regras e princípios contidos no CDC, a fim
de evitar a lesão aos direitos do consumidor antes mesmo da aquisição do
bem.
Por este motivo, o fornecedor se vê obrigado a zelar por toda e qualquer
informação veiculada ao público através de qualquer meio de comunicação.
Situação que ganhou destaque no cenário jurídico a respeito deste
assunto decorreu do uso contínuo (e até cansativo!) da expressão “QUER
PAGAR QUANTO?” adotada como slogan da maior rede de lojas varejista do
Brasil. Além desta expressão, a campanha publicitária veiculada diariamente
em todo o país ainda dizia “E VOCÊ AINDA ESCOLHE A MELHOR FORMA DE
PAGAMENTO!’. Diante disso, certo consumidor se dirigiu a uma das lojas,
escolheu diversos produtos e ao chegar ao caixa, passou a definir o preço
de cada item e disse pretender parcelar em parcelas a perder de vista.
Naturalmente, a pessoa do caixa se negou a atender o cliente, que acionou
a polícia e fez Boletim de Ocorrência destacando os bens adquiridos, valores
sugeridos e forma de pagamento que não fora aceita pela loja. Em seguida,
moveu ação alegando se tratar de propaganda enganosa e exigindo o
cumprimento dos slogan citados, alcançando seu objetivo.
Em virtude desse caso e outros que se seguiram, a empresa mudou sua
campanha publicitária. Em casos como este muito se questiona acerca da
boa-fé ou má-fé do consumidor, motivo pelo qual abordaremos adiante esta
questão.
O dever de atender à vontade daquele consumidor adveio da
interpretação de que houve publicidade enganosa, contida no Código de
Defesa do Consumidor, em seu artigo 37, referindo-se a esta como o
101
DIREITO EMPRESARIAL
induzimento do consumidor a erro, ainda que por OMISSÃO. Vejamos o
disposto no citado artigo:
Artigo 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° - É enganosa qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa,
ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir
ao erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer
outros dados sobre produtos e serviços. §2°-É abusiva, dentre
outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que
incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da
deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita
valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a
se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou
segurança. § 3°-Para os efeitos deste Código, a publicidade é
enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado
essencial do produto ou serviço.
A publicidade enganosa acontece quando o fornecedor tem a intenção
em enganar o consumidor quanto ao produto ou serviço ofertado, no
tangente a sua natureza, preço, procedência, composição ou finalidade.
Com a ocorrência da publicidade enganosa e havendo recusa do
fornecedor em cumprir a promessa divulgada, poderá o consumidor se
socorrer adotando a providência que julgar adequada, dentre as três
contidas no artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor, a seguir expostas:
I - exigir o cumprimento da obrigação, nos termos da oferta,
apresentação ou publicidade;
II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III - rescindir o contrato com direito à restituição de quantia
eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas
e danos.
Mas, aproveitando a oportunidade, se deve registrar a existência da
publicidade COM ERRO, decorrente de falha na comunicação veiculada,
não havendo, portanto, a intenção do fornecedor em enganar o
consumidor. A importância de seu estudo se presta a isentar o anunciante-
fornecedor de se ver obrigado a cumprir o prometido na publicidade
veiculada, porém, para que isso ocorra, em primeiro lugar é necessário
ser nítido o erro, no sentido de haver grande discrepância entre o preço
real do produto ofertado em relação ao apresentado ao público através
de qualquer meio de anúncio.
102
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Assim, havendo mero equívoco na mensagem, decorrente de erro
facilmente perceptível, grosseiro, flagrante, não acarretando qualquer
desvantagem ou causando dano ao consumidor, a responsabilidade do
anunciante deverá ser relativa, sem a aplicação das penalidades impostas
pelo CDC no artigo 35, anteriormente citado.
A finalidade do Código de Defesa do Consumidor ao tutelar a publicidade
enganosa é exatamente repelir a utilização de artifícios ardilosos adotados
por fornecedores que intencionalmente pretendem enganar sua clientela.
Por esta razão, o CDC tanto penaliza o fornecedor com a aplicação das três
hipóteses previstas no artigo 35 como também tipifica como crime a prática
de tal conduta.
Por este motivo, compreender a publicidade com erro visível, sabendo
que nela não há intenção de enganar o consumidor, permite compreender a
razão de não se punir o fornecedor-anunciante.
A questão se complica a partir do momento que o próprio consumidor
vislumbra a possibilidade de se beneficiar com o erro cometido na publicidade.
Isto porque, ainda que haja erro visível na publicidade, mas ocasionando
dano ao consumidor, a Justiça lhe dará o respaldo necessário para obter o
devido ressarcimento.
A demonstração da boa-fé é condição para o exercício do direito a ser
questionado pelo consumidor, cabendo-lhe comprovar a impossibilidade de
reconhecer o erro contido na mensagem, o que, por evidente, não é tarefa
fácil. Em casos como tais, deve o julgador do conflito verificar se a intenção
do consumidor é obter ressarcimento de dano comprovadamente sofrido ou
apenas se enriquecer de forma ilícita.
O enriquecimento ilícito decorre da vontade do consumidor de se
aproveitar da oportunidade advinda do erro contido na publicidade,
pretendendo pagar quantia absolutamente inferior ao valor real do produto.
A ementa (síntese) de julgamento de caso ocorrido no Rio Grande do Sul
em que o consumidor tentou, através do Poder Judiciário, obrigar o fornecedor
a lhe vender o produto por preço bem abaixo do valor de mercado, demonstra
a necessidade de se comprovar a boa-fé do consumidor, senão vejamos:
CONSUMIDOR. OFERTA DE PRODUTO EM SITE DA INTERNET,
CONSTANDO, EM FACE EVIDENTE ERRO DE DIGITAÇÃO, INUSITADO
E INVEROSSÍMIL PREÇO CERCA DE DEZ VEZES INFERIOR AO
NORMAL. A BOA-FÉ OBJETIVA É ELEMENTO NEGOCIAL QUE SE
EXIGE DO CONSUMIDOR TANTO QUANTO DO FORNECEDOR.
RECURSO PROVIDO, PARA JULGAR IMPROCEDENTE A AÇÃO” (TJRS
- Rel. Mylene Maria Michel, in Recurso Cível n. 71000727123, j. em
24/08/05).
Aliás, este julgado demonstra a aplicação do já estudado Princípio da
boa-fé, exigido tanto do fornecedor como do consumidor na relação de
consumo e utilizado como fonte no fundamento das decisões judiciais.
103
DIREITO EMPRESARIAL
A boa-fé como princípio norteador da relação consumerista permite ao
juiz decidir com bom senso a situação em análise, protegendo o interesse
da parte que mereça a proteção estatal.
Para aqueles que não são estudantes de Direito, é necessário informar
que o juiz, ao julgar o caso concreto, não se vale apenas das leis aplicáveis
à situação, mas também dos princípios disciplinadores do ordenamento
jurídico, para que, em consonância com as normas, evitem a punição da
parte inocente.
No entanto, em se verificando a intenção do fornecedor de enganar o
consumidor através da publicidade, surge o dever de responsabilizá-lo pelo
prejuízo.
Acerca do tema, o jurista Paulo Luiz Neto Lobo diz que “a responsabilidade
nasce não somente do exercício normal do direito, mas também da liberdade
e do exercício normal de sua atividade, quando provoca conseqüências
desvantajosas para outrem (fornecedor)”3
Vê-se, contudo, que a responsabilidade do fornecedor em caso de erro
visível em sua publicidade somente surgirá se houver intenção de lesar o
consumidor. Para se comprovar a tese exposta, veja outro julgamento
decorrente de processo judicial que tramitou no Estado do Paraná:
Se a publicidade decorreu de erro e não de dolo, por evidente
que ele não obriga o vendedor a cumprir uma proposta fora da
realidade do mercado, a qual acarretaria enriquecimento ilícito e
sem causa do consumidor. Apelação desprovida (TJPR - 8ª Câm.
Cív (extinto TA), Rel. Des. Rosene Arão de Cristo Pereira, in
Apelação Cível n. 80.412-4, de Curitiba, j. un. em 06.11.95).
Diante do exposto, havendo erro visível e demonstrada a intenção do
consumidor em obter ganho financeiro de forma ilícita, demonstrando sua
má-fé, a publicidade não será considerada enganosa, não havendo, assim,
que se falar em responsabilidade do fornecedor.
Em contrapartida, a veiculação de publicidade tendente a induzir o
consumidor em erro acarretará a aplicação das sanções já citadas neste
capítulo.
No entanto, há ainda outra medida imposta pelo Código de Defesa do
Consumidor, cuja finalidade precípua é possibilitar a inversão do engano
causado e amenizar os danos causados aos consumidores. Referimo-nos a
contrapropaganda prevista no artigo 56, inciso XII, bem como no artigo 60
do diploma legal citado.
Para o doutrinador Rizzato “A contrapropaganda deve ter um conteúdo
(mensagem) que possa anular ou ao menos desmentir o conteúdo enganoso
anteriormente produzido.”4
104
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Ao tentar remediar o mal causado pela publicidade enganosa, o
fornecedor deve se atentar em fazer com que a contrapropaganda se torne
acessível aos mesmos consumidores que visualizaram publicidade inicial, quer
dizer, as inserções e meios de comunicação para se realizar a
contrapropaganda devem ser os mesmos adotados quando da realização
da publicidade enganosa, conforme preceitua o artigo 60, em seu parágrafo
1 º:
A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma
forma, freqüência, dimensão e, preferencialmente, no mesmo
veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o
malefício da publicidade enganosa ou abusiva.5
O afamado civilista Silvio Venosa se pronunciou sobre o assunto,
expressando sua convicção da seguinte forma:
Caso ocorra divulgação errônea da oferta como, por exemplo,
modelo inexistente de produto, ou preço diverso do pretendido pelo
vendedor, o fornecedor dos produtos ou serviços somente exonerar-
se-á da proposta se, oportunamente, e com o mesmo destaque e
mesmo veículo de divulgação, pelo menos, fizer retratação da
proposta, de acordo com o art. 1.081, IV, do Código Civil, ou seja,
o consumidor deve ser alertado oportunamente da retratação,
retificação ou alteração da proposta.6
Além da proteção e punições previstas no Código de Defesa do
Consumidor, o artigo 20 do Código de Ética dos Profissionais da Propaganda
dispõe que a propaganda deverá sempre ser ostensiva, sendo repudiado
qualquer instrumento que venha a confundir seu público.
A lesão aos direitos do consumidor tem sido constante — principalmente
a partir da década de noventa — a ponto de ser criado o Conselho Nacional
de Auto-Regulamentação Publicitária (CONAR) com o objetivo de fiscalizar a
conduta ética dos profissionais da área de publicidade bem como o resultado
de sua produção, através de análise da publicidade que circula nos meios
de comunicação em massa de todo o território nacional, tendo como fonte
de pesquisa as normas dispostas no Código Nacional de Auto-
Regulamentação Publicitária, datado de 1º de outubro de 2003.
O CONAR, ao contrário do que muitos acreditam, é uma organização
NÃO-governamental, fundada e mantida pela propaganda brasileira,
composta pelo Conselho Superior, cujos integrantes são indicados a cada
dois anos por suas entidades fundadoras: Associação Brasileira de Agências
de Publicidade (ABAP), Associação Brasileira de Anunciantes (ABA), Associação
Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional
dos Editores de Revistas (ANER), Associação Nacional de Jornais (ANJ) e
Central de Outdoor.
105
DIREITO EMPRESARIAL
Com o início da veiculação do anúncio feito por qualquer fornecedor, os
membros do CONAR responsáveis pela monitoria de observação do
cumprimento das normas existentes estão aptos a denunciar irregularidades
identificadas, sendo possível também a todo e qualquer cidadão que se
sinta ofendido com o teor da campanha publicitária fazer a denúncia à
organização.
Com a denúncia, instaura-se procedimento administrativo para apuração
da denúncia e sua fundamentação a ser feita pelo Conselho de Ética,
composto por representantes das agências de publicidade, dos anunciantes,
dos veículos e dos consumidores, distribuídos em São Paulo, Rio de Janeiro,
Brasília e Porto Alegre.
Optando o Conselho de Ética em dar continuidade ao procedimento, terão
o anunciante e a agência denunciada prazo para apresentarem a defesa,
para, posteriormente, se proferir a decisão.
Sendo julgada inconsistente a denúncia contra a veiculação do anúncio,
o processo será extinto e arquivado, podendo o denunciante recorrer da
decisão. Por outro lado, contrariando as normas previstas no Código
Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária, anunciante e agência
denunciados serão convocados para proceder a alteração do anúncio ou
até mesmo, serem proibidos de dar continuidade a sua veiculação. Casos
em que a lesão aos preceitos legais tenha sido branda, o Conselho de Ética
poderá advertir o anunciante ou a agência com o intuito de impedir futuras
ocorrências.
Interessante que o CONAR é pessoa jurídica de direito PRIVADO, sem
qualquer vinculação com o Poder Judiciário; entretanto, o resultado de suas
decisões, costumeiramente, é acatado pelas partes julgadas e condenadas,
cumprindo imediatamente o que lhes é solicitado, seja na decisão inicial ou
em conseqüência do julgamento de recurso.
Porém, como todo processo administrativo no Brasil, a parte vencida
poderá requerer a apreciação do fato pelo Poder Judiciário.
Outro aspecto relevante e que não poderia deixar de ser citado se refere
à espécie de publicidade analisada, já que NÃO compete ao CONAR julgar
questões advindas de propagandas políticas e político-partidárias,
restringindo-se àquelas citadas no artigo 8º do Código de Auto-
Regulamentação publicitária, quais sejam, as que visam estimular o consumo
de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos ou idéias.
Além da exclusão anterior, não está disciplinada pelo Código de Auto-
Regulamentação Publicitária a hoje, tão em voga, mensagem subliminar,
conforme se observa em seu artigo 29:
Artigo 29. Este Código não se ocupa da chamada “propaganda
subliminar”, por não se tratar de técnica comprovada, jamais
detectada de forma juridicamente inconteste. São condenadas, no
entanto, quaisquer tentativas destinadas a produzir efeitos
“subliminares” em publicidade ou propaganda.
106
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
Para aqueles que desconhecem, a primeira utilização da “mensagem
subliminar” teria ocorrido em junho de 1956, quando o publicitário James
Vicary teria inserido com a ajuda de projetor de slides as frases “Drink coke”
e “Eat popcorn” durante a exibição do filme “Picnic”, gerando aumento de
18,1% nas vendas do refrigerante e 57,7% nas de pipoca.
As frases inseridas na tela do cinema não eram visualizadas pelos
expectadores, pois foram projetadas a uma velocidade de 1/3.000 de
segundo, sendo, no entanto, percebidas pelo inconsciente, despertando o
desejo de consumir tais bens. O fato, entretanto, foi negado posteriormente
por James Vicary, mas despertou o interesse de profissionais de várias áreas,
que passaram a adotar o uso da mensagem subliminar, em especial, em
campanhas políticas e publicitárias em todo o mundo.
Sucintamente, o processo de utilização da mensagem subliminar como
forma de atrair consumidores decorre da afetação inconsciente do indivíduo,
estimulando seus cinco sentidos de percepção, com ênfase na visão e
audição.
Estudos de Sigmund Freud demonstram o armazenamento de
informações decorre de forma inconsciente. Por outro lado, a consciência é
ativada por motivações inconscientes.
Aqui no Brasil há relatos, principalmente recentes, da utilização das
técnicas de inserção em publicidade de mensagens subliminares, havendo
casos já julgados pelo Poder Judiciário, ainda que não haja proibição do seu
uso nas leis vigentes em nosso país.
O Judiciário tem analisado o caráter apelativo no uso de mensagens
subliminares, principalmente quando há apelo sexual. Segundo um grupo
de pesquisadores7, composto por americanos e chineses, foi cientificamente
comprovada maior eficiência para se prender a atenção das pessoas quando
da utilização imagens eróticas. A exposição do indivíduo a imagens de teor
emocional ou instintivo gera reações físicas e pscicológicas, através da
ativação da amígdala, produzindo maior capacidade de armazenar
informações.
Dentre os casos já ocorridos em território nacional, para comprovar o
que foi dito, pode ser citado o processo movido em janeiro de 2001, pelo
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios contra a Souza Cruz S/A8,
Standart Ogilvy & Mather Ltda e Conspiração Filmes Entretenimento S/A, em
decorrência da utilização de publicidade antijurídica de tabaco, pois, através
de perícia, restou comprovada a inserção, a uma velocidade de três décimos
de segundo, de uma mulher fumando, cuja fumaça formava a palavra “sex”.
Nós, telespectadores, não vemos de forma consciente a ocorrência da
mensagem subliminar, mas, em nosso inconsciente, a imagem é “visualizada”.
Em virtude do processo, a citada propaganda deixou de ser veiculada por
conter forte apelo, direcionado, principalmente, ao público infanto-juvenil.
Após análise do caso, o juiz condenou as rés, a título de dano moral, ao
pagamento de R$ 14 milhões! As rés recorreram e o processo aguarda
decisão final.
107
DIREITO EMPRESARIAL
Em excepcional Artigo de Conclusão de Curso (TCC) intitulado
PUBLICIDADE SUBLIMINAR NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO EM MASSA E O
DIREITO NO BRASIL desenvolvido pela aluna do Curso de Direito, LUCIANA
DE PAULA MUJALLI, a quem nos competiu o honroso mister de orientar,
encontramos os seguintes casos ocorridos no Brasil, além do já citado:
Outro caso registrado foi do Creme dental “Close-Up”9, da
Unilever. Em julho de 2003, um consumidor apresentou queixa do
comercial do anti-séptico bucal exibido, que apresentava em alguns
fotogramas a reprodução de palavras de baixo calão embaralhadas
a símbolos, como os usados em histórias em quadrinhos, para
simbolizar palavrões. A anunciante negou ter se utilizado de recurso
subliminar, substituindo a propaganda submetida a um processo
ético por uma nova versão.
A polêmica mais recente envolvendo mensagem subliminar foi
o filme “Madagascar”10. Apesar de não se tratar de publicidade, a
análise do caso não é menos relevante.
Em 2005, o filme infantil foi censurado na cidade de Joinville,
município de Santa Catarina. O Juiz da Vara da Infância, Alexandre
Morais Rosa, proibiu que crianças e adolescentes, mesmo aqueles
acompanhados pelos pais ou responsáveis, entrassem nas salas
de cinema para assitir ao desenho animado.
A decisão atendeu ao pedido do advogado George Alexandre
Rohrbacher, que representou contra a United Internacional Pictures
Distribuidora de Filmes, alegando que filme apresenta estímulos
subliminares e incentivo ao consumo de drogas, no caso o ecstasy.
A Justiça determinou que fossem feitas alterações na dublagem,
pois em uma passagem do filme, um dos personagens reclama a
ausência de “balinha” em uma festa rave. Além das alterações, foi
elevada a classificação indicativa do filme, sendo inadequado para
menores de 12 anos. As versões disponíveis em DVD e VHS já
estão modificadas. A Ação Civil Pública ainda não foi julgada.
Pelo exposto, dentre os casos de mensagens subliminares
citados acima, o único que verdadeiramente se utilizou da técnica
subliminar foi o comercial do Cigarro “Free”, da Souza Cruz S/A.
Cabe ainda ressaltar que esta publicidade foi condenada pelo fato
de ser voltada ao público infanto-juvenil. O conteúdo subliminar,
por sua vez, possui um apelo sexual, não fazendo nenhuma apologia
ao uso da droga.
A propaganda do “Close-up” é explícita, e usou a mímica como
recurso de linguagem. A alteração do comercial se deve à menção
de palavras de baixo calão, ferindo assim a ética e os bons costumes.
O filme “Madagascar” também não utiliza a técnica “clandestina”. O
personagem do desenho animado faz apologia ao uso do ecstasy
de forma subentendida, não subliminar.
108
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
O Artigo de Conclusão de Curso pode ser solicitado à Coordenação do
Curso de Direito da Unitri-Uberlândia e foi indicado para publicação.
Diante do exposto, esperamos, ao concluir esta unidade, que o leitor
tenha obtido as informações necessárias para aplicar em sua vida pessoal e
profissional as regras referentes à proteção do consumidor, bem como as
imposições e conseqüências de seu descumprimento em relação aos
fornecedores.
Os abusos e engodos têm sido severamente punidos pelo Poder Judiciário,
através da aplicação de penas rigorosas aos fornecedores não cumpridores
de suas obrigações.
Ademais, deve ficar registrado na memória do aluno que o fornecedor se
compromete antes mesmo do início do estabelecimento da relação de
consumo, pois se vincula contratualmente a partir da veiculação de suas
campanhas publicitárias.
É HORA DE SE AVALIAR!
Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de
estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia
no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija
as respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) ou pelo correio (em
formulário próprio). Interaja conosco!
Nesta unidade, visualizou-se o quanto pode ser conflituosa a relação
fornecedor-consumidor e quanto o Estado se preocupou em proteger,
corretamente, este último.
O interessante é que o Estado exige comportamento adequado do
fornecedor antes mesmo de estabelecer a relação de consumo, pois, desde
o momento em que oferta o produto ou serviço, já assume responsabilidades
e se sujeita à punições caso aja incorretamente.
Assim sendo, o empresário deve estar atento, pois poderá ser acionado
tanto pelo consumidor como pelo próprio Estado, através de seus órgãos
específicos, ora estudados.
Na unidade a seguir, passaremos a estudar, na primeira parte, as
formas de relacionamento entre empresários e, na segunda, os títulos de
créditos, como cheque e nota promissória.
109
DIREITO EMPRESARIAL
NOTA
1 Nelson Nery Jr., citado por FERNANDES, Daniela Bacellar. Responsabilidade Civil &
Direito do Consumidor – Em face das Mensagens Subliminares. Curitiba: Juruá, 2006.
p.81-82.
2 ARMONI,Ramon Leandro Freitas;OLIVEIRA,Meir e Helen Lemos de (org.).Código
de Defesa do Consumidor. In: Vade Mecum 800 em 1. São Paulo, 2007, p. 353.
3 NUNES, Luiz Antônio Rizatto apud LOBO, Paulo Luiz Neto. Curso de Direito do
Consumidor.
2ªed. rev., modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p.499.
4 NUNES, Luiz Antônio Rizatto. Curso de Direito do Consumidor. 2ªed. rev., modif.
e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 484.
5 ARMONI,Ramon Leandro Freitas;OLIVEIRA,Meire Helen Lemos de (org.).Código
de Defesa do Consumidor. In: Vade Mecum 800 em 1. São Paulo, 2007,p. 357.
6 VENOSA, Sílvio de Salvo. A Força Vinculante da Oferta no Código Civil e no
Código de Defesa do Consumidor, in Revista de Direito do Consumidor, 08/87.
7 Ciência e Saúde.Imagem Erótica Subliminar Captura Atenção, sugere Pesquisa.
Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Ciencia/0,,AA1321997-5603,00.html>
Acesso em: 29 mai. 2007.
8 BRASIL.Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Disponível em:
< h t t p : / / t j d f 1 9 . t j d f t . g o v . b r / c g i - b i n /
tjcgi1?MGWLPN=SERVIDOR1&NXTPGM=tjhtml122&ORIGEM=INTER&CIRCUN=1&
SEQAND=142&CDNUPROC=20040111020280>. Acesso em:25 Nov. 2007.
9 CONAR, Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária. Disponível em:
<http://www.conar.org.br/> Acesso em 25 de Nov. 2007.
10 REIS, Thiago. Folha Online. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
cotidiano/ult95u112158.shtml> Acesso em: 25 de Nov. 2007.
110
UNIDADE 4 - O EMPRESÁRIO E OS DIREITOS DO CONSUMIDOR
111
DIREITO EMPRESARIAL
UN
IDA
DE 5
CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS
DE CRÉDITO
Nesta unidade, analisaremos duas matérias de suma importância para o
Direito Empresarial, com aplicabilidade prática até mesmo para aqueles que
não exercem atividade econômica, pois ambas são utilizadas no dia-a-dia
do cidadão comum. Estudaremos, primeiramente, os contratos empresariais
cuja principal característica é a presença de empresário como uma das partes
contratantes, não importando ser contratante ou contratado. Nesta primeira
parte, aprenderemos quais os principais contratos empresariais existentes,
a quem se aplicam e quais as regras essenciais para sua validação jurídica.
De outro lado, abordaremos os títulos de créditos e documentos existentes
para facilitar o registro de relações de crédito entre pessoas. À primeira
vista, tal tema aparenta ser algo desconhecido dos alunos, mas ao citar
dois exemplos de títulos de crédito, a matéria torna-se familiar: cheque e
nota promissória. Conheceremos neste tópico os títulos de créditos mais
utilizados, suas normas e, ainda, os direitos e deveres do credor e do devedor.
A razão de se unir estas duas matérias em uma única unidade decorre do
fato de serem ambas as matérias ligadas à forma de se documentar relações
de crédito, além disso, não podemos deixar de citar a íntima relação existente
entre tais temas, visto que para ter maior segurança nas relações jurídicas
é comum que se utilizem em uma mesma negociação ambos os institutos
jurídicos. Para melhor compreender, em caso de empréstimos bancários
(contrato empresarial), é comum se vincular título de crédito, geralmente,
nota promissória. Portanto, muita atenção nos capítulos abaixo, vez que lhe
serão úteis tanto em sua vida profissional como pessoal. Bom estudo!
OBJETIVOS DA UNIDADE
• Apresentar ao estudante as principais modalidades de contratos em-presariais e títulos de créditos utilizados no cotidiano do empresariadobem como da população em geral.
• Desenvolver no aluno potencial para converter o aprendizado em açõespráticas, fornecendo-lhe conhecimento para analisar e criar os docu-mentos estudados, permitindo maior segurança jurídica em negóciosque firmar em seu próprio interesse, seja pessoal ou profissional.
112
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
• Conscientizar o leitor acerca da importância surgida a partir da assi-natura de qualquer dos documentos estudados, atribuindo-lhe a in-cumbência de orientar as pessoas com as quais convivem no que tan-ge ao preenchimento e às conseqüências da assinatura desses títu-los.
PLANO DA UNIDADE
• Compra e venda mercantil.
• Contratos bancários.
• Outros contratos empresariais.
• Títulos de crédito – Letra de Câmbio, Nota Promissória, Cheque
e Duplicata.
CONTRATOS EMPRESARIAIS
A materialização das negociações firmadas no meio empresarial é feita
através de contratos que se denominam empresariais ou mercantis.
A validade destes contratos é condicionada à existência de um empresário
como sendo umas das partes. Sabe-se que todos os contratos possuem
contratante e contratado e, ao menos um deles, terá que ser sociedade
empresária ou empresário individual.
Passemos, então, à análise das espécies de contratos empresariais.
COMPRA E VENDA MERCANTIL
Esta modalidade contratual tem por finalidade regulamentar a
circulação de mercadorias, sendo que as partes envolvidas, COMPRADOR e
VENDEDOR, estabelecerão cláusulas relativas à quantidade e qualidade
dos produtos, preço e condições de pagamento, além, claro, das cláusulas
habituais de todo e qualquer contrato.
O Contrato de Compra e Venda Mercantil é essencial no exercício da
atividade atacadista e na relação comercial que mantém com seus clientes,
supermercados, mercearias, bares e restaurantes.
Dentre as regras previstas em lei, importante demonstrar as obrigações
de cada parte, a começar pelo vendedor.
A primeira, claro, refere-se à transferência das mercadorias adquiridas
pelo comprador. Se omisso o contrato acerca do local da entrega dos
produtos, deverá o vendedor se responsabilizar e enviar os produtos. A
forma de entrega poderá ser via postal (correios) ou ainda através de veículo
próprio ou terceirizado.
O risco do transporte (extravio, roubo, furto, acidente, etc.) será do
vendedor, salvo se houver cláusula contratual em sentido contrário ou se o
transporte ficar a cargo do comprador.
113
DIREITO EMPRESARIAL
Deixando de entregar a mercadoria ou o fazendo fora do prazo, poderá
o vendedor ser processado por perdas e danos pelo comprador.
Outra obrigação do vendedor se refere a sua responsabilização por
vícios, que são defeitos que impedem o produto de funcionar corretamente
ou no todo. O vício pode ser manifesto, quando facilmente visualizado ou
oculto, quando é descoberto através da realização de teste na mercadoria.
Segundo a legislação, o comprador deverá informar da existência de
vício manifesto no prazo de 30 dias e do oculto, em 180 dias, ambos a contar
da entrega do bem. Interessante que, uma vez identificados os vícios, às
partes restam duas alternativas: rescindir o contrato ou reduzir
proporcionalmente o preço. Estas duas hipóteses estão previstas na lei que
trata do assunto, mas como se sabe, em caso de defeito na mercadoria
entregue, geralmente, o vendedor faz sua substituição, resolvendo a
questão; no entanto, esta possibilidade se trata de costume comercial, não
previsto em lei.
Por fim, deve ainda a vendedora responder pelos efeitos da evicção,
ou seja, quando, após realizada a venda, se descobre que o bem não
pertencia ao vendedor, isto é, sua propriedade estava sendo discutida.
Nestes casos, o verdadeiro proprietário da mercadoria acaba a retomando
e restará ao comprador ajuizar Ação de Indenização contra o vendedor que
lhe prometeu a venda de bens cuja propriedade era questionável.
Na outra ponta da relação contratual, atribui-se ao comprador a
obrigação de pagar o preço no prazo, forma e valor combinados.
Para alguns estudiosos do direito, é ainda seu dever averiguar se a
mercadoria possui algum vício. Entretanto, não nos parece se tratar de
obrigação, mas sim de precaução tal análise, pois não a realizando o contrato
não sofrerá qualquer alteração.
CONTRATOS BANCÁRIOS
Consideram-se contratos bancários próprios (ou típicos) as negociaçõesem que um dos contratantes seja necessariamente uma instituição financeira,não importando se contratante ou contratada. A outra parte pode serqualquer pessoa, física ou jurídica.
Por instituição financeira se deve entender a pessoa jurídica de direitopúblico ou privado, autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil e emsendo estrangeira, deverá obter autorização especial concedida peloPresidente da República.
O objeto contratual é a captação, intermediação ou aplicação de recursosfinanceiros, seja em moeda nacional ou estrangeira.
Feita esta introdução, iniciemos o estudo dos contratos bancários típicos.
1º. Depósito bancário.
À primeira vista, muitos desconhecem esta modalidade, no entanto,sabendo-se tratar do que chamamos popularmente de Conta Corrente fica
fácil compreendê-lo.
114
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
Por este contrato, o DEPOSITANTE (cliente) entrega valores monetáriosao banco que deverá restituí-lo no momento desejado.
Atualmente, como é sabido, o depositante (correntista) possui cartãopara sacar quantia de sua conta sempre que tiver interesse, mas, a dependerdo valor, o saque somente poderá ser feito no caixa. Os bancos possuemcritérios próprios quanto ao saque de valores significativos, sendo que,geralmente, retiradas superiores à R$100.000,00 (cem mil reais) dependemde aviso prévio a ser feito pelo correntista.
Para o encerramento deste contrato que é feito por prazo indeterminado,basta solicitação (verbal ou escrita) feita pelo depositante e devolução decartões e cheques relativos à conta corrente.
Pergunta interessante: se o correntista emitiu cheque e no mesmo diafor ao banco encerrar a conta, sem que o mesmo tenha sido apresentado,obterá êxito?
Sim. O banco não pode impedi-lo. Deve informá-lo da existência de chequeainda não apresentado. Com o fechamento da conta, obviamente o chequenão será compensado e regressará ao credor com a informação de “contaencerrada”. Caberá ao credor ajuizar ação de execução para receber a quantiae se conseguir provar que o propósito do emitente do cheque ao encerrar aconta era não pagar o credor, processá-lo também por crime de estelionato,o famoso artigo 171 do Código Penal.
2º. Mútuo bancário.
Por este contrato, o banco (mutuante) empresta certa quantia dedinheiro ao mutuário (cliente), que deverá restituí-la com acréscimosremuneratórios (juros) previamente combinados.
Esta espécie é bem conhecida dos brasileiros pelo nome deEMPRÉSTIMO. O início do contrato se dá com a entrega do dinheiro ao
mutuário e seu término é especificado em cláusula contratual.
Questão controversa se refere aos juros cobrados. A primeira regra a seexplicar é que NÃO há limite de sua cobrança estabelecida em lei, competindoao Conselho Monetário Nacional determiná-lo, porém este Conselho adotoucomo regra a “lei da oferta-procura”, ou seja, o banco não sofre qualquerrestrição quanto ao valor cobrado. Segundo o Conselho, à medida que osmutuários pesquisarem diversos bancos, conseguirão forçar a redução dosjuros. Na prática, o que assistimos dista — e muito — desta pretensão.
Outra rega se refere à espécie de mutuário. Se pessoa física, atualmente,há julgados dizendo que se trata de consumidor (unidade IV) e por estemotivo deve se fazer aplicação de juros legais de 1% por mês. Para “fugir”desta situação, os bancos passaram a inserir no contrato, além dos juros, afamosa taxa de risco com percentuais elevados, já que não há para estalimitação.
O mutuário possui três principais obrigações:
a) pagar o valor emprestado, no prazo combinado;
b) pagar juros, encargos, taxa de risco, comissões, correção
monetária e outras taxas estabelecidas;
c) proceder às amortizações contratadas.
115
DIREITO EMPRESARIAL
Por fim, o mutuário não poderá quitar o contrato de forma antecipada
requerendo redução dos juros, pois o banco faz seu cálculo de ganho nas
parcelas e prazo estabelecidos. Em se tratando de consumidor (pessoa física)
e sendo omisso o contrato, poderá, nesta hipótese, o mutuário quitar
antecipadamente com redução proporcional de juros.
Mútuo bancário – subespécies
FINANCIAMENTO: este contrato é decorrente do empréstimo (mútuo
bancário). A principal característica que o torna peculiar é que a quantia de
dinheiro emprestada ao financiado deve ser utilizada na aquisição de bem
predeterminado, como ocorre com o financiamento da casa própria (imóvel
escolhido pelo cliente), o financiamento agrícola (aquisição de insumos,
sementes, etc.), ficando o próprio bem como garantia da quitação. Ademais,
segue todas as regras aplicáveis ao mútuo bancário.
ABERTURA DE CRÉDITO: trata-se aqui do tradicional Cheque Especial
(pessoa física) ou Conta Garantida (pessoa jurídica). Esta espécie contratual
tem sua existência dependente de outro contrato bancário: o depósito
bancário (Conta Corrente, anteriormente estudado). O banco empresta certa
quantia ao cliente quando emitir cheque sem provisão de fundos, de forma
que o credor receberá o valor normalmente. Por ser espécie de mútuo
bancário não há limite na cobrança de juros, razão pela qual observamos
hoje em dia, acréscimos remuneratórios de 10%, em média.
Portanto, o mútuo bancário além de ser contrato próprio, possui ainda
as duas subespécies acima.
3º. Aplicação financeira
Popularmente conhecido como “Fundos de Investimento”, este contrato
tem como partes o DEPOSITANTE que autoriza o banco (DEPOSITÁRIO) a
empregar, no todo ou em parte, o dinheiro mantido em conta de depósito
em certo investimento.
Compete à instituição financeira remunerar o Depositante de forma a
lhe garantir retribuição superior à caderneta de poupança, o que, nos
dias atuais, é tarefa bastante simples.
Por se tratar de contrato de investimento do risco, o Depositante deve
ser orientado que poderá ter perdas no investimento, sendo que só se pode
responsabilizar o banco se comprovada má administração da quantia,
ilegalidade no investimento e descumprimento do contrato.
4º. Desconto bancário
Através desta modalidade contratual, o DESCONTADOR (instituição
financeira) antecipa ao cliente (DESCONTÁRIO) o valor do crédito vencido
ou não, que este titulariza perante terceiros e o recebe em cessão.
Para os que não conhecem este contrato, veja o exemplo. O cliente, Sr.
Aristóteles é credor de nota promissória que vencerá em cinco meses, emitida
por Sr. Sócrates, no valor de R$5.000,00. Ocorre que Aristóteles necessita
do dinheiro com urgência e para recebê-lo firmará com o banco contrato de
desconto, ou seja, o cliente “vende” a nota promissória para o banco. Claro
116
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
que as instituições financeiras, antes de realizar tal contrato, averiguam a
situação patrimonial do emitente do título e também do Descontário.
Por esse serviço, o banco cobra encargos contratuais e juros, livremente
estabelecidos entre as partes. A esta altura, muitos leitores devem estar
associando este contrato ao contrato de Factoring, mas há entre eles uma
grande diferença.
Ao descontar o título, no nosso exemplo, a nota promissória, no dia do
vencimento, o Banco tentará receber do emitente o valor nele contido e, em
caso de não-pagamento, o Banco poderá processar tanto o emitente do
título (Sócrates) como o próprio Descontário (Aristóteles). Quer dizer, ao
efetuar contrato de desconto bancário, o cliente poderá ter que pagar ao
descontador o valor integral do título acrescido de juros, correção monetária,
custas processuais e honorários de sucumbência! Já no contrato de Factoring
este risco não existe, razão pela qual muitos o preferem, ainda que suas
taxas sejam mais altas que as do desconto.
5º. Crédito documentário
Neste contrato, o banco (EMISSOR) faz papel de intermediário. Seu cliente,
chamado de ORDENANTE, lhe solicita que pague determinado beneficiário
de crédito, advindo de relação comercial mantida entre o ordenante e o
beneficiário, que deverá procurar o banco para receber o montante mediante
a apresentação de documentos previamente estabelecidos.
Por esta prestação de serviços, o banco cobra juros e encargos
contratuais.
Popularmente este contrato recebe o nome de Carta de Crédito e tem
grande utilidade em negociações internacionais. Veja a ilustração: certa
empresa brasileira importa maquinário fabricado na Alemanha. Para efetuar
o pagamento, procura banco existente em ambos os países e firma Contrato
de Crédito Documentário, através do qual o banco receberá o dinheiro aqui
no Brasil e remunerará a credora, lá na Alemanha, após apresentar os
documentos exigidos em contrato de compra e venda, tais como, comprovante
de embarque, de quitação fiscal, entre outros.
6º. Vendor
Por esta modalidade contratual, o banco financiará as aquisições
realizadas por clientes de seu próprio cliente.
Quando cito este conceito em sala, a expressão dos alunos é de que
não entenderam nada! Mas é simples compreender através de exemplo.
Certa atacadista faz venda de R$20.000,00 para seu cliente, que não
dispõe desta quantia, mas precisa das mercadorias por está se aproximando
período de boas vendas. Para não perder o cliente (nem a venda), a
atacadista procura um banco e com ele firma o contrato chamado Vendor, ou
seja, o banco pagará os R$20.000,00 para a atacadista e financiará a mesma
quantia para o cliente da atacadista. Veja que o banco ganha duas vezes,
através de um único contrato.
117
DIREITO EMPRESARIAL
Em Uberlândia-MG, onde estão instaladas as maiores atacadistas do
Brasil, uma delas constituiu o próprio banco para tal fim e, com isso, passou
a vender e faturar mais, pois as vendas aumentaram e o banco ganha com
a prestação de serviços, com a cobrança de juros e encargos contratuais.
Observe que este contrato depende de outros contratos:
a) banco X cliente: depósito bancário, pois o cliente terá que possuir
conta corrente no banco para ter acesso ao pagamento;
b) banco X terceiro (cliente do cliente): mútuo bancário (empréstimo).
Estes são os contratos bancários típicos, ou também chamados de
próprios, em virtude de sua realização somente ser autorizada à instituições
financeiras.
OUTROS CONTRATOS EMPRESARIAIS
1º. Arrendamento mercantil (leasing)
A palavra arrendamento pode ser entendida como aluguel. Chamam-se
Arrendador e Arrendatário as partes do contrato, cujo objeto é o
arrendamento de bem comprado pelo arrendador, segundo critérios
definidos pelo arrendatário, com opção de compra do bem OU sua
devolução ao término do contrato.
A legislação criou duas espécies:
1. Leasing financeiro: inexistência de valor residual (VR) expressivo ou seja,
o valor das prestações considera o custo do bem + investimento esperado
pelo arrendador;
2. Leasing econômico: o total das prestações a serem pagas pelo arrendatário
é inferior a 75% do valor do bem.
Em cada modalidade há prazo determinado para o contrato, sendo que
no Leasing financeiro deverá durar no mínimo de 2 anos para bens cuja vida
útil seja de até 5 anos e mínimo de 3 anos, para acima de 5 anos; já no
Leasing operacional o prazo mínimo é de 90 dias.
Ao término do contrato, terá o arrendatário que escolher entre uma
das três opções:
1. compra do bem;
2. prorrogação do contrato;
3. devolução do bem.
Possui o arrendador as seguintes obrigações:
1. adquirir o bem de outrem para transferir a posse ao arrendatário;
2. dever de receber o bem de volta ou vendê-lo pelo preço ajustado;
3. dever de prorrogar o contrato.
118
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
Por sua vez, cabe ao arrendatário:
1. pagar as prestações combinadas;
2. zelar pela conservação do bem;
3. devolvê-lo, caso não opte pelo compra.
Este contrato se extingue pelo decurso do prazo, por vontade das partes
ou falência de qualquer delas.
Bem, em breves linhas, estes são os principais contratos empresariais
utilizados com maior freqüência.
Esta unidade, diferentemente das demais, possui duas partes distintas
como especificado em seu início. Terminado o estudo dos contratos mercantis,
passaremos a abordagem dos títulos de créditos.
TÍTULOS DE CRÉDITO
Nesta segunda parte da presente unidade, compete-nos conhecer a
legislação aplicável aos títulos de crédito, matéria de extrema importância
no cotidiano do brasileiro e que, em diversos casos, em virtude principalmente
do DESCONHECIMENTO do assunto e da MÁ-FE dos devedores, acabam por
gerar processos judiciais, avolumando o Poder Judiciário com questões que
poderiam ser facilmente evitadas.
O nosso propósito principal não é apenas ensinar a você o conteúdo
programado, mas lhe orientar no sentido de aplicar o aprendizado às
situações vivenciadas a cada dia. No caso dos títulos de créditos, reiteramos
esta afirmação, pois são documentos utilizados por praticamente toda a
sociedade brasileira.
E uma simples pergunta deixa evidente o nosso despreparo acerca do
tema: quando você recebe um cheque como forma de pagamento, quantos
dias tem para depositá-lo em sua conta? Devo salientar que leciono esta
matéria há mais de sete anos e sempre que inicio o estudo do cheque, faço
esta pergunta e até hoje nenhum aluno a respondeu corretamente.
Destaque-se que muitos alunos são bancários...
Portanto, mãos à obra! Leia atentamente cada parágrafo a seguir e
encontrará esta e tantas outras respostas que o tornarão apto a evitar
discussões e polêmicas quando da aplicabilidade dos títulos de crédito.
Comecemos por entender o termo TÍTULO DE CRÉDITO.
A palavra título pode ser compreendida por documento, base em que se
consta a síntese de algo que fora negociado; enquanto crédito se refere
tanto ao valor que alguém possui em virtude de negócio jurídico realizado
bem como confiança. Assim, temos que título de crédito, de forma fácil de ser
compreendida, nada mais é que documento representativo da vontade de
duas ou mais pessoas, demonstrando confiança mútua, para formalizar a
existência de relação de crédito mantida entre si.
No Brasil, atualmente em uso, podemos citar como títulos de crédito a
nota promissória, o cheque, a duplicata e, menos usual, a letra de câmbio.
119
DIREITO EMPRESARIAL
A legislação aplicável aos títulos de créditos está contida na Lei
Uniforme (Decreto 57.663/66) e nas leis que criaram cada título e serão
citadas no estudo individualizado.
Todos estes documentos possuem — obrigatoriamente — três
características que os distinguem dos demais documentos.
1ª. Relações Creditícias: em títulos de créditos somente se podem
documentar situações decorrentes de relação de crédito-débito. Nada além
disso! Quer-se dizer que, em qualquer título de crédito, não se fazem constar
obrigações, como, por exemplo, a entrega de certo bem em tal dia ou a
realização de prestação de serviços. Estes dois casos devem ser
documentados através de CONTRATOS, não de títulos de créditos. É possível
se fazer um contrato de prestação de serviços e a ele se associar um título
de crédito.
2ª. Executibilidade: por determinação da legislação vigente, os títulos
de crédito são títulos executivos extrajudiciais, significando que para o credor
receber o crédito contido neste documento, o processo que utilizará será
mais RÁPIDO e EFICAZ. Ao apresentar cheque ao banco e este retornando
por qualquer motivo (falta de provisão, sustação, conta encerrada, etc.) o
credor ajuizará Ação de Execução. Nesta espécie de processo judicial, NÃO
se discute a razão da devolução do cheque ou o motivo de sua emissão;
analisa-se apenas o valor, vencimento e se cita o devedor para pagar.
Contudo, se a dívida fosse decorrente de contrato, por exemplo, o credor se
utilizaria de Ação de Cobrança, permitindo ao devedor apresentar defesa,
alegar não cumprimento do contrato para, somente após analisado o fato,
em caso de vitória, o credor receber seu crédito, executando a sentença
dada no processo. No caso dos títulos de crédito, executa-se o PRÓPRIO
título.
3ª. Negociabilidade: por esta característica, os títulos de crédito, ao longo
da história, ganharam lugar de destaque entre os documentos com validade
jurídica. A razão é simples: o pagamento é facilitado com a utilização de
títulos de crédito. Se Fernando deve para Danilo, que deve para Alexandre,
basta Danilo repassar cheque ao seu credor para satisfazer a relação de
débito e crédito envolvendo três pessoas, ou seja, com um único documento,
duas dívidas foram sanadas!
Identificados os três aspectos distintivos dos títulos de créditos,
passemos à análise dos seus PRINCÍPIOS. Atenção: compreendendo os três
princípios a seguir, o leitor possuirá elementos para responder às principais
dúvidas acerca do tema.
120
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
Pelo Principio da cartularidade se impede o uso indevido do título,
tornando legítimo reivindicar crédito apenas ao PORTADOR do documento
original, comprovando a posse legítima do documento.
Imagine que Danilo aceitou nota promissória como forma de documentar
o crédito que passou a possuir ao vender certo bem a Fernando, com data
de vencimento em 20 de maio de 2008. Por precaução, Danilo fez cópia
(xerox) e a autenticou em cartório (para se autenticar, o documento original
deve ser levado ao cartório). Suponha que, ao chegar o dia do vencimento,
Danilo não encontre o título de crédito original e procure Fernando — o
devedor —, portando a cópia autenticada. Fernando, que adquiriu o bem de
Danilo e conhece a dívida e o dia do pagamento, deverá pagar a dívida ou
poderá se negar, exigindo a apresentação da nota promissória original?
Segundo o citado princípio, o devedor somente deve pagar ao credor
que portar o título de crédito original, sendo inválida cópia autenticada.
Aparentemente, tal princípio se mostra incoerente, mas fora criado
exatamente para proteger tanto o credor como o devedor. Usando ainda o
exemplo anterior, caso Fernando pague Danilo e fique com a cópia
autenticada como prova de quitação, pode ocorrer de, horas mais tarde, ser
procurado por Alexandre, que se apresenta, portanto a nota promissória
devidamente endossada (transferida) por Danilo! E pior: se Fernando não
pagar Alexandre, este poderá processá-lo, pois é portador legítimo do título
original! Fernando será obrigado, pelo Poder Judiciário, a pagar Alexandre.
O vilão da estória se chama Danilo, que entregou a nota promissória a
Alexandre, quitando sua dívida e enganou Fernando dizendo que havia
perdido o título original. Fernando poderá processá-lo por estelionato e entrar
com Ação de Regresso contra Danilo para ressarcir o prejuízo que teve com
o processo movido por Alexandre.
Portanto, aprenda: se você é devedor de título de crédito, ao ser
procurado pelo credor, exija a apresentação do documento original! Quitada
a dívida, o próximo passo é destruí-lo (rasgar, triturar, queimar). Caso o
credor não apresente o original, exija boletim de ocorrência relatando o
motivo da ausência do original, declaração de próprio punho do credor,
assumindo não ter transferido ou entregue o título à outra pessoa, além de
fazê-lo assinar recibo. No entanto, saliente-se que estas providências não
impedem que surja credor com o documento original exigindo o pagamento,
apenas facilitam ação de cobrança e provas para incriminar o golpista, afinal
há uma máxima no direito: quem paga mal, paga duas vezes!
Outro princípio, chamado de Literalidade condiciona a validade do título
de crédito aos dados nele contidos, ou seja, somente podem ser exigidos
os dados lançados no documento, como, por exemplo, valores, datas,
pessoas que se obrigam, etc. Para facilitar: se certa pessoa deve R$5.000,00
à outra e pede para constar na nota promissória a quantia de R$ 3.000,00
alegando que a inserção do valor real lhe trará problemas tributários, e que
outra pessoa seja avalista do título, em caso de inadimplência, ainda que
haja testemunha no momento do feitio do documento, em ação de execução,
somente se poderá cobrar R$3.000,00, ou seja, o valor LITERALMENTE contido
121
DIREITO EMPRESARIAL
e, ainda, serão processados o devedor e o avalista, já que a assinatura de
ambos está presente no documento.
Por último, há o denominado Princípio da autonomia cuja característica
principal é a desvinculação do cumprimento da obrigação primária em relação
ao título de crédito. Entenda-se: todo título de crédito surge em decorrência
de relação de crédito existente entre as partes (obrigação primária), como,
por exemplo, compra e venda, prestação de serviços, etc. Para documentar
o crédito destas operações, as pessoas se utilizam dos títulos de crédito,
em virtude das características que possuem (início do capítulo).
Dessa forma e segundo o princípio anteriormente narrado, chegando
o dia do vencimento, o título de crédito deve ser executado
INDEPENDENTEMENTE do cumprimento da obrigação que o gerou.
Veja este exemplo: a sociedade empresária “Universitarius Bar Ltda”
contratou prestadora de serviços para divulgar, através de outdoor, os preços
promocionais de seus produtos. A propaganda deveria ser realizada nas
duas primeiras semanas de retorno às aulas, via de outdoors próximos a
faculdades e universidades. A Universitarius Bar Ltda pagaria pela prestação
de serviços (obrigação primária) a quantia de R$3.000,00 (três mil reais),
sendo R$ 1.000,00 (mil reais ) à vista e o restante, através de duas notas
promissórias, com 30 e 60 dias, no valor de R$1.000,00 cada. Ocorre que a
empresa de propaganda (credora) não cumpriu sua obrigação, não
preparando nenhum outdoor no prazo combinado. Vencida a primeira
promissória (30 dias), mesmo sem a entrega de qualquer outdoor, a empresa
procura a Universitarius Bar Ltda para receber o valor nela existente e esta
se nega a efetuar o pagamento, sendo surpreendida dias depois, com a
negativação de seu nome em Cartório de Protestos. Aqueles que trabalham
ou são proprietários de empreendimentos comerciais sabem as principais
conseqüências desta negativação, sendo uma delas, a perda da credibilidade
ante seus fornecedores. E foi exatamente o que ocorreu e o bar não
conseguiu mais comprar a prazo, perdendo o capital de giro. Vencida a
segunda promissória, foi novamente protestada e, em seguida, processada
pela empresa de propaganda.
Pergunta-se: a credora terá direito a receber o valor contido nas duas
notas promissórias, mesmo sem cumprir sua obrigação? Terá!! Absurdo??
Não! Primeiro pelo fato de que o princípio da autonomia separa o pagamento
do débito do cumprimento da obrigação. Isto lhe fará pensar que o princípio
está incorreto; entretanto, tal regra foi criada para proteger terceiros de
boa-fé, ou seja, supondo que a prestadora de serviços de propaganda tivesse
transferido as notas promissórias, através de endosso (vide a seguir), a
qualquer pessoa que sequer tinha conhecimento do contrato realizado, não
poderia este terceiro ser prejudicado. Em segundo lugar, por haver “remédio”
jurídico para o caso, como, por exemplo, Ação Cautelar de Sustação de
Protestos, que devidamente instruída, fará cessar os efeitos do protesto,
“limpando” o nome do devedor.
Portanto, ao assinar qualquer título de crédito, você terá que pagá-lo
mesmo que o serviço não seja prestado ou o produto não lhe for entregue
ou vier com defeito.
122
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
O exemplo narrado decorre de fato real, com alteração do nome dodevedor para Universitarius Bar Ltda (nome fictício). Este deveria ter ajuizadoação para obrigar o credor a cumprir seu dever, além de lhe exigir perdas edanos pela não veiculação da propaganda no momento adequado.
Classificação dos títulos de créditos.
Antes de se adentrar ao estudo de cada título de crédito, necessáriose faz distingui-los quanto aos critérios de classificação.
A primeira diferença está na quantidade de participantes que dãoorigem ao título de crédito, dividindo-os em PROMESSA DE PAGAMENTO ouORDEM DE PAGAMENTO.
Na promessa de pagamento, como o próprio nome diz, certa pessoapromete pagar à outra determinada quantia em dia específico. Basta apresença de dois participantes para a validação do documento: devedor ecredor. Dos títulos que serão estudados, apenas a nota promissória seenquadra nesta classificação.
Já na ordem de pagamento são necessários três intervenientes. Vocêestá acostumado a ouvir que cheque é ordem de pagamento à vista. Pergunta:quantos intervenientes (participantes) há no cheque? Dois: emitente e credor?Não. Há TRÊS partes: Emitente que dá ordem ao sacado (banco) para pagaro credor. Neste critério, se enquadram, além do cheque, a duplicata e a letra
de câmbio.
Outro critério distingue os títulos de crédito em AO PORTADOR,
NOMINATIVO À ORDEM e NOMINATIVO NÃO À ORDEM.
O primeiro permite que o título seja transferido através da simples entrega,já que não especifica quem é o credor. Usando o cheque como exemplo, ocorrequando não preenchemos a terceira linha do cheque, ou seja, quem o possuirde boa-fé será seu credor.
Já os nominativos à ordem, lança-se o nome do credor, podendo sertransferido através do endosso. No cheque, chamamos de cheque nominal.
Finalmente, por nominativos não à ordem, além de se especificar o nomedo credor, risca-se a expressão “ou à sua ordem” existente no título. Noscheques está escrita ao término da terceira linha.
Existem outras classificações dos títulos de créditos que não serãoabordadas, pois importam aos estudantes de direito.
Feita esta análise, vejamos as regras aplicáveis a todos os títulos.
I – ENDOSSO: permite a transferência de título nominativo à ordem, ouseja, em que consta o nome do credor. A pessoa que endossa necessariamenteé o credor original do título e se denomina endossante, enquanto aquele querecebe, chama-se endossatário, passando a ser o novo credor.
se eu, professor Gustavo, emito cheque nominal, constando você comocredor, poderá transferi-lo através do endosso, bastando sua simplesassinatura no verso (atrás) do cheque. Agora vem a novidade: ao fazer isto,você se tornou CO-DEVEDOR, ou seja, ao “passar” o cheque para terceiro,caso não seja compensado, o terceiro poderá lhe processar e nem precisaprocessar o emitente! Sua simples assinatura no verso poderá lhe custar
caro...
IMPORTANTE
123
DIREITO EMPRESARIAL
Esta assinatura no verso é chamada de ENDOSSO EM BRANCO, pois o
endossante não identifica credor. Desta forma, com o endosso em branco, o
título se torna ao portador. Por sua vez, o ENDOSSO EM PRETO se identifica
o endossante.
Há três formas de se lançar o endosso:
a) simples assinatura no verso do título de crédito: endosso em branco;
b) simples assinatura no verso ou no anverso (frente), acrescida das
expressões “por endosso” ou “pague-se”: endosso em branco;
c) simples assinatura no verso ou no anverso (frente), acrescida das
expressões “por endosso” ou “pague-se” mais o nome do endossário:
endosso em preto.
Ante o exposto, não se esqueça: o endosso transfere o crédito e torna
o endossante co-devedor do título de crédito!
II – AVAL: visa garantir o pagamento do título de crédito. Para trazer
maior segurança ao documento, o devedor indica alguém que possua
patrimônio para ser avalista, que se torna tão devedor quanto o seu
avalizado. Há duas espécies:
a) aval em branco: não identifica o avalizado;
b) aval em preto - identifica o avalizado.
O avalista poderá prestar o aval através de qualquer das seguintes
formas:
a) simples assinatura no anverso (frente): aval em branco;
b) simples assinatura no anverso ou verso, acrescida da expressão “por
aval”: aval em branco;
c) simples assinatura no anverso ou verso acrescida da expressão “por
aval” mais o nome do avalizado: aval em preto.
Pode ocorrer de que haja mais de um avalista para o mesmo avalizado,
situação que se denomina aval simultâneo; além disso, há a hipótese de se
trazer um avalista para outro avalista, chamado aval sucessivo.
Passemos, então, à análise de cada título.
I - Letra de câmbio
A letra de câmbio é uma ordem de pagamento, à vista ou a prazo,
cuja criação se dá através de um ato chamado saque. Por se tratar de ordem
de pagamento, deve haver, no mínimo, três participantes para se constituir
o título. Sua utilização decorre de duas ou mais relações jurídicas e, por
assim ser, com apenas um documento, se regulariza o crédito de duas
pessoas. Veja:
• Danilo (credor) vende uma bicicleta a Fernando (devedor).
• Fernando (agora credor) vende um computador a Dolores (deve-dora).
124
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
Supondo que o valor dos bens e o dia do pagamento sejam os mesmos,
há uma forma simples de resolver a questão. Ao invés de Dolores pagar
Fernando e posteriormente este pagar Danilo, basta Fernando ORDENAR
Dolores a pagar Danilo diretamente.
Considerando as informações acima e tomando por valor a quantia de
R$5.000,00, o dia do vencimento 30 de maio de 2008 e data da criação do
título (saque) 29 de março de 2008, poderíamos elaborar a seguinte letra
de câmbio, cujo formato se assemelha à nota promissória, porém possui,
por costume e modismo, formato quadrado:
Eis a letra de câmbio! Preenchida com os dados citados e que após ser
assinada pelo devedor principal (Fernando) será entregue ao credor final
(Danilo).
Para melhor compreender, lembre-se que a pessoa que irá assinar (sacar)
a letra de câmbio chama-se Fernando (1) e está ordenando (2) Dolores (3)
a pagar Danilo (4). Agora, reflita: quem ficará com a letra até o dia do
vencimento? Lembre-se da estória que originou o título:
• Danilo (credor) vende uma bicicleta a Fernando (devedor).
• Fernando (agora credor) vende um computador a Dolores (deve-dora).
Portará o documento o credor final, a pessoa que somente possui
crédito, qual seja, Danilo, vez que Fernando é devedor e credor e Dolores é
somente devedora.
Segundo esta legislação, estas três partes intervenientes possuem
denominações específicas, a saber:
a) sacador: pessoa que faz o saque, criando a letra de câmbio, dando a
ordem de pagamento. É quem assina o documento. Em nosso exemplo,
Fernando Rodrigues é o sacador;
b) sacado: representa a parte a quem a ordem é dada, ou seja, é quem
deve efetuar o pagamento, ou seja, na letra anterior, Dolores;
c) tomador (ou beneficiário): a pessoa que receberá o pagamento e que
portará o título.
125
DIREITO EMPRESARIAL
A validação da letra de câmbio depende da existência dos seguintes
requisitos:
a) a expressão “letra de câmbio” no corpo do texto;
b) ordem incondicional de pagar quantia certa: ao preencher a letra de
câmbio, não se pode condicionar o pagamento a qualquer evento. Por
exemplo: “... pagará a quantia de cinco mil reais caso o Corínthians retorne
à Série “A” do campeonato brasileiro. Ainda que não reste dúvida que o
Timão retornará à primeira divisão, não se pode trazer tal condição para o
pagamento da letra;
c) o nome de quem deve pagar (sacado);
d) o nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga (tomador);
e) a assinatura de quem emite a letra de câmbio (sacador);
f) data e lugar de emissão (ou saque) da letra de câmbio.
Atualmente, a letra de câmbio é pouco utilizada se comparada com o
cheque, a duplicata e a promissória e há razão para isso. O tomador terá
muito trabalho para receber seu crédito. Em nosso exemplo, Danilo está
com a letra em mãos, mas antes do dia do vencimento, deverá procurar a
sacada, Dolores, para obter seu consentimento. Este ato é chamado de
aceite e ocorre com a assinatura da devedora principal na frente do título
(ou em seu verso, acompanhada da expressão “por aceite”). A questão é
que o aceite é FACULTATIVO, ou seja, se Dolores não quiser pagar,
simplesmente não assina a letra. Neste caso, Danilo terá que procurar
Fernando, que passará a ser devedor principal. Se houvesse aceite, Dolores
seria devedora principal e Fernando, co-devedor. Assim, de toda forma, Danilo
terá que procurar Dolores para obter o aceite (ou a recusa) e posteriormente
se deslocar, no dia do vencimento, até o devedor principal. Trabalhoso, não?!
Nota promissória
A mesma legislação (Decreto n. 2.044 de 31/12/1908) que definiu a letrade câmbio tratou de criar a nota promissória cuja característica principal é apresença de, no mínimo, dois intervenientes: o devedor, que promete pagarquantia certa em momento determinado e o credor, que portará o título atéo dia do vencimento, oportunidade que procurará o emitente para cumprirsua promessa.
Tal qual na letra de câmbio o credor é chamado de tomador oubeneficiário, diferindo o devedor que neste título se chama subscritor.
Vê-se, portanto, que este documento é bem mais simples que a letrade câmbio, até mesmo pelo fato de regulamentar, inicialmente, apenas umanegociação.
Para visualizar a nota promissória, vamos utilizar o mesmo exemplo daletra de câmbio:
• Danilo (credor) vende uma bicicleta a Fernando (devedor).• Fernando (agora credor) vende um computador a Dolores (deve-
dora).
126
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
A documentação das dívidas acima poderá ser feita em duas notas
promissórias, tendo Dolores como subscritora (devedora) e Fernando como
credor e na outra, Fernando sendo o devedor e Danilo, o tomador.
O Decreto nº. 2.044 ao criar ambos os títulos permitiu aos interessados
adequarem suas negociações, concretizando-as em documento que melhor
se adapte à sua realidade, ou seja, no caso acima, se Danilo, Fernando e
Dolores se conheçam ou haja entre eles mútua confiança, as duas dívidas
podem ser lançadas em um único título, qual seja, letra de câmbio, porém,
não havendo uma ou as duas questões citadas, melhor cada qual firmar seu
próprio documento, utilizando-se da nota promissória.
Todavia, posso lhes afirmar que há possibilidade de se elaborar uma
única nota promissória para solucionar as duas relações jurídicas e,
considerando ser este título mais fácil de se elaborar e não havendo
necessidade de aceite, torna-se mais prático fazê-lo.
Quando digo isso em sala, alguns alunos dizem que basta ter a nota
promissória Dolores como emitente (devedora) e Danilo como credor. De
fato, não está errado, mas poderá trazer problemas a Fernando, pois, se
necesssário for, terá dificuldades em comprovar que quitou sua dívida com
Danilo, que fora paga por Dolores, com quem Fernando possuía crédito.
Nesta nota promissória o nome de Fernando não aparece em lugar algum.
Veja, a seguir, a melhor forma de constituí-la:
Observe o verbo pagar. Na letra de câmbio, utiliza-se PAGARÁ por ser
ORDEM de pagamento, enquanto na nota promissória, PAGAREI, em virtude
de ser PROMESSA de pagamento.
Da forma elaborada, falta regulamentar o crédito de Danilo, pois
somente consta que Dolores pagará Fernando. Para resolver, basta que
Fernando assine no verso do título, endossando-o a Danilo e com apenas
uma nota promissória se resolve as duas obrigações.
Finalmente, importante esclarecer que, tal qual a letra de câmbio, a
nota promissória pode ser elaborada em folha de caderno ou em computador
e posteriormente impressa, ou seja, não há a obrigação de se utilizar as
feitas por tipografias, vendidas em papelarias e livrarias, desde que em seu
conteúdo estejam presentes os seguintes requisitos:
127
DIREITO EMPRESARIAL
a) a expressão “nota promissória” no corpo do texto;
b) promessa incondicional de pagar quantia determinada;
c) nome da pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga (credor -
tomador);
d) indicação da data de emissão da nota promissória;
e) assinatura do emitente (subscritor - devedor).
O leitor atento deve ter percebido que a DATA DO VENCIMENTO não constacomo requisito obrigatório em ambos os títulos estudados. Realmente alegislação o trata como facultativo, sendo que na sua ausência o título épagável à vista.
Cheque
Adotado no Brasil através da Lei 7.357, de 02 de setembro de 1985,conquistou a preferência dos usuários, principalmente pela facilidade de sereceber o crédito. Tanto a letra de câmbio como a nota promissória obrigamo credor a se deslocar até o devedor, portando o título para receber o crédito.No caso do cheque, como se sabe, basta depositá-lo na agência bancáriaou em caixa eletrônico (e torcer para ter saldo!) e pronto.
O conceito de cheque é bem conhecido: ordem de pagamento à vista.Isto quer dizer que há três participantes e sua utilização deve ser parapagamentos à vista. Veremos adiante que o cheque PRÉ-DATADO não éprevisto em lei, passando a ser aceito pelos tribunais como um costume,sendo interpretado, basicamente, como um contrato e não título de crédito.
Denomina-se EMITENTE o devedor do cheque; SACADO quem efetuao pagamento (banco) e TOMADOR o seu credor. A ordem de pagamento édada pelo emitente para o sacado, que remunerará o tomador em caso deexistência de saldo positivo na conta do emitente ou, não o havendo,utilizando-se seu limite especial, caso existente.
Sua validação decorre dos seguintes requisitos:
a) a palavra cheque no corpo do texto;b) ordem incondicional de pagar a quantia determinada;c) nome do banco (sacado);d) data e lugar do saque;
e) assinatura do emitente;
f) nome do credor, para cheques com valor superior a R$100,00 (cem
reais).
128
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
Nesse modelo, os elementos obrigatórios podem ser facilmente
observados, lembrando que a formatação de todos os cheques,
independentemente do banco, é exatamente a mesma.
Depois de emitido, o cheque deve ser apresentado ao banco no prazo
máximo de trinta dias se da mesma praça ou sessenta, se de praça diferente.
Considera-se mesma PRAÇA quando o lugar da emissão é o mesmo da
agência bancária. No cheque anterior, a agência é de Barretos-SP, assim,
se o titular emiti-lo nesta cidade, será da mesma praça, agora, se estiver em
viagem, digamos à Niterói, no Rio de Janeiro, será de praça diferente.
Desta forma, ao receber pagamento em cheque, saiba, a partir deste
momento, que você tem 30 ou 60 dias no máximo para depositá-lo em sua
conta. Caso não o faça neste prazo, o banco compensará normalmente o
cheque, porém, supondo que, dentro do prazo de 30 (mesma praça),
houvesse saldo na conta do emitente e, ao depositar fora do prazo, o banco
utilize-se do limite especial, cobrando juros do emitente, este poderá requerer
em juízo o ressarcimento destes juros e todas as conseqüências advindas.
Ainda sobre prazo, deve ser ressaltado que os bancos pagam cheque
até seis meses a contar do término do prazo de apresentação, a que damos
o nome de prescrição.
Outro ponto que merece abordagem se refere à SUSTAÇÃO, ou seja,
a contra-ordem feita pelo emitente ao banco. Segundo a legislação, pode-
se sustar sempre que houver desapossamento indevido, ou seja, o emitente
não mais possui certa(s) folha(s) do talonário, como, por exemplo, em caso
de extravio, furto, roubo, entre outras.
Foi-lhes dito que o cheque é ordem de pagamento à vista e, portanto,
sua emissão com data futura não é prevista em lei, vez que para pagamentos
futuros deve ser utilizado, preferencialmente, a nota promissória.
Entretanto, o brasileiro adotou a prática de pré-datar o cheque, ou
seja, emiti-lo hoje, mas solicitar ao credor que somente o deposite em data
futura. À esta “modalidade” chamamos cheque pré-datado, mas, no mundo
jurídico, é corretamente denominado cheque PÓS-DATADO, já que a
apresentação ao banco ocorrerá em data futura (pós).
A importância do seu estudo consiste basicamente no momento da
compensação a ser feita pelo banco. Supondo o preenchimento de cheque
com data de 10"04"08 e pós-datado para 20"07"08, caso seja apresentado
ao banco em qualquer data anterior à 20"07"08 haverá o procedimento
normal de compensação, pois para o banco esta modalidade não existe.
O depósito antecipado do cheque pelo credor não acarreta nenhuma
conseqüência para o banco pagador; no entanto, havendo prejuízo para o
emitente, este poderá processar o credor pelos danos causados. No caso
acima, o emitente reservará quantia para compensar o cheque em meados
do dia 20"07"08 e, portanto, pode ser que a compensação antes de tal dia
poderá trazer-lhe descontrole financeiro, como, por exemplo, falta de crédito
para pagamento de contas com débito automático.
129
DIREITO EMPRESARIAL
Os tribunais têm entendido que a apresentação antecipada de cheque
pós-datado é como o descumprimento de contrato, pois emitente e tomador
negociaram o dia para depósito do cheque.
Ultimando o estudo do cheque, passemos a conhecer as suas
modalidades, previstas em lei.
a) CRUZADO: basta se fazer duas linhas paralelas no cheque, como no
exemplo abaixo. Sua finalidade é impedir o saque no caixa, já que deverá
ser depositado em conta bancária. Da forma como está abaixo é chamado
de cruzamento em branco. Se entre as linhas se constar o nome de certo
banco, é tratado como cruzamento em preto e somente poderá ser
depositado em conta bancária do banco especificado. As seguradoras,
geralmente, preenchem entre as linhas o nome do beneficiário do seguro.
Esta hipótese é PROIBIDA por lei, porém, como não traz prejuízo a ninguém
e traz segurança para a seguradora, esta prática tem sido constantemente
adotada.
b) ADMINISTRATIVO: nesta hipótese o emitente é o banco, de tal forma a
dar total segurança ao credor. Cheques de valores consideráveis, utilizados
em grandes negociações, pagamentos de acionistas, etc., geralmente são
emitidos neste formato.
c) VISADO: neste caso o banco reserva na conta do emitente o valor
contido no cheque durante o prazo da apresentação. Assim, em sendo
cheque da mesma praça, possuindo o emitente saldo em sua conta de
R$10.000,00 e emitindo cheque visado no valor de R$6.000,00, durante trinta
dias, o emitente terá à sua disposição R$4.000,00. Para o credor, ao
apresentar o cheque dentro do prazo não correrá risco algum, pois
certamente a quantia estará à sua disposição.
Bem, o estudo do cheque sob a ótica jurídica é bem mais complexo,
sendo apresentado aos leitores deste material as noções básicas da emissão,
prazo de apresentação e modalidades. Aos interessados em aprofundar o
conhecimento, sugerimos a leitura da bibliografia indicada.
Duplicata
O ponto marcante da duplicata, criada pela Lei 5.474, de 18/07/1968, é
que sua emissão somente pode ocorrer em dois casos específicos: contrato
de compra e venda mercantil com prazo não inferior a 30 (trinta) dias,
contado da data da entrega ou despacho das mercadorias ou contrato de
130
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
prestação de serviços. Dessa forma, a realização de negócios entre
particulares não poderá ser documentada através deste título de crédito.
Juntamente à duplicata, emite-se a fatura, documento que especifica as
mercadorias vendidas ou o serviço prestado e seus valores. Para cada fatura
emitida deverá haver documento fiscal correspondente, ou seja, a nota fiscal.
Por esse motivo, para facilitar e até mesmo reduzir custos, os empresários
se utilizam da “nota fiscal-fatura”, documento único que reúne dados
comerciais e fiscais da venda ou prestação de serviços.
Tal qual o cheque e a letra de câmbio, a duplicata é ordem de pagamento,
envolvendo, portanto, três intervenientes, a saber:
a) SACADOR: a pessoa que vende a mercadoria ou presta o serviço, que
emitirá a fatura.
b) SACADO: adquirente do produto ou tomador do serviço que escolheu
este título como forma de documentar seu débito e que o pagará no prazo e
forma estabelecidos. É quem cumpre a ordem de pagamento.
c) TOMADOR: o credor do contrato. Aqui surge a característica peculiar da
duplicata, pois o tomador é o sacador! Imagine contrato de compra e venda
mercantil realizado entre atacadista (vendedor) e mercearia (comprador). A
duplicata será emitida pelo sacador (atacadista), enviada à mercearia,
juntamente com a nota-fiscal-fatura, para que esta pague no dia previsto
pela aquisição das mercadorias que lhe foram entregues. O credor da venda
é a atacadista, emitente e credora ao mesmo tempo.
A eficácia da duplicata está condicionada aos seguintes requisitos:
a) a denominação “duplicata” no corpo de seu texto, a data de sua emissão
e o número de ordem;
b) o número da fatura;
c) a data do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;
d) o nome e domicílio do vendedor”prestador de serviço (sacador) e do
comprador “tomador do serviço (sacado);
e) a importância a pagar, em algarismos e por extenso;
f) o lugar do pagamento;
g) a cláusula à ordem;
h) a declaração da concordância a ser assinada pelo sacado;
i) a assinatura do emitente.
O requisito “h” nada mais é que o aceite, concordância do devedor
com o conteúdo do título de crédito, já estudado na letra de câmbio, com
uma grande diferença: na duplicata, o aceite é obrigatório, podendo haver a
recusa nas três hipóteses a seguir:
a) avaria ou não recebimento de mercadorias;
b) vícios na quantidade ou qualidade das mercadorias;
c) divergência entre preços e prazos combinados.
131
DIREITO EMPRESARIAL
Não ocorrendo nenhuma destas hipóteses, o comprador deverá pagar a
duplicata no prazo e forma combinados.
É HORA DE SE AVALIAR!
Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de estudo,
presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-lo a fixar
o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia no processo
de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija as respostas
no caderno e depois as envie através do nosso ambiente
virtual de aprendizagem (AVA) ou pelo correio (em formulário
próprio). Interaja conosco!
Nesta unidade, abordamos dois assuntos extremamente importantes
para o Direito Empresarial, vez que ligados à formalização das negociações
mantidas por empresários entre si e com terceiros.
De um lado, foram-lhe apresentados os principais contratos utilizados
pelo empresário em seu cotidiano e de outro, conhecemos o significado dos
títulos de crédito, as regras de sua validade e a maneira correta de preenchê-
los.
Resta-nos, portanto, caminharmos para o fim da disciplina Direito
Empresarial, estudando o “fim” das sociedades empresárias em situação
ruinosa, de crise econômica, financeira e patrimonial.
132
UNIDADE 5 - CONTRATOS EMPRESARIAIS E TÍTULOS DE CRÉDITO
133
DIREITO EMPRESARIAL
UN
IDA
DE 6
FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Ao chegar a esta última unidade, terá o leitor percebido que a constituição
e a sobrevivência do empresariado brasileiro depende de diversos fatores,
sejam internos como a gestão da organização ou externos, vez que as
medidas econômicas e políticas adotadas pelo Poder Público influenciam
direta e indiretamente no desenvolvimento da atividade econômica. A junção
destes fatores não tem propiciado o desenvolvimento das empresas,
ocasionando constantes fechamentos de empresas em todo o país. Ocorre
que o encerramento das atividades de qualquer empresário afeta a
comunidade e a economia como um todo, pois desaparecem postos de
trabalho, fecham-se oportunidades para prestadores de serviços,
desencadeia-se a quebra de outras sociedades, além de reduzir a
arrecadação aos cofres públicos, que perde com o recolhimento de tributos
e encargos sociais. Diante deste cenário, houve a necessidade de se
reformular a legislação aplicável às empresas em crise, visando,
principalmente, preservá-las. Tal mudança ocorreu em 2005, com a entrada
em vigor da Lei 11.101, cujo projeto demorou mais de dez anos para ser
aprovado. O desafio do governo com a nova legislação foi criar ambiente
propício para que devedores e credores tenham seus danos amenizados e
continuem a exercer suas atividades, preservando toda a cadeia produtiva.
OBJETIVOS DA UNIDADE
• Apresentar ao leitor o novo cenário desenhado pela atual
legislação falimentar.
• Demonstrar que, em comparação com a legislação anteriormente
aplicada ao assunto, houve significativa evolução normativa.
• Trazer subsídios aos alunos, futuros empreendedores, para se
precaverem na tomada de importantes decisões, preservando
sempre a prosperidade do negócio.
• Abordar os aspectos negativos e incongruentes da Lei
11.101"05.
PLANO DA UNIDADE
- Empresa em crise: instauração da falência.
- O processo falimentar.
- Recuperação de empresa: meios e regras.
- Crime e contravenção.
134
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
EMPRESA EM CRISE: INSTAURAÇÃO DA FALÊNCIA
Bem-vindos à derradeira unidade. Nos módulos anteriores, puderam-se
compreender as questões pertinentes à criação, às negociações, à relação
com consumidores e concorrentes, aos contratos empresariais e títulos de
crédito.
Resta, pois, apurar os meios para impedir o fechamento da sociedade
empresária ou, ao menos, encerrá-la de forma menos danosa, tanto aos
sócios como aos seus empregados e terceiros.
Deve-se esclarecer de imediato que até 2005 o tema era tratado pelo
Decreto-lei nº 7.661/45, oportunidade em que foram disciplinadas a falência
e a concordata.
Com o advento da Lei 11.101, de janeiro de 2005, que entrou em vigor
em junho do mesmo ano, manteve-se a FALÊNCIA — com significativas
alterações em suas regras — e se alterou a concordata, passando a existir
a RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS. Importante aclarar que os processos
iniciados antes de janeiro de 2005 continuam sendo regidos pelo decreto
acima citado, somente se aplicando a nova lei às ações ajuizadas após
junho de 2005.
Para facilitar o estudo, será primeiramente abordada a falência e, ao
seu término, se adentrará a recuperação de empresas.
Sabe-se que, no desenvolvimento da atividade econômica, há sempre o
risco do endividamento, seja programado (financiamento, por exemplo) ou
não, como ocorre com mudanças na economia nacional (baixa do dólar),
surgimento de concorrentes entre tantos outros fatores.
Isoladas ou em conjunto, estas situações acima exemplificadas podem
levar o empresário à bancarrota, ou seja, à sua quebra, visto que perde o
capital de giro, a credibilidade para contrair novos empréstimos, renegociar
dívidas, conseguir pagar suas compras a prazo, além de enfrentar problemas
na gestão de pessoal, vez que, toda empresa em crise, o salário dos
empregados deixa de ser pago pontualmente ou até deixa de ser pago.
O ciclo formado pela crise, tenha motivo interno ou externo ou ainda
ambos, é de difícil reversão e, por este motivo, o legislador se empenhou
em propiciar ao empresário o panorama jurídico imprescindível para se
restabelecer e reconquistar a confiança das pessoas com quem se relaciona.
A questão preponderante é identificar a razão REAL da crise e encontrar
o diagnóstico correto para neutralizá-la, pois em nada adianta focar todos
os esforços senão na gravidade existente. Esta questão merece destaque
ante a constante tentativa de ser “terceirizar” os problemas da empresa,
pois, em grande parte, dificilmente os administradores assumem sua parcela
de responsabilidade, transferindo à situação econômica ou política a razão
da quebra ou ainda encontrando “bodes expiatórios” para se livrarem das
conseqüências.
Para os profissionais que lidam diariamente com o processo falimentar
(Juízes, Promotores de Justiça, Advogados e Administradores Judiciais) tais
ocorrências são constantes, dificultando se encontrar a solução adequada
135
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
para cada caso. Se o motivo real da crise seja, por exemplo, ligado à gestão
do negócio, em nada adiantará se propor investimentos em tecnologia ou
maquinários similares aos do concorrente; será jogar dinheiro e tempo fora,
além de não se restaurar a sociedade e nem saciar os vorazes credores.
Iniciada a crise, as conseqüências surgem de imediato e afetam
diretamente grande parcela dos credores da sociedade. Diante da dívida
constituída, inicia-se ao credor a longa e desgastante jornada em busca da
satisfação de seu crédito. Geralmente, por questões comerciais e preservação
do bom relacionamento, o credor procura meios extrajudiciais para resolver
a situação, renegociando a dívida, parcelando-a e até mesmo reduzindo,
quando for viável. Esgotada esta alternativa, ver-se-á obrigado a acionar o
Poder Judiciário através de ação individualizada para, após o julgamento e
análise da situação, tentar obter a penhora de bens ou até mesmo o bloqueio
de contas da devedora.
Costumeiramente se utilizam para este fim ações conhecidas, como a
Execução (para títulos, como duplicatas, notas promissórias, etc.) ou a Ação
de Cobrança (para contratos). Porém, nenhum resultado traz estas ações
se o devedor não mais possuir bens livres e desimpedidos nem dinheiro no
caixa, pois não se concretiza a finalidade precípua que é o pagamento do
credor com a afetação dos bens do devedor, que, no caso, não mais existe
ou já está dado em garantia para outros credores ou penhorado em outros
processos.
Em casos como tais, enquadrando-se o credor nos requisitos legais avante
expostos, não verá outra alternativa a não ser requerer a falência do devedor,
não apenas para tentar receber algo, mas impedir que outras pessoas
negociem com tal empresa.
Via de regra, os processos falimentares têm origem em casos semelhantes
ao narrado, apesar de, como será demonstrado, sequer ser necessário ter
o credor ajuizado outra ação para receber seu crédito, podendo propor
diretamente o pedido de falência e é exatamente neste ponto que muitos
credores não se atém ao propósito do processo falimentar, tendo em vista a
utilização do expediente como forma de coagir o devedor a pagá-lo. Mas,
não se pode negar a eficiência deste procedimento, vez que o devedor,
amedrontado com a possibilidade de instauração do processo falimentar e
de suas conseqüências — inclusive criminais — se esforça para quitar a dívida
daquele credor específico.
Mas afinal, o que é falência e qual sua verdadeira finalidade?
A falência deve ser compreendida como um processo judicial iniciado por
pessoa interessada e que se enquadra nos requisitos legais, com posterior
chamamento de diversos credores (caso existentes), para apuração do ativo
e passivo do devedor com a conseqüente quitação das dívidas, de forma
total ou parcial.
O processo falimentar se inicia como qualquer processo convencional,
tendo Autor e Réu, aqui chamados de Requerente e Requerido,
respectivamente; entretanto, com o desenvolver das fases processuais,
136
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
ganha contornos exclusivos, com a nomeação de Administrador Judicial e a
constituição de órgãos para a tomada de decisões colegiadas, como a
Assembléia de Credores e o Comitê de Credores, haja vista que há enorme
contingente de interessados.
Feita esta abordagem inaugural, imprescindível à análise pormenorizada
de cada fase processual, sendo conveniente demonstrar imediatamente a
abordagem da legislação acerca das pessoas sujeitas à falência.
Impõe a legislação que somente pode sofrer processo de falência (sujeito
passivo) o empresário (artigo 966, caput, do Código Civil), ou seja, o
empresário individual ou a sociedade empresária. Por esta regra, estão
excluídas da hipótese de ter a falência requerida as pessoas físicas, as
associações, as fundações, as sociedades simples e as cooperativas. Todas
estas pessoas se sujeitam, em caso de crise, à insolvência civil,
regulamentada pelo Código Civil e de Processo Civil.
Entretanto, dentre as sociedades empresárias, há as seguintes exceções
previstas no artigo 2º., da Lei 11.101"05:
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito,
consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora
de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de
capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Em virtude desta exclusão, é imperioso informar que as seguradoras,
em caso de quebra, sofrem intervenção da Superintendência de Seguros
Privados (SUSEP); as empresas de capitalização passam a ser liquidadas
pelo Ministério da Fazenda e as Instituições Financeiras sofrem intervenção
do Banco Central do Brasil.
Além de especificar a quem se aplica o processo falimentar, ainda na
primeira fase, denominada de instauração, providenciou o legislador as regras
que autorizam o requerimento da quebra do devedor.
A este conjunto de regras que indicam possível crise econômica da
sociedade se atribuiu a expressão INSOLVÊNCIA JURÍDICA, cuja
configuração independe da existência de patrimônio líquido negativo, quer
dizer, ainda que o empresário-devedor tenha o ativo maior que o passivo,
em termos patrimoniais, enquadrando-se em qualquer das três espécies de
insolvência a seguir descritas, estará sujeito ao regime falimentar.
a)IMPONTUALIDADE INJUSTIFICADA: configura-se em decorrência
da existência de título executivo judicial ou extrajudicial, devidamente
protestado e, ainda, no valor de, no mínimo, quarenta salários mínimos.
137
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
Por este critério, todo e qualquer credor poderá requerer falência,
objetivando receber seu crédito. Veja que a legislação exige que o título
seja protestado. Com o protesto, realizado em Cartório de Protesto, o
devedor é procurado para quitar sua dívida e não o fazendo, será lavrado o
protesto. Ao inserir tal exigência, pretendeu o legislador que o credor, antes
de acionar o Poder Judiciário, demonstre sua intenção de receber
amigavelmente o seu crédito.
Destaque-se também a criação de quantia mínima (40 salários mínimos)
que não era prevista na legislação anterior, o que permitia o início de
processos falimentares por valores ínfimos. Interessante medida foi adotada
para beneficiar credores que portem títulos com quantias inferiores aos
quarenta salários, que é a possibilidade de se unirem para atingir o mínimo,
a que se dá o nome de Litisconsórcio ativo, ou seja, em processos como
este, haverá mais de um autor.
Para iniciar o processo falimentar, basta o credor juntar à sua petição
inicial (documento que origina o processo) o título devidamente protestado.
b)EXECUÇÃO FRUSTRADA: por esta modalidade de insolvência jurídica,
se legitima o pedido de falência quando em decorrência de processo de
execução anteriormente ajuizado contra o devedor-empresário, este não
paga, não deposita nem nomeia bens à penhora no prazo legal, ou seja,
demonstra claramente que não pretende quitar sua dívida com o exeqüente
(credor que ajuizou processo de execução).
Neste caso, diferentemente da impontualidade injustificada, deve haver
processo de execução ANTERIOR ao pedido de falência e que o devedor não
tomou qualquer providência jurídica cabível para resolvê-lo, gerando a
chamada execução frustrada.
Em virtude do descaso do devedor, não há que se falar em valor mínimo
do débito, como no caso anterior, pois o interessado tentou, via Ação de
Execução, receber o montante.
À petição inicial deverá ser anexada Certidão expedida pela Secretaria
da Vara em que tramitou a ação de execução declarando a ocorrência da
execução frustrada.
c)ATOS DE FALÊNCIA: por fim, configura insolvência jurídica motivadora
do ajuizamento da ação falimentar, todo e qualquer ato que presuma estado
de crise e que foram descritos pela legislação.
1. Liquidação precipitada ou utilização de expedientes ruinosos
ou fraudulentos: a liquidação precipitada significa a venda do
ativo da sociedade, facilmente configurada quando feita por
preço abaixo do valor de mercado, demonstrando que o devedor
pretende se desfazer de seu negócio.
2. Realização de negócios simulados: a finalidade de se simular a
venda de bens ou produção é “esconder” o patrimônio da
sociedade devedora, tentando se precaver contra eventuais
processos, ou seja, com a simulação os credores não
138
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
conseguirão ver satisfeitos seus créditos. Lembre-se que
quaisquer destas práticas (atos de falência) justificam o pedido
de falência da sociedade.
3. Alienação total ou parcial do ativo: a alienação de ativo significa
a venda do patrimônio da sociedade tendo a mesma finalidade
da simulação, qual seja, impedir que credores afetem os bens
da sociedade. Claro que, se a sociedade demonstrar que se
desfez dos bens para adquirir novos e mais modernos, não há
que se falar em prática de ato de falência.
4. Transferência do estabelecimento, sem consentimento dos
credores: a venda da empresa como um todo é chamada de
trespasse e sua validade depende da quitação das dívidas
pendentes ou ainda da reserva de parte do patrimônio hábil a
quitá-las. Desta forma, à medida que ocorre o trespasse sem
garantias para seus credores, qualquer um deles poderá
requerer a falência da sociedade que vendeu seu
estabelecimento.
5. Transferência simulada do principal estabelecimento: por este
artifício, a empresa em crise forja documentação de venda de
seu patrimônio, objetivando prejudicar seus credores.
6. Garantia real: percebendo que não conseguirá quitar suas
dívidas, o empresário em crise firma determinado contrato,
dando seu patrimônio em garantia a este credor específico,
prejudicando todos os demais.
7. Ausência na administração do negócio e abandono do
estabelecimento empresarial: à medida que o empresário não
mantém representante legal com poderes para quitar dívidas
ou abandona completamente o negócio, demonstra nitidamente
seu interesse em não resolver questões pendentes, justificando
o seu pedido de falência.
8. Descumprimento de obrigação assumida no plano de
recuperação judicial: na segunda parte desta unidade, será
abordada a recuperação judicial (antiga concordata) e na
oportunidade se demonstrará que a sociedade assume diversos
compromissos, sendo que, não os honrando, verá a conversão
do processo de recuperação judicial (mais vantajoso para o
devedor) em processo de falência.
Estes são os principais expedientes ardilosos utilizados por empresários
em crise, norteando em caso de quebra, preservar alguns bens em detrimento
dos credores. Ao praticar qualquer um que seja, o credor interessado poderá
requerer sua falência, mas, diferentemente das duas primeiras hipóteses
de insolvência jurídica acima expostas, neste caso, a comprovação da atitude
é bem mais complicada, vez que o credor não tem acesso aos documentos
que comprovariam venda de bens, falsos contratos, etc.
139
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
Posto isto, os pressuposto para a instauração do processo falimentar
são a análise do devedor, que deverá ser empresário e ainda ter praticado
qualquer atitude que configure a insolvência jurídica em qualquer de suas
três hipóteses.
PROCESSO FALIMENTAR
Iniciado o processo falimentar, compete ao juiz do caso analisar se os
dois pressupostos anteriormente analisados estão presentes, quer dizer,
se a empresa-devedora (ré) possui empresarialidade e se as ações por
ela praticadas se enquadram nas modalidades de insolvência jurídica.
Ultrapassada esta fase e reconhecendo a presença de ambos os
pressupostos, deverá ser apreciado se a parte que moveu a ação (autor)
possui legitimidade, pois segundo a legislação podem propor ação de falência
a própria sociedade (autofalência), seus sócios e qualquer credor.
Aliás, a autofalência é tratada na legislação como uma obrigação do
empresário em crise à medida que se encontrar em situação de crise,
passando a identificar a impossibilidade de pagamento de suas obrigações
assumidas.
Mas esta imposição da lei encontra dois óbices: de um lado, não há
como o Estado fiscalizar a situação econômica e patrimonial de todas as
empresas com o intuito de descobrir quais se encontram em crise e que,
portanto, deveriam ter ajuizado a ação; de outro lado, ainda que ao Estado
houvesse estrutura para tal fim, surgiria outro problema que é a falta de
punição para as empresas que não entrarem com o pedido de autofalência.
Quer dizer, o pedido de autofalência é obrigatório para todos os
empresários em crise, mas deixando de fazê-lo lhe será aplicada qualquer
pena.
Sempre que abordo o tema autofalência em sala de aula, alguns alunos
— já conhecedores do assunto — questionam qual seria a vantagem do
ajuizamento deste pedido ao invés de se requerer a recuperação judicial,
indiscutivelmente mais benéfica para se reerguer a empresa em crise. Na
realidade, não há qualquer vantagem. O que justifica nos dias atuais o pedido
de autofalência em detrimento do de recuperação judicial é o não
enquadramento nos pressupostos exigidos para este último, sendo a
autofalência a saída que ainda resta ao empresário em crise vez que não
possui condições de se utilizar o instituto jurídico mais benéfico.
Independentemente de quem inicie o processo falimentar, através de
petição inicial protocolado no Fórum, deverá endereçá-la ao juiz que possui
competência para analisar o caso. A palavra competência tem aqui um
significado especial, no sentido de se diferenciar a Vara em que o processo
tramitará. Em cidades pequenas, em que há Vara Única, o juiz tem competência
para analisar todos os casos: criminais, contratuais, cíveis, rurais, separações,
inventários, etc. Já em cidades maiores, com mais de uma Vara, o trabalho
dos juízes é dividido por áreas, atuando cada juiz em área específica, ou
140
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
seja, haverá um juiz que somente terá competência para julgar casos
criminais, outro analisará as questões do Direito de Família, como separações,
divórcios, inventários e assim sucessivamente.
Importante esclarecer ainda que o Poder Judiciário é dividido em Justiça
Federal, Justiça do Trabalho e Justiça Comum. Nesta última que se
encontram os juízes anteriormente citados e, portanto, as ações de
falência são nela ajuizadas.
Em grandes cidades, principalmente nas capitais do país, já há Varas
especializadas em Direito Empresarial, sendo atribuídas aos juízes ações
que tenham por objeto de discussão qualquer dos temas abordados nesta
disciplina, com exceção das ações relativas à relação de consumo.
Pois bem, feito este breve esclarecimento sobre a divisão do Poder
Judiciário e a competência de cada Justiça e de suas Varas Especializadas,
resta esclarecer que, possuindo a empresa em crise mais de um
estabelecimento (sede e filiais), a ação deverá ser proposta na cidade em
que se localiza a sede da empresa, ou seja, o seu PRINCIPAL
estabelecimento, não importando o tamanho da estrutura física, mas sim o
local onde há maior volume de negócios realizados.
Distribuído o processo, segundo as regras da legislação falimentar, todos
os processos movidos contra a ré são atraídos para o processo de falências.
Regra esta que se denomina juízo universal. Assim, se contra a empresa em
crise (ré) correm ações, por exemplo, de execução ou de cobrança, estas
são também analisadas pelo juiz que julgará a falência, pois estão
diretamente ligadas ao assunto. Mas, há algumas exceções previstas na lei:
1) ações em que a falida for autora ou litisconsorte ativa: a
empresa em crise pode possuir ações em que figura como
autora do processo, em qualquer área do Direito e por
determinação da lei, estas ações continuam a tramitar
normalmente e serão julgadas pelo juiz que as acompanha
desde o início, não havendo necessidade de as encaminhar
para o juiz do processo falimentar;
2) ações com quantia ilíquida, ajuizadas antes do processo
falimentar: enquanto não houver o trânsito em julgado, ou seja,
se o assunto discutido em qualquer ação não foi decidido
definitivamente, pois ainda cabe algum recurso, se diz que a
ação possui quantia ilíquida, não há ainda como se apurar o
total da ação. Assim sendo, toda e qualquer ação com quantia
ilíquida continuará seu tramite na Vara de origem, não sendo
alocada para o juízo do processo falimentar;
3) reclamações trabalhistas: as ações que discutem a relação de
trabalho, envolvendo empregados contra empregadores e
prestadores de serviço, demandando os tomadores do serviço
são julgadas pela Justiça do Trabalho até o seu final, não sendo
direcionadas para o processo de falência;
141
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
4) execuções tributárias: estas ações tramitam na Justiça Federal
quando o tributo em discussão seja de competência da União
(Imposto de Renda, IPI entre tantos outros) e nas Varas
especializadas quando o tributo seja municipal ou estadual;
5) ações em que a União seja parte: sempre que a União seja
parte de qualquer processo, como autora ou ré, as ações são
julgadas pela Justiça Federal.
Demonstrada a competência para analisar e julgar o processo de falência
bem como os processos que a ele são anexados, se deve demonstrar a
seqüência do processo, ou seja, a citação da requerida (empresa em crise)
para apresentar sua defesa, caso assim desejar.
Foi anteriormente dito que o início da ação falimentar segue o padrão de
qualquer processo, ou seja, o autor da ação procura o Poder Judiciário,
acionando-o através do protocolo da petição inicial (documento contendo
as alegações que justifiquem o surgimento do processo). Ao chegar às mãos
do juiz, este analisará os requisitos mínimos exigidos em lei e estando em
conformidade, o réu é citado. Este é o procedimento padrão para a maioria
dos processos brasileiros.
Em relação à ação falimentar, surge a primeira grande diferença, pois, ao
ser citada, a empresa em crise poderá se defender, apresentando seus
argumentos em documento denominado CONTESTAÇÃO ou ainda poderá
evitar a continuação do processo pagando a dívida nele contida, que motivou
o autor a ajuizar o processo. Lembre-se de que esta regra não se aplica à
autofalência.
Esta possibilidade de quitação da dívida é chamada ELISÃO, feita
através de depósito no valor integral. Assim, supondo que o credor que
ajuizou o processo falimentar junta aos autos (processo) duplicata no valor
de R$ 30.000,00, além do comprovante dos custos realizados com o protesto
do título bem como cálculo atualizado dos juros e correção monetária a que
faz jus, compete ao empresário processado pagar o valor total para findar o
processo, utilizando-se deste instituto.
No começo do estudo desta matéria, citou-se a possibilidade de utilização
do processo falimentar como forma de pressionar a empresa em crise a
quitar certa dívida e o fundamento para o uso inadequado da legislação
falimentar é exatamente a elisão. Não que seja um erro contido na lei, ao
contrário, trata-se de medida eficaz; o que se questiona é a utilização do
processo falimentar, visando ao recebimento da dívida, ao contrário do
ajuizamento de ação como a de execução ou de cobrança.
Voltando ao tramite do processo, se feita a elisão, basta ao juiz analisar
os valores e, em estando correto o pagamento, resta-lhe a opção de encerrar
o processo falimentar, vez que o motivo que originou o processo (dívida) foi
extinto.
Mas, imaginando-se que o juiz saiba que a empresa em crise deve para
diversos credores, ainda assim encerrará o caso ou dará continuidade ao
142
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
processo? A legislação é clara sobre o assunto, determinando que, em caso
de elisão, o processo será extinto!
Não havendo a elisão, a requerida poderá se defender, como dito, através
da apresentação de seus argumentos, via contestação. Assim sendo, o juiz
terá que analisar ambos os argumentos, tanto do autor como da ré. Para se
ter idéia, a empresa em crise poderá alegar em sua defesa a nulidade do
documento juntado pelo credor, por se tratar de documento falso, por
exemplo, o que, aliás, é mais comum do que se pode imaginar.
Outro caso corriqueiro se refere à quitação do título já ocorrida antes do
início do processo. Em certa oportunidade, acompanhamos processo
falimentar, como advogado da empresa ré, que havia pago duplicata
entregando o valor correspondente ao representante comercial (RCA) da
credora, que se apropriou ilicitamente da quantia. Em sua defesa, foi juntado
o recibo demonstrando o pagamento do débito e, portanto, o processo foi
encerrado. Casos como este também originam diversos processos
falimentares, seja por falta de sintonia entre os departamentos da empresa
credora ou desorganização propriamente dita.
Viu-se, portanto, que à requerida abrem-se duas possibilidades: quitar
a dívida através da elisão, encerrando definitivamente o processo ou se
defender e aguardar o resultado, que tanto pode ser a extinção da ação
como a sua continuidade, caso os argumentos contidos na contestação não
sejam convincentes.
Mas a legislação traz ainda uma terceira opção à empresa requerida,
qual seja, apresentar a defesa e também efetuar a elisão. O objetivo da ré
é, de uma forma ou outra, extinguir o processo, porém muitos questionam a
razão pela qual a empresa não faz apenas a elisão por si só. Claro que há
razão para isso. Entenda.
Se a empresa faz o pagamento (elisão) o processo se encerra, sendo
que as custas e honorários de sucumbência são pagos pela requerida, pois
assumiu que possuía dívida.
Já se a ré apresenta sua defesa e também faz a elisão, tem o juiz o
dever de analisar a contestação e somente se a julgar inapta para impedir o
prosseguimento da ação, deverá determinar o levantamento do valor
depositado pelo credor; no entanto, se a contestação for aceita, além da ré
resgatar o valor que depositou a título de elisão, terá ganho o processo e,
portanto, quem pagará as custas judiciais e honorários de sucumbência será
o autor do processo, aquele que se julgava credor de algum valor.
Foi exatamente o que ocorreu na ação anteriormente citada. Certa
empresa acreditava ser credora de duplicata, que, no entanto, já havia sido
paga. Ao defender a empresa cobrada, optou-se em fazer a apresentação
da defesa acompanhada da elisão, pois poderia o juiz interpretar que o
representante comercial não tinha poderes para receber valores em nome
da representada (autora do processo), então, por garantia e estratégia
(mostrar a boa-fé), juntamente à contestação se fez o depósito da quantia.
143
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
Mas, o juiz, ao analisar o caso e vendo o recibo de pagamento, não viu
motivos para a continuidade do processo, extinguindo-o.
Por outro lado, apresentada somente a contestação e não existindo
elementos suficientes para encerrar o processo, será proferida SENTENÇA
DECLARATÓRIA DE FALÊNCIA cujo conteúdo será publicado no Diário Oficial
e, se possível, em jornal ou revista de grande circulação. Concomitantemente
serão intimados o Ministério Público, a Receita (Federal, Estadual e Municipal)
e a Junta Comercial para as providências cabíveis e acompanhamento da
ação.
Com a decretação da falência, em virtude da complexidade do processo,
o juiz indicará pessoa competente e habilitada para administrar a massa
falida. Na legislação anterior tal pessoa era denominada de SÍNDICO,
passando, atualmente a ser chamada de ADMINISTRADOR JUDICIAL.
Observa-se, assim, que a finalidade do administrador judicial é gerir
a massa falida, os bens e as dívidas da sociedade que teve a falência
decretada e não dirigir a própria sociedade. Durante toda a falência, a
empresa continuará a ser administrada por quem já o fazia, salvo se o motivo
real da crise esteja diretamente ligado à gerência do negócio.
Em relação à figura do administrador judicial, além da mudança de sua
nomenclatura, a grande inovação refere-se à possibilidade de o juiz nomear
pessoa física ou jurídica, pois, na legislação anterior, somente era possível
a nomeação de pessoa física.
Atualmente, os juízes procuram indicar pessoas de sua confiança,
preferencialmente formados em Direito, Economia, Administração ou
Contabilidade, áreas do conhecimento diretamente ligadas à falência. Melhor
ainda se o administrador tiver formação em mais de uma destas áreas, pois
terá maior facilidade em desempenhar sua função.
E foi exatamente por este motivo que a nova legislação trouxe a
possibilidade de se admitir administrador judicial, pessoa jurídica. A finalidade
é fazer surgir sociedades cujos sócios sejam pessoas com graduações
diversificadas, ou seja, advogado, contador, administrador ou qualquer outra
área, de forma que a função será, em tese, melhor desempenhada do que a
seria por uma única pessoa física.
Adentrando o assunto, compete ao administrador judicial executar
duas principais FUNÇÕES:
a) auxiliar o juiz na administração da falência;
b) representar o interesse dos credores.
Por desempenhar cargo de confiança, auxiliando o Poder Judiciário, o
administrador judicial, caso pratique atos ilegais ou ilícitos, será punido como
se funcionário público fosse. Veja bem, o administrador judicial não se torna
MASSA FALIDA: o conjun-
to de ativo e passivo da fa-
lida. Sua formação se dá
através da arrecadação dos
seus bens, feita pelo admi-
nistrador judicial, que pas-
sa se torna o responsável
por sua guarda e zelo.
144
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
funcionário público, mas a ele serão aplicadas as penas previstas no Código
Penal para os crimes praticados por funcionários públicos.
Em virtude das atribuições que lhe competem, são IMPEDIDOS de exercer
a função:
a) Juízes, promotores, delegados de polícia, funcionários públicos;
b) administrador que nomeado em outra falência nos 5 anos
anteriores foi destituído da função, não prestou contas no prazo
ou teve as contas desaprovadas.
c) pessoa que mantiver parentesco, amizade ou inimizade com
sócio(s) da sociedade.
No decorrer do desenvolvimento da atividade, poderá ocorrer a
necessidade de se SUBSTITUIR o administrador, visando permitir a
continuidade dos trabalhos, sem comprometer o desenrolar do processo
falimentar. Esta alteração não decorre de ato danoso praticado pelo
administrador judicial, mas por surgimento de fato novo. Há inúmeros
exemplos: falecimento do administrador judicial, mudança de cidade,
acometimento de doença ou incapacidade física ou mental, aprovação em
concurso público, entre tantos outros.
Nesta hipótese, não tendo o administrador dado justa causa ao
encerramento de suas atividades, terá direito à remuneração proporcional
ao trabalho realizado até a data de sua saída, o que não ocorre no caso de
sua DESTITUIÇÃO, vez que esta decorre de sanção que lhe é imposta em
virtude de não-cumprimento de suas funções ou atitudes contrárias ao
interesse da massa falida, dentre os quais se destacam inobservância de
prazo legal, renúncia injustificada e prática de atos ilícitos.
Acerca da questão da REMUNERAÇÃO, convém ressaltar que, em seu
cálculo, estabelece a legislação como valor máximo 5% do valor de venda
dos bens da falida, devendo o juiz levar em consideração três critérios:
a) empenho e qualidade do serviço prestado;
b) valor do passivo e quantidade de credores;
c) comparativo com valores praticados no mercado.
Em síntese, acerca do administrador judicial, os pontos antes
abordados são os que merecem maior destaque.
Lembre-se: o juiz administra o PROCESSO falimentar e contará com o
apoio de auxiliares, dentre eles, o administrador judicial que administra a
MASSA FALIDA.
Outro auxiliar do juiz imprescindível ao desfecho do processo falimentar
não é pessoa, mas sim, um órgão denominado ASSEMBLÉIA DE CREDORES.
Possui legitimidade para sua CONVOCAÇÃO o próprio juiz bem como
os credores que representem, no mínimo, 25% do valor total dos créditos
145
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
de determinada classe de créditos. Há três classes de crédito: i) decorrentes
da relação de trabalho ou de acidente de trabalho; ii) créditos com garantia
real, ou seja, oriundos de dívidas da falida cujos credores receberam bens
em garantia, como ocorre, por exemplo, no financiamento bancário para
aquisição de maquinários, em que estes são dados em garantia da quitação
do contrato e iii) créditos quirografários, com privilégio especial, geral ou
subordinado, que serão adiante explicados.
O ANÚNCIO da convocação ocorrerá com 15 dias de antecedência da
sua realização, sendo feito através de edital publicado em órgão oficial e em
jornais de grande circulação, no local da sede e filiais da empresa, custeados
pela falida, contendo informações sobre o local, data e hora da assembléia
e a ordem do dia.
No dia estabelecido, iniciados os trabalhos pelo administrador judicial,
deve primeiramente se averiguar o quorum de instalação, sendo exigida a
presença de credores titulares da metade dos créditos de cada classe,
considerando-se o valor total.
Em não havendo quorum mínimo, será feita nova convocação, com cinco
dias de antecedência, sendo que nesta segunda convocação, sua instalação
se dará com qualquer número de credores.
Devidamente instalada, possui a Assembléia de Credores as seguintes
FUNÇÕES:
a) aprovar a constituição do Comitê de Credores/ eleger seus
membros;
b) aprovar, por 2/3 dos créditos, formas de realizar o ativo;
c) deliberar sobre matérias de interesse dos credores.
Saliente-se que a constituição deste órgão é de suma importância
para se beneficiar a maior parte dos credores, independentemente da
espécie de crédito e seu valor. Diversas decisões a serem tomadas pelo juiz
prescindem de conhecimento técnico, peculiares da atividade econômica
desenvolvida pela falida e com a existência deste órgão, o julgador, após
lhe solicitar parecer, terá maior convicção em suas decisões.
Outro órgão que poderá ser composto para auxiliar o juiz é o chamado
COMITÊ, tendo por principais atribuições prestar consultoria e fiscalizar as
ações praticadas no decorrer do processo falimentar.
Por se tratar de órgão de constituição facultativa, o ideal é que somente
venham a existir em processos falimentares extremamente complexos, de
difícil resolução, pois não o sendo, apenas tornará o processo mais lento e,
por vezes, criará tumultos desnecessários.
Qualquer classe de credores na assembléia geral, por sua maioria,
poderá requerer sua formação. Uma vez concebida, terá em sua composição
a presença de um representante indicado pela classe de credores
trabalhistas, como dois suplentes, outro representante indicado pela classe
146
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais com dois
suplentes e, por fim, um representante indicado pela classe de credores
quirografários e com privilégios, com dois suplentes.
Além das duas principais funções anteriormente expostas, há ainda
que se destacar sua participação em relação à possibilidade de impugnação
de crédito, em pedidos de restituição de bens, na venda antecipada de bens,
em concessões de desconto a devedor(es) da falida ou nas formas ordinárias
de realização do ativo.
Demonstrado como se dá a administração do processo falimentar, o
passo seguinte é compreender o desenrolar da ação, a começar pelas
obrigações que são impostas de imediato à falida, nos termos do artigo 98,
da Lei de Falências:
I - assinar nos autos, desde que intimado da sentença declaratória,
termo de comparecimento, com a indicação do nome,
nacionalidade, estado civil, endereço completo do domicílio,
devendo ainda declarar, para constar do dito termo:
a) as causas determinantes da sua falência, quando requerida
pelos credores;
b) se tem firma inscrita, quando a inscreveu, exibindo a prova;
c) tratando-se de sociedade, os nomes e endereços de todos os
sócios, acionistas controladores, diretores ou administradores,
apresentando o contrato ou estatuto social e a prova do
respectivo registro, bem como suas alterações;
d) o nome do contador encarregado da escrituração dos livros
obrigatórios;
e) os mandatos que porventura tenha outorgado, indicando o seu
objeto, o nome e endereço do mandatário;
f) seus bens imóveis e os móveis que não se encontram no
estabelecimento;
g) se faz parte de outras sociedades, exibindo respectivo contrato;
h) informar suas contas bancárias, aplicações, títulos em cobrança
e processos em andamento em que for autor ou réu;
i) o compromisso de guarda e conservação dos bens sob depósito;
II. depositar em cartório, no ato de assinatura do termo de
comparecimento, os seus livros obrigatórios, a fim de serem
entregues ao administrador judicial, depois de encerrados por
termos lavrados pelo escrivão e assinados pelo juiz;
III.não se ausentar do lugar onde se processa a falência sem
motivo justo e comunicação expressa ao juiz, e sem deixar
procurador bastante, sob as penas cominadas na lei;
147
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
IV. comparecer a todos os atos da falência, podendo ser
representado por procurador, quando ocorrerem motivos
justificados;
V. entregar, sem demora, todos os bens, livros, papéis e
documentos ao administrador judicial, indicando-lhe, para
serem arrecadados, os bens que porventura tenha em poder
de terceiros;
VI. prestar verbalmente ou por escrito, as informações reclamadas
pelo juiz, administrador judicial, credor ou representante do
Ministério Público, sobre circunstâncias e fatos que interessem
à falência;
VII.auxiliar o administrador judicial com zelo e presteza;
VIII.examinar as declarações de crédito apresentadas;
IX. assistir ao levantamento, à verificação do balanço e exame dos
livros;
X. examinar e dar parecer, sempre que for determinado pelo juiz;
XI. apresentar, dentro do prazo determinado nesta lei, a relação
de seus credores.
Estabelece tal lei que o não-cumprimento das obrigações transcritas será
tratado como crime de desobediência, imputado aos administradores da
falida.
Outro assunto que merece abordagem é a suspensão dos juros durante
a tramitação do processo. Ora, o estado de falência significa a insuficiência
da falida em quitar seus débitos, assim, nada mais justo que se apliquem os
juros já vencidos no momento da sentença declaratória da falência.
O andamento do processo depende da chamada verificação e
habilitação de créditos, procedimento realizado pelo administrador judicial,
com o auxílio de profissionais especializados, visando identificar a totalidade
de credores e o valor total do crédito, comparando-os com os dados
constantes nos livros contábeis pertencentes à falida. Findo o procedimento
de verificação, o administrador publicará o resultado, oportunidade para
qualquer credor impugnar, justificando sua razão. Após a análise do relatório
final e de suas impugnações, o juiz homologará a relação de credores, donde
se extrai detalhadamente o nome do credor, o crédito que possui e sua
classificação.
Faz-se, então, a liquidação que é a conversão do patrimônio da falida
em dinheiro para ser distribuído entre os credores, respeitando-se a seguinte
ordem de preferência:
I -créditos derivados da relação de trabalho, limitados a 150
salários mínimos por credor e os decorrentes de acidentes do
trabalho;
148
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
II - créditos com garantia real, até o limite do valor do bem gravado;
III – créditos tributários, com exceção das multas tributárias;
IV – créditos com privilégio especial, a saber:
a) os previstos no art. 964, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo
disposição contrária desta lei;
c) aqueles a cujos titulares a lei confira o direito de retenção sobre
a coisa dada em garantia;
V - créditos com privilégio geral, a saber:
a) os previstos no art. 965 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002;
b) os assim definidos em outras leis civis e comerciais, salvo
disposição contrária desta lei;
VI - créditos quirografários, a saber:
a) aqueles não-previstos nos demais incisos deste artigo;
b) os saldos dos créditos não cobertos pelos produtos dos bens
vinculados ao seu pagamento;
VII – créditos decorrentes de multas contratuais e penas
pecuniárias por infração das leis penais e administrativas,
inclusive multas tributárias e
VII - créditos subordinados, a saber:
a) os assim previstos em lei ou em contrato;
b) os créditos de qualquer natureza dos administradores da
empresa sem vínculo trabalhista, bem como dos cotistas,
acionistas controladores e diretores.
Além de obedecer esta ordem preferencial de pagamento, deve-se
primeiramente haver a quitação dos créditos chamados extraconcursais,
compreendidos por:
a) remuneração do administrador judicial e seus auxiliares;
b) quantias fornecidas à massa pelos credores;
c) despesas com arrecadação, administração, realização do ativo
e distribuição do seu produto, bem como custas do processo
de falência;
d) custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa
falida tenha sido vencida e
e) obrigações resultantes de atos jurídicos válidos, praticados
durante a recuperação judicial ou após a decretação da falência
149
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
e tributos relativos a fatos gerados ocorridos após a decretação
da falência.
Com o pagamento de todos os credores, extinguem-se as obrigações
da empresa em crise. Caso haja saldo decorrente da venda do ativo e
pagamento dos credores, este será entregue ao empresário e distribuídos
entre os seus sócios. Na história do direito falimentar não houve um único
caso em que se conseguisse pagar todos os credores, quanto mais ratear
saldo entre os donos da falida.
Procurou-se com esta breve apresentação, destacar os pontos relevantes
do processo falimentar, demonstrando a sua formação, desenvolvimento e
regras para pagamento dos credores, com a conseqüente extinção.
Posto isso, se dará início ao estudo da recuperação de empresas.
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
A mesma lei que criou a falência também disciplina o assunto em
comento, dividindo a recuperação de empresas em duas modalidades
completamente distintas entre si: Recuperação Judicial e Homologação Judicial
de Acordo de Recuperação Extrajudicial.
Tendo por finalidade impedir o encerramento da atividade
econômica, mas sim recuperá-la, ambas as espécies de recuperação devem
servir de instrumento impeditivos da quebra do empresário nos casos em
que se possa vislumbrar razões para sua continuidade, considerando-se
aspectos relevantes como sua importância social, o quantitativo de
empregados, a tecnologia empregada, o volume do ativo e passivo, o tempo
de existência da empresa e seu porte econômico.
Isso porque ao longo da história jurídica na tentativa de se reerguer
empresas em crise, o cenário demonstra que muitas não mereciam o
tratamento para se recuperar, mas sim a decretação de sua falência!
Por essa razão, ainda que o juiz encontre no processo todos os
requisitos necessários à formação do processo de recuperação judicial ou
extrajudicial, deverá analisar o fator merecimento, ou seja, se a empresa
requerente terá condições de dar continuidade às suas atividades, pois muitas
somente acionam o Poder Judiciário intuindo ganhar tempo ao criar falsa
expectativa a seus credores.
O pedido de recuperação judicial poderá ser feito por qualquer empresário,
ou seja, empresário individual (firma individual) ou sociedade empresária.
Repare que possui legitimidade para requerer a recuperação judicial o mesmo
sujeito que pode sofrer o pedido de falência e, por assim ser, não o pode
fazê-lo as pessoas físicas, as sociedades simples e cooperativas bem como
as pessoas jurídicas previstas no artigo 2º. da L.F., estudados no início desta
unidade.
No entanto, diferentemente da falência, além de se enquadrarem no
requisito empresarialidade, somente obterão o benefício os empresários que
CONCOMITANTEMENTE:
150
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
a) não estejam falidos;
b) tenham, no mínimo, 2 anos de existência;
c) não tenham requerido recuperação judicial há pelo menos 5
anos (micro e pequenas empresas, em 8 anos) e
d) tenham sócio controlador/administrador sido condenado por
crime falimentar.
Estando o empresário em crise, cuja comprovação dar-se-á através
da apuração dos dados contábeis e se enquadrando nesses requisitos,
poderá requerer o pedido de recuperação da empresa, devendo atingir seu
objetivo através dos MEIOS contidos no artigo 50, da Lei de Falências, bem
como quaisquer outros que julgar necessários, já que os citados na lei são
apenas alguns exemplos, quais sejam:
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação
pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das
obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade,
constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações,
respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou
modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de
administradores e de poder de veto em relação às matérias que o
plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à
sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou
sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII - equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer
natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de
recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito
rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
151
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar,
em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
O processo de recuperação judicial, assim como a homologação de acordo
de recuperação extrajudicial possui características bem peculiares, a começar
pela inexistência de réu.
A recuperação é a modernização jurídica da antiga concordata e sua
finalidade é pedir ao juiz ajuda para se livrar da crise. Por esse motivo que
foi dito anteriormente que a comprovação da crise será feita por análise
contábil, vez que, diferentemente da falência, não há um credor específico
demonstrando existência de dívida vencida e não paga. Aqui a própria
empresa ASSUME sua situação ruinosa, socorrendo-se ao Poder Judiciário
para impedir, principalmente, que qualquer credor peça sua falência, que,
como exaustivamente comentado, é mais agravosa que a recuperação
em si.
A partir deste ponto, far-se-á primeiramente o estudo do processo da
recuperação judicial, passando-se, posteriormente, ao da extrajudicial.
O início do processo de recuperação judicial ocorre com o protocolo da
Petição Inicial, inaugurando a primeira fase processual, denominada FASE
POSTULATÓRIA.
Este documento deverá trazer detalhes do empresário, sua importância
social e motivos para justificar o recebimento do benefício, ou seja, a
concessão da recuperação judicial a fim de lhe permitir enfrentar a crise
através dos meios contidos no artigo 50 ou outros desejados.
Em ANEXO (e não na própria petição inicial), serão juntados documentos
comprobatórios das alegações nela contidas, a saber:
- exposição da causa: este documento tem por fim DETALHAR de
forma pormenorizada todas as razões que deram origem à crise,
sendo trivial ressaltar que os motivos ensejadores do problema
devem estar diretamente ligados à própria empresa, vez que
fatores externos não são passíveis de se solucionar em prol de
uma sociedade empresária específica. Para aclarar: uma das
maiores fabricantes de calçados do Brasil, responsável por
abastecer tanto o mercado interno como externo, requereu a
recuperação judicial alegando em sua exposição de causa três
razões para a crise: valorização do Real frente ao dólar, entrega
de calçados chineses no Brasil com baixo preço e elevadas taxas
e juros cobrados em contratos de financiamento. Das três
causas, apenas a última depende de atuação da calçadista para
sua resolução, vez que as duas primeiras referem-se à questões
econômicas e sua alteração depende de medidas tomadas pelo
Governo Federal. Realmente estas duas situações interferem
152
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
diretamente nos negócios, mas, ao se analisar os meios de
recuperação citados no artigo 50 da L.F. não se encontrará
remédio para o problema. Portanto, a elaboração da exposição
da causa terá que ser extremamente criteriosa para convencer
o juiz que há solução para o problema, já que ao apontar motivos
decorrentes de planos econômicos ou políticos não conseguirá
o empresário, no momento oportuno, apresentar a forma de
saná-los;
- demonstrações contábeis e relatório;
- relação de credores;
- documentos societários: juntar ao processo contrato ou
estatuto social e todo documento ligado à composição
societária;
- bens de sócio ou acionista controlador e dos administradores:
descrever os seus bens pessoais, através de planilha, pois,
eventualmente, poderão ser dados em garantia no decorrer
do processo;
- extratos bancários e de investimentos;
- certidões de protestos;
- relação das ações judiciais em andamento.
Vê-se que a montagem do processo de recuperação judicial é trabalhosa
e a preparação e redação de toda a documentação depende do labor de
profissionais diversos, como advogados, contadores e administradores de
empresa.
Estando em conformidade com a exigência legal, o juiz do caso dará
andamento ao processo através de ato chamado DESPACHO DE
PROCESSAMENTO, cujo conteúdo se fará nomeação do administrador
judicial, se determinará a dispensa de apresentação de Certidão Negativa
de Débito para o exercício da atividade e a suspensão de todas as ações e
execuções que tramitam contra a empresa em crise (com exceção das ações
cíveis com quantia ilíquida; reclamações trabalhistas; execuções fiscais;
execuções promovidas por credores não sujeitos à recuperação judicial),
além de se exigir a apresentação de contas demonstrativas mensais com
relato da situação financeira no decorrer do processo e, por fim, a intimação
do Ministério Público e comunicação à Fazenda Pública (Receita Federal,
Estadual e Municipal).
Em seguida será feita publicação da decisão do juiz, através de edital na
imprensa oficial, descrevendo o resumo do pedido, a relação dos credores,
o despacho de processamento, a especificação dos prazos de interesse dos
credores e fazendo a convocação da Assembléia de Credores.
Com esta publicação se abre prazo de 60 dias para que a empresa
requerente da recuperação judicial apresente seu PLANO DE
153
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
RECUPERAÇÃO JUDICIAL, através do qual relatará os meios que pretende
empregar para sair da crise, quitando seus débitos e comprovando sua
condição de continuidade da atividade econômica.
Este documento deverá vir acompanhado de outros dois relatórios:
1) demonstração da viabilidade econômica e
2) laudo de avaliação patrimonial e econômico-financeiro.
A elaboração do plano de recuperação judicial deve estar em sintonia
com a exposição das causas, pois, fazendo uma comparação análoga, a
exposição das causas aponta a doença e o plano de recuperação judicial, o
remédio.
Ao redigi-lo, o profissional deve priorizar, por exigência legal, o pagamento
dos direitos trabalhistas vencidos à data do pedido, demonstrando condições
de fazê-lo no prazo de um ano.
Caso haja qualquer bem pertencente à empresa em crise, que esteja
onerado, ou seja, por contrato fora anteriormente dado em garantia a certo
credor e, pretendendo vendê-lo para capitalizar a sociedade, no plano, deverá
constar a concordância deste credor.
Outro critério contido na legislação refere-se aos créditos em moedas
estrangeiras, que deverão manter a regra inicialmente combinada acerca
da indexação contratada, ou seja, o método de conversação de moeda
estabelecido.
Com a juntada do plano de recuperação judicial ao processo e havendo
objeção de qualquer credor, o juiz determinará o feitio de VOTAÇÃO para
que os credores o aprovem ou o rejeitem, através da Assembléia de Credores,
no prazo máximo de 150 dias a contar do despacho de processamento.
Participam da votação os credores de três classes distintas:
CLASSE 1 - credores com garantias reais;
CLASSE 2 – credores quirografários, com privilégio e subordinados;
CLASSE 3 – credores trabalhistas.
Para a aprovação do plano, o resultado da votação terá que obter,
CUMULATIVAMENTE:
a) classe 1: aprovação de mais da metade dos CREDORES
presentes e mais da metade do valor dos créditos;
b) classe 2: aprovação de mais da metade dos CREDORES
presentes e mais da metade do valor dos créditos;
c) classe 3: aprovação de mais da metade dos CREDORES
presentes, INDEPENDENTEMENTE.
154
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Apurada a votação e sendo REJEITADO o plano, resta ao juiz decretar
a falência da empresa, ou seja, o pedido de recuperação por ela ajuizado
se converterá em sua falência. Por esta razão, reitere-se que a elaboração
da exposição das causas deve estar absolutamente em consonância com o
plano de recuperação judicial e este deverá agradar aos credores
pertencentes às três classes anteriormente descritas.
No entanto, caso a votação não atinja esses índices, ANTES de decretar
a falência, poderá o juiz APROVAR o plano caso os votos tenham trazido o
seguinte resultado CUMULATIVO:
a) aprovação dos credores que representem mais da metade do
valor de todos os créditos presentes à Assembléia de Credores;
b) aprovação segundo as regras anteriormente expostas de duas
classes;
c) aprovação de mais de 1/3 dos votos da classe que o rejeitou.
Obtendo a votação este resultado, o juiz decidirá se irá aprovar ou
rejeitar o plano de recuperação.
Com sua aprovação, é juntado ao processo o plano aprovado, iniciando-
se a contagem de prazo de cinco dias para a empresa apresentar as
certidões negativas de débitos tributários.
Esta regra apresenta absoluta falta de sintonia com o propósito da
legislação que disciplina a recuperação judicial. As citadas certidões
negativas somente são expedidas se a sociedade requerente NÃO possuir
qualquer débito tributário! Ora, toda sociedade em crise na história dos
casos de falências e recuperações apresentavam dívidas tributárias.
Com tal exigência toda a tramitação do processo, seus custos e suas
perspectivas se desmoronam, pois o processo será convertido em falência!
E ciente disto, o Poder Judiciário tem preferido dar continuidade ao
processo mesmo na ausência da apresentação das certidões negativas de
débitos tributários.
Prova desta situação ocorreu no processo de recuperação judicial
requerido pela Companhia Aérea Varig, abrindo precedente para os casos
posteriormente ajuizados.
No entanto, isto não quer dizer que os juízes de outros processos
tenham que fazer o mesmo, na verdade, devem seguir o previsto na
legislação, ou seja, não apresentada a CND tributária, far-se-á a conversão
da recuperação judicial em falência.
Apresentada a CND tributária será concedida a recuperação judicial.
Note bem: somente nesta fase é que se concede o benefício. O que foi
estudado até este ponto são fases de análise dos pressupostos e de
deliberação.
155
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
Com a concessão da recuperação, será expedido ofício à Junta
Comercial que fará constar juntamente ao nome empresarial a expressão
“Em Recuperação Judicial”. Com isto, a empresa em crise passará a adotar
referida expressão em seu nome para todos os fins. Por exemplo, se a
sociedade é denominada Agropecuária Terra Rocha Ltda, passará a se chamar
Agropecuária Terra Rocha Ltda Em Recuperação Judicial.
Inúmeras críticas foram feitas a esta exigência legal no sentido de já
estar a sociedade sem credibilidade perante seus fornecedores e, portanto,
com a nova denominação causará maior desconfiança no mercado e até
temor para novos fornecedores e clientes.
A Parmalat Brasil S.A. Indústria de Alimentos requereu e obteve a
concessão da recuperação de empresa para superar sua crise e está
conseguindo cumprir as obrigações assumidas no plano de recuperação
sendo que diversos consumidores sequer sabem desta situação, que fora
noticiada pela imprensa em várias oportunidades, porém todas as pessoas
que negociam com a Parmalat encontram em seus contratos a expressão
“Em Recuperação Judicial”.
Por fim, iniciada a concessão do plano de recuperação judicial, terá o
empresário dois anos para concretizá-la, cumprindo todas as obrigações
assumidas e na hipótese de seu descumprimento, o juiz converterá em
falência.
RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL.
Viu-se que a Recuperação de Empresas é dividida em Recuperação
Judicial e Extrajudicial.
Esta última hipótese de recuperação tem a mesma finalidade da
anteriormente estudada, ou seja, manter ativa a empresa, preservando os
postos de trabalho, o recolhimento de impostos, etc.
Na recuperação extrajudicial, como o próprio nome diz, a negociação
com os principais credores ocorre fora (extra) do Poder Judiciário
(extrajudicial). Ao identificar a instalação da crise e a impossibilidade de
pagamento das obrigações assumidas, o empresário poderá reunir seus
principais credores para lhes apresentar a maneira que pretende se utilizar
para solucionar o problema.
Claro que nenhum credor convocado a participar desta reunião é
obrigado a aceitar as condições apresentadas, podendo, inclusive, ao
vislumbrar a crise assumida pela devedora ajuizar pedido de sua falência,
desde que se enquadre nos requisitos elencados em lei, estudados no
capítulo referente à falência.
No entanto, havendo aprovação do plano apresentado por 3"5 (três
quintos) dos credores de cada classe, o empresário em crise elaborará
documento que será encaminhado, agora sim, ao Poder Judiciário para ser
HOMOLOGADO pelo juiz. A única providência a ser adotada pelo julgador é
156
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
analisar o montante da dívida e o percentual de credores que aderiram ao
plano.
Posteriormente, é feita a publicação através de edital em jornal de
grande circulação na cidade sede (e filiais, caso existam) do empresário
devedor, convocando eventuais credores para impugnarem o plano de
recuperação extrajudicial apresentado no prazo de 30 dias.
Nos próximos 5 dias seguintes ao término deste prazo, o juiz se
pronunciará pela concessão ou negativa do plano de recuperação
extrajudicial.
Não o concedendo, por acatar a impugnação dos credores, o
processo se encerra, podendo, então, o empresário requerer a
Recuperação Judicial ou sofrer o pedido de falência de qualquer credor
que possua condições de fazê-lo.
Com a concessão, deverá o empresário cumprir o plano na forma e prazo
nele previstos.
CRIMES FALIMENTARES.
Para se encerrar o estudo da legislação falimentar se faz imperioso
demonstrar a existência de alguns crimes que podem vir a ocorrer,
principalmente tendo por intuito “esconder” patrimônio do empresário em
crise, visando preservá-lo e revertê-lo, futuramente, em prol dos donos da
empresa.
Ao criá-los, pretendeu o legislador causar temor e impedir que o
empresário se utilize de artifícios ilícitos para lesar os credores.
Compete ao representante do Ministério Público (Promotor de Justiça)
oferecer a denúncia para a apuração da prática de quaisquer crimes
considerados falimentares, a seguir estudados. Não o fazendo e estando
evidente a prática do ilícito penal, tanto o administrador judicial como qualquer
credor habilitado poderão oferecer ação penal para análise e julgamento do
ato criminoso supostamente praticado.
O primeiro crime é chamado de FRAUDE A CREDORES cuja configuração
ocorre quando o empresário praticar qualquer ato fraudulento causador de
prejuízo aos credores. O crime pode acontecer tanto antes da decretação
da falência como no decorrer do processo e a pena a ser aplicada varia de
três a seis anos, acrescida de multa. Segundo o artigo 168 da Lei de Falências,
em seu § 1º., esta pena pode ser aumentada de um sexto a um terço nos
seguintes casos:
Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência,
conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação
extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo
aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida
para si ou para outrem.
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
157
COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL
Aumento da pena
§ 1o A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o
agente:
I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos;
II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento
que deles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço
verdadeiros;
III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais
armazenados em computador ou sistema informatizado;
IV – simula a composição do capital social;
V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos
de escrituração contábil obrigatórios.
Contabilidade paralela
§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o
devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente
à contabilidade exigida pela legislação.
Concurso de pessoas
§ 3o Nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis,
auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem
para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua
culpabilidade.
Redução ou substituição da pena
Vê-se, portanto, que a configuração deste crime poderá ocorrer com o
auxílio de certos profissionais, como contadores, administradores de empresa
e auditores, sendo prevista a aplicação das mesmas penas para estes.
Outro crime praticado com certa freqüência cuja configuração decorre
da omissão de informações importantes para o desfecho do processo,
induzindo, assim, o administrador da falência (juiz) e seus auxiliares em
erro, é o chamado INDUÇÃO A ERRO, com pena de dois a quatro anos e
multa.
O crime de FAVORECIMENTO DE CREDORES acontece quando é
praticado qualquer ato para beneficiar credor ou credores específicos em
detrimento da totalidade de credores, tendo pena de dois a cinco anos e
multa, tanto aplicado ao agente como ao credor beneficiado.
O crime mais comum em processos de falência ou recuperação judicial
é o denominado DESVIO, OCULTAÇÃO OU APROPRIAÇÃO DE BENS,
praticado, principalmente, em relação ao estoque do empresário bem como
de seu maquinário. A pena a ser aplicada é de dois a quatro anos e multa.
No decorrer do estudo da falência bem como da recuperação de
empresa foi dito que se faz necessária a apresentação de dados contábeis
158
UNIDADE 6 - FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL
para averiguação da real situação do empresário. A não exibição
destes documentos acarreta o crime de OMISSÃO DE DOCUMENTOS
CONTÁBEIS OBRIGATÓRIOS, punível com pena de um a dois anos e multa.
Com a decretação da falência, os sócios da falida tornam-se impedidos
de exercerem qualquer atividade empresarial e ao descumprirem esta regra
praticam EXERCÍCIO ILEGAL DE ATIVIDADE, crime com pena de um a quatro
anos e multa. Para evitar a configuração deste crime, muitas pessoas criam
novas empresas em nome de seus próprios filhos, de cônjuge ou de terceiros,
chamados de laranja; no entanto, caso seja apurada a participação do
impedido, configura-se o citado crime.
É HORA DE SE AVALIAR!
Lembre-se de realizar as atividades desta unidade de
estudo, presentes no caderno de exercício! Elas irão ajudá-
lo a fixar o conteúdo, além de proporcionar sua autonomia
no processo de ensino-aprendizagem. Caso prefira, redija
as respostas no caderno e depois as envie através do nosso
ambiente virtual de aprendizagem (AVA) ou pelo correio (em
formulário próprio). Interaja conosco!
Chegamos ao final da nossa disciplina Direito Empresarial, percorrendo
todo o caminho trilhado pelos exercentes de qualquer atividade econômica.
O percurso, como vimos, é árduo e poucos sobrevivem. As estatísticas
divulgadas pela imprensa demonstram o encerramento constante de
empresas de pequeno, médio e grande porte e, em seu socorro, foi criada a
atual legislação falimentar.
Previu o legislador a falência como forma de extinguir a empresa em
crise e distribuir aos credores seu patrimônio ou valor equivalente de sua
venda.
Houve ainda previsão legal para a própria empresa evitar sua falência,
ajuizando o pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.
Finalmente, vimos os principais crimes passíveis de ocorrência tanto
antes, quanto durante ou depois do processo falimentar.
O aprendizado via ensino a distância exige grande esforço e dedicação
dos alunos; portanto, parabéns por seu empenho e espero ter, ao menos,
atingido o intento maior de todo educador: ter despertado o interesse pela
matéria!