Gonçalves - 2008 - Banco Mundial No Brasil

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    O Banco Mundial no Brasil. Da guerra de movimento guerra de posio:

    Anlise do documento Estratgia de Parceria com o Brasil, 2008-2011

    Reinaldo Gonalves1

    1. Diretrizes estratgicas

    O documento do Banco Mundial Estratgia de Parceria com o Brasil,

    2008-11 (doravante denominado EPP) contm as diretrizes bsicas para a

    atuao do Banco no pas com nfase no perodo 2008-09.2 Este documento

    a atualizao do documento Estratgia de Assistncia ao Pas: 2004-2007

    no qual foram identificados quatro objetivos centrais que orientaram a atuao

    do governo e do Banco no pas. Estes objetivos abarcam os seguintes desafios

    estruturantes de longo prazo: fundamentos macroeconmicos, eqidade,

    competitividade internacional e sustentabilidade ambiental. Na EPP o Banco

    avalia que houve melhorias dos fundamentos macroeconmicos e da eqidade

    no perodo 2004-07. A EPP reconhece que os resultados foram menos

    satisfatrios no que se refere competitividade internacional da economia

    brasileira e sustentabilidade ambiental (com destaque para o desmatamento

    na Amaznia).

    Naturalmente, o Banco no apresenta qualquer qualificao e, menos

    ainda, crtica dos xitos aparentes (fundamentos macroeconmicos e

    1 Professor titular de Economia Internacional, UFRJ. [email protected]. Texto

    preparado para a Rede Brasil sobre Instituies Financeiras Multilaterais, 17 de dezembro de2008.

    2O documento foi aprovado pela diretoria do Banco Mundial em maio de 2008. A verso em

    ingls do documento (Report42677-BR) est disponvel emhttp://siteresources.worldbank.org/BRAZILINPOREXTN/Resources/3817166-1220388091471/CPS2008.pdf?resourceurlname=CPS2008.pdf. Neste texto usamos a versoem portugus que esta disponvel em

    http://siteresources.worldbank.org/BRAZILINPOREXTN/Resources/3817166-1220388091471/EPBrasil2008.pdf.

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    eqidade) do governo Lula no perodo 2004-07. Isto seria esperar demais de

    uma organizao multilateral, principalmente, no caso de pases que seguem,

    nas suas linhas gerais, as diretrizes estratgicas convencionais (liberalizante e

    privatista) que no implicam significativos conflitos de interesses em escala

    hemisfrica e mundial.3De fato, a qualificao ou viso crtica, principalmente

    em anlises de pases especficos, praticamente inimaginvel em uma

    organizao como o Banco Mundial. No caso do Brasil no perodo 2004-07, a

    crtica do Banco Mundial tambm no deve ser esperada quando se considera

    que o governo Lula tem implementado o modelo liberal perifrico cujos eixos

    estruturantes convergem, nas suas linhas gerais, para os princpios defendidos

    pelo Banco Mundial.4

    Para o perodo 2008-11 o Banco Mundial destaca como prioridades a

    acelerao do crescimento, a melhoria dos fundamentos macroeconmicos, a

    3Atualmente, na Amrica Latina somente Venezuela, Bolvia, Equador e Argentina tm projetos

    e polticas que, de uma forma ou de outra, conflitam com interesses dominantes na arenainternacional. Nos trs primeiros casos tratam-se das polticas referenciadas a projetos deorientao socialista. No caso da Argentina, o potencial de conflito deriva das iniciativasgovernamentais no sentido de se ampliar o policy space, ou seja, a capacidade do Estadonacional de aumentar o grau de liberdade quanto implementao de polticas. Sem dvidaalguma, a renegociao da dvida externa em 2004-05, com o cancelamento de parte

    expressiva desta dvida, foi um marco na histria recente da Argentina e da Amrica Latina.Por outro lado, os governos dos dois pases de maior importncia econmica (Brasil e Mxico)tm mostrado docilidade em relao agenda de poltica externa do poder hegemnico(Estados Unidos). Se, de um lado, no h convergncia total, de outro, no h srio conflitoentre as polticas externas e internas destes pases e os interesses do hegemon. Nestesentido, h dois exemplos recentes. O primeiro o da convergncia da posio do Brasil com ados Estados Unidos na rodada de negociao comercial multilateral na Organizao Mundialdo Comrcio (OMC). Na reunio da OMC em Genebra em agosto de 2008, o governo brasileirocolocou-se ao lado do governo dos EUA e em posio contrria da maioria dos pases emdesenvolvimento. A posio conjunta do Brasil e dos Estados Unidos foi derrotada. Paramaiores detalhes, ver Reinaldo Gonalves, Derrota do Itamaraty, vitria do Brasil, Le MondeDiplomatique Brasil, setembro 2008, p. 13-14. O segundo exemplo o da proposta de criaoda Unio Latino-Americana e do Caribe (uma OEA do B), proposta pelo presidente do Mxico

    na reunio de Cpula da Amrica Latina e do Caribe (Calc) na Bahia em 17 de dezembro de2008. A OEA do B teria Cuba como pas-membro e excluiria os Estados Unidos e o Canad(O Globo, 18 de dezembro de 2008, p. 31). Este frum de debates e soluo decontrovrsias, caso venha efetivamente a existir, muito provavelmente, no ter qualquerconseqncia mais significativa em termos dos interesses dos Estados Unidos na regio. Namelhor das hipteses servir como carro de bombeiros para apagar incndios intra-regionais, ou seja, economia de recursos diplomticos para os EUA.

    4 O Modelo Liberal Perifrico (MLP) tem trs conjuntos de caractersticas marcantes:

    liberalizao, privatizao e desregulamentao; subordinao e vulnerabilidade externaestrutural; e dominncia do capital financeiro. Para a anlise detalhada das caractersticas doMLP, ver Luiz Filgueiras e Reinaldo Gonalves, A Economia Poltica do Governo Lula.Rio deJaneiro: Editora Contraponto, 2007, captulo 3. Este livro tambm apresenta anlises crticas

    da fragilidade dos fundamentos macroeconmicos e da questo da desigualdade durante oprimeiro mandato do governo Lula.

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    melhoria da gesto do setor pblico, a eqidade e a sustentabilidade ambiental.

    Portanto, a maior diferena em relao s diretrizes estratgicas do perodo

    2004-07 est na prioridade dada acelerao do crescimento econmico. Na

    realidade, esta prioridade tambm a do governo federal com o lanamento do

    Programa de Acelerao do Crescimento (PAC) a partir do incio do segundo

    mandato de Lula em 2007.5

    A leitura do Banco Mundial a respeito dos principais objetivos do

    desenvolvimento do pas apresentada no Quadro 1. Este Quadro tambm

    mostra as principais questes e obstculos, bem como as metas (leia-se,

    propostas de solues) do governo Lula, inclusive quanto atuao do Banco

    no pas. O mais relevante neste Quadro , sem dvida alguma, as metas, ou

    seja, como se pretende atingir os objetivos e enfrentar os desafios e

    obstculos.

    Como primeira observao temos que as reformas tributria e

    previdenciria merecem destaque na EPP. Como discutido mais adiante, o

    Banco Mundial tambm destaca a importncia da reforma trabalhista (EPP,

    2008, p. 19) no sentido de maior flexibilizao do mercado de trabalho.

    A segunda observao em relao aos objetivos refere-se ausncia da

    distribuio da riqueza e da distribuio funcional da renda. O Banco Mundial e

    o governo Lula tratam a questo da eqidade, fundamentalmente, como um

    problema de reduo da pobreza extrema via polticas compensatrias. A

    reduo da desigualdade decorre de polticas de aumento real do salrio

    mnimo, dos benefcios da previdncia e, quando possvel, do crescimento

    econmico (aumento do emprego). H melhoria da distribuio intra-salarial da

    renda, ao mesmo tempo em que se mantm a extraordinria concentrao da

    riqueza e a grande desigualdade na distribuio funcional da renda (salrios

    versusjuro, lucro e aluguel).

    Nos termos da EPP o objetivo da competitividade internacional deixa

    completamente de lado a questo da vulnerabilidade externa estrutural da

    economia brasileira nas esferas comercial, produtiva, tecnolgica e monetrio-

    5O Programa de Acelerao do Crescimento Econmico (PAC) foi lanado em 22 de janeiro de2008. Para a anlise das caractersticas do PAC, ver Filgueiras e Gonalves, op. cit., p. 198-207. A avaliao do primeiro ano do PAC feita em Reinaldo Gonalves, PAC:

    Desacelerao do crescimento e vulnerabilidade externa. Disponvel em:http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/pac_desaceleracao_janeiro_2008.pdf.

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    financeira. Ou seja, o Banco Mundial e o governo Lula parecem estar

    fundamentalmente interessados na reduo do custo Brasil e na melhoria do

    ambiente de negcios como pode ser constatado na simples visualizao dos

    obstculos apontados pela EPP e mostrados no Quadro 1.

    Quadro 1Desenvolvimento do Brasil: Objetivos, obstculos e metas (solues)

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    Quadro 1 (continuao)

    Fonte: Fonte: Banco Mundial, Estratgia de Parceria com o Brasil, 2008-11.Washington D.C.,Banco Mundial, 2008, p. 25.

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    2. Foco e importncia relativa

    A EPP explicita que a atuao do Banco Mundial no Brasil no perodo

    2008-11 ter como foco os desafios estruturantes de longo prazo para os

    quais o Brasil ainda no encontrou solues. Entretanto, o Banco no

    explicita estes desafios. Supe-se que sejam aqueles do perodo anterior visto

    que melhorias no implicam solues. No obstante esta falta de definio

    clara dos objetivos, o Banco Mundial chama ateno para a demanda

    especfica do governo federal em relao ao Banco. Segundo a EPP, o

    governo Lula deseja que o enfoque do programa mude na direo de: (a) um

    slido programa de assistncia tcnica, de tamanho relativamente modesto, no

    nvel federal; e (b) um grande programa de financiamento com os estados, que

    atenda s suas prioridades e em conformidade com a Lei de Responsabilidade

    Fiscal. Este novo programa, voltado predominantemente para os estados,

    caracterizado por um senso de oportunidade baseado em princpios no qual

    os governadores que estiverem interessados em trabalhar com o Banco

    definem suas prioridades e a instituio responder apresentando um conjunto

    bem articulado de princpios (apoiados em trabalho analtico e experincia no

    Brasil e no estrangeiro). (EPP, p. 11).

    Portanto, h o evidente deslocamento do financiamento de projetos e

    programas do governo federal para os governos estaduais. Mais adiante na

    EPP, tambm h destaque para a atuao do Banco junto s administraes

    dos municpios. A questo do senso de oportunidade baseado em princpios,

    muito provavelmente, expressa o Banco como um balco receptor de projetos

    cuja aprovao depender de condicionalidades mais gerais. Este conceito

    explicitado mais adiante da seguinte forma: O conceito operacional dos

    programas do BIRD e da IFC agora o do senso de oportunidade baseado em

    princpios. Senso de oportunidade, considerando que o governo e o setor

    privado que definem as reas nas quais a participao do Banco solicitada e

    baseado em princpios, porque tanto o BIRD quanto a IFC avaliam dentro do

    universo das oportunidades onde e como eles devem (ou no) se engajar

    (EPP, p. 27).

    A EPP tambm faz referncia mudana de enfoque da atuao da

    International Finance Corporation(IFC Corporao Financeira Internacional)

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    no Brasil.6A diretriz estratgica futura o redirecionamento do financiamento

    das empresas de primeira linha (supe-se que sejam empresas de grande

    porte) para empresas de segunda linha (supe-se que sejam empresas mdias

    e pequenas). A nfase na melhoria da qualidade corporativa, social e

    ambiental (p. 11). Muito provavelmente seguindo as diretrizes do governo

    federal, a IFC facilitar a insero global das empresas brasileiras. H

    referncia especfica ao reforo das relaes Sul-Sul no financiamento das

    empresas privadas brasileiras.

    A mudana do enfoque de atuao do Banco no pas reflete, em grande

    medida, a pouca importncia relativa dos recursos do Banco Mundial para

    atender as necessidades de financiamento do Brasil. Neste sentido, cabe

    apresentar alguns dados recentes. O valor total dos emprstimos do Banco

    Mundial ao Brasil foi de US$ 5730 milhes no perodo 2005-08, com

    desembolso total de US$ 4733 milhes. Os pagamentos de emprstimos

    totalizaram US$ 3626 milhes, o que resultou em saldo de US$ 1107 milhes.

    Considerando que o PIB mdio brasileiro foi de aproximadamente US$ 1250 no

    perodo em questo, os desembolsos do Banco representaram menos de 0,1

    % do PIB e cerca de 0,5% do investimento total. O impacto em termos de

    disponibilidade de divisas tambm irrelevante visto que o saldo (desembolso

    menos pagamento) mdio anual foi inferior a US$ 300 milhes.7Vale destacar

    que os desembolsos se reduziram significativamente em 2007-08, como mostra

    o Grfico 1.

    O nmero de projetos financiados pelo Banco Mundial tem se mantido

    estvel, em torno de 53 no perodo 2005-08. Em 2007-08 os desembolsos e

    pagamentos tm oscilado em torno de US$ 800 milhes e, como resultado, o

    ingresso lquido de recursos foi praticamente nulo nestes dois anos, como

    mostra o Grfico 2.

    6A IFC faz parte do Grupo Banco Mundial e foi criada em 1956 com o objetivo de financiarempresas privadas localizadas nos pases em desenvolvimento. Alm da funo definanciamento, a IFC tambm auxilia na mobilizao de recursos no sistema financeirointernacional e no fornecimento de assistncia tcnica para empresas e governos nos pasesem desenvolvimento.

    7A despesa mdia anual referente renda de investimento externo direto no Brasil (remessas

    de lucros e dividendos) foi de US$ 14,9 bilhes no perodo 2005-07, enquanto a receita mdia

    anual correspondente ao investimento direto do Brasil no exterior foi de US$ 1,3 bilhes. VerBanco Central do Brasil: http://www.bcb.gov.br/?BOLETIMEST.

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    Grfico 1Emprstimos e desembolsos do Banco Mundial no Brasil: 2005-08(US$ milhes)

    1791 1696

    303

    1940

    998

    2163

    831 742

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    2005 2006 2007 2008

    Emprstimos Desembolsos

    Fonte: Banco Mundial.Disponvel:http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/PROJECTS/0,,countrycode:BR~menuPK:64820001~pagePK:64392398~piPK:64392037~subTitle:Lending%20Summary~theSitePK:40941,00.html. Acesso: 17 de dezembro de 2008.

    Grfico 2Desembolsos e pagamentos: Banco Mundial no Brasil, 2005-08

    (US$ milhes)

    998

    2163

    831742

    1299

    719 793 816

    -301

    1444

    38

    -74

    -500

    0

    500

    1000

    1500

    2000

    2500

    2005 2006 2007 2008

    Desembolsos Pagamentos Saldo (desembolsos - repagamentos)

    Fonte: Banco Mundial.Disponvel:http://web.worldbank.org/WBSITE/EXTERNAL/PROJECTS/0,,countrycode:BR~menuPK:64820

    001~pagePK:64392398~piPK:64392037~subTitle:Lending%20Summary~theSitePK:40941,00.html. Acesso: 17 de dezembro de 2008.

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    3. Riscos e reformas

    O prprio Banco Mundial destaca alguns riscos da nova orientao

    estratgica. O primeiro a reduo da relao entre o Banco e o governo

    federal. Na percepo do Banco o segundo risco que o governo federal

    reduza seu interesse nas reformas como a fiscal e a previdenciria. O terceiro

    risco est relacionado qualidade dos gastos pblicos principalmente no

    contexto dos investimentos em infra-estrutura. O quarto risco destacado pelo

    Banco o da irrelevncia, ou seja, em decorrncia da pouca importncia

    relativa dos recursos do Banco necessrio que ele se mostre flexvel frente

    s demandas, principalmente, do governo federal.

    Com relao ao primeiro risco, a pouca importncia relativa dos recursos

    do Banco para os programas de investimento do governo federal reduzem o

    poder de presso desta organizao multilateral. Este , sem dvida alguma,

    um risco evidente.

    O segundo risco trata de uma questo especfica, talvez mais relevante,

    que o da implementao de reformas na linha da liberalizao e da

    desregulamentao. A EPP faz meno explcita s reformas fiscal e

    previdenciria. H tambm meno explcita s instituies e leis trabalhistas

    inadequadas (p. 19). Portanto, o Banco se posiciona explicitamente a favor de

    uma reforma trabalhista liberalizante.

    Segundo a EPP o Banco tem somente a opo de aplicar a parte

    relativa aos princpios do senso de oportunidade baseado em princpios e

    garantir que estejamos alertas e participemos sempre que surjam

    oportunidades para tratar dessas questes estruturais desafiadoras. At agora

    a experincia mostrou que fazer isso de modo discreto e apoiando os

    reformadores pode ser eficaz (p. 11). Esta posio pode ser reescrita da

    seguinte forma: o Banco est com poucos instrumentos econmicos de

    presso sobre o governo federal tendo em vista a reduzida importncia relativa

    dos seus recursos para o financiamento dos programas e projetos

    governamentais. Estes instrumentos econmicos so usados para que sejam

    implementados os princpios bsicos (dentre os mais importantes, os

    destaques ficam com a liberalizao e a desregulamentao).

    Na medida em que h o redirecionamento dos recursos do governo

    federal para os governos dos estados e municpios, certo que tambm ocorre

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    redirecionamento do espao preferencial de disputa poltica. Portanto, de se

    esperar que o Banco pressione mais diretamente governadores e prefeitos no

    sentido da implementao da agenda de liberalizao, desregulamentao e

    privatizao. Nesta agenda deve, naturalmente, ser introduzida a questo da

    privatizao dos servios de utilidade pblica como estradas, aeroportos,

    sade pblica, etc. que esto sob responsabilidade de governos de estados e

    municpios.8

    Entretanto, o Banco no pode perder oportunidades de, uma forma ou

    de outra, pressionar o governo federal no sentido da implementao das

    reformas liberalizantes. A discrio, o sentido de alerta e o maior senso de

    oportunidade resultam do menor poder econmico do Banco. Apresentando o

    argumento do Banco ainda de outra forma: em relao ao Brasil o Banco

    Mundial est se preparando para mudar a ttica da guerra de movimentos

    para a da guerra de posies. Portanto, a ao revolucionria do Banco

    Mundial para o aprofundamento e a definitiva implantao do modelo liberal

    perifrico no Brasil no pode mais ser o ataque direto, frontal. O Banco Mundial

    deve, ento, procurar fazer avanos graduais apoiados na participao

    ampliada e na formao de consensos junto ao governo federal e aos governos

    estaduais.

    Este tipo de percepo nos ajuda a entender porque a EPP explicita

    como diretriz estratgica que o Banco precisa se concentrar menos em o qu

    e mais em como fazer (p. 10). Ou seja, tendo em vista que o governo Lula j

    promove o aprofundamento e o avano do modelo liberal perifrico (que

    converge, na essncia, para os princpios do Banco), a questo fundamental

    reside em aumentar a velocidade e a eficcia de implementao deste modelo

    no Brasil. Portanto, entre o Banco Mundial e o governo federal parece haver

    consenso a respeito das diretrizes bsicas quanto ao futuro do pas.

    Ainda no que se refere aos riscos, o Banco reproduz o discurso do

    governo federal a respeito da blindagem da economia brasileira. Portanto,

    segundo a EPP os riscos externos so mnimos tendo em vista a excelente

    qualidade da dvida externa do Pas e de suas prticas de gesto monetria e

    8 Para ilustrar, o governo do estado do Rio de Janeiro tem mostrado forte vis privatista. Ogoverno demandou a privatizao do aeroporto internacional do Galeo e tem operado o setorde sade via contratao de cooperativas.

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    fiscal (p. 12). O Banco negligencia totalmente outros aspectos marcantes da

    vulnerabilidade externa estrutural do Brasil (por exemplo, o elevado passivo

    externo de curto prazo e a dependncia em relao s commodities), bem

    como os riscos associados reverso da fase ascendente do ciclo

    internacional que ocorreu no final de 2007. Portanto, no h como escaparmos

    da concluso que na EPP a clarividncia do Banco quanto s diretrizes

    estratgicas da sua atuao poltica no Brasil so acompanhados pela

    irresponsabilidade ou a incompetncia analtica a respeito da realidade

    brasileira.

    A incompetncia analtica presente na EPP no surpresa para aqueles

    que conhecem a tradio de trabalhos do Banco Mundial. Para ilustrar, a EPP

    argumenta que a slida posio internacional, caracterizada por um nvel

    muito baixo de endividamento e grandes reservas cambiais, garantir a

    sustentabilidade do Brasil nesse contexto. O menor crescimento global durante

    o perodo da EPP no dever afetar de modo significativo o preo das

    commodities a ponto de alterar essa avaliao. Alm disso, a taxa de cmbio

    flexvel protegeria a economia contra qualquer choque externo adverso e a

    diversificao das exportaes em curso poder reduzir os impactos negativos

    da desacelerao do crescimento nos pases desenvolvidos (EPP, 2008, p.

    18). E mais, no plano externo, a sua situao [da economia brasileira] parece

    estar muito slida, com altos nveis de reservas internacionais, uma posio

    lquida credora e supervits comercial e de conta corrente (Ibid).

    Contrariamente ao previsto na EPP em maio de 2008, a ecloso da

    crise mundial em setembro de 2008 afetou significativamente as perspectivas

    para a economia brasileira em decorrncia, exatamente, da sua prpria

    vulnerabilidade externa. A queda significativa dos preos das commodities

    impacta direta e negativamente sobre a balana comercial.9 Ao mesmo tempo,

    a sada de capitais provoca desequilbrios nas contas de renda, de capital e

    9Para ilustrar, o ndice de preos dos alimentos no mercado internacional caiu de 286,3 emabril-junho 2008 para 183,1 em novembro 2008. Ou seja, queda de 36,0% em seis meses. Noh dvida que esta uma queda significativa! Ver os dados do Banco Mundial sobre preos

    das commodities. Disponvel:http://siteresources.worldbank.org/INTDAILYPROSPECTS/Resources/Pnk_1208R.xls.

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    financeira do balano de pagamentos.10 Tendo em vista a desacelerao da

    economia, no final de 2008 j eram crescentes as presses para flexibilizao

    do mercado de trabalho.

    A incompetncia analtica do Banco Mundial no o impede, todavia, de

    explicitar problemas estruturais marcantes do Brasil como: alto nvel de

    tributao; baixa qualidade dos gastos pblicos; altas taxas de juros;

    ineficincia do setor pblico; fragilidade dos arranjos institucionais; falta de

    investimento; e, baixa qualidade da infra-estrutura (p. 19). Curiosamente, a

    identificao do problema grave da poltica monetria marcada pela elevada

    taxa de juros que est entre as mais elevadas do mundo no inibe o Banco

    de afirmar que no Brasil h gesto macroeconmica equilibrada (p. 18).

    4. Guerra de posio e novos focos de interesse

    O Banco pretende dar maior nfase ao trabalho analtico e de

    aconselhamento (EPP, p. 32). Naturalmente, esta nova orientao

    consistente com a ttica de guerra de posio. Na concepo de Gramsci, o

    exerccio da hegemonia requer a conquista do consenso junto s organizaes

    da sociedade civil. Segundo o Banco, o Brasil valoriza as atividades de

    consultoria do Banco Mundial. Portanto, o Brasil tomar recursos junto ao

    Banco Mundial para comprar os servios de consultoria do prprio Banco

    Mundial. Ocorre que o desempenho do Banco em termos de trabalho analtico

    e de aconselhamento, , no mnimo, questionvel em termos de princpios e

    resultados. De fato, a coleo de erros e fracassos do Banco Mundial no

    desprezvel.

    No que se refere s reas de atuao do Banco no Brasil, a EPP aponta

    para algumas mudanas. Na educao o Banco deve reorientar seus projetos

    de aumento da cobertura do ensino para o aperfeioamento dos sistemas de

    educao federal e estadual. Mais uma vez, o foco so as atividades de anlise

    e aconselhamento (EPP, p. 22). No combate pobreza no Nordeste, o Banco

    deve deslocar sua prioridade de projetos de transferncia direta de recursos

    10Para uma anlise da vulnerabilidade externa blindagem de papel crepom do Brasil, ver

    Reinaldo Gonalves, A crise internacional e a Amrica Latina. Com referncia especial ao

    caso do Brasil, outubro 2008. Disponvel:http://www.ie.ufrj.br/hpp/intranet/pdfs/a_crise_financeira_internacional_america_latina_e_brasil_outubro_2008.pdf.

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    para as associaes comunitrias na direo de projetos de fortalecimento das

    atividades produtivas comunitrias e sua integrao econmica (EPP, p. 23).

    No que se refere ao desenvolvimento urbano a prioridade no ser mais o

    abastecimento de gua e saneamento de favelas e sim o aperfeioamento da

    gesto de projetos de desenvolvimento urbano. Ou seja, muito provavelmente,

    trata-se de recursos financeiros e servios de consultoria para os governos

    municipais. A EPP tambm coloca nfase na ineficincia da gesto pblica no

    Brasil e, em conseqncia, o Banco continuar financiando projetos focados na

    melhoria do desempenho do setor pblico e da qualidade dos gastos. A EPP

    faz meno especfica inteno do Banco de financiar projetos que tratem de

    reduzir os problemas relacionados s deficincias dos procedimentos

    oramentrios e corrupo (EPP, p. 23).

    A EPP tambm chama ateno para o interesse do Banco nos

    problemas ambientais, principalmente, na Amaznia. Neste ponto vale notar

    que o histrico do Banco Mundial no favorvel tendo em vista o impacto

    ambiental negativo dos financiamentos, por exemplo, para a construo de

    estradas, infra-estrutura de energia e expanso da explorao mineral. Em

    linhas gerais, a atuao do Banco na Amaznia dever ser no sentido de

    apoiar os servios bsicos para a populao da Amaznia e tambm trabalhar

    para aumentar os ganhos provenientes da agricultura nas reas desmatadas,

    administrar as extensas reas indgenas e protegidas e criar incentivos (por

    meio de manejo florestal sustentvel e pagamento por servios ambientais)

    para preservao das florestas que no sero protegidas. Alm disso, essa

    parceria abrange a assistncia ao planejamento e implementao de uma

    grande infra-estrutura de energia e transporte que essencial para o

    desenvolvimento da regio (EPP, p. 24).

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    5. Sntese

    As diretrizes gerais para a atuao futura do Banco Mundial do Brasil

    esto resumidas no Quadro 2. Este quadro destaca os quatro principais

    desafios encontrados pelo Banco (eqidade, sustentabilidade ambiental,

    competitividade internacional e estabilizao macroeconmica). O Quadro

    destaca, ainda, as mudanas de foco e as prioridades em reas e setores

    especficos.

    Quadro 2Mudanas de diretrizes

    Fonte: Fonte: Banco Mundial, Estratgia de Parceria com o Brasil, 2008-11.Washington D.C.,Banco Mundial, 2008, p. 25.

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    A principal diretriz estratgica do Banco Mundial no Brasil nos prximos

    anos o redirecionamento do financiamento de projetos para as atividades de

    assistncia tcnica. O principal problema com esta diretriz que o Banco tem

    suas atividades de anlise e aconselhamento balizados, tradicionalmente, por

    princpios da economia de mercado, com nfase na liberalizao,

    desregulamentao e privatizao. A Cincia Econmica e a experincia

    histrica tm mostrado que a aderncia acrtica a estes princpios no resiste

    sequer ao teste do bom senso. A atual crise econmica internacional reflete,

    em boa medida, a aplicao destes princpios nos ltimos anos,

    particularmente no que se refere desregulamentao financeira. E, como

    uma das principais medidas de conteno da crise global, tem se difundido a

    interveno direta do governo, inclusive com estatizao, no setor financeiro.

    Ainda como diretriz estratgica importante cabe mencionar o

    redirecionamento da atuao do Banco a favor dos projetos e programas nos

    estados e municpicos. Ou seja, haver menos financiamento para o governo

    federal, que dever receber, principalmente, servios de consultoria do Banco.

    Neste ponto, o maior problema est na nfase que o Banco coloca nas

    reformas tributria, previdenciria e trabalhista. O vis privatista,

    desregulamentador e liberalizante do Banco uma ameaa para o pas.

    Os recursos do Banco para o Brasil esto estimados em

    aproximadamente US$ 7 bilhes para o perodo 2008-11, ou seja, menos de

    US$ 2 bilhes anualmente. No agregado, este volume irrelevante em termos

    de financiamento de projetos e programas. Estima-se que 70% dos recursos

    do Banco estaro direcionados para estados e municpios. Entretanto, a

    concentrao do financiamento em alguns estados ou municpios, certamente,

    dar ao Banco Mundial algum poder de presso poltica.

    No que se refere ao financiamento para o setor privado, a atuao da

    IFC tambm est marcada pelo redirecionamento de foco. Este

    redirecionamento na direo de empresas de segunda linha. Ou seja, menos

    financiamento para grandes empresas e grandes projetos, e mais recursos

    para pequenas e mdias empresas.

    A EPP tambm mostra evidente convergncia com as prioridades do

    governo Lula nos prximos anos. Portanto, o foco do Banco fornecer

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    assistncia tcnica e exercer influncia no sentido de auxiliar o governo a

    atingir seus objetivos. Segunda a EPP, no caso especfico da Amaznia, o

    Amazon Partnership Framework (Arcabouo de Parceria na Amaznia) do

    Banco Mundial est fortemente articulado com o Programa Amaznia

    Sustentvel do governo federal.11

    Para concluir, cabe destacar as consultas que o Banco Mundial fez junto

    s organizaes representativas da sociedade civil. O resumo feito pelo staffdo

    Banco Mundial das propostas e preocupaes da sociedade civil brasileira

    mostrado no Quadro 3.

    11O Programa Amaznia Sustentvel (PAS) foi lanado no incio de 2006. Em abril de 2007 foi

    criado no Ministrio do Meio Ambiente (MMA) o Departamento de Articulao de Aes da

    Amaznia que tem como uma das suas principais funes a coordenao das aes doministrio no mbito do PAS. No portal do MMA no foi possvel fazer o download dosdocumentos referentes ao PAS.

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    Quadro 3Consultas do Banco Mundial com representantes da sociedade civil noBrasil

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    Quadro 3 (continuao)

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    Quadro 3 (continuao)

    Fonte: Banco Mundial, Estratgia de Parceria com o Brasil, 2008-11.Washington D.C., BancoMundial, 2008, p. 105-107.