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Giseli Barreto da Cruz O Curso de Pedagogia no Brasil na visão de pedagogos primordiais Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação. Orientadora: Menga Lüdke Rio de Janeiro abril de 2008

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Giseli Barreto da Cruz

O Curso de Pedagogia no Brasil na visão de pedagogos primordiais

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação.

Orientadora: Menga Lüdke

Rio de Janeiro abril de 2008

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GISELI BARRETO DA CRUZ

O CURSO DE PEDAGOGIA NO BRASIL

NA VISÃO DE PEDAGOGOS PRIMORDIAIS

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª Hermengarda Alves Lüdke Orientadora

PUC-Rio

Profª. Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis Presidente

PUC-Rio

Prof. José Carmello Braz de Carvalho PUC-Rio

Profª Leonor Maria Tanuri UNESP

Prof. José Cerchi Fusari USP

PROF. PAULO FERNANDO CARNEIRO DE ANDRADE Coordenador Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas

PUC-Rio

Rio de Janeiro, ____/_____/____.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e do orientador.

Giseli Barreto da Cruz

Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Santa Úrsula (1992), especialização em Supervisão, Orientação e Administração Escolar pela Universidade Federal Fluminense (1996), mestrado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2002) e doutorado em Educação, também, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2008). Integra o GEProf - Grupo de Estudo da Profissão Docente, coordenado pela Profª Menga Lüdke (PUC-Rio) e atua como docente da Universidade Estácio de Sá e pedagoga da Fundação Municipal de Educação de Niterói. Reúne experiência como professora e pedagoga, atuando com organização do trabalho pedagógico, currículo, avaliação, pesquisa, formação e prática docente.

Ficha Catalográfica

CDD: 370

Cruz, Giseli Barreto da O curso de pedagogia no Brasil na visão de pedagogos primordiais / Giseli Barreto da Cruz ; orientadora: Menga Lüdke. – 2008. 302 f. ; 30 cm Tese (Doutorado em Educação)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008. Inclui bibliografia 1. Educação – Teses. 2. Curso de pedagogia no Brasil. 3. Pedagogos primordiais. 4. Formação de pedagogos. I. Lüdke, Menwga. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. III. Título.

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Agradecimentos

À professora Menga Lüdke, minha orientadora. Ela me deu segurança,

precisamente o que uma iniciante espera de um orientador. Seus questionamentos,

provocações, indicações, críticas, sugestões e, sobretudo, seu interesse e respeito

pelo meu trabalho, foram fundamentais para que finalmente eu chegasse até aqui.

Aos integrantes do Grupo de Estudo sobre a Profissão Docente (GEProf),

coordenado por Menga Lüdke e vinculado ao Departamento de Educação da

PUC-Rio. Além das reuniões semanais do grupo, fecundo espaço de aprender

sobre e a fazer pesquisa, a convivência com Lula - Luiz Alberto Boing, Ana

Teresa de Carvalho Correa de Oliveira, Sarita Léa Schaffel, Augusto César Rosito

Ferreira, Sabrina Albuquerque, Sheina Tabak, Fernanda do Nascimento Carvalho

e Ciléia Fiorati do Amaral revestiu a caminhada de solidariedade e generosidade.

À Ciléia, pessoa prestativa, dedicada e amiga, pela imprescindível ajuda na

transcrição das entrevistas.

Ao Departamento de Educação da PUC-Rio, seus professores e funcionários, pela

acolhida durante o doutorado.

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Aos meus professores da PUC-Rio, que, ao longo do mestrado e do doutorado,

muito contribuíram para o meu aprimoramento intelectual: Ana Waleska Pollo

Campos de Mendonça, Isabel Alice Oswald Monteiro Lelis, Leandro Konder,

Maria Aparecida Mamede, Maria Inês Marcondes de Souza, Menga Lüdke, Sonia

Kramer e Zaia Brandão.

À professora Emília Freitas de Lima, da UFSCAR, pela escuta atenta e pela

indicação precisa, quando este trabalho era apenas um projeto rabiscado.

Aos professores Waldeck Carneiro da Silva, da UFF, e Isabel Alice Oswald

Monteiro Lelis e José Carmelo Braz de Carvalho, da PUC-Rio, pela interlocução,

ao mesmo tempo rigorosa e doce, durante os exames de qualificação I e II.

À Secretaria Municipal de Educação de Maricá, pela liberação de minhas

atividades de pedagoga para que eu pudesse me dedicar a este projeto.

À Fundação Municipal de Educação de Niterói e, em particular, ao seu presidente

professor Waldeck Carneiro da Silva, pela licença concedida para a realização

deste estudo.

Aos colegas e amigos da Fundação Municipal de Educação de Niterói, pelo apoio,

incentivo e interesse evidenciados em diferentes fases deste trabalho. Em especial,

ao “pedagogo-chefe” Armando de Castro Cerqueira Arosa e às amigas e

pedagogas Amália da Motta Mendonça Ferreira, Avany Lima Lopes, Carla

Cristiane Souza da Silveira, Krýsthinna Franco Sepúlvida de Abreu, Márcia

Haydée Cavalcanti Schmid Pereira e Sandra Cristina Ferreira de Sousa. Com eles

vivi a grandeza e a dureza de tentar transformar o ato pedagógico. Com eles vivi a

grandeza e a beleza do significado de compartilhar.

À minha família e aos meus amigos, dádiva de Deus em minha vida, porque me

concedem a graça de saber o que é amar e o que é acreditar. Dedico a eles este

trabalho: para meus pais Antenor e Zilca, e para Abinoel, Robson, Mary, Rita,

Felippe, Samuel, Eduardo, Madalena, Alexandre e Marcelo, pelas razões que

nossos corações conhecem. E, também, para Carlos, hoje presente pela saudade,

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mas participante do começo deste caminho, festejando e encorajando-me.

De modo muito especial, aos professores, pedagogos primordiais, que,

consentindo serem por mim entrevistados, possibilitaram que o estudo proposto

fosse levado a efeito: Alda Junqueira Marin, Amélia Americano Domingues de

Castro, Bernardete Angelina Gatti, Carmem Silvia Bissoli da Silva, Celestino

Alves da Silva Júnior, Célia Frazão Soares Linhares, Eulina Fontoura de

Carvalho, Ilma Passos Alencastro Veiga, Jorge Nagle, José Cerchi Fusari, Leonor

Maria Tanuri, Maria Amélia Santoro Franco, Maria Aparecida Forest Ferreira da

Costa, Marlene Alves de Oliveira Carvalho, Selma Garrido Pimenta, Vera Maria

Candau e Vera Maria Nigro de Souza Placco.

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Resumo

Cruz, Giseli Barreto da; Lüdke, Menga. O curso de pedagogia no Brasil na

visão de pedagogos primordiais. Rio de Janeiro, 2008, 302p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

O estudo focaliza o Curso de Pedagogia no Brasil a partir da visão de um

grupo de dezessete pedagogos considerados primordiais. Primordiais no sentido

amplo de terem tomado parte como alunos no período inicial do curso entre nós,

nas décadas de 40, 50 e 60, mas também de se manterem atuantes e influentes

desde então, destacando-se pela sua longa e expressiva trajetória como formadores

e pesquisadores em educação, ocupando importantes posições no campo

acadêmico. Trata-se de uma investigação que buscou levantar, junto aos

participantes, aspectos característicos do início do Curso de Pedagogia no Brasil e

das mutações por ele experimentadas, para analisar as implicações, resistências e

avanços na sua evolução. Buscou, ainda, obter a visão predominante acerca da

pedagogia enquanto domínio de conhecimento e processo de formação, para

mapear e interpretar a sua posição no contexto do campo acadêmico. Os

participantes foram escolhidos através de uma definição intencional e proposital,

com critérios e perfis predefinidos, no sentido de assegurar, tanto quanto possível,

a composição de um grupo representativo dos primórdios do curso e, também, do

campo da educação no Brasil. A abordagem metodológica recaiu sobre a análise

de depoimentos colhidos através de entrevistas semi-estruturadas. Dos dados

construídos e da análise empreendida emergiu uma série de aspectos que apontam

para a forma como o Curso de Pedagogia veio se construindo entre nós e da

posição conflituosa, porém importante, que foi ocupando no âmbito do espaço

acadêmico da educação. As análises evidenciam que no início a ênfase no

conhecimento teórico mostrou-se nuclear, reservando pouco espaço para a prática.

Apesar da discussão que põe em xeque a natureza do conhecimento produzido

pela pedagogia, em função de sua abrangência e diversificação teórica, fazendo

esmorecer o que poderia ser o seu próprio saber, o estudo das diferentes

disciplinas que lhe são contributivas representou o eixo central do curso,

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favorecendo, inclusive, a atividade de pesquisa. As mutações experimentadas pelo

curso evidenciam, entre outros aspectos, que a densidade teórica perdeu força,

sem que se tivesse consolidado uma outra força capaz de contribuir para o

processo de afirmação de um conhecimento específico da pedagogia e,

conseqüentemente, para uma maior visibilidade da sua posição no campo

acadêmico.

Palavras-Chave

Curso de Pedagogia no Brasil; pedagogos primordiais; formação de

pedagogos

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Resumé

Cruz, Giseli Barreto da; Lüdke, Menga. Le cours de pedagogie au brésil sous

le regard des pedagogues primordiaux. Rio de Janeiro, 2008, 302p. Tese de Doutorado – Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Ce travail fait ressortir les études de Pédagogie au Brésil d’après le regard

d’un group de dix-sept pédagogues considérés comme primordiaux. Primordiaux

au sens large parce qu’ils ont pris part en tant qu’étudiants parmi nous pendant la

période initiale du cours, dans les années 1940, 1950 e 1960, mais aussi, vu qu’ils

sont restés actifs et influents depuis cette époque-là.Grâce à leur vaste et expressif

parcours comme enseignants et chercheurs en éducation, ils ont occupé

d’importantes positions dans l’espace académique. Il s’agit d’une recherche qui a

essayé de relever, auprès des participants, des aspects caractéristiques des débuts

du Cours de Pédagogie au Brésil et des transformations qu’il a éprouvés, afin

d’analyser les conséquences, les obstacles et les progrès dans son développement.

Cette recherche a encore essayé d’obtenir la vision prédominante vers la

pédagogie en tant que domaine de connaissance et processus de formation, pour

montrer et comprendre sa position dans le contexte de l’espace académique. Les

participants ont été choisis avec des critères et profils prédéterminés, dans le sens

d’assurer, autant que possible, la composition d’un group représentatif depuis les

origines du cours et aussi de l’espace de l’éducation au Brésil. L’approche

méthodologique de cette investigation a été influencée par l’analyse des

témoignages recueillis lors des entretiens semi structurés. Les divers aspects qui

ont émergé des donnés construits et de l’analyse entamée indiquent la manière par

laquelle le Cours de Pédagogie s’est construit entre nous ainsi que la position

conflictuelle, mais importante, qu’il occupe dans le cadre académique de

l’éducation. Les analyses révélent qu’à l’origine on a privilegié la connaissance

théorique au détriment de la pratique. Malgré la discussion qui met en doute la

nature du savoir produit par la pédagogie, en fonction de son large champ

d’études et de sa diversification théorique, ce qui fait affaiblir ce qui pourrait être

son savoir propre, l’étude de différentes matières qui contribuent avec elle a

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représenté l’axe central du cours, et il a favorisé, de plus, l’activité de recherche.

Les mutations que le cours a éprouvées montrent, entre autres aspects, que la

densité théorique a perdu de sa force, sans avoir consolidé une autre force, capable

de contribuer au processus d’affirmation d’une connaissance spécifique de la

pédagogie et conséquemment à une plus grande visibilité de sa position dans

l’espace académique.

Mots-clés

Cours de Pédagogie au Brésil; pédagogues primordiaux; formation de pédagogues

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Sumário

1. Introdução 13

2. Do desenvolvimento da pesquisa 17

2.1. Situando o estudo 17

2.2. Sobre os caminhos metodológicos 23

2.2.1. Sobre os sujeitos da pesquisa 32

2.2.2. Sobre as entrevistas 36

3. Da história do Curso de Pedagogia e a formação do pedagogo no

Brasil 42

3.1. Sobre o primeiro marco legal do curso (1939) 42

3.2. Sobre o segundo marco legal do curso (1962) 50

3.3. Sobre o terceiro marco legal do curso (1969) 59

3.4. Sobre o quarto marco legal do curso (2006) 66

3.5. Sobre embates no (per) curso do curso 71

4. Das trajetórias e memórias de pedagogos primordiais: os primórdios do

Curso de Pedagogia no Brasil 75

4.1. Curso Normal e Curso de Pedagogia: uma relação parental 76

4.1.1. A normalização impressa pela Escola Normal 78

4.1.2. A força do Curso Normal no processo de se fazer professor e a

força do Curso de Pedagogia no processo de se fazer pensador da

educação 81

4.2. Diferentes filiações disciplinares: a força/fraqueza da pedagogia? 89

4.2.1. A multiplicidade teórica 90

4.2.2. O afastamento da prática 102

4.2.3. A presença da pesquisa 107

4.2.4. O perfil dos professores 116

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5. Das trajetórias e memórias de pedagogos primordiais: a evolução do

Curso de Pedagogia no Brasil 122

5.1. Diferenciais entre as décadas de 40/50 e 60 123

5.2. Diferenciais entre o curso de formação e o curso de atuação como

formador 127

5.3. Diferenciais impressos pelas alterações advindas dos marcos legais

– as marcas de um marco... 133

5.4. Diferenciais impressos pelas diretrizes curriculares de 2006 143

6. Das concepções de pedagogos primordiais: a posição do Curso de

Pedagogia no contexto do campo acadêmico 157

6.1. Pedagogia e Educação: uma relação indissociável 158

6.2. Pedagogia e cientificidade: uma conexão necessária? 162

6.2.1. Sobre a natureza do saber pedagógico 165

6.2.2. Sobre a cientificidade da pedagogia 171

6.3. Curso de Pedagogia e Faculdade de Educação 179

6.4. O Curso de Pedagogia e a construção da pesquisa em educação no

Brasil 185

7. Considerações finais 191

8. Bibliografia 202

9. Anexos 222

9.1. Quadro demonstrativo dos sujeitos da pesquisa 222

9.2. Descrição da trajetória de formação e de atuação de cada

entrevistado 224

9.3. Roteiro semi-estruturado da entrevista 272

9.4. Transcrição da última entrevista realizada 274

9.5. Estrutura do Curso de Pedagogia de acordo com os seus três

primeiros marcos legais (1939 – 1962 – 1969) 300

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1 Introdução

Ítaca

Konstantinos Kaváfis

Se partires um dia rumo a Ítaca, faz votos de que o caminho seja longo, repleto de aventuras, repleto de saber. Nem Lestrigões nem os Ciclopes nem o colérico Posídon te intimidem; eles no teu caminho jamais encontrarás se altivo for teu pensamento, se sutil emoção teu corpo e teu espírito tocar. Nem Lestrigões nem os Ciclopes nem o bravio Posídon hás de ver, se tu mesmo não os levares dentro da alma, se tua alma não os puser diante de ti. Faz votos de que o caminho seja longo. Numerosas serão as manhãs de verão nas quais, com que prazer, com que alegria, tu hás de entrar pela primeira vez um porto para correr as lojas dos fenícios e belas mercancias adquirir: madrepérolas, corais, âmbares, ébanos, e perfumes sensuais de toda espécie, quanto houver de aromas deleitosos. A muitas cidades do Egito peregrina para aprender, para aprender dos doutos. Tem todo o tempo Ítaca na mente. Estás predestinado a ali chegar. Mas não apresses a viagem nunca. Melhor muitos anos levares de jornada e fundeares na ilha velho enfim, rico de quanto ganhaste no caminho, sem esperar riquezas que Ítaca te desse. Uma bela viagem deu-te Ítaca. Sem ela não te ponhas a caminho. Mais do que isso não lhe cumpre dar-te. Ítaca não te iludiu, se a achas pobre. Tu te tornaste sábio, um homem de experiência, e agora sabes o que significam Ítacas.

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A leitura de Ítaca, poema de Konstantinos Kaváfis, um renomado poeta

grego, foi a forma que o professor Jorge Nagle escolheu para encerrar um longo

dia de trabalho, em que generosamente me concedeu uma entrevista a respeito da

sua visão sobre o Curso de Pedagogia no Brasil. Depois de muito falarmos sobre o

curso, a pedagogia e seus dilemas, a lembrança do retorno de Ulisses para Ítaca,

após a guerra de Tróia, na visão do poeta alexandrino, trouxe ânimo para

prosseguir a caminhada do estudo que me propus a realizar. Nas palavras do

professor Nagle, o incentivo para que soubesse aproveitar o caminho,

acautelando-me diante da pressa por chegar. Como ele mesmo disse, “a viagem a

Ítaca não a decepcionará. A viagem para a pedagogia não vai decepcioná-la

também. Não tenha medo dos monstros e aproveite bem o caminho, sem pressa de

chegar”.

Ulisses caminhava rumo a Ítaca, sua cidade. No contexto deste trabalho e da

minha trajetória de formação e atuação profissional, eu caminho em direção à

compreensão da pedagogia. Sempre quis ser pedagoga, talvez porque, sendo filha

de professor e pedagogo, desde cedo desfrutei, encantei-me e inquietei-me com a

cultura própria desses ofícios. Fiz o Curso Normal e, na seqüência, o Curso de

Pedagogia. Fiz o Mestrado em Educação e, através deste trabalho, pretendo

concluir o Doutorado em Educação. No âmbito da atuação, já fui professora dos

anos iniciais do ensino fundamental e pedagoga (supervisora educacional) com

exercício, por nove anos consecutivos, em uma escola pública de educação

infantil e ensino fundamental completo. Não posso esquecer dos dois anos em que

exerci a função de coordenadora pedagógica da etapa inicial do ensino

fundamental de uma escola pertencente à primeira Rede Municipal de Educação à

qual me vinculei, por meio de concurso público, e que se constituiu em um dos

muitos espaços formadores pelos quais já passei. Minha caminhada registra ainda

o exercício de pedagoga no âmbito de Secretarias Municipais de Educação e,

também, o papel de formadora de pedagogos, como professora do Curso de

Pedagogia.

Diante desse percurso, que prossegue, percebo que o interesse por

compreender o domínio da pedagogia impulsiona a minha caminhada, ao mesmo

tempo que é uma condição para a sua continuidade. A pedagogia sempre foi muito

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questionada. Dentre tantas obras, o Manifesto a favor dos pedagogos, escrito por

quatro renomados autores franceses, Houssaye, Soëtard, Hameline e Fabre (2004),

situa os questionamentos que põem em xeque a pedagogia, realçando que ela não

precisa ser resgatada, porém respeitada. O fato é que é difícil explicar o que a

pedagogia é, parecendo ser estéril de conhecimento próprio, tendo que adotar

conhecimentos de outras áreas para se firmar. Será mesmo assim? Ou será que

não nos acostumamos com o mal-estar existencial que toma conta de sua área?

Ao pensar sobre a formação que recebi no Curso de Pedagogia, vem à

memória a lembrança de um curso denso e intenso, notadamente marcado por

muitas leituras e pela elaboração de conhecimentos curricularmente organizados

por diferentes disciplinas, nem sempre articuladas entre si. Ainda assim, reputo

que fiz um bom Curso de Pedagogia. Ao pensar sobre a atuação como pedagoga,

de imediato vêm à tona os múltiplos desafios do trabalho pedagógico, instigando-

me a pensar, planejar, implementar, acompanhar e avaliar processos que

contribuam para o desenvolvimento do aluno, do professor, da escola, da

comunidade e do sistema educacional, sempre pautados pela perspectiva do

trabalho coletivo, participativo e dialógico. Ao pensar sobre o exercício de

formadora de pedagogos, vem à baila o complexo dilema de articular teoria e

prática.

Assim, caminho tentando compreender a pedagogia e seu domínio de

conhecimento, formação, atuação e, também, intervenção social. Sei que ainda

não aportei em Ítaca. Tenho muito que caminhar para entender a pedagogia.

Contudo, a pesquisa que fundamenta esta tese representa importantes passos nessa

direção.

A definição do trajeto que seria percorrido nessa caminhada rumo à

pedagogia, ao longo do programa de doutorado, levou-me a adotar o seu curso

como objeto de estudo. Embora considere que para entender o curso é necessário,

antes, compreender o conhecimento que lhe serve de base e, no caso em questão,

um dos dilemas da pedagogia reside na sua própria definição conceitual, optei por

rever o Curso de Pedagogia na ótica de pedagogos que foram testemunhas dos

tempos iniciais de implantação desse curso entre nós, destacando-se na área pela

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sua expressiva contribuição como formadores de pedagogos e pesquisadores em

educação.

A preocupação com o Curso de Pedagogia e com a natureza e especificidade

do seu saber é algo que tem suscitado estudos de diferentes abordagens, como

tentarei destacar ao longo deste trabalho. A idéia de pedagogia como algo

insuficientemente definido parece predominar no campo acadêmico. Desde a sua

criação no Brasil, no ano de 1939, o curso se vê questionado. Nesse sentido, como

este curso é visto por pedagogos que tomaram parte no seu período inicial e se

mantiveram atuantes e influentes desde então?

Como procurarei mostrar no capítulo que descreve o desenvolvimento da

pesquisa, a investigação realizada objetivou levantar, junto aos sujeitos

participantes, aspectos característicos do início do Curso de Pedagogia no Brasil e

das mutações por ele sofridas, para analisar as implicações, resistências e avanços

na evolução desse curso, bem como obter dos entrevistados a sua visão acerca da

pedagogia enquanto domínio de conhecimento e processo de formação, para

mapear e interpretar a posição da pedagogia no contexto do campo acadêmico.

Nessa direção, a tese que ora se apresenta à leitura se estrutura

essencialmente em torno do Curso de Pedagogia no Brasil na visão de pedagogos

primordiais. Os capítulos que lhe dão forma foram elaborados de modo a fornecer,

inicialmente, uma visão geral do estudo desenvolvido e uma retomada histórica do

Curso de Pedagogia entre nós, para, em seguida, focalizar aspectos referentes aos

primórdios do curso e as mutações pelas quais ele foi passando ao longo dos seus

quase setenta anos de existência. Finalizo, abordando a posição do Curso de

Pedagogia no contexto do campo acadêmico, sempre tomando por base a visão

dos dezessete pedagogos entrevistados. Esclareço desde já que, neste trabalho,

prevalecerá uma interlocução teórica diversa e plural, tal como é diversa e plural a

pedagogia. Vários autores contribuirão com suas idéias para que eu própria

caminhe com as minhas.

Desta forma, considero que o estudo proposto pode contribuir não só para a

minha própria caminhada rumo a Ítaca, mas, sobretudo, para o debate, ainda em

aberto, sobre as muitas questões que perpassam o campo da pedagogia no Brasil.

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2 Do desenvolvimento da pesquisa

2.1. Situando o estudo

O estudo desenvolvido buscou essencialmente investigar a trajetória e a

visão de um grupo de dezessete pedagogos, considerados primordiais, sobre o

início do Curso de Pedagogia no Brasil e as mutações por ele sofridas, para

analisar as implicações, resistências e avanços na evolução desse curso e sua

importância no contexto do campo acadêmico.

Desde a minha licenciatura em pedagogia, cursada em fins dos anos 80 e

início dos anos 90, venho consolidando a definição de uma concepção de

pedagogo voltada para a reunião mútua e dialética da teoria e da prática

educativas pela mesma pessoa, numa dimensão que me identifica com Soëtard

(2004) e Houssaye (2004). Em minha trajetória, o desafio de implementação do

trabalho pedagógico, sobretudo o escolar, foi uma marca que definiu o meu

percurso profissional e intelectual, aproximando-me da prática cotidiana do

professor, tanto por ser eu uma professora, como, também, por ter sido uma

pedagoga responsável pela mediação do processo de organização e gestão de uma

escola de educação infantil e ensino fundamental. Nessa caminhada, as discussões

sobre formação dos profissionais da educação firmaram-se como núcleo central

das minhas incursões acadêmicas.

Em minha pesquisa de mestrado, que investigou a visão de professores

formadores de professores das séries iniciais do ensino fundamental a respeito da

pesquisa na prática e na própria formação do futuro professor, realçava-se o

interesse pela formação docente. Na condição de pedagoga escolar, responsável

pela função supervisora do trabalho pedagógico de uma escola, não conseguia

deixar de me incomodar com os limites dessa formação, que, em boa parte dos

casos, não têm possibilitado os saberes necessários para que o professor tenha

uma atuação segura em sala de aula e, perversamente, afasta a pesquisa acadêmica

da prática profissional (Tardif; Zourhlal, 2005).

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Vi-me, então, bastante envolvida com o desafio da formação em serviço de

professores, encontrando na interface ensino-pesquisa a possibilidade de

consideração da pesquisa como um componente a mais na formação e atuação do

professor. Motivada pela idéia do professor que se educa também na e pela prática

associada à possibilidade da pesquisa, como um dos instrumentos de reflexão e

crítica no exercício de sua ação, passei a considerar o estímulo à atitude

investigativa sobre a realidade escolar como um dos recursos para o professor

constituir-se profissionalmente e construir sua identidade pela experiência

profissional.

Embora o cotidiano da prática pedagógica mobilizasse o meu interesse de

pesquisa, optei por investigar o desafio da concepção de professor que ensina e

pesquisa no contexto do seu curso de formação inicial, detendo-me na formação

oferecida no Curso Normal, tanto no de nível médio como no de nível superior.

Tal opção só fez aproximar-me ainda mais da complexa discussão sobre a

formação dos profissionais da educação (Cruz, 2002).

Com os olhos fitos na trajetória que venho construindo ao longo de quatorze

anos de exercício profissional, percebo que o desejo por compreender os dilemas

que marcam a prática pedagógica por mim protagonizada representa a força

motriz da continuidade de minha formação acadêmica. Atuando como pedagoga,

tanto no contexto da esfera escolar, quanto no de secretarias de educação, e, agora

também, como professora formadora de pedagogos, vejo-me bastante absorta nas

tensões que marcam a constituição desse profissional da educação. Tensões

expressas em questionamentos diversos, que apontam para diferentes frentes de

estudos: Quem é o pedagogo? Para que serve o pedagogo? A sua atuação

representa algo imprescindível? Como deve ser a sua formação? Quais as bases de

sua atuação? O saber que advém da pedagogia é um saber legitimado

academicamente? Questões emergentes, não tanto pela formação que tive e pela

atuação que desenvolvo, mas, principalmente, pelos embates sofridos pelo curso e

que repercutem de algum modo no processo de formação e de atuação do

pedagogo.

Tais questionamentos em torno da pedagogia estão na base de definição da

questão/problema que suscitou a pesquisa em relato. Como pano de fundo da

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delimitação do objeto, além da minha própria história, duas frentes de estudos

mobilizaram meu interesse, aguçando minhas inquietações: os estudos sobre a

pedagogia como produtora de saber e os estudos sobre a história do Curso de

Pedagogia no Brasil.

Os estudos sobre a pedagogia como produtora de saber evidenciam a

perspectiva inconclusa do debate epistemológico. A dificuldade em nomear o tipo

de saber que constitui a pedagogia contribui para fazer consolidar no “senso

comum pedagógico” a idéia de que falta saber próprio à pedagogia. Essa

perspectiva interferiu, ao longo do tempo, na própria concepção e estruturação do

curso de formação de pedagogos. Os estudos da história do curso1, em especial o

de Brzezinski (1996) e o de Bissolli da Silva (1999), chamam atenção para o

problema identitário da pedagogia, imersa em um curso perpassado de

ambigüidades e contradições. Na literatura é crescente a discussão em torno do

Curso de Pedagogia, em especial por conta do processo de definição de suas

atuais diretrizes curriculares2, acentuando, ainda mais, o tom das idéias difusas

que cercam as proposições a respeito do curso. No contexto dessa discussão é

possível apreender, em síntese, os seguintes aspectos:

- há tensões do ponto de vista conceitual, prático e formador, no tocante à

pedagogia e ao pedagogo;

- essas tensões contribuem para engendrar um quadro de problematização da

identidade do Curso de Pedagogia;

- a busca de elucidação do problema identitário tem se dado pelo confronto

de lógicas diferentes, tais como a que propõe a docência como base em

contraposição ao próprio trabalho pedagógico como base de formação, podendo

acarretar uma possível descaracterização do trabalho do pedagogo, que ficaria

subsumido no trabalho do professor;

- há divergências sobre a cientificidade ou não da pedagogia, ou mesmo

1 O terceiro capítulo deste trabalho apresenta uma visão panorâmica dos marcos legais do Curso de Pedagogia no Brasil, reconstituindo a sua história. 2 As diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia foram instituídas pela Resolução do Conselho Nacional de Educação, nº. 1 de 10 de abril de 2006, identificadas nos Pareceres CNE/CP nº. 5/2005 e nº. 3/2006.

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sobre a legitimidade ou não dos saberes por ela produzidos;

- a complexidade e indefinições que cercam o domínio da pedagogia se

refletem na concepção do curso e pensar como deve ser o Curso de Pedagogia

requer pensar necessariamente o que é pedagogia e quem é o pedagogo.

Ora, se dos pontos de vista teórico e histórico, a pedagogia,

respectivamente, enquanto domínio de conhecimento e enquanto curso, mostra-se

vulnerável, frágil e carente de consistência, como situá-la no campo acadêmico?

Explicando melhor, como a pedagogia é percebida, vista, entendida em um dos

campos de sua produção? Seria ela algo dispensável? Ou seria detentora de uma

posição relativamente autônoma no espaço social estruturado de produção,

consumo e classificação de conhecimento (Bourdieu, 2004b)? Estas interrogações

ainda não constituem a questão central do estudo desenvolvido, mas as instigações

que provocam, sem dúvida, contribuíram para a formulação daquele que seria o

norte do trabalho empreendido.

Diante desse cenário, composto de claros e escuros, uma questão, então, se

colocou como emblemática para o estudo proposto: como se posicionam acerca

do Curso de Pedagogia no Brasil aqueles pedagogos que foram testemunhas

dos tempos iniciais de implantação desse curso como seus primeiros

destinatários, isto é, seus alunos, vivendo esse período? Além disso, vivendo,

desde então, como “profissionais dessa área”, dedicando-se a ela com empenho e

com expressiva produção acadêmica, no exercício da ocupação de pedagogo, em

seus diferentes aspectos e funções, com grande lucidez e senso crítico, sempre

sensíveis e alertas para os seus problemas, que hoje me preocupam (e me ocupam

neste estudo), mas que há muito vêm sendo objeto de sua preocupação. Ou seja,

como o Curso de Pedagogia é assumido por agentes que o viveram no início ou

bem próximo dele, nas décadas de 40, 50 e 60, e que, pela trajetória percorrida,

acabaram por ocupar posições que envolvem poder decisório e, portanto, também,

simbólico, interferindo no processo de consolidação do Curso de Pedagogia e da

posição por ele ocupada no âmbito acadêmico.

A formulação desta questão tem apoio teórico na análise de Bourdieu

(1996a), para quem os campos se constituem por meio das investidas de agentes

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particularmente importantes que estabelecem novos conteúdos e novas relações de

poder. Para Bourdieu (Nogueira e Nogueira, 2004, p.53), os agentes agem, de um

modo geral, orientados por um habitus3, isto é, por uma estrutura incorporada que

fornece regras práticas para as suas ações no interior de uma posição social

específica. Essa estrutura incorporada é fortemente influenciada pelo poder

simbólico, um poder velado, mas que se define numa relação determinada,

engendrando um sistema e a própria estrutura do campo em que se produz e se

reproduz determinada crença. Nesse sentido, um sistema simbólico pode ser

produzido e concomitantemente apropriado por um determinado grupo de agentes,

forçando a consolidação de um campo.

Bourdieu (2004b) passou a denominar de campos os espaços sociais

estruturados de forma relativamente autônoma uns em relação aos outros.

Constituem-se como estruturas de relações objetivas que explicam de forma

concreta as interações estabelecidas. Nessa perspectiva, se existe um campo

definido é porque os agentes que constituem esse campo se acham objetivamente

situados pela sua relação de pertença ao próprio campo, em relação aos outros

membros e aos seus produtos.

A definição de um campo decorre de uma lógica própria de funcionamento

que estrutura as diversas interações que nele ocorrem e aponta, de algum modo,

objetivos a serem alcançados pelos agentes que o integram. A estrutura de um

campo ocorre a partir de acúmulo de capitais social, cultural e econômico, que

determinam a posição ocupada por um agente específico. Nessa lógica, quanto

maior o capital acumulado, maior a posição ocupada pelo agente em um

determinado campo. Os campos representam, portanto, correlações de poder,

forças, lutas e conflitos. As lutas travadas no interior de um campo intelectual, por

exemplo, têm o poder simbólico como um jogo. O que está em disputa é o poder

sobre um uso particular de uma categoria específica de sinais e sobre a visão e o

sentido do mundo natural e social.

Com efeito, boa parte do empreendimento inicial desta pesquisa,

3 Habitus é concebido como “um conjunto sistemático de princípios simples e parcialmente substituíveis, a partir dos quais podem ser inventadas uma infinidade de soluções que não se deduzem diretamente de suas condições de produção” (Bourdieu, 1981 apud A. Accardo e P. Corcuff, 1986, p.26).

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especificamente no que tange à formulação da questão de base para o

desenvolvimento da investigação, foi motivada pela convicção expressa por

Bourdieu (1996b) de que a apreensão da lógica de um determinado campo requer

que submerjamos a um aspecto de sua realidade empírica, historicamente situada

e datada. Uma análise da pedagogia como a que proponho, focada na visão de

pedagogos primordiais sobre o Curso de Pedagogia no Brasil, pode favorecer a

identificação e compreensão de aspectos constitutivos e consolidadores da

pedagogia.

Sob esta perspectiva, meu interesse de pesquisa se voltou para pedagogos

primordiais que cursaram pedagogia no período compreendido entre os anos de

1939, quando o curso foi criado, e 1969, quando foi homologado o parecer CFE

nº. 252, pós-reforma universitária de 1968, imprimindo mudanças na composição

curricular do curso. Embora em 1962 o curso tenha sido objeto do parecer CFE nº.

251, optei por trabalhar com um espectro de anos maior, tanto para favorecer a

exeqüibilidade do estudo, no sentido de localização dos interlocutores, quanto

pela importância histórica que tais datas representam. Meu foco se voltou para

pessoas que não só graduaram-se em pedagogia nesse período, como também

atuaram e/ou atuam como professores desse curso e acumulam expressivo capital

científico.

A opção por delimitar a abordagem sobre o Curso de Pedagogia, apesar de a

pedagogia ser bem mais abrangente, abarcando os conhecimentos que a

envolvem, os diferentes espaços formativos que consideram, mas não se esgotam

no curso, e a diversidade de frentes de atuação, se justifica a partir do seguinte

pressuposto: espera-se que o Curso de Pedagogia, enquanto instância formadora,

corporifique, de algum modo, a “matéria” pedagogia. Ou seja, espera-se que o

curso contemple, ainda que não por completo, a multiplicidade de conhecimento

que lhe diz respeito, as possibilidades de atuação pedagógica no contexto escolar

e, também, em outros contextos sócio-educativos, atentando para os desafios da

realidade, em especial no tocante à complexidade dos processos educacionais.

Enfim, a base central do estudo reside nas informações colhidas com esse

grupo, fazendo com que a minha aposta se apóie essencialmente nas concepções,

percepções, opiniões, idéias e visões desses sujeitos. A relevância deste estudo

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encontra-se na procura de mapear e interpretar como primordiais pedagogos vêem

o Curso de Pedagogia, ajudando, a partir da interface memória e história, a

esboçar um quadro demonstrativo dos aspectos característicos dos primórdios do

Curso de Pedagogia entre nós e das mutações por ele sofridas. Nessa perspectiva,

a visão levantada pode fornecer pistas importantes acerca de possíveis caminhos

para o pedagogo da atualidade.

2.2. Sobre os caminhos metodológicos

No decorrer de uma pesquisa, em decorrência das especificidades do objeto,

das indeterminações do percurso e das determinações do contexto histórico, é

comum defrontar-se com questões e/ou obstáculos não esperados, suscitando, por

vezes, uma redefinição da rota estabelecida. Por mais definido que seja o

caminho, sempre existirá uma distância entre o percurso proposto e o percorrido.

Nesse sentido, entendo que o trajeto investigativo deve ser ele mesmo objeto de

análise crítica desde o início da pesquisa e durante todo o seu desenrolar. No dizer

de Combessie:

Não se pode isolar os métodos, abstraí-los, nem dos caminhos abertos pelos “interesses” do pesquisador (questões, valores, ideologias ou teorias que orientam seus objetivos) nem tampouco das características da informação acessível. (Combessie, 2004, p.16)

Wrigth Mills (1965), no apêndice de sua obra A imaginação sociológica,

escrevendo sobre o artesanato intelectual, considera que falar sobre como o

cientista social realiza o seu trabalho pode ser bastante revelador do senso prático

do método e da teoria. Uma idéia central que perpassa o pensamento desse autor

ao longo do texto é a de que a história de vida não se separa da história de

pesquisa. Há estreita relação entre o estilo de vida e as atividades investigativas do

pesquisador e é importante para ele aprender a usar a experiência cotidiana no seu

trabalho continuamente. A experiência, nesse caso, é assumida como constituidora

do artesão intelectual. Um bom artesão é seu próprio metodologista, evitando

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qualquer forma de procedimento rígido e buscando, acima de tudo, desenvolver e

usar a sua imaginação e manter-se bastante consciente acerca do processo

empreendido.

A autoconsciência do pesquisador proposta por Wright Mills encontra-se

com a perspectiva de Bertaux (1985), para quem a imaginação teórico-

metodológica não deve sucumbir ante a burocratização da ciência. Encarar o

método como algo concreto da pesquisa, por meio do qual será possível a

construção de um conhecimento, é defendido por Gatti (2002), assentada na

perspectiva de que:

Os métodos nascem do embate de idéias, perspectivas, teorias, com a prática. Eles não são somente um conjunto de passos que ditam um caminho. São também um conjunto de crenças, valores e atitudes. Há que se considerar o aspecto interiorizado do método, seu lado intersubjetivo, e, até em parte, personalizado pelas mediações do investigador. Ou seja, os métodos, para além da lógica, são vivências do próprio pesquisador com o que é pesquisado. Não são externos, independentes de quem lhe dá existência no ato de praticá-lo. (Gatti, 2002, p. 54-55)

Assim, o processo embrionário da pesquisa (Bourdieu, 2004b), na sua

grande confusão, com todas as hesitações, embaraços e renúncias comuns,

paradoxalmente, aquietou-me e inquietou-me no tocante à construção do objeto,

no sentido de desconfiar do ajuste perfeito entre o proposto e o realizado.

Exercer a arte de tecer intelectualmente o problema de pesquisa,

potencializando minha imaginação metodológica de modo a não resvalar em

decisões precipitadas, que redundariam provavelmente no prejuízo da

problematização e reflexão e, conseqüentemente, iriam me levar a incorrer em

equívocos teórico-metodológicos, representou um significativo esforço pessoal.

Diante da necessidade de descrever a rota, seu percurso, seu guia... inspirei-me em

Passeron (1991), compondo o mapa, atenta ao caráter provisório do ponto de

chegada nele traçado, e, portanto, disposta a assumir o desafio de enfrentar um

observatório que expressa o movimento desse mesmo traçado.

Nessa direção, descrevo brevemente, a seguir, um pouco da “história natural

da pesquisa” (Erickson, 1989), relatando as opções que definiram o caminho

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proposto e o que consegui realizar.

Buscando pôr em evidência a posição de pedagogos primordiais a respeito

do Curso de Pedagogia no Brasil, foram definidos dois objetivos para o estudo:

I – Levantar, junto ao grupo de pedagogos investigados, aspectos

característicos do início do Curso de Pedagogia no Brasil e das mutações por ele

sofridas, para analisar as implicações, resistências e avanços na evolução desse

curso e sua importância no contexto do campo acadêmico.

II – Procurar obter junto ao grupo de pedagogos investigados qual a sua

posição acerca da pedagogia enquanto domínio de conhecimento e enquanto

curso, para mapear e interpretar a posição da pedagogia no contexto do campo

acadêmico.

A questão norteadora do estudo proposto remeteu-me a uma indagação,

assim formulada por Bourdieu:

Como obter uma amostra num campo? Se, num estudo do campo da magistratura, não se considerar o presidente do Supremo Tribunal da Justiça ou se, num estudo sobre o campo intelectual em França em 1950, não se considerar Jean-Paul Sartre, o campo fica destruído, porque estas personagens marcam, só por si, uma posição. (Bourdieu, 2004b, p. 40)

Desta forma, no tocante à escolha dos sujeitos participantes, o objeto do

estudo apontava para uma definição intencional e proposital, com critérios e perfis

predefinidos, no sentido de assegurar, tanto quanto possível, a composição de um

grupo representativo dos primórdios do curso no Brasil. O procedimento de

partida do estudo consistiu, então, em localizar pessoas-chave, cujas trajetórias de

formação e de atuação correspondessem aos pedagogos almejados. Tratou-se de

uma estratégia essencialmente voltada para a identificação de um conjunto de

pedagogos considerados primordiais, que viveram e contribuíram, de algum

modo, no processo de consolidação da pedagogia no Brasil. Encontrar esses

interlocutores, dispostos a contribuir com suas idéias, opiniões, lembranças,

relatos, visões e concepções para o estudo da questão básica proposta representou

o elemento deflagrador da materialização desta pesquisa.

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Um ponto-chave no processo de composição do grupo participante deste

estudo residiu na própria conceituação do que denomino de pedagogos

primordiais, no sentido amplo de terem tomado parte no período inicial do curso,

mas também de se manterem atuantes e influentes desde então. Como já

sinalizado, meu interesse de pesquisa se voltou para pessoas que cursaram

pedagogia nas décadas de 40, 50 e 60, vivendo o curso seja na sua gênese, seja

nas fases em que os primeiros marcos legais imprimiram mudanças na sua

estrutura. Mas, não só isto, voltou-se, também, fundamentalmente, para

pedagogos que ocupam posições dominantes no campo acadêmico porque detêm

razoável capital científico. Para Bourdieu (1983), o capital científico é um tipo de

capital simbólico, obtido por meio do reconhecimento concedido pelos pares, no

interior do campo a que se relaciona.

A combinação dessas duas condições, viver o curso nos seus primórdios e

consolidar-se na área como formador e pesquisador, constituiu a coordenada

principal para definir o grupo de participantes do estudo. O exercício do ofício de

pedagogo também representou um requisito importante para a escolha dos

sujeitos, sem, contudo, ser uma condição determinante. Isto é, busquei,

exclusivamente, pedagogos egressos do curso no período delimitado (décadas de

40, 50 e 60) e que registram atuação como formador e pesquisador, e,

preferencialmente, pedagogos que também tenham exercido em algum momento

da sua trajetória as possíveis funções de atuação previstas pelo curso.

Tal opção se sustentou na hipótese de que os agentes que imprimem as leis

gerais do campo (Bonnewitz, 2003, p.60), determinando sua estruturação, seus

objetos, suas estratégias e suas regras, são aqueles que provavelmente galgaram

uma posição de destaque na sua estrutura, construída ao longo do tempo. Nesse

sentido, mesmo reconhecendo que na atualidade existem novos agentes

dominantes, que, de acordo com o capital acumulado e a posição ocupada,

definem novas estruturas, as possibilidades constitutivas do campo decorrem,

provavelmente, do desenvolvimento procedido ao longo de seu tempo histórico.

A pedagogia, dada a sua própria constituição teórica, marcada pela

contribuição de diferentes tradições disciplinares (filosófica, histórica,

psicológica, sociológica, entre outras), conta com um significativo grupo de

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professores formadores e pesquisadores pós-graduados em educação no Brasil e

no exterior, que não se graduaram em pedagogia. No contexto desse grupo,

situam-se agentes com razoável acúmulo de capital científico e elevada posição na

estrutura do campo acadêmico, inclusive tomando a própria pedagogia como

objeto de suas investigações. Todavia, nunca é demais esclarecer que a direção

estabelecida reside no Curso de Pedagogia na visão de quem o fez, levando-me a

desconsiderar aqueles que não foram egressos do curso no tempo delimitado.

Cumpre assinalar que o processo de seleção dos sujeitos participantes do

estudo representou um complexo desafio à pesquisa. Que tipo de critério poderia

ser mais adequado? Considerar exclusivamente os mais antigos? Trabalhar com

representantes de todas as regiões do Brasil? Eleger aqueles que, além de serem os

mais antigos, reúnem expressiva publicação no currículo da Plataforma Lattes, do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)? Fixar

nos pedagogos primordiais cujos trabalhos de pesquisa abordam diretamente a

pedagogia?

Ainda sem saber como proceder, iniciei uma exaustiva incursão pela

Plataforma Lattes do CNPq, levantando possíveis nomes. Mas boa parte do grupo

que desejava alcançar não possui currículo nessa base de dados, pelo fato de já se

encontrar aposentado e, portanto, sem precisar cumprir as exigências que a cultura

acadêmica solicita. Assim, o critério de escolha dos sujeitos por meio da

Plataforma Lattes foi evitado. Uma outra possibilidade se manifestou durante o

processo de revisão de literatura. Esta se mostrou particularmente sugestiva, visto

que nomes foram aparecendo ligados à produção de conhecimentos sobre

questões gerais e específicas dos processos educacionais, sobretudo aqueles

ligados à história e formação dos profissionais da educação. Entretanto, como a

revisão de literatura se deu por meio de um levantamento não extensivo, muitos

nomes que povoavam a minha mente e as dos meus interlocutores mais próximos

não apareciam, evidenciando que a estratégia não se mostrava consistente. Assim,

apesar desses caminhos apresentarem algumas possibilidades, seus limites eram

bem maiores, fazendo com que nenhum deles parecesse suficientemente adequado

para se chegar ao ponto almejado.

Diante do impasse, assumi a estratégia de submeter a proposta de estudo a

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uma pedagoga com larga experiência de pesquisa e reconhecida posição no

contexto acadêmico, visando obter indicações de possíveis nomes a serem

contactados. Considerei esta pedagoga como informante privilegiada da pesquisa,

cuja colaboração foi muito importante para que o trabalho fosse levado a efeito.

Com o seu desenrolar, outros professores e pesquisadores, de igual modo

influentes, passaram a atuar como colaboradores, sugerindo e facilitando os

contatos.

A partir daí, ficou estabelecido que o grupo fosse composto por sujeitos

indicados por pessoas que conhecem profundamente a área, como também pelas

sugestões dos próprios sujeitos da pesquisa. À medida que o trabalho de

interlocução com os pedagogos escolhidos se iniciasse, eles próprios seriam

convidados a indicar outros pares para participar do estudo, devendo merecer

especial atenção os nomes mais repetidos nas indicações.

Estava convencida de que a escolha dos pedagogos considerados

primordiais representava o ponto fundamental deste trabalho investigativo, visto

que da participação de cada um deles dependeria seu desenrolar. Por meio dos

depoimentos colhidos é que iria discutir o Curso de Pedagogia no Brasil com base

na visão expressa nas lembranças e testemunhos daqueles que viveram e

colaboraram na construção de sua história, protagonizando os tempos iniciais

desse curso como os seus primeiros destinatários e dedicando-se a ele como

formador, pesquisador e, também, no exercício do ofício de pedagogo, em seus

diferentes aspectos e funções.

Uma vez localizadas essas pessoas-chave, a abordagem metodológica mais

apropriada pareceu-me ser a análise de depoimentos, a serem colhidos através da

realização de entrevistas semi-estruturadas. Busquei, então, obter, mediante o

desenvolvimento dessas entrevistas, informações sobre os primórdios do Curso de

Pedagogia no Brasil, a formação nele recebida, as influências sentidas, as

mutações por ele sofridas ao longo do tempo e, também, como os entrevistados

percebem a pedagogia e o seu domínio de conhecimento, formação, atuação e

intervenção social.

Considero, aqui, importante esclarecer que a opção pela análise de

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depoimentos, obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, não se insere no

âmbito do trabalho metodológico da história oral. Segundo Queiroz (1988, p.20),

é história oral quando um narrador relata acontecimentos que dizem respeito à sua

existência, buscando reconstruir o que vivenciou e a experiência que adquiriu.

Ainda que os depoimentos conseguidos para este estudo tenham se elaborado

através de relatos, que resultaram, também, da reconstrução da memória dos

sujeitos participantes, o esforço metodológico empreendido teve por foco as

entrevistas por mim dirigidas.

Para Kenski (1997), o conceito de memória apresenta vários sentidos

(mitológico, orgânico, emocional, social, cultural, ficcional, tecnológico e até

virtual), constituindo-se em um recurso importante para a elaboração da narrativa.

É certo que a memória é um fenômeno construído individual e socialmente, sendo

requerida quando o que está em análise são questões do passado (Demartini,

2005), fundamentando a narrativa e, portanto, perpassando as falas dos “meus”

entrevistados. Foi, essencialmente, nesse sentido que ela (a memória) se fez

presente nas entrevistas realizadas, e não como meio de abordagem da história

oral de cada um deles.

Ao iniciar as entrevistas e também após as primeiras interpretações dos

dados, outras fontes de informação foram consideradas. Ainda que

complementares, elas se tornaram fundamentais para a realização deste trabalho.

Dentre elas, se situa a análise documental. Tal procedimento se desdobrou em

várias frentes de investimento, de acordo com as exigências descritivas,

argumentativas e interpretativas do estudo.

Uma das frentes diz respeito à legislação produzida ao longo da história do

Curso de Pedagogia. No processo de revisão bibliográfica, no tocante aos aspectos

históricos, dois trabalhos foram de grande importância: os trabalhos de Brzezinski

(1996) e de Bissolli da Silva (1999). Neles encontrei várias referências

legislativas, que busquei examinar de perto. Tal tarefa foi aprimorada a partir de

indicações e mesmo do fornecimento de material por um dos entrevistados, que

viveu esse processo bem de perto.

Outra frente de investimento tem relação com a trajetória de cada

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entrevistado. Para realizar a entrevista, precisava além de um roteiro com questões

semi-estruturadas, comum a todos, reunir informações gerais sobre cada um deles

e conhecer a sua produção acadêmica, para alimentar o nosso debate. Em grande

parte dos casos, a análise do currículo Lattes representou uma boa alternativa,

indicando os artigos e livros de cada um a serem examinados. No caso daqueles

que não possuem currículo na Plataforma Lattes, considerei suas obras mais

conhecidas.

Ao assumir a entrevista como estratégia preferencial de recolhimento das

informações, o estudo abordou questões situadas no campo das idéias, dos

significados e das representações, próprios da pesquisa qualitativa. Segundo

Lüdke e André (1986), entrevistas do tipo não totalmente estruturadas, em que a

ordem rígida das questões não é o fator primordial, mas sim a relação de interação

que se cria entre entrevistador e entrevistado, possibilitando que este discorra

sobre o tema proposto a partir das experiências, dos conhecimentos e das

informações que possui, representam um dos instrumentos básicos para a coleta

de dados em pesquisa qualitativa. As autoras defendem ainda que as entrevistas

facilitam a captação imediata da informação desejada, favorecendo, pela relação

dialógica que ensejam, correções, esclarecimentos e aprofundamentos necessários.

Nesse sentido, entendi que, para dar cumprimento aos objetivos propostos na

investigação, a realização de entrevistas semi-estruturadas colocava-se como uma

estratégia fundamental.

Para a preparação e realização das entrevistas procurei valer-me das

experiências reunidas como integrante do GEProf – Grupo de Estudos sobre a

Profissão Docente, coordenado pela professora Menga Lüdke – PUC-Rio. Desde

2000, quando ingressei no programa de mestrado em educação, venho

participando das atividades desse grupo e trabalhando com entrevistas, além de

outros procedimentos metodológicos.

Busquei, também, em Bourdieu (2000), fundamentação para tentar abarcar

as várias dimensões que um processo de entrevista apresenta, tais como a

necessidade de uma escuta ativa e metódica, a atenção à singularidade do

depoimento, afastando, tanto quanto possível, a indiferença perante a ilusão do já

visto e a definição de estratégias para evitar distorções dos testemunhos.

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Procurei considerar os entrevistados como sujeitos e não como meros

informantes, revestindo a pesquisa de um caráter participativo. A interpretação

ocupou posição relevante no decorrer da investigação. Busquei trabalhá-la tanto

do ponto de vista dos sujeitos, a respeito do processo e das concepções por eles

narrados, quanto do meu ponto de vista, enquanto pesquisadora, no que concerne

às visões e concepções levantadas e da interpretação que os envolvidos fazem

delas (Geertz, 1989).

Ao empreender uma pesquisa qualitativa, trabalhando, especialmente, com

entrevistas, atentei para o que diz Thiollent (1986), assumindo-me, também, como

sujeito da pesquisa, assim como são os pesquisados. Dessa forma, tentei exercer, a

partir do que situa Luna (1999), o papel de intérprete da realidade pesquisada,

segundo os instrumentos que possuo e com base no que venho agregando teórico-

epistemologicamente à minha formação e atuação.

Em linhas gerais, o estudo se desenvolveu a partir de cinco etapas básicas:

I – Uma etapa inicial da pesquisa, em prosseguimento à fase exploratória

(Minayo, 1994), que se ateve ao processo de definição do objeto, seus

pressupostos, teorias pertinentes, metodologia apropriada e questões operacionais.

Em continuidade, investi ainda mais no estudo de questões ligadas ao tema,

visando ao aprofundamento teórico. Embora mais dominante nessa etapa, a leitura

e análise de textos relacionados ao estudo acompanharam todas as demais etapas

do trabalho.

II – Numa segunda etapa, procurei cuidar de forma mais direta das decisões

relativas aos entrevistados. Foi o momento de localizar os pedagogos a serem

entrevistados, estabelecer contatos e viabilizar a realização das entrevistas. Nesta

etapa, ainda, couberam as decisões relativas ao grupo de participantes do estudo.

Procurei, também, aperfeiçoar a elaboração preliminar do roteiro que orientou as

entrevistas e do exame cuidadoso dos objetivos da pesquisa, buscando organizar

itens que facilitassem o levantamento das informações necessárias.

III – A terceira etapa foi dedicada à realização das entrevistas, quando

procurei dar cumprimento ao proposto na etapa anterior. Todas as etapas foram

fundamentais para a exeqüibilidade da pesquisa. Esta, no entanto, exigiu grande

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atenção, pois dela dependia a coleta sistemática de informações exigidas pela

delimitação do foco, já que, de antemão, sabia que não seria possível explorar

todos os ângulos do fenômeno estudado.

IV – Na quarta etapa atentei predominantemente para a interpretação dos

dados. A interpretação representa um aspecto importante, que acompanha todo o

estudo investigativo. À medida que realizava as entrevistas, o cuidado com as

anotações no caderno de campo e depois com a transcrição das mesmas foi

fundamental para a percepção de elementos de análise. Nesta etapa, no entanto,

parti para uma análise mais detida e profunda dos dados construídos, antevendo,

definindo e aperfeiçoando eixos analíticos.

V – Na quinta e última parte, cuidei do relato da pesquisa, quando a escrita

ocupou posição central.

2.2.1. Sobre os sujeitos da pesquisa

Para tentar mapear e interpretar como primordiais pedagogos vêem o Curso

de Pedagogia que fizeram, bem como as posições que defendem a respeito da

pedagogia e do curso, entrevistei dezessete pedagogos reconhecidos como

profissionais influentes, qualificados na área e ocupantes de posições estratégicas

dentro do campo acadêmico, a partir de sua própria formação nos tempos iniciais

do curso. A trajetória de cada um evidencia sólida contribuição para o pensamento

e a prática educacional entre nós, condição importante para a composição do

grupo de sujeitos participantes deste estudo.

Ao selecionar o grupo, compondo uma amostra intencional, priorizei, como

já sinalizado, interlocutores que cursaram pedagogia nas décadas de 40, 50 e 60,

atuaram e ou atuam como formadores de pedagogos e desenvolveram uma

trajetória de atuação como pedagogo, formador e pesquisador, que lhes confere

uma posição de destaque na área.

Ao longo do trabalho empírico, foram contactados 21 pedagogos, conforme

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o critério de composição do grupo. Deste grupo, apenas quatro não puderam

participar do estudo, apesar do interesse manifestado. A impossibilidade de

participação se deu, sobretudo, por dificuldades de datas. Em dois casos, a

entrevista chegou a ser marcada e remarcada, não se efetivando devido à distância

geográfica (Recife/PE e Curitiba/PR), e, principalmente, em decorrência dos seus

muitos compromissos acadêmicos, incluindo viagens para fora do Brasil.

Como alcançar o número de entrevistados, de modo a formar um grupo de

participantes que assegurasse o tratamento da questão deflagradora deste estudo,

foi uma das muitas questões inquietantes do trabalho. Considero, aqui, importante

esclarecer que o número de entrevistados foi delimitado no decorrer do processo

de trabalho de campo, mais pela gama de informações obtidas e o receio de não

conseguir operar satisfatoriamente com todas elas. Foi difícil identificar o

momento em que os relatos começaram a se repetir, sinalizando a saturação de

que fala Bertaux (1980). Os depoimentos colhidos são singulares, mesmo

convergindo em vários aspectos. Conversar, ouvir, beneficiar-se com as

lembranças, memórias, trajetórias e posições de cada entrevistado representou

uma oportunidade ímpar na minha formação. Se o trabalho de pesquisa se

restringisse às entrevistas, o que não é pouca coisa, continuaria contactando tantos

quantos pedagogos considerados primordiais fossem possíveis e aprendendo,

também, com sua fala, visto que continuamente aprendo com seus escritos.

Todavia, durante o percurso, senti o peso da responsabilidade de trabalhar

com as entrevistas, operando com os dados obtidos, principalmente porque o

conjunto que se construía não era pequeno, evidenciando, sim, recorrências de

informações e posições e, assim, indicando que era preciso parar. Parar pelas

recorrências alcançadas, mas, também, pelo risco de não conseguir explorar, como

merece, a colaboração dispensada por cada entrevistado a este estudo.

Quem são os pedagogos que aceitaram ser sujeitos da pesquisa?4 O grupo

dos dezessete entrevistados é formado por quatorze mulheres e três homens. Nove

entrevistados cursaram pedagogia na década de 60, seis na década de 50, um na

4 Ver os anexos 1 e 2: Anexo 1 - Quadro demonstrativo dos sujeitos da pesquisa. Anexo 2 - Descrição da trajetória de formação e de atuação de cada entrevistado.

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década de 40 e um, na década de 305.

Nove entrevistados são egressos de cursos oferecidos por instituições

públicas e oito de instituições privadas. Do conjunto de instituições públicas,

quatro fizeram o Curso de Pedagogia na Universidade de São Paulo (USP), dois

na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (FFCL – Rio Claro/SP),

um na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília (FFCL – Marília/SP),

um na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do Maranhão (FFCL –

Maranhão/MA) e um na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRj). Do

conjunto de instituições privadas, dois fizeram o Curso de Pedagogia na Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), dois na Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), um na Pontifícia Universidade

Católica de Campinas (PUC-Campinas), um na Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras de Goiás (FFCL – Goiás/GO), um na Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras de Lins (FFCL – Lins/SP) e um na Universidade Sagrado Coração de

Jesus, em Bauru (USCJ – Bauru/SP).

Quanto à localização, atualmente onze deles residem no estado de São

Paulo, sendo sete na capital e quatro em diferentes cidades do interior paulista;

cinco no estado do Rio de Janeiro, concentrando-se na capital, e um no estado de

Goiás, também na capital. Do grupo de São Paulo, boa parte, ao longo de sua

trajetória, saiu do interior para se fixar na capital e um chegou, ainda criança, do

Rio de Janeiro. Do grupo do Rio, dois são provenientes de São Luiz do Maranhão,

um de São Paulo e dois do próprio estado. O participante de Goiás passou por

diferentes cidades, estudando e trabalhando, mas fez das cidades de Goiânia/GO e

Brasília/DF as suas principais referências.

No que se refere à formação que precedeu o Curso de Pedagogia, apenas

dois não passaram pela Escola Normal. Da Escola Normal, seis deles alcançaram

a “cadeira prêmio”, ingressando de imediato como professor primário efetivo do

5 Uma indicação para a década de 30 refere-se a um egresso do curso de História e Geografia da FFCL da USP (1937-1940). O Curso de Pedagogia, enquanto graduação, não se encontra na sua trajetória, o que me levou a fazer um desvio na composição do grupo de participantes da pesquisa. Todavia, seu percurso o colocou na condição de quem viveu, de fato, os primórdios da pedagogia no Brasil, visto que integrava o corpo docente da FFCL da USP, quando o curso se colocou ali. Por esta razão, entendi que seu depoimento não poderia deixar de compor o quadro pretendido com o estudo.

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sistema de ensino do seu estado. Apenas três fizeram um curso de

aperfeiçoamento, complementar ao Curso Normal, antes de ingressar no Curso de

Pedagogia.

Durante o Curso de Pedagogia, quatro professores primários efetivos do

estado de São Paulo conseguiram ficar “comissionados” junto à FFCL onde

estudavam, para dedicar-se ao curso, uma espécie de bolsa do governo estadual

para favorecer a formação de professores.

Boa parte do grupo reúne experiência como professor primário e/ou

secundário. Doze atuaram como professores do primário e dez como professores

do secundário na Escola Normal. No que se refere à atuação como professores do

Curso de Pedagogia, todos trabalharam como formadores de pedagogos, oito deles

iniciando essa experiência tão logo concluído o Curso de Pedagogia e um, em

especial, começando no início da década de 40, quando o curso foi introduzido

entre nós, através do Decreto-Lei nº. 1.190 de 4 de abril de 1939.

Quase todos os entrevistados (treze) exerceram em algum momento da sua

trajetória funções referentes ao ofício de pedagogo: inspetor de ensino no âmbito

da esfera federal; técnico de planejamento atuando em Secretaria Estadual de

Educação; curriculista no contexto dos sistemas estadual e federal de educação;

diretor ou coordenador pedagógico ou orientador educacional de escola.

Do grupo dos dezessete, dez entrevistados atuaram no âmbito de Secretaria

Estadual de Educação, Conselho Estadual de Educação, Ministério da Educação

ou órgãos a ele vinculados. Nesse contexto, boa parte do grupo, além de atuar

como formador de pedagogos e de professores primários, e de se constituir como

referência de pesquisa na área, pôde exercer a prática pedagoga por meio da

gestão, que também foi experimentada no contexto universitário, visto que dez

deles exerceram (e alguns ainda exercem) as funções de reitor, pró-reitor, chefe de

departamento, coordenador de pós-graduação, coordenador do Curso de

Pedagogia, dentre outras atividades de direção acadêmica.

Todos os entrevistados fizeram algum tipo de curso de especialização no

Brasil e/ou no exterior. Onze passaram pelo mestrado em educação, quatorze pelo

doutorado e sete pelo pós-doutorado, sendo que alguns fizeram mais de um

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programa de pós-doutorado. Boa parte desses programas de estudo foi

desenvolvida no exterior, visto que sua realização antecedeu a instalação e

ampliação da pós-graduação em educação no Brasil. Alguns dos entrevistados,

que não registram o título de mestre e o de doutor, alcançaram direto a condição

de livre-docente, pelo mérito de sua produção em uma época em que a pós-

graduação não apresentava a estrutura que tem hoje.

O quadro (anexo 1) permite, com os devidos limites, um mapeamento da

trajetória de cada entrevistado e a abrangência da amostra construída. Com esta

descrição quero salientar que os entrevistados constituem um grupo notada e

propositalmente especial, para atender aos objetivos do estudo, de procurar saber

como o Curso de Pedagogia é percebido por pedagogos que se destacam pela sua

longa e expressiva trajetória como formadores e pesquisadores na área. Ninguém

melhor do que eles que viveram bem próximo aos primórdios desse curso,

recebendo da influência de professores pioneiros, atuando como formadores,

trilhando desde cedo o caminho da pesquisa, ocupando posições de reconhecido

destaque, para, com suas concepções, visões, idéias e posições apresentarem

argumentos que permitam atender à questão norteadora desta investigação.

2.2.2. Sobre as entrevistas

O processo de realização das entrevistas transcorreu durante um ano,

iniciando em março de 2006 e terminando em abril de 2007. Quando já havia se

encerrado esse trabalho, consegui, em agosto de 2007, um contato importante, há

muito tentado e esperado, o que me levou a realizar mais uma entrevista, em

setembro do mesmo ano.

Diante das primeiras indicações de pedagogos considerados primordiais,

obtidas por meio da informante privilegiada, à qual já fiz menção, investi na

análise do perfil de cada um, certificando-me quanto à consideração dos critérios

estabelecidos para a composição do grupo de participantes do estudo. Nesse

aspecto, aproveito para esclarecer que muitas pessoas, com significativa produção

sobre a pedagogia, indicadas por ela, pelos próprios entrevistados ou por mim

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mesma identificadas, não chegaram a ser procuradas porque ou não fizeram o

curso ou o fizeram a partir da década de 70. Estudado o perfil e conferidos os

critérios, fiz a primeira aproximação através de telefonema, e-mail ou carta.

Assim, me identifiquei, apresentei a proposta do estudo, expliquei as razões para a

sua escolha como participante e solicitei uma entrevista.

O retorno se deu aos poucos. Alguns prontamente atenderam ao convite.

Outros, pelo silêncio ou pelas indagações apresentadas, exigiram de mim maior

investimento na aproximação. Apesar de obter um retorno favorável à realização

da entrevista, definir sua marcação não foi tarefa das mais fáceis. Todos os

entrevistados são muito ocupados, tendo suas agendas sobrecarregadas de

compromissos no Brasil e no exterior. Em boa parte dos casos, foram muitos e-

mails e telefonemas, tendo transcorridos meses entre o primeiro contato e o dia da

entrevista. O prolongamento do processo de negociação da entrevista de algum

modo favoreceu a interação, condição necessária a esse tipo de procedimento

metodológico, confirmando o que dizem Trigo e Brioschi:

A interação na situação de entrevista não é dada a priori, estabelecida pela simples proximidade físico-espacial de dois indivíduos. É uma relação construída a partir das intenções dos agentes postos em contato, ou seja, uma relação em que os atores percebem-se e relacionam-se. (Trigo e Brioschi, 1999, p.25)

Com a finalidade de testar o roteiro elaborado e sua adequação ao objeto de

estudo, realizei, no mês de março de 2006, duas entrevistas pilotos. Apesar de o

roteiro ter sofrido os ajustes necessários após esses dois ensaios, incorporei as

duas entrevistas ao conjunto final, considerando os depoentes como sujeitos

integrantes do estudo. A trajetória narrada, as lembranças rememoradas e as

posições afirmadas me levaram a considerá-las no decorrer da análise.

O roteiro estabelecido para a entrevista do tipo semi-estruturada6 procurou,

com base na questão central da pesquisa, abarcar os seguintes eixos de análise:

trajetória de formação e de atuação do entrevistado, para evidenciar a sua

condição de pedagogo primordial desde os tempos iniciais do Curso de

Pedagogia; trajetória de estudante do Curso de Pedagogia, para identificar traços 6 Ver anexo 3: Roteiro semi-estruturado da entrevista.

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dos primórdios desse curso entre nós e das mutações por ele sofridas ao longo das

suas três primeiras décadas de funcionamento; trajetória de pedagogo, de

formador e de pesquisador, para perceber aos olhos do entrevistado, de modo

especial, a evolução do curso e do conhecimento que o sustenta; e posições

defendidas sobre a pedagogia, para discutir a natureza dos seus conhecimentos e a

sua materialização em um curso.

Apesar dos eixos mencionados, os depoimentos foram colhidos de modo

que os entrevistados se sentissem livres para discorrer sobre o assunto, abordando

interligadamente diversas questões a partir da inicial. É sempre bom lembrar que

os entrevistados são pessoas muito especiais, sobretudo quando se fala de

pesquisa. A experiência e o conhecimento que reúnem sobre essa atividade

determinaram, consciente ou inconscientemente, a forma como estruturaram seus

depoimentos.

De um modo geral, as entrevistas iniciaram com uma conversa de

aquecimento, abordando questões gerais do dia-a-dia, as referentes à minha

trajetória de formação e de atuação e as motivações para o desenvolvimento do

estudo. Nessa fase, o tom natural de uma conversação era estabelecido

dialogicamente por mim e pelo entrevistado. Houve casos em que essa conversa

foi suprimida, entrando-se direto na questão deflagradora de todas as demais. A

entrevista, propriamente dita, não começou sem que antes a autorização fosse

solicitada e obtida para sua gravação. Apenas um entrevistado definiu os

momentos em que sua fala poderia ser gravada. Os demais autorizaram a gravação

total.

No decorrer da entrevista, procurei assumir uma postura participativa,

desenvolvendo uma escuta atenta, deixando prevalecer a lógica de encadeamento

estruturada pelo entrevistado, mas fazendo pequenas sínteses que possibilitassem

a organização dos fatos de acordo com o interesse da pesquisa.

A duração de cada entrevista variou muito, de acordo, principalmente, com

o local de sua realização. Das dezessete entrevistas, dez foram realizadas nas

residências dos entrevistados, sendo seis em São Paulo (três na capital e três em

cidades do interior do estado) e quatro no Rio de Janeiro (todas na capital). Estas,

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em especial, tiveram uma duração que variou de duas a seis horas de conversa, em

alguns casos até mais, com parada para almoço ou jantar. Três aconteceram no

contexto do trabalho, geralmente em uma sala da universidade, durando em média

duas horas (uma no Rio de Janeiro e duas em São Paulo). Três foram realizadas

durante a 29ª Reunião Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e

Pesquisa em Educação (ANPEd), em Caxambu/MG, no ano de 2006. Duraram de

uma hora e meia a duas horas. E a última foi realizada durante o IX Congresso

Estadual Paulista sobre Formação de Educadores, promovido pela Universidade

Estadual Paulista (UNESP), no período de 2 a 5 de setembro de 2007, em Águas

de Lindóia/SP.

O processo de realização das entrevistas se configurou como uma das etapas

mais fortes do trabalho. Delimitar o objeto juntamente com a revisão da literatura,

construir o marco teórico-metodológico, aprofundar as referências teóricas,

analisar os dados e organizar as constatações a partir do problema de pesquisa

foram etapas de grande investimento, mas nenhuma delas suplantou as

experiências vividas por meio das entrevistas. Aproximar-se desses pedagogos;

saber esperar pelo tempo deles; ir ao seu encontro, em boa parte dos casos,

investindo em longos trajetos de viagem; sentir-se por eles acolhida; e, em

especial, ouvir seus relatos e posições tão seriamente marcadas, tudo exigiu de

mim o esforço, apontado por Bourdieu (2000) do seguinte modo:

Tentar saber o que se faz quando se inicia uma relação de entrevista é em primeiro lugar tentar conhecer os efeitos que se podem produzir sem o saber por esta espécie de intrusão sempre um pouco arbitrária que está no princípio da troca (...). É efetivamente sob a condição de medir a amplitude e a natureza da distância entre a finalidade da pesquisa tal como é percebida e interpretada pelo pesquisado, e a finalidade que o pesquisador tem em mente, que este pode tentar reduzir as distorções que dela resultam, ou, pelo menos, de compreender o que pode ser dito e o que não pode, as censuras que o impedem de dizer certas coisas e as incitações que encorajam a acentuar outras. (Bourdieu, 2000, p. 695)

Para os entrevistados, a oportunidade de rever a sua trajetória e afirmar as

suas posições, também, por este tipo de procedimento, pareceu em alguns casos

como algo instigador, tal como sinalizam as falas abaixo, fragmentos extraídos de

duas entrevistas:

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Olha, Giseli, eu nunca parei para pensar nisto. Por isso que é bom a gente conversar em caráter especial às vezes. (Entrevistado D-50)7

Foi muito agradável e foi muito bom fazer essa retomada. Você me entrevistou em um momento muito interessante, quando eu estou fechando um ciclo e fazendo mais uma ruptura na minha vida, para abrir uma outra perspectiva. (Entrevistado

O-60)

As entrevistas foram transcritas na íntegra, com a ajuda de duas

colaboradoras, e revisadas, por mim, após a escuta metódica de cada fita, para

favorecer a conferência de fidedignidade. Essa etapa ocupou um tempo

relativamente longo do trabalho de campo, mas possibilitou o aquecimento

necessário para o processo de análise, já iniciado, e que seria empreendido com

mais fôlego na etapa subseqüente.

Cuidei de encaminhar para os entrevistados o material transcrito e revisado,

mas sem edição, obtendo retorno de alguns deles. Tal retorno enfatizou

exclusivamente a forma e não o conteúdo das falas, como também a correção de

nomes captados de modo equivocado. Esclareci que nessa etapa a ênfase residia

em garantir a fala na íntegra, entretanto, como o meu objetivo não exigia a análise

de discurso, atentaria para, na edição das entrevistas, aliviar o texto daqueles

aspectos que o tornam ilegível para quem não ouviu o discurso original, tal como

alertou Bourdieu (2000).

No processo de análise, fui inicialmente organizando as respostas em

blocos, de acordo com os quatro eixos definidos no roteiro, já que a fala de cada

um não seguia o mesmo encadeamento. Nesse movimento, tive receio de, ao

tentar extrair dos depoimentos as falas que atendiam as questões do roteiro e os

eixos investigativos, ignorar aspectos importantes por eles tocados e que,

necessariamente, não convergiam para as questões propostas. Tal receio me

provocou no sentido de trabalhar concomitantemente com os blocos descritivos

montados e com todas as demais falas, mesmo sabendo que nem tudo o que é dito

pelo entrevistado tem que ser objeto de análise. De acordo com o que defende

Queiroz (1988), do material generosamente oferecido a nós pelos entrevistados, só

deve ser alvo de nosso interesse e investimento aquilo que diretamente diz

7 A identificação dos entrevistados ocorrerá por meio de uma letra alfabética seguida da numeração da década em que o mesmo cursou pedagogia.

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respeito aos objetivos da pesquisa.

Ainda que os quatro eixos definidos para a realização das entrevistas

induzissem a análise, o trabalho meticuloso de construção dos dados a partir da

depuração das informações colhidas apontou, também, para algumas categorias

dedutivas. Os dezessete depoimentos colhidos deram origem a uma gama de

dados que formam um conjunto bastante amplo de informações, opiniões e

posições. Diante da dimensão desse material, busquei depreender, de forma

modesta, aspectos que tocam tanto nas estruturas iniciais do Curso de Pedagogia

quanto nas disposições, nos habitus desses agentes, pedagogos primordiais, cujos

significados extraídos das particularidades de uma coleção de relatos diferentes

ajudam a compor uma das visões possíveis do Curso de Pedagogia no Brasil.

Tendo apresentado, neste capítulo, o processo de realização da pesquisa,

abordando o objeto de estudo, passo, a seguir, a expor um dos “panos de fundo”,

decorrente da revisão de literatura, que contextualiza o problema em questão – a

história do Curso de Pedagogia no Brasil revista através de seus marcos legais

(capítulo 3), para, então, discutir os principais achados, resultantes dos dados

construídos a partir das entrevistas realizadas, núcleo central deste trabalho

(capítulos 4, 5 e 6).

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3 Da história do Curso de Pedagogia e a formação do pedagogo no Brasil

Neste capítulo busco trazer à memória os primórdios e alguns traços

sintéticos da trajetória do Curso de Pedagogia, entre nós, a fim de situar

historicamente a discussão proposta. Para revisar a história do curso adotei como

principal referência os quatro marcos legais instituídos ao longo do seu percurso.

A gênese do curso está na formação de professores. Entretanto, esclareço

que não se fará, no âmbito deste trabalho, uma pesquisa histórica acerca desse tipo

de formação no Brasil, tarefa necessária e já assumida e retratada, em diferentes

aspectos, em alguns estudos, dentre os quais situo os de Antunha, 1975; Lelis,

1989; Villela, 1990; Silva, 1991; Accácio, 1993; Mendonça, 1993; Vidal, 1995;

Brzezinski, 1996; Bissolli da Silva, 1999; Monarcha, 1999; Tanuri, 2000; Weber,

2000; e Saviani, 2005b.

3.1. Sobre o primeiro marco legal do curso (1939)

O primeiro marco legal do Curso de Pedagogia é o Decreto-Lei nº. 1.190 de

4 de abril de 1939, que instituiu o curso no bojo da organização da Faculdade

Nacional de Filosofia, da Universidade do Brasil. A década de 30 ficou marcada,

dentre outros aspectos, no contexto educacional, pela implementação da reforma

Francisco Campos e pelos debates em torno da criação das universidades

brasileiras, influenciados em parte pelo ideário da escola nova.

A pedagogia, antes mesmo de se constituir como um curso, adentrou o

contexto universitário pela via dos Institutos de Educação, sobretudo a partir das

experiências escolanovistas do Instituto de Educação do Distrito Federal,

concebido por Anísio Teixeira e dirigido por Lourenço Filho, em 1932; e do

Instituto de Educação de São Paulo, criado um ano depois, por Fernando de

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Azevedo8.

Os Institutos de Educação em questão9 foram pensados a partir de uma

concepção de pedagogia como ciência, visando proporcionar ao futuro professor a

necessária formação para a docência e, também, para a pesquisa.

De acordo com Brzezinski (1996, p.40), a experiência da Universidade de

São Paulo referente à formação profissional de professores secundários, por meio,

inicialmente, do Instituto de Educação Caetano de Campos e, posteriormente, pela

introdução da seção de Educação, será referencial, em 1939, para a organização da

seção de Pedagogia na Faculdade Nacional de Filosofia.

A instituição do Curso de Pedagogia no final da década de 30 decorreu de

um longo processo de tentativas dos legisladores em definir as bases da formação

do professor, em especial, para atuar no ensino secundário. Francisco Campos, ao

assumir o Ministério da Educação e Saúde Pública, em 18 de novembro de 1930,

destacou a necessidade de formação específica para os professores desse nível de

ensino. No ano de 1931, ao empreender a reforma do ensino secundário, sugeriu a

criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras.

A crise do modelo oligárquico agroexportador e o desenho emergente de um

modelo nacional centrado no desenvolvimento a partir da industrialização

8 Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira integraram o grupo de intelectuais que organizaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, publicado em 1932. Tal documento expõe as bases pedagógicas renovadas e a proposta de reformulação educacional defendida pelo grupo. Entretanto, o grupo responsável pelo “Manifesto” nada tinha de homogêneo, especialmente Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira, que representavam projetos educacionais construídos a partir de concepções filosóficas distintas. Inspirado em Durkheim, Fernando de Azevedo defende que um sistema pedagógico está implicado na estrutura da sociedade em que se insere, e, como essa, sofrerá processo de homogeneização e diferenciação. Nesse sentido, propõe que se parta de uma cultura geral, comum no ensino elementar, para diversificações posteriores no ensino médio e/ou universidade. Azevedo associa diversas correntes, como o racionalismo cartesiano e o iluminismo kantiano ou o positivismo de Durkheim e a escola socialista para defender que à escola caberia a formação de elites. Para Anísio Teixeira, que fora discípulo de Dewey, a escola deveria ser democrática, única, capaz de servir como contrapeso aos males e desigualdades sociais provocados pelo sistema capitalista. Defendia uma escola renovada, com intuito profissionalizante, regionalizada e controlada pela comunidade, aberta a todas as camadas e classes sociais no sentido de possibilitar a construção de uma nova sociedade. Anísio Teixeira insurgia-se contra a organização dual da educação brasileira, marcada notadamente pela segregação entre a formação da cultura popular e a pseudoformação da elite nacional. Para Anísio, o ensino secundário não poderia representar um ensino seletivo, rígido, destinado a alguns indivíduos, mas um ensino voltado para a preparação dos quadros médios da cultura técnica e geral para todos os tipos de trabalho, inclusive o intelectual. (Accácio, 1993). 9 Para o estudo da história desses Institutos, vejam-se: Accácio, 1993 e Monarcha, 1999.

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despertaram maior atenção em relação ao processo educacional. A criação do

Ministério da Educação e Saúde se insere no contexto de um conjunto de reformas

importantes para favorecer os imperativos da política estadonovista, notadamente

no que diz respeito ao planejamento das reformas educacionais em âmbito

nacional e para a estruturação da universidade. A criação das Faculdades de

Filosofia, Ciências e Letras integra a meta de implantação do regime universitário

no país, voltada para a preparação das elites dirigentes, aptas para cumprirem as

exigências do novo modelo econômico vigente.

É bom lembrar que dias antes do ministro Francisco Campos proferir seu

pronunciamento, apresentando a exposição de motivos da reforma, havia sido

promulgado o Decreto nº. 19.851, de 11 de abril de 1931, contendo o Estatuto das

Universidades Brasileiras. De acordo com o referido estatuto, a constituição de

uma universidade requereria, dentre outras exigências, a reunião de pelo menos

três dos seguintes institutos de ensino superior: Faculdade de Direito, Faculdade

de Medicina, Escola de Engenharia e Faculdade de Educação, Ciências e Letras

(art. 5º, inciso I do Decreto nº. 19.851, de 11 de abril de 1931). Há que se destacar

que do conjunto dessas quatro escolas de ensino superior citadas, com exceção da

Faculdade de Educação, Ciências e Letras, as demais já existiam e contavam com

reconhecida tradição.

No espectro de proposições legais da reforma Francisco Campos, foi

publicado um outro decreto no mesmo dia, Decreto nº. 19.852, de 11 de abril de

1931, dispondo sobre a organização da Universidade do Rio de Janeiro. No teor

desse documento, ficou estabelecido que a Faculdade de Educação, Ciências e

Letras integraria a Universidade do Rio de Janeiro, que anos mais tarde, de acordo

com o Decreto nº. 22.579, de 27 de março de 1933, se tornaria referência

organizativa para as demais universidades, até que seus estatutos fossem

aprovados e homologados pelos órgãos competentes.

A Faculdade de Educação, Ciências e Letras diplomaria licenciados em

conformidade com as seções freqüentadas, cabendo a boa parte das demais

escolas ou faculdades da Universidade do Rio de Janeiro a diplomação de

bacharéis. O grau de licenciado conferiria ao seu portador o direito de ser

professor dos cursos de ensino secundário, podendo atuar em diversos campos

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disciplinares10. Entretanto, formar o professor para atuar no ensino secundário não

representava a única finalidade dessa faculdade. A ela caberia, ainda, o cultivo de

uma ambiência cultural, que favorecesse uma formação para além dos interesses

puramente profissionais, essencialmente focados na formação filosófica,

sociológica e histórica da “elite pensante” da sociedade da época.

Apesar dos decretos promulgados (19.851, 19.852 e 22.579), não há registro

de funcionamento de escola superior com o nome proposto: Faculdade de

Educação, Ciências e Letras. O nome adotado para as instituições criadas

destinadas à formação de professores para o ensino secundário foi o de Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras.

A primeira Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras surgiu no contexto de

organização da Universidade de São Paulo, de acordo com o Decreto nº. 6.283, de

25 de janeiro de 1934, contribuindo para reforçar o pioneirismo do estado de São

Paulo no tocante à formação de professores em nível superior. No processo de

organização da sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a Universidade de

São Paulo incorporou o Instituto de Educação da cidade de São Paulo, conhecido

como Instituto de Educação Caetano de Campos, com a finalidade de fornecer aos

licenciandos, futuros professores do ensino secundário, uma formação pedagógica

específica. Esta medida estabeleceu uma separação entre os licenciados. Todos os

formados em uma das seções da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

receberiam o grau de licenciado (licença cultural). Todavia, àqueles que

cursassem formação pedagógica no Instituto de Educação, ainda que

simultaneamente ao 3º ano de curso da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,

seria conferido o grau de licenciado com direito ao exercício do magistério

(licença profissional).

De acordo com o exposto, no caso de São Paulo, para ser professor

secundário era exigido o curso não só da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras, mas, também, do Instituto de Educação a ela incorporado. Um decreto do

interventor federal desse estado (nº. 6.512, de 22 de junho de 1934) determinava

que, quando houvesse licenciados, eles deveriam apresentar certificados de curso

10 A terminologia “licença” é de origem medieval, relacionada à licentia docentil, obtida após longos estudos universitários, que conferia a seu portador o direito de lecionar.

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de licenciatura e de formação pedagógica, para o exercício do magistério,

corroborando a exigência mencionada.

Um dos entrevistados viveu esse período como estudante do Curso de

História e Geografia da recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

USP. Seu depoimento reúne lembranças dessa época, que valem a pena destacar:

Eu sou de uma geração que iniciou o trabalho da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em São Paulo, nos anos 30. Quando eu entrei na faculdade eu tinha 17 anos de idade e apenas os cinco anos de ginásio, porque como a faculdade era absolutamente nova, estava se permitindo que fizessem exame vestibular para a faculdade, as pessoas com cinco anos de ginásio (...). Tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo surgiu essa grande novidade que é a formação do professor, que a gente chamava, na época, de professor secundário, o professor do ginásio, porque antes formação pedagógica era algo restrito para professor primário. O grande interesse era a novidade da formação do professor secundário e as Faculdades de Filosofia tiveram desde o início esta finalidade anexada à outra que seria a pesquisa científica, a procura da verdade. Isto era extremamente importante nas áreas de ciências porque nós não tínhamos essa tradição no Brasil. E quanto à parte pedagógica? A parte pedagógica era trabalhada nas Escolas Normais e nos Institutos de Educação, de criação muito recente também nessa época, mas que já davam uma formação bem mais avançada ao professor. (Entrevistada A-30)

O Instituto de Educação Caetano de Campos oferecia um Curso de

Aperfeiçoamento, destinado à preparação de técnico de inspetores, de delegados

de ensino, diretores e professores da Escola Normal. Tratava-se de um curso pós-

normal, ensaiando o que seria o Curso de Pedagogia mais tarde. A fala do

entrevistado D-50 é esclarecedora no que diz respeito à relação entre o Curso de

Aperfeiçoamento e o Curso de Pedagogia:

Resolvi pensar a pedagogia muito longinquamente porque a minha intenção era trabalhar como professor primário. Mas achei que poderia estender um pouco mais a minha formação. Tinha de certa forma a retaguarda de meu pai para fazer pelo menos um Curso de Aperfeiçoamento. Porém havia esse mesmo problema, assim como não tinha Curso de Pedagogia, também não havia Curso de Aperfeiçoamento em Rio Claro. Nesse caso, a solução familiar negociada foi eu ir para Bauru, para fazer o aperfeiçoamento lá. Quando estava cuidando da inscrição, descobri que ia ser implantado o Curso de Pedagogia em Bauru, nisso que hoje é a Universidade do Sagrado Coração de Jesus, que é uma ordem religiosa poderosa. Então, tomei uma decisão na base da intuição: se eu quero ir além da condição de professor normalista e fazendo aperfeiçoamento na verdade eu vou reiterar essa condição ainda que numa situação melhor, então já que tem o curso aqui, eu vou fazer pedagogia de uma vez e já viro professor secundário, seria uma progressão muito

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grande nas condições da época. Então foi realmente assim, deixei de lado a intenção de fazer o aperfeiçoamento, me inscrevi no vestibular de pedagogia, passei e o restante já contei para você. (Entrevistado D-50)

Em 1937, a Universidade do Rio de Janeiro foi transformada em

Universidade do Brasil, por meio da Lei nº. 452, de 5 de julho de 1937. No

contexto de organização da Universidade do Brasil, são criadas uma Faculdade

Nacional de Filosofia, Ciências e Letras e uma Faculdade Nacional de Educação,

revogando o Decreto nº. 19.852, de 11 de abril de 1931.

Em 1938, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de

São Paulo, após o desligamento de sua estrutura do Instituto de Educação Caetano

de Campos, cria uma seção de Educação para favorecer a formação pedagógica do

futuro licenciado.

Em 1939, o Decreto-Lei nº. 1.190, de 4 de abril de 1939, a que fiz menção

no início, reorganizou a Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras e a

Faculdade Nacional de Educação, instituídas em 1937, que unificadas passaram a

se denominar Faculdade Nacional de Filosofia, dividida em quatro seções:

Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, que incluía mais uma, a Didática.

A educação, embora pensada de diferentes modos separada da Faculdade de

Filosofia, vai ser considerada no seu interior ao ser instituída como objeto

principal de abordagem da seção de Pedagogia, e também da de Didática.

Contudo, a intencionalidade da criação dessa faculdade não era apenas a formação

de professores da escola secundária, mas também o favorecimento da preparação

para a pesquisa, superando, desse modo, o caráter utilitário e prático dos institutos

meramente profissionais e buscando, assim, assegurar o desenvolvimento da

pesquisa científica, o que não foi satisfatoriamente alcançado. O modelo 3+1

utilizado na organização dos cursos foi amplamente explorado na formação de

professores em nível superior, desconsiderando a “referência de origem, cujo

suporte eram as escolas experimentais às quais competia fornecer uma base de

pesquisa que pretendia dar caráter científico aos processos formativos” (Saviani,

2007b, p.117).

Para cada seção da Faculdade corresponderia um ou mais cursos (Curso de

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Filosofia, Curso de Ciências, Curso de Matemática, Curso de Química, Curso de

Letras, Curso de Pedagogia etc.), acrescido de uma seção especial, responsável

pelo Curso de Didática, criado com a intenção de trabalhar a formação

pedagógica, necessária ao exercício da docência. A seção de Pedagogia e a seção

especial de Didática ofereciam apenas um curso cada uma, cujo nome era o

mesmo da seção: Curso de Pedagogia e Curso de Didática. O grau de licenciado

seria conferido apenas àqueles que realizassem também o Curso de Didática,

credenciando não só para o exercício do magistério secundário, mas também para

o Curso Normal. Aos concluintes dos cursos das demais seções seria conferido o

diploma de bacharel.

O art. 20 do Decreto-Lei nº. 1.190 de 4 de abril de 1939 estabelecia que o

Curso de Didática tivesse a duração de um ano e fosse composto das disciplinas

didática geral, didática especial, psicologia educacional, administração escolar,

fundamentos biológicos da educação e fundamentos sociológicos da educação.

Posteriormente, o Decreto-Lei nº. 3.454, de 24 de julho de 1941, firmou que

a partir do ano de 1942 o Curso de Didática não poderia ser feito

concomitantemente com outro curso de bacharelado, fazendo com que

correspondessem à licenciatura cursos de quatro anos, incluído os três anos de

bacharelado e mais um de formação pedagógica.

O Curso de Pedagogia teve por finalidade primeira formar bacharéis e

licenciados, de acordo com o modelo já mencionado (3+1): 3 anos de bacharelado

e 1 ano de licenciatura, sendo esta realizada no Curso de Didática. Todavia, o

campo de atuação para o seu egresso não foi precisamente definido. O artigo 51,

alínea “c” do Decreto-Lei que o instituiu sinaliza que, a partir de 1º de janeiro de

1943, seria exigido o grau de bacharel em pedagogia para os cargos de técnico de

educação. Quanto aos licenciados, poderiam atuar como professores da Escola

Normal, responsável pela formação dos professores primários. Na análise de

Saviani,

Ao instituir um currículo pleno fechado para o Curso de Pedagogia, em homologia com os cursos das áreas de Filosofia, Ciências e Letras e não os vinculando aos processos de investigação sobre os temas e problemas da educação, o modelo implantado com o Decreto n. 1.190, de 1939, em lugar de abrir um caminho para o

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desenvolvimento do espaço acadêmico da pedagogia, acabou por enclausurá-lo numa solução que se supôs universalmente válida em termos conclusivos, agravando progressivamente os problemas que se evitou enfrentar. (Saviani, 2007b, p.118)

Formar o pedagogo na perspectiva de técnico de educação por meio de um

curso de bacharelado de uma das seções da Faculdade Nacional de Filosofia

representou, no meu entender, uma distorção da própria concepção dessa

faculdade, visto que ao bacharelado correspondia a formação de intelectuais para

o exercício das atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica, tal como

prevê o artigo 1º, alínea “a” do decreto-lei em questão. A proposta consistia em

fazer da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras um núcleo de pesquisas não

profissionais, voltado especificamente para a formação cultural e científica,

através dos estudos históricos, filosóficos e sociológicos, principalmente.

No que tange às possibilidades de atuação dos licenciados em pedagogia, a

formação recebida ao longo do curso visava subsidiar a ação docente na Escola

Normal, atendo-se essencialmente ao estudo teórico da educação. A estrutura

curricular11 não incluía disciplinas que abordassem diretamente o conteúdo do

curso primário, cujo professor seria formado no contexto da Escola Normal,

desencadeando, segundo Brzezinski (1996, p.45), a adoção da conhecida premissa

“quem pode o mais pode o menos”. Quem forma o professor primário pode ele

mesmo atuar nesse segmento, mesmo não tendo recebido a necessária formação

específica.

Entre os anos de 1939 e de 1962, quando foi homologado o segundo ato

normativo referente ao Curso de Pedagogia, nada mudou do ponto de vista

organizacional. Durante 23 anos esse curso configurou-se como uma seção da

Faculdade Nacional de Filosofia. Registra-se, nesse período, o fato de que, em

1945, por meio do Decreto-Lei nº. 8.456, de 26 de outubro, foi alterado o art. 5º

do Estatuto das Universidades Brasileiras, podendo a Faculdade de Filosofia

organizar-se mediante uma única seção.

O Curso de Pedagogia permaneceu na mesma lógica organizativa de sua

fundação, imerso nas demandas expressas pelo contexto social da época. Segundo

11 Ver anexo 5.

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Brzezinski (1996), o contexto sócio-econômico das décadas de 40, 50 e 60

demandou mão-de-obra especializada e, em conseqüência, forçou a necessidade

de expansão do ensino secundário, ocasionando, também, a expansão do ensino

superior nas Faculdades de Filosofia, visto que a elas, como já descrito, cabia a

formação de professores para atuarem nesse segmento de ensino. O crescimento

das Faculdades de Filosofia se deu de modo desordenado, notadamente pela via

de escolas superiores isoladas, com intenso fluxo de licenciandos.

Nessa perspectiva, os Cursos de Pedagogia, que continuavam formando os

técnicos de educação e os professores para as Escolas Normais passam a ser, ao

mesmo tempo, objeto de disputa para a formação do professor primário e objeto

de crítica acerca da sua natureza e função. O debate sobre formação superior do

professor primário, formação do técnico de educação no âmbito da pós-graduação

e formação dos professores de ensino secundário, preferencialmente no contexto

dos cursos das demais seções da Faculdade de Filosofia, acirrou os problemas

envolvendo a identidade do Curso de Pedagogia, a ponto da idéia de sua extinção

ganhar bastante relevo entre os educadores e legisladores. Todavia, como a Escola

Normal cumpria o seu papel de formação de professores primários e ascender essa

formação para o nível superior representava um ambicioso projeto educacional, o

segundo marco legal do Curso de Pedagogia tratou de abordar apenas a sua

composição curricular e a idéia de extinção não foi levada a efeito.

3.2. Sobre o segundo marco legal do curso (1962)

O segundo marco legal do Curso de Pedagogia é o Parecer do Conselho

Federal de Educação (CFE) nº. 251 de 1962, que estabeleceu o currículo mínimo e

a duração do curso, referente ao bacharelado12. Tal Parecer, de autoria do

conselheiro Valnir Chagas, foi acompanhado de uma Resolução do CFE,

aprovada já na vigência da LDB nº. 4.024, de 21 de dezembro de 1961, para

vigorar a partir do ano de 1963.

12 Ver anexo 5.

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De acordo com Bissolli da Silva (1999), Valnir Chagas explicitou, no

Parecer, a fragilidade do Curso de Pedagogia, sinalizando a tensão existente entre

sua manutenção e extinção, sob o argumento da falta de conteúdo próprio. No

texto do relator do Parecer, transpareceu a perspectiva de provisoriedade do curso

e a necessidade da formação superior do professor primário, ficando a formação

do pedagogo técnico de educação para estudos subseqüentes.

Apesar da perspectiva mencionada, o Curso de Pedagogia continuou

dividido entre bacharelado e licenciatura, formando profissionais para atuar como

técnico de educação ou especialista de educação ou administrador de educação ou

profissional não-docente do setor educacional, além do professor de disciplinas

pedagógicas do Curso Normal.

A transcrição que segue de parte do Parecer CFE nº. 251/1962 confirma a

polêmica em torno do curso:

Não há dúvida, assim, de que o sistema ora em vigor representa o máximo a que nos é lícito aspirar nas atuais circunstâncias: formação do mestre primário em cursos de grau médio e conseqüentemente, formação superior, ao nível de graduação, dos professores desses cursos e dos profissionais destinados às funções não-docentes do setor educacional. Na porção maior do território brasileiro, sem a ocorrência de fatores que no momento estão fora de equação, vários lustros serão ainda necessários para a plena implantação deste sistema. Nas regiões mais desenvolvidas, entretanto, é de supor que ela seja atingida – e comece a ser ultrapassada – talvez até 1970. À medida que tal ocorrer, a preparação do mestre-escola alcançará níveis post-secundários, desaparecendo progressivamente os cursos normais e, com eles, a figura do respectivo professor. Ao mesmo tempo, deslocar-se-á para a pós-graduação a formação do pedagogista, num esquema aberto aos bacharéis e licenciados de quaisquer procedências que se voltem para o campo da educação. O curso de pedagogia terá então de ser redefinido; e tudo leva a crer que nele se apoiarão os primeiros ensaios de formação superior do professor primário. (Parecer CFE nº. 251/62, p.98)

No mesmo ano, o Conselho Federal de Educação exarou, também sob a

relatoria do conselheiro Valnir Chagas, o Parecer nº. 292, de 14 de novembro de

1962, seguido de Resolução anexa, fixando as matérias pedagógicas para a

licenciatura. De acordo com esse Parecer, deixa de vigorar o esquema de três anos

de bacharelado e mais um ano de Curso de Didática para a obtenção do grau de

licenciado. Os graus de bacharel e de licenciado poderiam ser obtidos

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concomitantemente, mediante o estudo de disciplinas comuns. Nesse contexto,

constituem a licenciatura dois conjuntos de estudos, um referente ao campo

teórico do futuro profissional (História, Matemática, Letras etc.) e o outro, comum

a todos, referente ao campo pedagógico.

A década de 60 foi efervescente política, econômica e socialmente,

provocando grandes demandas em torno da educação escolar. A universidade

pensada para as elites se viu confrontada com a necessidade de formação de

profissionais habilitados para atender ao modelo desenvolvimentista. Nesse

contexto, foi promulgada a Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968, que fixou

novas normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua

articulação com a escola média, definindo as bases da Reforma Universitária. Esta

reforma atingiu em cheio as Faculdades de Filosofia, cujas seções foram

desagregadas para se tornar departamentos, institutos ou faculdades

correspondentes às suas áreas de conhecimento. Assim é que a seção de

Pedagogia deixa de existir para dar lugar à Faculdade de Educação, responsável a

partir de então pelo oferecimento do Curso de Pedagogia. Este curso também

poderia ser oferecido por Departamentos de Educação, entendendo o

Departamento como a menor fração da estrutura universitária, de acordo com a

referida reforma.

A Faculdade de Filosofia nos moldes em que foi concebida na década de 30

se tornou ao longo de sua trajetória alvo de inúmeras críticas, sobretudo no que

concerne ao cumprimento da perspectiva de formação cultural e científica.

Sucupira (1969), neste artigo em especial13, analisou alguns problemas

constitutivos dessa faculdade, focalizando o processo de sua transformação em

Faculdade de Educação. Newton Sucupira integrou o Conselho Federal de

Educação na época da Reforma Universitária de 1968 e coordenou a comissão de

estudos responsável pela instalação da Faculdade de Educação, tendo, portanto,

acompanhado de perto o processo de reestruturação dos cursos. Nesse sentido, o

texto traduz, ao mesmo tempo, sua preocupação e seu envolvimento com a

reforma, buscando demarcar pontos de conflito na organização e funcionamento

das Faculdades de Filosofia que, se não cuidados, poderiam continuar

13 SUCUPIRA, N. Da faculdade de filosofia à faculdade de educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. MEC/INEP, 51 (114), abr-jun, 1969. [p.261-276]

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representando obstáculos à implementação e ao desenvolvimento das Faculdades

de Educação.

Visando compreender o contexto de sua instalação, bem como possíveis

causas para o seu “fracasso”, Sucupira ensaiou uma fundamentada incursão pelas

origens da Faculdade de Filosofia. O autor ressaltou que a origem da Faculdade de

Filosofia remonta à Faculdade das Artes da Universidade Medieval surgida com a

Universidade de Berlim, Alemanha, em 1810. Nos seus primórdios, a Faculdade

de Filosofia assumiu o papel de escola preparatória para as Faculdades de

Teologia, Direito e Medicina. Suas raízes teóricas incluem a concepção do saber

do idealismo pós-kantiano, em Fichte e Schleiermacher, e o ideal de formação

humana característico do neo-humanismo alemão, em Humboldt.

Nessa perspectiva, a Faculdade de Filosofia foi atravessada de um lado pela

idéia de filosofia como a mais alta e autêntica ciência, representando o saber

filosófico, nesse caso, a síntese de todo o saber, e de outro, pela idéia de homem

harmoniosamente formado, com ênfase na preparação científica para as profissões

liberais. Por conta disso, a Faculdade de Filosofia constituiu-se na base de

formação de todos os estudos posteriores.

Sucupira destacou que pelo menos três objetivos dirigiram a Faculdade de

Filosofia: contribuir para a ampliação e o aprofundamento da formação geral de

todos os estudantes; desenvolver a pesquisa científica ou formar autênticos

intelectuais; e proporcionar aos professores da escola secundária sua formação

científica. No decorrer da sua análise, procurou destacar que desde a sua origem a

Faculdade de Filosofia não conseguiu atender satisfatoriamente os objetivos para

ela estabelecidos. A idéia de uma formação universal, filosoficamente

fundamentada, mostrou-se inatingível, fazendo com que, progressivamente, a

faculdade se eximisse da função de formação geral.

Para Sucupira, não foi propriamente o caráter de instituição multifuncional

da Faculdade de Filosofia que inviabilizou sua plena realização, mas a cultura e as

condições locais do ensino superior no Brasil. Diante das críticas de que as

Faculdades de Filosofia, no Brasil, falharam em seus múltiplos propósitos, esse

autor procurou chamar atenção para os obstáculos enfrentados, sem deixar,

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contudo, de sublinhar seu papel de relevância em nosso desenvolvimento cultural

e intelectual.

No tocante aos obstáculos, foram considerados pelo autor, pelo menos, dois

pontos: a idéia de uma Faculdade de Filosofia como instituição unificadora e

integradora de formas de saber heterogêneas, constituindo-se, portanto, em

centros de criação de ciência, representava um anacronismo em plena época de

especializações científicas; e a ausência de condições básicas para o exercício da

pesquisa pura, complexificada por uma tradição de ensino superior orientado para

a formação de profissionais liberais, pouco inclinados ao espírito filosófico-

científico, tornava a especialização algo empobrecedor. Tais argumentos

representam possível justificativa para a Faculdade de Filosofia ter sua ação

reduzida tal como as demais escolas profissionais.

O não alcance do objetivo de integração universitária, no entender de

Sucupira, está ligado a um problema de ordem epistemológica, cultural e até

antropológica, demandando redimensionamentos no plano funcional e não

simplesmente no estrutural. Para ele, a idéia de uma Faculdade de Filosofia como

instituição global e integradora, garantindo a objetivação da unidade da

universidade, sustentava-se em pressupostos epistemológicos ultrapassados, visto

que o saber científico caminhava de um modo que inviabilizava a unidade do

saber, tornando cada vez mais difícil a tentativa de reunir em um mesmo campo

disciplinas díspares em sua natureza e objetivos.

O autor, no entanto, faz questão de salientar que os obstáculos fragilizaram

o alcance dos objetivos da Faculdade de Filosofia, mas não impediram que, ainda

assim, ela representasse um momento significativo na evolução do ensino superior

brasileiro, promovendo, inclusive, em muitos casos, a pesquisa científica

avançada.

Entretanto, a posição do autor quanto à Reforma Universitária é firme. Esta,

ao desmembrar os cursos constitutivos da Faculdade Nacional de Filosofia,

extinguiu, na realidade, uma instituição já superada pelo estado da ciência e pelos

princípios necessários à organização universitária.

Sucupira criticou de forma contundente a formação dos professores e

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especialistas em educação, supostamente conferida pela Faculdade de Filosofia.

Na sua análise, a duplicidade de objetivos dificultou a necessária clareza quanto às

demandas de formação docente. Se, por um lado, a função pedagógica não foi

plenamente assumida porque representava culturalmente muito pouco, por outro,

o ideal de alta cultura e pesquisa científica também não foi porque representava

muito.

Salientou que, no contexto das Faculdades de Filosofia, a formação de

professores ocupou posição subalterna, reduzida ao mínimo estabelecido por lei

para obtenção da licenciatura. Nessa direção, o Curso de Pedagogia, uma das

seções da Faculdade, foi desviado de seus reais objetivos, sendo assimilado como

as demais licenciaturas e, portanto, restringindo-se a habilitar para o ensino das

matérias acadêmicas do curso secundário.

Nesse ponto, o autor defendeu a centralidade da Faculdade de Educação,

considerando, em especial, três aspectos: 1) o avanço da pedagogia no campo

científico, com o reconhecimento de que é possível aplicar o método científico

aos problemas educacionais e, dessa forma, desenvolver processos e técnicas

pedagógicas cientificamente elaboradas; 2) o amplo reconhecimento da

importância da educação nas sociedades modernas e a amplitude e complexidade

de seu campo profissional, exigindo uma formação especializada, o que evidencia

a autêntica vitalidade da área, justificando a emergência de uma Faculdade de

Educação na universidade; 3) as múltiplas possibilidades de formação do

profissional de educação e o desenvolvimento da pesquisa e prática educativa não

podem ficar restritos e tolhidos a uma seção ou departamento universitário, que

pouco tende a crescer.

Com essas razões, Sucupira buscou chamar atenção para o fato de que a

criação da Faculdade de Educação não pode ter representado meramente uma

adequação técnica. Ao desdobrar-se a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

em unidades relativas às suas áreas de conhecimentos básicos, fica restando a

seção de Pedagogia ou o departamento de Educação. A solução de transformar

uma unidade da Faculdade de Filosofia em Faculdade de Educação deveria ser

encarada não como reestruturação administrativa da universidade, mas sim como

a emergência de uma nova realidade educacional.

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No entanto, para Brzezinski (1996, p.69), o desmembramento da Faculdade

de Filosofia segregou a área de educação pelo seu caráter profissional, o que

representa uma razão predominantemente técnica. Para esta autora, a Faculdade

de Filosofia, Ciências e Letras estigmatizou a formação de professores pela sua

ênfase prática e utilitária.

A avaliação de Sucupira e a opinião de Brzezinski favorecem, cada um a

seu modo, o processo de compreensão da origem do problema identitário do

Curso de Pedagogia. Com ajuda de Bissolli da Silva (1999), fica ainda mais

evidente que um apanhado geral da história desse curso no Brasil deixa ver os

impasses que perpassam sua trajetória.

Todavia, tais impasses observados na institucionalização do espaço da

pedagogia no campo acadêmico parecem refletir os problemas da sua própria

definição conceitual. Muito antes de se pensar, no Brasil, na instituição da

pedagogia enquanto instância formadora, no contexto francês, a disciplina ciência

da educação passou a obter reconhecimento institucional por volta de 1882, o que

não se deu isento de contradições.

Gautherin (2002)14, importante pesquisadora francesa, analisou os

primórdios da ciência da educação na França, atendo-se ao período compreendido

entre os anos de 1882 e 1914, e apoiando-se na abordagem da história social

compreensiva, cuja ênfase recai menos sobre os efeitos estruturais e mais sobre a

elaboração de significados pelos sujeitos envolvidos com o processo. Os aportes

de uma sociologia compreensiva se expressam de modo determinante na análise

dos dados, apreendendo-se as instituições não como entidades abstratas, mas

como resultado de um percurso instituinte de elaboração. Para captar como foi a

disciplina ciência da educação, Gautherin se debruçou em diversos arquivos,

focando os registros deliberativos do governo e dos Conselhos das Faculdades e

correspondências de professores da época, disponíveis nos arquivos consultados.

Ao longo do trabalho, Gautherin abordou a disciplina ciência da educação

como um dispositivo administrativo e universitário, sustentando que foi criada a

14 O livro Une discipline pour la République: la science de l’éducation em France (1882-1914) registra a pesquisa de doutorado da autora, defendida em 1991, sob o título La formation d’une discipline universitaire: la science de l’éducation, 1880-1914.

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partir de uma demanda do sistema e da academia, sobretudo para atender aos

apelos daqueles que se responsabilizavam pela administração escolar. Por esta

razão, foi instituída, em 1882, na Faculdade de Letras de Bordeaux, e confiada a

Alfred Espinas, professor de filosofia dessa faculdade, com o objetivo de preparar

os futuros professores para ensinar instrução moral e cívica, em substituição à

instrução moral e religiosa, tal como definido pela Lei Ferry, de 28 de março de

1822. Entre 1883 e 1914, a disciplina de ciência da educação ou de pedagogia ou

de psicologia e moral aplicada à educação foi implantada em praticamente todas

as Faculdades de Letras, com status de curso complementar, atendendo a um

dispositivo legal do Ministério da Educação.

Na Sorbonne, a ênfase recaiu sobre a psicologia aplicada à educação,

destinada essencialmente aos futuros professores de ensino secundário e aos

estudantes das Faculdades de Letras. O curso, apesar da ênfase na psicologia, foi,

de um modo geral, percebido como mais um Curso de Filosofia, o que resultou na

mudança de denominação para curso complementar de Ciência da Educação, bem

como na redefinição de seu público-alvo, que passou a incluir aqueles que

trabalhavam com o ensino primário.

Segundo Gautherin, o processo de reconhecimento institucional da

disciplina iniciou-se com a criação de 14 cursos complementares de ciência da

educação ou de pedagogia nas Faculdades de Letras, entre 1882 e 1914,

ministrados por aproximadamente 38 professores, diplomados, na sua maioria,

pela Escola Normal Superior. Em 1887, o curso complementar foi transformado

em cátedra. Na Sorbonne, o primeiro professor de ciência da educação foi Henri

Marion, sucedido por Ferdinand Buisson em 1896 e por Émile Durkheim em

1902. Em 1907, por influência de Durkheim, a cátedra passou a ser uma cadeira

de sociologia e ciência da educação. Em 1919, após a morte de Durkheim, em

1917, a cátedra recebeu a designação de Economia Social, sem referência à

educação.

A pesquisa de Gautherin, ao discutir aspectos intelectuais, epistemológicos e

ideológicos da disciplina ciência da educação, evidenciou traços bastante

heterogêneos que marcaram o período estudado, dentre os quais: sua posição

marginal dentro da Faculdade de Letras; horários reduzidos; curso de caráter

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complementar e suplementar; público instável, geralmente formado de estudantes

que atuavam como professores primários e de professores de alunos das Escolas

Normais, responsáveis pela parte de administração escolar; e a disparidade de

problemas tratados, evidenciando a falta de definição teórico-prática.

As análises de Gautherin revelam que a nova disciplina ciência da educação

decorreu das forças empreendidas por um grupo restrito de membros da

administração educacional, que a consideravam um meio de divulgação das idéias

e dos princípios institucionais republicanos, como também das investidas de um

grupo de professores universitários, que lutavam pela valorização de novos

conhecimentos. Na prática, essa disciplina se desenvolveu sob as marcas de um

ecletismo teórico e de um discurso generalista, distanciada do saber acadêmico,

atendendo precariamente as demandas de formação e de instrumentação

pedagógica. Assim, acabou respondendo mais à lógica da oferta que à lógica da

procura.

Um dos achados de Gautherin refere-se ao fato de que os professores de

ciência da educação ou de pedagogia, geralmente professores de filosofia, não

conseguiram se constituir como uma comunidade profissional com organização

própria e expressão reconhecida, com exceção de Marrion, Dumesnil e,

principalmente, Buisson. Este se consolidou no campo, assumindo diferenciadas

posições, que contribuíram para situá-lo como um agente referencial na concepção

e implementação de uma série de reformas educacionais.

Após a guerra, a motivação principal que engendrou a criação da disciplina

se decompôs, dando lugar a outras abordagens, em especial a sociológica, por

meio de Durkheim.

O estudo de Gautherin evidenciou que a ciência da educação, enquanto

disciplina, tornou-se uma ilusão. Assentada apenas em um dispositivo de natureza

política, a favor dos valores morais, éticos e cívicos predominantes naquele

tempo, a ciência da educação padecia de suporte epistemológico.

Nos primórdios da disciplina ciências da educação na França prevalecem as

marcas de um ecletismo teórico distanciado do saber acadêmico. Tempos e

tempos depois, nos primórdios do Curso de Pedagogia entre nós, observa-se a

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mesma dificuldade de nomear o saber da pedagogia e, portanto, de também definir

o seu espaço na academia.

Em função da Reforma Universitária ocorrida no Brasil em fins dos anos 60,

o Conselho Federal de Educação, dentre outros dispositivos legais, estabeleceu

aqueles que fixariam a dinâmica organizativa da Faculdade de Educação e os

currículos mínimos das graduações instituídas. Nessa direção, é que se coloca o

terceiro marco legal do Curso de Pedagogia, como focalizarei a seguir.

3.3. Sobre o terceiro marco legal do curso (1969)

O terceiro marco legal do Curso de Pedagogia é o Parecer do Conselho

Federal de Educação (CFE) nº. 252 de 11 de abril de 1969, também de autoria do

professor Valnir Chagas, membro do Conselho Federal de Educação. Esse Parecer

foi acompanhado da Resolução CFE nº. 2/69, que, tal como a anterior, se

incumbiu de fixar o currículo mínimo e a duração do curso15. Essa

regulamentação manteve a formação de professores para o Ensino Normal e

introduziu oficialmente as habilitações para formar os especialistas responsáveis

pelo trabalho de planejamento, supervisão, administração e orientação, que se

constituíram, a partir de então, como um forte meio de identificar o pedagogo. As

habilitações Orientação Educacional, Administração Escolar, Supervisão Escolar,

Inspeção Escolar, além do magistério para o Ensino Normal, foram amplamente

difundidas, tornando-se nucleares para o curso ao longo de grande parte de sua

trajetória. Quanto ao magistério primário, prevaleceu a premissa “quem pode o

mais pode o menos”. Todavia, o Parecer não incluiu uma habilitação para esse

fim, prevendo apenas algumas disciplinas para a obtenção desse direito.

De acordo com o Parecer CFE nº. 252 de 11 de abril de 1969, o Curso de

Pedagogia passou a conferir apenas o grau de licenciado, abolindo o de bacharel,

pautado pelo núcleo central do curso que focava o pedagógico a serviço da

docência. Nesses termos, para alcançar uma habilitação, o candidato deveria

15 Ver anexo 5.

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comprovar experiência de magistério, o que foi alvo de regulamentação posterior

(Parecer do CFE nº. 867 de 1972). A didática, antes uma seção e, portanto, um

curso à parte, se tornou disciplina obrigatória do curso.

Esse Parecer vigorou durante 27 anos, até a aprovação da LDB nº. 9.394, de

20 de dezembro de 1996. No decorrer da sua vigência, o Curso de Pedagogia

continuou enfrentando uma série de problemas referentes à sua natureza e função,

em especial por conta da forma como foram concebidas e encaminhadas as

habilitações, reforçando o especialismo, que, no contexto de uma lógica

essencialmente mercadológica, contribuiu para a fragmentação do trabalho

pedagógico.

Durante a década de 70, mediante a aprovação da LDB nº. 5.692, de 11 de

agosto de 1971, uma série de dispositivos legais foi elaborada com a finalidade de

regulamentar a reforma do sistema de ensino. Nesse contexto, Valnir Chagas16,

principal mentor dessa reforma, organizou um conjunto de indicações que

visavam transformar o Curso de Pedagogia em curso de estudos superiores de

educação, tentando dar cumprimento ao que propôs no Parecer CFE nº. 251/1962.

Dentre as indicações formuladas, ressalta-se a de nº. 70/1975, que defendeu

“formar o especialista no professor”, deslocando os estudos de formação do

pedagogo para a pós-graduação, aberta aos egressos de qualquer licenciatura. Tal

proposição deixou claro que a idéia do legislador era extinguir o Curso de

Pedagogia no âmbito da graduação. Apesar do Ministério de Educação homologar

essa indicação, a mesma foi revogada, prevalecendo até 1996 o Parecer CFE nº.

252/69 como o terceiro marco legal do curso.

O final da década de 70 e o início da década de 80 foram particularmente

16 Valnir Chagas atuou longamente no Conselho Federal de Educação (1962-1976), se constituindo como um dos principais legisladores da educação nessas duas décadas. Nasceu no Ceará, em 21 de junho de 1921, vindo a falecer em 4 de julho de 2006. Graduou-se em Direito, Letras e Pedagogia. Além das atividades como professor e conselheiro, colaborou para a criação e o desenvolvimento da Universidade Federal do Ceará, em particular no que se refere à sua Faculdade de Educação; foi um dos organizadores da Universidade de Brasília (UnB), em cuja Faculdade de Educação também lecionou por várias décadas, antes de se aposentar em 1991. No contexto da história das políticas educacionais, ficou amplamente conhecido pelos inúmeros pareceres que relatou, pelas indicações que encaminhou e pela sua incisiva participação na Reforma Universitária de 68 e na organização da LDB de 71. Brzezinski (1996) dedicou-se ao estudo da legislação elaborada por Chagas, constatando que cada um dos seus pareceres representou uma reformulação do Curso de Pedagogia e constituiu o que denominou de “Sistema Chagas, orgânico, coerente e seqüencial”, cujo ponto de partida foi o Parecer nº. 251/1962.

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representativos das inúmeras críticas sofridas pelo curso, principalmente no que se

refere à formação fragmentada e de forte caráter tecnicista e à ênfase na divisão

técnica do trabalho na escola. As críticas foram construídas, principalmente, no

seio do movimento pela reformulação do curso, desencadeado na década de 80

por professores, instituições universitárias e organismos governamentais.

No contexto desse movimento encontram-se as lutas pela democratização da

sociedade e contra o regime militar. Como marco inicial do amplo processo de

estudo, reflexão, debate e proposições acerca da formação dos profissionais da

educação, deflagrado nessa época, situam-se o 1º Seminário de Educação

Brasileira, realizado em 1978, na UNICAMP, e a 1ª Conferência Brasileira de

Educação, realizada em 1980, na PUC de São Paulo, ocasião em que foi criado o

Comitê Pró-Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e

Licenciatura. Em 1983, esse Comitê constituiu a CONARCFE – Comissão

Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores, que, em

1990, durante o seu 5º Encontro Nacional, se transformou na ANFOPE –

Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação.

A influência do movimento em prol da renovação do curso fez-se sentir na

defesa das concepções de base comum nacional na formação dos profissionais da

educação e da docência como base de formação do educador17. Essas concepções,

em especial a da docência como base de formação, adentraram o interior de

algumas Faculdades de Educação, que experimentaram reformulações

curriculares, suprimindo as habilitações referentes aos especialistas e buscando

trabalhar predominantemente com a formação do professor, incluindo o das séries

iniciais do 1º grau, na época, hoje Ensino Fundamental. Ou então assumiam a

formação de pedagogos de forma integrada, na intenção de favorecer uma ação

conjunta desses profissionais na escola.

Nessa direção, com o aval do Conselho Federal de Educação, que passou a

aceitar propostas curriculares alternativas ao disposto no terceiro marco legal do

curso, muitas instituições, progressivamente, foram incorporando novas

habilitações ao Curso de Pedagogia, voltadas essencialmente para a docência.

17 Ver a esse respeito, o Documento Gerador do 13º Encontro Nacional da ANFOPE, realizado no período de 16 a 18 de setembro de 2006, na UNICAMP.

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Dentre elas, destacam-se a docência para educação infantil, anos iniciais do ensino

fundamental, educação de jovens e adultos e educação especial envolvendo,

especialmente, a deficiência mental, física, visual e da audiocomunicação. Como

diz Tanuri, “aos poucos, as licenciaturas em Pedagogia voltadas para a docência

foram tornando-se mais numerosas do que as dirigidas à formação do

especialista” (Tanuri, 2006, p.74).

O debate crescente, construído ao longo do movimento de renovação do

curso, foi progressivamente firmando a concepção de identificar a pedagogia com

a docência, na perspectiva de que o ensino deve ser a base da formação de todo

educador. Desde o início da década de 80, a ANFOPE conduziu o movimento

pela reformulação dos cursos de formação dos profissionais da educação,

levantando a bandeira de um Curso de Pedagogia baseado na formação de

professores para os anos iniciais do ensino fundamental. Como já sinalizado,

integrou a sua pauta de discussão e defesa a exigência de formação em nível

superior dos professores da primeira etapa do ensino fundamental e a definição de

uma base comum nacional de formação. No eixo de sustentação de sua busca

encontra-se a docência como base da identidade profissional do educador.

As discussões cresceram reafirmando a necessidade de tomar a ação docente

como fundamento do trabalho pedagógico, em contraposição à perspectiva da

identidade do pedagogo se constituir a partir da habilitação como especialista. Ao

Curso de Pedagogia caberia favorecer ao seu egresso uma sólida formação em que

a docência, a gestão, a supervisão e a orientação educacional fossem assumidas

como um todo orgânico e o trabalho pedagógico fosse considerado o principal

articulador curricular.

Todavia, há que se ressaltar que o debate, sempre crescente, nunca foi

consensual. Apesar de prevalecer a concepção que toma a docência como o núcleo

forte da pedagogia, pelo menos duas outras circulam no debate. Em síntese, as três

concepções podem ser assim formuladas: pedagogia centrada na docência

(licenciatura - professor); pedagogia centrada na ciência da educação (bacharelado

- pedagogo); e pedagogia centrada nas duas dimensões, formando integradamente

o professor e o pedagogo (Kuenzer e Rodrigues, 2006, p. 194).

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Libâneo (2006a; 2006b), um forte defensor da segunda concepção, dedica-

se à pesquisa sistemática do conjunto de estudos teóricos e aplicados da

pedagogia, na perspectiva da legitimidade de postular à pedagogia um campo

específico de estudos e delimitado de exercício profissional. Na base de

sustentação de sua argumentação reside a distinção entre trabalho pedagógico e

trabalho docente. Libâneo parte de uma compreensão da pedagogia como campo

de reflexão teórica acerca das práticas educativas, considerando a docência, mas

não se restringindo a ela. Argumenta o autor que pedagogia e docência são termos

que apresentam distinções conceituais apesar de se inter-relacionarem, devendo,

portanto, contar com formações diferenciadas. Nessa direção, defende que as

Faculdades de Educação tenham o Curso de Pedagogia e os Cursos de

Licenciaturas para a formação do professor da educação básica. Parte do

pressuposto que a natureza do trabalho pedagógico transcende o da docência no

sentido de que favorece o exercício profissional em diversas práticas educativas,

enquanto que a natureza do trabalho docente representa uma das formas possíveis

do trabalho pedagógico, assumindo o contexto da sala de aula como locus

privilegiado da corporeidade dessa prática.

Tal distinção reforça a sua tese de Curso de Pedagogia para formar

pedagogos stricto sensu e cursos de licenciaturas para formar professores da

educação básica que são também pedagogos, mas em uma perspectiva lato sensu,

reservada ao pedagógico da sala de aula. Para Libâneo (2002), a idéia que subjaz

essa concepção é a de que o trabalho docente é pedagógico, mas nem todo

trabalho pedagógico é trabalho docente. Portanto, a base da identidade

profissional do pedagogo deve ser a teoria e a prática em torno dos saberes

pedagógicos, e não apenas a docência.

Dentre as muitas tensões que se colocam nesse cenário, encontra-se aquela

provocada pelo confronto entre o Curso de Pedagogia e o Curso Normal Superior,

e, ainda, segundo Linhares e Silva (2003, p. 304) entre a idéia de uma formação

universitária dos professores18 e a de uma formação em nível superior fora do

contexto universitário. 18 Sobre o tema da universitarização da formação docente, ver SILVA, W. C da. La formation des maîtres à l’Université: analyse sociologique des éxperiences menées dans trois facultés d’education de la ville de Rio de Janeiro (Brésil). 1997. Tese (Doutorado em Educação) – Université René Descartes (Paris V), 1997.

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A LDB, nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996, apresenta uma série de

pontos conflitantes acerca da formação dos profissionais da educação. Vários atos

normativos, que a sucederam, contribuíram para acirrar esses conflitos, dentre eles

o Decreto nº. 3.276, de 6 de dezembro de 1999, que estabeleceu a exclusividade

dos Cursos Normais Superiores para a formação de professores dos anos iniciais

do Ensino Fundamental. Tal medida representou mais um golpe para o Curso de

Pedagogia, visto que boa parte deles se incumbia dessa formação. Em função do

movimento das universidades e das entidades (ANPEd, ANFOPE, CEDES,

FORUMDIR e ANPAE)19, esse decreto foi alterado e o termo exclusivamente foi

substituído por preferencialmente. Ainda assim, o problema estava posto. O novo

espaço institucional representado pelo Instituto Superior de Educação se

configurou como uma fácil alternativa ao Curso de Pedagogia.

Os problemas que perpassam a formação docente no Brasil não representam

uma particularidade nossa. Trata-se de uma problemática de repercussão

internacional. A França, por exemplo, segundo Plaisance e Vergnaud (2003), ao

instituir em 1959 a extensão da escolaridade obrigatória até os 16 anos, expandiu

o ensino secundário, criando uma nova configuração de estabelecimento de

ensino, cujos professores deveriam advir dos cursos de licenciatura. Se antes o

quantitativo de professores primários era bem maior que os do secundário, diante

da expansão escolar o quadro se inverteu, demandando novas medidas

educacionais de formação docente.

É nesse contexto que surgiram os Instituts Universitaires pour la Formation

des Maîtres (IUFMs), organizados em 1989, em substituição às Escolas Normais,

assumindo a formação dos “instituteurs” (professores primários) e “professeurs”

(professores secundários). Os institutos franceses tentaram se consolidar como um

novo locus de formação de professores, fora da universidade e das antigas Escolas

Normais, se configurando como um único tipo de estabelecimento para a

formação de todos os professores de qualquer nível de ensino, o que não foi

alcançado.

19 ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação; ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação; CEDES – Centro de Estudos Educação e Sociedade; FORUMDIR – Fórum de Diretores de Faculdades/Centros de Educação das Universidades Públicas Brasileiras; ANPAE – Associação Nacional de Administradores Educacionais.

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Segundo Plaisance e Vergnaud (2003), a proposta do IUFM consistiu em

reunir, dentro de uma mesma instituição de ensino superior, formações

anteriormente dispersas e fazer desaparecer instituições de formação de

professores, mormente caracterizadas por uma forte cultura específica: escolas

normais de professores primários, centros pedagógicos regionais para professores

de ensino secundário e escolas normais nacionais de formação profissional para os

professores dos estabelecimentos secundários profissionais. A idéia central residiu

na unificação da formação do professor, cuja designação também sofreu

modificações: professores “primários” (instituteurs) e “secundários” (professeurs)

passam a se denominar “professores de escola”.

Encontra-se na gênese de criação do IUFM a perspectiva de formar os

professores de escola em contato estreito com a produção de conhecimentos

científicos, de modo a favorecer sua “profissionalização”. Para tanto, a dimensão

universitária foi considerada determinante nesse novo contexto de formação, a ser

garantida pelo convênio firmado entre o IUFM e uma ou várias universidades da

academia. O convênio buscou possibilitar que professores e pesquisadores

vinculados à academia atuassem nos IUFMs de modo a contribuir para uma

formação mais qualificada, sustentada pela atividade de pesquisa.

Embora o IUFM tenha pretendido uma formação unificada de professor, sua

dinâmica organizacional contou com etapas distintas de acordo com o nível em

que o futuro professor pretendia atuar. Os candidatos que desejassem trabalhar

com as séries classicamente conhecidas como primárias recebiam, durante um

ano, formação específica para esse nível de ensino. De igual modo, aqueles

interessados no que seriam as antigas séries secundárias recebiam formação

voltada para a disciplina do campo de seu interesse. Tal estrutura, de alguma

forma, conservou traços das distintas culturas profissionais constitutivas dos

grupos de professores primários e secundários, obstaculizando o alcance de uma

formação unificada. Apesar do IUFM não conviver com outros espaços

legitimados institucionalmente para a formação do professor de escola, a sua

estrutura não pôs fim a segmentação do magistério francês.

Os Institutos Superiores de Educação em nosso país, recriados pela LDB em

vigor, diferente do IUFM, situam-se numa posição intermediária. Não

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pertencendo à educação básica e não integrando o espaço universitário, assumem

um status de ensino superior voltado especificamente para as diferentes formações

do professor. Portanto, além de não caminharem na direção de um programa único

e integrado de formação docente e de não contemplarem a perspectiva da

universitarização dessa formação, se fragilizam e fragilizam o campo da formação

de professores pela luta que travam por espaço, reconhecimento e legitimidade.

Essa situação repercutirá na nova composição organizativa do Curso de

Pedagogia, de acordo com o que se pode depreender da análise do mais recente

fundamento legal instituído.

3.4. Sobre o quarto marco legal do curso (2006)

O quarto marco legal do Curso de Pedagogia é a Resolução do Conselho

Nacional de Educação, nº. 1, de 10 de abril de 2006, cujo objeto de tratamento é a

fixação das diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia. Tais diretrizes,

identificadas nos Pareceres CNE/CP nº. 5/2005 e nº. 3/2006 e na Resolução

mencionada, representam uma nova fase para a pedagogia, em especial no que diz

respeito à formação dos profissionais da educação.

O processo de gestação das atuais diretrizes curriculares para o Curso de

Pedagogia foi bastante longo e difícil20. A promulgação da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional, nº. 9.394, em 1996, requereu uma série de medidas

para reorganizar o novo sistema de ensino em todos os níveis. Nesse contexto, a

Secretaria de Ensino Superior do Ministério de Educação (SESU/MEC) publicou

o Edital nº. 4, de 4 de dezembro de 1997, anunciando a elaboração das diretrizes

curriculares para os cursos de graduação e solicitando que as instituições de

ensino superior encaminhassem propostas a seu respeito. Além disso, a

SESU/MEC instituiu as Comissões de Especialistas de Ensino (COESP), que

20 Ver textos de: Bissolli da Silva, 2002; Lima, 2004a; Libâneo, 2005, 2006a e 2006b; Aguiar e Melo, 2005; Kuenzer e Rodrigues, 2006; Melo, 2006; Aguiar et al, 2006; Ferreira, 2006; Tanuri, 2006; Scheibe, 2007; Franco, Libâneo e Pimenta, 2007; Saviani, 2007b.

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receberam, dentre outras, a incumbência de elaborar as diretrizes curriculares dos

cursos que representavam, para análise e aprovação do CNE.

A Comissão de Especialistas de Ensino de Pedagogia (CEEP) foi nomeada

pela Portaria SESU/MEC nº. 146 de 10 de março de 1998, sendo formada pelos

professores Celestino Alves da Silva Júnior, da UNESP-Marília; Leda Scheibe, da

UFSC; Márcia Ângela Aguiar, da UFP; Tizuko Morchida Kishimoto, da USP; e

Zélia Mileo Pavão, da PUC-Paraná. Posteriormente, a Comissão foi recomposta,

através da Portaria SESU/MEC nº. 1.518 de 16 de junho de 2000, sendo

constituída pelos professores Helena Costa Lopes de Freitas, da UNICAMP;

Maisa Gomes Brandão Kullok, da UFAL; Marlene Gonçalves, da UFMG; Olga

Teixeira Damis, da UFU; e Merion Campos Bordas, da UFRGS.

Segundo Scheibe (2007), presidente da primeira Comissão, a proposta de

diretrizes curriculares elaborada e encaminhada pela CEEP ao CNE, em maio de

1999, levou em conta as sugestões das coordenações de cursos das instituições de

ensino superior e as proposições obtidas mediante um amplo processo de debate

nacional envolvendo as entidades da área (ANFOPE, ANPEd, FORUMDIR,

ANPAE e CEDES). Nesse sentido, procurou-se contemplar a tendência que já se

delineava experimentalmente em muitos cursos, que indicava a docência como

base de formação. Todavia, o curso proposto representou mais o acúmulo das

discussões nacionais através do movimento dos educadores, que ocorria desde o

início da década de 80, do que o necessário consenso sobre o tema, além de

contrariar, em alguns aspectos, a LDB vigente.

A proposta da CEEP para a formulação do documento regulador das

diretrizes curriculares do curso defendeu o princípio de que o pedagogo deveria se

constituir em

um profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo a docência como base obrigatória de sua formação e identidade profissional (CEEP,1999, p.1 apud Scheibe, 2000, p.13).

Nesses termos, o pedagogo contaria com um campo de atuação bastante

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largo, podendo atuar como professor da educação infantil, dos anos iniciais do

ensino fundamental e das disciplinas pedagógicas do Curso Normal do nível

médio e como dirigente escolar e dinamizador de projetos e experiências

educacionais escolares e não escolares. As habilitações tradicionais,

administração, orientação e supervisão escolar, apareceram como possibilidades

de formação, mas estava subjacente na proposta que as instituições formadoras

remeteriam estas habilitações para o nível da pós-graduação.

Como já descrevi, a LDB vigente, no seu artigo 63, ao introduzir o Curso

Normal Superior e, mais ainda, ao instituir um novo espaço de formação, o

Instituto Superior de Educação, pôs em risco o novo modelo de Curso de

Pedagogia concebido pelo amplo movimento dos educadores, em especial o

desencadeado pela ANFOPE. Como pontua Scheibe:

A Lei, portanto, não extinguiu o curso de pedagogia, mas, criou-se uma situação interrogativa: como interpretar o curso de pedagogia daqui para a frente? Se este curso, predominantemente passou, nos últimos anos, a formar justamente o professor para as séries iniciais do ensino fundamental e para a educação infantil? (Scheibe, 2000, p.17)

Não só o artigo 63 da atual LDB, mas, também, o artigo 64, ao definir que a

formação de profissionais de educação para administração, planejamento,

inspeção, supervisão e orientação educacional seria feita em cursos de graduação

em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino,

desde que observada a base comum nacional, tornaram o trabalho da Comissão

bastante complexo. Isto porque tais artigos contrariaram frontalmente a forma

como o Curso de Pedagogia estava sendo concebido pelas instituições de ensino

superior e pelas entidades envolvidas no movimento de sua redefinição, trazendo

à tona mais uma vez a recorrente questão em torno da identidade do curso. Curso

de Pedagogia para quê, se os docentes serão formados nos Cursos Normais

Superiores e os demais profissionais podem ser formados no âmbito da pós-

graduação?

Dada a divergência entre a posição da CEEP e a da LDB, o documento

encaminhado à SESU/MEC não chegou a ser apreciado pelo CNE, mesmo diante

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do amplo apoio que a Comissão recebeu das entidades, expresso, inclusive, no

envio de outros documentos “reafirmando o conteúdo da proposta elaborada pela

Comissão de Especialistas” (Scheibe, 2007, p.52).

A proposta da segunda Comissão, apresentada em fevereiro de 2001,

constituiu o documento norteador para comissões de autorização e

reconhecimento de Curso de Pedagogia, contemplando objetivamente duas

ênfases: uma referente à docência na educação infantil e gestão educacional e

outra referente à docência no ensino fundamental (primeira etapa) e gestão

educacional.

Os anos de 2001 e 2002 registram a aprovação e homologação de pareceres

indicativos de resoluções que instituem as diretrizes curriculares de uma série de

cursos de graduação21. Enquanto boa parte desses cursos via as suas diretrizes

oficialmente sendo aprovadas, o Curso de Pedagogia se via imerso em um

contexto oficioso/silencioso de reprovação.

Em 2002 o governo federal pôs fim ao trabalho das Comissões de

Especialistas e um ano depois o CNE designou uma Comissão Bicameral (Câmara

de Educação Superior e Câmara de Educação Básica) para definir as diretrizes

curriculares nacionais para o Curso de Pedagogia. Em 2004 essa Comissão foi

recomposta e só em 17 de março de 2005 é que foi divulgada a primeira versão do

projeto de Resolução para apreciação da comunidade educacional.

Essa primeira versão incorporou as perspectivas organizativas para o Curso

Normal Superior, limitando em vários aspectos as possibilidades formativas até

então possíveis ao Curso de Pedagogia. De acordo com o proposto, o curso,

definido como uma licenciatura, formaria essencialmente os professores para

atuarem na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental.

Acompanhei, pela internet, a lista de discussão da ANFOPE em torno da

minuta de Resolução, observando a mobilização das universidades e entidades,

que se posicionaram de forma contrária ao projeto de diretrizes curriculares

apresentado pelo CNE. No bojo das críticas formuladas, foram recorrentes as

seguintes: ele contrariou as aspirações históricas dos educadores; reduziu o Curso 21 Conferir <www.mec.gov.br/cne>.

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de Pedagogia ao que se pretendeu estabelecer para o Curso Normal Superior;

desconsiderou o Curso de Pedagogia como o espaço acadêmico de que a

universidade brasileira dispõe para os estudos sistemáticos e avançados na área de

educação; e não levou em conta a proposta da CEEP.

Em 13 de dezembro de 2005, nove meses após a liberação da minuta de

Resolução para apreciação, o Conselho Pleno do CNE aprovou por unanimidade o

Parecer nº. 05/2005 e a Resolução que o acompanha sobre as diretrizes

curriculares nacionais para o Curso de Pedagogia, considerando algumas das

solicitações do movimento dos educadores. Dentre as alterações, destaca-se a

ampliação da formação do pedagogo, que passa a contemplar integradamente a

docência, a participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino

em geral, a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as

atividades educativas em contextos escolares e não-escolares.

Apesar do Parecer CNE/CP nº. 5/2005, que fixa as diretrizes curriculares

para a pedagogia, obter aprovação unânime no Conselho Pleno do CNE,

registram-se as declarações de voto de três conselheiros e em uma delas a

indicação de divergência entre o artigo 14 da Resolução, que acompanha o

referido Parecer, e o artigo 64 da LDB nº. 9.394/96. De acordo com o artigo 14 da

Resolução, a formação dos demais profissionais da educação seria realizada em

cursos de pós-graduação, especialmente estruturados para este fim, abertos a todos

os licenciados, diferentemente do que consta na LDB, mas tal como o proposto,

na década de 70, por Valnir Chagas. Por esta razão, o Ministério de Educação,

antes de homologar a Resolução, reencaminhou o processo ao CNE, solicitando o

reexame da matéria, o que ensejou a elaboração do Parecer CNE/CP nº. 3/2006.

As diretrizes curriculares aprovadas para o Curso de Pedagogia consideram

boa parte das proposições forjadas no seio do movimento dos educadores. O

debate tenso, intenso e sem consenso contribuiu para firmar progressivamente a

concepção de identificar a pedagogia com a função docente, na perspectiva de que

o ensino deve ser a base da formação de todo educador, o que foi assegurado.

Entretanto, como já sinalizado, considerar a docência como eixo central na

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formação do pedagogo não é algo livre de questionamentos22. Há mais de 25 anos

que os temas referentes à identidade da pedagogia, ao conhecimento que lhe

constitui, à dicotomia entre formar o professor e formar o especialista, dentre

outros, tomam conta do cenário ou arena de discussão educacional, sem alcançar o

consenso almejado.

3.5. Sobre embates no (per) curso do Curso

Por conta da pesquisa que me propus realizar e que se constitui no objeto

deste relatório, no ano de 2006 busquei participar dos encontros e atividades que

tomavam a pedagogia como foco do debate, sobretudo em função das diretrizes

curriculares recém-aprovadas. Dentre eles, destaco: o XIII ENDIPE (Encontro

Nacional de Didática e Prática de Ensino), realizado na Universidade Federal de

Pernambuco, no período de 23 a 26 de abril, com especial atenção para os

simpósios que problematizavam o Curso de Pedagogia, mediante a sua mais nova

configuração; o XIII Encontro Nacional da ANFOPE (Associação Nacional pela

Formação dos Profissionais da Educação), ocorrido entre os dias 16 e 18 de

setembro, na Universidade Estadual de Campinas, cujo tema versou sobre “As

diretrizes curriculares de pedagogia: perspectivas para a formação dos

profissionais da educação”; a 29ª Reunião Anual da ANPEd (Associação Nacional

de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), no período de 15 a 18 de outubro,

em Caxambu/MG; e o III FONAPE (Fórum Nacional de Pedagogia), realizado

nos dias 12, 13 e 14 de novembro, em Águas de Lindóia/SP, sob a direção da

Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, com a temática “Das

diretrizes ao campo epistemológico: como fica a formação do pedagogo?”

Em boa parte dos debates desencadeados nesses encontros ficou patente que

as divergências, principalmente aquelas em torno da docência como base de

formação, dividem frontalmente o campo da pedagogia em duas posições

principais, tal como identifica Nascimento (2006). Para esta autora, existe uma

posição a favor de que a espinha dorsal do curso seja a docência na educação

22 Ver a esse respeito: Franco, Libâneo e Pimenta, 2007.

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infantil e nas séries iniciais do ensino fundamental, defendida pelo movimento dos

educadores que se aglutinam em torno da ANFOPE; e uma outra posição, que se

opõe a essa perspectiva, propondo que a teoria e a prática em torno dos saberes

pedagógicos sejam assumidas como a base da identidade profissional do

pedagogo, defendida por Pimenta e Libâneo, a quem eu acrescento Franco.

Entendo que o movimento dos educadores, deflagrado em fins dos anos 70 e

início dos anos 80, abarcando as duas posições anteriormente situadas, vem se

dando em função de um investimento coletivo de elaboração inseparavelmente

teórica e prática, de acordo com as diferentes posições ocupadas no campo pelos

agentes que o protagonizam.

Com efeito, a existência, abrangência e durabilidade desse movimento

dependem seguramente dos agentes que se agruparam para construí-lo e que por

meio de sua mobilização em defesa da pedagogia, liberaram suas disposições

intelectuais, seus habitus, seus capitais, suas produções e suas estratégias.

Longe de considerar as lutas em torno da pedagogia, mais que isto, em prol

da formação dos profissionais da educação, como batalhas travadas em um espaço

social unificado, busco ressaltar através desta retrospectiva que a própria história

sublinha os limites, a diversidade, a pluralidade e, portanto, as divergências

constitutivas de tal espaço.

Para Bourdieu (1996b), as tomadas de posição dos agentes e das instituições

envolvidas com o campo dependem do lugar ocupado por eles na própria estrutura

desse espaço, sobretudo no que concerne ao acúmulo de capital simbólico

específico e institucionalizado, com reconhecimento interno e notoriedade

externa. As posições ocupadas são relacionais, de acordo com o tipo, o volume de

capital possuído e, portanto, com o poder detido por cada um. É o poder dos

agentes que conferirá legitimidade ou não às idéias, às posturas, aos

comportamentos e valores dentro do campo. No seu dizer,

A tensão entre as posições, constitutiva da estrutura do campo, é também o que determina sua mudança, através de lutas a propósito de alvos que são eles próprios produzidos por essas lutas; mas, por maior que seja a autonomia do campo, o

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resultado dessas lutas nunca é completamente independente de fatores externos. (Bourdieu, 1996b, p.65)

Nesse sentido, pode-se inferir que é possível surgir um campo, seja qual for

a sua natureza, desde que nele existam agentes com acúmulo de capital (cultural,

econômico, social e simbólico), por meio dos quais novos conteúdos e novas

relações de poder são estabelecidos. Tais condições fazem do campo um lugar de

lutas, que (re) produzem e/ou modificam as estruturas e as hierarquias,

contribuindo para a sua própria consolidação. De um modo geral, as lutas travadas

no interior de um campo de natureza intelectual, como é o caso da pedagogia,

tomam o poder simbólico como um jogo.

Segundo Bourdieu (2004b, p.69), um campo necessariamente conta com

uma crença que o sustenta, com um jogo de linguagem que nele se joga e com

aspectos materiais e simbólicos, em jogo, que nele se geram. Trata-se, portanto,

de um universo relativamente autônomo, por meio de especificações e de um

processo histórico que legitima sua essência. Assim, a análise da história de um

campo representa em si mesma a análise de sua própria essência.

Por esta razão, pergunto: A posição ocupada pelo conselheiro Valnir

Chagas, no CFE, durante quase três décadas, não lhe conferiu a possibilidade de

lidar com as regras do jogo, ora conservando, ora modificando, ora arriscando a

própria posição? As indicações apresentadas pelo referido conselheiro em meado

dos anos 70, que, em sua essência, propunham a extinção do Curso de Pedagogia,

não foram assumidas como ameaças aos educadores brasileiros, servindo de

impulso à mobilização contra o “fim do jogo” para a pedagogia? O movimento,

palavra forte para Brzezinski (1996, p.213), representativo da trajetória do Curso

de Pedagogia não traz em si mesmo fortes evidências das forças antagônicas e,

também, complementares constitutivas do domínio acadêmico da pedagogia?

Reconheço que a descrição histórica da forma como legalmente o Curso de

Pedagogia foi se organizando entre nós revela indefinição, contradição, ausência,

resistência, crise, ameaça, mas, paradoxalmente, também percebo que revela

definição, afirmação, presença, luta... Elementos, tanto de um lado quanto de

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outro, que integram a tão reclamada essência identitária da pedagogia. Nessa

direção, me apego ao que diz Bourdieu:

Todas as vezes que se institui um desses universos relativamente autônomos, campo artístico, campo científico ou qualquer de suas especificações, o processo histórico que aí se instaura desempenha o mesmo papel de alquimista a extrair a quintessência. De maneira que a análise da história do campo é sem dúvida, em si mesma, a única forma legítima da análise de essência. (Bourdieu, 1996a, p. 160)

A trajetória do Curso de Pedagogia se delineia pelos investimentos de seus

agentes, nas diferentes fases de seu movimento, aqui expressas apenas de acordo

com os seus marcos legais. As recentes diretrizes curriculares acirraram o debate

em torno da essência da pedagogia, fazendo concorrer, rivalizar e lutar idéias a

respeito do seu papel no campo acadêmico. Aqueles que participaram dos

encontros de 2006 (ENDIPE, ANFOPE, FONAPE) protagonizaram e/ou

testemunharam as disputas travadas, reveladoras de considerável investimento

intelectual, acadêmico, teórico e prático por parte dos adeptos de cada posição.

Para Bourdieu (1996b), via de regra, todo campo social tende a obter dos

seus agentes uma relação de investimento, decorrente do nível de percepção que

se tem do sentido do jogo, por ele denominada de illusio. O movimento de disputa

que perpassa a história da pedagogia e que hoje ganha relevo por conta das

diretrizes curriculares representa uma expressão desse tipo de investimento.

O estudo da história do Curso de Pedagogia no Brasil, aqui sintetizado pela

via dos seus marcos legais, e o interesse por saber como se posicionam a seu

respeito pedagogos notadamente marcados pelo investimento no campo

acadêmico educacional mobilizaram este empreendimento de pesquisa, levando-

me a investigar a visão de dezessete pedagogos considerados primordiais sobre

esse curso entre nós. As lembranças, opiniões e concepções desses sujeitos sobre

o Curso de Pedagogia constituirão o eixo central de discussão deste trabalho, a

partir de então.

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4 Das trajetórias e memórias de pedagogos primordiais: os primórdios do Curso de Pedagogia no Brasil

Na busca por saber sobre como se posicionam acerca do Curso de

Pedagogia no Brasil aqueles pedagogos que foram testemunhas dos seus tempos

iniciais e que, pela trajetória percorrida, acabaram por ocupar posições

primordiais para o desenvolvimento desse curso, deparei-me com percursos

peculiares e histórias singulares. Cada entrevistado tem uma trajetória própria, que

se encontra com as dos demais no que diz respeito à seriedade, ao investimento e

ao compromisso político em trabalhar pela transformação da realidade

educacional e social de nosso país.

Ouvir esses pedagogos no tocante aos primórdios e à evolução do Curso de

Pedagogia no Brasil me fez conhecer uma face da história de cada um junto com a

história desse curso, perpassada de múltiplos aspectos. Aspectos, dentre outros,

que tocam nas disposições desses agentes para se tornarem pedagogos (ou

professores?), na relação quase, ou mesmo, parental entre os cursos Normal e de

Pedagogia, na cultura própria do curso e no modo como ela foi se reelaborando e

assim imprimindo novos e reafirmando velhos desafios.

Neste capítulo, me deterei na abordagem de aspectos característicos dos

primórdios do Curso de Pedagogia no Brasil, deixando as mutações por ele

sofridas para serem focalizadas posteriormente. A referência principal será o

conjunto de depoimentos dos dezessete pedagogos participantes do estudo, cujas

trajetórias afirmam certamente o protagonismo de cada um deles sobre o início do

curso ou um período bem próximo dele.

Dois grandes temas, decorrentes da análise dos dados construídos,

orientarão as considerações sobre os primórdios do Curso de Pedagogia entre nós:

a relação estabelecida com o Curso Normal e a estabelecida com diferentes

filiações disciplinares.

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4.1. Curso Normal e Curso de Pedagogia: uma relação parental

Falar do Curso de Pedagogia sem falar do Curso Normal parece ser algo

difícil, visto que em todos os depoimentos esta relação se estabeleceu, mesmo no

caso das duas únicas entrevistadas que não ingressaram na Escola Normal. Ao

serem abordados sobre como foi o Curso de Pedagogia que fizeram, os

entrevistados, em sua totalidade, mencionaram aspectos que focalizam

diretamente o Curso Normal, seja para explicar as suas motivações para se tornar

pedagogo, seja para comentar comparativamente o Curso de Pedagogia no tocante

às disciplinas, à metodologia das aulas, aos professores e à própria finalidade

desse curso, seja, ainda, para justificar sua inserção como formador de professores

primários, cujo locus preferencial e, até então, exclusivo, sempre foi a Escola

Normal.

A entrevistada A-30, que não fez nem o Curso Normal nem o de Pedagogia,

portanto uma exceção à regra, já justificada, no decorrer do seu depoimento

trouxe à memória aspectos históricos referentes aos dois cursos, reafirmando,

como testemunha do tempo de criação do Curso de Pedagogia no Brasil, a

transferência que ocorreu de um contexto formador para o outro. Ela explica que

as Escolas Normais isoladas, localizadas em diversas cidades, estados e regiões do

país focavam preferencialmente a formação do docente para o ensino primário,

enquanto que os Institutos de Educação, em menor número, buscavam abarcar,

também, outras frentes formativas. No caso do Instituto de Educação do estado de

São Paulo, criado na década de 30, além de oferecer formação para professores

primários, oferecia cursos de formação pedagógica para professores do ensino

secundário e cursos de aperfeiçoamento para administradores escolares, inspetores

e delegados de ensino. Com a criação do Curso de Pedagogia vinculado à

Faculdade de Filosofia, e não ao Instituto de Educação, o papel desse Instituto é

redefinido e, em boa parte dos casos, seus professores são remanejados para a

pedagogia, continuando a desenvolver no contexto desse novo curso o que já

realizavam nos cursos que ministravam no Instituto de Educação. Na sua

avaliação, o caso de São Paulo é bastante revelador dessa situação.

Tal como rememora a entrevistada, as aulas da primeira turma da Faculdade

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de Filosofia, Ciências e Letras da USP iniciaram em setembro de 1934 no espaço

do Instituto de Educação Caetano de Campos, sob a responsabilidade dos

professores desse Instituto. Mais tarde, em 1938, com a criação da seção de

Educação, que em 1939 passaria a oferecer o Curso de Pedagogia, o Instituto foi

desvinculado dessa universidade e boa parte dos professores transferidos para a

sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tornando-se primordiais para o

processo de implantação do Curso de Pedagogia. Como ela própria diz:

A seção pedagógica do Instituto de Educação foi anexada à Faculdade de Filosofia da USP. Uma vez extinto o Instituto, os professores passaram para a Faculdade, dando continuidade ao que faziam no Normal. [...] Veja, eu estou falando de pessoas muito expoentes. A professora Noemy da Silveira Rudolfer, de psicologia, fazia pesquisas interessantíssimas em um laboratório próprio, que foi freqüentado até por Wallon. O professor Fernando de Azevedo, que foi um dos iniciadores dos estudos sociológicos aqui em São Paulo, participou do processo de criação da USP e instituiu a Cadeira de Sociologia, da qual foi um dos principais catedráticos. O professor Onofre de Arruda Penteado Júnior, do qual fui assistente, foi quem afinal desenvolveu as idéias de uma didática própria para o ensino secundário. O professor Roldão Lopes de Barros foi um dos grandes iniciadores dos estudos sobre administração, tendo como assistente o professor José Querino Ribeiro. Todas essas pessoas são oriundas da Escola Normal e foram grandes iniciadores dos estudos pedagógicos. Formaram muita gente importante. Os estudos de cada um deles representam referências importantes... [...] Sem dúvida, nesses professores você encontra a origem do desenvolvimento da pedagogia (curso) no estado de São Paulo. (Entrevistada A-30)

Como se pode observar, o testemunho dessa entrevistada apresenta um

conjunto de grandes educadores do Brasil, situados no contexto do Instituto de

Educação Caetano de Campos e de sua Escola Normal, cuja história está

intimamente relacionada à origem da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

USP e, portanto, do Curso de Pedagogia que ali se ofereceria. Ponto significativo

é a ênfase que ela faz questão de ressaltar no que diz respeito à importância desses

educadores, cujo trabalho desenvolvido no contexto do Normal se consolidaria no

contexto da Pedagogia, contribuindo para o fortalecimento das pesquisas

educacionais em nosso país e para a formação de gerações e gerações de

pedagogos, professores e pesquisadores. De fato, os entrevistados que cursaram

pedagogia na USP, em diversos momentos de seus depoimentos, fazem menção

ao papel desempenhado por esses e outros professores.

Os fatos narrados vão ao encontro do que situam os historiadores da

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educação brasileira. Tanuri (2000), em artigo que sintetiza a história da formação

de professores no Brasil, sinaliza, dentre outros aspectos, a transferência de

professores do Instituto de Educação de São Paulo para a Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da USP, tal como mencionou a entrevistada A-30. No seu dizer,

o Instituto de Educação de São Paulo, pela sua Escola de Professores, foi incorporado em 1934 à Universidade de São Paulo, passando a responsabilizar-se pela formação pedagógica dos alunos das diversas seções da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que pretendessem licença para o magistério. A desvinculação só se dá em 1938, com a criação da Secção de Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, transferindo-se os catedráticos do Instituto para a nova seção. (Tanuri, 2000, p.73)

Certamente os aspectos que cercam as origens históricas do Curso de

Pedagogia entre nós são bastante intrigantes e instigantes, revelando vários

aspectos de aproximação com o Curso Normal, tal como evidenciam estudos

anteriormente desenvolvidos e, aqui mesmo, já sinalizados, dentre os quais situo

os de Brezezinski (1996) e o de Bissolli da Silva (1999). Todavia, já tendo

brevemente comentado o caso de São Paulo sobre a relação institucional entre a

Escola Normal e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e o destaque de seus

professores nesses tempos primordiais, quero tratar da aproximação entre os

Cursos Normal e de Pedagogia, considerando o que consegui apreender das

análises dos depoimentos, fixando-me em dois aspectos que emergiram com

muita força da fala dos entrevistados.

4.1.1. A normalização impressa pela Escola Normal

O Curso de Pedagogia se afirmou no seu início e, também, durante boa parte

do seu percurso como uma continuidade natural ao Curso Normal. Dos dezessete

entrevistados, quinze são egressos da Escola Normal. Muitos não sabiam que

curso superior fazer ou não tinham condições estruturais de fazer o que

almejavam. No caso dos que não sabiam o que fazer, isso nem era preciso, visto

que a Escola Normal se colocava como uma predefinição.

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É importante salientar que no contexto da história do Curso de Pedagogia,

esboçado no terceiro capítulo, a Escola Normal não se insere oficialmente como

uma precondição, embora o Curso de Pedagogia tenha a sua gênese nos cursos

pós-normais realizados nessas antigas escolas, segundo observou Brzezinski

(1996, p.19).

Os entrevistados enfatizam, de modo geral, a opção pela pedagogia como

algo naturalizado, mesmo quando o interesse inicial recaía sobre um outro curso,

como se pode depreender das suas falas:

Meu desejo era cursar filosofia, mas como tinha feito o Curso Normal, o curso superior possível naquele momento era o de pedagogia. Fui fazê-lo como estratégia para cursar filosofia posteriormente. (Entrevistada B-40)

Eu podia tentar fazer medicina. Mas o fato de ter feito Escola Normal, encaminhava, mais ou menos, naturalmente, para a pedagogia. (Entrevistado C-

50)

Eu tinha vontade de fazer arquitetura. Mas não era usual naquela época uma moça morar longe de casa para estudar, a não ser que fosse em um internato, o que não era o caso. Como fiz Escola Normal, então fui para o Curso de Pedagogia, que era o único existente na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da minha cidade. (Entrevistada F-50)

Eu não pretendia fazer pedagogia. Inicialmente, eu queria fazer francês (...). Mas, quando eu fiz a Escola Normal, eu tive uma professora que me influenciou para a pedagogia. (Entrevistada L-60)

Fui normalista e adorava ser normalista. Tive uma professora de metodologia de ensino que eu gostava muito. Eu me lembro que eu falava assim: Eu quero ser como a senhora. Ela dizia: Então, você tem que fazer pedagogia. Cheguei a fazer inscrição para o vestibular de psicologia, mas resolvi optar mesmo pela pedagogia. (Entrevistada N-60)

Eu gostaria de ter feito letras e não fiz devido às injunções do Curso Normal, que, na minha época, qualificava para a pedagogia. Para cursar letras, teria que ter feito exames complementares para obter um diploma do curso clássico. Não me dispus a isto. Já trabalhava e considerei mais cômodo fazer pedagogia. (Entrevistada P-60)

Psicologia sempre foi a minha primeira opção. Só que, para cursá-la, eu teria que mudar de cidade, o que dependia da autorização e da ajuda da família. A pedagogia era a segunda opção, que foi assumida com a experiência vivida no Curso Normal e no Curso de Aperfeiçoamento. (Entrevistada Q-60)

Como se pode perceber pelos fragmentos acima, a naturalização impressa

pela Escola Normal sobre o Curso de Pedagogia, é algo que se manifestou nas três

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décadas investigadas, mesmo entre aqueles que se situam no meado e no final da

década de 60, quando as possibilidades de ingresso no ensino superior eram

maiores. A dimensão dessa tendência se expressa de tal forma, que alguns

ingressaram no Curso de Pedagogia sem sequer saber sobre o seu destino

profissional, movidos exclusivamente pelo fato da Pedagogia se apresentar como

uma continuidade do Normal.

Eu tinha feito o Curso Normal. Nessa época, eu não tinha muita clareza sobre o que era o Curso de Pedagogia... Sobre quais eram as suas possibilidades profissionais... Eu o considerava como o curso que mais se aproximava do Normal, por isto o mais adequado para eu fazer. (Entrevistada K-60)

Em alguns casos se colocava de forma bastante clara o desejo de ser

professor. Mas essa condição já tinha sido alcançada por meio do Curso Normal.

Qual seria, então, o diferencial? Provavelmente, a possibilidade de atuar no curso

ginasial, como professor de matemática ou história, e de formar professores no

contexto da própria Escola Normal, o que, também, já era experimentado por

alguns dos entrevistados, em especial aqueles que se situam nas décadas de 40 e

50, em função do aumento de oferta do ensino ginasial e da carência de

professores habilitados.

A expansão da Escola Normal, mais do que dos cursos clássico e científico,

a tornou uma opção mais acessível, sobretudo para as mulheres. Vários estudos

cuidaram de analisar do ponto de vista sociológico a inserção das mulheres no

magistério primário, dentre os quais os trabalhos clássicos de Gouveia, 1965, e de

Pereira, 1969, na década de 60; e os de Pessanha, 1994, e de Lelis, 1995, na

década de 90. De um modo geral, observa-se que o determinismo sociológico

sobre a trajetória estudantil e profissional das mulheres, do período estudado

levava sem grandes questionamentos para a carreira do magistério. Os

depoimentos, a seguir, situam bem esse contexto.

Minha mãe era professora, levando-me a acompanhar desde cedo o seu trabalho. Meu pai, por ser um homem muito austero, falava assim: “Filha minha não trabalha em repartição pública. Filha minha só pode ser professora”. Então, tinha uma determinação familiar bastante forte para eu ser professora. (Entrevistada F-50)

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Eu nunca pensei em ser professora. Fiz Escola Normal porque meu pai não me deixou fazer científico numa cidade vizinha. (Entrevistada H-50)

Eu fui para o Normal, e, como eu disse, era uma questão de uma opção que se fazia por tradição. As mulheres iam para o Normal. O colégio que eu estudava só tinha o Normal, não tinha curso científico. Eu teria que mudar para a escola pública e meu pai tinha sonhado que era naquele colégio de meninas que eu ia estudar. [...] Eu me lembro que eu não queria fazer o Curso Normal. Eu cobiçava a opção científica, a faculdade de medicina... Mas não tinha chance porque naquele momento ainda não era tão comum as mulheres saírem de casa para estudar, embora muitas já o fizessem. Mas não para uma família de filhos de libaneses, conservadora... (Entrevistada I-60)

Dada uma tradição cultural brasileira de encaminhar as filhas para o magistério, eu fui para a Escola Normal. Por um lado, pelo meu pai que via nisso uma profissão digna, séria e apropriada para a mulher; por outro lado, pelas professoras que me estimulavam a isso. (Entrevistada P-60)

A análise dos depoimentos confrontada com a história do curso realça que

essa precondição oficiosa interferiu não apenas na escolha do Curso de Pedagogia

como desdobramento do Curso Normal, mas, mais do que isso, no próprio

desenvolvimento do Curso de Pedagogia, como veremos a seguir.

4.1.2. A força do Curso Normal no processo de se fazer professor e a força do Curso de Pedagogia no processo de se fazer pensador da educação

Para a grande maioria dos entrevistados, a formação para se tornar professor

foi obtida por meio do Curso Normal. O Curso de Pedagogia, apesar de se

colocar, também, como agência de formação docente para o Curso Normal, parece

não ter explorado suficientemente a prática desse ofício, segundo os entrevistados.

Entretanto, a pedagogia, principalmente para aqueles que a cursaram nas décadas

de 40 e 50, favoreceu uma sólida formação teórica, condição necessária, na visão

dos entrevistados, para o processo de pensar, refletir, pesquisar e construir

conhecimentos sobre a educação. A partir da análise dos depoimentos identifiquei

dois fatores que considero importantes para a compreensão desse aspecto

referente à relação entre o Curso Normal e o de Pedagogia.

Um desses fatores diz respeito ao modo diferenciado de relacionar a teoria e

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a prática. A colocação “Eu tive um Curso Normal muito forte” apareceu de forma

recorrente, estimulando-me a buscar, nos depoimentos, possíveis indícios dessa

força e se esses indícios apareciam também quando a fala se referia ao Curso de

Pedagogia. O que pude perceber, com os devidos limites, é que as razões

enfatizam aspectos de natureza teórica e prática. De um modo geral, os

entrevistados consideram que fizeram um bom Curso Normal, por meio do qual

aprenderam os fundamentos da educação e as metodologias necessárias ao ofício

docente. Em outras palavras, aprenderam a teoria e a prática. Nessa mesma

direção, eles consideram que, também, fizeram um bom Curso de Pedagogia,

tendo a oportunidade de “estudar em profundidade”, na expressão de alguns

deles, disciplinas de cunho predominantemente teórico, ficando a prática restrita

às disciplinas de didática e metodologia. Relacionei no quadro, a seguir, algumas

falas que considerei emblemáticas para a compreensão desse contexto.

Sobre o Curso Normal Sobre o Curso de Pedagogia

Na minha época a Escola Normal era muito forte. Aprendia-se sobre a educação e sobre ser professor. Tão logo concluí o curso, ingressei no seu corpo docente como professora de português, sabendo o que tinha que fazer. (Entrevistada B-40)

O Curso de Pedagogia era desmembrado em dois (Pedagogia e Didática). Pedagogia formava o bacharel e Didática formava o professor. Tanto no bacharelado quanto na licenciatura, eu observava características da Escola Normal. As disciplinas eram praticamente as mesmas, mas muito mais teóricas e menos práticas. Era um curso que tinha profundidade. Lembro-me de um módulo do curso sobre história da filosofia, que foi tão bom e consistente quanto o que fiz posteriormente na graduação em filosofia. (Entrevistada B-

40)

A base de criação da minha cultura pedagógica se deu no Curso Normal. Do ponto de vista estruturalmente pedagógico, as questões de sala de aula, prática de ensino, didática foram trabalhadas no Normal. No Curso de Pedagogia não houve nenhuma referência significativa a esse respeito. (Entrevistado D-50)

O Curso de Pedagogia acrescentou numa perspectiva diferente. Tive um aprofundamento em filosofia, que até hoje me ajuda. A mesma coisa em matemática e estatística. (Entrevistado D-50)

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Sobre o Curso Normal Sobre o Curso de Pedagogia

O maior respaldo da didática que tive foi do Curso Normal. Nele eu aprendi a prática. (Entrevistada F-50)

Como eu disse para você, tive todas as disciplinas pedagógicas no Curso de Pedagogia, mas com uma carga de teoria bem grande. Eu não tive parte prática. (Entrevistada F-50)

O Curso Normal foi mais forte que o Curso de Pedagogia na parte de métodos e técnicas, de como fazer. (Entrevistada G-

50)

Na universidade, predominavam em geral disciplinas que enfatizavam aspectos mais filosóficos, sociológicos, psicológicos, históricos... A relação com a prática era muito distante. (Entrevistada G-50)

Tive um Curso Normal muito forte. Peguei a primeira leva de professores concursados do estado de São Paulo. Então, eu tive excelentes professores, que apertavam os alunos naquela concepção de que você tinha que saber mesmo. (Entrevistada H-50)

Estudei o Emílio, de Rousseau, na Escola Normal. Quando eu cheguei na universidade, o Rousseau foi posto num contexto. Então ele adquiriu outro sentido, porque eu fui ler outras obras dele e não só o Emílio. [...] Tínhamos a didática e a prática de ensino. A prática de ensino discutia mais a questão metodológica geral, as possibilidades do planejamento diário, a questão da sala de aula. [...] Um universo se abriu... Psicologia, Sociologia, Filosofia, História da Educação... Foi um aprofundamento imenso! Nós éramos formados para pensar a educação nas suas diferentes vertentes. (Entrevistada H-50)

O Curso Normal tinha um viés mais prático, mas assim mesmo não tinha muito estágio. Eu lembro que o Ensino Normal foi muito fraco na prática de ensino. [...] Era um curso meio formalista, meio cartorial, enfatizando, por exemplo, como é que se faz uma caderneta escolar, como é que se prepara uma aula. (Entrevistada

I-60)

O Curso de Pedagogia, evidentemente, era centrado em matérias muito mais teóricas do que o Curso Normal. (Entrevistada I-

60)

O Curso Normal habilitava muito bem para a docência. (Entrevistada N-60)

A questão de como ser professor não entrava no Curso de Pedagogia. Os estudos eram no campo da história da educação, da filosofia da educação, da sociologia da educação... Estudávamos muito sobre cultura brasileira. Era um curso muito forte do ponto de vista de pensar a educação. (Entrevistada N-60)

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Nota-se, então, que o Curso de Pedagogia assumiu desde o início uma

feição bastante parecida com a do Curso Normal, no que diz respeito às suas

disciplinas, no entanto, enfatizou mais a dimensão teórica do que a dimensão da

prática. Talvez essa difusa relação teoria-prática no tocante aos dois cursos em

questão possa ser assim expressada: no Curso Normal, predominou a ênfase na

prática com “muita” teoria e no Curso de Pedagogia predominou a ênfase na

teoria com “pouca” prática.

Entretanto, há que se destacar que um dos entrevistados (I-60) chama

atenção, em seu depoimento, para o fato de que a prática predominante no Curso

Normal que fez se mostrou demasiadamente formalista, centrando-se mais em

aspectos relativos, por exemplo, à preparação de aula. A aprendizagem sobre

como alfabetizar e ensinar aritmética, dentre outras, não foi explorada. A fala

dessa entrevistada merece atenção, pelo fato de ser dissidente, no sentido de que

nenhum outro depoente tocou diretamente nessa dimensão da prática, como

também, pelo fato de que essa visão é apresentada por uma aluna do curso, que se

tornou, mais tarde, pesquisadora da história do Ensino Normal. Vejamos o que ela

própria diz:

Eu lembro que o Ensino Normal foi muito fraco na prática de ensino. Por exemplo, prática de alfabetização eu não aprendi. Mesma coisa com o ensino de aritmética, eu não aprendi como é que se ensina aritmética na escola primária. Era um ensino meio formalista, como é que se faz um diário de classe, como é que se faz um plano de aula... Eu estudei história do Ensino Normal, você sabe disso. Essa parte metodológica de que tanto se fala, da prática de ensino, eu não consigo ver nos antigos Cursos Normais, nem naqueles que eu tomei como objeto de estudo. (Entrevistada I-60)

Como disse anteriormente, os entrevistados, na sua maioria, referem-se ao

Curso Normal como determinante para a sua formação de professor, sobretudo

porque a prática foi bastante considerada, sem desmerecer as disciplinas de

fundamentação pedagógica. Todavia, alguns deles, quando fazem referência à sua

iniciação na docência de classe primária, claramente sinalizam que não sabiam

como proceder junto às crianças, em especial no que diz respeito ao aprendizado

inicial da leitura e da escrita, corroborando o que apontou a entrevistada I-60.

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Eu não sabia o que eu ia fazer da minha vida porque naquela época quem passasse em primeiro lugar na Escola Normal ganhava a “cadeira prêmio”. Eu ganhei a “cadeira prêmio” e fiquei afastada, comissionada, para fazer o Curso de Pedagogia na USP. Terminado o curso, eu tinha que assumir a “cadeira prêmio”, e eu não sabia o que fazer com as criancinhas. Eu entrei em pranto e desespero... É verdade! (Entrevistada H-50)

Terminei a Escola Normal e imediatamente eu ingressei no Curso de Pedagogia da USP. Meses depois eu recebi um prêmio pelo meu desempenho durante todo o Normal. Chamava-se “cadeira prêmio”, que o governo do estado concedia aos melhores alunos da Escola Normal. [...] Fui, então, escolher o meu lugar no sistema público e fiquei assustada porque me deram uma 2ª série de alunos repetentes, que não sabiam ler. Ninguém me ensinou a alfabetizar... Eu não sei se eu tive alguma aula sobre métodos de alfabetização... Eu não sei. Eu não posso dizer que não tive aula sobre alfabetizar. Mas eu era boa aluna, aprendia o que me ensinavam e quando comecei a trabalhar eu não sabia alfabetizar. (Entrevistada L-60)

Eu cheguei chorando em casa depois de seis meses dando aula. Eu era uma das melhores alunas do Normal. Tinha tirado 10 em didática, 10 em metodologias, 10 em prática... e não conseguia dar aula!!! Só 12 alunos de uma classe de 23 estavam conseguindo aprender a ler. Eu não me conformava de ter estudado tanto, de ter feito um curso excelente e não conseguir alfabetizar. Os alunos da 2ª e da 3ª séries estavam todos muito bem, mas os da alfabetização... Quem me ensinou a alfabetizar foi uma amiga que eu tinha, que mais tarde ganhou o prêmio de 50 anos como a melhor alfabetizadora do estado de São Paulo. (Entrevistada M-60)

Como se pode ver, a prática e a sua relação com a teoria representam algo

bastante complexo, suscitando problematizações sobre onde e como se formam os

professores, assim como sobre os limites e as possibilidades da formação inicial e

da continuada, remetendo-nos, também, para outras perspectivas de estudo, dentre

as quais aquelas que se referem à socialização e ao desenvolvimento profissional.

Entretanto, no contexto do estudo realizado, considero importante salientar

que a ênfase na dimensão prática do Curso Normal se constituiu, no meu

entender, como o principal indício da força desse curso para os entrevistados.

Ainda que a prática tenha sido restrita, parece que ela não deixou de ser o mote

principal do curso realizado, para o qual convergiram todos os demais estudos de

fundamentação, que se tornaram decisivos no processo de se fazer professor.

No caso do Curso de Pedagogia, contrariamente a força recaiu sobre os

estudos teóricos, que, se por um lado, essa força fez calar a prática, por outro

favoreceu uma compreensão mais crítica dos fatos sociais e, portanto, também, da

prática pedagógica. Reside nesse ponto o outro fator destacado durante as

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análises. Ele diz respeito à força dos estudos teóricos sobre educação.

Em vários depoimentos, observei que os entrevistados, buscando diferenciar

o Curso de Pedagogia do Curso Normal, identificam na dimensão teórica o viés de

distinção. Do conjunto de depoimentos, chama atenção, inicialmente, a fala das

entrevistadas F-50 e H-50, que usam a expressão “pensador”, deixando antever

que o foco principal do curso estava ajustado na perspectiva de formar

profissionais com essa finalidade.

O bacharelado tinha a missão de formar o cientista, o pensador da educação. (Entrevistada F-50)

Qual foi o espírito do Curso de Pedagogia que eu fiz naquela época? Era de um pensador em educação. (Entrevistada H-50)

As duas entrevistadas fizeram o curso em fins dos anos 50 e início dos anos

60, quando vigorava o primeiro marco legal. Tal como esboçado no anexo 5, a

estrutura do curso, nos seus primórdios, considerava uma série de disciplinas de

fundamentos, predominando, de fato, a dimensão teórica. Entretanto, no tocante à

finalidade do curso, buscava-se formar no bacharelado o técnico de educação e na

licenciatura o professor da Escola Normal. O propósito de formar um pensador

em educação, capaz de teorizar sobre ela e propor ações referentes aos processos

por ela desencadeados, não se manifestou com muita clareza no contexto da lei,

mas parece ter encontrado alcance no contexto do curso.

Bissolli da Silva (1999) discute essa questão, pontuando que, na sua

organização inicial, o Curso de Pedagogia previu a formação do bacharel sem

apresentar elementos que caracterizassem o trabalho por ele a ser exercido. A

finalidade do bacharelado era identificada no bojo daquelas definidas para a

Faculdade Nacional de Filosofia, que se dirigia ao preparo da intelectualidade que

exerceria as altas atividades culturais no país. Porém o diploma de bacharel em

pedagogia conferiria ao portador, a partir de 1º de janeiro de 1943, quando,

subentende-se, a primeira turma estaria formada, a possibilidade de ocupar cargos

de técnicos de educação do Ministério de Educação. Para esta autora, organizou-

se um currículo que não incluiu o mínimo necessário à formação de um

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profissional pouco identificado.

Para o entrevistado C-50, os estudos desenvolvidos durante o Curso de

Pedagogia foram determinantes para a continuidade de sua trajetória,

influenciando na definição do seu objeto de pesquisa e na implementação do

trabalho que empreendeu para levá-lo a efeito. Escolhi uma parte do seu

depoimento bastante longa, mas que revela traços que evidenciam a sua

constituição enquanto, também, “pensador da educação”.

Estudei muita teoria no Curso de Pedagogia. A começar por um curso de sociologia que fiz com o professor Antônio Cândido. Foi com ele que eu li As regras do método sociológico, de Durkheim. [...] O Curso de Pedagogia, com todos esses professores que eu indiquei (Antônio Cândido, Fernando de Azevedo, Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros...), me deu uma formação teórica muito sólida. [...] Quando fui pra Araraquara para dar aula de pedagogia geral no Curso de Pedagogia, não sabia direito o que que era. Foi, então, que comecei a pensar um esquema teórico de análise em três níveis: nível da sociedade, nível do sistema escolar e nível técnico-pedagógico. Eu tentei pensar cada um desses níveis com base no que havia estudado e articular um com o outro. [...] Qual era a minha preocupação? Na época, a história da educação era mais ou menos considerada como disciplina autônoma e era muito fraquinha ainda. Estava começando a se desenvolver. Então, eu pensei que não tinha sentido desligar educação, história da educação escolar e sociedade. Por outro lado, eu considerava, também, que não adiantava você elaborar o que se chama teoria, doutrina ou pensamento educacional, se ele não tivesse condições de ser operado no chão da fábrica, ou seja na sala de aula. Daí o nível técnico-pedagógico. [...] O que eu pretendia era trabalhar com meus alunos no nível desse pensamento e no nível do que consegue realizar, na prática, esse pensamento. (Entrevistado C-50)

O primeiro aspecto que emerge deste depoimento diz respeito aos

professores. Uma possível razão para a ênfase teórica do Curso de Pedagogia

nessa época reside no perfil de seu corpo docente. O entrevistado refere-se a

grandes nomes da educação brasileira, tal como o fez a entrevistada A-30. Ele

teve o privilégio, assim como boa parte dos demais, de ser aluno de pessoas

expoentes. Mais adiante comentarei sobre o perfil dos professores do Curso de

Pedagogia em seus primórdios, entretanto considero necessário sinalizar aqui a

observação a respeito de que muitos desses professores, ainda que bem formados

e bem situados no contexto acadêmico, não conheciam o “chão da fábrica”,

expressão usada por esse entrevistado. Esta hipótese ganha mais evidência na fala

das entrevistadas G-50 e I-60, ao explicar a desvinculação de seu Curso de

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Pedagogia com a escola:

Os professores de então estavam dando aula no Curso de Pedagogia, mas não tinham formação na área de educação. Eram excelentes professores, que faziam parte do primeiro grupo da PUC-Rio. Mas eles vinham do Direito... da Sociologia... da Teologia... da Filosofia... A maior parte vinha de uma área específica. Não eram pessoas que vinham da Educação e muito menos que tinham experiência em escola de 1ª à 4ª séries. (Entrevistada G-50)

Já na faculdade, o vínculo com a escola primária desapareceu de vez. O meu Curso de Pedagogia não teve qualquer vínculo com a escola básica, por mais que a gente fizesse algumas atividades que envolvessem as escolas da cidade. Os professores que estavam ali desconheciam totalmente a realidade do ensino primário. Eles não vinham da escola primária, eles não tinham a menor idéia do que ela era... (Entrevistada I-60)

A falta de contato com o trabalho pedagógico realizado na escola

forçosamente faz destacar a dimensão teórica, visto que com ela esses professores,

ao que parece, mantinham um contato contínuo.

O segundo aspecto que merece consideração no depoimento do entrevistado

C-50 tem relação com a forma como a teoria estudada se transforma em uma

importante ferramenta diante de situações novas e desafiantes, tal qual aquela que

envolveu esse entrevistado no início de sua trajetória de formador de pedagogo.

Sem muita clareza acerca de como caminhar com uma disciplina intitulada teoria

geral da pedagogia, resolveu pensar um referencial teórico próprio, exercício

típico de quem assume a condição de “pensador da educação”. Certamente, as

condições para investir em tamanho desafio não se restringiram às leituras

realizadas e às experiências obtidas durante o Curso de Pedagogia. Outras

vivências contribuíram para isso. O esquema teórico mencionado integra sua tese

de livre-docente, cujo trabalho se tornou um marco na história da educação

brasileira. Todavia, ele não deixou de ressaltar o lugar ocupado pelo Curso de

Pedagogia na sua formação. Por esta via, parece mesmo que a força do seu curso

se movia em torno do ato de pensar, teorizar e refletir sobre o processo

educacional.

Por último, o depoimento destacado deixa entrever um aspecto bastante

importante dessa dimensão teórica: a preocupação com a prática. Se por um lado a

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força teórica faz silenciar a prática, por outro essa força adquire mais sentido e,

portanto, ainda mais força, quando se materializa no contexto da prática.

Repetindo o que disse o entrevistado, “O que eu pretendia era trabalhar com

meus alunos no nível desse pensamento e no nível do que consegue realizar, na

prática, esse pensamento”. Vemo-nos, então, diante do problema fundamental da

pedagogia (Saviani, 2007b, p.102), que, por definição, é, em si mesma,

constitutiva dessa complexa relação: pensar e praticar a educação.

4.2. Diferentes filiações disciplinares: a força/fraqueza da pedagogia?

No âmbito do estudo realizado, os pedagogos entrevistados enfatizaram, de

um modo geral, que a abrangência da pedagogia, possibilitada pela sua estreita

relação com diferentes áreas disciplinares, representou o grande diferencial do

curso. Se, por um lado, a multiplicidade de estudos teóricos contribuiu para

engendrar um quadro de dispersão da própria pedagogia, acirrando a tensão acerca

da inconsistência de um possível estatuto teórico próprio, o diálogo com a

filosofia, a psicologia, a sociologia, a história, dentre outras filiações teóricas, fez

crescer o seu domínio de conhecimento. Os primórdios do Curso de Pedagogia no

Brasil, segundo declararam os entrevistados, foram marcados por uma série de

aspectos que, de algum modo, afirmam o lugar ocupado pelas diversas disciplinas

teóricas.

Na seção anterior, os eixos teoria e prática ocuparam boa parte da discussão

no que tange à relação entre os Cursos Normal e de Pedagogia. Nesta parte, esses

eixos voltam à discussão, agora em diálogo com outros eixos identificados na

análise dos depoimentos, convergindo, entretanto, para as disciplinas que são

contributivas para a pedagogia. Pretendo, a partir do que situam os entrevistados,

comentar o papel da teoria, da prática, da pesquisa e dos professores, nos

primórdios do Curso de Pedagogia no Brasil. Esclareço, desde já, que a ênfase na

teoria ocupará grande parte da discussão, visto que a tendência predominante dos

tempos iniciais do Curso de Pedagogia entre nós se estabeleceu por meio desse

componente em contraposição ao da prática.

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4.2.1. A multiplicidade teórica

Em todos os depoimentos manifestam-se referências aos limites e às

possibilidades da teoria como componente constitutivo do Curso de Pedagogia.

Alguns entrevistados chamam atenção para sua importância, quando comentam

suas motivações para a entrada no curso. Quando abordam as experiências

formativas reunidas no decorrer do curso, os entrevistados, também, deixam

antever uma série de aspectos referentes aos estudos, que evidenciam o

movimento teórico empreendido.

Sobre a entrada no curso, os entrevistados D-50, E-50, H-50 e J-60 apontam

a abertura teórica, o ecletismo, a pluralidade e a abrangência como marcas

diferenciais importantes. Trazendo fragmentos da fala de cada um deles:

A abrangência de estudos teóricos era um fator de atração para o curso. Quem fizesse pedagogia nessa época poderia, além de ensinar as chamadas disciplinas pedagógicas no Curso Normal, também trabalhar como professor de história e de matemática, que era um registro assegurado por conta talvez de certo ecletismo, que já havia desde o começo do curso. [...] Isso talvez devesse contribuir para os alunos entrarem no curso porque ele tinha opções maiores do que outros cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. (Entrevistado D-50)

No Maranhão as opções eram muito mais estreitas. O que eu poderia fazer? Um Curso de Direito? Não, não era isto que eu queria... Achei interessantíssimo quando me aproximei da pedagogia para ver se a faria e me deparei com as opções que ela trazia por dentro dela mesma. Tinha história, sociologia, filosofia que eu amava... Eu não queria fazer só filosofia. A minha opção foi pela pluralidade e até quero dizer uma coisa muito importante, que só hoje compreendo, foi pelo não fechamento teórico da pedagogia. (Entrevistada E-50)

O Curso de Pedagogia era um curso aberto, cheio de possibilidades teóricas, no qual eu poderia estudar psicologia, filosofia... [...] Primeiro eu tive história da filosofia para depois ter filosofia da educação. As coisas adquiriam um sentido bem mais abrangente. (Entrevistada H-50)

O Curso de Pedagogia me pareceu aberto para o mundo. Ele foi efetivamente uma janela aberta para a vida a partir de várias áreas teóricas, como, por exemplo, a psicologia, a filosofia, a sociologia... (Entrevistada J-60)

Depreende-se, então, que a possibilidade de estudar conhecimentos

diversificados em um único curso representou, de algum modo, um atrativo para a

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pedagogia. Por meio das disciplinas constitutivas do curso, se poderia estudar uma

gama de conhecimentos provocativos de um diálogo multidisciplinar, o que se

mostrava, aos olhos dos entrevistados, como elemento de força da pedagogia.

Observando o anexo 5, verifica-se que o conjunto de disciplinas que

compunha a organização curricular do curso, de fato, considerava essencialmente

matérias de filiações teóricas diversas. No período compreendido entre os anos de

1939 a 1962, em que se situa a maior parte dos entrevistados como estudante de

pedagogia, a organização curricular oficial, conforme o Decreto-Lei nº.

1.190/1939, constava das seguintes disciplinas: psicologia da educação I, II e III;

sociologia; fundamentos sociológicos da educação; história da filosofia; história

da educação I e II; fundamentos biológicos da educação; complementos de

matemática; estatística educacional; administração escolar I e II; didática geral e

didática especial.

Vinte e dois anos depois, quando a base curricular foi alterada pelo Parecer

nº. 251/1962, nota-se, além das disciplinas de natureza predominantemente

teórica, a entrada de alguns componentes de natureza mais instrumental. As

disciplinas obrigatórias eram: psicologia da educação; sociologia geral; sociologia

da educação; história da educação; filosofia da educação; administração escolar;

didática e prática de ensino. As disciplinas optativas, a serem cursadas no mínimo

de duas, eram: biologia; história da filosofia; estatística; métodos e técnicas de

pesquisa pedagógica; cultura brasileira; educação comparada; higiene escolar;

currículos e programas; técnicas audiovisuais de educação; teoria e prática da

escola média e introdução à orientação educacional.

Anos depois, em 1969, as disciplinas constitutivas do curso se modificariam

em função da inserção das habilitações de especialização do pedagogo. Mais

recentemente, em 2006, o quadro curricular também foi alterado em decorrência

da aprovação das diretrizes curriculares nacionais para o Curso de Licenciatura

em Pedagogia.

De um modo geral, entendo que as disciplinas teóricas no bojo das

diferentes composições curriculares do curso buscam representar tentativas de

compreensão do processo educativo, núcleo fundante da pedagogia. Como a

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educação é em sua essência diversa e plural, a possibilidade de estudá-la e de

propor alternativas ao seu desenvolvimento também se multiplica.

Contraditoriamente, o diverso fortalece e enfraquece. Fortalece no sentido das

múltiplas contribuições que dele advêm e enfraquece no sentido da dificuldade de

ater-se a um ou outro eixo para aprofundamento. Expressões do tipo: “sabe-se de

tudo um pouco” ou “sabe-se nada de muito” são bastante usuais entre os

estudantes de pedagogia hoje. Todavia, a fala dos entrevistados não deixa

transparecer essa idéia. Ao contrário, deixa parecer que, nos primórdios, a ênfase

na diversidade de conhecimento teórico era fundamental, com todos os limites que

tal opção representava.

Linhares (1998), discutindo a onda de reformas educacionais empreendidas

na década de 90 e como esta fez estremecer, tal qual um terremoto, o Curso de

Pedagogia, usa o termo “excêntrico” para caracterizar esse curso. Tomando o

significado de excêntrico como ausência de centro, justifica que,

a rigor, o Curso de Pedagogia nas suas tentativas de apreender conceitualmente um processo tão diverso e plural como é a educação, que de tão extensivo abarca todas as dimensões humanas, acaba por definir-se pela sua impossibilidade de ater-se a um centro. (Linhares, 1998, p.25)

No entender de Linhares, a falta de delimitação do centro pode deixar a

pedagogia à deriva, tendendo ora para uma perspectiva teórica, ora para outra.

Todavia, entende esta autora que a pedagogia é excêntrica porque é plural, sem

um eixo singular de sustentação, visto que a educação humana enquanto objeto do

seu campo também não dispõe de um centro. Nesse sentido, tal condição não pode

resultar no distanciamento da pedagogia de sua responsabilidade de chamar a si as

questões teóricas que têm como investida a formação humana.

A entrevistada E-50 não escondeu seu fascínio pela amplitude da pedagogia,

mas fez questão de ressaltar o perigo que tamanha abrangência pode representar.

Na sua avaliação,

hoje em dia, diferente daquela época, fala-se em tudo sem se aprofundar em nada, correndo o risco de fazer do curso um espaço de fomento ao pensamento único. Todo esse “lequetrefe” de autores que são apenas pinçados passa a entrar como

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colaboradores de um discurso homogeneizador, sem a produção da diferença, da conjugação de conceitos abertos. Você repete muito, reproduz muito... (Entrevistada E-50)

Analisando todos os depoimentos e percebendo como a discussão teórica,

enquanto marca primordial do Curso de Pedagogia realizado pelos entrevistados,

apareceu com tanta veemência, fico a pensar se tal discussão era de algum modo

contributiva pela e para a pedagogia. Seria a pedagogia estudada no seu curso? Ou

o aprofundamento a que se referem os entrevistados se ateve à especificidade das

diferentes áreas teóricas que ajudam a constituir a pedagogia, sem que a mesma

fosse problematizada? Vejamos como o papel da teoria se apresenta, aos olhos

dos entrevistados, no decorrer do curso.

Quanto à formação recebida ao longo do curso, por meio das disciplinas

estudadas, os entrevistados apontam uma série de aspectos relacionados à solidez

teórica. Cinco pontos merecem nossa atenção, considerando a recorrência com

que apareceram nos depoimentos. São eles:

a) Grandes disciplinas com carga horária ampla, mas em número

reduzido, facilitando o estudo aprofundado

O Curso de Pedagogia organizado sob o parâmetro dos dois primeiros

marcos legais pode ser considerado um curso estruturalmente simples, visto que

as habilitações23 ainda não tinham entrado em cena. No contexto dessa estrutura, o

que se observa, como já comentado, é o predomínio de disciplinas teóricas que,

pelas próprias características da época, eram grandes disciplinas, mas em reduzido

número. Tal condição é um detalhe importante, já que prevalecia um quantitativo

menor de rubrica com uma carga horária relativamente expressiva, favorecendo

uma reflexão mais aprofundada, articulada e continuada.

Separei fragmentos dos depoimentos de duas entrevistadas que cursaram

pedagogia no mesmo período (1958-1961 e 1959-1962), mas em instituições 23 As habilitações em Orientação Educacional, Administração Escolar, Supervisão Educacional, Inspeção Educacional e Magistério para o Ensino Normal foram instituídas em abril de 1969, por meio do Parecer CFE nº. 252/69.

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diferentes, tanto no que diz respeito à localização (Goiás e São Paulo), quanto no

que diz respeito à origem (privado e público), para destacar que o contexto do

curso, de um modo geral, era marcado pela ênfase teórica. Nos dois depoimentos

aparecem referências às disciplinas e ao tempo dedicado para o seu estudo. As

duas entrevistadas ressaltam o estudo em profundidade. Os demais depoimentos

também focalizam essa perspectiva. Nesse sentido, parece que o sentimento de

atração manifesto no momento de entrada no curso, dada a amplitude de seu

domínio de conhecimento, se manteve, também, no seu decorrer em função do

tempo propiciado ao estudo, permitindo dedicação, investimento e

aprofundamento.

Obtive uma formação teórica forte porque foram três anos estudando as disciplinas pedagógicas. Eu estudei por muito tempo psicologia da educação, filosofia da educação, sociologia da educação, história da educação... Não eram 75 horas de história da educação não! Então, foi muito denso o estudo, porque o curso era somente dedicado a estudar as questões da educação. Você tinha mais tempo para aprofundar o conteúdo. (Entrevistada F-50)

Eu tive um encantamento porque meu curso [não sei se você já entrevistou mais alguém] foi muito pesado. Tinha matemática, que eu adoro; filosofia mesmo, geral; sociologia geral; psicologia geral; história da educação... E assim: Três anos de história da educação... Três anos de filosofia da educação... Depois dois anos de sociologia da educação, psicologia da educação, psicologia da aprendizagem... Dois anos de estatística, um ano de matemática... Bem pesado! Eu me encantei com aquela formação. Eu senti que estava tendo realmente uma formação ampliada e aprofundada. (Entrevistada H-50)

No âmbito das disciplinas, a filosofia foi a mais citada pelos entrevistados

das três décadas, como contributiva da densidade teórica que marcou o curso,

mesmo quando se ateve aos estudos dos clássicos, deixando de abordar

perspectivas sobre a educação brasileira. Em todos os depoimentos identifica-se

alguma referência ao estudo da filosofia, aqui sintetizada nas expressões de duas

entrevistadas, que se situam como alunas do curso nas extremidades do tempo

(meado da década de 40 e final da década de 60).

Uma disciplina que marcou muito o curso, talvez porque eu tivesse um interesse especial por ela, foi a de história da filosofia. O módulo foi muito bom, consistente... O professor tinha uma formação muito sólida e passou isto para a gente. (Entrevistada B-40)

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O que senti no curso, na época, era que a carga em filosofia e psicologia exercia uma influência muito grande. Se você examinar o meu histórico, você vai observar que a carga de filosofia era tão grande, que a gente saía com um certificado de formação filosófica, paralelo ao diploma de pedagogia. Era forte a preocupação com a filosofia de vários tipos: história da filosofia, introdução à filosofia, filosofia geral, filosofia da educação, filosofia cristã etc. (Entrevistada Q-60)

b) A centralidade dos clássicos

A bibliografia pedagógica constituiu um problema no início do curso, visto

que o material existente entre nós nessa época era predominantemente importado.

Apesar das limitações observadas, os entrevistados, na sua quase totalidade,

fazem referência à presença dos clássicos nos estudos pedagógicos e à posição

central por eles ocupada para favorecer o conhecimento da teorização elaborada

nas diferentes disciplinas que integravam o currículo da pedagogia. Entretanto, a

unanimidade em relação à centralidade dos clássicos não quer dizer consenso em

relação ao papel por eles exercido.

A entrevistada A-30, professora do curso desde quando ele foi criado, faz

questão de ressaltar que os livros considerados “clássicos” eram muito usados nas

aulas, mas tinham aspectos que precisavam ser problematizados, uma vez que

suas idéias eram boas, mas demasiadamente utópicas, carecendo de

experimentação. De um modo geral, a ênfase recaía na relação entre pedagogia e

ensino e não entre pedagogia e educação, reduzindo as possibilidades de reflexão

e de compreensão da pedagogia como fonte teorizadora da educação.

Diferentemente, o entrevistado C-50 considera que a oportunidade de

estudar tendo como principal fonte os clássicos da pedagogia representou a

ampliação de seu horizonte intelectual. Estudos tais como o de Paidéia, A

República, de Platão, Didática magna, de Comênio, Emílio, de Rousseau, dentre

tantos outros, se constituíram em fermentos para novas e contínuas reflexões,

imprimindo mais criticidade aos estudos teóricos.

A entrevistada G-50 apresenta um outro aspecto para apimentar essa

discussão. Segundo o seu relato, além do estudo dos compêndios de pedagogia,

que abordavam a história e a filosofia da educação desde a antiguidade grega,

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liam-se os clássicos filiados ao movimento da Escola Nova, prevalecendo a

tendência européia. Nesse sentido, sobressaiu durante o curso que fez a leitura de

textos de Montessory, Decroly, Freinet, dentre outros. As idéias do americano

John Dewey também foram bastante estudadas. Todavia, o ideário escolanovista

desencadeado no Brasil, nas décadas de 20 e 30, em especial por aqueles que

foram considerados os pioneiros da educação nova, não era estudado no curso,

segundo a informante, apesar de cursar pedagogia em fins dos anos 50, quando a

concepção da Escola Nova sofreu outras influências, incorporando nuanças

diferenciadas.

Tal perspectiva se encontra com a fala do entrevistado O-60, que reclamou a

ausência de estudos sobre a educação brasileira. Ele lembra que os clássicos eram

muito considerados, principalmente aqueles referentes à filosofia, porém a

filosofia da educação brasileira não era estudada no curso. Para a entrevistada N-

60, que cursou pedagogia no mesmo período que o entrevistado O-60 (1965-

1968), a história da educação brasileira também não era muito considerada, mas

os clássicos eram estudados tendo como parâmetro a realidade educacional vivida

e percebida na época, o que representava um importante diferencial. No seu dizer,

nós estudávamos bastante os clássicos da pedagogia: Sócrates, Aristóteles, Platão... A República, de Platão, era muito estudada, mas pontuada com a realidade educacional da nossa época, fazendo toda a diferença. (Entrevistada N-60)

Apesar de pontos de vista diferentes, identificados no conjunto de

depoimentos, não há divergência no que tange ao lugar dessa literatura no Curso

de Pedagogia. Pode-se afirmar que a base teórica dos estudos desenvolvidos no

curso se elaborou em torno dos denominados “clássicos da educação”. A fala da

entrevistada I-60 sintetiza essa idéia:

Em história da educação, eu tive que ler os clássicos, que não estavam traduzidos para o português. Tive que ler, em francês, a Ilíada, a Odisséia, alguma coisa de Platão e Aristóteles, a Paidéia. A filosofia só chegou até a Idade Moderna, não atingindo a Idade Contemporânea... A parte da história da educação institucional propriamente dita, o surgimento dos sistemas nacionais de ensino, da educação estatal, quase não foi contemplada. Dali para cá, praticamente, foi a história dos grandes pensadores só e com leituras em francês, alguma coisa em espanhol... Era

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um curso teórico mesmo. Naquilo que se chamou Ciências da Educação. (Entrevistada I-60)

Saviani (2003), em um de seus textos, já considerado clássico sobre a

educação, discorrendo sobre a sua natureza e especificidade, ao abordar a

identificação dos elementos culturais a serem alvo do trabalho educativo, chama

atenção para a importância da noção de “clássico”. Para este autor, o clássico não

se confunde com o tradicional e também não se opõe, necessariamente, ao

moderno e muito menos ao atual. Trata-se daquilo que se firmou como essencial,

resistindo aos embates do tempo. Nesse sentido, parece que os clássicos, pela

própria natureza, constituem uma referência crucial para a compreensão do

fenômeno estudado, devendo seu estudo ser perpassado do exame crítico e

rigoroso, próprio do trabalho intelectual.

c) Bibliografia predominantemente importada, exigindo dos alunos o

domínio de diversas línguas

Como se pode perceber pela fala anterior da entrevistada I-60, os alunos dos

primórdios do Curso de Pedagogia tinham que dominar outros idiomas, em

especial o inglês e o francês, além do espanhol. A carência de bibliografia

nacional sobre os estudos referentes à pedagogia levou os primeiros professores a

trabalharem predominantemente com literatura nesses idiomas. Com o tempo, os

professores foram elaborando material próprio, síntese das traduções que faziam.

Ainda assim, o encaminhamento de ler a bibliografia original não deixou de

aparecer, fazendo conviver, no curso, as propostas de leituras estrangeiras e de

apostilas organizadas pelos professores.

Esse aspecto saiu naturalmente na fala dos entrevistados, quando indagados

acerca da formação recebida, do estilo de desenvolvimento das disciplinas, do tipo

de trabalho acadêmico predominante, dos habitus professorais, sendo recorrente

em quase todos os depoimentos, o que evidencia o aparecimento de um traço

bastante peculiar e forte para os alunos dessa época. Vejamos o que dizem três

entrevistados a esse respeito:

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O professor Onofre me entregou a disciplina didática da história e da geografia. A literatura existente em português não tratava de quase nada. Naquela época o que tínhamos era uma tradução da obra de Aguayo sobre a didática da escola nova. Então, nós passamos a trabalhar com muita literatura americana. (Entrevistada A-

30)

Eu não lembro o nome do livro, mas apareceu um livro americano, de sociologia sistemática, que o professor Antônio Cândido pediu para as livrarias importarem. Nós tínhamos que ler em inglês. Eu lembro que nós brincávamos uns com os outros, dizendo que boiávamos em dois níveis: era no inglês e na sociologia. Mas o curso foi praticamente assim... Nós aprendemos bastante e eu acho que fui um aluno razoável. (Entrevistado C-50)

Eu lia todos os livros em francês ou quando tinha uma “glória” em espanhol, porque senão eu não teria condições de acompanhar as aulas. [...] Agora, quer que eu lhe diga uma coisa? Éramos todos provenientes de escolas públicas e sabíamos ler em francês, em inglês e em espanhol... (Entrevistada L-60)

Pelas falas desses entrevistados, que se situam em décadas diferentes,

notamos que o domínio de outros idiomas representou uma condição necessária

ao estudante de pedagogia. O estudo teórico empreendido no decorrer do curso

não só contava com uma carga horária expressiva, como se centrava nos clássicos,

em especial naqueles de literatura inglesa e francesa. Pois bem, como esses alunos

se organizavam para cumprir as exigências das disciplinas, dando conta inclusive

de uma gama de leituras em outros idiomas? Uma das estratégias trouxe

visibilidade ao quarto ponto observado nas análises, cuja menção apresento a

seguir.

d) O hábito de estudar, a cultura da biblioteca e dos grupos de estudo

Em alguns casos, o Curso de Pedagogia era novo, por vezes o único

oferecido pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da cidade, não

apresentando aos alunos uma cultura acadêmica previamente definida. Entretanto,

dado o papel desempenhado pela teoria, tal como venho, por meio dos dados,

evidenciando até aqui, os alunos, naturalmente, buscavam entre si estratégias

favorecedoras ao cumprimento das atividades inerentes ao curso, dentre elas a

abordagem de um corpo teórico bastante diversificado e extenso. Nesse contexto,

a necessidade de muita leitura fora do horário do curso fez a sala de aula se

estender para a biblioteca ou para locais onde grupos de estudo, organizados

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informalmente pelos estudantes, se reuniam.

Como o curso era totalmente novo e a própria faculdade era nova, porque ela começou com o curso, a cultura do ensino superior também era novidade. [...] O programa era levantar cedo, ir para a aula, fazer a tarefa, seminários etc., freqüentar bibliotecas para estudar, sempre visando o curso e o concurso para professor da Escola Normal. (Entrevistado D-50)

O curso era de meio período, mas a gente estudava o tempo inteiro. Eu dava aula particular, corria... Mas estudava o tempo inteiro. (Entrevistada H-50)

É interessante destacar que, em nenhum depoimento, o hábito de estudar

individualmente ou em grupo decorre de uma preocupação com o processo de

avaliação e os resultados que dele advêm. Indiretamente a maioria dos

entrevistados faz referência à necessidade de estudos fora do horário do curso e,

diretamente, seis entrevistados ressaltam tal aspecto. Entretanto, no contexto da

fala de cada um o que se percebe é a preocupação com o acompanhamento das

aulas e o cumprimento com as tarefas acadêmicas como sendo algo intrínseco ao

curso, e, nesse sentido, algo merecedor da atenção de cada um.

A bibliografia na época era toda importada e, portanto, o acesso era difícil, era predominantemente em biblioteca. A produção brasileira sobre a educação brasileira teve mais visibilidade a partir dos anos 80, conosco, então, já na pós-graduação. (Entrevistada J-60)

Naquele tempo, nós tínhamos que freqüentar muito as bibliotecas porque não havia muita bibliografia publicada no Brasil, e se não fosse assim não conseguíamos acompanhar o curso. [...] Por exemplo, eu li O belo e o sublime, de Pestalozzi, na Biblioteca Municipal aos sábados, porque durante a semana o tempo era curto para tanta atividade do curso e também porque o curso já não era de um período só, sendo na parte da manhã e em algumas tardes. (Entrevistada L-60)

A gente formava muitos grupos de estudo para aprofundamento. Eu lembro que eu me interessei por saber um pouco mais sobre Marx, então formei um grupo para aprofundamento dessa temática. Os grupos se organizavam para estudar e não apenas para cumprir as tarefas das disciplinas, do tipo preparar um seminário... (Entrevistada N-60)

Estudar, freqüentar bibliotecas e integrar grupos de estudo fora do horário

do Curso de Pedagogia apareceram, na fala dos entrevistados, como uma condição

necessária ao desenvolvimento desse curso em seus primórdios. Trata-se de uma

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cultura de estudo muito valorizada pela maioria deles, que se instituiu em função

da própria forma do curso e das exigências por ele apontadas, como aborda o

próximo e último ponto referente ao papel da teoria no decorrer do curso.

e) Curso notadamente tradicional, marcado pelo predomínio de aulas

expositivas, trabalho meticuloso de interpretação dos textos e exames de

argüição oral

Fazendo um balanço das características apresentadas pelos entrevistados

sobre a forma como o Curso de Pedagogia se desenvolveu na sua época de

estudante, é possível identificar um conjunto de designações aproximadas em

todos os depoimentos, que apontam para um curso tradicional, marcado por aulas

expositivas, trabalho de interpretação de textos e exames de argüição oral.

Nos depoimentos aparece com muita freqüência a afirmação “o curso era

muito pesado”. Por que pesado? Segundo os entrevistados, porque as aulas eram

muitas e predominantemente teóricas, no modelo tradicional, cujo ensino era, via

de regra, convencional e enciclopédico, marcado por aulas expositivas, repetitivas,

descritivas e interpretativas. Em algumas instituições, as disciplinas eram

ministradas por meio de conferências, visto que as turmas eram muito grandes. A

sala de aula, nesse caso, parecia um pequeno anfiteatro, onde o professor ficava

em um palco para destacar-se dos alunos. Em instituições menores, sobretudo

aquelas do interior paulista, cujos professores eram originários dos seminários

católicos, prevaleceu o trabalho de leitura meticulosa dos textos, típico da teologia

e, também, da filosofia.

Pela descrição acima, fica parecendo que o trabalho dos alunos era ouvir e

reter as informações transmitidas. Mas os depoimentos revelam outras dimensões

do estudo. A densidade teórica, mencionada por quase todos, se construiu não

apenas por meio das aulas expositivas, mas através, também, da realização de

diversos trabalhos acadêmicos. Os entrevistados citam, principalmente, as leituras

com argüição oral, os fichamentos, os seminários e as monografias para

finalização de disciplinas.

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Embora a análise dos depoimentos revele consensualidade no tocante aos

aspectos que acabei de mencionar, o sentimento expresso acerca dessa relação

forma/conteúdo pode ser identificado em dois níveis. O primeiro corresponde a

uma avaliação positiva e o segundo corresponde a uma avaliação negativa.

Dos dezessete entrevistados, oito deixam antever claramente no contexto de

sua fala que a forma de encaminhamento do curso favoreceu positivamente a sua

formação. Tomei a fala da entrevistada H-50 como representativa desse nível

positivo de avaliação.

Fui aluna do Fernando Henrique Cardoso, quando ele era novinho e famoso já na época, porque era a menina dos olhos de Florestan Fernandes. Ele entrou na sala de aula e deu uma lista de vinte livros, sendo dez em francês e dez em inglês, e falou que no final do ano ele iria examinar um por um dos alunos sobre a leitura dos vinte livros, independentemente das demais atividades de sua disciplina. Efeito imediato! Ninguém falou: “A gente vai ter que ler tudo isto?!” Saímos correndo, eu e parte do grupo para aprender inglês porque já líamos francês, outros para aprender francês e outros para aprender os dois, para dar conta daquilo no decorrer do ano. E ele fez exame oral, pegou todas as nossas fichas e discutiu com cada um para ver se tinha lido mesmo. Era outra formação! Outra formação! Agradeço essa formação de base porque saí com outra cabeça! (Entrevistada H-50)

Para cinco dos dezessete entrevistados, a formação teórica recebida não foi

satisfatória, porque se mostrou desvinculada do contexto prático. O investimento

em um estudo demasiadamente formal, sem conexão com a ação, fez sobressair

uma avaliação mais negativa que positiva tal como se pode depreender da fala que

se segue.

O meu Curso de Pedagogia foi um curso clássico, bastante desvinculado da realidade. Tive uma boa iniciação à pedagogia clássica, à filosofia clássica, à história da educação, mas sem chegar à história da educação brasileira. [...] Acontecia o seguinte no curso: Ele era uma bolha! Nós entrávamos numa bolha no início da tarde e saíamos dela no início da noite. É claro que tinha um fascínio! Os professores eram bons. Mas as aulas eram muito tradicionais, repetitivas e repletas de atividades acadêmicas sem relação com a realidade. (Entrevistado O-60)

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4.2.2. O afastamento da prática

O que percebi nos depoimentos dos pedagogos entrevistados foi uma

sinalização explícita acerca do papel secundarizado da prática, ou mesmo da sua

ausência no Curso de Pedagogia, em seus primórdios. Assim, a prática, um

elemento conceitual constituidor da pedagogia, parece não ter encontrado entrada

no seu próprio curso. Segundo Houssaye (2004), a pedagogia pressupõe a junção

mútua e dialética da teoria e da prática educativas pela mesma pessoa. Defende

este autor que a articulação teoria-prática é de tal modo própria da pedagogia, que

é possível identificar um pedagogo pela sua condição de prático-teórico da ação

educativa. Pedagogo é aquele que, ao teorizar sobre a educação, analisa o fato

educativo, mas não pára por aí, segue formulando proposições para a sua prática.

Como, então, um curso que se pretende formador de profissionais para atuar nesse

contexto desconsidera uma dimensão que lhe é específica?

Para Saviani (2007b, p.100), a pedagogia se desenvolveu a partir da estreita

relação que estabeleceu com a prática educativa, ora sendo assumida como teoria

dessa prática, ora sendo identificada como o modo por meio do qual essa prática

se estabeleceria. Trata-se de uma relação conflituosa, sendo em sua essência um

problema constitutivo da pedagogia, visto que a própria conceituação da

pedagogia supõe a afirmação dessa relação.

A estrutura curricular, objeto de discussão do segundo capítulo, não deixa

dúvidas quanto ao lugar desse componente na dinâmica do curso. Mas,

interessada em saber sobre essa perspectiva, visto a importância que tem para o

processo de compreensão conceitual da pedagogia, busquei saber dos

entrevistados um pouco mais sobre isto. A indagação que se colocava era: na

prática, a prática só foi alvo de investimento no final do curso ou as disciplinas

consideradas teóricas abordaram, ainda que indiretamente, os diferentes temas que

lhe são próprios em conexão com a realidade de atuação? Segundo boa parte dos

entrevistados a abordagem da prática ficou, na prática, restrita ao final do curso,

através das disciplinas de didática geral, didática específica ou prática de ensino.

A relação entre pedagogia, didática, prática e estágio pareceu conflituosa

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desde o início. A entrevistada A-30, professora dos tempos iniciais do curso, e

uma das principais referências da construção da didática em nosso país, abordou

essa questão do seguinte modo:

O nosso grande problema desde o início para aproximar a didática da pedagogia foi o estágio. [...] Trabalhamos para conseguir uma prática entrosada com os aspectos teóricos da didática geral e dos aspectos das didáticas específicas. A didática da matemática e a didática da história são diferentes e a prática, no curso, teria que considerar essa diferença. Então, fomos aos poucos organizando um grupo de trabalho sobre a didática, mas até a Reforma Universitária ela ficou muito isolada, sem ligações com os três primeiros anos do Curso de Pedagogia. [...] A nossa grande dificuldade era o estágio, porque num dado momento a legislação exigiu os colégios de aplicação. Conseguimos organizar nosso próprio colégio dez anos depois de consignado em lei. E, ainda assim, era um colégio emprestado pela Secretaria de Educação. Isto por volta de 1957. (Entrevistada A-30)

Como se pode ver, falar do papel da prática no Curso de Pedagogia requer

falar da didática, disciplina a qual coube na primeira configuração curricular do

curso a responsabilidade de abordar a aplicação prática da teoria. Todavia falar de

didática exige um investimento de estudo próprio e aprofundado, dado o caráter

complexo que cerca a sua concepção.

Silva Jr. (2007), colocando fermento no debate inconcluso sobre a natureza

e o significado da pedagogia, alerta que, na perspectiva do “senso comum

pedagógico”, a falta de consenso no tocante à natureza epistemológica da

pedagogia, enquanto campo do saber humano, prejudica o esquema seqüencial

entre pedagogia, didática e prática de ensino. Se a pedagogia não consegue alçar o

estatuto científico, a sua relação com a didática e a prática de ensino é alterada.

Isto porque, enquanto ciência, a pedagogia fundamentaria a didática, que, por sua

vez, enquanto tecnologia, exerceria a mediação favorecedora de uma intervenção

racional sobre a prática de ensino. Trata-se, na análise deste autor, de um esquema

que reproduz a clássica visão da relação teoria-prática a partir da concepção

positivista. Não é o que defende, mas recoloca essa relação para sinalizar que o

problema conceitual e, também, relacional, não está resolvido, o que só faz

aumentar a fragilidade do campo no contexto acadêmico. Na sua visão, identificar

a natureza da pedagogia, ainda que não seja uma ciência, e promover o seu

desenvolvimento é condição fundamental para afirmar a pedagogia e a prática por

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ela empreendida.

O fato é que para a grande maioria dos entrevistados, a didática representou

o único espaço, no curso, de referência à prática, ainda assim, com características

já vistas no Curso Normal. É o que disse a entrevistada B-40. Para ela a didática

resultou como repetição. Aspecto que se encontra com o apontado pelos

entrevistados D-50, F-50, G-50 e O-60, quando mencionam que a cultura própria

à prática de professor foi abordada durante o Curso Normal e reconstruída ao

longo de suas trajetórias. O Curso de Pedagogia não se mobilizou nesse sentido.

Considero importante destacar que todas as referências à prática, seja para

falar do seu não lugar no curso, seja para falar do lugar periférico por ela ocupado,

foram elaboradas considerando exclusivamente a prática docente. Todavia, o

Curso de Pedagogia não se destinava apenas à formação de professores para a

Escola Normal, mas, também, à formação de técnicos de educação, para atuarem

no contexto do Ministério de Educação ou órgãos a ele vinculados. Com o tempo,

essa designação ganhou novas modalidades. A questão que se coloca é: e a

formação prática para o exercício desse ofício, cuja base teórica, já sabemos, se

fundamentou no decorrer dos três primeiros anos do curso, na parte referente ao

bacharelado? O que era preciso saber e fazer para ser um técnico de educação?

Pelo que se pode depreender dos depoimentos obtidos, esta não era uma questão

que se colocava no curso. Mas, analisando a trajetória dos entrevistados, alguns

deles, tal como sinalizam os anexos 1 e 2, ocuparam posições estratégicas em

diferentes órgãos de gestão pública da educação e foram muito bem-sucedidos. A

entrevistada B-40 é um típico exemplo desta referência, visto que foi inspetora do

ensino secundário do MEC, a partir da década de 30, antes mesmo de cursar

pedagogia. Os entrevistados F-50 e O-60, também, ocuparam importantes cargos

nesse ministério. Nesse sentido, o depoimento do entrevistado O-60 é bastante

representativo:

Você sabe o que o Curso de Pedagogia fazia conosco? Ele formava o professor para a Escola Normal. Em quatro anos de pedagogia eu não consegui ter noção do trabalho do pedagogo. O meu trabalho como pedagogo do Ginásio Experimental mostrou pra mim que o trabalho desse profissional era muito mais amplo. O CENAFOR, então, nem se fala... Através dele eu me tornei um pedagogo brasileiro! (Entrevistado O-60)

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A entrevistada F-50 sublinha no seu depoimento a dimensão do trabalho

pedagógico, por ela elaborado, ao longo de sua inserção profissional em Secretaria

Estadual de Educação e no Ministério de Educação:

Fui para a Secretaria Estadual de Goiânia e passei a lidar com o sistema educativo como um todo, a partir de uma perspectiva pedagógica. Meu trabalho estava diretamente ligado à implantação de um currículo nacional que estava sendo gestado e eu era responsável pela coordenação do processo de elaboração das propostas curriculares do estado. Posteriormente, quando fui para o MEC, passei a implantar o sistema curricular na rede federal de ensino, englobando os colégios agrícolas, as escolas técnicas federais, os colégios de aplicação das universidades... Enfim, o sistema federal de ensino estava sob a minha responsabilidade. [...] Então, o trabalho era essencialmente pedagógico, voltado para a implantação de currículo. (Entrevistada F-50)

Com se vê, o trabalho pedagógico não diz respeito apenas à docência. Mas,

o que se pode inferir sobre o papel da prática, nos primórdios do Curso de

Pedagogia, é a sua relação à docência, no final do curso, através da didática,

repetindo aspectos já trabalhados no Curso Normal e manifesta de forma muito

modesta, econômica e, em alguns casos, até de forma equivocada, tal como revela

o depoimento da entrevistada I-60:

Veja bem, do ponto de vista da formação do professor para o Ensino Normal, nós saíamos muito mal preparados, porque não tínhamos preparo para dar aula de prática de ensino. Por quê? Porque os nossos professores não davam prática de ensino das matérias objeto de ensino no curso primário. Nós fomos muito mal preparados nesse aspecto, apesar de sermos habilitados legalmente para isso. (Entrevistada I-60)

Na visão de alguns entrevistados, a prática sequer foi abordada, sendo

suplantada pelos estudos teóricos.

Eu vou dizer com toda sinceridade pra você: no curso eu nunca dei uma aula prática. Teve uma total ausência da prática. O importante da época era o domínio de um conhecimento de educação em pedagogia. (Entrevistada F-50)

A proposta de formação com ênfase na teoria, historicamente predominante

no contexto educacional, era de tal forma determinante que mesmo diante de uma

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situação da prática, projetada e implementada pelos alunos, as experiências

obtidas não se transformavam em frentes teóricas de discussão na sala de aula do

Curso de Pedagogia. É o que nos conta a entrevistada G-50:

Eu me lembro de uma experiência muito bonita do Centro Acadêmico do Curso de Pedagogia. Atualmente, onde é o estacionamento, antes era uma favela. O grupo de pedagogia resolveu criar uma instituição de educação infantil para as crianças dessa comunidade. Os alunos cuidavam de tudo e a reitoria fornecia a alimentação. [...] Era um desafio prático sobre o que fazer com as crianças, a partir de diálogo com a pedagogia que estudávamos. [...] A experiência era totalmente por conta dos alunos. Não houve intervenção do curso, nem discussão sobre ela na sala de aula. (Entrevistada G-50)

Embora a maioria dos entrevistados pontue o papel pouco investido da

prática no Curso de Pedagogia, a análise dos depoimentos revela uma visão

diferenciada sobre ele. Para a entrevistada L-60, os estágios realizados ao longo

de seu curso representaram oportunidades concretas de contato com o campo de

objetivação prática da teoria estudada ao longo do curso. No seu dizer,

Em prática de ensino eu tive uma diversidade de estágios, que depois como formadora não consegui implantar parecido. Durante os estágios passei por diferentes escolas: de surdos, de cegos, de crianças com paralisia cerebral, de artes, de 1ª a 4ª séries (naquele tempo se chamava Grupo Escolar), de ginásio etc. Fizemos todos os estágios ao longo de dois anos. Conheci a Escola Experimental, o Ginásio Vocacional... (Entrevistada L-60)

Explicou esta entrevistada que o projeto de estágio de seu curso viabilizava

que os alunos conhecessem diferentes campos de exercício profissional, através

de observação, colaboração e atuação. Mas não deixou de enfatizar que os fatos

observados, as experiências compartilhadas e as práticas ensaiadas não se

tornaram objeto de discussão na sala de aula. Os relatórios eram entregues, sem

que a discussão entre pares e junto aos professores se desenvolvesse.

Enfim, diante do exposto, conclui-se que, diferentemente da teoria, o papel

da prática, mesmo coadjuvante, não conseguiu ser exercido de forma satisfatória

nos tempos iniciais do Curso de Pedagogia. Entretanto, parece que tal condição

não representou um problema para o grupo de entrevistados. Indagados sobre a

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prática, eles comentaram o seu papel, sem deixar transparecer que esta

característica do curso lhes tenha sido prejudicial. Provavelmente porque já

contavam com algumas referências da prática, elaboradas ao longo da trajetória

percorrida e, também, por meio do Curso Normal, freqüentado por quinze dos

dezessete entrevistados.

4.2.3. A presença da pesquisa

O componente pesquisa, tão debatido na atualidade, como revelam estudos

do qual tenho participado (Cruz e Boing, 2007; Lüdke, Cruz e Boing, 2007a;

Lüdke, Cruz e Boing, 2007b; Lüdke e Cruz, 2005; Cruz, 2002), já se fazia

presente no Curso de Pedagogia em seus tempos iniciais. Analisando os

depoimentos, percebi que vários entrevistados, situados nas três décadas, fizeram

referência à participação em atividades de pesquisa, ressaltando sua importância.

A ênfase manifesta em relação à pesquisa surgiu espontaneamente,

geralmente quando os entrevistados comentavam o andamento das disciplinas.

Nesse sentido, trata-se de um aspecto que não foi abordado por todos, tendo

aparecido em nove depoimentos, sendo que em um deles para destacar que o

curso não propiciou nenhum contato com essa atividade. “O meu curso tinha a

missão de formar o cientista. Mas eu não tive nenhuma disciplina de pesquisa...

Nem se falava em pesquisa.” É o que declarou a entrevistada F-50. É possível

que o papel colaborador da pesquisa tenha se manifestado no Curso de Pedagogia

dos demais entrevistados, ou não, demarcando o contrário. Mas se sim ou se não,

tal componente não veio à tona no decorrer do depoimento.

A análise dos dados obtidos sinaliza referência aos seguintes aspectos

favorecedores à formação para a pesquisa: convivência com professores

pesquisadores e participação em grupos de pesquisa; monitoria; e iniciação à

pesquisa através da estatística e das atividades realizadas nos laboratórios de

psicologia e de biologia.

No tocante ao primeiro aspecto, três entrevistados (A-30; C-50; J-60)

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destacaram a influência positiva que alguns professores exerceram na sua

formação, ao possibilitarem que participassem de seus grupos de pesquisa.

Examinemos a fala de cada um deles:

Durante o curso eu fiz parte do grupo de pesquisa do professor Onofre, que, mais tarde, me convidou para trabalhar como sua assistente na Cadeira de Didática. Nós fomos os iniciadores de uma didática própria para o ensino secundário. (Entrevistada A-30)

O professor Laerte constituiu um grupo de pesquisa, onde ele lançou a idéia de que para a história da educação brasileira aparecer, era preciso que aparecesse antes um conjunto de monografias sobre a educação brasileira. Eu participei desse grupo. [...] Durante o curso, as aulas do professor Laerte me influenciaram muito e acabaram me direcionando para a história da educação. Do grupo participaram, também, entre outros, os professores Casemiro dos Reis Filho e Rivadávia Marques Júnior. (Entrevistado C-50)

Uma contribuição fundamental foi a de um professor, que se chamava Joel Martins. Ele nos colocou para fazer pesquisa com ele. Eu não tinha a mínima idéia do que era pesquisa! [...] Eu também participei, como ouvinte, lá na USP, das aulas da professora Aparecida Joly Gouveia e do professor Luis Pereira. Fui lá como auxiliar de pesquisa. (Entrevistada J-60)

Grandes expoentes da educação brasileira contribuindo por meio da

pesquisa para a formação de pedagogos e, também, pesquisadores, primordiais

entre nós. A entrevistada A-30 fez menção ao professor Onofre de Arruda

Penteado Júnior, catedrático de didática da Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da USP. O professor Onofre passou a integrar o quadro dessa faculdade,

após o remanejamento, em 1938, do Instituto de Educação Caetano de Campos,

incorporado à USP, em 1934.

É importante lembrar que no âmbito do Instituto de Educação da USP

consolidou-se a primeira geração de professores universitários responsáveis pela

formação de professores primários e secundários, em nível superior, cuja idéia de

formação técnico-profissional vinculava-se, como sinalizou Evangelista (2001), a

uma determinada compreensão de ciência. O Instituto buscou ser um centro de

pesquisas, nos diversos campos de estudo e investigação. Nesse sentido, a

produção de pesquisa e de conhecimento era parte de suas funções, visando à

formação do docente dentro dos mais rigorosos preceitos científicos, imprimindo

ao ensino um caráter experimental, elaborado principalmente nos laboratórios de

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psicologia educacional, biologia educacional, pesquisas sociais e educacionais e

estatística (Evangelista, 2001). Segundo apresenta esta autora,

tal projeto, vasto, tinha à testa docentes da “primeira instituição do gênero no Brasil” destinada à formação de professores em nível universitário, correspondente, em sua maior parte, à última geração do anterior Instituto de Educação, antiga Escola Normal da Praça. Geração que se notabilizou pela produção teórica, pelos estudos publicados, pelo acesso à grande imprensa e periódicos, pelos cargos públicos ocupados e pela participação na fundação de inúmeras sociedades científicas a partir dos anos 1920 e 1930. (Evangelista, 2001, p. 253)

Nesse cenário localiza-se o professor Onofre de Arruda Penteado Júnior.

Não foi sem razão que a entrevistada A-30, no decorrer do seu depoimento, fez

várias referências à atuação desse professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras da USP, no que se refere à sua defesa em prol de uma didática

experimental, resultante de experiências fundamentadas em hipóteses

pedagógicas, ou seja, decorrentes de um trabalho investigativo. A pesquisa era

um componente presente no ensino ministrado na época, contribuindo para a

formação e, também, para a opção de alguns estudantes pela trajetória acadêmica.

Foi o que aconteceu com a entrevistada A-30. Da sua participação no grupo do

professor Onofre decorreu a sua passagem de estudante do Curso de História e

Geografia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras à professora de didática

dos diversos cursos dessa faculdade, inclusive do Curso de Pedagogia, nos seus

primeiros anos de vida.

O entrevistado C-50 citou o professor Laerte Ramos de Carvalho, egresso

do Curso de Filosofia (bacharelado e licenciatura) da FFCL da USP, em 1943.

Possivelmente, o professor Laerte foi um dos muitos alunos de didática da

entrevistada A-30. Este professor passou por diferentes fases em sua carreira

acadêmica, até alcançar a cátedra de história e filosofia da educação, da FFCL da

USP. No mesmo ano em que concluía a licenciatura, foi instrutor voluntário da

cadeira de filosofia, quando esta era chefiada pelo professor Cruz Costa,

alcançando, mais tarde, a posição de primeiro assistente. Posteriormente, passou à

condição de professor assistente do professor Roldão Lopes de Barros, na cadeira

de história e filosofia da educação.

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Na década de 50, quando o entrevistado C-50 ingressou no Curso de

Pedagogia, o professor Laerte já tinha assumido, mediante concurso, a chefia

dessa cadeira, tendo acumulado bastante experiência de pesquisa e contribuído

significativamente para os estudos e avanços acerca das idéias pedagógicas no

Brasil, em especial no que diz respeito à vinculação entre pedagogia e filosofia.

Certamente, seus alunos muito se beneficiaram da ambiência investigativa que

ajudou a fomentar em torno dos estudos da história e da filosofia da educação.

Segundo escreve Bontempi Jr. (2002, p. 676) sobre Laerte Ramos de Carvalho,

Ao longo dos anos em que exerceu a regência da Cadeira de História e Filosofia da Educação, manteve, em seus aspectos gerais, a estrutura curricular da antiga IV Cadeira do Instituto de Educação da Universidade de São Paulo. Sem embargo, foram-se agregando progressivamente práticas afins à FFCL, tais como a combinação de cursos gerais e monográficos e a intensificação de atividades de pesquisa, escrita e comunicação oral feitas pelos alunos. (Bontempi Jr., 2002, p. 676)

Esta referência ao professor Laerte se insere no contexto de uma escrita que

integra o Dicionário de Educadores no Brasil24, o que evidencia a sua notoriedade

no campo acadêmico. Aqui, interessa-nos a fala de Bontempi Jr. no que tange às

atividades de pesquisa propiciadas aos alunos. Confrontando a fala do

entrevistado com a deste autor, é possível perceber que a pesquisa se revelou

como um componente forte dessa época do curso, assumindo um papel que se

manifestou duplamente positivo: o de dar impulso às pesquisas acadêmicas

relativas à história da educação brasileira ao mesmo tempo que propiciou aos

estudantes a formação para a pesquisa.

A entrevistada J-60, para falar de pesquisa, fez menção ao professor Joel

Martins. É bom destacar que o entrevistado O-60, ao longo de seu depoimento,

destacou também, mais de uma vez, a influência desse professor na sua formação.

Os trabalhos referentes ao professor Joel Martins revelam, de fato, seu

protagonismo entre nós, sobretudo para o desenvolvimento da pós-graduação em

educação (Saviani, 2005; Bicudo e Espósito, 2002). A sua história, interrompida

no ano de 1993, quando faleceu, se encontra em vários momentos com a de

24 FÁVERO, M. de L. de A.; BRITTO, J. de M. Dicionário de educadores no Brasil: da colônia aos dias atuais. 2ª ed. aum. Rio de Janeiro: Editora UFRJ / MEC-INEP-COMPEd, 2002.

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muitos expoentes aqui sinalizados, evidenciando ser ele um dos notáveis

primordiais de nosso campo pedagógico.

Segundo depoimento de Saviani publicado na Revista Brasileira de

Educação (2005, nº. 30), Joel Martins foi aluno do Instituto de Educação Caetano

de Campos, no final da década de 30. No ano de 1942, ingressou na FFCL da

USP, onde cursou concomitantemente Filosofia e Pedagogia. No final dos anos

40, fez mestrado nos Estados Unidos. No início dos anos 50, fez doutorado na

área de psicologia experimental, na USP, onde atuou como auxiliar da professora

Noemy da Silveira Rudolfer, na cadeira de psicologia. Concluído o doutorado,

resolveu retornar aos Estados Unidos para continuar os estudos, dessa vez em um

programa de pós-doutorado, o que se deu no período de 1953 a 1954. A

insatisfação com os resultados obtidos através de pesquisas de orientação

behaviorista contribuiu para aproximá-lo da fenomenologia existencial,

afastando-se da psicologia experimental. De volta ao Brasil, em 1955, foi

trabalhar, a convite de Anísio Teixeira, no Centro Regional de Pesquisas

Educacionais, sob a direção de Fernando de Azevedo. Em 1963, foi convidado

para atuar como professor de psicologia da FFCL de São Bento, da PUC-SP, e,

também, como colaborador no processo de reestruturação de toda a universidade.

Na PUC-SP, o professor Joel Martins trilhou uma longa trajetória, alcançando a

posição de Reitor da universidade.

Além da sua influência sentida no contexto universitário, como formador e

pesquisador, o professor Joel Martins influenciou diretamente o contexto da

escola básica, como professor e diretor de alguns Institutos de Educação do

estado de São Paulo; como um dos idealizadores dos Ginásios Vocacionais e,

também, da Escola Experimental da Lapa.

Observa-se que o ano de 1961, quando o professor Joel Martins iniciou sua

carreira de docente na PUC-SP, é o mesmo ano em que a entrevistada J-60

iniciou o Curso de Pedagogia, nessa instituição. Não foi preciso muito tempo para

o professor Joel Martins fazer sentir as suas marcas, em especial aquelas

referentes à preparação para a pesquisa, tão fortes em sua formação. Certamente,

seus alunos se beneficiaram muito desta condição. É o que registram em seus

depoimentos e o que relata Saviani, como um de seus primeiros orientandos na

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pós-graduação (Saviani, 2005a, p. 28).

No tocante à preparação de seus alunos para a pesquisa, constata-se, mais

uma vez, a importância dos grupos de pesquisa. Parece que eles representam uma

estratégia bastante adequada e eficiente para aproximar os alunos desse tipo de

trabalho, fazendo estabelecer uma cultura de aprendizagem pela via da

investigação. De acordo com o que apontou a entrevistada J-60, o estímulo a

levou a ultrapassar os limites de sua universidade, a PUC-SP, e adentrar o espaço

de outra, a USP, visando conhecer de perto os trabalhos, também primordiais, dos

professores Aparecida Joly Gouveia e Luiz Pereira.

O segundo aspecto revelado pelos dados, concernente ao papel da pesquisa,

diz respeito à monitoria. Os professores que desenvolviam pesquisa costumavam

ter ao seu redor professores instrutores, professores assistentes e, em alguns

casos, alunos monitores. Os alunos monitores entram em cena mais na década de

60, exercendo várias atividades, auxiliando os professores na realização das

diversas tarefas de pesquisa, beneficiando-se, portanto, dessa condição para se

familiarizarem com os meandros de tal atividade. Segundo declarou a

entrevistada K-60:

Havia também o projeto de monitoria. Os alunos monitores trabalhavam com os professores que realizavam pesquisa nas diferentes áreas. (Entrevistada K-60)

A entrevistada I-60 experimentou essa condição, atuando como monitora da

professora Josephina Chaia, titular da cadeira de administração escolar, da FFCL

de Marília. O trabalho de monitoria, além de favorecer à entrevistada o contato

com a atividade de pesquisa, representou uma das frentes de abertura de caminho

para sua vinculação com o campo acadêmico, na condição de professora e

pesquisadora, tal como se pôde depreender de seu depoimento:

Eles abriram inscrição para monitor e eu fui ser monitora do que se chamava cadeira de administração escolar... (Eu estou usando a terminologia da época). Como monitora da cadeira, eu colaborei com a titular, professora Josephina Chaia. [...] Eu fui monitora durante um ano e fui auxiliar de pesquisa. Ela trabalhava com pesquisa histórica em legislação da educação brasileira. [...] Publicou livros sobre legislação do ensino e ganhou um prêmio da ANPAE com um trabalho sobre

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financiamento escolar no Segundo Império. Na época, eu colaborei com tudo isso. Então, no final, ela me convidou para ser instrutora da cadeira dela, o que significava que eu ia passar para o status de professora. (Entrevistada I-60)

A entrevistada N-60 também mencionou a monitoria como uma atividade

importante do curso que fez. No seu depoimento, mais de uma vez, fez referência

ao trabalho desenvolvido pelo professor Lauro de Oliveira Lima para introduzir a

dinâmica de grupo. Na condição de sua monitora, ela conta que participou de

vários treinamentos oferecidos aos professores e alunos, assim como de encontros

de pesquisa sobre a estratégia de trabalho por meio de dinâmicas de grupo.

O papel da pesquisa no Curso de Pedagogia, além de se manifestar através

da convivência direta dos alunos com professores pesquisadores, dos grupos de

pesquisa e da monitoria, se exerceu também através das disciplinas de estatística,

psicologia e biologia. A estatística era uma disciplina, inicialmente de caráter

obrigatório e, posteriormente, com a segunda normatização do curso, passou a ser

de caráter opcional, tendo por finalidade principal favorecer a realização das

pesquisas quantitativas, dominantes à época. Uma das falas do entrevistado D-50

toca diretamente nessa dimensão:

Na época, a estatística tinha um peso muito grande no Curso de Pedagogia, porque visava à formação para a pesquisa estritamente quantitativa. (Entrevistado D-50)

A psicologia da educação desde o início ocupou um espaço bastante

expressivo na estrutura do curso. A primeira composição curricular registra três

anos de estudo dessa disciplina. A biologia, ainda que com menos carga horária,

também encontrou no curso um lugar de abordagem. Ambas, em boa parte das

instituições, tenderam, nos primórdios do Curso de Pedagogia, para um trabalho

focado no contexto dos laboratórios, buscando explorar junto aos alunos

conhecimentos elaborados através das pesquisas realizadas nesse contexto. A

entrevistada I-60, antes de ter atuado como monitora da cadeira de administração

escolar, também participou de pesquisas relacionadas à disciplina biologia

educacional. Ao comentar a ênfase das disciplinas cursadas, aponta que:

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Quanto à parte de biologia, por exemplo, nós vimos uma parte de genética. Eu até colaborei em pesquisas na área de genética, como auxiliar de pesquisas. (Entrevistada I-60)

Os depoimentos das entrevistadas H-50 e K-60, que fizeram pedagogia em

períodos e instituições diferentes, se aproximam na referência ao papel da

pesquisa por meio da estatística, da psicologia e da biologia.

Em psicologia, tínhamos o laboratório, onde aprendíamos a fazer os exames. Fazíamos projeto, experimento, relatório dos dados, interpretações, inferências... Quinzenalmente, nós tínhamos que apresentar um relatório. Além do laboratório de psicologia, nós tínhamos aula de estatística, quando aprendíamos sobre estatística e, principalmente, sobre como construir e analisar dados. [...] Fazíamos pesquisa tanto na psicologia quanto na biologia. Havia muita pesquisa! (Entrevistada H-50)

Nós tínhamos uma formação muito forte em psicologia experimental. Nós fazíamos, por exemplo, pesquisa com rato, em laboratórios. Aprendemos a fazer relatório, a formular pergunta de pesquisa, hipóteses, a fazer registro de observações, de ocorrência, analisar tudo teoricamente. Além disso, era um curso marcado pela estatística. Nesse caso, nós tínhamos que pôr a cabeça na pesquisa, porque não dá pra estudar estatística sem ter pesquisa. (Entrevistada K-60)

Ambas as depoentes fazem referência ao contexto do laboratório, à

influência da estatística, também sinalizada pelo entrevistado D-50, e à

aprendizagem de elementos constitutivos de um trabalho de pesquisa, bastante

marcado pela perspectiva quantitativa, considerando a tendência predominante da

época. No que se refere aos elementos comuns à pesquisa, essas entrevistadas

mencionam a aprendizagem sobre como fazer um projeto, formular problema e

hipóteses, observar, experimentar, analisar dados, fazer inferências e relatórios.

Pois bem, esses aspectos estão na base de elaboração de uma pesquisa,

ainda hoje bastante mencionados e reclamados pela academia, visto se observar

em vários trabalhos, submetidos aos diferentes encontros científicos da área,

limites na composição do quadro teórico-metodológico – problema de pesquisa,

amostra, instrumentos de coleta de informações, construção de dados, análise,

referências teóricas, conclusões relacionadas ao problema de pesquisa... – e,

também, na apresentação do relatório (Lüdke, 2006). Parece, pelo que sinalizam

as entrevistadas, que o Curso de Pedagogia, na época, de alguma forma,

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favoreceu a aprendizagem desses aspectos, contribuindo para a iniciação de cada

uma delas à pesquisa.

De acordo com o que oito dos dezessete depoimentos deixam transparecer,

a teoria, bastante presente no curso, contou com a parceria da pesquisa como um

componente estratégico do desenvolvimento de determinadas disciplinas. Em

alguns casos, o laboratório se tornou um espaço referencial de pesquisa. Contudo,

há que se destacar que nem todas as instituições contavam com esse tipo de

instalação.

No caso da USP, os laboratórios surgiram no período do Instituto de

Educação, visando imprimir ao ensino um caráter experimental, visto que era

forte a preocupação, nessa época, com os preceitos científicos. No contexto

desses laboratórios, operavam-se as verificações das teorias, as observações e as

experimentações que favoreceriam a demonstração científica dos fatos

educativos.

Segundo Monarcha (1992), a psicologia, a biologia e a sociologia

constituíram a tríplice composição das ciências da educação. Da articulação dos

conhecimentos elaborados por meio desses três eixos disciplinares, se consolidou

a idéia de uma pedagogia experimental, calcada, dentre outros aspectos, na

classificação dos fenômenos em orgânicos, psíquicos e sociais. “Daí, portanto, a

idéia do homem como um dado de observação” (p.46).

Para Evangelista (2001), com o encerramento das atividades do Instituto de

Educação da USP, em 1938, o laboratório de psicologia foi transferido para o

Departamento de Educação. Os demais foram encerrados. Os professores

assistentes que atuavam nos laboratórios passaram a vincular-se à FFCL da USP,

atuando mais diretamente na sua 4ª seção, a de Educação, recém-criada. As

instituições se modificam, mas a cultura de pesquisa, presente entre os

professores, seguiu com eles para o contexto dessa faculdade. Nesse sentido, o

Curso de Pedagogia, ao contar com a atuação de professores que se formaram

nessa ambiência, se beneficiou bastante desse tipo de aprendizado.

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4.2.4. O perfil dos professores

Já tive oportunidade, ao longo deste capítulo, de sinalizar aspectos

referentes ao papel dos professores do Curso de Pedagogia, em seus primórdios.

Entretanto, nesta parte pretendo focalizar um pouco mais as falas dos

entrevistados sobre quem foram os formadores de pedagogos nos tempos iniciais

desse curso entre nós. A análise dos dados revela que cultura, ecletismo e

erudição representaram as principais marcas professorais dos formadores.

Vejamos, então, como o papel por eles exercido fez consolidar um determinado

perfil de professor, ou, de outra forma, como o perfil descoberto faz refletir o

papel desempenhado por aqueles que assumiram a função de formar pedagogos,

em seus tempos iniciais.

a) Os formadores de pedagogos não eram pedagogos

O que seria uma condição óbvia no início do curso, década de 40, se

perpetuou ao longo da sua história. O peso de diferentes tradições disciplinares

contribuiu para que os formadores de pedagogos, em geral, fossem professores

provenientes de diferentes áreas, e, no começo, não só daquelas tradicionalmente

constitutivas da pedagogia. Segundo declararam os entrevistados, seus professores

eram oriundos, principalmente, da teologia, filosofia, sociologia, psicologia,

biologia, matemática, medicina e do direito.

No caso dos frades, com certeza eles tinham formação em teologia e filosofia. No caso dos outros professores, eu não tenho condição de dizer. Sei que havia gente formada em matemática porque trabalhava conosco a estatística, que tinha um peso grande, naquela época, no Curso de Pedagogia. Os professores eram de várias procedências. Mas eu não saberia dizer para você qual era a formação de base deles. Agora é certo que poucos eram formados em pedagogia. (Entrevistado D-

50)

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b) Os formadores de pedagogos possuíam grande domínio do

conhecimento trabalhado

A busca do perfil professoral nos primórdios do curso aponta para homens e

mulheres de formação muito sólida. Geralmente, eram pessoas eruditas,

possuidoras de uma cultura bastante ampla e de grande prestígio na sociedade,

conquistado em especial pela carreira que trilhavam: padres, advogados, médicos,

filósofos, políticos... Na década de 40, alguns sequer possuíam titulação, eram

autodidatas, que se destacavam pelo grande domínio do conhecimento trabalhado.

É possível observar, no decorrer das três décadas e nas diferentes instituições, que

os entrevistados fazem referências acerca dos seus professores como pessoas

expoentes, profundas sabedoras do conhecimento ministrado, independentemente

da formação de base predominante.

Alguns dos meus professores eram autodidatas. Eles não tinham titulação, mas eram pessoas de formação muito sólida, apresentando um amplo domínio do conhecimento de suas matérias. (Rio de Janeiro - Entrevistada B-40)

Os professores eram muito ecléticos. Veja: É muito diferente fazer o Curso de Pedagogia no Rio, no final dos anos 50, e fazê-lo em São Luiz. É muito diferente! Em São Luiz, os professores eram escolhidos entre as pessoas de maior prestígio na sociedade, que era bem pequena. Então, em biologia educacional era esse meu tio que era médico, que foi deputado federal e não tinha conseguido se reeleger, que estava lá, na Faculdade, como professor. O professor de estatística era o Cabral, um homem que tinha um escritório de advocacia. Alguns padres, o padre Ribamar Carvalho, o padre Bonfim... Todos morreram! Um padre alemão, frei Beto, muito diferente desse frei Beto atual, assim muito ranzinza, muito escolástico. Essas pessoas eram expoentíssimas em São Luiz. Esse meu tio foi o fundador da liga maranhense contra a tuberculose, era uma pessoa de muita projeção. Todos eles eram professores. Quem se formava no Rio ou em Recife, chegava e ensinava. (São

Luiz do Maranhão - Entrevistada E-50)

Nós tínhamos professores que eram monumentos do ponto de vista intelectual, do ponto de vista da sua própria posição dentro da área. (São Paulo - Entrevistada L-

60)

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c) Os formadores de pedagogos atuaram nas Escolas Normais, nos

Institutos de Educação ou nos Seminários e Colégios de Padres

De um modo geral, o corpo docente inicial do Curso de Pedagogia se

constituiu de professores que atuavam na Escola Normal, no Instituto de

Educação ou nos Seminários e Colégios de Padres. Certamente, a forte vinculação

entre o Curso Normal e o Curso de Pedagogia, já discutida, contribuiu para que os

professores atuassem nos dois contextos formadores. A ênfase na filosofia,

bastante expressiva na organização curricular do curso, e o fato deste surgir por

meio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras fizeram do campo da filosofia

um celeiro de mestres para a pedagogia. Como a formação em teologia considera

muito o estudo da filosofia, buscaram-se, também, nesse campo, formadores para

os pedagogos.

Lembro-me que fui aluna de Barreto Filho e Lauro Sodré. Grandes mestres! Eles eram professores do Curso de Pedagogia da PUC e do Instituto de Educação do Rio. (Entrevistada B-40)

O padrão dos professores era bom. Por exemplo, um dos professores foi Dom Paulo Evaristo Arns, que na época, obviamente, ainda não era o Cardeal de São Paulo. Muitos eram padres, frades... Porque na cidade havia um Seminário Franciscano, que era uma grande fonte de abastecimento de professores para a Faculdade. [...] Eram pessoas eruditas. Dom Paulo é um bom exemplo. Uma amplitude de cultura grande. Havia outros frades que também eram muito bons no conhecimento que trabalhavam, na experiência que passavam, nos tipos de críticas que faziam... (Entrevistado D-50)

Eram freiras e padres que davam aulas no Curso de Pedagogia que fiz, numa sala de aula bastante tradicional. [...] Eles tinham uma boa formação em filosofia e uma visão humanista da educação, o que foi muito bom porque o tecnicismo não se fez sentir muito no curso, enquanto que a influência da filosofia foi grande. (Entrevistada Q-60)

d) Os formadores de pedagogos foram professores instrutores,

assistentes ou catedráticos

O pioneirismo do estado de São Paulo no tocante ao preparo de nível

superior do professor fez, inicialmente, do Instituto de Educação e,

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posteriormente, da seção de Educação da FFCL da USP, a base de onde originaria

o Curso de Pedagogia, no início da década de 40. A dinâmica de organização do

corpo docente em um contexto foi se transferindo para os demais. Assim, as

“cadeiras” onde se assentavam os saberes próprios à formação pedagógica do

professor foram, também, locais de assento daqueles que eram considerados

possuidores desse saber.

No topo da hierarquia ficava o professor catedrático, chefe da cadeira, a

quem se subordinavam os professores assistentes e subassistentes. O professor

assistente era um candidato natural ao cargo de catedrático, considerado o mais

importante. Havia, também, a posição de professor instrutor ou substituto, via de

regra, ocupada por alunos, recém-formados, que se destacavam no curso e eram

convidados para atuar no ensino. Os demais, concomitante ao ensino, exerciam

atividades de pesquisa e de administração no contexto do curso, da faculdade ou

da universidade, além de, em alguns casos, ocuparem cargos públicos.

Na USP havia muitos professores catedráticos. Convivi com muitos deles. [...] Fernando de Azevedo era o catedrático da Sociologia. Quando eu comecei a trabalhar como assistente do professor Onofre, o Florestan Fernandes, que tinha acabado de concluir o curso, passou a atuar como assistente do Fernando de Azevedo. [...] Tinha a Noemy Rudolfer, que era responsável pelo Laboratório de Psicologia e se tornou catedrática de psicologia. Noemy foi por muito tempo a grande referência da psicologia educacional no Brasil... (Entrevistada A-30)

e) A influência dos formadores primordiais

Particularmente quanto a este aspecto, em todos os depoimentos registra-se

menção dos entrevistados sobre um ou mais professores dos quais receberam

grande influência. Nas onze instituições por onde passaram os dezessete

pedagogos, sujeitos desta pesquisa, havia professores que, mais do que ensinar, na

perspectiva comum da época de transmissão do conhecimento, contribuíram para

aprimorar o desenvolvimento de seus alunos, aguçando-lhes a formação

intelectual, o desempenho de papéis sociais definidos e, também, abrindo-lhes

caminhos para que trilhassem a carreira acadêmica.

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Eu tive algumas influências, que até hoje sinto que foram grandes para mim. No 1º ano do curso fui aluno de Antônio Cândido, assistente de Fernando de Azevedo, que foi meu professor no 2º ano. Antônio Cândido e Fernando de Azevedo foram duas influências grandes que eu recebi na área de sociologia da educação. Outra influência muito grande que eu recebi e que acabou me encaminhando para a história da educação, foram as aulas do professor Laerte Ramos de Carvalho e do professor Roque Spencer Maciel de Barros. (Entrevistado C-50)

Estudei na Faculdade de Marília no momento em que ela tinha bons professores, eram os primeiros, eram pessoas ainda jovens. A pedagogia foi um curso que teve professores de diversas procedências. Tínhamos um professor que tinha vindo de Curitiba; uma professora de psicologia que tinha estudado nos Estados Unidos; tínhamos professores da PUC e da USP. A pedagogia era até um pouco mais eclética do ponto de vista da origem dos professores. Mas, muito cedo eu convivi com pessoas muito importantes. [...] Tive a sorte de ter como diretor da Faculdade o professor José Querino Ribeiro, que em São Paulo é uma referência. Ele praticamente foi um mestre para mim. Antes mesmo de eu me formar, dois meses antes, eles decidiram que eu ia ser instrutora [...]. Eu fui para a cadeira de administração escolar e o Querino logo depois falou: “Olha, você tem que fazer pós-graduação” e me deu um bilhetinho para os assistentes dele em São Paulo e me mandou para a USP. [...] (Entrevistada I-60)

No Curso de Pedagogia que fiz na PUC (PUC-SP) tinha um professor, que foi paradigmático na vida de muitos educadores. Por exemplo, na minha vida, na de Selma Garrido Pimenta, na de Ana Maria Saul... Para nós, eu não tenho dúvidas que ele teve uma importância muito grande. Foi o professor Joel Martins. Professor Joel deu aula para nós nos quatro anos do curso. Ele era um professor muito ligado com os Estados Unidos. Então, ele fazia a ponte... Ele fazia uma mediação importantíssima entre as pesquisas mais avançadas na área de educação, o conhecimento da disciplina que estávamos estudando e a práxis pedagógica. Ele mostrava que o mundo era mais amplo que a PUC. (Entrevistado O-60)

Pelo que falaram os entrevistados sobre os seus professores, cheguei a seis

aspectos do perfil professoral predominante e do papel por eles exercido, que

considerei mais relevantes, tal como acabei de abordar. Com os olhos fitos nesse

conjunto de aspectos, sinto-me provocada diante do primeiro deles: os formadores

de pedagogos não eram pedagogos.

Parece que o fato dos professores de meus entrevistados não terem sido

pedagogos de formação representou um diferencial importante, visto que sendo

seus professores “especializados” em uma determinada área, aquela objeto de seu

ensino, conseguiam trabalhar em profundidade a disciplina de sua

responsabilidade. “Tínhamos aulas com filósofos, não tínhamos aula de filosofia

com pedagogos. Era muito diferente!” Foi o que declarou com satisfação a

entrevistada H-50. Nesse caso, subentende-se que estudar filosofia com

professores egressos da pedagogia não proporcionaria o mesmo efeito, mesmo se

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tratando de filosofia da educação. Então, reforça-se a indagação já levantada:

depender do suporte teórico de diferentes filiações disciplinares representa ao

mesmo tempo a força e a fraqueza da pedagogia? Mas os pedagogos centrais deste

estudo não se tornaram também formadores expoentes em diversas áreas

constitutivas da pedagogia? Faz diferença ser ou não ser da pedagogia para formar

pedagogos?

Não pretendo aqui fazer uma análise meticulosa dessas questões. Elas

apontam para a necessidade de estudos mais aprofundados. Todavia, não posso

deixar de sinalizar o que me parece bastante paradoxal: como a pedagogia se

elabora através da contribuição teórica de diferentes filiações disciplinares, a

formação no tocante a essas disciplinas parece ser favorecida por aqueles que

delas advêm. Porém, o espaço próprio da pedagogia produz saberes específicos

que não se encerram nas dimensões teóricas de suas diferentes filiações e,

também, não se restringem àquelas disciplinas que cuidariam mais detidamente do

que diz respeito à prática. Nesse sentido, o problema não estaria em ser ou não ser

a pedagogia um campo teórico, mas na forma como o curso organiza os estudos

que lhe dizem respeito.

Para a entrevistada K-60, o perfil dos professores de pedagogia evidencia a

dispersão do curso. Ainda assim, ela não deixa de manifestar a sua dúvida se com

formadores pedagogos a dispersão do curso diminuiria.

Atualmente, o fato dos formadores serem pessoas vindas de outras áreas agrava a dispersão do curso. Até porque a formação delas em educação é bastante reduzida. Fazem uma licenciatura ou um bacharelado, depois fazem um mestrado ou um doutorado em educação... Então, eu acho que a visão é diferente de quem faz pedagogia. Mas os pedagogos também não têm essa visão de conjunto... (Entrevistada K-60)

Talvez o fundamental para um formador de pedagogos não resida na sua

origem teórica, mas na sua condição teórico-prática de favorecer aos pedagogos

em formação a construção da síntese integradora dos conhecimentos sobre a

pedagogia e a educação nos seus mais diferentes aspectos. Parece que foi este o

diferencial expresso no perfil dos formadores de meus entrevistados.

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5 Das trajetórias e memórias de pedagogos primordiais: a evolução do Curso de Pedagogia no Brasil

No capítulo anterior apresentei as evocações dos entrevistados sobre os

primórdios do Curso de Pedagogia no Brasil, buscando, a partir da discussão das

temáticas suscitadas, analisar aspectos que de algum modo indicam implicações,

resistências e avanços desse curso entre nós. Dando continuidade à apresentação

dos dados e à análise proposta, pretendo, neste capítulo, pôr em evidência as

mutações pelas quais o curso foi passando, na ótica dos entrevistados.

Optei por expor a visão dos pedagogos entrevistados, considerando quatro

frentes de discussão que apareceram na análise dos depoimentos.

A primeira diz respeito a dois aspectos que surgiram com mais ênfase nas

entrevistas daqueles que cursaram pedagogia na década de 60, indicando, no meu

entender, alguns traços de diferenciação do curso, não diretamente relacionados às

alterações curriculares do seu segundo marco legal (Parecer CFE nº. 251 de

1962), porém mais relacionados às injunções sócio-político-culturais da época.

A segunda refere-se à questão, diretamente apresentada aos entrevistados,

sobre as diferenças entre o curso que fizeram como graduando e o curso que

atuaram e/ou atuam como formador.

A terceira frente de discussão focaliza a visão dos entrevistados sobre as

mudanças impressas no curso pela via dos seus marcos legais, em especial o

terceiro (Parecer CFE nº. 252 de 1969), que instituiu as habilitações.

A quarta e última frente aborda as diretrizes curriculares que ora regem a

organização do Curso de Pedagogia, representando o seu quarto e último marco

legal até aqui (Resolução CNE nº. 01 de 2006).

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5.1. Diferenciais entre as décadas de 40/50 e 60

Ao analisar os depoimentos, fiz uma série de cruzamentos das informações,

atentando para convergências e divergências das posições apresentadas pelos

entrevistados em relação aos diversos aspectos da entrevista, de modo a identificar

aqueles que seriam os pontos emblemáticos da discussão. De início, considerei

que a diferenciação entre as décadas de estudo de cada participante representaria

um eixo de análise importante e necessário, visto que mudanças históricas,

políticas, sociais e, também, específicas do próprio curso, refletiriam no seu

percurso, deixando transparecer os aspectos indicativos das resistências e avanços

procurados.

Todavia, essa diferenciação não apareceu de modo tão expressivo, levando-

me, diversas vezes, a questionar os dados em construção e rever o processo. Uma

explicação possível, talvez seja a de que a maioria dos entrevistados se situa no

período compreendido entre os anos de 1958 e 1968. O fato é que depois de

muitas idas e vindas, percebi que as marcas diferenciais expressas nas falas de

cada um deles, tanto no que diz respeito à formação recebida no curso quanto no

tocante às posições defendidas, apareceriam naturalmente no contexto da

discussão, sem que precisasse categorizar o que é próprio de um período ou de

outro.

Entretanto, algumas notas demarcaram um tom diferente nos depoimentos

daqueles que se situam em fins dos anos 50 e no decorrer dos anos 60. Essas notas

dizem respeito à influência do ambiente altamente politizado na formação dos

entrevistados, em boa parte dos casos mais determinante do que a cultura

específica da sala de aula.

Para parte significativa dos entrevistados que cursaram pedagogia em fins

da década de 50 e no decorrer da de 60, o ambiente acadêmico, a cultura

universitária e, de modo especial, o movimento estudantil representaram

diferenciais importantes na formação recebida. As experiências vividas para além

da sala de aula mostraram-se decisivas para a ampliação de seus horizontes e para

a elaboração de um conhecimento mais crítico do mundo, da sociedade, do

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homem e da educação.

Eu participei muito do movimento estudantil, do diretório acadêmico. Eu integrava um movimento que se chamava Movimento Solidarista Universitário. [...] O que mais me marcou na minha formação, mais que a sala de aula, apesar de eu ter tido professores excelentes, alguns outros não tanto, foi a cultura do campus universitário, o movimento universitário e dentro dele o estudantil. (Entrevistada

G-50)

Aquele era um momento de ebulição do movimento estudantil. Eu fui para a diretoria de um diretório acadêmico e me tornei vice-presidente do diretório. Por ocasião do movimento de 64, eu estava no 4º ano e era vice-presidente do diretório acadêmico. Fui do Movimento de Ação Católica, a JUC, e isso me deu outras vivências. Então, a participação em congressos estudantis, em congressos da JUC, abriu novas perspectivas. (Entrevistada I-60)

Nós tínhamos um espaço formativo importantíssimo, que foi a militância estudantil nos plenos anos de ditadura. Eu participava de um dos movimentos, que era o da JUC – Juventude Universitária Católica, onde o tema educação era um tema chave, que marcou muito a linha da militância. (Entrevistada J-60)

Como se pode ver, através da fala dessas entrevistadas, situadas em

contextos diferentes, Rio de Janeiro capital, São Paulo interior e São Paulo

capital, a participação em atividades instituintes no contexto do campus

universitário, bem como daquelas instituídas pelo movimento estudantil

favoreceram uma formação mais comprometida com as questões sociais. Numa

época em que os movimentos estudantis caminhavam ao lado dos movimentos

dos trabalhadores e dos partidos políticos de esquerda, as lutas pelas causas

sociais faziam reaparecer a importância do sujeito coletivo e da perspectiva de

uma educação a serviço da transformação social.

Para além do Curso de Pedagogia, os entrevistados do período em questão

se beneficiaram de uma cultura universitária marcada predominantemente pela

mobilização política a favor das causas sociais e da luta pela soberania nacional.

“O que mais me marcou quando eu entrei na faculdade foi o clima altamente

politizado.” Foi o que declarou a entrevistada N-60. Nesse contexto, ressalta-se a

dimensão da circularidade de idéias, posições, proposições entre os estudantes que

imprimia à formação universitária um caráter de dialogicidade e coletividade. É o

que sinalizaram em seus depoimentos as entrevistadas M-60 e P-60:

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No meio da universidade, havia aquela gente toda... havia um movimento que fazia com que todo mundo se conhecesse. Você não conhecia só os alunos da sua turma, não. Você acabava conhecendo um monte de gente da sociologia, da história, da filosofia... Porque você ia lá pra discutir idéias. Não estou falando das idéias que necessariamente estavam sendo discutidas com o professor em sala de aula. Eu estou falando das idéias que estavam sendo politicamente gestadas. Isto se dava fora da sala de aula e a gente aprendia muito, abria a nossa cabeça para questões mais amplas... (Entrevistada M-60)

Eu acho que a melhor coisa que acontecia no curso era o convívio universitário, com estudantes de muitos cursos diferentes... (Entrevistada P-60)

Em todos os depoimentos colhidos observa-se alguma referência ao

movimento de 64. Essas referências ganham mais relevo, por razões que a própria

época explica, entre os entrevistados que cursaram pedagogia na década de 60. O

contexto universitário foi bastante impactado pelos acontecimentos políticos da

época. Professores perseguidos, literatura censurada, projetos vetados, movimento

estudantil reprimido...

Nas lembranças dos entrevistados, ressalta-se a falta sentida dos

posicionamentos políticos que não podiam chegar à sala de aula. Professores

vigiados encaminhavam suas aulas como se estas não se dessem em território

brasileiro. Todavia, o silêncio se transfigurava em ações militantes do lado de

fora, levando muitos ao exílio, à prisão e ao desaparecimento. Nesse contexto, os

entrevistados chamam atenção para o fato de que educação e transformação social

era uma idéia que ensaiava entrada no âmbito do conhecimento educacional,

assim como em todo o campo universitário.

A entrevistada E-50 fez o curso no período de 1957 a 1960, em São Luiz do

Maranhão, e no último ano já integrava o seu corpo docente. A militância em prol

da democracia e da educação como ato político, libertador e emancipador foi por

ela vivida como aluna e mais ainda como professora. “A cidade sitiada... Onde eu

andava tinha pessoa atrás de mim. Eu panfletando pela liberdade, com meus

meninos pequenos, e a polícia atrás de mim.” Continua...

Os anos 60 foram anos instituintes: bossa nova... cultura popular em alta... Paulo Freire soltando as primeiras reflexões... De repente, o golpe! Meu irmão que estudava engenharia no Recife e era um líder estudantil foi preso e desaparecido. As nuvens se fecharam. Eu própria, como professora patrona de turma, recebi

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recado do exército de que eu só poderia falar na cerimônia se eu mostrasse antes o meu discurso. (Entrevistada E-50)

Sob um clima de luta e perseguição, audácia e medo, professores e alunos

aprendiam e faziam educação. Mas, na sala de aula, não!

A PUC-Rio foi alvo da ditadura. Os helicópteros em cima, vigiavam tudo... [...] A gente não sabia quem estava e quem não estava na sala de aula com a finalidade de denunciar o professor. Muitos alunos desapareceram. [...] Às vezes, eu falo sobre essa fase para os alunos de hoje e eles acham que eu estou contando uma história de carochinha, porque para eles isso é uma coisa muito longínqua... (Entrevistada G-

50)

A gente ia para as assembléias que discutiam os posicionamentos políticos a serem adotados, e, de repente, por um aviso que vinha não sei de onde, todo mundo saía correndo. Alguns alunos e professores do curso se envolveram em movimentos fortes de resistência. [...] Então, o que se via era que todo esse fervilhar não ia para a sala de aula, não ia de uma maneira explícita. [...] A gente conhecia os posicionamentos políticos de nossos professores, mas a discussão não podia entrar na sala de aula, ficava nos bastidores o tempo todo... (Entrevistada L-60)

Alunos e professores do Curso de Pedagogia e dos demais viviam

experiências históricas marcantes pela luta empreendida, pelo conflito deflagrado

e pelo medo sentido. Experiências que em sua essência traziam à tona a necessária

relação educação e sociedade não podiam ser problematizadas na sala de aula da

pedagogia. Assim, a educação, objeto de teorização e proposição da pedagogia,

era discutida no âmbito da sala de aula desconectada do contexto social mais

amplo, enquanto fora dela, paradoxalmente, a educação para o social era vivida,

projetada, sentida e sofrida de forma real.

O movimento culminou com o golpe militar de 1964, que imporia, mais

tarde, mudanças estruturais em diversos segmentos da organização político-social,

tal como o que aconteceu por meio da Reforma Universitária de 68. Tal Reforma

atingiu diretamente o Curso de Pedagogia, que saiu do âmbito da Faculdade de

Filosofia para pertencer a outro locus formativo, especialmente o da Faculdade de

Educação.

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5.2. Diferenciais entre o curso de formação e o curso de atuação como formador

Desde o início a ênfase no conhecimento teórico mostrou-se nuclear no

Curso de Pedagogia. Considero que apesar da discussão que põe em xeque a

natureza do conhecimento produzido pela pedagogia, em função de sua

abrangência e diversificação teórica, fazendo esmorecer o que poderia ser o seu

próprio saber, o estudo das diferentes disciplinas que lhe são constitutivas

representou o eixo central do seu curso. Vê-se, assim, que embora a pedagogia

não tenha conseguido resolver ainda o seu estatuto epistemológico, foi ele que

comandou o andamento do curso, fazendo recair a força na perspectiva de formar

para pensar sobre a educação. Pensar a partir de quais referenciais? Os das

grandes disciplinas teóricas, que ocupavam praticamente todo o curso. Disciplinas

que se encaminhavam por meio do estudo de muita literatura, em especial

daqueles considerados os clássicos da educação.

Pois bem, quando os entrevistados foram interrogados acerca das principais

mudanças por eles observadas entre o curso feito como estudante e o curso

encaminhado como professor formador, o que aparece em boa parte dos

depoimentos diz respeito, justamente, ao conhecimento teórico. Aos olhos dos

entrevistados, o Curso de Pedagogia evidencia mais perdas do que ganhos. Nota-

se, então, que as mudanças são por eles assimiladas como perda. Ora, só se perde

o que se tem. O que tinha o curso em seus primórdios, segundo declararam os

entrevistados? Teoria, muita teoria!

Nessa perspectiva, os aspectos que mais apareceram nos depoimentos como

diferenciais entre o curso de formação e o curso de atuação como formador dizem

respeito à teoria e estão interligados, podendo ser sumariados da seguinte forma:

a) perda da densidade teórica; b) papel secundarizado do estudo dos clássicos em

educação; c) dificuldade de construção de sínteses sobre o que é e como se

elabora a pedagogia a partir das diferentes disciplinas estudadas; d) baixo capital

cultural dos alunos, dificultando o estudo teórico. Os seguintes depoimentos

expressam bem essas posições:

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Eu penso que há um esforço que tem que ser feito no campo da pedagogia no sentido de ter formulações mais compreensivas e mais abrangentes, de tal forma a dar sentido para aquelas áreas mais específicas do chamado campo pedagógico. Eu penso, também, que é preciso retomar os clássicos. Os clássicos sumiram do curso! Ninguém mais lê Paidéia; Emílio, de Rousseau; Didática magna, de Comênio; República, de Platão. Foram-se os estudos sobre os clássicos. A educação comparada também não se usa mais... (Entrevistado C-50)

Eu dou aula de didática e posso lhe dizer que tento que os alunos estudem as teorias que têm mais incidência nessa área. Às vezes fico boba de ver que eles desconhecem as idéias de Platão, de Aristóteles ou da filosofia moderna, que eu acho que é importante para você compreender a educação. [...] Se eu pergunto: vocês já leram algum livro de Paulo Freire? Eles respondem: não. [...] Como a minha orientação no curso de didática é dizer que não existe uma didática ou uma maneira de ensinar, mas que as didáticas dependem dos projetos educativos e das concepções filosóficas que lhe dão sustentação, então, minimamente, eles precisam conhecer as diferentes correntes pedagógicas. Eu acho que isso é pouco trabalhado no curso de hoje. (Entrevistada G-50)

Hoje, os alunos estudam história, sociologia, psicologia, filosofia e fica por isso mesmo. A pedagogia enquanto síntese não existe. O estudo das diferentes disciplinas é necessário ao estudo da própria pedagogia. Mas precisaria ter um momento no curso em que tudo isso pudesse ser articulado. [...] A gente tinha uma disciplina que se chamava teoria geral da educação, que procurava articular os temas e as questões da educação, de acordo com a contribuição de cada área. (Entrevistada K-60)

Eu considero que houve um distanciamento da práxis educativa. Houve uma fragmentação grande no curso por conta de muitas disciplinas, sem que os alunos consigam fazer os nexos necessários. [...] Como você olha a educação do homem grego na formação do pedagogo hoje? Estuda-se o assunto, mas não se avança no seu pensamento sobre a inserção social e profissional do aluno. A práxis fica de fora... (Entrevistada J-60)

Os alunos são mais fracos, com menos formação geral e humanista. A formação que a gente adquiria no ginásio, eles perderam. Então, eles não vão para o curso como a gente ia. A gente tinha uma formação de base que era fundamental para dar conta das atividades da Escola Normal e do Curso de Pedagogia. Eles não! O nível de compreensão dos problemas, das situações, das idéias rebaixou. Por exemplo, eu não tinha condições de dar para os meus alunos o curso que eu tive de sociologia ou o de filosofia, não porque eu não quisesse, mas porque eles não acompanhariam. (Entrevistada M-60)

Hoje tiraram os estudos clássicos dos grandes pedagogos. [...] A própria história da educação tem sido datada dessa última década... Os estudos teóricos de base fazem muita falta para fazer avançar a formação. (Entrevistada N-60)

Os depoimentos dos entrevistados C-50, G-50, M-60 e N-60 permitem a

percepção da perda da densidade teórica sofrida pelo Curso de Pedagogia. Quando

eles apontam a falta de contato dos alunos com leituras consideradas

fundamentais para a própria compreensão do que é a pedagogia e a dificuldade de

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andamento do curso porque faltam conhecimentos prévios aos alunos, depreende-

se que o investimento teórico, tão forte na formação que tiveram, marca

predominante dos primórdios do curso entre nós, não apresentou a mesma força

no decorrer da sua “evolução”.

Ainda em relação ao enfraquecimento da formação teórica, os entrevistados

apontam o papel secundarizado do estudo dos clássicos em educação. Os clássicos

sinalizados pelos pedagogos primordiais, como centrais na formação teórica que

tiveram, agora são por eles indicados como uma possível razão para a perda da

densidade teórica do Curso de Pedagogia. As falas dos entrevistados C-50, G-50 e

N-60 são sinalizadoras desse aspecto.

Em conseqüência, aparece a dificuldade de construção de sínteses sobre o

que é e como se elabora a pedagogia a partir das diferentes disciplinas estudadas.

Tal como se pode depreender das falas dos entrevistados C-50, K-60 e J-60, a

pedagogia requer formulações próprias a partir das diferentes áreas que lhe são

constitutivas, visto que, sem a síntese integradora, o conhecimento pedagógico

não se elabora. O “nexo” com a “práxis educativa”, mencionado pela

entrevistada J-60, em falta no curso, é o que dá sentido ao saber pedagógico. Nem

só a teoria, nem só a prática, mas a reunião mútua e dialética da teoria e da prática

é o que faz emergir um pedagogo, como diz Houssaye (2004, p.10). Para este

autor,

Por definição, o pedagogo não pode ser um puro e simples prático nem um puro e simples teórico. Ele fica entre os dois, ele é o entremeio. A relação deve ser permanente e irredutível ao mesmo tempo, pois o fosso entre a teoria e a prática não pode senão subsistir (ver Soëtard, 1981). É essa fenda que permite a produção pedagógica. Por conseguinte, o prático, em si mesmo, não é um pedagogo, na maioria das vezes é um usuário de elementos, coerências ou sistemas pedagógicos. Mas o teórico da educação, como tal, também não é um pedagogo, pois não basta pensar o ato pedagógico. Só será considerado pedagogo aquele que fizer surgir um plus na e pela articulação teoria-prática em educação. Esse é o caldeirão de fabricação pedagógica. (Houssaye, 2004, p.10)

Seguindo essa linha de raciocínio, os pedagogos entrevistados, cujo curso

realizado pautou-se essencialmente pela teorização sobre a educação, mesmo não

tendo sido oportunizada a eles a prática com a mesma força com que foi a teoria,

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parece que conseguiram estabelecer a necessária articulação teórico-prática ao

longo de sua atuação. A trajetória de cada um confirma isto. Entretanto, o Curso

de Pedagogia, no seu acontecer ao longo de quase 70 anos, por diferentes razões,

perdeu, aos olhos dos entrevistados, o que tinha de mais forte, sem consolidar uma

outra força capaz de favorecer a ascensão do conhecimento próprio da pedagogia

e, portanto, daquele que forma o pedagogo. Pensando, a partir da concepção de

Houssaye (2004), o curso, então, não estaria formando nem pensadores nem

práticos, mas, talvez, usuários de sistemas pedagógicos.

Outro aspecto referente às mudanças observadas no curso pelos

entrevistados, que apareceu na fala de mais de um deles e foi exemplificado aqui

na fala da entrevistada M-60, diz respeito ao perfil do aluno. O perfil mudou e,

segundo os entrevistados, para pior. Certamente este é um dado que não se

observa apenas no Curso de Pedagogia, mas no ensino superior, de um modo

geral, e não só nele, mas antes dele, na educação básica como um todo.

O fato é que, se analisado a partir da perspectiva bourdieusiana (Bourdieu,

2001), o capital cultural dos alunos, nas suas formas de objetivado e,

principalmente, incorporado, se mostra bastante reduzido. Um estudo

desenvolvido sob a coordenação de Marin (2007) comprova que o domínio do

capital pedagógico e cultural geral por parte de concluintes de curso universitário

para formar professores não é satisfatório, hoje. Embora o estudo não tenha

considerado alunos do Curso de Pedagogia, os seus achados vão ao encontro do

que apontam os entrevistados. A ausência de domínio de habilidades lingüísticas e

de conhecimentos gerais, dentre outros, prejudica os alunos no tocante ao

desenvolvimento das atividades acadêmicas, fazendo com que tenham o seu nível

rebaixado. Basta lembrar que a formação dos pedagogos entrevistados demandava

a leitura em vários idiomas, cujo domínio lingüístico foi adquirido, pela maioria

deles, ao longo de seus estudos na escola pública.

Do conjunto de depoimentos, chama atenção a fala da entrevistada P-60, no

que diz respeito aos diferenciais entre o curso que fez e o curso em que atuou

como formadora. Esta entrevistada apontou aspectos que designam ganho e não

perda, diferente do que foi observado nos demais depoimentos. Embora os fatos

apresentados por ela tenham sido abordados também pela maioria dos

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entrevistados, o contexto de sua fala foi outro. Para a entrevistada em questão, a

década de 80 possibilitou a revitalização do Curso de Pedagogia, por meio do

estudo de uma literatura predominantemente brasileira e de cunho progressista,

crítico e politizado. Vejamos o que ela mesma diz:

O Curso de Pedagogia começou a ser mais interessante a partir da grande Conferência Brasileira de Educação, realizada em São Paulo, na década de 80. A nova produção bibliográfica sobre os problemas educacionais elaborada por Saviani, Guiomar Namo de Mello, dentre tantos outros, começou a ser lida e debatida no curso. Os anos 80 trazem uma renovação muito expressiva... Uma politização! A criação da ANDES foi muito importante. O curso ganhou muita vida com tudo isso. [...] Os alunos passaram a ler Paulo Freire. [...] Houve uma renovação importante, uma efervescência acadêmica nos anos 80, que beneficiou todo mundo e também o Curso de Pedagogia, sem dúvida nenhuma. (Entrevistada

P-60)

É importante ressaltar que esta entrevistada começou a cursar pedagogia na

década de 50, interrompeu, retornando no meado dos anos 60. Tão logo concluiu

o curso em 69 foi convidada para integrar o corpo docente, o que se deu a partir

de 1971, visto que já havia planejado viver um ano nos Estados Unidos, onde se

especializou. Nesse sentido, ela acompanha o Curso de Pedagogia desde 1956,

quando o iniciou pela primeira vez. Sua posição acerca dos diferenciais impressos

ao curso agrega a vivência de diferentes fases.

É incontestável a mobilização que ocorreu no campo educacional na década

de 80. Parte expressiva dos entrevistados protagonizou esse movimento, tendo

contribuído de forma significativa para as mudanças observadas, sobretudo pelas

teses que produziram, pelas publicações que organizaram, pelas associações que

ajudaram a criar e pela divulgação das idéias pedagógicas contra-hegemônicas.

Saviani (2007a), bastante mencionado pelos entrevistados no que diz

respeito à sua importância para a consolidação dos estudos da educação brasileira,

em recente trabalho que versa sobre a história das idéias pedagógicas no Brasil, na

parte referente à década de 80, comenta que os vetores econômicos disponíveis

indicavam um clima negativo em várias dimensões, incluindo a educacional. O

diagnóstico sinalizava uma “década perdida”. Todavia, comenta este autor:

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Contrariamente, porém, a essa impressão, a análise histórica não condicionada pelos reveses da virada dos anos de 1980 para os de 1990 permite constatar que, do ponto de vista da organização do campo educacional, a década de 1980 é uma das mais fecundas de nossa história, rivalizando apenas com a de 1920, mas, ao que parece, sobrepujando-a. (Saviani, 2007a, p.400)

A criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, por

iniciativa de Heitor Lyra, cuja finalidade era integrar todas as pessoas, de variadas

tendências, em torno do estudo, do debate e das proposições sobre a educação,

representou um espaço fecundo de gestação de novas idéias pedagógicas, fazendo

da década de 20 um período emblemático para o desenvolvimento da educação

brasileira. A I Conferência Nacional de Educação, ocorrida em 1927, resultou dos

trabalhos empreendidos pela ABE, tal como relata Saviani (2007a, p.177). Quase

50 anos depois, surge a Associação Nacional de Educação (ANDE), que,

juntamente com outras entidades, também criadas nesse período, contribuíram

para o redimensionamento das idéias pedagógicas em nosso país, fazendo dos

anos 80 um período de ebulição da produção crítica sobre a educação.

Esta discussão ganha mais relevo entre os entrevistados quando comentam a

posição do Curso de Pedagogia no contexto do campo acadêmico, tema de análise

do próximo capítulo. Aqui, interessa demarcar que a ampliação da produção

acadêmico-científica, ocorrida nos anos 80, influenciou positivamente o Curso de

Pedagogia, conferindo-lhe mesmo um diferencial importante, como afirmou uma

entrevistada.

Outro aspecto que apareceu na fala dos entrevistados no que tange aos

diferenciais observados diz respeito ao terceiro marco legal do Curso de

Pedagogia, o Parecer CNE nº. 252 de 1969. Este Parecer foi apontado como causa

para a pulverização do curso pela entrada das habilitações a favor de um

especialismo que não foi satisfatoriamente concebido. De um modo geral, as

habilitações aparecem como o fator que mais imprimiu mudança estrutural no

curso, tal como abordarei a seguir.

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5.3. Diferenciais impressos pelas alterações advindas dos marcos legais – as marcas de um marco...

Embora já tendo tratado no terceiro capítulo dos quatro marcos legais que

normatizaram a organização do Curso de Pedagogia, pretendo agora comentar as

posições dos entrevistados sobre as mudanças por eles provocadas, em especial,

no tocante ao terceiro marco legal, o Parecer CNE nº. 252 de 1969, que instituiu

as habilitações. Farei uma rápida contextualização desse período para favorecer a

compreensão das falas em análise. Para tanto, considerarei como principal

referência a contribuição de Saviani, na sua obra História das idéias pedagógicas

no Brasil (Saviani, 2007a).

Vimos anteriormente como a cultura universitária, expressada, dentre outras

formas, pela pujança da organização estudantil, e o movimento que deflagrou o

golpe de 64 influenciaram os pedagogos entrevistados, imprimindo alguns

diferenciais ao Curso de Pedagogia daqueles que o fizeram em fins dos anos 50 e

no decorrer dos anos 60. O final da década de 60 registra um forte clima de tensão

nas universidades, devido ao movimento estudantil e, também, à luta dos

professores que “reivindicavam a abolição da cátedra, a autonomia universitária,

mais verbas para desenvolver pesquisas e mais vagas para ampliar o raio de ação

da universidade” (Saviani 2007a, p.372).

Este período assinala, também, de outro lado, a incorporação da tendência

pedagógica tecnicista na organização do nosso sistema de ensino, influenciada

sobremodo pela forte literatura americana que circulava entre nós. As idéias sobre

organização racional do trabalho, enfoque sistêmico e controle do comportamento

na perspectiva behaviorista representam as principais ênfases dessa tendência

(Saviani, 2007a, p.367).

Nesse contexto, de demandas contraditórias, o governo, por meio do

Conselho Federal de Educação, instituiu um Grupo de Trabalho para elaborar a

Reforma Universitária, tendo Valnir Chagas como um de seus integrantes e

principal referência no exercício de “ideólogo educacional do regime militar”

(Saviani, 2007a, p.377). Assim, o ano de 1969 marcou uma nova etapa no cenário

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universitário, uma vez que entrou em vigor a Lei nº. 5.540, de 28 de novembro de

1968, que instituiu as bases da referida reforma. Um conjunto de leis fez emergir

um novo tempo no sistema educacional como um todo, marcado essencialmente

pela concepção produtivista e pela tendência tecnicista: Decreto nº. 464/69 –

implementação da Reforma Universitária instituída pela Lei nº. 5.540/68; Parecer

CFE nº. 77/69 – regulamentação e implantação da pós-graduação; Parecer CFE nº.

252/69 – introdução das habilitações técnicas no Curso de Pedagogia; e Lei nº.

5.692/71 – instituição da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Desta forma, entraram em cena no Curso de Pedagogia, as habilitações para

formar os professores para o Ensino Normal e os especialistas para as atividades

de orientação educacional, administração escolar, supervisão e inspeção de

escolas e sistemas de ensino, fortemente marcadas pela visão produtivista e pela

idéia de que o técnico em educação representava um profissional necessário à

proposta de educação como fator de desenvolvimento social. Não só as

habilitações, mas outras alterações ocorreram no âmbito dos cursos universitários,

afetando, portanto, também, o Curso de Pedagogia. O sistema de créditos com

matrícula por disciplinas foi uma delas, assim como a junção de disciplinas afins

em um departamento. Nesse contexto, também, registra-se a passagem do Curso

de Pedagogia de uma seção específica pertencente à Faculdade de Filosofia para a

Faculdade de Educação ou para um Departamento de Educação.

Os pedagogos entrevistados são egressos do curso até 1969, não tendo

vivido as habilitações enquanto estudantes de pedagogia. Porém todos eles, na

condição de professores do curso, atuaram sob a égide das especializações, alguns

trabalhando diretamente para a sua implementação, o que os leva a apontar

especificamente o terceiro marco legal como um diferencial significativo entre o

curso que fizeram e o curso no qual atuaram como formadores. De um modo

geral, poucos fizeram referências às mudanças oriundas da Reforma Universitária,

no seu sentido amplo, ou seja, sobre o regime de créditos, a dispersão dos

estudantes, a departamentalização etc. Todavia, aqueles que o fizeram,

manifestaram contrariedade em relação às medidas, tal como se pode depreender

da fala da entrevistada M-60:

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Eu me formei antes do desmantelamento. O ensino começou a ser mudado a partir da década de 70, com a Reforma Universitária, em 68, e com a LDB 5.692, de 71. [...] O regime de créditos foi a pior coisa que inventaram. Desmobilizou totalmente os alunos. As habilitações dentro da pedagogia também, porque cada uma seguia um rumo diferente. (Entrevistada M-60)

No que diz respeito diretamente às habilitações, constata-se que os

pedagogos participantes desta pesquisa questionam o seu papel no curso. Não se

trata de se posicionar contra ou a favor. As falas deixam entrever as controvérsias

que cercam a questão, visto ora parecerem indicar uma posição contrária, ora

favorável. Parece que o gérmen da contrariedade está no modo como as mesmas

foram concebidas e operacionalizadas, sugerindo que, se o encaminhamento

tivesse sido de outro modo, talvez elas pudessem representar uma alternativa

viável, visto que alguém precisa desempenhar o papel de articular o trabalho

pedagógico da escola como um todo e isto não pode ficar sob a responsabilidade

do professor da sala de aula apenas.

A minha vertente é no sentido de valorização do trabalho pedagógico que precisa se desenvolver fora da sala de aula e que não pode ser realizado pelo professor, porque ele está mobilizado com o trabalho pedagógico que faz na sua sala de aula. (Entrevistada J-60)

O fato é que a análise dos depoimentos confirma o que a literatura

acadêmica a respeito desse tema apresenta. No contexto do estudo realizado, as

discussões sobre as habilitações são, de um modo geral, marcadas por posições

difusas. De um lado, observa-se que a concepção produtivista e a tendência

tecnicista, na base de sua gestação, são, indubitavelmente, rejeitadas. A

fragmentação observada na divisão do trabalho escolar, por meio da diversidade

de papéis a serem exercidos por diferentes sujeitos, é, via de regra, lamentada. E a

idéia de habilitação, como meio de formação do especialista no âmbito do próprio

Curso de Pedagogia e não após ele, é questionada. As falas dos entrevistados,

relacionadas a seguir, são representativas dessas controvérsias:

A partir da década de 70 enfrentamos a tendência tecnicista. Foi difícil pra mim, porque a minha formação, embora tenha estudado a taxionomia de Bloom, por exemplo, foi marcada pela linha mais desenvolvimentista. A partir da década de

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80, com os estudos das tendências pedagógicas através de Saviani, Libâneo, Gadotti..., é que passamos a pensar e trabalhar numa linha mais crítica. De modo que foi um choque quando eu comecei a atuar como orientadora educacional e me deparei com a linha tecnicista. [...] Como formadora de pedagogos, experimentei, aqui na PUC (PUC-SP) algo peculiar. Participei de um grupo de orientação educacional, coordenado por Glória Pimentel, que buscava formar o orientador e o supervisor conjuntamente, para evitar a fragmentação do trabalho de cada um, tão comum na escola. (Entrevistada L-60)

Uma coisa que me parece equivocada é que a habilitação não corresponde à especialização. Seria melhor que os habilitados não fossem chamados de especialistas. [...] Agora se é para continuar com a figura do especialista, então, é melhor a meu ver que ela seja cultuada no lugar certo, ou seja, após a graduação. (Entrevistado D-50)

De outro lado, observa-se que as habilitações, ainda que de modo distorcido,

contribuíram para definir com mais clareza os possíveis papéis a serem

desempenhados pelo pedagogo, visto que, até então, o curso se dirigia para formar

o professor da Escola Normal, ainda que a formação do técnico de educação,

também, fosse de sua alçada. Mas o que comporia o campo de ação desse técnico?

Questão pouco tocada. Apesar da fragmentação causada no curso e na escola, e da

suposta separação entre o trabalho do professor e o do especialista, as

habilitações, se problematizadas e concebidas em uma perspectiva mais

progressista, poderiam contribuir para a construção e consolidação do trabalho

coletivo na escola, ênfase dos discursos pedagógicos a partir da década de 80.

Com as habilitações, nós passamos a ter um papel mais definido. Embora nos chamássemos de especialistas ou de técnicos, não era necessariamente essa a dimensão que prevalecia. O que importava era o papel de pensar, refletir, propor coletivamente meios de organização das condições de educação do local onde trabalhávamos. [...] Eu fiz concurso para ser diretora de escola porque eu queria entender o processo pedagógico por dentro. Eu trabalhei onze anos dirigindo uma escola imensa, cheia de alunos, professores e funcionários e, portanto, com todas as dificuldades que você pode imaginar, tentando, durante todo o tempo, transformar coletivamente o destino daquela escola, de seus alunos e da sua comunidade. (Entrevistada N-60)

Eu fiz uma tese sobre a orientação educacional, mas eu, naquela época, já caminhava para a perspectiva do trabalho do pedagogo na escola pública, que não fosse o professor, sem reforçar uma ou outra habilitação. [...] Não é qualquer um que pode fazer o trabalho de um pedagogo fora da sala de aula. [...] Não concordo com a leitura de que os especialistas eram os que pensavam e os professores os que executavam. Esse modelo não se sustenta quando você analisa a prática dos educadores nas escolas. Nem os especialistas eram intelectuais e nem os professores eram operários. (Entrevistada J-60)

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Diante desse cenário controvertido, marcado por posições que ora

convergem, ora divergem, um aspecto apareceu como uma espécie de “pano de

fundo” das considerações apresentadas, indicando um traço consensual entre os

entrevistados. A análise do conjunto de depoimentos, tal como tenho apresentado

no decorrer deste trabalho, deixa antever que favorecer o diálogo com várias

frentes de conhecimento representou um diferencial importante para o Curso de

Pedagogia. Talvez porque a emancipação do conhecimento pedagógico dependia

de sua articulação em torno de uma série cada vez mais ampla e complexa de

conhecimentos científicos (Cambi, 1999, p.402).

Esta dimensão é muito forte para os entrevistados. Daí o fascínio, relatado

por alguns deles, em relação ao estudo da filosofia, da sociologia, da psicologia e

de tantos aportes teóricos, que foram explorados com rigor, seriedade e crítica.

Todavia, no seu início o curso visava predominantemente formar o professor,

ainda que formar o técnico de educação também fosse sua atribuição. Diante das

alterações curriculares experimentadas, especialmente aquela que introduziu a

idéia de especialista em educação, por meio de várias habilitações, o curso

possibilitou outras frentes de atuação, mas perdeu densidade teórica, o que não foi

bom, segundo opinião de boa parte dos entrevistados. A falta de ajuste no Curso

de Pedagogia decorreu, talvez, da própria indefinição acerca de sua

especificidade. O curso pareceu ficar disperso em meio às múltiplas

possibilidades formativas que apresentou. A fala do entrevistado C-50 é bastante

representativa desta posição:

Se perguntarem o tipo de formação que o Curso de Pedagogia passou a fornecer, aí eu vou dizer que está tudo mal arrumado, porque não existe matriz que forneça sustentação para as várias disciplinas, que estão cada vez mais especializadas. [...] Foi tudo por água abaixo, talvez porque quiseram consolidar uma coisa que não tinha sentido: supervisão, orientação educacional, orientação profissional... [...] Quando eu digo que o curso de graduação, pelo menos os das chamadas Ciências Humanas, tem que ser um curso generalista é porque ele já começa especializado demais. (Entrevistado C-50)

Vários autores, dentre eles alguns dos pedagogos entrevistados, trabalharam

no sentido de construir um marco teórico próprio para as habilitações, buscando

diminuir tanto quanto possível o impacto provocado pela ausência de uma base

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conceitual necessária a um sistema escolar comprometido com a transformação

social.

Do conjunto de estudos existentes, destaco sobre a administração escolar, o

trabalho de Paro (1986). Em sua pesquisa de doutorado, Paro não se preocupou

em defender ou não a habilitação administração escolar no Curso de Pedagogia,

mas, partindo da sua condição de professor desse curso e do contato com a

realidade escolar proporcionado pelas atividades de orientador de estágios

referentes a esta habilitação (p.13), investiu na elucidação dos pressupostos

teóricos necessários à compreensão do problema da administração escolar vigente.

Em seu trabalho, que se tornou um referencial sobre o tema, examinou o conceito

de administração no seu sentido geral, abstraída de seus determinantes sociais,

visando captar a sua especificidade para, então, estabelecer os pressupostos

básicos de uma prática administrativa comprometida com a transformação social.

Considero os fragmentos, a seguir, bastante esclarecedores da intencionalidade do

autor no trabalho realizado e, também, no sentido de sublinhar que o movimento

por ele empreendido voltava-se em sua essência para a defesa, não de uma

habilitação, mas de uma prática administrativa a serviço da emancipação, não só

da escola, mas de um contexto social mais amplo.

A administração como é entendida e realizada hoje é produto de longa evolução histórica e traz a marca das contradições sociais e dos interesses políticos em jogo na sociedade. Por isso, para melhor compreender sua natureza, é preciso examiná-la, inicialmente, independentemente de qualquer estrutura social determinada. Isso implica examinar o conceito de administração em geral, ou seja, a administração abstraída de seus determinantes sociais, que, sob o capitalismo, por exemplo, configuram a chamada administração capitalista.[...] Captada a sua especificidade (ou seja, sua forma geral, aquela que é comum a todo tipo de estrutura social), é possível identificar quais os elementos que, em sua existência concreta, se devem às determinações históricas próprias de um dado modo de produção. Numa perspectiva de transformação social, é possível, além disso, raciocinar em termos dos elementos dos quais esta forma, historicamente determinada numa sociedade de classes, precisa ser depurada para que, numa sociedade mais avançada, se possa pô-la a serviço de propósitos não-autoritários. (Paro, 1986, p.18)

No tocante à supervisão, destaca-se o trabalho de Silva Jr. (1984), sob o

título Supervisão da educação: do autoritarismo ingênuo à vontade coletiva, que,

assim como o de Paro, também resultou de sua tese de doutorado e se tornou um

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referencial para os estudiosos desse tema. Independentemente de ser ou não uma

habilitação do Curso de Pedagogia, defende o autor, nesse trabalho, que a

supervisão representa uma ação educativa a serviço da educação intencional, e

que pode estar também a serviço da emancipação do social. O estudo de Silva Jr.

focalizou a realidade do sistema paulista de supervisão escolar, confrontando

quatro vertentes de discussão: a supervisão existente, a realizada, a pretendida e a

possível. A análise empreendida buscou apontar uma linha de definição teórica

para uma supervisão orientada para a transformação social, tal como se pode

apreender da citação a seguir:

Os supervisores colocam-se efetivamente numa posição especial no interior do sistema escolar uma vez que se constituem no instrumento de contato dos foros privilegiados do sistema, nos quais as decisões são elaboradas, com o conjunto dos professores encarregados de conduzir a ação docente. Manifestado o antagonismo entre os que dirigem e os que ensinam, encarregam-se os supervisores, via de regra, de restaurar a hegemonia da administração. Comportam-se assim, em sua esfera de ação, de acordo com as regras de nossa organização social, associando força e consenso em favor da continuidade da dominação. Parte integrante da totalidade social exerce sua função mediadora na única direção que até aqui lhes pareceu viável ou possível. Sabemos, entretanto, que o movimento atual é o único movimento possível. Sabemos também que as relações entre as classes, que constituem a dinâmica da sociedade em que vivemos, atravessam a escola, componente desse espaço social. Sabemos mais que se o movimento existe na sociedade existe também na escola que a integra. Se acreditamos na possibilidade de transformação social, por que não acreditaríamos na possibilidade de transformação da organização escolar, aí incluída uma nova direção para o movimento da supervisão? (Silva Jr., 1984, p.21-22)

Quanto à orientação educacional, na mesma linha, se colocou o trabalho de

Pimenta (1991), também resultante de sua tese de doutorado e também referencial

para o estudo dessa habilitação. A autora pesquisou a prática da orientação

educacional, criticando-a e demarcando a importância do papel do pedagogo não-

docente, junto com o professor, para a democratização do ensino e da escola

pública. A posição defendida respaldou-se na pesquisa da prática, fundamentada

nos pressupostos teóricos da pedagogia histórico-crítica, traduzida na tendência

denominada pedagogia crítico-social dos conteúdos. Apoiada nas idéias de Marx e

Gramsci sobre educação, e nas obras de Suchodolski, Snyders e Manacorda sobre

a escola, defendeu Pimenta que a escola democrática, “instância socializadora do

saber para as camadas populares” (p.144), emergeria da crítica acerca da sua

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própria especificidade, o que requereria a atuação dos professores juntamente com

a dos especialistas.

As produções acadêmicas sobre as habilitações do Curso de Pedagogia

foram muito importantes para o processo do seu redimensionamento no curso e no

contexto da prática. Como estudante de pedagogia, no período de 1989 a 1992, eu

conheci parte dos trabalhos dos autores mencionados, elaborando, através das

disciplinas, e, posteriormente no campo de atuação a perspectiva teórico-prática

defendida, alimentada pelo pensamento gramsciano, do educador como autêntico

intelectual transformador. Convivo bem de perto com o contexto da prática, sendo

testemunha de como a tendência tecnicista, no que tange ao trabalho dos

“especialistas” ou dos “técnicos”, foi, e continua sendo nas experiências

remanescentes, bastante incisiva. Todavia, também percebo, tal como falou a

entrevistada Q-60, que:

as habilitações foram beneficiadas pelas produções teóricas que surgiram na década de 80. A perspectiva teórica do trabalho coletivo voltado para a transformação social foi muito forte, ajudando a superar a base tecnicista que introduziu as habilitações no curso. (Entrevistada Q-60)

Os três trabalhos sinalizados são representativos do movimento de

recontextualização das habilitações no Curso de Pedagogia, observado a partir da

década de 80. Entretanto, é importante esclarecer que desde o início da década de

70, quando as habilitações adentraram o curso, os professores que assumiram a

responsabilidade das disciplinas a elas relacionadas se viram diante do desafio de

compor um corpus teórico-prático que servisse de sustentação à sua abordagem, já

que o que se colocava era totalmente novo. A esse respeito, o entrevistado D-50

declarou o seguinte:

Quem é que vai trabalhar as disciplinas das habilitações pela primeira vez? Nós estávamos em 69, ninguém nunca tinha dado um curso sobre princípios e métodos da supervisão escolar. Ninguém mesmo, não apenas a minha faculdade, mas o Brasil inteiro. Então, como chefe de departamento, eu me atribuí a tarefa de pensar uma diretriz teórica inicial para a supervisão. [...] Claro que a questão não é tão simples, mas eu coloquei para a supervisão a mesma visão que eu tinha no caso da administração. Se a teoria existente, no caso da administração, administração empresarial, não é cabível no plano escolar, então isso não significa que vamos

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trabalhar sem teoria, significa que precisamos criar teoria. Foi um começo de teorização, que merecia mais investimento. (Entrevistado D-50)

Apesar do esforço teórico empreendido e da difusão dessas idéias entre os

pedagogos no exercício de sua atuação, o contexto do trabalho parece não ter

favorecido a assunção de uma prática progressista, dialógica, coletiva e

participativa. O que se observou no âmbito da escola e dos sistemas de ensino, de

um modo geral, foi o reflexo do que fez o Curso de Pedagogia, contribuindo para

forjar uma “identidade” de pedagogo pela via das habilitações, fortemente

marcada pela fragmentação e realce ao trabalho do sujeito individual em

detrimento do sujeito coletivo.

Este aspecto também encontra nos depoimentos mais convergência do que

divergência. De um modo geral, há uma concordância quanto ao fato de que as

habilitações contribuíram para fragmentar, pulverizar e dispersar o Curso de

Pedagogia. Tal posição é bem representada na fala da entrevistada L-60:

O Curso de Pedagogia ficou muito marcado pelas especializações, dificultando a tão discutida definição de identidade. As habilitações fragmentaram muito o curso. Na década de 80, tive a oportunidade de participar na PUC-SP, como professora e não mais como aluna, de um grupo de Orientação Educacional, coordenado pela professora Gloria Pimentel, que buscava favorecer uma formação integrada do pedagogo, para evitar a fragmentação provocada pelas habilitações. (Entrevistado

L-60)

O debate sobre a identidade do curso e do pedagogo, pela via das

habilitações, é também bastante controvertido. É possível que as habilitações

possam ter contribuído para fragmentar o curso e reforçar a dificuldade de sua

definição identitária. Contudo, alguns entrevistados, mesmo não defendendo as

habilitações, concordam que de algum modo elas equivocadamente contribuíram

para identificar o pedagogo. É o que se pode perceber na fala do entrevistado D-

50:

Dificilmente o pedagogo se identificou como pedagogo. Durante muito tempo o pedagogo se identificou como professor. [...] Quando as habilitações chegaram, chegaram com uma nomenclatura nova que foi logo assumida: “Eu sou supervisor” ou “Eu sou orientador” ou “Eu sou inspetor de ensino”... Então, ser

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pedagogo ficou de certa maneira em segundo plano e não disseminou a idéia de que ser pedagogo é uma precondição para ser supervisor, para ser orientador ou o que quer que seja. [...] Acho que vai levar muito tempo para que essa identidade seja robustecida para que ela seja orgulhosamente assumida. (Entrevistado D-50)

Bissolli da Silva (1999) discute a questão da identidade do Curso de

Pedagogia no Brasil por meio de quatro indicativos relacionados,

respectivamente, aos quatro períodos históricos por ela trabalhados: identidade

questionada – período das regulamentações (1939-1972); identidade projetada –

período das indicações (1973-1978); identidade em discussão – período das

propostas (1979-1998); e identidade outorgada – período dos decretos (1999 - ...).

Conclui, afirmando que apesar dos esforços empreendidos para o fortalecimento

da identidade do curso e do pedagogo, ela foi mais questionada que afirmada.

Para uns as habilitações, ainda que de modo distorcido, contribuíram para

identificar o pedagogo, para outros contribuíram para dispersar o curso e,

portanto, para esmorecer sua identidade. Para outros, ainda, “o perfil do pedagogo

sempre foi muito fluido, mesmo com as habilitações”. Foi o que declarou a

entrevistada G-50.

Para mim fica a questão: será que a pedagogia, o seu curso e os seus

profissionais conseguiram, um dia, ter uma identidade própria, visto que os traços

identitários percebidos, via de regra, são forjados, sem sustentação, no contexto

do trabalho docente e do trabalho do “especialista”? O que seria uma identidade

própria do pedagogo? Uma velha questão ainda sem definição...

As habilitações no Curso de Pedagogia tiveram o mérito de representar um

dos pontos de mais difícil consenso nas discussões sobre o próprio curso,

sobretudo o desencadeado a partir da década de 80 pelo movimento dos

educadores. Extinguir, manter ou reformular fizeram do debate um embate, cujo

reflexo é facilmente percebido nas diretrizes curriculares para o Curso de

Pedagogia, aprovadas em abril de 2006, constituindo o último ponto de discussão

deste capítulo.

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5.4. Diferenciais impressos pelas diretrizes curriculares de 2006

A retomada da história do Curso de Pedagogia no Brasil pela via do exame

de seus marcos legais, apresentada no terceiro capítulo deste trabalho, inclui uma

breve análise do processo de elaboração das suas diretrizes curriculares. Nesta

parte proponho-me a comentar as posições dos pedagogos entrevistados a respeito

dessas diretrizes, enquanto parâmetro legal atual para a organização do curso, e,

portanto, um tema que se assenta nas discussões em torno das mutações por ele

experimentadas.

A década de 80, como já tive oportunidade de destacar, foi bastante

emblemática para o debate sobre a recontextualização da educação brasileira. O

Curso de Pedagogia, no âmbito das discussões sobre a formação de professores e

demais profissionais de educação, foi alvo de incontáveis críticas, fazendo crescer

o movimento em torno da reformulação de seu currículo. Uma idéia, em especial,

ganhou fôlego no debate travado, principalmente pela posição das entidades e

associações de docentes, com destaque para a ANFOPE: a docência como base da

identidade nacional de todo educador.

Com o autorizo do Conselho Federal de Educação, várias instituições

passaram a experimentar mudanças no seu Curso de Pedagogia, incorporando a

formação do docente para a primeira etapa do ensino fundamental, até então

responsabilidade exclusiva do Curso Normal de nível médio, e atenuando a força

das habilitações dirigidas à formação do especialista, independentemente do

preconizado pelo Parecer CNE nº. 252/69, ainda vigente. Nesse sentido, o Curso

de Pedagogia, que ao longo de sua trajetória se viu apartado da escola primária,

passa a enfatizar essencialmente a docência própria ao seu contexto.

Com a promulgação da LDB nº. 9.394/96 várias reformas foram

empreendidas, tal como aconteceu em fins dos anos 60 e início dos anos 70,

dentre elas a indicação para alteração dos currículos dos cursos de graduação.

Porém o Curso de Pedagogia se viu bastante ameaçado, uma vez que a LDB

introduziu o Curso Normal Superior como instância responsável pela formação de

docentes para a educação infantil e para a primeira etapa do ensino fundamental,

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ênfase que a pedagogia tomava para si. A polarização estabelecida dificultou a

definição de uma proposta razoavelmente consensual entre os educadores no que

tange às diretrizes curriculares. Como diz Tanuri (2006):

Se o intento da política oficial no sentido de substituir o Curso de Pedagogia pelo Normal Superior na tarefa de formar professores para as séries iniciais não foi bem-sucedido, a tentativa renovou-se mediante a proposta de reduzir o Curso de Pedagogia ao locus de formação desses docentes, transformando a formação científica mais densa ou a formação dos especialistas em formação complementar, a ser eventualmente acrescida à licenciatura em Pedagogia. A controvérsia que se estabelece parece refletir posições divergentes em jogo, das quais decorrem propostas diferentes. (Tanuri, 2006, p.75)

No decorrer de uma caminhada bastante longa de discussão sobre o que

seriam as diretrizes curriculares para o Curso de Pedagogia, prevaleceu o tom

nada consensual, manifesto pelas posições divergentes em jogo, tal como se refere

Tanuri. No meu entender, paradoxalmente, a docência como base de formação fez

emergir o consenso e o discenso, sendo o próprio pomo da discórdia, cabendo à

ANFOPE os “louros da vitória”. Certamente, as diretrizes aprovadas não

correspondem integralmente aos anseios do movimento dos educadores, porém é

inegável o reflexo das proposições defendidas pela ANFOPE, ao longo de seus

diferentes encontros, no texto final do documento homologado.

Já tendo revisado o processo de gestação das diretrizes brevemente aqui e

no capítulo mencionado, passo a descrever, em linhas gerais, seu conteúdo para,

então, focalizar o ponto do interesse desta parte do estudo, o qual diz respeito à

visão dos pedagogos entrevistados sobre esta questão.

O Curso de Pedagogia passa a ser um curso de licenciatura com foco na

formação inicial para o exercício da docência na educação infantil e nos anos

iniciais do ensino fundamental; nos cursos de ensino médio, na modalidade

Normal; em cursos de educação profissional na área de serviços e apoio escolar e

em áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

A formação por ele oferecida deve abranger integradamente à docência a

participação da gestão e avaliação de sistemas e instituições de ensino em geral, a

elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades

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educativas em contextos escolares e não-escolares, podendo contemplar uma

diversidade de temas, dentre os quais: educação infantil, ensino fundamental,

educação de jovens e adultos, ensino médio, educação na cidade e no campo,

educação dos povos indígenas, educação dos remanescentes de quilombos,

educação das relações étnico-raciais, inclusão escolar e social das pessoas com

necessidades especiais, educação dos meninos e meninas de rua, educação a

distância, novas tecnologias de informação e comunicação aplicadas à educação e

atividades educativas em instituições não-escolares, comunitárias e populares.

No cerne da formação há que se estabelecer a dimensão teórico-prática para

o exercício integrado e indissociável da docência, da gestão dos processos

educativos escolares e não-escolares e, ainda, da produção e difusão do

conhecimento científico e tecnológico do campo educacional, por meio de três

núcleos aglutinadores dos estudos: núcleo de estudos básicos para fundamentação

teórico-prática; núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos voltado às

áreas de atuação profissional priorizadas pelo projeto pedagógico das instituições;

e núcleo de estudos integradores para enriquecimento curricular.

No tocante à carga horária, as diretrizes prevêem 3.200 horas de efetivo

trabalho acadêmico, sendo 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como

assistência a aulas, realização de seminários, participação na realização de

pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições

educacionais e culturais, atividades práticas de diferentes naturezas, participação

em grupos cooperativos de estudos; 300 horas dedicadas ao estágio

supervisionado; e 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em

áreas específicas de interesse dos alunos, por meio da iniciação científica, da

extensão e da monitoria.

Quanto às habilitações, o documento inicialmente previu no seu artigo 10

(Parecer CNE/CP nº. 5/2005) que elas entrariam em regime de extinção, a partir

do período letivo seguinte à publicação da Resolução, e no artigo 14 que a

formação dos demais profissionais da educação, no caso pedagogos não-docentes

ou os especialistas, teriam a sua formação realizada em cursos de pós-graduação,

especialmente estruturados para este fim, aberto a todos os licenciados e não só

aos egressos do Curso de Pedagogia. No entanto, tal proposição contraria o que

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dispõe a LDB nº. 9.394/96, no seu artigo 64, quando define que:

A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. (LDB nº. 9.394/96, art. 64)

Por conta da contraposição mencionada, o Parecer CNE/CP nº. 5/2005,

apesar de aprovado, foi reencaminhado pelo Ministério da Educação ao Conselho

Nacional de Educação, para reexame da matéria. Assim, o Parecer CNE/CP nº.

3/2006 retificou o artigo 14, que passou a assegurar a formação de profissionais

da educação prevista no artigo 64 da LDB nº. 9.394/96, sem, no entanto, apontar,

no corpo do texto de fundamentação das diretrizes, indicativos de estruturação do

curso nessa direção. Em face dessa situação, fica patente nas diretrizes a

ambigüidade criada: uma proposta de curso para formar essencialmente o

pedagogo docente, com direito assegurado em lei de formar também o pedagogo

não-docente, sem que a base desta formação esteja prevista. Nesse caso, uma

ambigüidade transfigurada em contradição. Sobre o paradoxo das diretrizes,

compartilho com a visão de Saviani (2007b), quando expressa:

As novas diretrizes curriculares nacionais do Curso de Pedagogia são, ao mesmo tempo, extremamente restritas e demasiadamente extensivas: muito restritas no essencial e assaz excessivas no acessório. São restritas no que se refere ao essencial, isto é, àquilo que configura a pedagogia como um campo teórico-prático dotado de um acúmulo de conhecimentos e experiências resultantes de séculos de história. Mas são extensivas no acessório, isto é, se ditam em múltiplas e reiterativas referências à linguagem hoje em evidência... (Saviani, 2007b, p.127)

E os pedagogos primordiais entrevistados, o que pensam sobre a nova

configuração do Curso de Pedagogia? Dos entrevistados, quatro não se

manifestaram, alegando que se distanciaram das discussões a respeito desse tema

e que não conheciam o documento. Trata-se dos entrevistados A-30, B-40, C-50 e

M-60. Ainda assim, a entrevistada M-60, após ouvir a síntese que fiz sobre as

diretrizes, emitiu algumas opiniões, sobretudo no tocante à docência como base de

formação, deixando claro que a sua posição não poderia ser interpretada como

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algo definido, visto carecer de maior fundamentação.

Quanto aos demais, o que é possível depreender de seus depoimentos são

posições que não podem ser simplesmente enquadradas nos quesitos “a favor” ou

“contra”, pois deixaram entrever nuanças favoráveis a determinados aspectos e

contrárias a outros. Também não podem ser arrumadas de um modo que indique a

aproximação ou não de um grupo de entrevistados no tocante às idéias defendidas.

As posições a serem apresentadas estão longe de alcançar unanimidade entre os

entrevistados. Nem sempre elas apresentam estrita coerência, mas sempre

evidenciam a preocupação com o futuro do Curso de Pedagogia no Brasil.

Da análise dos depoimentos, três aspectos indicaram pontos de relevância,

por mim designados da seguinte forma: o recuo da teoria; o não-lugar das

habilitações; e a docência como base de formação. Passemos, então, à análise de

cada um deles.

a) O recuo da teoria

Quase a totalidade dos entrevistados manifestou preocupação com a

formação a ser oferecida pelo curso, considerando a diversidade de enfoques

possíveis. No cerne dessa preocupação se situa a dificuldade para favorecer o

estudo teórico, condição essencial, na visão desses entrevistados, para pensar,

propor, implementar e avaliar o trabalho pedagógico. As falas das entrevistadas F-

50 e H-50 são representativas dessa visão:

Como o pedagogo em formação aprenderá filosofia em 75 horas? Ele não conseguirá sair de Sócrates, Platão e Aristóteles. [...] Considero que as diretrizes empobreceram a formação do pedagogo como aquele que precisa ter um forte domínio dos conhecimentos pedagógicos. (Entrevistada F-50)

Penso que o Curso de Pedagogia teria que mudar. Ele não poderia continuar do modo que estava. Mas, o que percebo é uma triste mudança... A começar por não preservar o espírito da formação do pensador em educação. (Entrevistada H-50)

Pelo que se pôde depreender dos depoimentos, parece que para os

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entrevistados o recuo da teoria é inevitável, visto que o curso ficou sobrecarregado

de ênfases formativas, de um lado acentuando a fragmentação já existente, e de

outro empobrecendo as possibilidades de abordagem teórica. Segundo declararam

os entrevistados, será preciso fazer muito com pouco, tendendo a aligeirar ainda

mais a formação, além do estilo “enciclopédico”, que provavelmente dominará a

organização dos cursos.

Acho que temos perdas. A fragmentação está muito maior, com muito mais disciplinas. (Entrevistada K-60)

Considero que a formação dessa variedade de profissionais, ou seja, para as séries iniciais, para a educação infantil, para a gestão, levou o curso a assumir uma feição enciclopédica que dificilmente possibilitará, no meu modesto entender, a sólida formação geral e pedagógica pretendida por seus idealizadores, no caso os membros das entidades representativas dos profissionais da educação. (Entrevistada I-60)

Acho que a formação teórica, necessária para pensar a educação e fazer avançar o pensamento pedagógico se perdeu, se esfacelou com a fragmentação do curso. (Entrevistada N-60)

O recuo da teoria faz avançar a prática? Trata-se do avesso dos primórdios

do Curso de Pedagogia, tal como vimos no capítulo anterior. Uma das vantagens

observadas nas diretrizes por alguns dos entrevistados tem relação com a prática.

Uma carga horária maior facilitaria um conhecimento mais apurado do campo de

atuação. Entretanto, a falta de fundamentos teóricos para refletir sobre este campo

e sua prática pode comprometer o trabalho pedagógico a ser desenvolvido. Trata-

se de uma “equação” difícil de ser resolvida para os entrevistados.

Eu acho que tem uma vantagem, que é a de ter ampliado um pouco mais a carga horária para as atividades práticas, porém muita disciplina dificulta o estudo aprofundado, necessário para pensar a prática. (Entrevistada K-60)

A entrevistada I-60 também focalizou a prática, contudo apresentando um

ponto de vista divergente do da entrevistada K-60. Ela expressou a sua

preocupação do seguinte modo:

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Acho que temos que tomar muito cuidado com o ativismo pedagógico, com a supervalorização da prática. Eu me preocupo muito com essas cargas horárias grandes de prática e de estágio que nós estabelecemos; por outro lado eu entendo que precisamos de um curso que reflita sobre essa prática. (Entrevistada I-60)

Nota-se que as atuais diretrizes curriculares, na visão dos entrevistados,

expressam o oposto do que se estabeleceu nos primórdios do curso, também, na

visão dos entrevistados. Isto é, se antes prevaleceram poucas disciplinas, com

carga horária ampliada, favorecendo o estudo aprofundado, agora, prevalecem

muitas disciplinas, com carga horária reduzida, viabilizando apenas uma visão

geral sobre o seu tema central, sem grandes aprofundamentos teóricos e com uma

parte prática mal resolvida pelos estágios propostos.

b) O não-lugar das habilitações

O complexo tema das habilitações discutido na seção anterior volta à tona

por conta das diretrizes. Como já visto, o Parecer CFE nº. 252/69 instituiu as

habilitações em orientação, supervisão, inspeção e administração educacional,

imprimindo diferenciais no curso, objeto de nossa discussão anteriormente. Trinta

e sete anos depois, o Parecer CNE/CP nº. 3/2006 ao instituir as diretrizes

curriculares destituiu as habilitações, porém de uma forma hesitante. As

habilitações saem, mas a formação para o ofício por elas designado permanece,

ainda que de modo atenuado.

A análise dos depoimentos evidencia que para os entrevistados ter ou não

ter habilitação no Curso de Pedagogia não é o ponto crítico do problema, assim

como o contexto mais adequado para formar o especialista parece ser mesmo o da

pós-graduação. Portanto, se as habilitações vão acabar e o pedagogo deixará de

ser chamado de especialista representa, de alguma forma, um avanço. Para eles, o

problema é mais complexo porque diz respeito à base da formação. Ser professor

é ser professor. Ser pedagogo é ser pedagogo. Professor ensina. Pedagogo faz

pedagogia. Se o curso forma na pedagogia o professor, quem formará o

pedagogo? Então, o curso deixa de ser de pedagogia e passa a ser de formação de

professores? As falas, a seguir, focalizam essa problemática:

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O que os pedagogos precisam fazer? O físico faz física. Ele faz avançar o conhecimento sobre a física. O biólogo faz biologia e assim por diante. Bom, o que teria que fazer o pedagogo? Teria que fazer pedagogia, ou seja, fazer crescer o conhecimento existente, o que certamente contribuiria para o crescimento da sua responsabilidade profissional. O curso favorecerá formação para que o pedagogo faça pedagogia? (Entrevistado D-50)

Vejo que o curso ficou assoberbado. Formaremos profissionais polivalentes. A pedagogia mesma ficou de fora... Os pedagogos certamente terão dificuldades de desenvolver a pedagogia para além da sala de aula. (Entrevistada F-50)

Se a pedagogia ficar reduzida à atividade de formação do professor, perderá um espaço único na universidade de trabalhar a educação como objeto de estudo. [...] Quanto às habilitações, eu penso que elas deveriam ter terminado mesmo, mas não o trabalho do pedagogo fora da sala de aula. (Entrevistada J-60)

O principal dano causado pelas diretrizes está na perda do essencial do curso. Ou seja, perdemos o espaço de investigação, de reflexão, de teorização da educação. (Entrevistada N-60)

Caímos no que Valnir Chagas antecipou: o lugar das especialidades não é na graduação. No futuro, os Cursos de Pedagogia se transformarão em cursos de formação de professores primários. Ele só errou no nome, primários. (Entrevistada Q-60)

Sobre a relação entre habilitação e especialização, já tive oportunidade de

comentar anteriormente a posição do entrevistado D-50. Para ele é um equívoco a

idéia de especialização no contexto da graduação. Nesse sentido, considera que as

novas diretrizes podem ajudar a corrigir esta distorção, visto não operar com esta

designação. Para a entrevistada G-50, o pedagogo habilitado, antes das diretrizes,

como especialista para trabalhar com professores, concebendo e implementando

processos de formação continuada no contexto do próprio estabelecimento de

ensino, deveria ser formado no nível da pós-graduação. Nessa direção sim caberia

uma especialização, porém do modo como o Curso de Pedagogia vinha fazendo,

considera algo questionável.

O pedagogo que trabalha com os professores como responsável pela sua formação continuada, que mobiliza os processos pedagógicos da escola como um todo, deve ser formado no nível da pós-graduação, porque, assim, pressupõe que ele tenderia a ter uma experiência mais consolidada na sala de aula. É muito difícil um pedagogo ser orientador de professores sem nunca ter passado pela experiência de professor. Assim como é muito difícil um pedagogo ser orientador de educadores populares, sem nunca ter sido um educador popular. (Entrevistada G-50)

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A fala da entrevistada G-50 leva-me ao próximo eixo de discussão. Se o

trabalho do pedagogo volta-se essencialmente para a escola como um todo, isto é,

para a concepção, implementação e avaliação da prática pedagógica por ela

desenvolvida, para a articulação do currículo e sua materialização na sala de aula

e fora dela, para a formação em serviço dos seus profissionais, para as parcerias

estabelecidas, enfim, para a organização e gestão articuladora da ação educativa

na escola, como também em outros contextos educativos, parece que a docência

representa uma condição imprescindível. Tal como definido pelo movimento dos

educadores dirigido pela ANFOPE, a docência deve ser a base de formação.

Contudo, ser a base significa fazer da docência o início, o meio e o fim da

formação do pedagogo? Saem as habilitações responsáveis por conferir ao

pedagogo credenciais para a realização desse trabalho mais abrangente e fica a

docência, entendida não no sentido de desenvolvimento de aulas, mas no sentido

de íntima relação com o trabalho pedagógico nas suas diferentes variações. Como

se posicionam os entrevistados acerca desta perspectiva?

c) A docência como base de formação

Este foi um tema que mobilizou os entrevistados, não no sentido de

discordarem que o pedagogo precisa ser também um professor, mas no sentido de

que o pedagogo não pode ficar subsumido no trabalho do professor. Há muitos

complicadores aqui, visto que um manifesto a favor dos pedagogos (Houssaye et

al, 2004) pode, neste caso, dar a entender que pedagogo é mais do que professor

ou, por outra via, o trabalho docente deve estar subordinado ao do pedagogo, ou,

ainda, que o professor não pode desempenhar as funções, até então, pensadas para

o pedagogo no contexto da escola, do sistema e de outros espaços educativos.

Na visão dos entrevistados, a idéia de docência como um dos princípios

formativos do pedagogo é, de um modo geral, bastante razoável, representando

um ponto consensual. Entretanto, há variações, nessa visão, que merecem

destaque neste relato e que ajudam a entender os complicadores sinalizados.

Do grupo de entrevistados, cinco, em especial, concordam sem hesitação

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com o princípio da docência como base de formação do pedagogo. Vejamos o que

dizem a este respeito:

Acho muito difícil um pedagogo exercer o seu trabalho sem nunca ter passado pela experiência da docência. (Entrevistada G-50)

Considero que é muito adequado assumir a docência como base de formação do pedagogo. (Entrevistada K-60)

Do meu ponto de vista a docência é fundamental. Pedagogo que não é ou foi professor dificilmente conseguirá desenvolver com êxito o seu trabalho na escola e fora dela. (Entrevistada M-60)

Considero importante a docência na formação do pedagogo. (Entrevistada P-60)

Isso eu sempre defendi! Eu não sei até que ponto eu fui uma das precursoras de tentar colocar essa idéia na prática. Quando participava do grupo de São Paulo que discutia e propunha alterações para o currículo do Curso de Pedagogia, lembro-me de ter colocado essa idéia no papel, defendendo a formação docente como base para depois chegar na formação do especialista em outros termos. (Entrevistada

Q-60)

Há entrevistados que mesmo concordando com a idéia de docência como

base formativa do pedagogo, fazem questão de sublinhar que a docência é

necessária, mas não só ela. Foi o que defendeu a entrevistada L-60:

Em todos os encontros sobre este assunto e em todos os textos que tenho escrito sobre isto, eu digo que não nego a importância de que a pedagogia cuide da docência e forme para a docência, já que o campo da educação inclui o campo do ensino e da aprendizagem, mas só isto não! (Entrevistada L-60)

Para outros entrevistados, a docência é uma opção, mas não

necessariamente a base de formação. Tal posição é claramente colocada na fala da

entrevistada N-60:

A docência é uma das opções formativas, mas a base tem que estar voltada para a essência da pedagogia, enquanto ciência da educação. O Curso é de Pedagogia para formar o pedagogo. Que o pedagogo deve saber sobre a docência é uma coisa, porque isto tem relação com a pedagogia. Agora, que ela é a sua base é outra, porque sendo ela sua base, a pedagogia propriamente dita corre o risco de não ser considerada no seu próprio curso. (Entrevistada N-6)

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Como se pode ver a complexidade parece não residir na docência, mas no

receio de secundarização da própria pedagogia, uma vez que a docência, como

base, passa a ser o eixo estruturante de todo o curso. Nesse sentido, um aspecto

focalizado pelos entrevistados, inclusive por aqueles que não vêem problema na

docência como base de formação do pedagogo, diz respeito ao conceito de

docência subjacente no texto das diretrizes curriculares para o Curso de

Pedagogia.

Segundo o que consta nos pareceres e na resolução das diretrizes

curriculares, a docência é compreendida como ação educativa e processo

pedagógico metódico e intencional, desenvolvido nas diversas relações próprias

da pedagogia, por meio da articulação entre conhecimentos científicos e culturais,

valores éticos e estéticos inerentes aos processos de aprendizagem e de

socialização e construção de conhecimentos. Em suma, trata-se de uma concepção

bastante larga e ampliada de docência, buscando não encerrá-la no contexto da

sala de aula, mas transcendê-la para todo o contexto de onde emanam trabalhos

pedagógicos. Ao conceituar a docência desta forma, o texto deixa entrever que a

pedagogia ficou restrita à docência, enquanto esta se ampliou, abarcando a

pedagogia. Tal concepção gera imprecisão quanto ao objeto próprio da pedagogia,

visto que a compreensão genérica da docência permitiria assumir a pedagogia por

dentro dela e não o contrário.

Isso é uma grande discussão... Porque mesmo com essas deliberações atuais, pode continuar formando tudo. Por isso ampliou o conceito de docência. Então, docência é tudo, é gestão, é isso, é aquilo, o que for... (Entrevistada G-50)

Considero complicada essa perspectiva de que tudo é docência. Não sei se tudo é docência... (Entrevistada K-60)

Franco, Libâneo e Pimenta (2007) posicionam-se acerca desta questão,

defendendo que o Curso de Pedagogia não pode ter a docência como base. Para

eles todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho

pedagógico é trabalho docente (p.84). A defesa em torno da concepção de que o

trabalho pedagógico incorpora a docência, porém vai além dela, encontra entrada

entre os pedagogos entrevistados. As controvérsias se acentuam quando os autores

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mencionados defendem que “um professor é um pedagogo, mas nem todo

pedagogo precisa ser professor” (p.84). Nesse caso, para os entrevistados, na sua

maioria, é fundamental que o pedagogo seja também um professor.

A análise dos depoimentos, confrontada com a análise da literatura

acadêmica a respeito e com os estudos teóricos sobre a pedagogia que tenho feito,

me leva à seguinte posição: o trabalho docente é essencialmente um trabalho

pedagógico, mas não só ele. Outros trabalhos também são essencialmente

pedagógicos, sem serem necessariamente trabalhos de docente. Entretanto, a

docência, dada a sua natureza estritamente pedagógica, desencadeia as outras

frentes de trabalho pedagógico (gestão, formação, pesquisa, teorização sobre a

educação etc.) devendo, então, ser assumida como ponto de partida para sua

realização e não como ponto final. Nessa perspectiva, é bom que o pedagogo seja

um docente, mas seu trabalho transcende o da docência, sem, por isto, ser superior

a ela. São posições diferenciadas, porém todas a serviço da educação no seu

sentido geral e específico.

Ainda em relação à docência como base de formação do pedagogo, observa-

se na fala de alguns dos entrevistados preocupação com o destino do Curso de

Pedagogia. As diretrizes, mais do que defenderem a docência como base, definem

a docência como finalidade precípua do curso. Nessa direção, o Curso de

Pedagogia tende a assumir o perfil concebido para o Curso Normal Superior. Mais

uma vez a identidade, sempre questionada, da pedagogia se forjaria a partir da

identidade de uma outra entidade. Além disso, ressalta-se o conflito entre as

diretrizes curriculares do Curso de Licenciatura em Pedagogia e as dos cursos de

formação de professores. A fala da entrevistada H-50 é bastante reveladora desse

tipo de inquietação:

A maioria dos Cursos de Pedagogia já se transformou no que a gente poderia chamar de um tipo de Escola Normal Superior. [...] Se o pedagogo vai ser apenas um professor de 1a a 4a séries ou se ele vai ser um pensador em educação, é diferente. Não que o professor de 1a a 4a séries não pense educação, mas ele precisa ter um outro tipo de formação. Não dá pra você formar um cirurgião sem ensinar a ele a instrumentação. É a mesma coisa com o professor, ele é um profissional que precisa ser formado com a instrumentação devida para a sua prática. Então, nós ficamos com uma coisa híbrida, que nem forma o professor, nem o pedagogo direito. [...] Eu não sei como vai ser, porque quem forma o

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professor tem que obedecer as diretrizes para a formação de professores, mas ao mesmo tempo você tem uma diretriz específica para o Curso de Pedagogia, que basicamente só forma o professor... (Entrevistada H-50)

No tocante ao Curso de Pedagogia assumir a função de formação docente

para a educação infantil e para a primeira etapa do ensino fundamental, quatro

entrevistados mostraram-se concordantes com esta visão (G-50, I-60, K-60 e P-

60). A fala da entrevistada G-50 é bastante representativa desta posição:

Penso que o Curso de Pedagogia deve formar o educador da educação infantil, dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação de jovens e adultos. Se possível formar também o educador para contextos não-formais. [...] Na minha opinião, o Curso de Pedagogia poderia se transformar em curso de formação de professores e de educadores para contextos formais e não-formais. (Entrevistada G-50)

Apresentaram uma posição contrária, ou seja, o Curso de Pedagogia não

deveria se destinar à formação de professores, os entrevistados F-50, H-50, J-60

e N-60. A fala da entrevistada J-60 representa esta posição.

É um equívoco formar o professor no Curso de Pedagogia. O que não significa dizer que eu não considere importante formar o professor de educação infantil e de primeira a quarta na universidade. Defendo que a sua formação seja assumida pela universidade, mas não no Curso de Pedagogia. (Entrevistada J-60)

Os demais entrevistados que discutiram a temática das diretrizes

curriculares em seus depoimentos não chegaram a comentar explicitamente as

suas posições no que tange à formação para a docência no Curso de Pedagogia.

Pelo que se pode depreender dos dados apresentados e da análise

desenvolvida, a forma assumida pelo curso a partir das suas diretrizes curriculares

é bastante controvertida. A formação do professor passa a representar o eixo

central do curso, enquanto que as demais atividades atinentes ao pedagogo são

insuficientemente definidas. Os pedagogos entrevistados percebem nas diretrizes

um esvaziamento do que é próprio da pedagogia. É forte a impressão de que o

curso não mais formará o pedagogo. “Desse modo o curso não está formando

ninguém para ser pedagogo”, foi o que falou a entrevistada F-50.

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O descontentamento dos entrevistados não recai sobre as habilitações ou os

especialistas, questão que mobilizou tanta discussão ao longo do debate que

acompanhou o processo de elaboração do documento das diretrizes curriculares,

mas na ausência da própria pedagogia. A docência como base de formação

também não parece ser o grande problema. Este se revela no desaparecimento do

conhecimento pedagógico do seu próprio curso. Os aspectos constitutivos do

campo teórico-prático da pedagogia não foram suficientemente contemplados no

documento.

Com efeito, as diretrizes tendem a representar os paradoxos que cercam a

própria pedagogia. Enquanto documento delineador do curso não há dúvidas que

o conteúdo apresentado considera, em sua essência, as proposições da ANFOPE e

demais entidades representativas dos educadores. Encontram-se no documento a

docência como base da identidade do profissional da educação e os princípios

norteadores que fundamentam a idéia de uma base comum nacional, expressando

a concepção sócio-histórica da educação construída na práxis social, defendidos

pelo movimento.

Entretanto, aos olhos de boa parte dos entrevistados, a concepção de

docência ampliada, concebida articuladamente à gestão e à produção de

conhecimento, parece não ser suficiente para favorecer a formação de um

profissional que será ao mesmo tempo professor e pedagogo ou pedagogo porque

é professor. O problema da especificidade do curso permanece.

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6 Das concepções de pedagogos primordiais: a posição do Curso de Pedagogia no contexto do campo acadêmico

Os dois capítulos precedentes focalizaram aspectos referentes aos

primórdios (Capítulo 4) e à evolução (Capítulo 5) do Curso de Pedagogia no

Brasil, na visão dos pedagogos entrevistados, buscando atender ao primeiro

objetivo deste trabalho. Na seqüência, este capítulo pretende ater-se ao segundo

objetivo, abordando as posições dos sujeitos participantes do estudo acerca da

pedagogia enquanto domínio de conhecimento e curso de formação. Por meio das

idéias discutidas nesta parte, pretendo analisar como um grupo de pedagogos situa

o Curso de Pedagogia no contexto do campo acadêmico e entende a pedagogia

enquanto área de conhecimento, formação, atuação e, também, intervenção social.

Nessa direção, a temática será desenvolvida considerando quatro eixos

identificados na construção e análise dos dados, versando sobre a ligação entre

pedagogia e educação, a natureza do saber pedagógico, a relação de pertença do

Curso de Pedagogia para com a Faculdade de Educação e o impacto da construção

da pesquisa em educação no Brasil sobre o Curso de Pedagogia. Embora todos os

eixos se articulem entre si, os dois primeiros focalizam mais detidamente aspectos

referentes à visão dos entrevistados sobre a abrangência do domínio de

conhecimento da pedagogia, e os dois últimos sobre a posição do curso no cenário

acadêmico. O segundo eixo, em especial, ocupará grande parte da reflexão, visto o

seu papel de tecer teoricamente as principais linhas de discussão que perpassarão

as idéias articuladas neste capítulo.

Considerando que a abordagem do tema, de um modo geral, e do segundo

eixo, em especial, envolve um debate que se insere, também, no âmbito da

discussão epistemológica, este capítulo analisará as posições dos entrevistados

relacionadas com algumas leituras sobre os conceitos de pedagogia, adotando

como principais referências, no contexto internacional, os estudos de Durkheim,

Mialaret, Houssaye, Soëtard e Fabre; e no contexto nacional, os estudos de

Saviani, Libâneo, Pimenta e Franco.

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Espera-se, nesta etapa final de análise dos dados construídos na pesquisa,

evidenciar como agentes particularmente importantes no âmbito do campo

acadêmico educacional brasileiro se posicionam frente a algumas questões

complexas que acompanham a pedagogia e o seu curso ao longo dos tempos.

6.1. Pedagogia e Educação: uma relação indissociável

A análise dos depoimentos revela que pedagogia e educação representam

duas esferas conceituais indissociáveis. Todos os entrevistados ao apresentarem

suas posições sobre a pedagogia o fizeram de forma intrinsecamente relacionada à

educação.

Trata-se de uma ligação historicamente construída, situando a educação

como o fenômeno que resulta de um complexo processo de construção prática

pelo homem, (re) significado pela teoria. Desta forma, ela pode ser entendida

como um processo que acompanha cada um de nós ao longo de nossa curva

evolutiva, possibilitando, em todos os ciclos da vida, o enfrentamento de uma

série de situações que contribuem para o desenvolvimento de idéias, conceitos,

princípios, valores, hábitos, atitudes, habilidades, enfim, conhecimentos e

experiências culturais, que nos dão condições de agir, relacionar e intervir no

meio social. A partir desse largo processo de socialização, construímo-nos como

pessoa e, desse modo, nos auto-identificamos.

A prática é inerente à nossa existência, pois somos e resultamos daquilo que

fazemos individual e coletivamente. Diferentemente dos outros animais,

produzimos nossa existência, transformando a natureza pelo trabalho, fazendo

história, cultura e, assim, consolidando o mundo humano25. O esforço de ler,

entender, criticar e se posicionar diante da realidade é empreendido pelo processo

de teorizar sobre o real concreto, isto é, sobre essa prática que se constrói e nos

constrói dialeticamente. Em outras palavras, o que somos não resulta apenas das

25 O trabalho é aqui entendido, no seu sentido geral. Representa o modo como o homem se relaciona com a natureza para transformá-la e adequá-la às suas necessidades existenciais de sobrevivência. O homem se faz homem pelo trabalho, uma vez que, ao interagir com a natureza modificando-a, ele produz conhecimento sobre a mesma e se modifica também.

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experiências educativas concretas que protagonizamos ou das idéias que

conseguimos formular sobre elas, mas dialética e, portanto, também,

contraditoriamente, das ações, intenções e tensões entre o campo do real concreto

e do real pensado, entre o vivido e o percebido, entre o feito e o idealizado.

Nessa perspectiva, a educação tanto é mediada quanto é mediadora. É

mediada quando se elabora no decorrer do processo de construção prática do

homem sobre a natureza, criando cultura. E é mediadora porque representa uma

condição para a projeção e teorização desse processo. Trata-se de uma “via de

mão-dupla”, que possibilita o trânsito da construção de uma prática

exclusivamente humana (história e cultura) ao mesmo tempo que resulta dela.

Educação e conhecimento caminham juntos. O conhecimento é a ferramenta que

possibilita ao homem intencionar sua prática. E o processo educativo é o canal de

mediação da prática humana, dotando-a de intencionalidade e, assim, ajudando na

superação da transitividade dessa mesma prática, segundo abordou Freire (1967).

A pedagogia, desde a antigüidade clássica, vem sendo pensada

correlativamente à educação, justamente no que se refere ao processo de

compreensão da educação e das formas pelas quais os homens identificam, (re)

elaboram e fomentam entre si e nos outros os aspectos culturais que necessitam

ser apropriados para a preservação da sua espécie, ou seja, da humanidade

produzida historicamente pelas diferentes gerações.

Para Saviani (2007b, p.100), na medida em que o homem se empenha em

compreender e intervir sobre a educação, vai se elaborando um saber próprio que,

“desde a paidéia grega, passando por Roma e pela Idade Média chega aos tempos

modernos fortemente associado ao termo pedagogia”. Aponta que desde a Grécia,

sobretudo por meio da paidéia26, obra que registra os ideais da cultura grega,

esboçaram-se duas dimensões conceituais de pedagogia. Uma ligada à filosofia,

cuja perspectiva reside no princípio ético que orienta a prática educativa. E outra,

ligada à paidéia, propriamente dita, no sentido de projetar empiricamente os

26 Segundo Aranha (2006), paidéia é uma palavra cunhada por volta do século V a.C., de difícil conceituação. Inicialmente, significava educação das crianças (pais, paidós, criança). Posteriormente, foi associada ao ideal de formação contínua de todo o mundo grego, tratado, em especial, por Werner Jaeger, autor de um clássico com esse nome.

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meios pelos quais a formação da criança para a vida seria assegurada27.

Em Cambi (1999), vemos que tais dimensões se desenvolveram e também

se modificaram no tempo histórico. A partir da Grécia antiga são diversas as

idéias de educação, que se constituirão em objeto da pedagogia, essencialmente

voltado para os modelos ideais de formação humana. A construção de uma

conceituação própria para a pedagogia encontrou na noção de paidéia uma

primeira referência, visto que nela se apresentou o projeto de educação do homem

grego, por meio do contato orgânico com a sua cultura e com a sua história, tal

como enfatizaram os entrevistados C-50, D-50 e F-50. O ideal por ela (paidéia)

manifesto se reelaborou pela pedagogia, como “teorização das práticas

educativas, interessada na dimensão humana de todos e da cada um de nós”, na

simpática expressão do entrevistado D-50.

Os entrevistados, para explicar como entendem o Curso de Pedagogia no

contexto do campo acadêmico, recorreram aos significados da educação e às

origens histórico-conceituais da pedagogia, na direção esboçada acima, deixando

entrever que pensar o curso requer pensar no conhecimento de base que lhe dá

sentido. Boa parte do grupo fez esse caminho para apresentar sua própria

concepção.

A análise do que falaram os depoentes aponta algumas colocações

recorrentes para explicar a pedagogia, evidenciando a sua estreita conexão com a

educação, do modo como relaciono a seguir:

- Pedagogia é a parte reflexiva e teórica da educação;

- Pedagogia é a reflexão sobre o processo educacional;

- Pedagogia é o conhecimento pensado sobre a educação;

- Pedagogia é o campo de estudos da educação;

- Pedagogia é o estudo da práxis educativa;

27 O sentido etimológico da palavra pedagogia (paidagogia) remete-nos à Grécia antiga e designa o acompanhamento da criança. O pedagogo (paidagogo) seria o acompanhante que conduz a criança à escola.

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- Pedagogia é a ciência que tem como objeto de estudo a educação

enquanto práxis social;

- Pedagogia é a ação científica sobre a educação.

Uma análise pouco investida desse conjunto de afirmações extraídas das

falas dos entrevistados já deixa sublinhar a relação indissociável entre pedagogia e

educação, assim como depreender que a pedagogia pode ser entendida e explicada

de diferentes maneiras. Contudo, apesar da diversidade possível de conceituações,

parece consensual que a posição da pedagogia nessa relação está demarcada no

lugar daqueles que buscam refletir, teorizar, conhecer, estudar, enquanto a

educação posiciona-se do lado da relação referente ao processo que é refletido,

teorizado, conhecido e estudado. Porém não é consensual se a pedagogia é ou não

é a ciência ou uma das ciências da educação. Nesse caso, o que prevalece é o tom

interrogativo que acompanha essa discussão, tal como se pode inferir da fala do

entrevistado C-50:

Educação para mim é um processo. E a pedagogia seria uma reflexão sobre esse processo, uma doutrina sobre esse processo como um todo. Se é ciência ou se não é ciência é uma discussão que não tem muito sentido pra mim. (Entrevistado C-50)

Por ora, interessa, no contexto da análise desenvolvida, ressaltar que a

compreensão sobre o domínio do conhecimento da pedagogia coloca-se como

uma precondição, na visão dos entrevistados, para entender a posição da

pedagogia no âmbito acadêmico, onde se insere o seu curso. A fala da entrevistada

E-50 deixa ver essa posição:

A pedagogia precisa ser melhor entendida para bem do seu próprio curso. Considero que pedagogia e educação não podem ser dissociadas. A pedagogia elabora o que a educação lhe apresenta como provocação, como questão, como dúvida, como problematização. A educação, por outro lado, faz a pedagogia expandir, é o que dá sentido a ela. Uma e outra constituem um movimento interativo e permanente. Para podermos ver a educação com grandeza há que teorizar, há que pensar sobre ela, há que colocá-la sob interrogação. [...] Apesar dessa relação intrínseca, que não se limita à compreensão de que uma é objeto da outra, elas não são a mesma coisa. Se fossem, não teríamos Faculdade de Educação e Curso de Pedagogia. A educação acaba sendo de tal modo abrangente, sem perder o seu centro que é a dimensão humana, que ela transborda puxando outras forças

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para o seu movimento. (Entrevistada E-50)

A fala dessa entrevistada leva-nos em direção a questões referentes à

natureza do conhecimento pedagógico, à relação da educação com outras áreas de

conhecimento e ao papel das Faculdades de Educação e dos Cursos de Pedagogia,

tal como focalizarei nos próximos eixos de discussão.

6.2. Pedagogia e cientificidade: uma conexão necessária?

O conjunto de depoimentos deixa ver que para a grande maioria dos

entrevistados a relação entre educação e ciência é algo bastante controvertido. Se

para três dos dezessete pedagogos participantes deste estudo é possível situar a

pedagogia como ciência da educação, para quase todos os demais esta é uma

condição ainda passível de questionamentos, seja porque a pedagogia apresenta-se

de modo insuficientemente definido, o que dificulta assegurar o seu estatuto

científico, seja porque ser ou não ciência não aparece como o aspecto mais

importante no tocante à compreensão do que vem a ser a pedagogia. A educação

enquanto objeto legítimo de uma ciência pareceu ser o único ponto de

convergência entre os entrevistados, porém conferir à pedagogia a condição de

ciência, que toma a educação como objeto, representou uma perspectiva

divergente entre eles. Da fala dos entrevistados identifiquei três conjuntos de

posições, como se pode ver no quadro a seguir.

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A pedagogia é uma ciência.

A pedagogia é uma ciência que tem como objeto de estudo a educação enquanto práxis social. A educação não é exclusiva dos pedagogos, assim como as relações sociais não são exclusivas dos sociólogos. Mas a sociologia tem por natureza estudá-las, assim como a natureza da pedagogia é tomar a educação como objeto intencional de estudo, de análise, de reflexão e de proposição. (Entrevistada J-60)

Considero a pedagogia como a ciência da educação. Essa possibilidade foi negada por conta do viés metodológico da pedagogia e da ênfase científica sobre aquilo que pudesse ser empiricamente comprovado. Mas a concretização da ação pedagógica, a práxis educativa intencionalmente situada num contexto histórico é o objeto científico da pedagogia, conferindo-lhe a condição de ciência da educação. (Entrevistada N-60) A pedagogia é um campo de conhecimento e não tenho dúvida nenhuma. Eu penso que para você entender a educação como fenômeno mais amplo que o escolar e entender o fenômeno escolar propriamente dito, a pedagogia é a ciência. Agora, ela sozinha não explica tudo, então ela busca a filosofia da educação, a sociologia da educação, a psicologia da educação... Esse diálogo é fundamental para continuarmos decifrando o fenômeno educativo. (Entrevistado O-60)

A pedagogia é algo ainda

insuficientemente definido.

Estudei muito sobre a educação e até hoje olho para a pedagogia como uma área pouco definida. (Entrevistada B-

40) A pedagogia é algo complexo, fluido, indefinido... Ela tem um diálogo amplo com diferentes tradições disciplinares. Ela é interdisciplinar, o que é bom, mas ao mesmo tempo é fluida... É difícil dizer o que ela é. (Entrevistada G-50) Eu não sei se ela é uma ciência. Ela pode ser tanta coisa... Ela pode ser uma tecnologia, não pode? O grande diferencial da pedagogia não está na sua definição, ainda indefinida, mas no fato de que ela não tem um saber só para ela. O conteúdo dela é a descoberta do procedimento que solucionará problemas, com base em todas as áreas que compõem o espectro no qual ela se substancia. (Entrevistada M-60) Ainda hoje, depois de 50 anos de trabalho na área, eu percebo a pedagogia como algo fragmentado. [...] Ela está em construção, em definição. (Entrevistada P-60)

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Precisa ser ciência para ser legítima?

Se é ciência ou se não é ciência é uma discussão que não tem muito sentido pra mim. Tem que trabalhar com rigor, com certa racionalidade, mas ficar discutindo se é ciência, se é arte ou se é tecnologia, não resolve a questão. O que é preciso é discutir o aproveitamento das disciplinas pedagógicas para a educação. (Entrevistado C-50) Afinal de contas não se vive só de ciências, não é preciso que alguma coisa seja considerada ciência para que ela possa representar uma contribuição socialmente pedagógica. (Entrevistado D-50) A ciência vem mudando... O que era definido como ciência, hoje está na berlinda. Eu pessoalmente gosto mais de falar sobre a pedagogia como teorização, uma palavra que se liga muito mais e que dá essa vocação para as ligações, tão próprias da área. (Entrevistada E-50) A questão conceitual, epistemológica está definida? Acho que não, está em construção. Mas penso que no momento em que você olha o grande corpo de conhecimento publicado, o número de periódicos, as pesquisas desenvolvidas, eu diria, numa forma muito pragmática, esse é o campo da educação onde a pedagogia deve imperar. [...] Acho que é possível pensar num campo da pedagogia, tanto numa perspectiva macro como numa perspectiva micro. (Entrevistada I-60)

Dizer que a pedagogia é uma ciência não explica o que ela é. (Entrevistada Q-60)

Se alguns depoimentos sublinham a dificuldade de definição da pedagogia,

a maioria deles traz à tona a suspeita quanto à necessidade de afirmar a pedagogia

enquanto ciência ou esta como condição para assegurar o saber por ela produzido.

Nesse sentido, parece predominar a perspectiva de que a legitimidade de um saber

não se obtém apenas quando a sua natureza é científica. Aos olhos da maioria dos

entrevistados parece que o mais importante para o fortalecimento do

conhecimento produzido pela pedagogia não reside na sua comprovação

científica, mas no processo de sua elaboração e no aproveitamento desse saber

para a área.

Embora três entrevistados tenham afirmado sem hesitação a cientificidade

da pedagogia, os demais não afirmaram, mas também não negaram. Para a

maioria parece prevalecer o caráter inconcluso do debate epistemológico,

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levando-os modestamente a assumir a dificuldade de conceituação, deixando em

aberto a possibilidade, ou sinalizando se de fato é necessário asseverar tal

condição.

Discutir, em profundidade, a relação entre pedagogia e ciência constitui uma

outra temática de estudo. Este trabalho não pretende focalizar o assunto na direção

de responder se a pedagogia é ou não ciência. Seu propósito, já anunciado,

circunscreve-se em articular a visão de pedagogos primordiais sobre o Curso de

Pedagogia, o que aponta para a abordagem do domínio de conhecimento que lhe

serve de base. Como o sentido da pedagogia, especialmente no tocante à sua

cientificidade ou não, é algo que tem suscitado muitos embates, é difícil abster-se

de enfrentar esta discussão. Nessa direção, convém revisitar as tendências

predominantes na literatura, para fundamentar teoricamente a análise aqui

desenvolvida. Segundo Bourdieu (2004a, p.21), a posição de um curso e,

conseqüentemente, de seu domínio de conhecimento no campo científico depende

do grau de autonomia usufruída. Para este autor, a autonomia escapa à alternativa

tanto da “ciência pura” quanto da “ciência escrava”. Isto é, nem está totalmente

livre de qualquer necessidade social, nem, ao contrário, totalmente dependente de

suas demandas, mas consegue retraduzir sob uma forma específica, diretamente

relacionada ao seu próprio contexto e universo de conhecimento, os determinantes

externos. Nessa direção, situar a posição da pedagogia no contexto acadêmico

requer discutir a natureza do seu saber. Tarefa com a qual me envolverei a partir

de agora.

6.2.1. Sobre a natureza do saber pedagógico

A pedagogia é produtora de saber? Os saberes que advêm de seu campo são

de sua exclusividade? Se existe saber pedagógico, ele é de que tipo? Do tipo

científico, oriundo de atividade de pesquisa? Do tipo esotérico, hermético, de

compreensão obscura? Ou do tipo transmissível pela via da reprodução? Essas são

questões apresentadas por Fabre (2004), mas (re) colocadas por muitos quando

discutem a existência ou não de saberes pedagógicos.

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Nesse contexto, faz-se necessário entender de que saberes estamos falando,

já que é forte a tendência de pensar a pedagogia exclusivamente voltada para a

perspectiva de saberes ligados ao savoir faire, às ações e, também, à experiência,

destituindo-a de capacidade reflexivo-teórica, dicotomizando ainda mais a relação

teoria-prática e aproximando-a de uma arte. Outra tendência, de igual modo forte,

é restringir a pedagogia a um discurso prescritivo, o que aumenta o fosso entre o

conhecimento pedagógico e sua possível natureza científica. Tanto uma tendência

quanto outra convergem para desvios sinalizados por Fabre do seguinte modo:

Ou a pedagogia, questão de simples prática, que depende de um dom ou de uma experiência adquirida no exercício da profissão, é desconsiderada em proveito somente da lógica dos saberes a transmitir, ou então, considera-se que, doravante, as ciências (as ciências humanas e mesmo as ciências da educação) podem fundar a ação educativa. (Fabre, 2004, p.97)

Fabre (2004) defende que a pedagogia deve instruir-se com a ciência, o que

não significa que seja uma ciência aplicada. Para esse autor, a pedagogia é uma

reflexão não-científica sobre as práticas educativas, de onde provem saber. Há

saber na e da pedagogia. A pedagogia como teorização de sua própria prática não

pode ser assumida como meio de transferência de saber. Ela produz conceitos,

modelos, saberes críticos, dentre outros, que justificam sua legitimidade como

instância produtora de saberes.

Tenho entendido que pensar a pedagogia como campo produtor de saber

solicita pensar em um traço intermediário entre ciência e ação. Durkheim (1978),

pensando a epistemologia da pedagogia, apresenta um triplo sentido para ela:

pedagogia como arte do educador28, com ênfase na ação; pedagogia como reflexão

sobre a ação educativa, cujo foco volta-se para a concepção e teorização do

trabalho, isto é, pressupõe uma elaboração intelectual específica; e pedagogia

como doutrina educativa, quando a reflexão sobre a ação se constrói no nível do

discurso pedagógico. Durkheim discutiu esses três níveis privilegiando,

entretanto, o segundo. De acordo com sua argumentação, a dimensão reflexiva se

28 Para Durkheim (1978, p.65) arte refere-se “a tudo o que seja prática pura, sem teoria”. Trata-se de um sistema de modos de fazer, que são ajustados para fins especiais e são o produto, seja de uma experiência tradicional comunicada pela educação, seja de experiência pessoal do indivíduo. É nesse sentido que ela depende mais da prática e da ação e menos da teoria dessa.

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mostra a mais adequada para pensar epistemologicamente a pedagogia, que se

constituiria como uma teoria prática voltada para o fenômeno educativo e não

teoria científica, preocupada com o conhecimento do fato educativo.

Tal opção pode significar o traço intermediário entre ciência e ação, não

situando a pedagogia apenas de um lado ou de outro, mas constituindo-a como a

teoria da ação, como uma reflexão sobre a ação educativa com o foco ajustado

para o que deve ser, no sentido de melhorar continuamente a ação. Para

Durkheim, há distinção entre pedagogia e ciência da educação. Uma ciência

requer um objeto bem definido e um aporte teórico para se pensar esse objeto.

Olhando por esse ângulo, a educação representa o objeto da pedagogia, assim

como o é para a ciência da educação. Todavia, não é possível afirmar que o termo

pedagogia substitui e/ou compreende a ciência da educação porque historicamente

o enfoque de cada um é diferente.

Essa perspectiva vem sendo atualmente aprofundada e ampliada através da

problematização de alguns autores franceses. Dentre eles, situam-se Houssaye,

Soëtard, Hameline e o próprio Fabre (2004), cujas idéias organizadas na obra

Manifesto a favor dos pedagogos são postas em defesa da legitimidade desse

campo, argumentando em prol de sua natureza, seu sentido e sua urgência.

Houssaye (2004) defende que a pedagogia representa um saber específico,

que pressupõe a reunião mútua e dialética da teoria e da prática educativas pela

mesma pessoa. Para esse autor, a articulação teoria-prática é de tal modo

determinante e constitutiva da pedagogia, que um prático por si só não é um

pedagogo, mas um usuário de sistemas pedagógicos, assim como o teórico da

educação também não se constitui em um pedagogo porque pensa a ação

pedagógica. Na definição de Houssaye, pedagogo é um prático-teórico da ação

educativa. É alguém que, ao teorizar sobre a educação, analisa o fato educativo,

buscando formular proposições para a sua prática.

Considerar a relação teoria-prática como pedra angular da construção da

pedagogia, reconhecendo nela uma abordagem específica, não significa

desconsiderar que a prática não esteja de algum modo presente entre os teóricos,

nem que o pensamento teórico não balize a prática. Significa, isto sim, reconhecer

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e defender que a prática constituindo a pedagogia não pode ser algo meramente

projetado, da mesma forma que a teoria pedagógica não pode ser apenas algo

tomado de outros. Tal concepção pressupõe que a pedagogia se constrói a partir

de uma proposta prática e de uma teoria da situação educativa referida a essa

prática. Há saber nessa composição. Em outras palavras, se a pedagogia for vista

como se assentando apenas no saber de outros campos, se nutrindo apenas deles,

ela renuncia a si mesma, recusando sua própria natureza.

Historicamente, a pedagogia desfalece à medida que é assumida como

objeto de várias outras disciplinas. Inicialmente, a filosofia coloca-se como a voz

teórica da pedagogia. Posteriormente, a psicologia fundamenta a pedagogia,

situando-a como ciência da educação. Em seguida, um conjunto de disciplinas se

firma como a base teórica da pedagogia, anunciando-se como ciências da

educação. Esse processo de recolocação da pedagogia dá-se em um contexto de

desagregação, uma vez que de teoria prática a pedagogia reduz-se a uma prática

de aplicação de teorias emprestadas. Todavia, é importante atentar que, de início,

a ciência, e posteriormente, as ciências da educação se justificam em grande parte

para favorecer a sistematização de saberes rigorosos sobre a educação, o que, por

mérito, representa a própria especificidade da pedagogia.

Houssaye, no contexto de sua argumentação, chama atenção para a

necessidade de não se desqualificar a pedagogia pelo fato de sua concepção

pressupor uma indissolúvel ligação com a prática. Para o autor, a pedagogia

“produz incontestavelmente um saber pedagógico além dos saberes práticos”

(2004, p.25).

A análise de Houssaye nos remete à constatação de que o enfraquecimento

da pedagogia, enquanto teoria e prática da educação, repercutiu dramaticamente

na formação dos profissionais da educação. A velha, controvertida e séria

discussão acerca da dissociação entre teoria e prática ganha ainda mais relevo

quando o foco é a própria natureza da formação pedagógica. Ora, se a pedagogia

requer a abrangência mútua da teoria e da prática pela mesma pessoa, é bastante

razoável a tendência de uma formação inicial ou pré-serviço dos pedagogos que

parta da razão prática, em que “a teoria emerge antes da própria atividade, em

uma dialética entre elucidação e transformação do real” (Houssaye, 2004, p.35).

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A posição de Houssaye leva-me à de Saviani (2007b), para quem a relação

teoria-prática representa o “problema fundamental” da pedagogia, do qual

derivam duas grandes tendências pedagógicas, que podem ser assim sumariadas:

de um lado, a prática subordinada à teoria, fazendo prevalecer as teorias do ensino

(como ensinar), reconhecendo-se nessa concepção as diversas vertentes de

pedagogia tradicional; de outro lado, a teoria subordinada à prática, predominando

as teorias da aprendizagem (como aprender), situando-se, nessa perspectiva, as

variadas experiências da pedagogia nova.

Saviani (2007b), que se dedica a pesquisar as perspectivas históricas e

teóricas do espaço acadêmico da pedagogia no Brasil, sinaliza, com base em

Suchodolski (1978), que as concepções tradicionais, sustentadas em diferentes

aportes, como os de Platão, Comênio, Kant, Fichte, Hegel, Herbart-Ziller,

convergem para uma teorização sobre o ensino, assumindo a formação intelectual

como o objeto central do trabalho pedagógico. As concepções renovadoras,

fundamentadas em Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Kierkegaard, Stirner,

Nietzsche, Bergson, chegando aos movimentos do escolanovismo, das pedagogias

não diretivas, da pedagogia institucional e do construtivismo, em contraposição à

tendência anterior, assumem a aprendizagem como o objeto principal do trabalho

pedagógico e, portanto, das suas teorizações.

A partir da síntese histórica de Saviani, entendo que as duas tendências

situadas reforçam a equação teoria-prática para a pedagogia, no sentido em que

cada uma assume uma dimensão desse binômio como nuclear da sua concepção

(tradicional → teoria / renovada → prática), reforçando o fosso existente entre

ambas, cuja superação representa condição para afirmação da própria pedagogia.

O trabalho pedagógico no contexto escolar e fora dele é amplamente

marcado pela influência da visão tradicional e, também, pelo forte desejo de sua

superação por meio da influência renovadora. Busca-se a superação da teoria pela

prática, numa perspectiva de oposição. Nesses termos, teoria e prática são

historicamente construídas de forma dissociada e teoricamente consideradas

partes indissociáveis da pedagogia, constituindo-se paradoxalmente no próprio

dilema pedagógico.

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Para Saviani, teoria e prática são aspectos dialeticamente distintos e

fundamentais da experiência humana, definindo-se um em relação ao outro. “... a

prática é a razão de ser da teoria, o que significa que a teoria só se constituiu e se

desenvolveu em função da prática que opera...” (2007b, p.108). Nesse sentido,

esse autor defende que a prática se tornará mais consistente quanto mais sólida for

a teoria que lhe serve de fundamento, sendo, portanto, opostos que se incluem.

Para superar as divergências teórico-práticas provocadas pelas duas grandes

tendências pedagógicas, que trataram “teoria e prática como pólos opostos

mutuamente excludentes” (2007b, p. 109), Saviani sugere a emergência de uma

outra formulação, centrada na unidade compreensiva da teoria e da prática. “Nessa

nova formulação a educação é entendida como mediação no seio da prática social

global. A prática social se põe, portanto, como o ponto de partida e o ponto de

chegada da prática educativa” (2007b, p.110). Por este caminho, a prática social

se constitui no principal mote do trabalho pedagógico, do qual emergirão teórica e

praticamente as questões a serem problematizadas, os instrumentos para o seu

estudo e elucidação e as idéias para aplicação à própria vida dos sujeitos

envolvidos nesse processo, favorecendo, assim, a unidade teoria-prática.

Analisando os saberes e sentidos da pedagogia a partir do que defendem

Durkheim, Fabre, Houssaye e Saviani, é possível observar que a idéia de

pedagogia como teoria da ação educativa representa um ponto de convergência.

Se em Durkheim prevalece a noção de pedagogia como reflexão sobre a ação

educativa, em Fabre tal noção é acentuada, quando defende que a pedagogia é

uma reflexão não científica sobre as práticas educativas. Houssaye não demarca

tanto a perspectiva da reflexão, mas traz a do saber, trabalhando com o conceito

de saber empírico que reúne dialeticamente a teoria e a prática da educação. Tal

concepção encontra-se com a de Saviani, para quem a pedagogia, enquanto teoria

da educação, se estrutura a partir e em função da prática educativa, dialeticamente

assentada no binômio indissociável teoria e prática.

Como se pode notar, o debate sobre os saberes e sentidos da pedagogia está

longe de alcançar unanimidade. De um modo geral, os entrevistados enfatizam a

dificuldade de consensualidade que cerca a discussão, e preferem se posicionar na

direção daqueles que reconhecem que a pedagogia é produtora de saber, sem se

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ocuparem com a definição desse tipo de saber.

Embora os depoimentos não revelem unanimidade, exigindo cautela com os

enquadramentos das posições, parece prevalecer, entre os entrevistados, a

tendência de compreensão da pedagogia como base de teorização, de reflexão ou

de doutrina da educação, o que lhe confere um saber próprio, tal como se pode

depreender das falas a seguir:

Sempre vi a pedagogia como a parte reflexiva e teórica da educação. (Entrevistada

A-30)

Eu digo que a pedagogia é um campo de conhecimento e de um tipo de conhecimento que se aproxima muito do sentido de doutrina. O que não quer dizer que ela não se aproveite de teorias de várias disciplinas que estão por aí. (Entrevistado C-50)

A pedagogia é o estudo da práxis educativa. Estou chamando práxis educativa a relação teoria e prática. A pedagogia é teoria e é prática social especializada sobre a educação. (Entrevistada F-50)

Teoria, doutrina, estudo... Permanece subjacente a especificidade da

pedagogia como o espaço teórico/prático da educação. A pedagogia enriquece-se

com os diferentes saberes das disciplinas que lhe são contributivas, como sinaliza

o entrevistado C-50, mas não deve se encerrar neles. O caráter plural de seus

saberes não pode significar nem a negação de sua base teórica, nem o

contentamento com uma definição generalizadora, que pouco ou nada esclarece

acerca da sua natureza e missão.

Entretanto, a recusa da incompletude conceitual da pedagogia tem suscitado

o esforço de elucidação pela via da afirmação de sua cientificidade, o que é

bastante complexo, como abordarei a seguir.

6.2.2. Sobre a cientificidade da pedagogia

A década de 60 foi fortemente marcada, no contexto educacional mundial,

pela demanda em torno da formação de professores e da pesquisa sobre a

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educação, que adentrava a universidade. Tal demanda anunciava a necessidade de

um saber científico, que sustentasse teoricamente a análise dos fenômenos

educativos. Nesse contexto, registra-se, também, o desenvolvimento das ciências

humanas, que progressiva e sistematicamente se consolidam como um campo

epistemológico determinado. Nessa perspectiva, a pedagogia passa a ser entendida

como um aporte das ciências humanas, focado na teorização da ação pedagógica.

Mialaret (1976), um dos principais responsáveis pela assunção da pedagogia

no contexto acadêmico, situará a pedagogia como um subconjunto das ciências da

educação. Para esse autor, “as ciências da educação são constituídas pelo conjunto

das disciplinas que estudam as condições de existência, de funcionamento e de

evolução das situações e dos fatos educativos” (1976, p.32). Para estudar a

educação é preciso considerar aspectos como sistema educacional, condições

locais, estabelecimento escolar, professor e alunos e o processo de ensino e

desenvolvimento de aprendizagem. O fenômeno educativo carece de ser

apreendido em várias direções e níveis, dependendo dos subsídios de diversas

disciplinas científicas, sendo justamente a pluridisciplinaridade interna o seu traço

de unidade. A idéia é a de que as práticas educativas, porque são práticas sociais

ensejando uma abundância de sentidos, não podem ser analisadas sob uma

perspectiva monodisciplinar.

Nesse universo plural e interdisciplinar, a pedagogia se incumbiria única e

diretamente, mas não sozinha, da reflexão sobre as finalidades da educação e da

análise de suas condições de existência e funcionamento. A pedagogia, assim

entendida, ao mesmo tempo que tem a sua cientificidade reconhecida, é assentada

no bojo das demais ciências da educação, sendo dubiamente reconhecida e

abafada por elas.

Mais recentemente, Soëtard (2004), em interessante análise sobre a

pedagogia, reafirma a sua cientificidade, seguindo um caminho inverso ao de

Mialaret. Se em Mialaret a pedagogia se constrói cientificamente no contexto das

ciências da educação, para Soëtard, as ciências da educação (sociologia,

psicologia e filosofia da educação) deixaram para o pedagogo “um sério problema

de conflito de interpretações” (2004, p.50).

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Embora Soëtard reconheça o proveito que os profissionais da educação

tiram de sua relação com as ciências consideradas da educação, ele também

duvida que a pluralidade de concepções teóricas que constituem essa relação

possibilite a definição de um produto efetivo decorrente de um objeto próprio. No

contexto de sua argumentação, trabalhar na perspectiva das ciências da educação é

sujeitar-se ao permanente conflito de interpretação. Se por um lado tal conflito se

constitui em uma dificuldade epistemológica para a educação, por outro, pode ser

encarado como algo vantajoso, quando as interpretações causais possíveis do

fenômeno observado são refratadas em forma similar à de um caleidoscópio, não

permitindo o predomínio de uma em detrimento de outras.

Para Soëtard as ciências da educação não cumpriram satisfatoriamente o que

se esperava delas, visto que, ao problematizarem a prática pedagógica, pouco ou

nada propuseram para a transformação do real, operando na generalidade. No seu

dizer, “as ‘ciências da educação’ continuam sendo construções teóricas que não

conseguem encontrar a passagem para o real e instrumentar realmente a prática”

(2004, p.51). Dessa forma, amplia-se o fosso entre o pedagógico e as ciências que

se propõem a estudá-lo, ampliando-se, também, a demanda em torno de um saber

pedagógico específico.

Entretanto, para Soëtard, não há dúvida: “a educação constitui

legitimamente o objeto de uma ciência” (2004, p.48). O fenômeno educativo é

complexo, atravessado por variáveis de diferentes filiações conceituais, mas conta

com uma unidade específica, suficientemente definida, para articular uma ciência

do fato humano, um pensamento do sentido e uma inteligência dos meios.

Os embates epistemológicos da pedagogia, que ora encobrem ora elevam a

sua cientificidade, têm sido objeto de pesquisa de alguns autores brasileiros,

dentre eles Libâneo, Pimenta e Franco. Em artigo de produção conjunta, estes

autores (2007) discutem elementos para a formulação de diretrizes curriculares

para Cursos de Pedagogia, a partir das posições que defendem, construídas ao

longo de suas investigações sobre a especificidade da ciência pedagógica.

Estes autores têm uma posição bastante marcada e fundamentada

teoricamente. Defendem que a pedagogia é uma ciência da educação e que a

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práxis educativa se constitui como o seu principal objeto. Consideram que a

intencionalidade da reflexão sobre a educação é mais ampla do que a defendida

por Durkheim, pois “o papel da Pedagogia será o de refletir para transformar,

refletir para conhecer, para compreender, e, assim, construir possibilidades de

mudança das práticas educativas” (2007, p.68). A atitude reflexiva de cunho

transformador se explica pela dimensão sócio-histórica da prática educativa, a

exigir um processo contínuo de seu redimensionamento, com vistas ao alcance da

responsabilidade social crítica.

Nesse sentido, distinguem três dimensões para abordar a pedagogia:

epistemológica, prática e disciplinar. A primeira se circunscreve a partir da

reflexão crítica sobre as ações pedagógicas, consolidando a idéia de pedagogia

como ciência da educação responsável pelo seu estudo crítico, propositivo e

transformador. A segunda diz respeito à articulação entre os saberes e fazeres

pedagógicos, notadamente marcados pelo distanciamento teórico-prático, a ser

vencido pela pedagogia enquanto ciência integradora desses dois pólos. E a

terceira diz respeito à perspectiva formativa, firmando-se como uma espécie de

síntese das dimensões epistemológica e prática, e ganhando materialidade nos

cursos de formação.

Particularmente, Libâneo (2005) reclama a simplificação do “mundo da

pedagogia”, cuja tradição epistemológica tem sido secundarizada, reivindicando a

pedagogia como ciência. As raízes teóricas que sustentam sua posição podem ser

identificadas, dentre outras, nas idéias do pedagogo francês Mialaret (1976), do

pedagogo alemão Schmied-Kowarzik (1983) e do pedagogo espanhol Quintana

Cabanas (1995). Nas idéias desses autores, um traço comum: a pedagogia é um

campo de conhecimento voltado para a reflexão sistemática sobre o fenômeno

educativo, sendo, portanto, a ciência da e para a educação.

Alguns posicionamentos surgidos ao longo da história acerca do estatuto

científico da educação, bem como das possibilidades de reconhecimento do

conhecimento pedagógico têm sido sistematizados por Libâneo do seguinte modo:

pedagogia como a única ciência da educação; ciência da educação, desaparecendo

o termo pedagogia; ciências da educação, desconsiderando a pedagogia como uma

delas; e ciências da educação, considerando a pedagogia como uma delas. A

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última posição vem sendo defendida por esse autor, assim como por Pimenta e

Franco, em função de reconhecer a pedagogia como uma ciência, que, mesmo se

relacionando com as demais ciências da educação, não perde sua autonomia

epistemológica. O quadro a seguir espelha tais posicionamentos.

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176

Posições ���� Pedagogia Geral

(Única ciência da educação)

Ciência da Educação

(Ignora o termo pedagogia)

Ciências da Educação (Exclui a

pedagogia)

Ciências da Educação

(Inclui a pedagogia)

Ênfase ���� � A pedagogia como a única ciência da educação, considerando as demais como auxiliares.

� Idéia de experimentação educacional – aplicação ao campo educativo de princípios científicos incorporados de outras ciências. � Idéia de ciência da educação como suporte científico da tecnologia educacional – aplicação das teorias de aprendizagens comportamentalistas e sistêmicas à prática de ensino. � Visão cientificista do fenômeno educativo – como valores e fins da educação não podem ser inferidos cientificamente, dilui-se o caráter ético-normativo associado ao termo pedagogia.

� Educação como objeto de estudo de um conjunto de ciências: Sociologia; Psicologia; Filosofia... � Dispersão do estudo da problemática educacional, levando a uma postura pluridisciplinar.

� Cada ciência toma o fenômeno educativo de um ponto de vista específico, sendo a pedagogia uma dessas ciências. � O caráter plural do fenômeno educativo não elimina sua unicidade. � A pedagogia promove uma síntese integradora dos diferentes processos analíticos que corresponde a cada uma das ciências da educação. � A pedagogia apóia-se nas ciências da educação sem perder sua autonomia epistemológica e sem reduzir-se a uma ou outra, ou ao conjunto dessas ciências.

Referência ���� � Pedagogos clássicos, a partir de Herbart (Alemanha).

� Psicologia experimental francesa. � Concepção de Dewey (EUA).

� Mialaret (França).

� Visalberghi (Itália). � Sarramona e Marques (Espanha). � Estrela (Portugal). � Libâneo, Pimenta e Franco (Brasil).

Considerações e/ou críticas ����

� Pretende exclusividade no tratamento científico da educação, algo impróprio tendo em vista o caráter pluridimensional da realidade educativa.

� Enfoque positivista, designando o estudo científico da educação como “ciência da educação” no singular.

� A autonomia dada a cada uma das ciências da educação leva a enfoques parciais da realidade educativa, comprometendo a unidade temática e abrindo espaço para vários reducionismos.

� A pedagogia não é a única ciência que tem a educação como objeto de estudo, mas é aquela que pode constituir-se em conhecimento integrador dos aportes das demais áreas.

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O entrevistado D-50, ao falar sobre como entende a pedagogia do ponto de

vista epistemológico, recorreu ao conjunto das posições mais difundidas nos

estudos sobre o assunto, tal como demonstradas no quadro anterior, enfatizando

que elas representam um caminho até que ele próprio possa elaborar melhor sua

própria posição. No seu dizer:

Uma hipótese é a pedagogia como uma das ciências da educação, cabendo, neste caso, investigar a relação dela com as demais. Então, se a pedagogia é uma delas, o que seria comum entre a pedagogia e as demais ciências da educação e o que seria específico da pedagogia para se distinguir das outras? Outra hipótese é a de que a pedagogia seria uma espécie de sintetização das ciências da educação. Por conta disso, alguns autores portugueses atribuíram uma expressão que é “identidade segunda”, ou seja, a pedagogia não seria uma “identidade primeira”, identificando-se por ela própria, mas pela utilização que ela faria dos resultados da investigação das outras ciências da educação. A terceira hipótese que vejo é que não é necessário que a pedagogia seja uma ciência para ver legítimo o conhecimento que produz. Talvez seja mais fácil, se for o caso, demonstrar o que a pedagogia não é do que o que é. (Entrevistado D-50)

Buscando contribuir para a definição da pedagogia, Pimenta (1996) destaca

as dificuldades que cercam a discussão em torno do caráter epistemológico do

campo educacional, chamando atenção, no entanto, para a necessidade de

enfrentá-las. Uma dificuldade diz respeito ao fato do sujeito e objeto se

imbricarem e se constituírem mutuamente. Outra dificuldade reside na própria

delimitação do objeto/método, já que a natureza da prática social da pedagogia

tem possibilitado o seu entendimento como um campo de aplicação de outras

ciências.

A autora, apoiada nos pesquisadores portugueses Estrela (1980) e Estrela e

Falcão (1990), sustenta que a pedagogia seja assumida como a ciência da

educação. Para referendar sua posição destaca que o real pedagógico representa o

campo da pedagogia, cujo objeto é o próprio ato educativo enquanto prática

social. Nesse sentido, a observação e descrição dos fenômenos educativos

representam instrumentos e métodos próprios de conhecimento desse real/campo.

Assim sendo, sinaliza que o fenômeno educativo não pode ser analisado apenas

sob os ângulos das ciências já constituídas, sob o risco da teoria e da prática dos

objetos dos campos dessas ciências ganharem bem mais relevo que o próprio

fenômeno educativo.

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O estudo de doutoramento de Franco (2003) também discute a problemática

do campo conceitual da pedagogia, a partir das mediações históricas entre práxis e

epistemologia, demarcando possibilidades da pedagogia ser assumida como uma

ciência. Para tanto, recupera os caminhos históricos da pedagogia, evidenciando

que a triplicidade conceitual existente de algum modo corrobora para a sua

própria indefinição. Pensar a pedagogia ora como arte, ora como ciência, ora

como ciência da arte educativa é, no mínimo, dúbio e confuso. Quanto ao caráter

científico da pedagogia, Franco aborda três diferentes configurações ancoradas em

concepções distintas, que são: a pedagogia filosófica; a pedagogia técnico-

científica e a pedagogia crítico-emancipatória. A autora, buscando superar a

dualidade entre arte e ciência, defende a tese da pedagogia como ciência da

educação, que transforma o senso comum pedagógico e a arte intuitiva em atos

científicos.

Sua defesa é no sentido de redefinir a pedagogia com base numa outra

epistemologia. Isto porque na tentativa de se organizar cientificamente, de acordo

com a definição clássica da racionalidade e da ciência, a pedagogia acabou

perdendo espaço, secundarizada em função da apropriação que outras ciências

fizeram dos fenômenos educativos.

Como se pode ver, os estudos teóricos a respeito da pedagogia e do

pedagogo evidenciam que definir se a pedagogia é uma das ciências da educação

ou não, continua representando um claro desafio. Duas posições demarcam o

cenário de discussão na atualidade. Uma refere-se à perspectiva de que a educação

representa um objeto de estudo explorado por um conjunto de ciências

(Sociologia, Psicologia, Filosofia etc.), sem, entretanto, representar a pedagogia

uma dessas ciências. Tal perspectiva, apesar de gerar enfoques parciais da

realidade educativa, comprometendo, por vezes, a unidade temática e abrindo

espaço para vários reducionismos, reforça o caráter pluridisciplinar do campo

educacional. Outra posição, oposta à anterior, considera a pedagogia como uma

das ciências da educação, sustentada, sobretudo, pelo argumento de que o caráter

plural do fenômeno educativo não elimina sua unicidade. Nessa direção, a

pedagogia, além de promover uma síntese integradora dos diferentes processos

analíticos que correspondem a cada uma das ciências da educação, apóia-se nas

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ciências da educação sem perder sua autonomia epistemológica e sem reduzir-se a

uma ou outra, ou ao conjunto dessas ciências.

A educação tem sido objeto de estudo de diversas áreas: da filosofia, da

psicologia, da história, da sociologia, dentre outras. Duas tradições se

consolidaram nesse percurso de estudo: a tradição dos teóricos, filiados às

diferentes áreas, e a tradição dos práticos-teóricos, mais focados nas relações

pedagógicas que se materializam em um dado contexto histórico-social. Se, de um

lado, nos beneficiamos com as idéias de Platão, Rousseau, Durkheim e Piaget, de

outro, foram as contribuições de Sócrates, Comênio, Pestalozzi, Dewey e Freinet

que alimentaram nossas referências formativas, de atuação prática e,

conseqüentemente, de intervenção sobre o social. Segundo Houssaye (2004),

essas duas tradições incluem traços de ligações entre si, mas também traços de

superação de uma pela outra.

O surgimento de uma ciência da educação, que revista se transforma em

ciências da educação, é obra da tradição dos teóricos. É sabido que Comênio,

assim como Herbart, tentou unificar essas tradições por meio de um sistema

pedagógico que articulasse fins e meios da educação. Todavia, os práticos se

viram enfraquecidos no processo de legitimação da teorização que empreendiam.

A pedagogia, enquanto conhecimento que se transforma em disciplina de

formação para a atuação, surge no contexto acadêmico de estudos e pesquisas

educacionais de forma inconsistente. Entre o singular e o plural, entre ciência e

ciências da educação, entre ser e não ser uma ciência, entre ser e não ser acolhida

pelas ciências da educação, o que se observa é um processo notadamente marcado

pela negação de um saber próprio.

6.3. Curso de Pedagogia e Faculdade de Educação

Um aspecto enfatizado pelos depoentes diz respeito ao lugar da pedagogia

no contexto acadêmico. Como já discutido nas seções anteriores, se

conceitualmente à pedagogia cabe teorizar, estudar, pensar o processo

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educacional, por que a faculdade é de educação e não de pedagogia? Se,

sociologicamente, a educação é situada como uma das frentes de um complexo

processo de socialização, através do qual os indivíduos são transformados em

membros das sociedades existentes, ao longo de sua trajetória, não seria mais

adequada a sua posição como prática exigente de uma teoria que a fundamente e a

oriente? Nesse sentido, a educação seria um objeto de reflexão a ser

problematizado e compreendido por diferentes campos do conhecimento, sendo a

pedagogia um deles.

Por esse caminho de análise, pode parecer que a tendência predominante

entre os entrevistados é a de sugerir ou mesmo defender que caberia à pedagogia o

lugar de faculdade e não à educação. Todavia, não é bem isso que se depreende

dos depoimentos, que deixam transparecer mais as hesitações que cercam a

relação pedagogia e educação, do que possibilidades de clareamento do cenário

obscuro que envolve o tema. Trata-se de uma questão que apareceu em alguns

depoimentos sem, entretanto, contar com uma defesa explícita no sentido de

favorecer à pedagogia a condição de faculdade. Talvez porque a questão traz em

si mesma a complexidade que cerca a própria pedagogia.

De um modo geral, os entrevistados entendem a educação como processo

social e objeto de reflexão e a pedagogia como uma das possibilidades de

reflexão, proposição e implementação de prática sobre e para a educação.

Contudo, a educação, mesmo na condição de objeto, não é passiva. Pelo contrário,

sua natureza é de tal modo ativa que ela interage com diferentes campos do

conhecimento, contribuindo para a compreensão dos fenômenos próprios de cada

um deles (da sociologia, da filosofia, da história, da psicologia, da antropologia,

da economia etc.), não sendo, portanto, um mero campo de aplicação. Vejamos o

que diz a esse respeito a entrevistada G-50:

Considero a educação um objeto de reflexão que gera diferentes formas de aproximação. A educação é um fenômeno social a ser compreendido, entendido, estudado... As diferentes ciências favorecem uma visão que permite entender determinados aspectos da educação. Agora, resisto em conceber a educação simplesmente como um campo de aplicação. A educação interage com os diferentes campos, também, favorecendo a compreensão de cada um deles. Existem conhecimentos próprios da educação que nascem da sua inter-relação com a sociologia, com a filosofia... (Entrevistada G-50)

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Nessa direção, o que se pôde depreender da fala dos entrevistados é que,

apesar da pedagogia ser identificada como base de teorização da e sobre a

educação, tal investida não é exclusividade sua. As diferentes áreas das ciências

humanas também se encarregam de teorizar sobre a educação. No entanto, a

pedagogia apresenta um diferencial em relação às demais áreas, que diz respeito

diretamente ao seu objetivo de formulação de diretrizes para a prática educativa.

Este diferencial poderia lhe conferir a condição de centro formador de

profissionais para a educação, mas, para tanto, impõe-se o seu fortalecimento

teórico, ainda muito dependente das contribuições de outras áreas, fazendo

aparecer pouco o conhecimento que lhe é próprio, tal como focalizou o

entrevistado D-50:

A discussão da pedagogia muito centrada no “para que serve” inviabilizou a discussão sobre “em que consiste”. A pedagogia, enquanto espaço de formação de profissionais da educação, secundarizou a própria discussão sobre a pedagogia. Não se estuda pedagogia no Curso de Pedagogia. [...] A pergunta “o que é pedagogia?” é muito incômoda. Muita inconsistência prejudicou, com certeza, o lugar ocupado pela pedagogia na universidade. [...] O movimento da pedagogia precisaria ser robustecido teoricamente, o que não aconteceu. (Entrevistado D-50)

Se as demais áreas conseguiram alcançar em algumas estruturas

universitárias a condição de Faculdade, Centro, Instituto ou Departamento e a

pedagogia não, ficando esta prerrogativa para a própria educação, uma possível

razão reside na própria história. Já vimos que em sua trajetória ao longo dos

séculos, a pedagogia se desenvolveu em função da prática educativa, porém boa

parte do empreendimento em torno da sua sistematização reforçou mais o aspecto

metodológico em detrimento do teórico, como destacou o entrevistado D-50 ao se

referir ao “para que serve”.

Voltamos a Saviani (2007b), que, contextualizando a emergência histórico-

teórica do conceito de pedagogia e sua consolidação como disciplina universitária,

definindo-se como o espaço acadêmico de estudos e pesquisas educacionais,

aponta, como já sinalizado anteriormente, que uma dupla referência acompanhou

a elaboração da pedagogia. De um lado, a reflexão filosófica, de outro o sentido

empírico e prático inerente à paidéia. Comênio, como esclarece Saviani, tentou

unificar essa dupla referência ao propor um sistema pedagógico, em que os fins da

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educação representassem a base para a definição dos meios, “compendiados na

didática como a arte de ensinar tudo a todos” (p.101). Mas, segundo atestam os

estudos de Saviani, foi com Herbart que essa dupla referência foi mais bem

assimilada, o que ele explica do seguinte modo:

[...] com Herbart que os dois aspectos da tradição pedagógica foram identificados como distintos, sendo unificados num sistema coerente: os fins da educação, que a pedagogia deve elaborar a partir da ética; e os meios educacionais, que a mesma pedagogia elabora com base na psicologia. (Saviani, 2007b, p.101)

Conforme visto na seção anterior, a pedagogia conta com um corpo de

conhecimentos próprio, sendo, inclusive, para alguns autores, incontestável sua

autonomia científica. Todavia, seu corpo de conhecimentos tende a se apresentar

de forma mais desvalida que robustecida, na expressão do entrevistado D-50,

contribuindo para que, no campo de disputas acadêmicas, seja mais preterida que

reconhecida. A história do Curso de Pedagogia contada no segundo capítulo não

deixa dúvidas quanto ao lugar de “apêndice” ocupado pelo curso no contexto da

estrutura universitária. Para os entrevistados parece prevalecer a visão de que a

pedagogia ocupou predominantemente uma posição subalterna no contexto

acadêmico.

A dinâmica organizativa das Faculdades de Educação, de um modo geral,

revela a fragmentação que constitui o campo e que contribui para complexificar a

própria crise da pedagogia enquanto domínio de conhecimento e, em

conseqüência, curso que se aloja nessa estrutura. O modelo departamental é um

exemplo de como a faculdade se compartimentalizou e, deste modo, como o

conhecimento pedagógico, por natureza transdisciplinar, também ficou restrito às

áreas e vulnerável às relações de poder que perpassam cada uma delas.

Historicamente, a criação das Faculdades de Educação, em 1968,

diferentemente do projeto gestado na década de 30, buscou, dentre outras razões,

considerar as exigências do mercado em expansão, face ao crescimento urbano-

industrial, bem como a política ideológica de cunho desenvolvimentista

predominante na época (Cunha, 1983). Nesse contexto, não prevaleceu a idéia de

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formação do educador a partir de uma ênfase interdisciplinar, mas sim a partir da

especialização, longe do ideal de integralidade da formação humana, como

discutem Aguiar e Melo (2005).

O relato dos entrevistados revela essa problemática, sobretudo porque

estudaram em um curso inserido em uma estrutura fundamentada em uma

determinada visão e atuaram em um curso pautado por outra perspectiva. Nessa

direção, a experiência de atuar em universidades diferentes permitiu perceber, por

exemplo, como uma mesma disciplina é assimilada e situada de forma

diferenciada pelos projetos curriculares das instituições. O entrevistado D-50

conta que assumiu a disciplina princípios e métodos da supervisão escolar, sendo

que, em uma universidade, ela se vinculava ao Departamento de Administração e

Supervisão Escolar e, em outra, ao Departamento de Metodologia do Ensino e

Educação Comparada.

O fato é que a Faculdade de Educação, pela sua natureza e missão, abriga

outras funções formativas que não são exclusivas dos Cursos de Pedagogia, tais

como a participação na formação de professores das demais licenciaturas, ligadas

a outras Faculdades, Centros, Institutos ou Departamentos. Além disso, ao

integrar uma universidade, a faculdade é responsável pelas funções de ensino,

pesquisa e extensão, cuja relação espera-se que se paute pela perspectiva da

indissociabilidade entre esses três eixos. Nesse contexto, a pedagogia ficou restrita

a um curso, sem interface com as outras licenciaturas, cabendo à Faculdade de

Educação a condição mais abrangente de articulação com outras áreas, com a pós-

graduação e a pesquisa. O depoimento da entrevistada A-30 deixa ver que essas

marcas já eram observadas no início da instalação da Faculdade de Educação.

Na Faculdade de Educação da USP informalmente conviviam isoladamente três faculdades: O núcleo de didática e de prática de ensino que a Faculdade oferecia aos estudantes de todas as licenciaturas, o Curso de Pedagogia e a Pós-Graduação, recém-inaugurada, que era a menina dos olhos da Faculdade, porque tinha que dar certo. (Entrevistada A-30)

Há que se destacar, ainda, que na relação com as demais Faculdades,

Centros, Institutos ou Departamentos, mesmo pertencentes à área das ciências

humanas, à Faculdade de Educação culturalmente foi conferido menos prestígio.

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Se pensarmos em relação à área das ciências exatas, a relação se mostra ainda

mais desigual. A educação e, em conseqüência, o Curso de Pedagogia se vêem

duplamente dominados: dominados no campo das ciências duras, no qual

enfrentam dificuldades para serem aceitos, e dominados no seu próprio campo

universitário, o das ciências humanas. Na análise de Silva Jr. (2007),

a Pedagogia, em particular, e as Ciências Humanas, em geral, estão muito distantes dos pólos do poder acadêmico, sendo constantemente pressionadas a submeterem-se à ditadura conceitual e convencional das ciências exatas e naturais, em especial daquelas fortemente sustentadas por vínculos de mercado. (Silva Jr., 2007, p. 82)

Este cenário aponta para a análise de Bourdieu (2004a) no tocante à

complexidade das relações de poder que se manifestam nos diversos campos

científicos, quando defende que todo campo é marcado por lutas para conservar

ou transformar seu próprio campo de forças. Dentre as estratégias que comandam

as disputas em um campo científico estão os lugares e as quantidades de

publicação, os temas escolhidos para pesquisa, os objetos delimitados e as

referências teórico-metodológicas predominantes. Nesse sentido, as relações

estabelecidas entre os agentes de um campo e as produções empreendidas

determinam suas posições nesse mesmo campo. Segundo Bourdieu,

essa estrutura é, grosso modo, determinada pela distribuição do capital científico num dado momento. Em outras palavras, os agentes (indivíduos ou instituições) caracterizados pelo volume de seu capital determinam a estrutura do campo em proporção ao seu peso, que depende do peso de todos os outros agentes, isto é, de todo o espaço. Mas, contrariamente, cada agente age sob a pressão da estrutura do espaço que se impõe a ele tanto mais brutalmente quanto seu peso relativo seja mais frágil. (Bourdieu, 2004a, p.24)

Desta forma, a pedagogia, segundo situam os pedagogos entrevistados, face

as infindáveis discussões que questionam o domínio do seu conhecimento,

mostra-se vulnerável no campo acadêmico, o que afeta diretamente o seu curso. A

Faculdade de Educação estrategicamente poderia exercer papel relevante no

processo de recontextualização da posição ocupada pelo Curso de Pedagogia no

campo acadêmico, contribuindo para o fortalecimento de seu estatuto

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epistemológico, o que fica secundarizado diante das demais investidas dessa

faculdade, tal como a atividade de pesquisa, como veremos a seguir.

6.4. O Curso de Pedagogia e a construção da pesquisa em educação no Brasil

Da análise do conjunto de depoimentos, depreende-se que os pedagogos

entrevistados, na sua quase totalidade, focalizaram a pós-graduação e a construção

da pesquisa em educação no Brasil como meio de abordar o crescimento do

domínio de conhecimento da pedagogia. Entretanto, paradoxalmente, fazer crescer

o corpo do conhecimento teórico sobre a área, por meio da pesquisa, não

representou, na visão de boa parte deles, o avanço também do Curso de

Pedagogia.

A posição predominante entre os entrevistados parece indicar que a abertura

da pós-graduação em educação para as outras áreas, trabalhando com estudantes e

pesquisadores de diferentes filiações disciplinares, beneficiou o aprofundamento

das teorias que embasam a pedagogia. Nesse sentido, o caráter interdisciplinar da

educação e, portanto, também, da pedagogia, foi potencializado. Vejamos o que

disse a esse respeito a entrevistada A-30:

A nossa pós-graduação tem uma peculiaridade que eu sempre defendi e considero muito boa: a sua abertura para as outras áreas do conhecimento. Abrir demais é complexo, fazendo correr o risco de ficar muito pulverizado. Mas é de igual modo rico, possibilitando que o conhecimento da educação se expanda. (Entrevistada A-

30)

Além da abertura da pós-graduação, seu crescimento também foi apontado

pelos entrevistados como um dos fatores favorecedores ao desenvolvimento do

pensamento educacional. As idéias pedagógicas alcançaram maior circularidade,

em especial a partir da década de 80, quando aumentou a produção acadêmico-

científica, através do avanço da pós-graduação em educação. O campo

educacional experimentou uma significativa ampliação, não só através de cursos,

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mas de editoras e revistas especializadas, conferindo-lhe “um nível de

amadurecimento que lhe possibilitou a conquista do respeito e reconhecimento da

comunidade científica [...]” (Saviani, 2007a, p.405).

Os dezessete pedagogos, sujeitos desta pesquisa, foram e são sujeitos

importantes no processo de consolidação do campo educacional brasileiro. O

perfil deles sinaliza, dentre outros aspectos, que boa parte se pós-graduou no

exterior, constituindo-se em uma pequena amostra do que aconteceu, e ainda

acontece, no processo de formação de nossos pesquisadores. A formação

adquirida lá fora e a experiência reunida no Brasil representaram dois vetores que

impulsionaram nossos programas de pós-graduação, beneficiados pelo suporte da

“massa crítica” constituída (Cury, 2005, p.7).

De acordo com a retrospectiva realizada por Cury (2005), por ocasião dos

40 anos da pós-graduação em educação no Brasil, um longo itinerário foi trilhado

até a homologação do Parecer CFE nº. 977/65, que fixou as diretrizes normativas

para os programas de pós-graduação, definindo seus níveis e finalidades.

Desde a década de 30, com Francisco Campos responsável pela educação

em nosso país, observam-se iniciativas a favor da idéia de investigação científica

em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos como uma das finalidades do

trabalho universitário, devendo alcançar também cursos de aperfeiçoamento e

especialização. Contudo, é na década de 60 que se verifica um conjunto de

medidas apropriadas ao estabelecimento da pós-graduação, que culmina com sua

institucionalização através do já citado Parecer. No cerne da concepção desse

sistema, residem os estudos avançados e a pesquisa como forma preponderante de

fazer progredir o conhecimento científico de uma determinada área.

Anos 30, anos 60, anos 80. Vários entrevistados fizeram referência aos anos

80 como um tempo propício à consolidação da educação no campo acadêmico.

Torno a lembrar o protagonismo de cada um deles nesse novo tempo educacional.

Suas produções se configuram entre aquelas que colaboraram para a emergência

da recontextualização do pensamento educacional, notadamente marcado pela

perspectiva que relaciona educação e transformação social. Certamente, seus

trabalhos redundaram no fortalecimento do domínio de conhecimento da

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pedagogia. Ressalta-se que para alguns deles a compreensão da natureza e do

sentido da pedagogia constituiu a ênfase principal de seus estudos.

“Os 40 anos da pós-graduação em educação no Brasil fazem a diferença”,

foi o que declarou a entrevistada G-50. Para ela, a pesquisa em educação cresceu e

se fortaleceu, contando, na atualidade, com conceituados pesquisadores,

programas e diversas linhas de pesquisa, além de espaços instituídos e legitimados

para a divulgação de conhecimento: editoras, periódicos e encontros.

Sem dúvida, os entrevistados, com toda a lucidez e crítica que lhe são

peculiares, sublinham que o processo de construção da pesquisa em educação

contribuiu para o crescimento do campo em várias direções, atendendo à sua

própria configuração de aportar-se em múltiplas referências teóricas Todavia, dão

a entender que não cresceu, do mesmo modo, o esforço no sentido de fazer

convergir a produção de conhecimento em educação para o fortalecimento do

Curso de Pedagogia. Trata-se de uma conexão ou ausência dela difícil de ser

abordada, que apareceu em alguns depoimentos. Talvez essa dicotomia reflita

muitas outras que cercam a pedagogia.

[...] há um crescimento da pós-graduação que passa a se encarregar da pesquisa em várias direções ligadas à educação, que parece que não contribui para o crescimento do Curso de Pedagogia. [...] Eu acho que realmente a pós-graduação progrediu em termos de linhas de pesquisa, mas ela também é uma pós-graduação que passou a absorver pessoas de muitas áreas. (Entrevistada I-60)

O que se constata é que para os entrevistados o impacto das pesquisas sobre

o Curso de Pedagogia parece não ser tão significativo como deveria e poderia ser.

Segundo apontam alguns deles, se de um lado o desenvolvimento da pós-

graduação favoreceu especialmente a formação de um corpo docente qualificado e

titulado para o Curso de Pedagogia, de outro, os problemas da prática pedagógica,

objeto de discussão no âmbito da formação e da atuação do pedagogo, não têm

sido suficientemente beneficiados pelas pesquisas. Para alguns depoentes a pós-

graduação, tal como está organizada, reúne condições para produzir mais do que

produz, não no sentido quantitativo, mas, essencialmente, no sentido de atender

aos problemas educacionais que aguardam a participação dos pesquisadores na

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sua elucidação. O entrevistado C-50 é bastante categórico nesse sentido. No seu

dizer:

A pós-graduação neste país não está produzindo aquilo que ela seria capaz de produzir. Selecione um curso de pós-graduação com programas de mestrado e de doutorado e verifique o número de temas que entra nesses programas. Você passa 20 anos fazendo pesquisa em pós-graduação e não observa continuidade nas pesquisas. É um ou dois trabalhos sobre isso, dois ou três sobre aquilo. Não se observa a continuidade necessária, que possibilitará a fundamentação precisa para a discussão de certos assuntos, como aqueles que afetam diretamente o chão da fábrica. (Entrevistado C-50)

Nessa perspectiva, o aproveitamento das pesquisas se configura como um

dilema para os problemas educacionais, refletindo diretamente no contexto da

prática pedagógica, principalmente o das escolas e dos sistemas de ensino, que

protagonizam um cotidiano perpassado de uma série de conflitos, sem que as

pesquisas desenvolvidas contribuam para a sua superação. Cinco entrevistados

(A-30 / B-40 / C-50 / E-50 / M-60), ao abordarem essa questão, trouxeram à baila

o mesmo exemplo: crianças que permanecem anos na escola e não conseguem

dominar o processo inicial de aprendizagem da leitura e da escrita. Mais uma vez

o entrevistado C-50 é enfático nesse sentido:

São teses e mais teses sendo construídas, dissertações e mais dissertações, pesquisas e mais pesquisas, só que um universo cada vez maior de crianças continua não aprendendo a ler e a escrever direito. Como é que é possível você admitir que a criança fique na 4ª, 5ª, 6ª séries e não saiba ler e escrever direito? Alguma coisa está acontecendo! Onde estão os pedagogos e todo o conhecimento que se produz sobre a educação? (Entrevistado C-50)

A tese de doutorado de Merise Santos de Carvalho, defendida em 2004, na

UFRJ, focaliza o alcance dos estudos produzidos no âmbito dos programas

brasileiros de Pós-Graduação em Educação, no tocante aos temas concernentes ao

ensino fundamental. Após retratar a escola de ensino fundamental com as lentes

da mídia impressa e dos documentos oficiais, a autora investiga quem pesquisa

(quando, onde e como) a escola pública de ensino fundamental na universidade

brasileira nos tempos atuais. É do seu interesse analisar como as produções

acadêmicas de programas de pesquisa vinculados à CAPES e ao CNPq

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consideram ou não os problemas que o retrato da escola pública deixa ver.

Vários achados depreendem-se do seu estudo, dentre eles um em especial,

que vai ao encontro da posição expressa nos depoimentos dos pedagogos por mim

entrevistados, qual seja: os problemas, de natureza eminentemente pedagógica, da

escola pública de ensino fundamental, não são suficientemente pesquisados nos

programas de pós-graduação. A tese de Merise Santos de Carvalho revela que, do

conjunto de pesquisas sobre o ensino fundamental, nota-se uma excessiva

fragmentação que parece encobrir o problema em si dessa importante etapa da

educação básica. No que diz respeito ao ensino da leitura e escrita, problema

apontado pelos meus entrevistados e retratado na tese em questão, constatou-se

um número reduzido de projetos de pesquisas focados nessa questão.

Como se pode perceber, o aprofundamento dos estudos de domínio da

pedagogia e sua repercussão no curso de formação de pedagogo e no contexto de

atuação desse profissional, convergindo para o entendimento e, se possível, para a

superação dos problemas pedagógicos, parecem contar pouco com o muito que a

pós-graduação em educação é capaz de dispensar. Tal como evidenciam os

depoimentos colhidos, o crescimento das pesquisas em educação, sobretudo a

partir da década de 80, contribuiu para demarcar o lugar da educação no contexto

acadêmico, mas o Curso de Pedagogia pouco tem se beneficiado dessa posição.

Nessa direção, Saviani (2007b) pontua que:

a partir do início da década de 1970, instalaram-se os Programas de Pós-Graduação em cujo contexto a educação experimentou um vigoroso desenvolvimento que envolveu fortemente as universidades ampliando, pois, significativamente o espaço acadêmico da educação. Esse desenvolvimento conduziu a uma aproximação com as áreas afins das ciências humanas consolidando-se o lugar da educação na universidade. Porém, isso ocorreu ao preço do afastamento da pedagogia como teoria e prática da educação. (2007b, p.124)

Mais uma vez reporto-me a Bourdieu. Certamente os maiores detentores de

capital científico, no contexto de um determinado campo, são os pesquisadores

que já alcançaram, pela trajetória trilhada, a posição de dominantes. No caso dos

entrevistados, todos eles trilharam o caminho da pesquisa e alguns, de modo

especial e direto, foram agentes responsáveis pela sua expansão entre nós. Das

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lembranças do Curso de Pedagogia que fizeram, aparece a importância da

pesquisa na sua formação. Como formadores e pesquisadores produziram parte

significativa da literatura pedagógica que circulou e circula ao longo da evolução

desse curso, por meio dos estudos que empreenderam. Entretanto,

contraditoriamente, o processo de instalação e consolidação dos programas de

pós-graduação em educação no Brasil ofuscou o Curso de Pedagogia, em lugar de

fortalecer o seu grau de autonomia no âmbito do campo acadêmico-científico, de

acordo com o que se pôde captar de seus próprios depoimentos.

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7 Considerações finais

Neste estudo, abordei o tema do Curso de Pedagogia no Brasil a partir da

visão de um grupo de pedagogos considerados primordiais. Primordiais porque

tomaram parte do período inicial do curso entre nós, vivendo-o como alunos, seja

na sua gênese, seja nas fases em que os primeiros marcos legais modificaram a

sua dinâmica curricular, mas primordiais também porque se mantiveram atuantes

e influentes desde então, como agentes formadores de pedagogos e pesquisadores

em educação, ocupando importantes posições no campo acadêmico.

Meu olhar esteve voltado para o que dezessete depoentes expuseram a

respeito da pedagogia e seu curso, focalizando essencialmente três aspectos:

traços característicos dos primórdios desse curso entre nós; diferenciais

observados na sua evolução, decorrentes das mutações ocorridas; e a sua posição

no contexto do campo acadêmico. O processo de construção da tese pautou-se,

portanto, nas informações colhidas com esses agentes, expressas em lembranças,

idéias, opiniões, percepções, concepções, posições, que analisadas constituem a

visão de um grupo, particularmente especial no campo educacional, sobre o Curso

de Pedagogia no Brasil.

O debate sem consenso acerca da natureza do saber pedagógico e a história

do curso constituíram o pano de fundo da investigação empreendida. Se de um

lado observa-se a dificuldade de nomeação do tipo de saber que advém da

pedagogia, de outro se nota um curso que desde a sua origem trilha um percurso

de idas e vindas, que mais discute o seu fim que a sua própria existência. Todavia,

é incontestável a importância, a necessidade e a viabilidade do trabalho

pedagógico, que se desenvolve em diversos contextos, contribuindo para o

encaminhamento de diferentes processos educativos e afirmando, sim, um

domínio próprio da pedagogia. Olhar o Curso de Pedagogia com a visão dos

pedagogos entrevistados possibilitou captar aspectos desse curso, seus dilemas,

desafios e possibilidades, que, certamente, contribuirão para o processo de

afirmação do lugar da pedagogia no campo acadêmico.

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De acordo com o primeiro objetivo estabelecido para a pesquisa, busquei

levantar aspectos característicos do início do curso entre nós e das mutações por

ele sofridas, para analisar as implicações, resistências e avanços na evolução desse

curso. No tocante aos primórdios do curso, primeiro aspecto de abordagem, o

resultado das análises mostrou que o Curso de Pedagogia se afirmou no seu início

e, também, durante boa parte do seu percurso como uma continuidade natural ao

Curso Normal. Assim foi que mesmo o Curso de Pedagogia tendo como uma de

suas incumbências a formação de professores para a Escola Normal, a parte

referente à formação de professores foi pouco investida, recaindo o peso maior

nas discussões teóricas sobre a educação.

Sobre a parte teórica, os depoentes ressaltaram o seu peso no curso, bem

maior que o da prática. Situar o papel da teoria no curso representou sublinhar a

multiplicidade de saberes que constituem a pedagogia, dada a estreita relação com

diferentes frentes disciplinares, sinalizando ora a força, ora a própria fraqueza da

pedagogia. Se a multiplicidade de estudos teóricos faz crescer o seu domínio de

conhecimento, de igual modo pode contribuir para engendrar um quadro de

dispersão da própria pedagogia, dificultando a afirmação de um estatuto teórico

específico.

No contexto da formação teórica obtida no curso, cinco aspectos apareceram

de modo recorrente nos depoimentos, evidenciando a dinâmica predominante do

curso em seus tempos iniciais: o domínio de grandes disciplinas com carga horária

ampla, mas em número reduzido, facilitando o estudo aprofundado; a centralidade

dos clássicos na formação; o trabalho com uma bibliografia predominantemente

importada, exigindo dos alunos o domínio de diversas línguas; um alto grau de

investimento no estudo para cumprir as exigências dos trabalhos acadêmicos; e a

marca notadamente tradicional do curso, com aulas expositivas, trabalho

meticuloso de interpretação dos textos e exames de argüição oral.

Se a teoria mobilizou o andamento do curso, a prática se afastou. Os

entrevistados põem em evidência a importância dos estudos teóricos, mesmo com

toda a dispersão decorrente das diferentes filiações disciplinares. Contudo, pelas

várias críticas que teceram à parte prática, seja pela sua ausência, seja pela sua

inconsistência, deixaram claro que seu afastamento do curso só não foi mais

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prejudicial à sua própria formação porque já contavam com referenciais reunidos

ao longo da Escola Normal, freqüentada pela maioria.

Entre os componentes de formação mencionados, a pesquisa se fez presente

de modo singular no curso realizado por boa parte dos entrevistados. A

convivência com professores pesquisadores, participação em grupos de pesquisa,

monitoria, e iniciação à pesquisa através do estudo de disciplinas como estatística,

psicologia e biologia apareceram como aspectos favorecedores à formação para o

exercício desta atividade.

Junto com o aprendizado teórico e, em alguns casos, também, pela pesquisa,

os entrevistados ressaltaram a influência de alguns professores na sua formação.

Enfatizaram que cultura, ecletismo e erudição representaram as principais marcas

professorais dos formadores, que, de um modo geral, provinham das Escolas

Normais, dos Institutos de Educação ou dos Seminários e Colégios de Padres.

Uma condição, em especial, referente aos professores do Curso de Pedagogia,

apareceu como a principal marca do perfil dos formadores: eles não eram

pedagogos. O peso de diferentes tradições disciplinares no curso contribuiu para

que os formadores de pedagogos, em geral, fossem provenientes de diferentes

áreas.

Quanto aos aspectos observados na evolução do curso, decorrentes das

mutações ocorridas, segundo eixo de abordagem, o resultado das análises

apontou quatro conjuntos de diferenciais.

Primeiro, aquele referente às diferenças entre as décadas de 40/50 e 60,

demarcando a importância da cultura universitária. Os depoentes valorizaram,

sobremaneira, a experiência vivenciada na universidade em uma época

notadamente marcada pelo ambiente altamente politizado e pelo movimento

estudantil. As lutas pelas causas sociais reacenderam a importância do sujeito

coletivo e da perspectiva de uma educação a serviço da transformação social,

imprimindo ainda mais significado à formação acadêmica recebida.

Segundo, aquele referente às diferenças observadas entre o curso de

formação e o curso de atuação como formador. Nesse aspecto, os depoentes

destacaram a perda da densidade teórica do curso, o papel secundarizado do

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estudo dos clássicos em educação, a dificuldade de construção de sínteses sobre o

que é e como se elabora a pedagogia a partir das diferentes disciplinas estudadas e

o baixo capital cultural dos alunos. Para os entrevistados, a densidade teórica, tão

forte na formação que tiveram, marca predominante dos primórdios do curso entre

nós, perdeu força, afetando inclusive o estudo dos clássicos, que deixaram de

ocupar posição relevante no andamento do curso. Tais perdas são percebidas na

problemática conceituação da própria pedagogia pelos alunos, cujo perfil vem se

modificando e evidenciando a ausência de domínio de habilidades lingüísticas e

de conhecimentos gerais, dentre outros, prejudicando assim o desenvolvimento

das atividades acadêmicas. Segundo se pôde depreender dos dados, para os

agentes entrevistados o curso perdeu o que tinha de mais forte, a teoria, sem

consolidar uma outra força capaz de favorecer o processo de afirmação de um

conhecimento específico da pedagogia.

Terceiro, aquele referente às alterações advindas do Parecer CNE nº. 252 de

1969, que instituiu as habilitações na formação do pedagogo. As análises

sinalizam que as habilitações são apontadas como o fator que mais mudança

imprimiu ao Curso de Pedagogia. As habilitações para formar os especialistas

para as atividades de orientação educacional, administração escolar, supervisão e

inspeção de escolas e sistemas de ensino são questionadas pelos entrevistados,

mesmo pelos que se consolidaram no campo como referências teóricas

importantes sobre elas. Os depoentes rejeitam a concepção produtivista e a

tendência tecnicista na base de sua gestação, lamentam a fragmentação observada

na divisão do trabalho escolar e questionam a formação do especialista no âmbito

da graduação. Entretanto, paradoxalmente, os depoimentos deixam ver que de

algum modo as habilitações contribuíram para definir com mais clareza o papel a

ser desempenhado pelo pedagogo, cuja identidade sempre se mostrou

controvertida e ainda não está satisfatoriamente resolvida.

Quarto, aquele referente às diretrizes curriculares para o Curso de

Pedagogia, homologadas pelo CNE no ano de 2006. Os dados analisados indicam

três pontos emblemáticos nos depoimentos: o recuo da teoria, o não-lugar das

habilitações e a docência como base de formação. Para os entrevistados, a perda

da densidade teórica, observada no decorrer do curso, corre o risco de se acentuar

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com as diretrizes aprovadas, visto a diversidade de enfoques formativos que

passará a vigorar no curso. No tocante às habilitações, os depoentes não

consideram o seu fim como o ponto problemático do curso. Para eles a questão

mais complexa reside na formação a ser oferecida para que o pedagogo possa

atuar além da sala de aula. Ser pedagogo requer fazer pedagogia, ou seja, teorizar

sobre a educação, projetar, implementar, acompanhar e avaliar processos

educacionais em diferentes contextos. As tradicionais habilitações dão lugar à

docência, cuja concepção apresentada nas diretrizes curriculares busca abarcar o

fazer pedagógico nas suas diferentes abrangências. Será isto possível?,

questionam os depoentes. No que tange à docência como base de formação do

pedagogo, a proposta é, de modo geral, aceita, porém existem restrições. A

perspectiva de que todo pedagogo precisa entender de docência é endossada, mas

a docência como base de formação não pode representar a secundarização da

própria pedagogia. Para os entrevistados, o problema das diretrizes curriculares

não está na docência ser ou não o fundamento principal do curso, mas no

afastamento do estudo da própria pedagogia.

De acordo com o segundo objetivo proposto para a pesquisa, procurei obter

junto ao grupo de pedagogos investigados qual sua posição acerca da pedagogia

enquanto domínio de conhecimento e enquanto curso, para mapear e interpretar a

posição da pedagogia no contexto do campo acadêmico. Esta foi a etapa mais

sensível da entrevista, da construção dos dados e da sua análise. De um modo

geral, os entrevistados falam sobre o proposto com muita cautela, confirmando,

pelas suas posturas, a complexidade do tema.

A análise do Curso de Pedagogia, atentando para sua posição no campo

acadêmico, terceiro eixo de abordagem, desenvolveu-se em conexão com as

discussões teóricas sobre a natureza e a especificidade do conhecimento

pedagógico. Articular os dados obtidos por meio das falas dos entrevistados com

o pensamento dos autores escolhidos como interlocutores foi um exercício

presente ao longo do trabalho, porém intensificado nesta etapa.

O resultado mostrou que para os depoentes pensar conceitualmente sobre a

pedagogia requer pensar sobre a educação. Trata-se de uma relação indissociável.

A educação existe por si só. É um processo que acompanha cada um de nós ao

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longo de nossa vida, podendo, portanto, ser discutido por diferentes ângulos

teóricos e práticos. Todavia, a pedagogia se elabora sobre a educação, cujo

processo é o seu objeto de teorização, segundo a concepção mais recorrente entre

os entrevistados.

Os achados deste estudo sinalizam que se a relação entre pedagogia e

educação é incontestável, o mesmo não acontece entre pedagogia e cientificidade.

Não me pareceu, diante dos dados, que os depoentes neguem a possibilidade da

pedagogia ser uma ciência. O que depreendi das análises é que os entrevistados

preferem se posicionar na direção daqueles que reconhecem que a pedagogia é

produtora de saber, sem se ocuparem com a definição desse tipo de saber.

Prevalece a tendência de compreensão da pedagogia como base de teorização da

educação, o que é suficiente para lhe conferir um saber próprio. Entretanto, para

os entrevistados, tal base de teorização, ao se fundamentar em saberes plurais, não

pode significar nem a negação de sua própria unidade teórica, nem o

contentamento com uma definição generalizadora, que pouco ou nada esclarece

acerca da sua natureza e missão.

Nessa direção, veio à tona a relação entre o Curso de Pedagogia e a

Faculdade de Educação. Apesar de a pedagogia ser identificada como base de

teorização da e sobre a educação, tal investida não é exclusividade sua. As

diferentes áreas das ciências humanas também se encarregam de teorizar sobre a

educação. O diferencial da pedagogia em relação às demais áreas encontra-se no

seu objetivo de formulação de diretrizes para a prática educativa, o que poderia

lhe conferir a condição de centro formador de profissionais para a educação, mas,

para tanto, impõe-se o seu fortalecimento teórico, ainda muito dependente das

contribuições de outras áreas, fazendo aparecer pouco o conhecimento que lhe é

específico. A educação, enquanto objeto de estudo e pesquisa de diferentes áreas,

e pelo próprio processo que desencadeia, não se apresenta, segundo os depoentes,

como um mero campo de aplicação. Nesse sentido, a educação abarca a

pedagogia, ocupando, no espaço acadêmico-científico, a posição de centro

formador que articula ensino, pesquisa e extensão em torno de diferentes cursos,

sendo a pedagogia um deles.

Ainda nessa mesma direção, as análises apontam para o impacto da

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construção da pesquisa em educação sobre o Curso de Pedagogia. Para os

depoentes, o fortalecimento da pós-graduação em educação e as pesquisas por

meio dela desenvolvidas contribuíram para o crescimento do campo em várias

direções, atendendo à sua própria configuração de aportar-se em múltiplas

referências teóricas. Contudo, parece que não cresceu, do mesmo modo, o esforço

no sentido de fazer convergir a produção de conhecimento em educação para o

fortalecimento do Curso de Pedagogia.

Desta forma, a pedagogia, mesmo detentora de saber específico, se vê, no

seio das disputas acadêmicas, mais preterida que reconhecida, dificultando a

afirmação da sua posição neste campo. Diante dessas circunstâncias, pode parecer

que para os agentes entrevistados a pedagogia não reúne condições para ser

assumida dignamente no campo acadêmico. Entretanto, pelo contrário, reconhecer

os limites não significa negar as possibilidades. Predomina entre os depoentes a

perspectiva de que a pedagogia, mesmo não tendo estatuto científico inteiramente

definido, é detentora de um corpo de conhecimentos plurais, que fundamenta os

processos de formação e de atuação do pedagogo e, também, do professor,

contribuindo por meio das práticas desenvolvidas para o processo mais abrangente

e contínuo de transformação social.

No intuito de desenvolver uma reflexão conclusiva em face dos achados

apresentados, deparo-me com algumas questões, a serem apontadas a partir de

então.

Quem é o aluno de pedagogia hoje e quem são seus formadores?

Certamente estas são indagações para estudos específicos. Trabalhos como os de

Paixão (2005) e de Nascimento (2006), se ocuparam, cada um, por uma

perspectiva diferente, com a abordagem de um desses temas, e podem oferecer

subsídios para uma reflexão mais aprofundada. Aqui, interessa-me apenas

sinalizar, no que tange aos alunos e com base exclusivamente no perfil daqueles

com os quais tive oportunidade de trabalhar, que muitos não são egressos do

Curso Normal.

Tal como focalizado ao longo deste estudo, o Curso de Pedagogia

progressivamente assumiu a função de habilitar os professores para atuação na

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primeira etapa do ensino fundamental, constituindo-se, atualmente, como uma das

três possibilidades formativas desse profissional, visto que o Curso Normal em

nível médio e o Curso Normal Superior se organizam em torno da mesma

finalidade. Ainda que oficialmente o Curso Normal não tenha sido uma

precondição para o de Pedagogia, oficiosamente foi o que predominou. Uma vez o

Curso de Pedagogia destinando-se basicamente à formação dos mesmos docentes

habilitados pelo Curso Normal, observa-se a diminuição da oferta de vagas nesse

curso e, conseqüentemente, o fluxo crescente de candidatos ao magistério que

optam pela formação no âmbito de um curso superior.

Se no passado o Curso de Pedagogia considerava primordialmente os

estudos teóricos em torno das disciplinas pertencentes ao campo das ciências da

educação, não se atendo tanto quanto deveria aos pressupostos práticos para a

formação dos professores do ensino secundário (Cursos Ginasial e Normal) e dos

técnicos de educação, e a habilitação conferida sem tanta formação ainda assim

não era tão sentida porque o Curso Normal, de algum modo, abordava o campo da

prática, hoje o cenário é outro. Se o Curso de Pedagogia não propiciar aos alunos

a formação pretendida, esta se dará no campo de atuação e nos espaços de

formação continuada, que, via de regra, é pautada por programas descontínuos,

sem que se identifiquem políticas articuladas a seu favor. A relação parental entre

os Cursos Normal e de Pedagogia, observada nos primórdios deste curso entre

nós, hoje, pode-se dizer, restringe-se ao fato de ambos habilitarem para a mesma

função.

Todavia, o Curso Normal destina-se exclusivamente à formação do

professor para a educação infantil e a primeira etapa do ensino fundamental,

enquanto o Curso de Pedagogia, segundo estabelecem suas diretrizes curriculares

nacionais, destina-se, além disso, à formação inicial do professor para atuar nos

cursos de ensino médio, na modalidade Normal; em cursos de educação

profissional na área de serviços e apoio escolar e em áreas nas quais sejam

previstos conhecimentos pedagógicos. Desta forma, o Curso de Pedagogia, além

de propiciar a instrumentação pedagógica específica para a docência, precisa

favorecer a necessária formação teórica do pedagogo.

A amplitude dessa formação aponta para outro questionamento que emerge

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deste estudo. Que concepção teórico-prática conduzirá o Curso de Pedagogia hoje

diante de tamanha abrangência? O Curso de Pedagogia, ao formar o professor,

não pode abster-se de formar o pedagogo. E formar o pedagogo requer considerar

essencialmente a dimensão teórico-prática da educação. De acordo com a

investigação realizada, a teorização sobre a educação e a formação humana

constituiu a força principal do Curso de Pedagogia no Brasil, em seus tempos

iniciais. A análise das mutações observadas no curso ao longo da sua evolução

aponta que a teoria perdeu força, sem que outra dimensão se fortalecesse. Se o

conhecimento da pedagogia se estrutura em torno da prática educativa, buscando

afirmar-se como teorização dessa prática, teoria e prática da educação representam

o seu eixo nuclear, a ser assumido na formação dos pedagogos. Nem só teoria,

nem só prática, mas teoria e prática da educação.

Nesse sentido, considero importante demarcar que entendo e defendo o

saber da pedagogia como sendo um saber composto: teoria e prática. Os saberes

de base teórica são plurais, reunindo contribuições de diferentes campos

conceituais. Esses saberes, quando voltados para um determinado contexto

prático, cuidando de analisá-lo propositivamente, se transformam em um novo

saber, não mais proveniente apenas de sua fonte de origem, mas expressão de um

outro saber, que é o saber pedagógico, não só de base teórica ou de base prática,

mas, dialética e indissociavelmente, de base teórico-prática.

Compreendo que a educação não se constitui em um objeto de estudo

específico da pedagogia. Outros campos teóricos cuidam de abordar o fenômeno

educativo a partir de suas próprias concepções teórico-metodológicas: sociologia,

antropologia, psicologia, filosofia, história, economia, lingüística, dentre outros,

cujas contribuições são importantes e necessárias para o desenvolvimento da

pesquisa educacional. A educação, enquanto objeto, deve ser investigada a partir

de uma base sólida em uma das disciplinas a ela confluentes, para o bem da

própria pesquisa, segundo defende Isambert-Jamati (1992). Entretanto, entendo

que tal perspectiva não invalida a pedagogia como domínio de conhecimento

específico sobre a educação, consolidando-se como um campo de estudos com

identidades e problemáticas específicas. Recusar como válido o saber da

pedagogia em função da sua abrangência e do seu enraizamento com a prática é

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negar a própria pedagogia.

Nessa perspectiva, a multiplicidade teórica dominante nos primórdios do

curso constitui um dos elementos contributivos da formação do pedagogo a serem

levados em conta ainda hoje. É certo que, pela própria estrutura do curso na

época, o contexto favorecia o estudo aprofundado das disciplinas de fundamentos

da educação, o que não se verifica no contexto atual. Contudo, se a pedagogia

busca ser, em si mesma, teoria e prática da educação e, no tocante à teoria, ela é

um campo caudatário de conhecimentos de diferentes afluentes, não se pode

prescindir da teoria no seu curso. O recuo da teoria representa, no meu entender,

um risco à própria consolidação do Curso de Pedagogia no campo acadêmico.

Com efeito, há que se tirar proveito da diversidade teórica que envolve a

pedagogia. Ela não pode resultar em desarticulação das disciplinas e em um

estudo dissociado da realidade educacional. Pelo contrário, a trajetória histórica da

pedagogia, tal como apontaram os sujeitos desta pesquisa, precisa ser estudada no

seu próprio curso, em diálogo com as várias abordagens sobre a educação,

contribuindo para o fortalecimento do domínio que lhe é específico. Nessa linha

de raciocínio, o aprofundamento teórico, pela via das diferentes disciplinas,

precisa considerar a educação como prática social e o trabalho pedagógico como a

referência primeira da pedagogia e conseqüentemente do seu curso. O tratamento

específico dos conhecimentos educacionais a partir da lógica de cada disciplina e

de seu professor precisa se ligar ao estudo, à reflexão e à pesquisa sobre a

educação como prática social, propiciando aos pedagogos em formação

fundamentos para teorizar sobre suas práticas e condições para submetê-las à

discussão.

Desta forma, percebo que a pedagogia, apesar da sua fragilidade conceitual

frente a outros campos de conhecimento, de modo complexo coteja saberes

interdisciplinares que, apesar de acentuarem sua dimensão plural e assimétrica

entre filosofia e ciência e entre teoria e prática, deixam entrever possibilidades de

sua afirmação como um campo de conhecimento, formação, atuação e intervenção

social. Assim, quanto mais a pedagogia for assumida como objeto de estudo de

seu curso de formação, mais condições propiciará ao pedagogo no campo de sua

atuação e, certamente, mais se fortalecerá teoricamente, independente de ser ou

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não uma ciência, para que seu lugar no campo acadêmico seja mais visível,

reconhecido, respeitado e, portanto, legitimado.

Como apropriadamente comentou o professor Celestino da Silva Júnior,

enquanto me concedia uma entrevista com vistas a este estudo, “sabemos que a

cientificidade de um campo de conhecimento tem sido a credencial mais exigida

para seu reconhecimento e seu trânsito no universo acadêmico. Mas, mais que

isto, é preciso garantir aos pedagogos o domínio da natureza do conhecimento

que professam, as condições de sua produção e sua circulação no corpo social.

Identificar a natureza da pedagogia e promover seu desenvolvimento é tarefa

fundamental a ser enfrentada pelos que se dedicam ao seu estudo”.

Desafio posto, eu vou, por enquanto, ficando por aqui, porém o caminho

rumo à “minha Ítaca” prossegue. Tomando emprestada uma expressão do

historiador francês Georges Duby, a história continua.

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222

9 Anexos 9.1. Quadro demonstrativo dos sujeitos da pesquisa

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223

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01 A-30 F 1937-1940 FFCL da

USP RJ-SP - - - - - - X - X - X - - - X - X X X

02 B-40 F 1946-1949 PUC-Rio

MA-RJ X - - X - X - X X X X X X - - - - X X

03 C-50 M 1952-1955 FFCL da

USP SP X X - X X - X X X - X X - - - - X X X

04 D-50 M 1954-1958

USCJ Bauru/SP

SP X - - X - - - X X - - X X X X X X X X

Em exerc.

05 E-50 F 1957-1960 FFCL/MA

MA-RJ - - - X - - X X X X X X X X X X X X X

Em exerc.

06 F-50 F 1958-1961 FFCL/GO

GO X X - X - X - X X X X - X X X X - X X

Em exerc.

07 G-50

F

1958-1962 PUC-Rio

RJ X X - X - X - X X X X - X - X X - X -

08 H-50 F

1959-1962 FFCL da

USP SP X X - X X X X - X X X - X - X X - - -

09 I-60 F

1961-1964 FFCL de

Marília/SP SP X - - X - - X - X - - X X X X X - - -

10 J-60

F

1961-1965 PUC-SP

SP X - - X - X X X X X - X X X X - X X -

11 K-60 F

1964-1967 FFCL de

Rio Claro/ SP

SP X - - X - X X - X X - X X - X - X - X

Em exerc.

12 L-60

F

1964-1967 FFCL da

USP SP X X - X X X - X X X - X X X X X - - -

13 M-60 F

1965-1968 FFCL de

Rio Claro/ SP

SP-RJ X - X X X X - X X X - - X X X - - - X

14 N-60 F

1965-1968 PUC-

Campinas SP X - - X - X X - X X X X X X X - - X -

15 O-60

M

1965-1968 PUC-SP

SP X - X X - X - - X X X - X X X - - - -

16 P-60

F

1965-1969 UFRJ

RJ X X - X - X - - X X - X X X X - - - -

17 Q-60 F 1966-1969 FFCL de Lins/SP

SP X - X X - X - - X X X - X X - - - - X

Total - - - - 15 06 03 16 04 12 08 09 17 13 10 10 15 11 14 07 06 09 09

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9.2. Descrição da trajetória de formação e de atuação de cada entrevistado∗∗∗∗

B-40, a primeira entrevistada, nasceu na cidade de São Luiz do

Maranhão/MA. Cursou o primário na Escola Modelo, cujo ensino, com duração

de cinco anos, se baseou nos pressupostos teórico-metodológicos da tendência

pedagógica da escola nova. Fez o curso secundário no Liceu Maranhense, também

com duração de cinco anos. Para ingressar no ensino secundário passou pelo

exame de admissão, com audiência pública, prestando prova oral e escrita. Em

seguida, ingressou na Escola Normal de São Luiz do Maranhão, onde fez o Curso

Normal em um ano, habilitando-se para atuar como professora primária.

Concluído o Curso Normal, passou a atuar como professora primária, no

Colégio das Dorotéias, e como professora de português do Curso Normal

oferecido pela Escola Normal de São Luiz do Maranhão.

Seu desejo era cursar medicina para atuar no contexto hospitalar, mas, na

década de 30, quando concluiu o ciclo fundamental do ensino secundário ainda

não havia Escola de Medicina no Maranhão. Por influência do seu pai, veio para o

Rio de Janeiro participar do processo seletivo, através de concurso público, para

inspetor de ensino secundário do Ministério da Educação (MEC), onde também

cursou dois anos de curso complementar do ensino secundário.

Após enfrentar um processo seletivo bastante rígido, dirigido pelo

Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), criado por Getúlio

Vargas, viu-se, em fevereiro de 1942, com 22 anos de idade, aprovada e nomeada

como inspetora de ensino secundário do MEC.

Em julho de 1943, conseguiu nomeação para atuar como inspetora de ensino

no Maranhão. A nomeação para a sua cidade natal foi obtida após um ano e

alguns meses de duras tentativas, visto que o concurso era de abrangência

∗ As letras alfabéticas e numeração da década para identificação dos entrevistados foram definidas pela posição de cada um no período em que fez o curso, partindo dos mais antigos para os mais novos. A descrição do perfil, diferente desta seqüência, considerou a ordem de realização das entrevistas.

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nacional, mas o departamento responsável (DASP) exigia sua lotação no Rio de

Janeiro.

De 1943 a 1945 atuou como inspetora de ensino secundário do MEC, no

Maranhão. A partir de 1946 voltou a exercer a função de inspetora do MEC, no

Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano decidiu cursar uma faculdade. No período de

1946 a 1949, fez o Curso de Pedagogia na Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro (PUC-Rio), cursando o bacharelado e a Licenciatura (Pedagogia e

Didática). No período de 1949 a 1952, cursou filosofia, também na PUC-Rio.

Enquanto terminava a licenciatura, iniciava o Curso de Filosofia, dedicando-se às

disciplinas comuns aos dois cursos.

Como funcionária do MEC atuou como inspetora de ensino secundário e,

também, superior, credenciando e acompanhando o funcionamento de vários

estabelecimentos de ensino. No decorrer de sua atuação no MEC, teve a

oportunidade de ocupar diversas funções: foi assessora para assuntos referentes à

organização e implementação de cursos de formação de professores, o que

resultou mais tarde na criação da Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do

Ensino Secundário (CADES); foi assistente de diretor de ensino secundário; e

diretora substituta de ensino secundário. Por força do ofício, transferiu-se para

Brasília quando a capital mudou para o Distrito Federal.

Concomitante à sua atuação no MEC, no período em que estava no Rio de

Janeiro e após o término dos Cursos de Pedagogia e Filosofia, integrou, por pouco

tempo, o corpo docente do Curso Normal do Colégio Santa Dorotéia, localizado

no Rio Comprido, ministrando a disciplina filosofia da educação.

Deu continuidade à sua formação, realizando uma série de cursos,

notadamente através de programas de estudo em universidades estrangeiras.

Participou de muitas atividades promovidas pela Organização das Nações Unidas

para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o que lhe conferiu vários títulos.

Em um determinado período de sua atuação no MEC, foi designada para

estagiar na CADES, cujo foco voltava-se para a formação de inspetores de ensino

de todo o Brasil. Após o estágio, foi convidada para trabalhar no contexto da

própria CADES, cuidando de projetos voltados para a formação de inspetores de

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ensino e demais profissionais da educação.

Por conta disso, passou a se dedicar, na CADES, à organização de grupos de

professores experientes, denominados professores orientadores, com a finalidade

de subsidiar, através de cursos e formas diversas de acompanhamento, a formação

permanente de professores. A CADES, por seu intermédio, passou a se dedicar à

formação de orientadores educacionais, uma exigência da Lei Capanema para o

ensino secundário. Um desdobramento desse projeto foi a criação e o

financiamento pela CADES de um curso específico para orientadores

educacionais, na Universidade Santa Úrsula (USU) e na PUC-Rio. A CADES

financiou o curso durante dois anos, tanto na USU quanto na PUC-Rio. Findo o

financiamento, a USU assumiu e a PUC desistiu. Dois anos depois, ocorreu a

Reforma Universitária, que, no tocante ao Curso de Pedagogia, instituiu as

habilitações de orientação, inspeção, supervisão e administração escolar.

Trabalhou na USU durante 31 anos. Começou através do curso para

orientadores educacionais, ingressando, em seguida, no corpo docente do Curso

de Pedagogia. Com a reformulação do curso e a instituição das habilitações,

deixou de atuar ao mesmo tempo nos dois cursos, passando a se dedicar ao de

pedagogia. Na USU atuou como professora, chefe de departamento, decana e

assessora da chancelaria. Foi diretora de departamento por dois anos e decana em

três mandatos, perfazendo um total de oito anos.

Trabalhou, também, como professora do Departamento de Educação da

PUC-Rio. Seu ingresso nessa universidade se deu do mesmo modo que na USU,

ou seja, pela exigência de um curso para formação de funcionários do MEC. O

curso foi elaborado em época de muita efervescência política, meados da década

de 60. Foi responsável pela concepção do curso e definição dos professores que

comporiam o corpo docente. Em função do contexto político da época, os

professores foram considerados suspeitos, o que levou o MEC a decidir pela

entrega do curso à PUC-Rio. No processo de repasse do projeto de curso, inseriu

uma cláusula, cujo teor garantiria aos alunos que apresentassem uma dissertação,

o título de mestre em educação. Por conta disso, a PUC-Rio passou a ser a

primeira universidade brasileira a oferecer curso de mestrado em educação.

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Assim que começou a atuar na PUC-Rio, a Universidade Federal

Fluminense (UFF) iniciou um processo de criação de um programa de mestrado

em educação. Foi convidada para atuar como professora desse programa. Por esta

razão, tem um documento que lhe confere o título de pioneira do mestrado em

educação da UFF. Integrou, ainda, o primeiro corpo docente do programa de

mestrado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRj) e da Fundação

Getúlio Vargas (FGV). Em todas essas instituições trabalhou durante dois ou três

anos. Sua trajetória de formadora se consolidou na USU. Muitos professores do

Curso de Pedagogia da USU foram seus alunos, seja na própria graduação na

USU, seja no mestrado na PUC-Rio. Aposentou-se após percorrer uma trajetória

profissional de cerca de 50 anos, notadamente marcada pelo pioneirismo na

implantação de programas de formação de profissionais da educação.

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M-60, a segunda entrevistada, nasceu na cidade de Rio Claro/SP. Cursou o

primário, o ginasial e o normal na Escola Normal Puríssimo Coração de Maria,

conhecida como a Escola das Freiras de sua cidade. Concluiu o Curso Normal no

ano de 1953. Em prosseguimento, seguiu para a cidade de Campinas para fazer o

Curso de Aperfeiçoamento no Instituto de Educação, visto que esse curso, à

época, era oferecido apenas nesses Institutos, em reduzido número em todo o

estado.

Em 1956, ingressou na rede pública de ensino do estado de São Paulo, como

professora efetiva, onde atuou como professora alfabetizadora e de todas as

demais séries do ensino primário. Durante dez anos exerceu essa atividade,

atuando no contexto rural, na periferia e no grande centro, firmando-se,

principalmente, como professora alfabetizadora.

Em 1965, decidiu prestar exame vestibular para o Curso de Pedagogia.

Alcançou a primeira colocação, o que lhe conferiu a condição de ficar

comissionada pelo estado, uma espécie de bônus do governo do estado de São

Paulo para a formação de professores. Assim, dedicou-se exclusivamente ao

curso, feito no período de 1965 a 1968, na Faculdade de Filosofia, Ciências e

Letras de Rio Claro (FFCL-Rio Claro), futura Universidade Estadual Paulista

Júlio Mesquita Filho (UNESP).

Após o Curso de Pedagogia, passou a ficar comissionada na Escola

Experimental Vocacional Chanceler Raul Fernandes, conhecida como Ginásio

Vocacional de Rio Claro. Trabalhou apenas um ano, pois, no final de 69, a

Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) decretou seu fechamento.

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229

Em sua opinião, a escola desenvolvia um trabalho pedagógico alternativo e

progressista para a época, focado na formação integral do sujeito, buscando

favorecer-lhe condições reais de exercício crítico da sua cidadania, apresentando-

se, assim, como uma ameaça ao regime ditatorial.

Por conta do fechamento da escola, decidiu fazer concurso para professora

de prática de ensino da Escola Normal de São José do Rio Preto, onde passou a

atuar com a formação de professoras primárias. Assim como o Ginásio

Vocacional de Rio Claro, a Escola Normal de São José do Rio Preto foi um tempo

curto na sua vida, pois, em 1971, conseguiu ingressar como pedagoga e

pesquisadora no Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), vinculado ao CNPq,

para trabalhar em um projeto pioneiro de alfabetização via satélite para o

Nordeste.

Em 1973, seguiu para os Estados Unidos, onde fez mestrado em educação,

na Kennedy Western Reserved University. De volta ao Brasil, por volta de 1975,

participou do processo seletivo para professores do Curso de Pedagogia da

Universidade Federal de São Carlos/SP (UFSCAR). Mediante a aprovação, pediu

exoneração do cargo de professora efetiva do estado de São Paulo, cuja última

vinculação se deu no INPE, para firmar-se definitivamente no contexto acadêmico

como professora e pesquisadora.

Em 1978, deu início ao doutorado em psicologia experimental, na

Universidade de São Paulo (USP), concluído em 1985. Durante esse período

conciliou as atividades de docente na UFSCAR e as atividades de discente do

Programa de Doutorado do Instituto de Psicologia da USP.

Em 1988, transferiu-se para o Rio de Janeiro, migrando sua matrícula de

professora da UFSCAR para a UFRj, onde trabalhou intensamente na graduação e

na pós-graduação (mestrado e doutorado em educação), combinando ensino,

pesquisa e extensão, até se aposentar, em 1993.

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E-50, a terceira entrevistada, assim como a primeira, também nasceu em

São Luiz do Maranhão/MA. Ainda criança, transferiu-se com a família para a

cidade do Rio de Janeiro, devido ao contexto político-social da época. No ano de

1946, quando estava com nove anos de idade, retornou para a sua cidade natal,

onde cursou o primário e o secundário (ginasial e colegial - científico) em

colégios de padres e freiras.

Em 1957, ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, futura

Universidade Federal do Maranhão (UFMA), para cursar Pedagogia, tendo

concluído em 1960.

Desde os 15 anos de idade atuava como professora particular, mesmo sem

ter feito o Curso Normal. Iniciou sua trajetória no contexto dos estabelecimentos

de ensino, ainda na graduação, atuando no Instituto de Educação, na Escola

Normal São Vicente e no Ginásio Professor Luís Vianna. O exercício profissional

sem habilitação foi possível por meio de uma regulamentação federal que permitia

a atuação docente antes de concluída a licenciatura, em função da necessidade de

professores.

Antes mesmo de concluir o Curso de Pedagogia foi convidada para compor

o quadro docente. Como o curso era organizado na estrutura 3+1 (3 anos de

bacharelado e 1 ano de licenciatura) e estava no último ano, passou a atuar como

professora da etapa referente ao bacharelado.

Concluída a graduação, integrou o quadro da Secretaria Estadual de

Educação do Maranhão (SEE/MA), inicialmente na condição de técnica de

educação e posteriormente como assessora de planejamento.

Trabalhou intensamente na organização de programas para a rádio

Educadora do Maranhão, bem como em diversos movimentos instituintes

destinados à educação das minorias sociais e em prol da liberdade e da

democracia, mesmo em uma época de grande repressão e perseguição.

Em fins dos anos 60, conseguiu indicação da UFMA, onde trabalhava, para

fazer mestrado nos Estados Unidos, por meio do acordo MEC-USAID. Chegou a

ser aprovada no exame de proficiência da língua inglesa, mas viu sua bolsa ser

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cancelada como uma forma de punição pelos movimentos sociais dos quais

integrava e que se apresentavam contrários à ordem política estabelecida. Diante

do agravamento da situação política que assolava o Brasil, saiu do Maranhão e

aportou em Washington, EUA. Nesse país, cursou, em 1969, o Mestrado em

Filosofia e Sociologia da Educação, na Michigan State University.

De volta ao Brasil, no início de 1970, fez um curso de especialização em

planejamento educacional, pelo MEC, e reassumiu suas funções na UFMA, mas

por pouco tempo. Logo em seguida, transferiu-se para o Rio de Janeiro, cuja

primeira inserção profissional se deu na USU, no ano de 1971. Seguindo sugestão

da primeira entrevistada, contactou os professores responsáveis pela organização

do mestrado em educação da UFF, em pleno processo de implantação. De início,

foi contratada como professora colaboradora e posteriormente como professora

auxiliar de ensino, por meio de processo público de seleção.

Na UFF, consolidou sua carreira de professora e pesquisadora: auxiliar,

adjunta, titular... Exerceu diversos cargos, dentre os quais: coordenadora do

programa de mestrado em educação, conselheira do Conselho de Ensino e

Pesquisa e membro do Conselho Universitário.

Em 1976, tornou-se livre-docente em fundamentos da educação, pela UFF.

No início da década de 80 (1981-1984), seguiu para a Argentina, onde realizou os

seus estudos de doutoramento em ciências da educação, na Universidad Nacional

de Buenos Aires. Quase dez anos depois, realizou mais dois estudos de pós-

doutoramento: em 1992, na Universidad Complutense de Madri, Espanha; e em

1993 na University of London, na Inglaterra.

O ensino e a pesquisa são marcas sempre presentes na sua trajetória. Suas

publicações são inúmeras, dotando a área de uma fonte preciosa de investigação.

Além de integrar o comitê avaliador de diversos encontros científicos nacionais e

internacionais, bem como de várias editoras, sua atuação alcança alguns dos mais

importantes órgãos de fomento à pesquisa e à ciência, exercendo, dentre outras, a

função de parecerista do CNPq, da CAPES e da ANPEd. Atualmente integra a

equipe dirigente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro

(FAPERJ).

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Sua trajetória registra, também, a participação direta na criação de várias

associações importantes para a discussão do pensamento educacional e defesa da

educação pública e gratuita para todos, dentre as quais destacam-se: Associação

de Professores de História e Filosofia da Educação, Associação Nacional de Pós-

Graduação e Pesquisa em Educação, Associação Nacional pela Formação dos

Profissionais da Educação e Associação de Educadores da América Latina e do

Caribe.

Em 1991, se aposentou como professora titular da UFF, mas continuou

exercendo suas atividades como professora formadora e pesquisadora, firmando-

se cada vez mais como uma referência do pensamento educacional brasileiro.

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L-60, a quarta entrevistada, nasceu em Caconde, pequena cidade do interior

de São Paulo. Em uma escola pública dessa cidade fez o primário e o secundário.

No decorrer do secundário, cursou o ginasial e o colegial. No colegial, fez o curso

científico junto com a Escola Normal.

Concluída a Escola Normal, transferiu-se para a capital do estado, para

cursar Pedagogia, na USP, no período de 1964 a 1967. Seu desejo era cursar

francês, visto que desde cedo foi muito estimulada pelos professores que teve e

pela própria ambiência familiar no tocante à literatura e à língua francesa.

Todavia, a experiência vivida na Escola Normal foi decisiva para optar pelo Curso

de Pedagogia.

Alguns meses após ter iniciado o Curso de Pedagogia, recebeu a “cadeira

prêmio”, titulação conferida pelo governo do estado aos melhores alunos da

Escola Normal. Tal premiação lhe outorgou o direito de se tornar professora

efetiva da Rede de Ensino do Estado de São Paulo. Sua primeira experiência

como professora do estado se deu em uma escola da periferia de Osasco, em uma

classe de 2ª série, composta de alunos que ainda não sabiam ler e escrever. No

decorrer do ano conseguiu ficar comissionada pelo estado para dedicar-se

exclusivamente aos estudos.

Do Curso de Pedagogia seguiu direto para o curso de especialização em

orientação educacional da Faculdade de Educação da USP. Junto com a

especialização, o retorno às salas de aulas para atuar como professora primária.

Nessa seqüência, foi convidada para exercer a função de orientadora educacional

no Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental, o famoso Ginásio Experimental

da Lapa. A experiência reunida como pedagoga escolar a encaminhou para a

coordenação de projetos de formação continuada de orientadores, supervisores e

coordenadores pedagógicos do estado de São Paulo.

No início dos anos 70, prestou concurso público para atuar no Curso

Normal, deslocando sua matrícula de professora primária para professora

formadora de professores. Concomitantemente, atuou como professora do Curso

de Pedagogia de faculdades isoladas da rede privada de ensino superior, em São

Paulo.

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De 1973 a 1978 cursou mestrado em educação, com ênfase em psicologia da

educação, na PUC-SP. No decorrer do curso foi convidada para ingressar nessa

universidade como professora. Durante a década de 80, além de dar continuidade

às suas atividades profissionais, dedicou-se ao doutorado em educação, também

na PUC-SP, cuja pesquisa focalizou a formação dos orientadores educacionais.

Nos anos de 1995 e 1996 desenvolveu na Ecole des Hautes Etudes en Sciences

Sociales, na França, um programa de pós-doutorado.

Na PUC-SP, consolidou-se como professora e pesquisadora. Sua trajetória

registra a realização de vários projetos de pesquisa e inúmeras publicações. É uma

das autoras organizadoras de uma coleção direcionada ao coordenador

pedagógico, bastante considerada pelos pedagogos escolares no contexto de sua

atuação1.

No âmbito acadêmico, tem ocupado diversos cargos, como coordenadora do

Curso de Pedagogia, chefe de departamento, coordenadora de cursos de

especialização, membro do colegiado superior e vice-presidente da comissão geral

de pós-graduação, além de integrar o comitê científico de algumas das mais

importantes agências de pesquisa do país.

1 Tal referência se baseia na minha prática de pedagoga e coordenadora, pelo período de dois anos, de um grupo de aproximadamente 135 pedagogos (orientadores e supervisores educacionais) da Rede Municipal de Educação de Niterói/RJ. No contato com esses profissionais, pude observar que os textos integrantes dessa coleção fundamentavam boa parte das suas reflexões e tentativas teórico-práticas de exercício pedagogo.

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N-60, a quinta entrevistada, nasceu em Campinas/SP. Viveu em um

contexto familiar cercado de arte, cultura, literatura e educação. Nas escolas de

elite da cidade cursou o primário e o secundário, chegando ao Curso Normal.

Sempre quis ser professora, ofício com o qual conviveu desde criança, visto que a

sua mãe tinha uma escola na própria casa.

Do Curso Normal seguiu para o Curso de Pedagogia, cursado na PUC-

Campinas, no período de 1965 a 1968. Chegou a pensar em cursar Psicologia,

mas, diante do forte desejo de trabalhar formando professores, não hesitou e se

manteve no percurso inicialmente definido. Enquanto cumpria com as exigências

do Curso de Pedagogia trabalhava como professora na escola da mãe. Os dois

últimos anos do curso foram conciliados, também, com a experiência de

professora de filosofia do curso científico do colegial de uma escola particular da

cidade e com a de coordenadora pedagógica dessa mesma escola.

No último ano da graduação, 1968, cursou uma especialização em

administração escolar, na própria PUC-Campinas. Concluídos os cursos,

continuou trabalhando como coordenadora pedagógica e professora de filosofia,

abarcando as duas pontas do ensino, o primário e o colegial-científico. Poucos

anos depois, eles se tornariam 1º e 2º graus, mediante o advento da LDB nº.

5.692/71. Tal mudança legislativa apresentou-lhe uma demanda de trabalho

focada no planejamento educacional, razão pela qual passou a integrar as equipes

da Delegacia Estadual de Ensino.

Em função da instalação de uma nova escola estadual na cidade de

Campinas, no início dos anos 70, foi designada pela SEE/SP para acompanhar o

processo de montagem pedagógico-administrativa da unidade. A integração com a

comunidade foi a tônica que imprimiu para os planejamentos desenvolvidos.

Em 1972, transferiu-se para Brasília, onde residiu por um ano, durante o

qual trabalhou como professora de psicologia da educação, em uma faculdade

particular isolada.

De volta a São Paulo, passou a integrar o corpo docente das Faculdades

Metropolitanas Unidas (UNIFMU), onde atuou de 1973 a 1983. Na UNIFMU,

trabalhou como professora titular do Curso de Pedagogia, coordenadora do curso

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e chefe do departamento de educação. Foi responsável, nesse período, pela

concepção e implementação de um projeto de formação de professores do ensino

superior. Todos os professores contratados pela instituição deveriam cursar os

módulos preparatórios para a docência superior. Essa experiência a impulsionou

para o programa de mestrado em educação da PUC-SP. Apesar de ter cumprido

com boa parte dos requisitos para a titulação, optou por não levar o projeto até o

final. Antes disso, no período de 1976 a 1979, especializou-se em psicologia da

educação, pela PUC-SP.

Na década de 80, decidiu desvelar a escola pública por dentro. Para tanto,

procurou aliar às atividades de formadora a de gestora de escola. Após submeter-

se ao concurso da SEE/SP para administrador escolar, exerceu por onze anos

consecutivos, a partir do ano de 1984, a função de diretora efetiva de uma Escola

Estadual de 1º e 2º Graus. No decorrer dos anos de 1984 a 1996 trabalhou

ativamente, articulando o trabalho de dirigir essa escola com o de pesquisa,

consultoria, formação de docentes e implantação do projeto escola padrão, todos

vinculados à SEE/SP.

O ano de 1984 também marcou a sua entrada para a Universidade

Presbiteriana Mackenzie/SP, onde ficou até o ano 2000. Ali trabalhou como

professora titular, pesquisadora e, também, gestora, uma vez que chegou a exercer

as funções de coordenadora do Curso de Pedagogia e de diretora da Faculdade de

Educação, Letras e Filosofia.

Ao longo do ano de 1994 participou de um importante projeto de pesquisa

do Departamento de Educação do MEC (DEMEC/SP), cuja investigação

objetivou diagnosticar e propor reformulações para os Cursos de Pedagogia do

estado de São Paulo. Integrar o grupo de especialistas responsável por essa

pesquisa, desenvolvê-la e se confrontar com os dados obtidos, mais a experiência

que reunia como formadora de pedagogos e como pedagoga escolar reforçaram o

desejo de investir na complexidade da pedagogia como objeto de estudo. Por esta

razão, retornou à PUC/SP para fazer o mestrado em educação (1994-1996) e

seguiu para a USP para fazer o doutorado (1999-2001).

Durante o período de 2000 a 2002 coordenou o Curso de Pedagogia das

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Faculdades Integradas Rio Branco (FIRB), encaminhando-se, em seguida, para a

Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), para instalar o programa de

mestrado em educação, onde atualmente permanece na condição de coordenadora

do programa.

Trata-se de uma autora bastante conhecida no contexto acadêmico pelo seu

movimento de pesquisa, formação e atuação pela e para a pedagogia. Além das

publicações que reúne, coordena uma série de publicações sobre saberes

pedagógicos da Cortez Editora. Registra-se, também, sua participação como

parecerista de diversos periódicos e integrante de comitês avaliadores dos mais

renomados encontros científicos da área.

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K-60, a sexta entrevistada, nasceu na cidade de Amparo/SP. Em 1951, com

cinco anos de idade, ingressou em um Jardim de Infância dessa cidade,

experiência pouco comum na época. Filha de mãe professora e pai administrador

de fazendas, vivenciou, ao longo da infância e adolescência, a experiência de

mudar de cidades, conforme a demanda de trabalho do pai. Assim é que, no início

da década de 50, seguiu para Londrina/PR, onde cursou, em 1952, o 1º ano do

primário no Colégio Mãe de Deus, uma tradicional escola particular da cidade.

Pouco tempo depois, transferiu-se para Limeira/SP, onde fez o 2º e a metade do 3º

ano primário no Grupo Escolar (1953-1954). A conclusão do 3º ano e o curso do

4º e do 5º anos do primário se deram em um Grupo Escolar da cidade de Mogi

Mirim/SP (1954-1956). O ginásio foi cursado em duas partes, uma em Mogi

Mirim, em uma instituição particular denominada Colégio Imaculada Conceição

(1957-1958), e outra em Limeira, no Colégio São José, também particular (1959-

1960). Concluído o ginásio, ingressou no colegial desse último colégio, onde fez o

Curso Normal, no período de 1961 a 1963.

Tão logo se formou professora primária, decidiu cursar Pedagogia, o que

fez nos anos de 1964 a 1967, na FFCL-Rio Claro, sendo contemporânea da

segunda entrevistada, que ingressou um ano depois nessa mesma instituição.

Iniciou sua trajetória de docente como professora substituta da SEE/SP. No

último ano do Curso de Pedagogia começou a atuar como professora de

matemática e ciências do curso ginasial de escolas estaduais que apresentavam

carência de professor. Ao graduar-se em Pedagogia, obteve a licença para atuar

como professora de matemática da primeira etapa do ginasial.

Em 1969, a FFCL-Rio Claro instalou um Colégio de Aplicação, onde

trabalhou, por aproximadamente dois anos (1969-1970), como coordenadora de

práticas educativas de arte e cultura, após concurso para este fim. Em 70, prestou

concurso para professora da própria faculdade, passando a atuar como professora

de didática do Curso de Pedagogia. Nessa faculdade trabalhou até o ano de 1976,

quando ela se transformou, junto com as demais faculdades e os institutos

isolados do interior paulista, na Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita

Filho (UNESP).

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Com a criação da UNESP, as faculdades existentes nas cidades de Rio

Claro, Araraquara e Franca compuseram uma região administrativa, devendo cada

unidade trabalhar com cursos diferenciados. Por esta razão, o Curso de Pedagogia

passou a ser oferecido apenas na UNESP de Araraquara e na de Marília, sendo

esta pertencente à outra região administrativa. Escolheu transferir-se para a de

Araraquara, onde permaneceu até o final da década de 90.

Na UNESP, se consolidou como professora formadora, pesquisadora e

gestora. De 1970 a 1974, atuou como professora assistente, exercendo as

atividades de ensino, pesquisa e extensão, articuladas às assessorias oferecidas aos

professores e às escolas para desenvolvimento de projetos. De 1974 a 1990, ficou

enquadrada na condição de professor assistente doutor. Nesse período exerceu

inúmeras funções, dentre elas as de presidente do conselho departamental, chefe

de departamento, coordenadora do núcleo regional de ensino de Araraquara e

coordenadora do Curso de Pedagogia. A partir de 1990, alcançou a condição de

professora adjunta, aposentando-se em 1995.

Permaneceu trabalhando na universidade por mais um tempo, exercendo,

articuladamente ao ensino na graduação e na pós-graduação, a função de vice-

diretora da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Araraquara, a coordenação

do processo de implantação de um programa de pós-graduação e o

desenvolvimento de um amplo projeto de pesquisa envolvendo as escolas públicas

da região.

Em 1970, quando começou a atuar como professora formadora de

pedagogos, iniciou o doutorado em ciências da educação, na própria faculdade

onde trabalhava, FFCL-Rio Claro, concluindo em 1974. No ano de 1990

conquistou o título de livre-docente, pela UNESP-Araraquara, e no período de

1997 a 1999 especializou-se em avaliação, pela Universidade de Brasília (UNB).

No ano de 1999, recebeu um convite para trabalhar como professora

visitante na PUC-SP, onde permanece, atuando no Programa de Pós-Graduação

em Educação, na condição de professora livre-docente.

Ao longo de sua trajetória tem integrado diversos comitês científicos de

editoras, periódicos, encontros acadêmicos e agências de fomento à pesquisa.

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Trata-se de uma professora e pesquisadora com amplo reconhecimento na área,

ocupando posições-chave. Sua produção de pesquisa é bastante rica, focada, em

especial, nos temas referentes ao trabalho docente, à formação de professores, à

didática e à organização da escola e suas práticas pedagógicas.

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G-50, a sétima entrevistada, nasceu na cidade do Rio de Janeiro/RJ. Desde

cedo experimentou o sabor de saber. Sua ambiência familiar e social foi cercada

de estímulos. Na vila onde morava existia uma escola organizada informalmente

pelas crianças nos finais de semana, onde se alfabetizou. O primário foi cursado

parte em uma escola pública e parte no Colégio Jacobina.

O desejo de ser professora se manifestou cedo, o que levou seus pais a

planejarem sua trajetória de estudo secundário no Instituto de Educação do Rio de

Janeiro (IERJ). Terminado o curso primário, fez o curso de admissão e prestou

concurso para o IERJ, alcançando aprovação. No IERJ fez o curso ginasial e em

seguida o Curso Normal, vivendo sob a influência dos anos dourados.

Nessa época, o concluinte do Curso Normal ingressava direto no sistema

estadual de ensino (SEE/RJ), conforme pontuação obtida no curso. Foi o que

aconteceu com ela. Foi trabalhar como professora primária em uma escola na Ilha

do Governador, sendo transferida, posteriormente, para Botafogo, onde atuou até

concluir a graduação.

Confirmando a opção pela carreira de professora, após o Curso Normal,

ingressou na PUC-RJ para cursar Pedagogia, nos anos de 1958 a 1962. No

último ano da graduação em Pedagogia foi agraciada pela universidade com uma

bolsa de estudos para fazer um curso de aperfeiçoamento em educação e filosofia,

na Universite Catholique de Louvain, na Bélgica, onde viveu no ano de 1963.

Nessa época a Faculdade de Filosofia da PUC-Rio, sob a direção do padre Bento,

buscava formar um quadro docente qualificado para implantar a pós-graduação.

Uma das estratégias recaiu sobre o investimento nos melhores alunos. Foi como

aluna e voltou professora da PUC-Rio, atuando como assistente das disciplinas

didática e história da educação, do Curso de Pedagogia.

Concomitante à sua iniciação como professora formadora do Curso de

Pedagogia, ocorreu também sua iniciação como professora formadora do Curso

Normal. Após participar do concurso de acesso da SEE/RJ, migrou sua matrícula

de professora primária para professora do Curso Normal, passando a trabalhar no

Colégio Estadual Ignácio de Azevedo do Amaral e no Instituto de Educação do

Rio de Janeiro, onde estudou.

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Trilhou uma carreira de 25 anos na SEE/RJ, abarcando todos os níveis e

instâncias de ensino. Além de professora primária e professora do Curso Normal,

atuou como membro do Conselho Estadual de Educação (CEE/RJ) e como

orientadora de tese do programa de pós-graduação da Universidade do Estado do

Rio de Janeiro (UERJ).

No ano de 1967, saiu mais uma vez do Brasil para doutorar-se em educação,

na Universidad Complutense de Madri, na Espanha. Ali ficou até 1969, quando

defendeu tese. Em fins dos anos 80 (1988), retornou à universidade para

desenvolver mais um programa de estudo: o pós-doutorado.

No contexto universitário, trabalhou também na UFF, como professora

horista do programa de mestrado recém-implantado. Todavia, foi na PUC-Rio que

se consolidou academicamente, chegando à condição de professora titular. Ao

longo de mais de 30 anos vem construindo uma respeitada trajetória de ensino e

pesquisa, tendo intensa participação na graduação e na pós-graduação, tanto no

nível de mestrado como no de doutorado. Seus trabalhos são paradigmáticos na

área. Suas publicações, em número bastante expressivo, alcançam o chão da

escola, seja pública ou privada, a academia e os encontros científicos.

Tangenciada pelas questões atinentes à educação e aos direitos humanos, discute a

cultura, o currículo intercultural, a didática, a formação de professores, enfim, o

cotidiano escolar e suas tensões, que se fazem desafios.

Apesar do alcance de sua produção na academia, sua atuação transcende

esse universo e aporta em uma Organização Não-Governamental (ONG), onde

trabalha como assessora pedagógica de projetos de educação, cidadania e direitos

humanos, tanto no contexto formal como no não-formal, chegando a integrar o

Conselho Nacional de Educação e Direitos Humanos.

Como boa parte dos sujeitos desta pesquisa, também integra os principais

comitês científicos do país e do exterior. Foi membro de comissões de diferentes

órgãos governamentais e consultora da CAPES, CNPq e FAPERJ.

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D-50, o oitavo entrevistado, nasceu em Rio Claro/SP, a mesma cidade da

segunda entrevistada. Nela fez o primário e o secundário. No secundário, cursou o

ginasial e em seguida o Normal. Por influência da família, com irmã e prima

professoras primárias bem-sucedidas, decidiu que queria ser professor de Escola

Normal.

Concluído o Curso Normal, considerou adequado dar continuidade aos

estudos, por meio de um curso de aperfeiçoamento. Nessa época, meado da

década de 50, a FFCL-Rio Claro ainda não tinha Curso de Pedagogia e não havia

outros cursos de formação de professores em Rio Claro, além do Curso Normal.

Por esta razão, decidiu transferir-se para Bauru, cidade próxima, para prosseguir

na formação acadêmica. Quando procurou a universidade existente na cidade para

inscrever-se no curso de aperfeiçoamento, tomou conhecimento da recente

instalação ali do Curso de Pedagogia. Diante da intenção de melhorar sua posição,

tornando-se, além de professor primário, também professor secundário, o Curso

de Pedagogia configurou-se como a opção mais adequada, visto que o

aperfeiçoamento possibilitaria uma especialização sem alterar a sua condição de

professor primário, já alcançada.

Assim, cursou Pedagogia no período de 1954 a 1957, na Universidade do

Sagrado Coração de Jesus, integrando a primeira turma de Pedagogia dessa

instituição. Concluído o curso, obteve o registro de professor das disciplinas

pedagógicas do Curso Normal, como também de história e matemática do

ginasial.

Enquanto fazia a faculdade em Bauru, lecionou em uma pequena Escola

Normal do município de Iacanga. O diretor dessa escola recrutava os melhores

alunos da faculdade próxima para atuar como professores na Escola Normal, visto

que o número de professores licenciados era bastante reduzido nessa época.

Com o término do Curso de Pedagogia, submeteu-se aos exames anuais do

concurso público para professor efetivo do estado. Sua opção era a Escola

Normal. Para tanto, viveu um processo seletivo bastante exigente e demorado,

constando de prova escrita com ponto sorteado, prova oral com banca e prova

didática. Passou boa parte do ano de 1958 envolvido com o concurso. Enquanto

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isso, trabalhava como professor do Curso Normal do Instituto de Educação da

cidade de Avaré/SP, uma instituição privada.

Aprovado no concurso, alcançou, aos 21 anos de idade, a condição de

professor efetivo do estado de São Paulo, cujo exercício inicial se deu na Escola

Normal do Estado, localizada na cidade de Pompéia. Em Pompéia, atuou como

professor de psicologia da educação e de filosofia e história da educação.

Além da Escola Normal do estado em Pompéia, também, atuou, dentre

outros, no Instituto de Educação de Penápolis. Historicamente, os Institutos de

Educação se constituíram como uma fonte de abastecimento dos cursos superiores

oferecidos pelas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras. Por esta razão, no

final da década de 60, foi convidado para retornar à cidade para atuar como

professor da FFCL de Penápolis, originária do Instituto de Educação, onde havia

anteriormente trabalhado.

Em 1968 ocorreu a Reforma Universitária e no ano seguinte a reforma do

Curso de Pedagogia, instituindo as habilitações. Na condição de chefe do

departamento de administração e supervisão escolar da FFCL de Penápolis,

recebeu a incumbência de reformular o curso de acordo com a nova configuração

curricular proposta.

Nos anos de 1969 a 1970, especializou-se em administração escolar, na

mesma universidade onde se graduou, em Bauru. Em 1973 ingressou no programa

de mestrado em educação da USP, tendo concluído em 1977. Não muito tempo

depois, 1979, seguiu para a PUC-SP, onde realizou os estudos de doutorado em

educação, concluídos no ano de 1983.

Tanto no mestrado quanto no doutorado, a temática da supervisão escolar

constituiu o seu interesse de pesquisa. A necessidade de reorganizar o currículo do

Curso de Pedagogia de Penápolis e, posteriormente também, da FFCL da UNESP-

Marília, o colocou diante da demanda de conceber os meios teóricos e práticos de

objetivação das habilitações do Curso de Pedagogia, em especial a de supervisão.

Na contramão da história do pensamento educacional, notadamente marcado,

nesse período, pelas influências do tecnicismo, buscou pensar uma diretriz teórica

inicial e própria para o conjunto de disciplinas que compunham a habilitação. A

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crítica em torno das relações de trabalho estabelecidas no interior da escola,

posicionando-se contra a fragmentação e a favor da vontade coletiva, representou

o mote principal da sua discussão, sem se ocupar se deveria ou não ser e se manter

como habilitação. Nesse sentido, seu trabalho de tese se constituiu como uma das

principais referências da supervisão escolar, no Brasil, mesmo sem ter defendido

essa habilitação para a formação do pedagogo. Tal envolvimento com as

discussões em torno da supervisão escolar provocou o estreitamento do seu

contato com os praticantes, sendo constantemente convidado pelas Secretarias de

Educação para discutir essa habilitação e sua objetivação nos contextos para os

quais foi pensada.

No ano de 1974, enquanto fazia mestrado na USP, ingressou, por meio de

concurso, para o corpo docente da FFCL-Presidente Prudente, uma das que

comporia, em 1976, a UNESP. As FFCL de Presidente Prudente e de Marília

formaram uma região administrativa, ficando o Curso de Pedagogia no campus de

Marília. Por esta razão, em fins da década de 70, teve que se transferir para

Marília, à semelhança da sexta entrevistada, que seguiu para Araraquara.

No ano de 1985 integrou o corpo docente da FEUSP, atuando no

departamento de metodologia do ensino e da educação comparada. No período de

1985 a 1997 conciliou as atividades de docência e pesquisa na UNESP e na USP.

Nesse período, além da sua atuação nessas universidades, realizou seus estudos de

pós-doutorado, nos anos de 1988 a 1990, na UNESP-Marília, onde alcançou,

também, a condição de livre-docente.

Na UNESP-Marília, viveu a maior parte de sua trajetória de professor e

pesquisador, exercendo posições-chave para a consolidação dos estudos

pedagógicos no contexto acadêmico. Além de chefe do departamento de

administração e supervisão escolar, foi um dos responsáveis pela implantação do

programa de pós-graduação em educação (mestrado e doutorado), o que lhe

conferiu, no início dos anos 90, a condição de consultor para implantação de

outros programas de pós-graduação no Brasil.

No tocante à luta pelas condições de trabalho dos professores, expressou

suas posições através de pesquisa e de ações concretas nessa direção, como, por

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exemplo, a organização de uma das primeiras associações de docentes. Foi um

dos fundadores e secretário da primeira diretoria da Associação dos Docentes da

UNESP (ADUNESP).

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Q-60, a nona entrevistada, nasceu na cidade de Promissão/SP. Nessa cidade

fez o curso primário e as três primeiras séries do ginasial do curso secundário, no

Externato Xavier, uma instituição particular confessional, dirigida por um grupo

de freiras. As experiências de aprendizagem que viveu nessa fase foram marcadas

pela influência do escolanovismo, com seus métodos ativos.

No ano de 1961, transferiu-se com a família para a cidade de Lins/SP, onde

cursou a 4ª série do ginasial no colégio estadual. Em continuidade, fez o Curso

Normal no Instituto de Educação 21 de Abril de Lins, no período de 1962 a 1964.

Se em Promissão as marcas da educação escolar foram as da escola nova, em

Lins, predominou a escola tradicional. Por opção, decidiu que experimentaria o

ensino público dessa época, não se fixando apenas nas experiências escolares do

ensino confessional.

Nesse sentido, sua formação escolar permitiu o contato com algumas forças

antagônicas da educação: o espaço privado e o público; o ensino renovado e o

tradicional; a educação confessional e a laica. Tais marcas se fizeram sentir na sua

trajetória, em especial no processo de se construir pedagoga.

Terminado o Curso Normal, desejou cursar Psicologia, o que requereria sua

mudança para Ribeirão Preto. Tal aspiração não obteve o apoio da família,

levando-a a não ingressar de imediato no ensino superior. Por esta razão, no ano

de 1965, fez curso de aperfeiçoamento em magistério primário no mesmo Instituto

de Educação onde realizou o Curso Normal. Nesse mesmo ano iniciou sua

trajetória de professora, atuando como professora substituta da SEE/SP. Sua

primeira atuação se deu numa classe de 4ª série. Na condição de substituta, não

contava com a garantia de obter anualmente uma classe para lecionar, o que seria

definido de acordo com a escala da SEE/SP. Na época, os interessados se

inscreviam para professor substituto e, de acordo com a pontuação obtida no

Curso Normal, ocupavam uma posição na lista de classificados, sendo contactados

para assumirem turma onde existisse carência de professores efetivos.

Do Curso Normal para o Curso de Aperfeiçoamento, do Curso de

Aperfeiçoamento para o Curso de Pedagogia. Se havia dúvidas em relação à

Pedagogia por conta do interesse pela Psicologia, esta foi dirimida durante o

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aperfeiçoamento. Este curso, complementar ao Normal, ajudou a firmar a decisão

de ser professora. Desta forma, fez o Curso de Pedagogia nos anos de 1966 a

1969, na Faculdade Auxilium de Filosofia, Ciências e Letras de Lins, onde,

também, no mesmo período, se especializou em cultura filosófica.

Durante o Curso de Pedagogia, ingressou, após concurso, no Centro

Educacional do Serviço Social da Indústria de Lins (SESI), onde atuou como

professora do ensino primário, no ano de 1967.

Em 1968 sua família retornou para Promissão, o que a levou a viver os dois

últimos anos da faculdade entre as duas cidades: Promissão e Lins. Fez concurso

para o SESI de Promissão e conseguiu ser admitida como professora. Assim,

conciliou a moradia e o trabalho em Promissão com os estudos em Lins.

No último ano da faculdade, tomou conhecimento de um concurso para

pedagogo das Centrais Elétricas de São Paulo (CESP), para trabalhar na

implantação do sistema educacional de Ilha Solteira. Após concluir o Curso de

Pedagogia e cumprir as exigências do processo seletivo, adentrou um novo campo

de atuação para o pedagogo. Trabalhou em Ilha Solteira durante dois anos (1970-

1971), imersa nas demandas do ofício de coordenadora pedagógica de uma de

suas escolas primárias. Durante este período, participou do concurso para

professor do estado de São Paulo, assumindo a condição de professora efetiva no

ano de 1971.

Em 1972 deixou Ilha Solteira e o projeto pioneiro de coordenação

pedagógica que implantou ali, para viver na capital paulista. Conseguiu ficar

comissionada na SEE/SP, trabalhando na Divisão de Assistência Pedagógica,

responsável pelo aperfeiçoamento pedagógico dos profissionais da educação.

Nesse mesmo ano, passou a integrar o corpo docente do Curso de Pedagogia

da Universidade São Marcos (UNIMARCO), onde trabalhou até o ano de 1982,

exercendo, de 1975 a 1979, a posição de chefe do departamento de ciências da

educação da FFCL dessa universidade. Concomitantemente, atuou em outras

instituições particulares de ensino superior, tais como a Faculdade de Filosofia

Nossa Senhora Medianeira. Em decorrência da expansão do ensino superior pela

via das faculdades particulares e as mudanças imprimidas no Curso de Pedagogia

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com a introdução das habilitações, um campo de atuação se abriu para os

profissionais que reuniam experiência com as atribuições correspondentes a cada

uma das habilitações. Assim, adentrou o contexto acadêmico na condição de

professora formadora de pedagogos.

Nos anos de 1973 e 1974, fez um curso de aperfeiçoamento em Pedagogia,

no Centro Universitário Fundação Santo André. Em 76, iniciou um longo curso de

especialização em Supervisão e Currículo, na PUC-SP, finalizando no ano de

1980.

Em 1982 passou a trabalhar na UNESP-Marília, buscando, além do

exercício da docência, o da pesquisa. Na condição de professora assistente

integrou o departamento de administração e supervisão escolar da Faculdade de

Filosofia e Ciência, responsável pelo Curso de Pedagogia, exercendo diversas

funções no colegiado.

As questões referentes ao Curso de Pedagogia constituíram o seu objeto

principal de estudo. Inquieta com o curso desde quando ingressou nele como

aluna, passou a investir com mais afinco nas discussões acerca da sua estrutura e

funcionamento a partir do meado da década de 70. Nesse sentido, aceitou integrar

o Comitê Pró-Participação na Reformulação do Curso de Pedagogia e

Licenciatura – Regional de São Paulo, organizado em 1981, passando a atuar

diretamente nos diferentes espaços de discussão e proposições acerca do curso. As

experiências reunidas como aluna, como pedagoga, como formadora e como

integrante desse Comitê impulsionaram seus estudos, em especial no tocante à

identidade do Curso de Pedagogia, levando-a a pesquisar e produzir um conjunto

de dados teóricos e legais, que ajudaram a subsidiar as discussões sobre a

redefinição do curso, no início da década de 80. A pesquisa pretendida e que

buscava levar a cabo em um programa de mestrado, nessa época, precisou ser

adiada, sendo retomada na década de 90 (1995-1998), quando fez o mestrado na

UNESP-Marília. A passagem do tempo não afetou a atualidade do problema. Por

meio de uma pesquisa histórica, abordou a controvertida e difusa identidade do

Curso de Pedagogia, firmando-se no campo acadêmico como uma das principais

referências do estudo desse curso em nosso país.

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H-50, a décima entrevistada, viveu boa parte de sua infância e adolescência

na cidade de Matão, interior de São Paulo. Pertencente a uma família de origem

italiana, cresceu sob as influências de camponeses e artesãos, que cultivavam a

sua cultura, a leitura e o diálogo. Antes de ingressar no curso primário, freqüentou

um Jardim de Infância particular próximo a sua casa. Movida pela curiosidade

acerca do que se fazia nesse espaço, começou espontaneamente a participar das

atividades, seguindo as crianças que se dirigiam para ali, à revelia de sua família.

O domínio da leitura, concretizado aos quatro anos no contexto familiar, se

ampliou diante da diversidade de trabalhos que valorizavam a integralidade dos

conhecimentos, no contexto dessa instituição.

Em Matão, cursou o primário e o secundário, sempre em escola pública. No

secundário, fez o curso ginasial, a escola técnica e a Escola Normal. Seu desejo

era fazer o científico, mas, na falta dele em sua cidade, foi encaminhada, pelo pai,

para o Curso Normal. Nesse curso, foi aluna do primeiro grupo de professores

concursados para a Escola Normal, da SEE/SP. Embora não pensasse em seguir a

carreira docente, a partir dos 14 anos de idade passou a trabalhar como professora

de curso preparatório para o exame de admissão.

Concluído o Curso Normal, transferiu-se para a capital do estado, para

cursar Pedagogia, nos anos de 1959 a 1962, na USP. Apesar de oriunda da

Escola Normal, seu desejo era fazer Curso de Biologia ou Psicologia. Nessa

época, a Psicologia ainda não existia enquanto curso superior, já Biologia exigia

um amplo domínio de disciplinas que considerava ter estudado pouco, visto não

ter cursado o científico. Nesse contexto, a Pedagogia se configurou como uma boa

alternativa. Além de dar seqüência à formação iniciada no Curso Normal,

estudaria conhecimentos de diferentes tradições disciplinares, incluindo a biologia

e a psicologia, de que tanto gostava.

Quando concluiu o Curso Normal, ganhou a cadeira prêmio da SEE/SP, por

ter alcançado o melhor índice avaliativo durante e ao final do curso, tornando-se

professora efetiva do estado de São Paulo. O ingresso no Curso de Pedagogia lhe

garantiu a condição de ficar comissionada na USP, para dedicar-se aos estudos.

Tão logo terminou o Curso de Pedagogia assumiu, em 1963, sua cadeira no

estado, atuando como professora de uma classe de alfabetização. Na parte da

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manhã trabalhava como professora primária do estado e à tarde se dividia entre as

atividades de orientadora educacional do Colégio de Aplicação da USP e de

estudante do curso de especialização em orientação educacional, também da USP.

Dois anos depois, conseguiu ficar comissionada como professora do estado no

Colégio de Aplicação da USP, exercendo a função de orientadora educacional.

Após a especialização em orientação educacional, iniciou outra em

estatística, sobre métodos e modelos experimentais. O desempenho ao longo do

curso lhe rendeu um convite para integrar o corpo docente do Instituto de

Estatística da USP. Assim, no meado da década de 60, se viu como professora da

USP, onde trabalhou até o meado da década de 80. Sua ação de professora e

pesquisadora se fez sentir nos Cursos de Estatística, de Pedagogia e de Psicologia.

No contexto da graduação, atuou, principalmente, com as disciplinas ligadas à

estatística.

No ano de 1968, seguiu para a França, onde fez doutorado em psicologia, na

Université Paris VII, tendo concluído no ano de 1972. Na construção da tese

buscou conjugar conhecimentos da educação, da psicologia social e da estatística,

adotando como parte do campo empírico o trabalho desenvolvido com os alunos

do Colégio de Aplicação da USP, onde atuava como orientadora educacional. Do

doutorado seguiu, de imediato, para dois programas de estudo de pós-doutorado:

um deles desenvolvido na Pennsylvania State University, nos Estados Unidos, no

ano de 1973, e o outro realizado na Université de Montreal, no Canadá, no ano de

1974.

Em 1974, recebeu convite para trabalhar no departamento de pesquisas da

Fundação Carlos Chagas (FCC), em processo de implantação, na época. Integra o

quadro dessa importante agência científica do nosso país há mais de 30 anos,

construindo ao mesmo tempo a história da FCC e a sua própria história de

pesquisadora.

Sua relação com a formação de pedagogos passa pela importante posição

que ainda ocupa na construção da pesquisa em educação no Brasil. Sua trajetória

evidencia o seu pioneirismo na implantação de alguns dos mais importantes

programas de pós-graduação em educação no país.

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Além da USP, atuou na UFSCAR, de 1975 a 1978, e, também, na PUC-SP,

onde permanece vinculada desde 1978. De 1978 a 1993, trabalhou como

professora visitante, na Université Paris I, respondendo por dois módulos do curso

de doutorado.

Seu compromisso com a educação se fez sentir também no Conselho

Estadual de Educação (CEE/SP), onde atuou como conselheira no período de

1997 a 2001, exercendo a presidência em vários mandatos.

Sua atuação como pesquisadora a colocou na condição de parecerista,

consultora ou mesmo integrante do comitê gestor dos mais importantes órgãos de

fomento à pesquisa e de desenvolvimento educacional do Brasil e do exterior:

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq);

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES);

International Development Research Centre (IDRC-Canadá); Fundação Brasileira

para o Ensino de Ciências (FUNBEC); Fundação Vitae (VITAE); Fundação de

Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP); Ação Educativa (AE);

Instituto Internacional de Pesquisa em Educação (IIPE/Unesco-Argentina);

Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd); e

Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP/MEC).

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F-50, a décima primeira entrevistada, nasceu em Goiás/GO, mudando-se

para Goiânia com três anos de idade. Na nova capital do estado fez o curso

primário e o secundário em escolas públicas. No secundário, fez o curso ginasial e

em seguida o Curso Normal, no Instituto de Educação de Goiás, em plena década

de 50 (1956-1957).

Tal como boa parte dos entrevistados, tão logo terminou o Curso Normal,

ganhou a cadeira prêmio e alcançou a posição de professora efetiva do estado de

Goiás. Foi designada para atuar no Jardim de Infância da Escola de Aplicação do

Instituto de Educação, onde fez o Curso Normal, recém-inaugurado. Ali atuou

como professora durante dez anos (1958-1968).

Do Curso Normal, terminado em 1957, seguiu para o Curso de Pedagogia,

na FFCL-Goiás, iniciado em 1958 e concluído em 1961. Nessa época, Pedagogia

era o único curso superior existente na cidade de Goiânia. Mais tarde, a FFCL

comporia a Universidade Católica de Goiás.

Durante o Curso de Pedagogia ingressou no Instituto de Educação, por meio

de concurso público, para atuar no Curso Normal como professora de desenho

pedagógico. Assim, por algum tempo, conciliou três atividades: estudante de

pedagogia, professora do Jardim de Infância e professora de desenho pedagógico

do Curso Normal. Findo o Curso de Pedagogia, surgiu a oportunidade de

concorrer a uma vaga de professor de didática do Curso Normal. Fez o concurso,

alcançou aprovação e deixou o desenho pedagógico para se consolidar como

professora de didática.

No Jardim de Infância onde trabalhava, desde quando concluiu o Curso

Normal, alcançou a posição de diretora. Durante sua gestão, ocorreu a mudança de

localização, para que o estado pudesse construir uma Escola Superior de

Educação Física (ESEF-Goiás). Como diretora, acompanhou o processo de

construção do novo Jardim de Infância do Instituto de Educação, intervindo

diretamente na sua arquitetura. Aproveitou a oportunidade para cursar, nessa

época (1965 a 1967), licenciatura em educação física, na ESEF-Goiás, recém-

criada. Antes mesmo de concluir essa graduação, foi convidada para substituir a

professora de didática, experimentando a condição de aluna e professora de um

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mesmo curso. Assim que concluiu educação física, foi efetivada como professora

titular de didática de sua Escola Superior (ESEF-Goiás), adentrando, desta forma,

o contexto da graduação como professora formadora.

Em 1969, participou, como bolsista do INEP, de um programa de

especialização de formação de professor, promovido pelo Centro de Pesquisas e

Recursos Humanos João Pinheiro (CPRHJP). No ano de 1972 conseguiu

afastamento temporário de suas atividades como professora de didática do Curso

Normal do Instituto de Educação e da ESEF-Goiás, para dar continuidade à

formação acadêmica. Assim, nesse mesmo ano, seguiu para Belo Horizonte, onde

fez especialização em orientação e administração educacional, na PUC-MG.

Aproveitou a oportunidade para cursar, também, uma especialização em inspeção

de ensino, em uma faculdade particular isolada. Desta forma, complementou a

formação iniciada no Curso de Pedagogia, abarcando todas as frentes de atuação:

magistério, supervisão, orientação, administração e inspeção educacional. No ano

seguinte, 1973, foi para o Rio Grande do Sul, onde fez mestrado em educação, na

Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), tendo concluído no mesmo ano.

Em 1974, de volta a Goiânia, recebeu um convite da SEE/Goiás para atuar

na implantação da reforma educacional decorrente da LDB nº. 5.692/71. Deixou

suas atividades de docente para ficar comissionada na SEE/Goiás, na condição de

primeira curriculista do estado.

A experiência reunida à frente da reforma curricular no estado de Goiás a

preparou para ingressar, logo depois, em 1975, na equipe nacional de currículo de

ensino de 2º grau, do MEC. Por esta razão, transferiu-se para Brasília, onde

prosseguiu sua carreira de pedagoga, professora formadora e pesquisadora. No

MEC permaneceu até 1981, chegando a ocupar a posição de coordenadora da

equipe, responsabilizando-se pela implantação da reforma do ensino de 2º grau

em todo o território nacional.

No ano de 1981, participou do processo seletivo para professor de didática

da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), aprovada em primeiro lugar.

Dessa forma, deixou o MEC para se consolidar de vez na universidade.

Nos anos de 1984 a 1988 fez o doutorado em educação, na Universidade

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Estadual de Campinas (UNICAMP), e nos anos de 1997 e 1998 fez pós-

doutorado, também na UNICAMP.

Após o doutorado, recebeu convite para integrar o corpo de professores e

pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), encerrando em 89 o seu

primeiro ciclo na UFU e iniciando um outro na UnB, onde se aposentou em 1994.

Mesmo aposentada, continua vinculada à UnB como pesquisadora associada

sênior do CNPq.

A aposentadoria ainda não pôs fim às suas atividades como formadora e

pesquisadora. Atuou como professora visitante do programa de pós-graduação em

educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), no período de 1995 a

1997. Retornou no ano de 2000 a UFU, como professora visitante, também, da

pós-graduação, onde permaneceu até o ano de 2004. A partir de 2004 ingressou

no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), onde exerce a função de

professora titular do programa de mestrado em educação.

Sua produção acadêmica é extensa. São inúmeras as pesquisas

desenvolvidas e as obras publicadas. Sua trajetória lhe possibilitou um contato

estreito com o campo de formação e atuação do pedagogo, desde a educação

infantil, passando pelo ensino fundamental e médio, no âmbito de Secretaria e

Ministério da Educação, alcançando o Curso de Pedagogia e demais cursos de

licenciatura e a pesquisa em educação. Tamanha experiência a coloca em uma

posição de destaque no contexto acadêmico, atuando, assim como boa parte dos

entrevistados, como parecerista de diversos comitês científicos.

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J-60, a décima segunda entrevistada, nasceu em São Paulo/SP. Cursou o

primário no Grupo Escolar Buenos Aires, pertencente à rede pública de ensino, e

o ginasial (primeiro ciclo do curso secundário) e o Curso Normal (segundo ciclo

do ensino secundário) no Colégio Particular Prudente de Moraes.

Do Curso Normal seguiu para o Curso de Pedagogia, feito nos anos de

1961 a 1965, na PUC-SP, onde realizou boa parte dos estudos de sua formação.

Ainda no último ano do Curso de Pedagogia, fez especialização em metodologia

de pesquisa em educação. Pouco tempo depois, 1967 e 1968, especializou-se em

orientação educacional.

Em 1962, enquanto cursava Pedagogia, atuou como professora primária no

Externato Alvorada. Retornou ao campo de atuação após concluir a graduação,

dessa vez para trabalhar como formadora de professores, em cursos de Ensino

Normal. No período de 1965 a 1967 trabalhou como professora do Curso Normal

de várias instituições da Rede Particular de Ensino de São Paulo.

Tão logo concluiu a especialização em orientação educacional, recebeu um

convite para exercer essa função no Ginásio Estadual Pluricurricular Experimental

(GEPE), localizado na Lapa. Esse ginásio teve uma importância muito grande na

trajetória de três dos dezessete pedagogos entrevistados. A condição de escola

alternativa, vinculada ao governo do estado, com autonomia para desenvolver um

currículo próprio, conferiu ao Ginásio Experimental da Lapa condições especiais,

dentre as quais a formação de um seleto grupo de profissionais e o exercício da

pesquisa aliado ao ofício de docente e pedagogo. Nele trabalhou nos anos de 1968

e 1969.

Com a expansão do ensino superior, no início da década de 70, e a

instalação de diversas faculdades particulares isoladas em São Paulo, foram

criados muitos Cursos de Pedagogia, cuja dinâmica organizativa se pautava pelo

recente marco legal instituído, o Parecer CFE nº. 252/1969. Esse quadro se

constituiu em um emergente campo de atuação para pedagogos com sólida

formação e experiência profissional, tal como a entrevistada. Por essa razão,

passou a atuar como formadora de pedagogos em várias instituições, inaugurando

a nova configuração do curso, baseada essencialmente nas habilitações.

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Em 1973, retornou à PUC-SP na condição de docente e estudante. Como

docente, atuou no Curso de Pedagogia e como estudante ingressou no programa

de mestrado em educação, concluído no ano de 1979. Logo em seguida, entrou

para o programa de doutorado, também da PUC-SP, obtendo o título no ano de

1985. Tanto no mestrado quanto no doutorado, a orientação educacional

constituiu o mote principal de seu objeto de estudo, fazendo dela uma das

principais referências da orientação educacional no Brasil. Em decorrência, a

pedagogia tem representado um aspecto privilegiado de sua produção,

contribuindo para o debate das questões acerca da sua cientificidade.

Trabalhou na PUC-SP durante 16 anos (1973-1989) e estudou durante 18

anos, construindo uma importante história nessa universidade, ao mesmo tempo

que construiu a sua própria história de pedagoga, formadora e pesquisadora sobre

a práxis pedagógica.

Da PUC-SP seguiu para a USP, onde tem ocupado posições importantes,

dentre as quais: coordenadora do programa de pós-graduação em educação;

diretora da faculdade de educação; e pró-reitora de graduação. Na USP se tornou

professora titular e alcançou, também, a condição de livre-docente (1993). No

decorrer da sua trajetória nessa universidade, teve a oportunidade de realizar uma

série de estágios em universidades da França e de Portugal, e de continuar a

desenvolver vários projetos de pesquisa. Além da USP, atua como professora

colaboradora da UNESP e coordenadora das coleções Magistério e Docência em

Formação, da Cortez Editora.

No tocante à produção acadêmica, acumula um número expressivo de

publicações. Na década de 80, fez parte de uma geração de pós-graduandos que

produziu sobre a educação brasileira e trabalhou para que essas produções

chegassem ao contexto dos cursos de formação e do campo de atuação. Por esta

razão, participou ativamente da criação da Associação Nacional de Educação

(ANDE), chegando à presidência, cujo compromisso principal se voltava para o

debate com e sobre a escola e seus profissionais. Nessa direção, essa entrevistada

vem ocupando, ao longo de sua trajetória, posições importantes na área,

contribuindo de modo decisivo para a produção do conhecimento pedagógico.

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O-60, o décimo terceiro entrevistado, é filho de imigrantes italianos.

Nascido na cidade de Santo André/SP, cresceu em uma colônia italiana,

impregnando-se de sua cultura e dominando sua língua antes mesmo da língua

portuguesa. Antecedendo o primário, ingressou, aos quatro anos de idade, em um

Jardim de Infância da Escola Sagrado Coração de Jesus, iniciando, nesse espaço,

seu processo de socialização escolar.

Do Jardim de Infância seguiu para o único Grupo Escolar existente, nessa

época, na cidade, denominado José Augusto de Azevedo Antunes, onde fez o

curso primário. No decorrer do 4º ano primário, fez, também, o preparatório para

admissão, visando ingresso no curso secundário. O ginasial, primeiro ciclo do

secundário, foi cursado em um colégio privado, visto que não existiam mais vagas

no ginásio público. No decorrer do curso se entusiasmou pela geologia, o que

requereria seu ingresso no curso científico, segundo ciclo do secundário. No início

da década de 60, esses cursos ainda não existiam em número suficiente,

concentrando-se mais nas capitais. Nessa época, não foi possível para ele

transferir-se para São Paulo, o que o levou a optar pelo Curso Normal, escolha

decisiva em sua trajetória.

Trabalhar de dia e estudar à noite. Este foi seu movimento durante os três

anos do Curso Normal (1961-1963), realizado no mesmo colégio em que fez o

ginásio. Concluído o curso, deixou o trabalho na Indústria de Pneumáticos

Firestone do Brasil, para atuar como professor substituto do estado, à semelhança

de dois outros entrevistados.

Trabalhar e estudar foram dois movimentos constantes em sua vida. Após o

Curso Normal, fez um curso de aperfeiçoamento, no ano de 1964, ao mesmo

tempo que se iniciava como professor. Começou como professor substituto,

porém, três anos depois, ingressou como professor primário efetivo do estado,

após aprovação em concurso de seleção.

Nos anos de 1965 a 1968, fez o Curso de Pedagogia na PUC-SP. Em 67,

conseguiu seu ingresso como professor primário efetivo do estado, passando a

trabalhar em uma escola masculina da zona rural, localizada em Aparecida do

Oeste. Nesse período, transitou intensamente pelas três cidades: Santo André,

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onde morava, São Paulo, onde estudava, e Aparecida do Oeste, onde trabalhava.

No último ano do Curso de Pedagogia, foi convidado pelo professor Joel

Martins para participar do processo de seleção do Ginásio Estadual Pluricurricular

Experimental (GEPE), na Lapa, o mesmo em que trabalharam as entrevistadas

identificadas pelas letras J e L. Nesse ginásio passou a atuar como professor

comissionado do estado, desenvolvendo-se na carreira de docente e pedagogo. Ali

foi professor primário, coordenador do curso primário, orientador pedagógico e

orientador educacional do ginásio. O GEPE foi determinante na sua trajetória,

visto que sua proposta pedagógica solicitava dos profissionais um investimento

contínuo na formação. Durante o tempo em que trabalhou nessa instituição, fez

uma série de cursos de aperfeiçoamento e especialização com foco na prática

pedagógica. Trabalhou no Ginásio Experimental de 1968 a 1978, quando saiu

para integrar a equipe do Centro Nacional de Aperfeiçoamento Pessoal para

Formação Profissional (CENAFOR).

A partir de 1972 aliou à atividade de pedagogo do GEPE a de supervisor

pedagógico da FFCL Nossa Senhora do Patrocínio (FFCLNSP), onde permaneceu

até o ano de 1995, exercendo, também, a função de docente na graduação e na

pós-graduação. Além dessa faculdade, trabalhou, ainda, na Faculdade de Belas

Artes de São Paulo (FBASP), como professor de psicologia educacional do Curso

de Pedagogia, no período de 1974 a 1977, e na Faculdade de Tecnologia de São

Paulo (FATEC), no período de 1982 a 1992, também como formador de

pedagogos.

A saída do GEPE e a entrada para o CENAFOR representaram um

momento muito especial na sua trajetória, visto que no CENAFOR poderia

estender para todo o Brasil a experiência elaborada por meio de sua ação no

GEPE. Como pedagogo do CENAFOR foi responsável pela coordenação de

projetos de formação profissional, a serem desenvolvidos pelas Secretarias

Estaduais de Educação. Sua base ficou em São Paulo, mas, por força do ofício, se

dirigia a Brasília semanalmente. Na sede do MEC, sua principal interlocutora,

durante boa parte desse período, foi a décima primeira entrevistada, que exercia a

função de coordenadora da equipe nacional de currículo de ensino de 2º grau. Pela

sua atuação no CENAFOR, foi convidado, em 1985, para responder pela

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coordenação nacional do ensino médio, no MEC.

A educação brasileira se constituiu como um dos eixos fundantes de sua

elaboração teórico-prática. Influenciado pelo pensamento gramsciano, foi um dos

responsáveis por fazer adentrar no chão das escolas brasileiras, por meio dos

projetos de formação de educadores que desenvolvia, as idéias freireanas de

educação, a linha progressista de conceber a pedagogia e a necessidade de

politizar o ato pedagógico. Como um dos sócios fundadores da ANDE, assim

como a entrevistada anterior, participou ativamente da luta a favor da

democratização da escola pública, divulgando as publicações dessa Associação

por todos os lugares do Brasil onde passava.

Encerrada sua atuação no MEC, no ano de 1987, decidiu dedicar-se, em

1988, à conclusão do mestrado em educação, iniciado na PUC-SP no ano de 1985.

Tão logo concluiu o mestrado, pleiteou, através de concurso, a vaga de professor

do departamento de metodologia do ensino e educação comparada da FEUSP,

aberta pelo oitavo entrevistado, que saía para dedicar-se exclusivamente à

UNESP-Marília. Tentou e conseguiu, fixando-se na USP, desde 1989. Em 1994

fez o doutorado em educação na própria USP, concluído em 1998.

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C-50, o décimo quarto entrevistado, é filho de imigrantes sírios, que vieram

para o Brasil no final do século XIX. Nasceu, em fins da década de 20, em

Cerqueira César, interior do estado de São Paulo, onde fez, a partir dos sete anos

de idade, o curso primário no Grupo Escolar. Aos onze anos de idade foi morar

com uma irmã em Juiz de Fora, onde fez a Academia do Comércio, pelo período

de um ano. De volta à casa, não mais em Cerqueira César, mas na cidade de Santa

Cruz do Rio Pardo, fez o exame de admissão e ingressou no curso ginasial.

Em Santa Cruz do Rio Pardo não havia oferta de curso científico ou

clássico, apenas a Escola Normal. Na impossibilidade de se transferir, nessa

época, para outra cidade, optou por cursar o Normal na mesma escola em que fez

o ginásio, definindo, desta forma, sua trajetória de professor.

Desde cedo, conciliou estudo e trabalho. A partir dos 14 anos de idade

iniciou-se como professor, dando aula de língua portuguesa em um colégio de

padres e em cursos de admissão, preparatórios para o ginásio.

Foi o primeiro colocado na Escola Normal, razão pela qual ganhou a vaga

de professor primário efetivo do estado de São Paulo. Nessa condição, decidiu se

transferir para a capital, onde ficou comissionado durante os anos de 1952 a 1955,

na FFCL da USP, para fazer o Curso de Pedagogia.

Na USP, viveu sob a influência de grandes pensadores, professores e

pesquisadores. Foi aluno de Antônio Cândido, Fernando de Azevedo, Laerte

Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros, dentre outros. Imerso nesse

contexto acadêmico, foi se identificando com a história da educação, depois de

um namoro rápido com a psicologia.

Durante o 4º ano do curso, prestou concurso para professor secundário da

Escola Normal. Esses concursos eram de longa duração, compostos de uma série

de etapas. Foi aprovado e quando veio a nomeação já havia concluído o Curso de

Pedagogia. Assim, ele se transferiu para a cidade de Paraguaçu Paulista, no

interior do estado, onde passou a atuar como professor de história da educação, na

Escola Normal ali existente.

Em Paraguaçu Paulista, ficou pouco tempo, um semestre apenas, visto que

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recebeu um convite para atuar no Centro Regional de Pesquisas Educacionais de

São Paulo (CRPE/MEC), órgão vinculado ao Ministério da Educação. Nesse

Centro de Pesquisa, adquiriu relevante formação profissional, trabalhando

diretamente com pesquisas e cursos voltados para a formação dos especialistas em

educação.

Nesse período, manteve ligação contínua com a USP, por meio do grupo de

pesquisa do professor Laerte Ramos de Carvalho, titular da cadeira de História da

Filosofia e Educação. Tratava-se de um grupo que discutia temas de educação

brasileira, a área de pesquisa do professor Laerte. Desse grupo participavam,

dentre outros, os professores Casemiro dos Reis Filho e Rivadávia Marques

Júnior. Foi nessa circunstância que acabou se ocupando com o estudo da educação

na Segunda República, recuando posteriormente para a Primeira República, e que

resultou, tempos depois, na sua tese de livre-docente, focada na educação e

sociedade na Primeira República (1889 a 1930), um trabalho considerado por

muitos paradigmático na história da educação brasileira.

No ano de 1959, quando foi criada a FFCL de Araraquara, deixou o

CRPE/MEC e seguiu para essa cidade, onde passou a trabalhar como professor do

Curso de Pedagogia. Pertenceu à primeira turma de professores contratados,

ficando em Araraquara até se aposentar. Essa transferência aconteceu por

intermédio de um convite do professor Dante Moreira Leite, seu colega de

trabalho no CRPE/MEC e um dos principais introdutores, entre nós, das obras

traduzidas da psicologia educacional.

Sua trajetória na FFCL-Araquara foi bastante expressiva. Iniciou como

professor de pedagogia geral, experiência que o ajudou a conceber um esquema

teórico de análise em três níveis articulados, que o acompanhou em boa parte das

suas produções: o nível da sociedade, o do sistema escolar e o técnico-

pedagógico. Além da docência se ocupava com seu estudo de tese, focado na

história da educação brasileira na Primeira República. A tese elaborada com vista

ao doutoramento acabou sendo de livre-docência, por sugestão de seu colega,

professor Dante Moreira Leite. Sob a orientação do professor Laerte Ramos de

Carvalho, concluiu esse trabalho, no ano de 1966, que lhe possibilitou ascender da

condição de graduado para a de livre-docente, o que era permitido na época.

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Em Araraquara, construiu sua carreira. Fez concurso para professor-adjunto

e se tornou professor titular, pela Constituição de 1988. Exerceu quase todos os

cargos: professor, chefe de departamento, diretor até chegar a reitor da

universidade. Sua atuação foi decisiva para a criação da UNESP. Essa importante

universidade estadual de São Paulo foi organizada a partir da reunião de vários

institutos isolados, distribuídos em diversos locais do interior do estado. A luta em

prol da UNESP foi travada sob a perspectiva da democratização do ensino

superior no estado, buscando favorecer outras opções além da USP.

No decorrer da sua trajetória produziu vários textos, publicou vários artigos

e escreveu bastante para jornais e revistas, em especial para o jornal da UNESP.

Foi membro do Conselho Superior da FAPESP e do CEE/SP, chegando, inclusive,

à presidência. O final de sua carreira ficou marcado de modo especial pela atuação

como reitor da universidade. No término do mandato, pediu aposentadoria, visto

registrar, só na UNESP, 37 anos de trabalho ininterrupto.

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P-60, a décima quinta entrevistada, nasceu no Rio de Janeiro/RJ, tendo

vivido boa parte da infância e adolescência no Méier, área suburbana da cidade.

Seus pais tinham pouca instrução escolar, porém muito conhecimento, educação e

cultura, decorrentes, sobretudo, do apego à leitura, que tanto cultivavam. Ela

aproveitou essa ambiência e encontrou nos processos formativos de alfabetização

e leitura o eixo deflagrador de seu trabalho.

Sua escolarização se deu no contexto de boas escolas públicas. Freqüentou

um Jardim de Infância, no bairro de Vila Isabel e o curso primário em uma escola

pública localizada em Engenho de Dentro. Foi aluna da professora Adália Lima

Torres, integrante da primeira turma formada pelo Curso Normal do Instituto de

Educação do Rio de Janeiro (ISERJ), por meio de quem vivenciou uma educação

escolar inovadora, pautada pelo ideário da escola nova.

Assim como a sétima entrevistada, fez o curso secundário no Instituto de

Educação do Rio de Janeiro (IERJ). Terminado o curso primário, fez o curso de

admissão e prestou concurso para o IERJ, alcançando aprovação. Ingressou no

IERJ no ano de 1948 para cursar o ginásio e a Escola Normal. Saiu em 1955 como

professora primária, com acesso direto ao sistema estadual de ensino. Sua fase de

aluna nessa instituição recebeu três grandes marcas: aluna de uma escola pública

de elite; aluna de uma escola pública sob a égide da tendência educacional

escolanovista; e aluna no tempo áureo dos anos dourados.

Concluído o Curso Normal, assumiu sua vaga de professora primária efetiva

do estado e iniciou sua trajetória de professora na Escola Estadual Almirante

Saldanha da Gama, localizada em Campo Grande. Posteriormente, foi remanejada

para a Escola Estadual Coronel Corsino do Amarante, em Realengo. Com o

tempo, deixou o subúrbio e passou a atuar em escolas da zona sul.

A experiência de professora propiciou a oportunidade de atuar, também,

como coordenadora pedagógica do ensino primário na Escola Estadual José

Linhares. Essa atuação lhe possibilitou o desenvolvimento de processos coletivos

de estudo entre os professores, fazendo crescer de forma autêntica o seu interesse

pela formação docente, tangenciada pelas questões referente à alfabetização e

leitura.

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Em 1956 iniciou o Curso de Pedagogia na Universidade do Estado da

Guanabara (UEG), hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Porém, optou por interromper o curso para se dedicar à chegada dos filhos. O

reencontro com o Curso de Pedagogia ocorreu quase dez anos depois. De 1965 a

1969, fez o Curso de Pedagogia, não mais na UERJ, mas na UFRj.

Concluído o curso, recebeu um convite da diretora da Faculdade de

Educação da UFRj, recém-organizada em decorrência da Reforma Universitária

de 68, para atuar como professora do Curso de Pedagogia. Os três melhores

alunos foram agraciados com essa possibilidade. Todavia, não pôde aceitar, visto

que se preparava para morar, pelo período de dois anos, nos Estados Unidos.

Durante os anos de 1970 e 1971, quando residiu nos EUA, aproveitou para fazer

um curso de especialização (Fundamentals of School Administration), na New

York University.

De volta ao Brasil, em 71, pediu exoneração do cargo de professora do

estado, após 15 anos de exercício profissional, e iniciou outra trajetória, a de

formadora de pedagogos, como professora da Faculdade de Educação da UFRj, na

condição de professora auxiliar. Em 1977, após concurso, ascendeu à condição de

professora assistente, chegando a adjunta. No decorrer de 30 anos trabalhou nessa

universidade, atuando na graduação e na pós-graduação.

Durante o seu trajeto (1972 a 2002) nessa instituição, a marca de ter passado

pelo magistério primário predeterminou seu foco investigativo, firmando a

alfabetização como um campo privilegiado de pesquisa. Nessa direção, se situa,

hoje, entre os principais pesquisadores dessa temática em nosso país, reunindo

uma gama de produções e publicações a esse respeito. No contexto da UFRj,

contribuiu para aproximar a universidade da escola básica, introduzindo na pós-

graduação uma disciplina com foco nos problemas de alfabetização e um curso de

extensão para alfabetizadores.

No período de 1975 a 1977, realizou, na UFRj, o seu mestrado em

educação. Anos depois, em 1983, seguiu para a Bélgica, para fazer o doutorado

em ciências da educação, na Universite de l’Etat a Liege, concluído em 1987.

Aposentada pela UFRj, continua atuando como formadora e pesquisadora

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na Universidade Católica de Petrópolis (UCP), onde exerce a função de

coordenadora adjunta do programa de mestrado em educação.

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A-30, a décima sexta entrevistada, nasceu no Rio de Janeiro/RJ, no início da

década de 20, mudando-se aos doze anos de idade para a cidade de São Paulo.

No Rio, fez o curso primário no Colégio Jacobina, nos anos de 1928 a 1931.

Em São Paulo, fez o curso ginasial no Instituto de Educação (IESP), no período de

1932 a 1936. Findo o curso ginasial, ingressou direto na FFCL da USP para

cursar História e Geografia, nos anos de 1937 a 1940, sendo integrante da

quarta turma dessa faculdade. Aos dezessete anos adentrou o contexto

universitário sem que houvesse feito o curso complementar ao ginasial,

preparatório para o ensino superior, conforme previsto na Reforma Francisco

Campos, de 1931.

Sua opção profissional era ser professora. Proveniente de uma família de

profissionais liberais bem-sucedidos, a trajetória possível para uma mulher, de sua

época, que desejasse ingressar no mercado de trabalho era o magistério.

Entretanto, no seu caso, mais do que o determinismo social, pesava o forte apego

pelo ofício docente. Concluído o ginásio, a opção recorrente era a Escola Normal.

Mas, por que fazê-la, se mais do que professora primária, poderia se tornar

professora secundária fazendo um curso de licenciatura na FFCL? A história e a

geografia representavam seu campo de interesse, pelas influências que recebeu de

uma de suas professoras. Nesse sentido, não teve dúvidas de que cursaria o

bacharelado e a licenciatura nessas áreas.

Fez o curso no modelo 3+1 (3 anos de bacharelado e 1 ano de didática). O

curso de didática, em 1940, lhe causou um grande encantamento, visto que nele se

identificou com todas as cadeiras pedagógicas, apropriando-se, por meio delas,

dos referenciais teórico-práticos para se construir professora. Seu

desenvolvimento no curso foi de tal modo significativo, que foi convidada para

ser a nova assistente do chefe da cátedra de didática, professor Onofre de Arruda

Penteado Júnior, uma vez que o assistente anterior havia sido convocado para a

guerra. Desta forma, em 1941, iniciou sua trajetória de formadora de professores

na FFCL da USP.

O desejo de ser professora de história e geografia nos cursos ginasiais foi

aos poucos dando lugar ao desejo de ser professora de didática nos cursos de

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licenciatura. Conciliou os dois interesses trabalhando com didática específica

desses campos disciplinares e experimentando a ação docente no curso

secundário, durante o último ano da faculdade, quando trabalhou em um ginásio

particular.

Como assistente do professor Onofre, integrou seu grupo de estudo, cujo

principal foco era a didática, tendo a oportunidade de participar ativamente da

problematização e elaboração dos eixos fundantes da cadeira de didática geral e

especial.

Por volta de 1945 resolveu fazer o Curso de Filosofia e Psicologia, na USP.

Nesse mesmo período, iniciou, na USP, doutorado em educação, concluído em

1950. Em 1963, obteve o título de livre-docente da cadeira de metodologia geral

do ensino. Em 1973, após concurso, passou a exercer a função de professora

adjunta do departamento de metodologia geral do ensino da FEUSP, onde

desempenhou a função de chefe de departamento durante algum tempo.

Foi uma das primeiras pessoas, em nosso país, a estudar a teoria

psicogenética de Jean Piaget na FFCL da USP. A partir da década de 50, seu

trabalho docente e suas pesquisas pautaram-se em pressupostos do construtivismo

piagetiano.

No meado da década de 50, participou ativamente do processo de

organização do Colégio de Aplicação da FFCL da USP, cuja instalação se

efetivou no ano de 1957.

Na USP, estudou e trabalhou, consolidando uma carreira de ensino e

pesquisa na pós-graduação. Na USP, se firmou como uma das principais

referências históricas da didática no Brasil e protagonizou as principais mudanças

no Instituto de Educação e na FFCL, que desencadearam a instalação do Curso de

Pedagogia, meu principal interesse.

Ao aposentar-se na USP, por volta de 1975, passou a trabalhar na

UNICAMP, onde encerrou sua carreira de docente e pesquisadora, embora ainda

integre a diretoria da Academia Paulista de Educação. Seu percurso, também,

inclui o CEE/SP, do qual foi membro em fins da década de 60.

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O Curso de Pedagogia, enquanto graduação, não se encontra na sua

trajetória, representando, portanto, um desvio na composição da amostra desta

pesquisa. Todavia, o seu percurso a colocou na condição de quem viveu, de fato,

os primórdios da Pedagogia no Brasil, uma vez que integrava o corpo docente da

FFCL da USP, quando o curso se colocou ali. Por esta razão, entendi que seu

depoimento não poderia deixar de compor o quadro pretendido com este estudo.

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I-60, a décima sétima e última entrevistada, é descendente de imigrantes

libaneses, tendo nascido na cidade de Marília, interior de São Paulo. Em um

colégio de freiras cursou o primário e o secundário. No primeiro ciclo do curso

secundário fez o ginasial e no segundo ciclo do curso secundário, a Escola

Normal.

Tão logo concluiu a Escola Normal, fez o Curso de Pedagogia, na FFCL de

Marília, no período de 1961 a 1964, sendo aluna da terceira turma desse curso

naquela faculdade.

Como estudante de pedagogia se envolveu avidamente com a cultura da

universidade, participando, dentre outras atividades, do diretório acadêmico

estudantil, das atividades estudantis vinculadas ao movimento de ação católica, da

monitoria da cadeira de administração escolar, de projetos de pesquisa, da

instalação da Associação Nacional de Professores Universitários de História

(ANPUH), além de participar de reuniões da recém-criada Associação Nacional

de Profissionais da Administração Escolar (ANPAE).

Antes mesmo de concluir o Curso de Pedagogia, foi convidada para ser

professora instrutora da cadeira de administração escolar, iniciando desta forma

sua trajetória de professora formadora de pedagogos.

Como aluna, destacou-se no âmbito acadêmico a ponto de ser incentivada

pelo professor José Querino Ribeiro a dar continuidade à sua formação, por meio

de um curso de pós-graduação na USP. Desta forma, tão logo concluiu o Curso de

Pedagogia (1961-1964), fez dois anos de pós-graduação (1965-1966), ainda no

regime antigo, para em seguida fazer o mestrado (1967-1968), o que lhe outorgou

a condição de segunda mestra formada pela Faculdade de Educação da USP.

Pouco tempo depois (1970), iniciou, também na USP, o doutorado, concluído na

FFCL de Marília (1973). A pesquisa sobre a história da Escola Normal tornou-se

o foco principal de suas investigações no mestrado e no doutorado, tornando-se

uma referência sobre o estudo dessa temática em nosso país. Do doutorado seguiu

para um programa de pós-doutoramento na University of Reading, na Inglaterra,

no período de 1975 a 1976. Durante o doutorado e após o pós-doutorado, fez

vários cursos e estágios de curta duração na Inglaterra, na Itália, na França, em

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Portugal e nos Estados Unidos.

Como se vê, a sua formação encadeou um curso no outro, o que se deu

concomitante à sua atuação como professora. Fez o Curso Normal, habilitando-se

como professora primária, porém não exerceu esse ofício. Sua larga trajetória de

docente iniciou como instrutora no Curso de Pedagogia e como professora de

matemática de um ginásio estadual, o que se deu durante três anos. Atuou,

também, como professora de educação comparada de dois cursos de

especialização de administradores escolares, um vinculado ao Instituto de

Educação de sua cidade e outro à FFCL da Universidade Sagrado Coração de

Jesus, em Bauru/SP.

Apesar de exercer a docência em outras instituições de formação de

professores e profissionais da educação de um modo geral, foi no âmbito da FFCL

de Marília, onde estudou e iniciou a sua carreira, que se consolidou como

professora e pesquisadora, atuando tanto na graduação como na pós-graduação.

No contexto dessa faculdade percorreu um longo caminho, testemunhando

mudanças importantes como a sua transformação em Universidade Estadual

Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP), juntamente com os demais institutos

superiores isolados do estado de São Paulo. Atualmente, exerce a importante

função de assessora acadêmica da Pró-Reitoria de Graduação dessa universidade.

Além das atividades de docente e pesquisadora da UNESP, exerceu várias

funções ligadas à gestão, tendo ocupado, dentre outras, as posições de chefe de

departamento, coordenadora do Curso de Pedagogia e vice-coordenadora de

Curso de Pós-Graduação em Educação. No âmbito da Sociedade Brasileira de

Educação Comparada (SBEC), foi eleita para alguns cargos, dentre eles o de

segunda vice-presidente geral, no período de 1987 a 1990.

Ao longo de sua trajetória tem integrado diversos comitês científicos e

publicado um conjunto significativo de trabalhos resultantes de suas pesquisas.

Trata-se de uma professora e pesquisadora muito atuante e conhecida na área,

sobretudo no tocante ao domínio da história da educação brasileira.

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9.3. Roteiro semi-estruturado da entrevista

Eixo 1 – Trajetória de formação e de atuação

1. Poderia me falar sobre suas origens, familiares e culturais?

2. Como foi o seu processo de socialização escolar: cursos que fez desde o

primário?

3. Como foi o seu processo de socialização e desenvolvimento profissional:

áreas e instituições de atuação?

Eixo 2 – Trajetória de estudante do Curso de Pedagogia

4. Em (período de acordo com o entrevistado) o(a) senhor(a) cursou

Pedagogia na (nome da instituição). Por que Pedagogia? Quando e sob que

circunstâncias decidiu ser pedagogo(a)?

5. Como foi a formação recebida nesse curso (disciplinas/valores/habitus

professorais...)?

6. O curso mudou, ampliou, aperfeiçoou sua visão sobre a vida, o

conhecimento, a educação, o mundo...?

7. Quais aspectos podem ser apontados como as principais características do

Curso de Pedagogia que fez?

Eixo 3 – Trajetória de pedagogo, de formador e de pesquisador

8. Poderia me dizer algo sobre sua trajetória de pedagogo(a)?

9. Que fatores podem ser apontados como determinantes para sua

permanência na área?

10. O(a) senhor(a) é um professor(a) / pedagogo(a) / pesquisador(a)

conhecido(a). Como se deu sua inserção no meio intelectual / acadêmico?

11. Quais foram as suas motivações para atuar como formador(a) de

pedagogos?

12. Que diferenças podem ser apontadas entre o curso que fez como

graduando e o curso que atuou e/ou atua como formador?

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Eixo 4 – Posições sobre a pedagogia e sua abrangência

13. O que entende por pedagogia? Como relaciona pedagogia e educação?

14. O que pensa sobre o domínio de conhecimento da pedagogia?

15. Considerando a velha e sempre renovada questão da relação/oposição

entre ciência e ciências da educação, em sua opinião, que tipo de

contribuição dos diferentes campos do conhecimento pode ser útil ao

ofício de pedagogo? E mais: à própria consolidação do que vem a ser

pedagogia?

16. Qual é a sua percepção da pedagogia enquanto área de conhecimento,

formação e atuação profissional?

17. A pedagogia deve formar fundamentalmente para a docência?

18. Para terminar, gostaria de ouvi-lo(a) sobre a evolução do Curso de

Pedagogia no Brasil. Estaria ocorrendo uma renovação com as diretrizes

curriculares recém-homologadas?

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9.4. Transcrição da última entrevista realizada

Entrevistada: Professora Leonor Maria Tanuri

Entrevistadora: Giseli Barreto da Cruz

Data: 5/9/2007

Horário: 10:10 – 12:20

Local: Hotel Majestic - Águas de Lindóia /SP

Duração: 2h aprox.

Total de fitas: 2

Duração da fita 1: 60’

Duração da fita 2: 50’

Transcrição: Ciléia Fiorati do Amaral

Revisão: Giseli Barreto da Cruz

Obs.: Versão revisada pela entrevistada e divulgada com a sua autorização.

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A ENTREVISTA

FITA 1: LADO A

Giseli – Estamos em Águas de Lindóia, por ocasião do Congresso Estadual

Paulista de Formação de Professores, da UNESP. Aproveito a oportunidade para

entrevistar a professora Leonor Maria Tanuri acerca da sua visão sobre o Curso

de Pedagogia no Brasil. Para começar, poderia me falar sobre suas origens,

familiares e culturais?

Leonor – Bom, Giseli, estou vendo que você está usando uma metodologia quase

que de história de vida, mas ainda assim eu vou procurar sintetizar a fala, tendo

em vista o nosso foco. Eu sou filha de uma família de libaneses, que almejava

para os seus filhos, como imigrantes, uma educação semelhante à das classes

médias brasileiras. Então, eu fui para um colégio de freiras, onde só tinha Curso

Normal. Por uma visão meio tradicionalista eu fui fazer o Curso Normal. Saindo

do Curso Normal, tinha sido criada há poucos anos uma Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras, em Marília, instituição isolada do governo do estado, onde

tinha o Curso de Pedagogia. Nessa Faculdade tinha Pedagogia, História e Letras.

Daquelas opções a que parecia continuidade do Curso Normal era a de Pedagogia

e eu fui para lá. Eu fui da terceira turma desse curso, entrei em 1961. O curso

tinha começado em 1959 e pelas vicissitudes de um curso no seu início, ele era

bem simples e com um número muito pequeno de professores. Mas, por outro

lado, tinha a vantagem de um contato muito próximo com esses professores. Essa

faculdade seguia o modelo da USP. Os institutos isolados seguiram o modelo da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, e quando

entrei o curso ainda estava estruturado pelo padrão da legislação do Estado Novo,

que era o de organizar o curso em conformidade com o modelo ditado pela

Faculdade Nacional de Filosofia. E assim era o nosso curso, com aquele modelão

de três anos de um curso de formação, centrado nas bases teóricas da educação -

que você conhece bem e por isso não vou me alongar - e o ano final, mais voltado

para a didática e prática de ensino. Quando eu saí do curso, em 64, tinham

mudado a organização para o modelo ditado pela resolução do Conselho Federal

de Educação, que tinha saído em decorrência do Parecer de 62. Então, alguma

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alteração ocorreu nesse momento, mas pouca coisa, não houve grande mudança.

Giseli – Como foi o seu processo de socialização escolar, considerando as

possibilidades de estudo existentes em sua cidade?

Leonor – A cidade até tinha oportunidade de curso clássico e científico. Mas

naquele momento, eu falo agora mais do estado de São Paulo, a grande maioria

dos alunos do segundo ciclo do então ensino médio optava pelo Curso Normal. Eu

fui para o Normal, e, como eu disse, era mais uma questão de uma opção que se

fazia por tradição. As mulheres iam para o Normal, até porque o colégio que eu

estudava só tinha a modalidade Normal, não tinha curso científico. Eu teria que

mudar para a escola pública e meu pai tinha sonhado a vida inteira que era

naquele colégio de meninas que eu ia estudar. Falo da cidade de Marília, no

interior do estado de São Paulo. Não me lembro quantos habitantes tinha a cidade

naquela época. Hoje é uma cidade de mais de 200 mil habitantes, uma cidade

universitária com muitas faculdades. O instituto isolado tinha se instalado lá em

1959, dentro daquele processo de interiorização do ensino. Não que eu quisesse

fazer o Curso Normal. Eu me lembro que eu até não queria, eu cobiçava bem a

opção científica, Faculdade de Medicina, mas não tinha chance porque naquele

momento ainda não era tão comum as mulheres saírem de casa para estudar,

embora muitas já o fizessem. Mas não para uma família de filhos de libaneses,

conservadora... Para nós não era comum, para outros já era possível.

Giseli – Então, do Curso Normal para o de Pedagogia, um caminho natural?

Leonor – Aí eu não questionei, porque as opções eram História, Letras ou

Pedagogia. Foi com essas três seções que a faculdade foi criada. Como o Curso

Normal parecia ter continuidade melhor no de Pedagogia, eu fui para o de

Pedagogia. Na faculdade as perspectivas se abriram, porque era um instituto

isolado do governo do estado, quer dizer, a própria cidade se modificou em

decorrência da chegada da faculdade lá. Os professores que lá chegaram mudaram

o ambiente da cidade. Logo depois foi criado o Curso de Ciências Sociais na

faculdade e depois o de Ciências. A faculdade foi se abrindo. Aquele era um

momento de ebulição do movimento estudantil, eu fui para a diretoria de um

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diretório acadêmico e me tornei vice-presidente do diretório. Por ocasião do

movimento de 64, eu estava no 4° ano e era vice-presidente do diretório

acadêmico. Fui do movimento de Ação Católica, a JUC, e isso me deu outras

vivências. Então, a participação em congressos estudantis, em congressos da JUC,

abriu novas perspectivas.

Eu estudei na Faculdade de Marília no momento em que ela tinha bons

professores, eram os primeiros, eram pessoas ainda jovens. A Pedagogia foi um

curso que teve professores de diversas procedências. Tínhamos um professor que

tinha vindo de Curitiba; uma professora de psicologia que tinha estudado nos

Estados Unidos; tínhamos professores da PUC e da USP. A Pedagogia era até um

pouco mais eclética do ponto de vista da origem dos professores. Mas, muito

cedo, eu convivi com nomes de pessoas muito importantes, como Nelly Novaes

Coelho (de Literatura), Décio Pignatari (de Letras), Ataliba de Castilho (Língua

Portuguesa), José Roberto do Amaral Lapa (História)... Eu participei da criação da

ANPUH. Explicando melhor, assisti, como aluna, à criação da Associação

Nacional de Professores Universitários de História... Ela foi criada num primeiro

encontro de professores universitários de História, em Marília, se não me engano

em 1961. Nós viajávamos, por exemplo, para participar das reuniões de uma

associação recém-criada: a ANPAE, Associação Nacional de Profissionais de

Administração da Educação, que surgiu inicialmente com o nome de Associação

Nacional de Professores de Administração Escolar. Eu me lembro que fui para

Porto Alegre numa reunião que aconteceu por volta de 1963... Eu só estou falando

isso para mostrar que nós tínhamos uma boa vivência universitária, apesar de a

faculdade estar nos seus primórdios. Minha turma só tinha sete alunos, porque

havia o exame de seleção e o vestibular não era classificatório, ele era seletivo

nessa época.

Tive a sorte de ter como diretor o professor José Querino Ribeiro, que em São

Paulo é uma referência. Ele foi o catedrático de administração escolar da

Universidade de São Paulo e ele, praticamente, foi um mestre para mim. Antes

mesmo de eu me formar, dois meses antes, eles decidiram que eu ia ser Instrutora,

que era uma espécie de professora auxiliar de ensino hoje. Instrutora da cadeira de

administração escolar. Eu fui para a cadeira de administração escolar como

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instrutora e o Querino logo depois falou: “Olha, você tem que fazer pós-

graduação!” e me deu um bilhetinho para os assistentes dele em São Paulo e me

mandou para a USP. Aí, lá chegando, era a pós-graduação no regime antigo, a

qual já funcionava na Faculdade de Educação. Não se chamava Faculdade de

Educação ainda, chamava-se Seção de Pedagogia. Aí eu fui para a Seção de

Pedagogia e comecei a fazer uma pós-graduação, mesmo no regime antigo.

Giseli – Concluído o Curso Normal, ingressou direto no Curso de Pedagogia da

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Marília. Antes mesmo de concluir o

Curso de Pedagogia, foi convidada para atuar como professora desse curso. Em

prosseguimento, seguiu para a USP, onde deu continuidade à sua formação.

Chegou a atuar como professora primária?

Leonor – Não, nunca. Nem tinha qualquer desejo de fazer isso.

Giseli – Alcançou a “cadeira prêmio”?

Leonor – Não, mesmo porque eu estudei numa escola particular, a “cadeira-

prêmio” era só nas escolas oficiais.

Giseli – Antes de focalizar a fase da pós-graduação, que diferenciais podem ser

apontados entre o Curso Normal e o Curso de Pedagogia cursados?

Leonor – O Curso de Pedagogia, evidentemente, era centrado em matérias muito

mais teóricas do que o Curso Normal. O Curso Normal foi muito mais de natureza

prática. Eu reputo que fiz uma boa escolarização de nível médio, seja no ginásio,

seja no Normal. Eu acho que fiz uma boa escolarização. Por exemplo, eu aprendi

razoavelmente bem o francês. Depois eu vim a entrar, posteriormente, numa

Aliança Francesa, mas já no ginásio eu consegui aprender o francês básico. Eu

lembro que sabia um pouco porque o meu professor era francês, ele entrava

falando francês e saía falando francês. O inglês não foi tão bom, era uma questão

até porque o professor não era tão bom, mas ainda assim aprendi um pouco... Eu

cheguei a ter certo domínio da língua francesa ali. E português, eu acho que

aprendi português bem. Não tão bem quanto aprendi posteriormente com os

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amigos do dia-a-dia, vamos dizer da área de Letras da UNESP, para quem eu

perguntava, pedia para fazer correção de trabalho. Aquilo foi uma escola e se eu

escrevo corretamente hoje, eu acho que aprendi ali. Hoje, a gente sabe que é muito

deficiente o ensino do português. Então, eu reputo que fiz um bom ensino médio.

O ensino Normal tinha um viés mais prático, mas assim mesmo não tinha muito

estágio. Era pouco o estágio de prática de ensino, uma ou outra aula que a gente

dava. Eu lembro que o Ensino Normal foi muito fraco na prática de ensino. Por

exemplo, prática de alfabetização eu não aprendi. Hoje eu penso isso. Mesma

coisa com o ensino da aritmética, eu não aprendi como é que se ensina aritmética

na escola primária. Era um ensino meio formalista, como é que se faz um diário

de classe, como é que se faz um plano de aula... Mas a parte metodológica... Eu

estudei história do Ensino Normal, você sabe disso. Essa parte metodológica de

que tanto se fala, da prática de ensino, eu não consigo ver nos antigos Cursos

Normais, nem naqueles que eu simplesmente tomei como objeto de estudo. É

mais assim, meio formalista, meio cartorial. Recentemente fiz parte de uma banca

que estudou os Cursos Normais lá em Ribeirão Preto. A doutoranda até

apresentou o trabalho aqui neste Congresso (IX CEPFE) e eu perguntei a ela por

que ela não foi lá nos diários de classe para ver a programação da prática de

ensino. Quer dizer, fala-se tanto desses programas e, principalmente, sobre

quando os programas deixaram de ser obrigatórios, como é que esses professores

faziam? Então deixaram de ser obrigatórios, mas realmente eles repetiam o que

viam, as orientações que viam e era muito pouco de metodologia mesmo. Então,

mesmo meu Curso Normal, embora um curso com um viés prático, não chegou a

ter, por exemplo, uma ênfase na prática de ensino. Era uma coisa mais formal,

como é que se faz uma caderneta escolar, como é que prepara uma aula, meio

formalista.

Já na faculdade, o vínculo com a escola primária desapareceu de vez. O meu

Curso de Pedagogia não teve qualquer vínculo com a escola básica, com a escola

primária, por mais que a gente fizesse algumas atividades que envolvessem as

escolas da cidade. Os professores que estavam ali desconheciam totalmente a

realidade do ensino primário. Eles não vinham da escola primária, eles não tinham

a menor idéia do que ela era... Só a professora de didática tinha, de fato, alguma

noção sobre o ensino primário, mas ela ficava mais em outros conteúdos, o que

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era a Escola Nova, o que era a Escola Tradicional. A de psicologia deu bem

psicologia do desenvolvimento, enfatizou as teorias de aprendizagem na

psicologia, obrigava a leitura de literatura em língua inglesa, na qual nós tínhamos

dificuldades, e alguma coisa em língua espanhola. Em história da educação, eu

tive que ler os clássicos, que não estavam traduzidos para o português. Tive que

ler, em francês, a Ilíada, a Odisséia, alguma coisa de Platão e Aristóteles, a

Paidéia. A filosofia só chegou até a idade moderna, não atingindo a idade

contemporânea... A parte da história da educação institucional propriamente dita,

o surgimento dos sistemas nacionais de ensino, da educação estatal, quase não foi

contemplada. Dali para cá, praticamente, foi a história dos grandes pensadores só

e com leituras em francês, alguma coisa em espanhol. Era um curso teórico

mesmo. Naquilo que se chamou tradicionalmente de Ciências da Educação.

Quanto à parte de biologia, por exemplo, nós vimos uma parte de genética, eu até

colaborei em pesquisas na área de genética, como auxiliar de pesquisas. Vimos,

em língua inglesa, alguma coisa de genética, a parte de higiene foi muito pequena.

Estudei dois anos de complemento de matemática e um de estatística, não havia

muita aplicação, era mais a ciência pura. Quanto à didática, nós estudamos um

livro, digamos, o livro básico era Uma didática fundada na Psicologia de Jean

Piaget. A administração escolar foi dada de um ponto de vista histórico, a

professora tinha esse viés histórico, não da administração, ela estudava educação

brasileira, talvez isso explique a minha trajetória posterior, pois acabei me

dirigindo para a área de história da educação. O Curso de Pedagogia desvinculou-

se do ensino básico e o que era a educação propriamente dita ficou meio obscura

porque não tinha Pedagogia.

Giseli – Então, a Pedagogia não era estudada no Curso de Pedagogia?

Leonor – Não era estudada na Pedagogia...

Giseli – De acordo com a sua fala, o Curso de Pedagogia que fez foi um curso

“pesado”, não foi um curso simples, no sentido de exigir pouco dos alunos. Havia

uma demanda razoavelmente grande de leituras, baseadas em bibliografia

importada, exigindo dedicação aos estudos...

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Leonor – Estudava e ficava o dia inteiro na faculdade.

Giseli – Pois é, mas, ainda assim, parece que o foco não estava ajustado para

aquilo que diz respeito à Pedagogia...

Leonor – Era fundado naquilo que tradicionalmente se chamou de Ciências e

Fundamentos da Educação. Era a biologia educacional, a psicologia educacional,

a sociologia geral e pouca coisa da educação, a história da filosofia, a didática.

Giseli – O Curso de Pedagogia que fez, de 61 a 64, na Faculdade de Filosofia

Ciências e Letras, de Marília, se deu em um período de reformulações

curriculares (Parecer CNE 292/62). Quer dizer, no final de 62, saiu um Parecer

que tentou dar uma mexida no currículo e só em 69 é que as habilitações foram

introduzidas. Então, ainda permaneceu, nesse período, a tendência de formar o

professor para o ensino secundário, para atuar, sobretudo, na Escola Normal e o

possível técnico de educação. Como foi a formação recebida para o exercício

dessas funções?

Leonor – Só que, veja bem, do ponto de vista da formação do professor para o

Ensino Normal, nós saíamos muito mal preparadas, porque a gente não tinha

preparo para dar aula de prática de ensino. Por quê? Porque os nossos professores

não davam prática de ensino da alfabetização, das matérias objeto de ensino no

curso primário. Nós fomos muito mal preparadas nesse aspecto. Então sobravam

psicologia e história da educação. Eu me lembro que dei aula num cursinho,

enquanto estudante, de lógica, porque eu fiz exame de lógica para entrar, depois

eu gostei e dava aula de lógica, mas nós não éramos preparados para dar aula no

Ensino Normal, mas éramos habilitados legalmente para isso.

Giseli – Então, se a prática não tinha muito lugar no Curso Normal, no Curso de

Pedagogia nem se fala...

Leonor – De fato, aí não havia nenhuma prática. Eu me lembro de ter feito

estágio de prática de ensino, dessas matérias (sociologia, psicologia, história da

educação) num Curso Normal da cidade. Mas era mais estágio de observação e

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alguma participação, estágio de regência de classe não havia.

Giseli – E saiu também com a possibilidade de ser professora de matemática,

história e filosofia?

Leonor – Saí e foi isso que eu fui fazer. Então, como a Portaria 399 do MEC dava

direito de você dar aula ou de história, ou de filosofia ou de matemática, eu fui

logo para a matemática porque eu tinha estudado dois anos de complementos de

matemática e essa era uma matéria que eu sabia. Eu sabia matemática, talvez mais

do que as disciplinas que eu tinha aprendido. Dei aula de matemática durante três

anos no ginásio.

Giseli – Nesta linha de pensamento, pode-se afirmar que a Pedagogia de alguma

forma mudou, ampliou, aperfeiçoou sua visão sobre a vida, o conhecimento, a

educação, o mundo...?

Leonor – Na verdade, um depoimento é o olhar de hoje sobre um tempo passado.

Com o meu olhar de hoje sobre esse tempo, eu posso afirmar, vamos dizer assim,

que mudou muito o meu modo de pensar, minha visão de mundo, por ter feito

uma faculdade, eu não sei se por ter feito exatamente a Pedagogia. Não que eu não

tivesse entendido, durante aqueles quatro anos, quais as reais contribuições

daqueles conteúdos para uma Pedagogia, para o meu caminhar nessa área de

ciências da educação... O que eu adquiri ali foi pouco. Até porque os professores

também eram iniciantes. Eles próprios não tinham o doutoramento, eles fizeram

ali, naquela faculdade, o seu doutorado. Alguns, muito próximos de nós, como a

minha própria chefe (professora titular), que depois eu ajudei como auxiliar na

elaboração do trabalho dela. Mas eu acho assim, que aquele caminhar, o convívio

com os professores universitários que viajavam bastante, que traziam uma outra

visão de mundo, com pessoas preocupadas com toda uma ambiência cultural, já

em outro nível, abre para a gente, descortina uma série de coisas. Você começa a

verificar que a vida não era em Marília só, o mundo tinha fronteiras muito amplas.

Mas eu diria que, ainda assim, eu saí imatura da faculdade. Embora eu tivesse

saído já professora da universidade.

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Giseli – Como foi o processo de sair da condição de estudante para a de

professora do curso?

Leonor – Foi assim, eles abriram inscrição para monitor e eu fui convidada para

ser monitora do que se chamava cadeira de administração escolar... (Eu estou

usando a terminologia da época). E aí, como monitora da cadeira, eu colaborei

com a titular... Ela era titular não por tese ou título, pois ela não tinha nem o

doutorado. Os primeiros professores dos Institutos Superiores Isolados foram

contratados como titular e logo passaram a ganhar como os professores da USP,

pois fizeram um movimento reivindicatório nesse sentido. Então eu fui monitora

dela durante um ano e fui auxiliar de pesquisa. Ela trabalhava com pesquisa

histórica em legislação da educação brasileira. Chamava-se Josephina Chaia.

Publicou livros sobre legislação do ensino e ganhou um prêmio da ANPAE com

um trabalho sobre financiamento escolar no Segundo Império. Na época, eu

colaborei com tudo isso. Então, no final, ela me convidou para ser instrutora da

cadeira dela, o que significava que eu ia passar para o status de professora. Como

ela queria encaminhar os papéis para contratação, anteciparam minha colação de

grau. O curso não era definido por carga horária naquele tempo, era por número

de anos. Era um Curso de Pedagogia de quatro anos e a sua duração não era fixada

em carga horária, então, antes de acabar o curso, ela já me considerou aprovada.

Minha colação de grau foi antecipada, colei grau na secretaria da escola, e minha

proposta de contratação foi encaminhada para a aprovação da Congregação da

Faculdade. A nomeação saiu, se não me engano, em maio de 65, com exame

médico e tudo. A faculdade, naquele tempo, era um instituto isolado e ela era

vinculada à Secretaria de Educação do estado. Então havia, vamos dizer assim,

muita burocracia para a nomeação. Quando saiu a nomeação já era maio, aí eu

comecei a dar aula. Eu não tinha experiência nenhuma em dar aula. Nenhuma!

Não tinha a menor condição de dar aula e mais, a titular me pôs logo para dar aula

de educação comparada, que era uma disciplina que eu nem tinha feito no curso.

Por que eu não tinha feito? Porque eles tinham mudado o currículo justo naquele

final de curso no qual eu devia ter educação comparada. Eu não fiz porque havia

mudado o currículo. Ela se tornou uma disciplina optativa e, nessa condição, não

foi oferecida. Então eu comecei a dar aula assim. Ministrava aulas na faculdade

em tempo parcial, contratada só por dezoito horas, e dava aulas de matemática no

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ginásio de uma cidadezinha próxima. Era num ginásio do estado, como eles

chamavam na época. Então, durante três anos eu trabalhei como instrutora em

regime de tempo parcial na faculdade e como professora de matemática em um

ginásio público da cidade.

Giseli – Enquanto fez o Curso de Pedagogia, dedicou-se exclusivamente a ele?

Leonor – Isso e fui monitora.

Em 66 ou 67, eu fui fazer pós-graduação na USP. Foi aí que o professor Querino

me encaminhou. Era uma pós-graduação na qual eu só permanecia um dia. E aí,

eles me indicaram algumas matérias complementares dentro da pós-graduação,

tipo fazer história, uma disciplina auxiliar, que eu até fiz. Eu escolhi uma

disciplina lá em Marília, do Curso de História. Agora, a disciplina mais

importante do curso foi a de educação comparada, dada pelo professor Querino, lá

em São Paulo, durante dois anos. Então, durante dois anos eu fiz, com o professor

Querino, educação comparada. Em um dos anos não eram aulas teóricas, ele

praticamente pediu que eu fichasse tudo o que existia de escrito sobre educação

comparada acessível ali em São Paulo e no Brasil e discutisse com ele, e assim

foi. Ele deu um curso, que eu me lembro, cujos temas versavam sobre salário dos

professores, todos baseados num dicionário de economia, de autoria do Cláudio

Napoleoni, com vários verbetes sobre valor, salário e o que interessava à temática

salário dos professores. Essa era uma temática dentro da disciplina de educação

comparada. Foi um bom curso, aprendi bastante. Também fiz administração

escolar com o Moisés Brejón nesse curso de pós-graduação do regime antigo.

Cumpridos esses dois anos de pós-graduação eu segui para o mestrado. Porque

antes era assim, era o regime antigo, você tinha a pós-graduação e o mestrado era

um plus. Então, fiz os dois anos e o Moisés Brejón logo falou para mim “Por que

a senhora não faz mestrado?”. Eu tinha vinte e poucos anos só, 24, 25, mas eles

me chamavam de senhora: “Por que a senhora não faz mestrado?” “Ah, eu

gostaria professor!” Aí, ele se dispôs a me orientar e eu fui a segunda mestra pela

Faculdade de Educação da USP. Já se chamava então Faculdade de Educação,

porque eu fiz o meu mestrado em dezembro de 69. A primeira mestra pela

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Faculdade de Educação da USP foi a professora Maria de Lourdes Mariotto

Haidar e eu fui a segunda. Só houve três mestres no regime antigo, a terceira foi a

professora Maria Carrilho Andreatta, esta em didática. Então eu fiz um mestrado

em que foram da banca a professora Amélia Americano, o professor Villa-Lobos e

o professor Moisés Brejón.

FITA 1: LADO B

Giseli – A sua formação foi encadeando um curso no outro: Normal, Pedagogia,

Especialização, Mestrado...

Leonor – E doutorado! Em dezembro de 1969 eu já era mestra e no mesmo mês

eu me inscrevi no doutorado. E aí o doutorado - como eu já tinha o mestrado -

exigia apenas a tese, ou seja, eu não tinha que fazer aquelas três teses subsidiárias.

Então, comecei a preparar uma tese. Foi muito difícil porque a orientação naquele

tempo era muito precária. O professor Moisés Brejón, meu orientador, assim

opinava: “A senhora já tem autonomia, pode fazer como julgar conveniente”. Era

assim... Só que eu desenvolvi o trabalho em 70, 71, 72. Eu tinha que defendê-lo

no fim de 72 e o tempo não foi suficiente, eu me perdi um pouco. Eu ia fazer uma

tese imensa, cobrindo um período muito grande, tive que ir restringindo,

restringindo... Ele era um excelente professor, mas não havia uma orientação

diretiva naquele tempo, pelo menos no meu caso não houve. A gente tinha mais

uma orientação entre pares, entre os meus pares que estavam na mesma situação.

Quando chegou em dezembro de 1972, antes de dezembro, eu percebi que não ia

conseguir, eram só três anos. Então falei para ele, “Professor, o senhor aceitaria

que eu fizesse a transferência da minha inscrição para os institutos isolados, para o

de Marília?”. Porque lá tinha seis meses a mais de prazo. O regime antigo ia

terminar em junho de 73. Aí ele falou: “A senhora pode transferir que eu vou

como orientador”. Então eu transferi para ganhar seis meses de prazo e no dia 30

de junho, último dia do prazo, eu consegui defender, em Marília, a tese. E ele

tinha se disposto a ir. Ele participou da banca como orientador. O professor João

Eduardo Rodrigues Villa-Lobos foi também. O Querino, que já não estava mais

em Marília, também participou. Além deles, participaram ainda: a professora com

quem eu trabalhava em Marília, que nessa época já tinha se tornado doutora - a

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professora Josephina Chaia - e uma professora da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras de Presidente Prudente, outro instituto isolado do governo do

Estado, a professora Mirtes da Fonseca Pinto. Eu defendi minha tese e foi

considerada muito boa. O professor Villa-Lobos gostou tanto que se dispôs a

encaminhá-la para publicação na FEUSP. E ela foi, depois de alguns anos,

publicada pela FEUSP. Estava falando dessa orientação entre pares, na verdade a

pessoa que mais me ajudou no percurso se chama Tirsa Regazzine Péres, que era

também professora do instituto isolado Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras

de Araraquara. Lembro-me que tomei conhecimento dela, por uma referência

bibliográfica num livro da Eleiete Saffioti, sobre a Escola Normal livre. Telefonei

para ela. Ela falou “Venha aqui”. Eu peguei o carro e fui. Era uma professora

dotada de grande espírito de colaboração. Era não, é, porque ela está viva. É uma

professora das mais disponíveis que eu encontrei na minha vida acadêmica até

hoje. De uma abertura total para o outro e continua assim até hoje. Ela ajudou e

ainda ajuda muita gente na vida acadêmica.

Giseli – Durante o percurso da pós-graduação, conciliou os estudos com a

docência no Curso de Pedagogia?

Leonor – Eu fiquei em tempo parcial na faculdade, esse era o diferencial. Eu

fiquei em tempo parcial até 1970. Só durante os três primeiros anos dei aulas de

matemática, no ginasial. Depois eu fui dar aula, para complementar meu salário

que era pequeno, e até para financiar as viagens já que eu não tinha qualquer

auxílio - porque eu fiz toda a pós-graduação e o mestrado, desse jeito, viajando

para São Paulo, sem qualquer auxílio financeiro - e o salário de instrutor não era

suficiente. Eu em lembro que viajava numa noite para São Paulo, chegava lá

ficava o dia inteiro, sem pegar um hotel, e voltava na outra noite. Então eu ficava

numa situação de fragilidade na Faculdade de Educação. Tinha que carregar tudo

que eu tinha nas mãos. Mas felizmente o ambiente foi acolhedor porque havia

pessoas que trabalhavam no antigo Centro Regional de Pesquisa, que eu conhecia,

como a professora Maria da Penha Villa-Lobos, que era docente em Marília.

Então ela falava: “Use a minha sala, deixe suas coisas lá”. Se eu levasse um

casaco, podia deixar lá se esquentasse... Mas eu precisava de dinheiro para pagar

essas viagens. A gente viajava de trem leito, levava 11 horas a viagem, quando

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levava o tempo correto, porque vira e mexe ocorriam acidentes, era o fio elétrico

que caía ou o barranco que desbarrancava e a gente tinha que levar um prazo

muito maior, as vezes, tinha que andar até a próxima cidade para pegar ônibus.

Então, eu dava algumas aulas para complementar o meu salário da faculdade.

Depois dos três anos como professora de matemática do ginasial, eu passei a

trabalhar com um número de aulas menor, só para complementar meu salário,

acho que eram oito aulas semanais apenas, no Instituto de Educação, num curso

complementar ao Normal, que preparava diretores de escola, os administradores

escolares. Então, durante dois anos eu dei aulas de educação comparada num

curso de administradores escolares. Na faculdade, eu trabalhava na Cadeira que se

chamava Administração Escolar e Educação Comparada, a gente estudava as duas

coisas. A Administração Escolar que eu estudava era muito mais uma Educação

Brasileira. Fiquei dois anos no mencionado curso de administradores,

paralelamente ao cargo de instrutor na faculdade. Em 70 fui promovida a tempo

integral na faculdade. Consegui fazer um projeto de pesquisa que foi aprovado e

que versava sobre o tema da minha tese de doutorado. Eu apresentei em 70 o

projeto, foi aprovado, e era o projeto que eu ia desenvolver como doutorado. O

projeto era muito pretensioso. Depois se transformou num projeto que

contemplava só a formação de professores na Primeira República. Na verdade não

era para ser uma abordagem histórica, mas para contemplar a última Reforma do

Ensino Normal Paulista (de 1969), que era uma reforma muito importante. Mas

como não havia quase nada na historiografia, e eu fui para história, para ver como

era antes, acabei ficando lá.

Giseli – Sua trajetória de atuação se deu e ainda se dá, praticamente, em

Marília...

Leonor – Existiram algumas detalhes que eu pulei porque não os achei

importantes. Por exemplo, nesse tempo que estive em tempo parcial na faculdade,

principalmente 69, 70, logo antes de eu entrar em tempo integral, eu dei um curso

de especialização na Faculdade Sagrado Coração de Jesus, em Bauru, em um

momento que não tinha praticamente nada em matéria de pós-graduação, nem a

USP tinha iniciado a pós-graduação no regime novo ainda. As irmãs que

administravam essa faculdade me convidaram para dar uma disciplina só, a

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Educação Comparada. Era um curso de especialização que elas tinham montado,

mas acho que elas pretendiam que fosse um curso de mestrado, que não foi

reconhecido, porque logo entrou o regime novo e o curso não conseguiu o

reconhecimento. Mas muitas pessoas fizeram esse curso. O Celestino Alves da

Silva Júnior foi um deles. A Raquel Volpato Serbino foi outra pessoa. Eu conheci

muita gente ali. Acho que o curso era bem montadinho, os alunos eram bons, a

Raquel e o Celestino já eram professores universitários, os alunos, de um modo

geral, eram bons. Então, é o que eu falo, era quase uma educação entre pares,

caminhávamos juntos, íamos fazendo nosso caminho ao caminhar.

Na USP eu não cheguei a dar aulas, mas fui convidada várias vezes. Por exemplo,

o Brejón me convidou para ser assistente, mas seria em tempo parcial e haveria

uma longa fila para entrar em tempo integral. Quando ele me convidou eu já

estava em tempo integral em Marília. Eu disse: “Professor, para eu vir para cá em

tempo parcial, eu vou ganhar tão pouco... vou precisar complementar meu salário

em escolas da rede pública e eu não tenho mais vontade de voltar para isso.” Aí o

Querino também me convidou. O Querino e o Brejón, que eram da mesma

cadeira. Acho que fui convidada três vezes, mas não deu para ir. Aí ele chegou a

falar: “Já que a senhora não quer vir como professora remunerada, a senhora não

aceitaria como voluntária?” Eu disse: “Ah professor é mais difícil ainda porque eu

terei que custear meu trabalho na USP”. Eles tinham muitos professores

voluntários que pagavam para serem professores da USP, mas eu já não queria

aquilo para mim. Então, por exemplo, nesse momento em que entrei em tempo

integral em Marília, minha vida melhorou muito, porque eu não precisei mais dar

aula na rede, fiquei só na UNESP em Marília. Fui logo com uma bolsa de três

meses para Portugal para estudar essa questão da formação de professores

enquanto eu preparava minha tese. Fiz muitas leituras, foram só três meses, mas

acho que aquilo foi ajudando a complementar a formação. Tinha tempo para

estudar, para fazer a tese, o tempo era para isso.

Giseli – Focalizando um pouco mais o Curso de Pedagogia, que diferenças

podem ser apontadas entre o curso que fez como graduanda e o curso em que

atuou como formadora?

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Leonor – Eu diria o seguinte: no início da minha atuação o curso era muito

parecido com aquele que eu tinha feito. Era muito parecido, porque na verdade

permaneceu aquele mesmo currículo e mesmo como professora eu procurei imitar

meus mestres, em buscar literatura, não só a literatura produzida aqui, que

praticamente inexistia. O que nós tínhamos de educação comparada aqui naquele

momento? Algumas traduções e o livro do Lourenço Filho. Mas além desses, eu

procurei buscar literatura em língua estrangeira, principalmente americana. Eu me

filiei a uma sociedade americana, não me lembro agora como ela se chamava, e

passei a receber uma revista. Além dessa, eu pedi pela biblioteca da faculdade as

revistas de alguns outros países. Por exemplo, uma revista inglesa, e uma revista

espanhola que a gente recebia por intercâmbio com a Revista Didática. Então, eu

procurei montar a biblioteca na faculdade e fazer as leituras para me atualizar com

aquilo que se produzia. Como eu tinha um razoável desempenho em inglês e

francês para leitura, eu dei conta de me atualizar. Essa sociedade era bastante

interessante porque eles publicavam os boletins e você ficava mais ou menos

atualizada. Tanto que quando conheci a professora de Educação Comparada da

UFRJ, da UERJ e também da PUC-Rio, eu não senti desnível entre os

conhecimentos que eu tinha e os dela e nós nos tornamos amigas. Conhecemos-

nos num seminário lá no Rio que se chamava Seminário de Pedagogia Francesa.

Posteriormente eu vim integrar os quadros da SBEC, Sociedade Brasileira de

Educação Comparada, onde eu fui a segunda vice-presidente e ela, a Mabel Tarré

Carvalho de Oliveira, foi a primeira. Lembro-me que, do ponto de vista do

conteúdo da época, eu não me senti desprovida. No início sim, foi uma coisa

assustadora dar aula. Lembro-me que tinha taquicardias, as quais continuaram por

muito tempo, para dar aulas. As leituras que fiz com o professor Querino (quando

ele falou: “Ficha tudo o que tem por aí e venha discutir comigo.”) colocaram-me a

par de toda a literatura e eu fui fazendo contatos com organismos internacionais

que produziam coisas de educação, fui vendo as grandes tendências na área,

embora ainda não produzisse conhecimento sobre ela. Posteriormente eu fui

estudar na Inglaterra, em 75/76, eu passei um ano na Inglaterra e aí sim eu já tinha

um conhecimento maior e consegui produzir um trabalho sobre a Reforma

Educacional na Inglaterra. Eu já estava em condições melhores, já tinha feito meu

doutorado. Foi até um doutorado muito precoce, eu me tornei doutora aos 30 anos,

e com isso barrei possibilidades que eu poderia ter tido, porque eu queria fazer um

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doutorado em educação comparada e no Brasil eu fiz o mestrado em educação

comparada, mas essa área ainda era pouco desenvolvida entre nós. Eu só estudei

educação comparada com o professor Querino, e ele não ministrou aulas de

educação comparada propriamente dita, apenas os fichamentos e as discussões

versaram sobre essa área. Ele discutiu comigo muita coisa, porque ele era um

autor que achava que educação comparada não era campo de estudo, era apenas

um método de abordagem. Era o método comparado aplicado à educação. Mas de

qualquer forma eu queria fazer um doutorado em educação comparada. Fiz o

pedido a uma agência internacional, passei no exame de inglês, no projeto e tudo.

Mas quando o meu pedido foi para o Ministério da Educação, no Brasil, porque a

seleção final era feita no âmbito do MEC, decidiram que a prioridade era

desenvolver docentes para os cursos de pós-graduação que iam começar e que eu

já tinha um doutorado. Então, minha bolsa não foi autorizada. Foi a maior

decepção da minha vida e quando eu fui reclamar porque eu tinha sido cortada, o

pessoal da agência internacional falou: “Mas a decisão de cortar a senhora não foi

nossa, foi do seu país, é a política do seu país, que prioriza as pós-graduações nas

capitais. A senhora está no interior, onde não tem pós-graduação.”

Giseli – Em sua fala inicial, a senhora enfatizou que não havia o desejo manifesto

de ser professora. Tornar-se professora foi uma tendência naturalizada na época,

sobretudo pelas expectativas familiares. Que fatores determinaram, então, sua

permanência nesse campo, ou a sua trajetória de professora e de pesquisadora,

exercendo o importante papel de produtora de conhecimento sobre a área? Em

nenhum momento a senhora pensou em mudar o rumo dessa caminhada?

Leonor – Acho que tive algum momento de crise lá pelos anos 70, não sei se a

crise na profissão foi provocada pela própria situação, não somente do ensino

superior naquele momento, mas também no interior da própria UNESP, pois todos

os institutos isolados do interior foram integrados numa nova universidade

estadual, passando a constituir a UNESP. Nessa integração, as antigas Faculdades

de Filosofia, Ciências e Letras, que eram em número de sete: Marília, Presidente

Prudente, Rio Preto, Araraquara, Assis, Rio Claro e Franca, sofreram cortes,

principalmente na área de humanas. O motivo alegado na época era que de que era

preciso fazer áreas de excelência e que deviam concentrar massa crítica. Acontece

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que as pessoas tinham suas vidas nas cidades onde trabalhavam e não queriam ser

concentradas, mas foram obrigadas a se deslocar. Então foi um momento de crise

e a Faculdade de Marília perdeu muito. Ela perdeu o Curso de História, que

possuía historiadores que tinham uma excelente produção. E o Curso de Letras,

que também tinha excelentes professores e uma boa produção. E, além disso, o

Curso de Ciências. Ficou muito empobrecida. Nesse momento me senti muito

desalentada, eu realmente não estava preparada para isso tudo. Havia, nesse

momento, década de 70, um desalento mais localizado lá. Além do desalento

advindo da situação política brasileira, os reflexos para os institutos isolados

foram mais graves. Muitas pessoas tiveram desejos de sair, de buscar até outros

países para viver, mas não por causa desse motivo que hoje leva as pessoas para

fora, de ganhar dinheiro. Era diferente. Era mais um sonho de você viver fora,

viver outras culturas e rejeitar aquele ambiente político extremamente autoritário

que o Brasil vivia. Tive colegas que desistiram da profissão docente em Marília

para exercer profissão desqualificada na Europa. Mas eu não, eu não gostava de

exercer qualquer profissão que não exigisse qualificação. Então fui para a Europa,

para a Inglaterra, passei lá o ano escolar de 75/76 com uma bolsa que consegui

pelo Conselho Britânico, fazendo um pós-doutorado. Mas eu nunca desejei fazer

outro trabalho... Eu gostava do trabalho intelectual, eu podia ter vontade de sair do

magistério superior mas eu queria fazer outro trabalho intelectual. Mas, na

verdade, as crises foram em curtos espaços de tempo. Logo eu me recoloquei e

permaneci na profissão. Com o tempo, Marília foi ganhando novo alento,

principalmente com as habilitações na área de educação especial. Mas foi muito

dura a criação da UNESP para a unidade Marília. A unidade ficou muito tempo

esvaziada, sem alento para a pesquisa. Esvaziada mesmo! A criação da UNESP

para os institutos isolados como um todo foi algo positivo. Para alguns,

principalmente para as Faculdades de Filosofia e, dentro delas, as áreas de

humanas, foi um corte, foi uma ruptura, foi prejudicial porque eles simplesmente

suprimiram cursos. Na verdade houve o intento de economizar dinheiro nessas

áreas. O argumento da área de excelência, da concentração de massa crítica foi

apenas uma alegação porque não concentraram massa crítica nas odontologias,

que continuaram três, por exemplo, nem nas engenharias. Foi só nas humanas.

Então, ficamos durante muito tempo desalentados e muito prejudicados. Para não

falar daquele aspecto de revolta, de movimentos contestatórios que dificultaram a

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integração da faculdade no âmbito universitário. Mas a criação da UNESP em si

foi uma coisa boa.

Giseli – Partindo para a última etapa desta entrevista, gostaria de abordar as

suas posições sobre a Pedagogia e sua abrangência. Como percebe a Pedagogia?

Podemos considerá-la um campo de conhecimento, de formação e de atuação?

Leonor – Então, essa é a questão mais complexa, Giseli. Porque realmente,

vamos dizer assim, na minha trajetória eu vivenciei a pedagogia, primeiro

enquanto ciências da educação. Foi assim que eu a vivenciei. Então, estudei a

sociologia da educação, posteriormente eu li sobre a nova sociologia da educação,

as teorias de currículo etc. Eu acho que existe uma sociologia aplicada à educação,

aplicada ao estudo do currículo, da escola e tal. A mesma coisa, uma filosofia que

pensa a educação... Eu acho que existe dentro dessas grandes ciências, sociologia,

psicologia, filosofia, história, uma possibilidade de você ver a educação do olhar

de cada uma delas. Mesmo, por exemplo, a história da educação, com a qual os

historiadores nunca se preocuparam, já que foram os pedagogos que começaram a

construir a história da educação. Hoje também os historiadores se preocupam com

a construção da história da educação, mas foram os pedagogos que a iniciaram...

Então, começaram a olhar a educação da perspectiva histórica, da perspectiva

filosófica, da perspectiva sociológica. O Luiz Pereira, por exemplo, olhou a

educação na perspectiva sociológica. Acho que o Fernando de Azevedo, antes

dele, fez isso, até o Florestan fez também. Dentro da história da educação, um

Fernando de Azevedo, um Villa-Lobos fizeram isso. Eu prezo todas essas pessoas.

Houve uma vez que eu fiquei muito decepcionada por ouvir muita gente falar que

a produção historiográfica da educação começa com os cursos de pós-graduação,

todo mundo repete isso. Um dia aproveitei a oportunidade de um convite para

fazer parte de uma mesa-redonda e falei sobre a produção historiográfica antes da

implantação dos cursos de pós-graduação e publicaram esse trabalho num livro

sobre a história da educação e a constituição de seu campo, sobre a produção

historiográfica antes da instalação dos cursos de pós-graduação. Realmente foram

educadores, não necessariamente pedagogos, que começaram a olhar a educação,

fazer a educação através de uma perspectiva histórica. O professor Laerte Ramos

de Carvalho é outro que eu respeito muito nessa área. Bom, mas de qualquer

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forma eu acho que existem essas ciências da educação, isso é uma coisa. Agora e

a pedagogia enquanto ciência, o que ela é? Ela seria a soma disso? Acho que não.

Ela teria, como ciência, que buscar a construção de uma teoria geral da educação.

Só que isso é uma pretensão ainda, é uma meta, um sonho. Agora, o fato de não

termos uma pedagogia, uma teoria geral da educação, com estatuto científico

definido, ou teorias - não devo falar apenas de uma teoria, como existe em

algumas áreas - mas de teorias que realmente tenham estatuto científico definido,

confiável, que possam seguramente orientar as pesquisas, o fato de não termos

isso, acho que não implica que não tenhamos um campo da pedagogia. Acho que

temos. Temos um campo, que é o campo, vamos dizer assim, onde você tem todas

as ações e definições relativas à educação. A questão conceitual, epistemológica

está definida? Acho que não, está em constituição. Mas penso que no momento

em que você olha o grande corpo de conhecimento publicado, o número de

periódicos, as pesquisas desenvolvidas, eu diria, numa forma muito pragmática,

esse é o campo da educação onde a pedagogia deve imperar. Tanto no nível mais

macroscópico, do ponto de vista da sociedade e do sistema educacional, quanto no

nível micro, no que diz respeito à aprendizagem e às relações professor/aluno,

passando ainda por um nível intermediário do sistema de ensino etc. Acho que é

possível pensar num campo da pedagogia, tanto numa perspectiva macro como

numa perspectiva micro.

Giseli – Nessa perspectiva, pedagogia e educação não se confundiriam? Porque,

em termos bem gerais, a educação é compreendida como um processo, como um

fenômeno, como algo que acompanha a vida da gente em todas as suas etapas e

que pode acontecer de modo sistemático ou não. O trabalho pedagógico que se

processa no contexto escolar materializa a educação mais intencional, mas que

acontece, também, em vários outros contextos. À pedagogia caberia, “entre

aspas”, buscar pensar sobre, teorizar sobre, propor sobre esse fenômeno, esse

processo de educação, que se dá na escola e fora dela. A pedagogia, então, tem

um papel bastante expressivo no tocante à elaboração de um conhecimento

teórico-prático. Todavia, se olhamos para a posição da pedagogia no âmbito da

formação, ela não alcançou o estatuto de faculdade, de pós-graduação, ficando

restrita a um curso.

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Leonor – Eu penso assim como você está colocando. Eu não tive grandes

preocupações de definição e de conceituação aí. Mas eu penso exatamente nessa

perspectiva que você mencionou, que a educação é um processo que se dá na

sociedade. E a pedagogia é o campo do conhecimento, a área que vai buscar

teorizar, estudar essa prática, refletir criticamente sobre ela, sistematizar sobre os

conhecimentos...

FITA 2: LADO A

Eu acho que você tem razão, quer dizer, há um crescimento da pós-graduação que

passa a se encarregar da pesquisa em várias direções ligadas à educação, que

parece que não contribui para o crescimento do Curso de Pedagogia. Acho que o

curso foi se ampliando tanto em termos de funções que ele foi açambarcando,

arrebatando para si, que ele foi se pulverizando em inúmeras habilitações e com

isso foi perdendo sua identidade. Na verdade se você olhar o percurso que o curso

faz, você vê claramente que ele passa de um curso calcado nas ciências da

educação, sem vinculações com uma prática, sem vinculações com a escola

básica, para a qual em princípio ele estaria preparando professores ou preparando

formadores para essa escola, que eram os professores do antigo Curso Normal.

Mas ele passa então de um curso calcado nessas ciências da educação e

desvinculado da escola básica para um curso que começa a olhar para a escola

básica e preparar os professores para ela, já que ele estava habilitando para ela.

Então essa questão de você fazer um bacharelado em educação e fazer realmente

aquele que vai dar conta das questões de fundo da área, as questões de teoria e de

pesquisa, constitui objetivos dignos, mas o profissional não tem como se engajar

para sobreviver no mercado de trabalho. Na prática, o curso passou de fato a não

caminhar. É como a antiga Faculdade de Filosofia quando foi criada. Ela era para

formar pesquisadores, mas de fato ela passou a habilitar professores. E o Curso de

Pedagogia passou a habilitar professores mesmo sem ter condições de qualificá-

los para isso, de início. Então ela foi se aparelhando para qualificar esse professor

que ela já estava habilitando. Houve pareceres, inclusive aqui em São Paulo, do

professor Roberto Moreira, que dizia assim: quem estudou estrutura do

funcionamento do ensino do primeiro grau e prática de ensino do primeiro grau

está habilitado para dar aula nas séries iniciais. E isso era preciso, porque o aluno

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não tinha como começar profissionalmente. Inclusive aquelas exigências de que

para você ser especialista em administração precisava ter experiência, o aluno não

tinha. Ele tinha que começar para poder ter experiência. Então o curso foi de fato

se preparando para qualificar o aluno, já que ele o habilitava legalmente. Então

essas foram as primeiras habilitações que enriqueceram o panorama inicial

daquelas habilitações definidas em 69. E as de educação especial, que, no fundo

também preparam professores para as séries iniciais. Então eu vivi muito isso,

porque a Faculdade de Marília foi a primeira instituição que iniciou o preparo de

professores para a educação especial no Curso de Pedagogia. E ontem, quando

alguém na mesa sobre educação especial, que eu coordenei, falava que a educação

especial só serviu para criar mais preconceito e estigmatizar os alunos, eu não

pude contestar porque eu estava coordenando, mas eu discordo profundamente,

porque ela serviu para conduzir a essa visão de inclusão que nós temos hoje.

Porque desde o início os professores de educação especial da Faculdade

trabalharam nesse sentido. Então o curso foi se enriquecendo. Só que, a partir de

um certo momento, começa a discussão que foi conduzida durante longos anos

pela ANFOPE, e que não se resolveu logo, mas foi se prolongando de uma forma

até saudável porque o debate acabou por se enriquecer. Mas, na prática, o curso

começou a se pulverizar muito em habilitações as mais diversas, que você deve ter

visto no site do INEP, desde tecnologia educacional, treinamento e

desenvolvimento na empresa, pedagogia empresarial, psicopedagogia clínica

institucional... e coisas desse tipo. Quer dizer o curso foi se perdendo. Ora, o que

isso tem que ver realmente com os objetivos declarados? O curso, eu entendo que

ele foi se perdendo, se fragmentando e perdendo sua identidade. Então, eu acho

que realmente a pós-graduação progrediu em termos de linhas de pesquisa, mas

ela também é uma pós-graduação que passou a absorver pessoas de muitas áreas.

São, por exemplo, os especialistas da educação física que foram para lá vendo a

educação da perspectiva das linguagens corporais. Eu não vejo que isso tenha sido

negativo, acho até que foi bom. São os da fonoaudiologia, os da fisioterapia, que

foram vendo o lado da reeducação que essas áreas ofereciam. E as pós-graduações

em educação não se fecharam para as pessoas formadas em outras áreas. Elas se

abriram. Então foram pessoas até da área médica, às vezes, que fizeram o curso de

pós-graduação em educação visando à área de educação médica ou à história da

medicina. O curso de pós-graduação se abriu em múltiplas direções e, na verdade,

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a graduação também se pulverizou, mas se perdeu... A graduação tinha que

conservar uma identidade, isso é o que eu acho. Porque a pós-graduação até pode

se pulverizar e se abrir, mas a graduação tem que se fechar ali com o que é

essencial ao objetivo do Curso de Pedagogia, com o profissional que ele pretende

formar. Então acho que tivemos isso. O curso antigo não tinha vinculações com a

escola básica, mas formava pessoas nas áreas de fundamentos e de ciências da

educação. À medida que o curso foi incorporando o objetivo de qualificar

professores para o magistério nas séries iniciais, seja no ensino regular, seja no

ensino para crianças com necessidades especiais, ele foi também se

instrumentando nesse sentido. Mas com a dispersão e a pulverização ocorridas,

ficou difícil encontrar a identidade da pedagogia. Eu encaro que todo esse

movimento conduziu para as novas diretrizes, embora eu acho que há falhas aí no

sentido de que alguma coisa ficou de lado, escapou, e o curso acabou tendo uma

pretensão muito ampla, de dar conta de um saber muito enciclopédico. Mas tem

uma grande vantagem inegável, definimos o que nós vamos formar e vamos evitar

que a perda de identidade se complete.

Giseli – Nesse sentido, a senhora defende que a docência seja a base de formação

na pedagogia?

Leonor – Olha, eu defendo por uma razão muito simples, se não fosse a docência

teria que ser algum outro endereço profissional. Acho que o bacharelado não

pode, porque não tem o endereço profissional. Embora nós tenhamos

bacharelados em outras áreas - em matemática, em física, em química etc... –

penso que em algumas há mais possibilidades de trabalho. Mas até nas outras

áreas eu vejo que o bacharelado dificilmente se sustenta se ele não tem uma

direção profissional. Matemática, por exemplo, tudo bem, ela é base para tudo, as

pessoas sempre vão conseguir um destino profissional. Mas você vê que em

algumas áreas fica difícil, como física, as pessoas acabam indo para o ensino.

Então é por isso que eu defendo inclusive uma articulação entre o bacharelado e a

licenciatura. Eu não sou daquelas que defendem que bacharelado é uma coisa

totalmente separada da licenciatura, porque depois você tem um ótimo bacharel

sem possibilidades de trabalho. Eu sempre morei no interior e eu sei que no

interior - e o interior é grande, e hoje tem uma população grande - e mesmo em

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São Paulo não dá para pegar todos os bacharéis e enquadrá-los na pesquisa na área

em que eles se formaram. Eles vão ser distribuídos para todos os setores do

mercado de trabalho. Então eu gostaria que eles tivessem, pelo menos, um setor

ligado à área deles, para o qual pudessem dirigir. Eu acho que não é que a

docência tenha que ser necessariamente a base da formação. Acho que é um

endereço profissional. Se eu fizer o Curso de Pedagogia, que tipo de ocupação eu

posso ter? Em outras palavras: que profissionais esse curso pretende formar? Nas

diretrizes está a docência e ao se adotar uma concepção ampliada de docência, se

coloca que o professor pode também desempenhar funções na gestão. Eu acho que

fica aberto o campo da gestão também. Então, nós sabemos que o aluno que faz

pedagogia está se preparando para ser um docente e para ser um diretor de escola,

para falar em termos muito gerais. Tem alguns pontos dentro das diretrizes que eu

levantaria, por exemplo, essa questão de um certo enciclopedismo no que se refere

aos conteúdos abrangidos, acho que é evidente. Numa palestra que tive que fazer

sobre o tema, considerei que a formação dessa variedade de profissionais, ou seja,

para as séries iniciais, para a educação infantil, para a gestão, levou o curso a

assumir uma feição enciclopédica que dificilmente possibilitará, no meu modesto

entender, a sólida formação geral e pedagógica pretendida por seus idealizadores,

no caso os membros das entidades representativas dos profissionais da educação.

Porque, ao se definirem as competências, elas são muitas, e para dar conta de

todas contemplou-se um currículo enciclopédico. A carga horária até que é

razoável, 3.200 horas é uma carga horária razoável dentro dos contextos das

cargas horárias definidas para os cursos de graduação. Acho que essa formação

inclui uma programação ampla e abrangente calcada nas áreas de fundamentos

históricos, sócio-culturais e psicológicos da educação, organização e gestão da

escola, didática e avaliação do ensino e da aprendizagem, pesquisa educacional,

tecnologia da comunicação e informação, conteúdos e metodologias específicas

de todas as áreas de educação infantil e do ensino fundamental. Ainda: conteúdos

de educação de jovens e adultos, além de conhecimentos específicos sobre gestão

em espaços escolares e em outros espaços educativos. Quer dizer, até que ponto

vai ser possível conciliar toda essa formação profissional exigida para a

administração e gestão e para o preparo do docente para a educação infantil,

educação fundamental, tanto em termos pedagógicos como em termos de

conteúdos? Esses que eu mencionei são básicos para todos os cursos,

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independentemente da especificidade dos projetos das instituições. De qualquer

forma, acho que é possível melhorar a situação antes existente. Na UNESP

fizemos o seguinte: reunimos representantes dos Cursos de Pedagogia da UNESP

para discutir mais ou menos o que seria possível. Eu gostaria de fazer um núcleo

em termos de teoria que fosse comum, nada imposto, mas com alguns conteúdos

curriculares definidos. Não foi possível discutir tudo, não chegamos a definir esse

núcleo em termos de conteúdo e duração, porque o pessoal resistiu. Há alguns

cursos mais recentes na UNESP, como o de Rio Preto e o de Bauru, criados já

com um direcionamento profissional para as séries iniciais. Por outro lado, há os

mais antigos, já com um corpo docente muito amplo na parte de formação

teórica... Essa diversidade de cursos tornou difícil a conciliação. Mas já foi

possível aproximar esses cursos, tornando-os mais semelhantes. Foi possível, por

exemplo, fazer com que os cursos de Bauru e de Rio Preto ampliassem seus

conhecimentos de história, contemplando os aspectos históricos que mais

interessam ao preparo dos profissionais que eles visam. O Curso de Pedagogia

tem que se debruçar sobre os conhecimentos teóricos essenciais, tradicionalmente

considerados importantes e que hoje estão em xeque, e definir qual é a real

importância deles e que parte deles é realmente importante. E cabe aos

especialistas da área essa tarefa. Eu sempre trabalhei com história da educação. E

acho que não dá para abrir mão de se ter um conhecimento histórico da educação

brasileira, situada no contexto da história da educação, principalmente uma

história institucional, que nem sempre foi estudada... Caso contrário, você acaba

repetindo os erros. E acaba analisando o problema sem uma perspectiva histórica.

Não dá para você dar conta de um problema hoje se você não o situa na

perspectiva histórica, qualquer que seja o problema, desde a progressão

continuada - sobre o qual as pessoas geralmente falam cegamente sem qualquer

conhecimento histórico do que significa - até um problema considerado menos

importante, como organização dos alunos na sala ou a educação especial... Para

qualquer problema, a perspectiva histórica é fundamental. A mesma coisa é a

abordagem sociológica. Acho que não se trata de estudar os grandes teóricos,

Marx, Weber, Durkheim, de forma pura, mas se trata de verificar qual é a

abordagem sociológica importante para nós analisarmos a educação na

perspectiva macro e micro. Quando vamos observar algo que desconhecemos e

não estamos preparados para isso, pouco ou nada vemos... Está aí a diferença

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entre olhar e ver. Acho que temos que tomar muito cuidado com o ativismo

pedagógico, com a super-valorização da prática. Eu me preocupo muito com essas

cargas horárias grandes de prática e de estágio que nós estabelecemos; por outro

lado eu entendo que precisamos de um curso que reflita sobre a prática. Essa

questão é bastante antiga, vem sendo colocada desde os anos 70... Só que agora

vieram novos teóricos e a proposta materializou-se em medida de política... Veja,

você ao propor-me uma entrevista como esta, me faz partir da minha prática, da

minha história de vida para alguma reflexão. Acho que o professor precisa fazer

isso com seu aluno também. Fico porém preocupada com a possibilidade de

ativismo, com o excesso de trabalho, de tarefa do professor, principalmente na

escola particular, contratado por hora aula... Acho que tem um caminho, o

caminho da profissionalização, ser professor é uma profissão. E uma profissão, eu

ainda penso assim, pode ser antigo pensar assim, ela tem determinados

instrumentais de trabalho, ela tem campos de competência que você deve

dominar, e é por aí. É claro que aquele que, além disso, tem uma visão de mundo

mais alargada, está mais apto de todos os pontos de vista, do ponto de vista da

competência, da ética, da cidadania, ele tem condição de desenvolver melhor seu

trabalho. O outro que não tem, pode ir caminhando nesse sentido também. Em

todas as profissões é assim, mas você tem que ter um instrumental básico. Penso

que não podemos abrir mão do que é necessário, porque o que é necessário pode

não ser suficiente, mas é o início. Libertar alguém passa por ensinar a ler e

escrever bem, ler tudo o que for possível. Quanto mais você ler, mais você se

liberta. Passa por aí, não é suficiente.

Queria falar mais uma coisa para você. Uma sugestão... Eu gostaria de ler seu

trabalho depois e ver se você tocou num aspecto específico... Acho que essas

diretrizes aprovadas consubstanciam, sem dúvida, aspirações dos movimentos dos

educadores, sobretudo da ANFOPE. A redação da maioria dos dispositivos do

Parecer é muito semelhante ao conteúdo dos textos da ANFOPE. Considero

importante você analisar o papel da ANFOPE na determinação das diretrizes

aprovadas.

Giseli – Professora Leonor, muito obrigada por esta entrevista e pela boa

vontade em colaborar com o meu estudo.

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300

9.5. Estrutura do Curso de Pedagogia de acordo com os seus três primeiros marcos legais (1939 – 1962 – 1969) Decreto-Lei nº. 1.190/1939

1º ano 2º ano 3º ano 4º ano

Pedagogia ↓

Bacharelado

Didática ↓

Licenciatura

Psicologia Educacional I

Psicologia Educacional II

Psicologia Educacional III

Psicologia Educacional *

Sociologia

Fundamentos Sociológicos da

Educação

Fundamentos Sociológicos da

Educação *

História da Filosofia

Filosofia da Educação

História da Educação I

História da Educação II

Fundamentos Biológicos da

Educação

Fundamentos Biológicos da Educação *

Complementos de Matemática

Estatística Educacional

Administração Escolar I

Administração Escolar II

Administração Escolar *

Educação Comparada

Didática Geral

Didática Especial

* Para alunos bacharéis de cursos filiados às seções de Filosofia, Ciências e Letras. Para os bacharéis em Pedagogia, bastava cursar as disciplinas de Didática Geral e Especial.

Campo de atuação:

Para o Bacharel – Técnico de Educação do Ministério de Educação a partir de 1º de janeiro de 1943. Para o Licenciado – Professor de disciplinas pedagógicas do Curso Normal e de filosofia, história e matemática do Curso Ginasial.

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301

Parecer CFE nº. 251/1962

4 anos

Pedagogia

Bacharelado e Licenciatura de forma concomitante

Currículo mínimo para o bacharelado Currículo mínimo para a licenciatura

Disciplinas obrigatórias: 1. Psicologia da Educação 2. Sociologia Geral 3. Sociologia da Educação 4. História da Educação 5. Filosofia da Educação 6. Administração Escolar

Disciplinas opcionais: (mínimo de duas) 1. Biologia 2. História da Filosofia 3. Estatística 4. Métodos e Técnicas de Pesquisa

Pedagógica 5. Cultura Brasileira 6. Educação Comparada 7. Higiene Escolar 8. Currículos e Programas 9. Técnicas Audiovisuais de Educação 10. Teoria e Prática da Escola Média 11. Introdução à Orientação Educacional

Didática Prática de Ensino Psicologia da Educação * Adolescência e Aprendizagem * Elementos da Administração Escolar *

* Para alunos bacharéis de cursos filiados às seções de Filosofia, Ciências e Letras. Para os bacharéis em Pedagogia, bastava cursar as disciplinas de Didática e Prática de Ensino.

Campo de atuação:

Para o Bacharel – Técnico de Educação ou Especialista de Educação ou Administrador de Educação ou Profissional não-docente do setor educacional. Para o Licenciado – Professor de disciplinas pedagógicas do Curso Normal. Obs.: De acordo com a Portaria MEC nº. 478/54, os licenciados até 1965 poderiam, também, atuar nos dois ciclos do ensino médio como professores de filosofia, história geral e história do Brasil e no primeiro ciclo do ensino médio como professores de matemática. De acordo com a Portaria MEC nº. 341/65, os licenciados poderiam, também, atuar nos dois ciclos do ensino médio como professores de estudos sociais e no primeiro ciclo do ensino médio como professores de psicologia e sociologia. A partir de 1969, não é mais concedido ao licenciado o direito de atuar como professor de filosofia, história e matemática.

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302

Parecer CFE nº. 252/1969

4 anos

Pedagogia

Licenciatura

Parte comum Parte diversificada

Habilitações ◘

Sociologia Geral Sociologia da Educação Psicologia da Educação História da Educação Filosofia da Educação Didática

Magistério nos Cursos Normais ◙ Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau Metodologia do Ensino de 1º Grau Prática de Ensino na escola de 1º Grau Estágio Supervisionado Orientação Educacional ■

Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau Princípios e Métodos de Orientação Educacional Orientação Vocacional Medidas Educacionais Estágio Supervisionado Administração Escolar ■● Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau Princípios e Métodos de Administração Escolar Estatística Aplicada à Educação Estágio Supervisionado Supervisão Escolar ■● Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau Princípios e Métodos de Supervisão Escolar Currículos e Programas Estágio Supervisionado Inspeção Escolar ■● Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau Princípios e Métodos de Inspeção Escolar Legislação do Ensino Estágio Supervisionado

◘ Limite de duas habilitações a serem cursadas e obtidas de cada vez, podendo o licenciado retornar para obter novas habilitações, apostiladas no título inicial. ◙ O parecer assegura o direito ao magistério nas séries iniciais do 1º Grau, mediante o cumprimento de determinadas condições. ■ Habilitações possíveis de serem oferecidas tanto em cursos de curta duração (para atuar apenas no 1º grau) como em cursos de duração plena (para atuar no 1º e 2º graus) ● Comprovar experiência no magistério, visto que todas as atividades escolares convergem para o ato de ensinar. Campo de atuação: Professor de disciplinas pedagógicas do Curso Normal. Especialista para atuar como Orientador Educacional, Supervisor Educacional, Administrador Escolar ou Inspetor Escolar.

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