geração, comunicação e absorção de conhecimento científico

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RESUMO GERAÇÃO, COMUNICAÇÃO E ABSORÇÃO DE CONHECIMENTO CIENTÍFICO- TECNOLÓGICO EM SOCIEDADE DEPENDENTE; UM ESTUDO DE CASO: O PROGRAMA DE ENGENHARIA QUÍMICA - CQPPE/UFRJ - 1963-1979* Maria de Nazaré Freitas Pereira Assistente de Pesquisa da Divisão de Ensino e Pesquisa do IBICT Os planos e programas governamentais para o desenvolvimento científico-tecnológico, nas duas últimas décadas, refletiam a ideologia segundo a qual o binômio Ciência/Educação poderia ser colocado a serviço do desenvolvimento econômico. A análise, através do método da observação participante, do conhecimento científico- tecnológico produzido durante 17 anos pelo Programa de Engenharia Química, mostrou fraca interação do conhecimento gerado com as demandas dos setores produtivos, contatos informais irregulares e pouco representativos, alto índice de comunicação em congressos, más registro assistemático em periódicos. Essa situação é analisada dentro de um quadro de dependência que, na maioria das vezes, frustra tanto as tentativas de ligação com os setores produtivos quanto o desenvolvimento da atividade científico- tecnológica, até mesmo em seu processo de comunicação, Descritores: Ciência da Informação; Interdisciplinaridade; Conhecimento científico e tecnológico; Produção; Processo de comunicação; Absorção. 1 - INTRODUÇÃO: A UTILIZAÇÃO DO CONHECIMENTO Pode-se afirmar hoje que as pesquisas na área de Ciência da Informação — Cl — de.vem atentar pára as necessidades sociais. Nada mais coerente, pois, de acordo com a visão dos professores de Metodologia da Pesquisa Científica" *, a Cl "(...)." sendo um produto do homem, participa das contingências sociais de qualquer ação social. A pesquisa em Ciência da Informação é um trabalho científico sobre a realidade social" 1 . E foi exatamente para preencher uma função social provocada pela importância crescente que a atividade científica passou a ter para o desenvolvimento industrial, no século XIX, que um "grupo anônimo"* **.de pessoas surgiu entre os produtores de dados, resultados e invenções (os cientistas e tecnólogos), de um lado, e os que * Síntese da dissertação aprovada pela UFRJ/IBICT para obtenção do grau de Mestre em Ciência da Informação. Orientador, Adilson de Oliveira — COPPE/UFRJ. ** Disciplina ministrada em 1977 por Victor Vincent Valla, José Luiz Werneck da Silva e Eduardo da Silva. *** O "grupo anônimo" a que se refere WERSIG foi o precursor do trabalho com a informação técnico- científica. necessitavam dessas informações (os setores produtivos), de outro 2 . No final da Segunda Guerra Mundial, a Ciência da Informação se configurou em conseqüência do fenômeno da "explosão bibliográfica e documental", resultado natural do incremento da atividade de Ciência e Tecnologia. O artigo considerado por muitos como seu marco — As we may think —, de autoria de Vannevar BUSH,* * * * contém idéias e propostas, puramente mecânicas, que lançaram as sementes para os rumos que a Ciência da Informação tomaria a partir de então 3 . * * ** Publicado logo apôs a Segunda Guerra Mundial. Seu autor, o Dr. Bush, Diretor do Office of Scientific Research and Development dos Estados Unidos, chegou a coordenar as atividades de cerca de 6.000 cientistas no que respeita à aplicação da Ciência às operações de guerra. Nesse artigo. Bush ressalta que os "instrumentos já disponíveis, se adequadamente desenvolvidos, permitirão ao homem o acesso e comando sobre a herança do conhecimento dos séculos. A perfeição desses instrumentos pacíficos deverá ser o primeiro objetivo de nossos cientistas tão logo eles saiam de seu trabalho na guerra." Após revisão dos processos já disponíveis, como mecanização, microfilmagem, transmissão, etc., propõe a criação de um sistema a que chamou de Memex: "Um aparelho em que o indivíduo armazena seus livros, registros e comunicações, o qual, sendo mecanizado, permite a consulta com muitíssima velocidade e flexibilidade. É um suplemento ampliado e familiar à sua memória" (Cf. BUSH, Vannevar. As we may thing. Atlantic Monthly, 176:101-8, July 1945.) Cl. Inf., Brasília, 10 (2):9-25, 1981. 9

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RESUMO

GERAÇÃO, COMUNICAÇÃO EABSORÇÃO DECONHECIMENTO CIENTÍFICO-TECNOLÓGICO EM SOCIEDADEDEPENDENTE; UM ESTUDO DECASO: O PROGRAMA DE

ENGENHARIA QUÍMICA -CQPPE/UFRJ - 1963-1979*

Maria de Nazaré Freitas PereiraAssistente de Pesquisa da Divisão de Ensino ePesquisa do IBICT

Os planos e programas governamentais para odesenvolvimento científico-tecnológico, nas duasúltimas décadas, refletiam a ideologia segundo aqual o binômio Ciência/Educação poderia sercolocado a serviço do desenvolvimento econômico.A análise, através do método da observaçãoparticipante, do conhecimento científico-tecnológico produzido durante 17 anos peloPrograma de Engenharia Química, mostrou fracainteração do conhecimento gerado com asdemandas dos setores produtivos, contatosinformais irregulares e pouco representativos, altoíndice de comunicação em congressos, másregistro assistemático em periódicos. Essa situaçãoé analisada dentro de um quadro de dependênciaque, na maioria das vezes, frustra tanto astentativas de ligação com os setores produtivosquanto o desenvolvimento da atividade científico-tecnológica, até mesmo em seu processo decomunicação,

Descritores: Ciência da Informação;Interdisciplinaridade; Conhecimento científico etecnológico; Produção; Processo de comunicação;Absorção.

1 - INTRODUÇÃO: A UTILIZAÇÃO DOCONHECIMENTO

Pode-se afirmar hoje que as pesquisas na área deCiência da Informação — Cl — de.vem atentar páraas necessidades sociais. Nada mais coerente, pois,de acordo com a visão dos professores deMetodologia da Pesquisa Científica" *, a Cl "(...)."sendo um produto do homem, participa dascontingências sociais de qualquer ação social. Apesquisa em Ciência da Informação é um trabalhocientífico sobre a realidade social"1. E foiexatamente para preencher uma função socialprovocada pela importância crescente que aatividade científica passou a ter para odesenvolvimento industrial, no século XIX, que um"grupo anônimo"* **.de pessoas surgiu entre osprodutores de dados, resultados e invenções (oscientistas e tecnólogos), de um lado, e os que

* Síntese da dissertação aprovada pela UFRJ/IBICT paraobtenção do grau de Mestre em Ciência da Informação.Orientador, Adilson de Oliveira — COPPE/UFRJ.

** Disciplina ministrada em 1977 por Victor VincentValla, José Luiz Werneck da Silva e Eduardo da Silva.

*** O "grupo anônimo" a que se refere WERSIG foi oprecursor do trabalho com a informação técnico-científica.

necessitavam dessas informações (os setoresprodutivos), de outro 2.

No final da Segunda Guerra Mundial, a Ciência daInformação se configurou em conseqüência dofenômeno da "explosão bibliográfica edocumental", resultado natural do incremento daatividade de Ciência e Tecnologia. O artigoconsiderado por muitos como seu marco — As wemay think —, de autoria de Vannevar BUSH,* * * *contém idéias e propostas, puramente mecânicas,que lançaram as sementes para os rumos que aCiência da Informação tomaria a partir de então3.

* * ** Publicado logo apôs a Segunda Guerra Mundial.Seu autor, o Dr. Bush, Diretor do Office of ScientificResearch and Development dos Estados Unidos, chegoua coordenar as atividades de cerca de 6.000 cientistasno que respeita à aplicação da Ciência às operações deguerra. Nesse artigo. Bush ressalta que os "instrumentosjá disponíveis, se adequadamente desenvolvidos,permitirão ao homem o acesso e comando sobre aherança do conhecimento dos séculos. A perfeiçãodesses instrumentos pacíficos deverá ser o primeiroobjetivo de nossos cientistas tão logo eles saiam de seutrabalho na guerra." Após revisão dos processos jádisponíveis, como mecanização, microfilmagem,transmissão, etc., propõe a criação de um sistema a quechamou de Memex: "Um aparelho em que o indivíduoarmazena seus livros, registros e comunicações, o qual,sendo mecanizado, permite a consulta com muitíssimavelocidade e flexibilidade. É um suplemento ampliado efamiliar à sua memória" (Cf. BUSH, Vannevar. As wemay thing. Atlantic Monthly, 176:101-8, July 1945.)

Cl. Inf., Brasília, 10 (2):9-25, 1981. 9

Geração, comunicação e absorção de conhecimento científico-tecnológico em sociedade dependente; um estudo de caso: oprograma de Engenharia Química — Coppe/UFRJ — 1963-1979Maria de Nazaré Freitas Pereira

Essa nova Ciência, para uns, ou disciplina, paraoutros, tem provocado discussões a respeito deseus propósitos, âmbito, métodos e até mesmo desua cientificidade. Seu nome também varia: Ciênciada Informação (CI) para os norte-americanos eInformática para os soviéticos. *

No Brasil, adotou-se Ciência da Informação, vistoque Informática aqui era usada com a mesmaacepção dos franceses, i.e., para denotar a Ciênciada Computação e não a da Informação.

Alguns autores têm limitado o campo de ação danova Ciência à técnica de armazenagem,processamento e recuperação da informaçãotécnico-científica. Entretanto, como ressaltaFOSKETT,6 "a atividade de 'armazenagem erecuperação da informação' é uma Biblioteconomiamelhor, mas a Informática está se desenvolvendocomo uma nova disciplina pelo fato de que, pelaprimeira vez, as pessoas estão agora estudando ocomportamento da própria informação e aspropriedades, ou morfologia, no dizer de Fairthorne,ou fluxo de informação" * *

Como parte integrante do processo de fluxo deinformação, MERTA6 incluiria seu aspecto"dinâmico e social", "o ato de originar informação,tanto factual como descritiva, bem como modelos,meios e efetividade do movimento da informaçãoem seu caminho entre o criador e o usuário". Talfato, na visão de FOSKETT,7 resultaria "(...) nacompreensão adequada daquilo que está envolvido— o processo de criação intelectual, a formulação eapresentação do material para o ato decomunicação, e a relação entre a informaçãoregistrada e as necessidades dos usuários, bemcomo o tão conhecido processo técnico envolvidona coleta, processamento e disseminação". (Ogrifo é nosso.)

E qual seria a natureza dessa informação? Váriosautores têm se ocupado em defini-la, em estudá-laenquanto fenômeno de interesse da Cl.8' 9 - 1 0 - 1 1

Assim é que WERSIG,¹2 ao estudar diferentesdefinições, as engloba de acordo com as formas de

* Ver, a este respeito, a coletânea CIÊNCIA DAINFORMAÇÃO OU INFORMÁTICA? org. e trad, de HagarEspanha Gomes (Rio de Janeiro, Calunga, 1 980). Sobre aadoção de Ciência da Informação pelos norte-americanos,MIRANDA NETTO4 informa que, em contato comDreyfus, soube que o termo Informática não pôde serusado nos Estados Unidos em virtude de existir umaempresa chamada Informática, Inc. Como naquele país serespeitam as marcas já registradas, a escolha recaiu nonome Ciência da Informação.

** Para FOSKETT, Informática é sinônimo de Ciênciada Informação.

abordagens em que se apoiam: estrutura,conhecimento, mensagem, significado, efeito eprocesso.

Ainda o mesmo autor, ao interpretar os propósitosda Cl, apresenta, entre outras, uma abordagembaseada na combinação de informação enquantoconhecimento e enquanto mensagem. A noçãobásica é a de informação como conhecimentoregistrado em que, entre outras coisas, importaconhecer os propósitos que norteiam a produção, atransmissão e o uso do conhecimento, e os efeitosdeste sobre aqueles que os recebem e osdecodificam.

Para WERSIG,¹³ a Cl também precisa ter razãosocial para se justificar. Assim, "esta Ciência sebaseia na noção das necessidades de informaçãode certas pessoas envolvidas no trabalho social ediz respeito aos estudos de métodos deorganização dos processos de comunicação de talforma que estas necessidades sejam atendidas. Otermo básico 'informação' só pode ser entendido sedefinido em relação a estas necessidades deinformação."

Esta abrangência da clientela — pessoas envolvidasno trabalho social — resulta em um sistema deCiências da Informação, conforme mostrado porWERSIG.14 Nesse sistema estão incluídas, entreoutras, a Educação, a Comunicação de Massa, aBiblioteconomia e a própria Cl. Estas, por sua vez,mantêm uma interseção com disciplinas tradicionaiscomo a Psicologia, a Sociologia, a Economia, etc.Ainda segundo o autor "estas disciplinas seconcentram no estudo dos processos deinformação (i.e., processos de comunicação quevisam à redução de incerteza] ou de seuscomponentes. Portanto, é possível chamá-las deCiências da Informação."

Esse sistema inclui ainda uma série de disciplinas,entre as quais se destacam a Teoria daComunicação, a Filosofia, a História da Ciência, quemantêm com as Ciências da Informação grandesinterfaces.

Todas as disciplinas que compõem esse sistemacontribuiriam para um campo de atividadescientíficas que WERSIG15 chama de Teoria Geralda Informação.

Dentro dessa perspectiva, que tenta abarcar aCiência da Informação no quadro das CiênciasSociais, pretende-se estudar as relações mútuasentre produtores e usuários da informação noBrasil. Em seu âmbito, informação é o resultado daprática de Ciência e Tecnologia em uma instituiçãode ensino e pesquisa, e usuários são as pessoas

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envolvidas no trabalho social — produção de bens eserviços — que poderiam se beneficiar dosresultados dessa prática. Em última instância,buscou-se conhecer a respeito da utilização, pelossetores produtivos, do conhecimento científico-tecnológico produzido no País.

A utilização do conhecimento científico-tecnológicotem sido objeto de crescente preocupação eincentivo por parte de países avançados, a pontode determinadas instituições de ensino manteremcentros especializados para o desenvolvimento depesquisas e estudos que facilitem a incorporaçãodesse conhecimento às atividades de inovação dossetores produtivos. É o caso, entre outros, doCenter for Research on Utilization of ScientificKnowledge — CRUSK —, mantido pelo Institute forSocial Research da Universidade de Michigan, queentende que esses estudos devem dar origem a umnovo campo do conhecimento: "a ciência dautilização do conhecimento".16

Para HAVELOCK,17 duas forças sociais pressionama existência dessa nova "ciência": a explosão doconhecimento, por um lado, e, por outro, acrescente expectativa da sociedade quanto àutilização do conhecimento produzido.

Ora, como já se viu, a explosão do conhecimentofoi um dos motivos que levou ao aparecimento daCiência da Informação. Entretanto, ao privilegiar osestudos referentes à organização, processamento erecuperação automática, relegou a segundo planoas pesquisas a respeito da "relação entre ainformação registrada e as necessidades dosusuários", i.e., "os propósitos que norteiam aprodução, a transmissão e o uso do conhecimento,e os efeitos deste sobre aqueles que os recebem eos decodificam". Essas preocupações, como já seviu, fazem parte do novo enfoque proposto para aCiência da Informação.

No Brasil, entretanto, o problema maior parece nãoser de natureza quantitativa ("explosão doconhecimento"), mas sim qualitativa; a produçãode conhecimento que permita a utilização adequadade seus recursos naturais, materiais, humanos efinanceiros.

A qualidade da informação disponível em umasociedade é um dos fatores pelos quais secomprova o seu grau de desenvolvimento. Essefator foi até mesmo utilizado como um doscomponentes que levaram à divisão do mundo empaíses do "centro" ou da "periferia". "O 'centro'é composta por países com mais capacidade deinovação, que organizaram de forma sistemática aprodução de tecnologia, ao mesmo tempo em quedesenvolveram uma grande capacidade de

manipular a informação à sua disposição; e a'periferia', formada por aqueles países de poucacapacidade inovadora, conseqüência, em geral, dautilização deficiente de seus melhores recursoshumanos e da adoção de modelos dedesenvolvimento inadequados."18 (O grifo énosso.)

A discussão suscitada em torno dessa divisão e deoutras — países desenvolvidos e subdesenvolvidos,ricos e pobres, com patrimônio científico etecnológico endógeno e exógeno — temevidenciado que, na realidade, são condiçõespolíticas e econômicas os principais componentesque ora impedem a criação de tais condições, oracerceiam o uso das condições existentes para quese alcance um estágio de desenvolvimento auto-sustentado.

A informação é considerada como energia para odesenvolvimento. Não obstante essa assertiva,toma-se evidente que a informação contribuirá parao desenvolvimento, na medida em que o modelopolítico e econômico de um país assegure aparticipação das atividades de Ciência e Tecnologiaem seu desenvolvimento. Há que considerar que,sendo a informação insumo e produto do trabalhode cientistas e tecnólogos, está sujeita aos mesmosmecanismos que regulam a produção científica etecnológica de um país.

O Brasil, sendo um país de economia dependente,vê-se também atingido por toda sorte de impassesque afetam ou condicionam suas estratégias deação em busca do desenvolvimento econômico esocial.

Entre as estratégias adotadas e que poderiamconcorrer para mudança significativa no quadrogeral de dependência, encontra-se a produção deconhecimento científico-tecnológico, quecontribuiria para a autonomia tecnológica nacional.Incentivou-se, principalmente a partir da década de60, a criação de cursos de pós-graduação e amodernização de laboratórios de pesquisa, partindo-se do pressuposto de que a existência de recursoshumanos qualificados — fruto da combinaçãoCiência/Educação — é uma das condiçõesindispensáveis para superar o subdesenvolvimento.

Entretanto, a existência desses esforços nãorepresenta medida satisfatória de alcance dosobjetivos pretendidos. A incorporação dosresultados de pesquisa pela sociedade transcende asua própria disponibilidade. Em plano mais restrito,é preciso que se verifique se essa sociedade colocademandas sob o aparato científico-tecnológico. Emplano mais global, tanto o produtor quanto ousuário do conhecimento precisam ser inseridos

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historicamente para que seja possível conhecer arespeito da experiência acumulada de ambos nouso de Ciência e Tecnologia.

Entende-se que, dentro dessa perspectiva, estainvestigação integra as chamadas Ciências daInformação, já que pela própria natureza da relaçãobuscada, a Educação, a Sociologia e a Ciência daInformação e a própria História da Ciênciainteragem.

'Contudo, dado o caráter pioneiro deste trabalho,essa visão interdisciplinar deve ser entendidaapenas como uma tentativa de contribuir para aabertura de um caminho novo para a Cl no Brasil,não a sua realização integral. Na verdade, oconhecimento das variáveis que interferem noprocesso de produção, comunicação e absorção doconhecimento científico-tecnológico no Brasilimplicará um trabalho mais amplo, em esforçoconjunto. Conhecendo esse processo, será possívelatuar sobre ele, i.e., preceder a ação dacompreensão, pois, para agir, é precisocompreender.

Espera-se poder contribuir para a Ciência daInformação, ha medida em que foi desenvolvidametodologia onde as forças que governam o fluxo euso da informação foram levantadas e analisadasdentro de perspectiva que considerou fatoresoutros que não sua simples disseminação.

Os resultados podem ainda ser úteis para a COPPE,para os que financiam as atividades de pesquisa epara aqueles que esperam poder se beneficiar dosresultados do esforço científico-tecnológiconacional.

2 - A INVESTIGAÇÃO: OBJETIVOS EPROCEDIMENTOS

O objetivo mais geral desta investigação é oentendimento das relações da Ciência e Tecnologia— C&T — produzidas por uma instituição de ensinoe pesquisa no Brasil com a sociedade. *

C&T SOCIEDADE

2.1 — Os Geradores do Conhecimento

Para representar a instituição produtora de C&T,escolheu-se a Coordenação dos Programas de Pós-Graduados em Engenharia — COPPE — daUniversidade Federal do Rio de Janeiro — UFRJ.Dentre os diversos organismos que a integram,selecionou-se o Programa de Engenharia Química —Programa de EQ —, criado em 1963, e aCOPPETEC, estabelecida formalmente a partir de1 970. A escolha do Programa deve-se ao fato deele se constituir na primeira experiência em cursode pós-graduação na área da Engenharia, no País, ede incluir entre seus objetivos a formação depessoal para atender às necessidades de um"crescente parque industrial", a partir dacapacitação de "engenheiros criadores" paraatender aos "problemas mais desafiantes daindústria química". Já a COPPETEC foi escolhidaem virtude de ser considerada, pela COPPE, como"exemplo vivo do entrosamento entre aUniversidade e a Empresa". Seu objetivo é"contribuir para o estabelecimento de umatecnologia nacional, indispensável ao atendimentodos elevados padrões de desenvolvimento doBrasil"¹²³. 20

A sociedade brasileira, que, como se sabe, écapitalista e dependente, faz-se presente comalguns segmentos das classes dominantes, já que aC&T que são produzidas sob a égide do capitalismoestão dentro da lógica capitalista, i.e., de atenderàs classes dominantes e produzir mais-valia.

Portanto, para representar a sociedade,selecionaram-se os produtores de bens e serviços-que seriam os usuários em potencial doconhecimento científico-tecnológico produzido pelaCOPPE.

C&T

COPPE/UFRJ

COPPE/PROGRAMA DEENGENHARIA QUÍMICA

1963-

COPPETEC

1970-

S

EMPRESAS PRODUTORASDE BENS E SERVIÇOS

* Na dissertação, Ciência e Tecnologia são o resultadoda prática de engenheiros químicos em uma instituição depesquisa. Por serem engenheiros, não se pode dizer quenão fazem Ciência, i.e., que não estudam cientificamenteos fenômenos observados quando da produção detecnologias.

O Programa de EQ "ocupa uma posição ímpar, namedida em que relaciona a aplicação de princípiosfísicos e químicos com todos os processosindustriais que mudam a composição ou estadofísico da matéria, bem como as operações físicasnecessárias para preparação e separação. Levandoem conta a atual situação da indústria química no

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contexto econômico brasileiro, o engenheiroquímico — que pela sua formação é um profissionalmuito versátil, pode trazer contribuiçõessignificativas ao desenvolvimento tecnológiconacional."21

Os engenheiros formados pelo Programa obtêm otítulo de Mestre ou de Doutor após defesa pública eaprovação de teses, julgadas porprofessores/pesquisadores de reconhecidacapacidade profissional.* Nessas teses encontram-se consubstanciados os conhecimentos científico-tecnológicos investigados no Programa.

A partir de 1970, com a criação da COPPETEC -elemento de contato entre a universidade e aindústria —, as teses passaram a ser realizadasdentro de linhas de pesquisa integradas nos váriosprogramas que desenvolve.22

Um dos objetivos da COPPETEC é a geração detecnologia para o país através da participação dedocentes e alunos da COPPE em projetos,pesquisas e estudos tecnológicos desenvolvidospara órgãos e empresas estatais e para a iniciativaprivada.

2.2 — O Conhecimento Gerado

Portanto, a Ciência e a Tecnologia geradas peloPrograma estão consubstanciadas em 83% dasteses apresentadas no período que se estende de1964 (data inicial da defesa das primeiras teses) a1979 (data limite da presente investigação). Sãorepresentadas também pelos projetos, pesquisas eestudos tecnológicos realizados pela COPPETEC noperíodo de 1 970 (data formal de seu início) a1 979, destacando-se o que foi feito pelo Programade EQ.

A identificação dos setores produtivos quepoderiam ter-se beneficiado dos conhecimentosproduzidos pelo Programa foi feita em doismomentos distintos. No primeiro, buscou-se arelação do conhecimento produzido (teses eprojetos tecnológicos) com esses usuários.

a) no caso das teses, levantaram-se as seguintesvariáveis:— motivação, i.e., se a tese foi realizada paraatender interesses de empresas, e contribuição,i.e., se os seus resultados poderiam terbeneficiado os setores produtivos, tanto a partirda incorporação do conhecimento científico-

tecnológico aos processos de produção, quantona participação direta do autor da tese, nacondição de empregado da empresa.— nível do conhecimento, i.e., se as tesesprivilegiaram a "ciência" da Engenharia Química(hipóteses, leis e fundamentos) ou se tiveramcaráter tecnológico.

b) no caso de projetos tecnológicos, identificou-setambém o nível do conhecimento, se do tipohard ou do tipo soft, e os clientes que osencomendaram.**

C &.T

TESES APRESENTADAS NOPERÍODO 1964 -1979(83%)

PESQUISAS. PROJETOS E ESTUDOSTECNOLÓGICOS REALIZADOS PELA

COPPETEC

1970-1979(100%)

EMPRESAS PRODUTORASDE BENS E SERVIÇOS

2.3 — Comunicação dos Resultados

No segundo momento, partindo-se do pressupostode que os resultados de pesquisa, para seremutilizados, devem ser comunicados, a forma demediação da relação C&T Sociedade foibuscada principalmente através do estudo doprocesso de comunicação técnico-científica doprodutor do conhecimento para o usuário e destepara o produtor.

Esse processo pressupõe, inicialmente, a existênciade emissor __ canal ____ receptor.

A Ciência e a Tecnologia presentes nas teses enos projetos COPPETEC fazem parte de um esforçocorporativo e cumulativo que vem sendodesenvolvido, ao longo da existência do Programa,por professores, pesquisadores e alunos. Nessesentido, oito professores/pesquisadores, quereuniam tanto a vivência na orientação de tesesquanto nos projetos realizados pela COPPETEC,foram escolhidos para representarem os emissoresdo conhecimento científico-tecnológico produzido.Estes foram responsáveis pela orientação do maior •número de teses do período 1963-1979 e

* Na dissertação, utiliza-se o termo "teses" paradenominar tanto dissertações de Mestrado quanto tesesde Doutorado.

* * Na dissertação, conhecimento tecnológico do tipohard ê aquele que é produzido em laboratórios, i.e., apartir da manipulação de aparelhos e equipamentos. Já odo tipo soft é aquele que se consubstancia sob a formade instruções, planos, programas, atividades gerenciais,etc.

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integravam o corpo permanente de professores,alguns desde a criação do Programa, e outros como mínimo de seis anos de experiência.

Considerou-se, inicialmente, que, para atransmissão do conhecimento científico-tecnológico, os canais utilizados poderiam serinformais, i.e., reuniões e contatos diversos comrepresentantes de vários segmentos da sociedade,i.e., os receptores. Incluíram-se instituiçõespromotoras e defensoras dos interesses dos setoresprodutivos, tendo-se selecionado como tais aFederação das Indústrias do Rio de Janeiro —FIRJAN —, a Associação Brasileira de IndústriaQuímica e de Produtos Derivados — ABIQUIM —São Paulo — e o Centro Brasileiro de Apoio àPequena e Média Empresa — CEBRAE — Rio de

Janeiro, Esses organismos, através do desempenhode atividades específicas, objetivam assessorar osinteressados na resolução de questões de naturezatécnica, econômica e administrativa e, como tal,podem intermediar o processo de transferência deinformação técnico-científica para os setoresprodutivos.* Selecionou-se, ainda, o Clube deEngenharia e os sindicatos de trabalhadores dasindústrias químicas. A escolha do Clube se deve àimportância que vem conquistando nos últimosanos como fórum de discussões da questãocientífico-tecnológica nacional. Já a inclusão dossindicatos decorre do fato de a incorporação dosresultados da atividade técnico-científica aosprocessos de produção poder afetar ostrabalhadores das indústrias.

* A FIRJAN dispõe do Instituto de DesenvolvimentoEconômico e Gerencial, que desenvolve, entre outrasatividades, pesquisas relacionadas com odesenvolvimento e a difusão de tecnologia. (Cf.FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DO RIO DEJANEIRO. Cadastro Industrial do Estado do Rio deJaneiro. Rio de Janeiro, 1 979. p, 9-11.) A ABIOUIMconta com a Comissão de Tecnologia, que vemdedicando atenção à análise dos problemas que afetam aindústria química na área tecnológica. (Cf. ABIQUIM. AComissão de Tecnologia da ABIQUIM. s.n.t. p. 1.Quanto ao CEBRAE, muito embora sua ação se

caracterize principalmente pela assessoria à gerência depequenas e médias empresas, o projeto integrado Bolsasde Subcontratação "tem por metas primordiais oemprego de plena capacidade instalada de máquinas emão-de-obra, a integração de indústrias locais e regionais,desestimulando a verticalização das grandes indústrias efomentando, conseqüentemente, o aparecimento denovas pequenas e médias empresas". Os setoresindustriais inicialmente escolhidos foram: metal-mecânico, eletro-eletrôníco, metalúrgico, mobiliário e dematerial plástico, instalados em estados em avançadoestágio de industrialização. (Cf. CEBRAE. Relatório anual.Rio de Janeiro, 1977. p. 21-2.)

14 Ci. Inf., Brasília, 10 (2):9-25, 1981.

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Especificamente com relação às teses apresentadasno período 1963 — 1979, a comunicação de seusresultados, antes ou após sua defesa, pode teroriginado trabalhos técnico-científicos feitosisoladamente pelo autor ou em colaboração com oorientador e outros pesquisadores. O emissor agorapassa a ser esse conjunto de autores, e atransmissão para o receptor não se efetua,necessariamente, pelo contato direto, mas atravésde meios de divulgação tais como congressos,conferências e seminários, periódicos e

monografias, i.e., a própria publicação da tese oude um conjunto de seus resultados.À relação com os setores produtivos é buscadaagora via adequação dos meios de comunicaçãoutilizados para a divulgação dos resultados dasteses.Pode-se, ainda, saber se esses resultados estãosendo debatidos pela comunidade científica, comocaminho de obtenção do consenso, i.e., se aprodução científico-tecnológica do Programa setransformou em "conhecimento público".23

Os originais das teses aprovadas são depositadosna Seção de Pesquisa Bibliográfica da BibliotecaCentral do Centro de Tecnologia da UFRJ. Issopossibilita sua duplicação para atendimento depedidos diversos. Por outro lado, o fato de algumasteses terem sido publicadas pe!a Comissão deDivulgação da COPPE pode ter resultado empedidos de aquisição por diversos interessados. Umexame no arquivo de correspondência dessas duasunidades pode permitir abordar o interesse que asteses têm despertado, não apenas pelos segmentosinicialmente definidos, mas pela sociedade comoum todo.

O fato de os resultados das teses seremcomunicados em meios de divulgação quepermitem atingir grandes audiências, como é o caso

dos periódicos técnico-científicos, pode levar aoestabelecimento de contatos entre interessados noconhecimento divulgado e autores dos trabalhos.Assim foram analisadas as solicitações referentesaos artigos decorrentes da publicação de resultadosdas teses que integraram o Projeto PermeaçãoAtravés de Membranas. Essas solicitações constamdo arquivo de correspondência particular de doisorientadores das teses do Projeto. Este foiescolhido em função de ter sido considerado comoa primeira experiência de planejamento de atividadecientífico-tecnológica na COPPE, dentro daperspectiva de incremento da atividade de Ciência eTecnologia, como forma de superar o"subdesenvolvimento", e de ter alcançado índicesrepresentativos de divulgação, tanto em congressosquanto em periódicos.

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2.4 — Barreiras no Processo de Comunicação

Na fase de levantamento de dados de algumassituações aqui descritas, identificou-se uma fracainteração da relação buscada, i.e., doconhecimento produzido com os setoresprodutivos.

A transferência do conhecimento científico-tecnológico encontra barreiras que são apenas asdecorrentes dos mecanismos de disseminaçãoutilizados.

As condições objetivas da empresa (recursoshumanos, capital social, nível de dependênciatecnológica do exterior, etc.) influem de maneiradecisiva na utilização do conhecimento, advindo daíníveis de consumo diferentes. Decidiu-se, pois,conhecer a respeito das variáveis que interferem noprocesso de comunicação do Programa — as

empresas. Assim, foram selecionadas 97 indústriasde transformação localizadas na área de influênciamais direta da COPPE, a Região Metropolitana doGrande Rio, tendo em vista que, dada aproximidade geográfica, estas poderiam estarutilizando, direta ou indiretamente, osconhecimentos desenvolvidos pelo Programa.

Entretanto, a análise do processo de comunicaçãodos resultados de investigação e sua incorporaçãopelos setores produtivos transcende a simplesverificação de elementos tais corpo adequação dosmeios, barreiras, etc. A questão é mais ampla.

As variáveis que interferem nesse processo sãomúltiplas e complexas. Ele é influenciado,fundamentalmente, por fatores oriundos da formacomo se organiza a sociedade: o contexto social,político e econômico em que tanto o produtorquanto o usuário historicamente se inserem e aexperiência já acumulada de ambos.

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2.5 — Inserção Histórica

Nesse sentido, buscou-se, através de umaperspectiva histórica, apreender o ambiente em quese deu a geração do conhecimento e ascondicionantes do momento em que se desenrolouo processo de formação do corpo de orientadoresbrasileiros. Assim, procurou-se ligar o Programa deEngenharia Química e o seu corpo de orientadores afatos, situações e medidas do meio exterior, .inclusive aqueles que antecederam sua existência,influenciando o próprio Programa. ParaFERNANDES24 os ritmos das instituições não sãoautodeterminados e auto-suficientes. Estas extraemdo meio societário em que se incluem não apenas asua razão de ser. Da mesma forma, o meiosocietário "(...) alimenta o fluxo de seus ritmos,intensificando-os, moderando-os, preservando-os,ou alternando-os, fortalecendo-os ou solapando-os,etc. Em suma, ele é que cria estrutura de meios ede fins, que relaciona, historicamente, a instituiçãocom as necessidades sociais por ela atendidas, eque calibra, funcionalmente, o quanto ela poderárender ou crescer, dadas certas condições materiaise morais de existência social".

A periodização adotada para o estudo do momentohistórico do desenvolvimento científico-tecnológiconacional e suas relações com os setores produtivosfoi a seguinte: *

a) 1808 (transferência da corte portuguesa para oBrasil) até 1 889 (final do Império) — ensinoaplicado, utilitarista;

b) fins do Império até 1930 (fase de transiçãopara a industrialização — períodoagroexportador) — ensino genérico teórico;

c) 1 930-1945 (industrialização a partir dasubstituição de importações) — ensino teóricoespecializado;

* O quadro histórico foi traçado a partir dos elementosfornecidos pelos seguintes autores:SCHWARTZMAN, Simon. Formação da comunidadecientífica no Brasil. Rio de Janeiro, FINEP, São Paulo, Ed.Nacional, 1979; VARGAS, Milton. A tecnologia no Brasil.In: FERRI, Mário & MOTOYAMA, Shozo, org. História dasciências no Brasil. São Paulo, E.P.U., EDUSP.1979;SANT'ANNA, Vanya M. Ciência e sociedade no Brasil.São Paulo, Símbolo, 1 978; BIATO, Francisco Almeida;GUIMARÃES, Eduardo A. de Almeida; FIGUEIREDO,Maria Helena P. de. A transferência de tecnologia noBrasil. Brasília, IPEA, 1963; RATTNER, Henrique. Pequenae média empresa no Brasil, 1 966/1976. São Paulo,Símbolo, 1979; KAWAMURA, Lili Katsuco. Engenheiro;trabalho e ideologia. São Paulo, Átíca, 1 979. Cap. 2.

d) 1946 à década de 70 (industrializaçãointensiva) — ensino pragmático, hierarquizado etecnológicos:**

Inseriu-se ainda, historicamente, a instituiçãoprodutora do conhecimento — a COPPE — tendo-se adotado a seguinte periodização para estudo daprodutividade das teses e dos projetostecnológicos:*

a) 1963 — 1966 — Fase de Implantação;

b) 1967 — 1973 - Fase Empresarial;

c) 1974—1979 — Fase Gerencial, subdividida emduas: 1974—1976 — transição e

1977 — 1979 — consolidação.

2.6 — Coleta de Dados

O método utilizado foi o da observação sistemática,tendo-se recorrido a pessoas e documentos comofontes de dados,

O nível da observação variou conforme ocomponente do estudo:

a) teses e orientadores — entrevistas com 1 6professores integrantes do corpo de orientaçãodo Programa;

b) COPPETEC — catálogos dos projetos;

c) solicitação de teses e artigos — arquivos daComissão e da Biblioteca; arquivo dos dois ex-orientadores do Projeto PAM, e

d) barreiras que interferem no processo decomunicação — questionário para 97 indústriasde transformação situadas na Região do GrandeRio e resultados de estudos sobre necessidadesde informação tecnológica em indústriasargentinas e mexicanas.

* * A periodização tem por base o documento avaliativosobre a COPPE realizado pela FINEP, por NUNES ecolaboradores: NUNES, Márcia Bandeira de Melo; SILVA,Nadja V. Xavier; SCHWARTZMAN, Simon. PósGraduação em Engenharia; a experiência da COPPE. Riode Janeiro, FINEP, 1978.

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3 - PRINCIPAIS RESULTADOS

3.1 — Inserção Histórica

de esforço corporativo, foi progressivamenteformando a base científico-tecnológica paraparticipar do desenvolvimento.

A tentativa de ligar o conhecimento científico-tecnológico ao processo de produção de indústriasquímicas não é fato recente. Entretanto, naretrospectiva histórica pode-se observar que, demodo geral, ela se frustra. No início do século XX,a atividade química, mesmo com a presença detécnicos alemães de alto nível, se desenvolveu emsimbiose com uma indústria que pouco lhesolicitava. Era empírica, a parte acadêmica não foidesenvolvida, e continuou, portanto, semfundamentação. A tentativa de orientá-laacademicamente, desvinculada do lado prático,também não se concretizou efetivamente.

Por outro lado, como resultado de uma atividadecientífica "para a Ciência" e da entrada de know-how importado, acompanhado de investimento, atecnologia continuava sem os fundamentosnecessários ao seu desenvolvimento, cada vez maisatrelada ao exterior, atingindo maior índice desofisticação e, conseqüentemente, de dependência.

O surgimento das indústrias petroquímicas ecarboquímicas, no período 1946/1958, veioacompanhado de necessidade de mudança noestudo dos processos químicos até entãoexistentes. Na ausência de atividade científico-tecnológica que pudesse atender essas demandas,o empresário, inclusive o Estado, não podendoesperar, optou pela importação de tecnologia. Sóno ano de 1 963, dentro de um quadro dedependência já esboçado, é que se iniciou, com oPrograma de Engenharia Química, a capacitação derecursos humanos, objetivando "formar, a taxasaceleradas", profissionais criadores que pudessemcontribuir para a solução dos problemas maisdesafiantes da indústria química.

Cabe perguntar se a opção pela pós-graduação,nesse ramo de Engenharia, não aconteceutardiamente. Seria possível, em área sem nenhumatradição, acelerar a produção de conhecimentocientífico-tecnológico para concorrer com paísesdesenvoividos que estavam na dianteira?

3.2 — O Conhecimento Gerado

Houve certo equilíbrio entre a produção deconhecimento voltado para os princípios efundamentos da Engenharia Química (50,3%),imprescindível para seu desenvolvimento científico,e aqueles potencialmente aplicáveis (45,7%). Partedo conhecimento poderia ser útil aos setoresprodutivos, e as áreas objeto de estudo, a despeitode não serem muitas, trataram de questõesimportantes para o desenvolvimento industrial. Decerta forma, pode-se considerar que o Programapermaneceu impermeável ao discursogovernamental e ao seu próprio, pois não houve, deforma representativa, atrelamento dos temas dasteses às demandas imediatas dos setoresprodutivos. As poucas tentativas de atendersolicitações de empresas algumas vezes sefrustraram, pela falta de comprometimento efetivopor parte do cliente. Por outro lado, a capacidadecientífico-tecnológica do Programa poderia sersubutilizada, e até mesmo embotada, se se tivessevoltado para solicitações tecnológica mente pobres.

As linhas de pesquisa mais privilegiadas refletiram ainfluência norte-americana. Contudo, a linha depesquisa mais pobre — a de rejeitos industriais eurbanos — muito poderia ter contribuído para osestudos a respeito da poluição do meio ambiente.Como se sabe, para essa poluição muito têmconcorrido indústrias químicas, na sua grandemaioria de capital estrangeiro, que prescindem doPrograma e de Laboratórios de P&D para seufuncionamento, uma vez que a tecnologia queutilizam é proveniente da matriz.

Já que o Programa, indiretamente, não tem muitaschances de contribuir para a inovação tecnológicados processos de produção dessas indústrias, nãoseria válido maior incentivo a investigações nosentido de minorar os efeitos da poluição sobre anatureza e sobre o homem?

Alheio ao quadro de dependência já esboçado e quese consolidou a partir de 1 964 e, muitoprovavelmente, impotente para mudá-lo, oPrograma capacitou pessoal no exterior, contoucom a participação de professores estrangeiros,instalou laboratórios, biblioteca e, como resultado

Nos projetos realizados para a COPPETEC, muitoembora a participação do Programa não seja a maisrepresentativa quantitativamente (7,5% sobre umtotal de 529I, observou-se que a ele coube aexecução de projetos tecnológicos de grande porte.Dos 40 projetos desse tipo realizados por todos osProgramas, 40% (16 projetos) estiveram sob sua

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responsabilidade; 13 diretamente e três com osProgramas de Mecânica e Metalurgia. Entretanto, aparticipação em projetos de rotina é da ordem deapenas 5% sobre o total de encomendas. O que sepode depreender desses dados é que a área temforte tendência para a geração de tecnologiassofisticadas, por ser recente e faltar-lhe a tal"tradição" referida nos estudos de ERBER.25

Nesses projetos encontram-se, a partir de 1 976,investigações a respeito de coletores paraarmazenamento da energia solar, liquefação decarvão e aproveitamento do vinhoto. Por outrolado, o fato de ele ter um mínimo de realizações naárea de testes e ensaios pode ser indicador de quea indústria química, sendo internacionalizada, nãosolicita nem projetos de grande porte nem derotina. A matriz se encarrega de suprir asnecessidades de suas filiais.

3.3 — Comunicação dos Resultados

A comunicação informal dos resultados daspesquisas para órgãos como o CEBRAE, FIRJAN,ABIQUIM, Clube de Engenharia e sindicatos, nuncase concretizou.

Os motivos alegados para esse isolamento vão dafalta de "interesse" à falta de "oportunidade".Essa situação se origina, pelo lado dosorientadores, da ausência de experiência industriale de contato com os processos de produção. E,pelo lado do Progama, decorre de sua inserção emuma realidade dependente, pouco estimulantequanto à produção autônoma de Ciência eTecnologia.

Essa postura acrítica do processo econômico, sociale político brasileiro não é exclusiva da COPPE emuito menos de seus engenheiros, mas sim reflexode situação maior. Enquanto profissional, oengenheiro é produto de um ensino que, conformejá foi visto, ao privilegiar os aspectos puramentetécnicos, deixou de lado os sociais e políticos.Enquanto cidadão, é membro de uma SociedadeCivil controlada e tutelada pelo Estado.*

A respeito da concretização desses contatos comas empresas consultoras, observou-se que a grandemaioria não passou de intenção. O objetivoprincipal quase sempre foi conseguir dados eelementos, na forma de propostas, que ajudassemas empresas na elaboração de documentaçãotécnica para concorrências públicas. Vencida aconcorrência, haveria a possibilidade departicipação de elementos do Programa, viacontrato da consultoria com a COPPETEC, o quenão aconteceu. O contato inicial foi semprederradeiro e único.

Esse desapreço é responsável por um certofechamento dos orientadores em relação àsempresas. A apropriação dos resultados depesquisa, por parte daqueles que não a realizaram,nem sempre é bem vista: reação natural decientistas que, como mostram aqueles queestudaram a Sociologia da Ciência, têm noreconhecimento de seus pares e da sociedade emgeral a principal retribuição de seu trabalho.**

Por outro lado, para alguns há ainda a possibilidadede, nessas ocasiões, a própria Universidade estarfornecendo, sem saber, o seu aval para aimportação de tecnologia, suspeita não de todoinfundada, dado o quadro do desenvolvimentoindustrial brasileiro. No mercado de tecnologia, osfatores tempo e custo, em que certamente aUniversidade não levaria a melhor, sãodeterminantes.* **

Ma comunicação com as indústrias, a exemplo dasempresas consultoras, quase nunca os contatospassaram do nível da intenção, da possibilidade, datentativa de efetiva participação. Por outro lado, arepresentatividade em termos de conteúdotecnológico, do pouco que chegou a bom termo, épequena: melhorou o desempenho de umequipamento, analisou algum produto e controlouprocesso de produção. A exceção ficou por contado filtro industrial, resultado de quase dez anos deestudo na área de separação sólido-fluido, quechegou a ser instalado em empresa estrangeira.Cabe ainda destacar a concepção de novo produtoque não chegou, entretanto, a ser fabricado, pois a

A ausência de comunicação não foi, entretanto,generalizada. Verificaram se alguns contatos comempresas consultoras de Engenharia e comindústrias.

* Ver a respeito da participação da Sociedade CivilBrasileira em movimentos associativos voluntários:KOWARICK, Lúcio. A espoliação urbana. Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1979. p. 21-7.

** Ver a esse respeito-, ZiMAN, op. cit.; K.NELLER,George f. A Ciência como atividade humana. Rio deJaneiro, Zahar, 1 980.

* * * Ver a respeito do comércio de tecnologia, SABATO,Ernesto. El comércio de Tecnologia. Washington, D.C.OEA, 1972. 35 p.; LEITÃO, Dorodame Moura.Comercialização de tecnologia. Boletim Técnico daPETROBRÁS, 19 (4):283-8, out./dez. 1976.

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indústria encontrou problemas econômicos na fasede funcionamento, o que a obrigou a abandonar osplanos iniciais.

Ainda a exemplo do que se encontrou com asconsultoras, observaram-se mais uma vezdescontentamentos por posições ideológicasconflitantes: a do pesquisador que, enquantohomem da Ciência, quer submeter ao "julgamentode seus pares" os resultados de suas descobertas ea desse mesmo pesquisador que, transformado em"caixeiro viajante da Ciência", por cláusulascontratuais, está impedido de divulgar oconhecimento produzido.

ponto de partida para a divulgação de resultadosem congressos e periódicos. E o caminho que tempara sair de seu próprio ambiente acadêmico e,dependendo do meio utilizado, até mesmo alcançaroutras audiências. Entretanto, o que se pôdeobservar, dado o pequeno número de artigos que asteses geraram, é que, talvez pela falta de tradiçãoacadêmica, a obtenção do título parece ser oobjetivo mais importante.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a elaboração deuma tese dá início à publicação de uma série deartigos, geralmente em co-autoria com o orientadore outros pesquisadores.

Se as tentativas do "caixeiro viajante da Ciência"de se ligar com os setores produtivos são, namaioria das vezes, frustradas, os mecanismos decontrole e avaliação da atividade científica nãoestão também sendo utilizados, de formarepresentativa e sistemática, pelo "homem daCiência". O fato de a Ciência ter-se tornado umempreendimento corporativo faz com que ocientista dependa de sua comunidade e para eladeva contribuir. Segundo KNELLER, "a comunidadecientífica é uma associação de pessoas que nãoestão vinculadas entre si por leis nem cadeias decomando, mas pela comunicação de informações— através de revistas especializadas, conferências,discussões informais e outros"26.

Entretanto, com exceção das teses decorrentes doProjeto PAM, que pode ter favorecido mais ospaíses desenvolvidos, já que o assunto estava naordem do dia, também nesses países acomunicação dos resultados das teses emcongressos e periódicos é pouco representativa.

O baixo registro desses resultados em periódicostambém (43% das teses) é supreendente, pois asteses produziram conhecimento que o "homem daCiência" teria interesse em submeter ao julgamentode seus pares. Essa insuficiência só se justificariase as teses tivessem sido realizadas para atenderdemandas pouco representativas por parte do setorprodutivo e, portanto, prescindíveis de relato ejulgamento.

O que explicaria, então essa comunicação poucosignificativa em periódicos? O fato de o "homemda Ciência" ter sido produto de um ensinopragmático, não-científico, como a Engenharia? Umnúmero insuficiente de periódicos científicosnacionais? Ou estes não existem porque não têm oque publicar? A elaboração de urna tese, fruto detrabalho de pesquisa, deveria se constituir em

No Brasil, a necessidade de disseminação parcialdos resultados de teses é reforçada pela ausênciade mecanismos efetivos para sua divulgação erecuperação. O "Banco de Teses" do Ministério deEducação e Cultura, que objetiva colocar o meioacadêmico a par das teses em andamento eaprovadas, é uma experiência relativamenterecente. Data de 1976 e, nos últimos anos, temsofrido descontinuidade de publicação.

Por outro lado, a falta de mecanismos quepropiciem, de forma rápida, o acesso físico às tesesaprovadas dificulta sua localização e, porconseguinte, sua divulgação. Tal situação nãoacontece em países desenvolvidos, que criaramcontroles para a divulgação e depósito das tesesaprovadas. É o caso, por exemplo, da organizaçãonorte-americana University Microfilms, da Xerox,que está apta a fornecer cópias tanto emmicrofilmes quanto em xerox.

O exame aos arquivos da Comissão de Divulgaçãoe da Seção de Pesquisa Bibliográfica e Informaçãorevelou ausência de solicitações provenientes dossetores produtivos no que diz respeito a cópias dasteses. Já as teses do Projeto PAM foram alvo deinteresse por parte de organizações estrangeiras.

Um aspecto interessante a ressaltar é que as 34solicitações recebidas pelos orientadores do PAMforam referentes a nove artigos: três publicados emrevistas nacionais e seis em estrangeiras. O fato deos interessados não terem localizado esses artigosnas bibliotecas e centros de documentação de seuspaíses, em que certamente a grande maioria estariadisponível, decorre de uma prática bastante comumno meio científico, de contatar direto os autores,como forma de estabelecer um processo decomunicação informal a partir daí.

Certamente, o que aqui se mostrou é indicador deinteresse restrito e não revela o quanto essesartigos podem ter sido utilizados por outros canais.

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Chama atenção, ainda, a presença de apenas umpaís da América Latina, a Argentina, além daausência de pedidos por parte de instituiçõesnacionais. Pelo que se conseguiu depreender dasentrevistas com os responsáveis pelo PÂM, nãohavia, internamente, pesquisadores com os quaisesse assunto pudesse ser discutido. O registro dosresultados em periódicos estrangeiros funcionoucomo forma de provocar o debate. Como já se viu,o assunto investigado era igualmente desconhecidopara brasileiros e estrangeiros.

Segundo BRIQUET, embora também sejamprodutores de informação, os paísessubdesenvolvidos não têm a expressão dos paísescentrais e, além disso, sua comunidade acadêmicae científica tende a menoscabar e a subutilizar aprópria produção nacional, até mesmo como meiode comunicação de resultados de pesquisas. Pormais que se respeite e acate a aspiração doscientistas à maior difusão possível de suaspesquisas e estudos, não se pode deixar deestranhar que pesquisas que foram financiadas porum país em desenvolvimento, realizadas em suasinstituições, tenham os seus resultados publicadospreferencialmente em meios de comunicação dospaíses desenvolvidos, os quais têm assim, entreoutras vantagens, a de mais rapidamente tirarproveito de qualquer contribuição relevanteeventualmente encontrada nos resultados de taispesquisas.27

O problema, entretanto, não se resume àpublicação ou não de resultados de pesquisa dentroou fora do País, uma vez que, como já se viuanteriormente, o projeto PAM divulgou seusresultados em periódicos nacionais e estrangeiros.Tem-se que considerar que, na ausência de massacrítica interna e a exemplo da tecnologia, oconhecimento científico-tecnológico flui para ondeele se concentra, i.e., para os países avançados,não seguindo "(...) o princípio do movimentoacelerado de um nível mais alto para um maisbaixo".28 O PAM, por conseguinte, ao descobrirfenômeno novo na área de permeação, pode terbeneficiado muito mais os países desenvolvidos doque, propriamente, aquele em que se originou.

3.3.1 — Barreiras no Processo de Comunicação

A análise dos estudos realizados com empresasargentinas e mexicanas evidenciou que ainformação técnico-científica de origem externa,sendo o principal insumo para a transferência(importação) de tecnologia e a conseqüenteinovação, que nem sempre chega a acontecer,contribui para aumentar a dependência. Ainformação internamente disponível, não sendo

suficiente para ajudar na seleção de tecnologiasestrangeiras, cria a necessidade de aprimoramentode serviços de informação que dêem subsídios paraessa seleção. Como conseqüência, a dependênciase reforça.

Por outro lado, a informação importada tambémserve de insumo para a realização de pesquisas,estudos e projetos tecnológicos nacionais (locais>que, dado o quadro da dependência, via de regranão são utilizados, pois as "necessidades" a quedeviam atender já foram supridas.

ARAÚJO, na revisão de literatura de seu estudosobre o processo de transferência de tecnologia einvovação em laboratórios de P&D, apresentou umasíntese das principais barreiras na transferência detecnologia em países desenvolvidos. Entre elas, asque se referem aos usuários são as seguintes: "Ainformação disponível sobre Ciência e Tecnologia élimitada; a informação disponível, com freqüência,não é orientada para os usuários; a disseminaçãoda informação é irregular e assistemática"29.

Entretanto, se bem que estas possam tambémexplicar a falta de interação entre o Programa e osegmento produtivo, na verdade a maior barreiraem países "tecnologicamente colonizados" parecese originar da "opção" desses países por modelosde desenvolvimento que, não estando voltados paradentro, criam situações artificiais de produção euso de informação.

Segundo VIEIRA PINTO, "o homem 'consome'socialmente as idéias, da mesma maneira quequalquer outro bem indispensável, e o faz porquedelas necessita para a atividade permanente a queestá obrigado a se dedicar, a de produzir a suaexistência. Mas entre os produtos que tem de'elaborar' para viver, contam-se igualmente asidéias, não aquelas já conhecidas, ou com o mesmoconteúdo com que foram adquiridas, mas outras,inéditas...". "A Ciência subjetivamente se constituiem um mundo nacional de idéias, mas estas nãoexistiriam sem a técnica, a prática, a aplicação doacervo existente da Ciência, que assegura averdade dos conhecimentos possuídos e osdesenvolve num progresso ininterrupto."30 (O grifoé nosso.)

3.4 — Absorção do Conhecimento

Com apenas 1 7 anos de atuação e dentro de umquadro histórico-evolutivo adverso à ocupação deum espaço pela Engenharia Química Brasileira, aabsorção dos conhecimentos que resultaram dessaprática não é um retrato isolado do Programa, masespelho do meio social em que se insere. Foi essemeio a sua razão de ser e que o alimentou.

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"Irremediavelmente marcada pela sociedade emque ela se insere, a Ciência é portadora de todos osseus traços e reflete todas as suas contradições,tanto em sua organização interna quanto nas suasaplicações. Portanto, não há 'crise de Ciência', massomente aspectos específicos à Ciência da crisesocial em geral."*

A análise da absorção do conhecimento produzidopelo Programa revelou que das 43 teses queresultaram em conhecimento utilitário apenas oitoestão sendo utilizadas, principalmente em empresasestatais. Os recursos humanos formados peloPrograma são empregados também pelo Estado,nas universidades e nos laboratórios de Pesquisa &Desenvolvimento. E, finalmente, o Estado, viaagências financiadoras de Ciência & Tecnologia, é omaior cliente dos projetos tecnológicos de grandeporte que o Programa realizou para a COPPETEC.

4 - CONSIDERAÇÕES FINAISEste trabalho, longe de ter pretendido colocar oPrograma de Engenharia Química no banco dos réuse proferir sentença final sobre sua validade — o queseria uma simplificação absurda —, deve serentendido como um convite à reflexão. Não se"conclui", em tese, o que na realidade é processo.Colocam-se questões aos interessados: à todo-poderosa Ciência e Tecnologia, de um lado, e àsociedade, de outro.

Pretende-se com essa forma de abordagemfornecer algumas pistas que podem vir a sertrilhadas por outros estudos, para o entendimentodo papel que cabe ao aparato científico-tecnológico— em particular, como objeto deste estudo, ainformação técnico-científica — em uma sociedadedependente. Esta, não tendo equacionadosatisfatoriamente sua situação política, econômicae social, torna frágil e restrita a participação daCiência e da Tecnologia, que ela mesma patrocina,no seu processo de desenvolvimento.

O fato de as universidades terem absorvido parterepresentativa dos ex-alunos pode significaraumento na geração de conhecimento científico-tecnológico. A que usuários esse conhecimentopretende beneficiar, uma vez que a atividadecientífica não existe para sua própria glória?

Já os empregados em laboratórios de P&Dcertamente estão contribuindo para maior domínioe adaptação das tecnologias importadas e paramaior poder de barganha na seleção de novastecnologias. Isso é suficiente e pode garantirprogressivamente a tão propalada autonomiatecnológica nacional?

O gráfico a seguir é uma tentativa de síntese do, papel desempenhado, nos países periféricos, pelasatividades de informação na transferência de

* Apresentação do livro dirigido por A. Jaubert e Lévi-le-Blond, "Autocritique de la science" (1973), apudJAPIASSU, Hilton. O mito da neutralidade científica.Rio de Janeiro, Imago, 1975. p.7.

conhecimento científico-tecnológico, baseada nosprincipais resultados da parte referente àcomunicação.

Como se pode observar, a informação científico-tecnológica de origem externa integra, atualmente,o que se convencionou chamar, nos EstadosUnidos, de indústria do conhecimento. Estafornece, às universidades e centros de pesquisados países periféricos, elementos que servem deinsumo à geração de conhecimento a partir dacapacitação e desenvolvimento" de recursoshumanos, podendo, portanto, favorecer suaautonomia científico-tecnológica. Entretanto, adivulgação dos resultados das pesquisas emrevistas, nacionais e estrangeiras, é feita de formafortuita e assistemática, sendo também muitopequeno o registro de patentes. Por outro lado,mesmo com uma participação significativa emcongressos nacionais e razoável publicação demonografias, os veículos e a linguagem utilizadosrestringem a disseminação do conhecimento aomeio acadêmico.

No entanto, na medida em que a indústria doconhecimento fornece aos setores produtivosinformações para a inovação tecnológica de seusprocessos produtivos, o resultado é a importaçãode tecnologia e o reforço da dependência,frustrando, conseqüentemente, as tentativas deabsorção do conhecimento produzido pelos paísesperiféricos, ou restringindo sua participação amelhor domínio e escolha das tecnologiasimportadas. A dependência, que já acontece comoresultado da relação matriz/filial, acompanhada deinvestimento, se reforça.

ilsso não é uma propriedade da informação técnico-científica, mas reflexo de seu meio ambiente, i.e.,de normas, valores e costumes da sociedade.

No Brasil, a falta de adoção de medidas harmônicasque possam favorecer a geração, comunicação eabsorção de conhecimento científico-tecnológicopela sociedade — como conseqüência natural deum desenvolvimento integrado, voltado para dentrode si mesmo —, tem levado ao descompasso entrea Ciência e a Tecnologia produzidas internamente ea sociedade. A atividade de pesquisa precisa daintegração dos dois elementos: o acadêmico e oaplicado. Ela não é autofágica: deve-se alimentar domeio social e do meio científico em que se insere.

Finalmente, cabe considerar que a época atual é decrise e de recessão. A busca de fontes alternativasde energia, provocada pelo aumento do preço dopetróleo e pela possibilidade de esgotamento desuas reservas, abre um espaço significativo para oPrograma. O esgotamento das reservas naturais vaiexigir da Engenharia Química a descoberta dematérias-primas até então não cogitadas. Porque sóela tem essa vocação e, em esforço conjunto comas outras engenharias, certamente buscaráalternativas. Resta saber se a sociedadedependente, com tradição no uso de ciência quenão produz, vai permitir.

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7 FOSKETT, op. cit., p. 1 5.

8 FOGL, Jiri. Relation of the concepts"Information" and "Knowledge".Internacional Forum on Information andDocumentation, 4 (1): 21-4, 1979.

9 FARRADANE, J. The nature of information.Journal of Information Science, 1: 1 3-7,1979.

10 WELLISCH, Hans. From Information science toinformatics: a terminological investigation.Journal of Librarianship, 4 (3): 1 57-87,July, 1972.

11 BROOKES, Bertram C. The foundation ofinformation science. Part. I. Philosoficalaspects. Jornal of Information Science, 2(3/4): 125-31, 1980.

12 WERSIG & NOVELLING, op. cit., p. 129-32.

13 idem, ibidem, p. 138-9.

14 idem, ibidem.

1 5 Idem, ibidem.

16 HAVELOCK, Ronald G. et alii. Planning forinnovation; through dissemination andutilization of'knowledge. Ann Arbor,Michigan, Institute of Social Research,1979.

17 Idem, ibidem, p. 1.

1 8 ALONSO, apud LOPES, José Leite.Dependência: a quem serve a Ciência naAmérica Latina? Cadernos de Tecnologia eCiência, 1 (1): 7-13, jun., 1978.

1 9 UNIVERSIDADE DO BRASIL: Instituto deQuímica. Catálogo 1963/1964;Engenharia Química — Curso de Pós-Graduação. Rio de Janeiro, 1963. p. 10-1.

20 COPPE. Catálogo dos cursos. Rio de Janeiro,1977. p. 145.

21 . Rio de Janeiro, 1 973. p.17.

22 COPPE: mil teses para uma engenhariarealmente brasileira. Jornal do Brasil, Riode Janeiro, 5 ago. 1978. Caderno B. p. 1.

23 ZIMAN, John, Conhecimento público. BeloHorizonte, Itatiaia, São Paulo, EDUSP,1979.

24 FERNANDES, Florestan. Universidade edesenvolvimento. In: HAMBUEGER, ErnstW. Ciência, Tecnologia eDesenvolvimento. São Paulo, Brasiliense,1971, p. 118.

25 ERBER, F.S. et alii. Reflexões sobre a demandapelos serviços dos institutos de pesquisa.Rio de Janeiro, FINEP, 1974. 67 p.

26 KNELLER, George F. A Ciência como atividadehumana. Rio de Janeiro, Zahar, 1980. p.182.

27 BRIQUET DE LEMOS, Antônio Agenor. Atransferência da informação entre o Nortee o Sul: utopia ou realidade, s.n.t.(Conferência de abertura do 1. °Congresso Latino-Americano deBiblioteconomia e Documentação,Salvador, 21 —26 de setembro de 1980.)P. 2.

24 Ci. Inf., Brasília, 10 (2):9-25, 1981.

Geração, comunicação e absorção de conhecimento cíentífico-tecnolôgico em sociedade dependente; um estudo de caso: oprograma de Engenharia Química — Coppe/UFBJ — 1963-1979Maria de Nazaré Freitas Pereira

28 SINGH, Baldev. A transferência de tecnologiade países desenvolvidos para países emdesenvolvimento. In: TABAK, Fanny.Dependência tecnológica edesenvolvimento nacional. Rio de Janeiro,PALLAS, 1974. p. 50.

29 ARAÚJO, Vânia Maria Rodrigues Hermes de.Estudo dos canais de informação técnica;seu papel em laboratórios de Pesquisa &Desenvolvimento, na transferência detecnologia e na inovação tecnológica. Riode Janeiro, 1978. p. 63. Tese deMestrado em Ciência da Informação.

30 VIEIRA PINTO, Álvaro. Ciência e existência. Riode Janeiro, Paz e Terra, 1979. p. 53.

ABSTRACT

The governmental programs and plans fortechnological-scientific development, during the lasttwo decades, reflect the concept thattechnological-scientific learning leads to economicdevelopment. The analysis of technological-scientific knowledge generated in ChemicalEngineering Program, through the participantobservation method, showed a very low degree ofinteraction between this knowledge and thedemands of the productive sectors of the economy,i.e., irregular and unrepresentative informalcontacts, high degree of communication inProfessional Conferences but unsystematicpublication of scholarly works in professionaljournals. This low degree of interaction was foundto occur within a situation of dependency on themore developed countries which, in most cases,frustrates the attempts to link technological-scientific knowledge with productive sectors of theeconomy as well as the development of greatertechnological-scientific activity including theprocess by which such activity and knowledge aretransfered.

Ci. Inf., Brasilia, 10 (2):9-25, 1981. 25