GEOSSISTEMA, TERRITÓRIO E PAISAGEM: O CASO DA RESERVA...
Transcript of GEOSSISTEMA, TERRITÓRIO E PAISAGEM: O CASO DA RESERVA...
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
LUANA GASPAR DO NASCIMENTO LOPES
GEOSSISTEMA, TERRITÓRIO E PAISAGEM: O CASO DA
RESERVA BIOLÓGICA DE SOORETAMA
VITÓRIA – ES
2011
2
LUANA GASPAR DO NASCIMENTO LOPES
GEOSSISTEMA, TERRITÓRIO E PAISAGEM: O CASO DA
RESERVA BIOLÓGICA DE SOORETAMA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção do grau de mestre em Geografia, na área de concentração em dinâmica da natureza e transformação dos territórios. Orientador: Prof. Drº. Antônio Celso de Oliveira Gourlart
VITÓRIA – ES
2011
3
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)
Lopes, Luana Gaspar do Nascimento, 1981-
L864g Geossistema, território e paisagem : o caso da Reserva
Biológica de Sooretama / Luana Gaspar do Nascimento Lopes. –
2011.
185 f. : il.
Orientador: Antonio Celso de Oliveira Gourlart.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal
do Espírito Santo, Centro de Ciências Humanas e Naturais.
1. Natureza. 2. Paisagens. 3. Reserva Biológica Sooretama
(Linhares, ES). I. Gourlart, Antonio Celso de Oliveira. II.
Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências
Humanas e Naturais. III. Título.
CDU: 91
4
LUANA GASPAR DO NASCIMENTO LOPES
GEOSSISTEMA, TERRITÓRIO E PAISAGEM: O CASO DA RESERVA BIOLÓGICA DE SOORETAMA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para obtenção de
grau Mestre em Geografia, na área de concentração em dinâmica da natureza
e transformação dos territórios.
Aprovada em 30 setembro de 2011
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof., Antônio Celso de Oliveira Gourlart - Orientador __________________________________________________
Profa. Maria Terezinha Rosa Valladares
_________________________________________________
Prof., Adilson Rodrigues Camacho
5
Dedico esta dissertação aos meus pais pelo eterno
incentivo, e ao meu marido por seu companheirismo e
suporte que sempre me foi dado ao longo de toda minha
vida acadêmica.
6
AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus por me sustentar e dar força para nunca desistir dessa
jornada.
Ao meu marido, pelo carinho e confiança que sempre me dedicou, motivando-me
nas decisões tomadas na minha vida acadêmica e profissional.
À toda minha família ... por compreenderem minha ausência, minha angústia, meu
isolamento ... por me incentivarem ... por torcerem por mim!
Aos meus mestres, o meu muito obrigado.
Àqueles que são minha fonte de inspiração e motivo pelo qual procuro evoluir... para
os quais procuro dar o melhor de mim ... meus alunos.
Meus agradecimentos a meu orientador, Prof.° Dr°. Antônio Celso de Oliveira
Gourlart, pela confiança em mim depositada e pelo suporte acadêmico durante todo
o curso.
À Professora Dra. Antonia Brito Rodrigues Fratolillo, por acreditar em mim e me
mostrar o caminho da ciência.
Gostaria de agradecer à equipe da Reserva Biológica de Sooretama, por todo o
apoio à realização da pesquisa, em especial ao servidor Valdir M. Santos.
Às famílias e aos agricultores(as), moradores da área do entorno da Reserva
Biológica de Sooretama, pelas informações e pelos conhecimentos que foram
essenciais para a realização da pesquisa e para meu aprendizado.
7
As minhas queridas amigas Cida, Clara, Fernanda e Juliana pelo apoio, pelo
carinho e amizade.
Enfim, agradeço a todos que, de alguma forma, contribuíram para a realização
desse trabalho.
Muito obrigada!
8
―A verdadeira viagem do descobrimento não
consiste na procura de novas paisagens, mas em
ter novos olhos.‖
James L. Adams
9
RESUMO
Esta dissertação tem como proposta investigar, por meio do estudo integrado da
paisagem apoiada na interface das relações entre a sociedade e a natureza, o
estudo de caso da Reserva Biológica de Sooretama localizada no Município de
Sooretama, Estado do Espírito Santo – Brasil. Sob essa abordagem integrada foi
analisada a evolução da paisagem e o processo de uso e ocupação do solo no
entorno da Rebio utilizando a percepção e a valoração desse ambiente pelos
moradores do entorno, propondo um estudo através do referencial teórico-
metodológico desenvolvido por Claude e Georges Bertrand, o modelo GTP -
Geossistema, Território e Paisagem – (1997), foi por ser essa uma proposta de
modelo de análise híbrido, que integra a análise natural e social a partir da
paisagem, rompendo com a ideia de uma abordagem geográfica dicotômica. O
estudo consistiu na coleta de 140 narrativas de diversas comunidades do entorno da
Reserva que permitiu traçar a percepção e a sensibilização dessas comunidades no
contexto da paisagem regional com enfoque nas diferentes leituras do espaço
geográfico realizadas através do método GTP.
PALAVRAS-CHAVE: natureza, sociedade, paisagem e modelo GTP
10
ABSTRACT
The main purpose of this dissertation is to investigate, through an integrated study of
the landscape of relationships supported in the interface between society and nature,
the case study of the Biological Reserve of Sooretama, located in the city of
Sooretama, Espírito Santo – Brazil. Under this integrated approach it was possible to
analyse the evolution of the landscape and the use and occupation of the land
surrounding the Rebio through perception and valuation of the local residents,
proposing a theoretical and methodological framework developed by Georges
Claude and Bertrand, GTP model – geosystems, Planning and Landscape – (1997).
This was a proposal for a hybrid model of analysis that integrates natural and social
analysis of the landscape, breaking with the idea of a dichotomous geographic
approach. The study consisted of collecting 140 stories from different communities
around the protected area that allowed us to have an outline of the perception and
awareness of these communities in the context of the regional landscape, focusing
on different readings of the geographic space using the GTP method.
KEY WORDS: nature, society, landscape, GTP model
11
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Classificação dos fenômenos geográficos em seis níveis taxonômicos,
segundo Bertrand (1971) ........................................................................................ 65
Quadro 2 – Relação das Unidades de Conservação de Proteção Integral e suas
características .......................................................................................................... 86
Quadro 3 – Relação das Unidades de Conservação de uso sustentável e suas
características .......................................................................................................... 87
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Evolução da criação de Unidades de Conservação no âmbito Federal por
décadas ................................................................................................................... 80
Tabela 2 - Largura de vegetação ciliar a ser mantida ou revegetada de acordo com
largura de curso de água, conforme artigo 2° da Lei 4.771/65..................................93
Tabela 3 – Quantitativo de narrativas colhidas nas comunidades do entorno da
Reserva Biológica de Sooretama ........................................................................... 109
Tabela 4 – Atividades econômicas realizadas nos municípios que margeiam a
Reserva De Sooretama .......................................................................................... 148
Tabela 5 – Estoque de imigrantes externos por local de nascimento ..................... 150
12
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Representação da interface entre ciências sociais e ciências humanas e a
indefinição da Geografia ......................................................................................... 27
Figura 2 – Representação esquemática do histórico do pensamento geográfico ..... 38
Figura 3 – Representação esquemática de um sistema assinalando os elementos (A,
B, C e D) e suas relações, assim como o evento entrada e o produto de saída ...... 50
Figura 4 – Diagrama de classificação de sistemas quanto ao critério de Forster,
Rappaport e Trucco ................................................................................................. 54
Figura 5 – Representação de um sistema isolado .................................................... 55
Figura 6 – Representação de um sistema fechado .................................................. 55
Figura 7 – Representação de um sistema aberto ..................................................... 56
Figura 8 – Representação esquemática de um arranjo dos sistemas, subsistema e
supersistema............................................................................................................ 57
Figura 9 – Representação da relação entre os elementos que compõem o sistema
da Reserva de Biológica de Sooretama ................................................................... 59
Figura 10 – Estrutura funcional dos geossistemas, segundo Bertrand (1971) .......... 66
Figura 11 – O sistema GTP: Geossistema, Território e Paisagem. Claude et Georges
BERTRAND (2002) .................................................................................................. 69
Figura 12 – Esquema representativo do sistema GTP ............................................. 70
Figura 13 – Modelo da Geografia Física atual ......................................................... 71
Figura 14 – Modelo da Geografia Geossistêmica .................................................... 71
Figura 15 – Comparação da relação homem-natureza no pensamento cartesiano e
no pensamento sistêmico......................................................................................... 72
Figura 16 – Representação esquemática do histórico das Unidades de Conservação
no Brasil ................................................................................................................... 79
Figura 17 – Esquema de subdivisão de áreas protegidas ........................................ 83
Figura 18 – Ilustração da Reserva Legal .................................................................. 91
Figura 19 – Ilustração sobre as áreas de preservação permanente, segundo o
Código Florestal ....................................................................................................... 92
13
Figura 20 – Representação da largura da vegetação ciliar de acordo com a largura
do curso d‘água ...................................................................................................... 93
Figura 21 – Representação esquemática da vegetação permanente em torno de
lagos, lagoas e reservatórios .................................................................................. 93
Figura 22 – Representação da vegetação permanente em torno de nascente e olho
d‘água .................................................................................................................... 94
Figura 23 – Área de preservação permanente no topo de morros, montanha e serras
................................................................................................................................. 94
Figura 24 – Representação da área de preservação permanente em encosta, com
declividade superior a 45 o ..................................................................................... 94
Figura 25 – Representação da área de preservação permanente nas bordas de
tabuleiros ou chapadas .......................................................................................... 95
Figura 26 – Representação da vegetação que deve ser preservada em altitude
superior a 1800 metros ........................................................................................... 95
Figura 27 – Mapa de localização da Reserva Biológica de Sooretama ................. 100
Figura 28 – Croqui da área do Refúgio Sooretama .............................................. 104
Figura 29 – Esquema téorico do processo perceptivo .......................................... 121
Figura 30 – Reserva Biológica de Sooretama e principais comunidades do entorno
............................................................................................................................... 123
Figura 31 – Sociograma: principais atores envolvidos .......................................... 124
Figura 32 – Mapa com limites do entorno da Reserva ......................................... 147
Figura 33 – Metodologia experimental integrada para Reserva Biológica de
Sooretama ........................................................................................................... 178
14
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1 – Vista Panorâmica da Lagoa do Macuco e no fundo delimitação da
reserva ................................................................................................................... 114
Fotografia 2 – Vista aproximada da Lagoa do Macuco .......................................... 114
Fotografia 3 – Papagaio Chauá ............................................................................ 117
Fotografia 4 – Sábia-Laranjeira .............................................................................. 117
Fotografia 5 – Preguiça de coleira.......................................................................... 117
Fotografia 6 – Tatu-canastra .................................................................................. 117
Fotografia 7 – Mutum do Sudeste .......................................................................... 118
Fotografia 8 – Profª Neinha e seus alunos–Comunidade do Juncado ................... 126
Fotografia 9 – Sr. Miguel – Morador/agricultor da Comunidade de Danúbio ........ 126
Fotografia 10 – Dona Darilia – Moradora da Comunidade de Juerama B ............. 126
Fotografia 11 – Dona Maria e Sr. Antonio – Morado/pequeno agricultor da
Comunidade de Juerama A ................................................................................... 131
Fotografia 12 – Prof.ª Adenir – Moradora de São João do Estivado ..................... 131
Fotografia 13 – Dona Cinira – Moradora da Comunidade do Juncado .................. 131
Fotografia 14 – Sr. Valdecir – Morador/pequeno agricultor da Comunidade de Cupido
............................................................................................................................... 136
Fotografia 15 – Dona Maria Baldi – Moradora/líder comunitária de Sooretama
Reserva ................................................................................................................. 136
Fotografia 16 – Dona Ivone – Moradora/Presidente da Associação dos pequenos
agricultores do Córrego Rodrigues ......................................................................... 136
Fotografia 17 – Sr. Paulo – Morador/Agricultor da Comunidade de Cúpido .......... 142
Fotografia 18 – Sr. Idalino Agrizzi – Produtor Rural do Córrego Rodrigues (Fazenda
Irmão) .................................................................................................................... 142
Fotografia 19 – Prof.ª Tânia – Comunidade de Juerama B .................................... 142
Fotografia 20 – Aspecto geral do uso e ocupação do solo na Rebio Sooretama,
como pequenos fragmentos florestais em meio a extensa áreas ocupadas por
cafezais .................................................................................................................. 149
Fotografia 21 – Trabalhadores do Estado da Bahia contratados para a colheita de
café na região de Danúbio .................................................................................... 151
15
Fotografia 22 – Represamento e captação de água para irrigação. A mata ciliar
nesta não foi preservada, mas o proprietário está regularizando a situação com
projeto de recomposição da vegetação da área .................................................... 149
Fotografia 23 – Mosaico de Fragmentos Florestais na área do entorno da Reserva
............................................................................................................................... 158
Fotografia 24 – Área queimada provocada pela ação humana nas proximidades da
reserva ................................................................................................................... 160
Fotografia 25 – Depósito irregular de resíduos sólidos na área que margeia a Rebio
Sooretama ............................................................................................................. 162
Fotografia 26 – Rejeitos líquidos lançados ―a céu aberto‖ sem tratamento ............ 163
Fotografia 27 – Capivaras abatidas por caçadores dentro da Reserva .................. 164
Fotografia 28 a – Construção de estradas fora das normas ambientais ................. 166
Fotografia 28b – Processo erosivo ocasionado devido a não observância das
normas ambientais para abertura de estradas ....................................................... 166
Fotografia 29 a – Vista área da BR 101 que atravessa a Rebio Sooretama ........... 167
Fotografia 29 b – Animal atropelado na BR 101 que atravessa a Reserva............. 167
16
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CF
APA
ARIE
Constituição Federal
Área de proteção ambiental
Área de Relevante Interesse Ecológico
ANTT Agência Nacional do Transporte Terrestre
ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres
APP Área de proteção permanente
ARL Área de reserva legal
Art. Artigo
CVRD Companhia Vale do Rio Doce
Dec. Decreto
DPRF Departamento de Polícia Rodoviária Federal
E.E. Estação Ecológica
FLONA Floresta Nacional
GTP Geossistema, território e paisagem
IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis
IBDF Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade
IUCN União Mundial para a Natureza
MMA Ministério do Meio Ambiente
MN Monumento Natural
PARNA Parque nacional
PN Parque Nacional
PNEA Política Nacional de Educação Ambiental
PNMA Política nacional de meio ambiente
PRF Polícia Rodoviária Federal
RB Reserva biológica
RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentável
REc Reserva ecológica
17
RESEX Reserva extrativista
REx Reserva extrativista
RL Reserva Legal
RPPN Reserva particular de patrimônio natural
RPPN Reserva Particular do Patrimônio Natural
RVS Refúgio de Vida Silvestre
SEMA Ministério do Interior
SEMA Secretaria Especial do Meio Ambiente
SISNAMA Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente
SNUC Sistema nacional de unidades de conservação
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SUDEPE Superintendência do Desenvolvimento da Pesca
TGS Teoria Geral dos Sistema
UC Unidade de conservação
UNESCO Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a
cultura
ZA Zona de Amortecimento
18
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 20
PARTE I
CAPÍTULO I – A EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA: TECENDO CAMINHOS E
DESCAMINHOS ...................................................................................................... 25
1.1 A definição ou a indefinição ............................................................................... 28
CAPÍTULO II – O CONHECIMENTO GEOGRAFICO: TECENDO AS CONEXÕES
PERDIDAS .............................................................................................................. 34
2.1 As correntes do pensamento geográfico e suas trajetórias ................................ 41
PARTE II
CAPITULO III – TEORIA GERAL DOS SISTEMAS E SUAS APLICAÇÕES ............ 47
3.1 Teoria Geral dos Sistemas e suas aplicações.....................................................47
3.2. Noções gerais sobre sistemas .......................................................................... 50
3.2.1 Composição dos sistemas: matéria, energia e estrutura..................................52
3.2.2 Principais características da estrutura dos sistemas.........................................52
3.2.3 A classificação dos sistemas ........................................................................... 54
3.2.4 A hierarquia dos sistemas ............................................................................... 56
3.2.5 A noção de equilíbrio....................................................................................... 59
3.2.6 A perspectiva sistêmica ................................................................................... 60
CAPÍTULO IV – ABORDAGEM SISTÊMICA EM GEOGRAFIA ............................... 61
4.1 Geossistema: Um olhar diferente sobre o espaço geográfico ............................ 61
4.2 Sistema GTP: Geossistema, território e paisagem ............................................. 68
19
CAPÍTULO V – UNIDADE DE CONSERVAÇÃO ..................................................... 74
5.1 Breve histórico sobre as unidades de conservação............................................ 74
5.1.1 Contexto Mundial ............................................................................................ 74
5.1.2 Contexto brasileiro .......................................................................................... 76
5.2 Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) .................................. 80
5.2.1 As Unidades de Conservação: seus diferentes tipos e funções ...................... 84
5.2.1.1 Unidade de Proteção Integral ....................................................................... 85
5.2.1.2 Unidade de Uso Sustentável ........................................................................ 86
5.3 Código Florestal brasileiro .................................................................................. 89
5.3.1 Reserva Legal ................................................................................................. 90
5.3.2 Reserva de Preservação Permanente ............................................................. 92
5.3.3 Reserva Particular do Patrimônio Natural. ....................................................... 96
PARTE III
CAPÍTULO VI – ESTUDO DE CASO: RESERVA BIOLOGIA DE SOORETAMA ..... 98
6.1 Descrição da área de estudo.............................................................................. 98
6.2 Uma revisita a história da Rebio ....................................................................... 101
6.3 Desenvolvimento e aplicação do método proposto .......................................... 106
6.3.1 Levantamento ............................................................................................... 108
6.3.2 Seleção da Comunidade ............................................................................... 108
6.3.3 Trabalho de Campo....................................................................................... 108
PARTE IV
CAPÍTULO VII – ENTRELAÇANDO OS OLHARES: O SISTEMA GTP ................. 112
7.1 Geossistema da Rebio: análise da estrutura biofísica e graus de antropização 112
7.2 Paisagem: uma leitura sob a dimensão sociocultural ....................................... 119
7.2.1 Trocando as lentes: o mundo significado........................................................120
7.2.1.1 As percepções de natureza ........................................................................ 127
7.2.1.1.1 Quanto ao conceito de natureza .............................................................. 127
20
7.2.1.2 O local: diferentes olhares ......................................................................... 127
7.2.1.2.1 Mudanças e/ou transformações na região................................................128
7.2.1.2.2 Representação da região ....................................................................... 129
7.2.1.3 Percepções sobre a reserva ...................................................................... 130
7.2.1.3.1 Quanto a importância da reserva ........................................................... 130
7.2.1.3.2 Quais as qualidades da reserva (benefícios)............................................135
7. 2.1.3.3 SIGNIFICAÇAO DOS ENTREVISTADOS SOBRE A DESTRUIÇÃO E A
PRESERVAÇÃO DA NATUREZA ......................................................................... 135
7.2.1.3.4 Quanto à imagem construída da reserva..................................................137
7.2.1.4 Relação da Rebio com a comunidade..........................................................138
7.3 Territórios da REBIO: Repercussões da organização e das funções
socioeconômicas ................................................................................................... 143
7.3.1 O encontro dos territórios ............................................................................. 143
7.3.2 Impasses e desafios no ordenamento do território ........................................ 146
7. 4. Análise dos resultados alcançados ............................................................... 168
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS: BUSCANDO CAMINHOS ALTERNATIVOS E
REPENSANDO AS RELAÇÕES HOMEM-NATUREZA ......................................... 179
9. REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICAS ..................................................................... 172
21
1. INTRODUÇÃO
O texto que se delineará ao longo de pouco mais de cento e cinquenta páginas
traduz mais um capítulo de uma trajetória de pesquisa que, conquanto ainda não
tenha atingido seu epílogo, chega num momento que considero importante,
culminando, ao menos nessa fase, com a pesquisa final do Curso de Mestrado da
Universidade Federal do Espírito Santo, cujo título é ―Geossistema, Território e
Paisagem: o caso da Reserva Biológica de Sooretama‖.
A pesquisa, conforme restará demonstrado, tem como núcleo teórico-conceitual uma
abordagem baseada numa concepção integradora da Geografia. Nesse ponto,
importante dizer que a motivação em se trabalhar com o método GTP (Geossistema,
Território e Paisagem), de autoria de Claude Bertrand e Georges Bertrand, é
decorrência da maneira como os autores conduzem a Geografia, enquanto uma
ciência híbrida, tendo como ideia nuclear a ausência superficial de uma concepção
que possa levar a um conceito dicotômico da questão que envolve o universo da
Geografia.
Lançam-se, assim, as bases, ao menos nessa trajetória de pesquisa por mim
delineada, no sentido de demonstrar e reforçar a ideia de que é possível aplicar um
método de estudo da paisagem que sirva como ferramenta estratégica para
avaliação do meio ambiente em uma perspectiva sistêmica.
Reforço que, dentre outros elementos motivadores, o principal vetor para realização
do presente trabalho tem origem no contato junto à comunidade do entorno da Rebio
de Sooretama; revelador da existência de algumas lacunas que necessitavam, a
meu ver, de aprofundamento, possíveis de serem inseridos numa pesquisa que
guardasse relação com estudo da paisagem numa relação sistêmica com o meio
ambiente.
Esse era o desafio principal que se colocava em estudo. A primeira lacuna guarda
relação com aspecto da ordem socioeconômica, com especial atenção quanto à
22
existência de várias comunidades que desenvolvem atividades econômicas na área
do entorno da Rebio. Oportunamente, por exemplo, conforme se verá, será
abordada a questão relativa ao efeito de que cada componente do sistema natural e
as diferentes atividades do sistema produtivo compõe um quadro complexo e
heterogêneo ambientalmente no que se refere ao objeto em estudo. Verificar-se-á
que se trata de uma base ambiental que apresenta várias evidências de
degradação, sendo que todas as alterações ambientais negativas estão associadas
ao uso inapropriado dos recursos ambientais.
Outro ponto a ser objeto de nossa pesquisa, guarda relação com a problemática
envolvendo o conhecimento científico, diante da carência no número de pesquisas
que buscam relacionar sistema físico-natural e socioeconômico, a partir do sistema
GTP – Geossistema, Território e Paisagem. Não é demais ressaltar que geralmente
os trabalhos que tratam, tanto do uso da terra quanto do ambiente, o fazem a partir
de observações dos aspectos físicos ou humanos, reforçando a dicotomia que será
discutida ao longo desse trabalho.
A pesquisa objetiva reforçar a ideia de que é necessária a busca pela reconexão do
homem/natureza. Mas o que se entende por esta relação sociedade e natureza? É
possível focar este debate na noção de multifuncionalidade do território? Vemos,
assim, que a assertiva do início da frase traz, a um só tempo, questionamentos
importantes e que não podem ser ignorados. Observa-se que na literatura
geográfica, já existem alguns trabalhos que abordam a temática homem-natureza
numa perspectiva voltada para as Unidades de Conservação.
A proposta, portanto, consiste em investigar os conflitos advindos da
multerritorialidade e do manejo dos recursos naturais em áreas destinadas à
conservação da natureza. As Unidades de Conservação têm sido uma estratégia
adotada pela maioria das nações mundiais como forma de garantir a proteção e a
conservação dos recursos naturais. Ao escolhermos a Reserva de Sooretama como
objeto estudo tem-se a oportunidade de associarmos a relação sociedade e
natureza, sob uma perspectiva sistêmica no universo da Geografia.
23
De antemão, importante já evidenciar que a Reserva Biológica de Sooretama
consiste em uma categoria de unidade de conservação ambiental da legislação
brasileira. Enquanto Reserva Biológica tem por objetivo a preservação integral da
biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência
humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de
recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias
para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade e os processos
ecológicos naturais.
Na área de estudo vem sendo constatada, ao longo dos anos, uma acelerada
expansão das áreas ocupadas por atividades agropecuárias, tendo como
consequência a diminuição e fragmentação da área antes ocupada por
ecossistemas naturais. A área circunvizinha à Reserva vem sendo cenário de
diferentes atividades socioeconômicas desenvolvidas desde o século XX. Essa
realidade, baseada na intensa exploração do solo e principalmente no processo de
urbanização, produziram uma nova paisagem, onde a Mata original foi reduzida
apenas a fragmentos isolados.
Por tudo isso, faz-se necessário pesquisar uma proposta metodológica para a
integração de dados físicos e humanos, a partir de uma abordagem que propicie e
releve o aspecto da unicidade. Os diversos estudos realizados, principalmente, na
ciência geográfica, concentram-se na dicotomia que se constitui num problema
relevante para essa ciência. Com isso, o fundamento da pesquisa concentra-se na
preocupação de uma compreensão mais objetiva do espaço geográfico, o que, em
outras palavras, permite-nos, a partir da abordagem sistêmica, construir um corpo
referencial que expresse a unicidade da Geografia nesse estudo.
Considero, assim, o pensamento sistêmico uma importante alternativa para
desenvolvimento do estudo em referência. O pensamento sistêmico se caracteriza
pela busca do entendimento da totalidade, integrada por meio da conexão das
relações e do contexto que está inserido. Enquanto alternativa de método de estudo,
importante destacar que o pensamento sistêmico significa buscar a sua
compreensão no contexto de um todo (mais amplo), pois o entendimento isolado
24
desses fatores dificulta a compreensão do processo e, consequentemente, colocam
em risco os trabalhos que visam solucionar a problemática.
Esse contexto, conforme teremos oportunidade de demonstrar, revelará, dentre
outros pontos, a importância de detectarmos que as diversas variáveis estão inter-
relacionadas no sistema, e que somente ações pontuais não serão capazes de
solucioná-las, pois a complexidade e abrangência destas requerem uma visão
sistêmica que contemple e considere todas as variáveis, a partir de suas
diversidades.
Tudo isso, teremos chance de traduzir no estudo de caso da Reserva Biológica de
Sooretama. Trata-se de uma oportunidade de renovar, nessa concepção em estudo,
a visão de mundo fragmentada e linear. Teremos a possibilidade de trazer à
discussão as conexões perdidas entre o natural e o humano, tomando como
referência a teia complexa dos sistemas a partir das relações, ao longo do espaço-
tempo, das organizações sociais com a natureza.
Feitas essas breves considerações, passemos à estruturação do trabalho, de forma
a compreender sua distribuição, a partir dos temas propostos, e a forma como se
apresenta as abordagens, análises e discussões. O trabalho está estruturado em
três partes, nas quais, ainda que resumidamente, visando fornecer um apanhando
geral da pesquisa, passamos a delineá-las com vistas a auxiliar, diante da
complexidade, a compreensão da pesquisa em referência.
Enfim, os resultados obtidos são consolidados na Parte IV, que trata da proposta
metodológica. O capítulo 6 que se refere ao Estudo de caso com uma abordagem da
caracterização da região, da história do desenvolvimento da região e aplicação do
método proposto. O capítulo 7 – Entrelaçando os olhares: O sistema GTP aplicado à
Rebio Sooretama - retoma as considerações dos capítulos anteriores concatenados
com alguns direcionamentos teóricos, no sentido de oferecer uma proposta de
análise integrada da paisagem da Rebio através do sistema GTP. A proposta
elaborada abrange um conjunto de estratégias, que incluem o esboço de uma
metodologia que permita que sejam perseguidas para alcançar o resultado
almejado: uma abordagem integrada da área de estudo.
25
E, finalmente, são enumeradas as principais conclusões e considerações
alcançadas no desenvolver desta dissertação, com retomada dos objetivos
propostos considerando os resultados e a fundamentação teórica.
Reforço que a expectativa dessa pesquisa é incitar algumas reflexões sobre o modo
com que estamos lidando como a natureza. Não é intuito encerrar as discussões
sobre as áreas protegidas, pois se trata, tão somente, da ponta de um ―inselberg‖
cuja discussão ainda está em construção. No entanto, frente ao ritmo avançado de
destruição da floresta tropical, espero contribuir acerca dos debates sobre a
conservação e preservação deste bioma, na medida de sua importância,
imprescindibilidade e vitalidade.
26
PARTE I
CAPÍTULO I
1. A EPISTEMOLOGIA DA GEOGRAFIA: TECENDO CAMINHOS E
DESCAMINHOS
O modelo reinante tem se revelado ineficaz para a proteção da natureza e tem contribuído para a redução da diversidade cultural, esta última, julgada necessária para a conservação do mundo natural. (Diegues, 2000).
O presente capítulo foi redigido buscando delinear especificidades da Ciência
Geográfica, bem como refletir acerca da discussão de sua epistemologia. O nosso
objetivo é indicar, ainda que de forma geral, algumas características do processo
que deu origem à dicotomia, e, por conseguinte, culminou na ruptura da Geografia
em Geografia Física e Geografia Humana. Discorrer sobre a epistemologia
geográfica é tarefa que exige um espírito audacioso, haja vista as inúmeras
dificuldades que se impõem nesta empreitada.
Nesta reflexão, penso ser interessante abrirmos um parêntese para relembrarmos
rapidamente, apenas para nos situarmos, as transformações históricas que
ocorreram no conhecimento científico e seus desdobramentos na Ciência
Geográfica. E aqui cabe pôr em questão que o conhecimento elaborado pela
humanidade tem se modificado ao longo do tempo, buscando novos arranjos
conforme as transformações econômicas e sociais. Vivemos um período de grandes
modificações que exige um novo repensar nas relações homem-natureza e a
superação da fragmentação do conhecimento. Parece ser inevitável concluir que nos
encontramos em uma fase de transição entre conhecimentos científicos. Esta
transição aponta para a emergência de um novo paradigma científico.
O sociólogo português Boaventura de Sousa Santos (2008) ressalta que a crise do
modelo da modernidade decorre da interatividade de uma série de condições
teóricas e sociais. Destaca, inicialmente, quatro condições teóricas que contribuíram
para a crise do paradigma dominante: 1ª) a teoria da relatividade de Einstein; 2ª) a
27
mecânica quântica; 3ª) o questionamento do rigorismo matemático; 4ª) o avanço do
conhecimento nas áreas da microfísica, química e biologia na segunda metade do
século XX.
O autor chama a atenção para o paradigma atual (paradigma dominante) que
atravessa uma crise devida, principalmente, à fragmentação do conhecimento. Para
ele, o atual momento exige uma revolução científica que rume para a construção de
um novo paradigma (paradigma emergente) que não seja dualista. Propõe um
modelo emergente, o qual denomina ―paradigma de um conhecimento prudente para
uma vida decente‖. Este modelo estrutura-se em um paradigma científico de
conhecimento prudente e em um paradigma social de uma vida decente. Para
justificar o seu modelo, o autor utiliza-se de quatro princípios sobre o conhecimento:
1º) todo conhecimento científico-natural é científico-social; 2º) todo conhecimento é
local e total; 3º) todo conhecimento é autoconhecimento; 4º) todo conhecimento
científico visa constituir-se em senso comum.
Vivemos uma época de grandes transformações nos conceitos e paradigmas,
sobretudo a partir do Segundo pós-guerra, onde os estudos geográficos levaram a
reflexão da relação do homem e da natureza, e suas fragilidades. Neste aspecto,
não há como fechar os olhos para as transformações que vêm ocorrendo na
sociedade. A Geografia não pode ficar inerte frente às alterações que vêm
ocorrendo na conjuntura econômica e social, já que como ciência procura
estabelecer relações entre a sociedade e a natureza. Nessa linha de pensamento,
os debates inseridos nas problemáticas dessa relação são tão antigos quanto a
própria ciência geográfica. Cidade (2001, p. 117) conclui que,
As contradições imbuídas no processo tornaram-se visíveis também na Geografia. Nesse sentido, as diferentes correntes ou paradigmas geográficos têm compartilhado em diferentes graus uma visão segmentada, oriunda de um pressuposto subjacente de ruptura entre sociedade e natureza. O reconhecimento dessa ruptura, no entanto, não implica a expectativa de que uma visão totalizadora ou holística pudesse separar os obstáculos teóricos e metodológicos envolvidos. A questão parece permanecer em aberto.
Fazendo uma retrospectiva do ponto de vista do conhecimento e direcionando o
olhar para a Geografia, a imagem que temos é que, a partir do século XIX, as
28
ciências do homem e as da natureza tomaram caminhos distintos. Essa ruptura nos
levam a entender por que a Geografia, nesse momento, não conseguiu se definir
como natural ou social. Essa dicotomia, entretanto, foi reproduzida internamente
entre os geógrafos, denominando a Geografia como ciência natural (Geografia
Física) e ciência humana (Geografia Humana) conforme esquematizado na figura 1.
O fato é que, a Geografia não reunia nesse momento amadurecimento suficiente
para a construção de uma ciência de articulação. Por isso, é fácil compreender que
ao contrário da integração, o que predominou no final do século XIX e durante mais
da metade do século XX foi a fragmentação.
Figura 1: Representação da interface entre ciências sociais e ciências humanas e a indefinição da Geografia. Organização: Luana Lopes, 2011
A divisão homem-natureza, marco na sociedade ocidental, vem sendo debatida,
particularmente na Geografia, que tradicionalmente tratou essa questão de forma
dicotômica. Não obstante, a demanda da conjuntura da questão ambiental atual
exige um novo paradigma onde homem e natureza façam parte do mesmo processo.
Nesse sentido, esse novo paradigma precisa enxergar o mundo como um conjunto
de coisas e de processos, que estão em articulação e em constante transformação
no decorrer do espaço-tempo.
Ciências Sociais Ciência da natureza
Legenda
Interface
Geografia
29
A definição ou a indefinição?
A Geografia tem recebido, ao longo do tempo, inúmeras definições. Como ciência
se consolidou no século XIX, quando foi sistematizada e ganhou uma metodologia.
Isto ocorreu nesse momento, pois somente então foram satisfeitas e reunidas as
condições plenas para sua existência. O fato é que a Geografia, figurando como
ciência (aspectos téoricos), tem constituído diversas temáticas de discussão. O
relato de Mendonça (2001, p. 15) caracteriza muito bem esse quadro:
Originalmente formada no encontro das ciências humanas, da terra e biológicas, a geografia apresentou desde sua gênese científica uma forte complexidade quanto à sua definição conceitual, bem como a aplicação metodológica; isto sem falar na sua problemática enquanto possuidora de um objeto de estudo que reúne uma série de objetos de estudo de outras ciências.
A Geografia enfrenta problemas epistemológicos e conceituais associados à
dicotomia entre geografia física e humana. Apesar dos avanços dos últimos anos,
ainda há várias discordâncias a esse respeito. Referindo-se a essa temática,
Mendonça (2001, p.27) conclui que:
O tratamento dos aspectos sociais e naturais dentro de uma única ciência, a geografia, constitui-se em um dos seus grandes problemas desde sua origem. A dificuldade da análise ou do trabalho conjunto destes dois elementos caracterizou todo o desenvolvimento da Geografia e, contrariamente à sua evolução, quando se poderia imaginar que tal divisão seria superada no trabalho contínuo, ela ficou mais evidente e se configura agora como um dos mais fortes problemas para a unicidade da ciência em questão. Mesmo se ela tem por objetivo o estudo das relações entre sociedade e o seu meio, por nós entendido como primeira e segunda naturezas, as inúmeras especificidades dos dois elementos acabaram por orientar a visão dos geógrafos que deveriam desenvolver e manter uma visão globalizante da interação dos dois processos, para visões distintas e como desempenhos seguindo abordagens diferentes. Com tais características não se poderia estranhar o fato de a geografia física e a geografia humana possuírem métodos tão diferenciados além de a geografia como um todo possuir uma epistemologia tão complexa.
No prosseguimento dessa temática pode-se observar, pelas considerações acima,
que a Geografia possui um objeto de estudo complexo metodologicamente. A
grande maioria das definições conceituais possui a flexibilidade de abordá-lo sob os
aspectos naturais ou sociais. É lícito, então, admitirmos que, embora muito já se
30
tenha tentado, esta dicotomia não foi satisfatoriamente ainda desfeita, ficando
mesmo estas tentativas apenas na esfera da teoria, não efetivando uma prática
unicionista na Geografia. Hartshorne (1966, p.67) argumenta que a dicotomia em
nada contribui para o desenvolvimento da Geografia salientando que:
Se o papel da Geografia é analisar todas as modalidades de relações que existam entre os diversos fatores, as quais, em seu conjunto, constituem a realidade existente em qualquer área, a insistência em distinguir entre dois grupos particulares dos fatores, os humanos e os não-humanos, introduz vários elementos desfavoráveis ao progresso das pesquisas.
E ainda Hartshorne (1966, p. 91) que, observando que a Geografia é uma ciência
única, ensina que:
Se não existe em Geografia, portanto, uma separação real entre os elementos físicos e os elementos humanos, não temos uma disciplina formada de duas partes distintas. Mas propriamente, trata-se de uma disciplina em que alguns dos aspectos estudados terão sido, presumivelmente, em larga medida determinados pela natureza, sem a intervenção do homem; ao passo que outros aspectos hão de ter sido, em grande parte, determinado pelo homem, agindo ao lado da natureza.
Concordamos com o autor quando afirma que essa dualidade repercute
negativamente no entendimento da Geografia. Podemos delinear algumas reflexões
para nossa discussão:
- Seria impossível trabalhar sociedade e natureza dentro de uma única ciência?
- Seria equivocado analisar ou trabalhar somente os fenômenos sociais ou naturais?
Muitas curvas e meandros levam a esses questionamentos. Por isso acredito que
parte da problemática é consequência direta da deficiência de aprofundamento e de
conhecimento de alguns geógrafos em relação à história e à epistemologia da
Geografia. É forçoso reconhecer ainda que há uma nítida fronteira de descompasso
entre a história da ciência Geográfica e a realidade fática de alguns geógrafos. Sem
vacilo, seu reflexo mais notório, e por vezes o mais cruel, é a sua ruptura, passível
de afirmação justamente para mostrar o quão intrigante e desafiador é o tema.
Como nos explica Mendonça (2001, p. 66),
A geografia é a única entre as ciências humanas a ter em conta os aspectos físicos do planeta (quadro natural). Daí a grande problemática epistemológica
31
e metodológica desta ciência. Analisar os processos que se desenvolvem na natureza e na sociedade, individual e conjuntamente, é tarefa árdua e exige grande competência. Neste sentido não é de se estranhar que boa parte dos geógrafos caia na produção de trabalhos especializados, aprofundando a setorização do conhecimento geográfico. A alternativa – a produção de uma geografia global, envolvendo tanto as análises do meio natural, quanto da sociedade em suas múltiplas relações de causa e efeito -, não significa desenvolver uma ciência de cunho meramente enciclopédico ou descritivo, mas sobretudo caminhar no sentido da fidelidade ao objetivo principal desta ciência: o estudo da relação entre o homem e seu meio, entre a sociedade e a natureza.
E ainda, esclarece:
Os geógrafos físicos e geógrafos humanos que acirram suas especializações de acordo com sub-ramos individualizados da geografia caminham de forma muito ambígua. Analisar ou trabalhar somente os fenômenos sociais esquecendo-se do espaço físico sobre o qual eles se desenvolvem é tão incompleto do ponto de vista geográfico, quanto analisar ou trabalhar o quadro físico de um lugar sem considerar as ações e relações humanas em seus contextos. Todavia, nem um nem outro deixam de ser geografia desde que os fenômenos abordados estejam trabalhados dentro de uma espacialidade, conforme os princípios básicos desta ciência.
O enfrentamento dessa problemática é ampla, profunda e complexa, pede também
uma abordagem com essas características. Nesse sentido, não é tarefa deste texto
esgotar o assunto, tão menos prescreve um receituário de como ocorreu toda essa
transformação na Geografia elencando causas e propondo soluções, e nem poderia
ser de outra forma. O intuito é instigar a discussão e alimentar reflexões sobre a
temática. Não posso, contudo, como geógrafa, deixar de explicitar minha opinião. Na
minha posição de participante dessa realidade, deixarei a minha posição em relação
a esse assunto.
Isso me conduz à seguinte interpretação: a dicotomia geográfica é uma questão de
grande relevo e algumas controvérsias na seara da Geografia. Se observarmos e
analisarmos atentamente a dicotomia delineada ao longo do pensamento geográfico,
na verdade, iremos verificar que ela encontra-se internalizada no geógrafo. Assim é
preocupante ainda que alguns geógrafos insistam em falar que não existe essa
dicotomia na Geografia. Essas constatações facilmente devem conduzir-nos a
considerar que existem muitas contradições e desconhecimento sobre a história da
Geografia. De minha parte entendo que reduzir essa dicotomia ao nível do objeto
32
científico não resolve o problema. Na verdade, transfere-se o problema que era
epistemológico (ciência que define) para um nível ontológico (o ser é que define).
Vemos claramente, portanto, que essa compartimentação só se solidifica, ou seja,
estrutura-se dicotomicamente, quando não se faz as conexões necessárias. Com
efeito, apresenta-se, portanto, uma Geografia ligada à descrição física e outra mais
ligada à descrição dos aspectos humanos. Esse caráter induz a uma visão dualista
da Geografia. Essa questão encontra-se bem alinhavada na própria Geografia,
enquanto fragmento da ciência clássica1, a qual se desenvolveu de maneira
fragmentada, apartando outros fragmentos dentro de seu campo. Sendo assim, a
fragmentação científica do século passado é, sem dúvida, a força que promove o
primeiro impacto na existência da dualidade geográfica.
É notório que a Geografia não é um departamento isolado do conhecimento
científico, sendo possível afirmar que está integrada a outros ramos do
conhecimento, conquanto não se possa esquecer que naturalmente há uma zona
de contato com as outras ciências. Por isso, é essencial que a Geografia se
mantenha fiel ao estudo que se propôs desde sua origem, ou seja, o estudo da
relação do homem e o meio natural. Entendo que é necessário, não um retorno à
natureza, mas uma mudança na relação homem/natureza; uma nova aliança, na
qual a separação seja substituída pela unidade.
Por essa visão, precisa é a lição de Lacoste (apud Mendonça, 2001, p.67) sobre o
tema em explanação:
Embora haja dificuldades, parece necessário manter o princípio de uma Geografia global, ao mesmo tempo física e humana, encarregada de dar conta da complexidade das interações na superfície do globo entre os
1 A ciência moderna desenvolveu o método redutivo ou analítico, baseado nas leis da física clássica,
que estuda a movimentação dos corpos (objetos) no espaço sideral. Essa metodologia, complementada pela filosofia de Descartes, acabou por difundir-se em toda ciência. Com essa difusão metodológica baseada na fragmentação, os campos se desenvolveram dentro de suas próprias especializações, dando a falsa impressão de serem campos separados. Com a ―evolução‖ da ciência, separam-se as ciências que estudam a estrutura da matéria das chamadas Ciências Humanas ou Sociais. É neste momento que se cria a dicotomia sociedade-natureza na ciência.
33
fenômenos que dependem das ciências da matéria, da vida e da sociedade. Bem entendido, este princípio de uma geografia global não exclui absolutamente que alguns geógrafos se especializem nos estudos dos aspectos espaciais dos fenômenos humanos, e outros na análise das combinações espaciais dos fenômenos físicos. É indispensável, porém, que uns e outros guardem contatos suficientes entre si, tenham preocupações epistemológicas comuns e que aqueles que são mais engajados na ação, ocupem-se do emaranhado nesta ou naquela porção do espaço dos diversos fenômenos humanos. Isto não é somente do interesse deles, dos geógrafos; é definitivamente do interesse dos cidadãos.
Pelo exposto, infere-se a importância de se considerar uma visão holística da
Geografia. Tais colocações trazem novas luzes à Geografia, por isso defendemos a
ideia de que a ciência geográfica sustente a visão global do homem e da natureza,
ainda que mantenha especializações. Ora, é preciso romper os muros e estabelecer
o diálogo entre os diferentes conhecimentos, entendendo-os de uma forma mais
abrangente. Trata-se, na verdade, de superar a visão mecânica e linear. É forçoso
reconhecer, ainda, que a dicotomia entre Geografia humana e Geografia física
engessa essa ciência, pois ao renunciar uma delas, o geógrafo reduz seu campo de
atuação, perdendo assim espaço em uma sociedade cada vez mais competitiva.
Assim Mendonça (2004, p. 141) aponta que:
[...] A natureza cambiante do mundo contemporâneo, e da intensidade da velocidade que o qualifica, impõem a necessária simultaneidade de novos olhares, novas técnicas e novas perspectivas sobre o objeto de estudo da Geografia. Impõem, sobretudo, a abertura das mentes para se criar o novo, o diferente, aquele que superará o estágio de dificuldades e limitações de apreensão do real que tão marcadamente ainda caracteriza o presente.
A preocupação do autor revela, antes de tudo, o anseio do geógrafo. Demonstra que
a Geografia não pode servir ao bel prazer de geógrafos dissociados da ontologia
geográfica. A essência da Geografia é a tutela da análise que se encarrega de dar
conta da complexidade das interações na superfície do globo. Não há como separar
o homem do meio físico, que é, em última análise, onde se dá a construção da vida
social da humanidade.
A reflexão sobre as questões abordadas no transcorrer do capítulo, remete-nos ao
seguinte questionamento: há como distinguir natureza e sociedade? Observamos ao
longo do capítulo que o conceito e as práticas geográficas já foram eivados de
34
contradições dicotômicas. Em nossa perspectiva a ciência geográfica vem se (re)
organizando, rumando para restabelecer as conexões perdidas e derivadas da
epistemologia dessa ciência. Sendo assim, o que muitos acreditam ser um novo
paradigma, diferente daquele cartesiano-newtoniano da ciência moderna, na
verdade seria o cumprimento desta responsabilidade por parte da própria ciência
geográfica. Não estaríamos, portanto, vivenciando algo novo, mas simplesmente
tentando solucionar os problemas gerados pela fragmentação da Geografia.
35
CAPÍTULO II
2. O CONHECIMENTO GEOGRÁFICO: TECENDO AS CONEXÕES PERDIDAS
Desde que a vida surgiu na terra, passaram-se 380 milhões de anos até que uma borboleta aprendesse a voar; outros 180 milhões de anos passaram-se para gerar uma rosa que não tinha obrigação alguma além de ser bela; e passaram-se mais quatro épocas geológicas até que homens se tornassem aptos a cantar melhor que os pássaros e morrer por amor. Não faz justiça ao talento humano ter inventado, na idade áurea da ciência, um caminho através do qual se tornou possível um desenvolvimento tão gigantesco e transformador, para o que foram precisos milênios, e que pode reverter-se ao nada de onde partiu, isso graças à arte primitiva de apertar um botão.” (Gabriel Garcia Márquez apud KESSELRING, 1992)
As informações colocadas no capítulo anterior abordam algumas considerações
interessantes sobre a epistemologia da Geografia e discute problemas relacionados
à fragmentação da ciência. Esse capítulo dá sequência às reflexões, oferecendo um
quadro amplo sobre as transformações ocorridas na relação entre sociedade e
natureza na organização do espaço. Um panorama do pensamento através da
História é sempre esclarecedor para que possamos compreender a situação atual
em que vivemos. Desvendar a história é buscar entender a relação que o homem
estabelece com o mundo, é conhecer um pouco de nós mesmos.
Desde as civilizações mais antigas até os tempos modernos, o saber geográfico
sempre esteve presente possibilitando aos seres humanos conhecer e dominar o
espaço. Nessa perspectiva, a Geografia sempre exerceu um papel importante nas
transformações promovidas no espaço, pois procura estabelecer relações entre
sociedade e natureza, com o intuito de compreender o espaço produzido pelo
homem. Este capítulo vem descrever o histórico do pensamento geográfico e sua
importância para o que conhecemos como a ciência geográfica nos dias de hoje
Nesse sentido, cabe ressaltar as concepções de mundo que permearam cada
momento histórico do pensamento geográfico. Seguindo uma linha mestra, não
obstante não possuirmos exatidão acerca do conhecimento sobre as origens da
Geografia, pode-se considerar consensual que estas remontam à pré-história. Para
36
ilustrar, é pertinente lembrar que desde os tempos mais remotos percebe-se que o
saber geográfico sempre esteve intrínseco ao homem em seu processo de
reprodução social, que, mesmo inconscientemente, utilizava-se de noções
essencialmente geográficas.
Na antiguidade, os conhecimentos geográficos estavam mais estruturados em
comparação aos desenvolvidos pelas sociedades pré-históricas. As sociedades
egípcia, grega, romana, fenícia, mesopotâmica, chinesa, inca, entre outras,
desenvolviam um conhecimento geográfico independente que tinha como intuito
atender suas próprias necessidades de compreensão do mundo que os circundava.
Assim, pode-se dizer que as ideias geográficas, em coexistência com as de outras
ciências nesse período, desenvolveram-se a partir do conhecimento prático de
exploração da Terra e das observações dos viajantes, ao lado da sistematização de
pensadores, filosófos e matemáticos.
Nesse sentido, as diferenças de contexto e de visões de mundo encontravam
correspondência clara nas visões da natureza dessas sociedades onde estão
imbricados valores, sentimentos, vivências, entre outros. Há, pois, um aspecto
mitificado na relação do homem com a natureza. Esses povos serviam-se de
crenças, mitos, rituais e magia para explicar fenômenos naturais, que, à primeira
vista, eram inexplicáveis. Para Viana (2008 p. 36)
A humanidade é basicamente antropocêntrica em sua relação com a natureza, o que se expressa na própria construção do conceito de natureza de cada sociedade. Logicamente, isso não quer dizer que não exista ―uma natureza natural‖, mas, sim, que ao eleger sua representação de natureza, cada sociedade socializa essa relação. Para cada sociedade humana, a natureza tem uma definição cultural específica. É, portanto¸ um conceito que foi se transformando ao longo da história das sociedades. Por exemplo, o que é recurso natural para uma sociedade pode não sê-lo para outra.
Traçando um paralelo, é possível estabelecer que na idade média, a proposição
geográfica não era testada com a experiência devido à fraca mobilidade e, por isso,
a Geografia, nesse período, evoluiu de forma irrisória. Durante esse período a
imagem do mundo era feita a partir de interpretações bíblicas, percebe-se que nesse
transcurso o distanciamento homem e natureza se acentua, a natureza é colocada
37
em segundo plano. O cristianismo distancia ainda mais o homem da natureza. O
contexto histórico explicitado demonstra a oposição entre homem e natureza
produzida na Idade Média. Com efeito, válido transcrever as ponderações de
Gonçalves (2006, p. 336) a respeito dessa temática:
Deus sobe aos céus e, de fora, passa a agir e controlar o mundo imperfeito dos homens, sendo que ao mesmo tempo, os homens são feitos à imagem e semelhança de Deus. Com isso, passam a acreditar que tudo podem, que não existe limite aos elementos que a compõem, se tornando ―senhor e possuidor‖ da natureza.
Drew complementa dizendo,
A ideia do homem como um ecônomo ou guardião do mundo da natureza também existe, de certa forma , no pensamento pré-cristão, e essa falta de total separação do homem e da natureza ainda persiste, em grau limitado, no islamismo e no judaísmo. O cristianismo, sobretudo em seus pronunciamentos oficiais, também em parte como reação aos cultos pagãos da fertilidade da terra (por exemplo, festas sazonais como o Primeiro de Maio e outras), dá-se sempre à separação entre os seres humanos e o resto da criação. Esse distanciamento mental no pensamento do ocidente perdura até hoje. Embora a ética cristã já não mantenha essa atitude fundamental, a ideia de natureza como um inimigo a ser combatido e subjugado permanece como parte de nossas concepções econômicas e científicas. (DREW, 2005, p. 2)
Foi somente durante o processo de desenvolvimento do capitalismo e com o
expansionismo europeu, iniciados no século XVI, que os conhecimentos geográficos
foram sendo organizados de forma precisa. Com o passar do tempo, o homem
substituiu as explicações religiosas, e a partir daí a natureza perdeu o status de
fonte mantenedora da vida. Nesse momento, rompeu-se o elo homem-natureza, ou
seja, o homem mudou sua concepção como parte do natural. Nesse sentido
natureza e homem passaram a ser duas coisas distintas.
É interessante observar que há uma mudança de paradigma, com o tempo e com a
evolução do homem. Assim, a substituição da concepção mística ocorreu quando o
homem começou a se comportar como o centro da natureza perdendo o conceito
divino de integração com o mundo natural. Vê-se, pois, que a natureza torna-se
assim um objeto de subjugação e de dominação do homem que imporá sua ação
sobre ela. O que significa dizer que o homem se coloca em oposição, consagrando a
38
si mesmo um poder absoluto sobre a natureza. Santos (2008, p.17) caracteriza
muito bem essa transformação:
No começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía seu espaço de vida com as técnicas que inventava para tirar do seu pedaço de natureza os elementos indispensáveis à sua própria sobrevivência. Organizando a produção, organizava a vida social e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos. A cada constelação de recursos correspondia um modelo particular. Pouco a pouco esse esquema se foi desfazendo: as necessidades de comércio entre coletividade introduziram nexos novos, e também desejos e necessidades, e a organização da sociedade e do espaço tinham de se fazer segundo parâmetros estranhos às necessidades íntimas ao grupo.
Entendemos o eixo central desta discussão como sendo aquele fio condutor que
norteia o pensamento moderno fundamentado na possibilidade de objetivação do
mundo, onde a natureza se transforma na fonte única para a técnica, a ciência e a
indústria. Se bem observarmos, a grande ruptura ocorrida nesse período foi a
inserção de novos caminhos que trazem à baila uma nova concepção de natureza e
homem, criada a partir do capitalismo. O relato de Santos (2008, p. 17), caracteriza
muito bem esse quadro:
A história do homem sobre a Terra é a história de uma ruptura progressiva entre o homem e o entorno. Esse processo acelera quando, praticamente ao mesmo tempo,o homem se descobre como indivíduo e inicia a mecanização do Planeta, armando-se de novos instrumentos para tentar dominá-lo. A natureza artificializada marca uma grande mudança na história humana da natureza. Hoje, com a tecnociência alcançamos o estágio supremo dessa evolução.
Uma visão, ainda que pouco aprofundada, permite-nos apontar como ocorreram os
delineamentos dessa ciência na Idade Moderna, caracterizada por ser o período dos
grandes descobrimentos, realizados especialmente pelos navegadores portugueses
e espanhóis. Entretanto, esse momento histórico representou uma época de
renovação e de intensa atividade, embora as viagens de descobrimentos e
reconhecimentos científicos desenvolvidas pelos europeus acabaram por produzir
uma Geografia exclusivamente descritiva e narrativa dos lugares. Percebe-se, então,
a importância que essas produções representaram, pois foram as primeiras bases
de formação da Geografia como ciência.
39
É particularmente importante assinalar que o conhecimento geográfico até o final do
século XVIII era meramente prático, empírico e descritivo. Esses fatos podem levar-
nos a apontar esse momento como o encerramento do período do ―senso comum2‖,
pois os conhecimentos geográficos estavam dispersos e interligados dentre outras
formas de conhecimento e dentre vários objetos de estudo distintos, não
sistematizados. O conhecimento geográfico até meados da Idade Moderna se
encontrava disperso, as matérias apresentadas com essa designação eram bastante
diversificadas, sem um conteúdo unitário. O que significa dizer que muito do que se
entende presentemente por geografia, não era apresentado com este rótulo. Este
quadro vai permanecer inalterado até o final do século XVIII. Esse fato é bem
caracterizado por Mendonça (2001, p. 15) ao afirmar que
A geografia, tendo como característica uma forte influência do conhecimento cultural, transmitido de geração para geração, portanto senso comum, foi por muito tempo desenvolvida socialmente sem que possuísse o rótulo que conhecemos atualmente, pois o homem sempre foi um geógrafo, no sentido mais amplo da qualificação. Somente no final do século XVIII é que alguns cientistas sistematizaram tal conhecimento, esfacelado ou disperso numa enorme gama de ciências e no saber cultural, e assim criaram a ciência
chamada Geografia.
O propósito dessa breve retrospectiva, ainda que de forma superficial, é tentar
compreender como se deu o distanciamento do homem e da natureza no contexto
histórico do pensamento geográfico. Feito esse resgate, passemos à
esquematização das fases da história da Geografia. A figura 2 ilustra como se
processou esse desdobramento no âmbito da ciência geográfica buscando apontá-
lo de forma simples, ainda que sintética, não obstando a amplitude e a magnitude
do tema.
XVI XVII XIX XX
a.C d.C
_ _ _ _ _ _ _ _
_ _ _ _ _ _ __ _ _ _ __ _ _ _ __ _ _ _ __ _ _ _ _
2 O senso comum é aquele conhecimento que se desenvolve a partir do momento em que o ser
humano adquire a faculdade de pensar e acumular na mente a realidade; estando diretamente ligado à vivência e à cultura à qual o indivíduo pertence, ele é passado de geração a geração. Mendonça (2001, p. 12)
a b
40
Figura 2 – representação esquemática do histórico do pensamento geográfico. Organização: Luana Lopes, 2011.
É possível constatar que ocorreram mudanças significativas no pensamento
geográfico no decorrer do tempo. Tal fato pode ser verificado principalmente após
sua institucionalização ocorrida no início do século XIX. Se observarmos e
analisarmos atentamente a história da Geografia, podemos verificar que pensar a
Geografia como conhecimento autônomo, particular, demandava certo número de
condições históricas, que somente nesta época estarão suficientemente
amadurecidas (MORAES, 1990).
Enfatiza-se que o conhecimento geográfico somente adquire seu caráter científico
em fins do século XIX, a partir dos estudos de Alexander Von Humboldt e Karl Ritter,
que deram à Geografia um método de análise própria, sistematizando, enfim, o
conhecimento geográfico. Aqui é importante lembrar que a influência desses autores
foi crucial para conferir à Geografia o seu caráter científico, imprimindo uma
característica própria e exclusiva, tentando estabelecer a unicidade homem-
natureza, enquanto método de estudo da realidade. Nesse momento, a Geografia
abandonou o papel puramente descritivo e passou a explicar fenômenos e suas
inter-relações, tornando-se uma ciência.
Nesse momento, a Geografia passa a ser interpretada através das relações entre o
homem e a natureza, relacionando os aspectos sociais ao meio ambiente. Esses
autores partem do princípio holístico — prevalecente no Iluminismo e no
Romantismo —, ou seja, pensar, ou considerar a realidade, segundo a qual nada
pode ser explicado pela mera ordenação ou disposição das partes, mas antes pelas
Geografia pré-histórica
Geografia grega
Geografia romana
Geografia renascentista e pós-renascentista
Geografia contemporânea/Geografia institucionalizada
a: longo passado da Geografia
(senso comum)
b: breve história da Geografia
a: longo passado da Geografia (senso comum) a: longo passado da Geografia (senso comum)
b: breve história da Geografia
41
relações que elas mantém entre si e com o próprio todo. Segundo Moreira (2006),
para Humboldt a superfície terrestre seria a globalidade do planeta, partindo de
diversas interações orgânicas e inorgânicas e, para Ritter, parte das
individualidades, de um ser único. Nesse sentido, não se concebe o homem e a
natureza em separado, porque para esses autores a referência da Geografia é a
superfície terrestre, e o homem, o ser que vive nessa superfície.
A partir do exposto, verifica-se a importância de ressaltar que a segunda metade do
século XIX descortina uma nova fase no âmbito das ciências, ocasionadas pelo fim
da influência da filosofia idealista alemã e da emergência do Positivismo que teve
implicações em todos os campos científicos com a fragmentação do conhecimento
(MOREIRA, 2006). Nesse sentido, ocorre uma profunda mudança marcada pela
fragmentação do conhecimento. No decurso dessa evolução há uma transformação
na relação do homem com a natureza. Moreira (2006, p. 26) escreve, revelando
como essa mudança atingiu a Geografia:
Em verdade, estamos na presença de uma radical mudança no conceito de natureza. A natureza holista dos iluministas e românticos vê seu conteúdo reduzido ao de uma natureza inorgânica, tornando-se uma coisa física. Então, chamaram-se de geografia física sistemática a estas geografias setoriais aí surgidas. A esfera do orgânico, embora êmulo da geografia integrada de Humbolt, é deixada de lado. E a esfera humana é simplesmente abandonada. Uma mudança no conceito de homem então se dá em paralelo, excluído da natureza. Excluído o homem da natureza, todos os fenômenos saem definitivamente do contexto holístico. Muda, assim, por extensão, o conceito de Geografia, seu campo e seu objeto. E todo um novo discurso aparece. O abandono do conceito holista é seguido do abandono do conceito de região. Depois se abandona o caráter espacial da estabelecido desde Kant. E, por fim, o método comparativo formulado por Ritter. Dessa forma, vêm a desaparecer todos os conceitos e fundamentos que constituíram o discurso geográfico dos séculos XVIII-XIX, tornando-se daí em diante ‗impossível realizar um sistema geográfico coerente‘ no campo da geografia, conforme arremata Tatham.
42
2.1 As correntes do pensamento geográfico e suas trajetórias
Ao longo da consolidação da Geografia como campo de conhecimento e após a sua
sistematização como ciência, no século XIX, surgiram diferentes correntes teóricas e
metodológicas. Os desdobramentos, rupturas, transformações e recombinações
expressam-se até os dias atuais, também sob diferentes vertentes. Torna-se
necessário ressaltar que a intenção não é fazer uma linearidade, tão pouco dar a
ideia de que houve uma substituição de uma corrente por outra, como se fosse
possível enterrar definitivamente o pensamento precedente. Aqui, o intuito é
delinear as diversas perspectivas que nortearam a evolução da ciência geográfica,
ou seja, procurando entender os momentos em que há a passagem de preeminência
de uma visão para outra.
Enveredando-se pelo histórico do pensamento geográfico é possível constatar que
dentro da visão determinista perdurou aquele enfoque generalizante e descritivo que
caracterizou a fase anterior do pensamento geográfico. A Filosofia Positivista3 e as
idéias de Darwin4 influenciaram em muito a teoria do determinismo geográfico. A
Geografia de Frederich Ratzel privilegiaram a visão das influências naturais sobre a
evolução das sociedades. Essa Geografia mantém uma visão naturalista da
sociedade, com a conotação de que o aspecto físico dos lugares determinava a
atividade humana. Com efeito, é interessante analisar o enquadramento realizado
por Corrêa (1995, p. 100) na medida em que oferece ferramentas que possibilitam
uma análise mais crítica desse momento:
Uma concepção filosófica, ao mesmo tempo bela e ambiciosa, cunhada nesses primórdios da geografia moderna é a da unidade existente entre o homem e a natureza. A abordagem de tal unidade tornar-se-á um desafio constante em toda a história da geografia. A totalidade homem-natureza
3 Uma concepção filosófica instaurada por Auguste Comte (1798-1857). O Positivismo foi uma
corrente filosófica que apareceu como reação ao Idealismo, opondo ao primado da razão, o primado da experiência sensível (e dos dados positivos). Propõe a ideia de uma ciência sem teologia ou metafísica, baseada apenas no mundo físico/material. 4 Trata-se de uma noção derivada da ideia pós-darwiniana do homem enquanto produto da seleção
natural, por inexoráveis processos da natureza. (Drew, 2005, p. 4).
43
será preocupação central da chamada ‗visão homem-meio‘ que se afirma através do determinismo geográfico; uma abordagem que caracterizava bem o final do século XIX.
Em tal abordagem, as diferentes formas de organização do espaço, suas desigualdades, eram pensadas de modo a-histórico, como resultado de condições ambientais, climáticas, sobretudo. Como só acontece com a ideologia dominante, ‗naturalizava‘ os problemas, pondo-os para fora da história. As explicações para o fenômenos eram sempre de ordem climática ou biológica.
Percebe-se que a dicotomia geográfica tende a se materializar gradativamente no
percurso geográfico. Enfim, a dicotomia geográfica é concretizada na Geografia
possibilista, que fez uma acentuada ruptura com a antiga tradição naturalista. Nesta
abordagem a Geografia se desenvolveu através de caminhos, cuja dicotomia entre
os aspectos humanos e físicos se fez mais presente.
Foi Vidal de La Blache que lançou as primeiras sementes que dariam ascendência
ao desenvolvimento da Geografia regional. La Blache, como os geógrafos da sua
época (e anteriores), considerava a natureza ―unificada‖. Contudo, separavam
nitidamente os aspectos naturais e humanos, evidenciando o segundo em
detrimento do primeiro. Não havia, contudo, uma ligação entre os dois campos, que
seguiam estritamente o que propusera Varenius. Esse método dava um caráter
estático e estanque à análise geográfica.
Com efeito, válido transcrever as ponderações de Mendonça (2004, p.25) a respeito
da contribuição de La Blache para a evolução do pensamento geográfico:
Sua contribuição para a evolução do pensamento geográfico é marcante não somente porque faz uma abordagem regional, mas, sobretudo porque acentua a separação entre elementos físico-naturais e elementos humano-sociais das paisagens. Nem mesmo sua proposta de análise regional conseguiu inter-relacionar o homem com o meio natural. Para este autor, o meio físico nada mais era que um suporte para o desenvolvimento dos grupos humanos; estes elementos pareciam não se relacionar, nem ser influenciados um pelo outro.
A dicotomia entre Geografia Física e Geografia Humana surgiu e se fortaleceu
dentro da Corrente Possibilista, que deu muita ênfase nos aspectos humanos e
sociais em detrimento dos físicos. No início do século XX, De Martonne passou a
estudar o meio físico dividido em vários ramos. Em sua obra, ―Tratado de Geografia
Física‖, De Martonne apresenta os primeiros passos para o surgimento dos sub-
44
ramos dentro da Geografia Física: geomorfologia, biogeografia e a climatologia. Em
contrapartida, Max Sorre desenvolvia estudos e influenciava as produções de
Geografia Humana, tendo como foco principal o homem. Nesse mesmo período,
Elisée Reclus criava a Geografia Social, tentando uma produção mais unitária,
contudo não houve um aprofundamento.
Ao se falar desta parte da história da Geografia, marcada pelo método positivista,
não se pode deixar de discorrer sobre as transformações que ocorriam no mundo.
Em face da importância, citaremos os mais importantes acontecimentos que
nortearam essa modificação, dentre os quais poderíamos elencar as duas Grandes
Guerras Mundiais, o surgimento dos países socialistas, o confronto entre países
socialistas e capitalistas e a revolução tecnológica. Nesse amálgama, muitas
correntes de pensamento geográfico se sucederam, procurando melhor definir essa
ciência.
Ressalva-se que o desejo de fazer da Geografia um estudo mais científico e mais
aceito como disciplina, levou à adoção da Estatística e da Matemática como
recursos de apoio. A Geografia Quantitativa propunha a criação de modelos ou de
fórmulas matemáticas para melhor explicar os fenômenos geográficos. A nova
Geografia teve uma aceitação mais acentuadamente nos setores governamentais,
no planejamento, com a utilização da teoria dos sistemas. Nesse momento, a
Geografia Física auferiu uma abordagem densamente impregnada pela teoria dos
sistemas, resultando na sua modalização e numerização. Nesse momento, o meio
natural era tratado sem grande importância.
Com efeito, válido transcrever as ponderações de Corrêa (1995, p. 106) a respeito
da temática em explanação:
Sem romper com os fundamentos teóricos e filosóficos da geografia tradicional, a chamada ‗nova geografia‘ não fez mais que precisar (matematicamente) as imprecisões da geografia tradicional e, assim, viria a facilitar a identificação dos seus problemas. Esta sim sua maior contribuição. Todavia, apesar dessas implicações, ou até mesmo por elas, a ‗nova geografia‘ exercerá um papel significativo no pensamento geográfico. Gozando de enormes facilidades de autopromoção, através de revistas especializadas, realização de congressos e simpósios, ainda terá à
45
disposição os novos e poderosos meios de comunicação de massa que se encarregarão de abrir espaço para sua chegada triunfante aos quatros cantos da terra. As disparidades regionais passavam a ser anunciadas amplamente através de toda uma numerologia, sem que se desse conta do processo real — o movimento de circularidade do capital — que está subjacente e que produz desigualdade.
Desta forma, em oposição ao pensamento da Nova Geografia, emerge a partir da
década de setenta a Geografia Crítica, a qual se coloca como um divisor de águas
na Ciência Geográfica, rompendo com a sua produção acadêmica tradicional, além
de questionar a perspectiva geográfica posta exclusivamente sobre o produto da
ação do homem no espaço. Essa corrente é calcada no materialismo histórico e na
dialética marxista.
Evidentemente o rompimento estabelecido pela Geografia Crítica, atingiu todas as
áreas e especializações da Geografia. Um desdobramento contundente de tal visão
recaiu sobre a eterna polêmica da dicotomia natureza/sociedade na ciência,
resultando no alijamento dos estudos da natureza física do âmbito da Geografia
Crítica. Nesse período, percebe-se que a Geografia Física obteve praticamente uma
continuidade individualizada.
Prestando o seu valioso e ilustrativo magistério sobre o tema, salienta Mendonça
(2004, p. 29) que
Trata-se daquela postura de um grupo de geógrafos humanos – partimos do pressuposto de que estes existem, já que existem os geógrafos físicos – que, a partir de meados dos anos 60, têm insistentemente afirmado que a geografia física não é geografia, principalmente a do período que ora abordamos (positivismo). Essa postura sustenta que aquele estudo da natureza dissociado da sociedade, ou qualquer estudo da natureza que não a considere enquanto mercadoria, feito pelo geógrafo, não é geografia. Tal postura, desenvolvida mais fortemente entre os adeptos da chamada ―Geografia Radical‖ – de cunho marxista ortodoxo – é no mínimo injusta para com aqueles que propuseram e desenvolveram a ciência geográfica até aproximadamente os anos 50 deste século, para não tachá-la com adjetivos depreciativos; ao se afirmar que aquele conhecimento da distribuição espacial da natureza não é geografia deduz-se que somente o outro, relativo ao homem e sua sociedade, o é. Se assim fosse, o pensamento geográfico sairia certamente empobrecido: seria uma outra ciência, completamente distinta da que se desenvolveu. É no mínimo contraditório, o fato de este movimento ter ser originado entre geógrafos marxistas, pois esta corrente de pensamento sempre atacou veementemente o positivismo em função do apelo ao cientificismo exacerbado e pelo fato de somente considerar ciência aquele conhecimento produzido segundo seus princípios básicos; tais marxistas, ao assim
46
procederem – ou seja, afirmando que somente era geográfico aquilo que se produzisse conforme suas considerações – foram tão positivistas quanto os próprios geógrafos positivistas.
Ademais, no contexto da Geografia, já há algum tempo levantam-se questões
relativas à fragmentação do conhecimento, reveladas em dicotomias bastante
discutidas. Como dito, a preocupação da Geografia Moderna está na interação dos
aspectos físicos e sociais, diferentemente da Geografia Tradicional que dividia os
seus estudos em dois setores bem distintos, os quais seguiam paralelos e nunca se
completavam. De um lado os fatores físicos, do outro os fatores humanos. Não se
atentava para o fato de que os elementos geográficos deviam ser estudados em
conjunto e não separados.
Dentre as transformações ocorridas na Geografia apontadas ao longo do capítulo,
ficou evidenciado que a concepção sistêmica não é recente, podendo ser detectada
desde a antiguidade clássica. Vê-se, nessa perspectiva, que essa prática geográfica
fundamentada no enfoque geossistêmico é encontrada na Teoria Geral dos
Sistemas (TGS), representando substancial esforço no arsenal teórico-metodólogico
da Geografia. Assim, na busca da construção de um conhecimento mais conjuntivo,
alguns geógrafos tomaram como base o pensamento sistêmico com o objetivo de
promover uma análise que explique a organização de um sistema espacial segundo
as interações que se processam entre os atributos formadores e que lhes confere
caráter dinâmico e não-linear.
Esse entendimento decorre da compreensão de que o conteúdo dessa noção
expressava a ideia da interação entre todos os componentes naturais — rocha,
relevo, clima, água, solo e vegetação — e sociais em um espaço físico concreto.
Este conceito integrador expressava uma nova visão da Geografia em contradição
com a visão tradicional da análise isolada dos componentes naturais, que não
permitia a interpretação das influências mútuas entre os componentes naturais,
empreendidos sob uma visão metafísica e mecanicista.
No transcorrer do texto, verificamos que a Geografia é uma ciência que vem desde
seus primórdios discutindo sua identidade, seu objeto, seu método. Como pode ser
47
visto, passou por várias tendências e escolas de pensamento, e se reorganiza para
busca das conexões perdidas, melhor dizendo a unicidade entre os aspectos físicos
e humanos como necessidade imperante do momento atual. A despeito das
inflexões que o tema merece, busca-se que esta unidade possibilite aos geógrafos
uma melhor compreensão acerca da pesquisa em análise, possibilitando traçar
novos parâmetros e perspectivas para responder às demandas apresentadas pelos
problemas do mundo contemporâneo.
48
PARTE II
CAPÍTULO III
TEORIA GERAL DOS SISTEMAS E SUAS APLICAÇÕES
3.1 Teoria Geral dos Sistemas
A ideia de sistema tem uma longa história. Para ilustrar, é pertinente lembrar que
desde a Antiguidade, pensadores como Aristóteles, Platão, Sócrates, já se
utilizavam desse conceito à medida que procuravam formas de compreender e
explicar os acontecimentos, fenômenos da natureza e o comportamento humano.
O termo sistema se origina da combinação de dois radicais gregos: syn, que
corresponde ao cum latino e significa ―junto‖, ―associado‖; e thesis, com significados
de ―composição‖, ―união‖. Seu sentido literal é um tanto redundante, dando ideia de
uma construção solidária, unificada. O sentido fundamental a ser preservado é o de
síntese, conjunto unificado, constituído de partes solidárias, de alguma forma
articuladas entre si e não reunidas por acaso (BRANCO 1999).
Embora o termo ―sistema‖ não tivesse sido empregado com esse rótulo, a história
desse conceito inclui muitos nomes ilustres. Sob a designação de ―filosofia natural‖,
podemos fazê-lo remontar a Leibniz, a Nicolau de Cusa, com sua coincidência dos
opostos, à medicina mística de Paracelso, à visão da história de Vico e Ibn-Kaldun,
considerada como uma série de entidades ou ―sistemas‖ culturais, à dialética de
Marx e Hegel, para não mencionar mais do que alguns poucos nomes dentre uma
rica panóplia de pensadores (BERTALANFFY, 2008).
A aplicação da Teoria Geral dos Sistemas teve início nos Estados Unidos nas
primeiras décadas do século XX, em conformidade com o avanço da Cibernética.
Como se verá na sequência a sua utilização nas ciências naturais é resultado do
trabalho precursor de Bertalanffy que a aplicou à Biologia e à Termodinâmica.
49
Ademais, várias décadas foram necessárias para que tais preceitos se estendessem
pelo conjunto das ciências e pela totalidade das ciências naturais.
Os estudos da TGS foram aplicados, a princípio, à Termodinâmica e à Biologia,
somente mais tarde sua aplicação se fez presente na Geografia. Na ecologia,
Tansley (1937), utilizando esse método criou o conceito de ecossistemas que mais
tarde influenciou a Geomorfologia (Chorlley, 1944) particularmente, e a Geografia
Física (Sotchava, 1962; Bertrand, 1968; Tricart, 1977, etc) no geral. Como se pode
observar, a teoria geral dos sistemas não se resumia ao mundo convencional das
ciências físicas e biológicas, mas se estendia a diferentes áreas do conhecimento
(MENDONÇA, 2001).
A TGS surgiu pela necessidade de se buscar novas orientações para a ciência. Essa
necessidade, por sua vez, apontou para a fragmentação da visão mecanicista como
uma dificuldade para a compreensão dos problemas colocados pela complexidade
do mundo moderno. Ou seja, a análise por meio das séries causais isoláveis e o
tratamento por partes se mostraram insuficientes para atender aos problemas
teóricos, notadamente nas ciências biossociais e aos problemas trazidos através da
tecnologia moderna (BERTALANFFY, 2008).
A colocação de novas concepções e as novas formas de compreender o mundo
constitui-se numa interpretação integrada da natureza, exigindo visões mais
abrangentes que tem sentido contrário da ótica reducionista. Nesse sentido, a
revolução científica promovida pelo conceito de sistema tem sua base na
contradição deste com os postulados da ciência clássica, baseados no procedimento
analítico. Nesse sentido, a ideia a ser explorada pela TGS não é a compreensão
linear/controle/previsibilidade sobre um objeto isolado de uma análise (como a
ciência moderna pretendeu), mas sim compreender a estrutura organizacional e as
conexões interiores e exteriores entre o objeto de estudo e o ambiente do qual ele
faz parte.
A esse respeito, Bertalanffy (2008, p. 31) apresenta a seguinte justificativa:
50
A necessidade resultou do fato do esquema mecanicista das séries causais isoláveis e do tratamento por partes ter se mostrado insuficiente para atender aos problemas teóricos, especialmente nas ciências biossociais, e os problemas práticos propostos pela moderna tecnologia. A viabilidade resultou de várias novas criações – teóricas, epistemológicas, matemáticas, etc. – que, embora ainda no começo, tornaram progressivamente realizável o enfoque dos sistemas.
Vê-se, nessa perspectiva, que essa teoria interdisciplinar era capaz de transcender
aos problemas específicos de cada ciência e proporcionar princípios gerais e
modelos gerais para todas as ciências envolvidas, de modo que as descobertas
efetuadas em cada ciência pudessem ser utilizadas pelas demais. Essa teoria
possibilitou o isomorfismo das várias ciências, permitindo maior aproximação entre
as suas fronteiras e o preenchimento das lacunas entre elas (BERTALANFFY,
2008).
Os pressupostos básicos para a teoria de Bertalanffy foram os seguintes:
a) Há uma tendência geral no sentido da integração nas várias ciências, naturais e
sociais.
b) Esta integração parece centralizar-se em uma teoria geral dos sistemas.
c) Esta teoria pode ser um importante meio para alcançar uma teoria exata nos
campos não físicos da ciência.
d) Desenvolvendo princípios unificadores que atravessam “verticalmente” o
universo das ciências individuais, esta teoria aproxima-nos da meta da unidade
da ciência.
e) Isto pode conduzir à integração muito necessária na educação científica.
Essa teoria é essencialmente totalizante, pois os sistemas não podem ser
plenamente compreendidos apenas pela análise separada e individualizada de cada
uma de suas partes. Seguindo essa premissa, a TGS se baseia na compreensão da
dependência recíproca de todas as disciplinas e da necessidade de sua integração.
Assim, os diversos ramos do conhecimento, até então estranhos uns aos outros pela
intensa especialização e isolamento consequente, passaram a tratar seus objetos de
estudos como sistemas.
51
3.2 Noções gerais sobre sistemas
A definição de sistemas o constitui como conjuntos de elementos que se relacionam
entre si, com certo grau de organização, procurando atingir um objetivo ou uma
finalidade.
Ambiente
Retroação (feedback)
Figura 3 - Representação esquemática de um sistema assinalando os elementos (A, B, C e D) e suas relações, assim como o evento entrada e o produto de saída. Organização: Luana Lopes, 2011.
Os sistemas apresentam entrada (input) e saída (output), respectivamente. A
entrada é constituída por aquilo que o sistema recebe, ou seja, é o que o sistema
importa do meio ambiente para ser processado. Cada sistema é alimentado por
determinados tipos de entradas. As entradas recebidas pelo sistema sofrem
transformações em seu interior, e depois são encaminhadas para fora. A saída é o
resultado final do processamento de um sistema.
As unidades ou elementos que são as partes componentes do sistema possuem
atributos ou qualidades que imprimem características a elas e ao sistema. Sendo
assim, dependendo do tipo de sistema, podem-se eleger propriedades para melhor
descrever as suas partes. A retroalimentação do sistema ou feedback pode ser
considerado como a reintrodução de uma saída sob a forma de informação.
A
B
C
D
ENTRADA input
SAÍDA output
52
Segundo Durand apud Branco (1999, p. 77) a teoria dos sistemas é regida por
quatro conceitos principais:
i. A interação entre os elementos do sistema é a ação recíproca que modifica o
comportamento ou a natureza desses elementos. Diferentemente do estabelecido
pela ciência clássica, a relação entre dois elementos A e B não é
obrigatoriamente uma simples ação causal de A sobre B, mas pode ser
representada por uma ação dupla, recíproca, entre ambas. Os tipos de interação
entre os elementos de um sistema são de várias naturezas, destacando-se as
seguintes: relação causa-efeito; relação temporal em que um evento A é seguido,
após certo intervalo, de um evento B; relação de retroação em que a primeira
ação de A sobre B é seguida de uma nova ação de B sobre A; interação indireta
na qual uma ação que partiu de A, passa pelos elementos B, C etc., retornando
sobre A, criando ciclos longos e complexos.
ii. A totalidade – um sistema não é uma soma de elementos, como faria supor um
raciocínio cartesiano; ao contrário, o sistema é um todo não redutível às suas
partes. O todo é mais que uma forma global: ele implica o aparecimento de
qualidades emergentes as quais não existiam nas partes. Essa noção de
emergência leva, por si, a uma outra noção importante, de hierarquia nos
sistemas desde os mais simples até os mais complexos, isto é, formado de
grande número de elementos diferentes.
iii. A organização, considerada o conceito central da sistêmica, é definida por
Durand como: „arranjo de relações entre componentes ou indivíduos, produzindo
uma nova unidade, possuidora de propriedades não contidas nos componentes‘.
A organização constitui, assim, um dos fatores principais do sistema. Ela implica
dois aspectos a serem considerados separadamente: o estrutural e o funcional. O
primeiro é geralmente representado na forma de um organograma, enquanto que
o segundo pode ser descrito como um programa. É preciso, entretanto, não
perder de vista o fato de que ambos os aspectos são complementares.
Finalmente, a organização deve ser caracterizada por um certo grau de
estabilidade, sem a qual não poderia ser descrita em determinado instante.
iv. A complexidade, segundo Durand, depende do número de elementos e número
de tipos de relações ligando, entre si, os elementos do sistema. A complexidade
caracteriza aquilo que poderia ser denominado originalidade do sistema em
termos de identidade, e mede a riqueza de informações que ele contém.
53
3.2.1 Composição dos sistemas: matéria, energia e estrutura
Uma visão, ainda que pouco profunda, não obstante a complexidade da temática,
nos permite apontar alguns aspectos importantes que devem ser considerados no
estudo dos sistemas, segundo Christofoletti (1980, p. 2), tais como: matéria, energia
e estrutura.
i. Matéria: corresponde ao material que vai ser mobilizado através do sistema;
ii. Energia: corresponde às forças que fazem o sistema funcionar, gerando a
capacidade de realizar trabalho. No tocante à energia, deve-se fazer distinção
entre a energia potencial e a energia cinética. Energia potencial é representada
pela força inicial que leva ao funcionamento do sistema; e a energia cinética é a
energia que possibilita o movimento no sistema. Contudo, não se deve esquecer
que a energia total é constituída pela soma entre a energia potencial e a energia
cinética;
iii. Estrutura do sistema: é constituída pelos elementos e suas relações,
expressando-se através do arranjo de seus componentes. O elemento é a
unidade básica do sistema.
3.2.2 Principais características da estrutura dos sistemas
De acordo com Chistofoletti (1980), três características principais das estruturas
devem ser observadas:
i. Tamanho – é determinado pelo número de variáveis que o compõem. Quando o
sistema é composto por variáveis que estão completamente inter-relacionadas,
isto é, cada uma se relaciona com todas as outras, a sua complexidade e
tamanho são expressos através do espaço-fase ou número de variáveis. Se
houver duas variáveis, o sistema será de espaço-fase bidimensional; se houver
54
três, será de espaço tridimensional; se houver n variáveis, o sistema será de n
espaço-fase.
ii. Correlação – a correlação entre as variáveis em um sistema expressa o modo
pelo qual elas se relacionam. A sua análise é feita por intermédio das linhas de
regressão, da correlação simples (quando se relacionam as variáveis) e da
correlação canônica (quando se relacionam conjuntos de variáveis). Na
correlação a força é assinalada pelo valor da intensidade enquanto o sinal,
positivo ou negativo, indica a direção na qual ocorre o relacionamento.
iii. Causalidade – a direção da causalidade mostra qual é a variável independente,
a variável que controla, e a dependente, aquela que é controlada, de modo que a
última só sofre modificações se a primeira se alterar. A distinção entre tais
variáveis ainda está na dependência do bom senso, embora haja várias regras
lógicas para se estudar o problema da causalidade.
Prosseguindo, traça-se em linhas gerais os aspectos referentes à composição do
sistema, estabelecendo os aspectos, tais como a matéria, a energia e a estrutura,
como citado anteriormente. Nesse contexto, revela-se a importância da matéria que
será mobilizada pelo sistema. Procede-se a análise da energia que corresponde às
forças que geram a capacidade de funcionamento do sistema. Em continuidade, vê-
se a preocupação em considerar inicialmente a energia potencial, que representa a
força inicial que gera o funcionamento do sistema. Com a matéria em movimento
dentro do sistema, surge então a energia cinética, ou seja, aquela que mantém o
movimento, cuja própria força alia-se a potencial.
Ressalta-se que o fluxo de energia e de matéria no interior do sistema ocorre
através dos canais de comunicação. No tocante à longa trajetória desses fluxos,
parte da matéria e energia envolvidas pode ficar armazenada em vários setores do
sistema, por lapsos de tempo de diferentes escalas, constituindo reservas do
sistema.
55
3.2.3 Classificação dos sistemas
Os sistemas podem ser classificados de acordo com vários critérios. Para análise
geográfica, o critério funcional e o da complexidade estrutural são os mais
importantes. Aqui, torna-se importante destacar a distinção entre sistemas isolados e
sistemas não-isolados, segundo o critério funcional, proposto por Forster, Rapoport
e Trucco, conforme figura 4.
Figura 4 – Diagrama de classificação de sistemas quanto ao critério de Forster, Rappaport e Trucco. Organização: Luana Lopes, 2011
a) Sistemas isolados são aqueles que, a partir das condições iniciais, a priori, não
sofrem mais nenhuma perda nem recebem energia ou matéria do ambiente que
os circunda. Exemplo: a concepção Davisiana5 do ciclo de erosão.
5 Na concepção Davisiana o ciclo de erosão inicia-se pelo soerguimento brusco antes que os
processos tenham tempo de modificar a paisagem. O ciclo começa com o máximo de energia livre devido ao soerguimento e, com o decorrer do tempo, os processos vão atuando e baixando o conjunto até que alcance o estágio final, quando a energia livre é diminuta; isso devido à quase uniformidade da área que foi aplainada em função do nível da base. A perspectiva em sistemas isolados favorece a abordagem dos fenômenos através do tratamento evolutivo e histórico, pois pode-se predizer o começo e a sucessão das etapas até o final. (Christofoletti, 1980, p. 3)
CRITÉRIO FUNCIONAL
(De Forster, Rappaport e
Trucco)
SISTEMAS ISOLADOS
SISTEMAS NÃO ISOLADOS
FECHADOS
ABERTOS
56
Sistema Isolado
Figura 5: Representação de um sistema isolado Organização: Luana Lopes, 2011.
b) Sistemas não isolados mantêm relações com os demais sistemas do universo,
podendo ser subdivididos em:
b.1) fechados, quando há permuta de energia (recebimento e perda), mas não de
matéria com o meio externo. Exemplo: O planeta Terra pode ser considerado como
sistema não isolado fechado, pois recebe energia solar e também a perde por meio
de radiação para as camadas extra-atmosféricas, mas não recebe nem perde
matéria de outros planetas ou astros, a não ser em proporção insignificante, quase
nula. (Christofoletti, 1980, p. 3).
Sistema Fechado
Figura 6: Representação de um sistema fechado
Organização: Luana Lopes, 2011
b. 2) abertos, mais comuns de todos são aqueles onde ocorrem trocas contínuas de
matéria, energia e informação com o ambiente. Sistemas abertos tendem à
adaptação, pois podem e necessitam de adaptar-se às mudanças ocorridas em seus
energia
LEGENDA
Energia
57
ambientes de forma a procurar garantir a sua própria existência, a chamada
homeostasia. Exemplo: A reserva Biológica de Sooretama.
Sistema Aberto
Figura 7: Representação de um sistema aberto Organização: Luana Lopes, 2011
3.2.4 Hierarquia dos sistemas
O princípio básico do estudo de sistemas é o da conectividade. Pode-se
compreender um sistema como um conjunto de elementos com um conjunto de
ligações entre esses elementos; e um conjunto de ligações entre o sistema e seu
ambiente, isto é, cada sistema se compõe de subsistemas, e todos são parte de um
sistema maior, onde cada um deles é autônomo e ao mesmo tempo aberto e
integrado ao meio, ou seja, existe uma inter-relação direta com o meio.
Para ilustrar, o conceito de sistema pode ser aplicado a um número vasto de
fenômenos diferentes: o sistema solar, o sistema acadêmico, o sistema hidrográfico,
etc. Uma característica deles é que o todo é maior que a soma de suas partes, um
fenômeno frequentemente chamado o princípio de sistema. Este princípio inclui as
propriedades emergentes do sistema ou seus efeitos sinergéticos.
É preciso esclarecer que o meio ambiente é o conjunto de todos os objetivos, os
quais, dentro de um limite específico, possam ter alguma influência sobre a
energia
matéria
LEGENDA
Energia
Matéria
58
operação do sistema. As fronteiras de um sistema são as condições ambientais
dentro das quais o sistema deve operar. Geralmente, sistemas são partes de outros
sistemas e são incluídos numa hierarquia de sistemas. Numa estrutura hierárquica,
os totais de subconjuntos são regressivamente ranqueados como menores ou
menos complexos unitariamente que o nível máximo. O menor nível de elementos
constrói um subsistema que se torna estrutura de sistema que é uma parte de um
supra-sistema superior, conforme verificado na representação esquemática de um
arranjo dos sistemas, subsistema e supersistemas, representado graficamente como
mostra a figura 8.
Espaço Geográfico
Figura 8: Representação esquemática de um supersistema, assinalando os sistemas e os subsistemas e suas relações. Organização: Luana Lopes, 2011.
Supersistema
Subsistema
Sistema
59
Conforme reconhecida classificação de Chistofoletti (1980), com a qual nos
alinhamos, o conjunto maior, no qual se encontra inserido o sistema particular que
se está estudando, pode ser designado universo, o qual compreende o conjunto de
todos os fenômenos e eventos que, através de suas mudanças e dinamismo,
apresentam repercussões no sistema focalizado, e também dos fenômenos e
eventos que sofrem alterações e mudanças por causa do comportamento do referido
sistema particular.
Nesse sentido, dentro do universo, a fim de classificação, deve-se lembrar que a
saída de um sistema pode ser a entrada de outro, remetendo ao conceito de
aproveitamento, eliminando redundâncias. Nessa mesma linha de raciocínio, o autor
estabelece uma ordem classificatória dentro do universo, na qual considera os
primeiros como sistemas antecedentes ou controlantes e os seguintes como
sistemas subsequentes ou controlados. Porém, seria errôneo considerar um
encadeamento linear, sequencial, entre os sistemas antecedentes, o sistema que
está estudando e os sistemas subsequentes. O mecanismo de retroalimentação
(feedback) permite que os sistemas subsequentes voltem a exercer influência sobre
os antecedentes, numa perfeita interação entre todo o universo (CHRISTOFOLETTI,
1980).
Nesse sentido, a escala tem grande importância quando se quer caracterizar os
elementos de um determinado sistema. Para clarificar, daremos um exemplo: o
nosso estudo é sobre a Rebio Sooretama que no caso, pode ser considerada um
sistema, conforme ilustra a figura 9. A vegetação é um elemento desse sistema da
Rebio, mas também pode representar um sistema completo em sua unidade. Isso
dependerá da escala que se deseja analisar. Nesse sentido, cada sistema passa a
ser um subsistema (ou elemento) quando se procura analisar esse fenômeno em
escala maior.
60
decisão
Realimentação
(alterações)
RESERVA BIOLÓGICA DE SOORETAMA
Figura 9: Representação da relação entre os elementos que compõem o sistema da Reserva Biológica de Sooretama. Fonte: Drew, 2005. Organização: Adaptado por Luana Lopes, 2011.
3.2.5 A noção de equilíbrio
Os sistemas naturais apresentam um dinamismo capaz de modificar seus estados
através de contínuas modificações, que são caracterizadas pelas transferências de
matéria e energia. Portanto, o estado de equilíbrio é um estado quase impossível de
ser alcançado em qualquer sistema natural, uma vez que todos eles estão
submetidos às transformações ambientais de diferentes escalas espaciais e
temporais.
Segundo Christofoletti (1980), qualquer alteração na permuta de energia com o meio
ambiente coloca o sistema diante de três possibilidades: o nível de energia do
sistema elevar-se-á no período seguinte; o nível de energia permanecerá constante;
o nível de energia diminuirá. Acresça-se que, conforme as propriedades individuais
Estrutura Geoambiental
- relevo - solos - clima - vegetação - água
- fauna
Território - Multiterritorialidade - Economia - Cultura (história social e pessoal, etc)
Tecnologia
Mudanças no uso do solo
Uso da terra
Realimentação
(alterações)
61
dos subsistemas, uma mesma influência externa poderá ocasionar consequências
diferentes. Nesse sentido, a entropia, aqui entendida como equilíbrio, estabilidade de
energia atuante em um sistema, sofrerá consequentemente, alterações.
3.2.6 A perspectiva sistêmica
Desta maneira, poderíamos considerar que a abordagem da ciência dominante,
observada sob o crivo da concepção de sistemas não mais encontra respaldo, já
que os sistemas estudados compõem-se de organizações complexas que devem ser
estudadas como um todo que não podem ser separadas em partes, sem que haja
uma perda das suas características essenciais.
A partir dos apontamentos ao longo do texto, pode-se considerar que a contribuição
da Teoria Geral dos Sistemas para a evolução da ciência geográfica, e
particularmente para a Geografia Física, baseia-se no fato de suas ideias e
aplicações terem reflexos no avanço das técnicas empregadas para os estudos que
visam à análise integrada da paisagem.
62
CAPÍTULO IV
ABORDAGEM SISTÊMICA EM GEOGRAFIA
4.1 Geossistema: Um olhar diferente sobre o espaço geográfico
Neste capítulo, o intuito é apresentar uma explanação que permita uma abordagem
dos aspectos naturais e sociais através do paradigma geossistêmico. É interessante
buscar identificar o cenário que se encontrava a abordagem Geossistêmica, no
âmbito da Geografia. Daí então, buscar definir os aspectos que serão relevantes
para a abordagem integrada aplicada aos estudos dos aspectos naturais e sociais.
Para compreender os elementos básicos dessa proposição, é preciso asseverar que
a Teoria Geossistêmica faz parte de um conjunto de tentativas e formulação teórico-
metodológica da Geografia Física.
Antes de tratar de aspectos relativos ao Geossistema é importante relembrar alguns
aspectos históricos dessa concepção no âmbito geográfico. Se observarmos e
analisarmos atentamente o histórico do pensamento geográfico, podemos verificar
que a abordagem sistêmica em Geografia pode ser observada já nos primórdios de
sua sistematização por Alexander Von Humboldt no final do século XVIII, o qual
considerava o meio geográfico em sua totalidade, funcionando mediante as inter-
relações vigentes entre seus componentes, delineando-se assim as primeiras
rupturas com o paradigma mecanicista e reducionista na interpretação do meio. Para
ir além, revisitando a Geografia antes da sua institucionalização, pode-se constatar
que o pensamento sistêmico utilizado na caracterização da paisagem geográfica
pode ser observado desde a antiguidade clássica com Estrabão que já se utilizava
desse conceito.
Como já tratado em capítulo anterior, é possível constatar que a escola naturalista
exerceu grande influência sobre a Geografia Física. É preciso frisar que várias
tendências metodológicas e diversas preferências de conteúdo influenciaram a
63
Geografia Física, contudo o intercâmbio entre elas era insuficiente.
Consequentemente, a Geografia Física desenvolveu seu conhecimento teórico-
metodológico de forma descontínua e isolada.
A adoção do conceito de sistema pelas diversas disciplinas que compreendem a
Geografia Física permitiu a integração de conhecimentos anteriormente isolados,
sendo uma nova maneira de abarcar os problemas ambientais. Não há como
esquecer que essa teoria, bem como o conceito de sistema, tem um longo
transcurso histórico. Contudo, não é nossa intenção retraçar historicamente o seu
surgimento, mas tentar compreender a importância dessa abordagem para a
Geografia.
Os Geossistemas derivam da Teoria Geral dos Sistemas de Bertalanffy. Essa
abordagem possibilitou à Geografia Física um aperfeiçoamento do caráter
metodológico, até então indefinido e complexo. Dessa forma, pode-se afirmar que o
método geossistêmico representou um amplo esforço promovendo e estimulando o
estudo integrado da paisagem. O relato de Suertegaray (2002, p. 113) caracteriza
muito bem esse quadro:
O método sistêmico proveniente da biologia dos anos 20 foi adotado na geografia com o objetivo de promover uma análise integrada da natureza. [...] Ao buscar este caminho construíram-se conceitos como o de geossistema, que, por sua vez, ultrapassa na sua construção a integração do conhecimento da natureza. Ultrapassa, porque inclui o homem (ação do homem) neste contexto. Esta concepção, ainda que naturalize a ação do homem, impõe uma outra discussão que, em nosso entendimento, ultrapassa a geografia física. Ultrapassa, na medida em que resgata para a análise a dimensão antrópica, característica central da geografia enquanto ciência da relação natureza e sociedade. (SUERTEGARAY, 2002, p.113)
A incorporação da abordagem sistêmica como método de pesquisa em Geografia
Física se deu em praticamente todos os ramos do subconjunto da ciência
geográfica. Ao longo de seu transcurso, a Geografia conheceu avanços expressivos
em seu arcabouço teórico-metodológico. A Geografia Regional Francesa de Paul
Vidal de La Blache e a Geografia Física eminentemente dicotômica que marca o
extraordinário tratado de Emanuel De Martonne deram espaço a uma postura (neo)
positivista engendrada pela revolução teórico-quantitativa, duramente criticada por
64
correntes sucessoras, entre as quais a Geografia Radical que se projeta como uma
das mais incisivas.
Contudo, como bem já se sabe, o estudo do Geossistema começou a ser
desenvolvido, tendo como principal intuito obter dados e fazer correlações para
entender a natureza com todos os seus componentes. A busca pela integração dos
diversos elementos que compõem os sistemas naturais fez emergir, no âmbito da
Geografia, o conceito de Geossistema, em duas correntes distintas de pensamento:
a corrente russa, cujo autor principal pode ser considerado Sotchava, e a corrente
francesa da qual Bertrand é o de maior expressão.
Visando melhor compreensão acerca do tema, faz-se necessário revisitar essas
correntes. Assim, vejamos, ainda que em breve digressão, os pontos iniciais que
possibilitam melhor compreensão das questões que envolvem o Geossistema.
Ressalta-se que, paralelamente ao desenvolvimento da análise geossistêmica,
outras abordagens físico-geográficas integradas, preconizando a análise sistêmica,
foram elaboradas originando diferentes escolas para o estudo das paisagens. E
como é habitual em tudo que é novo, vários avanços acompanhados de críticas
foram realizados gerando diferentes abordagens, com autores criticando, redefinindo
ou reorientando o conceito inicial proposto por Viktor Sotchava.
O conceito de geossistema é um conceito relativamente recente em Geografia,
sendo proposto na antiga União Soviética na década de 1960, e primeiro
mencionado pelo russo Sotchava. Para esse autor, os geossistemas são fenômenos
naturais, embora todos os fatores econômicos e sociais afetem sua estrutura e
peculiaridades espaciais. Tais fatores devem ser considerados nos
estudos/pesquisas dos geossistemas, pois têm influencia sobre as mais importantes
conexões dentro de cada geossistema (ROSS, 2006). A partir desta experiência,
Bertrand extrai outras:
Os geógrafos soviéticos, no começo mais ou menos inspirados pela ciência natural da Europa Central (Landschaft), mas, sobretudo encorajados pela política de reconhecimento e de valorização das terras virgens, foram levados a construir um
65
método de pesquisa que lhes permitisse apreender rapidamente novos territórios na sua integralidade. [...], as diversas tentativas de análise integrada do complexo físico-geográfico deram origem a uma potente ferramenta teórica e metodológica que põem em jogo meios técnicos sofisticados. Esta ―ciência do geossistema‖ [...] repousa totalmente sobre a medida dos balanços geoquímicos e dos fluxos energéticos globais. Existem numerosas fases intermediárias em que ocorrem estudos qualitativos e quantitativos, estacionais ou ―expedicionais‖ (survey), estruturais (geohorizontes) ou evolutivas (etologia dos geossistemas) (BERTRAND, 2007, p.73).
Para Sotchava, as organizações espaciais se manifestam em variadas escalas e
espacialização territorial, apresentando uma taxonomia de geossistemas,
mencionada por ele como: geômeros e geócoros. Essas unidades, por sua vez,
dividem-se em três níveis taxonômicos: topológico, regional e planetário.
A proposição teórico-metodológica e prática apresentada por Sotchava e demais
geógrafos da ex-URSS, inserida no modo russo-soviético de enxergar a Geografia
Física voltada para a aplicação, é um significativo marco de mudança de postura dos
geógrafos diante dos problemas de planejamento e de desenvolvimento econômico
e social, de um lado, e dos problemas ambientais de outro (ROSS, 2006).
Nessa perspectiva, Bertrand otimiza o conceito de Sotchava, ainda que concebendo
a natureza como um sistema, dando contornos mais precisos ao geossistema. Não
obstante, diferentemente da proposição de Sotchava, Bertrand não admite o
geossistema distribuído em diferentes níveis de grandeza.
Como destaca Ross (2006), é inicialmente por meio de Bertrand que se conhece o
conceito de geossistema no Brasil. Faz-se necessário lembrar que o seu trabalho
traduzido para o português com a denominação Paisagem e geografia física global:
esboço metodológico causou forte impacto nos estudiosos da Geografia brasileira,
sobretudo pela deficiência dos conhecimentos prévios que estavam sendo gerados
principalmente na Alemanha e na ex-URSS.
O suporte teórico de geossistema, tanto para os russo-soviéticos como para os
franceses está na noção da ―paisagem ecológica‖, introduzida por Troll a partir do
final da década de 1930 e na ampliação do termo e conceitos de ecossistema de
66
Tansley (1935) que se desenvolveram nas décadas de 1940/1950 e alavancaram a
Geografia Física dos russos e franceses nas décadas seguintes (ROSS, 2006).
Bertrand entende a classificação dos fenômenos geográficos em seis níveis
taxonômicos apresentados através do quadro 1, divididos em unidades superiores
(zona, domínio e região) e unidades inferiores (geossistema, geofácie e geotopo).
Bertrand (1971) utiliza o conceito geossistema como a escala em que se situa a
maior parte dos fenômenos de interferência entre os elementos da paisagem, de
interesse geográfico.
Un
idad
es
su
pe
rio
res
ZONA Deve ser ligado ao conceito de zonalidade planetária. A zona se define basicamente pelo clima e seus biomas e acessoriamente por certas mega-estruturas.
DOMÍNIO Corresponde a conjuntos de paisagens fortemente individualizados. A definição dos domínios deve ser maleável, de forma a permitir agrupamentos a partir de fatores diferentes.
REGIÃO Relacionada à individualização de aspectos físicos dentro do domínio. Deve ser maleável a fim de permitir sua inserção dentro de um sistema taxonômico coerente.
Un
idad
es
In
feri
ore
s
GEOSSISTEMA Resulta da combinação local e única de elementos dos vários subsistemas que interagem (declive, clima, rocha, manto de decomposição, hidrologia das vertentes) e de uma dinâmica comum (mesma geomorfogênese, pedogênese, e utilização antrópica). Mede de alguns quilômetros quadrados até algumas centenas de quilômetros quadrados.
GEOFÁCIE Corresponde a um setor fisionomicamente homogêneo dentro do geossistema, onde se desenvolve uma mesma fase de evolução. Sua superfície abrange, geralmente, algumas centenas de metros quadrados.
GEÓTOPO Corresponde à menor unidade geográfica homogênea diretamente discernível no terreno. Constituem refúgios de biocenoses originais, relictuais ou endêmicas. Suas condições ecológicas são muitas vezes diferentes das do geossistema e da geofácies. Geralmente encontra-se na escala do metro quadrado.
Quadro 1 - Classificação dos fenômenos geográficos em seis níveis taxonômicos, segundo Bertrand (1971). Fonte: Ross, 2006 Organização: Luana Lopes, 2011.
67
Embora haja uma hierarquia, não há uma definição fixa da dimensão de cada
unidade, variando conforme a escala de tratamento do espaço e do tempo
estudados em cada caso.
As unidades inferiores estão na segunda categoria de análise, correspondendo ao
geossistema um nível taxonômico que acentua o complexo geográfico ou
geocomplexo e sua dinâmica. O sistema de evolução de uma unidade de paisagem
reúne todas as formas de energia que, reagindo dialeticamente entre si, determinam
a evolução geral dessa paisagem. Considera-se que as unidades geoambientais são
os resultados da combinação do potencial ecológico, da exploração biológica e da
ação da sociedade, interagindo dialeticamente umas sobre e com as outras,
conforme mostra a figura 10.
Figura 10: Estrutura Funcional dos geossistemas (BERTRAND, 1971) Organização: Luana Lopes, 2011
Nessa perspectiva, Bertrand discute o conceito de paisagem sob o ponto de vista de
uma Geografia Global, integrando à paisagem natural todas as implicações da ação
antrópica, o que o autor denomina de paisagem total. Feitas essas breves
considerações, é preciso esclarecer que a paisagem para Bertrand denota o
resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos,
biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da
paisagem um conjunto único e indissociável, em contínua evolução. Assim,
Geomorfologia, clima, hidrografia
Potencial Ecológico
Vegetação, solo, fauna
Exploração Biológica
GEOSSISTEMA
Ação antrópica
68
A paisagem não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, numa determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em perpétua evolução (BERTRAND, 1971, p. 2).
Nessa perspectiva, a paisagem não deve ser entendida numa visão engessada, ou
seja, como determinada porção do espaço composta de elementos externos, visíveis
e estáticos. Nesse sentido, a paisagem precisa ser concebida como um mosaico
constituído de elementos concretos e abstratos, visíveis e invisíveis, que
materializam as relações estabelecidas entre o homem e o meio, e que é a
expressão da organização de todos os elementos no espaço geográfico. A
concepção da paisagem transcende o aspecto visual e se apresenta diferenciada
numa escala têmporo-espacial.
Os Geossistemas são fenômenos naturais, mas seu estudo engloba os fatores
econômicos e sociais e seus modelos refletem parâmetros econômicos e sociais das
paisagens modificadas pelo homem. Em termos de abordagem, essa proposição
utiliza a análise integrada do complexo físico-geográfico, em outras palavras, a
conexão da natureza com a sociedade.
Nesse esforço inicial de Bertrand (1971) para definir, caracterizar e classificar as
unidades de paisagens e, por conseguinte, os geossistemas, surgiu uma certa
confusão ao estabelecer, sobretudo, os níveis taxonômicos. O geossistema passou
a constituir uma unidade de paisagem homogênea e com dinâmica própria e, ao
mesmo tempo, em nível taxonômico. Essa tentativa resultou da mistura de conceitos
que não estavam, na época, suficientemente amadurecidos e acabou por influenciar
a Geografia brasileira por um caminho não muito adequado, pois se confundiu a
concepção de que o geossistema como categoria de análise era também um nível
de classificação dentro de um conjunto de seis táxons (ROSS, 2006).
Nesse sentido, a versão germano-francesa de geossistema, em seu nascedouro,
apresentou uma série de ideias e concepções insuficientemente refletidas. De certo,
isso é decorrente da época, dos poucos testes de aplicação efetuados, carecendo,
portanto, de um maior volume de pesquisas e de um número crescente de
estudiosos do assunto, o que possibilitaria maiores reflexões sobre a questão em
69
território francês. Evidentemente, o avanço dos trabalhos do geossistema pelo
pioneirismo francês possibilitou uma evolução para superar tais problemas (ROSS,
2006).
4.2 Sistema GTP: Geossistema, território e paisagem
A tríade GTP (geossistema, território e paisagem) proposto por Claude e Georges
Bertrand permite trasladar interpretações não excludentes umas às outras. Já que
integra três abordagens de análise já existentes, constituindo assim três entradas
(como seus autores afirmam, três olhares) para o estudo das interações dos
elementos geográficos.
A abordagem da problemática ambiental, para ser levada a cabo com profundidade e na dimensão da interação sociedade-natureza, rompe assim com um dos clássicos postulados da ciência moderna, qual seja, aquele que estabelece a escolha de apenas um método para a elaboração do conhecimento científico. Tal abordagem demanda tanto a aplicação de métodos já experimentados no campo de várias ciências particulares, quanto a formulação de novos. (MENDONÇA, 2004, p.136)
Desse modo, observando a complexidade existente no dinamismo das paisagens,
Georges Bertrand elaborou uma nova proposta de abordagem. Em 1997, durante o
VII Simpósio Nacional de Geografia Física Aplicada, realizado em Curitiba/PR, ele
apresentou uma forma de estudo baseada em um sistema tripolar e interativo: o
Sistema GTP – Geossistema, Território e Paisagem. O funcionamento deste
enfoque pode ser analisado através de três leituras diferentes partindo de uma única
noção tal qual reproduzido na figura 11.
a) A fonte ou a ―entrada‖ naturalista: o Geossistema;
b) O recurso ou a ―entrada‖ socioeconômica: o Território;
c) O ressurgimento ou a ―entrada‖ sociocultural: a Paisagem
70
Figura 11 – O sistema GTP – Geossistema – Território e Paisagem. Claude et Georges BERTRAND,
2002; p. 299.
O sistema GTP (geossistema, território e paisagem) proposto por Claude e Georges
Bertrand (início da década de 1990) vem para se somar aos métodos da Geografia e
não para substituí-los, uma vez que este integra três abordagens de análise já
existentes.
Essas três entradas diferentes possibilitam uma análise espaço-temporal de três
dimensões diferentes, com uma completando a outra. Sua prática se dá pela análise
de um mesmo conjunto geográfico aplicando simultaneamente essas três entradas:
− Entrada naturalista: trabalhada a partir do conceito de Geossistema, onde se
analisa a estrutura e funcionamento biofísico, é o que os autores chamam de Source
(fonte);
− Entrada socioeconômica: analisada a partir do conceito de Território que permite
analisar as repercussões da organização e dos funcionamentos sociais e
econômicos sobre o espaço considerado (Claude e G. BERTRAND, 2007) chamada
pelos autores de Ressource (recurso);
− Entrada sociocultural: que se dá a partir da noção de paisagem, estudada a partir
do processo de artialização da paisagem, chamada pelos autores de
Ressourcement (identidade).
Espaço Geográfico
Source
Ressource
Ressurcement
Entrada Naturalista
Entrada Socioeconômica
Entrada Sociocultural
Naturalidade ―naturalista‖ e antropização
Artificialização
Artialização
GEOSSISTEMA
TERRITÓRIO
PAISAGEM
Globalização e Interface
O SISTEMA GTP
Percepção e função de uso
Teleologia dos subsistemas
Processo dominante
Conceitos / noções e métodos
71
A figura 12 ilustra a relação entre os três enfoques utilizados no estudo do espaço
geográfico a partir da interface sociedade-natureza partindo-se das diferentes
leituras que estão vinculadas a diferentes entradas do GTP.
Espaço Geográfico
Figura 12: Esquema representativo do sistema GTP Organização: Luana Lopes, 2011.
Feitas essa considerações, o que importa repisar é que a proposta apresentada
denominada Sistema GTP (Geossistema-Território-Paisagem) vem possibilitar uma
interação entre os conceitos abordados contribuindo valiosamente na melhor
compreensão da relação entre sociedade e natureza.
Conclui-se, então, que quando se discute essa nova proposta de Bertrand para o
estudo do espaço geográfico, pensa-se nas seguintes questões fundamentais:
Primeiro, é necessário diferenciar e classificar as paisagens naturais, ou seja,
compreender o sistema natural para entender as inter-relações dos geofatores, ou
seja, interpretar o cenário em que se encontra inserido os elementos bióticos e
abióticos. Depois, é preciso distinguir as formas de ocupação (densidade,
intensidade e tipos de ocupação) que se dará conforme o movimento histórico da
mesma, a partir daí, o questionamento se dirige ao subsistema socioeconômico, que
agiria na estrutura geoambiental e suas implicações no uso do solo. Por último,
Source
Geossistema
Ressourcement
Paisagem
Ressource
Território
72
passar à classificação das paisagens culturais. Esse procedimento permitirá
entender como é a transformação das paisagens naturais em paisagens culturais.
Apresenta-se, através das figuras 13 e 14, uma comparação feita por Georges
Bertrand (1971) entre o modelo de Geografia Física atual (sub-ramos) e o modelo de
Geografia Física Geossistêmica que não apresenta uma hierarquização entre os
ramos da Geografia Física, sendo que todos estão inter-relacionados. Uma das
defesas de Bertrand é o valor da visão holística da paisagem (síntese), contrapondo-
se à análise compartimentada, que é comumente encontrada na Geografia.
MODELO DA GEOGRAFIA FÍSICA ATUAL MODELO DE GEOGRAFIA FÍSICA GEOSSISTÊMICA
Figura 13: Modelo da Geografia Física Figura 14: Geografia Geossistêmica. Fonte: Mendonça, 2001. Fonte: Mendonça, 2001.
Acrescenta ainda que o geossistema é certamente um sistema natural, mas o ser
humano jamais pode ser apenas um figurante em sua análise. O homem é parte
integrante da natureza, de sua evolução e transformação, de modo que se estiver
uma ação antrópica a afetar essa natureza ela (a ação antrópica), poderá
certamente fazer parte do geossistema, principalmente se levarmos em
consideração que mesmo modificado pelo homem o sistema continua a possuir
componentes naturais.
a – Ciência da Terra
b – Ciência das Águas
c – Ciências dos ares
d – Ciências da Vida
I. Geomorfologia
II. Hidrologia
III. Climatologia
IV. Biogeografia
A – Teoria do
Geossistema
- - - - - - - Interface
interdisciplinar, a, b, c,
d: I, II, III, IV idem
anterior
73
Essa nova forma de realizar as ―análises da paisagem‖ procurava desvendar as
relações entre as principais características do meio: sociais e naturais. A abordagem
sistêmica surge como uma maneira de resolver problemas sob o ponto de vista da
Teoria Geral de Sistemas. Nesse caso, considera-se a abordagem sistêmica
adequada por contemplar as inter-relações entre fatores físicos e humanos,
pertinentes nesse trabalho. Para tal, desenvolveu-se essa pesquisa considerando os
fatores naturais e sociais, através de uma análise integrada, e não dicotômica entre
eles. O conhecimento desta abordagem pode nos ajudar a entender a inter-relação
existente entre o sistema social e natural, bem como as inter-relações existentes
dentro de cada um destes sistemas e suas interações, conforme ilustrado na figura
15.
Pensamento Cartesiano Pensamento Sistêmico
Figura 15: Comparação da relação homem-natureza no pensamento cartesiano e no pensamento sistêmico. Organização: Luana Lopes, 2011
Trata-se de tema intrigante, mormente pelo fato de que a abordagem sistêmica
fomenta a sutura da ruptura sociedade/natureza em termos teóricos. Aqui, tentou-se
tematizar a questão dicotômica a partir do método sistêmico, sob o prisma do meio
físico, na perspectiva de analisar as implicações dos aspectos humanos sobre os
mesmos. É preciso esclarecer que essa abordagem não consiste na efetiva
resolução de problemas, mas é uma tentativa de compreender esses aspectos a
partir da análise do todo, e não apenas do olhar sobre cada parte separadamente.
Ou como observa Bertrand:
Natureza
Homem
Natureza
Homem
74
Por muito tempo perdida ou compartimentada, a natureza, isto é, o universo físico considerado globalmente como sistema, é reencontrada e interrogada. Uma nova ―dialética da natureza‖ está em gestação. Ela já revolucionou o campo próprio das ciências da natureza, primeiramente pelo canal das ciências ditas exatas, em seguida, por aquele das disciplinas bioquímicas e, mais recentemente, ecológicas. Esta onda epistemológica e metodológica, que é bem preciso ser qualificada de naturalista, começa a penetrar as ciências da sociedade até aqui bastante estranhas aos fatos naturais e geralmente pouco preocupadas em levá-los em consideração. Esta situação não é nova. Ela reata com a tradição naturalista dos três séculos precedentes ao longo dos quais a natureza e o natural, sob formas tão diferentes e contraditórias quanto o darwinismo, o organicismo, o romantismo, o positivismo, etc., ocuparam um lugar privilegiado – frequentemente o primeiro – no movimento filosófico e científico do mundo ocidental (BERTRAND, 2007, p.62).
Assim, os avanços alcançados pela Geografia geraram o arcabouço teórico
necessário à compreensão do homem e seu espaço, facilitando os processos de
interferências, o manejo das paisagens naturais e o desenvolvimento econômico
durável. Finalmente, afirma que na investigação de tais problemas é de grande
importância o emprego da abordagem sistêmica, pois ajudará no entendimento dos
assuntos que serão tratados a seguir.
75
CAPÍTULO V
UNIDADES DE CONSERVAÇAO
5.1 Breve histórico sobre as Unidades de Conservação
5.1.1 Contexto Mundial
Na presente reflexão será abordado o histórico da criação das áreas protegidas no
mundo e no Brasil, procurando dar relevo à forma como essas áreas se
desenvolveram dentre de uma perspectiva histórica. O intuito é situar o leitor nas
primeiras iniciativas de conservação e demonstrar como foi seu desenvolvimento no
percurso histórico. Vianna (2008, p. 130) destaca a importância sobre o
estabelecimento de áreas de proteção e sua relevância para a conservação:
O estabelecimento de áreas naturais protegidas tem sido uma das principais estratégias da conservação in situ no mundo. Em função de sua biodiversidade, do tamanho e do estado de degradação de suas área naturais, cada país foi definindo seus próprios objetivos de conservação in situ. As diferenças entre esses objetivos e os modos de atingi-los fez com que se criassem várias categorias de manejo de área naturais protegidas, nem sempre definidas de acordo com as estabelecidas pela IUCN.
6
Assim, a maneira de explicar as relações entre a sociedade e a natureza foi afetada
devido à evolução das estruturas econômicas e sociais ao longo da história. Nesse
sentido, as diferentes visões de natureza da sociedade tem sido um dos
condicionantes históricos para os modelos de proteção desenvolvidos. Essa
evolução das noções de proteção é destacada por Medeiros (2003) apud Guerra
(2009, p. 32):
- até o século XIX a idéia de controle do espaço tinha conotação gerencial […] ; do final do século XIX até a segunda metade do século XX a ideologia central era a de preservação da paisagem como patrimônio coletivo e
6 A União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN ou
International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources em inglês) é uma
organização internacional dedicada a conservação dos recursos naturais.
76
testemunho de uma natureza selvagem […]; - a partir da segunda metade do século XX a ideia central passa a ser a de se proteger para resguardar para as gerações futuras […] sobrepondo-se a essa ideia a questão da biodiversidade no século XI.
Desde a criação do Parque Nacional de Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872,
a criação de áreas protegidas tem se configurado num importante instrumento para
a proteção dos recursos naturais. Essa primeira iniciativa foi criada dentro de um
contexto determinado e veio acompanhado da noção de ―wilderness‖ (vida
natural/selvagem), cujo objetivo seria conservar paisagens naturais para as futuras
gerações, áreas desabitadas onde o ser humano seria sempre visto como algo
estranho aquele ambiente, estabelecendo um distanciamento entre o homem e a
natureza. Esse modelo serviu de inspiração e influenciou a criação de muitas outras
áreas protegidas mundo afora. Como observa Guerra:
Esse modelo foi adotado em diversos países, com marco inicial no final do século XIX e início do XX (Canadá, 1885; Nova Zelândia, 1894; Austrália, África do Sul e México, 1898; Argentina, 1903; Chile, 1926; Equador, 1934; Brasil e Venezuela, 1937). (Guerra, 2009, p. 33)
Nesse sentido, cabe ressaltar que mesmo antes da criação do Parque de
Yellowstone havia áreas naturais protegidas. Essa abordagem pode ser referenciada
por Vianna (2008, p. 132) quando argumenta:
Precedendo a criação do Parque Nacional de Yellowstone, já havia áreas naturais protegidas no mundo, mas como características de reservas de recursos: caracterizavam-se como áreas reservadas para uso lúdico dos recursos pela elite de então.
Nesse sentido, o significado da natureza para as sociedades tem sido um dos
determinantes históricos para os modelos de proteção desenvolvidos. Na Europa, as
áreas protegidas têm uma característica de utilização sustentável, pois há uma
cultura milenarmente arraigada à terra, enquanto os exploradores europeus nas
Américas, que inicialmente tiveram que lidar com a natureza hostil e desconhecida,
desenvolveram a ideia de distância e antagonismo entre o homem e a natureza.
(GUERRA, 2009)
77
Esse breve panorama indica linhas de fratura ao conceber o homem de maneira
dissociada da natureza. Dessa maneira, uma visão orientada por uma concepção de
natureza desumanizada poderá compor apenas uma visão fragmentada da
realidade. Nesse contexto, as sociedades humanas não devem ser tratadas como
elementos estranhos à natureza, bem como aos ambientes onde vivem. Ao
contrário, precisam ser vistas como parte fundamental dessa dinâmica representada
pelos fluxos energéticos que fazem funcionar o sistema como um todo. (ROSS,
2006).
5.1.2 Contexto brasileiro
É cediço que a forma de colonização brasileira realizada pela ocupação e
exploração predatória, mormente na área litorânea de todo o território brasileiro, foi
extremamente prejudicial para o meio ambiente. O legado deixado marcou
profundamente os ecossistemas naturais e perpetuou uma relação de usufruto
predatório sem precedentes. Assim, vários ambientes naturais foram devastados,
aterrados e modificados por ações antrópicas. Hodiernamente, como consectário
lógico da necessidade de alteração desse quadro, tenta-se buscar um resgate
desses ambientes.
Ao se falar desta temática, devemos abrir um parêntese para refletir sobre o
histórico das Unidades de Conservação no Brasil que teve início com a proposta do
Engenheiro André Rebouças de criar dois parques no ano de 1876: um na Ilha do
Bananal e outro na região das Sete Quedas. Contudo, essa proposta não foi
concretizada, e só em 1937 foi criado o primeiro parque nacional brasileiro: o Parque
Nacional de Itatiaia, no Rio de Janeiro. Mesmo assim, é importante lembrar que os
primeiros dispositivos voltados à proteção de áreas ou recursos em terras brasileiras
têm seu registro ainda no período colonial.
Foram implementadas várias iniciativas relacionadas à proteção da natureza, no
país como um todo. Na década de 30, ocorre um processo de transformação no
78
Brasil, passando de país agrário para urbano-industrial. Esse período foi marcado
por transformações estruturais e pela necessidade de controle e gestão dos
recursos naturais pelo Estado, exigindo um maior controle da política de
implementação de área protegidas (GUERRA,2009). Nesse contexto, várias ações
foram realizadas, merecendo grande destaque, o ano de 1934, quando foi decretado
o Código de Águas e Minas e o Código Florestal. Sobre este assunto Franco (2010
p. 209) escreve:
O código florestal foi especialmente importante para a história das áreas protegidas no Brasil. Instituído pelo Decreto 23.793 de 23 de janeiro de 1934, ele definiu que as florestas nativas seriam consideradas de interesse comum a todos os habitantes do país e, por isso, sobre elas deveria haver limitações aos direitos de propriedade.
Dentro desse contexto, a década de 1960 foi especialmente marcada pela criação
do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), órgão responsável pela
criação e manejo das unidades de conservação. Em 1964, foi decretado o Código
Florestal que instituía as áreas de preservação permanente e as reservas legais. O
relato de Guerra (2009, p. 42) caracteriza muito bem esse momento:
O governo criou o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), em 1967, como autarquia do Ministério da Agricultura responsável por parte da execução da política ambiental, incluindo a gestão de todas as unidades de conservação federais existentes.
No início da década de oitenta, mais precisamente em 1981, foi promulgada a Lei
6.983/81, que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente e o Sistema Nacional
de Meio Ambiente (SISNAMA). Com o advento da legislação foram estabelecidos os
órgãos responsáveis pela gestão dos recursos naturais. Nesse aspecto, trata-se de
um período de pretensão de gestão integrada dos recursos naturais, com o
surgimento — além do elemento estatal/governamental — de novos atores nesse
processo, com destaque para o setor privado e da sociedade civil organizada. A
consolidação desse processo tem seu ápice com o advento da Constituição Federal
de 1988, que, dentre outros avanços, trouxe um capítulo específico para o Meio
Ambiente, incumbindo ao Estado e à coletividade a responsabilidade pela
manutenção de sua qualidade.
79
Em continuidade ao processo de normatização do tema, em 1989 foi criado o
Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA),
regulamentado pela Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989. Esclareça-se que o
órgão criado (IBAMA) foi resultado de instituições anteriormente existentes, tais
como IBDF (Secretaria da Agricultura), a SEMA (Ministério do Interior) e das
Superintendências do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e do Desenvolvimento
da Borracha (SEDHEVEA), ambas do Ministério da Agricultura.
Mais recentemente, em 2007, foi criado pela Lei 11.516 o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), estruturado com natureza de autarquia
em regime especial. Trata-se de órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e
integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA). Cabe ao Instituto
executar as ações do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, podendo
propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação
instituídas pela União; com isso, sendo retirada a competência da gestão das
unidades de conservação do IBAMA e passando para o novo órgão.
Esboçadas as breves considerações sobre o histórico das Unidades de
Conservação, passamos à esquematização das fases da história no Brasil. Esse
esquema possibilita apontar de forma simples como se processou os
desdobramentos da criação dessas Unidades de Conservação. A análise da
cronologia da implantação de unidades de conservação no território brasileiro pode
ser dividida em cinco etapas, como explicitado na figura 16.
1937 1939 1959 1970 1971 1974 1979 2000 2000
80
Figura 16 – Representação esquemática do histórico das Unidades de Conservação no Brasil. Organização: Luana Lopes, 2011.
Nota-se que, em cada um desses momentos históricos, as Unidades de
Conservação foram, aos poucos, tomando forma e adquirindo características
peculiares. A primeira etapa estende-se de 1937 a 1939, com a criação do primeiro
parque nacional, o de Itatiaia. A segunda refere-se à transferência da capital federal
para a região Centro-oeste, abrangendo os anos de 1959 a 1970, momento em que
o País se volta para o desenvolvimento da região amazônica.
Por sua vez, a terceira etapa compreende o período de 1971 a 1974, com o
estabelecimento da Política Brasileira de Parques Nacionais e Reservas
equivalentes. A quarta etapa tem início em 1979, chegando até quase aos dias
atuais, sendo criadas neste período as estações ecológicas e as áreas de proteção
ambiental (APA‘s). Finalmente, no último período, foi consolidada a lei do Sistema
Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), cujo decreto de regulamentação foi
sancionado em 2002, até o momento atual.
Criação do Parque Nacional de Itatiaia
Transferência da Capital do país
Política brasileira para Parques
Criação de APA‘s e estações ecológicas
SNUC
81
5.2 Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC)
Revisitando os capítulos anteriores poderemos observar que a ideia de conservação
da natureza foi algo construído ao longo da história, resultado de um contínuo e
constante questionamento do homem acerca de suas relações com a natureza e
desenvolvendo-se, desde a Antiguidade, contrapondo-se com as relações de
domínio e superioridade do homem com a natureza.
No decurso da evolução de área protegida no Brasil, cabe destacar a década de 30,
com a criação do Parque de Itatiaia (Rio de Janeiro). Desde então, com o objetivo de
manter e proteger as áreas naturais ainda existentes, o poder público vem adotando
medidas legais no sentido de garantir a integridade destes espaços e ordenar as
atividades exercidas. Foram vários os diplomas legais expedidos, em todas as
esferas de competência (federal, estadual e municipal) que instituíram áreas a
serem protegidas sob a forma de Unidades de Conservação Ambiental.
Abaixo (tabela 01) temos um panorama que retrata a evolução da criação de
Unidades de Conservação no âmbito federal ao longo das décadas. Os dados
indicam que o número de Unidades de Conservação aumentou gradativamente,
principalmente após a década de setenta devido ao estabelecimento de Políticas
públicas voltadas para áreas de conservação.
Década Proteção Integral Uso Sustentável
1930 3 0
1940 3 1
1950 6 1
1960 14 13
1970 24 14
1980 76 52
1990 90 92
2000 137 173
Tabela 1: Evolução do quantitativo de Unidades de Conservação no âmbito federal por décadas. Fonte: Dados SMA/CGPRO/DIREP/ICMbio (2010) Organização: Luana Lopes, 2011
82
Tomando o Brasil como referência, o estabelecimento de espaços territoriais
especialmente protegidos em todas as unidades da federação é atribuição
constitucional do Poder Público. Essa atribuição foi recentemente respaldada com a
sanção da Lei nº. 9.985, de 18 de junho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação – SNUC, que regula as normas e critérios para a criação,
implantação e gestão das unidades de conservação foram estabelecidas.
A concepção de uma Unidade de Conservação ocorre por mediação de ato do poder
público e deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública. Nessa
perspectiva, ainda é necessário o fornecimento de informações adequadas e
inteligíveis à população local e a outras partes interessadas, que permitam identificar
a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade. Desse
modo, Guerra (2009, p. 53), considera que
O Estado é o gestor dessas áreas, porém essa gestão, segundo o SNUC, deve ser realizada com a participação da sociedade civil. Portanto, esse sistema prevê a formação de conselhos gestores de unidade de conservação, com membros de diferentes esferas governamentais, além de representantes da sociedade civil.
E ainda, explica que,
Essa lei criou aparato técnico, jurídico e conceitual que possibilita gestão mais adequada às unidades de conservação, pois descreve os objetivos, diretrizes e limites de atividades de cada categoria, balizando os processos de tomada de decisão das diferentes estâncias envolvidas na gestão ambiental.
Por essa perspectiva, segundo os parâmetros traçados no âmbito da legislação
vigente, as Unidades de Conservação existentes (ou que venham a ser criadas)
terão por finalidade a proteção de ecossistemas naturais que ainda não se
encontram degradadas ou que sejam recuperáveis.
Ainda, segundo a Constituição Federal (CF, art. 225), a conservação e preservação
da natureza é obrigação conjunta do poder público e dos cidadãos:
Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
83
Como vimos, o SNUC é um grande avanço na legislação brasileira no que se refere
à política de conservação do país. O SNUC é um sistema que agrega todas as
unidades de conservação federais, estaduais e municipais, tais como: parques
nacionais, áreas de proteção ambiental (APA), áreas de relevante interesse
ecológico (ARIE), e outras categorias utilizadas pelo Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Segundo o SNUC, definem-se Unidades de Conservação como "espaço territorial e
seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características
naturais relevantes, legalmente instituídas pelo Poder Público com objetivos de
conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, aos quais se
aplicam garantias adequadas de proteção" (art.2, I, da Lei nº. 9.985/00).
Entre os objetivos do SNUC destacam-se: a manutenção da diversidade biológica e
dos recursos genéticos; a proteção das espécies ameaçadas de extinção; a
preservação e restauração da diversidade de ecossistemas naturais e degradados; a
promoção do desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais; a
valorização econômica e social da diversidade biológica; a proteção de paisagens
naturais pouco alteradas e de notável beleza cênica; a proteção e recuperação dos
recursos hídricos; a promoção da educação ambiental e do ecoturismo, o incentivo à
pesquisa científica; e a proteção dos recursos naturais necessários à sobrevivência
das populações tradicionais.
As Unidades de Conservação integrantes do SNUC dividem-se em dois grupos, com
características específicas: Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso
Sustentável, sendo encontradas indistintamente em todo o território nacional,
devendo-se, essa característica, ao fato de que a natureza é dinâmica e não
reconhece os limites administrativos. Evidentemente que as áreas consideradas de
interesse ambiental não estão somente sob o domínio público, há também áreas
legalmente protegidas em propriedades particulares como, por exemplo, as margens
de rios, nascentes e topos de morros. Neste sentido, os dois tipos de áreas
protegidas são complementares, como representado na figura a seguir.
84
Figura 17: Esquema de subdivisão de área protegidas, segundo o SNUC Organização: Luana Lopes, 2011
Com esses preceitos, Guerra (2009, p. 55) discorre sobre a classificação das
unidades de conservação pública em duas bases principais e com demandas
distintas, que a seguir são sinteticamente apresentadas pelo autor.
Nas unidades de desenvolvimento sustentável cabem múltiplas atividades econômicas e sociais, como indústrias e cidades. Isso porque, muitas vezes, busca-se a criação de unidades de conservação dessa categoria como forma de ordenar ações de caráter não sustentável, sobretudo as que têm impacto sobre o meio ambiente. Assim, cria-se um aparato de gestão, com base legal, que permite a restrição da expansão dessas atividades, ou ao menos a regulamentação das mesmas, de modo que no interior de unidades de conservação de desenvolvimento sustentável existem atividades que geram impactos significativos no meio ambiente, mas sob maior regulação do que em outras áreas protegidas. Já para as unidades de conservação de proteção integral, a lei é mais explícita, determinando o limite de atividades que é permitido em cada área. Inicialmente, há a questão fundiária, que diferencia as unidades de conservação integral. Nessa, é obrigação do Estado a retirada da população e a regulamentação fundiária, o que gera maior poder sobre o território. Claramente isso não foi feito em grande parte das unidades de conservação, mas o aparato legal tem esse direcionamento. Apenas as populações tradicionais, em determinados casos, têm permissão legal para ficar. Mesmo assim, o artigo 42 do SNUC prevê o reassentamento das populações tradicionais residentes em unidades de conservação nas quais seja incompatível a sua permanência. (Grifo nosso)
Para o autor, ―vistas dessa forma, as duas categorias de unidades de conservação
refletem a dicotomia entre preservação e uso sustentável, mas segundo a
perspectiva da gestão em sistemas, essas categorias devem ser complementares‖.
Áreas protegidas
Públicas
(Unidades de Conservação)
Privadas
Unidades de Proteção Integral
Unidades de Uso Sustentável
85
As discussões e a prática da gestão de áreas protegidas ao longo da história foram
impregnadas pela dicotomia sociedade-natureza. Mas, para além dessa
problemática, essa separação entre o que é do âmbito da sociedade (aspectos
econômicos, políticos, culturais) do que é ―natural‖ torna-se mais complexa. Esta
ruptura acaba criando um paradigma que se reflete nas políticas públicas e na
gestão das áreas protegidas, e que acabam por reproduzir as relações de exclusão
social e afetam a própria possibilidade de conservação (LOUREIRO, 2006).
É lícito, então, admitirmos que o paradigma desta relação ficasse evidenciado com a
lei 9.985 de 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da
Natureza (SNUC) e estabelece critérios e normas para a criação, implantação e
gestão das unidades de conservação. Mas, para compreender melhor essas
questões, torna-se necessário, antes, uma discussão mais específica sobre o
SNUC. Esse instrumento trouxe conceitos, definições e estabeleceu as regras de
proteção à natureza, criando para isso as categorias de Proteção Integral, e as
Áreas de Uso Sustentável. Desta forma materializou-se a questão: homem versus
natureza, pois essa separação reflete as formas de se encarar esta relação.
5.2.1 As Unidades de Conservação: seus diferentes tipos e funções
A lei 9.985/2000, visando regulamentar o disposto no art. 225, § 1o, incisos I, II, III e
VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, dispondo sobre suas categorias, espécies e demais disposições para
sua formação. Estas, por sua vez, dividem-se em duas categorias, a saber:
a) Unidades de Proteção Integral;
b) Unidade de Uso Sustentáviel.
86
5.2.1.1 Unidade de Proteção Integral
São aquelas onde estão totalmente restringidas a exploração ou aproveitamento dos
recursos naturais, admitindo-se apenas o aproveitamento indireto dos seus
benefícios. Entende-se por proteção integral a manutenção dos ecossistemas livres
de alterações causadas por interferência humana, admitindo apenas o uso indireto
dos seus atributos naturais. Neste grupo (quadro 2) incluem-se as Estações
Ecológicas, Reservas Biológicas, Parques Nacionais, Monumento Natural e
Refúgios de Vida Silvestre.
Quadro 2 - Relação das Unidades de Conservação de Proteção Integral e suas
características.
CATEGORIA CARACTERÍSTICAS DESCRITAS NO SNUC
Estação Ecológica (EE)
Tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas; são de posse e domínio público, sendo que eventuais áreas particulares serão desapropriadas; podem ser permitidas alterações dos ecossistemas no caso de: medidas que vise à restauração de ecossistemas modificados, manejo de espécies com o fim de preservar a diversidade biológica, coleta de componentes dos ecossistemas com finalidades científicas, pesquisas científicas cujo impacto sobre o ambiente seja maior do que aquele causado pela simples observação ou pela coleta controlada de componentes dos ecossistemas, em uma área correspondente a no máximo 3% da extensão total da unidade e até o limite de 1.500 hectares.
Reserva Biológica (RB)
Tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem interferência humana direta ou modificações ambientais, excetuando-se as medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. É proibida a visitação pública, exceto com o objetivo educacional e de acordo com regulamento específico; a pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecida; é de posse e domínio público, sendo que áreas particulares incluídas serão desapropriadas.
87
Parque Nacional (PN)
Tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica; é de posse e domínio público, sendo que áreas particulares incluídas serão desapropriadas. A visitação pública está sujeita às normas e restrições estabelecidas no plano de manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas no regulamento. A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecida. As unidades dessa categoria, quando criadas pelo estado ou município, serão denominadas respectivamente, parque estadual e parque natural municipal.
Monumento Natural (MN)
Tem como objetivo básico preservar sítios naturais raros, singulares ou de grande beleza cênica. Pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades privadas ou não havendo aquiescência do proprietário às condições propostas pelo órgão responsável pela administração da unidade para a coexistência do Monumento Natural com o uso da propriedade, a área deve ser desapropriada, de acordo com o que dispõe a lei. A visitação pública está sujeita às condições e restrições estabelecidas no Plano de Manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas em regulamento.
Refúgio da Vida Silvestre (RVS)
Tem como objetivo proteger ambientes naturais onde se asseguram condições para a existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora local e da fauna residente ou migratória. Refúgio da vida silvestre, pode ser constituído por áreas particulares, desde que seja possível compatibilizar os objetivos da unidade com a utilização da terra e dos recursos naturais do local pelos proprietários. Havendo incompatibilidade entre os objetivos da área e as atividades privadas, a área poderá ser desapropriada; a visitação pública está sujeita às condições e restrições estabelecidas no plano de manejo da unidade, às normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração e àquelas previstas no regulamento; a pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas, bem como àquelas previstas no regulamento.
Fonte: Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC, 2000. Organização: Luana Lopes, 2011
5.2.1.2 Unidades de Uso Sustentável:
O objetivo básico das Unidades de Uso Sustentável é compatibilizar a conservação
da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Entende-
se como área de uso sustentável a exploração do ambiente de maneira a garantir a
perenidade dos recursos ambientais renováveis e dos processos ecológicos,
mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecológicos, de forma socialmente
justa e economicamente viável. Estão subdivididas nas seguintes categorias: Áreas
de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante Interesse Ecológico, Florestas
88
Nacionais, Reservas Extrativistas, Reservas de Fauna, Reservas de
Desenvolvimento Sustentável e Reserva Particular do Patrimônio Natural.
Quadro 3 – Relação das Unidades de Conservação de uso sustentável e suas
características.
CATEGORIA CARACTERÍSTICAS DESCRITAS NO SNUC
Área de Proteção Ambiental (APA)
É uma área em geral extensa, em terra pública ou privada, com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma APA. O órgão gestor da unidade estabelecerá condições para realização de pesquisas científicas e visitação pública em áreas sob domínio público. Em áreas de domínio privado cabe ao proprietário estabelecer as condições para pesquisa e visitação pública, observadas as restrições legais. A APA disporá de um conselho presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e da população residente.
Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE)
É, em geral, uma área de pequena extensão territorial em propriedade pública ou privada, com pouca ou nenhuma ocupação humana, com características naturais extraordinárias, ou que abriga exemplares raros da biota regional, e tem como objetivo manter os ecossistemas naturais de importância regional ou local e regular o uso admissível dessas áreas, de modo a compatibilizá-lo com os objetivos de conservação da natureza. Respeitados os limites constitucionais, podem ser estabelecidas normas e restrições para a utilização de uma propriedade privada localizada em uma ARIE.
Floresta Nacional (FLONA)
É uma área de cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas. A floresta nacional é de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas. É admitida a permanência de populações tradicionais que a habitam quando de sua criação, em conformidade com o disposto em regulamento e no Plano de Manejo da unidade. A visitação pública é permitida, condicionada às normas estabelecidas para o manejo da unidade pelo órgão responsável por sua administração. A pesquisa é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, às condições e restrições por este estabelecidas e àquelas previstas em regulamento. A floresta nacional disporá de um conselho consultivo presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e quando for o caso, da população tradicional residente. A unidade desta categoria , quando criada pelo estado ou município, será denominada floresta estadual ou floresta municipal.
Reserva Extrativista (REx)
É uma área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na
89
agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte e tem como objetivo básico proteger os meios de vida e a cultura destas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade. A reserva extrativista é de domínio público e o uso é concedido às populações extrativistas. As áreas particulares devem ser desapropriadas. A reserva extrativista será gerida por um conselho deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área. A visitação pública é permitida, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no Plano de Manejo da área. A pesquisa científica é permitida e incentivada, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade. É proibida a exploração de recursos minerais e a caça amadorística ou profissional.
Reserva da Fauna (RF)
É uma área natural com populações animais de espécies nativas, terrestres ou aquáticas, residentes ou migratórias, adequadas para estudos técnico-científicos sobre o manejo econômico sustentável de recursos faunísticos. É de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas em seus limites devem ser desapropriadas de acordo com o que dispõe a lei. A visitação pública pode ser permitida, desde que compatível com o manejo da unidade e de acordo com as normas estabelecidas pelo órgão responsável por sua administração. É proibido o exercício da caça amadorística ou profissional. A comercialização dos produtos e subprodutos resultantes das pesquisas obedecerá ao disposto nas leis sobre fauna e regulamentos.
Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS)
É uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de gerações e adaptados às condições ecológicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica. Tem como objetivo básico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as condições e os meios necessários para a reprodução e a melhoria dos modos e a qualidade de vida e exploração dos recursos naturais das populações tradicionais, bem como valorizar, conservar e aperfeiçoar o conhecimento e as técnicas de manejo do ambiente, desenvolvido por essas populações. É de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares dentro de seus limites devem ser desapropriadas quando necessário. Será gerida por um conselho deliberativo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e das populações tradicionais residentes na área, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criação da unidade. É permitida e incentivada a visitação pública, desde que compatível com os interesses locais e de acordo com o disposto no plano de manejo da área. É permitida e incentivada a pesquisa científica voltada à conservação da natureza, sujeitando-se à prévia autorização do órgão responsável pela administração da unidade, às condições e restrições por este estabelecidas e às normas previstas em regulamento. É admitida a exploração de componentes dos ecossistemas naturais em regime de manejo sustentável e a substituição da cobertura vegetal por espécies cultiváveis, desde que sujeitas ao zoneamento, às limitações legais e ao Plano de Manejo da área. Plano de manejo da reserva de desenvolvimento sustentável definirá as zonas de proteção integral, de uso sustentável e de amortecimento e corredores ecológicos, e será aprovado pelo conselho deliberativo da unidade.
90
Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
É uma área privada, gravada com perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. O gravame de que trata este artigo constará de termo de compromisso assinado perante o órgão ambiental, que verificará a existência de interesse público, e será averbado à margem da inscrição no Registro Público de Imóveis. Só poderá ser permitida, na Reserva Particular do Patrimônio Natural, conforme se dispuser em regulamento: a pesquisa científica; a visitação com objetivos turísticos, recreativos e educacionais. Os órgãos integrantes do SNUC, sempre que possível e oportuno, prestarão orientação técnica e científica ao proprietário de Reserva Particular do Patrimônio Natural para a elaboração de um Plano de Manejo ou de Proteção e de Gestão da unidade.
Fonte: Sistema Nacional de Unidade de Conservação – SNUC, 2000. Organização: Luana Lopes, 2011.
5.3 Código Florestal Brasileiro
Cabe lembrar que os primeiros conflitos sobre o uso dos recursos florestais
brasileiros têm uma história longa, datam do século XVI, junto ao desbravamento do
continente e, por conseguinte, a utilização predatória que ocasionou a escassez dos
produtos derivados da extração do pau-brasil. As primeiras leis com o objetivo de
regular o setor datam de 1605. Entretanto, as primeiras preocupações de
intelectuais e da opinião pública acerca de problemas relacionados à mudança no
padrão de uso dos solos do Brasil só vieram nos estertores do século XVIII (Pádua,
2002).
A proteção legal das florestas brasileiras começou a tomar forma no ano de 1934,
com o primeiro Código Florestal brasileiro, instituído pelo Decreto n° 23.793 de
23/01/1934, no governo de Getúlio Vargas. Esse código foi criado para normatizar o
uso das florestas. Em decorrência das imensas dificuldades verificadas para a
efetiva implementação desse instrumento, elaborou-se outra proposta para um novo
diploma legal que pudesse normatizar adequadamente a proteção jurídica do
patrimônio florestal brasileiro. Nesse contexto, o Código Florestal foi reeditado e foi
promulgado com a Lei n° 4.771, de 15/09/1965 pelo General Castelo Branco durante
a ditadura militar. O Código refere-se de forma geral às florestas, estabelece as que
devem ser protegidas, as que são passíveis de utilização plena e limitada, fixando
ainda penalidades pelo uso indevido (Brasil, 1965).
91
A história contemporânea da sociedade brasileira tem presenciado uma intensa
discussão em face da imposição do conteúdo normativo do Código Florestal
brasileiro (Lei n° 4.771, de 15/09/1965) e que condiciona o exercício dos poderes
inerentes ao domínio sobre a propriedade imóvel agrária. Desde 1934, o Código
Florestal foi alterado diversas vezes. O atual Código Florestal estabeleceu regras de
uso, preservação e conservação das florestas e outras formas de vegetação
utilizando duas figuras básicas que encontram-se no artigo 1º, parágrafo 2º, incisos
II e III do referido Código:
II - área de preservação permanente: área protegida nos termos dos arts. 2° e 3°
desta Lei, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de
preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-
estar das populações humanas;
III - Reserva Legal: área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural,
excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos
recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à
conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção de fauna e flora nativas;
5.3.1 Reserva Legal (RL)
A Reserva Legal, em síntese, é a área de cada propriedade particular onde não é
permitido o desmatamento, mas que pode ser utilizada em forma de manejo
sustentado. A Reserva Legal é uma área necessária ao uso sustentável dos
recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à
conservação da biodiversidade e ao abrigo da fauna e flora nativa.
A legislação permite que a compensação da Reserva Legal seja feita em outra área,
própria ou de terceiros, de igual valor ecológico, localizada na mesma microbacia e
92
dentro do mesmo Estado, desde que observado o percentual mínimo exigido para
aquela região. Não se pode esquecer que a vegetação de reserva legal não pode
ser suprimida, podendo apenas ser utilizada sobre regime de manejo florestal
sustentável.
O percentual da propriedade que deve ser declarado com Reserva Legal não é
uniforme em todo país, variando de acordo com a região em que está situada. As
florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de
preservação permanente (APP), são suscetíveis de supressão, desde que sejam
mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:
Figura 18: Ilustração da Reserva Legal Fonte: www.estadao.com.br
- 80%, na propriedade rural situada em área de Floresta da Amazônia Legal;
- 35%, na propriedade rural situada em área de cerrado da Amazônia Legal, sendo
no mínimo 20% na propriedade e 15% na forma de compensação em outra área,
desde que esteja localizada na mesma microbacia;
93
- 20%, na propriedade rural situada em área de Floresta, Campos, Campos gerais e
outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do país.
5.3.2 Área de preservação permanente (APP)
Não há como olvidar que as áreas de Preservação Permanente (APP) são áreas de
grande importância ecológica e social, que têm a função de preservar os recursos
hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico da
fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem estar das populações humanas.
No Código Florestal, são consideradas de preservação permanentes as florestas e
demais formações vegetais situadas em:
Figura 19: Ilustração sobre as áreas de preservação permanente, segundo o Código Florestal. Fonte: www.estadao.com.br
94
A – Rios ou cursos d‘água a partir do seu nível mais alto, da seguinte forma:
LARGURA DO RIO OU CURSO D’ÁGUA (metros) LARGURA DAS FAIXAS MARGINAIS
(mín., em m.)
Até 10 m 30 m
De 10 à 50 m 50 m
De 50 à 200 m 100 m
De 200 à 600 m 200 m
Mais de 600 m 500 m
Tabela 2 - Largura de vegetação ciliar a ser mantida ou revegetada de acordo com largura de curso de água, conforme artigo 2° da Lei 4.771/65.
Figura 20: Representação da largura da vegetação ciliar de acordo com a largura do curso de água. Fonte: www.org.br
Figura 20: Representação da largura da vegetação ciliar de acordo com a largura do curso de água. Fonte: www.org. br
B - Ao redor de lagos, lagoas ou reservatórios de água, naturais ou artificiais;
APP lagos, lagoas ou reservatório de água APP
Figura 21: Representação esquemática da vegetação permanente em torno de lagos, lagoas e reservatórios. Organização: Luana Lopes, 2011·.
95
C - Nas nascentes e nos chamados ―olhos d‘água‖, qualquer que seja sua situação
topográfica, num raio de 50 metros;
APP
NASCENTE
Figura 22: Representação da vegetação permanente em torno de nascentes e olho d‘água. Organização: Luana Lopes, 2011.
D- No topo de montes, morros, montanhas e serras;
Figura 23: Representação da vegetação permanente no topo de montes, morros, montanhas e serras Fonte: www.artedeproduziragua.com.br
E - Nas encostas ou parte destas, com declividade superior a 45o, equivalente a
100% na linha de maior declive;
45o
Figura 24: Representação da preservação da vegetação permanente nas encostas. Organização: Luana Lopes, 2011
Vegetação permanente
96
F - Nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadores de mangues;
G - Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo,
em faixa não inferior a 100 metros em projeções horizontais;
APP
100 m
Figura 25: Representação da área de preservação permanente nas bordas de tabuleiros ou chapadas. Organização: Luana Lopes, 2011.
H – Em altitude superior a 1800 m, qualquer que seja a vegetação.
Figura 26: Esquema representando a vegetação que deve ser preservada em altitude superior a 1800 metros. Organização: Luana Lopes, 2011.
São consideradas APP, ainda , quando assim forem declaradas pelo Poder Público,
as florestas e demais formas de vegetação destinadas a: atenuar erosão das terras;
fixar dunas; formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; auxiliar na
defesa do território Nacional, a critério das autoridades militares; proteger sítios de
excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; a asilar exemplares da fauna
1.800m
97
ou flora ameaçados de extinção; manter ambiente necessário à vida das populações
silvícolas (patrimônio indígena); assegurar condições de bem-estar público.
Segundo o Código Florestal (Lei 4.771, de 15/09/1965), a supressão total ou parcial
de florestas e vegetação em áreas de preservação permanente (APP) só será
admitida com prévia autorização do poder executivo federal, quando for necessária à
execução de obras, planos, atividades ou projetos de utilidade pública, ou interesse
social. Esta supressão dependerá de autorização do órgão ambiental estadual
competente, com anuência prévia , quando couber, do órgão federal ou municipal de
meio ambiente.
No caso de supressão de vegetação localizada em área urbana dependerá de
autorização do órgão competente, desde que o município possua conselho de meio
ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do
órgão ambiental estadual competente, fundamentada em parecer técnico. O órgão
ambiental competente indicará previamente à emissão da autorização para a
supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas
mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.
5.3.3 Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN)
Além da Reserva Legal e das Áreas de Preservação Permanente, que todos os
proprietários têm a obrigação de preservar, os proprietários podem, por vontade
própria, criar Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN). As Reservas
Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) são reservas privadas que têm como
objetivo preservar áreas de importância ecológica ou paisagística. São criadas por
iniciativa do proprietário, que solicita ao órgão ambiental o reconhecimento de parte
ou do total do seu imóvel como RPPN.
98
Diferente da Reserva Legal, onde pode ser feito uso sustentável dos recursos
naturais, na RPPN só podem ser desenvolvidas atividades de pesquisa científica,
ecoturismo, recreação e educação ambiental. A área transformada em RPPN torna-
se isenta do Imposto Territorial Rural (assim como a reserva legal e as APPs), sendo
que o proprietário pode solicitar auxílio do poder público para elaborar um plano de
manejo, proteção e gestão da área.
99
PARTE III
CAPÍTULO VI
ESTUDO DE CASO: RESERVA BIOLÓGICA DE SOORETAMA
6.1 Descrição geral da área de estudo
A região estudada é uma Unidade de Conservação da categoria de manejo de uso
integral. A Reserva Biológica de Sooretama situa-se geograficamente na região
norte do estado de Espírito Santo, em particular no município de Sooretama.
Ressalta-se que sua área se estende aos municípios de Linhares, Jaguaré e Vila
Valério. A área de estudo está localizada numa superfície de tabuleiros costeiros
compreendida entre os paralelos 18º 53‘ e 19º 05‘ S e os meridianos 39º 55‘ e 40º
15‘ W Gr, ao norte do estado do Espírito Santo (Figura 27), seu perímetro mede 120
quilômetros, perfazendo uma área de 24.250 hectares, constituindo 0,5% da área do
estado.
O município de Sooretama é constituído por uma paisagem dominada por uma
matriz essencialmente agrícola que contém a maior parte da reserva. A principal via
de acesso a Sooretama é a rodovia federal BR 101 (rodovia Mario Covas), que corta
transversalmente a reserva. A sede da administração encontra-se a 15 km da
rodovia federal. A reserva também é atravessada pela estrada de terra ES-358.
A Rebio de Sooretama foi criada em 20 de setembro de 1982, por meio do Decreto
n° 87.588, sendo resultado da união da Reserva Florestal Estadual de Barra Seca,
criada em 1941, com o Parque de Refúgio de Animais Silvestres Sooretama. Foi
criada com o objetivo de preservar espécies da fauna local e remanescentes da
Mata Atlântica, sendo atualmente a Rebio administrada pelo Instituto Chico Mendes.
Nesse sentido, cabe ressaltar que os problemas ambientais têm se agravado ao
longo das últimas décadas, mesmo após a criação da Rebio. A pressão antrópica
100
muito intensa é um dos principais causadores de uma série de danos que a unidade
vem sofrendo.
A Reserva Biológica de Sooretama é atualmente a maior Unidade de Conservação
do Estado do Espírito Santo. Por estar contígua com a Reserva Natural da
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), forma, na totalidade, a maior área com
cobertura florestal nativa do Estado. A região é um dos centros de endemismo da
Mata Atlântica, que devido às ameaças à biodiversidade é considerada um dos 25
hot-spots mundiais para conservação. A Reserva mantém protegido uma
diversificada fauna e flora de grande representatividade. Por se tratar de área de
grande importância ecológica foi declarada reserva da Biosfera pela UNESCO, além
de estar inserida no Projeto Corredor Central da Mata Atlântica e Sítios do
Patrimônio Natural da Humanidade.
101
102
6.2 - Uma revisita à história da Rebio
Originalmente o Estado do Espírito Santo era coberto por uma exuberante formação
florestal, que abrangia em torno de 86,88% de seu território. No início, a ocupação
das terras começou no litoral e nele se manteve até meados do século passado.
Esclareça-se, por exemplo, que até 1888, apenas 15,4% do solo capixaba estava
ocupado, enquanto o restante, constituído por terras devolutas, mantinha-se, em sua
maioria coberto de matas virgens (SCHETTINO, 2000).
A Rebio de Sooretama está inserida no contexto histórico de desenvolvimento do
Estado do Espírito Santo, cabendo ressaltar que até a chegada e efetiva instalação
do colonizador nas terras norte-capixabas, estas se constituíam em amplas áreas
verdes pouco alteradas, diferenciando-se do que já havia acontecido com as terras
dos outros estados da região sudeste, primeira a se povoar densamente durante o
processo de colonização.
A região norte do Espírito Santo só começou a se desenvolver a partir da construção
da estrada de ferro Vitória–Minas, que permitiu mais acessibilidade à região, bem
como o povoamento da região sul do rio Doce, por volta de 1908. Com o início das
obras para a implantação da Estrada de Ferro surgiram também os madeireiros e a
derrubada das florestas para a retirada de dormentes e da lenha com o propósito de
abastecer a locomotiva (Maria Fumaça); dando início a um longo processo de
devastação florestal.
A região ao norte do Rio Doce só começou o seu desenvolvimento a partir de 1927,
com a construção de uma ponte na cidade de Colatina ligando-a às terras do norte.
É importante atentar que essa conjuntura possibilitou um rápido ―desenvolvimento‖ e
também uma drástica diminuição da cobertura vegetal ali existente, sendo
substituída pela agricultura e pela pecuária (AGUIRRE, 1951). O relato de Schettino
(2000) caracteriza muito bem esse quadro:
Com esta obra (construção da ponte sobre o Rio Doce), foi rompida a barreira natural que impedia a efetiva ocupação daquelas terras. No principio, aquela região foi ocupada também por pequenas propriedades baseadas na cultura do café e na produção de alimentos, associadas à exploração madeireira. Essa região, por longo tempo, destacou-se como produtora e exportadora de
103
madeiras com um processo de desmatamento irracional e sem critério, o que levou, rapidamente, ao esgotamento dos recursos florestais (Schettino, 2000, p. 45).
Na década de 60 (século passado), a indústria madeireira era a principal atividade
econômica geradora de empregos (empregando 33,13% do total de operários da
indústria de transformação), explorando grandes áreas do Estado até o esgotamento
dos recursos florestais. Esse quadro culminou, na década de 70, com o setor
entrando em decadência em virtude da escassez de matéria-prima (Schettino 2000).
É importante atentar que o acelerado processo de exploração que se impôs a esta
região a partir do início do século XX, e que levou à devastação de grande parte dos
seus ecossistemas florestais, provocou um profundo processo de fragmentação da
paisagem natural. Contudo, essas alterações no ambiente suscitaram inúmeras
iniciativas no sentido de proteger parte da Floresta de Tabuleiros do norte do
Espírito Santo. Para Aguirre (1951),
[...] nunca houve uma colonização bem orientada naquelas terras. Os primeiros colonos que ali se estabeleceram vieram acossados pela seca nordestina de 1877. Desde essa época, pouco foram os agricultores que se estabeleceram com o propósito de se fixarem ao solo; a maioria pode-se incluir no rol dos fazendeiros de desertos. De um modo geral, o posseiro derrubava todos os anos certo trecho de mata virgem para o plantio da mandioca, abandonando no ano seguinte a área cultivada para fazer nova derrubada. E com a fácil justificativa de que terra nova tem pouca formiga e não precisa de muita capina, o caboclo indolente aumentava anualmente a área devastada, sem proveito para a economia do Estado. Assim, ia vivendo o caboclo: a terra lhe dava a farinha e o mundéu lhe fornecia carne para a sua parcimoniosa alimentação. A viola e a espingarda pica-pau completavam as horas de lazer. Possivelmente a desnutrição lhe impedia de refletir sobre os meios necessários para a conquista de um melhor padrão de vida, demonstrando assim ter abdicado de um direito comezinho do homem civilizado, ou seja, o instinto de ambição. [...] o ritmo das pancadas secas do gume do machado que fere o cerne das árvores seculares e o estrondo do gigante que tomba levando na sua queda árvores menores que o circundam, misturam-se aos gritos sádicos do caboclo que não esconde a satisfação de ver mais uma aberta [...]
É importante salientar que a primeira grande iniciativa de proteção dessas áreas
ocorreu na década de 30 (século XX), quando técnicos e pesquisadores, como o
engenheiro agrônomo e naturalista Álvaro Aguirre, apontavam estratégias para a
proteção da área. Considerando o exposto, faz-se necessário ressaltar que as ações
se intensificaram nesse período, devido principalmente ao rápido avanço do homem
sobre a floresta. Convém ressaltar que a proposta inicial de seus idealizadores era a
de criar uma área de refúgio de animais silvestres e um parque florestal na região.
104
Todo o esforço empreendido só iria surtir efeito em 1942, quando o Ministério da
Agricultura, responsável à época pela política de proteção, solicitou um estudo sobre
a possibilidade de criação de um parque de refúgio de animais silvestres no Espírito
Santo.
O Parque de Reserva, Refúgio e Criação de Animais Silvestres ―Sooretama‖ (a terra
dos animais da mata) foi, então, criado em 1943 no município de Linhares em terras
doadas pelo Governo do Estado do Espírito Santo à União — abrangia cerca de
12.000 hectares — com esta finalidade. Parte desta área, dois anos antes (1941), já
havia sido objeto de uma tentativa mal sucedida de criação de uma Reserva
Florestal pela interventoria do Estado. Esse fato ocorreu porque o então Ministro da
Fazenda impugnou a aplicação de verbas para a construção no parque, alegando
que as terras não pertenciam à União. Não obstante, o interventor Jones dos Santos
Neves, recém nomeado naquela função, decidiu o impasse criado pelo Ministério da
Fazenda fazendo a doação das terras, incluindo toda a área da antiga reserva
florestal e a Lagoa do Macuco para o governo federal através do decreto-lei 14.977.
(AGUIRRE, 1951).
105
Figura 28: Croqui da área do Refúgio Sooretama. Fonte: Aguirre, 1951
É importante salientar que o Parque de Sooretama foi o primeiro do tipo no Brasil e
para seus idealizadores ele estava totalmente fundamentado no espírito
preservacionista da época, ou seja, uma área que não pode ser modificada, nem
desvirtuada nos seus propósitos, sob qualquer pretexto, pois que são considerados
monumentos nacionais erigidos em homenagem às gerações futuras.
Como consequência, a implantação desta área protegida não poderia ter sido
realizada sem que conflitos se estabelecessem, já que estas terras estavam
ocupadas desde o início do século. A maioria das quase quarenta famílias que
habitavam a área do novo Parque não possuía a posse de seus terrenos, nem
mesmo a legalização pelo Estado, o que acabou facilitando, em parte, a sua
remoção da área destinada ao Parque. Outro fator que facilitou a remoção das
famílias originariamente estabelecidas na área foi a proibição da caça e do
desmatamento. Em 1969, já em acordo com a nova legislação de proteção à fauna,
106
o Parque passa a ter a denominação de Reserva Biológica de Sooretama,
denominação que se conserva até hoje.
Os conflitos pela terra continuaram se estabelecendo nas áreas vizinhas à Reserva
até 1971, quando o IBDF decide, pela Portaria n° 2015/71, incorporar
definitivamente à área da REBIO, parte dos terrenos situados a oeste, próximos ao
Rio Barra Seca, onde outrora o governo do Estado do Espírito Santo havia
demarcado a Reserva Florestal de Barra Seca. A Reserva biológica de Sooretama
foi estabelecida com seus limites atuais, através do Decreto n° 87.588, de 20 de
setembro de 1982.
107
6.3 Desenvolvimentos e aplicação do método proposto
Do ponto de vista metodológico, o presente estudo é caracteristicamente qualitativo,
envolvendo um estudo de caso, relacionado às implicações existentes entre homem-
natureza na Reserva Biológica de Sooretama, escolhido como área-objeto. Esse
trabalho apóia-se em uma linha sistêmica, cujos estudos foram desenvolvidos por
autores ligados à Geografia Física. Ao considerar que na realização de estudos
ambientais, observa-se a inter-relação entre os elementos sociais e naturais em
forma de sistemas que se integram e interagem, define-se, portanto, a análise
sistêmica como a metodologia eleita de abordagem.
Adotou-se como referencial teórico-metodológico o estudo do meio ambiente a partir
do sistema GTP (Geossistema, território e paisagem) proposta por Bertrand. A
escolha desse modelo de análise de Claude e Georges Bertrand foi por ser essa
uma proposta de análise híbrida, que compreende a natureza através do viés do
território e da paisagem de forma integrada e complementar. Pelo exposto, pode-se
verificar que o autor tem a preocupação de trabalhar com conceitos mesclados, pois
considera que os limites entre natureza e sociedade são indefinidos, rompendo com
a ideia atual de uma Geografia setorizada.
O sistema GTP é composto por três vias metodológicas: uma entrada naturalista,
outra socioeconômica e uma terceira sociocultural.
i. O conceito natural é formado pelo conjunto dos componentes do meio
geográfico que se encontram espacializados entre os abióticos (rocha, ar e
água); bióticos (animais, vegetais e solos) e antrópicos (impactos das
sociedades sobre o ambiente). O conceito antrópico, por sua vez, integra os
impactos das atividades humanas, sem que se possa, por isso, considerá-lo
como um conceito social.
ii. O território é a entrada que ―permite analisar as repercussões da organização
e dos funcionamentos sociais e econômicos sobre o espaço considerado‖. Inclui
108
o tempo do mercado ao tempo do desenvolvimento durável, abordando o
recurso, a gestão, a redistribuição e a poluição-despoluição (BERTRAND;
BERTRAND, 2007).
iii. A paisagem, por sua vez, toma uma dimensão sociocultural do conjunto
geográfico estudado. Ela traz um sentido subjetivo, por expressar o tempo do
cultural, do patrimônio, do identitário e das representações, baseado no
ressurgimento do simbólico, do mito e do rito (BERTRAND; BERTRAND, 2007).
O termo ―artialização‖ é usado para expor o aspecto subjetivo da paisagem, uma
vez que a arte é vista e praticada de maneira particular, por cada pessoa.
Para avaliar a percepção da comunidade do entorno da Rebio foram adotadas
estratégias específicas para tornar "visíveis" os pensamentos, opiniões e
sentimentos sobre as realidades percebidas e os mundos imaginados, apropriando-
se das categorias de análise estabelecidas por Bertrand com as devidas
adaptações. Desse modo investigaremos não apenas o padrão dos fenômenos, mas
principalmente sua interação funcional, para poder indicar uma ação construtiva no
todo.
A meta do sistema GTP, como metodologia é reaproximar estes três conceitos para
analisar como funciona um determinado espaço geográfico em sua totalidade. Trata-
se então, essencialmente, de apreender as interações entre elementos constitutivos
diferentes para compreender a interação entre a paisagem, o território e o
geossistema. A visualização das relações entre os elementos da paisagem leva o
pesquisador a compreender a dinâmica da área estudada e como ela dialoga com a
circunvizinhança.
Percebe-se a necessidade imediata da reflexão sobre a conformação das Unidades
de Conservação. Surge, daí, a necessidade de efetivar na prática a unicidade entre
os aspectos físicos e humanos, sendo a abordagem sistêmica, uma das alternativas.
Utilizando este instrumento, os objetivos poderão ser atingidos com maior eficácia,
buscando uma analise crítica, que compreenda a totalidade da realidade,
possibilitando abandonar o paradigma de fragmentação e descontextualização.
109
E adotaram-se os seguintes procedimentos e técnicas de pesquisa:
6.3.1 Pesquisa e Revisão Bibliográfica: o levantamento foi realizado através da
revisão bibliográfica para consulta e análise de obras impressas como livros e
revistas especializadas, sites da internet e trabalhos acadêmicos que continham
dados pertinentes à presente pesquisa. Houve necessidade ainda de uma pesquisa
documental com a consulta e análise de documentos oficiais como a legislação
ambiental brasileira, e mais especificamente o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza (SNUC) e a Política Nacional de Educação Ambiental
(PNEA) e suas políticas públicas. E ainda, como parte do levantamento, realizou-se
a pesquisa de campo, para obtenção de dados primários.
6.3.2 Seleção da comunidade: inicialmente, realizaram-se visitas de reconhecimento
na área da Rebio e no seu entorno, de forma a estabelecer os primeiros contatos
com a administração da Unidade. Os primeiros contatos tiveram o intuito de informar
sobre a pesquisa a ser realizada e o interesse dos mesmos na realização do
trabalho. Em um segundo momento, as visitas tiveram como objetivo levantar dados
secundários como artigos, documentos e informações sistematizadas sobre os
locais, assim como estabelecer contato com a comunidade.
6.3.3 Trabalho de Campo: para a identificação e seleção dos narradores foram
realizadas conversas preliminares com alguns funcionários e com a administração
da Rebio, visando à identificação e localização de moradores do entorno da reserva.
A busca dos narradores se deu considerando principalmente as funções que
desempenhavam nas comunidades. A seleção dos narradores ou ―pessoas chave‖ é
considerada etapa fundamental no processo da investigação, uma vez que os
mesmos são representantes de uma determinada realidade dentro da pesquisa.
A amostragem foi não-probabilística, da categoria por julgamento, em que os
entrevistados foram escolhidos segundo à participação no processo e/ou por
apresentarem alguma importância para o estudo em questão, ou ainda, que
estivessem predispostos a fornecer informações. Portanto, não foi definido, a priori,
um número de pessoas a serem entrevistadas. O grupo amostral foi composto por
110
140 indivíduos que desempenham diferentes funções na comunidade: lideranças
comunitárias, professores, formadores de opinião e moradores mais antigos.
Torna-se necessário ressaltar que algumas localidades que são citadas nas
narrativas não constam nessa tabela, pois se tratam de comunidades pequenas que,
na realidade, encontram-se inseridas em comunidades maiores, as quais constam
nos dados oficiais para efeitos estatísticos.
Tabela 3 – Quantitativo de narrativas colhidas nas comunidades do entorno da Reserva Biológica de Sooretama.
Localidade Habitantes por km² Amostra
S J Barra Seca 1.500 14
N S Fátima 1.300 12
S João Bosco 400 4 Japira 40 2
S Roque 350 4
Palmito 850 8
Jurama 750 7
Córrego Paraju 40 2
Córrego Tesouro 120 3
Barra Seca I 600 6
Barra Seca II 750 6
Palmitinho 50 2
Água Limpa 700 6 Córrego Rodrigues 60 2
Patrimônio Lagoa 1.100 8
Córrego Patioba 120 3
Juncado 1.200 9
S J estivado 130 3
Arariboia 180 11
Córrego Chumbado 950 8
Santa Luzia 280 3
Córrego Coqueiro 80 4
Córrego Faria 1.250 9
Juerana B 280 4
13.080 140
Tabela 3: Quantitativo de amostras colhidas durante as incursões a campo. Organização: Luana Lopes, 2011
111
Foram realizadas, numa primeira fase, entrevistas abertas no interior da casa dos
moradores chamada de entrevistas exploratórias. Esta etapa foi de essencial
importância, para a elaboração do roteiro das narrativas que seria utilizado na fase
seguinte, como para se quebrar a formalidade entre entrevistado e entrevistador. O
roteiro constituiu-se em uma relação de tópicos que foram cobertos durante a
entrevista e teve a finalidade de orientar o pesquisador, evitando que assuntos
relevantes deixassem de ser abordados. O momento e o modo como os tópicos
foram transformados em questões ocorreram durante o desenrolar da entrevista.
Na fase seguinte, utilizou-se o roteiro previamente elaborado que serviu de base
para as entrevista semidiretivas. Segundo Oliveira (2001), a entrevista semidiretiva
não é inteiramente aberta nem conduzida por um grande número de perguntas
precisas, onde o entrevistador faz uso de uma série de perguntas guias, as quais
dispensam uma ordem específica para serem aplicadas. Nesse tipo de entrevista, o
entrevistado tem liberdade para falar e as intervenções do pesquisador se limitam a
algumas mediações no sentido de dar prosseguimento à narrativa. O registro dos
depoimentos contou com o auxílio de um gravador, para facilitar a transcrição
posterior e a análise dos relatos; de uma máquina fotográfica para o registro de
imagens.
Torna-se necessário esclarecer que alguns entrevistados não autorizaram as
gravações das narrativas, a divulgação da sua identificação e nem mesmo da sua
localidade. O pedido desses entrevistados guarda relação, na maioria dos casos, ao
receio que têm de, a partir de suas declarações, virem de alguma forma a ser
identificados e sofrerem algum tipo de consequência. Decerto, o objetivo principal da
pesquisa foi alcançado, vez que os entrevistados, identificados ou não, contribuíram
através de suas narrativas de forma significativa para compreensão do objeto de
estudo.
O roteiro estava constituído por tópicos, divididos em três partes:
i. Na primeira parte, cujo objetivo é colher informações dos entrevistados, o
enfoque foram as percepções e a importância da natureza; em seguida, a
112
análise se volta para as diferentes leituras da população do entorno no que se
refere às representações e transformações ocorridas na região.
ii. A segunda parte visa identificar aspectos pessoais da opinião em relação à
Reserva de Sooretama (Vocês acham importante existir esta Reserva? Por
quais motivos?), ou seja, as questões desta parte foram elaboradas para
investigar se a população tem o conhecimento suficiente da Rebio, a ponto de
despertar um interesse para a preservação. Esse item se desdobra na
abordagem da significação dos entrevistados sobre os benefícios e a
destruição e preservação da natureza. E a imagem construída da população
do entorno em relação à reserva.
iii. A terceira parte objetiva identificar qual a relação da comunidade com a
Rebio. Essa parte tem o intuito de identificar se os moradores do entorno
participam das discussões e decisões sobre a reserva.
As pesquisas foram realizadas no período de janeiro a maio de 2011, através de
visitas aos municípios e localidades do entorno, onde se realizou várias incursões de
campo. Os resultados coletados foram organizados e posteriormente analisados de
forma dedutiva, através da interpretação das informações obtidas com as narrativas
aliadas ao método GTP.
113
CAPITULO VII
ENTRELAÇANDO OS OLHARES: O SISTEMA GTP APLICADO À REBIO
SOORETAMA
7.1 O Geossistema da REBIO: análise da estrutura biofísica e graus de
antropização
Este item tem por objetivo analisar a Unidade de Conservação no que diz respeito
às suas características físicas e biológicas, bem como a sua importância na
conservação do patrimônio natural. Cabe, no entanto, salientar que a compreensão
do geossistema no espaço considerado permitiu vislumbrar como é o funcionamento
da estrutura física — solo, água, clima, vegetação — e como esse conjunto de
recursos é indispensável às atividades econômicas (produção agrícola)
desenvolvidas no entorno da Rebio.
O que se tem tentando defender ao longo desses capítulos é que precisamos
estudar os problemas ambientais numa perspectiva de maior unicidade, na medida
em que tais problemas, muitas vezes, só podem ser estudados sob uma visão
holística. Urge, assim, a necessidade de um entrelaçamento maior entre as
abordagens naturais e sociais, pois as temáticas ambientais exigem uma nova
racionalidade no diálogo dos saberes.
Do ponto de vista geomorfológico, a Reserva situa-se na região correspondente aos
tabuleiros costeiros do Grupo Barreiras dentro do domínio dos depósitos
sedimentares, depositados durante o Cenozóico, sobre um embasamento arqueano
muito alterado. Essa região engloba uma faixa alongada na direção norte-sul que se
estende ao longo do litoral sul da Bahia e do litoral norte do Estado do Espírito
Santo. Observa-se que praticamente toda a reserva, com exceção do extremo leste,
é constituída por sedimentos clásticos do Terciário, depositado sobre uma superfície
irregular de rochas gnáissicas. Na área leste do rio Barra Seca ocorre o contato da
114
Formação Barreiras com os depósitos aluviais de várzeas do Quaternário (Plano de
Manejo, 1994).
O tipo de relevo, nesta região, origina feições representadas por uma sequência de
colinas tabulares (interflúvios tabulares), entrecortadas por vales amplos e rasos,
podendo-se identificar uma única unidade geomorfológica denominada dos
Tabuleiros Costeiros, que se caracterizam por formas aplainadas, parcialmente
conservadas, submetidas à retoque e a remanejamentos sucessivo, e por áreas
dissecadas resultantes de uma dissecação fluvial homogênea com forma convexas
e ligeiramente abauladas. Na área da reserva, os tabuleiros alcançam uma altura de
até quase 200 metros (entre 50 e 100 metros, em sua maioria), estando
interrompidos pelos talvegues colmatados dos diversos córregos que escoam para o
rio Barra Seca e o Cupido (Plano de Manejo, 1994). É importante considerar ainda
que na região verifica-se quase a ausência de afloramentos rochosos.
Na área em análise predominam os solos do tipo Latossolo Vermelho Amarelo e
uma estreita faixa à margem da Lagoa do Macuco, e do rio Barra Seca, constituída
da Associação Gley Húmico mais Solos Orgânicos. Os Latossolos Vermelho
Amarelos são solos minerais, desenvolvidos a partir de sedimentos do terciário,
profundos, distróficos, fortemente a extremamente ácidos, com horizonte coeso,
podendo apresentar moderado ou proeminente e horizonte B latossólico.
Apresentam sequências de horizontes A, B e C, subdivididos em A1, A3, B1, B21,
B22, B3 e C1, alto grau de coesão na superfície, com redução de poros, aumento da
densidade aparente, diminuição da permeabilidade e aeração. São solos de textura
argilosa, com baixa capacidade de troca de cátions, baixa saturação de bases e de
baixa fertilidade natural. Já os solos Gley Húmico mais Solos Orgânicos, são
provenientes de deposições orgânicas e de sedimentos aluviais, pouco
desenvolvidos, mal a muito mal drenados, com o lençol freático bastante elevado.
Apresentam horizonte com alto teor de matéria orgânica, com acidez que varia de
moderado a extremamente ácido (Plano de Manejo, 1994).
A hidrografia da área é caracterizada pela presença de rios, córregos, lagunas e
lagoas, sendo o Rio Barra Seca o principal curso d‘água da Rebio. Este nasce fora
115
da Rebio, perto de São Gabriel da Palha, e forma em seu limite leste a Lagoa do
Macuco, corre no sentido oeste- leste e desemboca na Lagoa Suruaca, perto do
mar. Nota-se que em alguns locais, próximo ao Córrego do Tesouro, o Barra Seca
corre encachoeirado, sobre embasamento rochoso. Seus principais afluentes dentro
da Reserva são o Córrego Paraisópolis, formado por vários outros pequenos
córregos que banham a parte oeste de Sooretama, como o Areinha, Bom Jardim e
Jacarandá, e o Córrego Cupido (Plano de Manejo, 1994).
A Lagoa do Macuco localiza-se no extremo leste da reserva (fotografia 1 e 2), sendo
formada pelo rio Barra Seca e o córrego Cupido, e faz parte da região lacustre que
se estenda até a foz do rio Doce, e desta, até o rio Barra Seca, formando uma região
lagunar e alagados que variam de acordo com os períodos de cheias e vazantes.
(1) (2)
Fotografia 1 : Vista panorâmica da Lagoa do Macuco e ao fundo bordas da Reserva de Sooretama; Fotografia 2: Vista aproximada da Lagoa do Macuco. Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Em alguns trechos o rio tem mais de 400m de largura e está coberto de vegetação
hidrófila, principalmente capim-açu (Panicum sp). Seus afluentes mais importantes
são o Córrego Paraisópolis e o Córrego Cupido, que limita a Rebio em sua posição
sudeste. É importante destacar que a região da lagoa vem sofrendo com
interferências antrópicas — dragagens e retificações nos cursos de água — desde a
década de 60, encontrando-se atualmente, significativamente impactada devido à
116
exploração de petróleo pela PETROBRÁS, a agropecuária, e ao desenvolvimento
urbano (Plano de Manejo, 1994).
O Córrego Paraisópolis é formado por pequenos córregos que drenam a parte oeste
de Sooretama, como Areinha, Bom Jardim, Jacarandá e Rodrigues, entre outros. Os
principais afluentes do córrego Cupido são o córrego Quirino, o maior curso d‘água
cujas nascentes se encontram no perímetro da Reserva, e o Córrego Joeirana, que
corre fora da Unidade. A reserva protege algumas das nascentes destes pequenos
córregos, sendo o Quirino o maior deles. Porém, cursos de água e nascentes
encontram-se em geral sem cobertura arbórea original. Para os recursos hídricos, a
conservação da cobertura vegetal apropriada florestal é essencial para sua
conservação (Plano de Manejo, 1994).
O clima de região se caracteriza por apresentar anos de seca recorrente nos quais
as precipitações estivais e na ―época de chuvas‖, podem ser praticamente nulas.
Numerosas microbacias percorrem os fundos de vales entre os tabuleiros e as
nascentes e os denominados olhos de água são numerosos, podendo, porém, estar
muito reduzidos nesses anos de seca e, mesmo, desaparecer. O desmatamento,
que afetou inclusive as matas ciliares, aliado aos solos arenosos em superfície,
favorece a erosão e o assoreamento dos leitos dos córregos e rios que são planos e
pouco profundos (Plano de Manejo, 1994).
Na área de estudo, em virtude de sua posição geográfica e seus aspectos físicos,
predomina o clima tropical quente e úmido, com estação chuvosa no verão e seca
no inverno.
O clima local avaliado pelo método de Köppen é do tipo Awa no qual;
A = clima tropical chuvoso
w = distribuição sazonal das chuvas com maior volume no verão e;
a = temperatura média superior a 22ºC
Apresenta acentuada variação sazonal dos índices pluviométricos e uma relativa
estabilidade da temperatura média mensal, sendo a média do mês mais quente de
117
25,6°C, em fevereiro, e a média do mês mais frio 19,9°C em julho. A umidade
relativa do ar é de 83% em média. A estação chuvosa ocorre entre os meses de
novembro a março e a estação seca de maio a agosto, sendo a precipitação média
anual de 1.200 mm (Plano de Manejo, 1994).
De acordo com o sistema fitogeográfico estabelecido pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) e adotado no plano de manejo (1981), a principal
formação vegetal encontrada é a Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas,
também chamada "Mata dos Tabuleiros", dentro da Província Atlântica. Esse tipo de
floresta é formada sobre rochas pré-cambrianas e recoberta por sedimentos
inconsolidados de origem continental, depositados durante o Terciário Superior e
início do quaternário — o Grupo Barreiras.
A Mata de Tabuleiros é um corpo florestal constituído por uma faixa litorânea de
matas de planície, sobre a formação geológica do mesmo nome (Tabuleiros
Costeiros). Este tipo de floresta caracteriza-se por ser uma mata sempre verde de
caráter hidrófilo, formada por dois ou mais estratos superpostos com árvores de
mais de 30 m de altura. As espécies emergentes alcançam mais de 50 m de altura e
o estrato herbáceo arbustivo é pouco denso. Às margens dos cursos d‘água ocorre a
floresta de várzea, onde predominam as palmeiras e gramíneas, com destaque para
o leito, onde ocorrem ilhas flutuantes formadas especialmente pelo capim-açu
(Panicum sp). Essas matas dos tabuleiros também caracterizam-se pela presença
de madeiras de grande valor econômico como jacarandá (Dalbergia nigra), peroba
do campo (Paratecoma peroba), copaíba (Copaifera langsdorffi), louro pardo (Cordia
Trichotoma), peroba rosa (Aspidosperma polyneuron), dentre outras (Plano de
Manejo, 1994).
A fauna da região caracteriza-se pela extraordinária diversidade e pelos elevados
níveis de endemismo, ou seja, ocorrência de espécies restritas ao bioma,
constituindo importante refúgio biológico. A reserva possui fauna característica da
Floresta Tropical Atlântica Úmida, que tem semelhanças com a fauna amazônica e
possui um elevado número de espécies endêmicas. Abriga várias espécies de
animais silvestres em risco de extinção, tais como: jacu estalo, papagaio chauá,
118
mutum do sudeste, onça pintada, onça parda. A importância faunística da reserva
era reconhecida há décadas e foi o motivo principal da sua criação (Plano de
Manejo, 1994).
Fotografia 3: Papagaio Chauá Fotografia 4: Sabiá-Laranjeira Fonte: Reserva Biológica de Sooretama Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Em relação à fauna, na mastofauna destacam-se espécies como a preguiça de
coleira (Bradypus torquatus), o tatu-canastra (Priodontoes giganteus) e o tamanduá-
bandeira (Myrmecophaga tridactyla), todos ameaçados de extinção.
Fotografia 5: Preguiça de coleira Fotografia 6: Tatu Canastra Fonte: Reserva Biológica de Sooretama Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
119
Apesar de toda pressão antrópica, a reserva ainda abriga uma valiosa diversidade
faunística, atuando como refúgio para a fauna remanescente. As aves também
apresentam uma diversidade bastante alta, podendo ser encontradas espécies
ameaçadas como o mutum (Crax blumenbachi), a jacutinga (Pipile jacutinga) e o
macuco (Tinamus solitarius). Existe ainda um grande número de espécies de répteis
e anfíbios, sendo que, entre estes últimos, provavelmente haja um grande
endemismo.
Fotografia 7: Mutum do sudeste Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
A importância do Reserva Biológica de Sooretama como região natural projeta-se
sobre áreas importantes sob o ponto de vista zoogeográfico, faunístico, florístico e
ecológico em geral, constituindo um patrimônio científico-cultural de grande
significado. A Reserva encontra-se situada em uma região estratégica em relação ao
componente Corredor Central da Mata Atlântica, do projeto Corredores Ecológicos
do Ministério do Meio Ambiente, cujo objetivo é contribuir para a efetiva conservação
da diversidade biológica Brasileira. Este projeto apresenta uma nova estratégia de
conservação da biodiversidade, indo além do paradigma das ―ilhas biológicas‖
constituídas pelas unidades de conservação, para propor o manejo integrado de
grandes extensões de terra mediante o uso gradativo de seus recursos, desde a
conservação estrita até o aproveitamento sustentado.
120
7.2 Paisagem da REBIO: uma leitura sob a dimensão sociocultural
Não tenho apenas um mundo físico, não vivo apenas no meio da terra, ar e água, tenho de mim estradas, plantações, cidades, ruas, igrejas, implementos, um sino, uma colher, um cachimbo [...] Algumas maneiras de experiência ou de vida podem achar seu lugar [...] na paisagem através da qual eu vaguei. O mundo cultural é ambíguo, mas está presente. Merleaou-ponty, 1971.
A história do homem mostra que frente ao desafio da sobrevivência, os interesses
práticos na utilização e proteção dos recursos naturais existiram desde os primórdios
do desenvolvimento das sociedades. Como exposto em capítulos anteriores, essa
reflexão retoma a importância da produção do espaço, sob a égide da exploração
dos recursos naturais. Diante desses conhecimentos, pode-se estabelecer um
paralelo que evidencia um descompasso da produção social do espaço e das formas
de apropriação da natureza. A velocidade com que essas ações se processam não
encontra correlação na matemática ambiental, conquanto esta não tenha
conseguido frear os impactos ambientais negativos que se processam numa
velocidade assustadora e impactante, bem aquém das boas ideias e iniciativas de
natureza conservacionista.
A dinâmica de implantação de áreas protegidas levanta uma série de
questionamentos no âmbito dos direitos de permanência e uso de tais áreas pelas
populações locais, o que reforça a tensão no campo dos conflitos na interface entre
Estado e grupos locais. Guerra (2009), expressa que as unidades de conservação
não podem ser totalmente compreendidos apenas no contexto da politicas públicas
voltados para a proteção da natureza. Produtos sociais, resultantes de processos
complexos de cooperação, negociação e conflito entre diferentes atores sociais, as
unidades de conservação se inserem em termos das dinâmicas mais gerais de
territorialização de um determinado espaço ou região.
121
7.2.1 Trocando as lentes: o mundo significado
A percepção ambiental vem sendo estudada em diversas áreas do conhecimento,
como na psicologia, geografia, biologia, antropologia e meio ambiente. Em Geografia
os estudos com abordagens perceptivas vêm aumentando expressivamente. Desde
a década de 1970, especialmente nos Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, França,
Austrália, e no Brasil, houve um aumento das pesquisas e reflexões sobre a
problemática da percepção em Geografia. (GUERRA, 2004)
O significado originário do termo percepção expressa à apreensão de um
determinado objeto real. A palavra percepção é derivada do latim perceptio, que
significa ―compreensão, faculdade de perceber‖, esse termo é definido, em linhas
gerais, como o ato ou efeito de perceber; combinação dos sentidos no
reconhecimento de um objeto; recepção de um estímulo; faculdade de conhecer
independentemente dos sentidos; sensação; intuição; ideia; imagem; representação
intelectual.
Os estudos de percepção ambiental são extremamente válidos para a
compreendermos a inter-relações entre o homem e o ambiente. Ela possibilita
conhecer os grupos envolvidos nas temáticas pontuais, promovendo a possibilidade
da realização de estudos com bases locais, partindo da realidade do público alvo,
para conhecer como os indivíduos percebem o ambiente em que convivem, suas
fontes de satisfação e insatisfação, sendo possível verificar que o espaço não é
simplesmente um elemento exterior a nós mesmos, mas uma dimensão da nossa
interação com ele. Essas leituras estão fortemente relacionadas à história de vida,
às vivências, à formação e ao registro do ambiente onde essas relações se
concretizam. Cada resposta possibilita decodificar a leitura que cada pessoa faz do
seu ambiente.
Nesse sentido, o efeito do ambiente sobre o comportamento humano não é
analisado de forma isolada ou não direcionada, na medida em que se considera o
contexto em que ele ocorre. Enfatiza-se a relação recíproca, ou seja, tanto o
122
ambiente influencia o comportamento, quanto é influenciado por ele. (OKAMOTO,
2002).
Diversas teorias e explicações sobre percepção reconhecem os perceptos e os
conceptos. Percepto é aquilo que percebemos, é o produto da seleção segundo o
significado, para atender à necessidade e ao interesse; não é o objeto nem a
imagem mental; é o que percebemos, dependendo da contribuição do observador e
do percebedor. O termo concepto é aquilo que concebemos, é o produto do filtro da
inteligência, segundo a lógica, para atender, também, à necessidade e ao interesse;
não é o percepto nem o objeto, nem mesmo o sujeito; é o que conceitualizamos,
dependendo da contribuição da inteligência, que por sua vez depende da idade,
cultura e herança genética. (GUERRA, 2004).
Vejamos o esquema de um sistema perceptivo sistêmico desenvolvido por Pinheiro
(1996), que explica como se dá a interação do perceptor com o meio.
Figura 29 – Esquema teórico do processo perceptivo Fonte: Pinheiro, 2000.
123
A ilustração procura representar a relação afetiva entre a pessoa e o lugar ou o
ambiente físico, diante da necessidade de melhor compreender as relações homem-
meio. Nesse sentido, é importante analisar o sistema de percepção, de
representações, símbolos e mitos que essas populações constroem, pois é com
base nestes sistemas que elas agem sobre o meio ambiente. Convém lembrar que a
natureza e sociedade funcionam imbricados, pois os fatos e fenômenos se
processam conjuntamente; um é causa de um efeito, que se torna, por sua vez,
causa e efeito, atuando em uma perspectiva sistêmica.
A percepção ambiental surge como importante estratégia para tornar o homem
ciente de seus impactos sobre o meio físico, promovendo seu entendimento sobre
as consequências de seus atos e a conectividade existente na intrincada teia de
ação e reação nos diversos sistemas. Nesse sentido, o estudo da percepção
ambiental de uma comunidade configura-se em uma ferramenta essencial para a
compreensão acerca de comportamentos vigentes e para o planejamento de ações
que promovam a sensibilização e o desenvolvimento de posturas éticas e
responsáveis perante o ambiente.
Para pensar as principais questões que envolvem o debate entre os atores
envolvidos na discussão dos conflitos existentes na Reserva Biológica de
Sooretama, torna-se primordial ter como elemento norteador a indagação que nos
acompanha desde o início da pesquisa: como o homem se relaciona com a
natureza?
Nesse contexto, as narrativas se tornam uma ferramenta de grande importância, já
que ela permite que seja realizada uma leitura do meio e seus problemas, a partir da
visão daqueles que estão diretamente envolvidos na problemática.
O olhar que dirige a investigação proposta tem como foco prioritário colher
percepções dos moradores do entorno da Rebio (figura 30), com o intuito de
investigar as opiniões que os mesmos têm sobre essa importante Unidade de
Conservação. O conhecimento sobre a opinião dessa população pode ser crucial
para o desenvolvimento de ações que visem fornecer bases para subsidiar a gestão
124
territorial com enfoque ambiental. Nesse sentido, as proposições de gestão territorial
devem abranger as potencialidades do meio natural, adequado ao enfoque
desenvolvimentista, visando uma relação ajustável entre sociedade e natureza.
Figura 30: Reserva Biológica de Sooretama e principais comunidades no entorno Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Os processos coletivos que permeiam a construção da área em estudo são
melhores compreendidos a partir da identificação e análise das percepções e das
relações interpessoais e os sistemas de relações existentes. Nesse sentido, a
análise da rede de atores sociais foi feita a partir da construção de um sociograma..
A elaboração do sociograma (Figura 30) iniciou-se a partir de um círculo central,
nomeado como território da Rebio Sooretama. A centralidade do território da reserva
é o ponto de referência deste Sociograma, pois todas as articulações entre os atores
sociais são realizadas em seu entorno. Esse esforço de ordenamento envolve
125
múltiplos atores no processo, tais como: as comunidades biológicas, as
comunidades humanas locais, organizações governamentais e não governamentais
e a iniciativa privada. Toda essa relação e interpelação entre os atores mencionados
se apresenta de forma complexa e é, muitas vezes, passível de ser conflituosa.
Figura 31 - Sociograma elaborado para este estudo, onde estão identificados os principais atores sociais envolvidos na análise da Rebio Sooretama. Organização: Luana Lopes, 2011
A origem dos conflitos nessa região está diretamente relacionada à questão do uso
dos recursos naturais relacionado ao uso do solo e da água, além da flora e da
fauna nativa, elementos bióticos e abióticos bastante explorados na área de estudo.
Esse conflito também leva em conta a legislação, mais especificamente o Código
Florestal.
Órgão governamentais
Comunidade local
Órgãos não
governamentais
Iniciativa privada
Comunidade biológica
Rebio
Sooretama
126
Partindo de observações in loco realizadas na Rebio Sooretama e seu entorno, de
uma revisão literária específica, mas, sobretudo na relação existente, pergunta-se:
―As populações locais devem ser colocadas como antagônicas às necessidades de
proteção dos recursos naturais em áreas de conservação?”
127
Profª Neinha e seus alunos–Comunidade do Juncado
Sr. Miguel – Morador da Comunidade de Danúbio
Dona Darilia – Moradora da Comunidade Juerama B
128
7.2.1.1 AS PERCEPÇÕES DE NATUREZA
7.2.1.1.1 QUANTO AO CONCEITO DE NATUREZA
Ao se buscar o conceito de natureza dos participantes, o mesmo apareceu como
sendo o que é natural, puro, não transformado. Três relatos contemplaram essa
questão, no entanto, no decorrer das narrativas, foi possível perceber uma
concepção mitológica de natureza como intocada pelo homem, sendo considerada
também, como sinônimo de beleza e pureza, reforçando a discussão que traçamos
desde o início da pesquisa: o distanciamento do homem da natureza.
“Eu acho que natureza é a árvore, os bichinhos. Tudo que Deus
criou pra gente e que não devemos destruir‖ [sic] Morador de
Jaguaré
“Acho que é aquelas áreas que o homem ainda não mexeu.
Onde tem vários animais e plantas” [sic] Moradora de
Sooretama.
“Pra mim, natureza é tudo o que o homem não destruiu. A mata,
os animais‖. [sic] Moradora da Comunidade de Arariboia
As respostas sugerem uma representação naturalista do espaço. Constatou-se nos
depoimentos que grande parte da população não se considera como parte
integrante do meio ambiente, mas o define como algo externo e que não inclui o ser
humano. A construção de uma consciência ambiental necessita da percepção de
que o meio ambiente inicia dentro de cada indivíduo, alcançando tudo que o cerca e
suas relações com o universo.
7.2.1.1.2 QUANTO À IMPORTÂNCIA DA NATUREZA
Quando questionados sobre suas percepções sobre a importância da natureza,
observou-se que grandes partes dos entrevistados relataram que ela é muito
importante. Neste sentido, há duas citações:
“A natureza é a base de tudo. Tudo que precisamos ela nos dá. Só que
precisamos ter mais respeito e agir de forma a não destruir. É preciso
129
considerar que a natureza e o homem são uma coisa só”. [sic].
Moradora da Comunidade de Barro Roxo
“Acho que a gente mudou demais a natureza. Antigamente tudo era
muito melhor: o ar, a terra para plantar, a água. Vivíamos de maneira
melhor pois não tínhamos tanta ganância de ganhar dinheiro. Hoje,
Deus do céu, arrancamos e matamos quase tudo pra plantar café. Olha
a nossa região, tudo desmatado. Como se nós fossemos viver
comendo café o resto da vida, e a natureza como fica? A natureza é o
bem precioso dado por Deus para cuidarmos e não destruir tudo”. [sic]
Morador da Comunidade de Água Limpa.
7.2.1.2 O LOCAL: DIFERENTES OLHARES
7.2.1.2.1 MUDANÇAS E/OU TRANSFORMAÇÕES NA REGIÃO
Quando questionado se houve mudanças e/ou transformações na região, uma
moradora que está instalada na comunidade do Juncado desde 1948 descreve a
região:
“Antigamente, o Juncado era assim: mato purinho, agora as coisas
mudaram muito. Não tinha escola e nem igreja. Quando vim para cá
era tudo mato, tinha poucas casas. Eu ia a pé pelas trilhas pois dava
aula em outra comunidade chamada Cupido, andava uns trinta minutos
a pé para chegar lá. No caminho passava por bichos como paca,
perdiz. Agora a gente não vê mais um bicho, nem um passarinho.
Acabaram com tudo, ainda tem um pouquinho de bicho por causa da
reserva, mas também tem muito caçador”. [sic].
Moradora da comunidade Coqueiro há 56 anos relata a transformação ocorrida na
sua localidade:
“Aqui no Coqueiro era mata pura, só tinha uma derrubadinha (se
referindo a áreas que foram desmatadas) aqui. A gente morava colado
na reserva. Esses dias pegou fogo na reserva, e eu fiquei muito triste
pois as pessoas falaram que devia ter pegado fogo em tudo. Eu fico
muito revoltada com isso, porque essa floresta é nossa, não é do
governo. A nossa floresta é muito conhecida, é uma das maiores. Meu
pai, quando veio para cá, derrubou dois alqueires de terra a machado,
130
tinha cada jequitibá, louro, macanaíba enorme. Naquele tempo nós
plantávamos couve, chuchu, cebola, taioba, tudo na roça. Antigamente
era um dia de sol e outro de chuva, era cada roça bonita. Antigamente,
era mais fácil para chover. Agora a gente tem que usar represa e
irrigação. Antes, a gente colhia tanto milho que o paiol não cabia mais.
Mas a gente não vendia muito, pois a maioria das pessoas naquela
época tinha a sua rocinha. Aqui começou a crescer quando começou a
vir gente de fora, principalmente da Bahia para a colheita do café.
Essas pessoas acabaram ficando e fixando residência, aí a
comunidade só foi aumentando”. [sic]
Moradora da comunidade Rodrigues relata:
“Eu nasci aqui, tenho 44 anos. Eu lembro que quando era pequena
morava poucas famílias aqui nessa região. As primeiras famílias que
chegaram vieram para trabalhar com a agricultura, principalmente para
consumo próprio. Depois começou a se instalar as serrarias, aí tudo
mudou. Antigamente a mata era tudo fechada, depois que as serrarias
começaram tudo ficou feio. Arrancaram as árvores, os animais
começaram a sumir, já naquela época os moradores perceberam que a
água começou a diminuir. Também começou a chegar várias famílias
de outros estados como Minas Gerais para trabalhar nas carvoarias e
que acabaram ficando por aqui. É, a serraria desmatou muito nossa
região”. [sic].
7.2.1.2.2 REPRESENTAÇÃO DA REGIÃO
Quando questionados sobre o que aquela região representa para si, as respostas
demonstravam em sua maioria a existência de um sentimento de pertencimento, um
imenso amor ao lugar, às pessoas amigas e à história que os entrevistados
ajudaram a construir.
“Eu gosto de tudo. Eu gosto da roça, da lida com a terra, das pessoas,
da igreja, de ir à missa aos domingos. Eu gosto de ver o sol, a chuva,
eu gosto do plantio, eu gosto de tudo. Tenho um amor muito grande
pela minha terra e pelas pessoas que moram aqui. Elas são muito
amigas, a gente não acha mais em outros lugares o que a gente vê
aqui. Quando é época de fruta é uma festa, os bichinhos aparecem aos
montes. Dá gosto de ver, tanto bichos que fazia tempos que a gente
131
não via. É a coisa mais linda. O nosso lugar é muito abençoado. [sic]
Moradora da Comunidade de Juerama A
Ao questionarmos os sujeitos sobre o que gostam na sua região, surgiram muitas
questões relacionadas ao seu bem-estar. Segundo a maioria dos sujeitos
entrevistados, a vida no campo permite um maior contato com a natureza. Há dois
depoimentos que ressaltam esta questão:
"[...] nossa, na cidade é tudo poluído, você vem pra cá (se referindo ao
lugar onde mora), olha que maravilha o ar fresquinho, os bichos
cantando, parece até outro mundo”. [sic] Moradora da Comunidade de
Córrego Tesouro
"[...] eu gosto de tudo aqui. Do trato com as pessoas, da lida na roça.
Gosto de estar perto do mato, isso me faz feliz”. [sic] Morador da
Comunidade de São João do Estivado
Outro motivo importante apresentado pelos sujeitos da pesquisa é a de que a
natureza da região traz tranquilidade, calma, paz, enfim, bem-estar. Isso é
confirmado através da narrativa a seguir:
“Não dá nem para comparar com a cidade. Nossa senhora! Aqui é
uma tranquilidade só. Aqui é sempre assim, silencioso. A gente só
ouve barulho da natureza. Oh, não tem vida melhor não. Posso dizer
que não troco isso aqui por dinheiro nenhum nesse mundo. Nada me
dá tanta paz”. [sic] Moradora da Comunidade do Córrego Rodrigues
7.2.1.3 PERCEPÇÕES SOBRE A RESERVA
7.2.1.3.1 QUANTO À IMPORTÂNCIA DA RESERVA
Durante as análises das narrativas pode-se constatar que as comunidades do
entorno da Rebio demonstraram possuir poucas informações sobre a reserva e,
embora alguns moradores se identifiquem com as causas ambientais, não sabem
precisar a importância da unidade para si mesmo e para o coletivo. Essa
problemática foi percebida na narrativa de alguns entrevistados, quando
questionados sobre a importância dessa área.
132
Dona Maria e Sr. Antonio – Moradores da Comunidade de Juerama A
Profª Adenir – Moradora de São João do Estivado
Dona Cinira – Moradora da Comunidade do Juncado
133
“A reserva é muito útil, não só essa, mas devia ter muito mais. Nós
temos sete alqueires de mata, meu pai sempre falava que na área de
mata de reserva (se referindo à área de reserva legal) não se deve
mexer. Inclusive, nós tínhamos necessidade de tirar a mata em 1981
porque estávamos plantando café, mas meu pai não deixou tirar,
porque ele falava sempre 'quando vocês precisarem de uma árvore
você vai ali e pega, e não precisa mexer na reserva'. Quando preciso
de lenha ou serrar uma madeira vou na minha área de mata e pego,
tudo para não mexer na reserva. Acho que as pessoas tinham que
respeitar as área da reserva”. [sic] Morador da Comunidade de Cupido
mata de reserva (se referindo à área de reserva legal) não se deve
mexer. Inclusive, nós tínhamos necessidade de tirar a mata em 1981
porque estávamos plantando café, mas meu pai não deixou tirar,
porque ele falava sempre 'quando vocês precisarem de uma árvore
você vai ali e pega, e não precisa mexer na reserva'. Quando preciso
de lenha ou serrar uma madeira vou na minha área de mata e pego,
tudo para não mexer na reserva. Acho que as pessoas tinham que
respeitar as área da reserva”. [sic] Morador da Comunidade de Cupido
Percebeu-se um enorme conflito no que se refere ao que é bem público e particular.
Sendo assim, não conseguem ter uma visão integrada no que diz respeito à relação
direta do entorno sobre a área da reserva, já que as alterações feitas nessas áreas
afetam diretamente o interior da reserva provocando desequilíbrio ambiental
seriíssimo que acabam se refletindo também no entorno, é uma relação recíproca e
direta.
Enquanto alguns desses proprietários acreditam na importância da reserva para um
ambiente mais equilibrado, o outro não tem a mesma opinião. Fica evidenciado que
há uma sobreposição de interesses particulares e coletivos. Além disso, percebeu-
se que não há uma clara visão da importância da reserva, talvez por não se sentirem
parte dela. Melhor dizendo, não consideram que suas ações isoladas possam
causar algum dano à natureza. Para efeito de conhecimento da opinião do
entrevistado e ilustração do tópico, vejamos um fragmento dessa narrativa:
“Quando meu pai chegou aqui comprou doze alqueires, pois essa área
era de uns primos dele que tinha 36 alqueires. Depois comprou toda a
área. Antigamente não tinha área nenhuma quase para plantar, era
tudo mata. As pessoas viviam da madeira, para ter uma ideia, só as
134
áreas de morro que tinha plantação de café arábica, o resto era mata
pura. A gente foi desmatando e plantando café, eu vim para cá em
1945. Antigamente só morava aqui três famílias, agora moram mais de
vinte famílias. A gente precisou desmatar por esses motivos, senão
como a gente ia fazer? Antigamente não existia tantas leis como agora.
Antes as pessoas entravam na reserva e roubavam muito jacarandá.
O pessoal só não invadiu mais porque tinha muita madeira de lei nas
propriedades. É igual a caça, as pessoas não tinham tanta
necessidade de caçar na reserva pois tinha muita caça aqui fora da
reserva, e não era tão proibido, não. Antigamente, no pátio da reserva,
a gente podia passar com a espingarda nas costas com boca para
baixo, fazia isso em sinal de respeito. Antigamente, tinha um morador
que criava cerca de cinquenta mutum como se fosse galinha no quintal.
Agora não tem mais mutum, acabaram com tudo. Antes, tinha bicho
demais, não havia necessidade de caçar, a mesma coisa era com a
madeira, tinha demais aqui fora da reserva”. [sic] Morador da
Comunidade de Cupido
Em outro depoimento, o entrevistado é enfático em afirmar que a reserva é um bem
que pertence a todos. Percebe-se que não há um claro entendimento no que se
refere ao bem público.
“Eu estou aqui desde 1970, tirei muita madeira. Eu era caminhoneiro,
fazia a retirada e transportava para Vitória. Não acho que mudou muito,
antes a mata chegava até aqui na fazenda, agora está um pouco para
lá. Quando meu pai morreu ele dividiu a fazenda, eu fiquei com uma
área que tinha mais mata do que terra, aí eu desmatei um pouquinho
uns três hectares para plantar café. A reserva é de todo mundo, então
a gente tinha que usar. O que adianta ter um monte de árvore se não
posso mexer em nada”. [sic] Morador da Comunidade de Córrego
Rodrigues
Outro aspecto observado nas narrativas refere-se a um despertar na importância
dada à reserva.
“Tem que conservar, senão meus filhos não vão conhecer um animal.
Até um tempo atrás muitos animais que estavam desaparecidos
começaram a aparecer depois da criação da reserva. Antes os
caçadores estavam acabando com tudo. Eu era caçador, entrava na
mata e pegava vários animais, pacas, tatu. Hoje fico bravo quando
135
meus amigos dizem que continuam caçando na reserva. Fico com dó
dos bichinhos. Eles caçam tudo que se mexe e dá para comer. Só para
tomar com uma cachacinha”. [sic] Morador da Comunidade de Juncado
Em outro depoimento, a moradora explana sobre suas concepções de conservação:
“A gente aqui em casa faz um tipo de reflexão, pois a gente que mexe
com esse meio social precisa refletir um pouco sobre nossa família e
sobre nossa região. Eu acho que com a criação da reserva a maioria
das pessoas tomaram uma certa consciência para valorizar o
ambiente. Também as leis que vieram pelo governo ajudaram muito,
pois a pessoa, por consciência ou forçadamente, estão limitando as
áreas de reserva. A reserva é um patrimônio da comunidade, do
município. O que a gente vê é que aos poucos as pessoas tem
consciência de preservar o que está aí, mas de reflorestar onde precisa
não, pois vai mexer no financeiro. Aqui tem muita área que precisa de
reflorestamento. As pessoas precisam ter consciência em deixar para o
amanhã. Aqui antigamente tinha muito animal. Antes eu morava mais
do lado da reserva, só para ter ideia minha mãe pegava tatu na mão,
os animais vinham perto da casa. Quando meu sogro chegou aqui, foi
morar perto da água, muitos animais vinham tomar água. Tinha muito
animal, muito mesmo. Hoje é raro. Tem um pássaro chamado Anu que
sumiu, não só por causa do desmatamento, mas também pelo uso de
produtos químicos na lavoura de café, nós usamos, todo mudo usa,
porque a lavoura pede mesmo. Tem mais de seis anos anos que não
vemos. Primeiro a gente via o preto e o branco. O branco era mais
difícil de ver, e como o pessoal era supersticioso tinha várias teorias
sobre ele. Outro animal que andou sumido foi o Perdiz, agora estão
voltando a aparecer. Mas algumas pessoas insistem em caçar, o que
muitas vezes apavora e deixa a gente irritado. Pessoas com carteira
assinada que trabalham. Não é como antigamente, não vão dizer que
estava certo, mas antigamente a gente tirava para o nosso próprio
sustento pois a cidade era longe, mas hoje ainda existem pessoas que
caçam por esporte, para vender. [sic] Moradora do Córrego Rodrigues
Os entrevistados indicam os próprios vizinhos como os principais caçadores e
causadores dos problemas da Rebio. Também citam o governo como negligente
quanto à falta de controle sobre esses impactos.
136
7.2.1.3.2 QUAIS AS QUALIDADES DA RESERVA (BENEFÍCIOS)?
Quando questionados sobre sua relação com a área de estudo, verificou-se que
grande parte dos entrevistados disse gostar da reserva, apresentando, neste ponto,
a possibilidade do equilíbrio, da tranquilidade que ela oferece. Vejamos um relato
que é ilustrativo deste aspecto:
"[...] A reserva é muito boa, tudo aqui é muito calmo. A gente não ouve
aquele barulhão da cidade. Quando tenho que ir na cidade resolver
alguma coisa, chego em casa com dor de cabeça de tanto barulho."
[sic] Moradora da Comunidade de Palmitinho
Os relatos abaixo se referem ao fato de que preservar a natureza significa preservar
a própria vida, pois o homem faz parte dela. Vejamos:
"[...] Deus criou todas as coisas, então acho que a gente faz parte de
uma grande criação. A gente precisa preservar a natureza, porque
preservando a natureza a gente preserva o homem." [sic] Moradora da
Comunidade de Barro Roxo
“Nossa senhora! Se a gente não preservar como vão ficar as coisas? O
homem esqueceu que foi a natureza que sempre deu sustento pra
gente. Imagina se destruirmos tudo, o homem morre. Eu acho que o
homem e a natureza é uma coisa só, pois a gente depende muito
dela”. [sic] Morador de Barra Seca Nova
7.2.1.3.3 SIGNIFICAÇÕES DOS ENTREVISTADOS SOBRE A DESTRUIÇÃO E A
PRESERVAÇÃO DA NATUREZA
Ao se perguntar aos participantes o que pensavam sobre a destruição da natureza,
todos se revelaram sensíveis com tal fato. Na maioria dos relatos a destruição
aparece como sendo algo desastroso, porém, às vezes, necessário. Percebe-se na
região um conflito de interesses em que se sobrepõem natureza e atividades
econômicas.
137
Sr. Valdecir – Morador/pequeno agricultor da Comunidade de Cupido
Dona Maria Baldi – Moradora/líder comunitária de Sooretama
Dona Ivone – Moradora/Presidente da Associação dos pequenos agricultores do Córrego Rodrigues
138
Nos relatos abaixo, acompanhamos exemplos desta descrição:
"[...] eu acho muito bom conservar a natureza, mas eu também preciso
plantar para sustentar minha família. Gosto das árvores e dos animais,
mas acho que é preciso pensar também que a gente precisa trabalhar.
E aí como a gente vai fazer? É um problema danado”. [sic] Morador da
Comunidade de Arariboia
Em sentido semelhante:
“[...] eu me sinto mal, às vezes, pois já tive que derrubar várias árvores
para poder aumentar minha área para plantar. Mas vou fazer o quê?
Tenho que produzir para vender. Acho que é importante preservar, só
não tenho alternativa. Sinceramente, acho que nós estamos
prejudicando muito a natureza, só que não sei como fazer de outro
jeito. É aquela história, todo mundo sempre fez assim. Não posso
deixar minha família passar fome, preciso trabalhar.” [sic] Morador do
São João do Estivado
7.2.1.3.4 QUANTO À IMAGEM CONSTRUÍDA DA RESERVA
Nos relatos abaixo percebemos as diversas imagens que se tem da reserva:
"[…[ eu acredito que a reserva é algo muito bom, já pensou se não
tivesse a reserva? Isso tudo aqui seria horrível. Não consigo imaginar
aqui sem a reserva." [sic] Morador da Comunidade de Santa Lúzia
"[...] nossa, a reserva, com toda essa natureza traz muita paz. Eu
gosto demais de toda essa natureza. Dá uma sensação de descanso,
de calma, de paz muito grande." [sic] Moradora da Comunidade de
Patrimônio Lagoa
"[...] ouvir o barulhinho da água, dos animais. Sentir a natureza. Essas
coisas me fazem sentir muito bem." [sic] Moradora da Comunidade do
Córrego Chumbado
Outro fator importante é a necessidade do contato com a reserva para valorizá-la.
Segundo os sujeitos da pesquisa, quanto mais distante se está dela, menos a
valorizamos. Há duas falas ressaltando a necessidade do contato:
139
"[...] eu acho que o pessoal da reserva devia fazer mais contato com a
gente (se referindo à comunidade). Acho que há pouca relação deles
com a comunidade. Isso acaba dando um afastamento. Tem gente que
nem sabe que tem reserva na nossa região". [sic] Morador de
Palmitinho
"[...] eu acho que o pessoal da comunidade só procura a reserva (se
referindo à administração) quando tem problema, principalmente
quando falta água. Acho que é preciso fazer um trabalho junto com a
reserva. É aquele negócio, se eu não sentir que aquilo também me
pertence, por que vou cuidar?” [sic] Morador da localidade Patrimônio
Lagoa
Outro ponto relevante e citado várias vezes nos depoimentos dos entrevistados, foi a
insensibilidade do homem, não somente em relação à natureza, mas também em
relação ao próprio homem. Perde-se a noção de coletividade e respeito ao outro na
busca de crescimento pessoal sem medir esforços.
7.2.1.4 RELAÇÃO DA REBIO COM A COMUNIDADE
A respeito da relação dos moradores com o órgão gestor – ICMBio –, Instituto Chico
Mendes, que atua na fiscalização do entorno da Rebio Sooretama, este é percebido
como uma força que desfavorece os agricultores em virtude das restrições,
proibições e multas. Verificou-se ao longo das narrativas que vários proprietários de
terra do entorno só cumprem a legislação por temor de serem penalizados pelo
órgão fiscalizador. Sendo assim, podemos constatar que há uma relação de
distanciamento no que se refere à reserva.
Foi possível perceber, em grande parte das narrativas colhidas, principalmente entre
os proprietários rurais, que estes consideram a reserva um bem importante, contudo
acham que a legislação é muito restritiva no que se refere à utilização dos recursos
naturais e à ocupação do solo. Um desses entrevistados desabafou:
140
“Eu acho que esse negócio de legislação prejudica demais a gente. É
tanta lei que a gente fica até sem área para plantar. Se a gente tira
uma árvore da nossa área é multado, às vezes, preciso serrar para
consertar algumas coisa na minha casa. Também tem esse negócio de
ter que plantar na beirada do rio. É tanta coisa que a gente fica perdido.
Se preciso fazer outra represa tenho que ir num monte de lugar, é uma
papelada enorme, se não faço, sou multado. Está muito difícil desse
jeito, antigamente era tudo muito diferente”. [sic] Morador da
Comunidade de Córrego Chumbado
Os proprietários entrevistados estão cientes das condições em que as leis se
posicionam para o reflorestamento das margens das represas e disseram já estar
providenciando o cumprimento das mesmas. Ressalta-se que ocorre uma grande
apreensão em relação à alteração do código florestal.
“Eu vou ser sincero, pra que essa boberagem toda. É tanta lei. Me diz,
de que adianta? Eu fui multado porque tirei as árvores de perto do rio
porque precisava plantar. Fui multado, agora estou recuperando aquele
trechinho ali (se referindo à área desmatada). Acho que a gente tinha
que ter mais leis a nosso favor. Preciso de terra para plantar. Agora fica
essa confusão aí, não sei como vai ficar esse negócio (se referindo à
discussão sobre o novo código florestal).‖ [sic] Morador de São José
do Estivado
Segundo os proprietários locais entrevistados, pouco ou raramente se falava em leis
ambientais durante a história da unidade de conservação. Apenas nos últimos anos
ficaram sabendo sobre a obrigação da restauração de áreas de vegetação nativa,
havendo ainda confusão entre os termos: mata ciliar, reserva florestal legal, área de
preservação permanente, mata da beira de rio.
No entanto, a reserva florestal legal é o assunto que mais está angustiando os
proprietários, na dimensão ambiental. Ao contrário da mata ciliar, as reservas legais
não parecem ter sentido para áreas de solo e relevo tão favoráveis à agricultura.
Nenhum dos entrevistados conseguiu dizer qual é o valor dessa classe de mata em
tais condições.
141
“Se sabe que quando tenho que tirar alguma área (desmatar) vou e
tiro, da minha área (se referindo à área de reserva legal), tenho que ter
terra para plantar. Não consigo entender, já não tem a área da reserva,
pra que deixar essa área na minha propriedade? Preciso de área para
plantar”. [sic] Morador da Comunidade de Coqueiro
É necessário ressaltar que inúmeros fragmentos florestais — de diferentes formas e
tamanhos e com graus de conservação e isolamento distintos que se encontravam
espalhados e localizados majoritariamente no interior de propriedades particulares e
que formam um verdadeiro mosaico de áreas verdes no entorno das duas grandes
reservas — foram mantidos basicamente em função da obrigatoriedade de
manutenção de áreas verdes no interior das propriedades rurais — as Reservas
Legais —, como também de áreas que se enquadravam na definição de Áreas de
Preservação Permanente, ambas determinadas pelo Código Florestal.
“Só não mexo na minha área (reserva legal) porque vou se multado,
senão já tinha derrubado tudo para plantar. Já tenho tão pouca área
pra plantar, preciso de área. Agora, eu concordo com eles quando
prendem esse pessoal que entra dentro da reserva (Rebio). Eu gosto
muito da natureza, só que a gente precisa trabalhar”. [sic] Morador da
comunidade de Córrego Rodrigues.
Durante as narrativas, uma questão que ficou evidenciada e que nos chamou a
atenção foi referente à questão da água. Praticamente em todas as narrativas
colhidas foi citada, em algum momento, essa referência. Essa preocupação
sobrepõe interesses diversos, tanto da população como da reserva. Verifica-se um
interesse coletivo em resolver esse problema, por ser mais evidente e por afetar
diretamente a população que necessita da água para suas atividades agrícolas.
Quando questionados se o volume de água sofreu alguma alteração no decorrer das
décadas, as opiniões convergem para um mesmo discurso. Um entrevistado de 70
anos de idade, criado na comunidade do Juncado, afirmou que:
“Antes, eu tomava banho de rio, agora é tudo cheio de lama que se
concentrou no fundo do rio, o povo desmatou tudo. A água era tão
limpinha, dava até para se ver”. [sic] Morador da comunidade de
Juerama B
142
Outro proprietário acrescentou:
“A água é muito importante. A gente não tinha consciência, achava que
a água nunca ia acabar. Agora estamos vivendo períodos sem água e
temos muito dificuldade para irrigar nossas plantações”. [sic] Morador
da Comunidade Coqueiro.
Destaca-se, ademais, que a relação homem versus natureza é vista sob a ótica
antropocêntrica, na qual o homem é colocado no centro do universo, em oposição à
natureza, ou seja, o sujeito em oposição ao objeto. Assim, após alguns séculos, o
ser humano começa a despertar para a questão ambiental, pois percebeu a
inviabilidade de um desenvolvimento econômico e social ligado à devastação e
destruição do ambiente natural.
A prática de políticas ambientais em Unidades de Conservação que possuem
moradores das comunidades que vivem dentro ou no entorno dessas Unidades de
Conservação tem esbarrado na resistência destes em aceitar as determinações das
leis ambientais, que representariam para eles fortes alterações de práticas
econômicas e sociais adquiridas como tradição ao longo dos anos. Por outro lado,
as instituições responsáveis pela proteção ambiental dessas áreas, na maioria das
vezes, desconhecem ou ignoram o que os moradores dessas comunidades pensam,
sentem e apreendem com relação à nova ordem ambiental que agora estão
submetidos.
Até este ponto já tentamos compreender as constituições das unidades de
conservação e refletir sobre essas relações. Nesta próxima discussão o foco será a
ocupação do espaço habitado pelo homem, suas consequências e transformações,
e alguns instrumentos para manutenção e preservação dos espaços geográficos
habitados pelo homem. O que se pretende é entender as razões que levaram o
homem a apoderar-se da natureza com o único propósito expropriatório.
143
Sr. Paulo – Morador/proprietário de terra da comunidade de Cupido
Sr. Idalino Agrizzi – Produtor Rural do Córrego Rodrigues ( Fazenda Irmão)
Profª Tânia – Comunidade de Juerama B
144
7.3 Território da REBIO: Repercussão da organização e das funções
socioeconômicas
7.3.1 O encontro dos territórios
A abordagem até o momento leva-nos a percepção de que é através do território
que se tem a possibilidade de compreender as repercussões da organização e
funcionamentos sociais sobre o espaço considerado. É o ―ressource‖, ou seja, o
recurso que deixa de ser natural, pois se trata de uma intervenção da sociedade
(ação antrópica, mais especificamente), de acordo com seus objetivos e suas
necessidades. E o ―ressourcement‖, isto é, a Paisagem, fornece as informações da
sedimentação socioeconômica e cultural sobre o território. Nesse sentido, as
diferenças econômicas e sociais de cada lugar e a própria ocupação ocorrem sob
condições históricas, culturais, e principalmente em razão das necessidades e
interesses da população no que concerne às características do local a ser habitado.
Essa abordagem pode ser referenciada por Guerra quando argumenta:
As unidades de conservação, portanto, não são apenas territórios construídos pelas práticas dos grupos sociais. Ao serem criadas e implementadas, elas influenciam e transformam essas práticas, numa configuração mutável, conflituosa e complexa das relações sociais. (Guerra, 2009, p. 69)
O conceito de território apresenta uma dimensão material (extensão física, recursos)
e outra simbólica (apropriação afetiva, sentido de pertença), ou seja, “o território,
(...), é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações
de poder” (SOUZA, 2003, p.78). Nesse sentido, não se trata apenas de uma disputa
material movida por interesses econômicos, mas também uma disputa no campo
simbólico. Esta abordagem fica ainda mais clara nas palavras de Haesbaert (2004,
p.79):
Tendo como pano de fundo esta noção híbrida (e, portanto, múltipla, nunca indiferenciada) de espaço geográfico, o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico de ordem mais estritamente cultural.
Nessa perspectiva, a criação de Unidades de Conservação pode ser considerada
importante estratégia de controle do território, já que estabelece limites e dinâmicas
145
de uso e ocupação específicos. Assim, podemos afirmar que o controle e os critérios
de uso que normalmente a elas se aplicam são frequentemente atribuídos em razão
da valorização dos recursos naturais nelas existentes ou, ainda, pela necessidade
de resguardar biomas, ecossistemas e espécies raras ou ameaçadas de extinção
(MEDEIROS, 2006). Na visão de Woodgate e Redclift (1998),
[...] os sistemas ecológicos e sociais dentro dos quais os seres humanos estão inseridos são compreendidos de formas distintas por diferentes indivíduos e instituições (homens, mulheres, agências governamentais, diferentes setores produtivos, etc.). Os espaços sociais ou mundos vivenciais criados ou experienciados por cada um destes diferentes atores sociais são caracterizados por uma série de relações sociais materiais e simbólicas específicas, que definem suas estruturas e podem ser reconhecidas dentro de limites espaciais e temporais delimitados. Quando atores de diferentes espaços sociais interagem, o significado e o valor destes elementos e ativi-dades, sejam sociais ou naturais, precisam ser negociados de forma que uma compreensão compartilhada de determinado cenário possa ser alcançada. Esta situação envolve processos de reformulação do conhecimento e transformação e assim a construção e reconstrução social de espaços socioambientais (WOODGATE; REDCLIFT, 1998, p. 157).
A partir do exposto, verifica-se a importância das unidades de conservação estarem
associadas às suas áreas periféricas para impedir seu isolamento genérico e sua
fragmentação. Diante disso, devemos estar atentos para a seguinte questão:
abordar as modificações no espaço da comunidade em uma Unidade de
Conservação é conceituar e dialogar acerca do território. É esse território instituído
que delimita as ações sociais, condicionando os atores sociais e transformando a
realidade local.
Nesse sentido, a Rebio de Sooretama, território em processo de proteção, tem
significado para a população circunvizinha enquanto fonte de identidade e de
recursos. Ao mesmo tempo, tem significado econômico para determinados grupos
sociais, especialmente aqueles que têm ingerência nas relações de poder. O
território da conservação, portanto, transcende os limites da unidade de
conservação, sobrepondo-se aos territórios dos indivíduos e grupos
socioeconômicos.
Decerto que a conservação da reserva se insere em um contexto de múltiplas
territorialidades, determinantes das práticas e usos que lhe afetam. Para ilustrar, é
146
pertinente citar novamente que a Territorialidade reflete a multidimensionalidade do
"vivido" territorial pelos membros de uma coletividade, de tal modo que as
territorialidades se expressam não apenas nas configurações e modos de controle
ou nas formas da apropriação territorial, mas sobretudo nos conflitos.
As diversas formas de uso e ocupação do solo presente na Rebio, aliadas ao
contexto geoambiental, acabam gerando uma série de problemas ambientais devido
à deficiência de gerenciamento e de gestão do território. Entende-se que ao tratar de
planejamento territorial, devem ser levados em conta os aspectos físico-ambientais,
bem como as condições socioeconômicas da população que habita a região. Como
descrito anteriormente, a análise geoambiental e o estudo da capacidade de suporte
dos sistemas ambientais são peças chaves para se entender como planejar de
forma sustentável o território. Assim, o processo de ocupação e as atividades
exercidas na área, seus sistemas ambientais passam a necessitar de um olhar
sistêmico sobre seu complexo de paisagens e mediante as atividades relacionadas
às diversas formas de uso e ocupação da terra.
No que se refere à preservação e conservação ambiental, segundo as narrativas, há
um confronte nítido entre pretensões e ações. Durante as narrativas pode-se
perceber uma inclinação no que diz respeito à proteção da natureza, contudo se
percebe que na prática isso não vem sendo concretizado, gerando assim inúmeras
problemáticas para todos os entes envolvidos. No entorno da Rebio se verificam
diversos problemas socioambientais que se constituem em vetores de pressão que
provocam alterações no sistema, ocasionando desequilíbrio que tem reflexo no
interior da unidade.
Pode-se dizer que está clara a importância do conhecimento do uso e ocupação do
entorno de uma unidade de conservação para sua efetiva proteção. Em face disso,
devido ao caráter dinâmico da natureza, só a proteção dentro dos limites da unidade
de conservação não é suficiente para mantê-la íntegra. Com base nessas
considerações, a simples proibição de certas atividades no entorno, nomeadamente
em áreas com ocupação humana, na maioria das vezes, não gera bons resultados
do ponto de vista social. Sendo assim, para o êxito do processo é preciso mais do
147
que atitudes de conscientização da população. Em outras palavras, é necessário
que se esquadrinhem alternativas aos usos já existentes na área ou que sejam
dados incentivos à adoção de práticas ecologicamente corretas. (GUERRA, 2009)
7.3.2 – Impasses e desafios no ordenamento do território
Em relação às terras do Município que rodeiam a Rebio, onde deveria estar
abrangida a denominada zona de amortecimento, se desenvolvem as atividades
econômicas dos habitantes e a vida administrativa do centro urbano e de várias
comunidades. Entende-se como zona de amortecimento a região do entorno da
Rebio, na qual as atividades desenvolvidas exerçam ou venham a exercer algum
tipo de influência sobre a Unidade de Conservação, e dentro da qual o uso e
ocupação do solo devem ser monitorados através de normas e restrições
específicas que possibilitem minimizar os impactos ambientais com potencial
ameaçador.
Em face disso, a zona de amortecimento se configura na região onde os objetivos da
Unidade de Conservação são confrontados pelos demais usos do território. A
transição entre a Reserva e o território no qual ela está inserida, deve-se dar de
modo a solucionar os conflitos entre atividades socioeconômicas e os objetivos de
conservação. Por isso, a zona de amortecimento deve integrar a Unidade ao
território através do planejamento pactuado e articulado pelos órgãos
governamentais, entidades privadas e pela sociedade civil, principalmente os
proprietários de terras situadas no entorno imediato da Unidade.
Nesse sentido, reconhecer a existência do problema é o primeiro passo para a sua
solução. É nesse sentido que consideramos que o conhecimento sobre a área
geográfica em estudo, paralelamente às informações contidas no plano de manejo
da unidade e às informações subsidiadas pelas narrativas durante as incursões a
campo, permitiu algumas inferências sobre situações ambientais relevantes
encontradas na área em estudo e no seu entorno (figura 32).
148
149
Apesar das atividades socioeconômicas apresentarem-se concentradas na zona de
amortecimento da Rebio, os impactos ambientais não se restringem somente a este
ambiente. Isso significa dizer que são observados atividades conflitantes com os
objetivos de proteção ambiental da unidade. No entorno da Rebio vivem
basicamente dois tipos de comunidades rurais, divididos entre pequenos e grandes
proprietários. Ambos oferecem pressão sobre recursos naturais, sendo que os
grandes proprietários oferecem maior pressão sobre os recursos abióticos, como o
solo e a água, já que para atender o mercado é preciso uma área considerável para
a prática de cultivos.
Durante os trabalhos de campo, associado às informações de dados estatísticos
oficiais, pode-se constatar que a economia regional se baseia tradicionalmente na
agropecuária (tabela 04), sendo a cafeicultura a atividade de maior relevância e em
menor proporção as culturas de mamão, maracujá e pimenta do reino. Algumas
dessas áreas possuem paralelamente a criação de gado, mas com pouca expressão
comercial.
Jaguaré Linhares Sooretama Vila Valério
Atividades agropecuárias 60,2 22,2 58,1 79,7
Atividades industriais 10,3 22,9 11,9 3,1
Comércio e reparação 9,2 18,4 11 6,6
Atividades de prestação de serviço 19,7 36,3 18,7 10,6
Atividades mal especificadas 0,6 0,3 0,2 0,1
Total 100 100 100 100
Tabela 4: Atividades econômicas realizadas nos municípios que margeiam a Reserva de Sooretama. Fonte: IBGE. Microdados, 2000 Organização: Luana Lopes, 2011
O cultivo de café acabou se tornando praticamente uma monocultura, com uso de
defensivos agrícolas, além da ocupação de áreas impróprias para agricultura (por
exemplo, vertentes íngremes e margens de rios). O potencial de degradação dos
solos e possível contaminação da água são grandes. A maneira possível de se
150
minimizar esse conflito seria o controle mais rigoroso das áreas de plantio e do uso
de defensivos agrícolas.
Fotografia 20: Aspecto geral do uso e ocupação do solo na Rebio Sooretama, como pequenos fragmentos florestais em meio a extensas áreas ocupadas por cafezais. Fonte: Luana Lopes, 2011.
Fragmentos florestais
151
A lavoura cafeeira é uma grande empregadora de mão-de-obra, Com base, nas
narrativas e nos dados do IBGE (tabela 05), é possível inferir a existência do
movimento de um fluxo de trabalhadores em períodos sazonais, vindos
principalmente de localidades próximas e também de outros estados como Bahia e
Minas Gerais, principalmente no período de colheita.
Tabela 5: Estoque de imigrantes externos por local de nascimento
UF DE
ORIGEM
NÚMERO DE PESSOAS
Jaguaré Linhares Sooretama Vila Valério
MG 1.019 5.476 1.158 1.416
BA 1.661 6.617 1.725 473
RJ 100 1.305 149 75
SP 63 714 70 11
Demais
estados
16.698 98.468 15.151 11.896
País
estrangeiro
- 37 16 4
Fonte: IBGE. Microdados do Censo, 2000 Organização: Luana Lopes, 2011.
Contudo, a cada ano a mão de obra tem sido uma das principais dificuldades dos
produtores de café durante a colheita do grão. Em Vila Valério, por exemplo, o
problema tem afetado diversos produtores, assim como em Linhares, Sooretama e
Jaguaré.
152
Fotografia 21: Trabalhadores do Estado da Bahia contratados para a colheita de café na região de Danúbio. Fonte: Luana Lopes, 2011.
Por sua vez, a zona de amortecimento é predominantemente ocupada por área de
pastagem e cultivo, especialmente de café. O perfil de cultivo dominante
corresponde à agricultura familiar, o que explica o desenvolvimento das associações
comunitárias de produtores em várias localidades, tais como: Associação de
Apicultores de Jaguaré, Associação de agricultura orgânica em Sooretama,
Associação de agricultores de Vila Valério, dentre outras.
No somatório das atividades situadas no entorno da Rebio, percebeu-se o baixo
número de propriedades que desenvolvem atividades rurais sustentáveis. Mesmo
assim, durante as incursões em campo, foi possível perceber que alguns
agricultores têm utilizado em suas áreas de cultura sistemas agroflorestais,
associando árvores ou arbustos às atividades agrícolas e/ou pecuárias, de forma
concomitante (consórcio) ou sequencial.
153
A seguir vemos o extrato de um relato feito por um morador que retrata a questão,
ainda que sob seu ponto de vista:
“Aqui na propriedade a gente tem feito esse manejo e tem
conseguido bons resultados porque a gente aproveita melhor a
área e castiga menos a terra. A gente faz esse manejo com
seringueira com café ou com mamão”. [sic] Morador de Barra
Seca.
Visto dessa forma, o sistema agroflorestais possibilita uma alternativa para redução
da degradação do solo, ocasionado principalmente pela cultura de café que é
predominante na área em estudo. Além disso, possibilita o manejo da área de forma
que haja um melhor aproveitamento do espaço, reduzindo assim o impacto sobre o
ambiente. Apesar da percepção inicial que nos leva a um viés favorável, parece-me
prematura afirmação nesse sentido, vez que, a despeito da tendência que se
mostra, vislumbro a necessidade de, nesse ponto, aprofundarmos a análise, de
forma a alcançarmos uma melhor cognição acerca da questão.
Ainda no entorno da Reserva foi possível identificar a partir dos relatos e até mesmo
―in loco‖ áreas que por suas características físicas despontam como áreas com
potencial para atividade, por exemplo, turística. Frise-se, ademais, que tais áreas
poderiam se constituir como atividade complementar no meio rural, repercutindo em
importante estímulo que possibilite geração de renda para a população local. A
riqueza dos recursos naturais, somada aos atrativos da cultura local, com as suas
festas religiosas e costumes, faz da área do entorno um potencial de exploração no
que se refere às atividades de agro e ecoturismo.
Acerca do tema, vemos abaixo a seguinte narrativa:
[...] “aqui tem cada lugar bonito, pena que o pessoal não valoriza.
Também tem as festas da Igreja que acontece em várias comunidades
com a passagem da Santa. Tem até sítio arqueológico aqui em
Sooretama pouca gente conhece. Se fizesse um levantamento iam
descobrir várias riquezas na nossa região. Aqui também tem famílias
pomeranas lá pro lado de São José do Estivado que cultivam as
154
tradições. Também a gente encontra descendentes de quilombos. Tem
muita coisa boa aqui”. [sic] Moradora de Sooretama
Segundo relatos dos moradores existe uma grande carência de políticas públicas
por parte dos órgãos estatais na região do entorno, como ações de ordem gerencial,
estrutural e ambiental. Aproveitando-se desse raciocínio, ao desenvolvermos um
pouco mais o tema, a partir de uma perspectiva voltada para nosso universo de
estudo, foi possível verificar, ainda, a ausência de estudos voltados para o
conhecimento dos aspectos socioeconômico da população e deficiência de
atividades de Educação Ambiental. O que, decerto, influencia e impacta a relação da
comunidade com a Reserva.
Vejamos um pequeno fragmento que retrata a questão mencionada:
“É a gente é meio deixado de lado, só lembram da gente quando é
época de eleição. Tudo é muito difícil. Não temos ajuda pra nada. Só
sabem vim aqui na propriedade pra falar que não pode isso e não pode
aquilo, mas ninguém vem aqui para prestar algum tipo de ajuda. Um
dia desse tipo um problema sério no café, gastei muito com tratando a
lavoura, sê acha que algum pareceu aqui. Mas quando tive problema
com a represa no outro dia estavam aqui e levei uma multa”. [sic]
Morador da Comunidade do Córrego Rodrigues
O cenário retrata as dificuldades existentes na relação da comunidade com a
Reserva. O quadro demonstrado caracteriza um elemento constante e presente
nessa relação intrincada e sensível. Muitos desses conflitos potenciais e suas
incongruências na relação decorrem, principalmente, do distanciamento das
chamadas ―autoridades‖ em relação ao que se apresenta como cotidiano da
comunidade. Nesse aspecto, não há como ignorar a importância da participação
ativa da comunidade do entorno enquanto alternativa relevante no enfrentamento da
questão, vez que somente com o envolvimento participativo é possível haver
crescimento sustentável com impactos minimizados na Reserva.
Outro problema destacado e observado ―in loco‖ refere-se à questão dos defensivos
agrícolas. Pode-se observar que, tanto pequenos como grandes agricultores,
utilizam algum tipo de agrotóxico em suas lavouras. Esses defensivos, importantes
155
destacar, quando utilizados de maneira indiscriminada podem gerar vários riscos ao
homem e a natureza, sem contar as implicações no aspecto legal e ambiental. De
acordo com Guerra (2004, p. 170),
A falta de conhecimento do meio físico e dos produtos químicos utilizados leva muitas vezes o agricultor a lançar mão de uma quantidade maior do que a necessária para controlar pragas e/ou corrigir o solo. O uso contínuo de pesticidas pode acarretar alguns problemas, como o desenvolvimento de organismos resistentes aos agentes químicos, o que exige maior dosagem ou desenvolvimentos de novos compostos químicos. Alguns pesticidas são biodegradáveis e tendem a resistir durante muito tempo no meio ambiente, sem falar nos efeitos prejudiciais dos produtos químicos em outros organismos, pois grande parte dos pesticidas poderá movimentar-se para o interior do solo, afetando a fauna e flora, e toda a cadeia alimentar.
Ainda nesse tema, e tão preocupante quanto às informações iniciais, é o fato de
que, conforme informações coletadas, os agricultores da região não estão
preparados e conscientizados sobre o uso dos defensivos. Observa-se, a partir
dessas percepções, que os agricultores consideram o agrotóxico não como
defensivo, mas com remédio para tratar a lavoura. O grande problema dessa
compreensão equivocada é o uso inadequado de agrotóxicos pelos agricultores e a
falta de orientação a respeito dos seus usos.
No ponto, vejamos o relato de um morador/agricultor:
“Eu trato da lavoura de maracujá com remédio por isso elas tão bonita
assim, se eu não usar isso aqui fica cheio de praga. Sê acha que se o
maracujá tiver tudo feio, acha que eles comprar que nada. Tenho que
tratar sempre, se não eu não consigo nem vender”. [sic] Morador da
Comunidade do Juncado
Chama atenção a questão quanto ao uso da água. Por várias vezes, essa
problemática foi mencionada nas narrativas. Há vários registros de conflitos
relacionados à construção de barragens, à preservação de áreas vizinhas aos
corpos d‘água e de outras origens. Restaram evidenciadas as diferentes visões dos
atores (comunidade local) sobre um bem de uso comum (no caso a água),
emergindo duas grandezas de mundo diferentes: para alguns, a
comunidade/coletivo; e para outros, o econômico/individual.
156
Sabe-se que os conflitos relacionados ao uso das águas não são recentes e que a
tendência é de se acentuarem cada vez mais. Neste tipo de conflito, a atuação dos
gestores no conflito pelos recursos hídricos se torna muito importante, como também
o envolvimento de todos os usuários de águas, que juntos passam a interagir na
definição da política pública da gestão dos recursos hídricos. Acerca do tema,
esclarece um morador da comunidade de Barra Seca Nova, ipsis literis:
“[...] a água é um problema danado aqui. Eu mesmo já fiz várias
represas, senão eu fico sem água e minha lavoura como fica? Eu tiro
água diretamente do rio lá de baixo para molhar o café.” [sic]
Já em outra narrativa, a partir de uma visão diferente da questão, vemos relato de
uma moradora, ressaltando sua preocupação com a questão da água:
“É um absurdo o que esse pessoal faz, fazem um monte de represa e a
gente aqui em baixo como fica? Antigamente os rios fazia gosto de ver.
A gente até nada lá. Agora olá só, como tá baixo. Se acha que esse rio
vai aguentar até quando com esse monte de lavoura. Se todo mundo
usar do jeito que quer a água, vai acabar [...] [sic] Morador da
Comunidade de e São João do Estivado
A vulnerabilidade de seus componentes geoambientais e a má utilização dos
recursos hídricos da área em estudo comportam uma variedade de impactos
ambientais atribuídos a partir de diversas égides. Os desafios colocados a partir da
desestruturação desses ambientes físico-naturais são inúmeros. Diante disso, a
forma de se pensar na gestão do território deve partir do pressuposto de que os
sistemas ambientais necessitam de um estudo integrado.
A proteção dos mananciais é uma preocupação constante nas questões de
sustentabilidade, que visa não só a sobrevivência da população local, como também
subsidia a questão econômica. No entorno da Rebio é nítido que grande parte das
propriedades possui represas, o que possibilita contornar as condições climáticas
adversas nos períodos de seca.
157
Fotografia 22: Represamento e captação de água para irrigação. A mata ciliar nesta área não foi preservada, mas o proprietário está regularizando a situação com projeto de recomposição da vegetação da área. Fonte: Luana Lopes, 2011
Porém, em geral, estas represas não estão de acordo com a legislação vigente, vez
que são várias as propriedades que apresentam margens próximas às represas sem
a vegetação arbórea nativa, assim como o córrego no qual se continuam.
Obtiveram-se relatos nesse sentido. Vejamos um trecho:
[...] eu tirei esse mato todo [se referindo à mata ciliar], pois precisava
de mais área para plantar. Aumentei minha área para plantio. Agora tô
preparando aquela área ali [apontando para outra área próxima a um
córrego] para o plantio. Tenho aqui na propriedade uma três represas
pois preciso de água para irrigação as terras. É... nem todas as
represas tão dentro da lei. Quando vierem aqui e me notificarem eu
regularizo. Se a gente pede primeiro permissão não deixam. É mais
fácil fazer e depois regularizar. Não me preocupo com essa leis pois sei
que estou trabalhando. Desde a época dos meus pais estamos nessa
terra. Agora chega esse pessoal dizendo que a gente não pode isso e
não pode aquilo. A verdade é que todo mundo aqui tem plantação e
Recomposição da mata ciliar
158
precisa de água para irrigar, sempre foi feito desse jeito, nunca tivemos
problema, porque agora é diferente?
(Não foi autorizada pelo morador a divulgação da localidade).
Nessa mesma perspectiva, outro fator de preocupação guarda relação com o
desmatamento indiscriminado, que associado às flutuações climáticas e às
características de rede hídrica levam à diminuição dos recursos hídricos, à erosão e
contaminação dos cursos fluviais. Nesse sentido, a área protegida da Rebio
Sooretama confronta de forma direta com terras nas quais se desenvolvem as
atividades produtivas, com pouco ou nenhum controle que assegure a integridade
dos recursos biológicos da região ou de fatores que lhe são indispensáveis, tais
como a manutenção e proteção dos cursos de água e nascentes.
Sob o ponto de vista da cobertura vegetal, a Rebio apresenta remanescentes da
floresta dos tabuleiros terciários, correspondendo à floresta ombrófila em diferentes
estágios sucessionais, pertencente ao ecossistema de floresta atlântica. O processo
de desmatamento que se intensificou notadamente a partir da década de 50 do
século XX, deu origem a diversos fragmentos florestais de diversos tamanhos e
formas, distribuídos em propriedades particulares. Contudo, sua manutenção,
apesar da imposição estabelecida pelo Código Florestal, sempre esteve ameaçada
nesta região. A foto abaixo retrata uma área em que é possível perceber vários
fragmentos florestais.
159
Fotografia 23: Mosaico de fragmentos florestais na área do entorno da Reserva. Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Na zona de amortecimento é possível encontrar diversos fragmentos florestais,
tendo como consequência imediata várias bordas. As bordas, sob o ponto de vista
biótico e ecológico, constituem descontinuidades bruscas e extremas com as terras
adjacentes. As estruturas de isolamento dos fragmentos agem negativamente na
riqueza de espécies ao diminuir a taxa de imigração. Essa situação de alta
incompatibilidade biológica torna-se mais aguda pela ausência de uma faixa que
deveria fornecer ambientes intermediários ou de transição, a fim de amortizar estes
impactos. Sob o ponto de vista zoológico, os efeitos negativos não permanecem
unicamente nas bordas, mas projetam-se para o interior da Reserva pressionando,
interferindo e prejudicando territórios e áreas de deslocamento de inúmeras
espécies.
Já em relação à conservação da vegetação, a análise das narrativas permite inferir
que principalmente os grandes agricultores da região só mantêm áreas de mata
ciliar e reserva legal não por vontade própria, mas por causa das restrições
ambientais impostas pela legislação. Segundo Guerra (2009), muitas vezes os
160
habitantes locais veem as unidades como imposições governamentais de restrição
aos seus direitos tradicionais, em cujos sistemas sociais a proteção não está
inserida.
[...] Isso é só para atrapalhar a vida da gente. Não sei pra que tanto
mato para todo lado. Já tem a reserva e ainda eu tenho que manter
mata não minha propriedade porque a lei manda. Se não já tinha
derrubado para plantar café. Preciso de uma área maior para aumentar
a produção. (Não foi autorizada pelo morador a divulgação da
localidade).
Em outra narrativa é ressaltado que
“Você veja bem, eu acho justo ter a reserva. Acho muito bom mesmo.
Mas não acho certo esse negócio de dizerem o que eu posso ou não
fazer em minha propriedade. Já fui multado várias vezes, sendo que
nunca toquei naquela reserva. Se sabe porque fui multado porque fiz
uma derrubadinha dentro da minha propriedade pois precisava de
espaço. Depois fiz uma represa vieram e me multaram de novo porque
tava fora da legislação. Enquanto eles ficam aí enchendo a paciência, o
povo entra dentro da reserva caça, desmata e nada acontece”. (Não foi
autorizada pelo morador a divulgação da localidade).
Cabe salientar também que a restauração da vegetação das matas ciliares é um
imperativo, tanto do ponto de vista dos serviços ambientais da floresta como da
própria proteção de sua diversidade. Ela é igualmente dependente da proteção do
entorno e notadamente da restauração de microcorredores que compõem
numerosos cursos d‘água nas propriedades agrícolas. É preciso destacar que a
maior parte das nascentes não se encontra dentro dos limites da reserva, mas fora
dela.
Nesse sentido, a manutenção da qualidade da cobertura vegetal da Rebio, não é só
importante numa perspectiva puramente natural, mas é de extrema importância para
o meio socioeconômico, pois a ausência dessa cobertura tende a gerar uma grande
intensificação do processo de erosão e assoreamento que acaba afetando direta ou
161
indiretamente os moradores, sem contar que reflete diretamente na auto-regulagem
da hidrografia. Nesse sentido, parece-me importante e necessário unir esforços
entre os atores envolvidos e estabelecer uma aliança socioambiental. A questão é
corroborada por Metzger (2001, p. 7),
[...] para compatibilizar uso das terras e sustentabilidade ambiental, social e econômica, é necessário planejar a ocupação e a conservação da paisagem como um todo. Por exemplo, a proteção de apenas um fragmento de vegetação ou um trecho do rio não é suficiente se o entorno do fragmento ou as cabeceiras estiverem comprometidas. O homem está na origem dos problemas ambientais, mas é parte também das soluções. Resolver o problema da perda da biodiversidade excluindo o homem da paisagem é apenas um paliativo, e não uma solução.
Outro problema não menos importante guarda relação com a utilização do fogo na
cultura local. Verificou-se que o fogo ainda é utilizado como prática para as
queimadas, visando à preparação do terreno para o plantio, principalmente a cultura
de café, configurando uma grande ameaça para a reserva. A foto abaixo mostra o
quanto à utilização da queimada ainda está presente na cultura dos moradores
locais, ilustrando a prática denominada ―limpeza‖ do solo.
Fotografia 24: Área queimada provocada pela ação humana nas proximidades da reserva Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
162
De um modo geral, os incêndios estão associados à presença humana como fator
indutor. A queimada ainda é empregada no entorno, formando grandes áreas com
suprimento de vegetação e solos expostos, em contraste com a zona vegetacional
da reserva. Nas narrativas vários agricultores dizem optar se utilizar do fogo, pois é
medida rápida e econômica.
Para ilustrar o tema, vejamos esse fragmento, obtido através de relato de
morador/produtor:
[...] olha o tamanho das propriedades da região, se acha que alguém
vai ficar roçando para o plantio. A gente taca fogo em tudo. É muito
mais rápido e econômico. Fica tudo limpinho num piscar de olhos. A
gente faz tudo direitinho, toma cuidado com a direção do vento, senão
pode acontecer até uma tragédia. Tem caboclo aí que não tem noção
taca fogo e nem toma cuidado com nada. Aí quando acontece a
desgraceira fica com cara de bobo. [sic] (Não foi autorizada pelo
morador a divulgação da localidade).
Ademais, as queimadas sempre se constituíram uma ameaça à reserva. O fogo tem
causado severo impacto para as comunidades animais e vegetais, e mesmo para a
conservação dos solos. Na reserva, existem inúmeros locais em que a vegetação foi
alterada pelo fogo, favorecendo o estabelecimento de espécies invasoras, que
dificultam a regeneração natural.
Durante as incursões a campo pode-se constatar outro grande problema: a
quantidade de resíduos sólidos jogados, sem qualquer tratamento e destinação
adequada, às margens do entorno da Rebio. Na área onde foi realizada a presente
pesquisa, por ser um espaço rural, observa-se que a gestão do lixo apresenta
algumas particularidades, como por exemplo: a deficiência no sistema de coleta do
lixo, pois o serviço é realizado apenas uma vez na semana (segundo as informações
colhidas durante as narrativas). Em algumas localidades de difícil acesso o problema
é ainda mais grave, pois não há coleta de lixo, o que agrava ainda mais a situação.
163
Fotografia 25: Depósito irregular de residuos sólidos na área que margeia a Rebio Sooretama. Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Conquanto já tenha sido abordado o tema referente à utilização dos agrotóxicos,
suscitamos novamente a questão, agora sob uma perspectiva de destinação das
embalagens desses produtos, com consequente potencial de geração do chamado
lixo tóxico. Sabe-se que, durante todo o processo de cultivo, tanto do café quanto de
outras culturas da região, o agricultor utiliza significativas quantidades de
agrotóxicos e, em consequência, está exposto a riscos de intoxicação em todas as
fases do sistema produtivo. Por conta disso, cabe ressaltar a questão da produção
de lixo tóxico, o qual nas comunidades analisadas ainda representa um problema,
tanto em relação ao destino dado às embalagens, quanto ao manuseio desses
produtos. Entre os agricultores investigados observa-se que as embalagens vazias
de produtos químicos são abandonadas em qualquer lugar na propriedade ou nas
áreas próximas.
Outra questão que não poderia passar sem ser abordada refere-se à questão que
envolve a destinação dos resíduos líquidos produzidos pela população do entorno
da Reserva. Verificou-se na área do entorno vários pontos que apresentavam a
destinação incorreta tanto de dejetos humanos como de animais que são lançados
Bordas da área da reserva
164
―a céu aberto‖ sem qualquer tratamento, podendo-se tornar fonte de poluição do solo
e da água. Nesse sentido, pode ocorrer um comprometimento da qualidade da água,
já que na área estudada, a maioria da população, capta água diretamente rio para
uso doméstico e/ou para irrigação.
Fotografia 26: Rejeito líquidos lançados ―a céu aberto‖ sem tratamento. Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Torna-se necessário destacar que essa poluição é causada por distintas fontes, tais
como efluentes domésticos, deflúvio superficial e agrícola. Os efluentes domésticos,
por exemplo, são constituídos basicamente por contaminantes orgânicos, nutrientes
e microrganismos que podem ser patogênicos. Os poluentes resultantes do deflúvio
superficial agrícola são constituídos de sedimentos, nutrientes, agroquímicos
principalmente e dejetos de animais. No ponto em análise, destaca-se que a
destinação correta dos resíduos sólidos e liquido é um problema que afeta direta ou
indiretamente a reserva, necessitando da sensibilização e conscientização da
população em geral, aliada ao poder público para agir localmente sendo eficaz.
165
Por sua vez, dentre os fatores que trazem risco à fauna na Rebio, destacamos as
atividades de caça, prática ilegal, ainda, muito comum na região. Foi possível
identificar que os mamíferos e as aves estão entre os grupos mais afetados. Entre
os roedores a maior pressão é sobre a população de paca (Agouti paca) e capivara
(Hydrochaeris hydrochaeris). Os tatus e alguns reptéis também sofrem pressão de
caça, especialmente o tatu galinha (Dasypus novemcinctus). Durante as narrativas
ficou evidenciado que apesar das proibições e restrições, várias pessoas da própria
comunidade do entorno e também de outras localidades continuam insistindo em
praticar a caça no interior da reserva.
Fotografia 27: Capivaras abatidas por caçadores dentro da Reserva Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Algumas dessas pessoas utilizam-se da caça para subsistência, mas a grande
maioria lança mão dessa prática ilegal pela prática esportiva ou comercial. Essa
situação já havia sido abordada com preocupação no plano de manejo da unidade
em 1981, contudo lamentavelmente percebe-se que esse quadro não se alterou.
Vejamos, abaixo, o relato de um morador da região:
166
[...] “Eu não tomei vergonha na cara ainda, continuo caçando na
reserva. Caço paca, capivara, tatu. Gosto de comer uma caça. Olha
uma vez quase fui preso por conta disso. A gente geralmente entra a
noite na mata e deixa as armadilhas armadas. É não posso ficar
falando demais [...] Não foi autorizada pelo morador a divulgação da
localidade).
Outro fator de risco à fauna diz respeito à captura de indivíduos de certas espécies
presente na Rebio para seu uso como animais de estimação. As espécies mais
perseguidas para essa finalidade são aves canoras e os psitacídeos em geral. A
associação da caça com a supressão de habitats configura um fator de grande
preocupação e têm levado várias espécies a entrarem na lista de animais
vulneráveis ou ameaçados. Conforme se demonstra do trecho abaixo transcrito, a
prática de criação de alguns animais silvestres faz parte da cultura local, de forma
muito comum.
“A gente tem esse papagaio aqui a uns quarenta anos. Só não solto ele
pois sou muito apegada a ele. Meu marido adora passarinho, mas já
falei com ele, enquanto não arrumar problema com Ibama não vai
sussegar. Falei solta os bichinhos mas é teimoso”. Não foi autorizada
pela moradora a divulgação da localidade).
No mesmo sentido, vemos outra narrativa:
“Esses dias achei um filhotinho de sanhaço caído ali perto da reserva e
trouxe para casa, o bichinho ia morrer. Gosto muito de pássaros aqui
em casa tenho dois papagaios, sábia. Gosto de ouvir os passarinhos
de manhã [...] só que tem que tomar cuidado porque se os vizinhos
denunciarem o Ibama vem e pega tudo”. Não foi autorizada pelo
morador a divulgação da localidade).
Destaca-se, ainda, outro fator que nos despertou preocupação: a abertura de
estradas e vias, sem observância de qualquer padrão e normatização,
principalmente no que se refere às questões de natureza ambiental. Não há dúvidas
de que a construção de estrada fora das normas ambientais pode gerar uma série
de problemas, como desmatamentos, perda da diversidade biológica, a alteração do
167
sistema natural de drenagem e a degradação do solo. Entretanto, os problemas se
diferenciam quando se analisa cada um dos diferentes tipos de estrada/vias. Uma
vicinal de terra, por exemplo, gera problemas diferentes de uma rodovia asfaltada e,
também estão sujeitas à variação decorrente da função, de sua largura e o
comprimento.
(a) (b)
Fotografia 28 a: Construção das estradas fora das normas ambientais; Fotografia 28 b: Processo erosivo devido a não observância das normas ambientais para abertura de estradas. Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Por essa perspectiva, a questão da BR 101 merece ser abordada de forma
destacada. A rodovia federal atravessa a Reserva numa extensão de cinco
quilômetros, constituindo-se em um fator físico que interfere no deslocamento
natural das espécies, sendo responsável pelo atropelamento da fauna silvestre.
Segundo dados da ICMBio, estima-se que cerca de 500 animais sejam mortos, em
média, todos os anos no trecho da rodovia que corta a Reserva. Os atropelamentos
afetam espécies ameaçadas de extinção como a onça-parda, também conhecida
como suçuarana, além de tamanduás, saguis-da-cara-branca, raposas, macacos da
noite, furões, gambás, jaguatiricas, corujas e cotias.
168
(a) (b)
Fotografia 29 a: Vista área da BR 101 que atravessa a Rebio Sooretama; Foto 29 b: Animal atropelado na BR 101 que corta a reserva de Sooretama. Fonte: Reserva Biológica de Sooretama
Observa-se, também, um grande isolamento das espécies devido à divisão que a
rodovia promove. Houve várias sugestões tentando minimizar esses problemas, tais
como construção de tubulações para a passagem da fauna, bem como cercar as
margens da rodovia nas proximidades da reserva; contudo essas medidas não
foram implementadas de forma satisfatória. A rodovia federal esta passando por um
processo de concessão para iniciativa privada, sendo que em 2010 ocorreram
audiências públicas patrocinadas pela ANTT em que foram inseridas propostas
buscando minimizar os impactos ambientais da duplicação da rodovia federal no
trecho da Reserva, além da necessidade de desenvolvimento de projetos
específicos que atendam as demandas ambientais das Unidades de Conservação.
169
7.4. ANÁLISE DOS RESULTADOS ALCANÇADOS
Embora a Reserva Biológica de Sooretama venha atender a uma demanda de
conservação do bioma de floresta atlântica, observações preliminares da pesquisa
demonstram uma série de problemas no que diz respeito a sua implementação.
Elemento imprescindível nesse processo, o Plano de Manejo da Unidade, conquanto
já esteja elaborado, não é atualizado desde 1994, sendo que nesses dezessete
anos ocorreram muitas alterações no uso e ocupação do solo do entorno e
consequentemente nos vetores que constituem pressões para a unidade.
Para cumprir sua função social e ambiental a Reserva de Sooretama precisa
necessariamente de recursos e investimentos financeiros e técnicos. A participação
popular e o seu engajamento para a manutenção do Reserva são indispensáveis
para a conservação dessa área. As narrativas permitiram reforçar a ideia de que é
necessário um intercâmbio permanente entre os gestores da Reserva e a
comunidade do entorno, de modo que se tornem parceiros. O que foi mais
questionado durante as narrativas foi que a população não se sente parte integrante
do ambiente no qual estão inseridos e muito menos partícipes das decisões que são
tomadas. Desse modo, frente a estes grandes desafios, acredita-se que uma
política de aproximação e conscientização, favoreceria a sensibilização da
comunidade de entorno e poderia gerar benefícios ambientais e qualidade de vida.
A manutenção desses recursos naturais se faz necessária pela importância desta
unidade, fazendo da Rebio uma das poucas Unidades de Conservação que ainda
mantém espécies de alta importância ecológica e de representatividade dos
ecossistemas de Mata Atlântica dos Tabuleiros, principalmente pelo fato de que,
junto com a Floresta Natural Vale do Rio Doce, forma o maior remanescente de
Mata Atlântica do Estado.
Nessa linha de raciocínio, as Unidades de Conservação desempenham um papel
fundamental no bem-estar da sociedade na conservação da biodiversidade e uso
sustentável dos recursos naturais. Podem representar grandes benefícios para as
gerações futuras, contribuindo para a formação científica no desenvolvimento de
170
atividades voltadas à prevenção e superação dos problemas ambientais. Nesse
sentido, as Unidades de Conservação vêm para contribuir e fortalecer a identidade e
a relação do homem com a natureza, possibilitar que o homem entenda em que
contexto está inserido, sem esquecer-se do passado, do presente e do futuro.
Conclui-se que a apropriação e consequente utilização do espaço no entorno da
Rebio Sooretama evoluiu para o estágio que podemos definir como de múltiplos
usos. Usos que definem a importância, principalmente para sobrevivência, desta
unidade de conservação para a população do entorno. No entanto, estes usos,
quase sempre, causam sérios e graves danos a este ecossistema, além de irem,
invariavelmente, de encontro às leis ambientais. Sendo uma unidade de proteção
integral, segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, deveria ser
mantido livre das alterações causadas pela interferência humana, o que não está
sendo observado na área de estudo.
Desta maneira, sendo a Rebio uma Unidade de Conservação, cuja importância
extrapola os aspectos ecológicos ou naturais, se destacando também pela
relevância social para a região na qual está inserida, e que por tudo isso é protegida
por diversas leis ambientais, deve ser conservada e protegida das ações que lhe são
danosas. Considerando o estado atual desta unidade de conservação, resta
evidenciado um confronto entre as leis referentes ao meio ambiente e a própria
problemática ambiental. Acrescenta-se a estes aspectos a problemática social, que
na área gera produtos e subprodutos da urbanização capitalista, caracterizados
principalmente pela pobreza e segregação sócio espacial.
De maneira geral, identifica-se a necessidade premente de facilitar a apropriação e
utilização sustentável da biodiversidade e de desenvolver e disseminar estratégias
visando à manutenção e à restauração dos ecossistemas e de seus serviços
sócioambientais. Nesse ponto, destacamos a disponibilidade e controle dos recursos
hídricos, controle da erosão dos solos e do assoreamento, lazer, preservação dos
valores éticos e culturais associados, além do necessário cumprimento da legislação
ambiental. Porém, tais iniciativas precisam ser progressivamente desenvolvidas e
171
cuidadosamente planejadas, a fim de que sejam sustentáveis do ponto de vista
ambiental, social e econômico e, sobretudo, possibilitem a sua continuidade.
Como se pôde perceber ao longo da pesquisa, ocorreram mudanças bruscas no
cenário da área do entorno da Rebio, principalmente nos últimos trinta anos. Essas
transformações decorrem de uma série de medidas oriundas de decretos federais e
de políticas estaduais e locais de desenvolvimento, que influenciaram fortemente os
cenários social, econômico e ambiental. A Rebio Sooretama e seus entorno
apresentam uma peculiaridade que imprime grande interesse científico,
notadamente por se tratar de um ambiente onde os aspectos físicos e
socioambientais interagem gerando uma paisagem única que apresenta constantes
ajustes que, em última análise, buscam o equilíbrio dinâmico do sistema. Verifica-se
que o ambiente é extremamente frágil e deve ser apropriado segundo critérios de
manejo adequado que levem em consideração as suas peculiaridades e seu estágio
atual enquanto Unidade de Conservação.
172
8. CONSIDERAÇOES FINAIS: BUSCANDO CAMINHOS ALTERNATIVOS E
REPENSANDO AS RELAÇOES HOMEM-NATUREZA:
As transformações advindas do mundo moderno trouxeram à tona uma nova visão
acerca do desenvolvimento, trata-se do Desenvolvimento Local. Destaca-se, nesse
ponto, que essa nova abordagem consiste em uma visão sistêmica de
desenvolvimento, ou seja, extrapola uma análise meramente econômica,
abrangendo também os aspectos sociais, humanos, ambientais, e culturais.
Seguindo esse raciocínio, o desenvolvimento só será efetivo se conseguir incorporar
não só o desenvolvimento econômico, mas também a melhoria da qualidade de vida
das pessoas por intermédio do desenvolvimento humano e da sociedade como um
todo, traduzindo a ideia de desenvolvimento social, não deixando de lado a
preocupação com o futuro, levando, em última análise, ao almejado
desenvolvimento sustentável.
Com base nas discussões apresentadas no decorrer da pesquisa, entendemos que
os projetos de conservação e uso dos recursos naturais devem considerar sempre a
diversidade de pontos de partida, de concepções de mundo e também a natureza
intrinsecamente dinâmica de toda a história humana, da qual faz parte também a
história das relações sociedade-natureza. A título de exemplificação, é como se
organizássemos por muito tempo nosso conhecimento do mundo natural em gavetas
isoladas, influenciados pela abordagem cientifica reducionista.
Dito de outra forma é como se considerássemos que a interconexão entre os
variados conhecimentos não eram importantes. Nesse sentido, embalados pelo
fascínio por partes da natureza, esquecemos de observar o todo e compreender a
dinâmica natural. É justamente nesse espaço que se insere a perspectiva
holística/sistêmica, trazendo novas luzes e resgatando a visão de conjunto, que até
então se encontrava adormecida. Destaca-se que por essa perspectiva o ―olhar‖ se
dirige para uma relação intrínseca entre homem e natureza. E assim, numa íntima
relação, é possível dizer que somos parte do todo, e olhar para ele significa, em
última análise, olhar para nós mesmos. (GUERRA, 2004)
173
O trabalho desenvolvido, a partir do objeto de estudo, permite-nos caminhar no
sentido de correlacionar-nos as confluências do método adotado em relação ao
resultado parcial alcançado, ou seja, a validação das constatações apriorísticas, de
forma a se obter, com a maior precisão possível, o status das relações mantidas
entre a Unidade de Conservação e a comunidade. De tudo, parece-me vital desatar
os nós e buscar as conexões perdidas, alinhando-se ao questionamento que nos
acompanha desde o início da pesquisa, ou seja, o entendimento de que as
populações não devem ser colocadas como antagônicas à preservação dos
recursos ambientais.
O relacionamento entre população e Unidade de Conservação deve ser trabalhado
no intuito de buscar o entendimento e o apoio das populações locais, a promoção do
desenvolvimento sócioeconômico das comunidades, bem como o estabelecimento
de processos participativos comunitários, de modo a garantir padrões de
sustentabilidade para todos os entes envolvidos. Os resultados sugerem a
necessidade de se intensificar o diálogo entre a equipe técnica que administra a
Rebio e a população do entorno, de modo que esta se sinta estimulada a participar
de forma mais atuante no seu planejamento e conservação.
De modo geral, identificamos pouca articulação entre a comunidade e a Rebio, salvo
naqueles casos em que há impacto direto e imediato à população, como nos
problemas envolvendo a questão dos recursos hídricos. Conquanto haja previsão no
Plano de Manejo, não identificamos uma participação efetiva e eficaz na relação
entre comunidade e UC. Uma das alternativas possíveis para minimizar a pouca
participação seria a intensificação e fortalecimento do Conselho Consultivo, como
representação paritária e representativa de todos os atores envolvidos, com
destaque para os agricultores familiares, grandes agricultores,
funcionários/Administração da reserva e representantes dos Órgãos Municipais.
Essa iniciativa, se bem empregada, possibilitaria, ainda, um mecanismo de
regulação das relações socioespaciais e o exercício das relações de poder no
ordenamento territorial (GUERRA, 2009).
174
Outra alternativa importante, até mesmo pelas substanciais alterações nos marcos
legislativos que regem a matéria ambiental, seria a reformulação do Plano de
Manejo atualmente vigente, elaborado em 1981. O atual Plano de Manejo, além de
se mostrar insuficiente para atender as demandas atuais e a complexa dinâmica
territorial, quando de sua de sua elaboração foi concebido em um período em que
sequer existia um roteiro metodológico para sua elaboração.
Como se sabe, muitas reservas hoje já se encontram cercados de áreas alteradas, o
que se deve a uma política ambiental ineficiente que geram verdadeiras ―ilhas‖
verdes. O cenário mencionado é consequência direta de uma política ambiental, ou
melhor, da falta dela, perpetuada pelo Estado que exclui as populações,
evidenciando a dicotomia entre natureza versus sociedade. É contraditório colocar
as populações como antagônicas às necessidades de proteção dos recursos
naturais em áreas de conservação. É preciso reconhecer que o desenvolvimento
dessas áreas tornou-se uma questão complexa que abrange um conflito de valores
acerca do meio ambiente. Ao mesmo tempo em que a conservação da
biodiversidade tem enorme valor como garantia de qualidade de vida para as atuais
e futuras gerações, os seus recursos naturais se tornam ainda base essencial de
recursos para outros segmentos produtivos.
Pode-se verificar que é urgente a necessidade de se instituir formas de
planejamento para a zona do entorno da Rebio, de forma que possibilite o sustento
econômico da população ali residente e ao mesmo tempo contenha o efeito de
borda causado pela interferência antrópica no sistema natural da unidade. Não é
uma tarefa fácil, mas um processo que precisa ser construindo no entendimento
entre os entes envolvidos.
A procura de solução para esses problemas acaba por definir uma série de projetos
conservacionistas e busca de tecnologias sustentáveis tendo como objetivo um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. Colocando em discussão a questão
ambiental, rediscute-se a relação do homem com o homem, e do homem com o
meio natural. Essa ideia reflete a proposição de novas perspectivas de avanço na
direção de uma sociedade integrada ecologicamente com a natureza.
175
As Unidades de Conservação de uso restrito vêm ganhando espaço nas políticas
públicas. Entretanto, esse modelo preservacionista tem desenvolvido intensos
conflitos entre a população local e a UC, perpetuando a discussão feita ao longo
dessa pesquisa: a dicotomia homem-natureza. Infelizmente continuamos com
aquele estigma de que cópias de modelos internacionais podem ser implantadas
sem problema algum em nosso território, conforme verificado ao longo da história do
Brasil. Convém lembrar que cada região tem suas peculiaridades e necessidades,
sendo necessário averiguar se esses modelos precisam de adaptação, visto que
vivemos realidades distintas.
As áreas de proteção integral no Brasil apresentam distinções em relação ao modelo
de paisagens intocadas dos norte-americanos. A primeira diferença se refere ao
local de estabelecimento, pois nos Estados Unidos os parques foram decretados
preferencialmente em locais não ocupados pelos colonizadores, sendo paisagens
relativamente naturais; enquanto no Brasil priorizaram-se a ocupação de áreas onde
havia concentração populacional e de atividades humanas para conservação de
ecossistemas remanescentes. Dentro dessa perspectiva, os parques americanos
buscavam proteger as paisagens de um impacto futuro, e os parques brasileiros
buscavam proteger áreas de interesse ambiental de impactos imediatos, de conflitos
já existentes. Em contrapartida, os parques brasileiros e outras unidades de
conservação já nasceram em sua maioria, em meio a importantes conflitos
territoriais e de acesso a recursos, sendo sua gestão bastante dificultada e
particularizada. (Guerra, 2009)
Essa discussão foi permeada por um longo histórico de conflitos e da ausência de
diálogo entre órgãos ambientais e agentes sociais envolvidos na temática de áreas
protegidas. Toda essa situação gera um enorme receio e afastamento que dificultam
qualquer tipo de intervenção para implantação de políticas públicas realmente
eficazes no âmbito da gestão ambiental.
Ao mesmo tempo, para consolidação das funções sociais e ambientais relativas às
unidades de conservação, há necessidade de implementação de estratégias
176
políticas e gerenciais por parte dos governos, a fim de se atingir determinadas metas
de ordenamento territorial. A prática de políticas ambientais em Unidades de
Conservação que possuem moradores das comunidades que vivem dentro ou no
entorno dessas unidades tem esbarrado na resistência desses em aceitar as
determinações das leis ambientais, que representariam para eles fortes alterações
de práticas econômicas e sociais adquiridas ao longo dos anos.
Por outro lado, as instituições responsáveis pela proteção ambiental dessas áreas,
na maioria das vezes, desconhecem ou ignoram o que os moradores dessas
comunidades pensam, sentem e apreendem com relação à nova ordem ambiental
que agora estão submetidos, dificultando ainda mais essa relação.
Por tudo isso, nota-se, ainda, a crescente necessidade de que todos os atores
envolvidos num determinado processo possam, cada qual a sua maneira e dentre de
suas atribuições, contribuir para apoio e auxílio às demandas que se apresentam.
No caso específico da Rebio existem, conforme analisado, uma série de questões
que necessitam de intervenção que extrapolam as possibilidades da comunidade e
até mesmo dos gestores administrativos/operacionais na UC. Há necessidade de
serem solucionadas questões transversais que impactam, direta ou indiretamente, à
Unidade de Conservação.
Devido sua importância socioambiental, a Rebio de Sooretama não pode prescindir,
por exemplo, de uma espécie de Comitê que congregue em sua composição todos
os atores que tenham capacidade de contribuir e interferir na estruturação funcional
de uma política que contemple especificamente as demandas da Reserva. Através
de um Comitê poderíamos ter representações governamentais e não
governamentais, mas com capacidade de contribuição nas questões transversais na
esfera de interesse da UC. Poderiam integrar o Comitê, além da comunidade,
representantes do Ministério Público, Prefeituras Municipais, DNIT, DPRF, Governo
do Estado, dentre outros.
Com isso, caminharíamos na contramão do processo de invisibilidade, vez que um
espaço como uma Unidade de Conservação configura uma área, muitas vezes,
177
desconhecida até mesmo para entes governamentais, que por desconhecerem a
especificidade da Reserva restringem muita das vezes sua capacidade de atuação
naquele espaço. A Rebio por se tratar de um espaço administrado pelo governo
federal, ainda assim não pode prescindir, conforme fora analisado, de mecanismos,
principalmente junto às comunidades do entorno, que nos leve a uma série de
políticas públicas, as quais caso não sejam implementadas repercutem na própria
essência da Unidade de Conservação.
O estudo é de grande relevância na exata medida em que sugere uma proposta
metodológica que permita a sutura entre os aspectos naturais e humanos. Prioriza-
se compreender a relação sociedade-natureza numa perspectiva de integração,
acentuando não somente os aspectos naturais em detrimento dos sociais ou vice-
versa. Os fundamentos da análise têm como diretriz principal o enfoque sistêmico
aplicado à análise integrada da paisagem. Esses fundamentos permitem uma
concepção globalizante do meio e possibilitam expressar a organização funcional do
espaço, através do estudo das inter-relações de causa e efeito, condicionadas pelas
influências naturais e antrópicas.
Além disso, ao analisar os desenvolvimentos econômico, social e cultural de uma
região de maneira conjunta, pode-se obter informações que vão além daquelas que
seriam conseguidas caso a análise de desenvolvimento fosse feita separadamente.
A complexidade que surge com o aumento do espectro do desenvolvimento passa a
ser uma maneira de se obter mais aprendizado, o que possibilita o crescimento dos
resultados a serem alcançados.
Utilizou-se como referencial teórico no estudo uma abordagem holístico-sistêmica
que forneceu o instrumento lógico para a percepção da interdependência dos
componentes físicos e bióticos e das ações antrópicas que participam dos sistemas
ambientais. O equilíbrio dos sistemas da Rebio Sooretama depende da intensidade
e duração dos fluxos de energia que recebem e transmitem através da dinâmica de
seus componentes. O homem, responsável por estas transformações, é também
capaz de contribuir para a regeneração e auto-regulação destes sistemas. A análise
da região sob a abordagem geossistêmica apresentou-se satisfatória, possibilitando
178
alcançar a cognição no sentido de demonstrar como os elementos físicos e
humanos são interligados e não podem ser entendidos isoladamente.
Nas discussões realizadas ao longo do texto e nas reflexões utilizando o método
GTP chegou-se à definição de paisagem como conceito integrador. Nesse sentido,
definiu-se o método GTP proposto por Bertrand (2002) para análise integrada do
objeto desse estudo. O método revelou-se adequado para as diferentes percepções
que foram trabalhadas, cujas características socioambientais conferem um caráter
dinâmico à área de estudo. Considera-se a análise geossistêmica como integradora
de variáveis ―naturais‖ e ―antrópicas‖, fundindo ―recursos‖, ―usos‖ e problemas que se
configuram em unidades, as quais assumem uma função primordial na estrutura
espacial.
Concomitantemente à reflexão teórica, narrativas foram produzidas e subsidiaram as
análises e as discussões que se seguiram. Nesse sentido, o método utilizado é
definido como uma abordagem resultante da análise integradora de vários olhares
sobre o espaço da Rebio Sooretama. A análise realizada com o método GTP, aliado
às narrativas, possibilitaram várias leituras sobre o espaço da Rebio. Essa
experiência revelou-se importante para identificar as potencialidades e as
problemáticas no estudo. A utilização do método empregado propiciou a realização
da análise a partir de uma perspectiva diferenciada, ou seja, permitiu-nos uma
abordagem fora de limites rígidos, possibilitando alcançar o resultado a partir da
interação de vários elementos naturais e humanos imbricados.
Esse texto não tem a pretensão de esgotar um assunto tão complexo e desafiador
quanto o do papel das relações das unidades de conservação e sua população do
entorno. Mas se ele for capaz de suscitar indagações, então terá cumprido seu
objetivo de ser um ponto de reflexão, porque ao chegar aqui, se tem a impressão de
estar apenas começando.
179
Figura 33 - Metodologia experimental integrada para Reserva Biológica de
Sooretama
Procedimentos perceptivos
CONHECIMENTO
Reserva Biológica
de Sooretama
TERRITÓRIO
Imbricação de múltiplas relações de poder: - Uso material das relações econômicas e politicas; - Uso simbólico de ordem mais cultural -
PAISAGEM
- Caráter indicador da sedimentação socioeconômica e cultural sobre o território
GEOSSISTEMA - geomorfologia - clima - hidrologia - vegetação - solo - fauna
AÇÃO DIAGNÓSTICO/ COMPREENSÃO
3. Comportamento - Mudanças de hábitos, posturas e
comportamentos.
4. Participação
- Proporcionar a possibilidade da participação ativa nas tarefas que busquem resolver os problemas ambientais
Ações possíveis
- reduzir impacto
- limitar poluição
- desmatamento - conflito pela água - queimadas - uso de agrotóxico - resíduos sólidos e líquido - Caça
Tenho direitos e deveres
Resultados esperados
Compreender a influência do homem sobre o equilíbrio frágil dos recursos:
impactos qualitativos e quantitativos.
2. Percepção e representação -decodificação da leitura que cada individuo faz do ambiente e as imagens construída individualmente, em um contexto coletivo.
1. Sensibilização
- Envolvimentos dos atores sociais no processo da realidade socioambiental.
Feedback
Envolvimento em ações
Manutenção e melhoria da
qualidade de vida
Organização: Luana Lopes, 2011
180
9. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGAREZ, F.; GARAY, I. & VICENS, R. S. A floresta em pé: heterogeneidade de
fragmentos e conservação. In: GARAY, I. & RIZZINI, C. M. (Org.). A Floresta
Atlântica de Tabuleiros: diversidade funcional da cobertura arbórea. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 2004.
AGUIRRE, A. Sooretama: estudo sobre o parque de reserva, refúgio e criação de
animais silvestres, Sooretama, no Município de Linhares, Estado de Espírito Santo.
Rio de Janeiro - Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura, 1951.
AMADOR, E.S.; G.T.M. Considerações preliminares sobre depósitos do terciário
superior no Norte do Espírito Santo. Anais. Academia Brasileira de Ciências. 1982,
p. 121 – 132.
ANDRADE, Manuel Correia de. Caminhos e descaminhos da Geografia. 2. ed.
Campinas, São Paulo: Papirus, 1993.
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à
análise do pensamento geográfico. São Paulo: Atlas, 1992.
ANTUNES, P. de B. Direito ambiental. Ed. Rio de Janeiro, 1999.
BERTALANFFY, Ludwig Von, Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
BERTRAND, Claude et Georges – Une géographie traversière. L´environnement à
travers territoires et temporalites. Paris : Éditions Arguments, 2002.
BERTRAND, G. Paisagem e Geografia Física Global. Esboço Metodológico. In
Caderno de Ciências da Terra. USP - Instituto de Geografia. São Paulo, 1971.
181
BERTRAND, Georges; BERTRAND, Claude. Uma geografia transversal e de
travessias: o meio ambiente através dos territórios e das temporalidades. Maringá:
Massoni, 2007.
BRANCO, Samuel Murgel. Ecossistêmica: uma abordagem integradas dos
problemas do meio ambiente. São Paulo: Edgar Blucher, 1999.
CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação Ambiental: a formação do sujeito
ecológico. São Paulo: Cortez, 2008.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Abordagem Ecológica e Geográfica na Análise de
Sistema Ambiental. Revista Ciência Geográfica – Bauru – V. 12: Janeiro / Abril –
1999.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. São Paulo: BLucher, 1980.
CIDADE, Lúcia Cony Faria. Visões de mundo, visões da natureza e a formação de
paradigmas geográficos. Terra Livre, São Paulo, n. 17, 2001.
DIEGUES, Antonio Carlos Sant‘ana. O mito moderno da natureza intocada. São
Paulo: Hucitec:Nupaub- USP/CEC, 2008.
DIEGUES, Antonio Carlos e NOGARA, P. J. O nosso lugar virou parque: estudo
socioambiental do Saco de Mamanguá, Paraty-RJ. NUPAUB/USP, 1999.
DREW, David. Processos interativos homem-meio ambiente. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.
FERREIRA, Conceição; SIMÕES, Natércia. A evolução do pensamento geográfico.
8.ed. Lisboa: Gradiva, 1994.
182
FRANCO, José Luiz de Andrade. Natureza no Brasil: idéias, políticas e fronteiras
(1930-1992). In: SILVA, Luiz Sergio Duarte da (org). Relações cidade-campo:
fronteiras. Goiânia: UFG, 2000, p. 71-111.
FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza
e Identidade Nacional no Brasil, anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.
FRANCO, Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. O cuidado da natureza:
Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza e a experiência
conservacionista no Brasil: 1968-1992. Textos de Historia, Brasília, v. 17, n. 1, 2010.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Formação sócio-espacial e questão ambiental
no Brasil. In: CHRISTOFOLETTI, Antônio et al. (Org.). Geografia e meio ambiente no
Brasil. São Paulo; Rio de Janeiro: HUCITEC (Coleção Geografia: Teoria e
Realidade), 1995. p. 309-333.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 14ª ed.
São Paulo: Editora Contexto, 2006.
GUERRA, Antonio José Texeira. Reflexões sobre a geografia física no Brasil. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
GUERRA, Antonio José Texeira. COELHO, Maria Célia Nunes. Unidades de
Conservação: abordagens e características geográficas. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2009.
GUIDINI, Eduardo Zons. Epistemologia e História do pensamento geográfico:
questões para debate. Artigo da Universidade Federal de Santa Catarina-UFSC,
2006.
GUILLAUMON, R. 2000. Código Florestal Brasileiro: dados sobre as últimas
alterações. São Paulo, SMA/Instituto Florestal, material disponibilizado on line
(www.iflorestsp.gov.br).
183
HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do ―fim dos territórios‖ à
multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 400p
HARTSHORNE, R. Questões sobre a Natureza da Geografia.Textos Básicos do
IPGH, RJ, 1966.
IBAMA, Plano Operativo de prevenção e combate aos incêndios florestais na
Reserva Biológica de Sooretama, 1994 (Atualização do plano de manejo.)
IBDF & FBCN. Plano de Manejo – Reserva Biológica de Sooretama. Brasilia: IBDF,
1981.
LOUREIRO, C. F. B.; AZAZIEL, M. Áreas protegidas e ―inclusão social‖:
problematização do paradigma analítico-linear e seu separatismo na gestão
ambiental. Livro organizado por Marta Irving – ISAPIS, 2006.
MEDEIROS, Rodrigo. Evolução das tipologias e categorias de áreas protegidas no
Brasil. Revista Ambiente & Sociedade. Campinas, 2006. Jun 2006, vol.9, no.1, p.41-
64
MENDONÇA, Francisco. Geografia sócio-ambiental. In: MENDONÇA, F. & KOZEL,
S. (Orgs.). Elementos de Epistemologia da Geografia contemporânea. Curitiba:
UFPR, 2004.
MENDONÇA, Francisco. Geografia Física: ciência humana? São Paulo: Contexto,
2001.
METZGER, J. P. O que é ecologia de paisagens? Biota Neotrópica, Campinas/SP, v.
1, n. 2, p. 1- 9, dez. 2001.
184
MILANO, Miguel S. Porque existem unidades de Conservação? In: MILANO, M> S.
(org) Unidades de Conservação: atualidade e tendência. Curitiba: Fundação O
Boticário, 2002.
MORAES, Antônio Carlos Robert. Geografia Pequena História Crítica: Hucitec, S.
Paulo, 1990.
MOREIRA, Ruy. Para onde vai o Pensamento Geográfico? Por uma epistemologia
crítica. Editora Contexto, São Paulo, 2006.
MORSELLO, C. Áreas protegidas públicas e privadas: seleção e manejo. São
OKAMOTO, J. Percepção ambiental e comportamento. São Paulo: Mackenzie, 2002.
OLIVEIRA, André Luis de. Educação ambiental no parque ecológico de Goioerê.
Relatório Final do Projeto de Iniciação Científica. Universidade Estadual de Maringá,
2001.
PÁDUA, José Augusto. Um sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica
Ambiental no Brasil Escravista, 1789 – 1888. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2002
PASSOS, M.M. dos – Uma geografia transversal – e de travessias. O meio
ambiente através dos territórios e das temporalidades. Maringá: Editora Massoni,
2007, 334p.
PINHEIRO, Evandro. Percepção sobre o Turismo local pela população de aguariaiva
-PR, Monografia para obtenção o título de Especialista em Ecoturismo, Curso de
Pós-graduação em Ecoturismo, IBPEX, Curitiba, 2000.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
ROSS, Jurandyr. Ecogeografia do Brasil: subsidio para planejamento ambiental. São
Paulo: Oficina de Textos, 2006
185
SANTOS, Boaventura de Souza. Boaventura e a Educação/Inês Barbosa de
Oliveira. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
SANTOS, Milton. Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio Técnico-cientifico-
informacional. São Paulo: Edusp, 2008.
SOUZA, M. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento.
In: CASTRO, I. N.; GOMES, P. C. C.; CORREIA, R. L. (orgs.). Geografia conceitos e
temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 77-116.
SUERTEGARAY, D. M. A natureza da Geografia Física na Geografia . Curitiba:
UFPR, 2002.
TRIGUEIRO, A. (Org.). Meio ambiente na idade mídia. In: Meio ambiente no século
21. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
SCHETTINO, L.F. Gestão florestal sustentável: um diagnóstico no Espírito Santo.
Vitoria, 2000.
VIANNA, L. P. De invisíveis a protagonistas: populações tradicionais e unidades de
conservação. São Paulo: Annablume; FAPESP, 2008. 340p.
VEIGA, José Eli. Ciência Ambiental: primeiros mestrados. São Paulo:
Annablume/FAPESP, 1998
WOODGATE, G.; REDCLIFT, M. From a ‗sociology of nature‘ to environmental
sociology: Environmental Values, Cambridge, v. 7, n. 1, p. 3-24, 1998.beyond social
construction.
186
LEGISLAÇÃO CONSULTADA
BRASIL, Leis, decretos, etc..., 1965. Lei nº 4.771. Institui o Novo Código Florestal
Brasileiro.
BRASIL, Leis, decretos, etc..., 1981. Lei nº 6.939. Institui a Política Nacional de Meio
Ambiente, cria o Sistema Nacional de Meio Ambiente e o Cadastro Técnico Federal
de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental.
BRASIL, Leis, decretos, etc..., 1988. Constituição da República Federativa do Brasil,
promulgada em 5 de outubro de 1988. Brasília, 4º Edição, Ed. Revista dos Tribunais.
BRASIL, Leis, decretos, etc. 2000. Lei nº 9.985. Institui o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza (SNUC).
BRASIL, Leis, decretos, etc. 2002. Decreto nº 4.340. Regulamenta artigos da Lei nº
9.985, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza
(SNUC).