Gêneros Multimodais
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GÊNEROS MULTIMODAIS: NOVOS CAMINHOS DISCURSIVOS
Janaína de Aquino Ferraz*
Universidade de Brasília
Resumo: Nos últimos anos, houve grande abertura para a pluralidade de usos da linguagem no contexto escolar. Como conseqüência direta desse fenômeno, houve mudança significativa na configuração dos materiais didáticos. Com isso, o objetivo principal deste artigo é analisar o conteúdo de livros didáticos de português para estrangeiros, no intuito de verificar quais são as mudanças na construção dos sentidos segundo os textos apresentados nesses materiais sob a luz da Análise de Discurso Crítica e da Semiótica Social. Palavras-chave: discurso; multimodalidade; texto multimodal; gênero Abstract: In recent years, it had great opening for the plurality of language uses in the pertaining to school context. As a direct consequence of this phenomenon, it had significant changes in the configuration of didactic materials. For this reason, the main goal of this article is to analyze contents of didactic books of Portuguese for foreigners, in intention to verify what are the changes in the meanings construction in texts presented in these materials, according to the directions of Critical Discourse Analysis and Social Semiotics. Key-words: discourse; multimodality; multimodal text; images
1. A modalidade escrita na atualidade
Múltiplas semioses sempre coexistiram, mas assumi-las como objeto de estudo é
algo muito novo. A linguagem do mundo atual privilegia modalidades diferentes da escrita,
portanto, esses eventos devem ser vistos sob nova perspectiva. Essa modalidade torna-se,
cada vez mais, apenas um dos modos de representação cultural. Mesmo ao constatar a
pluralidade de linguagens, em termos de estudos lingüísticos, o que se verifica é o enfoque
na escrita, que não basta mais para revelar a totalidade dos usos da língua e de seus
fenômenos.
Essas mudanças significativas trazem à tona um novo tipo de texto, bastante
recorrente nas práticas sociais pós-modernas: o texto multimodal. Para a Teoria da
Multimodalidade, o texto multimodal é aquele cujo significado se realiza por mais de um
código semiótico, Kress & van Leeuwen (1996). Ainda segundo os autores, um conjunto de
modos semióticos está envolvido em toda produção ou leitura dos textos; cada modalidade
tem suas potencialidades de representação e de comunicação, produzidas culturalmente;
tanto os produtores quanto os leitores têm poder sobre esses textos; o interesse do produtor
* Professora da Universidade de Brasília; ministra disciplinas na área de Lingüística; mestre em
Lingüística pela mesma instituição, membro da Asociaccíon Latinoamericana de Estúdios Del Discurso (ALED) e da Associação Brasileira de Lingüística (ABRALIN); realiza pesquisas na área de português língua estrangeira sob enfoque da Análise de Discurso Crítica
implica a convergência de um complexo de fatores; histórias sociais e culturais, contextos
sociais atuais, inclusive perspectivas do produtor do signo sobre o contexto comunicativo.
O constante surgimento de avanços tecnológicos confere às práticas sociais mais
diversas novas configurações lingüísticas, que lançam mão de multisemioses. Os reflexos
dessas mudanças apontam novos direcionamentos para disciplinas críticas, como a Análise
de Discurso Crítica, que reconhece a importância da análise da comunicação visual.
2. Visualização: novo enfoque para estudos discursivos
A Análise de Discurso Crítica – ADC concentra-se não apenas em análises textuais
baseadas na linguagem escrita, mas em amplas tendências na comunicação pública. Isso
porque as mudanças na linguagem direcionam os estudos do discurso e impulsionam as
transformações de todas as formas de comunicação. A grande utilização de imagens para a
comunicação atesta que, cada vez mais, o texto multimodal figura como fonte essencial de
investigação para a ADC. Dessa forma, considero a abrangência dada ao termo discurso
que também é utilizado para referir-se a “elementos semióticos das práticas sociais”
(Chouliaraki e Fairclough, 1999, p.38) como reflexo da inclusão de outras modalidades
semióticas de discurso não-verbal por parte da ADC.
De acordo com a Semiótica Social, a linguagem tende a se adequar às linhas
seguintes propostas por Kress & van Leeuwen (1996): a comunicação exige que os
participantes elaborem suas mensagens maximamente compreensíveis num contexto
particular. Para isso eles procuram formas de expressão que acreditam ser maximamente
transparentes para os outros participantes; a comunicação determina lugares na estrutura
social que são inevitavelmente marcados pelas diferenças de poder, e isso afeta o modo
como cada participante compreende a noção de entendimento máximo;os participantes em
posição de poder podem forçar outros participantes a um maior esforço de interpretação,
diferenciando sua noção de entendimento máximo; a representação requer que o criador dos
signos procure formas para a expressão do que eles têm em mente, formas que eles vêem
como as mais aptas e plausíveis em dado contexto; o interesse dos criadores dos signos, no
momento da criação, guia-se para procurar um aspecto ou o conjunto de aspectos do objeto
a ser representado como sendo característico, naquele momento, para representar o que eles
querem representar, e daí procurar a mais plausível, a mais apta forma para sua
representação. Isso se aplica também ao interesse das instituições dentro das quais as
mensagens são produzidas, e lá se faz a formação de convenções e constrangimentos.
Nesse âmbito de mudanças, o ensino de línguas mostra-se como uma das áreas que
mais sofreu influência das novas tecnologias. O apelo visual deixa de ser exclusivo do
discurso publicitário, materiais didáticos passam a apresentar maior quantidade de imagens
e de cores. O texto, no qual predomina um único modo semiótico, não atende mais às novas
necessidades da sociedade atual, que pede maior quantidade de informação em frases de
tamanho reduzido. Com base nessas afirmações, teço considerações a respeito de textos
multimodais presentes em livros didáticos de português para estrangeiros.
3. Os Materiais Didáticos de Português Língua Estrangeira: suporte de gêneros?
O ensino de línguas estrangeiras sempre teve como característica o emprego de
multimeios para a aplicação de atividades diversificadas, mas o que procuro ressaltar é
como o emprego dos modos semióticos em materiais didáticos direcionam a representação
dos signos selecionados pelo produtor. Com isso, pretendo elucidar o verdadeiro papel dos
textos multimodais de gêneros diversos presentes em livros didáticos de português para
estrangeiros, com o objetivo de verificar como a organização dos vários modos semióticos
presentes nesses textos contribui para a construção de significados aos olhos do aluno
estrangeiro, seu principal leitor.
É corrente dizer que um dos objetivos dos cursos de língua estrangeira é ativar a
competência comunicativa consciente na língua-alvo em uso concreto por parte do aluno,
mas, como em grande parte dos casos, o processo de aprendizagem não se dá em ambiente
de imersão, essa competência é trabalhada em ambiente de sala de aula e com a utilização
de um livro didático — base para o curso. É desse livro, portanto, que se retiram as
situações-alvo para o desenvolvimento das habilidades lingüísticas necessárias no
desempenho das tarefas exigidas. Para que as habilidades lingüísticas sejam desenvolvidas,
mesmo em ambiente formal, é importante proporcionar ao aluno, melhor conhecimento da
cultura dos falantes nativos da língua-alvo, de forma que ele possa ter o domínio crítico
necessário para uma interpretação eficiente de textos multimodais em outra língua.
Por considerar o processo de aprendizagem uma negociação entre os participantes,
não só em relação ao conteúdo a ser estudado, mas também em relação a sua
implementação em sala de aula, vejo o livro didático como conseqüência das escolhas
oriundas de uma idéia de planejamento que nele se refletem, um lugar repleto de pistas
significativas sobre a formação discursiva de conceitos.
O livro didático é, portanto, elemento “provocador” que pode abrir pontos para a
troca de idéias, de opiniões, de pontos de vista, pois carrega eventos e situações que buscam
retratar cultura. Coloca o aluno estrangeiro em contato com visões de mundo e com
parâmetros culturais diferentes e como um dos veículos de um discurso permeado por
crenças e valores sociais. Por tudo isso, o livro didático figura como objeto de estudos
discursivos.
O ponto de partida para o conhecimento crítico dos vários modos semióticos que
envolvem a produção de textos multimodais em português reside em investigar as
conseqüências da perspectiva do produtor dos signos, que busca representar a realidade por
meio das formas simbólicas que considera mais plausíveis para determinado contexto.
Dessa forma, os textos multimodais apresentados em materiais didáticos de língua
estrangeira reflete posicionamentos ideológicos.
Portanto, é do livro didático que proponho iniciar meu trabalho, pois o considero
fonte essencial de subsídios para a compreensão da ideologia contida em seus textos, e da
percepção das origens sociais em que se deu sua produção.
Cumprida a tarefa de apresentar a importância dos materiais didáticos de língua
estrangeira, procedo à apresentação de mudanças nesses materiais, nos últimos anos.
4. As mudanças significativas em materiais didáticos de língua estrangeira
Anteriormente, mencionei as mudanças pelas quais passaram os materiais didáticos
de língua estrangeira nas últimas décadas. Elas trouxeram reestruturações quanto à
composição textual das partes constitutivas das capas de livros didáticos, que por
apresentarem estruturas fixas, podem ser consideradas um gênero discursivo, bem como de
seus textos internos.
Passo à apresentação sucinta das partes constitutivas do gênero em questão, de
modo a explicitá-las de acordo com as modalidades envolvidas em sua produção.
Observemos as duas capas seguintes:
Na primeira capa de Lima e Iunes, verifico a apresentação padrão de alguns itens
significativos nesse gênero, que passam a ser partes fixas de composição textual, são
elas:Título da série: Via Brasil; Nome dos autores: Emma Eberlein O. F. Lima & Samira
Abirad Iunes; Título do livro: Português: Um curso Avançado para estrangeiros;Editora:
EPU.
Na modalidade visual, existem poucos elementos representativos ou formas de
expressão que remetam ao conjunto de aspectos que será apresentado no interior do livro. O
que destaco são as cores do segundo plano: verde e preto que remetem à vegetação do
Brasil como país tropical, as folhas e as árvores sombreadas reforçam a presença de
florestas no país.
O número reduzido de formas de expressão na capa 1 leva a concluir que não
houve preocupação do produtor dos signos quanto à representatividade de imagens, ou com
os efeitos de composição de sentido entre linguagem verbal e não-verbal, ficando a encargo
da parte escrita a veiculação da mensagem sobre os conteúdos a serem tratados. Apesar de
haver a presença de mais de um modo semiótico para a produção dessa capa a composição
não necessariamente leva o aluno estrangeiro a um entendimento maior do conjunto de
aspectos que será apresentado no livro. O fato de o livro datar de 1990 aponta para o fato de
a obra ser parte de uma época em que não se refletia de forma sistematizada sobre os vários
modos de significação do discurso. Para demonstrar a ocorrência de reestruturação no
emprego de imagens com valor argumentativo no espaço de quinze anos, passo à análise da
segunda capa de acordo com a Teoria da Semiótica Social:
Na segunda capa de Henriques & Grannier, o título “Interagindo em português:
textos e visões do Brasil”, indica que os participantes representados são elementos da
cultura do Brasil que servirão como tema para o estudo do português. Assim, nessa
categoria temos: a) participantes representados: pessoas em uma feira livre e os elementos
da feira, frutas, hortaliças, bancas, sacolas, carinhos de compras; b) participantes
interativos: a interação é realizada entre os clientes e os feirantes.
O título “Interagindo em português: textos e visões do Brasil” apresenta relação
semântica motivada com os modos semióticos envolvidos na produção da capa, assim, o
que está verbalizado é também constituído por meio das imagens empregadas, já que os
participantes representados encontram-se em situação cotidiana de interação da língua em
ambiente natural, a feira livre, o que demonstra a intencionalidade em mostrar ao aluno
uma “visão” do país. Todas essas escolhas comprovam que o conjunto dos modos
semióticos utilizados na produção dessa capa carrega em si várias pistas significativas.
Os participantes representados têm a vetorização dos olhares voltada não para o
leitor/viewer, mas sim realizada entre si, o que demonstra o processo de ação como fator
de composição de sentido.
Nesse mesmo processo, está inserida a idéia de transitividade visual por meio da
qual o reacter direciona o olhar para outro agente, ou seja, os sintagmas envolvidos na
produção da capa têm relação motivada entre si, nessa imagem os sintagmas, ou
participantes representados são os feirantes e os clientes. A interação entre eles feita por
meio do olhar, revela o processo reacional em duas situações: na de conversação entre os
clientes e na situação de compra e venda, ambas com os reacters (clientes) direcionando
suas ações aos agentes (feirantes).
O processo simbólico nessa capa reside, em parte, nos tipos de personagens. Digo
em parte, por ter de levar em conta outros elementos significativos que fornecem pistas
sobre a construção dos sentidos da capa. O propósito dos modos semióticos envolvidos
nessa produção textual é retratar uma “visão do Brasil”, o brasileiro é representado por
meio do cidadão comum em situação de seu cotidiano, os participantes eleitos , os feirantes,
as pessoas que freqüentam a feira têm em si a carga simbólica da figura do brasileiro.
Vejamos essas relações sintagmáticas visuais no esquema abaixo:
A aplicação dessas categorias revela que essa constituição identitária se estabelece
no universo do texto multimodal, no interior do qual, os signos são estabelecidos por
relações motivadas entre significado e significante. Examinar a multimodalidade como
característica constitutiva do texto é prerrogativa para elucidação das maneiras como as
formas simbólicas são lidas e compreendidas por quem as produz e as recebe no seu
decurso de vida.
O sentido nos textos pós-modernos é constituído num universo entrelaçado de
palavras, imagens, cores e padrões sintáticos descomplicados, permitindo compreensão
rápida e global, refletindo o ritmo acelerado da vida pós-moderna, bem como as formas de
interconexão social que cobrem o globo. Para verificar a existência de relação motivada
entre os elementos das capas dos livros e os textos multimodais internos, passo a análise
desses últimos.
5. O texto ultimodal sob a perspectiva de Fairclough
A proposta de Fairclough (1999, 2001,2003) de direcionar o trabalho dos analistas
do discurso de especificação das práticas sociais de produção e consumo do texto
associadas ao gênero do discurso que a amostra representa implica na interpretação da ação
estratégica em textos. O emprego dessas categorias auxilia no entendimento de como os
elementos se relacionam uns com os outros, assim como quais conhecimentos culturais são
1. Feirante 2. Cliente
4. Sintagmas visuais relativos ao ambiente da feira
3. Vetorização dos olhares
exigidos a fim de se ler o material. Antes da aplicação das categorias de Fairclough, faço
breves considerações a respeito da configuração do texto selecionado.
O texto de título “Uma família brasileira”, foi retirado do livro de Henriques e
Grannier (2001) e pertence à seção “Situações”,que como o próprio título sugere é
destinada a propagandas, figuras e/ou textos mais ou menos formais, curtos que reportem
situações do cotidiano do brasileiro focadas em questões culturais. Serve de base para
atividades em que o aluno deve responder a perguntas relacionadas ao texto proposto.
Trata-se de texto composto por modalidade verbal e visual. Quanto às partes fixas
de composição textual desse gênero, temos: título da seção: situações; título do texto: uma
família brasileira; modalidade verbal: texto escrito localizado à esquerda; modalidade
visual: imagem de uma família, localizada à direita.
Originalmente, o texto é de Veja, revista de grande circulação nacional, e traz como
tema, a descrição de uma família brasileira de classe média alta. Devo atentar para a
intencionalidade de sua inclusão no livro didático o que demonstra como dados formais
podem reconstruir as maneiras como a realidade pode ser representada por um grupo social,
já que revistas e outros meios de comunicação representam, em parte, um grupo de pessoas.
Por ser originalmente informativo, já que esta é a proposta da Revista Veja,
“informar” de maneira “isenta”, é possível verificar, a tentativa de escolha despretensiosa,
livre de julgamentos de valor quanto ao conteúdo a ser tratado. Mas há claramente um
recorte na caracterização da “típica” família brasileira que pode ser inferida por meio das
informações apresentadas tanto na modalidade escrita como na imagética. Para abordar
esses aspectos na modalidade verbal recorro, mais uma vez, a alguns dos modos de
operação da ideologia de Thompson presentes nesse texto: a unificação por meio da
simbolização da unidade e da padronização e da fragmentação por meio da diferenciação.
A escolha dos tópicos Renda, Urbanização, Mulher, Educação e Lazer para a
descrição da família revela a unificação por meio das estratégias da simbolização da
unidade e da padronização. Por meio da aplicação desse modo de operação da ideologia, é
possível verificar que as características da família descrita passam a ser comuns a qualquer
família brasileira.
Outro ponto a ser abordado diz respeito à escolha do produtor do texto na
apresentação da família por meio da figura masculina, Ricarte, o que denota o homem
como figura principal, o provedor ou “chefe da casa”, ficando a identidade de Rosângela,
em patamar secundário, como um dos tópicos posteriores. Essa escolha determina a
fragmentação por meio da estratégia da diferenciação, pois ao enfatizar a diferenças e as
divisões de papéis entre pessoas, no caso as diferenças entre o casal Ricarte e Rosângela, o
produtor do texto define identidades culturalmente construídas, ao mesmo tempo em que as
fortalece e as torna legítimas, o que remete à categoria de identidade, o ethos, proposta por
Fairclough, a qual envolve não apenas o discurso, mas todo o contexto social ao qual o
texto faz referência.
Além da escolha de tópicos, a disposição entre eles também constitui uma pista
significativa na parte escrita: o tema, pois há preocupação em estabelecer um padrão
discernível na estrutura temática do texto por meio das escolhas dos temas das orações. Ao
apresentar como informação inicial a renda familiar, a suposição subjacente a essa estrutura
temática é de que há a intenção em se definir a identidade social da família brasileira por
meio de sua classe social e de seu poder aquisitivo. Todas as outras informações
subseqüentes, o lugar onde moram, os negócios da família, as expectativas em relação à
educação dos filhos e o tipo de lazer giram em torno dessa primeira. Vejamos de maneira
esquematizada essa construção discursiva:
Quanto à modalidade imagética, há uma diferença em relação aos textos anteriores:
a disposição da imagem à direita do texto escrito. De acordo com as categorias da
gramática visual propostas por Kress e van Leeuwen, dentro da categoria do dado e do
novo, o que está disposto à esquerda é considerado como “dado” ou já conhecido, enquanto
o que se encontra à direita representa o “novo” ou desconhecido do leitor. O texto escrito,
portanto, é a informação antiga, que no caso pode estar ligada à idéia de entendimento
gramatical das estruturas e não necessariamente conhecimento cultural, já que o leitor é o
aluno estrangeiro. A imagem representa a informação nova e da mesma forma que acontece
com o texto escrito exige leitura crítica, pois para responder perguntas sobre o texto é usada
como elemento de composição de significado.
O efeito de composição da imagem pode ser esclarecido ao se aplicar outras
categorias da Gramática Visual. Na categoria dos participantes representados, temos a
imagem da família de Ricarte, composta por ele, sua esposa e os dois filhos, em
composição com o título “Uma família brasileira”. Outra categoria a ser contemplada é a da
composição espacial do significado, que diz respeito aos significados representacionais e
interativos da imagem. Os participantes representados, componentes da família, estão
localizados ao centro, em primeiro plano, o que demonstra serem eles os elementos
principais, com maior valor de informação. Como o vetor do olhar dos participantes
representados é direcionado ao leitor, posso afirmar que a família faz o papel de reagente,
Os temas remetem à figura de Ricarte como principal membro da família
enquanto os leitores passam a ser os participantes interativos. Essa disposição dos
elementos e de seus processos de interação passam a ser julgados pelos leitores de forma
não-linear como acontece na modalidade escrita, de acordo com o destaque dado a cada
um.
Outros elementos de composição da imagem encontram-se em segundo plano, de
acordo com a projeção/saliência, mas desempenham papel de composição de significado ao
colaborarem para a conexão dos elementos da imagem. Esses elementos secundários
determinam o cenário em que a família está, uma sala confortável . Ser representada em um
lugar que passe a idéia de bom gosto e conforto compõe o sentido da mensagem sobre a
classe social apresentada no texto escrito e acrescenta a idéia de estabilidade ao núcleo
familiar.
A leitura da imagem em conjunto com o texto escrito determina lugares na estrutura
social que são inevitavelmente marcados pelas diferenças de poder. Apesar de haver
núcleos familiares de diversos tipos, como os chefiados por mulheres, a família apresentada
ainda faz referência ao modelo tradicional, no qual o pai é a figura de maior projeção, pois
é ele quem sustenta a casa, a esposa ainda desempenha um papel social de menor prestígio,
sua identidade depende da figura de seu marido, ela é mulher de Ricarte como vemos no
trecho “Na foto à direita, Ricarte aparece com sua mulher e filhos”. Esse tipo de
construção afeta o modo como cada participante compreende a mensagem do texto.
Pelas análises realizadas dos textos de português para estrangeiros tendo em vista os
dois tipos de semioses que os compõe, a modalidade escrita e a imagética, pude verificar as
peculiaridades do processo de composição de sentidos nesses textos e suas implicações para
a formação da identidade do brasileiro por parte de seu leitor-alvo: o aluno estrangeiro.
Busquei interpretar textos multimodais levando em conta o discurso verbal e não-
verbal por acreditar que a composição de sentidos entre essas modalidades poderiam
revelar pistas significativas sobre o processo de formação de identidades. Pude verificar
que, assim como a modalidade verbal, a modalidade imagética compõe significados
mediante uma sintaxe visual, o que configura a existência de uma nova gramática que exige
nível de leitura crítico. Além disso, pude ver, que dependendo do gênero, a semiose verbal,
ou a visual, é mais utilizada. Constatei, dessa forma, que, no gênero capa, os significados
são construídos predominantemente pela modalidade visual. A modalidade lingüística é
menos proeminente. Já nos textos multimodais internos dos livros didáticos, a imagem tem
o papel de chamar a tenção do leitor para pontos que o produtor considera relevantes, mas
assume papel secundário.
Pude demonstrar que os produtores dos textos deixam pistas significativas para que
os leitores as construam de forma direcionada, alguns exemplos dessas pistas são as
estruturas sintáticas, as escolhas vocabulares, que configuram recursos lingüísticos
utilizados pelos produtores nos textos verbais e que funcionam como estratégias de
manipulação. Constatei que a construção do texto imagético pode ser feita pela composição
espacial, pela escolha das cores e do processo narrativo, já que o discurso é um conjunto de
práticas que estão armazenadas numa memória coletiva, social, institucionalizada. Portanto,
há de se pensar nas várias maneiras de significar um texto, uma vez que, são múltiplos os
significados que se escondem na não-transparência da linguagem e fazem parte de uma
movimentação contínua. É preciso ressaltar que o sentido não está no texto, mas na relação
que este mantém com quem produz, com quem lê, com outros textos e com outros
discursos possíveis.
Outra constatação surgiu a partir da análise apresentada: os textos que envolvem as
modalidades verbal e visual podem ser lidos de várias maneiras, configurando o que Kress
e van Leeuwen (1996) chamam de leitura não-linear, que se caracteriza por ser determinada
pelo leitor, o qual pode iniciar a leitura da esquerda para a direita, de cima para baixo, linha
por linha. A leitura pode ser circular, diagonal ou em espiral. Com a composição
multimodal, aumentaram-se as possibilidades aos receptores e, conforme Kress e van
Leeuwen (1996, p. 223), enquanto os textos lineares impõem uma estrutura sintagmática
para o leitor – as imagens, mediante a seqüência da conexão entre os elementos que podem
ser vistos e apresentados de acordo com uma lógica paradigmática, a lógica do centro –
margem, do dado – novo, deixam para o leitor a maneira seqüencial de conectá-los. Dessa
forma, quem realiza a relação entre as semioses, a conexão entre o verbal e imagético é o
leitor.
O livro de Lima & Iunes que data de 1990 comprova que a utilização argumentativa
de modos semióticos variados em material didático de línguas estrangeiras no âmbito
escolar ainda é recente e o seu uso como objeto de pesquisa lingüística no sentido de levar
o leitor-aprendiz a uma educação visual da informação. Pude verificar que a composição
das linguagens verbal e não-verbal desencadeia os seguintes fatos:a linguagem visual
constitui discurso autônomo, com sintaxe própria; a identidade é constituída por meio de
características selecionadas como as mais relevantes em determinado contexto.
Tais constatações são determinantes no que diz respeito a uma das linhas da Teoria
da Semiótica Social (Kress & van Leeuwen) que afirma serem os participantes em posição
de poder (produtores dos signos) os que levam os outros participantes (leitores) a um maior
esforço de interpretação, e diferenciam a noção de entendimento do receptor da mensagem.
Assim, as considerações aqui apresentadas podem ser vistas como uma contribuição
para o trabalho docente, no sentido de alertar sobre a mudança dos modos discursivos de
significar o texto na sociedade contemporânea, sendo necessária uma mudança nos
paradigmas de ensino de língua portuguesa apenas voltada ao ensino da modalidade verbal.
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