Gazeta de Alagoas Sábado 07/09/2013 SURURU · e no peito uma saudade com uma enorme vontade de...

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Gazeta de Alagoas Sábado 07/09/2013 SURURU COMO MANIFESTO Para comemorar seus nove anos de lançado, o Manifesto Sururu, de autoria do sociólogo e compositor Edson Bezerra, abre seu capote à polêmica e despinica teses instigantes [email protected]

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Gazeta de Alagoas Sábado 07/09/2013

SURURU COMO MANIFESTO

Para comemorar seus nove anos de lançado, o Manifesto Sururu,

de autoria do sociólogo e compositor Edson Bezerra, abre seu capote à

polêmica e despinica teses instigantes

ADELM

OCAND

IDO@

GAZETAWEB.COM

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GAZETA DE ALAGOAS, 07 setembro 2013, Sábado 2 Saber

3. ARTIGOS .O SURURU APRESENTA SUA GRANDE COURAÇA, CLÁUDIO CANUTO

.O CORPO E O GESTO, A SOMBRA, O SUOR E OS PRAZERES: TUDO ISSO É O MANIFESTO, SÓSTENES LIMAR

4 - 5. ENSAIO + ARTIGOS.MANIFESTO SURURU, EDSON BEZERRA

. MANIFESTO SURURU????????????????, CÉLIO RODRIGUES.MANIFESTO SURURU?????????????????, MÁCLEIM CARNEIRO

6. ARTIGOS.O SURURU DA GRANDE LAGOA MÃE –

ENTRE O NUTRITIVO E O CULTURAL, THERESA SIQUEIRA.DESPINICANDO O SURURU DA CULTURA OFICIAL, RONALDO TORRES

7. ARTIGO. MUSEU NO BALANÇO DAS ÁGUAS É UMA EXPERIÊNCIA

DE AMOR E APRENDIZADO, MARIA AMÉLIA VIEIRA

8. ARTIGO. REFLEXÕES SOBRE UM BARCO-MUSEU:

PROJETO MUSEU NO BALANÇO DAS ÁGUAS, ROBERTO SARMENTO LIMA

EXPEDIENTE

ÍNDICE

SUPLEMENTO

MENSAL

SETEMBRO - 2013

PRESIDENTE DE

HONRA OAM

ANA LUÍSA COLLOR

DE MELO

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EXECUTIVO

LUIS AMORIM

COORDENADOR

EDITORIAL

MARCELO FIRMINO

DIRETOR

COMERCIAL

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EDITOR GERAL

CLAUDEMIR ARAÚJO

EDITOR

ENIO LINS

EDITOR

ASSISTENTE

LELO MACENA

DIAGRAMADORA

NATASKA CONRADO

ANÚNCIOS E

SUGESTÕES

(82) 4009-7755 (82) 4009-7777

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Os artigos são de responsabilidade de seus autores, não representando, necessaria-

mente, a opinião deste suplemento

EDITORIAL

DESPINICANDO UMAALAGOAS PROFUNDA

Edson Bezerra é um personagem singular, como já escrito aqui numa edição passada. Desde os tem-pos de estudante se revelava um militante abnega-do, embora apartidário, um intelectual useiro e ve-zeiro e rimar sociologia com poesia. Homem sempre simples, caminhante orgulhoso da beira da lagoa. Voz inquieta desde os tempos da turma da Praça dos Martírios, como bem observava o saudoso Denisson Menezes, também vizinho do igualmente insurgente Cícero Péricles, outro integrante do time de jovens moradores do oitão da igreja dos Martírios e proxi-midades.

Origens significativas posto aquele sítio marcar a proximidade do poder [expresso no ladrilhado tem-plo católico e nos palácios concebidos para abriga-rem a Intendência (prefeitura) da Capital e o Gover-no do Estado] com a periferia de Maceió que mar-geia aquele perímetro institucional com os bairros da Levada, Cambona e Bom Parto, todos lambidos

pela Mundaú – esta, por sua vez, prenhe de sururus e outros tantos frutos d’água salobra que desde os tempos da pré-história alimentaram as populações desta terra que tapou o alagadiço, como diriam os caetés ancestrais.

Pois Edson Bezerra vem daí, dessas bandas, ou formou-se ali, olhando o poder desde fora dos mu-ros e, com os pés, o coração e a mente, bem plan-tados no mangue seminal que é a marca de Maceió e das demais comunidades florescidas à beira das lagoas e canais que inspiraram Octávio Brandão há um século.

Seu Manifesto Sururu, comemorando nove anos neste 2013, é a sistematização do protesto, da poe-sia e da sociologia que emerge da Alagoas profunda, despinicadora de sururu. Que seja deglutido, sorvi-do à vontade. Não se intimide, é pura sustança, mes-mo que provoque reações indesejadas a estômagos mais sensíveis.

GAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 20132

EDSON, MEU BRAVO

(COM UM ABRAÇO FRATERNO, JOSÉ GERALDO)

Viva Dirceu Lindoso! E viva o Manifesto Sururu! Viva o bravo Calabar! E viva a nega Juju! Venham Zumbis pelos ares e pelos mares Zulus Caetés pelos Palmares tomem rotas lagunares de Manguaba e Mundaú! Dirceu se diz pitiguar Já eu nasci cariri. de água, bebi o ipanema da santana onde nasci; mas mesmo lá no sertão, sururu também comi! E se ando por outras plagas trago nos olhos manguabas lagamares e sertões trago também mundaús penedias e lamarões e no peito uma saudade com uma enorme vontade de sacudir corações! Essa vontade é caeté e cariri-xucurú é batava e lusitana é palmarina e italiana e tem gosto de sururu!

POEMA

CELSO BRANDÃO

MENINOS NO CARNAVAL – Celso Brandão: mais coisas sobre ele?

FOTOGRAFIA

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Sábado, 07 setembro 2013, GAZETA DE ALAGOAS Saber 3GAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 2013 3

O SURURU APRESENTA sua grande couraça

POR CLÁUDIO CANUTO *

O Manifesto Sururu é uma denúncia e um convite, ele busca agregar intelectuais e artistas de um modo geral em torno de um conceito – o de

alagoanidade – e de uma causa: uma nova leitura da nossa história.

Para Ariano Suassuna

O corpo e o gesto, a sombra, o suor e os prazeres: TUDO ISSO É O MANIFESTO

POR SÓSTENES LIMA *

O manifesto sururu é uma leitura, dentre mui-tas possíveis, a depender do foco e de quem ob-serve, do momento atual vivenciado nas artes ala-goanas, especialmente na música. Percebe-se nele a busca de uma universali-dade permeada com ele-mentos marcantes própri-os, que gerem e propor-cionem a identidade do que aqui se produz. Uma cara própria. Alagoana. Busca-se o novo, ainda correndo o risco dessa busca esbarrar no provin-cianismo ou no bairris-mo. São demais os pe-rigos desta vida, já dizi-am. Percebe-se, entretan-to, o desejo de algo ainda maior e mais profundo. Talvez esse desejo pos-sa encontrar no sururu a sua representação. O su-ruru é um molusco em-blemático. Busca na la-ma a sua subsistência e com ela se une para dela retirá-lo. Extrai do man-

gue o seu alimento. Na lama se reproduz. Bebe uma mistura rica propor-cionada por condições e elementos ímpares, cuja fusão resulta num algo desconhecido, intrinseca-mente belo, ainda que fo-ra dos padrões aceitáveis ou impostos. Sintetiza be-leza na busca do seu sus-tento concomitante com a capacidade de também sustentar. Mistério pró-prio do ambiente lacus-tre nas proximidades do mar. Como as cidades que possuam a peculiaridade encontrada em Maceió. Reveste-se do ar prenhe de maresia das restingas. É movimento silencioso uma vez que a sua sínte-se se dá no subterrâneo da lagoa-mãe. Nasce das suas entranhas, das suas vísceras silenciosas e es-curas. E subverte-se em cores, sons e estado de al-ma. Contradiz-se. De um lado a periférica ferida e a chaga da miséria explí-

cita, do caos social e da desigualdade. De outro, o colorido e festivo univer-so dos delírios litorâne-os, com suas cores, esté-tica, comportamento, pa-drões e fantasias ditados e absorvidos por uma eli-te que insinua e traves-te beleza adoçada ao sa-bor da cana e embotada pela embriaguez da água ardente, qualquer que se-ja a sua composição. Que desbota. Que desdenta. Que não dessedenta. Que engana. Em meio a tudo isso, como elemento sim-bólico, a cidade é corta-da ao meio pelo Salgadi-nho. Berço de sua origem e marco de sua desigual-dade. Massapé-maçai-ok-Maceió. Alagoas do nor-te e do sul. Monumen-to megalítico imponente. Sambaqui testemunha de um passado antropofági-co. É o manifesto atitude. É testemunho. Ser suru-ru, alagoano de cara a ca-ra com o seu tempo, lan-

çando ao mundo o desa-fio próprio de quem co-nhece os caminhos tortu-osos do Mundaú. É tam-bém impreciso, embora seja preciso nesse mo-mento. Momento de fo-me. De comer os símbo-los, os ensinamentos dos mestres da cultura po-pular, de devorar as co-res dos folguedos, todos os azuis e encarnados. E o branco, da necessária paz. É tempo também de resgate. Resgate da dívi-da imensa e terrível da devastação da nação cae-té, sob o pretexto da de-glutição do Bispo, dívida agravada pelo sangue ne-gro jorrado nos troncos dos engenhos e que ne-cessita ser purgada. Dí-vidas alimentadas na de-vassidão do senhorio. Na obscenidade da velha e da nova senzala - a fa-vela. Mas não se busca tal pagamento em atitude rancorosa. Busca-se a be-leza afro-caeté. Mestiça.

Mulata. Cafuza. Confusa, por assim dizer. Como Ja-raguá e sua anterior opu-lência. Com a sua deca-dência. Com o simbolis-mo da placa de home-nagem à rapariga desco-nhecida de uma de suas ruas. Chocante memorial que expõe nossos precon-ceitos e desafia o man-to do nosso tradicional conservadorismo religio-so. A convivência outro-ra harmônica dos prostí-bulos ao lado dos trapi-ches e armazéns.

Ser sururu é, sobretu-do, saber-se forte e com uma história para contar. Sururu de capote. Que não foge à luta. Saber-se brava gente sururu que resiste. Saber da possibi-lidade de se travar uma guerrilha cultural. Contra ninguém. A favor da al-ma. Isso tudo é o mani-festo. Assim o entendo. O corpo e o gesto. A som-bra e o suor. Os prazeres. Os estertores. Os márti-

res. De Calabar a Zum-bi. A dignidade da infân-cia morta nas calçadas da prostituição e nos infer-ninhos do mercado. En-tendo-o na criança, sín-tese genética do que so-mos e que estamos pro-duzindo, estejam nos si-nais ou nas boas escolas. Vejo-o nos olhos de espe-rança dos nossos filhos e na certeza de que pode-mos fazer algo grande e de que temos algo vivo a dizer. Vivo e que pulsa. E que gera. E que virá e que vira. E que não se pode desperdiçar. E ditas tan-tas coisas, a possibilida-de do erro e do equívoco, mas sempre a grandeza de ter tentado. E a opor-tunidade é aqui e agora. Viva a viva cultura alago-ana! Leia mais nas páginas 4, 5 e 6 * É arquiteto e advogado, além de músi-

co e interprete é também produtor cul-

tural e também tem se aventurado pelo

terreno da prosa.

O colonialismo ideo-lógico consciente de al-guns intelectuais que ado-ram as almofadas do po-der, abraçando-as, defen-dendo-as como filhos.

A oligarquia alagoana os mandou defendê-las não por verdade histórica nem por critérios de hon-ra, mas simplesmente para demonstrar a estes analis-tas da nossa história que eles não passam de acóli-tos passivos e acríticos.

Alguns abraçam cons-cientemente, como disse, esta visão distorcida da nossa realidade. E por ela recebe o seu quinhão. São historiadores, músi-cos, compositores, artistas plásticos, arquitetos e de-mais categorias artísticas que se ufanam em aco-lher, como mérito, uma história que expressa nada mais que a visão ideológi-ca da classe dominante, re-produzindo-a. Outros, são profissionais que, ingenua-mente, tolamente, pensam sinceramente estar resga-tando “a nossa história”: os marechais, as pompas artificiais, a narração de atos de heroísmo inexis-tentes, arrogantes travesti-dos como guardiões mo-rais, guerreiros da pátria ufanista, tão fortes que massacraram o Paraguai, tão protegida que pode-mos, seus habitantes, “dor-mir em solo esplêndido”, hoje domínio dos cheira-colas, dos moradores de rua, dos índios desterra-dos – até que um filhinho de papai chapado de tu-do resolva matá-los, como ponto culminante de sua festa satânica, em um ritu-al orgiástico de poder e im-punidade.

O QUE PRETENDE O MANIFESTO SURURU O que nos mantém lúci-

dos, lúcidos desde sempre, desde que resolvemos “in-comodar o coro dos con-

tentes”, fazendo nós mes-mos – pretos, pretas, mes-tiços, índios, brancos po-bres, todos pobres, excluí-dos, desterrados - o gran-de banquete triunfal dos miseráveis pelo simples fa-to de, teimosamente, estar-mos vivos. O nosso olhar é amoroso, sinceramente amoroso por uma Alagoas mal-amada, espoliada, en-ganada junto ao seu povo generoso, cuja cultura au-têntica tem sido massacra-da impiedosamente pela historiografia oficial, que inverte tudo: heróis tor-nam-se coadjuvantes; fal-sários e arrivistas, ocupam o panteão que de fato nun-ca lhes pertenceu, estes usurpadores, homens le-trados que se ocupam diu-turnamente em desfazer a verdadeira história des-te estado, transformando-a em pantomima, em uma ópera-bufa que se deve ur-gentemente desmascarar.

Anunciar nossa existên-cia representa um triunfo contra a mediocrização do momento cultural vigente, que artificializou a verda-deira identidade deste qui-nhão de terra, próspero pa-ra poucos, campo de guer-ra para a maioria. O Ma-nifesto Sururu é um ato de guerrilha cultural con-tra os que defendem idéi-as cada vez mais pusilâ-nimes: sustentar uma Ala-goas de quadrinhos, cheia de brasões, com marechais briosos, homens renhidos dispostos a derramar seu próprio sangue em defesa do nosso solo. Estes bata-lhões todos reunidos, não tinham a décima parte da coragem e do espírito de libertação do nosso povo, como o grande rei Zumbi e seus quilombolas.

A propósito, o Manifes-to Sururu convida amavel-mente que o Marechal De-odoro apeie do seu cava-lo imóvel e vá para casa, descansar o sono dos jus-

O Manifes-to Sururu

brada pela sua terra e pela sua

geografia e luta contra os respon-

sáveis pelas línguas

negras que açoitam

e sangram nossos mares.

tos, enquanto um líder ne-gro – Ganga Zumba, tal-vez – toma as suas rédeas e em um galope ensande-cido de amor por sua terra e seu povo, convoque a to-dos para a grande insurrei-ção libertadora.

Articulado em lingua-gem poética (porque poe-ta de fato ele o é) por um doutorando em sociologia, o prof. Edson de Gouveia Bezerra, o Manifesto lan-çou a semente que há tem-pos muitos esperavam que fosse lançada – a semente da alagoanidade, que tira das sombras os verdadei-ros homens que buscaram libertar nossa província e que propiciaram o surgi-mento de uma cultura ver-dadeiramente popular, que é a sua etapa complemen-tar de libertação.

Sendo popular, é genuí-na, pois seu único interes-se é mostrar, preservando, o sentimento de um povo e de todas as comunidades oprimidas, é o seu códi-

go fundamental, a sua ar-gamassa espiritual que faz com que nosso povo mar-ginalizado não perca as su-as raízes mais profundas e não mergulhe no artificia-lismo das músicas impos-tas pelos grandes esque-mas das gravadoras, dos pseudocantores que o ja-baculê transforma em ce-lebridades, ídolos de papel que qualquer sopro de ver-dade põe por terra.

Esta nova manifestação que o poeta e músico Ed-son trouxe a lume, bem servirá para que intelectu-ais, artistas (nem todo in-telectual é artista), e de-mais segmentos da cultu-ra alagoana encontrem aí – a exemplo dos cantado-res de feiras - o seu mo-te, o seu brado que sir-va de resistência a cultura do bolor, do mofo, dos fal-sos historiadores, dos por-ta-vozes da falsa consciên-cia, da dissimulação histó-rica travestida em erudi-ção, daqueles que, seduzi-dos pelo perfume da cor-te, voltaram-se contra o su-or dos negros, das negras, dos mestiços, dos brancos pobres que lhes deu ori-gem.

O Manifesto Sururu bra-da pela sua terra e pela sua geografia e luta contra os responsáveis pelas línguas negras que açoitam e san-gram nossos mares. É con-tra, literalmente, a merda da modernidade, que fere de morte o riacho Salgadi-nho onde, menino ainda, tomava banho e pescava si-ri ao lado do hotel Atlân-tico que, segundo diziam, comunistas bolcheviques lá urdiam conspirações cabe-ludíssimas. Hoje, o grande paradoxo: o único riacho sólido do mundo, onde to-dos podem brincar de Deus e caminhar sobre a concre-tude de suas águas. O Ma-nifesto clama pelos nossos massapês e mangues opri-midos pelas grandes cons-

truções, formando a sua base movediça e cheia de malandragem: estão vivos e vão à forra.

Assim, o Manifesto ren-de homenagens a Dirceu Lindoso, que mexe no ta-buleiro da historiografia oficial e a mostra nua, com todas as suas chagas, que combate a difusão de um pensamento servil e dis-torcido, desvelando a nos-sa província, erigida pelo esforço do trabalho negro e da negra miseráveis e do índio insubmisso, mas-sacrados em sua ousadia heróica, atribuindo-lhes a sua verdadeira dimensão épica em nosso processo de construção social. E vi-va Calabar. Calabar que es-tes vetustos senhores de fardão e olhares circuns-pectos ousaram tratar a vergastadas. Ele, o nosso herói insurgente. Homena-gens a Sávio de Almei-da, analista lúcido, escri-tor independente e origi-nal e, sobretudo, um ho-mem bom; Basílio Sé, es-te cara de sururu; Altair Pereira, o próprio homem-sururu, infinitas vezes su-perior ao homem-aranha, pois não precisa travestir-se; Tia Marcelina, agora ungida de fato a condição de Nossa Senhora dos Pra-zeres de Alagoas; Mestre Ilda do Coco, que depois de tomar cachaça com cal-dinho de sururu foi des-cansar na lagoa Mundaú; a Mácleim, que logo cedo percebeu a importância do Manifesto e o divulgou; A Telma César, que em su-as pesquisas desnuda os nossos mistérios e eviden-cia a nossa secular beleza folclórica; Enfim, à nossa Academia Multidisciplinar, que se espalha pelos terrei-ros e ganha o mundo pelo seu batuque, pela sua dan-ça, pela sua música e pe-lo seu esplendor generali-zado e embriagante. * É alagoano.

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GAZETA DE ALAGOAS, 07 setembro 2013, Sábado 4 Saber

A cultura popular está ligada à tradições, costu-mes, ações do cotidiano e valores, é uma cultura de origem histórica, portanto natural, e esta até hoje se encontra num páreo duro com a ideologia dominan-te, pelo fato de esta impor a todo custo uma nova or-dem, pregando, defenden-do, impondo uma cultu-ra globalizada e alienado-ra da cultura de massa.

É nesse contexto que si-tuamos o texto de Edson Bezerra em sua muita pre-ocupação com Alagoas e com todos os seus aspec-tos cultural, social, políti-co, econômico, etc. E é isto que é o Manifesto Sururu, com pontos antagônicos e que em sua visão eles são tão iguais, é um levante

cultural e social esta rela-ção que, de certa forma, se perdeu ao longo do tempo, principalmente a partir do início do século XX, onde a cultura de base dos ne-gros foi desaparecendo de dentro do seio dos nossos afro descendentes atuais. Este alerta é para que o po-vo alagoano desperte em sua curiosidade, para ver a cultura negra alagoana do passado: o maracatu, o fre-vo, que foram apropriados pelo nosso vizinho e hoje, o frevo, por exemplo, fez cem anos; antes dele, tí-nhamos vários blocos e fo-liões, blocos de negros que pulavam ao som das or-questras. É este o resga-te que vimos naturalmen-te, no manifesto, compara-ção entre o ontem e o hoje,

refletindo em uma socie-dade sem memória negra, embranquecida pelos do-minantes e, no ponto cul-tural, pelos folguedos, pa-ra satisfazer esta elite so-cial, como fizeram com to-dos os batuques em di-versos bairros de Maceió. Criou-se uma religiosida-de afro sem identidade. O Manifesto vai mais além do que tudo isso e a visão de cada pessoa pelo seu ponto de vista e senso crí-tico, seja negra ou branca.

Todos nós somos educa-dores, com forma acadê-mica ou não, por isto te-mos o dever e obrigação de popularizarmos a cultu-ra negra, nos mais diversos recantos. * É professor de história, produtor cultu-

ral, e Babalorixá Omintology.

GAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 20134

MANIFESTO Manifesto Sururu quer muito

pouco. Quem sabe um pouco mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coisas alagoanas. O Manifesto Sururu não quer apostar e nem pousar em outras imagens. O que ele procura é exerci-tar olhos e sentidos por sobre (e den-tre) antigas e permanentes imagens das coisas alagoanas: olhar primeira-mente os canais que interligam as la-goas e os rios.

Os canais sempre foram as nos-sas pontes4 e disto já o sabia Octavio Brandão5.

O Manifesto Sururu também fala da fome. Não da fome comum, mas da fome de devorar as Alagoas.

Contra as derrapagens de uma modernidade vazia6, uma outra assi-nalada de coisas alagoanas.

Novas rotas. Rotas alagoanas: de canais e lagoas, sobretudo.

O Manifesto Sururu não está so-zinho. O sururu, ele mesmo é o ali-mento e a caloria de milhares de vi-das. O sururu é vida7.

O sururu, ele mesmo é o alimen-to e a caloria de milhares de vidas. O sururu é vida.

O Manifesto sururu está atento aos batuques noturnos dos terreiros periféricos8 fora de rota e também dos milhares de capoeiras espalha-dos9.

O Manifesto Sururu se alegra com a folia dos meninos de rua, com os guerreiros e com as tradições ali-mentadas pelos povos periféricos.

Manifesto Sururu: mistura e asso-

ciação de moluscos, peixes, águas, negros, cafusos, morenos e de todas as mestiçagens possíveis das gentes alagoanas. Manifesto Sururu: do va-le do Mundaú10 para onde houver la-goas.

Suas heranças são imagens, suas comidas e seus pais ancestrais. As-sim: Calabar é nosso e, sobretudo, Zumbi dos Palmares: migrantes des-locados da colônia central11.

Penso em imagens alagoanas: o olhar a cidade de nossos mirantes. Os mirantes são os nossos planetári-os12. Dos mirantes se avista a lagoa, o céu e o mar.

Dos mirantes: ali poderíamos co-mer além de tapioca e beiju, outras coisas das tribos ancestrais.

Penso em imagens alagoanas. Penso que uma delas é a Mestra Ilda do Coco tomando (no mínimo) caldi-nho de sururu na beira da Mundaú13.

Penso em uma outra: a do Major Bonifácio melado de lama e dançan-do carnaval na rota Bebedouro-Mar-tírios. Ele, o major, bem que poderia ter também dançado capoeira14.

Uma outra seria pensar a Tia Mar-celina15 como se ela fosse Nossa Se-nhora dos Prazeres16.

No fundo somos gente-sururu e por isso trazemos nos olhos as ima-gens de todas as águas.

Das águas do mar e do somatório das dezenas de lagoas, rios e olhos d’água espalhados nas periferias da cidade.

Octávio Brandão: Mundaú: rio dos negros. São Francisco: rio dos

brancos. Que vivam as lagoas todas: as vivas e as mortas. Somos filhos do barro, nascemos entre os batuques dos negros e da mistura da lama.

Por isso: que estória é essa de Ter-ra dos Marechais17?

Somos ainda a derradeira sobrevi-vência (e isso é fantástico) do exter-mínio do povo Caeté. Em nossa veia, além do povo caeté, pulsa sangue ne-gro. Os brancos nos trouxeram a mis-tura e (também) a morte.

De todo modo, mestiços de índi-os, negros e brancos, estamos vivos.

Cúmplices da modernidade, te-mos o barro e a lama debaixo dos edifícios e dos asfaltos das ruas.

Somos filhos de uma cidade res-tinga18.

Os nossos edifícios (assim como a nossa modernidade) foram cons-truídos sobre os terreiros dos negros e das moradas dos pobres. A nossa modernidade foi construída sobre os aterros dos manguezais e do massa-pé e é por isso que às vezes ainda sentimos cócegas nos pés: são eles, os caranguejos e as lamas19.

Sobre os aterros, se instalaram os movimentos dos negros, seus ba-tuques e danças. Guardamos então muitas saudades.

Por uma nova cartografia: redese-nhar roteiros visíveis, remarcar datas e re-escrever novas geografias20.

Manifesto Sururu: Simulações sem simulacros.

Que por dentre as cenas das ante-nas parabólicas, outras cenas de ima-gens periféricas.

Por uma reinvenção da ccelebração pública da memónossos proscritos. E por falar

Viva Calabar!!!! Além de toda ancestralid

erotismo do coco21 e dos fragde nossas raízes periféricas.

Os nossos terreiros são nosdemias: sementes de ritos e de celebrações e festas. Viva talegrias. Viva o terreiro de Melix22 e de todos os mestres.

Saudades daqueles temptes do Quebra de 1912 o batubem maior23.

Temos muitas dívidas: parmorte de Tia Marcelina, poplo.

E temos muitas outras. Ulas é a seguinte: a Praça 13 dedeveria ficar na praça dos Me a estátua do negro Zumbi nda Marechal. Faríamos assimfestas e celebraríamos com oques o sincretismo de nossaçagens. Quem sabe então elbi, não rezaria uma missa pradançar xangô?

Nós repudiamos o etnocídiclamamos todos a uma grangria.

Viva a alegria de todas aQuem antecedeu os marecZumbi e antes dele, Calabar2

subversão e a liberdade. Entre os nossos pobres, os

específicos, aqueles que sobram a maleita e a fome esdesde sempre os cantadores dde toada, de forró, das rodas

Para Tia Marcelina1, Tia Creusa, Maria Lúcia2, Dirceu Lindoso e

Mestre Sávio de Almeida3

NOTAS 1Tia Marcelina, uma ex-escrava de origem

africana e matriarca do candomblé em Ala-

goas, morta durante o movimento que en-

traria para a história como O Quebra, o mo-

vimento de revolta contra a oligarquia de

Euclides Malta, quando, no espaço de al-

guns dias, de trinta a cinqüenta terreiros de

candomblé foram quebrados e os pais, fi-

lhos e mães de santo foram espancados e

humilhados publicamente.

As reminiscências dos relatos registram

que mesmo sabendo antecipadamente da

quebra dos terreiros, quando a turba chega

ao seu barracão, ao invés de correr, Tia Mar-

celina se adentrou no espaço sagrado o Pe-

ji e que, ao ser espancada a chutes de cotur-

no por um soldado de polícia, ao tempo em

que gritava por seu orixá ela dizia, bate, ba-

te, vocês matam o corpo mas não a sabedo-

ria.

Ao oferecermos a escrita do manifesto em

sua homenagem, registramos uma dívida

histórica no que acreditamos ser ela, a fi-

gura histórica mais importante da resistên-

cia das culturas populares ao colonialismo

e desaculturamento das elites alagoanas

para com as particularidades locais. 2Ambas foram minhas primas. Através da

escrita de seus nomes, queremos acentu-

ar o nosso pertencimento às nossas ori-

gens afro-alagona. 3 No que se refere a Dirceu Lindoso e Sá-

vio de Almeida, trata-se de rendermos ho-

menagem a dois historiadores comprome-

tidos com a escrita de uma história cons-

truída a partir das camadas oprimidas das

Alagoas. 4 Quando ainda não existiam ou ainda eram

precárias as estradas, era pelos canais que

navegavam os barcos trazendo os morado-

res das cidades de Pilar e Marechal Deodo-

ro, situadas no entorno da lagoa Mangua-

ba. 5 Octavio Brandão foi o primeiro intelectual

alagoano a romper com uma historiografia

alagoana construída a partir de um olhar

das elites. Ele tinha apenas 19 anos quan-

do escreveu Canais e Lagoas, um dos tex-

tos fundamentais na inspiração deste ma-

nifesto. Octavio Brandão percorreria – a ca-

valo, de barco e a pé - os arredores da lagoa

Mundaú um roteiro de aproximadamente

cinco mil quilômetros na pesquisa da fau-

na, flora, acidentes geográficos e culturas

populares nos entornos lacustres.

Forçado a se exilar de Alagoas em virtude

de sua militância comunista, dizem que pa-

ra não perder o contato com Alagoas, carre-

garia seixos nos bolsos para se lembrar de

suas origens alagoanas. 6 Todos nós estamos inseridos nos movi-

mentos da modernidade. A mesma moder-

nidade que derruba os edifícios e devassa

as tradições, também inventa e reinventa

modas e estabelece a emergência de no-

vas relações sociais. O que estamos deno-

minando de modernidade vazia é o teste-

munho da implantação de uma moderni-

dade esvaziada das coisas alagoanas. É o

que se verifica, quando observamos os edi-

fícios com nomes estrangeiros, como tam-

bém a produção de artefatos culturais es-

vaziados de um imaginário alagoano.

É nesse contexto que uma das idéias do Ma-

nifesto Sururu, é que, diante do inevitável

processo da modernidade alagoana exista

a possibilidade de uma abertura para as re-

presentações de um imaginário alagoano

a partir dos patrimônios históricos associa-

dos às contranarrativa, dos rastros das cul-

turas populares e das geografias culturais

alagoanas. 7 Diante das péssimas condições de vida

das camadas pobres habitantes dos bair-

ros lacustres, o sururu, devido seu forte ín-

dice calórico, durante séculos vem alimen-

tando as camadas populares, e aos gentios

até o presente se encontra no centro da so-

brevivência das camadas mestiças dos en-

tornos lacustres. 8 Existem centenas de terreiros de cultos

afros espalhados pelos bairros pobres e pe-

riféricos da grande Maceió, todos, invisibili-

zados a partir de um olhar situado nos es-

paços centrais dos bairros de Ponta Verde,

Jatiúca, Pajuçara, etc. 9 Também situados nos bairros periféricos,

a existência de aproximadamente de cinco

mil capoeiristas espalhados. 10 O Vale do Mundão foi onde se desenvol-

veu o território livre da República de Palma-

res.

11 Os deslocados nesse contexto, refere-se

ao lugar que tanto Calabar quanto Zumbi

dos Palmares ocupam nas representações

dominantes das elites alagoanas. Só recen-

temente e após ter sido reconhecido naci-

onalmente um herói nacional, é que Zum-

bi começou a ser visibilizado e adotado nos

discursos e representações do imaginário

alagoano. Todavia, nem Zumbi nem Cala-

bar ainda não têm, ao contrário dos Ma-

rechais alagoanos, Floriano Peixoto, Deo-

doro e Pedro de Góis Monteiro – estátua

ou monumento erguido em suas homena-

gens. 12 Alagoas tem o privilégio de possuir uma

série de mirantes geograficamente situa-

dos: o mirante da Chã de Bebedouro, o da

igreja Santa Teresinha, o da Fundação Pier-

re Chalita, o mirante por detrás do colégio

Guido, o da ladeira da Catedral e o mirante

do Jacintinho. Dos três primeiros pode-se

avistar o acinzentado da lagoa Mundaú e o

azul das águas marinhas.

Todavia até hoje eles têm sido tratados co-

mo meros acidentes geográficos desvalori-

zados, e não existe até o presente nenhum

projeto com a finalidade de situá-los en-

quanto um espaço de visitação ou para fins

de um turismo sustentável. Os nossos mi-

rantes, todos eles representam uma das

características geográficas mais significa-

tivas de Maceió. 13 Mestra das culturas populares alagoa-

nas. Beirando os oitenta anos, além de co-

co, Mestra Ilda também é mestra de baia-

na. 14 Filho das elites alagoanas (também seria

prefeito de Maceió) o major Bonifácio é um

exemplo de mestiçagem. Em seu tempo

ele incentivou as culturas populares, dan-

çava coco, fazia o passo e é considerado

até hoje um ícone da animação cultural. 15 Mãe de Santo de origem africana e Coroa

de Dada, Tia Marcelina seria morta vítima

de espancamentos no episódio da quebra

dos terreiros de 1912 em Maceió. 16 Nossa Senhora dos Prazeres, a padroeira

da cidade de Maceió. 17 Dentro da proposta do Manifesto Sururu

– a construção de uma identidade a partir

das culturas populares – o enunciado de

Alagoas, terra dos Marechais é um enunci-

ado das elites alagoanas e enquanto tal, eli-

tizante e elitizado. Afinal, o que os nossos

marechais têm a ver com as culturas popu-

lares? 18 Restinga é um tipo de vegetação. 19 Em tempos primitivos a lagoa Mundaú

avançava até o centro da cidade. Há regis-

tros de quando durante uma das reformas

da Igreja de São Benedito em décadas pas-

sadas, em seu sub-solo foram encontra-

das cascas de sururu. 20 O manifesto está aqui apontando para

a necessidade de uma releitura de uma re-

presentação dominante voltada para a co-

memoração das grandes datas– a Procla-

mação da República, a emancipação políti-

ca de Alagoas, etc. – e da celeb

vultos históricos já desde semp

grados.

É com este espírito que o Manife

mantém um olhar voltado para o

das culturas populares, para vult

cos marginalizados, e para o esq

to geográfico da região das lago21 O nascimento do coco se deu

de vivência da Serra da Barriga,

nhado da mestiçagem sob a do

da cultura Banto. 22 Mestre Félix foi um dos mestres

dos durante o movimento da q

terreiros em Maceió em 1912. 23 Denominou-se de Quebra, ao m

to de destruição em 1912, de tod

ca de trinta a cinqüenta terreiro

tes na cidade de Maceió. Acusad

rem adeptos de Euclides Malta, o

rante três mandatos consecutiv

de mando próprio e um terceiro

um primo – ocuparia o poder, os

tes do candomblé tiveram todo

terreiros quebrados. A partir des

tornou uma prática comum dura

das a perseguição e a proibição

ca do Candomblé. Para resistirem

praticantes passaram a realizar

ais sem a batida dos atabaque

de então os rituais passaram a s

dos quase às escondidas e o som

baques foram substituídos por p

dentre os burburinho dos canto

Eu sempre soube, olhor, sempre intuí, quetura alagoana havia sterrada e sobre ela pde um lado, o fardosacrante do império reiro com a escrotaserviência da chibataoutro lado, o concrmê asséptico e frio ddernidade da orla. quando tomei conhecto do Manifesto Sururcrito pelo sociólogo e alagoano Edson Bezercomo ver a radiograalgo que ainda pode ra. De imediato penssocializar o que ele veu através desse espManifesto Sururu surla necessidade de pro olhar e atitude dos aalagoanos para o enmento e valorização d

MAIS Sururu POR CÉLIO RODRIGUES*

Manifesto Sururu:

mistura e associação

de molus-cos, peixes,

águas, negros,

cafuzos, morenos e

de todas as mestiça-

gens pos-síveis das

gentes alagoanas.

É este o resgate que vimos natu-

ralmente, no manifesto,

compa-ração entre

o ontem e o hoje, re-

fletindo em uma socie-

dade sem memória

negra, em-branqueci-

da pelos do-minantes.

Page 5: Gazeta de Alagoas Sábado 07/09/2013 SURURU · e no peito uma saudade com uma enorme vontade de sacudir corações! ... e de uma causa: ... Contradiz-se. De um lado a periférica

Sábado, 07 setembro 2013, GAZETA DE ALAGOAS Saber 5GAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 2013 5

SURURU POR EDSON BEZERRA *

os repentistas, os criadores do elo alagoano, os capoeiras, os umbeiros e mandingueiros. Em a: as nossas almas inspiradoras. as lagoas. Também elas invadi-e invadem o mundo das ima-de Guilherme Roggato26 a Cel-

andão27. palavras-mundo de Jorge de Li-Ledo Ivo28 são roteiros cinema-ficos de um imaginário alagoa-

o somatório de todas as águas: uas do mar que invadiram a to-

os olhos- d’água e do cheiro de sia contra o cheiro agridoce das s. Maresia alagoana: ela conta-u a todos: dos pisantes das ter-lagoanas, dos índios e negros, cos e holandeses e até mesmo iratas franceses.

e sobretudo do cheiro do sururu o fresquinho da lama: alimento negros e pobres. Imagem segu-maternidade de nossas imagens . sim, Mestra Ilda também é bi e Mestre Zumba29 também. ém de sentimentais, somos anfí-quer se queira quer não.

uem ainda não provou do suru-omou banho de lagoa, é aleijado lhos e cego no corpo30.

va Deodato, outro negro artis-

ruru: ao redor dele, os bairros e voados se amontoaram e se en-

ram: Ponta Grossa, Levada, Pon-Bebedouro e Rio Novo32. Todos

filhos das águas. O sururu então, mais dos que os

homens, inventou e recriou as nossas geografias: as cartografias de nossa primitividade. Ali naqueles espaços embrenhados dançava-se macumba, fumava-se liamba, cantava-se o coco e se recriava um mundo: o mundo alagoano33. Como isto foi possível?

Na busca do sururu, os homens pobres desenharam ruas.

Sururu: espaços coletivos, mater-nidade e memória. Nascedouro e ro-tas de outros espaços geográficos. Espaços de uma memória possível.

Viva Jorge de Lima e Celso Bran-dão que filmou o “Cata Sururu”.

Levada. Alguém lembra que ali havia um porto?

Alagoas não foi feita (somente) pra turista ver.

Pra turista ver e olhar o mar34. No além-mar, pensar não outras

terras. No além-mar pensar nossos interiores. Lagoas interiorizadas35. Pra turista ver também. E que ele ve-nha, e já que comemos o bispo Sardi-nha, o comeremos também, mas an-tes disso ensinar ele a tomar banho de lagoa e comer caranguejo uça36 com as mãos. Aliás, com todo estran-geiro deveria ser assim37.

Turismo primitivo: a Bica da Pe-dra, o banho no Cardoso, o Catolé38. Lugares de luz com águas frescas e claras.

O bar das Ostras39. Os portos de Bebedouro e de San-

ta Luzia do Norte, alguém lembra? “Sururulândia40”: Esta é nossa ri-

queza e desde sempre memória. Mas aconteceu que Maceió fugiu

da Mundaú. Pensou que a lama e os caranguejos e os homens-carangue-jos iam engolir ela41!!!!

A nossa aristocracia, com medo e nojo fugiu do barro, e fugiriam tam-bém da zoadas dos batuques, dos co-cos e das macumbas e foram mo-rar lá na banda das praias: Pajuça-ra, Ponta Verde e Jatiúca. E naquelas praias, há pouco desertas, no lugar dos casebres e casas de paus a pique, foram montados os edifícios e as lu-minárias elegantes da cidade.

E as águas do mar são diferentes das águas da lagoa.

A gente sururu então ficou sozi-nha.

Formou-se deste então duas gen-tes: a gente sururu e o povo rico da cana.

De um certo modo, ao gosto do sururu, se somou o cheiro da cana. Alagoas então é de todo um pouco de cada pedaço.

Mas, ao contrário da maternida-de dos mariscos, os capins da cana se tornaram baionetas retocadas de sangue.

Na verdade, a cana nunca foi do-ce. Zumbi e os negros já desde sem-pre sabiam42.

O sururu também não é doce. Mas entre o doce e o salgado, e soma-do às mestiçagens das cantigas e do somatório das estórias todas, ele foi dando alma e corpo às gentes alago-anas43.

Por isso, é uma pena que o Farol

não derrame sua luz na Mundaú. O Farol nunca iluminou as lago-

as. Nas lagoas não navegam os navi-os. Mas, afinal o que trazem os na-vios? Nas lagoas apenas navegam os peixes, os homens e os mariscos adormecidos e preguiçosos: o bagre, o mandim, o siri, o caranguejo e o su-ruru enfiado na lama44.

Mas, afinal, se toda festa tem um tempo, qual o tempo sururu?

Sururu, cultura oral sururu. Sines-tesias: pureza aberta e sem perigo. Sinestesias: um dia um branco to-mou caldo de sururu e ficou doido. Sururu: comida dos pobres:

“Nossa miséria é a nossa rique-za”45.

Que ressuscitemos todas as histó-rias

E que no banquete das mestiça-gens periféricas

E na festa de todos os povos res-surgentes

Morram colonizadores e coloniza-dos46.

E que por dentre o barro e cheiro da lama

E no somatório de todas as ima-gens, a Mundaú central,

E nela a gente sururu seja imensa Feito um oceano sem margens47. No somatório de todas as águas.

* É músico, compositor, poeta e articulador cultural, Gra-

duado em Sociologia, Mestre em Antropologia e Doutor

em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco

e, atualmente é professor da Universidade Estadual de

Alagoas (Uneal, Campus I) e da Seune (Sociedade de En-

sino Universitário do Nordeste).

que deu origem a modalidade do

nominaria de “Xangô rezado bai-

rática única em todo o Brasil. Por

de um pouco os meandros da es-

de da cultura da violência em Ala-

os, e as evidências sinalizam

tido, que a atual não existência

naval de rua com uma marcan-

ça popular, se deve ao trauma do

da quebra dos terreiros. Antes

era comum na cidade de Maceió

a dos cortejos dos Maracatus du-

rnaval e festas religiosas. Toda-

diáspora dos cultos afros, o Mara-

oucos foi desaparecendo e o car-

e tornando uma festa esvaziada

as populares.

13 de Maio, situada no bairro do

onstruída em homenagem a da-

orativa da libertação dos escra-

encontra a estátua erguida em

em da Mãe Preta, a figura mater-

rava mãe de leite

ologia dos fatos, tanto Calabar

mbi vieram antes dos Marechais.

penas os Marechais têm sido his-

te representados?

me Roggato. Devemos a ele o pri-

e rodado em Alagoas, “Casamen-

io?” rodado em 1933. O filme, re-

magens alagoanas da década de

eria em seu elenco o lendário Ma-

cio da Silveira e o ator Moacir Mi-

randa. Em uma de suas cenas mais signifi-

cativas, o Pontal da Barra e belas imagens

da lagoa Mundaú. 27 Celso Brandão, um do mais representati-

vo fotógrafo de Alagoas. Descendente de

uma família profundamente ligada à pre-

servação das culturas populares – Theo

Brandão, José Aloísio Vilela - ele tem a tra-

jetória de sua obra marcada pelo incansá-

vel registro das culturas e tipos populares.

Além de fotógrafo, ele é também cineasta

e, no geral os seus curtas-metragens (Pon-

to das Ervas, Memória da Vida e do Traba-

lho, etc.) são registros das culturas popula-

res. É ainda de sua autoria o “Pesca Suru-

ru”, um registro etnográfico sobre a cata-

ção de sururu na lagoa Mundaú. 28 Tanto Jorge de Lima quanto Lêdo Ivo são

escritores envolvidos com uma temática in-

serida em um imaginário alagoano. Já na

década de 1930, em seu romance O Anjo,

Jorge de Lima escrevia:

Sururus existem em quase todas as lagoas

do Brasil. Porém os desta lagoa [Mundaú,

de Maceió], devido a circunstâncias espe-

ciais explicadas pelos naturalistas, como

mistura de água do mar com águas dos ri-

os que deságuam na lagoa, e outras cau-

sas, tornam-se como que degenerados,

pequenos, gordinhos, gostosíssimos (Li-

ma,1977:52). 29 Mestre Zumba, nascido na cidade lacus-

tre de Santa Luzia do Norte, na beira da la-

goa Mundaú, era filho- de- santo e parente

de Tia Marcelina. Zumba foi um artista plás-

tico que durantes décadas era visto ven-

dendo suas telas pelo centro da cidade de

Maceió. Em suas imagens, uma alagoani-

dade composta por negros e uma Alagoas

primitiva com imagens enraizantes de co-

queirais, lagoas e praias. 30 Trata-se aqui de acentuarmos o forte va-

lor nutritivo do sururu. Popularmente diz-

se tomar na fraqueza a possível sensação

de tontura que as pessoas sentem ao to-

mar pela primeira vez o caldo de sururu. 31 Mestre Deodato, alagoano nascido na re-

gião da levada perto da lagoa Mundaú, e

atualmente com mais de 80 anos, além de

um grande contador de estórias, é aponta-

do como o melhor artesão de madeira do

Brasil. 32 Os bairros de Ponta Grossa, Levada, Pon-

tal, Bebedouro e Rio Novo são bairros la-

custres. No entorno deles se concentram o

maior número de mestres de Alagoas. 33 Trata-se da evocação de uma ambienta-

ção de efervescência de rituais e de fes-

tas enquanto movimentos necessários pa-

ra a consolidação de elementos culturais ti-

picamente alagoanos. Assim, Macumba, li-

amba e coco, são evocados enquanto ele-

mentos dionisíacos e fundamentais na am-

bientação de uma matriz cultural de ori-

gem negra. 34 Trata-se de uma crítica à prática preda-

tória do turismo de massa enquanto um

produto típico de uma modernidade vazia.

Ao tempo em que também sinalizamos (co-

mo veremos em seguida) para a necessida-

de de um olhar descolonizador voltado pa-

ra os nossos interiores alagoanos. De res-

to, interiores com paisagens distintas das

imagens litorâneas com imagens satura-

das de Sol e Mar.

Um olhar descolonizado e voltado para as

coisas alagoanas deverá ser descortinado

através de uma geografia pontuada por pe-

quenas lagoas e rios, lugares de ricos aci-

dentes geográficos e ricas e exuberantes

em culturas populares. 35 Em Alagoas ainda existe algo em torno de

sessenta lagoas espalhadas pelos interio-

res e ao redor delas, um verdadeiro relicário

da culinária alagoana e espaços de perma-

nências das culturas populares alagoanas. 36 Trata-se de um crustáceo existente nas

regiões lacustres mangues, rios e man-

gues. De forte valor nutritivo, ele é um dos

frutos do mar que compõem a culinária ala-

goana. 37 Ou seja: praticar a antropofagia a exem-

plo do que fizeram os caetés com o portu-

guês branco e colonizador.

O que está em jogo com este enunciado é

não apenas apontar para elementos atávi-

cos e primitivos (tomar banho de lagoa e co-

mer caranguejo Uca com as mãos) na de-

fesa de uma cultura tipicamente alagoana,

mas, sobretudo de apontar e firmar pontos

de resistência afim de que possamos pre-

servar uma espécie de matriz alagoana no

movimento particular de nossas mestiça-

gens. 38 Quando o banho de mar ainda não havia

se tornado uma prática glamurosa das eli-

tes, a Bica da Pedra, o banho no Cardoso e o

Catolé eram espaços lacustres e fluviais co-

nhecidos enquanto espaços de vivências,

recreações e lazer. 39 O Bar das Ostras foi um bar muito conhe-

cido e freqüentado em Maceió durante as

décadas de 40, 50 e 60 do século passado.

Ele se tornou famoso em virtude de sua cu-

linária à base dos frutos oriundos das geo-

grafias culturais alagoanas.

40 Era essa uma das referências a Alago-

as, quando nas primeiras décadas do sécu-

lo XX o sururu era amplamente consumido

e compartilhado no imaginário alagoano. 41 Trata-se de assinalar aqui as mudan-

ças ocorridas no espaço urbano de Maceió

em decorrência do processo de desenvol-

vimento da modernidade, quando em con-

seqüência do avanço de novos espaços ur-

banos, as elites alagoanas da capital passa-

ram a ocupar a região das praias. De passa-

gem lembramos que a valorização das prai-

as enquanto um espaço saudável e de la-

zer, é uma construção tardia da modernida-

de. No começo do século as praias eram lu-

gares desertos e dentre outras coisas, uti-

lizadas para depósito de lixo e dejetos.

Assinala-se também aqui, que um dos tra-

ços da modernidade alagoana - e fugiriam

também da zoadas dos batuques, do coco

e das macumbas – foi a instalação de uma

cultura urbana e de elite apartada das geo-

grafias e dos movimentos das culturas po-

pulares. 42 A referência nesse contexto é à escravi-

dão, uma relação social historicamente as-

sociada à exploração da cana-de-açúcar é

fundamental na solidificação de uma teia

de poder associada a cultura da violência. 43 O sururu está sendo colocado aqui en-

quanto uma alegoria da mestiçagem alago-

ana. 44 Mais uma vez aqui, uma referência crítica

à modernidade alagoana. Enquanto meio

de transporte os navios foram os veículos

do desenvolvimento do colonialismo e con-

solidação da modernidade.

Neste contexto, a referência à iluminação

das lagoas, está apontando para um olhar

voltado para o interior de Alagoas, para as

particularidades da flora, os coqueiros, so-

bretudo, a fauna lacustre, o bagre, o man-

dim, o caranguejo, etc. 45 Frase de Tavares Bastos. 46 A morte de colonizados e colonizadores

– pólos de um mesmo núcleo, a coloniza-

ção – é imprescindível para o nascimento

de um olhar descolonizado e voltado para

um imaginário das coisas alagoanas. 47 Um oceano sem margens. Frase extraída

de um poema do poeta Zé Paulo do municí-

pio de Pão de Açúcar lá pelas bandas do al-

to sertão de Alagoas, beira do São Francis-

co.

Manifesto SURURU POR MÁCLEIM CARNEIRO *

umbigo. No mês em comemora o folclore,

nifesto Sururu encon-perfeitamente contex-ado. Infelizmente, só ossível servi-los, ago-pequenas porções do

fumegante que encon-a caldeirada das pági-

manifesto. o há como ficar indife-ao aroma e sabor do

údo de tal caldeirada, vejamos: “O Manifes-uru quer muito pou-uem sabe um pouco do que exercitar um olhar: um olhar aten-

sobre as coisas ala-s. O Manifesto Suru-mbém fala da fome. a fome comum, mas

me de devorar as Ala-Contra as derrapagens a modernidade vazia,

uma outra assinalada de coisas alagoanas. O Mani-festo Sururu se alegra com a folia dos meninos de rua, com os guerreiros e com as tradições alimentadas pelos povos periféricos. Manifes-to Sururu: mistura e asso-ciação de moluscos, peixes, águas, negros, cafuzos, mo-renos e de todas as mesti-çagens possíveis das gentes alagoanas. Manifesto Suru-ru: do vale do Mundaú pa-ra onde houver lagoas. Suas heranças são imagens, suas comidas e seus pais ances-trais. Assim: Calabar é nos-so e, sobretudo Zumbi dos Palmares: migrantes deslo-cados da colônia central”.

Apesar da aura de ma-nifesto, percorrê-lo página a página é descobrir a singele-za implícita em alguns per-

sonagens da cultura alagoa-na: “Penso em imagens ala-goanas. Penso que uma de-las é a Mestra Ilda do co-co tomando (no mínimo) caldinho de Sururu na bei-ra da Mundaú. Uma ou-tra ainda seria pensar a Tia Marcelina como se ela fos-se Nossa Senhora dos Praze-res. No fundo somos gente-sururu e por isto trazemos nos olhos as imagens de to-das as águas”.

O substancioso texto do Edson despertou minha per-cepção (que andava ador-mecida) para nossa essên-cia étnica: “Somos ainda a derradeira sobrevivência (e isto é fantástico) do exter-mínio do povo Caeté. Em nossa veia alem do povo Caeté, pulsa sangue negro. Os brancos nos trouxeram a

mistura e (também) a mor-te. De todo modo, mesti-ços de índios, negros e bran-cos, estamos vivos. Cúmpli-ces da modernidade temos o barro e a lama debaixo dos edifícios e dos asfaltos das ruas. Somos filhos de uma cidade restinga”.

Percebo, a essa altura do espaço que me é permitido que, partes significantes e cheias de “sustança” do Ma-nifesto Sururu, não caberão nessas doses que lhes sirvo agora, caro(a) leitor. Prome-to então, voltar, na próxima edição, a esse tema saboro-so e necessário. Não vou fe-char a tampa e sim abanar o fogo para que o manifes-to fumegue e deixe no ar seu aroma incitando a ale-gria. “Temos muitas dívidas: para com a morte de Tia

Marcelina, por exemplo. E temos muitas outras. Uma delas é a seguinte: a Pra-ça 13 de Maio deveria ficar na Praça dos Martírios e a estátua do negro Zumbi no pedestal no lugar do Mare-chal. Assim faríamos muitas festas e celebraríamos me-lhor o sincretismo de nossas mestiçagens. Quem sabe en-tão ele, Zumbi, não rezaria uma missa pra depois dan-çar Xangô? Nós repudiamos o etnocídio e proclamamos todos a uma grande alegria. Viva a alegria de todas as festas. Quem antecedeu os Marechais foi Zumbi e antes dele, Calabar. Viva a subver-são e a liberdade”. * É músico e ????.

------------------------ 1Jornal Extra de 22 a 28 de Agosto, 2004, Ca-

derno Cultura

“O Manifes-to Sururu quer muito pouco. Quem sabe um pouco mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coi-sas alagoa-nas. O Mani-festo Sururu também fala da fome.”

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GAZETA DE ALAGOAS, 07 setembro 2013, Sábado 6 SaberGAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 20136

O Sururu da grande lagoa mãe –

ENTRE O NUTRITIVO

E O CULTURAL POR THERESA SIQUEIRA *

Percorro a orla da grande Lagoa Mundaú, e vejo os sururus ainda no capote, aos montes pa-ra a catação. Nas calça-das, homens, mulheres, crianças, todos envolvi-dos nesse processo. Gen-tes-sururus, que como a Lagoa, resiste e enfren-ta a violência do caos e da poluição. Nesse traje-to, penso no Manifesto Sururu enquanto um gri-to que faz ecoar as possi-bilidades de resistência.

Reflito sobre as mulhe-res que moram na bei-ra da lagoa, mulheres na catação e tantas outras que moram e se amon-toam no Brejo do Pas-sarinho, moram nas fa-velas e, também aquelas que residem nos Conjun-tos Virgem dos Pobres I, II e III.

Em 2003, quando ori-entamos alguns Traba-lhos de Conclusão de Curso de Nutrição com o objetivo conhecer os saberes e as práticas alimentares das mulhe-res (gestantes, puerpe-ras, nutrizes) moradoras do Conjunto Virgem dos Pobres III, o que so-bressaiu nas falas dessas mulheres foram os ali-mentos industrializados, as sardinhas enlatadas, os macarrões instantâne-os da moda “nissin mi-ojo”, o pão, a carne de charque, os refrigeran-tes de cola entre outros. (CARVALHO, 2004; FER-RO, 2004) Mas também havia ali a vivência no Sururu. O Sururu esta-va lá, nas falas, nos sa-beres e nas práticas ali-mentares. Alimento nu-tritivo, protéico, rico em cálcio, fósforo e também gerador de renda, cultura e história. Alimento este tão próximo e tão distan-te...

O Olhar sobre o Suru-ru nos leva a refletir so-bre a soberania alimen-tar e o resgate da cul-tura alimentar. Segundo o Conselho de Segurança alimentar e Nutricional CONSEA a cultura ali-mentar faz parte de nos-so patrimônio. Há mui-tos fatores associados a desvalorização de nossos alimentos regionais. De acordo com a II Confe-rência de SAN a cultura alimentar deve ser valori-zada, partindo do resgate de hábitos alimentares, produtos e espécies histo-ricamente inseridas nos sistemas alimentares lo-cais/regionais. Sendo ne-cessário para isso, o esti-mulo às iniciativas inter-disciplinares de pesquisa e a promoção de estudos que favoreçam a identi-ficação e conhecimento das culturas alimentares das diversas regiões e et-nias, uma vez que:

“A escolha dos alimen-tos, sua preparação e con-sumo estão relacionados com identidade cultural – são fatores desenvolvidos ao longo do tempo, que distinguem um grupo so-cial de outro e que estão

intimamente relacionados com a história, o ambi-ente e as exigências espe-cificas impostas ao grupo social pela vida do dia-a-dia”. (CONSEA,2004)

No que diz respeito a soberania alimentar, o documento do CONSEA define ainda que esta condição só se efetivará mediante a prática da li-berdade em que os povos decidam o que será pro-duzido, como será a pro-dução e o que e como se-rá consumido, respeitan-do a cultura alimentar. Ainda de acordo com o documento:

“A cultura alimentar é um patrimônio valioso que precisa ser preserva-do. Para isso, um primei-ro passo é criar as con-dições para que a socie-dade conheça sua história agrícola e alimentar, va-lorizando esse patrimônio enquanto tal.” (CONSEA, 2004)

Reflito também sobre as pesquisas acadêmicas sobre o valor nutritivo do Mytella Falcata ou Mytel-la Charruana., popular-mente conhecido como Sururu. Parece que es-sas pesquisas ainda estão bem distantes das comu-nidades-sururus. Precisa-mos popularizar o conhe-cimento cientifico, para quê ciência seja populari-zada, democratizada. Se as classes populares que vivem desse molusco mal sabem dos estudos cientí-ficos sobre ele. Não têm acesso a tais estudos.

E o Manifesto nos faz refletir sobre isso, con-clamar todos para o de-bate sobre o patrimônio alimentar que temos na nossa grande Lagoa Mãe.

Finalmente, voltando ao meu percurso inicial da Orla Lagunar Mun-daú, lembro do Cais da Levada e que quando criança acompanhada de meu pai, atravessávamos a lagoa em direção a Co-queiro Seco. Nessa lem-brança, reflito junto ao personagem do livro Ca-lunga de Jorge de Lima:

Nesse tempo longe, ain-da não tinha olhos capa-zes de ver o que vinha ven-do agora, ao voltar as coi-sas e a ao povo da in-fância, ao começo da vi-da, que era como uma ter-ra em começo... (LIMA, 1943)

E nessa terra que ain-da está em começo, em rebuliço, lemos que o Manifesto:

“(...) quer muito pou-co. Quem sabe um pou-co mais do que exercitar um certo olhar: um olhar atento por sobre as coi-sas alagoanas. O manifes-to sururu não quer apos-tar e nem pousar em ou-tras imagens. O que ele procura é exercitar olhos e sentidos por sobre (e dentre) antigas e perma-nentes imagens das coi-sas alagoanas...” (BEZER-RA, 2004) * É nutricionista, Mestre em Saúde Pú-

blica pela Escola Nacional de Saúde Pú-

blica/FIOCRUZ).

O Patrimônio das Alagoas, em defesa da soberania e da cultura alimentar

DESPINICANDO O SURURU

da cultura oficial POR RONALDO TORRES *

“Colonialismo ideoló-gico consciente de alguns intelectuais que moram nas almofadas do poder, abraçando-as, defenden-do-as como filhos. (...)”

Assim Cláudio Canuto inicia o seu intróito em manifesta defesa do “Ma-nifesto Sururu”, publica-da no dia 03 de outubro na Tribuna de Alagoas, sob o título “Sururu apre-senta sua grande coura-ça”.

Cláudio Canuto, soció-logo, escritor e jornalis-ta,conhece de letra o que é a cultura alagoana, o que é a literatura alago-ana e, principalmente, o que é o sururu da Lagoa Mundaú, e ninguém me-lhor do que ele para ava-lizar o chamado Manifes-to Sururu, um movimen-to que segue na contra-mão da cultura oficial das Alagoas.

Apesar da coerência que rege a fundamen-tação ideológico-cultural do texto em questão, sou completamente céti-co quanto aos rumos da bandeira levantada em pró da cultura alagoana, haja vista outros projetos de igual teor ter sido joga-do na vala comum do es-quecimento. No ano pas-sado, o Governo do Es-tado, em noite de gala, inaugurou uma nova po-lítica para a nossa cul-tura, cuja ação, se posta em prática, tiraria Alago-as do marasmo em que se encontrava. Lamenta-velmente existiu um lon-go corredor entre a pala-vra e a ação e as boas in-tenções foram enterradas na inanição ou má vonta-de de seus executores.

Infelizmente os atos evidenciam um fato, em-bora haja algumas exce-ções: Alagoas é uma ter-ra de amadores. As polí-ticas públicas para a cul-tura são amadoras. Os pa-trocinadores são amado-res, os artistas são ama-dores e os veículos de comunicação conseguem se superar no amadoris-mo. O artista brinca de ser artista. O Governo brinca de fazer cultura. A imprensa faz de con-ta que divulga. O públi-

co, que seria o consumi-dor final, o cliente a ser cativado, a ser conquis-tado, de repente se tor-nou a válvula de escape do mau humor dos diri-gentes culturais que atri-buem a ele, o público, a culpa pela incompetência gerencial dos promotores dos eventos culturais. Re-centemente, no show de abertura do Projeto Pixin-guinha, os nossos “pro-moter’s” deram uma au-la de sandice adminis-trativo-cultural ao colocar o artista alagoano Basí-lio Sé para encerrar um show do grupo Época de Ouro, um conjunto de chorinho e que tem o seu público cativo entre os “jovens” da meia-idade, os saudosistas de Jacob do Bandolim. Outra coi-sa não poderia ter aconte-cido, senão uma revoada do povo ao final da apre-sentação do artista maior, exibindo sorrisos de sa-tisfação pelo reencontro com os anos doirados da década de sessenta. Após uma overdose de saudo-sismo, não havia espaço nem clima para um outro estilo musical.

Dias depois, dois jor-nais da cidade publica-ram artigos de alguns colunistas envolvidos de corpo e alma com a nos-sa administração cultural – desconfio até que se-jam os verdadeiros res-ponsáveis pela gafe –, cri-ticando e culpando o pú-blico pela estupidez de uma carapuça que só ca-bia a eles, os gerentes cul-turais. O que fizeram com o Basílio Sé, comparan-do com o momento atu-al, equivale a um candi-dato da majoritária subir no palanque no início do comício, discursar, descer e ir embora, deixando os candidatos a vereador a ver a dispersão dos eleito-res no rastro do candida-to a prefeito.

O problema de certos manifestos é que se limi-tam ao próprio gueto cul-tural, ignorando a presen-ça do público lá fora. Sal-vando as raras exceções, o artista alagoano acha que o público é quem de-ve ir onde o artista está, e

não o inverso. É como se dissesse: “eu me basto”.

Cultura, para certos ar-tistas, é o que está liga-do ao seu umbigo. Quan-do mete o pé em um car-go da “viúva”, trata lo-go de puxar a brasa para sua sardinha. Pensa no in-dividual, em prejuízo do coletivo. Patrocina certas figurinhas do seu círcu-lo de amizade em detri-mento do verdadeiro ar-tista, aquele que sobe no palco e expõe sua alma para o público, certo de atingir um objetivo, po-rém a voz das massas em-bevecidas e reconhecidas do seu talento não ressoa além dos paredões blin-dados dos interesses mes-quinhos e individuais da-queles que podem fazer acontecer.

Assim, em vez do Ma-rechal Deodoro apear do seu cavalo para que um lí-der legítimo tome as ré-deas da História, confor-me o implícito no Mani-festo Sururu, vemos o ex-plícito puxa-saquismo de pseudos líderes puxan-do as rédeas do cava-lo de algum marechal de plantão no poder públi-co em total atitude de subserviência e incorpo-rando o servilismo brutal à gente descomprometi-das com a cultura alago-ana, mas que ocupa car-go por mera indicação po-lítica. Quem haverá de es-quecer de um secretário de Cultura  que, no dis-curso de posse, disse: “A única cultura que enten-do é a do fumo”? São pessoas assim, que acham que “ópera-bufa” tem a ver com flatulência intes-tinal, que pululam na nos-sa cultura oficial. Oxalá o “Manifesto Sururu” não seja apenas um rompan-te passageiro de indigna-ção de alguns e que, tal qual o molusco nos últi-mos tempos de matança da poluída Mundaú, não se asfixie nos gases vene-nosos formados pela es-tagnação das suas traiço-eiras águas.

No presente caso, as águas deslumbrantes e sedutoras do Poder Públi-co. * É ?????.

CELSO BRANDÃO

Quilombos de Limoeiro

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Sábado, 07 setembro 2013, GAZETA DE ALAGOAS Saber 7GAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 2013 7

O barco O Museu no Balanço das Águas se pre-para para novos desafios artísticos, levando experi-ências e os nossos cora-ções amanhecidos de espe-rança. Corações de artistas acostumados aos solavan-cos da vida e à suavidade dos sonhos.

Mais uma viagem se aproxima. O barco-museu, este braço sertanejo da Coleção Karandash, mais uma vez corre as águas do velho rio, aportando arte e educação a localidades do baixo São Francisco. Co-munidades carentes, dis-tantes dos centros urbanos de municípios como Pão de Açúcar e Piranhas. Po-voados carentes? Sim, não há saneamento nem torres de celulares ou banda lar-ga. Mas ricos, porém, de cultura, cheios de inspira-ção e sensibilidade artísti-ca aflorada por todos os la-dos – pode-se ver isso nos olhos dos meninos e das meninas de lá.

A cultura que vai da pesca à escultura e do co-zinhado ao bordado. Sim, esses lugares, povoados às margens do grande rio, que viveram recentemen-te as dificuldades da seca (“Os bichos tinham água, mas nada o que comer”, lembra o jovem escultor Bedeu), são carentes, mui-tas vezes, de assistência pública, mas a cultura lá é tão forte que sublima tu-do isso e traz alegria e co-

mercio (com os bordados, as esculturas) – e nós, den-tro das nossas possibilida-des, chegamos ali para le-var novos conhecimentos, algumas técnicas: os nos-sos saberes, digamos, eru-ditos – urbanos. Em troca, aprendemos tanto.

BEM VINDO RUBEM GRILO Este ano, O Museu no

Balanço das Águas rece-be o grande artista Ru-bem Grilo, que traz na ma-la centenas de papeis co-loridos, tesouras e colas, com propostas inovadoras de colagens de imagens para gravura. Adriana Ma-ciel, companheira de Ru-bem, também artista visu-al, mineira como ele – am-bos morando no Rio de Ja-neiro –, vem junto. Adri-ana dividirá comigo a ofi-cina de Artes. Trabalhare-mos especialmente o dese-nho de cenários e figuri-nos que servirão à constru-ção coletiva de um ser mi-tológico com a cara e a al-ma do rio São Francisco. É o que pretendemos – eu e Adriana. Os dois, Rubem e Adriana, estão anima-díssimos, curiosos e muito atenciosos. Nós também, com a expectativa de mais essa parceria.

No ano passado, traba-lhamos com o professor de animação Ricardo Elia, da Anima Escola, do Rio, e foi incrível ver o aprendiza-do da garotada nas aulas

POR MARIA AMÉLIA VIEIRA *

e depois o resultado dos filmes produzidos por eles durante três dias e exibi-dos no último dia em pra-ça pública – uma festa.

Em 2011 convidamos o grafiteiro paulista Zezão – que tem uma trajetória do grafite na metrópole e veio trazer essa arte para o Ser-tão, para a proa do barco O Museu no Balanço das Águas, para os muros e paredes dos povoados Ilha do Ferro e Entremontes – Pão de Açúcar e Piranhas, respectivamente: duas fa-bulosas cidades, o mesmo rio São Francisco, a fábula fluvial, as comunidades ar-raigadas numa tradição de cultura popular que ultra-passa as fronteiras do lu-gar.

As mulheres bordando delicados e exclusivos pon-tos do ‘boa noite’, do ‘ren-dendê’, os homens crian-do bonecos, desenhando e construindo móveis, uten-sílios do lar conhecidos em todo o país, feitos com a raiz e o tronco das craibei-ras e dos mulungus, crian-do alianças entre a cultu-ra popular e o design mo-derno nas grandes galerias em São Paulo e Rio e tam-bém fora do Brasil.

VELHOS AMIGOS O fotógrafo Juarez Ca-

valcanti, companheiro des-de as primeiras viagens, lá em 2008 – quando conse-guimos, pela primeira vez, que um projeto nosso fos-

se aprovado pelo “Progra-ma BNB de Cultura” –, continua na trupe. Tan-tas pessoas legais, profis-sionais competentes que eram amigos ou tornaram-se amigos: Rejeny Rocha, professora de arte-educa-tiva; o arquiteto e restau-rador Ricardo Lima; o Pe-dro Octávio Brandão, di-retor de documentário, e o assistente de arte Eduar-do Faustino; os escultores da Ilha do Ferro Valmir Li-ma, Aberaldo Sandes, Van-dinho, José de Tertulina; a bordadeira Rejânia Ro-drigues, filha do grande escultor popular Fernando Rodrigues (1928-2009); o diretor Gláuber Xavier, to-dos estes seres humanos especiais e outros mais que embarcaram conosco e agora, nesta nova jorna-da, O Museu no Balanço das Águas recebe o nosso grande Celso Brandão.

Celso trará a inestimá-vel experiência dele de grande fotógrafo que é, com oficina para as crian-ças e jovens das três comu-nidades da região. O bar-co-museu ancorará no mu-nicípio de Belo Monte e nessas outras duas comu-nidades famosas (com vo-cação comercial e turísti-ca), Ilha do Ferro e Entre-montes.

Celso Brandão e Jua-rez Cavalcanti prometem cuidadosos olhares para as imagens do lugar. Um olhar que, além do interes-se pelo estudo, pelo hábi-to de capturar momentos, fragmentar cenas, instan-tes, construir e reconstruir o que se vê, traz repetidas descobertas de uma região maravilhosa que tende a se renovar, que está cheio de objetos artísticos e on-de toda a gente quer mui-to mais – cada vez mais. Os artistas, artesões, orga-nizados em cooperativas. Os jovens e as crianças cheios de disposição – to-dos nós queremos muito alcançar novos horizontes.

Celso Brandão entra no grupo para fazer a festa acontecer em cliques expe-rimentais, buscando – ele diz – “a geometria”. Por úl-timo, mas não menos im-portante, o meu querido Dalton Costa, companhei-ro de todas essas viagens – ele que é um pilar, uma rocha firme, e que pro-põe este ano, em oficina destinada a crianças e jo-vens, uma reflexão sobre

a vida da paisagem ribei-rinha. Dalton inserirá uma atividade sustentável, pro-pondo a plantação de mu-das de árvores da região – as craibeiras e barrigu-das, os ingás e pau d’ar-co de várias cores. Para cada uma dessas comuni-dades, ele levará 20 mu-das que serão plantadas às margens do rio. A oficina cuidará de ensinar à garo-tada a fazer abrigos escul-tóricos que protegerão as novas árvores. Bem, sem dúvida elas se desenvolve-rão e darão sombra e ale-gria a todos. As mais boni-tas e bem cuidadas ganha-rão prêmios. E serão co-mo uma saudável e reno-vável lembrança de mais uma jornada do barco-mu-seu. Que perdurem, pois, por muitos e muitos anos.

É confortável dizer que o projeto de um barco-mu-seu, navegando por esse chamado rio da integração nacional, é uma experiên-cia abençoada – por deus e pelos amigos que fizemos em todos esses lugares.

E LA NAVE VA Que siga o barco San-

ta Maria (nome original da embarcação que um dia transportara passagei-ros de uma comunidade a outra e de uma margem a outra do rio, adquirida em 2010, para a primeira edição de “O Cinema no Balanço das Águas”). Este ano, todo reformado, ga-nhou também um motor novo e mais potente – hou-ve um investimento, para que assim possamos che-gar mais longe.

Uma tripulação precio-sa de 18 pessoas, entre ar-tistas instrutores, monito-res (incluindo um pesso-al escolhido entre jovens das comunidades, alunos experientes de outras edi-ções), artesãos, fotógrafos, cineasta. Paradas de três dias em cada lugar. Nós, os viajantes, carregados de malas e materiais lúdicos, buscando despertar, entre crianças, jovens e idosos, o desejo de fotografar, de desenhar e fazer filmes e, num sentido tão cinema-tográfico quanto simples-mente amoroso, animar o Sertão. Um prazer de ex-perimentação. O encontro com a arte e a liberdade. Leia mais na página 8 * É artista plástica e ....

Mais uma viagem se aproxima. O barco-museu, este braço serta-nejo da Co-leção Karan-dash, mais uma vez corre as águas do velho rio, aportando arte e edu-cação a localidades do baixo São Francisco.

PABLO DE LUCA

Maria Amélia no barco com

Dalton (ao fundo), jornada 2012

JORGE BARBOZA

O barco-museu foi todo

reformado

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GAZETA DE ALAGOAS, 07 setembro 2013, Sábado 8 SaberGAZETA DE ALAGOAS 07 DE SETEMBRO DE 20138

REFLEXÕES SOBRE UM BARCO-MUSEU: projeto Museu no Balanço das Águas POR ROBERTO SARMENTO LIMA*

A ideia de expor traba-lhos da área das artes vi-suais e promover oficinas de arte, fazendo interagir profissionais com pessoas desejosas de expressão ar-tística em um barco itine-rante, pode estar relacio-nada com a ideia, bem an-tiga, da viagem por águas profundas, como a que fez Ulisses, na “Odisseia”, de Homero, ou, mais recen-temente, como a que se vê no “Conto da Ilha Des-conhecida”, de José Sara-mago. Embora esses tex-tos não falem exatamente disso – o aproveitamento de uma experiência artís-tica em um barco ou na-vio —, o que há de comum entre a proposta de desen-volver atividades de pintu-ra, gravura, desenho e fo-tografia (ensinando, diver-tindo, levando à participa-ção) e as obras literárias há pouco apontadas é a possibilidade de, pela via-gem, ser possível também propiciar a reflexão sobre a arte no mundo, que é um fazer efetivo, e não um so-pro individual de inspira-ção, como há muito tem-po se pensou. O projeto O Museu no Balanço das

Águas, sob a organização e orientação do museu Cole-ção Karandash, através de seus representantes, os ar-tistas plásticos Dalton Cos-ta Neves e Maria Amélia Vieira, guarda essa sinto-nia com a aventura, o pra-zer e a busca do conheci-mento do novo (tema tan-to da “Odisseia” quanto do conto contemporâneo de Saramago, ambos di-alogando com a constru-ção da essencialidade hu-mana, o fazer-se enquanto se procura e busca um con-ceito de arte).

A vantagem de uma ex-periência como essa, na-da convencional, é bom in-sistir nisso – por fugir da sala e do ateliê, das por-tas fechadas e da reclusão, voluntária embora, em um espaço próprio e particu-lar, quase sacralizado, fa-to em que ainda se pen-sa, mesmo nos dias de ho-je –, é passar uma concep-ção, cada vez mais atual, de interação e desmistifi-cação desse tipo de ativi-dade. É poder encontrar, nos mais variados tipos de pessoas, de comunidades que por princípio não tive-ram acesso ao museu, sen-

tidos e expectativas que, no fim, podem ser apro-veitados artisticamente. É a arte que se pratica indife-rentemente – sem precon-ceitos ou elitismos de clas-se – na rua, no palco, na praça, nas margens do rio (no caso, o rio São Fran-cisco, não sendo à toa que tenha sido batizado Rio da Unidade Nacional), enfim, nos mais inesperados re-cantos de um Brasil ru-ral, posto à margem dos grandes centros. Por cha-mar atenção para o pró-prio fenômeno, por tirá-lo dos lugares consagrados e por envolver o maior nú-mero de pessoas, por de-finição alheias à visão que a arte traz, o projeto con-segue realizar o que o crí-tico Antonio Candido cha-mou, em um ensaio seu, de “direito”. Direito à ar-te, à capacidade de entrar em um mundo fabulado, seja pelo chiste, pela ane-dota, pela canção popular, até chegar às formas mais complexas de elaboração ficcional e artística. Che-gou a dizer o crítico, acer-tadamente, segundo pen-so, que a arte é um fato de equilíbrio social, indis-

pensável, portanto, ao ho-mem, como são indispen-sáveis a habitação ou a ali-mentação. Esse é também, pois, um direito a que o homem tem, além do di-reito ao acesso a bens in-compressíveis, como a ca-sa, o alimento, a roupa, o atendimento médico e a escola. Comida, diversão e arte, sentenciaram os Ti-tãs, grupo musical que, en-tre nós, se diferenciou, dos anos de 1980 para cá, por ser talvez o único, neste país, salvo engano, a re-fletir metalinguisticamen-te, no interior de suas com-posições, sobre a própria condição da arte na reali-dade contemporânea.

A iniciativa de trazer a arte para onde geralmente ela não está, ao menos em sua versão erudito-popular – sim, porque o que o pro-jeto prevê e faz é a união do estudo com a experi-ência, numa unidade que foi e é aquilo que foi ide-alizado pelo proponente –, sem estabelecer divisões e separatismos que só estra-gam e diminuem, se tives-se sido o caso, a importân-cia da proposta. Mas o que se presencia é justamen-

te o seu contrário: aten-dendo a uma prerrogati-va contemporânea, a arte, tal como o projeto dos ar-tistas Maria Amélia Vieira e Dalton Costa, com par-ticipação de Rubem Grilo, Adriana Maciel, Juarez Ca-valcanti e Celso Brandão, prevê, se faz com matéria bruta, com pessoas ainda não educadas nesse campo de atuação e prestes tam-bém a receber essa educa-ção, com recontextualiza-ção de materiais e, final-mente, com o apagamen-to da linha limítrofe entre o popular e o erudito, por meio de evidentes mesclas de estilos e atitudes artísti-cas. Dadas essas caracterís-ticas fundamentais, com-provadamente testadas e realizadas, convenho que o projeto deva se prolon-gar e continuar o trabalho de arte-educação e de con-tínuo reexame de seus fun-damentos e objetivos. * É professor Doutor de Teoria da Litera-

tura da UFAL; crítico literário com textos

publicados em livros, revistas especializa-

das na área e em revistas de divulgação,

como a Conhecimento Prático Literatura e

Conhecimento Prático Língua Portuguesa,

publicações bimestrais da Editora Escala

Educacional, de São Paulo, desde 2009.

Itinerário do Barco-Museu Neste dia 7 de setem-bro, o barco O Museu no Balanço das Águas, ancorado no municí-pio de Pão de Açú-car, a 250 km de Ma-ceió, no Sertão, volta a navegar por entre os municípios de Belo Monte (a 250 km da capital), Pão de Açú-car (230 km) e Pira-nhas (280 km), visitan-do três comunidades localizadas às margens do rio São Francisco. Trata-se do projeto “O Museu no Balanço das Águas 2013” realiza-do pelo museu Cole-ção Karandash de Arte Popular e Contemporâ-nea, este ano patroci-nado pela Funarte e pelo Sebrae-AL. A em-barcação segue em jor-nada de arte-educativa até o dia 15. As oficinas (de foto-grafia e artes visu-ais) começam em Belo Monte (dias 7, 8 e 9), seguindo para o po-voados Ilha do Ferro (em Pão de Açúcar, nos dias 10, 11 e 12) e Entremontes (Pira-nhas, 13, 14 e 15). São seis oficinas, três dias em cada comunidade, com sete horas/aulas por dia. Novos artis-tas foram convidados – daqui e de fora; ou-tros foram chamados de volta, como o fotó-grafo Juarez Cavalcan-ti, que trabalha com os artistas visuais, o casal Dalton Costa e Maria Amélia Vieira, tutores do museu e coordena-dores do projeto desde a primeira edição em 2008. Os estreantes são os mineiros cariocas Rubem Grilo e Adriana Maciel – que realiza-rão, respectivamente, as oficinas “Colagem – Papeis das Ima-gens”, de xilogravuras, e “Assim É, se lhe Pa-rece”, unindo cenogra-fia e artes visuais – e o fotógrafo e do-cumentarista alagoano Celso Brandão, convi-dado para realizar uma das disputadas ofici-nas de fotografia. Dal-ton Costa (Escultura) e Maria Amélia (Pintura e Desenho) completam o time.

JORGE BARBOZA

À esquerda, o escultor e artesão Aberaldo Sandes.

À direita, Os noivos, de Aberaldo Sandes

JORGE BARBOZA

JORGE BARBOZA

À esquerda, a união faz a força. À direita, Valmir em seu banco na boca

do vento

JORGE BARBOZA

JORGE BARBOZA

Crianças na boca do vento

DALTON COSTA

Garotos usam a técnica de pinhole para fotografar

JORGE BARBOZA

Lúdico

DIV

ULG

AÇÃO

Dalton e o barco