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II Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo Teorias e práticas na Arquitetura e na Cidade Contemporâneas Complexidade, Mobilidade, Memória e Sustentabilidade Natal, 18 a 21 de setembro de 2012 1 Friches Industrielles no extremo sul do Brasil: “degradação comum para perspectivas incertas” Friches Industrielles in southern Brazil, "degradation common to uncertain prospects" Friches Industriales en el sur de Brasil, "la degradación de común a las inciertas perspectivas" 1. Solismar FRAGA MARTINS Dr.em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professor Adjunto IV do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio grande; [email protected] 2. Natalia Daniela SOARES SÁ BRITTO Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande; [email protected] RESUMO O artigo examina os contextos de formação e situação das Friches Industrielles no extremo sul do Brasil, através do estudo de caso nas cidades de Pelotas e Rio Grande. Estas cidades passaram por ciclos de industrialização similares, sucedidos por crises econômicas despontando no surgimento de edificações fabris abandonadas. Essas construções inseridas na cidade perderam sua função produtiva e hoje representam espaços ociosos ou com função (não industrial) aquém da estrutura ali instalada. Na atualidade, estas cidades apresentam processos distintos de inserção destas estruturas abandonadas à dinâmica urbana. PALAVRAS-CHAVE: Friches Industrielles, vazios, Pelotas, Rio Grande ABSTRACT The article examines the contexts of training and status of Friches Industrielles in southern Brazil, through the case study in Pelotas and Rio Grande. These cities have gone through similar cycles of industrialization, economic crises resulting succeeded by the emergence of abandoned factory buildings. These buildings included in the city have lost their productive role and today represent empty spaces or function (not industrial) below the structure installed there. Today, these cities have different processes for inclusion of these abandoned structures to urban dynamics. KEY-WORDS: Friches Industrielles, empty, Pelotas, Rio Grande RESUMEN El artículo examina los contextos de la formación y el estado de Friches Industriales en el sur de Brasil, a través del estudio de caso en Pelotas y Río Grande. Estas ciudades han pasado por ciclos similares de la industrialización, las crisis económicas derivadas sucedido por la aparición de edificios de las fábricas abandonadas. Estos edificios se incluyen en la ciudad han perdido su rol productivo y en la actualidad representan espacios vacíos o de la función (no industrial), por debajo de la estructura instalada allí. Hoy en día, estas ciudades tienen diferentes procesos para la inclusión de estas estructuras abandonadas a la dinámica urbana. PALABRAS-CLAVE: Friches industrielles, vacante, Pelotas, Rio Grande

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O artigo examina os contextos de formação e situação das Friches Industrielles no extremo sul do Brasil, através do estudo de caso nas cidades de Pelotas e Rio Grande. Estas cidades passaram por ciclos de industrialização similares, sucedidos por crises econômicas despontando no surgimento de edificações fabris abandonadas. Essas construções inseridas na cidade perderam sua função produtiva e hoje representam espaços ociosos ou com função (não industrial) aquém da estrutura ali instalada. Na atualidade, estas cidades apresentam processos distintos de inserção destas estruturas abandonadas à dinâmica urbana

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Friches Industrielles no extremo sul do Brasil: “degradação comum para perspectivas incertas”

Friches Industrielles in southern Brazil, "degradation common to uncertain prospects"

Friches Industriales en el sur de Brasil, "la degradación de común a las inciertas perspectivas"

1. Solismar FRAGA MARTINS Dr.em Geografia pela Universidade Federal de Santa Catarina; Professor Adjunto IV do Instituto de Ciências Humanas e da Informação da Universidade Federal do Rio grande; [email protected]

2. Natalia Daniela SOARES SÁ BRITTO Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Rio Grande; [email protected]

RESUMO O artigo examina os contextos de formação e situação das Friches Industrielles no extremo sul do Brasil, através do estudo de caso nas cidades de Pelotas e Rio Grande. Estas cidades passaram por ciclos de industrialização similares, sucedidos por crises econômicas despontando no surgimento de edificações fabris abandonadas. Essas construções inseridas na cidade perderam sua função produtiva e hoje representam espaços ociosos ou com função (não industrial) aquém da estrutura ali instalada. Na atualidade, estas cidades apresentam processos distintos de inserção destas estruturas abandonadas à dinâmica urbana.

PALAVRAS-CHAVE: Friches Industrielles, vazios, Pelotas, Rio Grande

ABSTRACT The article examines the contexts of training and status of Friches Industrielles in southern Brazil, through the case study in Pelotas and Rio Grande. These cities have gone through similar cycles of industrialization, economic crises resulting succeeded by the emergence of abandoned factory buildings. These buildings included in the city have lost their productive role and today represent empty spaces or function (not industrial) below the structure installed there. Today, these cities have different processes for inclusion of these abandoned structures to urban dynamics.

KEY-WORDS: Friches Industrielles, empty, Pelotas, Rio Grande

RESUMEN El artículo examina los contextos de la formación y el estado de Friches Industriales en el sur de Brasil, a través del estudio de caso en Pelotas y Río Grande. Estas ciudades han pasado por ciclos similares de la industrialización, las crisis económicas derivadas sucedido por la aparición de edificios de las fábricas abandonadas. Estos edificios se incluyen en la ciudad han perdido su rol productivo y en la actualidad representan espacios vacíos o de la función (no industrial), por debajo de la estructura instalada allí. Hoy en día, estas ciudades tienen diferentes procesos para la inclusión de estas estructuras abandonadas a la dinámica urbana.

PALABRAS-CLAVE: Friches industrielles, vacante, Pelotas, Rio Grande

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1. INTRODUÇÃO

A existência de áreas ociosas nas cidades brasileiras tem colocado na pauta das discussões urbanas a necessidade de otimização dos espaços vazios da cidade, tema este indispensável entre os projetos que almejam um desenvolvimento urbano sustentável. A concentração de estruturas subutilizadas ou abandonadas, principalmente em localidades permeadas por infraestruturas urbanas e equipamentos de consumo coletivo, coloca em cheque as estratégias locais para a intervenção nestas espacialidades, já que estas infraestruturas afloram como produto escasso e supervalorizado na cidade capitalista. Encampadas por agentes públicos e/ou privados, estas estratégias procuram, em sua maioria, reorganizar os territórios a partir da incorporação de novos usos e funções espaciais.

O surgimento de áreas ociosas e degradadas no espaço intra-urbano está vinculado às transformações nos processos econômicos e tecnológicos, observados nas cidades abaladas por crises econômicas onde ocorre a desindustrialização ou diminuição do setor industrial. Nestas cidades, as mudanças nos processos econômicos e produtivos implicam diretamente numa nova dinâmica urbana, tendo como resultado uma série de alterações nos padrões de estruturação, produção e organização dos territórios, o que leva ao surgimento de uma gama de estruturas abandonadas.

Segundo Lefèbvre (1974), a introdução de parques fabris altera a forma, as estruturas e as funções citadinas, decorrentes da introdução de uma base técnica, condição principal da produção capitalista. (QUAINI, 1979:66). Isto significa que a indústria enquanto processo produtivo não produziu somente objetos, mas uma sociedade específica e seu espaço de reprodução, com estruturas e funções capazes de subsidiar seu desenvolvimento. No entanto, quando a função fabril deixa de existir, a forma também se altera, já que a pregressa visão de espaço produtivo passa a ser visto como espaço de decadência e abandono numa perspectiva de marginalização.

O presente artigo propõe analisar os antigos espaços de produção industrial que na atualidade encontram-se abandonados ou subutilizados, sob a luz do conceito das Friches Industrielles. O uso deste conceito auxilia na caracterização dos espaços vazios, abandonados ou subutilizados da cidade, que no passado tiveram como função principal a atividade industrial ou ligada à indústria. Estas estruturas perderam sua função produtiva e hoje representam espaços ociosos ou com função (não industrial) aquém da estrutura ali instalada.

Nesta proposta serão analisados dois estudos de caso que tratam das cidades do Rio Grande e Pelotas, cidades portuárias no sul do Rio Grande do Sul e que tiveram uma pujante indústria no final do século XIX e começo do século XX. Transformações ocorridas na segunda metade do século XX como decadência econômica, novas tipologias industriais e a necessidade de maior espaço para as fábricas provocaram um abandono dos velhos espaços industriais próximos aos antigos portos.

Tal fato tem provocado consequências controversas para as duas cidades já que em Rio Grande onde ocorre uma nova dinâmica econômica em virtude da implantação do Polo Naval, a partir de 2005 com a indústria metal-mecânica, os espaços continuam ociosos na mais pura especulação rentista, com retração pelas dívidas trabalhistas das antigas unidades fabris. Em Pelotas os antigos espaços industriais, junto a um porto praticamente desativado, vêm sendo adquiridos desde 1995 pela Universidade Federal de Pelotas com o objetivo de implantar seu novo “campus” através de várias unidades acadêmicas nas antigas indústrias. A perspectiva

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para essas friches ainda se mantém incerta, pois tanto a ocupação parcial por prédios da Universidade Federal junto à área portuária de Pelotas assim como o enleio na legislação trabalhista e interesses locais de caráter rentista e especulativo na cidade do Rio Grande emperram o processo de nova utilização para esses espaços.

2. HISTÓRICO E DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE FRICHES INDUSTRIELLES

O conceito de Friches, acompanhado pelos termos Industrielles ou Urbaines, designa os espaços que foram abandonados pela atividade industrial e que na atualidade encontram-se sujeitos à transformações em suas funções através da incorporação de novos usos sociais. Segundo MENDONÇA (2007, p.4), este conceito é utilizado geralmente para designar “um espaço, construído ou não, desocupado ou muito sem utilização, antes ocupado por atividades industriais ou outras atividades ligadas à indústria”.

O uso desta expressão de origem francesa deve-se à ausência de um conceito na língua portuguesa que defina exclusivamente estes espaços abandonados pela indústria. É importante ressaltar que embora haja em nossa língua uma série de termos que se aproximam semanticamente deste fenômeno, como vazios ou ruínas industriais, não há uma definição exata que coíba uma possível distorção de seu significado. Trata-se de uma diferença entre conceito e terminologia, onde uma aproximação simples pode desvirtuar a exatidão da definição dos espaços a serem analisados.

O estudo sobre as friches se desenvolveu primeiro na Europa devido às sucessivas crises econômicas do pós década de 1970. Estes estudos buscavam apontar as causas deste fenômeno, evidenciando sua importância, além de analisar as intervenções realizadas nestas áreas, concebidas enquanto políticas de recuperação econômica e social das cidades afetadas pelas crises econômicas e pela desindustrialização.

Sobre o histórico do conceito, Mendonça (2007, p.4) lembra que este se desenvolveu primeiramente na França, em 1966, com os estudos do geógrafo Jean Labasse que desenvolveu o conceito de “Friches Sociales” (vazios sociais) associado aos conceitos de “ciclos industriais”. A “descentralização industrial” foi destacada nas dimensões econômicas, sociais e espaciais do processo de desindustrialização ocorrido na França nas décadas seguintes do pós-guerra, assim como na Alemanha tal conceituação foi desenvolvida sendo vinculada ao estudo da evolução da paisagem, tendo como principal expoente o geógrafo Wolfgang Hartke.

Após a década de 1970, os estudos sobre as friches passaram a analisar estas estruturas desativadas sobre o ponto de vista arquitetônico e jurídico, fornecendo informações e evidenciando as diversas experiências de retomadas destes espaços. Segundo Mendonça:

“De fato, cidades afetadas por crises econômicas, principalmente velhas regiões e subúrbios industriais, precisavam revitalizar suas economias. Na França, esta situação demandou estudos de planejamento e ações governamentais para reverter tais problemas, não só econômicos, mas sociais e espaciais, que se agravaram no fim dos anos 70 e início da década de 80. Já na década de 80 algumas ações foram realizadas pelo Institut d’Aménagement et d’Urbanisme de la Région Ile-de-France IAURIF7, nessa região.” (MENDONÇA, 2007, p.8)

Compartilhando de um espírito pragmático a maioria dos projetos de intervenção nas friches industrielles propôs a reutilização destas áreas através da incorporação de novas atividades econômicas, mais dinâmicas e compatíveis com as possibilidades locais. A reutilização das friches faria parte de uma ação política no sentido de dar um novo rumo para as economias

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assoladas pela desindustrialização, tornando as cidades mais atrativas na medida em que os processos de revitalização alterariam o perfil e funcionamento destas cidades.

Assim, a integração dos espaços abandonados pelas indústrias surge como perspectiva de qualificação dos espaços urbanos, operada através do reaproveitamento das infraestruturas existentes, da incorporação de novas atividades econômicas e da melhoria da qualidade de vida nos espaços degradados. Esta produção sobre as friches auxilia no estudo dos espaços desativados pela indústria no Brasil e seus processos de transformação.

Os estudos sobre as friches industriais, nos casos europeus, vão de acordo com as especificidades históricas, sociais, econômicas e culturais do lugar onde acontecem. No caso de estudos que tratam das friches no Brasil é imprescindível que leve em conta as características econômicas e sociais destes espaços, inseridos na economia capitalista global, porém essas possuem especificidades históricas e geograficamente localizadas que descambam para diferentes formas de ocupação. Por vezes, os novos usos incorporados às friches acabam por trazer grande impacto à dinâmica urbana na medida em que os novos agentes modificam os padrões de uso e circulação, alterando assim a identidade e a memória do lugar. Do mesmo modo, estes projetos muitas vezes não conseguem esconder a degradação social e econômica do espaço em que as friches estão inseridas, produzindo uma nova forma sem ligação com seu entorno.

Nesta perspectiva, o estudo sobre as friches industrielles nas cidades brasileiras deve analisar o fenômeno a partir da gama de processos que o constituem, como as crises econômicas e políticas locais, manifestações do lugar, assim como as oscilações das práticas capitalistas globais, manifestações do hegemônico. O estudo deve ainda apontar as novas formas de produção espacial, resultante dos projetos de intervenção sobre estes espaços desindustrializados.

No Brasil, estes projetos vêm sendo operados tanto pela iniciativa privada, através da transformação das friches em supermercados, shopping centers, estacionamentos, escritórios, etc., assim como partem de iniciativas do poder público, através de projetos habitacionais de interesse social, centros de lazer, de cultura e equipamentos urbanos, como escolas, universidades, hospitais etc. O tema das friches industriais surge com grande importância na pauta das discussões sobre reestruturação, intervenções e gestão urbana contemporânea. Segundo Vaz e Silveira, o grande número de projetos de proposta de reciclagem e reabilitação dos "espaços intersticiais'', em escala mundial, evidenciam a importância da análise dos vazios urbanos, onde cabe, portanto “uma exploração neste campo da relação entre as centralidades e os vazios, os projetos e as intervenções.” (VAZ E SILVEIRA, 1998, p.52.)

2. AS FRICHES INDUSTRIELLES EM PELOTAS: DA DECADÊNCIA AO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DIFERENCIADO PARA O SÉCULO XXI

As primeiras indústrias em Pelotas surgiram ainda no final do século XIX, sob o viés da industrialização dispersa (TAVARES, 1981), concentrando-se no espaço intra-urbano nas proximidades do porto fluvial e ao longo da malha ferroviária. Esta rede técnica, implantada preteritamente na região com a expansão da economia do charque, ajudou a conformar o estabelecimento de indústrias de médio e grande porte.

“Nessas cidades da zona sul do estado, Rio Grande e Pelotas, havia um contingente menor de estabelecimentos em poucos ramos industriais (têxtil, alimentação, fumo e couros) e com uma maior concentração da estrutura da produção, na qual sobressaíam estabelecimentos médios e

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grandes. Nessas cidades, devido às vantagens de localização junto ao único porto marítimo e por constituírem juntos o principal pólo de acumulação comercial e urbanização da zona de produção pecuária extensiva e das charqueadas, surgiram “empresas que nasceram grandes” (SOUZA, 1973, p. 80 apud HERRLEIN JR, p.104)

O porto era a principal porta de entrada e de saída da cidade, servindo para a importação das matérias-primas e escoamento da produção industrial para os mercados consumidores do centro do país e de além-mar. A malha ferroviária, que por sua vez contornava as instalações do porto, escoava os produtos das indústrias pelotenses em direção à campanha gaúcha, passando pelo porto do Rio Grande até Bagé, abarcando com isso o contingente mercado consumidor regional e efetivando a exportação via porto marítimo.

Este fator locacional propiciou a concentração de grandes indústrias, como a Cervejaria sul-rio-grandense (1889), a Companhia Fiação e Tecidos (1908), a Companhia Frigorífica Rio Grande (1919), o Moinho Pelotense (1925), a Cotada S.A (1970), entre outras. Esta concentração foi determinante para a expansão e desenvolvimento desta área da cidade, espraiando o tecido urbano na direção sul e leste, tendo como limite natural o canal São Gonçalo.

No entanto, no pós década de 1970, o número de indústrias operantes na zona portuária de Pelotas diminui expressivamente, dando inicio a um processo de degradação e abandono desta espacialidade. Esta decadência segue pelo menos três diretrizes, cujas determinações desenvolvem-se nas escalas local-global.

Em primeiro estão as transformações ocorridas na cidade a partir da crise econômica local, cujo reflexo está nas transformações das formas de produção, acumulação e reprodução do capital. As indústrias localizadas na zona portuária tiveram seu ápice de crescimento nas primeiras décadas do século XX, no período caracterizado como o de industrialização dispersa, sendo fundamental para seu desenvolvimento o isolamento do mercado regional. Contudo, a partir da década de 1930, a politica de integração do território nacional e de incentivo à industrialização brasileira desencadeou a primeira crise na economia fabril na região, na medida em que tais políticas ampliaram a concorrência dos produtos pelotenses com os produtos das indústrias do sudeste do país. Muitas indústrias em Pelotas não sobreviveram à integração do mercado abrindo falência ou sendo incorporadas a outros grupos, como é o caso da Cervejaria Sul-rio-grandense, que encerra suas atividades em 1940 após ser comprada pela Cervejaria Brahma. Esta crise se delineia de forma sucessiva, sendo caracterizada por avanços e retrocessos.

Em segundo estão as transformações nos meios de transportes, instauradas em todo território nacional a partir do chamado “rodoviarismo”, como parte da política de integração nacional, onde os transportes fluviais e ferroviários passaram a ser substituídos pelo transporte rodoviário em todo o país. Esta nova conjuntura nos meios de transportes resultou na transferência das atividades industriais da zona do porto para o novo distrito industrial na década de 1970, onde, a partir de um zoneamento rígido, as novas indústrias passaram a se instalar próximas às principais rodovias que cruzam o município de Pelotas.

Por fim, a “revolução do Container” impõe uma nova realidade na economia portuária em nível global. Muitas áreas portuárias no mundo se deterioraram apos os anos 60 e 70, sobretudo pelas mudanças tecnológicas no campo dos transportes efetivadas com a adoção do container para o armazenamento e translado de carga, o que acarretou na utilização de navios cada vez maiores, requisitando áreas portuárias com canais compatíveis ou capazes de se adaptar às novas formas de transporte. Em Pelotas, cuja modernização dependera da

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expansão do porto para novas áreas, a ausência de investimentos pelos órgãos responsáveis - principalmente do poder público estadual através do Departamento de Portos, Rios e Canais (DEPRC), até 1967, e da Superintendência de Portos e Hidrovias do Rio Grande do Sul (SPH), que passa a ser a autarquia responsável pela administração portuária a partir de 1997 - acaba por limitar sua modernização, acarretando no lento esvaziamento da área portuária de Pelotas. Hoje o porto de Pelotas opera modestamente apenas poucos produtos, como exemplo o cal e o arroz.

Como decorrência deste conjunto, na atualidade a zona do porto forma uma espacialidade singular, específica, na qual a expressiva quantidade de estruturas abandonados pela atividade industrial e portuária marcam diretamente a paisagem do lugar, estando mescladas as formas de moradia de base operária.

Observamos na Figura 1 a localização das Friches Industrielles na zona portuária de acordo com os períodos de industrialização em Pelotas (Ver Figura 1).

Figura 1: Friches Industrielles na Zona do Porto de Pelotas. Fonte: SÁ BRITTO, 2011

A tabela 1 mostra as indústrias desativadas na zona portuária, identificando-as conforme seus usos e condições no ano de 2011. Destacamos aqui aquelas friches que ainda encontram-se em completo estado de abandono, assim como aquelas que passam a contemplar novas atividades e funções. (Ver tabela 1)

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Tabela 1. Friches Industrielles identificadas na zona portuária de Pelotas. Fonte: SÁ BRITTO, 2011

Friches Industrielles Área (m²) Atividade

Armazém de depósito Cosulã (Cooperativa Sul rio-

grandense de Lãs)

4.603,00 Em ruína, parte do espaço utilizado pelo curso de Teatro da UFPel

Cosulã (Cooperativa Sul rio-grandense de Lãs) Prédio

Rua Alberto Rosa

2.669,00 Utilizado pelo Instituto de Ciências Humanas, Instituto de Sociologia e

Política e Faculdade de Educação da UFPel

Cosulã (Cooperativa Sul rio-grandense de Lãs) Prédio

Rua Alberto Rosa

2.241,12 Utilizado pelo Instituto de Artes e Design da UFPel

Cosulã (Cooperativa Sul rio-grandense de Lãs) Prédio Rua Benjamins Constant

1.486,72 Utilizado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Olvebra S.A

86.664,00 Utilizado como depósito de grãos

Cervejaria Sul Rio-grandense

5.904,12 Em ruína

Cotada S.A 1.329,33 Desativado, parte do prédio em ruína

Companhia Fiação e Tecidos 13.615,48 Desativado. Parte do prédio utilizado como casa de shows

Moinho Pelotense

8.734,22 Utilizado como depósito de grãos

Frigorífico Anglo 96.320,25 Utilizado pela UFPel, novo campi “porto” e sede da reitoria.

Fonseca Junior

6.581,20 Em ruína

ÁREA TOTAL (m²): 230.148,44

Contudo, nos últimos anos tem-se acompanhado um processo de retomada dos espaços vazios na zona do porto pela iniciativa pública e privada, através de projetos urbanos que visam à recuperação, otimização e reaproveitamento da infraestrutura e equipamentos existentes, o que vem implicando numa contínua mudança nas formas de uso e funções espaciais.

Até então a zona do Porto vinha se caracterizando pelo uso predominantemente residencial, industrial e portuário. Hoje, os projetos de revitalização nos antigos prédios fabris e estruturas portuárias vêm impondo novas formas de uso no lugar que buscam contemplar a produção de novos espaços de lazer, espaços de cultura, espaços institucionais, residenciais e também espaços comerciais e de serviços, apresentando a essa área uma nova configuração urbana.

Desde 1995, a Universidade Federal de Pelotas tem sido o principal agente de transformação do bairro através de suas intervenções sobre as friches industriais, iniciadas com a criação de centros universitários nas instalações da antiga fábrica da Cosulã (Cooperativa Sul-rio-grandense de Lã), que passou a receber o Instituto de Ciências Humanas (ICH), a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAURB) e o Instituto de Artes e Design (IAD).

Em 2004, a Universidade adquiriu a friche pertencente ao antigo Frigorífico Anglo, instalando ali o novo campi universitário da UFPel, que passa a concentrar toda a parte administrativa da universidade, como a reitoria, as pró-reitorias, o departamento de registro acadêmico,

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recursos humanos entre outros. O interesse da universidade nestas friches deve-se à necessidade de ampliação de sua área física, a fim de atender às necessidades que surgem do crescimento no número de cursos e de alunos, especialmente resultantes da adesão da instituição ao Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).

Junto com as atividades acadêmicas outras atividades são estimuladas como bares, restaurantes, casas noturnas, novos edifícios residenciais, estacionamentos, fotocopiadoras, entre outros, que passam a redimensionar a zona do porto, imbricando um novo ritmo no lugar. A construção de um conjunto residencial numa antiga friche industrial, através do Programa nacional de Arrendamento Residencial (PAR), também foi outro empreendimento importante para revalorização da zona do porto.

Estas mudanças nas formas de uso e funções destes antigos espaços de produção acabam por repercutir de diferentes modos nas relações entre sociedade e espaço. Além da valorização imobiliária decorrente do processo de retomada das friches industriais e das novas atividades econômicas incorporadas na área, as relações de identidade também se modificam.

Nos períodos de industrialização, o bairro caracterizava-se como um espaço produtivo e de vivência do operariado pelotense. Esses momentos do uso, realizado no cotidiano, marcaram expressivamente o espaço contornando traços de identidade, comportamentos, ritmos e representações individuais e coletivas. Hoje a zona portuária, ao receber nova função, modifica as relações sociais que se concretizam nesta espacialidade. Com as mudanças, inevitavelmente corre-se o risco da destruição dos referenciais urbanos, na medida em que o espaço passa a ser apropriado por novos atores, incorporando novos usos e comportamentos no lugar.

Alguns conflitos entre os novos e antigos usos já se delineiam na realidade local, sendo um deles o problema de poluição sonora, principalmente à noite, quando aumenta o movimento nos bares e pubs próximos à universidade. A problemática do trânsito urbano é outra questão que envolve o debate com o poder público, já que nos horários de entrada e saída da universidade o congestionamento vem implicando em problemas para a circulação de pedestres e automóveis no bairro. Por fim a valorização imobiliária é talvez a questão mais problemática revelada nesta espacialidade, pois tende a modificar os atores sociais. Com a desindustrialização da área as habitações apresentaram um baixo valor fundiário durante algumas décadas, o que facilitou o uso do espaço - dotado de infraestrutura - pelos grupos sociais abalados pela crise econômica e pelo desemprego. Com as intervenções da UFPEL na área observa-se uma supervalorização dos imóveis, tanto para aluguel como para compra, o que tem implicado no processo de gentrificação nesta espacialidade que passa a ser ocupada, principalmente, por estudantes e pessoas ligadas à universidade. Tal mercado tem vivenciado também um aumento na procura de imóveis por trabalhadores do Polo Naval da cidade do Rio Grande.

Aos poucos, o espaço de vivência do operariado pelotense passa a ser invadido por uma nova lógica que não mais se identifica com as atividades tradicionais, modificando as relações do indivíduo com o objeto que lhe é próximo. Os espaços de vivência dos ex-operários já castigado pela desindustrialização e degradação sócio-espacial, vão se tornando reminiscências da memória, apagada aos poucos pela mudança dos atores, dos usos e seus discursos.

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3. AS FRICHES INDUSTRIELLES EM RIO GRANDE

A cidade do Rio Grande apresenta um processo de constituição das friches muito semelhante à cidade de Pelotas, no entanto, devido a possuir três portos na cidade acaba por conseguir manter suas atividades portuárias e industriais potencialmente ativas ligadas ao terceiro porto concebido na década de 1970 pelo governo militar brasileiro através de uma grande plataforma retro-portuária e servida de boa infraestrutura, porém não desenvolvida em sua plenitude devido à crise econômica do país nos anos de 1980 e 1990. Ao mesmo tempo os dois primeiros portos, um do século XVIII junto ao casco velho da cidade onde encontramos boa parte dos prédios históricos e indústrias da primeira fase e um segundo concebido no começo do século XX e que complementa as atividades do superporto tanto em relação às atividades portuárias típicas como na implementação da indústria naval a partir do ano de 2005.

As friches da cidade do Rio Grande encontram-se junto às estruturas urbanas da cidade velha, concebida entre o século XVIII e XIX, embora uma boa parte destas estruturas industriais pertença ao século XX. O processo de constituição das friches da cidade do Rio Grande repete processos verificados na cidade vizinha de Pelotas em termos de constituição, embora esteja tendo um desfecho diferenciado no presente como veremos a seguir.

A cidade do Rio Grande apresenta vastas áreas ociosas urbanas centrais e periféricas, em que foram analisadas somente aquelas oriundas da desativação de indústrias que atuaram no período de 1873 até a década de 1980. Nesse recorte temporal percebeu-se que a matriz produtiva da cidade foi alterada, passando por uma fase diversificada e que contou com setor de alimentos, charutos, chapéus, tecidos e etc, até a década de 1930. Até este período pode-se dizer que Rio Grande estava num dos melhores momentos industriais de sua história, materializada na cidade pelas obras arquitetônicas que ainda não foram consumidas pelo tempo e merecem maiores cuidados. No período até a década de 1930 a indústria nacional encontrava-se num momento em que autores como TAVARES (1981) definem como industrialização nacional dispersa, onde as indústrias operavam numa espécie de ilhas produtivas, ou seja, as vias de circulação eram precárias e não ligavam os grandes centros produtores às regiões interioranas. Tais ilhas abasteciam o comercio local e regional, sem sofrerem a concorrência de fora de sua área de abrangência. Contudo, foi a partir 1930 que se iniciou o período de substituição das importações ou industrialização nacional restringida (CANO, 1985: TAVARES, 1989). Este originou-se de iniciativa estatal que investiu fortemente na consolidação de um polo industrial a partir do Estado de São Paulo. Tal política econômica era altamente polarizada, concentrando a malha viária nacional e fazendo com que seus produtos passassem a substituir as “ilhas produtivas”, até então existentes e, em muitos casos, forçando o fechamento de indústrias. Esse processo consolidou-se por completo na década de 1960. Neste momento Rio Grande teve de procurar uma alternativa para continuar produzindo sem competir com os produtos da metrópole. A alternativa encontrada foi a produção de fertilizantes dentro de um outro contexto econômico do Estado do Rio Grande do Sul, sob o regime militar brasileiro. O setor pesqueiro recebeu fortes incentivos da Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), órgão estatal que o contemplou com isenções fiscais, perdurando tais inversões até a metade da década de 1980, em que as isenções foram suspensas e o setor pesqueiro verificou seu declínio. Destaca-se que a indústria pesqueira continua em atividade na cidade, embora muito aquém do que representou para a economia citadina e ocupando prédios, que não estão em ruínas, através de um rodízio de utilização dos

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antigos espaços industriais que se alteram em períodos muito curtos de tempo, poucos anos, e que acabam dando uma ideia de ocupação daqueles espaços pouco representativo do ponto de vista econômico e dos empregos criados. Pode-se perceber que a cidade do Rio Grande atravessou distintos ciclos econômicos e estes geraram uma resultante espacial diversa, como um mosaico arquitetônico e espacial de diferentes períodos econômicos. (MARTINS, 2006).

As unidades fabris desativadas estão localizadas em áreas centrais ou próximas à centralidade, dispondo de infraestrutura urbana básica, tornando-se, dessa forma, locais propícios à inserção de novas funções como equipamentos urbanos e moradia. Propomos uma segmentação na tabela apresentada quanto a ter ou não alguma atividade ainda nestes espaços, já que nem todas essas estruturas industriais encontram-se complemente desativadas, embora aquelas com alguma atividade em funcionamento registrem-se uma potencialidade produtiva muito aquém da planta industrial instalada, nos períodos em que ela mantém alguma atividade produtiva. Pensa-se, neste projeto, que o mais adequado seria a escolha de funções as quais ultrapassassem o simples valor de troca do mercado, avançando para a articulação da comunidade com essas áreas. A utilização de estruturas prediais que já geraram emprego e rendas poderiam ter uma finalidade social, ou seja, que visasse amenizar as problemáticas urbanas enfrentadas pelo local. Com a reutilização de espaços que já dispõe de infraestrutura, boa localização, acessibilidade e etc., poder-se-ia evitar processos de expansão urbana irregular e desordenada.

Cada friche tem uma peculiaridade que encontramos através de seu passado, dessa forma pôde-se avaliar suas potencialidades por meio de um registro histórico real dos momentos em que a cidade passou, materializado através de suas construções. É relevante considerar a preservação da memória social a qual proporciona legibilidade à cidade e resgata sua cultura e identidade.

A área total estimada das indústrias desativadas presentes na cidade do Rio Grande, o que inclui em alguns casos espaços com alguma atividade fabril, é de 441.193,62 m². Este é um considerável espaço passível de reutilização, no entanto carece de cuidados especiais, já que algumas antigas indústrias não são tombadas como patrimônio histórico, estando em processo de degradação e com elas grande parte da memória social que essas contém. Muitas dessas fábricas representaram/representam ícones que contribuíram para o sentimento de pertencimento da sua população à cidade. As 18 friches apontadas hoje na cidade do Rio Grande foram identificadas através do programa autocad, contando com o auxílio de saídas de campo in loco e identificação por imagens geradas pelo satélite quickbird.

A tabela 2 mostra a área total e discrimina em 441.193,62 m² as indústrias desativadas e aquelas que ainda detém alguma atividade fabril e presentes em Rio Grande – RS para o ano de 2010. Justifica-se a identificação do ano já que trata-se de um intercâmbio muito grande de atividades para alguns desses prédios, oscilando entre verdadeiras friches em um determinado ano, mas que no ano posterior pode apresentar já alguma atividade - inclusive fabril, embora sempre em pequena escala. Para a elaboração da mesma, saídas de campo, visita ao acervo de mapas da prefeitura municipal e ao centro de indústrias do Rio Grande foram necessárias, bem como a revisão bibliográfica de autores como MARTINS (2006) e DAMASCENO (2006). Contando ainda com imagem orbital analisada através do software autodeskmap 5 para extrair feições do terreno e realizar a mensuração de áreas.

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Tabela 2. Friches Industrielles identificadas na cidade de Rio Grande. Elaborado por Perla Couto/Matheus Oliveira

Friches industrielles Área (m²) Atividade

F.R. Amaral e Cia Ltda. 9.574,93 Em ruína

Promar 4.479,87 Em atividade

Ind. e Com. Figueiredo S/A 22.307,96 Em ruína, parte do prédio é

ocupado por uma Igreja Evangélica

Furtado/Siqueira e Cia 21.541,15 Atividade parcial – parte do prédio

para alugar

Frigorífico Anselmi 53.338,53

Usos múltiplos do antigo espaço industrial (prédios, terreno baldio, algumas

ruínas)

Manoel Pereira de Almeida S/A 10.421,12

Em atividade

Ind. Reunidas Leal Santos S/A 18.599,28

Vários usos – parte do prédio vazio

Albano de Oliveira e Irmãos e Cia Ltda 3.163,96

Desativada em 2009

Joqueira s/a 7.478,61 Sem atividade pesqueira

Moinho do sul 4.714,56 Desativada

Ind. de peixe Pescal 12.962,33 Com alguma atividade

Frigorífico Anselmi 4.440,95

Área segmentada

Vários usos

Torquato Pontes Pescados 10.573 Em atividade

Torquato Pontes S/A Com. E Ind 3.739,99

Em atividade

Shell / Atlantic 62.688,73 Vazio – será construído um

conjunto popular de casas

Esso 36.129,44 Vazio – será construído um

conjunto popular de casas.

Cia. União Fabril Rheingantz 143.000,00 Desativada, parte do prédio em

ruínas

Cordoaria São Luiz 12.039,21 Sede social de uma empresa

industrial

ÁREA TOTAL ( m² ) 441.193,62

A figura 3 mostra a localização das friches na cidade do Rio Grande, dando destaque aos quadriláteros hachurados em vermelho e que em sua maioria estão localizadas junto aos canais e sacos que margeiam o sistema lagunar estuarino que margeia a área urbana.

Figura 3. Friches da cidade do Rio Grande. Fonte: Imagem orbital do Sensor QuickBird , Centro de Indústrias de Rio Grande, baseado em mapa de 1969 do acervo da prefeitura municipal, DAMASCENO (2006) e MARTINS (2004). Organizado por Matheus Rodrigues de Oliveira (publicação

autorizada pelo autor)

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O que se observa em Rio Grande e difere radicalmente da cidade de Pelotas é um forte investimento no setor industrial ligado a instalação do Polo Naval, aproveitando-se de dois elementos chave nesse processo a boa infraestrutura deixada pelos militares nos anos de 1970 e não tendo sido preenchido toda a área retroportuária, por outro lado pelo porto estar num sistema lagunar estuarino de base sedimentar, isso permite como as tecnologias hoje existentes processos de dragagem do canal de acesso cada vez mais profunda, fazendo como que o porto tenha um dos melhores calados do continente sul americano. Ora se há uma dinâmica industrial e migratória para a cidade onde estima-se que a população venha a dobrar de população nos próximos anos, como explicar o processo de não ocupação das friches que verificamos hoje. Por um lado verifica-se que os grandes investidores que se instalam na cidade, sitiada entre canais e sacos que constituem o sistema lagunar dirigem-se para longe dos bairros mais valorizados e da área central, buscando espaços que vão sendo incorporados com empreendimentos de 150.000 metros quadrados, shoppings e outros empreendimentos. Por outro lado a população local proprietária das antigas áreas e muitas vezes sem capital para investir nestes espaços e com dívidas significativas junto a justiça do trabalho e a união, não descambam para que ali ocorra novas formas de investimento nem pela iniciativa privada nem pelo setor público.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma, a existência das friches industrielles em uma paisagem urbana revela múltiplos interesses e diferentes dimensões da realidade espaço-temporal. Neste sentido, as friches devem ser percebidas como: testemunhos das mudanças sociais e econômicas num dado espaço; testemunhos das formas e funções passadas; e também como testemunhos das práticas e ações sobre o presente, sejam através de políticas de reconversão econômica, de revitalização paisagística ou através da manutenção do abandono. Nos estudos de caso apresentados através de duas cidades portuárias e distantes a 60 km uma da outra podemos identificar tipologias no uso do espaço denominado de friches e que demonstra a diversidade e riqueza de usos que cada sociedade pode produzir. Nos casos citados enquanto Pelotas reforça

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o seu lado de polo regional de comércio e serviços revitalizando a área do porto, através dos processos de valorização do capital e discriminatório em termos sociais que comumente desencadeiam através da intervenção de um órgão público como a UFPEL; Rio Grande recebe vultosos investimentos públicos e privados através da implantação de uma base produtiva industrial desconhecida para a cidade que é a metal-mecânica, ou seja, seu lado industrial e portuário é reforçado. Peculiar é pensar que estas atividades agregam muito valor ao espaço, no entanto os grandes investimentos urbanos têm acontecido fora da zona de ocupação intensiva, deixando os espaços das friches como algo ainda em pousio esperando um futuro incerto em termos de ocupação urbana.

5. REFERÊNCIAS

CANO, W. Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil (1930-1970). São Paulo: Globo, 1985.

DAMASCENO, J. J. O conceito de Friche Industrielle aplicado ao complexo industrial pesqueiro do município do Rio Grande/RS. Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Geografia. Rio Grande: FURG, 2006.

HERRLEIN JR, R. Desenvolvimento industrial e mercado de trabalho no Rio Grande do Sul: 1920 - 1950. Revista Sociologia e Política, n.14. Curitiba, Junho 2000. p. 103-118.

LEFÈBVRE, H. La production de l'espace. Paris: Antrophos, 1974.

MARTINS, S. F. Cidade do Rio Grande: industrialização e urbanidade (1873-1990). Rio Grande: FURG, 2006.

MENDONÇA, A. M. Revisitando as ruínas urbanas. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia. 2007.

QUAINI, M. Marxismo e Geografia, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

SÁ BRITTO, N. D. S. Industrialização e desindustrialização do espaço urbano na cidade de Pelotas (RS). Dissertação de mestrado. Rio Grande: FURG, 2011.

TAVARES, M. C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro. Rio de Janeiro. Zahar, 1981