FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva...

151
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CAMPUS SOROCABA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRE GÊNERO: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS. RAQUEL APARECIDA BATISTA Sorocaba 2018

Transcript of FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva...

Page 1: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CAMPUS SOROCABA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRE GÊNERO: UMA ANÁLISE A PARTIR

DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS.

RAQUEL APARECIDA BATISTA

Sorocaba

2018

Page 2: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

RAQUEL APARECIDA BATISTA

FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA

EDUCAÇÃO INFANTIL SOBRE GÊNERO: UMA ANÁLISE A PARTIR

DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS.

Dissertação apresentada para obtenção do

título de Mestre em Educação ao Programa de

Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de São Carlos - Campus Sorocaba.

Linha de pesquisa e Formação de Professores

e Práticas Educativas.

Orientadora: Profa. Dra. Bárbara Cristina

M. Sicardi Nakayama

Sorocaba

2018

Page 3: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria
Page 4: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria
Page 5: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

DEDICATÓRIA

A todas as mulheres da minha família, pelos retalhos que me

constituem, Em especial à minha mãe Ilma, à minha irmã Regiane e à

minha sobrinha Larissa.

Page 6: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

AGRADECIMENTOS

Meu agradecimento é imenso a todos e todas que me acompanharam nessa

trajetória tão intensa e cheia de desafios. Compreendo a gratidão como um dos mais nobres

sentimentos e o reconhecimento de que recebemos ajuda de alguma forma. Assim, venho

nessa escrita de gratidão reconhecer cada pessoa que durante esses dois anos deixaram em

mim seus mais belos e profundos “retalhos”.

A Deus, minha fortaleza e socorro bem presente, que me permitiu viver essa

maravilhosa experiência.

À minha mãe que, na sua frágil fortaleza, me ensinou a não desistir em meio às

dificuldades.

À querida Bárbara C. M. Sicardi Nakayama, a quem não encontro palavras

para expressar minha gratidão, mas sou grata por acreditar em mim desde o dia da entrevista

do processo seletivo do Mestrado. Obrigada por me mostrar a coexistência entre a

maternidade e a vida acadêmica e por permitir-me participar deste momento tão especial de

sua vida.

À Betinha, que se tornou nessa jornada uma querida amiga. Obrigada pelo

companheirismo e por me ajudar nesse processo de “tornar-me” uma mulher negra.

A todos os professores e professoras da Linha 1 - “Formação de Professores e

Práticas Educativas”, pelo acolhimento e contribuições na minha formação acadêmica.

À professora Renata Prenstteter Gama, por despertar e provocar a

pesquisadora que estava dentro de mim e pelos abraços cheios de afeto.

Aos mestrandos e mestrandas Adriana, Fabiana, Edmar, Fábio, Hilda, Maísa,

Neichelli e Rodrigo, por compartilharem comigo as dores e delícias da vida acadêmica.

À Viviane Silva, por me “apresentar” a UFSCAR – Campus de Sorocaba. Sua

insistência trouxe-me até aqui.

A todos os professores e professoras da Prefeitura Municipal de Hortolândia

que fazem parte do meu processo de constituição profissional. São muitos retalhos!

Ao meu amigo Marcos Paulo, por viver comigo o sonho do Mestrado.

Obrigada por não me deixar desistir.

Às minhas amigas Gê e Jane, por acreditarem junto comigo na força que nos

impulsiona a superar o machismo institucional.

À amiga Fátima Catarina pelo apoio e incentivo.

Page 7: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

À equipe de professoras da CEMEI “J. H”, por tanto me ensinar sobre uma

escola que respeita os direitos da infância.

Às mulheres, professoras participantes da pesquisa. Quanto aprendi com

vocês! Seus diversos retalhos marcam minha identidade como mulher e professora da

infância.

A todos os professores e professoras que passaram por minha vida e que, de

certa forma, me fizeram professora.

A todos os meninos e meninas que, com toda provocação, fizeram-me ir além

dos estereótipos e olhar para a vida com olhos de criança.

Page 8: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

Sou feita de retalhos

¨Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou

costurando na alma.

Nem sempre bonitos, nem sempre felizes, mas me acrescentam e me

fazem ser quem eu sou.

Em cada encontro, em cada contato, vou ficando maior...

Em cada retalho, uma vida, uma lição, um carinho, uma saudade…

que me tornam mais pessoa, mais humana, mais completa.

E penso que é assim mesmo que a vida se faz de pedaços de outras

gentes que vão se tomando parte da gente também.

E a melhor parte é que nunca estaremos prontos, finalizados…haverá

sempre um retalho novo para adicionar à alma.

Portanto, obrigada a cada um de vocês, que fazem parte da minha

vida e que me permitem engrandecer minha história com os retalhos

deixados em mim.

Que eu também possa deixar pedacinhos de mim pelos caminhos e

que eles possam ser parte das suas histórias.

E que assim, de retalho em retalho, possamos nos tornar, um dia, um

imenso bordado de nós”.

Cora Coralina

Page 9: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

RESUMO

BATISTA, Raquel Aparecida. Fotonarrativas de práticas pedagógicas na Educação Infantil:

uma análise sobre as percepções das professoras. Dissertação (Programa de Mestrado em

Educação). Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2018.

O presente trabalho apresenta uma pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-

Graduação em Educação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - Campus de

Sorocaba, vinculada ao grupo de pesquisa Núcleo de Estudos e de Pesquisas sobre Narrativas,

Formação e Trabalho Docente (NEPEN). A pesquisa traz a aproximação de duas temáticas: a

prática pedagógica e o gênero cujo objeto de estudo é a prática pedagógica de três professoras

de um Centro de Educação Infantil no município de Campinas, estado São Paulo e a prática

da pesquisadora. A problemática que orienta o desenvolvimento desta pesquisa parte do

seguinte questionamento: Quais percepções de gênero se revelam nas fotonarrativas de

práticas pedagógicas das professoras de Educação Infantil? Para responder tal questão o

estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a

construção de narrativas a partir de fotografias da prática pedagógica das docentes

participantes da pesquisa. Como referencial teórico metodológico considera as contribuições

de: Ariés (1981), Leite (2011), Kuhlmann (2000, 2005, 2007), Kramer (1995), Faria (2006,

2011), Oliveira (2007, 2012), Postman (1999) para discutir Educação Infantil e infância; Scott

(1995) e Nicholson (2000), Finco (2003,2004, 2010), Louro (2011), Moreno (1999), Sayão

(2003) para gênero como categoria de análise e gênero na educação infantil. A discussão

sobre prática pedagógica nesta pesquisa é defendida por autores como Nóvoa (1992-1995),

Tardif (2002), Sacristán (1995) e Veiga (1992); Josso (2004, 2007), Nóvoa (1995), Sicardi

(2008, 2015) e Passegi (2006) para o trabalho com narrativas como um método investigativo.

Pretende-se com os resultados da pesquisa propor ás professoras da instituição pesquisada

reflexões sobre prática frente às questões de gênero. Os resultados evidenciam que as

percepções sobre de gênero das professoras pesquisadas em alguns momentos demonstram

priorizar aspectos biológicos, em outros aspectos sociais. No entanto, as práticas pedagógicas

revelam que, mesmo inseridas em um padrão hegemônico e binário, existe por parte delas a

intenção consciente de romper com certos modelos hegemônicos, com os medos, os

preconceitos e promover práticas que demonstram equidade de gênero.

Palavras-chave: Prática pedagógica; Gênero; Infância, Educação Infantil; Fotonarrativas.

Page 10: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

ABSTRACT

BATISTA, Raquel Aparecida. Photonarratives of pedagogical practices in early childhood

education: an analysis of the teacher‟s perceptions. Dissertation (Program of Master‟s Degree

in Education Studies). Universidade Federal de São Carlos, Sorocaba, 2018.

The present paper shows a master‟s research developed in the Postgraduate in

Education Studies Program from the Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) -

Sorocaba Campus, linked to the research group Núcleo de Estudos e de Pesquisas sobre

Narrativas, Formação e Trabalho Docente (NEPEN). The research brings the approximation

of two thematic: the pedagogical practice and the gender whose study object is the

pedagogical practice of three teachers of an early childhood education center in the city of

Campinas, São Paulo, and the researcher‟s practice. The issue that guides the development of

this research starts with the following questioning: which perceptions of gender are revealed

in photonarratives of pedagogical practices of the teachers of early childhood education? To

answer such question, the study structures itself in the qualitative perspective and used as data

production the construction of narratives from photos of the pedagogical practices of the

research participant teachers. As methodological theoretical reference the study considers the

contributions of: Ariés (1981), Leite (2011), Kuhlmann (2000, 2005, 2007), Kramer (1995),

Faria (2006, 2011), Oliveira (2007, 2012), Postman (1999) to discuss early childhood

education and childhood; Scott (1995) and Nicholson (2000), Finco (2003, 2004, 2010),

Louro (2011), Moreno (1999), Sayão (2003) for gender as a category of analysis and gender

in early childhood education. The discussion about pedagogical practices in this research is

endorsed by authors such as Nóvoa (1992-1995), Tardif (2002), Sacristán (1995) and Veiga

(1992); Josso (2004, 2007), Nóvoa (1995), Sicardi (2008, 2015) and Passegi (2006) for the

work with narratives as an investigative method. It is intended, with the results of the

research, to propose to the teachers of the studied institution reflections about practice facing

the gender issues. The results point that the perceptions about gender of the studied teachers

in some moments evidence prioritization of biological aspects and in others, social aspects.

However, the pedagogical practices reveal that even inserted in a hegemonic and binary

pattern, there is a conscious intention from them to break some hegemonic models, with fears,

the prejudices and to promote practices that show gender equality.

Key words: Pedagogical practice; Gender; Childhood; Early Childhood Education;

Photonarratives.

Page 11: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1- O coração e o cavalo

Figura 2- Retalhos fotográficos da professora Viés

Figura 3- Retalhos fotográficos da professora Viés

Figura 4- De fada a super- girl

Figura 5- A professora aos olhos de criança

Figura 6- Amor de amigo

Figura 7- Professora brincando

Figura 8- O barranco proibido

Figura 9- Mãos e pés

Figura 10- Dança com a gente?

Figura 11-Pose de menino e pose de menina

Figura 11.b- Pose de menino e pose de menina II

Figura 12- Só as meninas

Figura 13-Cartaz dos nomes

Figura 14- Caixa de brinquedos

Figura 15-A Linda Rosa Juvenil

Figura 16- Apenas brincando

Figura 17- O coração e o cavalo

Figura 18- Retalhos fotográficos da professora Capulana

Figuras 19- Piratas

Figura 20- Maquiagem

Figura 21- Máscaras

Figura 22- Pintura no corpo

Figura 23- Banho de mangueira

Figura 24- Menina sem camisa e com batuque na mão

Figura 25- Lambança

Figura 26- Retalhos da professora Casadinho

Figura 27- O abacaxi

Figura 28- Erva doce

Figura 29- Amarelo e rosa

Figura 30- O urso

Figura 31- O balanço

Page 12: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

Figura 32- A caixa

Figura 33- Carinho no bebê

Figura 34- Cantinhos

Figura 35- Retalhos fotográficos da professora Chita

Figura 36- O bigode

Figura 37- O neném quer mamar

Figura 38- Colcha de retalhos

Figura 39- Colcha de retalhos II

Page 13: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AG- Agrupamento

CEFORTEPE- Centro de Formação em Tecnologia e Pesquisa Educacional

CEMEI- Centro Municipal de Educação Infantil

DCNEI- Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil

ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente

EI- Educação Infantil

EMEI- Escola Municipal de Educação Infantil

HTPC- Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo

HTDI- Hora de Trabalho Docente Individual

IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas

INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas

JD I- Jardim I

LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC- Ministério da Educação e Cultura

NAED- Núcleo de Ação Educativa Descentralizada

NEPEN- Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Narrativas, Formação e Trabalho docente

TDC- Trabalho Docente Coletivo

TDI- Trabalho Docente Individual

UFSCar- Universidade Federal de São Carlos

Page 14: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

Sumário

CONVITE ............................................................................................................................... 13

INTRODUÇÃO - PUXANDO OS FIOS: ELEMENTOS PARA COMPOR UMA

COLCHA DE RETALHOS ................................................................................................... 16

1. ALINHAVO I - PROFESSORA VIÉS: O LUGAR DA INFÂNCIA E DO GÊNERO

NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ............................................................................................. 24

1.1 RETALHOS DE UM VIÉS: QUEM SOU EU? .......................................................................... 30

1.1.2- Retalhos sobre o ser professora ............................................................................. 36

1.2- A TEMÁTICA DA COLCHA: GÊNERO E PRÁTICA PEDAGÓGICA ........................................... 52

2. ALINHAVO II - TECENDO OS FIOS ENTRE GÊNERO, INFÂNCIA E A

PRÁTICA PEDAGÓGICA DA PROFESSORA CAPULANA ......................................... 57

2.1- A EMERGÊNCIA DO GÊNERO NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................... 64

2.2- GÊNERO E INFÂNCIA ...................................................................................................... 70

2.3- O CORPO INFANTIL ......................................................................................................... 79

3. ALINHAVO III - PROFESSORA CASADINHO E AS ESPECIFICIDADES DA

DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ......................................................................... 86

3.1 SOBRE O TORNAR-SE PROFESSORA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ........................................... 89

3.2 AS ESPECIFICIDADES DO TRABALHO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................... 94

3.3 ENTRE O FEMININO E O MASCULINO NA EDUCAÇÃO INFANTIL ....................................... 105

4. ALINHAVO IV - PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E AS

TRANSGRESSÕES DE GÊNERO DA PROFESSORA CHITA .................................... 110

4.1- TRANSGRESSÕES DE GÊNERO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ............................................... 113

4.2- PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................................................................. 117

4.2.1- A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................... 120

5. ALINHAVO V - A COLCHA: COSTURANDO OS RETALHOS ............................ 125

5.1- PERCEPÇÕES DE GÊNERO .............................................................................................. 126

5.2 PERCEPÇÕES DE GÊNERO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA ...................................................... 127

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: UM GRANDE BORDADO DE NÓS ....................... 135

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 140

ANEXOS ............................................................................................................................... 146

Page 15: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

13

Convite Figura 1- O coração e o cavalo

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista, 2013.

Page 16: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

14

A imagem fotográfica nomeada por mim “O coração e o cavalo” é um convite

ao leitor para adentrar a este texto. Não seria possível iniciar a discussão deste estudo sem

mencioná-la, pois, é a imagem que o mobiliza e que se materializa nas páginas que se seguem.

Ao me deparar com esse registro na lousa feita por uma professora, senti-me

incomodada ao ponto de querer fotografá-lo. Nada foi tão provocativo e ao mesmo tempo

instigante quanto esta imagem! Por que coração para representar a menina o e cavalo para o

menino?

Por trás de cada foto sempre há um motivo para justificá-la, pois, além de

registrar imagens, através delas expressamos nossa opinião e visão que temos sobre as coisas

e o mundo. A foto “O coração e o cavalo” foi atravessada pelo meu olhar crítico e, sobretudo,

pelo modo como enxergava naquele momento as questões relacionadas ao gênero, pois a

fotografia, neste caso, também representa a prática da escolha e os movimentos da minha

subjetividade.

Este movimento de múltiplos aprendizados: diálogos entre a teoria e a prática,

cursos de formação, leituras, conversas com professoras, fotografias, poesias e filme resulta

nesta pesquisa.

Assim, este trabalho apresenta uma pesquisa de mestrado desenvolvida no

Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

Campus de Sorocaba, vinculada à Linha de Pesquisa em Formação de Professores e Práticas

Educativas e ao grupo de pesquisa Núcleo de Estudos e de Pesquisas sobre Narrativas,

Formação e Trabalho Docente (NEPEN).

A estrutura da dissertação que se apresenta remeterá o leitor a uma colcha de

retalhos. O desenrolar do texto será associado à produção da mesma, onde cada fotografia

narrada pelas professoras participantes será relacionada a um retalho carregado de

significações, os quais serão costurados aos fios da escrita.

Neste primeiro momento, a intenção é discorrer sobre o processo de construção

deste estudo, processo este que foi trilhado a partir das escolhas que tivemos que fazer ao

longo deste percurso. Para tanto, a parte introdutória: “Puxando os fios: elementos para

compor uma colcha de retalhos” tem o objetivo de apresentar os elementos que compõem

esta pesquisa, o itinerário metodológico, bem como as aproximações com o campo e a

produção das narrativas como método investigativo e produção de dados.

Page 17: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

15

Na intenção de evidenciar as protagonistas da pesquisa, cada fotonarrativa

produzida por elas irá compor um capítulo denominado de Alinhavos que segue a seguinte

estrutura:

No primeiro alinhavo, intitulado “Professora Viés: o lugar da infância e do

gênero na prática pedagógica”, narro minha trajetória enquanto mulher, professora e

pesquisadora a partir de fotografias trazendo uma aproximação com o objeto de estudo desta

pesquisa.

A discussão teórica sobre gênero e infância é articulada a prática pedagógica da

professora Capulana no segundo alinhavo denominando: “Tecendo os fios entre gênero,

infância e a prática pedagógica da professora Capulana”.

O alinhavo de número três, “Professora Casadinho e as especificidades da

docência na Educação Infantil”, apresenta o breve histórico das instituições de atendimento

a infância e algumas especificidades do trabalho pedagógico na Educação Infantil, como

também a docência como uma profissão do gênero feminino.

O quarto alinhavo, “Prática pedagógica na educação infantil e as

transgressões de gênero da professora Chita”, articula uma discussão teórica sobre Prática

Pedagógica e Currículo na Educação Infantil relacionando-a às questões de gênero. No quinto alinhavo, “A Colcha: costurando os retalhos”, apresentamos os

resultados da pesquisa elaborados a partir da aproximação das narrativas e do referencial

teórico.

Nas considerações finais, relatamos os momentos e aprendizagens constituídos

no percurso da pesquisa, as limitações e dificuldades que foram encontradas no processo de

investigação e as contribuições para o campo da formação docente e para a Educação Infantil.

Na condição de pesquisadora e autora deste estudo, faço ao leitor mais um

convite: fazer parte desta roda de conversa e ir costurando as fotografias, as discussões

teóricas e as narrativas com o intuito de coser uma bela colcha de retalhos cujas temáticas

propostas são gênero e prática pedagógica.

Page 18: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

16

INTRODUÇÃO - Puxando os fios: elementos para compor uma colcha de retalhos

Para fazer uma colcha é preciso escolher

as combinações com cuidado.

Se escolher bem, realçará a obra.

Se escolher mal, as cores vão parecer

mortas e esconder a beleza.

Não há regras a seguir.

Tem que seguir o instinto e ser corajosa...”

(Do filme Colcha de Retalhos) 1

Talvez a maior dificuldade seja combinar os retalhos, alinhavando-os aos fios

reais da pesquisa que, certamente, não se desprendem da conjuntura deste estudo, da minha

constituição enquanto profissional da educação e pesquisadora.

Vou em busca dos primeiros fios de tantos pensamentos que me conduzem a

um começo para narrar as experiências do caminho percorrido. Na certeza de que narrar essas

experiências não é apenas contar o que vivi, mas compartilhar os aprendizados e reflexões que

suscitaram a fazer escolhas que realçassem de forma harmônica a diversidade de elementos

que compõe este estudo.

A temática abordada, os aportes teóricos metodológicos, os procedimentos e

instrumentos para a produção de dados e a delimitação do campo de pesquisa foram definidos

de modo que nos conduzissem à resposta da problemática levantada nesta pesquisa. O

movimento dessas combinações será apresentado aqui em duas partes. Na primeira,

apresentamos o itinerário metodológico, bem como as aproximações com o campo e os

sujeitos da pesquisa e, na segunda, abordaremos a narrativa como um método de investigação

e produção de dados.

Caminhos percorridos

A presente pesquisa traz a aproximação de duas temáticas: prática pedagógica

e gênero, pois consideramos que as questões ligadas ao gênero estão presentes nas práticas

pedagógicas das professoras de Educação Infantil. A partir desta afirmação, definimos a

seguinte questão de estudo: “Quais percepções de gênero se revelam nas fotonarrativas das

práticas pedagógicas das professoras de Educação Infantil?”.

1 Filme “Colcha de Retalhos” (“How to Make an American Quilt”, EUA, 1995).

Page 19: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

17

Para responder tal problemática, os seguintes objetivos foram definidos:

Fomentar o debate sobre a temática e contribuir para a desconstrução de

estereótipos de gênero;

Oferecer subsídios para se consolidar propostas de trabalho pedagógicas

voltadas à temática de gênero junto às instituições da Educação Infantil;

Ao conduzir este estudo compreendendo a prática pedagógica como ação do

(a) professor (a) que revela saberes construídos através da experiência pessoal e profissional e

constituídos por questões políticas, econômicas e sociais e o gênero como uma construção

social e cultural para além do determinismo biológico, a abordagem qualitativa é a mais

adequada para este tipo de pesquisa.

Para Minayo (2009), a pesquisa qualitativa trabalha com parte da realidade

social, uma vez que o ser humano distingue-se por pensar em suas ações e por interpretá-las a

partir de suas experiências vividas com seus semelhantes.

Gatti e André (2010) explicam que as pesquisas qualitativas se constituem em

uma modalidade investigativa que se consolidou para responder ao desafio da compreensão

dos aspectos formadores/formantes do ser humano, de suas relações e construções culturais

em suas dimensões grupais, comunitárias e ou pessoais.

Além disso, a abordagem da pesquisa qualitativa defende uma visão holística

dos fenômenos, isto é, que leva o mais em conta possível, os componentes de uma situação

em suas interações e influências recíprocas.

Diante da problemática central da pesquisa, que consiste em responder a

questão, os métodos de pesquisa qualitativa são os mais adequados e capazes de responder os

questionamentos e problemáticas que surgem no decorrer do desenvolvimento da pesquisa,

pois, de acordo com Gatti e André (2010), permitem melhor compreensão dos processos de

aprendizagem, de relações dos processos institucionais e culturais.

Analisar as práticas pedagógicas de um determinado grupo de professoras, um

dos objetivos desta pesquisa, também requer certa aproximação e contato direto do

pesquisador com os sujeitos pesquisados. Deste modo, a pesquisa qualitativa permite tal

aproximação, pois este tipo de pesquisa rompe com barreira até então existente entre as partes

envolvidas defendendo uma perspectiva de não neutralidade da pesquisadora.

A discussão proposta nesta pesquisa está fundamentada no paradigma da

multirreferencialidade, por considerar a importância da heterogeneidade de abordagens

teóricas que compõem este trabalho, trazendo, assim, autoras pós-estruturalistas que abordam

Page 20: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

18

a temática do gênero e autores, fundamentando na epistemologia da prática para discutir

práticas educativas e saberes docentes.

Segundo Martins (2004), a abordagem multirreferencial caracteriza-se pela

pluralidade e heterogeneidade por considerar uma série de abordagens e disciplinas, porém de

modo que nenhuma reduza a outra com mais ou menos importância.

Contrapondo-se à abordagem positivista, a perspectiva multirreferencial

propõe:

[...] estabelecer um novo “olhar” sobre o “humano”, mais plural, a partir da

conjunção de várias correntes teóricas, o que se desdobra em nova perspectiva

epistemológica na construção do conhecimento sobre os fenômenos sociais,

principalmente os educativos. (MARTINS, 2004, p. 86)

É sobre esta perspectiva teórica que ancoramos nossa investigação, na qual

buscamos entrelaçar os fios aqui propostos para chegar a elucidar a problemática apresentada

na pesquisa.

Assim, para discutir educação infantil e infância, nos apoiamos nos estudos de

Ariés (1981), Leite (2011), Kuhlmann (2000, 2005, 2007), Kramer (1995), Faria (2006,

2011), Oliveira (2007, 2012), Postman (1999) entre outros. Ao abordar o gênero como uma

construção social, trazemos as contribuições de autoras como Scott (1995) e Nicholson

(2000). A discussão do gênero na Educação e na Educação Infantil está pautada em Finco

(2003, 2004, 2010), Louro (2011), Moreno (1999), Sayão (2003) e outras pesquisadoras

contemporâneas que abordam a temática.

A discussão sobre prática pedagógica nesta pesquisa é defendida por autores

como Nóvoa (1992-1995), Tardif (2002), Sacristán (1995) e Veiga (1992), na qual a prática

pedagógica entendida como uma ação que, não se constitui de modo isolada e desprovida de

sentidos, mas numa ação que também é coletiva, política e carregada de saberes que o

professor constrói ao longo da sua carreira profissional e vida pessoal. Ao evidenciar o

trabalho com narrativas como um método investigativo e altamente formativo, aproximamo-

nos de autores como Josso (1988, 2004, 2007) Nóvoa (1995), Sicardi (2008) Sicardi

Nakayama (2015) e Passegi (2006).

De acordo com Minayo (2009), o campo é entendido dentro da pesquisa

qualitativa como um recorte espacial de abrangência, ou seja, o espaço e os sujeitos que eu

delimito para minha pesquisa. Dentro deste contexto, escolhemos como campo para pesquisa

uma instituição de Educação Infantil por dois fatores. O primeiro justifica-se pelo fato de estar

inserida como profissional e pesquisadora neste nível de ensino há pouco mais de oito anos,

Page 21: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

19

fato este que, geograficamente, marca a minha identidade como profissional e pesquisadora.

O segundo fator, fundamentado por pesquisadoras da infância e da educação para a infância

como Ana Lúcia Goulart de Faria (1999, 2007) e Daniela Finco (2004, 2010) é que as

instituições de Educação Infantil são espaços coletivos marcados por todos os tipos de

diferenças, tornando-se ambientes privilegiados para aprender e ensinar a convivência com as

diferenças, como também para problematizar como se dão essas relações e a construção

desses aprendizados, tornando, assim, espaços privilegiados para pesquisa.

Convém enfatizar, também, que optamos por uma instituição de Educação

Infantil no município de Campinas - SP por estar previsto no Plano Municipal de Educação e

no Currículo da Educação Infantil a questão relacionada ao gênero. A definição da instituição

se deu por ser dentre as convidadas a única a aceitar participar da pesquisa. A CEMEI está

localizada na região noroeste da cidade e atende crianças de 0 a 5 anos de idade.

No primeiro contato com a equipe gestora da escola levamos a carta de

apresentação e convite da pesquisa e agendei uma conversa com todas as professoras da

escola.

Após a primeira visita, retomamos em uma reunião de TDC2 onde foi

apresentada a proposta da pesquisa e fizemos o convite para as demais professoras da escola.

Embora a temática da pesquisa tenha gerado interesse em grande parte do grupo, apenas três

professoras optaram por participar da pesquisa. A partir da escolha delas, nossas práticas

aproximaram-se se como num entrelaçar de fios, pois, como diz Heva Freitas (2017): “Que é

nossa vida senão um entrelaçar de fios que se unem ao movimento de nossas escolhas? ”3

Neste entrelaçar de fios, mulheres que, na caminhada da vida, fizeram

escolhas: pela docência, sobretudo pela Educação Infantil, e pela militância em participar

desta pesquisa. São fios que falam da docência feminina, das infâncias, das práticas

pedagógicas, como também de questões relacionadas ao gênero.

A Narrativa como metodologia de investigação e produção de dados.

Para justificar a escolha de desenvolver esta pesquisa, a partir das narrativas

como metodologia de investigação aproximamo-nos de autores e autoras como Josso

(1988,2004, 2007), Sicardi (2008) e Sicardi Nakayama (2015).

2 Trabalho docente coletivo- Reunião realizada semanalmente destinada a formação docente e planejamento

coletivo 3 Frase disponível em: https://www.pensador.com/frase/NTExNzAw/. Acesso em novembro de 2017

Page 22: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

20

Nos últimos anos, o desenvolvimento de estudos que envolvem metodologia de

pesquisa sobre narrativas, autobiográficas ou não, tem sido recorrente na área da educação,

sobretudo no campo de formação de professores. Esse tipo de pesquisa de acordo com Nóvoa

(1995) traz o professor para o centro dos debates educativos.

As pesquisas dos autores referenciados acima oferecem-nos um novo campo

teórico metodológico para pesquisa em educação, pois encontramos nas narrativas, entrevistas

e autobiografias de professores uma possibilidade de ouvir a voz do professor e fazer

aproximações de sua história de vida com sua prática. Para Goodson (1995), uma investigação

pautada na prática do professor e nas possíveis mudanças deve ter como ponto de partida

ouvir a voz do professor.

Necessita-se agora de escutar acima de tudo a pessoa a quem se destina o

“desenvolvimento”. Isso significa que as estratégias a estabelecer devem facilitar

maximizar e, em sentido real, surpreender a voz do professor (GOODSON, 1995, p.

69).

Tomada a sua importância, as narrativas e (auto) biografias estão sendo muito

utilizadas nas pesquisas em educação e permitem dar visibilidade ao papel do professor na

medida em que traz uma mudança na forma de apresentar e representar o docente nas

pesquisas sobre formação docente e desenvolvimento profissional. Segundo Goodson apud

Almeida (2012 p. 6), “a investigação narrativa permite aprofundar nossos entendimentos

sobre a vida e o trabalho dos professores/as”.

Assim, as narrativas, relatos de vida, relatos da prática e (auto) biografia

permitem “estudar temas como a intersubjetividade, a vida cotidiana, os papéis sociais, os

valores, as identidades, o compromisso, a troca de interesses individuais e coletivos” como

afirma Sicardi (2008, p. 59). Dentro do contexto desta pesquisa, as narrativas das professoras

participantes possibilitaram conhecer o modo como se constituíram mulher, profissional da

educação e os valores que permeiam suas práticas.

Além disso, encontramos nas narrativas

[...] uma maneira, ou uma via de conhecer o que é vivido pelas pessoas com toda a

sua carga de subjetividade, partindo da estruturação dos acontecimentos que constrói

a pessoa que narra a sua vida e assim poder conhecer seu contexto sócio cultural

recuperando a totalidade a partir das particularidades (SICARDI, 2008, p. 60).

A autora também complementa que o trabalho com narrativas na pesquisa

consiste em um processo de construção e desconstrução das próprias experiências vividas

tanto do sujeito da pesquisa como do pesquisador, tornando-se, assim, um movimento

dialógico que possibilita “uma cumplicidade de dupla descoberta” (SICARDI NAKAYAMA,

2015, p.21).

Page 23: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

21

Para Nóvoa (1995), as pesquisas com base nas abordagens (auto) biográficas

possuem uma qualidade heurística, o que possibilita serem analisadas sobre diversos olhares,

possibilitando a produção de conhecimento que se cruza com diversos tipos de saberes.

Sejam professores em exercício da função ou em formação inicial, o modo

como narram suas trajetórias de vida e formação dão profundo sentido à escolha da profissão,

à área de atuação e à sua própria prática.

Ao falar de si, o professor emerge em um processo que é altamente formativo,

reflexivo e emotivo. Ao narrar, o docente entrelaça os fios do passado, presente e futuro,

tendo a possibilidade de falar sobre o que foi o que é e o que poderá vir a ser. Segundo

Passegi e colaboradoras (2006), as narrativas também transformam a representação que o

professor tem de si e da sua prática.

Por vez, o exercício de narrar expõe as nossas experiências vividas na

trajetória de vida pessoal e profissional que, de modo muito particular, são articuladas às

relações que estabelecemos com diferentes sujeitos, com a profissão, com as crianças, com a

escola. Narramos uma trajetória marcada por escolhas, conflitos, contradições, certezas, erros

e acertos, alegrias e frustrações. Desse modo, o ato de narrar permite ao professor um

encontro “consigo mesmo” e que busca o desvelamento sobre “como me tornei no que sou” e

“como tenho eu as ideias que tenho” (JOSSO, 1988, p. 41).

Fato é que este tipo de pesquisa permite a produção de conhecimento sobre os

professores, sendo para Nóvoa (1995), o mais adequado para compreender o professor

enquanto pessoa, profissional e, sobretudo, a sua prática educativa, já que “a vida é o lugar da

educação e a história de vida o terreno no qual se constrói a formação. Por isso a prática da

educação define o espaço o espaço de toda a reflexão teórica” (PIERRE DOMINICÉ, apud

NÓVOA, 1995, p. 24).

As narrativas das quatro professoras de Educação Infantil apresentadas neste

trabalho trazem os fios da infância, da militância feminina, da arte e do gênero. São fios

vivos, carregados de histórias e saberes que mais adiante serão alinhavados aos retalhos

fotográficos de suas práticas.

Ludke e André (1986) afirmam que, dentro da pesquisa qualitativa, a escolha

dos métodos e o modo como são coletados os dados são essenciais para o resultado da

pesquisa. Optamos pela narrativa (oral e escrita) a partir de registros fotográficos da prática.

O uso da fotografia com narrativa caracteriza-se como uma fusão de elementos

que apesar de distintos, completam-se. É a cumplicidade da imagem com a palavra.

Page 24: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

22

Os registros fotográficos da prática serão utilizados como elementos

disparadores para a produção das narrativas, pois as fotografias também estão cheias de

memórias, de histórias para contar e, dependendo do olhar, são capazes de trazer o visível e o

invisível.

Tomamos a fotografia como um recurso tecnológico muito utilizado pelas

professoras no cotidiano com as crianças, com a capacidade de “capturar”, fixar e ou registrar

momentos significativos da prática pedagógica e de provocar diferentes olhares, ampliando os

modos de ver e compreender uma mesma imagem.

Assim, o uso da imagem na pesquisa científica

[...] pode ser pensada como forma de evidenciar os fatos e situações, a representação

como forma de acesso e comprovação da realidade e a duração como forma de

marcar, neste território de verdades científicas, a fugacidade da vivência e das

visibilidades cotidianas (TITTONI et al., 2010, p. 60).

A composição destas narrativas foi desenvolvida em quatro momentos

diferentes, sendo: a escolha das fotografias pelas professoras, a gravação da narrativa oral a

partir das fotografias, a textualização do material de áudio pela pesquisadora e a validação das

mesmas juntamente com as narradoras.

Após aceitação das professoras em fazer parte da pesquisa foi combinado que

cada uma separasse fotografias de atividades e momentos da prática pedagógica que fosse

significativo para elas, incluindo, caso tivessem, fotografias relacionadas ao trabalho com

relações de gênero. As entrevistas foram agendadas individualmente de acordo com a

disponibilidade de cada professora e horário de TDI4.

A primeira conversa foi gravada e produzida a partir de um roteiro pré-

estabelecido, dividido em dois momentos, sendo o primeiro mobilizado pelas seguintes

questões:

Quem sou eu?

Como me constitui professora de Educação Infantil?

No segundo momento da entrevista foi proposto que as professoras falassem

das fotografias, considerando os eixos prática pedagógica e gênero.

Após o término da gravação das narrativas foi feita a textualização das mesmas

pela pesquisadora.

Com as narrativas textualizadas e impressas foi feita a validação das mesmas

com as professoras participantes.

4 Trabalho Docente Individual: momento destinado ao professor para estudos, atendimento aos pais,

planejamento entre outras.

Page 25: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

23

Apesar de ter um roteiro único para a produção das três narrativas cada uma

teve um direcionamento diferente. Falar de si e da sua prática nem sempre é algo confortável,

por esse motivo procurei aproximar-me mais das participantes, falar de mim enquanto

profissional da educação para que elas não me vissem como uma “estranha”.

Não estipulamos tempo para cada produção de narrativa: foi de acordo com a

disponibilidade de cada narradora. Em média, cada conversa durou quarenta minutos.

Durante as conversas, procurei fazer o exercício da escuta sensível e fazer

intervenções apenas se necessário. Foram bons momentos de conversa e aprendizado mútuo

que não se caracterizou apenas como um relato da prática, mas um diálogo entre as teorias,

valores e saberes. Nas três produções não foi necessário retomar aos eixos gênero e prática

pedagógica, pois estavam presentes nas falas das participantes.

Os textos serão apresentados na primeira pessoa e compostos por temáticas

variadas que marcam a identidade docente de cada narradora. São relatos que, nas entrelinhas,

revelam o valor do trabalho para a família, do estudo como ascensão social; são recordações

tristes e engraçadas de mulheres e professoras.

Ao utilizar neste trabalho a metáfora da colcha de retalhos, foi proposto que

cada professora escolhesse elementos utilizados para fazer uma colcha de retalhos, tecidos ou

pontos de costuras que a representasse e justificasse sua escolha. Assim, a colcha passa a ser

composta por tecidos como Capulana: de origem africana, resistente, colorido e carregado de

história e a Chita: apresenta a diversidade de cores e estampas, capaz de embelezar qualquer

ambiente. Para ligar um retalho no outro, o ponto Casadinho e para dar acabamento

harmonioso, o Viés, uma tira de tecido separada do todo com estampas diversas.

Page 26: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

24

1. ALINHAVO I - PROFESSORA VIÉS: O LUGAR DA INFÂNCIA E DO GÊNERO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

Neste primeiro alinhavo, narro minha trajetória enquanto mulher, professora e

pesquisadora a partir de fotografias, trazendo uma aproximação com o objeto de pesquisa.

Vou tecendo diálogos entre a teoria e meus aprendizados construídos na caminhada docente e,

reconhecendo neles, as marcas e os significados que vão me constituindo profissional da

educação e pesquisadora inicial.

Na intenção de compor esta colcha de retalhos junto com as professoras

participantes da pesquisa, escolhi o viés como um elemento que me identificasse. O viés é

uma tira de pano cortada de uma peça de tecido que se usa como enfeites ou acabamentos.

Justifico a escolha desse elemento da colcha para me identificar neste estudo, pois é assim que

me vejo como pesquisadora iniciante. Faço parte de um todo, ou seja, de um campo de

pesquisa e que ao me “desprender” tenho condições de marcar dando o acabamento

necessário e fazer a diferença nos “pequenos” espaços educacionais que faço parte.

Narrar minha trajetória profissional na educação, evidenciando a prática

pedagógica que venho construindo ao longo da carreira a partir de fotografias cuidadosamente

selecionadas, é também falar sobre a construção da minha identidade enquanto mulher negra,

filha de empregada doméstica. Portanto, ao falar da minha prática pedagógica, torna-se

indissociável falar de questões relacionadas ao gênero, às questões de raça/etnia e de classe,

pois como coloca Nóvoa (1995, p. 17) “a maneira como cada um de nós ensina está

diretamente dependente daquilo que somos como pessoas quando exercemos o ensino”. No

entanto, cabe ressaltar que a temática central a ser discutida refere-se às questões relacionadas

ao gênero.

Assim, a trajetória pessoal está interligada com a trajetória profissional e ambas

constituem o processo formativo docente que, de certo modo, define a nossa atuação como

professoras da Educação Infantil e revela nossas percepções sobre o fazer pedagógico.

Inspirada no livro “A Colcha de retalhos”, de Conceil Corrêa da Silva e Nye

Ribeiro da Silva (2010)5, busco associar essas fotografias a retalhos de tecidos guardados,

5 O livro conta a história de um menino e sua avó que ao selecionar e costurar retalhos para fazer uma colcha

trazem a memória lembranças e recordações de momentos significativos para ambos.

Page 27: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

25

onde cada pedaço de tecido traz consigo uma lembrança, um significado e que, ao serem

costurados, formam uma colcha de retalhos com muitas histórias para contar.

Cada retalho guarda uma lembrança a emergir do passado, um sentimento.

Assim são as fotografias que trago aqui, retalhos fotográficos guardados de anos de trabalho

como professora e também como coordenadora pedagógica. Meus retalhos serão costurados

ao fio da escrita para dar outro sentido à minha história como profissional da educação e à

minha prática.

Remexer os álbuns de fotografias referentes à minha carreira profissional

foram momentos de trazer à memória lembranças que fizeram emergir sentimentos mais

diversos: a alegria por ter realizado o sonho de ser professora - que fora alimentado desde a

minha infância, a saudade de pessoas queridas, as quais pude aprender e compartilhar tantos

bons momentos. Deparei-me com a tristeza vivida pelas frustrações de uma professora

iniciante e também me espantei ao lembrar de posturas tradicionais e conservadoras que

marcaram minha prática no início da minha carreira docente. Caracterizou-se por um processo

que Josso (2007), define como um momento onde “as subjetividades exprimidas são

confrontadas à frequente inadequação a uma compreensão libertadora de criatividade em

nossos contextos de mutação”. Foi um confronto comigo mesma!

A autora salienta, também, que esse movimento reflexivo de escrita da

narrativa, além de ser um processo altamente formativo, possibilita evidenciar e questionar as

heranças, a continuidade e a ruptura do que construímos ao longo da nossa experiência.

O processo de escrita desta narrativa resulta de um encontro do passado com o

presente, um momento de reconstruir a trajetória vivida de modo não cronológico da minha

prática pedagógica, estabelecer um diálogo sobre a visão que tinha sobre educação, criança e

gênero reveladas nas entrelinhas das fotografias e o olhar que tenho hoje sobre tais questões.

Os retalhos fotográficos selecionados atravessam minhas experiências como

mulher, professora, coordenadora pedagógica e pesquisadora. São hoje para mim, mais que

registro de momentos ou atividades significativas documentadas, pois mostram o meu

crescimento como profissional e as mudanças de percepções sobre a minha prática. São

imagens que provocam meu olhar, meu pensamento; evidenciam a intencionalidade do meu

trabalho pedagógico, convidam-me a refletir sobre minha trajetória docente, meu processo de

formação. Elas narram minhas experiências, dão significado a quem eu sou e ao que faço.

A partir destes retalhos fotográficos selecionados e apresentados em ordem não

cronológica, componho a narrativa da minha prática. Ao costurar os retalhos, vou narrando o

Page 28: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

26

processo de constituição da minha identidade como mulher, professora, pesquisadora em

constante formação. Narro minha prática construída ao longo dos anos de carreira docente e o

lugar da temática do gênero na minha vida, na minha história.

Portanto, faço o segundo convite ao leitor (a): o de alinhavar comigo as minhas

memórias, as fotografias e os referenciais teóricos representados na minha narrativa que

compõem esta parte do texto. Seja bem-vindo (a)!

Page 29: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

27

Alinhavo de memórias

Como com quem tem agulha e linha nas mãos,

separo meus retalhos fotográficos

carregados de histórias

e alinhavo as minhas memórias.

Memórias passadas

Que invadem o presente,

Trazendo consigo

Sentimentos diversos:

alegria, tristeza

frustração e realização!

Por baixo, por cima;

Por cima, por baixo!

Elas falam de crianças,

de infâncias, de mulheres,

de meninos e de meninas;

de preconceitos e de aceitação.

Por cima, por baixo;

Por baixo, por cima!

Elas me fazem reviver

O que já foi vivido um dia.

Raquel Batista (2017)

Page 30: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

28

Retalhos fotográficos

Figura 2: Retalhos fotográficos da professora Viés

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista. Montagem produzida pela autora- 2017.

Page 31: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

29

Figura 3: Retalhos fotográficos da professora Viés II

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista. Montagem produzida pela autora- 2017.

Page 32: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

30

1.1 Retalhos de um Viés: Quem sou eu?

Quem sou eu? Falar sobre mim é um exercício de profunda reflexão e imersão

para dentro de si. Descrever-me na totalidade nesta narrativa configura-se em algo impossível.

Por este motivo apresento apenas alguns retalhos sobre quem eu sou. O trecho do poema

abaixo diz um pouco a meu respeito.

Sou aquela mulher

A quem o tempo muito ensinou

Ensinou a amar a vida

E não desistir da luta

recomeçar na derrota,

renunciar a palavras

e pensamentos negativos.

Acreditar nos valores humano

E ser otimista

Cora Coralina 6

Sou Raquel Batista! Nasci na cidade de Campinas, interior do estado de São

Paulo no ano de 1979, a primeira filha de Maria Ilma Moreira da Silva, pessoa esta que foi

fundamental para que hoje eu estivesse ocupando o lugar de aluna de pós-graduação em uma

universidade pública. Por isso, afirmo que minha trajetória de formação antecede a minha

entrada na escola. Ela inicia-se no ventre da minha mãe, na experiência da maternidade vivida

por ela e segue nos aprendizados que construí com meus familiares, amigas, amigos e

companheiras de trabalho.

Os retalhos fotográficos abaixo são os que melhor falam sobre quem eu sou

neste momento.

6Retirado do site: https://www.pensador.com/frase/MTEwNzM3NQ/. Acesso em agosto de 2017

Page 33: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

31

Figura 4: De fada a SuperGirl

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2014 e 2016.

Eles foram tirados em anos diferentes - 2014 e 2016 - na festa à fantasia que

realizamos anualmente na escola onde atuo como coordenadora pedagógica. Também podem

ser referenciados como: antes e depois de ingressar no mestrado. Das três festas que participei

sempre procurei me fantasiar de fada ou princesa até me questionar sobre o fato de estar

reforçando os estereótipos de gênero. Por que meninas devem se fantasiar de princesas e

meninos de super-heróis? Decidi romper com o que esperavam da “tia Raquel”: fantasiei-me

de super-herói.

A fotografia em que estou fantasiada de “supergirl” revela um período de

superação e coragem de representar com uma fantasia meus questionamentos sobre o meu

papel de coordenadora, frente às questões de gênero na escola.

Ela melhor representa quem eu sou: uma mulher que tem enfrentado os

preconceitos de raça e gênero, tão presentes em uma sociedade racista e machista e que se

propõe a ocupar lugares que historicamente e socialmente não são destinados a uma mulher

negra.

Page 34: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

32

Estou em um momento de redescoberta de mim mesma. As leituras, palestras,

filmes e interesse sobre a temática de gênero têm contribuído para que eu perceba que não

preciso ser ou agir de acordo com os padrões historicamente e socialmente determinados para

as mulheres, embora não seja nada fácil romper com tudo isso.

A minha identidade não está sendo construída apenas pelas questões

relacionadas à temática do gênero, mas também às questões ligadas à temática racial, afinal de

contas sou preta, negra, mulher negra! Assumir-me assim é afirmar que estou em um processo

de tornar-me mulher, de empretecer, de empoderar-me. Como disse a militante negra Lélia

Gonzáles, “a gente nasce preta, mulata, parda, marrom, roxinha dentre outras, mas tornar-se

negra é uma conquista".

Assumir-me como mulher negra é estar diante da realidade de viver violência

dupla, de um lado a opressão sexista e de outro o racismo; é estar fora do padrão estético

imposto pelas mídias, é deparar-me no modo como reproduzo o machismo e o racismo que

foram plantados em mim desde a minha infância. Tornar-me uma mulher negra é superar tudo

isso. Cresci ouvindo que preto não tinha vez e que preta tinha que ser caprichosa e se esforçar

para vencer na vida. Por isso, cresci querendo ser quem eu não era. Minha família não tinha

outra visão a respeito para me ensinar. Era assim que se viam. Seus ascendentes sofreram com

a escravidão, com os estalos das chibatas, com palavras que os diminuíam enquanto seres

humanos, as mulheres sofreram assédios e foram violentadas.

Nas poucas histórias que ouvi da minha avó sobre a escravidão, ela contou-me

que sua vovó, minha tataravó, havia jogado água quente no feitor para não ser violentada

sexualmente. Naquela noite, orgulhei-me das mulheres da minha árvore genealógica, pois este

foi um ato de resistência e de coragem, muita coragem.

A minha identidade feminina carrega as marcas das mulheres da minha família,

de algumas professoras do magistério e da graduação. Com as mulheres da minha família

aprendi a cozinhar, limpar a casa, cuidar de crianças, pois estas eram responsabilidades

destinadas a nós, mulheres. Por outro lado, também cresci vendo minhas tias trabalharem com

enxada na mão, baterem massa de concreto, minha avó cortar e carregar lenha e minha mãe

assumir a responsabilidade de sustentar três filhos com salário de empregada doméstica. A

partir desses exemplos, fui educada a trabalhar dentro e fora de casa, como afirma Bueno

(1993, p. 313), “família é um dos espaços onde se educa e se constrói a mulher e mais adiante

a professora”. Sobre ser professora, não consigo identificar quando a docência foi despertada

em mim, mas sei que cresci sonhando exercer tal profissão.

Page 35: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

33

Fui uma criança muito tímida, com muitos medos e apaixonada por bonecas e

lousa, estes eram meus brinquedos favoritos. Embora meus pais tivessem apenas o primário

incompleto e não terem tido o hábito da leitura, havia na estante da minha casa muitos livros.

Minha mãe conta que era chique ter livros na decoração da sala. Eu era fascinada pelas

enciclopédias e, às vezes, ela me deixava pegá-las para brincar. Então eu sentava as minhas

bonecas na cama e brincava de ler para elas.

Aprendi com meus pais e minha tia Maria que, para “ser alguém na vida”, era

necessário frequentar a escola. Diante desta crença que envolvia toda a minha família, o meu

primeiro dia de aula caracterizou-se como um dia especial.

Em 1985, aos cinco anos de idade, tive meu primeiro contato com a escola,

ingressando na “EMEI Beija Flor” para fazer a Pré-escola. Se memória tivesse cheiro, esse

período da minha vida escolar teria cheiro de massinha de modelar e leite com Toddy.

Minha professora da pré-escola ensinou-me a escrever meu nome, as cores,

sempre segurava minhas mãos e me pegava no colo quando eu chorava, preocupava-se por eu

não comer a merenda da escola e mostrava-se carinhosa e atenciosa, sentia me segura em tê-la

como professora. Quando minhas tias perguntavam sobre minha professora eu dizia que

gostava dela pelo carinho e atenção que me dispensava nos momentos em que eu chorava

(todos os dias!). Hoje compreendo que a imagem que eu tinha da minha primeira professora

baseia-se no estereótipo maternal construído socialmente com a feminização da docência.

Diferente da pré-escola, o primário caracterizou-se como um tempo de tristeza

e sofrimento para mim. Sofri com as brincadeiras e apelidos que colocavam em mim pelo fato

de ser negra. Riam das minhas roupas, do meu cabelo, da minha cor e riam mais ainda quando

eu dizia que iria ser professora quando crescesse. Eu me calava e chorava e o modo que

encontrei para me defender foi procurar ser a melhor aluna da sala. Algumas vezes cheguei a

comentar com minha tia, mas ela repetia as falas da minha avó paterna: dizia que os negros

sempre seriam maltratados e que era nossa sina; não adiantaria falar nada. Neguei minha

identidade, minha negritude.

Se na escola eu não tinha liberdade para me expressar, em casa e na rua eu

tinha. Minha infância, fora da escola, era divertida, livre e criativa. Na Rua Dois, meninos e

meninas brincavam juntos de pega-pega, pique- esconde, comidinha, casinha e escolinha.

Aos dez anos já tinha convicção do que “queria ser quando crescer”. Quando

me perguntavam, eu logo respondia: Quero ser professora! Igual à “tia” da pré-escola. A

docência já falava alto. Pedia lousa de presente para meu pai nas datas comemorativas e

Page 36: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

34

sempre ganhava, lembro-me de ter três lousas diferentes. Decidi, então, abrir na garagem de

minha casa “A Escolinha da Garagem”, onde, entre a brincadeira e a seriedade, eu auxiliava

as crianças da rua a fazerem suas tarefas e eu dava-lhes aulas de reforço.

Cresci sonhando em ser professora e dando aula para minhas bonecas,

esperando o dia em que pudesse ter alunos de verdade. O sonho não ficou na infância, na

adolescência. Em 1994 entrei no magistério, levada pelo incentivo da minha mãe que desejava

que eu fizesse um curso técnico para ter uma profissão, optei em fazer o curso de Magistério.

A princípio estranhei pelo fato da sala ser composta apenas por mulheres e a maioria delas

mais velhas do que eu.

Louro (1997) explica que a predominância de mulheres no curso do Magistério

é um fato construído socialmente ao longo da história, pois a imagem da mulher sempre

esteve atrelada ao cuidado e educação das crianças, a princípio na esfera privada (família) e

incorporada à esfera pública (escola).

Nesta direção, Chamon (2006) complementa afirmando que a feminização do

magistério não é um fenômeno novo; ela acontece desde a metade do século XIX. A autora

afirma que, antes de surgirem as primeiras vagas para mulheres no setor público, estas só

tinham acesso à educação religiosa em conventos. Assim, cabia às meninas aprenderem a

manusear tesouras e agulhas e encerrar seus estudos no ensino primário, pois eram impedidas

de continuar a frequentar escolas.

Segundo Louro (1997b), a entrada das mulheres no magistério no Brasil se deu

ao longo do século XIX e foi acompanhada pela entrada de meninas e outros grupos sociais

na escola. No entanto, a presença feminina no magistério, seja como alunas nas escolas

normais ou como professoras de meninos e meninas causou muitas polêmicas na sociedade da

época uma vez que:

A identificação da mulher com a atividade docente, que hoje parece a muitos tão

natural, era alvo de discussões, disputas e polêmicas. Para alguns parecia uma

completa insensatez entregar às mulheres usualmente despreparadas, portadora de

cérebros „pouco desenvolvidos‟ pelo seu „desuso‟ a educação das crianças (p. 450).

Contrapondo-se à essa argumentação, houve também o discurso da mulher

como educadora por natureza, associando-se ao dom maternal feminino. Nessa direção o

magistério era considerado uma vocação natural feminina e, portanto, uma atividade de amor,

compaixão e doação. Desse modo, a figura feminina na educação de crianças sempre foi

relacionada à maternidade e a função doméstica devido a todo contexto social e cultural que

envolve o papel da mulher na sociedade.

Page 37: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

35

Por outro lado, a predominância feminina nas séries iniciais nem sempre

existiu. Louro (1997b) aponta-nos em seus estudos que, no Brasil, o espaço escolar desde o

início foi demarcado por homens e meninos, a começar pela educação oferecida pelos

jesuítas; educação essa que se dirigia à formação de meninos brancos e da elite. Aos poucos,

estendeu-se a meninos de outros grupos sociais, etnias e às meninas. Para acolher essa nova

demanda foi necessário incluir as mulheres no quadro docente.

Os estudos de Louro (1997) sobre a mulher na carreira do magistério, apontam,

também, que fatores políticos, sociais e econômicos influenciaram a predominância das

mulheres na profissão docente. Segundo a autora, no início do Século XX o Brasil passava

por grande expansão econômica que girava em torno da cultura do café trazendo novas

oportunidades de emprego para os homens. Como eram oportunidades mais lucrativas, os

homens foram deixando as salas de aula e dando espaço as mulheres.

Com essas mudanças econômicas e sociais

[...] os apelos ao trabalho das mulheres surgem como uma oportunidade de se

alcançar o espaço público com aprovação social. Ser servidoras da pátria, como

professoras, passava a ser uma possibilidade de comunicação com o espaço público

com um nível de aprovação social, antes só concedida pelo casamento. Para um

campo de trabalho abandonado, em que o contingente masculino de professores ia

gradativamente se esvaziando, eram as mulheres as substitutas ideais: virtuosas,

econômicas, abnegadas e ainda mais, “vocacionadas” para o trabalho de ensinar.

(CHAMON, 2006 p. 9).

As influências exteriores e a ideia de modernização também contribuíram para

o reconhecimento da importância da formação escolar das mulheres. Porém, cabe aqui

ressaltar que o estudo era restrito às mulheres de famílias mais abastadas. O ensino era

voltado à educação moral e habilidades consideradas femininas. Como afirma Louro (1997b),

As habilidades com as agulhas, os bordados, as rendas, as habilidades culinárias,

bem como as habilidades de mando das criadas e serviçais, também faziam parte da

educação das moças; acrescidas de elementos que pudessem torná-las não apenas

uma companhia agradável ao marido, mas também uma mulher capaz de representá-

lo socialmente... (p.446).

No Brasil República, os altos índices de analfabetismo e a necessidade de

moralizar o cidadão e educá-lo para o trabalho fizeram com que a mulher fosse vista como o

“elemento moralizador por excelência”, como afirma Chamon (2006, p. 10). Desse modo, a

mulher era reconhecida como sendo de grande importância para a moralidade da população.

Com isso, muitas mulheres da classe média viam no magistério um meio de alcançar um

espaço público de reconhecimento social.

Page 38: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

36

Desse modo, com a predominância feminina nos cursos de formação para

professores da escola primária e nas escolas, a profissão docente passa a ser assumida como

uma profissão do gênero feminino.

[...] por fim os cursos normais tornam-se escolas de mulheres. Seus currículos, suas

normas, ou uniformes, o prédio, os corredores, os quadros, as mestras e mestres,

tudo faz desse espaço dedicado a transformar meninas/ mulheres em professoras. A

instituição e a sociedade utilizam múltiplos dispositivos e símbolos para ensinar-lhes

sua missão, desenhar-lhes um perfil próprio, confiar-lhes uma tarefa. A formação

docente também se feminiza. (Louro, 1997b 454).

Ainda que a mulher passasse a desenvolver uma atividade profissional e

produtiva, isso não a desvinculava de sua função principal: ser esposa e mãe. Sendo assim,

como a atividade docente possuía uma jornada de meio período, passou a ser a mais adequada

para as mulheres, uma vez que existia a facilidade de conciliar trabalho com os afazeres

domésticos.

Assim, durante os quatro anos de magistério os assuntos sobre cuidado de

filhos, serviços domésticos e dicas de moda permeavam as rodas de conversa nos intervalos.

As mulheres mais velhas da turma falavam de suas experiências de vida, compartilhando

grandes ensinamentos com as demais. Segundo Bueno e colaboradoras (1993), essas

conversas possibilitam o cruzamento de valores, práticas e comportamentos inscritos no

universo feminino.

Aprendi nas aulas de Didática a confeccionar materiais, preparar pastas de

datas comemorativas, usar o mimeografo e a me portar como uma professora. Lembro-me da

professora falando que não deveríamos usar esmaltes vermelhos e brincos grandes: discrição

era a marca de uma boa professora. Construí, assim, um modelo de professora ideal, tal como

a minha professora da pré-escola.

1.1.2- Retalhos sobre o ser professora

Conclui o curso do magistério com a concepção de que ser professora era uma

missão, um dom e que eu tinha este dom. Após três anos de formada, aos 21 anos de idade,

dei início à minha carreira docente como professora efetiva no município de Hortolândia.

Com muito medo, assumi uma turma de primeira série com quarenta alunos. O meu desejo era

trabalhar com pré-escola, por acreditar ser mais fácil e o melhor para uma professora

iniciante. Mesmo com medo, estava muito feliz: havia realizado um sonho! Pensava em

desenvolver práticas inovadoras e construtivistas. Naquela época, eu nem sabia ao certo o que

isso significava. Tinha em mente que, para alfabetizar, o método tradicional não era o mais

adequado. Mas como fazer para alfabetizar quarenta crianças? Percebia que pela pouca idade

Page 39: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

37

e inexperiência não tinha muito crédito com a coordenadora pedagógica e nem com as

professoras mais antigas. Algumas aconselhavam-me e outras tentavam me desaminar, ouvi

muito a frase: “Se eu tivesse sua idade, procuraria outra profissão! ” Essas falas não me

desanimavam, estava eufórica, animadíssima, sentia-me realizada por ter a minha sala, meus

alunos, um lugar na sala dos professores, um grupo profissional para pertencer. Mas o

primeiro dia de aula chegou, as crianças que não paravam de falar, não me ouviam, alguns

choravam e eu sem saber o que fazer.

Fui orientada pela coordenadora pedagógica a fazer o mesmo que as

professoras com mais experiência em alfabetização. Desse modo, as professoras da primeira

série compartilhavam comigo suas atividades e na minha sala eu aplicava do meu jeito.

Apesar de utilizar músicas, brincadeiras como recursos em minhas aulas o modo como eu

organizava a sala, escrevia nos cartazes da parede, escrevia na lousa era semelhante a das

minhas professoras do primário, as práticas do ensino tradicional eram fortes em mim.

Embora participasse de algumas formações oferecidas pela Secretaria de

Educação, fui compreendendo que alegria e paixão pela educação não eram capazes de

atender às demandas que ser professora em início de carreira requeriam.

Ao relembrar os dezesseis anos de carreira docente, hoje vejo que passei por

várias fases que se diferenciavam uma das outras: momentos de incertezas, grande euforia,

intensa alegria e momentos de rupturas fechando e abrindo novos ciclos na minha trajetória

profissional. A respeito das fases vividas por um professor durante o seu período de docência

Huberman (1992) define como ciclo de vida profissional dos professores e ao analisar na

perspectiva de carreira coloca que

O desenvolvimento de uma carreira é, assim, um processo e não uma série de

acontecimentos. Para alguns, este processo pode parecer linear, mas para outros, há

patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, descontinuidades. O

facto de encontrarmos sequências- tipo não impedem que outras pessoas nunca

deixem de praticar a exploração, ou que nunca estabilizem, ou que desestabilizem

por razões de ordem psicológica (tomada de consciência, mudança de interesse ou

de valores) ou exteriores (acidentes, alterações políticas, crise económica). (HUBERMAN, 1992, p. 38)

As fases da minha carreira docente são marcadas por rupturas, períodos em

que me afastei da sala de aula para assumir o cargo de coordenadora pedagógica de uma

EMEI (Escola de Educação Infantil). Foi meu retorno para à Educação Infantil. Foi uma fase

de grandes aprendizados e um momento de ruptura, pois decidi neste momento que não queria

mais atuar no Ensino Fundamental. Estava reconstruindo um novo olhar para a criança. A

criança nas suas múltiplas linguagens.

Page 40: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

38

Acreditava na formação continuada como um meio de melhorar a minha

prática e tornar-me uma professora melhor, pois estava fundamentada na ideia de que

“consumir” (ZEICHNER-2000 apud DINIZ PEREIRA) o conhecimento produzido nos cursos

de formação resolveria os problemas da minha prática. Queria aprender teoria para aplicar na

prática.

Após dois anos na coordenação pedagógica, retornei para a sala de aula como

professora com sede na Educação Infantil, este acontecimento representou uma nova fase na

minha vida profissional e pessoal. A experiência como coordenadora pedagógica, os cursos

de formação continuada que havia participado e dez os anos de experiência profissional

colaboravam para que me sentisse mais segura e disposta a enfrentar os desafios da profissão.

Huberman (1992) define este momento como um período de estabilização,

uma fase que consiste em um período de “libertação”, de mais segurança devido à experiência

vivida, pois o profissional passa a ter mais domínio sobre questões pedagógicas, sentindo se

mais vontade de experimentar.

O contato mais direto com as crianças me fez procurar saber mais sobre elas.

Assim, buscava participar de eventos vinculados aos grupos de pesquisa que estudavam

infância e Educação Infantil. Os estudos referentes às pedagogias da infância contribuíram

para que eu começasse a enxergar a criança como um sujeito histórico e social, com direitos e

especificidades próprias e não mais como um “ser” biológico em desenvolvimento, adulto em

miniatura, um vir a ser, como define Kramer (2003).

[...] não é filhote do homem, ser em maturação biológica; ela não se resume a ser o

que não é, mas que se tornará (adulto, no dia em deixar de ser criança)... as crianças

como cidadãs, pessoas que produzem cultura e são nelas produzidas, que possuem

um olhar crítico que vira pelo avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem.

(op. cit. p. 91).

O reconhecimento da criança como um sujeito ativo, participativo, que aprende

e constrói seus conhecimentos a partir das relações sociais, fundamenta-se nas ideias

abordadas pela sociologia da infância que, para Sarmento (2005), se propõe a:

[...] constituir a infância como objeto sociológico, resgatando-a das perspectivas

biologistas, que a reduzem a um estado intermédio de maturação e desenvolvimento

humano, e psicologizantes, que tendem a interpretar as crianças como indivíduos

que se desenvolvem a independentemente da construção social das suas condições

de existência e das representações e imagens historicamente construídas sobre e para

eles (p. 363).

Dentro desta perspectiva, não falamos de criança no mero sentido biológico

que concebe a criança como única, mas referimo-nos à criança no sentido social, que vive o

mesmo período, mas em contextos diferentes.

Page 41: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

39

Javeau (2005), ao discutir o conceito polissêmico de infância, chama a atenção

para a utilização dos termos enquanto categorias “infância, criança e crianças”, porém vamos

limitar na nossa discussão abordando apenas a categoria “criança”. Segundo o autor, o termo

criança remete à ordem psicológica, considerando suas características individuais e fases do

desenvolvimento. Neste sentido, ele afirma que, quando a criança é vista apenas no sentido

biológico, ela acaba tornando-se um objeto abstrato destinado a passar por níveis diversos de

aquisição de competências, o que ele chama de “etapa de fabricação da personalidade” dos

indivíduos (JAVEAU, 2005, p. 382).

Quando exigimos que as crianças de diferentes culturas e histórias passem

pelos mesmos processos de desenvolvimento ao mesmo tempo, acabamos por desconsiderar

suas peculiaridades.

O estudo da infância não está mais confinado a perspectivas lineares tradicionais de

„socialização‟ e „psicologia desenvolvimental a ciência social relaciona-se com a

infância numa variedade de formas novas e interessantes, com contribuições da

sociologia, antropologia, política social, geografia social, história, direito e trabalho

social, que agora marcam o seu lugar no nosso entendimento da infância e das vidas

diárias das crianças (JAVEAU, 2005, p.384).

Consequentemente, tal mudança de olhar contribuía para repensar minha

prática com as crianças, pois, de acordo com Leite (2011), os modos de conceber a infância

estão diretamente relacionados aos modos de lidar com a criança e esses, por sua vez, acabam

indicando formas de pensar e refletir a infância.

Figura 5- A professora aos olhos de criança

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2012 e 2013

Page 42: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

40

Estas duas fotografias têm significado especial para mim, por significarem a

desconstrução do que eu concebia sobre a criança na escola. Ao refletir sobre infância,

comecei a construir um novo olhar sobre a criança, olhar este que me permitia deixar à

disposição das crianças uma máquina fotográfica para que pudessem registrar situações e

momentos da rotina. Foram muitos os momentos em que fui fotografada. Era eu a professora

aos olhos das crianças, de pertinho, do alto.

As crianças são acostumadas a levantar a cabeça ou os olhos para olhar e falar

com a professora. Na maioria das vezes somos nós que pedimos atenção para o que estamos

fazendo ou falando em sala de aula. Essas fotografias retratam o oposto. Fui eu, enquanto

professora, que olhei de pertinho, nos olhos, quando uma menina me chamou e bateu a foto.

Também levantei o olhar para dar atenção a uma criança que lá de cima da casinha de madeira

pode olhar para mim “de cima”. O meu olhar mudou e o das crianças também!

O fato de olhar as crianças que estavam ali comigo no cotidiano da escola

como sujeitos de direitos me fez questionar o meu papel de professora na garantia desses

direitos. Estaria eu respeitando o direito à brincadeira? Fui descontruindo, aos poucos, a ideia

de que eram necessárias atividades no papel. A mudança de olhar para a criança e como ela

pode aprender desdobrou-se em mudanças na minha prática. O brincar passou a ter outro

sentido, outro lugar no meu planejamento.

Figura 6- Amor de amigo

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2013

Encontrei na brincadeira uma estratégia para trabalhar com os problemas de

conflitos entre as crianças da turma do Jardim I D, os quais, na maioria das vezes, acabavam

Page 43: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

41

em empurrões e choro. Foi conversando com as crianças sobre como demonstrar afeto e

respeito aos outros que “criamos” os cantinhos de aniversário e da cabana, pois segundo elas

“Quando a gente gosta do amigo vamos à festa de aniversário e brincamos de cabana”.

Assim, algumas brincadeiras que fazíamos na sala eram nomeadas de “Brincar de amor” com

a ressalva que se referia a amor de/entre amigos, de amizade.

O ato de brincar, na Educação Infantil, além de ser um dos eixos norteadores

da proposta pedagógica da escola, também constitui- se em um direito das crianças. Para

Finco (2004, p. 10), “conceber a brincadeira como eixo da prática educativa é compreender o

brincar enquanto uma categoria pedagógica, ou seja, planejada, programada e observada pelas

professoras”. Assim, procurava observar mais esses momentos e fazer as intervenções que

julgava necessárias, foram muitos momentos em que brinquei junto com as crianças. Quando

estava brincando sempre era fotografada.

Figura 7- Professora brincando:

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2011 e 2013.

A observação nos momentos da brincadeira também tinha em determinados

momentos a intenção de “vigiar” os corpos infantis. Sempre tive muito medo de que as

crianças se machucassem; portanto, não permitia brincadeiras em que pudessem correr este

risco (como se isso fosse possível!). Como esse era um medo meu e não das crianças, sempre

Page 44: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

42

pegava um ou outro subindo no barranco. Aos poucos, fui liberando apenas os meninos a

brincar, ainda que condicionados ao meu olhar vigilante e preocupado.

Tudo corria muito bem até que me deparei com esta cena:

Figura 8- O barranco proibido

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista, 2011.

O barranco não era mais proibido para as meninas. Fiquei esperando elas me

pedirem ajuda para descer, mas isso não aconteceu. Pensei sobre o fato de estar privando as

meninas de aventurarem-se no barranco. Neste sentido, a escritora Chimamanda Ngozi,

Adichie (2017), em seu livro “Como educar crianças feministas”, traz uma importante

reflexão ao defender a ideia de que não podemos impedir meninas de realizarem determinadas

atividades simplesmente pelo fato serem meninas, pois as justificativas do não poder ou não

conseguir não podem ser pautadas pelo gênero, pois “a gente supõe rápido demais que as

meninas não conseguem fazer várias coisas” (ADICHIE, 2017, p.28). Precisamos desconstruir

essa ideia de que as meninas não conseguem ou vão sempre precisar de ajuda. É importante

ensiná-las à autonomia e encorajá-las a resolverem as coisas e se virarem sozinhas.

A partir deste dia, o barranco foi liberado para todos e todas.

Acreditar que a criança aprende enquanto brinca e conceber a brincadeira como

eixo norteador do meu planejamento foi um desafio por mim superado. Desafio que

impulsionou em pensar as diferentes áreas do conhecimento a partir do brincar; pensar nas

possibilidades de desconstruir preconceitos de gênero a partir das brincadeiras de

Page 45: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

43

“comidinha” ou no salão de cabeleireiro, de dar às meninas outras possibilidades de

brincadeiras com o corpo, além de empurrar carrinhos de boneca, de fortalecer os laços de

amizade ao brincar de fazer uma festa para o aniversariante do dia.

Tais práticas pedagógicas vêm ao encontro das orientações das DCNEI (2013),

pois também têm como objetivos a construção da identidade e autonomia da criança por meio

da interação, da brincadeira e a construção de novas formas de sociabilidade com finalidade

de romper com as relações de dominação de gênero.

Estar com as crianças nos momentos de brincadeira fazia-me uma professora

mais feliz e mais realizada. Eu era a professora que fazia parte da turma, estava lá

participando junto na brincadeira, no jogo, na apresentação para as famílias em dia de festa.

A foto “Mãos e Pés” representa essa proximidade, a minha intenção de estar

junto, de fazer com as crianças e não para elas. E isso não me fazia “menos” professora; não

havia perdido o respeito das crianças. Ao contrário, havia respeito mútuo, cumplicidade,

afeto. Quantas coisas aprendi com as crianças! Toda vez que vejo essas fotos lembro-me da

fala de uma delas: “As pessoas têm pés e mãos de cores e tamanhos diferentes, mas não tem

problema porque a mão pega e o pé anda”.

Figura 9- Mãos e Pés

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista, 2012.

Page 46: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

44

Figura 10: Dança com a gente?

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2013.

O dia em que dancei junto com as crianças em uma apresentação para a

comunidade escolar foi um dos mais marcantes de toda minha carreira. Depois de decidirmos

os personagens, uma criança me disse: “E você? Vai ser o que na nossa dança?”. Respondi-

lhe que iria apenas ensaiá-los e prontamente ela me respondeu: Ah! Dança junto com a gente,

vai? Como recusar um pedido tão especial? No dia da apresentação senti o frio na barriga e

entendi porque muitas crianças choram e ficam paradas diante da plateia. Fazer apresentação

na escola não era tão simples como pensava.

Foi a primeira vez, em doze anos de docência, que fiz uma apresentação junto

com as crianças. A turma do “JD I D” nunca mais foi a mesma e eu também não.

Ao ingressar em um curso de pós-graduação lato sensu sobre Educação

Infantil, tive mais contato com a temática do gênero. Na graduação havia tido uma disciplina

que abordou questões sobre a sexualidade da criança, passando assim pelas discussões de

gênero, mas de modo superficial. Dessa vez, fui provocada a indagar e refletir questões sobre

o modo como tratava os meninos e as meninas, e no modo como organizava as brincadeiras.

Surgiram questionamentos não elaborados anteriormente. Comecei a fazer leituras sobre o

assunto e levar para as discussões na escola; fui levada a pesquisar a minha prática, a procurar

novos caminhos. Procurei embasar os projetos que desenvolvíamos na escola e as formações

em reuniões de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), com o conhecimento que

estava adquirindo no curso. Passei a compreender que os cursos de formação continuada não

eram a solução para os meus “problemas pedagógicos”, mas dariam- me condições de refletir

Page 47: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

45

individualmente e coletivamente sobre esses problemas e pensar em possibilidades para

resolvê-los.

O trabalho com a diversidade, mais especificamente as questões relacionadas à

raça e ao gênero, sempre foram marcantes na minha prática pedagógica, até mesmo porque

são temáticas que marcam a minha identidade enquanto pessoa, pois, tal qual aponta

(NOVÓA, 1995, p.7), “não é possível separar o eu pessoal do eu profissional”. Além disso, a

diversidade é algo que faz parte das instituições de Educação Infantil.

Ainda que os assuntos relacionados às questões de gênero passem

despercebidos por nós, professores, elas estão presentes em nossas práticas pedagógicas.

Deste modo, temos que nos atentar que podemos contribuir para a desconstrução de

estereótipos e combate aos preconceitos de gênero e, também, para a reprodução dos mesmos.

Foi o que fiz durante anos da minha carreira docente. Reforcei durante anos a

ideia da menina como meiga, caprichosa, delicada e associei menino à força, à agilidade, ao

azul, ao verde, ao super-herói como mostra a fotografia abaixo relacionada. Menina tinha que

fazer pose de menina e menino pose de menino. Era tudo tão natural para mim.

Figura 11. - Pose de menina e pose de menino.

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2007.

Page 48: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

46

Figura 11. b: Pose de menina e pose de menino II

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2013.

Até os cartazes que eu confeccionava pautavam-se na concepção binária. Por

que separar os nomes das crianças em meninos e meninas? Por que dividir os brinquedos?

Page 49: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

47

Figura 12- Só as meninas

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2012.

Figura 13:Cartaz de nomes

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2007.

Page 50: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

48

Figura 14- Caixas de brinquedos

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2011.

Neste mesmo ano, fizemos a dramatização da música “A linda Rosa Juvenil” e

o “Cravo e a Rosa” na Festa da Primavera. Naquela época, nem conseguia refletir sobre os

conteúdos que traziam a letra destas cantigas sobre os estereótipos de gênero e a violência

doméstica. Só pensava em quão bela seria a apresentação da minha turma. Logo escolhi os

personagens: meninas flores, meninos matinho. A menina mais “meiga” da sala foi a Rosa

Juvenil e o menino com comportamento mais “agressivo”, o cravo.

Page 51: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

49

Figura 15- A linda Rosa Juvenil

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2007.

Eu não tinha consciência de que não dava às meninas e aos meninos os

mesmos direitos nas brincadeiras e nas apresentações. Não pensava sobre o caráter pacífico

que tinham as brincadeiras e os personagens oferecidos às meninas, tal como salienta Moreno

(1999, p. 32):

As meninas têm a liberdade para ser cozinheiras, cabeleireiras, fadas madrinhas,

mães que limpam seus filhos, enfermeiras etc., e os meninos são livres para ser

índios, ladrões de gado, bandidos, policiais, “super-homens”, tigres ferozes ou

qualquer outro elemento da fauna agressiva”.

Durante anos da minha prática separei meninos e meninas nas brincadeiras,

reprimi a agressividade das meninas e a docilidade dos meninos, olhei com estranheza para os

meninos e meninas que transgrediam os espaços que eu limitava nas brincadeiras até um dia

me questionar: Será que minha sala é mais agitada que as demais pela quantidade de

meninos?

Ao buscar resposta para tal dilema da minha prática, comecei a estudar a

temática a partir das pesquisas de Louro (1997), Sayão (2003) e Finco (2004, 2010) e

novamente indaguei a minha prática e o modo como trabalhava as questões de gênero. A

partir de então, encontrei no modo de conceber o brincar como espaço para uma possível

desconstrução dos estereótipos de gênero. O cantinho da cozinha e da beleza era para todos e

Page 52: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

50

todas. No entanto, percebia que alguns meninos ficavam envergonhados quando eu os

fotografava e sempre perguntavam: Posso brincar aqui, né?

Figura 16- Apenas brincando

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2012 e 2013.

No entanto, rever os brinquedos para meninos e meninas não era suficiente

para promover uma educação que desconstruísse os estereótipos de gênero. Fui tomando

consciência que, enquanto mulher e professora, precisava rever meus discursos, concepções

sobre o papel da mulher na sociedade e o modo como isso se configurava no meu trabalho

com as crianças, pois, ainda que sem intencionalidade, acabava por ter práticas

discriminatórias. Nesta mesma perspectiva, Cipollone (2003, p. 35) diz que: “educar não é só

ensinar- no educar, o valor da pessoa adulta, do seu modo de ser, a qualidade da relação com

as (os) meninas (os), devem ser conscientemente usado(s) como agentes de formação”.

Repensar minha prática pedagógica a partir da escrita desta narrativa

possibilitou-me refletir sobre alguns momentos da minha carreira docente, especificamente

nas descobertas que fiz ao fazer esse movimento reflexivo e formativo.

Diferente da ideia que tinha sobre formação continuada, já mencionada no

início do texto, compreendi que a formação do professor se dá dentro e fora da escola. Assim,

Page 53: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

51

passei a conceber os cursos de formação continuada, fossem eles em universidades ou na

escola, nas reuniões de HTPC, como momentos de reflexão sobre a minha prática. Passei a

compreender que minha prática não partia de ações espontâneas, mas que havia um fio

condutor, uma teoria por trás, ainda que não estivesse colocada de maneira clara e objetiva.

Nessa direção, a teoria

Não é um apêndice da prática, tampouco a prática tem um fim único de reflexão

teórica. A teoria também é uma ação e a prática não é um receptáculo da teoria.

Teoria e prática se entrecruzam em suas particularidades, o que significam dizer que

elas não têm a mesma identidade, embora sejam indissociáveis. (PINTO, 2002 apud

PINTO, 2010, p. 113).

Um dos aprendizados que obtive neste processo relaciona-se à própria

definição de prática pedagógica, pois compreendia, até então, a minha prática como uma ação

técnica e não como uma ação complexa, carregada de valores pessoais e de saberes por mim

construído.

A partir desta afirmativa, compreendi a prática como algo complexo e que

extrapola os limites da ação direta do professor com o aluno e o espaço físico da sala de aula.

No entanto, antes de adentrarmos à discussão sobre os fatores que envolvem a constituição da

prática pedagógica, vou conceituá-la.

De acordo com Veiga (1992), a prática pedagógica é uma ação social orientada

por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto social. Assim, prática

pedagógica é, então, uma dimensão da prática social, sendo esta permeada de contradições e

conflitos. Para a autora, a prática social está imbuída de contradições e de características

socioculturais predominantes na sociedade. Deste modo, a prática constitui-se em um

processo de constante aprendizado.

Para Sacristán (1995), a prática educativa remete ao processo de ensino

aprendizagem, mas o autor faz uma ressalva ao afirmar que “a prática do professor não se

reduz às acções dos professores” (p. 68), sendo necessário alargar a dimensão deste conceito,

pensando que os valores de cada professor, crenças, modos de avaliar, organizar os espaços e

como seleciona os materiais, também se configura em práticas.

Hoje, penso que a prática pedagógica abrange um conjunto de ações articuladas

e influenciadas pela concepção de educação, de infância, pelo currículo, funcionamento do

sistema escolar e, sobretudo, no tipo de sociedade que se almeja formar.

Fui compreendendo, também, que a prática pedagógica é pautada nos valores

concebidos por cada professor sobre educação, criança e sociedade, caracterizando, portanto,

Page 54: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

52

em uma decisão que é também política, e que são esses valores que definem que tipo de aluno

desejo formar e onde quero chegar.

Para Tardif (2002), a prática educativa configura-se em uma atividade humana

tão rica em valores, significados e em realidades, quanto o trabalho, a técnica, a arte ou a

política.

Os retalhos fotográficos aqui apresentados estão carregados de valores e

mostram a realidade do meu trabalho como professora, que ao serem costurados pela escrita,

dão sentido à minha prática pedagógica, a qual vem sendo (re) construída articulada às

questões de gênero, classe e raça.

1.2- A temática da colcha: gênero e prática pedagógica

Como autora desta investigação, assumo meu papel de conduzir a formação

desta colcha de retalhos. Para tanto, como já indiciado nas páginas anteriores, a temática

proposta é gênero e prática pedagógica dentro da Educação Infantil.

A Educação Infantil como primeira etapa da educação básica, conforme

explicita a Lei de Diretrizes e Bases Nacional da Educação - LDBNE (1996) marca o primeiro

convívio social mais amplo das crianças, oportunizando a convivência com diferenças não

conhecidas no bojo familiar. As crianças passam a ter um espaço próprio e coletivo de

educação para viver a infância, construir conhecimento, produzir cultura, devendo ser

respeitada como um sujeito histórico e de direitos em todas as dimensões, tendo a

oportunidade de aprender a conviver com valores e regras estabelecidas, interagindo e

participando das construções sociais.

No entanto, ao ingressar em uma instituição de educação, a criança também se

insere no processo de normatização dos padrões preestabelecidos pela sociedade de maneira

formal, conforme afirma Abramowicz (2003, p. 16),

[...] ao mesmo tempo em que anuncia a decidida inserção da criança na cultura, o

reconhecimento de sua cidadania como um sujeito de direitos, pode vir a ser uma

maneira de captura e de escolarização precoce no sentido da disciplinarização,

normalização e normatização do corpo, das palavras, dos gestos, na produção de um

determinado tipo de aprendiz, trazendo, portanto, uma rejeição a alteridade às

diferenças que as crianças anunciam.

Tal normatização pode impedir que meninos e meninas inseridos nas

instituições de Educação Infantil explorem de maneira natural e enriquecedora as diferenças

existentes neste espaço. Ao abordar a convivência com as diferenças na Educação Infantil

Finco (2004, p. 8), afirma que

Page 55: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

53

Um dos elementos centrais que caracterizam a especificidade da educação em

creches e pré-escolas está ligado aos diferentes contextos que a educação pode

acontecer. Em casa, junto aos pais, a educação da criança acontece de forma

individual e privada; já a creche e a pré-escola possibilitam uma educação coletiva,

o que garantem à criança diferentes experiências, possíveis através da convivência

com as diferenças de: sexo, idade, etnia, religião etc.

Portanto, se as instituições de Educação Infantil são espaços marcados pelas

diferenças de raça, gênero, classe social e idade, podemos nós, adultos, negligenciá-las por

meio de práticas pedagógicas homogeneizadoras que determinam quais os lugares para

meninos e para as meninas reproduzindo preconceitos de gênero?

Moreno (1999) aponta-nos que os modelos de comportamento são transmitidos

de geração em geração por meio de imitação de condutas e atitudes que não são justificadas,

apenas compartilhadas por quase todos. No entanto, para que aconteça uma mudança nos

modelos de comportamento impostos pela concepção sexista, é preciso mudança profunda na

mentalidade dos indivíduos e o lugar privilegiado para que isso aconteça é a escola, pois “tem

marcada uma dupla função: a formação intelectual e a formação social dos indivíduos” (op.

cit. p. 17).

Perceber as instituições de Educação Infantil como lugar privilegiado para a

construção de relações de igualdade é discurso comum e recorrente dos profissionais da

Educação, sejam pesquisadores (as) ou professores (as). Sabe-se que tal discurso é o início

para a construção de uma escola que não busca a homogeneização das crianças, mas que

promove relações pautadas em respeito mútuo. No entanto, somente o discurso não é capaz de

tal transformação. É preciso atentar-se às práticas dos/as professores/as que passam

despercebidas, mas que expressam e reproduzem concepções preconceituosas tanto dentro

como fora da escola.

Esta pesquisa é fruto destas inquietações sobre a prática e modo como elas

podem reproduzir preconceitos relacionados às questões de gênero. Foram a partir dessas

provocações que este trabalho foi produzido.

Desde o início da minha carreira docente, sempre tive grande preocupação com

minha prática pedagógica, por acreditar que era necessário aperfeiçoá-la. Assim, busquei nos

cursos de formação a receita “do que fazer e como fazer”. No entanto, a experiência docente,

os cursos de formação e mais especificamente as leituras e discussões realizadas na disciplina

de “Pesquisa, Formação de Professores e Práticas Educativas” 7, fizeram-me compreender que

7 Disciplina obrigatória para mestrandos da Linha 1 do Programa de Pós-Graduação em Educação UFSCAR-

Sorocaba

Page 56: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

54

a prática pedagógica não deve ser limitada ao fazer técnico, nem tampouco à aplicação de

teorias em sala de aula, como afirma Pereira e Lacerda (2009, p. 1234):

A prática docente, portanto, não pode ser considerada ponto de chegada, não pode

ser considerada espaço tempo de aplicabilidade de qualquer coisa que seja, e isso

porque a prática não é um lugar inerte onde algo possa ser simplesmente depositado.

Além das minhas motivações pessoais e profissionais em pesquisar a temática,

de acordo com André (2001), nos últimos anos a prática do professor da educação básica vem

se tornado um importante objeto de investigação nas pesquisas realizadas em educação, mais

especificamente no campo de formação de professores. Por sua vez, as pesquisas relacionadas

à formação de professores e a prática docente no Brasil vêm crescendo de modo significativo

a partir dos anos noventa, sendo discutidas por vários autores em diferentes abordagens.

Dentro deste movimento do campo de pesquisa em formação e prática de

professores, tenho assumido a posição de uma professora que investiga a própria prática e a

das outras professoras, que, na maioria das vezes, vivenciam os mesmos dilemas.

As inquietudes sobre a prática ainda me acompanham, porém dentro de outro

campo de visão. Ao assumir, há três anos o cargo de Coordenadora Pedagógica, meu olhar foi

direcionado para a prática do/a outro/a. Desse modo, as inquietações não se referiam-se

apenas à minha prática docente, mas a de um outro profissional, até mesmo porque era meu

papel fazer as intervenções necessárias.

Nesta posição, tenho refletido sobre a naturalização de determinados padrões

de comportamento acerca de meninos e meninas, tão presentes nas práticas pedagógicas.

Ainda que as instituições de educação para a infância sejam espaços marcados pelas

diferenças de gênero e pela presença feminina, deparamo-nos com práticas que revelam uma

educação sexista que discrimina as meninas, colocando-as em posição de inferioridade.

Sendo a escola um importante espaço de desconstrução de comportamentos

estereotipados, é importante trabalhar com as questões de gênero desde a Educação Infantil,

pois, como afirma Finco (2010), as experiências de gêneros são vivenciadas desde a idade

mais precoce, pois, desde pequenos, meninos e meninas já aprendem a diferenciar os atributos

ditos femininos e masculinos. Deste modo, julga-se necessário analisar o papel da educação

na construção desta diferenciação, buscando promover práticas educativas não

discriminatórias desde a primeira infância.

Apesar de compreender que o gênero é presente nas instituições de Educação

Infantil, nos modos de relacionar, nas atividades planejadas, no modo como professores (as)

Page 57: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

55

organizam os espaços das salas de aula é um assunto pouco discutido por professores, porém

necessário, como afirma Finco (2003, p. 99-100):

Discutir as relações de gênero na educação significa refletir sobre as relações das

práticas educacionais cotidianas, desconstruindo e redescobrindo significados.

Significa questionar conceitos pré-concebidos, determinações que sutilmente

permeiam nossas práticas. Discutir relações de gênero é, antes de tudo, remexer e

atribuir novos significados a nossa própria história.

A partir destas afirmações, justifico a importância de pesquisar a prática de

professores (as) da Educação Infantil tendo como eixo o gênero, pois para que haja superação

de práticas que reproduzem preconceitos de gênero é necessário que as discussões acerca da

temática sejam ampliadas.

A partir das leituras das pesquisas de Finco (2003, 2004, 2010) sobre as

relações de gênero na Educação Infantil, compreendo que a falta de discussão sobre a

temática nas escolas e a naturalização binária fazem com que eduquem meninos e meninas a

reproduzir mesmo que não queiram comportamentos estereotipados. Nas instituições onde

trabalhei como coordenadora pedagógica e professora eram comuns ouvir falas como: “Para

de chorar! Você é um homenzinho e homem não chora! ”, ou então: “Senta direitinho, você é

uma menina! ”. Presenciei, também, cenas durante as brincadeiras no parque, onde meninas

eram proibidas de correr porque isso era coisa de meninos. Para além destas falas que

determinam como devem se comportar os meninos e as meninas, também existe a separação

por brinquedos, por cores, por brincadeiras, por fila, caracterizando um tratamento

diferenciado para cada sexo.

A diferenciação entre meninos e meninas também era representada nas paredes

das salas de aula, nas portas dos banheiros e nos cartazes de chamada. Era comum as meninas

serem representadas por laços e flores e os meninos por carrinhos, bolas e pipas. Esse tipo de

decoração marcada por estereótipos sempre me incomodou por não retratarem e valorizarem a

produção das crianças, porém nunca havia parado para refletir o que poderia ter “por trás”

deste tipo de decoração até me deparar com a imagem: “O coração e o cavalo”.

Page 58: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

56

Figura 17: O Coração e o cavalo

Fonte: Acervo pessoal de Raquel Batista: 2013.

Mesmo tendo conhecimento de que as meninas são marcadas por estereótipos

relacionados a sentimentos de afeto, carinho e os meninos de força e agilidade, questionei-me

sobre os motivos que levaria uma professora a fazer este registro. De início pensei: Qual

concepção ela tem de gênero? Ela tem consciência do que de fato representou nesta imagem?

Essa representação na lousa me instigou tanto, provocou-me ao ponto de querer pesquisar as

questões de gênero na prática de professoras de Educação Infantil.

Posso afirmar que a problemática elucidada nesta pesquisa iniciou com os

questionamentos provocados por esta imagem.

Falar de prática pedagógica e falar de relações de gênero, especificamente na

Educação Infantil, também é falar de mim, enquanto mulher negra, professora-pesquisadora e

autora desta investigação. A aproximação e escolha de investigar tais temáticas encontram-se

nos dilemas da minha carreira docente.

Colocadas as minhas justificativas e anseios por realizar esta pesquisa

componho a parte da minha colcha, com retalhos fotográficos, retalhos de quem eu sou, da

professora que sou e da minha prática.

Page 59: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

57

2. ALINHAVO II - TECENDO OS FIOS ENTRE GÊNERO, INFÂNCIA E A PRÁTICA PEDAGÓGICA DA PROFESSORA CAPULANA

A palavra tecer8 apresenta vários sinônimos, entre eles: entrelaçar, escrever e

articular. Este segundo alinhavo tem como objetivo articular uma discussão teórica sobre

gênero e infância e a prática pedagógica da professora Capulana.

Ao escolher um elemento para se identificar, a professora participante optou

por um tecido chamado Capulana. A escolha por um tecido africano foi feita pelo fato dela

identificar-se com a cultura afro.

Os encontros com a professora que resultou na produção da narrativa aqui

apresentada caracterizaram-se por momentos de boas risadas, trocas significativas sobre o

trabalho pedagógico, militância feminina e tantos outros assuntos que compõem o cotidiano

de duas professoras da Educação Infantil. Para tanto, inicio este alinhavo apresentando ao (à)

leitor (a) os retalhos da professora Capulana.

Eu sou uma professora que trabalho há vinte anos na Educação Infantil. É

impossível falar da Capulana professora sem falar da Capulana que foi monitora por

dezenove anos e tudo o que me constituí hoje enquanto professora eu aprendi na minha

função de monitora de Educação Infantil.

Na verdade, eu escolhi ser professora com cinco anos de idade, quando eu fui

para a Educação Infantil que, na época, era Maternal, Infantil e Pré. Fui para o Infantil com

cinco anos em uma EMEI perto da minha casa. Quando cheguei, decidi que quando crescer

queria ser professora. Só que isso virou um inferno na vida dos outros, porque eu não falava

outra coisa; só falava: “quando eu crescer vou ser professora”. Fui crescendo e falando.

Mesmo adolescente que as amigas querem ser atriz, cantora, modelo eu queria ser

professora.

Quando eu estava com dez anos, no final da primeira etapa do Ensino

Fundamental, o meu pai me trocou de escola dizendo já que você quer ser professora vou

colocar na escola Carlos Gomes, porque lá tem o curso normal.

Fui para o Carlos Gomes com onze anos de idade. Terminei o fundamental e

prestei o vestibulinho para fazer o magistério lá.

8 Segundo o Dicionário de sinônimos disponível em: https://www.sinonimos.com.br/tecer/

Page 60: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

58

No terceiro ano, abriu concurso para professora e eu não podia prestar,

porque ainda não tinha concluído o curso. Prestei e passei para Monitor Infanto-Juvenil I,

como chamava o cargo de monitor na época. Nem imaginava, porque foi ano de eleição e eu

não confio muito. Recebi o telegrama no início de 97 para escolher a escola que ía trabalhar.

Trabalhei treze anos em uma creche no bairro de Barão Geraldo; depois

removi para a EMEI perto da minha casa, onde eu entrei com cinco anos. E tem uma coisa

para mim que foi muito simbólico, porque a última sala que eu trabalhei lá foi a minha

primeira sala com cinco anos. Então sai de lá para ser professora.

Faz um ano e meio que estou como professora aqui no J. H. Estou no apoio

pedagógico porque nós não temos orientadora. Quando eu chego para me apresentar eu falo:

- Olha eu estou como apoio, mas o que me constitui são meus dezenove anos de monitora.

Sempre faço questão de trazer isso, até para valorizar o cargo né, que não é conhecido como

cargo da educação.

Mas, antes disso, eu já era chamada para dar formação em outros lugares,

mesmo monitora. Dei formação em várias NAEDs. Só no meu NAED de origem que é Barão

Geraldo que eu nunca dei formação.

Entrei em 1997 na Rede de Campinas. Aprendi um monte de coisas, acho que

tudo que sei hoje eu aprendi ao longo desses vinte anos. Comecei como muita gente, fazendo

muita coisa errada: aquelas práticas equivocadas e depois práticas ultrapassadas e aí

sempre nesse exercício da formação. Para mim, a formação sempre foi uma questão muito

importante. Sempre gostei de fazer os cursos oferecidos pela rede, participar de palestras,

aprender coisas novas e experiências e vivências de fora da rede. Por exemplo, eu toco

percussão em um bloco de carnaval, participei durante muitos anos de um grupo de dança

afro-brasileira e trago essas referências para o meu cotidiano da Educação Infantil: essas

infâncias fora da creche para dentro da creche. Então, isso também me constitui muito no

meu percurso.

Sou da classe trabalhadora. A gente está passando por um período de greve.

Sempre fiz todas as greves e por enquanto ainda não aderi a esta e estou sentindo um pouco

mais porque estamos em um momento delicado. Isso também me traz a minha consciência da

classe trabalhadora, da relação que eu tenho com as famílias da minha sala. Não posso

também deixar de falar dessa professora militante e militante também da questão da infância.

Sou do Fórum Municipal de Educação Infantil, que vem lutando aí, contra os retrocessos que

estamos vivendo na educação e lutando por uma Educação Infantil de qualidade para todas

as crianças de 0 a 6 anos.

Page 61: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

59

O principal é isso, neste meu tempo de prefeitura, sempre busquei formação,

dentro e fora e sempre fui arrumando um jeito de incorporar isso na minha prática.

Eu tive dois momentos significativos, que eu brinco e chamo “que foi me virar

de cabeça para baixo”, em 99.

Eu tinha aprendido as coisas de um jeito mais tradicional, mais conservador

do jeito de fazer no cotidiano com as crianças. Trabalhei com uma professora que mexeu com

minhas práticas e que tinha um jeito totalmente diferente do jeito que eu estava acostumada e

que me tirou do meu lugar. E isso me incomodou demais, eu passei metade do ano brigando

com essa professora até que eu fui sacando que tinha coisas que eram bem bacanas e fui

desconstruindo e me construindo de novo. Essa é a minha primeira mudança, em 99.

Em 2009, dez anos depois, porque nesse período fui aprendendo e

incorporando várias coisas legais, principalmente com a cultura popular, que é uma das

coisas que eu gosto muito de trabalhar.

A trajetória profissional de Capulana como monitora e professora de crianças

caracteriza-se em um processo de constante formação, na prática pedagógica com as crianças

e com suas parceiras de trabalho e fora da prática nos cursos de formação continuada e nas

experiências pessoais fora do contexto escolar. Tais experiências formativas estão presentes

na ação educativa desta profissional.

Tardif (2002) explica que os modelos de ação educativa não são apenas

racionalizados no âmbito das teorias e ciência, mas também na cultura, no mundo vivido.

Neste sentido, as fotografias que, em um primeiro momento, foram selecionadas para a

produção da narrativa revelavam os valores, crenças e ideais da professora Capulana, por

serem registros onde a arte, a dança, a livre expressão da criança e, sobretudo, a liberdade de

gênero estavam presentes. Justamente por apresentarem esta liberdade de gênero é que não

serão apresentadas aqui por decisão da professora que temendo perseguições políticas decidiu

apenas compartilhar a narrativa sem as fotografias. Porém, por uma decisão política e

ideológica de resistência, terão seus espaços marcados nesta pesquisa.

Eu sou uma professora que trabalho há vinte anos na Educação Infantil, é

impossível falar da Capulana professora sem falar da Capulana que foi monitora por

dezenove anos e tudo o que me constituí hoje enquanto professora eu aprendi na minha

função de monitora de Educação Infantil.

Na verdade, eu escolhi ser professora com cinco anos de idade, quando eu fui

para a Educação Infantil, na época era Maternal, Infantil e Pré. Eu fui para o Infantil com

cinco anos em uma EMEI perto da minha casa quando cheguei decidi que quando crescer

Page 62: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

60

queria ser professora. Só que isso virou um inferno na vida dos outros, porque eu não falava

outra coisa, só falava: “quando eu crescer vou ser professora”. Fui crescendo e falando.

Mesmo adolescente que as amigas querem ser atriz, cantora, modelo eu queria ser

professora.

Quando eu estava com dez anos, no final da primeira etapa do Ensino

Fundamental, o meu pai me trocou de escola dizendo já que você quer ser professora vou

colocar na escola Carlos Gomes, porque lá tem o curso normal.

Fui para o Carlos Gomes com onze anos. Terminei o Fundamental e prestei o

vestibulinho para fazer o magistério lá. No terceiro ano abriu concurso para professora e eu

não podia porque ainda não tinha concluído o curso. Prestei para Monitor Infanto-Juvenil I,

como chamava o cargo de monitor na época. Prestei e passe! Nem imaginava, porque foi ano

de eleição e eu não confio muito. Recebi o telegrama no início de 97 para escolher a escola

que ia trabalhar.

Trabalhei treze anos em uma creche no bairro de Barão Geraldo; depois

removi para a EMEI perto da minha casa, onde eu entrei com cinco anos. E tem uma coisa

para mim que foi muito simbólico, porque a última sala que eu trabalhei lá foi a minha

primeira sala com cinco anos. Então sai de lá para ser professora.

Faz um ano e meio que estou como professora aqui no J. H.. Estou no apoio

pedagógico porque nós não temos orientadora. Quando eu chego para me apresentar eu falo:

- Olha eu estou como apoio, mas o que me constitui são meus dezenove anos de monitora,

sempre faço questão de trazer isso, até para valorizar o cargo né, que não é conhecido como

cargo da educação.

Mas antes disso eu já era chamada para dar formação em outros lugares,

mesmo monitora. Dei formação em várias NAEDs. Só no meu NAED de origem que é Barão

Geraldo que eu nunca dei formação.

Entrei em 1997 na Rede de Campinas. Aprendi um monte de coisas, acho que

tudo que sei hoje eu aprendi ao longo desses vinte anos. Comecei como muita gente, fazendo

muita coisa errada, aquelas práticas equivocadas e depois práticas ultrapassadas e aí

sempre nesse exercício da formação. Para mim, a formação sempre foi uma questão muito

importante. Sempre gostei de fazer os cursos oferecidos pela rede, participar de palestras,

aprender coisas novas e experiências e vivências de fora da rede. Por exemplo, eu toco

percussão em um bloco de carnaval, participei durante muitos anos de um grupo de dança

afro-brasileira e trago essas referências para o meu cotidiano da Educação Infantil: essas

Page 63: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

61

infâncias fora da creche para dentro da creche. Então, isso também me constitui muito no

meu percurso.

Sou da classe trabalhadora. A gente está passando por um período de greve.

Sempre fiz todas as greves e por enquanto ainda não aderi a esta e estou sentindo um pouco

mais porque estamos em um momento delicado. Isso também me traz a minha consciência da

classe trabalhadora, da relação que eu tenho com as famílias da minha sala. Não posso

também deixar de falar dessa professora militante e militante também da questão da infância.

Sou do Fórum Municipal de Educação Infantil, que vem lutando aí, contra os retrocessos que

estamos vivendo na educação e lutando por uma Educação Infantil de qualidade para todas

as crianças de 0 a 6 anos.

O principal é esse, neste meu tempo de prefeitura, sempre busquei formação,

dentro e fora e sempre fui arrumando um jeito de incorporar isso na minha prática.

Eu tive dois momentos significativos, que eu brinco e chamo “que foi me virar

de cabeça para baixo”, em 99.

Eu tinha aprendido as coisas de um jeito mais tradicional, mais conservador

do jeito de fazer no cotidiano com as crianças. Trabalhei com uma professora que mexeu com

minhas práticas e que tinha um jeito totalmente diferente do jeito que eu estava acostumada e

que me tirou do meu lugar. E isso me incomodou demais, eu passei metade do ano brigando

com essa professora até que eu fui sacando que tinha coisas que eram bem bacanas e fui

desconstruindo e me construindo de novo. Essa é a minha primeira mudança, em 99.

Em 2009, dez anos depois, porque nesse período fui aprendendo e

incorporando várias coisas legais, principalmente com a cultura popular, que é uma das

coisas que eu gosto muito de trabalhar.

A trajetória profissional de Capulana como monitora e professora de crianças

caracteriza-se em um processo de constante formação, na prática pedagógica com as crianças

e com suas parceiras de trabalho e, fora da prática, nos cursos de formação continuada e nas

experiências pessoais fora do contexto escolar. Tais experiências formativas estão presentes

na ação educativa desta profissional.

Tardif (2002), explica que os modelos de ação educativa não são apenas

racionalizados no âmbito das teorias e ciência, mas também na cultura, no mundo vivido.

Neste sentido, as fotografias que, em um primeiro momento, foram selecionadas para a

produção da narrativa revelavam os valores, crenças e ideais da professora Capulana, por

serem registros onde a arte, a dança, a livre expressão da criança e, sobretudo, a liberdade de

gênero estavam presentes. Justamente por apresentarem esta liberdade de gênero é que não

Page 64: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

62

serão apresentadas aqui, por decisão da professora que, temendo perseguições políticas,

decidiu apenas compartilhar a narrativa sem as fotografias. Porém, por uma decisão política e

ideológica de resistência, terão seus espaços marcados nesta pesquisa.

Page 65: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

63

Retalhos fotográficos

Figura 18:Retalhos fotográficos da professora Capulana

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017.

Page 66: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

64

2.1- A emergência do gênero na Educação Infantil

Hoje você é quem manda

Falou tá falado Não tem discussão

A minha gente hoje anda Falando de lado

E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado

E inventou de inventar Toda a escuridão.

Chico Buarque (1970)

Para abordar a temática do gênero nesta parte do texto, vamos fazer uso de

trechos da letra da música “Apesar de você” 9 composta por Chico Buarque em 1970 no

período de ditadura militar no Brasil. Embora este período tenha ficado no nosso passado, a

tentativa de implantação de projetos de leis como o “Programa Escola Sem Partido” 10

tem

nos remetido a tempos ditatoriais que nos proibir falar de gênero, de diversidade, tempos que

tentam nos calar. No entanto, apesar de toda escuridão que não permitiu a apresentação dos

registros fotográficos da professora Capulana, decidimos não mais olhar para o chão e

contrariar o verso que diz “Não vai ter discussão” porque,

Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia Como vai proibir Quando o galo insistir...

Apesar das tentativas de proibições, as questões de gênero, como também as

desigualdades entre elas, são foco de discussões em diversos âmbitos sociais. Tais discussões

têm tomado conta das redes sociais, das mídias e nos embates travados em assembleias

legislativas e câmaras municipais, onde ativistas conservadores e políticos ligados (as) à

bancada evangélica tentam derrubar quaisquer referências a gênero nos Planos Municipais de

Educação (PME) e Planos Estaduais de Educação (PEE).

9 Letra retirada do site: https://www.letras.mus.br/chico-buarque/7582/. Acesso em dezembro de 2017.

10 Projeto de Lei nº 867 de2015 que busca combater a “doutrinação ideológica” tem como um dos princípios a

neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado. Na prática temas como homossexualidade, ideologia de

gênero, conjuntura politica e econômica do país não poderão ser trabalhados em sala de aula.

Page 67: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

65

Dentro deste contexto social e político, o gênero tornou-se o novo “vilão” da

moral e dos bons costumes, destoando, antes de tudo, do conceito primário: o conceito de

buscar compreender as relações sociais historicamente construídas entre homens e mulheres.

Neste contexto, os debates públicos relacionados às questões de gênero estão carregados de

ideias machistas e homofóbicas que tentam proibir a discussão da temática nas escolas.

No entanto, tirar a palavra gênero dos planos educacionais, ou proibir a

discussão através da instituição do “Programa Escola Sem Partido”, não garante a exclusão do

tema nas escolas, pois o gênero está nas pessoas, nos adultos e nas crianças que possuem

sexualidade e identidade; portanto, não há como negligenciar o gênero.

Contrapondo à esta visão conservadora, Adiche (2015) ressalta a importância

de discutir as questões de gênero para que homens e mulheres sejam mais felizes e autênticos,

como também a construção de uma sociedade mais justa. Para Finco (2003), o conceito de

gênero implica em conhecermos mais sobre as diferenças sexuais construídas ao longo da

história, seus significados, impactos em nossas vidas e compreendermos como são produzidas

pelas sociedades e culturas as diferenças entre homens e mulheres.

Capulana passou a conhecer e compreender melhor tal conceito quando iniciou

um curso de formação continuada.

Em 2009 eu participei de uma formação para ser professora multiplicadora

deste curso. Era um programa da Universidade Federal de Lavras, sobre a questão de

gênero, e sexualidade na Educação Infantil. Então fui indicada para trabalhar como

monitora desse projeto, para ser formadora. Fui pela UNICAMP, porque eu era estudante na

época, nós éramos cinco monitores da Unicamp, três da Educação Física, eu e mais outra da

Pedagogia, mas que tinha contato com a rede de Campinas e vinha deste contexto de creche

era só eu.

Foi uma experiência muito boa! Tive contatos com autores muito legais que

contribuíram para a construção das velhas práticas, enxergar a criança de outra forma.

Impactante para mim foi ler Larrosa, foi uma contribuição enorme. Dessa vez o giro foi

quase um mortal como diz as minhas crianças. “Nossa esse deu um giro mortal”

Trabalhei com um psicólogo, que, na década de 90, implantou um programa

de sexualidade na rede de Campinas: era um programa de formação. Depois, ele retornou.

Ele sempre dá formação nas escolas ou no CEFORTEPE, nosso centro de formação. Ele

enxerga para frente e trabalha muito com essa coisa da gente desconstruir aquilo que está

muito parado, vamos dizer assim. Eu trabalhei um ano nesse projeto e foi muito legal.

Page 68: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

66

Eram cem professoras e monitoras. E elas vêm fazer a discussão a partir da

prática. Como nós vamos trabalhar determinado tema? Então não foi a gente que foi lá

ensinar; discutimos junto. Teve gente que foi fazer pós depois, nessa questão de gênero,

porque foi motivado pelo curso.

Começou a pensar o gênero na sua prática neste momento?

Eu acho que não, mas enquanto formação sim. Porque uma coisa é a gente ter

a prática, eu falo muito isso nas formações com as monitoras: Eu fui para a universidade

para dar nome para as coisas que eu já fazia. Porque muita coisa eu já fazia antes de ser

estudante da Unicamp, né? Aí eu fui aprender, ler um texto bacana e pensar: Ah, isso que ele

está falando, eu faço. Aí vamos juntando uma coisa com a outra. Eu acho que foi mais nesse

sentido, da teoria vir contribuir com algumas práticas.

Então é uma coisa que eu já trago, mas aí é diferente, porque você vai olhar

para sua sala de aula, para os alunos com um olhar diferente quando você tem a teoria. Você

vai saber explicar porquê, você vai saber argumentar com as famílias. Não é simplesmente eu

deixo, porque eu brincava e não tem nada a ver. Não, eu tenho argumentação pedagógica

hoje. É essa a diferença que a formação do curso proporciona.

Essa questão dos textos do Larrosa, de falar do nascimento, das relações que a

criança nasce a partir do primeiro encontro, quando se dá a relação com o outro e que toda

criança é nova; de aprender a lidar com o que é diferente, a aprender com o inesperado, foi

contribuindo para o meu jeito de olhar as crianças hoje. Essa formação que recebi foi muito

marcante na minha história.

Eu acho que até mais do que eu fui discutir depois sobre questão da infância,

sociologia da infância, arte na educação infantil e tal. Esse curso de gênero teve uma grande

contribuição para mim.

Eu estava brincando esses dias e conversando com as meninas, eu acho que

essa questão de gênero principalmente como a mulher é tratada na sociedade me incomoda

desde que eu era pequena, porque sou uma pessoa gordinha. Então, quando eu era pequena

ia para a escola e quando chegava minha mãe tinha deixado o prato do meu irmão prontinho

com um bife deste tamanho (grande). Aí você quer mexer com gordo é pegar na questão da

comida. O bife do meu irmão era deste tamanho e o meu deste “tamainho”, só porque eu era

mulher. A gente tinha pouca diferença de idade para falar: você é criança e ele adulto. Ele

não era adulto ainda.

Então, o meu irmão podia brincar na rua e eu não podia. Essa questão de

gênero me incomodou a vida toda, em relação ao tratamento da mulher na sociedade. Eu

Page 69: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

67

queria brincar Era uma criança e não podia brincar com os meninos, mas por que não podia

brincar com os meninos? Meu irmão brinca com as meninas. Então eu cresci com esse

incômodo. Na escola eu só brincava com os meninos, porque na rua da minha casa, na vista

do meu pai e da minha mãe, eu não podia. Eles são meus amigos até hoje, meus amigos de

infância; as meninas nem tanto.

O gênero surgiu para problematizar as relações de poder entre homens e

mulheres, relações essas pautadas, na maioria das vezes, nas questões biológicas vivenciadas

pela professora Capulana durante sua infância e adolescência.

A historiadora americana Joan Scott é uma das principais teóricas sobre

movimentos feministas e gênero. Dentro de uma visão pós-moderna, a autora define o gênero

como “um elemento constitutivo de relações sociais baseado nas diferenças percebidas entre

os sexos”, e também como “uma forma de significar as relações de poder” (SCOTT, 1995,

p.21). Segundo a autora, a palavra gênero passou a ser utilizada pelas feministas americanas

para se referirem à organização social entre os sexos e também como um meio de rejeição ao

determinismo biológico entre as diferenças sexuais entre homens e mulheres. Sendo assim, o

Gênero é igualmente utilizado para designar as relações sociais entre os sexos. O seu

uso rejeita explicitamente as justificativas biológicas, como aquelas que encontram

um denominador comum para várias formas de subordinação no fato de que as

mulheres têm filhos e os homens força muscular superior (SCOTT; 1995, p. 7).

Os estudos e questões relacionadas ao gênero estão fortemente ligados ao

movimento feminista. Não há como falarmos de gênero sem fazer menção a este movimento,

pois os estudos que abordam tal questão acompanham as lutas das mulheres ocidentais pela

igualdade de direitos na sociedade.

Segundo Souza (2012), o feminismo foi um importante movimento que

começou a ter visibilidade no final da década 60, em países como os Estados Unidos da

América, Inglaterra e França e tinha como objetivo principal o combate a qualquer

desigualdade social e de valores que colocavam a mulher em condição de submissão e

inferioridade.

A autora ainda afirma que a contraposição dos estudos feministas ao

determinismo biológico se deu pelo fato de que tal determinismo muitas vezes foi utilizado

como justificativa das desigualdades entre homes e mulheres. Para ela, o que importa na

questão do gênero é discutir os processos de construção histórica e social, instituídos na

formação de meninos e meninas.

É importante assinalar que a categoria gênero tem passado por significativas

transformações, possibilitando-lhe assim um caráter mais dinâmico. A princípio

vinculada a uma variável binária arbitrária, que reforça dicotomias rígida, passou a

Page 70: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

68

ser compreendida como uma categoria relacional e contextual, na tentativa de

contemplar as complexidades e conflitos na formação dos sujeitos (SOUZA, 2012,

p.5).

Na tentativa de romper com a utilização da classificação baseada no

determinismo biológico entre homens e mulheres, as estudiosas feministas construíram a

partir do gênero um novo campo de estudo.

Para Scott (1995), o termo gênero constitui-se em um dos aspectos que buscou

uma legitimidade acadêmica para os estudos feministas da década de 80. O conceito de

gênero que anteriormente era utilizado como sinônimo de mulher passa, então, a ser utilizado

referindo a informações sobre homens e mulheres, afirmando a ideia de que o mundo de

ambos está interligado e não deve haver separação.

Cabe aqui ressaltar que os estudos feministas sobre gênero, além de

apresentarem grande preocupação com as relações de poder existente entre homens e

mulheres, também apresentam temas como família, sexualidade, trabalho doméstico e cuidado

de crianças; porém, o caráter político destes estudos não pode ser considerado uma das marcas

mais significativas dos estudos feministas.

O conceito de gênero não possui uma compreensão única, pois é estudado por

vários campos da ciência. No entanto, segundo Scott (idem), o conceito de gênero como

categoria analítica só surgiu a partir do final do século XX, com os pró-estruturalistas. Desse

modo, o gênero como referência às relações sociais e/ou sexuais ainda não havia surgido.

De acordo com as pesquisas de Scott, até o final dos anos 60 a distinção entre

feminino/masculino era baseada nos aspectos biológicos, ou seja, no “sexo”. A partir dos anos

70, o conceito de gênero começa a se fazer presente nas pesquisas e colocar em pauta a

discussão entre o que é biológico e o que é cultural.

Nicholson (2000) aponta que, através dos debates e discussões, a maioria das

estudiosas feministas da década de 70 passou a aceitar a existência dos fatores biológicos para

marcar a diferenciação entre homens e mulheres, pois se percebeu que as diferenças colocadas

não eram todas associadas a esses fatores. Assim, o conceito de gênero foi introduzido para

complementar o conceito de sexo e não para substituí-lo, como afirma Scott (1995 p. 7) “o

uso do gênero coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas

que não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade”.

Nessa mesma direção, Louro (2011, p. 21) afirma que:

É necessário demonstrar que não são propriamente as características sexuais, mas é a

forma como essas características são representadas ou valorizadas, aquilo que se diz

ou se pensa sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou

masculino em uma dada sociedade e um dado momento histórico. Para que se

Page 71: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

69

compreenda o lugar e as relações de homens e mulheres numa sociedade importa

observar não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que socialmente se construiu

sobre os sexos.

De acordo com Finco (2004), a palavra gênero apresenta uma multiplicidade de

significados trazidos pela tradução da palavra inglesa gender, dando à palavra na língua

portuguesa um significado muito amplo.

Na visão de Nicholson (2002) há duas maneiras de compreender o gênero e

estas se apresentam de maneira contraditória. A primeira é em oposição ao sexo. Nessa

direção, gênero seria o que é socialmente construído, enquanto sexo refere-se ao que é dado

biologicamente, ou seja, a palavra utilizada para fazer a distinção entre homens e mulheres. Já

a segunda maneira refere-se ao gênero como qualquer construção social, que inclua a

distinção entre masculino e feminino, sendo possível considerar que o sexo também é uma

representação elaborada culturalmente.

A autora critica as teorias que generalizam o comportamento e personalidades

de homens e mulheres, independentes do contexto cultural ou social no qual esses indivíduos

estão inseridos. É necessário questionar a ideia que concebe a mulher como sendo sempre

meiga e carinhosa e ao homem agressivo e combativo e pensar em diferentes formas de

masculinidade e feminilidade.

Segundo Viana e Ridenti11

(1998, apud FINCO, 2004 p.14), “gênero remete-

se, portanto, a uma tentativa de incorporar, na análise, aspectos que são socialmente

construídos, observando que cada cultura define o que é feminino e masculino”.

Contudo, compreendemos que, além do biológico, os contextos cultural, social

e histórico também devem ser considerados quando nos referimos ao conceito de gênero. O

corpo se apresenta como a primeira forma de distinção entre meninos e meninas e, a partir de

então, de acordo com a cultura, outras significações vão sendo dadas aos seres menino e

menina. Como explicita Louro (2011 p. 22), “não há a pretensão de negar que o gênero se

constitui com ou sobre corpos assexuados, ou seja, não é negada a biologia, mas enfatizada,

deliberadamente, a construção social e a história produzida sobre as características

biológicas”.

11

VIANNA, Claudia P. & RIDENTI, Sandra. Relações de gênero e escola: das diferenças ao preconceito. In

AQUINO, J.G. (org) Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e praticas. São Paulo:

Summus, 1998.

Page 72: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

70

Dessa maneira, entendemos que, para a autora, as questões relacionadas ao

gênero não se limitam à diferença sexual de homes e mulheres, mas, sim, à maneira como elas

são representadas culturalmente, através do modo de pensar o assunto.

Nessa mesma direção, Sayão (2003, p. 71) afirma que:

O gênero inclui o sexo biológico a partir dos valores e atributos que determinada

cultura lhe confere e analisa as construções sociais do masculino e do feminino que

são produzidas nas diferentes sociedades.

A partir dos conceitos acima apresentados que o gênero é aprendido e

construído social e culturalmente, é o que convencionalmente denominamos de masculino e

feminino, tal aprendizagem ocorre em todas as fases de uma pessoa e em diversas esferas

sociais, tais como família e escola.

2.2- Gênero e infância

Antes mesmo de nascerem, as crianças já são generificadas, diferenciadas e

identificadas. Ainda no ventre materno, o rosa é designado para meninas e o azul para meninos. O

gênero, portanto, estabelece a forma como meninas e meninos devem comportar-se e viver suas

feminilidades e masculinidades desde a infância. Assim, a construção da infância muitas vezes é

também a construção de um padrão de comportamentos pautado na distinção dos gêneros.

Para Vianna e Finco (2009), esse processo de feminilização e masculinização dos

corpos infantis, que acaba por controlar os sentimentos, movimentos e desenvolvimento das

crianças, está relacionado às expectativas que a sociedade e a cultura carregam e acaba refletindo

nas brincadeiras e brinquedos que disponibilizamos para as crianças. Assim, desde cedo elas vão

aprendendo de maneira muito prazerosa e mascarada, a comportar-se como “verdadeiros” meninos e

meninas (op. cit p.272).

O modo como a escola percebe cada um dos gêneros pressupõe oposição e

polaridade, uma vez que o feminino é, na maioria das vezes, associado à fragilidade, à

passividade, à meiguice e ao cuidado e o masculino corresponde à agressividade, ao espírito

empreendedor, à força e à coragem. Nessa direção, Felipe (apud Biagio, 2005 p.34) nos

adverte que:

Se educarmos as crianças a partir dos preconceitos de gênero estaremos limitando as

experiências de ambos. Por exemplo, dizer que meninos e homens não devem chorar

os impede de desenvolver a sensibilidade e a expressão de sentimentos. Da mesma

forma, ensinas às meninas que elas não têm competência para áreas de raciocínio

lógico espacial é limita-las em suas várias possibilidades de aprendizado.

No entanto, ao pensar na organização dos espaços durante as brincadeiras para

crianças sem pensar na separação menino/menina, Capulana propõe práticas que auxiliam a

Page 73: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

71

romper com os padrões de masculinidade e feminilidade, contrariando os tempos de

escuridão.

Inda pago pra ver O jardim florescer Qual você não queria Você vai se amargar Vendo o dia raiar Sem lhe pedir licença E eu vou morrer de rir Que esse dia há de vir Antes do que você pensa

Figura 19-Piratas

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017

Estávamos brincando de pirata, mas um pirata que quis passar batom, já que

tem essa coisa da experimentação, pois são pequenos. A única menina na roda neste dia

topou brincar de pirata. Eu tento trabalhar de uma forma a não separar “isso é coisa de

menino” e “isso é coisa de menina”. Tudo é coisa de criança! Todos brincam! Respeito o

desejo de experimentar, conhecer o corpo, fantasiar-se.

Eu organizo os brinquedos para que todos brinquem do que quiserem,

brinquem de fantasia e não com brincadeiras de meninos e de meninas, separadamente.

Embora tenha uma questão cultural das meninas brincarem sempre de bonecas, eu procuro

oferecer outras possibilidades.

Page 74: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

72

Figura 20- Maquiagem

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017

Eu tinha contado uma história e quiseram fazer um tapa olho de pirata com a

pintura de rosto. Todo mundo quis fazer, inclusive a menina. Os meninos quiseram passar

batom, porque ficam loucos com a caixa de maquiagem.

A maquiagem eu não lido com muita facilidade. Tenho meninas que trazem na

mochila escondido. Eu pego, guardo e depois entrego para a mãe. Mas neste momento que é

lúdico, todos vão brincar, vão passar o batom, inclusive os meninos, se quiserem.

Eu fiz o cantinho com a pintura de rosto. Depois de passarem por todos, pode

ir para a pintura: cada um fazia sua própria pintura. Tem isso de experimentar, passar

batom. Uns passam mais e outros menos. E eu deixo.

Page 75: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

73

Figura 21- Máscaras

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017

Neste dia, teria a nossa festa de aniversariantes do mês. Apesar de ter sido

uma organização coletiva, não havíamos tido tempo de preparar coisas legais. Combinei com

as professoras da tarde de fazer máscaras. Peguei alguns modelos da internet de super-

heróis. Eles gostam muito, embora não seja algo que eu trabalhe no cotidiano. Para ser uma

atividade eventual, em um dia de festa não teria problemas. Cada um pintou a sua, porque o

interessante também era descontruir aquele padrão masculino, de cores para que todos

pudessem usar.

Essa aqui é o Hulk. Ela pintou de rosa e colocou purpurina. Ficou lindo! Essa

é o Darth Vader do Star Wars. Ficou show! Alguns meninos ficaram dizendo: “Não pode,

esse é de menino!” Então eu dizia: “Pode sim”! .

Embora eu tenha uma sala onde a maioria são meninos, as meninas não ficam

atrás, fazem acontecer!

O trecho narrativo apresentado acima ajuda-nos a refletir sobre a importância

de não discutir infância e gênero separadamente. Se gênero é compreendido como uma

construção social, as crianças devem estar inseridas dentro deste contexto, pois, como afirma

Page 76: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

74

Sayão (2003, p. 72), “as crianças desde que nascem estão inseridas em toda ou qualquer

construção social que possa ser feita a partir delas e do fato de serem meninas ou meninos”.

Para compreendermos a ligação entre a construção social do gênero e a

construção social da infância, recorremos a autores como: Aries (1981), Kuhlmann (2007),

Kramer (1995, 1999), Javeau (2005) e Sarmento (2005).

O conceito de infância presente hoje em nossa sociedade é algo novo, segundo

Kramer (1999). A autora aponta que a ideia de infância como uma idade profundamente

singular a ser respeitada em suas diferenças, surgiu no século XVIII. Coloca, também, que a

noção de infância e o modo como é conceituada não são fatores naturais que sempre

existiram, mas sim “produto de evolução da história das sociedades, e o olhar sobre a criança

e sua valorização na sociedade não ocorreram sempre da mesma maneira, mas, sim, de acordo

com a organização de cada sociedade e as estruturas econômicas e sociais em vigor” (op. cit.,

p. 244).

A publicação do livro “A História social da infância e da família”, em 1960,

do historiador francês Philippe Ariés (1981) caracterizou um marco no entendimento da

infância como uma construção histórica e social por ser a primeira obra que abordava a

infância de modo mais abrangente. O autor realizou estudos da iconografia da Idade Média à

Idade Moderna, observando representações da infância na Europa ocidental.

Segundo Ariés (1981), até a idade Medieval não havia lugar para a infância. A

criança era considerada uma miniatura do adulto. Naquela época, crianças e adultos

compartilhavam dos mesmos lugares e situações, fossem espaços domésticos, de trabalho ou

de festa. As crianças não eram separadas, nem através dos trajes, nem do trabalho, nem dos

jogos e brincadeiras; ou seja, não havia sentimento de infância ou uma representação mais

específica para esta fase da vida.

Fato é que a criança sempre existiu, Ariés (1981), em suas pesquisas através

das análises das obras de arte da época, demonstra que a infância só foi retratada como

categoria diferenciada dos adultos depois de um longo processo que possivelmente ocorreu

entre os séculos XVII e XVIII, com o surgimento do sentimento de infância12, primeiramente

nas famílias burguesas. Cabe ressaltar que a visibilidade da infância decorrente do sentimento

de infância beneficiou a princípio apenas os meninos, uma vez que as meninas permaneciam

na vida tradicional que as confundia com adultos.

12

Philippe Ariés (1981) refere-se ao termo sentimento de infância a consciência da particularidade infantil que

distingue a criança do adulto, não significando o mesmo que afeição pelas crianças.

Page 77: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

75

Para Ariés (1981), o sentimento de infância como a consciência adquirida a

respeito da criança decorrente de um processo histórico. Dentro de um processo linear e

histórico, os estudos do autor apontam que o século XVIII trouxe uma infância moderna com

liberdade e independência; já no século XIX, as crianças eram tratadas como adultos em

miniatura, e, no século XX, com a influência de psicólogos e de educadores, elas passam a ser

vistas como seres de direitos e em fase de desenvolvimento. Desse modo observamos que os

sentimentos de infância foram assumindo ao longo do tempo significados diferentes a partir

das relações sociais e não pelas especificidades da infância. Assim, a transformação pela qual

a criança e família passam ocupa um lugar central na dinâmica social.

A partir dos estudos de Ariés (1981) compreendemos que as concepções de

infância são noções historicamente construídas que se constituem ao longo do tempo

cronológico e vão agregando à criança determinadas características físicas, comportamentais,

psicológicas e sociais. Logo a partir dos conjuntos dessas características, em cada época a

infância terá suas peculiaridades.

Compreendemos, a partir de então, que o sentimento de infância deve ser

concebido e compreendido dentro de um contexto histórico e social, já que a ideia de infância

não está vinculada unicamente à faixa etária, à cronologia, a uma etapa psicológica ou ainda

há um tempo linear.

Dentro da perspectiva de compreender a infância como uma construção

histórica, cultural e social encontramos contribuições para este debate nas pesquisas de

Kuhlmann Jr. (2007) que realiza um estudo sobre a história da infância e da sua educação com

intuito de compartilhar o panorama de abordagens e problemas relacionados às pesquisas

sobre crianças. Na visão do autor, estudos que consideram a história da infância contribuem

para que a educação mais especificamente a educação infantil não seja vista

descontextualizada de fatos sociais que envolvem a criança.

No Brasil, a história da infância não aconteceu do mesmo modo que na Europa

ocidental, conforme relata Ariés (1981). Com base em alguns estudos históricos, Kramer

(1995) afirma que o sentimento de infância no Brasil surge período colonial no seio das

classes mais abastadas. A autora também chama a atenção para fato de que o conceito de

infância divulgado pela classe dominante não cabia à realidade da infância brasileira, por

considerar a diversidade dos aspectos sociais, culturais e políticos. As crianças indígenas,

imigrantes e escravas ocupavam papéis sociais diferenciados das crianças da Europa

Ocidental.

Page 78: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

76

Nesta mesma direção, Khulmann (2007) coloca que as ideias sobre infância

construídas na Europa não podem ser mecanicamente transpostas para a sociedade brasileira,

pois se trata de outro contexto social, cultural e político; todavia, o sentimento de infância que

ocorreu na Europa do século XVII é arbitrário ao que ocorreu no Brasil. Já existe quase dois

séculos que nos separam da realidade europeia. O autor não apresenta uma afirmação de que

tais sentimentos de infância não existiram no Brasil, apenas que não percorreram o mesmo

tempo histórico que na Europa.

A trajetória da infância no mundo e especificamente no Brasil, sempre esteve

ligada a muitos outros fatores históricos e sociais de grande relevância, que marcaram o papel

da criança na sociedade. Deste modo, ao escrever sobre Educação Infantil, faz-se necessário

falar sobre infância e sobre criança considerando o contexto social e histórico, uma vez que

são os sujeitos principais desta modalidade de ensino. Não podemos, portanto, negar a

condição da criança como sujeito histórico e de direitos.

Outro aspecto a ser considerado refere-se à suposta afirmação que o sentimento

de infância surgiu primeiramente nas classes mais privilegiadas economicamente da

sociedade. Segundo o autor, essa afirmação traz uma visão preconceituosa das classes

oprimidas, desconsiderando sua presença no interior das relações familiares. O que existiu foi

uma preocupação uma preocupação maior com a infância burguesa em relação aos cuidados

com a educação, medicina e afeto. A família pobre era analisada na visão de filantrópicos e

médicos como sendo incapazes de educar e disciplinar seus filhos. A preocupação com a

infância pobre centrava-se nos cuidados com a assistência e a disciplina.

O crítico social americano Neil Postman em seu livro “O desaparecimento da

infância” (1999) coloca que a infância como estrutura social e como condição psicológica

surgiu por volta do século XVI e desenvolveu-se intensamente durante 350 anos, de modo a

chegar refinada e fortalecida aos nossos dias. A ideia de infância não surgiu plenamente

desenvolvida, sendo importante destacar que cada nação tentou entendê-la e integrá-la à sua

cultura. Nesse sentido, a infância assumiu aspecto singular, conforme o cenário econômico,

religioso e intelectual em que apareceu.

Postman (1999), ao tratar a ideia de infância na perspectiva cultural, não

desconsidera os estudos de Aríes (1981); portanto, dá ênfase aos aspectos que contribuíram

para o surgimento da infância e, consequentemente, fatores que têm contribuído para o

declínio da mesma.

Page 79: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

77

Para o autor, o advento da tipografia no século XV marca a invenção da

infância, por caracterizar um período em que se criou uma divisão entre o mundo dos adultos

e o das crianças. Tal divisão foi marcada pelos que sabiam ler e os que não sabiam, ou seja, os

jovens precisavam tornar-se adultos letrados, aprender a ler e, as crianças precisavam ser

protegidas de todas as informações contidas nos livros. A partir de então, os olhares voltaram-

se para as crianças e o conhecimento hierarquizou-se, tal como elucida Postman (1999, p. 32):

“Antes do aparecimento desse novo ambiente, a infância terminava aos sete anos e a idade

adulta começava imediatamente”.

As mudanças foram acontecendo no decorrer dos séculos XVI, XVII, XVIII e

XIX: a publicação de livros sobre pediatria infantil, o desenvolvimento da literatura infantil e

o lançamento de livros escolares seriados foram fatores que, segundo Postman (1999),

contribuíram para tornar visível a diferença entre crianças e adultos que antes era evidenciada

nos modos de vestir e na linguagem diferenciada.

A organização das classes escolares de acordo com a idade cronológica das

crianças dava a ideia da existência de seus estágios e da estrutura do desenvolvimento infantil.

A família, após a tipografia, assumiu-se também como instituição educacional, passando a

valorizar e investir com mais frequência nas crianças. Diferenças importantes entre a criança e

o adulto baseavam-se no fato de os adultos estarem de posse de conhecimentos que não eram

considerados adequados às crianças. Enquanto abrangia o conceito sobre a criança,

desenvolvia-se também a ideia de que ela era um adulto não formado e que, por esse motivo,

precisava ser civilizada e treinada nos modos dos adultos.

Nesta direção, considerar a história real de como foi construída a ideia de

infância, sobretudo a brasileira, contribui para a que criança seja reconhecida como um sujeito

de direitos dentro deste processo histórico.

Priori (1997) acredita que resgatar a história da criança brasileira é enfrentar

um passado trágico de abandono, violência e negligência que atravessaram a vida de meninos

e meninas, mas que todos preferem ignorar.

Para Kuhlmann (2007), a infância precisa ser considerada como uma condição

da criança, um conjunto de experiências vividas por elas em diferentes lugares históricos,

geográficos e sociais, conhecer suas representações, localizá-las no bojo das relações sociais,

reconhecê-las como produtoras da história.

Pensar a criança na história significa considerá-la como sujeito histórico, e isso

requer compreender o que se entende por sujeito histórico. Para tanto, é importante

perceber que as crianças concretas, na sua materialidade, no seu viver ou morrer,

Page 80: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

78

expressam a inevitabilidade da história e nela fazem presentes, nos seus diferentes

momentos (p. 31).

Desde modo, não podemos falar em apenas uma concepção de infância se

considerarmos que, em cada época e cultura, predominam certas ideias sobre o que é ser

criança, como tratá-las e como elas devem ser. Portanto, compreendemos que concepções de

infância são construções históricas e, dentro desta visão, falamos de várias infâncias.

Completando a necessidade de desconstruir a concepção universal de infância,

Sarmento (2002) justifica que

As condições sociais e culturais são heterogêneas, mas incidem perante uma

condição infantil comum: a de uma geração desprovida de condições autônomas de

sobrevivência e de crescimento e que está sob o controle da geração adulta. A

condição comum da infância tem a sua dimensão simbólica nas culturas da infância

(p. 03).

Assim, de acordo com Kuhlmann (2007), podemos considerar que toda criança

tem infância. No entanto, não se trata de uma única infância idealizada e ou padronizada. A

questão deve pautar-se em como é ou foi a infância.

Complementando a ideia da desconstrução da infância hegemônica, Kramer

(1995) coloca que as experiências vivenciadas pela criança, decorrentes do papel designado

ou esperado para ela, de acordo com sua classe social, experiências tais como brincadeiras,

processo de escolarização, relações estabelecidas com familiares e pessoas da comunidade,

pressupõem modos diferenciados de viver a infância.

Kramer (1995, p. 21) explica que a ideia de infância está carregada de

significações ideológicas, tanto na relação criança/adulto como na relação criança/sociedade,

onde o “adulto estabelece uma imagem de criança como um ser fraco e incompleto” e para a

sociedade “a criança é um ser que não é, ainda, social, desempenhando apenas um papel

marginal nas relações sociais”.

Ao contrariar tais ideias, a autora define a criança como sendo

[...] um ser histórico, social e político, que encontra nos outros, parâmetros e

informações que lhe permitem formular, questionar, construir e reconstruir espaços

que a cercam. Apostamos numa concepção que não se fixa num único modelo, que

está aberta à diversidade e à multiplicidade que são próprias do ser humano

(Kramer, 1999, p. 277).

Quando exigimos que as crianças de diferentes culturas e histórias passem

pelos mesmos processos de desenvolvimento ao mesmo tempo, acabamos por desconsiderar

suas peculiaridades.

O estudo da infância não está mais confinado a perspectivas lineares tradicionais de

„socialização‟ e „psicologia desenvolvimental a ciência social relaciona-se com a

Page 81: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

79

infância numa variedade de formas novas e interessantes, com contribuições da

sociologia, antropologia, política social, geografia social, história, direito e trabalho

social, que agora marcam o seu lugar no nosso entendimento da infância e das vidas

diárias das crianças (JAVEAU, 2005, p.384).

Para definir o seu conceito de infância, Sarmento (2005) faz uso de duas

categorias importantes: “geração” e “alteridade”, que propõe-se a:

[...] interrogar o modo como constructos teóricos como “geração” e “alteridade” se

constituem como portas de entrada para o desvelamento dos jardins ocultos em que

as crianças foram encerradas pelas teorias tradicionais sobre a infância e de como

esse conhecimento se pode instituir em novos modos de construção de uma

reflexividade sobre a condição de existência e os trajectos de vida na actual situação

da modernidade (SARMENTO 2005, p. 363).

O conceito de geração elaborado pelo autor corresponde a um fenômeno que é

de natureza cultural, onde a geração consiste em um grupo de pessoas que, nascidas na mesma

época, que viveram os mesmos acontecimentos sociais durante a sua formação, crescimento e

que, por sinal, partilham da mesma experiência histórica. Assim, a geração da infância passa

por um processo contínuo de mudança, não apenas pela entrada e saída de seus atores

concretos, mas, também, pelos fatores que a constroem.

Para Sarmento (2005), a infância é concebida como uma categoria “social do

tipo geracional por meio das quais se revelam as possibilidades e os constrangimentos da

estrutura social” (p. 363). Nessa direção ao considerar a infância dentro do conceito de

geração, considera também os efeitos de classe, gênero e raça.

Deste modo, a nova concepção de infância, onde a criança não é mais

considerada um adulto em miniatura, mas sim um ser histórico e social, com especificidades

próprias, contribui para a inserção da criança na sociedade e para dar a ela mais visibilidade

no que se refere aos atendimentos oferecidos em instituições de educação.

Compreendemos, a partir das considerações sobre concepções de infância e

criança, que são construções sociais formadas ao longo da vida e que nem sempre expressam

os mesmos significados. Esses estudos também nos auxiliam a olhar para a criança como

sujeito ativo na sociedade, um ser social e histórico, que pertence a uma classe social, a uma

etnia e gênero e isso precisa ser considerado.

2.3- O corpo infantil

A construção da identidade das instituições de atendimento à infância no nosso

país foi sustentada por uma concepção de educação fragmentada, que separava o ato de cuidar

do educar, compreendendo o cuidado como uma atividade ligada ao corpo e o educar como

Page 82: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

80

uma atividade intelectual. Como ilustra Loris Malaguzzi, no trecho da poesia “As cem

linguagens da criança” 13

.

A criança tem uma centena de línguas (E um cem cem cem mais) mas eles roubam 99. A escola e a cultura separar a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos fazer sem cabeça para ouvir e não falar de compreender sem alegria

O cuidado e a educação são princípios indissociáveis e norteadores das práticas

pedagógicas nas instituições de Educação Infantil. O corpo infantil precisa de cuidado, porém,

de modo integral, e não fragmentado.

Dentro desta fragmentação, o corpo infantil é visto como uma “matéria” que

precisa ser cuidada, higienizada, alimentada e escolarizada. Os corpos infantis são moldados

de acordo com os padrões convencionais de comportamento. Neste sentido, Finco (2003, p.

95) afirma que “a escolarização e o disciplinamento do corpo e a produção de uma

feminilidade e masculinidade pela escola acontecem muitas vezes de forma sutil, mas muito

eficiente”.

A escolarização, além de compreender o corpo infantil, limitando-se na

perspectiva biológica, ainda o classifica em menino/menina/, alto/baixo/, gordo/magro,

branco/negro/amarelo e, a partir de então, determina lugares e posições. É preciso

compreender que o corpo extrapola as dimensões biológicas; ele “é também um artefato

impregnado de símbolos, de representações e de significados” (FINCO, 2015, p. 117).

Como já citado anteriormente, um dos objetivos da Educação Infantil é o

desenvolvimento integral da criança, porém podemos afirmar que não há desenvolvimento

integral quando o corpo da criança está aprisionado por práticas de controle. Considerar que

existe um corpo que corre, brinca, aprende através dos sentidos e que é transgressor, implica

pensar em práticas pedagógicas descolonizadoras. É preciso descolonizar os corpos infantis

para que sejam livres.

13

Fonte: http://paraalmdocuidar-educaoinfantil.blogspot.com.br/2012/04/as-cem-linguagens-da-crianca-

conheca.html. Acesso em dezembro de 2017

Page 83: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

81

Figura 22- Pintura no corpo.

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017

Na relação com o cuidado, como que eu vou propor uma atividade dessa, onde

eles vão sentir a tinta no corpo, pintar a barriga o pé? Como que eu vou limpar? Essa

atividade tem que ser feita em dia de calor mesmo, porque são os dias dos três banhos: banho

de tinta, banho de água e banho de sol. Aí ligo a mangueira e, enquanto vou fotografando,

outra criança vai molhando a turma e um foi esfregando o outro para sair a tinta.

Page 84: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

82

Figura 23- Banho de mangueira

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017.

Além de quebrar essa questão de pudor com o corpo, tratamos com

naturalidade. Não é naturalizar as questões polêmicas. É tratar com naturalidade aquilo que

é simples, que é da criança. Por exemplo, eu converso muito com eles assim que a gente não

pode permitir que o outro toque na gente se a gente não quer. Então, quando eu vejo que um

amigo vai me bater eu vou impedir que ele me bata e a mesma coisa é um carinho que me

incomoda. Sempre oriento que tudo que acontece com nosso corpo tem que contar para a

mãe.

Neste dia, apenas um menino não quis participar, porque é muito tímido.

Todos se molharam, ficaram de cueca e de calcinha. Pura diversão! Esse dia foi importante,

porque no início do ano as meninas não aceitavam ficar só de calcinha e agora já ficam de

boa. Quem não gosta, pode ficar com a roupa.

Page 85: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

83

Das fotos escolhidas, qual mais representa a sua prática?

Figura 24- Menina sem camisa e com batuque na mão.

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017.

Essa foto melhor me representa. Essa coisa da batucada que sou eu. Olha

como foi ficando tranquilo as crianças ficar sem camisa na sala. Essa desconstrução de sair

sem camiseta tem muito a ver comigo, principalmente esse ano.

Eu toco em um bloco de carnaval e nós fizemos uma homenagem aos

movimentos sociais. Fizemos um samba falando das lutas e desse momento político do país e

toda essa coisa de liberdade, de ir para rua contra a repressão. As meninas do bloco

magrinhas foram para o bloco de top e shorts e eu fui com uma camiseta regata. Quando

chegamos na rua estava um calor, muito sol e pensei: Só por que sou gorda vou ficar de

camiseta com esse calor? Não, não vou ficar de camiseta. Vou tirar minha camiseta e ficar de

top como todas as outras. Para mim foi libertador! Tirei a camiseta e escrevi: Não à

gordofobia! E sai no carnaval. Foi um marco muito importante essa coisa de se libertar dos

preconceitos que nos prendem. Foi importante para eu me aceitar. Meu corpo é esse aqui, um

corpo gordo mesmo.

Tiramos essa foto em um dia que não era de pintura ou de banho de esguicho.

Era um dia normal de calor. Então, chegar nesse momento e uma menina querer tirar a

Page 86: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

84

camiseta é o mesmo processo que passei, de aceitar. É óbvio que eu não vou tirar a blusa

aqui! Mas elas são crianças. Precisam ter essa liberdade de conviver, aceitar o outro, de se

aceitar. Na verdade, esta foto representa quem sou eu.

Essa sequência de fotos representa o meu trabalho. A mão na tinta a lambança.

Essas duas. As crianças gostam de passar tinta na barriga e encostá-la no azulejo.

Figura 25- Lambança

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017.

Apesar de não visualizadas, as fotografias narradas pela professora Capulana

expressam o potencial da Educação Infantil como um espaço de liberdade, de convivência e

aceitação das diferenças, de experimentar a arte, a música a cultura popular, ou seja, um

espaço onde a criança é livre para viver a infância.

Apesar dos espaços em branco não revelarem o sorriso das crianças da turma

da professora Capulana e ocultarem tanta beleza, seguimos cheios de esperança acreditando e

cantando que

Page 87: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

85

Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai ter que ver A manhã renascer E esbanjar poesia Como vai se explicar Vendo o céu clarear De repente, impunemente Como vai abafar Nosso coro a cantar Na sua frente

Em se tratando da professora Capulana, o canto vai ser em ritmo de samba!

Page 88: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

86

3. ALINHAVO III - PROFESSORA CASADINHO E AS ESPECIFICIDADES DA DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Na intenção de formar mais parte da nossa colcha de retalhos, este terceiro

alinhavo apresenta a narrativa da professora Casadinho. Pretendemos puxar os fios teóricos

para costurar de modo harmônico os retalhos sobre a Educação Infantil e suas especificidades,

como também a docência como uma profissão do gênero feminino.

A professora participante escolheu o ponto de costura Casadinho para lhe

identificar, pois este elemento da costura é um ponto bem seguido um do outro e ela gosta de

coisas juntinhas e de estar perto das pessoas.

Atualmente, a professora Casadinho atua na creche em turma de agrupamento

de crianças entre 2 e 3 anos de idade. A professora compartilha da educação e cuidado das

crianças com outros dois monitores, sendo que um deles é homem. A escolha por trabalhar

com um monitor homem e ter que tratar diariamente com a não aceitação de algumas famílias

e com os preconceitos em relação à figura masculina na creche fez com que Casadinho

participasse desta pesquisa.

Nas conversas que resultaram na produção da narrativa que será apresentada

neste capítulo, Casadinho mostrou-se uma mulher que ama sua família, sua profissão, que

ama cuidar do outro e – principalmente – de crianças, que valoriza a terra, os demais

elementos da natureza e que acredita que estes são fonte de vida e renovação. Deste modo, na

intenção ousada de pensar em algo que revelasse um pouco sobre ela, escolhi a poesia Cântico

da terra, de Cora Coralina14.

14

Fonte: https://www.pensador.com/frase/NDAzOTcz/. Acesso em janeiro de 2018.

Page 89: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

87

O cântico da terra

Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranquila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.

O algodão de tua veste

e o pão de tua casa.

E um dia bem distante

a mim tu voltarás.

E no canteiro materno de meu seio

tranquilo dormirás.

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.

Cora Coralina

Page 90: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

88

Retalhos fotográficos

Figura 26- Retalhos fotográficos da professora Casadinho

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

Page 91: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

89

3.1 Sobre o tornar-se professora na Educação Infantil

Como e por que ingressou na carreira docente?

Na verdade, quando eu era adolescente a minha mãe nos obrigou eu e minha

irmã a fazer magistério. Ela nos colocou dentro de uma sala de aula do magistério e falou:

Vocês vão fazer, vão ter uma profissão!

Éramos de uma família muito simples, muito pobre e minha mãe viu no curso

de magistério uma oportunidade de um emprego rápido.

Quando conclui o magistério, fui fazer o curso de auxiliar de enfermagem,

porque eu gostava do cuidar. Segui a carreira, trabalhei em casa de repouso, em hospitais

grandes como Beneficência Portuguesa e tudo mais. Fui para a prefeitura de Campinas na

área da saúde trabalhando de auxiliar de enfermagem da família.

Quando eu estava lá surgiu um concurso de professor e eu sempre cai nas

mãos das crianças. Quando eu estava de auxiliar de enfermagem da família ou eu trabalhava

na sala da vacina, normalmente com crianças, ou eu ficava em um programa Viva Vida -

muito bonito -, também com crianças. Então pensei: Eu vou fazer, porque eu gosto muito de

crianças. Fiz magistério, me interessei. Passei no concurso, fui chamada e fui trabalhar no

Ensino Fundamental em Hortolândia.

Gostava muito do Ensino Fundamental. Gostava das repostas rápidas que as

crianças me davam, que é diferente da Educação Infantil. Às vezes, a gente está todo o dia

ensinado, porque a todo o momento você ensina. Querendo ou não, você está ensinando

alguma coisa para quem está do seu lado, independente da idade que tem, independente de

quem seja, de onde veio a gente sempre ensina algo para as pessoas. Sempre estamos

passando aquilo que é nosso. Eu estava no fundamental e teve um ano que precisou muito de

professora na Educação Infantil. Como estava grávida da minha filha e fui para a Educação

Infantil, pensei: Vou ter a minha neném e aí eu deixo ela lá na creche.

Hoje, faz quatro anos que eu estou aqui na rede de Campinas, é bem diferente

de onde eu estava, mas as minhas convicções são as mesmas. Gosto muito das crianças

pequenas, gosto de crianças de dois anos, três anos. Gosto de todas as crianças, mas gosto

do desabrochar desta criança. Ela não se vê mais bebê e se descobre criança. Esse

desabrochar eu acho muito bonito. Ela usa fralda, a gente faz o desfralde e agora ela vai

sozinha ao banheiro. Olha que graça! A gente ajuda, mas ela já consegue fazer sozinha, ela

vai comer sozinha, beber água sozinha, ela vai tirar a roupa ela sozinha, e ela se descobre

Page 92: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

90

como ser humano. Ela vai descobrir o que gosta o que ela é, o que ela sente. Então, essa é a

fase mais bonita para mim, da infância. Gosto de todas as crianças! De todas as idades: nove

e dez anos. Mas esta fase! Este intercâmbio, para mim, é o mais gostoso de trabalhar. Isso,

eu aprendi na prática. Vim para a Educação Infantil por uma necessidade familiar e não

troco.

Eu fiz pedagogia, fiz pós-graduação em metodologia do ensino de matemática

e em física, mas eu gosto desta idade que eu estou. Estou há dois anos neste formato de

reagrupamento. Gosto demais de trabalhar com monitor. Eu queria até me aposentar,

trabalhar com monitor.

Apareceram oportunidades para dar aula em faculdades de Física, em

matemática, mas recusei. O meu amor por trabalhar com crianças é maior.

Casadinho tornou-se professora de Educação Infantil por precisar de uma vaga

para sua filha, no entanto, o direito a vaga nas creches e pré-escola, nem sempre foi um direito

da mãe trabalhadora e da criança. Para contextualizar e compreender o espaço de atuação da

professora Casadinho como um espaço de luta e conquista dos direitos de mulheres

trabalhadoras e crianças faz-se necessário buscar alguns dados históricos nos estudos de

Kuhlman Jr. (2000, 2005, 2007), Oliveira (2007, 2012), Kramer (1995, 1999) e outros autores

que estudam a histografia da infância e da Educação Infantil no Brasil. Tal suporte teórico

contribui para que possamos entender o contexto em que as instituições de atendimento à

infância foram criadas e como esse atendimento se configura nos dias atuais.

Atualmente, a Educação Infantil é reconhecida pela Lei de Diretrizes e Bases

da Educação (BRASIL, 1996) como a primeira etapa da educação básica, sendo um direito da

criança de 0 a 5 anos de idade, porém é uma opção da família para crianças até 3 anos de

idade. Tal reconhecimento legal deu a meninos e meninas o direito de serem reconhecidos

como sujeitos de direito e terem um espaço fora da esfera privada para conviver e viver a

infância. Mas esse reconhecimento é bastante recente na história do atendimento à criança no

Brasil e também está ligada à valorização da infância enquanto uma fase importante na vida

do ser humano.

A história das instituições para a infância interage nos tempos relacionando-se

aos acontecimentos sociais e no desenvolvimento da sociedade como um todo. O surgimento

dos sentimentos de infância, a maternidade e o trabalho feminino são fatos marcantes nessa

trajetória. Deste modo, entender a fundação das instituições de Educação Infantil, é também

entender a infância, a criança, as concepções pedagógicas que perpetuaram durante séculos na

história mundial e brasileira.

Page 93: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

91

Foram diversas as causas e interesses que influenciaram o surgimento das

instituições de Educação Infantil no Brasil. Para melhor compreender como tudo aconteceu, é

necessário considerar os interesses da igreja, do poder púbico, do poder judiciário, das

instituições assistencialistas, da medicina higienista, como também a influência dos

movimentos dos operários e operárias, bem como do movimento feminista. A história destas

instituições não é construída a partir de fatos isolados.

[...] a história das instituições pré-escolares não é uma sucessão de fatos que se

somam, mas a interação de tempos, influências e temas, em que o período de

elaboração da proposta educacional assistencialista se integra aos outros tempos da

história dos homens. (KUHLMANN, 2007, p. 77)

A modificação da concepção de infância, da nova estrutura familiar, o trabalho

feminino e as questões econômicas influenciaram na história das instituições de Educação

Infantil no mundo e no Brasil. No entanto, cabe ressaltar que a história da Educação Infantil

no Brasil não acompanhou a evolução mundial.

Embora o reconhecimento pelo direito da criança em frequentar uma

instituição de ensino seja recente na história da educação brasileira, Abramowicz (2003)

coloca que esse processo de institucionalização da educação para crianças de 0 a 5 anos não é

algo novo. Ao longo da história dessa institucionalização, várias foram as nomenclaturas

dadas à instituição para o atendimento às crianças, entre elas o jardim da infância, a sala de

asilo, escola de tricotar, creche, pré-primário e pré-escola. Foi com a promulgação da

Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB) que

designou a todas as instituições de atendimento às crianças de zero a cinco anos a expressão

Educação Infantil.

É importante destacar que a trajetória das instituições de educação para

infância não se restringe ao campo educacional; está interligada a lutas sociais, as

transformações no bojo familiar, as novas representações de infância e especificamente às

lutas das mulheres trabalhadoras. Deste modo, a expansão deste tipo de educação, bem como

as discussões sobre a sua importância vem crescendo no Brasil desde a década de 70. Fatores

como a urbanização, a maior inserção do trabalho feminino, a luta dos movimentos sociais, a

antecipação crescente da escolarização das crianças, o fim da repetência escolar e a

necessidade de antecipar a escolarização das crianças para que tenham melhores condições de

frequentar o ensino fundamental, as lutas pelo direito das crianças à educação são algumas

razões que contribuíram para essa expansão e que acabaram sendo consolidadas na Lei nº

9394/96, que ratifica a Educação Infantil como um dever do Estado. Muitas foram as lutas

Page 94: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

92

travadas e desafios superados para que a Educação Infantil tornasse um direito à todas as

crianças. O direito não mais é da mãe ou do pai que trabalha; ele é da criança.

Segundo alguns estudos de Kuhlmann Jr (2000, 2005, 2007), as instituições pré-

escolares foram difundidas internacionalmente a partir do século XIX como parte de um

conjunto de medidas assistenciais para a população pobre. As creches destinadas às crianças

de zero a três anos, de cunho assistencialista, foi vista como um aperfeiçoamento da Casa de

Expostos15

, uma alternativa para que as mães não abandonassem suas crianças e um meio de

resolver alguns problemas sociais como a mortalidade infantil, a desnutrição e o abandono de

crianças por suas famílias.

Os primeiros espaços destinados para o cuidado das crianças pequenas foram

criados com base na visão de prestação de serviços, ou seja, um ato de caridade como afirma

Oliveira (2007),

[...] embora a necessidade de ajuda ao cuidado dos filhos pequenos estivesse ligada a

uma situação produzida pelo próprio sistema econômico, tal ajuda não foi

reconhecida como um dever social, mas continuou a ser apresentada como um favor

prestado, um ato de caridade de certas pessoas ou grupos. (p. 95)

A creche foi divulgada no Brasil em 1879, no jornal “A Mãe de Família”, por

um representante da área da saúde e foi nomeada como salas asilo para a primeira infância.

Segundo Kuhlmann Jr (2005), o artigo publicado colocou a importância da creche para as

mães trabalhadoras e que cabia a instituição cumprir o seu papel de apoiar a família que a mãe

necessitasse trabalhar, o que, na época, restringia-se às mulheres pobres e operárias. No

entanto, o texto também afirmava a ideia da mulher como responsável pela educação das

crianças e dos afazeres domésticos.

Deixemos a mulher no lar doméstico, de que ela é rainha e os encantos mais

poderosos, que ela ai crie seus filhos, os eduque na religião e na honra e de noite,

quando o marido volta fadigado do trabalho do dia, que ela enxugue seu rosto

banhado de suor. E o console com seu sorriso! Mas a despeito dos nossos protestos e

de nossos pesares, a cruel necessidade ai está: nas famílias operárias a pobre mãe é

muitas vezes obrigada a abandonar seus filhos e a trabalhar fora sob a pena de ver

aparecer em sua mansarda o espectro da fome. Ela vai, pois! Seus filhinhos? O que

lhes sucede? (VINELLI, 1879 apud KUHLMANN JR, 2005, p.70).

Dentro deste contexto, as creches ou asilos como eram conhecidas,

consideradas também como um mal necessário, atendiam os filhos de operários e eram em sua

maioria de origem filantrópicas e predominavam práticas higienistas e puericulturistas. Sobre

15

Segundo Kramer (1995 p. 49), a Casa dos Expostos, também conhecida como Casa dos Enjeitados ou Roda,

foi uma instituição criada por Romão Duarte em 1739 para abrigar “almas inocentes” que tivessem sido

abandonadas, enjeitadas ou desamparadas.

Page 95: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

93

este assunto, o médico higienista Dr. Oscar Clark16

publicou nas décadas de 1930 e 1940

algumas obras que defendiam a ação médica higienista dentro das instituições educativas,

defendendo a criação de escolas-hospitais e clínicas escolares. Para ele, a escola do século XX

tinha como objetivo principal cuidar do corpo, instruir, alimentar e tratar da criança.

No início do século XX, os movimentos operários auxiliaram na luta pela

transformação do atendimento à criança pequena. As mulheres operárias dos grandes centros

urbanos passaram a exigir direitos que incluíam um local para que seus filhos ficassem

enquanto elas trabalhavam, pressionando o governo a criar mais creches, escolas maternais e

parques infantis.

Segundo Rocha (2005), as instituições que atendiam as crianças eram também

um modo de controle e paliativo para os médicos que, através destas instituições, mais

especificamente as creches, interviam nas condições de vida das famílias operárias. A

medicina preventiva era uma maneira de orientar e socorrer a criança e sua família. Tais

instituições eram consideradas pela medicina higienista como espaços promotores de

segurança e saúde.

Juntamente com o discurso médico higienista, também houve uma preocupação

com a educação pré-escolar; todavia, eram iniciativas voltadas aos jardins de infância,

destinados preferencialmente para crianças oriundas de grupos sociais de prestígio. Enquanto

as crianças filhas de trabalhadoras eram assistidas por instituições de caráter médico, poucas

eram as iniciativas educacionais a elas destinadas.

O reconhecimento da criança como sujeito de direitos, presente na Constituição

de 88 e no ECA, não foi o suficiente para garantir à criança brasileira o direito à educação.

Assim, com o intuito de ampliar a oferta de vagas e melhorar a qualidade do atendimento para

crianças de zero a seis anos de idade, o Ministério da Educação e do Desporto lançou em

1994, “As Diretrizes para uma Política Nacional da Educação Infantil”. O documento trazia

em seu conteúdo o direito a Educação Infantil como um direito das crianças de zero a seis

anos de idade na modalidade de creche e pré-escola, como também a importância de oferecer

uma educação que contemplasse o desenvolvimento integral da criança considerando a

diversidade social e cultural das populações infantis.

Apesar dos avanços, somente em 1996, com a promulgação da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, conhecida como LDB, a Educação Infantil passa a

16

Responsável pela organização da Clínica Escolar e chefe do serviço de Escolas-hospitais do Distrito Federal

(RJ). Publicou as obras O século da creança em 1937 e Jardins de infância e escolas-hospitaes em 1943,

conforme Rocha (2005).

Page 96: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

94

ser reconhecida como a primeira etapa da educação básica e caracteriza-se em uma conquista

fundamental para que todas as crianças de 0 a 5 anos de idade tivessem reafirmado o direito a

frequentar creches e pré-escolas.

A LDBEN (1996), no artigo 29, declara que a Educação Infantil destina-se às

crianças de 0 a 3 anos em creches, e de 3 a 5 em pré-escolas, tornando-se parte integrante e

primeira etapa da Educação Básica brasileira. Ela “tem como finalidade o desenvolvimento

integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e

social, completando a ação da família e da comunidade”.

Ainda de acordo com a LDBEN (1996), a Educação Infantil é de

responsabilidade dos municípios, cabendo a eles segundo o inciso I: “organizar e desenvolver

os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os às políticas e aos

planos educacionais da União e dos Estados” e no inciso V

“oferecer a Educação Infantil em creches e pré-escolas e, com prioridade, o ensino

fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando

estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com

recursos acima dos percentuais mínimos vinculados, pela Constituição Federal, à

manutenção e ao desenvolvimento do ensino” (BRASIL, 1996).

O atual cenário da Educação Infantil no Brasil, no que se refere à oferta de

vagas gratuitas, opcional até os 3 anos de idade e obrigatória a partir dos 4 anos, configura-se

atualmente a um espaço que não se limita ao atendimento das crianças, mas que se amplia ao

considerarmos um espaço de luta política, de benefício para as famílias das crianças atendidas

e espaço de trabalho de homens e prioritariamente de mulheres.

3.2 As especificidades do trabalho pedagógico na Educação Infantil

As Diretrizes para uma Política Nacional da Educação Infantil (1994), em seu

conteúdo, consideram a criança como um sujeito completo, porém em desenvolvimento.

Assim, propõem que o trabalho desenvolvido com as crianças de zero a cinco anos de idade

sejam pautados em ações pedagógicas que considerem o brincar como eixo principal da

aprendizagem, o trabalho cooperativo, o respeito à individualidade de cada criança e a

diversidade cultural. Nesta direção, o trabalho pedagógico desenvolvido pela professora ou

professor deve romper com práticas tradicionais que visam à preparação para o ensino

fundamental e promover práticas educativas que promovam o desenvolvimento integral da

criança tendo como eixo principal o brincar.

Page 97: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

95

No entanto, reconhecer as especificidades do trabalho pedagógico na educação

infantil requer colocar a criança como centro deste processo, como fez a professora

Casadinho.

Quando fui para a Educação Infantil levei um choque. Porque estava

acostumada com as crianças sentadinhas nas carteiras, a conversar com elas e elas me

responderem, a dar conteúdo, conteúdo, conteúdo, conteúdo.... E na Educação Infantil tive

que desapegar. Tive que entender a criança da Educação Infantil. É tão difícil se colocar no

lugar delas. Então fui me colocar no lugar delas e ver o que estavam precisando, o que podia

fazê-las feliz naquela hora e para o futuro também, então fui voltando meu trabalho para

isso. Para serem mais felizes, serem felizes nos outros anos também a passar coisas sobre

como conviver de maneira saudável, se descobrir, no que gosta e não gosta. Eu sempre gostei

de procurar saber o que a criança gosta.

Eu tive muitos erros. A gente comete muitos erros, principalmente no começo.

Achamos que tem que ensinar conteúdo para as crianças pequenas, mas a gente não sabe

qual a melhor forma de fazer isso. Tem a preocupação sobre o que os pais estão pensando do

nosso trabalho, no que as outras professoras estão pensando também. A gente acha que tem

que produzir, então, no começo, queria dar folhinha, folhinha. Queria dar atividades que

mostrasse no papel o que eles estavam aprendendo, porque quanto mais papel, mais o pai

acha que a criança está produzindo. Infelizmente é assim. Mas eu tinha coisas legais que

carrego até hoje, por exemplo: a criança tem que saber o que ela gosta. Como ela vai

descobrir o que ela gosta? Experimentando.

Sobre o experimentar o contato com a terra e outros sabores.

Page 98: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

96

Figura 27- O abacaxi

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

Nós plantamos, cuidamos e colhemos o abacaxi. Eles tocam, sentem, comem o

abacaxi. Todos experimentaram. O gostoso é isso!! Se explorar todos os sentidos, a criança

vai querer experimentar.

Page 99: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

97

Figura 28- Erva doce

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

Nós plantamos erva doce, depois eles sentiram o cheiro, viram o matinho.

Quer por na boca? Pode por. Tem gosto? Não. Se colocar água vai virar chá e vai ter gosto.

E assim vão experimentando.

Pensar no trabalho pedagógico diferenciado dos modelos higienista,

assistencialista ou escolarizado nos moldes do Ensino Fundamental, segundo Faria (2007, p.

15) “requer um (a) profissional que não deve seguir o modelo escolar nem no conteúdo nem

no espaço e nem no tempo”. Assim, ser professora de crianças pequenas é ter que superar a

Page 100: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

98

visão polarizada entre assistencialismo e educação, que foi construída ao longo da história da

Educação Infantil.

Repensar na prática pedagógica onde o adulto não é mais o centro do processo

educativo e considerar a importância do protagonismo infantil perpassa por enxergar a criança

como sujeito social e de direitos e valorizar a infância e suas singularidades.

De acordo com as DCNEI (2013), as práticas pedagógicas

[...] devem ocorrer de modo a não fragmentar a criança nas suas possibilidades de

viver experiências, na sua compreensão do mundo feita pela totalidade de seus

sentidos, no conhecimento que constrói na relação intrínseca entre razão e emoção,

expressão corporal e verbal, experimentação prática e elaboração conceitual.

(BRASIL, 2013, p. 88)

Nesta direção, o trabalho da professora Casadinho caminha em consonância

com as DCNEI (2013) no que se refere ao brincar como eixo central do seu trabalho e a

oportunizar que as crianças vivenciem diferentes experiências.

As fotos que escolhi mostram as crianças experimentando coisas diferentes. Eu

gosto disso! Experimentar outras possibilidades de pintar, desenhar e de brincar.

Figura 29- Amarela e rosa

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho -2017.

Page 101: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

99

Figura 30- O urso

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

Fiz a leitura da história do urso e depois elas tinham que desenhar. Cada um

podia desenhar o urso do seu jeito, da cor que queria. Se não for livre na Educação Infantil,

vai ser quando?

Page 102: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

100

Figura 31- O balanço

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

A foto do balanço é uma atividade de reuso. A criança dá outra utilização para

a balança. Não precisa brincar com a balança sempre do mesmo jeito.

Também não precisa brincar sempre no mesmo lugar. Gosto de criar outros

espaços para brincadeira, como dentro de caixas de papelão.

Page 103: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

101

Figura 32- A caixa

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

Eu sempre gostei dos cantinhos de Freinet; sempre gostei dos ateliês. Nos

cantinhos, cada um pode ser o que quiser e brincar do que quiser.

Não gosto dos cantinhos fixos. Gosto de várias experiências em momentos

diferentes. Temos o cantinho da leitura, da casinha, das ferramentas. Nos outros dias, vou

oferecendo coisas diferentes: cantinho da costura, de cabeleireiro, de escritório, mas, no

outro, dia já troco. Partindo daí, vi algumas crenças das famílias mesmo. A criança vinha e

pedia o carrinho, então eu perguntava, porque o carrinho? A criança respondia: - Eu gosto

do carrinho, tia! Então, tá bom. Então, vamos ver se você vai gostar de outra coisa. Então, eu

abro o armário e mostro. (Eu sempre fiz isso! E só faltam nove anos para eu me aposentar.

Se a regra não mudar). Tenho alguns anos de sala de aula... Não me pergunta quantos anos

eu tenho (risos).

Page 104: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

102

Até hoje eu faço isso: a criança que vem de casa só querendo um tipo de

brinquedo eu gosto de ampliar o horizonte desta criança.

O trabalho com a minha equipe permite que a criança sempre seja em

primeiro lugar. Algumas coisas estou tentando desconstruir. Sempre depois da roda, monto

os cantinhos e a criança pode escolher o que ela quiser dentre os que preparei para ela.

Algumas vezes as crianças maiores dizem: “Eu não quero boneca, isso é coisa de menina”.

Logo falo: “Mas quando você era bebezinho seu pai cuidou de você, seu tio, seu vovô”. Você

não quer fazer de conta que este é o seu bebezinho? Então eles vão brincar e gostam.

Figura 33- Carinho no bebê

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho 2017.

Hoje, no segundo semestre, eu não tenho nenhuma criança que questiona. Elas

brincam com tudo. Vou alternando os cantinhos. Tem dia que coloco ferramentas, carrinhos

e bolas. As meninas escolhem também.

Page 105: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

103

Figura 34- Cantinhos

Fonte: Arquivo pessoal da professora Casadinho- 2017.

Está sendo positivo para os meninos, mas está sendo muito mais para as

meninas. A gente sabe que uma sala com mais meninos é uma sala mais ativa, mais agitada,

mais barulhenta e uma sala com mais meninas é mais silenciosa, tem conversa, mas é mais

calma. Mas por que isso? Por que queremos acostumar as meninas a serem retraídas. Sentar

como menina. Como é sentar como menina? É retraída. Você é uma menina não pode falar

desse jeito? Ela sempre tem que falar baixo, tem sempre que ser quieta e muda? Por que ela

não pode ser tão ativa como os meninos?

Segundo Moreno (1999), os modelos de comportamento são transmitidos de

geração em geração por séculos. Na maioria das vezes, eles não são explicados, mas

conhecidos e compartilhados. Deste modo, dentro da nossa sociedade existem

Page 106: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

104

comportamentos definidos e esperados para meninos e para meninas. Espera-se que a menina

seja meiga, carinhosa, fale baixo e sente como uma menina. Aos meninos é esperado que

sejam ágeis, ativos e até agressivos.

Cabe ressaltar que, se os meninos são “mais” agitados e ágeis que as meninas,

é porque estas características fazem parte do modelo de comportamento que apresentam aos

meninos e que tais características não conferem ao modelo apresentado às meninas.

Nesta direção, Adichie (2015) coloca que perdemos o nosso tempo ensinando

as meninas a serem benquistas, a terem vergonha, a não sentirem raiva e serem agressivas e,

por outro lado, não ensinamos aos meninos as mesmas coisas, pois acabamos por justificar e

ou naturalizar seus comportamentos.

O modo como criamos nossos filhos homens é nocivo: nossa definição de

masculinidade é muito estreita. Abafamos a humanidade que existe nos meninos,

enclausurando-os numa jaula pequena e resistente. Ensinamos que eles não podem

ter medo, não podem ser fracos ou se mostrar vulneráveis, precisam esconder quem

realmente são. (ADICHIE, 2015, p. 29)

As meninas brincando com os mesmos brinquedos que os meninos, além de se

mexerem mais e melhorar a motricidade delas. Porque a boneca, a panelinha a menina fica

ali paradinha, sentadinha. Agora elas estão partindo para o ataque, indo brincar de bola, se

movimentando. Os meninos são sempre movimento, movimento para gastar energia.

Além das meninas melhorarem a coordenação motora elas, se impõe mais. Na

roda da conversa elas gostam de falar, mas sempre os mesmos assuntos.

Quando algum menino pega o brinquedo delas, elas não assumem mais aquela

postura de chorar. Não, agora elas falam “não”. Se relacionam de igual para igual. Mesmo

sabendo que o colega é mais forte, ela puxa o brinquedo, tenta resolver o conflito com ela.

Isso eu percebi depois de começar a trabalhar com elas, os brinquedos, as atitudes.

Qual foto mais representa o seu trabalho, a sua prática?

Ela não está aqui. É a C. de bruxa. Aqui foi assim:

O berçário veio na minha sala e fizemos o João e a Maria. O João foi a Maria

e a Maria foi o João e eu a bruxa.

Eu disse: “Olha, eu sou a tia Pri!”. Fui tirando a roupa de bruxa, porque

todo mundo pode ser bruxa. As crianças não choraram. Depois vestiram a roupa de bruxa.

Queriam experimentar a bruxa. Eles podem ser o que eles querem ser e não o que a

sociedade quer que você seja. Então, hoje esta é a foto que mais gosto, que mais me

representa.

Page 107: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

105

Por que fizeram o João e Maria invertido?

Para sair da casinha. Eu sou cristã, tenho uma religião evangélica e me

incomoda muito que os pais vêm e falam que a criança não pode pegar bicicleta rosa, pode

pegar bicicleta azul, só pode brincar de carrinho. Não é assim! Ele pode experimentar outros

brinquedos, cores diferentes, sabores diferentes, visuais diferentes. Ele pode se vestir de

bruxa, do que ele quiser. E eu não sei explicar porque faço isso. Quero que a criança

experimente. Não estou tentando incentivar o homossexualismo. Não estou!

A criança quer experimentar um vestido, tudo bem! Quer experimentar uma

vassoura, tudo bem! Um menino quer brincar de lavar louça, tudo bem! Não tem problema

um homem lavar louça.

Tem coisas que a sociedade coloca na nossa cabeça que são desnecessárias. E

Jesus foi o maior que tirou da casinha. Porque as mulheres nem podiam falar nada e Jesus

encontrou uma mulher no poço e disse para ela ir e pregar para todo mundo que você ver.

Ele deu voz às mulheres que não tinham naquela época. Tratou-as como seres humanos. E

ele era muito isso! Vai, experimenta! Vai e seja! Trouxeram Maria Madalena para ele e ele

disse “não te condeno”. Vai viver!!

Eu acho que cada um tem um gosto e a criança deve descobrir o que ela gosta.

Pode ser um mecânico, trabalhar numa indústria e se gosta de contar, pode ser um contador.

3.3 Entre o feminino e o masculino na Educação Infantil

A creche é um espaço de múltiplas relações que, apesar da predominância

feminina, também é um espaço onde homens também exercem a função de educar e cuidar de

meninos e meninas.

Em 2009 foi realizado pela equipe técnica da Diretoria de Estatísticas

Educacionais do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) um estudo

exploratório sobre o perfil dos professores de educação básica do Brasil, a partir dos dados do

Censo Escolar de 2007.

De acordo com os dados estatísticos apresentados nesse estudo, existe uma

predominância feminina na Educação Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, sendo

98% na creche, 96% na pré-escola e 91% anos iniciais do ensino fundamental. Ao considerar

todas as modalidades de ensino, constatou-se que 81,6% dos professores que estavam em sala

de aula no ano que foi realizado o Censo eram mulheres.

Os dados apresentados nesse estudo fazem-nos afirmar que a docência,

especificamente de crianças pequenas, é uma profissão feminina. A feminização do

Page 108: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

106

magistério está diretamente ligada ao modo como foram constituídas no decorrer da história

as instituições de educação pública brasileira.

Apesar de ser insignificante o número de professores e monitores do sexo

masculino atuando na Educação Infantil, dadas às especificidades que o trabalho com as

crianças pequenas suscita, a presença deles é motivo de estranhamento por parte não só das

mulheres profissionais de creches, como também das famílias das crianças.

Por este motivo, quando nos referimos ao papel da mulher na educação como

professora de crianças, é fundamental e necessário fazer uma associação com estudos

relacionados ao gênero. Como afirma Louro (1997, p. 478),

Não parece ser possível compreender a história de como as mulheres ocuparam as

salas de aula sem notar que esta foi uma história que se deu também no terreno das

relações de gênero: as representações do masculino e do feminino, os lugares sociais

previstos para cada um deles são integrantes do processo histórico. Gênero,

entendido como uma construção social e articulado a classe, etnia, religião, idade,

determinou (e determina) algumas posições de sujeito que as mulheres e professoras

ocuparam (e ocupam).

Rosemberg (1999) nos aponta que a educação infantil, quer seja em creche ou

pré-escola, é uma atividade vinculada ao gênero feminino, sendo exercida por mulheres,

diferentemente de outros níveis de ensino. Todos os serviços voltados para criança pobre, seja

na área de serviço social como os serviços no jardim de infância, já iniciaram como vocação

feminina.

A imagem que a sociedade tem hoje da mulher professora de crianças, é fruto

de uma construção histórica que acontece há mais de um século considerando que o início da

entrada da mulher na sala de aula se deu a partir do século XX. Historicamente, é

responsabilidade da mulher o cuidado de crianças na esfera privada (família) e tal realidade

também foi incorporada na esfera pública. O cuidar e o educar são ações indissociáveis, que

fundamentam as práticas pedagógicas na Educação Infantil e que caracterizam o trabalho

docente nessa modalidade educacional. Tais ações são comumente associadas à feminilidade.

Para Monteiro (2014), um dos motivos que fazem da docência uma profissão

predominantemente feminina é que a educação de crianças pequenas está associada ao âmbito

do trabalho doméstico e à esfera reprodutiva, sendo, dessa forma, naturalizada como área de

atuação feminina.

Dentro deste contexto, Cerisara (2002) diz que o papel ocupado pela mulher na

vida humana em um determinado grupo cultural não é o produto do que ela faz, mas o sentido

do que essas atividades representam na interação social.

Page 109: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

107

Quando nos referimos à mulher como profissional da educação infantil não

podemos determinar um único perfil para esse profissional, uma vez que, cada uma destas

mulheres possui trajetórias diferentes, são de diferentes faixas etárias, etnia, classe social entre

outras características, como afirma Wada (2003, p.54): “existe diferença na suposta

igualdade”. Nessa direção, a escola se constituiu como um espaço de construção e reprodução

das desigualdades, sobretudo das desigualdades de gênero.

Dentro da categoria de gênero, Wada (idem) traz uma discussão importante

sobre a docência como uma profissão feminina. A autora afirma que a docência não se faz

uma profissão feminina por ser constituída por mulheres, pois, se há homens exercendo essa

função, estes também são profissionais do gênero feminino, pois atribuem às suas práticas os

mesmos significados que suas companheiras de trabalho, que são mulheres.

Ainda segundo a autora, não existe um saber natural que faz com que a mulher

tenha vocação para o trabalho com crianças, mas um conhecimento que é socialmente e

culturalmente construído. Contudo a constatação da docência como uma atividade marcada

pela naturalização do feminino e, portanto, constituída em sua maioria por mulheres, faz do

gênero uma categoria importante e decisiva nas relações entre homens e mulheres nas

instituições de educação infantil.

Ao trazer para a discussão como ocorrem as relações de poder nas instituições

de educação infantil em que há homens na docência, Silva (2014, p. 89) chega a afirmar que

tais instituições se caracterizam em territórios considerados “um não lugar para docentes do

sexo masculino”, uma vez que homens cuidando e educando crianças pequenas é visto como

algo “anormal” dentro da nossa sociedade machista e sexista. Assim, a presença masculina na

creche, incomoda, causa estranhamento. Essa presença é selvagem, exótica.

A polêmica da presença masculina em creches se inscreve desta maneira

porque, historicamente, os cuidados e a educação das crianças pequenas vêm sendo, em

grande parte das culturas, uma atribuição da mulher, carregando assim, as marcas culturais do

feminino, entre elas a maternagem.

No entanto, ao estabelecer a associação entre a docência na educação infantil e

os cuidados maternais, Silva (2014) traz a ideia de que o cuidado é um ato exclusivamente

feminino. Ao referenciar pesquisadoras como Cesiara (1996) e Sayão (2005), o autor afirma

que a maternagem social pode ser exercida por mulheres também podem ser exercidas por

homens.

Page 110: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

108

Como é trabalhar com um monitor homem?

Há três anos eu estou trabalhando com o mesmo monitor: o J. Ele é um

excelente profissional e sempre combinamos de ficar juntos, porque ele acredita no que eu

acredito. Temos a mesma visão, porque nós, professoras, embora tenhamos faculdade,

gostamos dos mesmos filósofos. Cada uma tem um estilo diferente. O J. gosta desta transição

também: gosta do tirar a fralda, do deixar a criança servir sozinho; gosta de dar autonomia e

independência para a criança. Então, a gente sempre gostou de trabalhar juntos.

No começo, pensei que não daria certo, porque ele é ateu e eu sou a “crente

da escola”. Só que fui ver que ele trabalha de um jeito, tem falas diferentes, mas acreditamos

nas mesmas coisas, temos a mesma pedagogia. Então, o trabalho flui muito bem.

Infelizmente, as pessoas têm uma visão muito errada. Por exemplo, quando

tem criança com problema de comportamento elas levam para o J. por ele ser grande e forte

e falar grosso. Levam as crianças para ele, mas as crianças da nossa sala sabem que não é

nada disso.

Eu recebo as crianças sentadas no colchão e ele fica na porta recebendo.

Enquanto eu faço a roda, ele já vai tirando a blusa das crianças, cuidando. Não tem divisão

por ele ser homem e eu mulher, é uma questão de temperamento.

Nestes três anos, nós tivemos muitas experiências. Experiências com crianças

que nunca teve a presença masculina na vida por morarem só com mãe e avó e só conviver

com homens em festas, igrejas e na comunidade, mas nunca terem passado horas com um

homem.

Com a presença dele na sala, isso se tornou possível para algumas crianças.

Tem mães que pedem para seus filhos ficarem com o J. pelo fato dele ser homem e não ter

uma referência paterna. Ele não fica triste com isso; fica muito feliz. Ele fica triste quando as

pessoas desconfiam dele por ele ser homem, por exemplo. Tem casos que o pai fala assim:

“ Eu não quero que nenhum homem coloque a mão na minha filha”. A gente explica, fala que

somos profissionais. Teve um caso que fizemos cinco reuniões com o mesmo pai e com a mãe,

mas o pai não admitia. Então, eu explicava: “Pai, isso eventualmente vai acontecer, porque e

sua filha vive um mundo onde tem homens e mulheres. Se ela for ao hospital, pode ser

atendida por um homem; se for na igreja, também. No mundo há homens! ” Mas o pai não

entendeu. Ele dizia que era gaúcho e que na terra dele “homem faz coisa de homem e mulher

faz coisa de mulher e cuidar de criança é coisa de mulher”. E ele foi até a delegacia fazer a

denúncia, que não queria que sua filha fosse tocada por nenhum homem. Ele queria trocar de

sala, mas a escola não aceitou, porque isso era impossível de garantir. Ele chegou a levar a

Page 111: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

109

filha para fazer exame para ver se algo havia acontecido, mas não tinha acontecido nada.

Todo ano o J. passa por preconceito com alguma família.

Mesmo sabendo que vou passar por essas dificuldades, eu sempre vou

trabalhar com ele. Ele é mais cuidadoso que outras profissionais. Ele não deixa criança com

nariz sujo e nem com fralda suja. Ele sempre coloca a criança em primeiro lugar.

As pesquisas de Monteiro (2014) e Silva (2014), embora realizadas em

contextos diferentes, ao abordarem a presença masculina em instituições de Educação Infantil

revelam as mesmas dificuldades e os preconceitos vivenciados por homens que decidem

exercer a docência. Embora o caso apresentado na narrativa não se trate de um professor, mas,

sim, de um monitor, a resistência, o estranhamento, a desconfiança e o medo da imagem

masculina ligada à violência sexual são os mesmos.

Quando um homem como J. exerce uma profissão tida como feminina, ele

acaba por romper com a função que lhe é designada socialmente quebrando, ainda que de

forma restrita, o padrão de masculinidade hegemônico. Monteiro (idem, p. 87) explica a

masculinidade hegemônica como sendo uma:

construção social e inerentemente relacional, sendo pensada em contraste com a

feminilidade. Trata-se de um conjunto de práticas que indicam, de maneira

normativa, a forma mais honrada de ser um homem em determinada sociedade,

exigindo que todos os outros sujeitos se posicionem em relação a ela, subordinando

ideologicamente as mulheres e os outros homens.

Por outro lado, esperam que J. assuma posturas relacionadas a um padrão único

de masculinidade, ou da paternidade. A presença da figura masculina na creche não deve ser

atrelada à figura paterna. A visão de que o homem é aquele que estabelece a ordem, a

disciplina e coloca “ordem em casa”, vincula-se à concepção da família tradicional e reforça

os estereótipos do papel do homem na sociedade. Para Silva (2014), este tipo de postura com

relação à presença masculina na creche só reforça as desigualdades de gênero já que se

configura em um único padrão de masculinidade.

Se a presença masculina na educação infantil causa estranhamento, por outro

lado, nos impulsiona a pensar na emergência de desconstruir esses padrões de feminilidade e

de masculinidade desde a pequena infância.

Page 112: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

110

4. ALINHAVO IV - PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E AS TRANSGRESSÕES DE GÊNERO DA PROFESSORA CHITA

Neste quarto e último alinhavo, vamos apresentar a narrativa da professora

Chita articulando uma discussão teórica sobre prática pedagógica e currículo na Educação

Infantil, relacionando-as às questões de gênero.

Chita é um tecido feito de algodão simples, porém marcante por suas cores

vibrantes e estampas floridas. A professora protagonista deste alinhavo justifica a sua escolha

dizendo que tem uma história com este tecido.

Eu conheci a chita no COLE - Congresso de Leitura da Unicamp. Fizeram

uma bolsa com esse tecido. Eu já o conhecia, mas não sabia que tinha esse nome. Comecei a

perceber que todos os lugares que eu ia de resistência, de pessoas alternativas, era a chita

que aparecia; por isso escolhi.

A professora Chita trabalha, atualmente, com agrupamento de crianças de dois

e três anos. Optou por este nível, pois prefere trabalhar com monitores. O trabalho pedagógico

que desenvolve, juntamente com sua equipe de monitores na escola, é visível e marcante tal

como um retalho de chita.

Diante do que conheci a respeito da mulher e profissional que é a professora

Chita, arrisco em afirmar que sua estampa é composta por borboletas coloridas. E borboletas,

porque elas remetem à liberdade, à diversidade e processos contínuos de transformação.

Assim, escolhi a poesia “As borboletas”17

, de Vinícius de Moraes, para iniciar a narrativa da

professora Chita.

17

Fonte: http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/poesia/poesias-avulsas/borboletas. Acesso janeiro de 2018.

Dentro do contexto desta pesquisa, a poesia refere-se à beleza da diversidade das cores e da expressão de

liberdade.

Page 113: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

111

As borboletas

Brancas Azuis

Amarelas E pretas

Brincam

Na luz As belas

Borboletas.

Borboletas brancas São alegres e francas.

Borboletas azuis

Gostam muito de luz.

As amarelinhas São tão bonitinhas!

E as pretas, então... Oh, que escuridão!

Vinícius de Moraes (1970)

Page 114: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

112

Retalhos fotográficos

Figura 3- Retalhos fotográficos da professora Chita

Fonte: Montagem produzida pela autora: 2017.

Page 115: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

113

4.1- Transgressões de gênero na prática pedagógica

“Um reino colorido e cheio de flores,

onde as coisas são separadas pelas cores.

Tudo muito lindo para cheirar e ver,

mas quem mora ali nem pode se conhecer!

Será que a cor das asas de Romeu e Julieta

vai mesmo separar essas crianças borboletas”.

Ruth Rocha18

O trecho do texto narrativo de Ruth Rocha intitulado “Romeu e Julieta”, citado

na epígrafe desta introdução, não está relacionado à história de amor impossível relatada na

clássica da obra de Willian Shakespeare. Trata-se da história de duas borboletas crianças que

também sofrem com a segregação, a normatização dos corpos e ações que os impedem de

voar e conhecer o reino por completo. Essa narrativa nos apresenta a necessidade de

desconstrução dos esquemas do pensamento binário.

Portanto, a mesma normatização dentro de um padrão pré-estabelecido, que

impedia as crianças borboletas da história de Ruth Rocha de ganhar outros espaços e interagir

com o colorido do jardim, também impede meninos e meninas inseridos nas instituições de

Educação Infantil a viverem e explorarem as diferenças existentes neste espaço.

As instituições de Educação Infantil assemelham-se a este reino descrito por

Ruth Rocha: um reino cheio de cores e pronto para ser descoberto e explorado, um espaço de

encontro com as diferenças que, por ter uma história diferente das demais instituições de

ensino, a Educação Infantil.

articula o direito à educação das crianças pequenas com o direito trabalhista dos seus

pais e mães. Neste espaço da sociedade vivemos as mais distintas relações de poder:

gênero, classe, idade e, lógico, étnicas. Ainda estão para serem melhor e mais

estudadas e investigadas as relações no contexto da creche onde confrontam-se

adultos – entre eles, professor/a, diretora, cozinheira, guarda, pai, mãe, secretário/a

de educação, prefeito/a, vereador/a, etc. –; confrontam-se crianças, entre elas:

menino, menina, mais velha, mais nova, negra, branca, judia, com necessidades

especiais, pobre, rica, de classe média, católica, umbandista, atéia, “café com leite”,

“quatro olhos”, etc); e confrontam-se adultos e crianças – a professora e as meninas,

a professora e os meninos, o professor (percentual bastante baixo, mas existente e

com tendência a lento crescimento) e os meninos, o professor e as meninas, o

professor e a mãe da menina (FARIA, 2006 p. 285).

No entanto, o modo como são organizados os espaços, os brinquedos e as

atividades são, na maioria das vezes, baseados na segregação e no que é de menino e de

menina. Com isso, as crianças vão aprendendo que existem lugares permitidos para uns e

proibidos para outros.

18

Resumo da história Romeu e Julieta da autora Ruth Rocha – 2009.

Page 116: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

114

A história de Romeu e Julieta traz em seu conteúdo assuntos tão presentes e

pouco discutidos por nós, professoras de crianças: as relações de gênero e os espaços que são

determinados socialmente para meninos e meninas e regulamentados pela escola. Por outro

viés, nos faz refletir sobre a necessidade de desconstruir a lógica binária e sexista presente na

escola, reflexo da nossa sociedade com pensamento etnocêntrico.

Romeu e Julieta tornam-se infratores das normas após uma conversa com o

amigo Ventinho, que convence Romeu, a borboletinha azul a visitar Julieta, a borboletinha

amarela. Eles decidem transgredir a norma imposta e rompem os limites que os impedem de

conhecer a diversidade que o jardim lhes oferece.

Como uma borboleta transgressora, a professora Chita, levada pelo vento de

suas convicções sobre gênero, também rompe com os padrões de estereótipos permitindo que,

na brincadeira, as crianças encontrem lugar para a experimentação e transgressão.

Figura 36- O bigode19

19

Esta fotografia possui autorização de uso de imagem.

Page 117: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

115

Fonte: Arquivo pessoal da professora Chita- 2012

Estávamos brincando de maquiar as crianças e a monitora que maquiou a J.

fez um bigode em uma menina. E a gente percebe, agora não mais, porque as pessoas da

escola estão acostumadas com a gente. Já ganharam nosso jeito, que a gente transgride

mesmo.

Aí a V. fez o bigode na J. e ela amou. Ficou se olhando no espelho, e estava

brincando com uma boneca e pediu para a V. fazer o bigode na boneca também.

A gente tem o hábito de trabalhar organizando a sala com várias opções de

brincadeiras, que são os cantinhos. Então, a gente faz vários cantinhos na sala: quatro ou

cinco, para que as crianças tenham, ainda que restrita, elas possam ter opções e escolher.

Mesmo que os cantinhos sejam montados pela gente, elas ainda podem escolher onde querem

brincar. Um dos cantinhos que colocamos bastante é o de bonecas: brincar de boneca. A

gente põe fraldas, bacia, banheirinha para dar banho, pente, secador, para cuidar, né!

Mamadeira, essas coisas.

A gente monta os cantinhos, chama as crianças; elas vêm em grupos e sentam

juntas em um lugar da sala, explica quais cantinhos têm, fala e coloco algumas regras e

perguntamos quem quer ir para os cantinhos e vamos organizando. Quando tem algum mais

concorrido, aí tentamos negociar. Nunca dividimos assim: meninos nos de carrinho e

meninas de boneca. A gente pergunta quem quer fazer o que e onde.

Page 118: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

116

Figura 38- O neném quer mamar

Fonte: Chita- 2012

A sala estava dividida em cantinhos. A foto é sobre o cantinho das bonecas e

tem dois meninos brincando de bonecas. A gente achou engraçado! Assim, menino brincar de

boneca não é uma novidade na nossa sala há muito tempo. Eles gostam de brincar e trocar

fralda. Só que neste dia estavam brincando de amamentar. Eles levantaram a camiseta e

colocaram as bonecas como se estivesse amamentando e a gente achou curioso, porque

meninos não necessariamente fazem isso.

Como foi o processo de escolha?

Essas fotos não são deste ano, são de 2012, eu acho. Eu as selecionei porque

são situações que envolvem a questão de gênero e que perturbam. São fotos perturbadoras.

Para você ou para os outros?

Para os outros, a gente faz coisas. O meu grupo que estamos trabalhando

juntos há um tempo, a gente faz coisas que não são convencionais.

Quais fotos ou qual melhor representa seu trabalho, sua prática?

As duas.

Page 119: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

117

A opção de trabalhar em cantos, já descentraliza o professor, então a gente

tem em grupo essa concepção de não achar que a gente vai ensinar tudo para as crianças.

Eles não têm que ficar todos juntos prestando atenção em mim, fazendo a mesma coisa ao

mesmo tempo.

Quando a gente escolhe trabalhar com o brincar e divide este brincar em

várias opções, o meu trabalho de pedagoga aparece nesta escolha, aparece nesta concepção

de usar o espaço ao meu favor, junto comigo; aparece a importância que eu dou para o

brincar e nessa mediação que eu fico fazendo ali o tempo todo.

Eu não teria esta foto se eu não ficasse atenta ao que eles estivessem fazendo.

Então, poderia perder isso aí. Eu acho que essa foto reflete tudo isso: tanto da minha

formação acadêmica como em grupo com as meninas, porque eu aprendo muito com elas.

E a outra, também não tem como escolher uma. A gente, como pedagoga, tem

a formação e traz a ideia: “Vamos brincar de maquiar”. Ai a gente ousa. É uma

característica do nosso trabalho, ousar, fazer bigode e na hora que a criança se diverte traz a

boneca e pede: - faz nela também! Traz outra característica do trabalho que é ouvir, ouvir,

achar engraçado e fazer a maquiagem.

Isso não é a construção de nenhuma apologia. Estamos brincando de fantasia.

A brincadeira e a fantasia merecem destaque nas ações do cotidiano da

Educação Infantil, pois permitem que meninos e meninas se reconheçam em suas diferentes

identidades e tenham a possibilidade de assumir, através destas ações, outros papéis sociais.

4.2- Prática pedagógica

Iniciamos o nosso diálogo afirmando que a prática pedagógica não se constitui

em uma ação isolada e sem sentido, mas em uma ação intencional, orientada por finalidades,

objetivos, concepções, conhecimentos, saberes e valores, que se realiza em um processo de

trabalho docente.

A partir desta afirmativa, compreendemos que a prática é algo complexo e que

extrapola os limites da ação direta do professor com o aluno e o espaço físico da sala de aula.

No entanto, antes de adentrarmos à discussão sobre os fatores que envolvem a constituição da

prática pedagógica, vamos conceituá-la.

De acordo com Veiga (1992), a prática pedagógica é uma ação social orientada

por objetivos, finalidades e conhecimentos, e inserida no contexto social. Assim, prática

pedagógica é, então, uma dimensão da prática social, sendo esta permeada de contradições e

conflitos. Para a autora, a prática social está imbuída de contradições e de características

Page 120: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

118

socioculturais predominantes na sociedade. Deste modo, essa prática constitui-se em um

processo de constante aprendizado.

Para Sacristán (1995), a prática educativa está relacionada ao processo de

ensino aprendizagem, mas o autor faz uma ressalva ao afirmar que “a prática do professor não

se reduz às acções dos professores” (p. 68), sendo necessário alargar a dimensão deste

conceito, pensando que os valores de cada professor, crenças, modo de avaliar, organizar o

espaço, como selecionar os materiais também se configura em práticas.

A professora Chita exerce a carreira docente há pouco mais de sete anos

sempre atuando na Educação Infantil. Neste período, foi agregando à sua prática pedagógica

conhecimentos que havia adquirido como monitora, no curso de Pedagogia e em outros cursos

de formação continuada como ela mesma narra.

Eu entrei na rede de Campinas em 2007, como Agente de Educação Infantil,

que é as monitoras. Era um contrato temporário. Eu fiquei um ano e meio neste contrato e a

gente foi mandada embora. Prestei o concurso e me efetivei como professora. Então, escolhi

trabalhar numa sala que tivesse monitora, porque eu achei que tendo a vivência de monitora

eu poderia ser uma professora bacana, que soubesse fazer as parecerias. E aí eu vim para o

J. H. Escolhi essa escola, porque estava terminando o prédio. Então, foi proposital escolher

uma escola que estava para inaugurar, porque, quando a gente tem contato, com a rede você

ouve falar muito que as pessoas que estão há mais tempo são difíceis de trabalhar. Então, eu

escolhi uma escola que estava para inaugurar, por isso, para pegar uma equipe que ia

começar a trabalhar todo mundo junto. Então, escolhi trabalhar com agrupamento II naquele

ano, que são crianças de dois ou três anos e a escola não estava pronta e eu fiquei prestando

serviço em outra escola por dois meses. Uma escola bem complicada! Aí, quando o J. H.

ficou pronto a gente inaugurou a escola, e eu fui me constituindo professora na prática

mesmo.

Eu estava terminando a Pedagogia na Unicamp, que é uma universidade tida

como boa, mas a gente assusta um pouco quando vem para a prática, principalmente, na rede

pública, que a quantidade de criança é muito grande e a gente não sabe muito bem resolver

esta questão da quantidade de criança. Mas eu caí em um grupo que tinha muito interesse e

se respeitava enquanto grupo e, então, a gente tentava tomar as decisões todas juntas e se

ouvia. Concepções diferentes foram aparecendo ali no grupo e fomos tentando se encontrar.

E foi nesse encontro que eu fui me constituindo professora, junto com elas e com as crianças.

Chita afirma que foi se constituindo professora na prática, na interação com as

crianças e com outros profissionais no cotidiano escolar. Desse modo, compreendemos que a

Page 121: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

119

prática não se configura em uma ação individual da professora e nem tão pouco na execução

da teoria.

Ao abordar o conceito de prática, Sacristán (1995) faz menção aos estudos de

Popkewitz que afirma que o conhecimento da prática pedagógica implica em três contextos,

sendo:

Pedagógico: formado pelas práticas cotidianas de classe, o que determina a

função que diz respeito aos professores;

Profissional: Os professores elaboram, enquanto grupo, um modelo de

comportamento profissional baseado em crenças, valores, rotinas e ideologias, gerando um

saber técnico que, consequentemente, legitima suas práticas;

Sociocultural: proporciona valores e conteúdos considerados importantes.

Compreendemos, a partir das ideias de Sacristán que a prática não é separada

de quem a executa. Nessa direção, a pensar a prática a partir da perspectiva do gênero,

significa considerar o modo como cada uma dessas professoras se constituiu enquanto mulher

e concebem os papéis determinados culturalmente e socialmente para elas.

A prática docente é realizada por um grupo definido e não pode ser separada

dos indivíduos que a praticam. As intervenções realizadas pelo professor no processo de

ensino são influenciadas pelo modo como ele pensa e age. Desse modo, não pode ser

reduzida a ação direta no momento em que está ensinando o aluno, mas tudo o que envolve

este processo, como a metodologia, a avaliação, a escolha do conteúdo. Tudo isso configura a

prática.

No entanto, a prática ainda não é algo específico do professor. Pode-se afirmar

que, dentro do contexto de uma escola, existe a prática relacionada à organização e

funcionamento escolar, prática educativa de ensino que é determinada pela sociedade e

cultura.

A prática pedagógica e educativa está relacionada diretamente à relação entre

professor e aluno, já que esta acontece no interior da sala de aula, no contexto pedagógico. Ela

também depende de escolhas e decisões individuais. No entanto, é regida por normas muitas

vezes apontadas por um coletivo e por regulamentos institucionais.

Diante das afirmações acima, podemos afirmar que a prática não é exclusiva do

professor, pois a mesma é influenciada por fatores de diferentes contextos, não podendo

também ser o único responsável pelos efeitos desta prática educativa. Como afirma Sacristán

(2000, p.74) “O docente não define a prática, mas sim o papel que aí ocupa; é através de sua

Page 122: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

120

actuação que se difundem e concretizam as múltiplas determinações provenientes dos

contextos em que participa”.

Ao constituírem suas práticas pedagógicas, assumindo uma metodologia de

trabalho e fazendo escolhas quanto ao direcionamento dos processos e atividades necessários

para o desenvolvimento do trabalho cotidiano na instituição de Educação Infantil, os/as

professores/as podem analisar e compreender esse processo e seus desdobramentos numa

perspectiva ampla, criativa e crítica.

4.2.1- A prática pedagógica na Educação Infantil

A prática pedagógica constitui-se, pois, em parte essencial da Educação Infantil

e abrange um conjunto de ações articuladas, assumidas intencionalmente pelo (a) professor

(a), com base em concepções de sociedade, de educação, de criança, de aprendizagem e

desenvolvimento. Nesse sentido, ela está sempre situada em um contexto específico e é

indissociável da proposta curricular, das condições materiais e conceituais que demarcam os

processos do campo de trabalho docente, da organização do trabalho com as crianças, das

diversas relações estabelecidas com a escola, com as famílias e com a sociedade, extrapolando

assim a atuação direta com as crianças e das atividades pedagógicas.

Eu passei a adolescência inteira querendo fazer psicologia e eu prestei

pedagogia na Unicamp porque eu sabia que tinha psicologia no curso. Ainda bem que eu não

fui fazer psicologia, porque quando eu estava no curso e prestei o concurso temporário para

ser monitora eu pensei: Vou ver, eu já estou na pedagogia, mas nunca trabalhei com criança,

vamos ver como é, né?

Eu sempre gostei de criança, mas sabia que gostar de criança era uma coisa e

ser profissional da educação de crianças é outra. Aí eu fui e gostei muito. Eu não acho que

ser professora está vinculada a essa coisa da mulher, mas o que eu gosto da criança é o

tempo dela que é diferente. O tempo da criança é outro: das descobertas, das minúcias, a

dinâmica do trabalho, porque embora você fique com a mesma turma o ano todo, cada dia é

um, cada ano é um ano, cada turma é uma turma.

Eu gosto muito desse movimento da educação. Eu acho que eu iria sofrer

muito se eu ficasse trancada num consultório como psicóloga.

Nesta direção entendemos que as instituições de Educação Infantil se

caracterizam em espaços de formação não apenas da criança, mas da família, dos profissionais

que nelas atuam, da comunidade e da sociedade de modo geral. Concebê-las desse modo é

pensar que isso requer preparo dos profissionais que atuam nesta modalidade de ensino, pois

Page 123: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

121

o atual discurso sobre a qualidade do atendimento às crianças nestas instituições também

depende da realização de um trabalho em que as práticas educativas considerem as crianças

como sujeito histórico, social e de direitos e que:

Nas interações, relações e práticas cotidianas vivência, constrói sua identidade

pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta,

narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e sociedade, produzindo

cultura. (FARIA, 2011, p. 74)

Pensando nesta perspectiva de Educação Infantil, as Diretrizes Curriculares

Nacionais para a Educação Infantil (2013) caracterizam-se em um importante documento que

problematiza, norteia e orienta o trabalho nesta etapa de educação.

Este documento traz um importante debate a fim de unificar, propor, orientar e

direcionar as propostas pedagógicas das instituições voltadas ao atendimento à infância e tem

base nos seguintes princípios:

a) Princípios éticos: valorização da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade

e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades

e singularidades;

b) Princípios políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do

respeito à ordem democrática;

c) Princípios estéticos: valorização da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e

da diversidade de manifestações artísticas e culturais. (BRASIL, 2013, p.86,87)

Na medida em que o documento apresenta as concepções de criança, os eixos

norteadores do trabalho pedagógico nos fazem pensar na necessidade de superar a concepção

desta etapa de ensino como “preparatória” para o ensino fundamental.

A organização curricular e as práticas pedagógicas estão atreladas à concepção

de criança na medida em que o currículo é concebido como sendo “um conjunto de práticas

que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que

fazem parte do patrimônio cultural, artístico, científico e tecnológico”. Estas práticas precisam

ser “intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas”, pois são elas que compõem

o cotidiano escolar na EI.

Portanto, estamos falando de um currículo que considera as especificidades da

infância, da criança e do seu desenvolvimento integral e real. Um currículo que vai se

constituindo no cotidiano escolar, juntamente com as crianças, de forma contextualizada.

No Art. 9º, das DCNEI (2013) as práticas pedagógicas que compõem a

proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a

brincadeira, garantindo experiências com as diversas áreas do conhecimento, valorizando as

múltiplas linguagens, as interações sociais e o contato com recursos tecnológicos e da

natureza.

Page 124: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

122

Eu gostei dessa dinâmica e gostei da Educação Infantil, porque eu acho que

ela é mais viva, não tem tantas gaiolas como o ensino fundamental, que está preso ao

currículo, prescritivo, que diz o que e como a gente tem que ensinar. E Educação Infantil tem

um currículo, mas o da prefeitura de Campinas, por exemplo, está mais vinculado às relações

e ao cotidiano. Nas diretrizes de Campinas vêm escrito isso: que o currículo se dá no

cotidiano através das relações, que existe um conhecimento historicamente acumulado e que

a gente tem a função de passar para as crianças, mas na Educação Infantil é bem mais

dinâmico.

Um currículo que considera a criança como um sujeito de direito e considera o

gênero em suas práticas diárias, pois, conforme apontam as DCNEI (2013, p. 90), as

instituições de Educação Infantil devem reconhecer “a constituição plural das crianças

brasileiras, no que se refere à identidade cultural e regional e à filiação socioeconômica,

étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa”.

Na minha sala, se o menino quiser passar batom, se quiser brincar disso e a

menina fazer bigode e se ela quiser brincar, pode e isso não é apologia a nada. É um faz de

conta.

A minha formação foi crítica, sobre isso. Minha orientadora foi a Ana Lúcia

Goulart e ela traz essas questões. Então, ainda que eu não tivesse essa vivência pessoal, teria

essa inclinação a trabalhar essas questões pela formação que tive na graduação.

Na brincadeira, a criança faz uma representação da vida: ela imita a realidade

dando sentido às experiências que vivenciam e que reproduzem na sua relação com outras

pessoas, com a escola, enfim com o meio que ela convive. Proibir certas brincadeiras é

censurar a criatividade, a imaginação e a fantasia da criança.

Um currículo que considere as especificidades das crianças não deve ser

estático e nem limitado aos conteúdos. Segundo Sacristán (2000), o currículo também uma

construção social que deve estar em constante movimento que deve se transformar na medida

em que novas demandas vão emergindo na escola. Nesta direção,

O currículo não é um conceito, mas uma construção cultural. Isto é, não se trata de

um conceito abstrato que tenha algum tipo de existência fora e previamente à

experiência humana. É, antes, um modo de organizar uma série de práticas

educativas (Grundy apud Sacristán, 2000, p. 14).

Dentro desta ideia de currículo, colocamos uma questão que julgamos

importante destacar aqui. Refere-se ao fato do currículo também ser um instrumento de

interesses políticos, econômicos e sociais. De certo modo, o mesmo sintetiza nos seus

objetivos e conteúdos, o tipo de cidadão que devemos formar e que nem sempre acompanha o

Page 125: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

123

movimento das mudanças sociais. Um exemplo disso está na sutileza ou negligência no qual

as questões de gênero são abordadas nas propostas curriculares.

No entanto, essa negligência não se encontra na prática da professora Chita.

O gênero é presente na sua prática. Não é negligenciado. Como isso

acontece em meio a tanta resistência?

Eu sou homossexual. Já sofri e sofro muito com essas questões. Por amar uma

pessoa do mesmo sexo as pessoas confundem e acham que eu não gosto de ser mulher ou que

eu não posso ser feminina, ou que não tenho interesse nessas coisas, nessa compreensão

cultural do que é ser mulher. Eu falo para você tranquilamente, porque todo mundo sabe

aqui na escola.

Tenho certo receio das famílias, como eu lidaria com as famílias. O grupo da

escola sabe.

Como foi ganhar a aceitação do grupo num trabalho como seu?

Eu trouxe um colega para fazer uma formação no TDC, com o título: Crianças

transgêneros e agora? Por que tinha um menino que já tinha passado pela minha turma e que

gostava muito de brincar com bonecas. Depois, ele cresceu, foi para outra turma e gostava

de ficar o tempo todo de vestido, maquiagem e batom. Sua mãe começou a reclamar e a

professora veio me pedir ajuda para trabalhar com a mãe.

Trouxemos um formador que fez um TDC, porque além da mãe, tinha uns

funcionários que criticavam a professora.

Foi uma psicóloga que fez uma palestra com os pais.

No ano seguinte, o formador retornou para fazer outra formação. Trouxe um

vídeo que sensibilizou o grupo e uma monitora se assumiu e eu também. Não posso te falar

que hoje todo mundo pensa a mesma coisa, mas aqui tem mais espaço para esse tipo de

discussão que em outras escolas.

Os retalhos da prática pedagógica da professora Chita revelam um pouco sobre

o seu processo de constituição profissional, seus questionamentos e suas convicções sobre o

trabalho como professora de Educação Infantil.

Esse processo vivido por Chita, como mulher e na sua carreira como monitora

e professora, assemelha-se às transformações de uma borboleta que: nasce como lagarta,

esforça-se para sair do casulo e quando sai precisa esperar o desenvolvimento de suas asas

Page 126: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

124

para aprender a voar. E depois que aprende a voar, precisa aprender a lidar com um ambiente

novo e cheio de desafios.

O final da história de Ruth Rocha mostra que Romeu e Julieta superam os

desafios e conseguiram fazer com que todas as demais borboletas do canteiro se misturassem

e quando chegou de novo a primavera tudo estava diferente naquele reino. Os canteiros

tinham todas as cores misturadas e Romeu e Julieta não foram separados por suas cores de

asas. O que seria deste jardim se não fosse a transgressão dessas duas borboletinhas?

Que professora Chita continue oferecendo oportunidades para que as crianças

recriem e inventem novas formas de brincar e de ser.

Page 127: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

125

5. ALINHAVO V - A COLCHA: COSTURANDO OS RETALHOS

Em um primeiro momento a expressão “colcha de retalhos” traz a ideia de algo

desarticulado, sem pé nem cabeça, o que não é verdade se considerarmos a história e tradição

popular que a envolve.

A tradição sobre a colcha de retalhos está ligada à trajetória familiar e significa

organização de partes (os retalhos), de modo harmonioso e articulado que conta a história da

família. Essa tradição é apresentada no filme “A colcha de retalhos” (“How to Make an

American Quilt”, EUA, 1995) onde, cada uma das bordadeiras tem a incumbência de bordar

um retalho que apresente a sua compreensão sobre o tema proposto para a colcha. Os retalhos

costurados formam uma colcha com histórias dos amores vividos pelas personagens no

passado.

Como já anunciado na parte introdutória deste trabalho, utilizo a metáfora da

colcha de retalhos para estruturar a escrita do texto onde cada fotonarrativa das professoras

participantes representa um retalho que será costurado, articulado aos referenciais teóricos, no

intuito de formar uma colcha cuja temática é gênero e prática pedagógica.

Pretendo, agora, ir costurando os retalhos das protagonistas desta pesquisa,

retalhos esses que foram apresentados nos alinhavos com o intuito de responder à questão que

permeou este estudo: “Quais percepções de gênero se revelam nas fotonarrativas das

práticas pedagógicas das professoras de Educação Infantil?”. Para responder à problemática

definimos seguintes objetivos:

Fomentar o debate sobre a temática e contribuir para a desconstrução de

estereótipos de gênero;

Oferecer subsídios para se consolidar propostas de trabalho pedagógicas

voltadas à temática de gênero junto às instituições da Educação Infantil;

Para responder tal questão, utilizo as fotonarrativas como produção dos dados.

Produzir com as professoras as narrativas possibilitou-me conhecer um pouco sobre suas

histórias de vida, carreira docente e como os valores e ideais influenciam em suas práticas

pedagógicas, sobretudo em suas percepções de gênero. Para melhor compreensão da análise

que será feita, será abordado no tópico a seguir um breve conceito sobre percepção.

Page 128: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

126

5.1- Percepções de gênero

Segundo Cunha (2009), o conceito de percepção é o estudo dentre as mais

diferenciadas áreas do conhecimento, entre elas a filosofia e a psicologia. Dentro da

psicologia, compreende-se que a percepção

está ligada a processos cognitivos, por meio da entrada dos estímulos externos,

produzindo significações que são internalizadas pelo nosso sistema psicológico, mas

que ainda não constituíram uma generalização– um conceito. (CUNHA e

GIORDAN, 2010, p. 1)

Assim, a percepção se dá através dos sentidos, das experiências e das

interações, porém não é um ato apenas sensitivo. A capacidade de perceber não pode se

limitar ao ato de captar e ou sentir, pois perceber é “detectar, interpretar sinais que têm origem

externa ao sistema nervoso central” (CUNHA, 2009, p. 28).

Nessa direção, Cavalcanti (2013, p.01) afirma que a percepção está ligada

ao presente um acontecimento próximo, que você lhe traz uma opinião e esta

opinião é sua percepção do acontecido, quando digo acontecimento próximo quero

dizer que um dos seus sentidos adquiriu informações para formação de opinião

Compreendemos, a partir de então, que a percepção está relacionada ao

comportamento do indivíduo, por basear-se na interpretação que o mesmo tem da realidade

vivida e do significado que cada um constrói a partir desta realidade. Desse modo, não é

possível separar a percepção das demais ações do pensamento, pois, como afirma Cunha

(2012, p.118), “no ato de perceber estarão presentes nossos sentimentos, impressões

anteriores, conceitos já conhecidos, experiências vivenciadas”.

Ao percebermos elementos da realidade, o fazemos baseados nos

conhecimentos adquiridos anteriormente e analisados na situação presente. Isso nos leva a

compreender que o desenvolvimento do indivíduo, sua caminhada, suas experiências, o seu

conhecimento de mundo, têm implicações diretas no modo como a percepção de determinado

objeto ou situação se dá. Neste sentido, o gênero é o elemento que será discutido nesta análise

referindo-se ao aspecto relacional entre homens e mulheres não no sentido biológico, mas no

sentido das desigualdades relacionais existentes entre ambos. Portanto, o gênero é visto como

uma construção social onde a cultura estabelece os papéis e comportamentos que homens e

mulheres devem cumprir.

Assim, ao pensar sobre as percepções de gênero, devemos considerar que as

noções de gênero são constituídas a partir das relações estabelecidas sobre as percepções

Page 129: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

127

sociais e as diferenças biológicas entre os sexos, mas que não se limitam a estas diferenças.

Essa percepção, por sua vez, está arraigada em classificações que tornam opostos do “ser

homem” e do “ser mulher”.

Comumente, nestas relações de poder as mulheres costumam desempenhar o

papel de submissão, sendo coadjuvantes nas ações sociais. Todavia, devemos compreender

que estas relações hierárquicas são historicamente construídas e reproduzidas socialmente. A

escola, pelo seu caráter normativo, é uma das instituições que reproduz este tipo de

desigualdade nas relações entre meninos e meninas.

As diferenças que hierarquizam as relações estabelecidas entre homens e

mulheres são frutos de uma suposta naturalização das diferenças que são reproduzidas por

várias instituições responsáveis pela nossa formação como, por exemplo, a família e a escola.

Dessa forma, nós reproduzimos esses (pre) conceitos como verdades naturais e os trazemos

para as relações que estabelecemos.

A partir dessas discussões, compreendemos que as percepções de gênero

recorrem de construções simbólicas normatizadas pelos discursos de cada sujeito, que

envolvem homens e mulheres em relações de poder que os separam socialmente e definem os

papéis a serem representados.

5.2 Percepções de gênero na prática pedagógica

Neste tópico, apresentaremos como as percepções de gênero das professoras

Viés, Capulana, Casadinho e Chita se revelam em suas práticas pedagógicas. Para fazer a

análise, vamos retomar e aproximar alguns excertos das narrativas.

Dentro deste contexto, a prática pedagógica é compreendida como algo que

não se constitui de modo isolado, fatores como sua trajetória de vida, os valores e crenças,

formação continuada, os saberes que construiu ao longo se sua carreira, concepção de

educação e sujeito também emergem na sua ação. Assim, analisar as práticas pedagógicas

com foco nas percepções de gênero é considerar que as ações destas profissionais perpassam

por seus saberes, teorias, valores e crenças.

Ao concluir a produção das narrativas, observamos pontos em comum com

relação às trajetórias formativas, conflitos de início de carreira docente e concepções de

infância e ao compartilhar dessas semelhanças com a professora Capulana faz a seguinte

afirmação: “Pensamos do mesmo lugar, embora fazendo coisas diferentes, partimos do

mesmo fundamento.”

Page 130: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

128

Compreendemos, diante dos relatos narrados pelas professoras e pelos registros

fotográficos, que o fundamento citado pela professora Capulana se refere à concepção de

infância, ou seja, como elas enxergam as crianças.

Com a experiência de pesquisador e formador de professores, Cesar Donizete

Leite conclui que as práticas pedagógicas dos professores carregam consigo, entre outros

fatores, a concepção de infância, pois “os modos de lidar com a infância refletem ou indicam

modos de pensar a infância, e os modos pelos quais concebemos a infância sempre produzem

práticas com as crianças” (LEITE, 2011, p. 36).

Tal reconhecimento fica explícito na narrativa da professora Viés quando ela

afirma que: “A mudança de olhar para a criança e como ela pode aprender desdobrou-se em

mudanças na minha prática. O brincar passou a ter outro sentido, outro lugar no meu

planejamento”.

Deste modo, ao enxergar a criança como um sujeito ativo, produtor de cultura,

com especificidades próprias e que se desenvolve nas interações com o outro e com o meio, as

professoras participantes da pesquisa tomam o ato de brincar como eixo norteador de suas

práticas pedagógicas, descontruindo a visão da Educação Infantil como um período

preparatório para o Ensino Fundamental. Assim, elas reconhecem que o ato de brincar é de

suma importância para o desenvolvimento integral da criança.

Ao desconstruir a concepção que tinha da Educação Infantil escolarizada e

conteudista, a professora Casadinho enfatiza que:

Tive que entender a criança da Educação Infantil. É tão difícil se colocar no

lugar delas. Então fui colocar no lugar delas e ver o que estavam precisando, o

que podia fazê-los feliz naquela hora e para o futuro também, então fui voltando

meu trabalho para isso. Para serem mais felizes, serem felizes nos outros anos

também a passar coisas sobre como conviver de maneira saudável, se descobrir,

no que gosta e não gosta. Eu sempre gostei de procurar saber o que a criança

gosta.

A professora Chita compreende que o brincar também é uma escolha que

revela o fazer pedagógico do professor quando traz a seguinte afirmação:

Quando a gente escolhe trabalhar com o brincar e divide este brincar em várias

opções, o meu trabalho de pedagoga aparece nesta escolha, aparece nesta concepção

de usar o espaço ao meu favor junto comigo, aparece a importância que eu dou para

o brincar e nessa mediação que eu fico fazendo ali o tempo todo.

Para que trabalho pedagógico desenvolvido na Educação Infantil promova o

desenvolvimento integral de modo a abranger os vários aspectos da criança, as práticas

pedagógicas devem visar ao processo interativo e de equidade de gênero, pois as brincadeiras

Page 131: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

129

podem reproduzir as diferenças de valor entre o masculino e o feminino, implicando na

reprodução de desigualdades.

O trabalho com cantos diversificados é comum nas práticas das professoras

Viés, Capulana, Casadinho e Chita. O modo como elas organizavam os espaços das salas

planejavam as atividades, escolhiam os brinquedos e faziam as intervenções nessa dinâmica

de trabalho revelam suas percepções de gênero. Como mostram os excertos abaixo:

[...] encontrei no modo de conceber o brincar, espaços para uma possível

desconstrução dos estereótipos de gênero. O cantinho da cozinha e da beleza era

para todos e todas. (Professora Viés)

Eu organizo os brinquedos para que todos brinquem do que quiserem, brinquem de

fantasia e não com brincadeiras de meninos e de meninas separadamente. Embora

tenha uma questão cultural das meninas brincarem sempre de bonecas eu procuro

oferecer outras possibilidades. (Professora Capulana)

[...] a gente faz vários cantinhos na sala, quatro ou cinco para que as crianças tenham

ainda que restrita elas possam ter opções e escolher. Mesmo que os cantinhos sejam

montados pela gente, elas ainda podem escolher onde querem brincar. Um dos

cantinhos que colocamos bastante é o de bonecas, brincar de boneca. A gente põe

fraldas, bacia, banheirinha para dar banho, pente, secador, para cuidar né.

Mamadeira, essas coisas.

A gente monta os cantinhos, chama as crianças, elas vêm em grupos e sentam juntas

em um lugar da sala da sala, explica quais cantinhos tem, fala e coloco algumas

regras e perguntamos quem quer ir para os cantinhos e vamos organizando. Quando

tem algum mais concorrido ai tentamos negociar. Nunca dividimos assim: meninos

nos de carrinho e meninas de boneca. A gente pergunta, quem quer fazer o que e

onde. (Professora Chita)

Nos cantinhos cada um pode ser o que quiser e brincar do que quiser.

Temos o cantinho da leitura, da casinha, das ferramentas. Nos outros dias vou

oferecendo coisas diferentes: cantinho da costura, de cabelereiro, de escritório, mas

no outro dia já troco. Partindo daí, vi algumas crenças das famílias mesmo. A

criança vinha e pedia o carrinho, então eu perguntava, porque o carrinho? A criança

respondia: Eu gosto do carrinho tia! Então tá bom. Então vamos ver se você vai

gostar de outra coisa. Então eu abro o armário e mostro. (Professora Casadinho).

Ainda que culturalmente existam brinquedos que são estipulados para meninos

e para meninas e na escola as crianças façam essas mesmas escolhas, pois já trazem para a

escola concepções sobre masculinidade e feminilidade, as professoras buscam oferecer outras

possibilidades de brinquedos e brincadeiras. O modo como elas fazem as intervenções e

organizam as brincadeiras contribui para a promoção da formação da autonomia das crianças

ao articularem momentos de interação entre elas, sem limitar os espaços; vão proporcionando

igualdade de gênero através das brincadeiras. Acabam por irem desconstruindo a relação de

separação as crianças e ensinando-lhes que meninos e meninas têm os mesmos direitos e

deveres.

Page 132: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

130

Finco (2010) alerta que é preciso ter uma intencionalidade educativa ao organizar

as brincadeiras já que as brincadeiras podem ser estratégias sutis de produção de relações

desiguais de gênero. Porém, permitir que meninos brinquem de bonecas e meninas de

carrinho não garante a promoção de uma educação não sexista como afirma Sayão (2003).

Não basta dizer para as crianças que é possível que meninos brinquem de boneca e

meninas de carrinho; com isto estaremos oportunizando relações mais solidárias ou

menos hierárquicas quanto ao gênero, o que é importante, mas ainda é pouco. É

preciso entender o universo de significações materiais e simbólicas que representam

o “isto e o aquilo”, estar “aqui e lá” (p. 84).

Outro tipo de separação comum nas instituições de Educação Infantil, porém

não presente nas práticas das professoras participantes da pesquisa, se refere à questão da fila.

Capulana afirma não fazer fila de menino ou de menina, porque na vida social isso não

acontece, ressalta que “A fila do banco é mista”. Neste sentindo, observamos que a superação

de uma prática comum busca romper com a diferenciação entre o feminino e o masculino.

Ainda que exista o trabalho voltado para desconstruir o padrão normativo de

masculinidade e feminilidade, existem algumas concepções a serem superadas com relação à

definição de comportamentos estereotipados, como ressalta a fala da professora Casadinho:

A gente sabe que uma sala com mais meninos é uma sala mais ativa, mais agitada,

mais barulhenta e uma sala com mais meninas é mais silenciosa, tem conversa, mas

é mais calma. Mas por que isso? Por que queremos acostumar as meninas a serem

retraídas. Senta como menina. Como é sentar como menina? E retraída. Você é uma

menina não pode falar desse jeito? Ela sempre tem que falar baixo, tem sempre que

ser quieta, muda? Porque ela não pode ser tão ativa como os meninos?

Dentro deste contexto, cabe ressaltar que a maneira como meninos e meninas se

comportam não são determinados pela biologia, mas sim por influência que a sociedade

exerce sobre cada indivíduo como já mencionado. A educação é um dos meios que influencia

o comportamento, como complementa Moreno (1999, p. 29)

Se os seres humanos se comportassem unicamente a partir de seus impulsos

biológicos, se as condutas consideradas masculinas e femininas fossem espontâneas,

naturais e predeterminadas, não seria necessário educar tão cuidadosamente todos os

aspectos diferenciais; bastaria deixar que a natureza atuasse por si mesma.

Dentro deste contexto, compreendemos que as manifestações espontâneas

agressivas dos meninos e o caráter pacífico das meninas é resultado de um modelo que lhes

são impostos.

Nos primeiros meses de vida é impossível detectar um nível de agressividade maior

nos meninos que as meninas, mas à medida que crescem, a diferença vai se

acentuando. Devemos, pois concluir que a agressividade é uma das características do

modelo que se apresentam para meninos e que tal característica não figura no que é

apresentado às meninas. (ibidem.,,p.33).

Page 133: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

131

Nessa direção, Whitaker20

(1988 apud Finco 2004) afirma que crianças de ambos

os sexos são igualmente agressivas, mas só aos meninos é permitida a expressão agressiva e,

mesmo que não queiram, são estimulados à agressividade para seguir o padrão de

comportamento masculino. Se, por um lado, é possível perceber o controle da agressividade

na menina, o menino sofre processo semelhante, pois lhe são bloqueadas as expressões de

sentimentos como a ternura, a sensibilidade e o carinho. É como se o menino não tivesse o

direito de ser carinhoso e sensível.

Lidar com as questões de gênero na prática configura-se em um desafio

complexo para nós, professoras e professores, pois existe a difícil tarefa de desconstruir o que

é normatizado e apresentado como natural, trabalhar com a aceitação das famílias e dos

demais integrantes da equipe escolar que nem sempre compartilham das mesmas ideias.

Neste sentido, a formação na área de gênero pode contribuir para que se tenha

mais segurança para enfrentar esses problemas, como observamos nas narrativas das

professoras Viés, Capulana e Chita que, em suas trajetórias formativas (formação inicial e

cursos de aperfeiçoamento), fizeram cursos voltados para a temática do gênero. Quanto a

isso, muito embora não seja ponto de discussão desta análise, a trajetória formativa está

imbricada na prática pedagógica.

A formação sobre a temática de gênero possibilita ao professor refletir sobre a

influência social e os aspectos que permeiam as relações de gênero entre as crianças e

questionar o modo como reproduzem a desigualdade de gênero. Dessa maneira, os professores

terão condições de intervir no modo como as crianças manifestam as relações de gênero.

As narrativas apresentaram uma pluralidade de informações: expuseram

aspectos de atuação docente e processos de formação profissional. No entanto, limitaremos a

responder à questão da pesquisa.

A concepção de infância das professoras permitiu que elas buscassem pensar

nas necessidades que as crianças possuem e em seus anseios. Isso nos revelou que as práticas

não estão cristalizadas em concepções que as distanciam da possibilidade de inovações, de

rupturas e de mudanças, de modo que práticas sexistas foram dando lugar a práticas

promotoras de igualdade de gênero.

Contudo, é possível inferir que as percepções de gênero das professoras

pesquisadas em alguns momentos demonstram priorizar aspectos biológicos, em outros

20

WHITAKER, Dulce Mulher & Homem: o mito da desigualdade, São Paulo: Ed. Moderna, 1988.

Page 134: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

132

aspectos sociais. No entanto, suas práticas pedagógicas revelam que, mesmo inseridas em um

padrão hegemônico e binário, existe por parte delas a intenção consciente de romper com

certos modelos hegemônicos, com os medos, os preconceitos e promover práticas que

demonstram equidade de gênero.

Foram apresentados os retalhos das práticas pedagógicas das professoras Viés,

Capulana, Casadinho e Chita e, ao costurá-los, nos deparamos com diferentes modos de

estabelecer as relações entre o gênero e: a própria concepção de prática pedagógica, educação,

escola, criança, cuidar - educar, teoria e prática e o medo da docência.

Foram essas concepções que determinaram as escolhas e tomadas de decisão

de cada profissional e que também direcionaram suas práticas aqui narradas e evidenciadas na

nossa colcha de retalhos

Page 135: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

133

Figura 38: A colcha de retalhos: lado I

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017

Page 136: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

134

Figura 19: A colcha de retalhos: lado II

Fonte: Montagem produzida pela autora- 2017

Page 137: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

135

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES: UM GRANDE BORDADO DE NÓS

Sem a pretensão de concluir a discussão proposta nesta pesquisa, trago nesta

última parte algumas considerações e provocações que suscitaram ao longo do processo de

construção deste trabalho.

Os retalhos foram separados e deles emergiram histórias de quatro mulheres

cujos valores e convicções se revelaram em suas práticas pedagógicas. Em cada retalho uma

experiência diferente, uma marca peculiar, retalhos que - articulados aos fios teóricos, foram

compondo a nossa colcha de retalhos.

O projeto inicial de pesquisa foi sendo mudado na medida em que eu ia

compreendendo de qual lugar estava falando, ou seja, o ângulo em que o objeto de pesquisa

deveria ser discutido - o campo de formação de professores e práticas educativas. Desse

modo, optei por pesquisar as práticas pedagógicas na interface com o gênero dentro da

abordagem qualitativa.

Uma pesquisa sobre a prática pedagógica dentro da abordagem qualitativa,

especialmente sobre gênero, exige do pesquisador conhecimento acerca das subjetividades, da

singularidade do sujeito, ou melhor, compreender o modo como cada sujeito narra seu

processo de formação pessoal e profissional. Exigiu da pesquisadora perspicácias e atenção

redobrada para olhar além do que foi dito. Foi preciso chegar mais próximo dos sujeitos para

compreender a pessoa profissional, o que se passou no decorrer da vida de cada um enquanto

uma pessoa social e ver o envolvimento relacional desse sujeito com o eu, o outro e o mundo.

Neste sentido, a opção pelas narrativas para produzir os dados trouxe essa aproximação entre

as professoras pesquisadas e pesquisadora.

Neste panorama, ouvir as professoras narrarem sobre suas trajetórias docentes,

processo de formação inicial e continuada e suas práticas referente às questões de gênero

causaram-nos, a princípio, certo estranhamento pelo fato de também compartilharem das

mesmas dúvidas e enfrentamentos, como afirma Ávila (2002, p.40) “mas, ao mesmo tempo,

sou uma igual, porque sou também uma professora que investiga as práticas das professoras”.

Reconhecer-me na condição de igual contribuiu para que estabelecêssemos um vínculo de

confiança e as trocas de experiências caracterizaram-se em “uma interação que dá lugar a uma

série de mediações entre investigador e narrador, aspecto este, que torna possível que quem

Page 138: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

136

investiga seja também investigado” (SICARDI, 2008, p. 65). Foram momentos altamente

formativos!

O trabalho com a narrativa coloca o professor como sujeito principal do seu

processo formativo, pois possibilita a descoberta de novos significados para aquilo que

vivemos e reflexão sobre, na medida em que os acontecimentos são organizados e articulados,

com os conhecimentos teóricos que vamos adquirindo no decorrer da nossa trajetória

formativa.

Neste sentido, a narrativa contribuiu para que eu enxergasse que minhas

experiências pessoais implicaram na professora que venho me constituindo e na minha prática

pedagógica. Na medida em que ia narrando minhas memórias e separando as fotografias

deparei-me com uma profissional que cometeu muitas “falhas pedagógicas” e reproduziu

muitos preconceitos de gênero. Olhar, refletir e escrever sobre o que faço e como faço foi

desafiador.

No decorrer da minha trajetória de formação docente passei anos estudando,

falando e escrevendo sobre os outros autores, em sua grande maioria distante do cotidiano

docente e de repente deparo-me com o desafio de escrever sobre minha prática pedagógica e

sobre a de outras professoras. Falar e escrever sobre a trajetória profissional, sobre o vivido

traz consigo seus desafios que acredito ter superado alguns deles durante o processo de

produção desta pesquisa. Para tanto, foi preciso aprender a estabelecer um diálogo entre a

prática vivida e o conhecimento científico produzido na academia.

Ao aprofundar as leituras sobre a temática do gênero, foi possível construir

outra opinião sobre a professora e autora do registro que mobilizou este estudo. Ao deparar-

me com a imagem “O coração e o cavalo”, culpabilizei a professora por estar reproduzindo

tão fortemente os estereótipos de gênero, pois aquela imagem tinha outro significado para

mim. Ela dizia: meninos são agressivos, grosseiros como cavalos.

Compreendi, neste processo, que como essa professora também reproduzi

estereótipos, porém de modos diferentes e ou mais “sutis” e que não somos culpadas ou vilãs

por isso; apenas reproduzimos em nossas práticas cotidianas o que foi inculcado em nós como

explica Louro (1997):

Tal naturalidade tão fortemente construída talvez nos impeça de notar que, no

interior das atuais escolas, onde convivem meninos e meninas, rapazes e moças, eles

e elas se movimentem, circulem e se agrupem de formas distintas. Observamos,

então, que eles parecem “precisar” de mais espaço do que elas parecem preferir

“naturalmente” as atividades ao ar livre. Registramos a tendência nos meninos de

“invadir” os espaços das meninas, de interromper suas brincadeiras. E, usualmente

consideramos tudo isso de algum modo inscrito na “ordem das coisas” (op.cit. p.

60),.

Page 139: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

137

Os estereótipos de gênero são tão fortes em nós que é comum segui-los,

reproduzi-los. Muitas vezes, eles abafam o nosso desejo de fazer diferente, porque ir contra

essa lógica binária e sexista não é fácil. É difícil desprender-se do sexismo, porém, na medida

em que vamos tomando consciência deles e de seus malefícios, vamos seguindo tentando

fazer diferente.

Diante de tantos aprendizados, defino a prática como uma ação para além da

transmissão de conteúdos e técnicas de ensino, mas como algo que é constituído pelo que o

professor é: seus valores, crenças, pelo que acredita enquanto ideal de educação. Ela é

estabelecida nesta relação dialética entre o que se sabe e o que se faz. Portanto, é variável;

muda conforme nossos princípios. Por isso, a expressão “fiz muita coisa errada” e “errei

muito no início” foi presente nas narrativas aqui apresentadas.

As minhas percepções sobre o gênero não são mais as mesmas. Elas mudaram,

estão mudando e em decorrência desta mudança vou me vendo de outra maneira enquanto

mulher. Estou me (re) descobrindo, feminista. Nunca achei que pudesse me assumir dessa

maneira, talvez pelo fato de ter uma fé religiosa pautada no cristianismo. Deveria ter

entendido antes, que justamente por acreditar e tentar viver o cristianismo que valoriza e

respeita toda a pessoa, independente de como cada um é, deveria assumir minha luta

feminista, para que mulheres sejam respeitadas e valorizadas como seres humanos nem pior e

nem melhor que os homens, pois, como afirma a feliz feminista Adiche (2017, p. 29) “Ser

feminista é como estar grávida. Ou se é ou não se é. Ou você acredita na plena igualdade entre

homens e mulheres ou não”. E eu acredito!

Foram muitos os desafios encontrados no decorrer desse processo de

investigação principalmente porque aconteceu em meio as ferozes discussões sobre a

proibição da temática do gênero nas escolas. As dificuldades foram desde encontrar uma

escola que aceitasse o desenvolvimento da pesquisa até a autorização dos pais das crianças

para que as imagens pudessem ser compartilhadas. No entanto, encontrar professoras

dispostas a falar sobre a temática, refletir e compartilhar suas práticas me encheu de

esperança. Aprendi comigo mesma e com as professoras Capulana, Chita e Casadinho que

educar para o futuro requer renunciar no presente alguns aspectos do passado.

Esta pesquisa pretende, portanto, contribuir para fomentar o debate sobre

gênero e seus desdobramentos na prática pedagógica na Educação Infantil, oferecendo pistas

para a construção de práticas educativas que favoreçam o enfrentamento das desigualdades de

gênero, desde os primeiros anos de vida.

Page 140: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

138

Acredito que a reflexão crítica sobre a prática pedagógica questionando o que é

“normal” convencional e rotineiro pode dar origem a um “novo jeito” de olhar para as

crianças e para as relações de gênero. Esta pesquisa traz consigo este desafio: o de construir

um novo olhar sobre as relações de gênero na Educação Infantil sob a ótica da criança que não

vem carregada de preconceitos, e sim com a ousadia de transgredir os padrões estabelecidos.

Falamos acerca da pesquisa, ao mesmo tempo em que exercitamos uma

reflexão sobre a mesma, até porque valorizamos tudo que envolveu e acompanhou esse

processo do fazer cientifico que traz algumas questões para pensarmos em outros possíveis

desdobramentos: a importância da formação de professores sobre a temática do gênero é uma

delas.

A falta de discussão sobre este assunto nos cursos de formação, ou até mesmo

na escola, não permite que os professores tenham uma visão crítica e contestem os padrões

muitas vezes naturalizados na nossa sociedade, como “coisa de menina” e “coisa de menino”.

O resultado disso é a repetição nas atividades desenvolvidas com as crianças, como: coração

para representar as meninas e cavalo para representar os meninos, panelinha para as meninas,

carrinho para os meninos.

A formação de professores e professoras à luz das relações de gênero é parte do

caminho que devemos trilhar para construirmos uma escola que respeite as diferentes formas

de ser menino e menina. Cabe ressaltar que tal tarefa se faz cotidianamente, ao questionarmos

o porquê de não oferecermos carrinhos às meninas ou bonecas aos meninos? Por que

acreditamos que meninos são mais agressivos que meninas? As respostas a estas perguntas

apontam caminhos para a construção da igualdade, caminhos que passam pela revisão das

relações de gênero e da sexualidade na escola. Neste sentido, Finco (2004) propõe que

Para que a Educação Infantil seja de fato direito de todos, coloca-se, como desafio

urgente, que a formação dos (as) professores (as) garanta espaço para a pluralidade e

para que os (as) professores narrem suas práticas e trajetórias vividas, compreendam

sua própria história, redimensionem o passado e o presente, ampliem seu saber,

encontrado, desse modo, um espaço para construção e reconstrução dos significados.

(pp. 127-128)

Outra questão que merece destaque refere-se ao fato da grande maioria dos

docentes que atuam na Educação Infantil serem do sexo feminino e da associação feita entre

docência e maternagem reforçando a ideia equivocada de que as mulheres são cuidadoras por

natureza e que os homens não conseguem desempenhar tal função. Por este motivo, é

necessário questionar a origem histórica que nos faz vincular a imagem da mulher ao cuidado

de crianças pequenas e ao trabalho doméstico. É preciso quebrar os paradigmas que foram

Page 141: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

139

internalizados e estão arraigados no nosso interior. “É preciso reconstruir a história tendo

como base a equidade entre homens e mulheres que podem dar início a uma igualdade entre

homens e mulheres” (AZEVEDO, 2012, p. 5-6).

As considerações aqui apresentadas não esgotam as possibilidades de outras

dimensões, tampouco encerram as reflexões e inquietações acerca da questão

problematizadora que permeou essa investigação. Pelo contrário, oportuniza ampliar as

possibilidades de diálogo sobre a importância de pensar em práticas pedagógicas que

promovam a igualdade de gênero desde a Educação Infantil. No tocante à metáfora utilizada

neste trabalho, afirmo que outros retalhos podem ser costurados à nossa colcha.

Todo caminho de vida é constituído por diversos outros caminhos que se unem

entre si para formar um todo formativo. Muitos acontecimentos perpassam nessa trajetória e,

ao retomá-los, ressalto que, ao adentrar neste universo investigativo, não saí do mesmo modo

que entrei. Passei por processos de ressignificações das minhas concepções, de estranhamento

ao que me parecia tão próximo, construímos novos sentidos ao que julgava conhecer. Fui

desafiada a ir além das aparências, ampliando assim, o meu olhar, para toda a dinâmica da

vida acadêmica.

Assim, sigo minha jornada como professora e pesquisadora na imensa certeza

de em mim e consequentemente na minha prática pedagógica haverá entre tantos outros

retalhos, os retalhos das professoras Chita, Capulana e Casadinho.

Contudo, esta pesquisa materializa-se em um grande bordado de nós.

Page 142: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

140

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMOWICZ, A. O direito das crianças à Educação Infantil. Pró-posições. Campinas:

v.14, n.3, set/dez.2003.

ADICHE, C.N. Sejamos todos feministas. Tradução Cristina Baum. São Paulo: Companhia

das Letras, 2015.

___________ Para educar crianças feministas. Tradução Denise Bottmann. São Paulo:

Companhia das Letras, 2017.

ALMEIDA, Junior, Ademir Soares de. Foto e Grafias: narrativas e saberes de professores/ as

de Educação Física. Campinas, SP, 2012. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de

Campinas, Faculdade de Educação. UNICAMP, 2012.

ANDRÉ, Marli. Pesquisa na formação e prática docente. O papel da na formação e na

prática dos professores. Campinas. SP: Papirus 2001, p. 55-67

ARIÈS, P. História social da infância e da família. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.

AZEVEDO, Paula Tatiane de. As Relações de Gênero e a Educação. Disponível em:

http://www.cfh.ufsc.br/abho4sul/pdf/Paula%20Tatiane%20de%20Azevedo.pdf. Acesso em

19/09/2012

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1998

BRASIL. LDB. Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394 de

20/12/1996.

BRASIL, Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. In:

BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica. Brasília, MEC,

Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral, 2013, P. 81-100.

BUENO, Belmira O.; SOUSA, Cynthia P.; CATANI, Denice B.; SOUZA Maria C. C.

Docência, Memória e Gênero: Estudos Alternativos sobre a Formação de Professores.

Revista Psicologia USP, São Paulo. V 4, p. 299-318, 1993.

CAVALCANTI, Thiago. Percepção, Concepção e Comportamento Individual. Grupo de

Estudos Gestão Total. 2013 http://grupodeestudosgt.blogspot.com.br/2013/06/percepcao-

concepcao-e-comportamento.html-comportamento.html> acesso em 09 de set. de 2017.

CERISARA, Ana Beatriz Professoras de educação infantil: entre o feminino e o

profissional. São Paulo: Cortez Editora, 2002.

CHAMON, Magda. Trajetória de feminização do magistério e a (con) formação das

identidades profissionais. In VI Seminário da REDESTRADO, 06 a 07 de novembro, 2006,

Rio de Janeiro UERJ, 2006.p.1-16.

Page 143: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

141

CIPOLLONE, Laura. Diferença sexual, dimensão interpessoal e afetividade nos contextos

educacionais para a infância. Pró-posições. Campinas: v.14, n.3, set/dez.2003.

CUNHA, Marcia Borin da. A percepção de ciência e tecnologia dos estudantes do ensino

médio e a divulgação cientifica. 2009. 363 f. Tese (Doutorado em Educação)- Faculdade de

Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

CUNHA, Márcia Borin da, GIORDAN, Marcelo. Pesquisas de Percepções e concepções de

Ciência e a necessidade de um referencial teórico. 33a Reunião Anual da Sociedade Brasileira

de Química. Águas de Lindóia, São Paulo, 2010.

__________. As Percepções na Teoria Sociocultural de Vigotski: uma análise na escola.

Alexandria Revista de Educação em Ciência e Tecnologia, v.5, n.1, p.113-125, maio 2012.

Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/alexandria/article/viewFile/37700/28870.

Acesso em setembro de 2017.

DEL PRIORE (ORG). História das crianças no Brasil. 3 ed. São Paulo, editora

Contexto, 1997.

DINIZ-PEREIRA, J. E. A construção do campo da pesquisa sobre formação de

professores. Revista da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 22, n. 40,

p. 145-154, jul./dez. 2013.

FARIA, Ana Lúcia Goulart. Pequena infância, educação e gênero: subsídios para um

estado da arte. Cadernos Pagu, Campinas, nº26, p. 279-287,2006.

FINCO, Daniela. Relações de gênero nas brincadeiras de meninos e meninas na educação

infantil. Pro – Posições, Campinas SP, volume 14, nº 3, 89-101, 2003.

_________. Faca sem ponta, galinha sem pé, homem com homem, mulher com mulher:

relações de gênero nas relações de meninos e meninas na pré-escola. (Dissertação de

Mestrado) Faculdade de Educação da UNICAMP, 2004.

__________ Educação Infantil Espaços de confronto e convívio com as diferenças:

Analise das interações entre professoras e meninos e meninas que transgridem as

fronteiras do gênero. Tese (Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo,

São Paulo, 2010.

___________Gênero, corpo, infância: desafios para educação descolonizadora de

meninos e meninas. In FARIA, Ana Lúcia (org). Infâncias e pós colonialismo.Campinas SP;

Leitura Crítica, 2015.

GATTI, Bernadete; ANDRÉ Marli. A relevância dos métodos de pesquisa qualitativa em

Educação no Brasil. In WELLER, Wivian; PFAFF,Nicole (orgs). Metodologias da pesquisa

qualitativa em Educação. Petrópolis RJ: Vozes, 2010. P. 29-38.

GOODSON, Ivor F. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu

desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, António (Org.). Vidas de Professores. Porto:

Porto Editora, 1995.

Page 144: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

142

HUBERMAN, Michael. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António

(Org.). Vidas de Professores. Porto: Porto Editora, 1995.

JAVEAU, Claude. Criança, infância(s), crianças: que objetivo da uma ciência social da

infância? Educação e Sociedade, vol. 26, nº 91, p.379-389 Mai./ Ago. 2005.

JOSSO, Marie-Christine. Da formação do sujeito... ao sujeito da formação. In NÓVOA,

António e FINGER, Matthias (orgs). O método (auto)biográfico e a formação.

Portugal/Lisboa: Pentaedro, Tradução: Maria Nóvoa, Centro de Formação e Aperfeiçoamento

Profissional, 1988, p.35-50 (Cadernos de Formação).

_______________. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.

_______________. A transformação de si a partir da narração de histórias de vida.

Educação. Porto Alegre/RS, n. 3 (63), p. 413-438, set./dez. 2007.

KRAMER. S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. Rio de Janeiro:

Achime, 1995.

KRAMER, Sônia. Infância e Produção cultural. Campinas: Papirus, 1999.

__________. Infância, cultura contemporânea e educação contra barbárie. In: KRAMER, S. e

BAZILIO, L. C. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez, 2003.

KUHLMANN, Jr. M. Histórias da educação infantil brasileira. Revista brasileira de

educação, Fundação Carlos Chagas, São Paulo n14,Mai/ Jun/ Jul/ Ago. 2000. Disponível em:

www.scielo.br/pdf/rbedu/n14/n14a02.pdf. Acesso em 10 ago. 2012

___________.Infância e Educação Infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre:

Mediação, 2007.

___________.A educação infantil no século XIX. In STEPHANOU. Maria, BASTOS,

Maria Helena Campos (org).Histórias e Memórias da Educação no Brasil. Século XIX.

Petrópolis RJ, 2005.

LEITE, César Donizete Pereira. Infância, experiência e tempo. São Paulo: Cultura

Acadêmica, 2011.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pós

estruturista. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

_____________. Mulheres na sala de aula. In PRIORE, Mary Del.(org.). Histórias das

mulheres no Brasil. São Paulo Contexto.1997. p, 443-481.

_________. Gênero e Magistério: Identidade, História, Representação. In CATANI,

Denice Barbara...[ et al.]. Docência, Memória e Gênero: estudos sobre formação. São Paulo

Escrituras Editora,1997.

LUDKE, M.; ANDRE, M. E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas. São

Paulo: EPU, 1986.

Page 145: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

143

MARTINS, Batista João. Contribuições epistemológicas da abordagem multirreferencial

para a compreensão dos fenômenos educacionais.

file:///C:/Users/Leonardo/Downloads/Multirreferencialidade%20e%20Educa%C3A7%C3%A

3o.pdf.Acesso em: 25/07/2017.

MINAYO, Maria C. de Souza; DESLANDES, Suely F.; GOMES, Romeu. Pesquisa Social:

teoria, métodos e criatividade. 28 ed. Petrópolis RJ, 2009. 108 p. (Coleção Temas Sociais).

MOMBERGER, Delory C. Formação e socialização: os ateliês biográficos de projeto.

Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 32, n2, p. 359-371, maio/ago. 2006.

https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4864724.

MONTEIRO, Mariana Kubilius. Trajetórias na docência: professores homens na

educação infantil. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-graduação da Faculdade de

EducaçãoFísica, Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, 2014.

MORENO, M. Como se ensina a ser menina, o sexismo na escola. Campinas: Ed. Moderna,

1999.

NÓVOA, Antônio. (Orgs). Vida de Professores. Porto, Portugal. Ed. Porto, 1995.

NICHOLSON, Linda. Interpretando o Gênero. In Estudos Feministas, Florianópolis, v8,

n.2, 2000, p. 9-41.

OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil fundamentos e métodos. 3. Ed. São Paulo:

Cortez. 2007.

____________. (Orgs). O trabalho do professor na Educação Infantil. São Paulo: Biruta,

2012.

PASSEGI, Maria Conceição da & CAMARA. Narrar é humano! Autobiografar-se é um

processo civilizatório. In PASSEGI, M. C; SILVA, V. B (orgs). Invenções de vida,

compreensão de itinerários e alternativas de formação. São Paulo. Cultura Acadêmica,

2010. p. 103-130.

PEREIRA, J. E. D. e LACERDA, M . P. Possíveis significados da pesquisa na prática

docente: ideias para fomentar o debate. In: Educação e Sociedade, Campinas, vol. 30, n. 109,

p. 1229-1242, set./dez. 2009.

PINTO, Maria das Graças Gonçalves. O lugar da prática pedagógica e dos saberes

docentes na formação de professores. Disponível em:

https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/4864724.Acesso em 20 de junho de 2017.

POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Tradução de Suzana Menescal de

Alencar. Carvalho e José Laurentino de Melo. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.

ROCHA, Heloisa Helena Pimenta. A higienização da infância no século da criança. IN

FARIA, Ana Lucia G.; MELLO, Suely Amaral (Org. ). Linguagens infantis: outras formas de

leitura. Campinas: Autores Associados, 2005, p. 57- 84.

Page 146: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

144

ROCHA, Ruth. Romeu e Julieta. Ed. Salamandra, 2009

ROSEMBERG, Fúlvia. Expansão da Educação Infantil e processos de exclusão. Cadernos

de Pesquisa. São Paulo, n107, p.7-40, 1999.

SACRISTÁN, J. Gimeno. Consciência e acção sobe a prática como libertação profissional dos

professores. In NÓVOA, António. Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995.

__________. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Trad. Ernani F. da F. Rosa, Porto

Alegre: Art Méd, 2000, 3 ed.

SARMENTO, Manuel Jacinto. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia

da infância. Educação e Sociedade, vol. 26, nº 91, p.361-378 Mai./ Ago. 2005.

__________________. Imaginário e cultura da infância, 2002. Disponível em:

http://titosena.faed.udesc.br/Arquivos/Artigos_infancia/Cultura%20na%20Infancia.pdf.

Acesso em agosto de 2017.

SCOTT. Joan. Gênero uma categoria útil para análise histórica 1995. Disponível em

http://wesleycarvalho.com.br/wp-content/uploads/G%C3%AAnero-Joan-Scott.pdf. Acesso

em 10 de ago. de 2012

SAYÃO, Débora Thomé. Pequenos homens, pequenas mulheres? Meninos e meninas?

Algumas questões para pensar as relações de gênero na infância. Pró-posições. Campinas:

v.14, n.3, set/dez.2003.

SILVA, Conceil Corrêa da Silva; SILVA, Nye Ribeiro. A Colcha de retalhos. Ed. do Brasil.

São Paulo, 2010.

SILVA, Peterson Rigato da. lNão sou tio, nem pai, sou professor! A docência masculina

na educação infantil. Campinas, SP.Dissertação de mestrado- – Universidade Estadual de

Campinas, Faculdade de Educação. UNICAMP, 2014.

SICARDI, Bárbara Cristina Moreira. Biografias educativas e o processo de constituição

profissional de formadores de professores de matemática. Campinas, SP:, 2008.Tese

(doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. UNICAMP,

2008.

SICARDI NAKAYAMA, Bárbara Cristina Moreira. Leitura e produção do conhecimento e a

potencialidade heurística das narrativas educativas. In: NUNES, Célia Maria Fernandes;

ARAUJO, Regina Magna Bonifácio de. (orgs.) Narrativas de Professores em Formação: O

Significado de ser Pedagogo. Jundiaí, Paco Editorial: 2015.

SOUZA :Jane Fellipe. Gênero e sexualidade nas pedagogias culturais: implicações para a

educação infantil. Disponível em: www.ced.ufsc.br/~nee0a6/SOUZA.pdf. Acesso em

19/9/2012

TARDIFF, Maurice. Elementos para uma teoria da prática educativa. In: Saberes docentes e

formação profissional. Petrópolis, Vozes, 2002.

Page 147: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

145

TITTONI, Jaqueline; OLIVEIRA, Renata Ghisleni de; SILVA,Paula Marques da;

TANIKADO, Grace. A Fotografia na Pesquisa Acadêmica: sobre visibilidades e

possibilidades de conhecer. Informática na Educação: teoria & prática, Porto Alegre, v. 13,

n. 1, p. 59-66, jan./jun. 2010.

VEIGA, Ilma Passos. A prática pedagógica do professor de Didática. 2 Ed. Campinas,

Papirus, 1992.

VIANNA, Cláudia; FINCO, Daniela. Meninos e meninas na Educação Infantil: uma

questão de poder. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/cpa/n33/10.pdf. Acesso em

dezembro de 2017

WADA, Maria José Figueiredo Ávila. A professora de creche: a docência e o gênero

feminino na educação infantil. IN Pro-Posições. vol.14,n.3(42)-set./dez.2003, p.53- 65.

Page 148: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

146

ANEXOS

1.

CARTA DE APRESENTAÇÃO E PEDIDO DE PERMISSÃO PARA A

REALIZAÇÃO DE PESQUISA

Venho, por meio desta, informar-lhe que Raquel Aparecida Batista é aluna

regularmente matriculada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade

Federal de São Carlos – campus Sorocaba (PPGEd-UFSCar), em nível de mestrado.

Sob minha orientação, a referida pós-graduanda pretende desenvolver uma pesquisa de

caráter qualitativo, intitulada “Práticas pedagógicas na Educação Infantil: uma análise

sobre as percepções de gênero das professoras” cujo objetivo é analisar quais percepções

de gênero se revelam na prática pedagógica das professoras a partir de fotografias do

cotiadiano escolar.

Tal pesquisa será realizada através de fotografias momentos da prática pedagógica das

professoras participantes e narrativas que serão produzidas através destes registros

fotográficos.

Nesse sentido, solicito a V.Sa. a permissão para que tal estudo seja realizado no

âmbito desta instituição de Educação Infantil.

Agradeço a atenção e coloco-me à disposição para eventuais esclarecimentos.

Cordialmente:

_____________________________________________

Profª Drª Bárbara Cristina Moreira Sicardi Nakayama

e-mail: [email protected]

Sorocaba, de maio de 2017

Page 149: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

147

2- TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Prezado (a) participante:

Sou mestranda do programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal

de São Carlos, Campus Sorocaba, vinculado à linha de pesquisa formação de professores e

práticas educativas. Realizo uma pesquisa intitulada “Práticas pedagógicas na Educação

Infantil: uma análise sobre as percepções de gênero das professoras” sob orientação da

Profª Drª Bárbara Cristina Moreira Sicardi Nakayama, cujo objetivo é analisar quais

percepções de gênero se revelam na prática pedagógica das professoras a partir de fotografias

do cotiadiano escolar.

Sua participação nesta pesquisa é voluntária e requer que registre através de

fotografias momentos da sua prática pedagógica que julgue importante e ou interessante, bem

como a autorização para a utilização das fotografias e da narrativa que será produzida a partir

destes registros. Suas produções serão anunciadas no estudo como de sua autoria.

O caráter ético desta pesquisa assegura que as pessoas participantes tenham um

retorno dos resultados apresentados e ao final da mesma uma cópia do relatório será

disponibilizada para consulta.

Desde já agradeço pela sua contribuição. Quaisquer dúvidas relativas à pesquisa

poderão ser esclarecidas pela pesquisadora.

Atenciosamente

____________________

Raquel Aparecida Batista

_____________________________

Profª Drª Bárbara Cristina M. Sicardi

Nakayama

Consinto em participar desta pesquisa e declaro ter recebido uma cópia deste termo de

consentimento.

____________________________

Nome e assinatura do participante

______________________________

Sorocaba, de maio de 2017.

Page 150: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

148

3-

AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM

Eu,____________________________________________________________,profissão_____

___________________, residente na ________________________________, nº______,

complemento, cidade__________________ estado______, portador da Cédula de Identidade

RG_______________, AUTORIZO o uso das imagens fotográficas produzidas no âmbito da

pesquisa: “PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA

ANÁLISE SOBRE AS PERCEPÇÕES DE GÊNERO DAS PROFESSORAS”.

Declaro ainda que esta autorização é concedida a título gratuito, abrangendo o uso das

imagens acima mencionadas para efeito de publicação e divulgação do referido trabalho de

pesquisa.

Deste modo, por esta ser a expressão da minha vontade, declaro que autorizo, livre e

espontaneamente, o uso acima descrito sem que nada possa a ser reclamado a título de direitos

conexos à imagens por mim cedidas sob minha responsabilidade ou a qualquer outro.

Sorocaba ,______de____________________de_________ 2017

_________________________________________________________

Page 151: FOTONARRATIVAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORAS DA …...estudo estrutura-se dentro da perspectiva qualitativa e utilizou-se como produção de dados a ... para gênero como categoria

149

4-

AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM

Eu,____________________________________________________________, portador (a)

da Cédula de Identidade RG_______________, responsável pelo

menor__________________________________________________ AUTORIZO o uso das

imagens fotográficas produzidas no âmbito da pesquisa: “PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA

EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE SOBRE AS PERCEPÇÕES DE GÊNERO

DAS PROFESSORAS”.

Declaro ainda que esta autorização é concedida a título gratuito, abrangendo o uso das

imagens acima mencionadas para efeito de publicação e divulgação do referido trabalho de

pesquisa.

Deste modo, por esta ser a expressão da minha vontade, declaro que autorizo, livre e

espontaneamente, o uso acima descrito sem que nada possa a ser reclamado a título de direitos

conexos à imagens por mim cedidas sob minha responsabilidade ou a qualquer outro.